Direito Da Terra

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

EXTENSÃO MAPUTO

Cadeira:

Direito da Terra e Recursos Naturais

Propriedade da terra e bens do domínio público

Discentes:

Cristiano Júnior

Edmilson Fanheiro

Francisco Meque

José Durbeque

Recildo Mathe

Stelvia Macuácua

Docente:

MA. Sidónio dos Anjos

Maputo

Março de 2023
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

EXTENSÃO MAPUTO

Cadeira:

Direito da Terra e Recursos Naturais

Tema:

Propriedade da terra e bens do domínio público

Trabalho de Direito da Terra e Recursos Naturais, apresentado a Faculdade de Direito da


Universidade Católica de Moçambique, como requisito parcial para a obtenção da aprovação
da cadeira leccionada pelo docente MA. Sidónio dos Anjos

Maputo

Março de 2023
Índice
Introdução ............................................................................................................................................... 4

Objectivo ............................................................................................................................................. 4

A terra como um bem comum................................................................................................................. 5

A teoria dos direitos de propriedade e sua variante evolucionista ...................................................... 6

As abordagens neo-institucionalistas sobre a terra ............................................................................. 6

A questão da terra em Moçambique: procedimentos de acesso à terra e DUATs .............................. 8

Sobre as consultas comunitárias ................................................................................................... 11

Património do público/ Estado .......................................................................................................... 13

Composição do património do domínio público ............................................................................... 14

Critérios classificatórios do património público ............................................................................... 15

Considerações finais ............................................................................................................................. 17

Referências............................................................................................................................................ 18
Introdução
Em Moçambique a terra não pode ser vendida, mas ela é comprada1. O Estado não reconhece
a propriedade privada sobre a mesma, muito menos a sua venda, ainda que de maneira mais ou
menos generalizada aquela exista, envolvendo nas transações diferentes atores a diferentes
níveis da hierarquia social, inclusive entre as elites que integram os sistemas do poder.

Atualmente, dentre as questões que têm sido objecto de debate no que concerne à questão da
terra em Moçambique – algumas ainda que de forma mais ou menos recatada – encontram-se:
(i) a centralização da propriedade da terra pelo Estado; (ii) o não reconhecimento da
propriedade privada da terra; (iii) e, portanto, a impossibilidade de transacioná-la, monetária e
formalmente no mercado.

A questão da garantia de segurança de posse da terra, sobretudo para os cerca de 75% da


população que têm na agricultura a base da sua subsistência e na terra o seu maior recurso, tem
igualmente assumido uma importância crescente, sobretudo no atual contexto de grande
procura de terras em África e outros países em desenvolvimento. Esta apetência pelas terras
resultou em parte do grande crescimento populacional 2 em África e no mundo3 e, sobretudo,
da crise financeira e alimentar de 2007/2008 que provocou graves conseqüências a nível da
segurança alimentar e energética dos países “açambarcadores”, sendo Moçambique um dos
destinos preferenciais dos investimentos estrangeiros.

Objectivo
Assim, este trabalho pretende mapear os discursos à volta do regime de propriedade da terra
em Moçambique e compreender os efeitos do land grabbing, bem como abordar as respeito dos
bens do domínio público.

1 Nº 2 do artigo 109.º da constituição da republica


2 Segundo Guengant (2009), de 1960 a 2010, a população total do continente africano passou de 285 milhões a 1 bilhão de
habitantes, o que significa que multiplicou-se por 3,6.
3 Segundo o relatório sobre a Situação da População Mundial 2011 do Fundo das Nações Unidas para a População,

(FNUAP), o rápido crescimento da população mundial teve início na década de 1950 com as reduções de mortalidade nas
regiões desenvolvidas, o que resultou numa população estimada em 6.1 mil milhões no ano 2000, 2,5 vezes a população de
1950. Atualmente, a população mundial é de cerca de 7 mil milhões de habitantes, número que poderá atingir os 9 mil
milhões de habitantes até 2050, o que representa, um crescimento de 0,33% por ano.
A terra como um bem comum
Várias são as acepções que a expressão “bem comum4” pode assumir, indo desde o conjunto
de elementos oferecidos naturalmente a todos os seres humanos, ou seja, a terra, a água, os
minerais, rios, mares, vento, sol, clima, atmosfera, biodiversidade, entre outros, (FLAHAULT,
2011), às simples relações sociais (materiais ou imateriais) que se estabelecem sobre aqueles
recursos (LIPIETZ, 2010)

