BINDER, Alberto M. Introdução Ao Direito Processual Penal (P. 173-228) PDF

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Ar,epnro M.

Brlosn
LUMEN*;UMS
urww.lumenjuris. c om. br

Eomonrs
Joäo de Almeida
Joáo Luiz da Silva Almeida

Corusnr,so Eortoman Conrser,Ho Co¡¡sur,trvo


A-lexaldre FYeitas Câmara Álvato Mayrink da Costa
Amilton Bueno de Carvalho Aurélio Wander Bastos
Antonio Becker Cinthia Robert
Augnrsto Zimmermann Elida Ségnrin
Eugênio Rosa Gisele Cittadino
Fauzi Hassa¡r Choukr Humberto Dalla Bernardina
de Pinho
IrurnoDuÇÃo Ao
Firly Nascimento Filho
Flávio A]ves Martins José dos Santos Carvalho Filho
José Fernando C. Fa¡ias
DIReruo PnocESSUAr, PsNaL
FYancisco de Assis M. Tavares
Geraldo L. M. Prado José Ribâs Vieira
Gustavo Sénéchal de Goffredo Ma¡celo Ciotola
J. M. Leoni Lopes de Oliveira Marcellus Polastri Lima
Letácio Jansen Omar Gama Ben Kauss Ttadução de
Manoel Messias Peixinho Sergio Demoro Hamilton Fernando Zan:ri,
Ma¡cos Juruena Villela Souto com revisão e Apresentação de
Paulo de Bessa Antunes
Fauzi Hassan Choukr
Salo de Carvalho

Rio de Janeiro Rio Grande do Sul


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2003
Até agora estudamos as bases do processo penaì: os princípios que
o estruturam, fundamentarmente, como urn processo garantidor. sobre
essas bases o processo penal organiza-se de um modo determinado. Es-
sa orgalização não é um problema menor, pois em numerosas ocasioes
dependerá dela - de sua estruturação correta - para gue possa cumprir
efetivamente os princípios que o fundamentam ou deveriam fundamen-
tá-lo. Mesmo assim, muitas das piores distorções das garantias e prin-
cípios fundamentais provêm de uma estruturação incorreta ou das dis-
torções que a prática gera na própria estrutura do processo penal.
A análise que faremos das fases do processo não estará sujeita a
nenhum código em particular, exceto ao gue consideramos a forma
constitucional de processo penal, conceito sobre o qual insistimos
muito nesta obra. Na realidade, porém, todo processo penal está estru-
turado em fases que cumprem objetivos específicos.
Normalmente, existem cinco fases principais: a primeira, dernves-
tigação, preparação ou instruEão, cujo principal objetivo é preparar a
acusaçáo ou o julgamento; a segunda é onde se critica ou ana}sa o ¡e-
sultado dessa investigação; uma terceira etapa, principal, é o julgamen_
to propriamente dito; a guarta fase é onde se controla o resultado desse
julgamento, a sentença, através d.e diferentes meios d.e impugnaçáo ou
recurso.s; e, fina-lmente, a quinta fase, onde se executa a sentença que
tenha sido proferida. Estas sáo as etapas principais em que se divide
qualquer processo penal.
Nem todos os sistemas processuais organizam essas fases do
mesmo modo: algmns entregam a instrução e o julgamento a um mesmo
juiz; alguns realizam todo o procedimento por escrito e outros realizam
uma instruçáo escrita e um julgamento oral. Enfim, cada código de pro-
cedimentos organiza as fases de maneira diferente, embora, como já
vimos em capítulos anteriores, existam certos modelos .básicos de
estruturação dos sistemas penais (inguisitivo, acusatório, escrito, oral
etc.) aos quais estão subordinados os diversos sistemas normativos.

rt3
Introdução ao Direito ProcessuaÌ Penal
Alberto Binde¡

o efeito por isso, sempre estáo em jogo as garantias processuais e sempre vol-
Uma explicação básica como a que pretend'emos dar tem tamos a elas.
lógica de qual-
benéfico, em nossa opiniáo, de permitir compreender a Esta introduçáo serve, em minha opiniáo, pa¡a advertir o leitor
quersistemaprocessual.Muitasvezesseobrigaaosestudantespres- sobre o que se f.alatâ nos próximos capítulos. Espero que eles cumpram
lhes ensinam
tarem atençáo a problemas menores ou a d'etalhes e náo com sua expectativa e compreenda que são apenas um guia para levar
permitiriam aprofundar-se no que
os conceitos fundamentais que lhes ao verdadeiro estudo dos sistemas processuais, que deverá ser, neces-
énecessá¡iopararealizarSeupleparouniversitário.Noscapítulos sariamente, um trabalho de maior profundidade, de maior rigor e - por
seguintes,propomo-nosofereceraoestudanteessesconceitoselemen- que não? - de maior compromisso pessoal.
qualquer um dos
tares que servirão para analisar com maior clareza
tam-
códigos processuais penais vigentes em nosso país Esperamos'
falhas e estender o que
bém, que possam criticá-los, descobrir suas
plocesso náo é
dissemos no início desta introduçáo: a organizaçáo do
algo diferente da vigência das garantias e dos princípios básicos;
ao
de organiza-
contrário, muitas vezes elas sucumbem diante das regras
çáo processual.
Apráticadostribunaisedoexercíciodaadvocaciatendemadar
verdade, é
maior importância ao conhecimento dessa organizaçáo. Na
comumquesechegueaoextremodeconsiderargueomaisimportan-
teéconhecerosprazos,osrequisitosdosdocumentosquedevemser
apresentados,osmodosdeinterporrecursos,enfim,todososdetalhes
afirmar
da efetiva estruturaçáo dos documentos' Náo é nossa intenção
queesseconhecimentonãotemner¡humaimportância:oquedeseja-
é que isso náo garante o conhecimento do
processo penal
mos d.estacar
nem_muitomenos_d.oDireitoprocessualpenal'Seoestudantedese-
jaconverter-Seemummeroprático,emum..rábula''queconhecede
este velho
cor os requisitos processuals, aconselharia que' seguindo
..ler
costume da decadência universitária, d.edique-se a o Código'', já
que ali encontra¡á o "saber" que está buscando'
Entretanto,náoacrediteguecomesseconhecimentoentendeuo
que seja o processo penal. Muito pelo contrário' desse modo irá anular
processual'
sua capacidade de captar a essência do fenômeno
Se todo processo penal tem uma orgalizaçáo' esta responde a
..racionalidade',, dirigida por
uma lógica. Esta lógica náo é uma simples
umprincípiodeeficiênciaadministrativa.Ajustiçapenalnáoéumpro-
cessodetramitaçáodeexpedientes.A.,lógica''processualédetrata-
mentosdeconflitoshumanose,comotal,estáorientadaparaSuaScon-
produzem na solu-
seqùências práticas, isto é, as conseqüências que se
çáo ou na "redefiniçáo" desse
conflito'
Asfasesprocessuaisnutrem-sed.essalógicaeaSconseqùências
do poder;
são medidas Sempre em teImos d.e intensidade do exercício

775
174
XVIil. A Investigaçáo Preliminar

Pode-se afirmar gue no começo do processo encontra-se a vida em


sociedade, que se manifesta de um modo conflituoso, penoso e tam-
bém misterioso.
O processo penal começa por enfrentar uln fato social ou um con-
flito do qual se sabe muito pouco. Entretanto, por algum motivo' as
pro-
autoridades encarregadas pelo Estado de investigar os delitos -
motores ou juízes de instruçáo - devem-se concluir se esse fato confli-
tivo - que poderá ou náo ser um delito - existiu na realidade'
(e' por
Os canais através dos quais ingressa a primeÍra informaçáo
como os que fazem nascer o pro-
isso mesmo, podem ser considerados
cesso penal) denominam-se "atos iniciais do processo" e podem ser de
classes diferentes.

fato (testemunha, por alusáo etc.).


