Franciele Letícia Kühl
Franciele Letícia Kühl
Franciele Letícia Kühl
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Dr. André Viana Custódio
Professor Orientador – UNISC
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Dra. Marili M. M. da Costa
Professora examinador – UNISC
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Dr. Ismael Francisco de Souza
Professor examinador -Membro Externo
Descer do escorregador,
Fazer bolha de sabão,
Sorvete, se faz calor,
Brincar de adivinhação.
(Ruth Rocha)
RESUMO
Esta dissertação tem como objeto o estudo das políticas públicas de atendimento às
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar no município de Santa
Cruz do Sul. O problema norteador da pesquisa consiste em: as políticas públicas de
atendimento de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar no
município de Santa Cruz do Sul atendem os requisitos normativos básicos previstos
nas diretrizes nacionais e os fundamentos da teoria da proteção integral para o
enfrentamento à violência sexual? Como hipótese ao problema, aponta-se que
apesar do município desenvolver políticas de atendimento às crianças e
adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar de acordo com as diretrizes
nacionais, há dificuldades para o enfrentamento à violência, devido a grande
demanda do município e a falta de recursos financeiros e humanos. Desta forma,
para responder o problema de pesquisa, definiu-se como objetivo geral, estudar as
políticas de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual
intrafamiliar no município de Santa Cruz do Sul tendo como referência as diretrizes
nacionais do Sistema Único de Assistência Social. Nos objetivos específicos, que
correspondem cada um dos capítulos, buscou-se descrever a proteção jurídica
contra violência sexual intrafamiliar de crianças e adolescentes no marco da teoria
da proteção integral. Verificar o contexto da violência sexual intrafamiliar no Brasil e
as responsabilidades intersetoriais de atendimento à criança e ao adolescente. E,
analisar a adequação das políticas públicas municipais de atendimento de crianças e
adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar de Santa Cruz do Sul às
diretrizes nacionais da política de enfrentamento à violência sexual. O método de
abordagem da pesquisa adotado é o dedutivo, caracterizando-se por ser um estudo
exploratório, possibilitando conhecer a realidade do município quanto às políticas de
atendimento, e também é um estudo explicativo, produzindo conhecimento e
contribuindo na elaboração ou adaptação de políticas públicas de atendimento de
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar. O método de
procedimento será o monográfico com técnicas de pesquisa bibliográfica,
documental e de campo. A pesquisa de campo foi realizada no município de Santa
Cruz do Sul/RS, utilizando a entrevista semiestruturada.
This dissertation has as it main objective the study of public policies for the care of
childreen and teenagers victims of intrafamily sexual abuse in the county of Santa
Cruz do Sul. The guiding problem of the research consists of: Are the Public policies
for the care of children and teenagers victims of intrafamily sexual abuse in the
county Santa Cruz do Sul meeting the basic normative requirements set forth in the
national guidelines and the foundations of the theory of integral protection to
confront the sexual violente? As a hypothesis to the problem, it is pointed out that
althought the county develops policies of care for children and teenagers victims of
intrafamily sexual abuse according to national guidelines, there are difficulties to
confront violence, due to the great demand of the county and the lack of financial and
human resources. Thus, in order to answer the research problem, it was defined as
general objective to study the policies of policies of care for children and adolescents
victims of intrafamily sexual abuse in the municipality of Santa Cruz do Sul, having as
reference the national guidelines of the Single System of Social Assistance - SUAS.
In the specific objects, which corresponds to each of the chapters, it seeks to
describe the legal protection against intrafamily sexual violence of childre and
teenagers within the scope of integral protection theory. To verify the context of
intrafamily violence in Brazil and the intersectoral responsabilities of children and
teenagers care. And, to analyze the adequacy of the municipal public policies for the
care of children and teenagers victims of intrafamiliary sexual abuse in Santa Cruz
do Sul to the guidelines of the national policy to combat sexual violence. The
approach method of the reasearch is the deductive one, characterized as being an
extraploratory study, making possible to know the reality of the county as to the
attendance policies, and also is an explanatory study, producing knowledge and
contribuing in the elaboration or adaptation of the public policies to care for children
and teenagers victims of intrafamily sexual abuse. The method procedure will be the
monographic with bibliographic, documental and field techniques of research. The
field research was carried ou in the county of Santa Cruz do Sul/RS, using the semi-
structured interview.
Keywords: Sexual abuse. Teenager. Children. Policies. Theory of Integral
Protection.
