Direito Da Terra
Direito Da Terra
Direito Da Terra
EXTENSÃO MAPUTO
Cadeira:
Discentes:
Cristiano Júnior
Edmilson Fanheiro
Francisco Meque
José Durbeque
Recildo Mathe
Stelvia Macuácua
Docente:
Maputo
Março de 2023
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
EXTENSÃO MAPUTO
Cadeira:
Tema:
Maputo
Março de 2023
Índice
Introdução ............................................................................................................................................... 4
Objectivo ............................................................................................................................................. 4
Referências............................................................................................................................................ 18
Introdução
Em Moçambique a terra não pode ser vendida, mas ela é comprada1. O Estado não reconhece
a propriedade privada sobre a mesma, muito menos a sua venda, ainda que de maneira mais ou
menos generalizada aquela exista, envolvendo nas transações diferentes atores a diferentes
níveis da hierarquia social, inclusive entre as elites que integram os sistemas do poder.
Atualmente, dentre as questões que têm sido objecto de debate no que concerne à questão da
terra em Moçambique – algumas ainda que de forma mais ou menos recatada – encontram-se:
(i) a centralização da propriedade da terra pelo Estado; (ii) o não reconhecimento da
propriedade privada da terra; (iii) e, portanto, a impossibilidade de transacioná-la, monetária e
formalmente no mercado.
Objectivo
Assim, este trabalho pretende mapear os discursos à volta do regime de propriedade da terra
em Moçambique e compreender os efeitos do land grabbing, bem como abordar as respeito dos
bens do domínio público.
(FNUAP), o rápido crescimento da população mundial teve início na década de 1950 com as reduções de mortalidade nas
regiões desenvolvidas, o que resultou numa população estimada em 6.1 mil milhões no ano 2000, 2,5 vezes a população de
1950. Atualmente, a população mundial é de cerca de 7 mil milhões de habitantes, número que poderá atingir os 9 mil
milhões de habitantes até 2050, o que representa, um crescimento de 0,33% por ano.
A terra como um bem comum
Várias são as acepções que a expressão “bem comum4” pode assumir, indo desde o conjunto
de elementos oferecidos naturalmente a todos os seres humanos, ou seja, a terra, a água, os
minerais, rios, mares, vento, sol, clima, atmosfera, biodiversidade, entre outros, (FLAHAULT,
2011), às simples relações sociais (materiais ou imateriais) que se estabelecem sobre aqueles
recursos (LIPIETZ, 2010)
No entanto, Ostrom (1990 apud SMOUTS, 2005) põe em causa a teorização de Hardin pois,
segundo ela, esta não corresponde aos verdadeiros bens comuns, tal como eles são geridos
pelas colectividades ao longo dos anos. Ou seja, enquanto para Hardin os bens comuns são
unicamente os recursos disponíveis, para Ostrom (1990 apud CROSNIER, 2010), estes são,
antes de tudo, lugares de negociação geridos por indivíduos que comunicam entre si e, dentre
os quais, pelo menos uma parte não é movida por um interesse imediato, mas por um
sentimento colectivo. Às autoridades públicas caberá o papel de obrigar os membros da
colectividade a participar da produção daquele bem, visto que, em certos casos, os utilizadores
têm interesse em se comportar como “passageiros clandestinos”. Só assim o bem será
produzido em quantidade óptima.
Aplicadas à terra, as teorias da colectivização – fortemente seguidas nos anos 1980 pelos países
de orientação socialista (como Moçambique) – defendem a ideia segundo a qual a terra é um
bem colectivo que, não tendo sido criado pelo homem, não deve ser vendido nem por este
transformado (BERTHOUD, 2008). Ao Estado caberia a gestão deste bem, através da
construção de infra-estruturas e alojamento em contrapartida dos quais os cidadãos pagariam
uma taxa de uso e aproveitamento (NEGRÃO, 2011).
Já na sua variante evolucionista, a teoria dos direitos de propriedade salienta que, sujeitos ao
crescimento demográfico e do mercado, as sociedades humanas tendem a evoluir
espontaneamente em direção a uma generalização da propriedade privada, individual e
familiar, da terra, ao mesmo tempo em que assistimos ao enfraquecimento e desaparecimento
do papel das autoridades tradicionais. A persistência da gestão comunitária em algumas
extensões de terra, a resistência à venda de terras para fora da comunidade de pertença, o caráter
reversível das vendas de terras e a persistência de relações clientelistas autoridadescomprador
e vendedor, etc., são sinais de um período transitório, antes do desenvolvimento de um
verdadeiro mercado de terras (PLATTEAU, 1998).