Os cidadáos não estáo obrigados a denunciar os fatos presumivel-
mente delituosos, embora seja desejável que o façam' Um Estado onde
os cidadáos tivessem essa obrigaçáo seria um Estado policial em ç¡le
cada cidadáo se converteria em um agente da ordem' Essa sociedade
totalitaria náo é recomendável nem responderia aos princípios republi-
canos de nossa Constituição.
Poressarazâo,épossívelafirmarqueoscódigosprocessuaisnão
podem, mesmo em nossa ordem obri-
"
gaçáo de denunciar. Entretanto, p lares
de denúncia obrigatória. É comum obri-
gaçáo sempre que existir nal ou funcional de
compromisso maior com a têm a obrigaçáo de
denunciar os funcionários e ando tiverem conhe-
cimento do fato durante suas funções e também os médicos (e todos

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Alberto Binder

de de uma quereìa, especialmente na demonstração de todas as cir-


aquelesqrreexercemaartedecurar)quandodoexercíciodesuapro- cunstâncias que Ìegitimam a pessoa a solicitar sua participaçáo corno
fissáo.Emgeral,oscódigosprocessuaistêmnormasaesserespeitoe querelante.
sepoderiaestenderaobrigaçãoaoutrassituaçõessimilares;porexem- Por último, o terceiro modo de se iniciar um processo penal se dá
discípulos' ou as
plo, os tutores com relaçáo a delitos que afetem seus quando os órgáos de persecuçáo penal tomam conhecimento direto de
a seu patrimônio'
pessoas jurídicas aos dllitos que sáo concernentes um suposto fato delituoso. Estes sáo os casos de conhecimento de ofí-
de denunciar está ligada a situaçóes palticulares e
Enfim, a obrigaçáo cjo. O mais comum de todos eles é aprevenção policial, isto é, quando
geral, que acabaria converten-
isso é muito diferente de uma obrigaçáo a polícia tem conhecimento de um presumido delito e começa as inves-
delatores'
do todos os cidadáos em suspeitos em vez de tigaçóes preventivas sob as ordens de alguns dos principais órgãos de
oscódigosprocessuaiscostumamestabelecerrequisitosparaque persecuçäo (que poderáo ser os promotores ou os juízes de instruçáo).
lugar, devem conter uma
as d,enúncias tenham va-]idade. Em primeiro Após os atos iniciais, mediante os quais tem ingresso formalmen-
da pessoa supostamente
descriçáo do fato e, se possuem esses dados' te no sistema judicial uma hipótese delitiva, começa o períodoprepara-
mesmo assim' se exige que
autora ou participante ão fato denunciad'o; tório, qloe consiste em um conjunto de atos - fundamentalmente de
odenunciante_namedidadesuaspossibilidades_demonstreaSpro- investigaçáo - orientados para determinar se existem razóes para sub-
até as autoridades'
vas ou os antecedentes da ocorrência que leva meter uma pessoa a julgamento. O pedido do promotor, consistindo em
Aindaassim,oscódigosexigemqueodenuncianteseidentifique'o que se inicie o julgamento de uma determinada pessoa e por um fato
Poder-se-ia dar cré-
que nos leva à questão das denúncias anônimas. determinado, denomina-se acusaEão. Portanto, podemos dizer que,
de denúncia
dito a uma denúncia anônima? Sem dúvida' esse tipo depois dos atos iniciais do processo, começa um conjunto de ativida-
mostrouseruminstrumerrtoeficazparaseconhecerfatosdelituosos; des processuais parapreparar a acusação.
Estado de Direito' que
entretanto, é totalmente inadmissível em um A dela- Esse conjunto de atividades, que pode receber o nome de su¡ná¡io,
protege os cidadáos, que se dê andamento a tais denúncias' procedimento preparatório, instrução ou investigação preliminar ou pre-
nto de Per-
çao .rrOrri*a Pode converte prio de um paratória, pode ser organizado de diferentes maneiras, dependendo da
secuçáo, inclusive política' polícias proximidade ou da distância que o sistema processual tenha do mode-
as
Estado republicano dar curso a e lo acusatório.
desse tipo' náo as
iniciem suas investigaçóes através de denúncias Por exemplo, os sistemas processuais que seguem o modelo inqui-
para se iniciar uma investi-
fazendo valer como tais, mas como meios sitivo encarregam o juiz de instrução da investigação ou andamento do
gaçáo de ofício.
sumá¡io. Uma vez que este termine de reunir as provas, envia o sumá-
odenuncia¡tenãosetornaumsujeitoprocessualnemadquire rio ao promotor, para que seja requerida por ele a a-bertura do julga-
responsabilidades maiores pelo resultado final
do processo penal' E
mento (acusaçáo). Nos sistemas que náo seguem completamente o sis-
comtunestabelecer-se,entretanto'queéresponsável(responsabilida-por tema inquisitivo, mas aquele denominado "rnisto" ou "inquisitivo refor-
pelo pagamento das custas'
de que se manifesta processualmente mado", também entregam a investigação ao juiz para que realize uma
precipitada' O Código
exemplo) caso sua denúncia seja de má-fé ou instrução formal e depois, sobre a base deste sumário, o promotor
Penal também estabelece como delito
a denúncia falsa'
quem faz a denúncia é a própria vítima' que nao requeira a a-bertura de um julgamento oral e público. Outros sistemas,
Em alguns casos, que se aproximam muito mais do modelo acusatório, entregam a inves-
Somenteselimitaadarciênciadoocorridomastambémsolicitapalti- tigaçáo preliminar ou instruçáo diretamente ao promotor, que se torna
processual que estu-
cipar do processo penal como quere'lante' sujeito o encarregado de preparar a acusação que ele mesmo apresentará.
deparamo-nos com
daremos em outro capítulo' Ouando isto ocorre' Essencialmente, duralte o período preparatório, existem quatro
outrodosmodostradi.cionaisdedarinícioaoprocessopenal,queéa
uma tipos de atividades:
qual se acrescenta
querela. Esta náo é mais que uma denúncia à
processual' Por 1. Atividades de investigação pura.
instância ou solicitaçáo då constituição de um sujeito 2. Decisões que influenciam o andamento do processo.
essa razáo, costumam ser mais severos
os requisitos de admissibilida-

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3. Antecipação de prova, isto é, que näo pode
esperar sua apre_ afetar alg-umas garaltias processuais, direitos
sentação nos debetes. ou bens protegidos pera
4. Decisoes ou autorizações vinculadas a atos que Constituiçáo.
podem afetar Em alguns casos, por exemplo, para poder
garantias processuais ou direitos constitucionais. obter uma prova, torna_
se necessário entra¡ em um domicílio
ou seqüestrar argmm documento
Em princípio, esta fase preliminar ou preparatória ou objeto pertencente a uma tercerra pessoa,
ou realizar uma investi-
penal é uma fase de investigação. Esta é do processo gaçáo física ou mentar do acusado
ou de uma testemunha. Todos estes
uma atividade eminentemen, atos da investigação afetam o âmbito da intimidade,
te criativa; trata-se de superar um estado de incerteza da reserva dos
mediante a documentos particurares, a propriedade
busca de todos os meios que possam rrazer a informaçáo ou a integridade física das
que acabe pessoas' como já vimos em outros
co''' essa incerteza. Trata-se, pois, da atividade qr,u capítulos, a proåçao desses bens
urr"orrrra ou detec_ não é absoruta, mas se exige que, quando
ta os meios que servirão de prova. Na realidad.e da eres possãm ser afetados,
maioria de nossos se]am tomadas decr'sões formais destÍnadas
sistemas processuais, o que deveria ser uma
atividade criativa tornou_
a causar sobre eles o
menor ônus possível. Desse ponto de vista processual,
se uma atividade de rotina, em um simpres significa que
acúmuro, mais ou menos deveráo ser expedidas ordens expressas
mecânico, de forhas de papel com registros. Este e formais (a constituição
fenômeno de burocra- exige gue sejam emitidas por autoridades judiciais)
tizaçáo da investigação - fenômeno que provoca quà permitam rea_
muita impunidade - é lizar esses atos de investigação. Esta crasse
uma conseqüência do processo escrito e da adoçäo, ae ae.i"åes podemos cha-
nesta fase, do sis_ mar de autorizações jurisdicionais.
tema inquisitivo, o qual leva, necessa'amente, a Por último, em argumas ocasiões excepcionais,
uma formarização é necessá¡io reari_
excessiva da investigação. Mesmo os sistemas
denominados ,.de julga_ zar uma antecipação de prova. para que
este conceito seja compreendi-
mento oraJ", que mantêm o modero inquisitivo do, devemos prestar algumas explicãçoes prévias.
nessa fase, sofrem deste
defeito e, inclusive, isto produz, d.epors, uma Ouando afirmamos que esta primeira fase
distorção do próprio julga_ do processo pena_l é
mento oral (distorção que se origina na rncolporação "preparatória", queremos dizer, fundamentarmente,
da ,,prova,, do gue os erementos
sumário simpresmente através de sua reitura de prova que ali estão reunidos não valem
ou, rrerhor dizendo, por ainda como ,,prova,,. Já vimos
sua simples menção). que existe uma ga-rantia básica que
consiste no jurgamento prévio, ou
Dessa maneira, quando a investigação se seja' que nenhuma pessoa pode ser condenada
torna rotineira, perde_se
".- rr* ãurpabilida_
um de seus princípios básicos, que é a necessidade jurgamento no
qual seja apresentad.a a prova que permitirá
da existência d.e comprov-
"estratégias d.e investigação", isto é, de ou sua inocência. O jr:tgamento é, portanto, "úu
caminrros mais eficazes, de acor_ o momentoda prova, em
do com os casos, para obter a preparação da um sentido básico. o anterior não é senáo
acusação. a coreta dos elementos que
Durante a evoluçäo desse procedimento preparatório, servirão para provar a acusação durante julgamento;
devem ser o este é, precisa-
tomadas decrsões. por exemplo, quarquer um mente, o sentido das palawas ,,preparatório
dos sujeitos processuais da acusaçáo,,, com as quais
pode causar uma exceção (quer dizer, qualificamos o procedimento anterior
uma defesa parciar e antecipada ao julgamento.
como, por exemplo, uma exceção de prescrição Entretanto, em algumas ocasiões, não é possível
ou de falta de açáo) ou esperar o julga_
qualquer outro tipo de incidente (por exemplo, mento para produzir a prova. por exempro, quando
os relativos à admissão a vítima - cujo tes-
ou à rejeição da constituição - participação no processo temunho é necessário ou qualquer outra
- testemunha esteja agonizan-
desses sujeitos processuais). Thdo isso obriga - de alguns do. Não se poderá esperar o julgamento para que
a tomar decisões que testemunhem. O
serão resoluçóes d.itadas durante a instrução. mesmo pode ocorrer com uma perícia que
Uma delas, talvez a mais deverá ser rearizada em uma
importante, é aquera segundo a qual se decide substância perecível e, por isso, não se pooerá
se um acusado deverá esperar o jurgamento
permanecer em prisão preventiva. para realizá-la. Nesses casos, em gue
exrste um obstácuro insuperáver
Também serão necessárias outras decisoes, para produzir a prova no momento
não por causa de adequado, é permitido que, median-
razões ou incidentes, mas porque certos atos te um dispositivo processual, antecipe-se a informação
da investigação podem fornecida por
esses elementos d.e prova. Esse dispositivo
é unr"åiprçao da prova;
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,q.lberto Brnd.er lntrodução ao Direito Processual Penal