Deve-se, particularmente, a Garrett Hardin (1915-2003) a notoriedade da discussão sobre os


bens comuns, com a publicação do seu artigo The tragedy of the Commons (1968). Partindo
do exemplo de um campo de pastagem aberto ao uso de todos, Hardin explica que daquele
somente se poderá esperar que cada pastor procure aumentar a área ocupada pelo seu rebanho,
sem se importar com as áreas ocupadas pelos outros usuários. A conclusão a que chega Hardin
no seu artigo é que, tendo em conta a natureza limitada do mundo (recursos), o livre uso dos
bens comuns conduz à ruína de todos, na medida em que, cada indivíduo procura, de maneira
desmedida e ilimitada, aumentar os seus recursos, antes que os outros façam o mesmo.

No entanto, Ostrom (1990 apud SMOUTS, 2005) põe em causa a teorização de Hardin pois,
segundo ela, esta não corresponde aos verdadeiros bens comuns, tal como eles são geridos
pelas colectividades ao longo dos anos. Ou seja, enquanto para Hardin os bens comuns são
unicamente os recursos disponíveis, para Ostrom (1990 apud CROSNIER, 2010), estes são,
antes de tudo, lugares de negociação geridos por indivíduos que comunicam entre si e, dentre
os quais, pelo menos uma parte não é movida por um interesse imediato, mas por um
sentimento colectivo. Às autoridades públicas caberá o papel de obrigar os membros da
colectividade a participar da produção daquele bem, visto que, em certos casos, os utilizadores
têm interesse em se comportar como “passageiros clandestinos”. Só assim o bem será
produzido em quantidade óptima.

Aplicadas à terra, as teorias da colectivização – fortemente seguidas nos anos 1980 pelos países
de orientação socialista (como Moçambique) – defendem a ideia segundo a qual a terra é um
bem colectivo que, não tendo sido criado pelo homem, não deve ser vendido nem por este
transformado (BERTHOUD, 2008). Ao Estado caberia a gestão deste bem, através da
construção de infra-estruturas e alojamento em contrapartida dos quais os cidadãos pagariam
uma taxa de uso e aproveitamento (NEGRÃO, 2011).

4 Artigo 109, nº 3, 1ª parte, da constituição da república


A teoria dos direitos de propriedade e sua variante evolucionista
Para a teoria dos direitos de propriedade, de fundamento neoclássico, o crescimento
demográfico e a crescente comercialização da agricultura levam à escassez de terra, passando
esta a ter um valor económico e transformando-se progressivamente em um bem
comercializável e apropriável individualmente (BADOUIN, 1974). Nestas circunstâncias, a
ausência de propriedade privada é prejudicial pois as explorações não são feitas de maneira
ecologicamente sustentável e, por sua vez, os investimentos não conservam nem melhoram a
qualidade dos solos e da produção, provocando desta forma importantes externalidades
(LAVIGNE-DELVILLE, 1998).

Já na sua variante evolucionista, a teoria dos direitos de propriedade salienta que, sujeitos ao
crescimento demográfico e do mercado, as sociedades humanas tendem a evoluir
espontaneamente em direção a uma generalização da propriedade privada, individual e
familiar, da terra, ao mesmo tempo em que assistimos ao enfraquecimento e desaparecimento
do papel das autoridades tradicionais. A persistência da gestão comunitária em algumas
extensões de terra, a resistência à venda de terras para fora da comunidade de pertença, o caráter
reversível das vendas de terras e a persistência de relações clientelistas autoridadescomprador
e vendedor, etc., são sinais de um período transitório, antes do desenvolvimento de um
verdadeiro mercado de terras (PLATTEAU, 1998).

A essas situações, os governos devem responder através duma inovação institucional sob forma
de títulos de propriedade e direitos registrados junto a uma agência central especializada
(PLATTEAU, 1998). Tal intervenção, embora de caráter não obrigatório, é necessária na
medida em que flexibiliza a determinação dos preços de venda e compra de terras (NEGRÃO,
2011), assegura a posse da terra, permite o acesso ao crédito que, por sua vez, contribui para o
aumento da produtividade, e põe fim aos conflitos que tendem a aumentar quando a terra se
torna objeto de concorrência (LAVIGNE-DELVILLE, 1998).