A essas situações, os governos devem responder através duma inovação institucional sob forma
de títulos de propriedade e direitos registrados junto a uma agência central especializada
(PLATTEAU, 1998). Tal intervenção, embora de caráter não obrigatório, é necessária na
medida em que flexibiliza a determinação dos preços de venda e compra de terras (NEGRÃO,
2011), assegura a posse da terra, permite o acesso ao crédito que, por sua vez, contribui para o
aumento da produtividade, e põe fim aos conflitos que tendem a aumentar quando a terra se
torna objeto de concorrência (LAVIGNE-DELVILLE, 1998).
Como se pode depreender das abordagens acima descritas, em cada momento histórico e em
cada contexto político e social, os modos de gestão e administração da terra refletem a
complexidade de interesses, representações e recursos (materiais ou simbólicos) que os
diferentes atores (Estado, investidores, comunidades) envolvidos no land game (CHAVEAU,
1998) possuem e mobilizam. Tal complexidade reflete-se igualmente ao nível das forças de
poder existentes nas sociedades, exigindo daqueles atores a adopção de diferentes estratégias
com vista a garantir a segurança de posse de terra e fazer passar os seus interesses nos centros
de decisão, excluindo ou integrando outros concorrentes pelo acesso à terra e seus recursos.
Esta discussão patenteia igualmente que a terra pode estar, e está, na origem de várias lutas e
conflitos de normas (estatais e consuetudinárias) que tendem a se opor e sobrepor umas às
outras no que concerne aos mecanismos de acesso, controlo e gestão (costume ou direito
estatal), por um lado, e a valor (sagrado ou mercantil), significado e finalidades de uso
(subsistência ou comercialização), por outro lado. Estas diferentes “significações” são
influenciadas pela natureza dos sistemas políticos que condicionam as políticas de governação
e que, por sua vez, repercutem-se ao nível das escolhas políticas e de políticas de governação
e administração da terra que os diferentes países adoptam.
Considerado um direito natural dos indivíduos, o acesso à terra no meio rural, bem como o
sentimento de apropriação, são relativamente fortes pois a terra e todos os recursos que dela
provêm são considerados pertença das famílias que os gerem segundo normas e práticas
costumeiras adquiridas, apropriadas, reproduzidas e transmitidas rotineiramente de geração em
geração, conferindo-lhes, assim, maior aquiescência, relevância e segurança. Estas normas são
igualmente aceites e respeitadas pelos Estados, que, em alguns contextos, são os legais
proprietários da terra, mas não o seu legítimo dono. Por isso, alguns países como o Senegal,
Guiné Equatorial, Costa do Marfim, Burquina Fasso, por exemplo, optaram pela combinação
entre o direito dito “moderno” e o “direito tradicional” (MATHIEU, 1996), incorporando,
reconhecendo e reforçando a legitimidade deste último, sobretudo no meio rural.
Moçambique também faz parte dos países que adoptaram um regime de dualismo jurídico,
sobretudo no que concerne à gestão dos recursos naturais, ainda que factualmente antecedido
de períodos de práticas administrativas excessivamente centralistas. De facto, a independência
nacional em 1975 e o aparecimento da “1ª república” no mesmo ano (Constituição da
República Popular de Moçambique) trazem consigo a nacionalização de todos os recursos
naturais, incluindo a terra, transformando-se esta em propriedade unicamente Estatal.
Apesar do ideal de “libertação da terra e dos homens”, não houve no Moçambique pós-
independência, como referiu Norton (2005), uma redistribuição justa da terra pelas famílias
rurais. Pelo contrário, assistiu-se a uma “dependência da trajetória” (GAZIBO & JENSON,
2004) marcada pela reprodução das práticas administrativas das antigas potências coloniais,
5De acordo com a Estratégia de Desenvolvimento Rural (2011), mais de 95% da superfície total de Moçambique (801.590
km²) corresponde ao espaço rural que, por sua vez, abriga cerca de 2/3 dos cerca de 25 milhões de habitantes, ou seja,
aproximadamente 17 milhões. Os espaços rurais são ainda responsáveis por cerca de 25 a 30% do valor acrescentado bruto e
proporcionam 80% das atividades econômicas e emprego para a população economicamente ativa.
transformação das propriedades agrícolas privadas em machambas estatais, socialização do
campo nas cooperativas e aldeias comunais, e confiscação das terras dos camponeses e
pequenos produtores privados (CAHEN, 1987)
A primeira lei de Terras é aprovada em 1979 (LEI Nº 6/79 de 3 de JULHO) que em decorrência
da constituição de 1975, igualmente consagrava a propriedade estatal sobre as terras. Uma
legislação suplementar é aprovada em 1987 (DECRETO Nº 16/87 de 15 de JULHO) que
determina que a terra não pode ser vendida. Esta disposição é reforçada, quer na Constituição
de 1990 (ARTIGO 46) como na atual Constituição de 2004 (ARTIGO 109), que
simultaneamente determinam que “a terra é propriedade do Estado. A terra não pode ser
vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada. Como meio
universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra é direito
de todo o povo moçambicano. O Estado determina as condições de uso e aproveitamento da
terra”6.