consiste, basicamente, na realizaçáo jurisdicional dessa prova, de tal Outro modo de organizar a investigaçáo preliminar consjste cru
mod.o qr;:e também sejam antecipadas as condições básicas do iulga- acentuar o caráter acusatório do sistema, dividindo as duas funçóe-^
mento, em especial a possibilidade de controle sobre a prova por parte básicas, de modo a, ser o Ministério Público o encarregado de investi-
de todos os sujeitos processuais e na presença do juiz. gar e ficando para o juiz a tarefa de autorizar ou decidir, mas nunca clc
Uma vez validada a prova antecipadamente - e convenientemen- investigar.
te registrada - esta será incorporada diretamente ao julgamento. Esta Esta norma está se impondo na maioria dos sistemas processuais
incorporaçâo é reaftzada por intermédio de sua leitura, isto é, lendo a (incluindo o Código de Processo Penal italiano, que exerceu tanta
ata onde está registrado o resultado da prova. Porém, repetimos, este é influência, evoluindo em sua última versão, de 19B9, até essa norma) e,
urn dispositivo excepcional, jâ que o princípio de que somente será con- na prática, demonstra ser muito mais eficaz, tanto para aprofundar a
siderado como prova o que for produzido durante o julgamento é de investigação quarto para preservar as garantias processuais.
importância fundamental e náo deverá ser abandonado. Os promotores, por seu turno, têm a responsabilidade da investiga-
Apesar disso, devemos reconhecet que nossos sistemas proces- çäo os juízes somente a responsabilidade de vigiar e controlar essa
e
suais funcionam sobre a base de uma conversão automática em "pro- investigação. Por conseguinte, estes dois modelos sáo básicos, já que
va" dos elementos reunidos pela investigaçáo, mesmo que estes sejam existem muitas maneiras de combiná-los, de fazê-los coexistir (como os
produzidos diretamente no julgamento. Desse modo, na prática, as sistemas c¡ue entregarn ao promotor a investigação preliminar - ou
sentenças sáo proferidas quase exclusivamente com base no "sumá- "citação direta", como também costumarn ser denominados - dos deli-
rio", e isto significa prescindir do julgamento prévio, ou seia, proferir tos menores), bem como esta-belecendo diversos pontos de contato.
sentenç as inconstituc ionais. Cabe perguntar: nossa Constituição Nacional prevê algnrma forma
Conforme tenha sido organizado o sistema processual, essas qua- especial para esses sistemas? Creio que náo se pode dizer que preve-
tro atividades básicas, que descrevemos suscintamente, desenvolvem- ja alguma forma direta em especial. Pareceria, pois, que o formato dos
se de maneiras diferentes. sistemas de investigaçâo f.az parte dos poderes que as províncias man-
Por exemplo, quando a investigação ou instruçáo foi confiaila ao têm, segundo o art. 75, inc. 12 Entretanto, aqui também devemos levar
juiz de instruçáo, ele mesmo realiza essas quatro atividades. Investiga, em conta que, quando a Constituiçáo organiza urrr julgamento (o julga-
toma decisöes, autoriza invasóes e executa a prova antecipada. Por mento político c¡ue, como já dissemos, independentemente de seu obje-
isso, sempre foi dito que o juiz de instrução concentra uma grande Pqr- tivo específÍco, conserva a estrutura de um julgamento penal), age de
cela de poder sobre o processo penal. maneira que a investigação do caso seja responsa-bilidade de quem deve
Na verdade, ele realiza duas tarefas incompatíveis entre si: por um acusaÍ (a Câmara dos Deputados). Isto demonstra que o processo
lado, deve ser investigador - e como tal, o melhor investigador possí- penal ao quaì faz referência a Constituiçáo é um processo penal emi-
vel; por outro lado, deve ser o protetor das garantias processuais e nentemente acusatório, náo no sentido formal de que deve existir sem-
constitucionais. Definitivamente, o juiz de instrução deve ser o gnrar- pre uma acusaçáo para que possa haver um julgamento, mas também
diáo de si mesmo e este fato provoca, em minha opinião, de um modo no sentido mais amplo de entregar a responsabilidade da investigação
estrutural e irremediável, algum tipo de ineficácia. Ou o juiz de instru- a quem deve apresentar a acusaçáo.
çáo é ineficaz como investigador, ou como guardião da Constituiçáo. As Finalmente, podemos sustentar que a Constituiçáo contém um
tendências mais modernas sáo no sentido de acabar com o obstáculo formato básico, porém completo, do processo penal, com diferente for-
do juiz de instrução, produto do sistema inquisitivo imposto pelo anti- ça normativa, já que - como vimos - o julgamento oral, público e atra-
go Código de Instrução Criminal francês de L808. Em grande parte, o vés de jurados está imposto expressamente. A Constituiçáo é coeren-
fracasso dos sistemas de investigaçáo de nossos sistemas processuais te, portanto, com o sistema republicano, no qual se inspirou corrr as
provém da obstinaçáo em manter o sistema inquisitivo durante a ins- fontes históricas de suas instituições. Definitivamente, o processo pe-
truçáo, mesmo depois de ter sido adotado um julgamento oral que afi- nal que melhor se adapta aos princípios e às normas da Constituiçäo
nal, torna-se distorcido. Nacional é aquele que estabelece o julgamento oral, público, por jura-

782 183
Aìberto Binder rnfroouçao ao uucr[u rruLcssud¡ ¡ Ç¡rqr

dos e, além disso, estabelece uma estrutura acusatória em sentido am- se anula - ou se permite que a investigação termine de maneÍra provl-
plo, quer dizer, entregando a investigaçáo dos delitos aos próprios pro- sória, o que implica uma interrupção temporária da investigaçáo ott do
motores. sumário, até que seja possível continuar com ela ou apaleçam novos
Porém, a investigaçáo preliminar ou procedimento preparatório elementos de prova.
náo é um problema somente dos juízes e promotores. Nesta fase parti- Em muitos sistemas processuais, abusa-se da suspensäo provisó-
cipam taml¡ém os outros sujeitos processuais. Estudaremos, a seguir, ria, e isto implica, de fato, deixar a investigação ern uma espécie de
,,Iimbo", já que a pessoa acusada náo chega a sa-l¡er sual é sua verda-
as características, poderes e limites à intervençäo de cada um deles'
Por ora, destacamos que durante o procedimento preparatório, se deira situaçáo processual ou real. É conveniente, portanto, que a sus-
jul- pensáo provisória fique lirnitada àqueles casos em qu.e existe alguma
bem que náo seja uma fase eminentemente contraditóda como é o
gamento,devemexistirigualmenteamplaspossibilidadesdedefesa: possibiÌidade real e concreta de que a investigaçáo seja reiniciada ou
isto pressupõe a possibilidade de propor diligências, de participar dos apareça algum novo elemento de prova. Em caso contrário, deve-se
atos, de estabelecer circunstâncias etc' resolver de um modo definitivo - já que existe um direito, também bási-
Também significa que, embora esta fase náo seja pública no co, indicando que as pessoas submetidas a plocesso têm de ter a cer-
mesmosentidodojulgamentooral(abertoatodososcidadáos),náose teza de sua situaçáo e se podem chegar a uma solução definitiva em
deve deduzir que seja secreta pala os diversos sujeitos processuais. Ao um prazo razoável.
contrário, o defensor, o querelante, aS partes civis devemter acesso ao O promotor, conseqüentemente, pedirá que o juiz tome alguma
progresso da investigaçáo. dessas decisóes: gue aceite sua acusaçáo (e se inicie um julgamento)
Esta possibitidade estará sempre limitada, porque existem oca- ou gue declare urna suspensão provisória. Tambérn existe a possibili-
siões em que a eficácia de um ato ou de uma.investigaçáo depende do dade, em algrrns casos particulares - como a revelia do acusado (sua
segredo. Nestes casos, os códigos processuais permitem quepor um fuga) -, em que a investigação simplesmente fique arquivada até que
te;cnpo limitado seja estabelecido o segredo das atuaçoes' mesmo
para o acusado deixe sua situação de revel.
os intervenientes no Processo.
os pedidos ou requisitos da promotoria náo sáo automaticamente
Assim como o procedimento preparatório ou instruçáo possui atos ad.mitidos. Ao contrário, eles i¡riciam um conjunto de atividades proces-
suais que culminarão com as decisóes que já mencionamos. Ao conjun-
iniciais definidos, também possui atos conclusivos. A instruçáo deve
terminar de algum modo formal. to dessas atividades de análise de conteúdo e resultado da investiga-
processuais que
Existem diferentes modos de finaliza¡ a investigaçáo. o primeiro - çáo denomina-se "crítica instrutória" e os dispositivos
qual o lhe estáo ao redor constituem o que podemos denorninar 'þrocedimen-
e talvez o mais propício - é aacusação, que é o ato mediante o
julgamento pleno' to intermediário" , a seg-unda fase do processo penal de que nos ocupa-
Ministério Público requer a abertura de um
remos no próximo capítulo.
Porém, pode acontecer que o promotor náo encontre elementos
para acusar porque foi comprovad.o que a pessoa acusada náo foi a
autora do fato nem participou dele, ou - com mais razáo - porque se
comprovou que o fato náo existiu ou, se existiu, náo constitui um deli-
to. Em todos esses casos, o promotor reçF-ler o término da investigação
em definitivo, o que significa uma absolviçáo antecipada'
Também pode ocorref que nao atinja nentruma dessas situaçöes:
náo existem elementos suficientes para acusar nem, tampouco' a cer-
teza necessária para pedir uma a]csolviçáo antecipada (suspensão).
Nestes casos existem duas possibilidades, de acordo com os códigos:
ou se estabelece um tempo-limite, dentro do qual se deve alcançar um
dos estados mencionados - e, caso se náo os atinja, necessariamente,