As abordagens neo-institucionalistas sobre a terra


Duas outras correntes dedicaram-se à análise do estatuto e valor da terra. São elas a teoria de
inovação institucional e as abordagens neo-institucionalistas para quem a criação da
propriedade privada da terra (transformação da terra em um bem comercializável) é resultado
de um processo histórico que não resulta da simples evolução dos regimes de posse de terra
locais. A propriedade privada resulta, com efeito, duma intervenção voluntarista do Estado que
deve construir o quadro jurídico e administrativo (serviços de cadastro, emissão de títulos)
necessário (LAVIGNE-DELVILLE, 1998).

Estas abordagens reconhecem a existência de diferentes modos de apropriação e de gestão dos


recursos e defendem a constituição de instâncias legítimas aos olhos das populações e
reconhecidas pelo Estado, encarregues de definir os direitos de cada um e arbitrar os conflitos,
mesmo se em certos casos isto pode ser acompanhado por outras formas de arranjos, de tipo
clientelistas ou patrimoniais (LAVIGNE-DELVILLE, 1998:35).

Como se pode depreender das abordagens acima descritas, em cada momento histórico e em
cada contexto político e social, os modos de gestão e administração da terra refletem a
complexidade de interesses, representações e recursos (materiais ou simbólicos) que os
diferentes atores (Estado, investidores, comunidades) envolvidos no land game (CHAVEAU,
1998) possuem e mobilizam. Tal complexidade reflete-se igualmente ao nível das forças de
poder existentes nas sociedades, exigindo daqueles atores a adopção de diferentes estratégias
com vista a garantir a segurança de posse de terra e fazer passar os seus interesses nos centros
de decisão, excluindo ou integrando outros concorrentes pelo acesso à terra e seus recursos.

Esta discussão patenteia igualmente que a terra pode estar, e está, na origem de várias lutas e
conflitos de normas (estatais e consuetudinárias) que tendem a se opor e sobrepor umas às
outras no que concerne aos mecanismos de acesso, controlo e gestão (costume ou direito
estatal), por um lado, e a valor (sagrado ou mercantil), significado e finalidades de uso
(subsistência ou comercialização), por outro lado. Estas diferentes “significações” são
influenciadas pela natureza dos sistemas políticos que condicionam as políticas de governação
e que, por sua vez, repercutem-se ao nível das escolhas políticas e de políticas de governação
e administração da terra que os diferentes países adoptam.

Em Moçambique, em particular, o Estado reconhece o poder das autoridades e notáveis


comunitários (chefes tradicionais, secretários de bairro ou de aldeia, régulos, etc.) como sendo
os legítimos representantes das comunidades. Aquelas participam através de instituições de
participação e consulta comunitárias (Comitês, Conselhos, Fóruns) na gestão dos recursos
naturais.
A questão da terra em Moçambique: procedimentos de acesso à terra e DUATs
Em sociedades maioritariamente rurais, como a moçambicana5, além de constituir a fonte
primeira de subsistência das famílias, a terra tem um valor e significados sagrados
determinados, por um lado, pela ligação que esta cria com os ancestrais e, por outro lado, pelo
poder que ela confere a quem é, legal ou tradicionalmente, o legítimo responsável pela sua
gestão. As normas de reciprocidade enraizadas e partilhadas pelos indivíduos envolvidos na
relação com a terra, através do cultivo, produção, habitação ou culto aos ancestrais, criam uma
certa ordem e estabilidades, que harmonizam a convivência em sociedade e facilitam a
aceitação das normas e a configuração do poder criadas pela organização do espaço.

Considerado um direito natural dos indivíduos, o acesso à terra no meio rural, bem como o
sentimento de apropriação, são relativamente fortes pois a terra e todos os recursos que dela
provêm são considerados pertença das famílias que os gerem segundo normas e práticas
costumeiras adquiridas, apropriadas, reproduzidas e transmitidas rotineiramente de geração em
geração, conferindo-lhes, assim, maior aquiescência, relevância e segurança. Estas normas são
igualmente aceites e respeitadas pelos Estados, que, em alguns contextos, são os legais
proprietários da terra, mas não o seu legítimo dono. Por isso, alguns países como o Senegal,
Guiné Equatorial, Costa do Marfim, Burquina Fasso, por exemplo, optaram pela combinação
entre o direito dito “moderno” e o “direito tradicional” (MATHIEU, 1996), incorporando,
reconhecendo e reforçando a legitimidade deste último, sobretudo no meio rural.