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 14
2. A PROTEÇÃO JURÍDICA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES CONTRA A
VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR. ................................................................. 21
2.1 A teoria da proteção integral e a responsabilidade compartilhada da família, da
sociedade e do estado na garantia dos direitos fundamentais da criança e do
adolescente. .............................................................................................................. 22
2.2 A proteção jurídica especial à criança e ao adolescente contra a violência sexual
intrafamiliar. ............................................................................................................... 31
2.3 O sistema de garantias de direitos e as responsabilidades intersetoriais no
enfrentamento à violência sexual intrafamiliar contra a criança e o adolescente ...... 43
2.4 As diretrizes nacionais de atendimento às crianças e adolescentes vítimas de
violência sexual ......................................................................................................... 63
3. O CONTEXTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS
E ADOLESCENTES NO BRASIL. ............................................................................ 75
3.1 Modalidades de violência sexual contra crianças e adolescentes. ...................... 76
3.2 Dados oficiais disponíveis sobre violência sexual intrafamiliar............................ 85
3.3 Causas e consequências do abuso sexual intrafamiliar. ..................................... 94
3.4 As responsabilidades na política de atendimento à criança e ao adolescente
vítimas de abuso sexual intrafamiliar ...................................................................... 102
4. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENDIMENTO PARA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR NO
MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL. ................................................................ 116
4.1 O contexto do município de Santa Cruz do Sul. ................................................ 116
4.2 As políticas públicas municipais de enfrentamento à violência sexual contra
crianças e adolescentes. ......................................................................................... 125
4.3 A atuação das equipes técnicas no atendimento à crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual intrafamiliar. ..................................................................... 136
4.4 A avaliação da política municipal de atendimento à crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual intrafamiliar de acordo com as diretrizes nacionais. ........ 145
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 154
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 161
14
1 INTRODUÇÃO
Refere que a criança deve ser “preparada para poder interagir na sociedade
e, para tanto, deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das
Nações Unidas e, em especial, com dignidade, tolerância, liberdade, igualdade,
solidariedade e espírito de paz” (VERONESE, 2013, p. 47).
No artigo 19, a Convenção refere sobre a responsabilidade do Estado de
adotar medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para
proteger as crianças de todas formas de violência, dentre elas, o abuso sexual,
enquanto a criança ou o adolescente estiver sob a custódia dos pais, do
representante legal ou qualquer pessoa responsável pela sua proteção. Essas
medidas devem incluir procedimentos apropriados e procedimentos eficazes para
elaboração de programas sociais que proporcionem uma assistência adequada às
crianças e, também, às pessoas responsáveis pelo seu cuidado.
Neste viés, importante frisar que a Convenção sobre os Direitos da Criança
utiliza o conceito de “criança”, não porque exclui os adolescentes de terem direitos e
proteção, mas porque, de acordo com o artigo 1º, da respectiva Convenção,
entende-se que “para efeitos da presente Convenção considera-se como criança
todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em
conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”
(BRASIL, 1990).
28
sexual, lucro, previamente definidos. A relação violenta de poder, por ser desigual,
estrutura-se num processo de violação, através do qual o dominador utiliza-se de
coação e agressões e faz do dominado um objeto para seus ganhos e vontades
(FALEIROS; FALEIROS, 2007, p. 29).
Na literatura corrente, violência doméstica, ou intrafamiliar, é usado para
nomear a violência ocorrida dentro do espaço doméstico e familiar, atingindo
crianças, adolescentes ou mulheres (AZEVEDO; GUERRA, 1993, p. 195-208).
Violência doméstica é entendida como toda agressão “que ocorre dentro de casa,
nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pai/mãe e
filhos, entre jovens e pessoas idosas” (TELES; MELO, 2002, p. 19).
carinho à criança ou ao adolescente, que a leva crer não tem importância para os
pais ou responsáveis ou que eles não gostam dela. Pode ser também pelo descaso
em retirar a criança ou adolescente de uma situação de violação de direitos como a
violência sexual (MACHADO, 2014, p. 50-51).
A negligência é causada por um conjunto de fatores econômicos, culturais,
sociais e psicológicos. Os profissionais da rede de atendimento devem estar atentos
a sinais de negligência, como os profissionais das áreas da saúde e da educação,
que devem observar se uma criança ou adolescente apresenta sintomas como
desnutrição, lesões na pele decorrentes de má-higiene, vacinas em atraso, doenças
crônicas não tratadas, ausência escolar, entre outras.
A discriminação é uma forma de violência social e envolve “todas as formas
de ações ou omissões realizadas por indivíduos, grupos, classes sociais, nações
que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e espirituais e a si próprio ou aos
outros” (SOUZA; MELLO, 2006, p. 24). Esse tipo de violência social é caracterizado
pela discriminação e preconceito em relação a determinados grupos sociais,
referente a raça, etnia, gênero ou situações que colocam as pessoas em posições
diferentes, como a situação de vítima, expondo crianças e adolescentes a situações
de mais violência ainda.
A exploração decorre da atividade que pressupõe vantagens econômicas
mediante como o uso do trabalho infantil de crianças e adolescentes. O trabalho
infantil muitas vezes sequer é percebido pela sociedade como uma violação de
direitos, isso porque é visto como algo produtivo e não prejudicial, atribuindo muitas
vezes ao trabalho um caráter lúdico ou pedagógico. Todavia, vedado
constitucionalmente, é prática que viola aos direitos fundamentais, particularmente
ao princípio da dignidade humana. O trabalho infantil pode ocorrer de variadas
formas, em regra, sua existência está associada alguma forma de exploração,
abuso, negligência ou violência, perante a qual incidirá a responsabilidade da própria
família, de terceiros beneficiários do labor desenvolvido e do Poder Público.