784
XIX. A Fase Intermediária,
Controle da Investigaçäo

A investigaçáo realizada durante a instruçáo - ou investigaçáo


preliminar - consiste em reunir um conjunto de informaçóes que servi-
râpara determinar se é possível submeter urna pessoa a julgamento.
Entretanto, os diversos sistemas processuais náo passam automa-
ticamente da instruçáo ao julgamento. Existe entre ambos uma fase
intermediária que, como veremos a seguir, cumpre diversas funções.
Esta fase intermediária baseia-se no conceito de que os julgamen-
tos devem ser convenientemente preparados e deve-se chegar a eles
depois de uma atividade de responsabilidade. o julgamento é público
e isso significa que o acusado deverá defender-se em um processo
aberto, que pode ser do conhecimento de qualquer cidadáo.
Assim como a pu-blicidade implica uma garantia na estruturaçäo
d.o processo penal, também tem um custo: mesmo que a pessoa seja
absolvida e seja comprovada sua inocência, o fato de ter sido submeti-
d.a a julgamento sempre irá significar uma cota considerável de sofri-
mento, gastos e de descrédito púbtico. Por essas razões, um processo
corretamente estruturado tem que garantir, também, que a decisão de
submeter o acusado a julgamento náo seja precipitada, superficial ou
a¡bitrária.
Imaginemos os efeitos sociais de um processo penal em que a sim-
ples denúncia basta para que as pessoas sejam submetidas a um jul-
gamento público; taÌ processo serviria mais para a persecuçáo e o des-
crédito das pessoas do que um preceito institucionalizado para resol-
ver os conflitos penais.
A investigação é concluída com um pedido normalmente feito pelo
promotor. Essa exigência, como também já vimos, poderá constituir-se
no pedido d.e abertura de um julgamento, ou seja, em uma acusaçäo;
ou poderá consistir em uma suspensäo, isto é, gue a pessoa acusada
seja absolvida sem julgamento, porque da simples investigação preli-
mina¡ surge a certeza de que não foi a autora do fato punível, ou que
tal fato näo existiu. Também podem haver outros pedidos, tais couro o
arquivamento ou a suspensáo provisória, porém as duas maneiras es-

1U'/
senciais de concluir a investigaçáo sáo - ou deverialn ser - a acusaçao do os diversos tipos de ato conclusivo, porém, sempre requerenì a aclr-ri-
e a suspensao. siçáo um determinado grau de conhecimento sobre o fato e seu autor.
Esses pedidos devem ser controlados em dois sentidos: por um Por exemplo: caso se trate de uma acusação, terá de ser UITIa acusa-

controle formal e por um controle fundamental das exigências ou dos çáo fundamentada; isto náo significa que o fato já tenha de estar prova-
atos judiciais conclusivos. do, pois significaria uma distorçáo de todo o sistema processual. A
acusaçáo é um pedido de abertura de juJgamento para um determinado
Este controle, por sua vez, pode ser necessário olr optativo, se a
fato e contra uma determinada pessoa, e contém uma pÍomessa, que de-
fase intermediária for obrigatória do processo ou somente exista quan-
verá ter fundamento, de que o fato será provado durante o julgamento.
do algum dos sujeitos processuais objete a exigência da promotoria.
Suponhamos que o promotor acusa; porém, náo oferece nenhuma
Para simplificar a explicaçáo, suponhamos çF-re a exigência seja
prova ou apresenta prova notoriamente insuficiente, inútil ou não perti-
ulna suspensáo ou uma acusaçáo. Nesses casos, a exigência deve cum-
nente. Essa acusaçäo carecerá de fundamento e terá um vício substan-
prir certas formalidades cujo sentido está baseado na busca pela pre-.
ciaJ, jâ que não se refere a nerùIum dos requisitos de forma, senáo às
cisáo da decisáo judicial. Por exemplo, deve-se identificar colretamen-
condições de fundo necessárias para que a acusação seja admissível.
te o acusado, descrever o fato pelo qual se pede a absolviçáo ou a aber- O mesmo pode ocorrer com a suspensáo, medida que implica um
tura do julgamento e qualificar juridicamente o fato. Em qualquel des- grau de certeza total ou, pelo menos e em princípio, o mesmo grau de
ses campos, a exigência pode conter vícios ou "erros" que devem ser certeza necessário para uma sentença absolutória. Se o requisito de
corrigidos para que a decisáo judicial não seja inválida. Por exemplo, a suspensáo não demonstrar a existência desse grau de certeza, terá um
denúncia ou a suspensáo podem identificar mal o acusado, o que pode- vício su-l¡stancial, que náo se relaciona com o cumprimento das formas
ria causar a condenação ou absolviçáo da pessoa errada; pode descre- necessárias para que esse pedido seja válido.
ver o fato de maneira incorreta - seja poI excesso ou por falta, isto é, Se o objetivo do sistema processual é que os julgamentos sejam
porque inclui circunstâncias que de fato não fizeram parte da investi- corretos, fundamentados e que não sejam feitos esforços para que se
gaçáo ou, ao contrário, porque omite circunstâncias de fato relevantes realize um julgamento sem que existam as condiçóes mínimas para
para o caso. que este possa desenvolver-se com normalidade - ou para gue o deba-
os diferentes sujeitos processuais teráo interesse em corligir te de fundo tenha conteúdo -, deve ser estabelecido um dispositivo
esses erros. O acusado, o defensor ou o querelante iráo querer que a para "discutir" previamente se essas questões "de fundo" estão pre-
decisáo judicial seja correta e não possa ser invalidada. cada um, sentes.
obviamente, do ponto de vista de seus interesses particulares. Tam- A fase intermediária cumpre a função de dlscussão ou debate pre-
bém o juiz terá interesse em que a decisão judicial náo contenha erros liminar sobre os atos ou exigências conclusivas da investigaçáo. O
ou gue estes não passem para a fase do julgamento, onde podem gerar acusado e seu defensor poderão objetar a acusação que pretenda sub-
prejuízos maiores ou invalidar totalmente o próprio julgamento. meter uma pessoa a julgamento sem contar com os elementos necessá-
Em síntese, deste ponto de vista, a fase intermediária constitui o rios para poder provar essa acusaçáo. Também podem objetar que o
conjunto de atos processuais cujo objetivo consiste na correçáo ou fato descrito na acusação náo constitui um delito, ou que é um delito
Saneamento formal dos requisitos ou atos conclusivos da investigaçáo' distinto daquele considerado no requerimento.
Porém, a fase intermediária náo esgota sua função no controle for- O querelante poderá objetar o pedido de suspensão porque no selr
mal. Serve - também e principalmente - para realizar um controle subs- entender existem fundamentos suficientes para submeter o acusaclo a
tancial sobre os atos conclusivos. julgamento ou, nos sistemas que admitem conclusões provisórias da
os atos que põem fim à investigaçáo (sejam requerimentos da pro- investigaçáo, esta é a solução adequada, e náo uma soluçäo definitiva.
motoria ou decisóes judiciais, segundo os diferentes sistemas) impli- Este debate preliminar pode incluir várias exceçóes que dizetn
carn, como já vimos, um determinado grau de acúmulo de informaçoes. respeito a aspectos fundamentais do exercício da açáo e talllbéIll coll-
o grau de informações ou de conhecimentos necessários varia segun- siderações formais.