Moçambique também faz parte dos países que adoptaram um regime de dualismo jurídico,
sobretudo no que concerne à gestão dos recursos naturais, ainda que factualmente antecedido
de períodos de práticas administrativas excessivamente centralistas. De facto, a independência
nacional em 1975 e o aparecimento da “1ª república” no mesmo ano (Constituição da
República Popular de Moçambique) trazem consigo a nacionalização de todos os recursos
naturais, incluindo a terra, transformando-se esta em propriedade unicamente Estatal.

Apesar do ideal de “libertação da terra e dos homens”, não houve no Moçambique pós-
independência, como referiu Norton (2005), uma redistribuição justa da terra pelas famílias
rurais. Pelo contrário, assistiu-se a uma “dependência da trajetória” (GAZIBO & JENSON,
2004) marcada pela reprodução das práticas administrativas das antigas potências coloniais,

5De acordo com a Estratégia de Desenvolvimento Rural (2011), mais de 95% da superfície total de Moçambique (801.590
km²) corresponde ao espaço rural que, por sua vez, abriga cerca de 2/3 dos cerca de 25 milhões de habitantes, ou seja,
aproximadamente 17 milhões. Os espaços rurais são ainda responsáveis por cerca de 25 a 30% do valor acrescentado bruto e
proporcionam 80% das atividades econômicas e emprego para a população economicamente ativa.
transformação das propriedades agrícolas privadas em machambas estatais, socialização do
campo nas cooperativas e aldeias comunais, e confiscação das terras dos camponeses e
pequenos produtores privados (CAHEN, 1987)

A primeira lei de Terras é aprovada em 1979 (LEI Nº 6/79 de 3 de JULHO) que em decorrência
da constituição de 1975, igualmente consagrava a propriedade estatal sobre as terras. Uma
legislação suplementar é aprovada em 1987 (DECRETO Nº 16/87 de 15 de JULHO) que
determina que a terra não pode ser vendida. Esta disposição é reforçada, quer na Constituição
de 1990 (ARTIGO 46) como na atual Constituição de 2004 (ARTIGO 109), que
simultaneamente determinam que “a terra é propriedade do Estado. A terra não pode ser
vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada. Como meio
universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra é direito
de todo o povo moçambicano. O Estado determina as condições de uso e aproveitamento da
terra”6.

A atual Lei de Terras (LEI Nº 19/97 de 1 de OUTUBRO) é aprovada em 1997 e entra em vigor
em Janeiro de 1998, após um enorme trabalho de auscultação levado a cabo por organizações
da Sociedade Civil junto às comunidades locais, num processo considerado dos mais
democráticos até então vividos no país (HANLON, 2002). Esta lei prevê as seguintes formas
de acesso à terra: (i) pelo reconhecimento da ocupação7 segundo normas e práticas costumeiras;
(ii) por ocupação de boa-fé e; (iii) por meio da autorização pelo Estado de um pedido de uso e
aproveitamento da terra.

No acesso à terra por ocupação segundo normas e práticas costumeiras, cuja origem são as
linhagens e as famílias, tem-se como base os laços que ligam essa linhagem ou segmento de
linhagem a um determinado território. Assim, considerando o caráter sagrado e inalienável da
terra no meio rural, qualquer venda, doação ou transmissão de terrenos não efetuada de acordo
com os usos e costumes tradicionais, constitui uma violação grave dos princípios comunitários
locais e é motivo de muita contestação e até exclusão (QUADROS, 2004). Já a ocupação por

6 9 A Frelimo, partido que conduziu à independência do país, assumiu-se durante o seu 3º congresso em 1977, como um
“partido de vanguarda marxista-leninista”, o que influenciou as decisões políticas e as políticas desenhadas nesse período. A
título de exemplo, a Lei de Terras moçambicana inspirou-se no “Decreto sobre a terra do II congresso dos sovietes dos
deputados trabalhadores e soldados” (1917) que afirma “O Direito de propriedade privada da terra é abolido para sempre; a
terra não pode ser vendida nem comprada, não pode ser concedida em arrendamento, nem hipotecada, nem sujeitada a
qualquer outra forma de alienação”. Portanto, a única diferença entre essas disposições é que a Lei de Terras de Moçambique
não faz menção ao arrendamento.
7 Por “ocupação” a Lei de Terras (Nº 19/97 de 1 de OUTUBRO) entende a forma de aquisição de direito de uso e

aproveitamento da terra por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos, ou
pelas comunidades locais.
boa-fé pressupõe que as pessoas singulares nacionais estejam a utilizar (habitação ou produção)
a terra há pelo menos dez anos; só nesta condição elas poderão adquirir o direito de uso e
aproveitamento sobre as terras por si ocupadas.