A exploração sexual compreende-se no abuso sexual praticado por adultos
combinado com a oferta de contrapartida como remuneração, presentes, promessas
ou até ameaças. Nestes casos, a criança ou adolescente é tratado como objeto
sexual, uma mercadoria. A exploração sexual comercial constitui-se como forma de
35
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas
criminosas, são formas de violência:
I - violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao
adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause
sofrimento físico;
II - violência psicológica:
a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em
relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento,
ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying)
que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;
36
estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A do Código Penal, basta que o agente
tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa que tenha
menos de 14 anos de idade, o consentimento da vítima, sua experiência sexual
anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não
afasta a ocorrência do crime, afastando-se a relativização da vulnerabilidade da
vítima, tendo em vista a argumentação de consensualidade da vítima (BRASIL, STJ,
2018), dá mesma forma que o entendimento da Súmula 593 do Superior Tribunal de
Justiça.
Ao que pese os crimes de exploração sexual, os artigos 218-B, 227, 228, 229
e 230, do Código Penal, trazem a previsão de penas para os crimes de exploração
sexual comercial, para quem submete, atrai, induz, facilita ou até mesmo impede ou
dificulta o abandono, de criança, adolescente ou pessoa que por enfermidade ou
deficiência mental não tenha o discernimento necessário para compreender a prática
que lhe está sendo sujeitada, às atividades de exploração sexual, assim como, a
penalidade atinge a quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso nestas
condições e o proprietário, o gerente ou responsável do estabelecimento onde estas
práticas estejam ocorrente, tendo ou não intuito ou participação de lucro, configura-
se o crime o simples fato de manter local onde ocorrem explorações sexuais infantis.
Inclusive, a Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, lei que dispõe sobre os
crimes hediondos, traz em seu artigo 1º, incisos V, VI e VIII, que estupro, estupro de
vulnerável e favorecimento à exploração sexual comercial de criança, adolescente
ou vulnerável é crime hediondo, desta forma, são insuscetíveis de anistia, graça,
indulto, fiança, a pena de ser inicialmente cumprida em regime fechado, a
progressão de regime só se dá após o cumprimento de dois quintos da pena, se o
réu for primário, ou então somente após três quintos de cumprimento da pena, se for
reincidente (BRASIL, 1990-a).
A partir do artigo 233, o Código Penal trata sobre os crimes de ato obsceno,
isto é, “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público” ou,
então, “fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de
comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura,
estampa ou qualquer objeto obsceno” (BRASIL, 1940).
41
Importante destacar a previsão que traz o artigo 111, do referido código, após
a promulgação da Lei n. 12.650, de 17 de maio de 2012, Lei Joanna Maranhão, que
deu redação ao inciso V do artigo 111, as prescrições antes do transito em julgado
da sentença começam a correr da data em que a vítima, de crimes contra a
dignidade sexual, completa dezoito anos de idade, salvo se já tenha sido proposta a
ação penal, contribuindo para diminuição da impunidade dos agressores dessa
natureza.
Das disposições preliminares do Estatuto da Criança e do Adolescente, o
artigo 5º, expõe que “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais” (BRASIL, 1990), pois são sujeitos de direito, devendo o Estado, a
família e a sociedade resguardar seu direito à vida e à saúde, para que tenha um
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Assim, os
casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou
degradante ou de maus-tratos devem ser obrigatoriamente comunicados ao
Conselho Tutelar, órgão que tem competência para aplicação imediata de medidas
de proteção.
O artigo 15 ao 17, dizem a respeito sobre o direito da criança e adolescente,
pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, de terem direito à liberdade, ao
respeito a sua dignidade, como sujeitos de direitos civil, humanos e sociais,
garantidos não só pelo Estatuto, mas sobretudo, pela Constituição Federal. O direito
ao respeito, consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral,
abrangendo a sua imagem, identidade, autonomia, valores, ideias, crenças, espaço
e objetos pessoais. É dever de todos pôr as crianças e adolescente a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor,
prevenindo a ameaça ou violação de seus direitos.
E quando verificada uma hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual,
praticado pelos pais ou responsáveis, caberá ao Poder Judiciário determinar medida
cautelar de afastamento do agressor da moradia em comum, segundo o artigo 130
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
42
estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos” (GOHN, 2007, p.
7). Nestes termos, tem-se a constituição de novas formas de participação
democrática, “cuja participação não é medida pelo processo eleitoral e que permitiria
aos cidadãos um controle sobre a ação do Estado” (GONZALES, 2000, p. 90), mas
uma democracia participativa, através de atores incumbidos da responsabilidade de
fiscalizar as ações governamentais e também de decidir, de forma deliberativa,
atuações do Poder Executivo.
Dentre as diretrizes traçadas a pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
como o artigo 86, inciso II, está a determinação da criação de conselhos de direitos,
como “órgão deliberativo e controlador das ações em todos os níveis, assegurada a
participação popular paritária por meio de organizações representativas” (BRASIL,
1990). Assim, é possível verificar que os Conselhos de Direitos da Criança e do
Adolescente caracterizam-se por ser um espaço público que abrange a possibilidade
de participação popular paritária, isto é, composta por representantes de entidades
públicas e de entidades privadas, em igual número, e que envolve diferentes área
das políticas públicas. Os representantes governamentais são escolhidos pelo chefe
do Poder Executivo, do respectivo nível, e a outra metade é escolhida pela
sociedade civil, através das suas organizações representativas.