1 {19
188
A exceção é o modo processual de incluir no debate uma defesa O modelo baseado na apelação das decisões tomadas durarrlo a
parcial ou circunscrita de modo a provocar uma decisáo direta sobre instruçáo é uma forma de controle vertical; o outro, que limita as possi-
esta defesa. Por exemplo, o acusado pode considera¡ c¡ue a ação esteja bilidades de apelaçáo, mas oferece uma nova possibilidade de questio-
prescrita ou que o promotor näo pode executar a ação porque se trata namento das petiçöes recusadas ou permite a revisáo, na fase intenne-
de um delito de instância particular, e essa instância não foi produzida. diária, de decisoes tomad.as durante a instrução, é um modelo de con-
Em síntese, do ponto de vista dos fundamentos, a fase intermediá- trole horizontal que permite salvar o princípio de progressividade do
ria consiste em um debate preliminar sobre as condições de fundo de processo penal.
cada um dos atos ou requisitos conclusivos. Este princípio indica ser conveniente que o processo penal näo
Se reuni¡mos ambas as perspectivas, notaremos que a fase inter- tenha marchas e contramarchas, ava¡ços e retrocessos, mas um desen-
mediária é um período de debates bastante amplo e importante dentro volvimento linea¡, adguirindo sua plenitude, por concentração, durante
da estrutura geral do processo. o julgamento.
Entretanto, nem todos os sistemas têm claramente definida esta Os mecanismos processuais que permitem essa crítica do trabalho
fase. Alg'uns a dividem entre os atos finais da instruçáo formal (atos de instruçáo irão variar de acordo com os sistemas processuais e com
que cercam o "encerramento do sumário") e os atos preparatórios do a intensidade dessa fase intermediária.
julgamento, de modo que esta fase náo é claramente distinguida, Sempre após esse debate preliminar se produz uma decisäo judi-
embora exista conceitualmente. outra maneira de estruturar o proces- cial. Se o juiz ou o tribunal decide acatar a acusaçáo, será proferido o
so consiste em evidenci:r a fase intermediária de modo a constituir um auto de abertura de julgamento, gue é a decisáo própria dessa fase. Se
conjunto de atos relativamente autônomos ou, ao menos, que assuma a acusaçáo náo for acatada, poderá ser proferida uma suspensão (que,
claramente a crítica dos resultados da investigação. segundo os sistemas, poderá ser definitiva ou provisória, embora seja
O gue deve ficar claro é que em todo o sistema processual existe mais correto utilizar a palawa "suspensão" para o gue tenha caráter
essa fase intermediária, mesmo que esteja oculta devido ao modo como definitivo, porque assim é utilizada nos códigos processuais modernos
a crítica introdutória foi estruturada. e, além disso, a "suspensáo provisória" não deixa de ser um modo
Ainda assim, existe a possibilidade de çlle essa fase seja uma etapa anormal de finalizaçáo do processo). Ta¡nbém poderáo ser tomadas
necessária do procedimento, ou uma fase optativa, se aìgmm dos sujeitos outras decisões não táo freqüentes, como o arquivamento (baseado na
processuais realizar uma objeção aos atos ou requisitos conclusivos, plei- revelia do acusado, por exemplo).
teie, nesse momento, utna exceçáo ou consid.ere oportuno reaìizar um O auto de abertura de julgamento é a decisáo judicial por meio da
debate antecipado. Náo existem razões determinantes para optar por qual se acata a acusação: aceita-se o pedido da promotoria para que o
um sistema ou outro. O primeiro - guando for necessário - permite que acusado seja submetido a um julgamento púbtico.
essa etapa intermediária cumpra alguma outra função. O outro - como Como decisão judicial, o auto de abertura de julgamento cumpre
uma funçáo de grande importância. Deve determina¡ o conteúdo preci-
etapa optativa - permite evitar essa fase, quando não existir nen_Lruma
so do julgamento, delimitando qual se¡á seu objeto. Por essa razâo, o
objeção e, portanto, economizar o precioso tempo do processo.
ato de abertura também deve descrever com precisão ou proliddade
Por exemplo: quando a fase intermediária se configura de um
qual será o "fato justificável". Esta determinaçáo náo é exigida somen-
modo notório e necessário, pode-se converter em um mecanismo efeti-
te por motivos de precisão ou prolixidade, mas porque existe um prin-
vo para evitar ou restringir o uso do recurso da apelaçáo durante a fase
cípio garantidor, ligado ao princípio de defesa, segrundo o gual a sen-
preparatória ou de instruçáo. A utilizaçáo desse recurso nessa etapa -
tença proferida após o julgamento somente poderá referir-se aos fatos
sobretudo sua má utilizaçáo - é uma das principais causas de atraso da pelos quais foi aberto o julgamento. A delimitaçáo do fato que será
investigaçäo. Por essa razáo, pode-se usar a fase intermediária para objeto de julgamento cumpre uma funçáo garantidora, porque evita
dar uma oportunidade de revisão das decisoes tomadas d.ura¡rte a ins- acusaçöes de surpresa e permite uma defesa adequada. Este princípio
trução e limitar, assim, a possibitidade de apelaçáo. denomina-se princípio de congruência entre a acusaçáo e a setìtença,

190
191
embora seu conteúdo específico possa ser descrito como o caráter Se houverem dúvidas ou controvérsias acerca de qual é a resoltr-
intangível do objeto do julgamento (existe uma exceçáo ou, se preferir- ção adequada quando náo se chegou ao grau de certeza requerido pela
mos, um limite a este princípio: a ampliação da acusação durante o jul- suspensáo, tampouco existem razões suficientes para fundamentar
gamento, que estudaremos depois). uma acusação e a investigaçáo torna-se vazia. Podemos dizer, pois, qttc
AIém dessa função, o anto de abertura costuma cumprir outras nos encontramos diante de um estado de incerteza insuperável.
funçöes náo menos importantes: por exemplo, identifica com absoluta Há quem argumente que nesses casos se deve chegar a uma deci-
precisáo o acusado; qualifica o fato (embora essa qualificação jurídica sáo provisória, porque em teoria nunca se pode afirmar que a incerte-
continue sendo provisória, porque o juiz, na sentença, tem liberdade za seja insuperável. Entretanto, isto náo é correto. Suponhamos o caso
para qualificar o fato de maneira diferente); determina o tribunal com- de um marido que bateu em sua esposa dentro de seu quarto e sem
petente para o juìgamento, identifica quais serão as partes no debate outras testemunhas senão eles. A esposa dirá gue seu marido a lesio-
e pode conter o que se denomina a citação em juízo, isto é, a citaçáo nou e o marido dírá que bateu acidentalmente. Náo existem outros indí-
para que as partes apresentem ao tribunal a prova de que pretendem cios nem provas indiretas: somente a palawa de um contra o outro.
valer-se no julgamento. Em maior ou menor medida, esses seräo os Oual será a soluçáo adequada?
L
conteúdos normais de um auto de a-l¡ertura de julgamento. E evidente que estamos diante de uma incerteza insuperável.
Existem relações diferentes entre a decisäo judicial e a acusação, Como os casos deste tipo sáo bastante freqüentes e muitas vezes exis-
de acordo com a intensidade do caráter acusatório do sistema proces- te a convicção íntima de que o acusado é culpado, utiliza-se uma solu-
sual. Se é acusatório em um sentido extremo, a acusação obrigará a çáo provisória (a suspensão provisória) como um modo de castigo indi-
abertura do julgamento e a decisão judicial se limitará ao controle for- ¡eto. Náo é necessá¡ia uma anáIise cuidadosa da afirmação de que essa
mal que assegure o andamento normal do julgamento. Se o sistema é é uma utilização totalmente inconstitucional do processo, e a pertinên-
acusatório, porém de um modo brando, o juiz poderá acatar ou rejeitar cia do c¡ue se denomina "penas exlraordinárias", isto é, a possibilidade
a acusaçáo quando esta não tenha fundamento suficiente. Se é acusa- de aplicar expo.st penas não previstas, que surgem da discricionarie-
tório em um sentido restrito, o juiz poderá, inclusive, obrigar o pro*o- dade do juiz.
tor a apresentar uma acusação quando considerar que existem razöes A decisáo correta para os casos de incerteza insuperável é tam-
para que a pessoa seja acusada e o promotor náo tenha feito a acusa- bém a suspensáo. Náo somente por derivaçáo da regra de in dubio pro
reo, mas porque existe um direito das pessoas a que sua situaçáo pro-
çáo. Ainda mais: se o sistema é acusatório em um sentido mais amplo -
cessual adquira, em um tempo razoâvel, um caráter definitivo. Um pro-
incorpora-se ativamente a vítima - o juiz poderá decidir se esta acusa-
cesso é sempre um prejuízo e este náo pode se prolongar por um tempo
rá no lugar do promotor ou acatará a acusaçáo da vítima, mesmo quan-
além do razoâvel. Menos ainda quando não existe nenhuma esperança
do o promotor não tiver acusado.
de que a situação de incerteza possa mudar.
Todas essas sáo variantes que permitem estruturar o processo d.e
Ao contrário, quando existe uma esperança concreta de que a
diferentes maneiras.
incerteza poderá ser superada, a soluçáo adequada deverá ser de cará-
Depois dessa fase intermediária, o juiz ou o tribunal poderá profe-
ter provisório.
rir uma suspensáo (este náo é o único momento processual em que isso Vimos, portanto, como essa fase intermediária cumpre um papel
pode ser feito, mas é o mais oportuno). Como já dissemos, a suspensão
importante na totalidade do processo. Explicamos de um modo geral,
é uma absolviçáo antecipada: uma decisáo fundamentada na cerl.eza para que o aluno possa identificá-la por suas características essenciais,
que o suposto fato punível näo existiu ou, se existiu como fato, não era sem da¡ importância a como foi estruturada nos diversos códigos pro-
punível, ou que o acusado náo teve nenhuma participação no mesmo. cessuals.
Todos esses pressupostos implicam um grau de certeza equiparável ao A experiência demonstra gue são poucos os casos que chegarn a
de uma sentença absol.utória, e seus efeitos podem ser equivalentes, já julgamento. O maior peso ou carga de trabalho dos sistemas proces-
que a suspensáo definitiva encerra irrevogavelmente o processo. suais recai sobre essa fase intermediária, que muitas vezes é couside-