Outro mecanismo de acesso à terra é por via da autorização dos pedidos de uso e
aproveitamento da terra feitos pelos interessados (nacionais e estrangeiros), aos quais o Estado
pode responder através da emissão de um título escrito, dito Direito de Uso e Aproveitamento
da Terra (DUAT), autorizando a utilização e exploração da área solicitada. O DUAT é emitido
pelos Serviços de Geografia e Cadastro, quer a nível central ou local, após consulta às
comunidades e parecer das autoridades administrativas locais, com o objetivo de confirmar a
existência, ou não, de ocupantes na área pretendida e evitar conflitos futuros.

Nos casos em que a área solicitada se destina ao desenvolvimento de atividades econômicas, o


DUAT exige a apresentação de um parecer técnico emitido pelos serviços responsáveis pela
atividade econômica que se vai desenvolver, e um plano de exploração que indique, para além
da identificação do requerente (pessoa singular ou coletiva), a localização e dimensão do
terreno requerido, uma descrição das atividades a serem desenvolvidas e um comprovativo do
pagamento das taxas referentes à autorização provisória. O objetivo do plano de exploração é
garantir que os requerentes têm capacidade para explorar as áreas pretendidas, olhando,
sobretudo, para as atividades, as garantias financeiras e a calendarização apresentadas.

Em caso de aceitação do pedido de DUAT, uma autorização provisória é emitida, com duração
de 5 anos para os nacionais e 2 anos para os estrangeiros. Após o cumprimento do plano de
exploração, uma autorização definitiva é emitida8, com duração de até 50 anos, susceptível de
renovação, por igual período, mediante apresentação de um novo pedido pelo requerente9.
Estes prazos aplicam-se somente aos casos em que o pedido de uso e aproveitamento tem como
finalidade o desenvolvimento de atividades econômicas, não havendo prazos de validade, nos
casos em que o DUAT tenha sido obtido por via costumeira, boa-fé ou se destine à construção
de uma habitação ou exploração familiar.

8 Nas áreas que não correspondem às autarquias municipais, compete aos Governadores Provinciais a aprovação de pedidos
de uso e aproveitamento da terra de áreas cujo limite máximo é de 1000 hectares. Já os pedidos de uso e aproveitamento para
áreas compreendidas entre 1000 e 10.000 hectares ou que ultrapassem os 10.000 hectares, são autorizados pelo Ministro que
superintende a área da Agricultura e Pescas e pelo Conselho de Ministros, respectivamente (ARTIGO 22, Lei 19/97 de 1 de
OUTUBRO). O prazo para obtenção do DUAT é de 90 dias, no máximo, embora, em termos práticos, este se estenda por
muito mais tempo, condicionando os investimentos e as atividades dos requerentes.
9 De acordo com a lei de terras (ARTIGO 18), o não cumprimento do plano de exploração ou projeto de investimento nos

prazos estabelecidos, sem apresentação de nenhuma justificação, leva automaticamente à extinção do DUAT e à reversão
das terras para o Estado, ainda que o titular tenha pago todos os impostos.
Portanto, para além das provas escritas, a Lei de Terra Moçambicana reconhece a importância
e validade das práticas costumeiras de acesso à terra, permitindo inclusive a existência de
DUATs comunitários, ou seja, títulos de propriedade registrados em nome da comunidade e
não em nome individual. Os membros das comunidades locais podem obter títulos de uso e
aproveitamento da terra individualizados, sendo condição que estes se desmembrem do terreno
das áreas da comunidade de que faziam parte, significando isto que os DUATs comunitário e
individual não se sobrepõem.

No entanto, apesar destes avanços que fazem da Lei de Terras moçambicana uma das melhores
e mais progressistas, alguns cenários são ainda pouco animadores, como, por exemplo, o difícil
acesso ao crédito, uso de técnicas rudimentares de produção, difícil acesso aos fertilizantes e
pesticidas e também o acesso diferenciado à terra pela mulher em relação ao homem. Em
relação a este último aspecto, no meio urbano e, principalmente, no meio rural, o papel da
mulher no desenvolvimento das famílias é ainda secundarizado e o acesso aos recursos
condicionado pela natureza falocêntrica que caracteriza as sociedades africanas, no geral, e a
Moçambicana, em particular.