Os Conselhos de Direitos estão organizados nas três esferas administrativas
do país, a nível nacional há o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente
(CONANDA), no nível estadual, há os Conselhos Estaduais da Criança e do
Adolescente e, por fim, no âmbito municipal há os Conselhos Municipais da Criança
e do Adolescente. Consta no artigo 88, inciso II a previsão da instituição dos
conselhos, assegurando a participação popular, por meio de organização
representativas, segundo as leis federais, estaduais e municipais.
Nesse sentido, por ter essa atribuição de elevado fins, de atuar na guarda e
efetivação de valores importantes da ordem Constitucional, a Constituição Federal
61
trazer elementos para seu enfrentamento. Nele deverá conter as condições tidas
como essenciais e as garantias de direitos básicos de qualquer cidadão,
assegurando a universalidade dos direitos sociais. O plano possuí detalhados os
objetivos, metas e ações previstas, para um determinado período para sua
execução.
O Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, traz em
suas diretrizes, no eixo 2, a “Proteção especial a crianças e adolescentes com seus
direitos ameaçados ou violados” (BRASIL, PLANO DECENAL DOS DIREITOS
HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 2010, p. 02). Tendo como objetivo
estratégico 3.9 a ampliação e articulação “políticas, programas, ações e serviços
para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, com base
no Plano Nacional temático” (BRASIL, PLANO DECENAL DOS DIREITOS
HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 2010, p. 02). A formulação de
diretrizes e parâmetros para estruturação de redes integradas de atendimento a
crianças e adolescentes em situação de violências, também é um dos seus
objetivos.
O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes, publicado em maio de 2013, válido até 2020, contou com a
colaboração de alguns órgãos institucionais responsáveis pela articulação,
mobilização e realização do plano, que compreendeu a Campanha Faça Bonito, do
Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes, a rede End Child Prostitution and Trafficking (ECPAT Brasil), o
CONANDA, a Secretaria de Direitos Humanos, Comissão Intersetorial de
Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes/Secretaria
Especial de Direitos Humanos – Paraná, Ministério do Turismo, UNICEF e Centro de
Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (CECRIA).
O primeiro plano foi publicado no ano de 2000, dez anos após a promulgação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, chamado Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, que começou a ser atualizado a
partir de 2003 e foi substituído pelo segundo plano em 2013, o Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, o qual inovou
66
O Plano Nacional de Educação (PNE) tem vigência de 2014 até 2024 para
cumprimento das metas e objetivos estabelecidos em todos os níveis de ensino, do
infantil, básico e superior, a serem executados nos próximos anos. Trata-se de um
instrumento de planejamento que orienta a execução e o aprimoramento de políticas
públicas do setor. O plano foi aprovado pela Lei n. 13.005, em 25 de junho de 2014,
seu cumprimento é objeto de monitoramento contínuo e avaliações periódicas
realizadas pelo Ministério da Educação (MEC), pelas comissões de educação da
Câmara e do Senado, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo Fórum
Nacional de Educação. São diretrizes do PNE:
posteriores, como o realizado por Sigmund Freud, entre 1896 e 1897, o qual
abordou de forma específica os abusos sexuais sofridos por crianças e adolescentes
(ADED, et al, 2006, p. 205).
Para o psico-historiador DeMause (1998), quanto mais se estuda a história,
mais evidenciam-se situações de negligência e crueldade contra crianças, tendo
sido maiores as predisposições à morte, rejeição, agressão e ao abuso sexual. O
autor aborda a violência sexual como uma prática cultural desde o período da
Antiguidade, onde crianças eram levadas para os chamados bordéis infantis, refere
também que na Índia, em algumas regiões, se mantém até o século XXI as práticas
familiares de desvirginarem as meninas e no Oriente Médio, onde a prática cultural e
religiosa de mutilação genital feminina ainda é utilizada para garantir que quando
adultas as mulheres assumam papel subservientes em relação aos homens com as
quais casarão.
No Brasil, há evidências de violência sexual contra crianças e adolescentes
desde o período da colonização, sendo essas vítimas de abandono, vendidas como
escravas e exploradas sexualmente ou pelo trabalho. A violência iniciava desde as
embarcações, nas quais as crianças eram trazidas ao Brasil como grumetes e
pajens, ou órfãs, destinadas a casar aqui no país. Essas crianças sofriam abuso
sexual pelos tripulantes, eram utilizadas como objetos sexuais, ou quando os piratas
atacavam as embarcações, eram escravizadas e/ou colocadas à prostituição
(RAMOS, 2006).
Apenas por volta dos anos de 1950 que a violência sexual contra crianças e
adolescentes passou a ser objeto de estudos e pesquisas no país, tendo maior
visibilidade a partir mesmo da década de 1990, “ao ser incluído na agenda da
sociedade civil e da luta pelos direitos humanos” (TRAVASSOS, 2013, p. 30), que
inclusive ocasionou significativo avanços na legislação brasileira e
consequentemente nas pesquisas sobre o tema em diversas áreas. Percebe-se que
o abuso, maus-tratos e outras práticas não eram consideradas violência, pois
tratavam-se de práticas culturais, religiosas e aceitas, apesar de algumas práticas
violentas perpetuarem até os dias de hoje como práticas culturais e religiosas, ações
que violem os direitos humanos de crianças e adolescentes são consideradas
violências.