192 193
Aìberto Binder

rada com pouca atençäo. Em grande parte, além disso, os efeitos dis- XX. O Julgamento Penal Ordinário
torcidos do processo - sua utilização como meio de coerção, por exem-
plo - são produzidos dura¡rte essa fase, ou ao seu redor, e das decisóes ou Comum
que lhe sáo próprias.
Espero haver destacado suficientemente sua importância: ela é a
antecedente imediata do julgamento e, como já repetimos diversas
vezes, é aí que o processo penal adquire sua máxima intensidade, sua
plenitude. A transição da instruçáo - com suas características espe-
ciais e seus próprios princípios - para o julgamento é talvez a parte Já nos referimos - no Capítuto VI - às características básicas do
mais delicada do processo. O fato circunstancial de que a maioria de julgamento penal, segundo a constituiçáo Nacional. A-li destacalnos a
nossos códigos processuais não a destacou suficientemente fez com importância e o sentido dos princípios fundamentais do julgamento
que náo lhe prestem a devida atenção. Entretanto, muitas das graldes (oralidade, mediaçáo, pu-bticidade e concentração), bem como as finali-
decisões de política processual que dáo caráter ao processo penal pas- dades sociais que eles cumprem.
sain por essa fase intermediária e pela maneira concreta como se con- o presente capítulo será dedicado à organizaçâo do julgamento
trola o resultado da instrução. penal e seu produto final: a sentença. Entretanto, devemos ter em con-
Além disso, o caráter pouco contraditório da instrução é corrigido ta certas características gerais.
com este debate preliminar, de modo que as garantias processuais, a Em primeiro lugar, devemos destacar sua importância: esta é a
possibilidade de defesa, o princípio de inocência etc. náo cumpram sua etapa plena e principal do processo penal; na realidade, todo o sistema
funçáo somente no julgamento, mas estendam seu poder benéfico por processual penal gira em torno do conceito e da organização do julga-
todo o processo penal, resguardando o valor intangível da pessoa mento. Mesmo assim, somente é possível entender completamente um
humana. sistema processual se o olharmos da perspectiva ou do ponto de vista
do julgamento penal.
Isto, que parece ser uma "verdade de Perogrullo", na realidade de
nossos sistemas náo é verídico, inclusive em muitos sistemas de com-
preensão que desembocam nos científicos. A "força" do sumario ou da
investigaçáo preliminar é táo grande que tende a ocupar o centro da
cena processual; essa é uma perspectiva profundamente errônea e, por
consegrrinte, náo é a perspectiva constitucional.
O julgamento penal é a etapa principal do processo penal porque
,,resolve" ou "define", de um modo definitivo - embora pas-
é onde se
síve] de revisáo -, o conflito social que forma a base e é a origem do pro-
cesso penal. Este caráter definitivo é muito importante para compreen-
der a lógica do julgamento oral. Aqueles que defendem o sistema escri-
to não costumam compreender este ca¡áter do julgamento penal, pre-
cisamente porgue os julgamentos escritos náo possuem esta caJacte-
rística; ao contrário, sáo intrinsecamente revisáveis, provisórios, pelos
efeitos do recurso da apelaçáo e seu uso indiscriminado'
Como o julgamento oral tem caráter definitivo, gue se expressa na
instância única que lhe é própria - discutiremos esta questáo no capí-
tulo sobre os recursos -, toda a organização do julgamento reflete esta

1 fll¡
194
com difererllcs
do debate a fase de preparaçao geralmente abrange'
característica. Concretamente, rsso significa que o julgamento oral é -,
pro- intensidades, estas duas atividades
muito mais estlito e muito mais preciso nas regras de produçáo de na deteruti-
A primeira consiste na integração do tribunal' isto é' De acor-
VaSqueumsistemaescrito;poroutrolad'o,requermaiorpleparação. o caso'
nação concreta e antecipada dos juízes
que resolveráo
Em conseqüência, a pdmeira etapa d'e todo julgamento oral é a terá maior ou menor
do com a organizaçáo judicial, esta atividad'e
preparaçã.o do julgamento. No julgamento oral devem coincidir' tanto . o.g"rri zaçâo for de um tipo rígido' os juízes esta-
importância, pois,
notempo(simultaneidade)quantonoespaço(contigüidade),umasérie ""
ráo determinados na adjudicaçáo do caso a um
a
tribunaì ou uma
julgamento'
de pessoas e de coisas que daráo conteúdo e vida a esse câmara. Porém, o,gái 'uçiojudicial segue um modelo mais dinâ-
por exemplo: é absolutamente imprescindível que todos os sujeitos pro- "" " amplo - é formado por
mico (por exemplo, se um tribunal - em sentid'o
cessuaiseojuizestejampresentesnomesmomomento'pois'pelo todososjuízescomdeterminadacompetênciaterritorial,ouseéinte-
princípio de imediaçáo, náo podem delegar suas funçóes' Mesmo grado com juízes leigos - esca-binos)' a atividade de
integraçáo será
julgamen-
assim, a prova que valerá será somente aquela produzida no mais importante, já que somente nesse momento
se conhecerá o nome
to e que se incorpore a ele, segundo os d.iferentes dispositivos previs- dos juízes do caso' Conseqüentemente' sempre existe
a

tos para isso. Dessa maneira, juízes, promotores, defensores, testemu- "rr"*r"g.ãos já vimos' significa que
limiíação do princípio de juiz natural que' como
nhas, peritos, d.ocumentos, colsas etc. deverão coincidir temporal e a pessoa do juiz, otl sua designaçáo
para um caso' náo pode ser mani-
espacialmente em um am.biente, que é a sala de audiências' pulada de um modo arbitra¡io'
Sempre se destacou a importância e as vantagens dessa coinci- integração do tribu-
Do ponto de vista dos sujeitos processuais' a
dência temporal como um modo de se obter, em um sentido aproxima- isto é' incidentes
nal implica a possibitidade de pleitear impedimentos'
juízes do caso' fundamentadas
do,quesejareproduzidooconflitoinicialcomalgunsdeseus"protago- de separaçáo de todos ou de algu'ns dos
nistasiniciais'''Entretanto,poucasvezessedestacou-emenosainda no..temordeparcialidade''.Osd.iversoscasosdeimpedimento(palen-
estudou a importância do espaço na aplicaçáo da justiça penal' Se ela
- tesco,amizade,inimizade,interesseetc')fundam-senoriscodequeo
também é um sistema de administraçáo de símbolos sociais, o espaço juiz não atue imparcialmente no caso'
importânciaé oofe-
atua como um desses símbolos. A sal.a de audiências náo é somente A segunda atividade de prep rraçáo de grande
efetiva dos meios de
um e.spaço -cenário; é tam¡ém um espaço-símbolo' recimento de prova- Este consiste na indicaçáo
A preparaçáo do julgamento é, portanto, a primeira fase do julga- provaqueserãoutilizadospelaspartesparacorroborarsuashipóteses.
mento oral, cuja obrigaçáo consiste na preparaçáo de todos os elemen- Oferecerprovasignificaindica¡oselementosoumeiosdeprovaquese
tos do debate, de excluir todas as circunstâncias que poderiam anulá- .|lïlltzatâno debate. o tribunal analisa esse oferecimento e plepara sua
a transferência de
Io ou torná-lo inútil; é o momento d.e integraçáo do tribuna]' do ofereci- futura prod.uçáo (ordena citaçóes, perícias' organiza
ocasiöes' se a prova näo
mento da prova; enfim, é a fase de organizaçáo do julgamento' elementos materiais etc')' E; determinadas
A importância ou o conteúdo precisos dessa fase têm uma relaçáo forsuscetíveldeserlevadaacabonodebate,otribunalpodeordenar
antecipaçáo
regras de
estreitacomafaseintermediariad'oprocessopenal.Sehouverumafase sua produção antecipada, segnrindo as mesmas
assim' o tribunal tem um
intermed.iária claramente dema¡cada, a preparaçäo do julgamento se de prova da investigaçáo preliminar' Mesmo
for oferecida prova
conwerterá em algo como a "sintonia fina" do controle sobre o
processo' poder de polícia sobre o oferecimento de prova' Se
controle da acusaçáo não inú¿i-l (que náo contém informaçáo
que sirva para provar as diversas
Por outro lado, se a fase intermediária ou de
que näo se refere às
estiversuficientementedesenvolvida,afasedepreparaçáodojulga- hipóteses), impertinente (que contém informaçáo
se satura de informa-
mel}to irá contribuil para o controle formal ou substanciai da acusaçáo' hipóteses de prova), superabundante (quando
ou tema) ouiJegar (quando se preten-
os diversos códigos processuais esta-belecem formas diferentes çóes sobre uma mesma hipótese
de incluir informação advinda de uma fonte
ilícita ou de um modo proi-
de conexáo entre a fase intermediá¡ia e a preparação do julgamento e' de impedir que essa prova seja produ-
bido), o tribunal tem a faculdade
embora existarn duas atividades perfeitamente diferenciáveis - de um ser utilizado com muita
zida. Esse poder de polícia sobre a prova deve
lado, o controle da investigaçáo e da acusação; de outro' a preparaçao
19',7