Sobre as consultas comunitárias


Um dos principais avanços da Lei de Terras foi o reconhecimento do papel das comunidades
na gestão dos seus próprios recursos naturais, resolução de conflitos, e no processo de consulta
comunitária, que antecede qualquer nova concessão de terras, quer para a realização de
atividades econômicas ou para fins de atribuição de espaços a novos ocupantes que não
pertençam a uma determinada comunidade.

Incorporando esta dimensão da consulta comunitária10, a lei de terras moçambicana reconhece,


igualmente, como pressuposto fundamental, a necessidade de continuamente conciliar as
normas tradicionais e as normas “modernas”, como forma de preservar os direitos de acesso à
terra pelas comunidades locais e categorias sociais mais vulneráveis e evitar conflitos com os
novos ocupantes, permitindo que, localmente, as pessoas se apropriem do processo de
desenvolvimento, identificando e resolvendo os seus próprios problemas.

A consulta comunitária é um encontro ou reunião pública, realizada na presença de membros


e representantes das comunidades locais, autoridades administrativas locais, investidores ou

10 Número 3 do artigo 13 da Lei de Terras 19/97 de 1 de Outubro.


requerentes, e outros interessados. A consulta consiste na apresentação, discussão e auscultação
das comunidades em relação ao seu interesse, ou não, na implantação de um determinado
projeto de investimento dentro dos limites da área que corresponde às terras comunitárias. A
consulta pretende ainda identificar a existência, ou não, de ocupantes ao longo da extensão
requerida pelos novos ocupantes, para que, uma vez aceite o projeto de investimento, possam
ser discutidas as condições de indemnização ou compensação dos membros cujos bens (casas,
culturas, animais, campas, etc.) estão na área pretendida.

A consulta comunitária é obrigatória e pode ser realizada numa única ou em várias sessões,
dependendo do nível de resistência ou aceitação que as comunidades manifestem, visto que
estas têm a prerrogativa de aceitar ou refutar a chegada de novos ocupantes às suas
comunidades (REMANE, 2009). Caso a comunidade concorde, uma acta é assinada por um
mínimo de três e um máximo de nove homens e mulheres representantes desta e também pelos
ocupantes de terrenos próximos à mesma.

No entanto, embora as disposições para a realização da consulta comunitária estejam


uniformizadas na lei, é visível o grande desfasamento entre os mecanismos formais previstos
e as práticas efetivas dos atores. Os arranjos e alianças de poder e com o poder político, por
vezes à margem das normas, feitos pelos atores a todos os níveis levam a que as decisões
tomadas nas consultas e as atividades executadas sejam feitas em benefício dos atores em
posição privilegiada (altos funcionários do Estado a nível central e local, membros influentes
do sistema do poder, funcionários intermédios, funcionários dos serviços de cadastro,
autoridades comunitárias, etc.), em detrimento das comunidades locais.

Muitos dos conflitos de terra envolvendo comunidades, investidores e Estado resultam da falta
de realização da consulta comunitária ou ainda da fraca clareza nas informações transmitidas
durante a mesma, gerando diferentes interpretações e expectativas. De uma reunião pública, a
consulta comunitária, por vezes, é reduzida a uma “conversação ordinária” entre requerentes e
indivíduos com informação ou posições privilegiadas, onde a população é, de seguida,
persuadida a ceder as suas terras a favor dos novos ocupantes, sem o seu consentimento.

A ocupação de cargos de liderança e chefia dentro do sistema de poder (a todos os níveis)


confere aos atores implicados nos arranjos ou contratos com novos ocupantes grandes
privilégios e benefícios (materiais e simbólicos), o que, por sua vez, permite-lhes legitimar o
seu poder e perpetuar a sua dominação. Quanto mais importante for o cargo que os indivíduos
ocupam na hierarquia de poder, maior será a sua influência nos processos de negociação e
maior será a tendência de exclusão de outros atores, inferiormente colocados na estrutura de
poder, como os régulos ou outras autoridades tradicionais. Estes últimos reduzem-se, portanto,
a meros legitimadores de quimeras processuais, tal como referiu um régulo:

Existe uma coordenação nossa (régulos) com o Governo na parte


das terras; mas (essa coordenação) não é geral. Há coisas que o
Governo faz na minha área sem que eu, como dono e responsável
das terras, saiba. Só acompanho que este sítio já foi vendido ou
que alguém ocupou aquele lugar [...] Por exemplo, um investidor
foi ocupar um terreno, negociou com o Governo e o dono do
terreno, sem meu conhecimento, só ouvi que devia ir fazer a
consulta comunitária. Chamaram-me somente para assinar o
papel (acta). Por lei não devia assinar; mas, para afastar barulho
e por respeito às estruturas (administrador) que lá estavam,
aceitei assinar (ENTREVISTA CONCEDIDA em 18 abr. 2015).