78
Entre os atos físicos estão: passar a mão no corpo da criança; coito (ou
tentativa de); manipulação de genitais; contato oral genital e uso sexual do
ânus; beijar a criança na boca; sexo oral (felação ou cunilíngua no abusador
ou na criança); ejacular na criança; colocar objetos na vagina ou anus da
criança; penetrar o anus com o dedo; penetrar o anus a vagina com o dedo;
colocar o pênis entre as coxas de uma criança e simular o coito; forçar a
criança a praticar atividade sexual com animais. Entre os atos com violência
estão inclusos: ocorrências de estupro, brutalizado ou mesmo assassinato
de crianças e adolescentes com formas progressivamente mais violentas de
ataque sexual (SANTOS, 2010, p. 38).
Uma interessante definição é dada por Berliner e Elliott (2002), que referem
que o abuso sexual independe se a criança ou adolescente entende a natureza da
situação:
não saber ao certo até onde pode progredir com o abuso sem ser descoberto, por
estar testando a vítima até chegar ao ponto do estupro, por ter sido interrompido por
terceiros, pela vítima ou fatores externos (BAITA; MORENO, 2015, p. 29-30). São
condutas que constituem violência sexual infantil:
Com o uso de contato físico, o abuso sexual está presente tanto em atos
físicos genitais, que compreendem carícias nos órgãos genitais, tentativa de
relação sexual, sexo oral, masturbação, penetração vaginal e anal, como
também se encontra em contatos forçados, a partir de beijos e toques em
zonas erógenas. Ele pode ser legalmente tipificado em: atentado violento ao
pudor, corrupção de menores, sedução e estupro (SANTOS; IPPOLITO,
2009).
O Mapa da Violência, estudo realizado por Waiselsz, no Brasil, trouxe que nos
últimos 30 anos houve uma diminuição de 77,1% de mortes por causas naturais de
crianças e adolescentes, caracterizadas por deteriorações biológicas do organismo
ou causadas por doenças, todavia, houve um crescimento de 14,3% de mortes
86
causadas por fatores externos, que independe do organismo humano, isto é, que
são causadas por lesões ou agravos à saúde e que resultam na morte (WAISELSZ,
2012, p. 12).
Segundo os dados do Ministério dos Direitos Humanos, no Balanço das
Denúncias de Violações de Direitos Humanos, apresentado em sessão pública, no
dia 11 de abril de 2017, na sede da Secretaria Especial de Direitos Humanos, as
estatísticas apontam que, só no ano de 2016, 144.580 denúncias foram registradas,
são casos de negligência, violência psicológica, violência física, violência sexual e
outras violações contra crianças e adolescentes. Dentre as denúncias de violência
sexual, foram registradas 15.707, equivale, em média, 43 casos de violência sexual
por dia, em um cálculo simples, significa dizer que, a cada uma hora, em média, uma
criança tem seus direitos violados (BRASIL, 2016, <http://www.sdh.gov.br/disque100
/balancos-e-denuncias/balanco-disque-100-2016-apresentacao-completa/>).
Esse quadro pode ser ainda mais grave, levando em consideração que esses
dados representam somente uma parte das violências cotidianas que acontecem,
pois por baixo desse quantitativo visível, há um enorme número de violência que não
chega ao conhecimento através dos sistemas de notificação, ficam no silêncio da
dor, do sofrimento da vítima ou em razão dos casos de subnotificação.
Segundo o levantamento de dados do Ministério dos Direitos Humanos, a
partir do Disque Denúncia 100, a casa da vítima é o local onde concentra a maior
porcentagem de violações, representando 53% das denúncias (BRASIL, 2016,
<http://www.sdh.gov.br/disque100/balancos-e-denuncias/balanco-disque-100-2016-
apresentacao-completa/>).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a violência como
problema de saúde pública, que resulta em sofrimento, incapacidades, ou até
mesmo, na perda da vida, além do envolvimento de outras pessoas nessa situação
de violação de direitos fundamentais, a violência contra crianças e adolescentes
repercute em toda a sociedade (KRUG, et al, 2002). A violência intrafamiliar possui
uma relação muito próxima com antigas concepções baseadas no pensamento
autoritário, nas assimetrias do poder, na coisificação da condição de crianças ou
adolescente, na inferiorização dessas pessoas em situação peculiar de
desenvolvimento. A violência sexual no ambiente familiar provoca sequelas que
87
10-14 39.032 483 4.533 408 496 9.746 685 133 4.672 7.188 408 67.784
15-19 47.141 815 2.670 648 2.674 28.448 1.369 223 5.824 14.667 888 105.367
Total 152.994 1.796 10.385 1.274 3.459 43.781 4.550 439 20.446 31.400 2.008 272.532
Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir das informações do Sistema de Informação de Agravos
de Notificação – Sinan Net (2018).