196
âluel Iu DllluEr

do dellate
cautela, porque está em jogo a garantia de defesa em juízo e uma de Tod.as essas sáo atividades próprias d'a organizaçâo
presentes na fase de ¡lre¡ra-
suas consequências mais importantes, que é a amplitude da prova. que, com maior ou menor c\areza, estaráo
Geralmente também se outorga ao tribunal a faculdade de progra- raçáo do julgamento.
fnaÍ prova d.e ofício, quando for considerado que não foi oferecido um
Nestafasetambémexisteumaúltimasintoniafinasobreascorrdi-
çóes de validade do debate
ou sobre sua utilidade' Por exemplo: segun-
meio de prova importante para o julgamento.
áo o" códigos, pode existir a possibilidade de pleitear
uma exceÇao
IJma terceira atividade de organização do julgamento, que normal- uma causa
(falta de açáo, prescriçáo etc.), ou o tribunal pode comprovar
mente é deixada para esta parte do processo, consiste na possibilida- senÌ
que impeça a realizaçáo do debate, ou o caso pode ser encerrado
de de unir, separar ou dividir o iuÌgamento, segundo as modalidades do com a ofendi-
debate (por exempto, se o acusado de violaçáo casou-se
caso. A acusaçäo pod.e versar sobre diversos fatos ou pode conter im-
da).Essaatividadecircunscritaeexcepcionalestáreservadaparacasos
putações contra várias pessoas. Também pode se tratil de vários ca- debate'
claros, que tornariarn inútil ou inválida area)izaçáo do
sos relacionados com o mesmo imputado ou outras formas de conexi- que exista um período de
Antes da data da audiência é normal
dade (relação existente entfe casos). Nessas circunstâncias, também vacância obrigatória, para que todos os sujeitos
possam preparar-se
pode ordenar o debate, ampliando-o para casos conexos, ou dividindo- para o debate. Isto significa que a audiência náo pode ser
marcada ime-
o de acordo com os fatos separáveis. que vana se-
d.iatamente e costuma-se estabelecer um pra:zo mínimo
Também existe outra forma de dividir o debate, conhecida como giundo os códigos. IJma vez fixada a data, os diversos sujeitos
processuals
cesura do julgamento penal. A cesura é um dispositivo processual que e o tribunal já sa-bem a que se aterem' Sa-bem exatamente qual o dia'
perrnite dividir o debate em duas partes: uma dedicada à análise da horaeloca]emqued.everáoapresentar-Separarea]riza:-ojulgamento.
existência do fato e a apreciaçáo da culpabilidade, e a outra dedicada do proces-
Nesse dia começa o debate principal, momento central
à determinaçáo ou individualizaçáo da pena. so penal, após o qual se chegará à sentença'
O dispositivo de cesura permite ordenar o debate tendo em conta dinâmica do
Como já vimos, o debate é um ponto de encontro' Na
a importância - cada dia mais reconhecida - da efetiva aplicaçáo da processo penaì, é feito o jogo entre a diferenciaçáo'
produto da cessão
e o encontro
pena. Dessa maneira, na primeira parte do debate será determinado se àe diferentes funçóes a cada um dos sujeitos processuais,
o acusado cometeu a açáo a ele imputada e se é culpado. Finalizada de todos esses sujeitos no debate ou vista principal' Este iogo - nem
essa etapa, profere-se o gue é denominado de interlocutório de culpa- Semprerespeitadonossistemasprocessuaisconcretos_éoqueasse-
soluçáo do
bilidade, isto é, uma sentença fracionada que somente decide sobre a gura, em grande parte, que a verdade ou a construçáo da
existência do fato e a culpabilidade do acusado. Depois do interlocutó- caso será o produto do diâogo, de um processo dialético'
da
rio de culpabilidade, continua o debate sobre a pena (é oferecida prova A primeira atividade própria do debate consiste na constataçáo
Náo deve-
relativa à individualizaçáo da pena) e é proferida uma decisão formal presença de todas as pessoas cuJa presença é obrigatória'
já analisado - que é o
sobre as penas, que integram, juntamente com o interlocutório de cul- mos esquecer que e¡ste um pnncípio básico -
pessoaì' em juízo dos su-
pabilidade, a sentença completa. Esta forma de dividir um julgamento d.a imediação: este princípio eúge a presença
penaì adapta-se muito mais a um Direito penal que dá maior importân- jeitosprocessuais",potconsegutnte,dotribunal'Porestarazáo'uma
cabe-
cia às conseqùências concretas das d.ecisóes judiciais. A aplicaçáo de vez que o tribunal tenha sido constituído na sala de audiências'
ullla pena é a conseqùência mais concreta da decisáo judicial penal e ráaopresidente(ousecretário,segundoosistema)constatarapresen-
Público, dos defensores' do querelante e
muitas vezes tem sido tratad.a de um modo superficial ou matemático, ça do imputado, do Ministério
processo penal'
colf]o se impor oito, quinze ou vinte anos de prisáo não fosse um assun- áas partes civis, se for exercida a açáo civil no
produz efeitos
to de suma importância (do ponto de vista de quem deve sofrer esses A ausência dos sujeitos processuais ou do tribunal
juízes' se náo se acham pre-
anos de prisáo, talvez o mais importante). diferentes. Por exemplo, se falta algum dos
sentes o Ministério Público, o defensor ou o imputado' o debat'e náo
Por último, o tribunal tem que marcar efetivamente a data do que es[ejau]
debate, da reaJ.izaçáo da audiência principal. terá valor e será necessário suspender a convocação até