Património do público/ Estado


O património do Estado é constituído pelos bens susceptíveis de satisfazerem necessidades
económicas de que o Estado é titular e pelas responsabilidades que sobre eles impendem, tem
sempre um activo bens e um passivo responsabilidades. Os patrimónios classificam-se em
património do domínio público natural, domínio artificial; no que concerne ao domínio público
natural agrupa-se segundo a sua constituição material, domínio público hídrico, aéreo e mineiro
e o domínio público artificial agrupa-se segundo a função que os bens desempenham por
exemplo, o domínio público da circulação, militar, cultural e entre outros. A gestão aplica-se a
entidades privadas, quanto para as entidades públicas, contudo, para estas, todos os seus fins
devem atender o interesse público, seguindo os princípios constitucionais da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os bens patrimoniais, compreendem-se
em bens móveis e imóveis. Bens móveis referem-se a todos os equipamentos e materiais
permanentes que, em razão da utilização, não perdem a identidade física e constituem meio
para a produção de outros bens e serviços. A fiscalização patrimonial tem como fim garantir o
controlo, a fiscalização patrimonial torna-se, por conseguinte, responsável pelo controlo do
património público, activo imobilizado, por meio da mensuração de seu valor contabilístico e
valor reconhecido, além de serem depreciados mensalmente.
Composição do património do domínio público
Caetano (1990) entende o domínio público, composto por bens naturais e por bens construídos
através da acção do homem, em que os primeiros formam o domínio público natural e, os
segundos, o domínio público artificial. Daqui podemos concluir que Caetano começa por fazer
uma classificação dos bens do domínio público segundo o processo da sua criação, ou seja,
domínio público natural e artificial. Por sua vez, o domínio público natural, agrupa-se segundo
a sua constituição material domínio público hídrico, aéreo e mineiro e o domínio público
artificial agrupado segundo a função que os bens desempenham por exemplo, o domínio
público da circulação, militar, cultural, etc.

O critério de classificação adoptado por Fernandes (1991) baseia-se no tipo específico e


primordial de utilidade pública produzida pela coisa. Segundo este autor, o legislador português
estatuiu que onde existisse água deveria ser considerado domínio público, salvo raras
excepções em que juridicamente seria impossível fazer prevalecer tão estranho princípio.
Ainda segundo o mesmo autor, o resultado da mistura irracional entre a função da coisa e a sua
materialidade traduziu-se num enorme embaraço para as pessoas que têm de sistematizar tão
estranho conjunto de disposições. Acrescenta que, é normal encontrar, entre autores de grande
mestria técnica no assunto, sistematizações completamente ilógicas. Fazem parte do domínio
público natural as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem
como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos; o
espaço aéreo superior ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário;
os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais e
subterrâneas existentes no subsolo, com excepção das rochas, terras comuns e outros materiais
habitualmente usados na construção.

Teodoro Waty menciona-nos os seguintes componentes domínio público11 natural, “bens de


domínio hídrico: águas marítimas, fluviais, lacustres e de fontes, bens de domínio aéreo e bens
de domínio minério: jazigos nacionais e petrolíferos, nascentes de águas mineromedicinais e
recursos geométricos” (WATY, op. Cit., 239).

Domínio Público artificial, as valas abertas pelo Estado e as barragens de utilidade pública, os
portos artificiais e docas, os aeroportos e aeródromos de interesse público as obras e instalações
militares, bem como as zonas territoriais reservadas para a defesa militar; os navios da armada,

11Lei das águas [lei nº 16/91 de 13 de agosto] que define o domínio publico hídrico, e a lei do mar [lei nº 96 de 4 de janeiro]
que define o domínio publico marítimo, fluvial e lacustre
as aeronaves militares e os carros de combate, bem como outro equipamento militar de natureza
e durabilidade equivalentes.