Logo o domicílio, local em que deveria ser o seu lugar de proteção, onde os
pais, que tem a responsabilidade de cuidado e de educação de seus filhos, são
aqueles que, na verdade, os expõem a violência e violam a proteção integral.
mesmo ano, 84.150 casos de violência doméstica, sexual e/ou outras violências no
Brasil. A impossibilidade de obter dados recentes, atualizados e precisos dificulta a
verificação da quantidade de casos de violação de direito e consequentemente
prejudica nos planos de ações e estratégias para melhorias e avanços das políticas
públicas de atendimento e proteção às crianças e adolescentes vítimas de violência
sexual.
O principal local onde os casos de violência ocorrem é justamente onde a
criança ou adolescente deveria ter sua maior proteção, dentro da residência, cujo
agressores na maior parte dos casos são os pais ou padrastos, o que demonstra
motivo de grande preocupação à sociedade e Estado, pois se a violação ocorre no
âmbito familiar, cabe a sociedade e o Estado auxiliar para garantir a proteção
integral e restabelecer direitos violados da vítima.
O educador não deve forçar ou perguntar à criança fazendo com que ela
conte os fatos ocorridos, pois isso gera um processo de revitimização, não cabe ao
professor fazer o levantamento de provas, apenas de notificar o Conselho Tutelar,
caso exista uma suspeita ou confirmação de violência sexual. Esta obrigação de
notificação está prevista do Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 245,
trazendo responsabilidade administrativa para aqueles que não cumprirem com a
obrigação de comunicar os órgãos competentes nos casos de abuso e maus tratos
às crianças e adolescentes.
A saúde, assim como, a assistência social é um dos pilares da seguridade
social, a saúde pública é destinada a promover o acesso aos serviços básicos de
saúde e saneamento, a redução de riscos de doenças e outras enfermidades, bem
como, o bem-estar físico, mental e social, ainda que na ausência de enfermidades
ou de doenças, é o estado completo de bem estar (KRUG, et al, 2002)
113
Tornou-se uma das colônias mais prósperas do Sul do país. A maioria dos
habitantes eram agricultores, mas muitos, também, eram artesãos, em meados dos
anos de 1850, os moradores produziam feijão, milho, batata, cevada e linho. Uma
parte era consumida e a outra exportada através do rio Pardo. O tabaco logo se
revelou o produto de maior produtividade e rentabilidade, o que levou o governo da
província a importar sementes (BRASIL, PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE SANTA
CRUZ DO SUL, 2018 p. 25).
O governo provincial concedeu lotes urbanos, organizando espacialmente o
povoado, sendo que esses lotes eram demarcados seguindo uma planta urbana
definida pelo governo provincial, o qual possuía rigorosa orientação geométrica e no
seu entorno previa-se um conjunto de grandes chácaras, que serviriam para o
118
que depois se fundiu com o Banco Moreira Salles para formar o Unibanco” (BRASIL,
PLANO MUNICIPAL DE SAÚDE SANTA CRUZ DO SUL, 2018 p. 29).
Em 1905, grande avanço foi dado com a via-férrea, que impulsionou à
integração do município de Santa Cruz do Sul com a cidade de Porto Alegre,
possibilitando a ampliação da circulação de mercadorias e pessoas. Posteriormente
a cidade ganhou acesso à região metropolitana e central do estado, através da
rodovia RSC-287, a rodovia RSC-153 e a BR-386, que são as principais estradas de
exportação do Estado rumo ao Porto de Rio Grande, assim como, a rodovia BR-290
que dá acesso ao Uruguai e à Argentina. Desta forma, geograficamente o município
ficou bem localizado.
Essa boa localização facilitou os rápidos avanços na economia, diversas
indústrias e distribuidoras de cigarro estão no município de Santa Cruz do Sul e
formam o maior complexo de fumo em folha do país (BRASIL, PLANO MUNICIPAL
DE SAÚDE SANTA CRUZ DO SUL, 2018 p. 34). Simultaneamente, desenvolvia-se
no meio urbano o artesanato de produtos agrícolas produzidos pela região, consistia
nas transformações e o acondicionamento deles para serem transportados e
vendidos. A instalação da energia elétrica, em 1906, e da rede hidráulica, em 1908,
promoveu condições para o desenvolvimento dessas atividades e forneceu
condições para a instalação industrial (BREITBACH, 2014, p 46-47).
Aliança 179
Schulz 221
Ana Nery 230
Bonfim 237
Margarida 262
Arroio Grande 283
Senai 347
Pedreira 481
Santa Vitória 603
Bom Jesus 773
Faxinal Menino Deus 846
Total 6222
Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir das informações do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – Censo/IBGE/2010.
74875
80000
70000
60000
38300
36575
50000
27940
40000
15559
14119
13821
30000
9310
6249
20000
10000
0
Criança e Adolescente Adulto Idoso
Masculino 14119 36575 6249
Feminino 13821 38300 9310
Total 27940 74875 15559
Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir das informações do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – Censo/IBGE/2010.