A atual Lei de Terras (LEI Nº 19/97 de 1 de OUTUBRO) é aprovada em 1997 e entra em vigor
em Janeiro de 1998, após um enorme trabalho de auscultação levado a cabo por organizações
da Sociedade Civil junto às comunidades locais, num processo considerado dos mais
democráticos até então vividos no país (HANLON, 2002). Esta lei prevê as seguintes formas
de acesso à terra: (i) pelo reconhecimento da ocupação7 segundo normas e práticas costumeiras;
(ii) por ocupação de boa-fé e; (iii) por meio da autorização pelo Estado de um pedido de uso e
aproveitamento da terra.
No acesso à terra por ocupação segundo normas e práticas costumeiras, cuja origem são as
linhagens e as famílias, tem-se como base os laços que ligam essa linhagem ou segmento de
linhagem a um determinado território. Assim, considerando o caráter sagrado e inalienável da
terra no meio rural, qualquer venda, doação ou transmissão de terrenos não efetuada de acordo
com os usos e costumes tradicionais, constitui uma violação grave dos princípios comunitários
locais e é motivo de muita contestação e até exclusão (QUADROS, 2004). Já a ocupação por
6 9 A Frelimo, partido que conduziu à independência do país, assumiu-se durante o seu 3º congresso em 1977, como um
“partido de vanguarda marxista-leninista”, o que influenciou as decisões políticas e as políticas desenhadas nesse período. A
título de exemplo, a Lei de Terras moçambicana inspirou-se no “Decreto sobre a terra do II congresso dos sovietes dos
deputados trabalhadores e soldados” (1917) que afirma “O Direito de propriedade privada da terra é abolido para sempre; a
terra não pode ser vendida nem comprada, não pode ser concedida em arrendamento, nem hipotecada, nem sujeitada a
qualquer outra forma de alienação”. Portanto, a única diferença entre essas disposições é que a Lei de Terras de Moçambique
não faz menção ao arrendamento.
7 Por “ocupação” a Lei de Terras (Nº 19/97 de 1 de OUTUBRO) entende a forma de aquisição de direito de uso e
aproveitamento da terra por pessoas singulares nacionais que, de boa-fé, estejam a utilizar a terra há pelo menos dez anos, ou
pelas comunidades locais.
boa-fé pressupõe que as pessoas singulares nacionais estejam a utilizar (habitação ou produção)
a terra há pelo menos dez anos; só nesta condição elas poderão adquirir o direito de uso e
aproveitamento sobre as terras por si ocupadas.
Outro mecanismo de acesso à terra é por via da autorização dos pedidos de uso e
aproveitamento da terra feitos pelos interessados (nacionais e estrangeiros), aos quais o Estado
pode responder através da emissão de um título escrito, dito Direito de Uso e Aproveitamento
da Terra (DUAT), autorizando a utilização e exploração da área solicitada. O DUAT é emitido
pelos Serviços de Geografia e Cadastro, quer a nível central ou local, após consulta às
comunidades e parecer das autoridades administrativas locais, com o objetivo de confirmar a
existência, ou não, de ocupantes na área pretendida e evitar conflitos futuros.
Em caso de aceitação do pedido de DUAT, uma autorização provisória é emitida, com duração
de 5 anos para os nacionais e 2 anos para os estrangeiros. Após o cumprimento do plano de
exploração, uma autorização definitiva é emitida8, com duração de até 50 anos, susceptível de
renovação, por igual período, mediante apresentação de um novo pedido pelo requerente9.
Estes prazos aplicam-se somente aos casos em que o pedido de uso e aproveitamento tem como
finalidade o desenvolvimento de atividades econômicas, não havendo prazos de validade, nos
casos em que o DUAT tenha sido obtido por via costumeira, boa-fé ou se destine à construção
de uma habitação ou exploração familiar.
8 Nas áreas que não correspondem às autarquias municipais, compete aos Governadores Provinciais a aprovação de pedidos
de uso e aproveitamento da terra de áreas cujo limite máximo é de 1000 hectares. Já os pedidos de uso e aproveitamento para
áreas compreendidas entre 1000 e 10.000 hectares ou que ultrapassem os 10.000 hectares, são autorizados pelo Ministro que
superintende a área da Agricultura e Pescas e pelo Conselho de Ministros, respectivamente (ARTIGO 22, Lei 19/97 de 1 de
OUTUBRO). O prazo para obtenção do DUAT é de 90 dias, no máximo, embora, em termos práticos, este se estenda por
muito mais tempo, condicionando os investimentos e as atividades dos requerentes.