As linhas telegráficas e telefónicas, os cabos submarinos e as obras, canalizações e redes de


distribuição pública de energia eléctrica. Os palácios, monumentos, museus, bibliotecas,
arquivos e teatros nacionais. Terrenos classificados como espaço natural ou zona verde, de
lazer, praças públicas ou para instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos. Segundo
Sousa Franco temos os seguintes bens do domínio público artificial,

(a)Domínio de circulação: estradas, pontes, ferrovias, linhas telefónicas e de energia,


aerogares, etc., (b) domínio monumental, cultural e artístico (museus, bibliotecas,
arquivos, palácios e monumentos) e (c) domínio militar: navios, aeronaves, instalações
militares, carros de combate, etc. (SOUSA FRANCO, 2010:309).

Portanto quando falamos de bens do domínio público artificial, referimo-nos aos bens onde
houve a intervenção do da mão humana para que esses bens fossem possíveis, o caso de
Moçambique, podemos trazer alguns bens do domínio público a destacar, a praça dos Heróis
moçambicanos, Casa de Ferro localizado na Avenida Samora Machel; O Edifício foi
encomendado pelo governo colonial à Bélgica e concebido no atelier de Gustav Eiffel.
Destinava-se a residência do governador-geral de Moçambique; Tunduru Jardim Botânico;
Monumento a Ngungunhane em Chaimite distrito de Chibuto, etc.

Critérios classificatórios do património público


Quanto à classificação de outros critérios do património público podem ser:

a. Património real constituído por coisas e direitos sobre elas;


b. Património financial constituído por activos monetário-financeiros e por créditos e
débitos do Estado;
c. Património geral que integra todo o activo e passivo patrimonial não especial;
d. Património mobiliário constituído por direitos sobre móveis e direitos de objecto
imaterial (Artigos 204 e 205 do CC);
e. Património imobiliário, constituído pelos direitos sobre bens imóveis;
f. Patrimónios especiais que podem estar sujeitos jurídico específico de gestão financeira
de um conjunto de bens, isto é, são aqueles bens inalienáveis, impenhoráveis e não
hipotecáveis, que estão a serviços ou unidades orgânicas de Estado e que são
indispensáveis para a realização e prossecução das suas funções (SOUSA FRANCO,
op cit., 306-318).
Considerações finais
À medida que o interesse pela terra e outros recursos naturais aumenta, maior é a pressão sobre
a terra e para a formalização dos direitos de posse das comunidades, que se acompanha por
outras estratégias de associação ou resiliência à penetração de novos ocupantes. Esta pressão
produz implicações consideráveis a nível da segurança de posse de terra das famílias, que
temem perder as suas terras, do Estado, que se vê obrigado a reforçar a sua capacidade
institucional de gestão da terra, e, também dos próprios investidores, que retraem ou aumentam
os seus investimentos em função da estabilidade política, econômica e social do país onde
investem, e do quadro legal em vigor nestes. As mulheres, por representarem a maior
percentagem dos produtores agrícolas, são as que mais sofrem os efeitos da pressão sobre a
terra e, portanto, as mais vulneráveis à perda das suas terras.

Há evidências de que um enfoque numa governação participativa do recurso terra, através


duma maior inclusão das comunidades locais na gestão direta dos recursos e resolução de
conflitos, bem como o reconhecimento, pelo Estado, dos direitos costumeiros de ocupação da
terra podem permitir uma maior proteção dos direitos das comunidades em casos de tentativas
de invasão. O registro dos direitos de ocupação costumeiro e de boa-fé, aliado ao reforço do
poder das autoridades a nível local permitirão, igualmente, uma maior transferência de
competências e obrigações e um controlo efetivo dos direitos das comunidades, evitando o
açambarcamento de terras e garantindo melhor negociação com terceiros.

No que diz respeito aos bens patrimoniais, compreendemo-los: bens móveis e imóveis. Bens
móveis referem-se a todos os equipamentos e materiais permanentes que, em razão da
utilização, não percam a identidade física e constituem meio para a produção de outros bens e
serviços.

Perante o aumento do investimento no meio rural e, consequentemente, da pressão para a


expansão do mercado da terra já existente, quais serão as possibilidades de vigência ou de
alterações da atual lei? Do mesmo modo, é ainda possível prever o tipo de resistências face a
essa eventualidade e os riscos daí decorrentes.
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