76,10 anos, até o ano de 2010 e a taxa de mortalidade infantil é de 7,97 óbitos a
cada mil nascidos vivos (IBGE, 2010).
desconhecido e 3 que haveria outro vínculo entre vítima e agressor, de acordo com
a tabela 12:
permanente recuperação” (SANTA CRUZ DO SUL, 1990). Em seu artigo 129, a lei
orgânica prevê o seu dever de garantir atendimento pré-escolar na rede pública,
inclusive em creches, para criança de zero a seis anos de idade.
Dentro do âmbito das políticas públicas de atendimento à criança e
adolescente, cabe referir o projeto Núcleo para Atendimento à Infância e Juventude,
criado a partir da Lei municipal n. 3.711, de 28 de maio de 2001, que aprovou
programas da assistência social, desenvolvidos pela Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social, para receber demandas encaminhadas pelo Conselho
Tutelar e pelo Ministério Público, que necessitassem de atendimento psicológico,
social, psiquiátrico, na área da infância e juventude, através de serviços técnicos
especializados, contando com orientação à família ou responsáveis. O programa
visa o acompanhamento de crianças, adolescentes e suas famílias, através de
visitas domiciliares (SANTA CRUZ DO SUL, 2001).
Toda criança e adolescente encaminhado para atendimento passava por uma
entrevista com psicóloga e sua família ou responsável era entrevistado pela
assistente social. Após a entrevista a equipe discutia o caso de definia o tratamento
adequado, caso houvesse a necessidade de acompanhamento psiquiátrico, a
criança ou adolescente era encaminhado ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
(SANTA CRUZ DO SUL, 2001).
Em 21 de agosto de 2013, no município de Santa Cruz do Sul foi publicado a
Lei n. 6.809, que consolidou a legislação pertinente a Política Municipal de Proteção
e Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Tutelar, do Fundo Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (FIA) e do Fórum Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente e substitui a lei n. 2.333, de 03 de dezembro de 1990, que
originalmente dispôs sobre a política municipal dos direitos das crianças e
adolescentes, criando o Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente e
o Conselho Tutelar do município.
No artigo 3º, estabelece que o atendimento das crianças e adolescentes será
realizado no âmbito municipal através das políticas sociais básicas de educação,
saúde, recreação, esportes, cultura, lazer, profissionalização e outros, que possam
assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social de crianças e
127
Profissão Psicóloga 2
Assistente Social 1
Agente Administrativo 1
Graduação 2
Formação Especialização 2
Mestrado 1
Direito 1
Psicologia 2
Área de formação
Serviço Social 1
Gestão Pública 1
Forma de ingresso no
Concurso Público 5
CREAS
Fonte: Tabela organizada pela autora a partir das respostas constantes no questionário
semiestruturado (Anexo I).
vinculação, que não permite seu uso para outras finalidades senão aqueles
predestinadas, o órgão público fica obrigado a solicitar a complementação do valor
faltante ao orçamento livre do município (ENTREVISTA 1).
Quando questionado sobre os problemas a serem enfrentados, se haviam
dificuldades para a execução do seu trabalho ou o que poderia tornar o serviço mais
eficiente, todos entrevistados levantaram dois pontos em comum: a necessidade de
aumento do número de CREAS e, principalmente, aumento do número de CRAS. Os
entrevistados relataram que há demandas que chegam ao CREAS em razão da falta
de cobertura de CRAS em alguns bairros, isto resulta na procura espontânea das
famílias pelo atendimento do CREAS, ou essas famílias são indevidamente
encaminhadas para o CREAS por outros setores da rede, quando não há CRAS na
região de onde vem aquele que necessita de atendimento.
Há dois CRAS no município de Santa Cruz do Sul, os dois são localizados na
zona Sul da cidade, logo, grande parte do município não é atendida pelo serviço de
proteção social básica (ENTREVISTA 2). Os encaminhamentos indevidos aos
CREAS estão sendo repassados para a Secretaria de Políticas Públicas, pois a
demanda do CREAS já é muito grande para que faça atendimento de competência
do CRAS (ENTREVISTA 5). Todos entrevistados manifestaram a necessidade
ampliação dos CRAS, na instalação de no mínimo mais dois CRAS no município.
Além disso, para que a demanda de crianças e adolescentes vítimas de violência
sexual e as demais famílias atendidas pelo serviço, possam receber um
acompanhamento adequado, seria necessário aumentar o número de técnicos e o
espaço físico do atual e único CREAS de Santa Cruz do Sul ou, então, ter dois no
município (ENTREVISTA 4).
Além desses problemas diagnosticados, de recursos humanos e financeiros,
foram abordados também que o espaço físico é apertado, não há sala de reuniões e
nem vedação acústica eficiente nas salas de atendimento, o que dificulta o
atendimento das crianças e adolescentes e suas famílias, pois não garante a
privacidade. Há relatos que é possível escutar não somente o que ocorre dentro do
CREAS, mas também das salas ao lado, onde está instalado o Conselho Tutelar. Há
uma grande preocupação no sigilo dos casos que são atendidos e da exposição das
famílias e das crianças e adolescentes em razão disto.
141
pesquisadora com muita atenção e muita paciência para responder e explicar todos
os pontos em que a pesquisadora ficava em dúvida.