9 De acordo com a lei de terras (ARTIGO 18), o não cumprimento do plano de exploração ou projeto de investimento nos
prazos estabelecidos, sem apresentação de nenhuma justificação, leva automaticamente à extinção do DUAT e à reversão
das terras para o Estado, ainda que o titular tenha pago todos os impostos.
Portanto, para além das provas escritas, a Lei de Terra Moçambicana reconhece a importância
e validade das práticas costumeiras de acesso à terra, permitindo inclusive a existência de
DUATs comunitários, ou seja, títulos de propriedade registrados em nome da comunidade e
não em nome individual. Os membros das comunidades locais podem obter títulos de uso e
aproveitamento da terra individualizados, sendo condição que estes se desmembrem do terreno
das áreas da comunidade de que faziam parte, significando isto que os DUATs comunitário e
individual não se sobrepõem.
No entanto, apesar destes avanços que fazem da Lei de Terras moçambicana uma das melhores
e mais progressistas, alguns cenários são ainda pouco animadores, como, por exemplo, o difícil
acesso ao crédito, uso de técnicas rudimentares de produção, difícil acesso aos fertilizantes e
pesticidas e também o acesso diferenciado à terra pela mulher em relação ao homem. Em
relação a este último aspecto, no meio urbano e, principalmente, no meio rural, o papel da
mulher no desenvolvimento das famílias é ainda secundarizado e o acesso aos recursos
condicionado pela natureza falocêntrica que caracteriza as sociedades africanas, no geral, e a
Moçambicana, em particular.
A consulta comunitária é obrigatória e pode ser realizada numa única ou em várias sessões,
dependendo do nível de resistência ou aceitação que as comunidades manifestem, visto que
estas têm a prerrogativa de aceitar ou refutar a chegada de novos ocupantes às suas
comunidades (REMANE, 2009). Caso a comunidade concorde, uma acta é assinada por um
mínimo de três e um máximo de nove homens e mulheres representantes desta e também pelos
ocupantes de terrenos próximos à mesma.
Muitos dos conflitos de terra envolvendo comunidades, investidores e Estado resultam da falta
de realização da consulta comunitária ou ainda da fraca clareza nas informações transmitidas
durante a mesma, gerando diferentes interpretações e expectativas. De uma reunião pública, a
consulta comunitária, por vezes, é reduzida a uma “conversação ordinária” entre requerentes e
indivíduos com informação ou posições privilegiadas, onde a população é, de seguida,
persuadida a ceder as suas terras a favor dos novos ocupantes, sem o seu consentimento.
Domínio Público artificial, as valas abertas pelo Estado e as barragens de utilidade pública, os
portos artificiais e docas, os aeroportos e aeródromos de interesse público as obras e instalações
militares, bem como as zonas territoriais reservadas para a defesa militar; os navios da armada,
11Lei das águas [lei nº 16/91 de 13 de agosto] que define o domínio publico hídrico, e a lei do mar [lei nº 96 de 4 de janeiro]
que define o domínio publico marítimo, fluvial e lacustre
as aeronaves militares e os carros de combate, bem como outro equipamento militar de natureza
e durabilidade equivalentes.
Portanto quando falamos de bens do domínio público artificial, referimo-nos aos bens onde
houve a intervenção do da mão humana para que esses bens fossem possíveis, o caso de
Moçambique, podemos trazer alguns bens do domínio público a destacar, a praça dos Heróis
moçambicanos, Casa de Ferro localizado na Avenida Samora Machel; O Edifício foi
encomendado pelo governo colonial à Bélgica e concebido no atelier de Gustav Eiffel.
Destinava-se a residência do governador-geral de Moçambique; Tunduru Jardim Botânico;
Monumento a Ngungunhane em Chaimite distrito de Chibuto, etc.
No que diz respeito aos bens patrimoniais, compreendemo-los: bens móveis e imóveis. Bens
móveis referem-se a todos os equipamentos e materiais permanentes que, em razão da
utilização, não percam a identidade física e constituem meio para a produção de outros bens e
serviços.
FLAHAULT, François. Où est passé le bien commun? Paris: Mille & Une Nuit, 2011.
HARDIN, Garrett. The Tragedy of the Commons. Science, série, CLXII (3859). p. 1243- 1248.
1968
SMOUTS, Marie Claude. Du patrimoine de l'humanité aux Biens Publics Globaux. In:
SALEM, M. (Coord.). Patrimoines naturels au Sud, territoires, identités et stratégies locales.
Paris: IRD, 2005.