Outro fator que chama a atenção é o fato de que a maior parte dos
entrevistados, além de possuir graduação em ensino superior, também possuí pós-
graduação, ou especialização ou mestrado, o que é muito positivo, pois qualifica
ainda mais o trabalho realizado pela equipe de atendimento.
Importante frisar que nos casos de violência sexual intrafamiliar contra criança
e adolescente, mais importante que responsabilização do agressor, é restituir aquela
criança ou adolescente o seu direito violado e verificar todo seu contexto social, pois
a restauração de direitos não se dá com a responsabilização judicial daquele violou
os direitos de outrem, mas sim, por um atendimento e acompanhamento protetivo
realizado por profissionais que estejam capacitados para auxiliar na superação do
fato ocorrido. Contudo, para que isso possa acontecer é necessário que a política de
atendimento esteja bem estruturada e tenha condições físicas e humanas para
ofertar seu serviço.
Ao que tange a falta de recursos humanos e financeiros para a prestação de
um serviço de qualidade no Centro de Referência Especializado de Assistência
Social no município de Santa Cruz do Sul, apontado pela entrevistas com os
técnicos do local, viola a proteção integral prevista constitucionalmente, e está em
desacordo com os Planos Nacionais relacionados ao tema, que visa justamente a
ampliação de recursos para que sejam ofertados os atendimentos às famílias e
vítimas, para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
Vale ressaltar que a falta de profissionais e recursos financeiros para
matérias, melhorias no espaço físico, não é de responsabilidade exclusiva do
município, mas de uma lógica perversa de cofinanciamento que não descentraliza
adequadamente os recursos federais de modo que os próprios município ficam sem
capacidade técnica de ação em razão da falta de repasses do orçamento federal.
Na diretriz número 3, do Plano de Direitos Humanos da Criança e do
Adolescente, que dispõe sobre a proteção especial a criança e adolescente com
seus direitos ameaçados e violados, tem no seu objetivo 3.4: fomentar a criação de
programa educativos de orientação e de atendimento a famílias e demais envolvidos
em casos de violência sexual; em seu objetivo 3.9: ampliar e articular políticas,
programas, ações e serviços para o enfrentamento da violência sexual contra
crianças e adolescente (BRASIL, PLANO DECENAL DOS DIREITOS HUMANOS
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 2010, p. 02).
O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes, reforça a garantia de atendimento especializado e em rede, tanto para
crianças e adolescentes quanto para família e para aqueles que cometem a
149
psicólogas e 1 auxiliar administrativa, todavia, está com 295 prontuários ativos, isto
é, bem longe da capacidade de atendimento prevista pela NOB-RH-SUAS.
Quanto ao espaço físico, prevê a Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais, que o espaço destinado ao serviço do PAEFI deveria ter uma
recepção, local para atendimento individualizado com privacidade, local para
atividades coletivas e comunitárias, atividades administrativas e espaço de
convivência e acessibilidade (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENO SOCIAL E
COMBATE À FOME, 2013, p. 30). O local, onde está instalada o CREAS no
município, não possuí isolamento acústico, é possível escutar os atendimentos
realizados nas salas, não há espaço para convivência, nem para atividades coletivas
ou comunitárias, oficinas com idosos e pessoas com necessidades especiais não
são oferecidos em razão da falta de recursos humanos e espaço apropriado.
A NOB-SUAS estabelece, em seu artigo 6º, inciso XIII, que o local da oferta
do serviço de proteção socioassistencial deve ser em condições necessárias para a
oferta do serviço, o local deve ser adequado e acessível aos usuários, “com a
preservação do sigilo sobre as informações prestadas no atendimento
socioassistencial, de forma a assegurar o compromisso ético e profissional”
(BRASIL, 2012). Percebe-se que além do espaço físico violar as normas básicas, a
localização dele torna difícil o acesso aos usuários, pois o prédio está localizado em
bairro afastado do centro da cidade.
Ao que tange o excesso na demora de retorno do Conselho Tutelar quando
notificado (ENTREVISTA 5), a diretriz número 04 do Plano Decenal dos Direitos
Humanos de Crianças e Adolescentes, traz a universalização e fortalecimento dos
Conselhos Tutelares, objetivando a atuação qualificada, estabelecendo como
objetivo a ampliação e aprimoramento do seu funcionamento, assim como, na
diretriz número 10, traz o dever de qualificação permanente dos profissionais para
atuarem na rede (BRASIL, PLANO DECENAL DOS DIREITOS HUMANOS DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES, 2010, p. 03-04). Além disso, está determinado pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, que cada município deverá ter no mínimo um
Conselho Tutelar, assim, sendo necessário ou de conveniência do município,
poderão haver quantos Conselhos Tutelares forem julgados necessários.
151
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
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173
1 – Sexo:
( ) Masculino
( ) Feminino
2 – Formação:
( ) Ensino Fundamental
( ) Ensino Médio
( ) Graduação em: _________________________
( ) Especialização em: _________________________
( ) Mestrado em: _________________________
( ) Doutorado em: _________________________
3 – Profissão/Função: _________________________
5 – Representa:
( ) Poder Público
( ) Organização da Sociedade Civil
180