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presentes. Ao contrário, se o querelante ou o autor civil não estão pre- gada ao que se denomina "princípio de congruência": a setìtollç¿l
sentes, consideram-se a-J¡andonadas suas pretensóes. No caso especí- somente poderá versaf sobre oS pontos do fato fixados na acllsaç¡ìo c
fico do demandado civil, sua presença não é imprescindível, já que aqui no auto de abertura do julgamento.
regem normas próprias dos procedimentos civis, segundo as quais é Por outro lado, embora a acusaçáo ou o auto de abertura do julga-
possível o julgamento em ausência, o qual - como já vimos - náo é pos- mento sejam, em princípio, limites náo-franqueáveis, existe uma exce-
sível no julgamento penal. gáo que se denomina "ampliação da acusação": esta consiste na possi-
A presença do imputado é fundamental porque ele tem o direito bilidade de o promotor incluir um fato novo, que náo havia sido consi-
essencial de defesa. Por esta razâo, é comum que os códigos estabele- derado na acusaçáo ou no auto de abertura do julgamento. Entretanto,
çam gue ele deve participar do debate "pessoalmente livre", em-bora, esse poder também está limitado: sornente poderão ser incluídos fatos
para evitar sua fuga ou assegurar a realizaçáo do debate, seja possível que estejam estritamente ligados com aquele básico e que ampliem o
proferir alguma medida de coerção ou custódia, sempre, é claro, que objeto do debate, porém náo o modifiguem totalmente. Tais fatos pode-
essas medidas não restrinjarn seu direito de defesa. riam, por exemplo, integrar um delito continuado, ou influir em um
Como também já vimos, o encontro entre os sujeitos processuais e agravante ou um atenuante que até aquele momento não havia sido
o t¡ibunal é público, para assegurar o controle popular sobre a maneira considerado. Porém, de nenhuma maneira a acusaçáo poderá ser
de administrar a justiça. Existem, entretanto, algumas exceções à ampliada com a inclusão de fatos que não tenham um vínculo essencjaJ
publicidade, com fundamentos em razóes de conveniência (por exem- com o fato básico fixado na acusaçáo ou no auto de abertura.
plo, se a publicidade puder afetar o decoro de algum dos intervenien- Com a leitura da acusaçáo e o auto de abertura do julgamento de-
tes), por motivo de segurança (se a publicidade puder gerar perigo termina-se com clareza a imputação; todavia, não foi tota.lmente fixado
para a integridade física de algrrm dos intervenientes ou existirem o "objeto de debate". Para isso é necessário ouvir o imputado, que é o
razóes de ordem pública) ou por motivos de disciplina (que permitem titula¡ do direito de defesa em sentido primigênio (o que também se
ao presidente do tribunal restringir o acesso de pessoas que perturba- denomina "direito de defesa material", com referência ao direito de
riam o andamento do debate, menores desacompanhados etc.). Entre- defesa "técnico", exercido pelo advogado defensor)' O certo é que não
tanto, deve ficar bem claro que as restrições de acesso ou a limitaçáo se pode salrer com precisão sobre o que se vai debater até que a con-
da publicidade devem ser excepcionais e, a decisáo que as estabelece, trovérsia esteja determinada, e esta controvérsia se estabelece entre a
fundamentada, já que se encontra em jogo um princípio - o controle acusaçáo e a defesa. A dectaraçáo do imputado converte-se, pois, em
cíwico - de suma importância. um dos elementos principais de conformaçáo do objeto de debate e,
Uma vez reunidas as pessoas indicadas em condiçóes válidas por esse motivo, deve-se garantir çlue nos momentos iniciais o imputa-
(imediaçáo, publicidade), começa a se desenvolver o debate. Este de- do tenha ampla possibilidade de depor para defender-se. Isto náo quer
senvolvimento tem diversas fases: dizer que este seja o único momento em que o imputado deponha, mas
a) abertura e constituiçáo do objeto de debate; que é um momento imprescindível.
b) produção da prova; O depoimento do imputado é, portanto, um momento essencial do
c) discussao sobre a prova ou argumentos; debate e é este depoimento - e não os anteriores que tenha prestado
d) encerramento do debate. durante a investigaçáo preliminar - o que terá maior potencialidade.
Durante todo o desenrola¡ do debate, o imputado poderá ampliar seu
A abertura consiste, fundamentalmente, na constatação das con- depoimento ou prestar os esclarecimentos que consideraf oportunos.
dições mínimas de validade e no estabelecimento preciso de seu obje- Também é conveniente que o defensor técnico faça a exposiçáo básica
tivo. Por este motivo, um dos atos iniciais é a leitura da acusação e do de sua defesa, para que fiquem claros o objeto e os limites da contro-
auto de abertura do julgamento. Estes sáo os instrumentos que "fi- vérsia. Desse modo, desde a leitura da acusaçáo até o depoimento do
xam" sobre o que se vai discutir. A fixação não é simplesmente infor- imputado, fica estabelecido o objeto de debate. Como se pode notar, o
mativa; ao contrário - como já vimos -, cumpre uma funçáo principal, li- julgamento oral responde por uma lógÍca muito simples e foÍ isto que o

200 201
AIUYI LU D¡TlUOT

converteu no modelo dominante de justiça penal' Em quaìquer confli- através da constituiçáo do tribunal no loca-l do fato para inspecioná-lo,
to, de qualquer natureza, procederíamos da mesma maneira: ouvir os confiscar a correspondência etc.
Dessa maneira, através da produçáo da prova, é incluída tocla
termos do conflito para sa-ber quat é o objeto da controvérsia'
informação disponível. Um princípio básico, vinculado aos princípios
de imediação e à idéia do julgamento prévio, é que a informaçáo urili-
zada para atingir a condenação final somente poderá ter sido valida-
mente incluída no debate principal. "Prova" significa a prova incorpo-
radaaojulgamento.MuitosSistemasescritos-incluindoalgunsque
por-
incorporam o julgamento oral - desconhecem essa idéia básica e,
etc.EStaShipótesesd.everãoSerconfilmadasourejeitadaspelotribu- tanto, a informação principat continua sendo aquela incorporada du-
nal, que para isso necessita de informaçáo' A confirmaçáo de cada uma rante a instruçáo (o sumário). Este dispositivo, que já analisamos' cau-
dashipótesesprocessuaisestáemrelaçãod.iretacomaintensidadeda sa uma grave distorçáo do julgamento penal'
informação vinculada com ess Com todas as informações disponíveis, começa a terceira fase do
A informação ingressa no s canais' que sáo
coisas confisca- debate,quesáoasalegaçõesfinaisoudjscussáofina].Estaéafase
os rneios de prova: testemunh ' mais estritamente ligada à idéia de debate ou discussáo. Aqui, os
dasetc.Ainformaçãopodetambémd.arentradaatfavésdeumaobser- sujeitos processuais deverão apresentar ao tribunal a soluçáo
ploposta
vação direta feita pelo tribunal (inspeçáo do local do fato etc.). Portan- por cada um para o caso, mediante análise da prova que tenha sido
to, a informaçáo pode dar entrada por via direta (comprovaçáo imedia- produzida (a informaçáo disponível) e das normas aplicáveis ao caso,
ta) ou através de um canal diferente daquele do tribunal' da maneira como cadà um deles entende que ficou comprovado. Esta é
As formas rnais comuns para da¡ entrada sáo as segTuintes: através uma fase de discussão e, portanto, deve ser permitido que os diversos
de te.stemunhas (pessoas que obtiveram sua informaçáo mediante sua sujeitos processuais discutam (entretanto, dentro de um quadro de
ordem e disciPlina).
Finalmente, será concedida a palavra ao imputado para que reali-
ze sua última defesa e, eventualmente, pode ser concedida a
palawa à
que
vítima, de modo a finalizar o debate com o ponto de vista daqueles
sáo os verdadeiros protagonistas do conflito que se está tentando
solu-
cionar. Assim enÇerra-se o d.ebate; e o tribunal, imediatamente, sem
que haja um prazo - que violaria o conceito de observaçáo direta e ime-
diata da prova e da discussáo - entra em um recinto para deliberar'
que
porpartedossujeitosprocessuaisenáoafeteadignidadedaspessoas. Começa, entáo, a terceira parte principal do julgamento penal'
No debate principal organiza-se a prod'ução da prova' Produzir a e a produção da sentença'
O período de produção da sentença começa com a deliberação'
da
quattambémjáfalamos.AdeliberaçãoéadiscussáoeaanáIisede
todos os elementos que permitiráo construir a soluçáo do caso. A deli-
beraçáo deve ser - insisto - um procedimento de discussáo e análise,
juízes indi-
e por essa razâo os códigos processuais costumam dar aos
para aprofundar essa análise. Náo
cações sobre os passos necessários
profur-rda,
obstante, o importante é que a deliberaçáo seja exaustiva e
orientada em dois sentid.os: a formulaçáo da norma aplicável ao caso e
assim, se for necessário, serão realizadas comprovações imediatas a análise da informação reunid.a com relaçáo às diferentes hipóteses

?-o3
202
ruDer ùo õtlloel Introouçao ao uuelLO rroucssudr rc!¡dt

ern questão. O primeiro nível é o da anáJise juridica e o segrrndo é o da ca saudável racional é um sistema intermediário entre a prova legal e
valoração da prova. a íntima convicçáo. O primeiro sugere a idéia de controle (manifestada
A solução de um caso nunca termina com a aplicaçáo automática na exigência de fundamentação); o segnrndo, a idéia de liberdade,
da lei. Ao contrário, a partir do conjunto do sistema normativo os juízes
manifestada na ausência de regras de fixação da prova, sendo subme-
devem encontrat a norma específica que irá soluciona¡ o caso, também
tido somente aos princípios lógicos de um raciocínio comum.
específico. Essa norma específica surge da conjunção de diversas nor-
Sem dúvida nenhuma, o sistema de crítica racional ou de crítica
mas gue interagem e se modificam mutuamente. O sistema jurídico é
dinârnico, com a capacidade de convergir, por meio da atividade judi- saudável é o que oferece maiores garantias e se adapta melhor aos pos-
cial, em uma solução individual. tulados de uma justiça democrática.
A outra atividade principal consiste na valoração da prova, isto é, A deliberação, entáo, é o conjunto de operações intelectuais ou
na atividade intelectual capaz de com_bina¡ a informação com as diver- espirituais do tribunal, mediante as quais é construída a soluçáo jurídi-
sas hipóteses. Esta atividade foi realizada, através da história, de dife- ca do caso e se elege uma das hipóteses prováveis de fato, por inter-
rentes manei¡as. Pode-se dizer que existiram sistemas que deixavam médio da valoração da prova. O terceiro passo consiste na subsunçáo
essa combinação a cargo do juiz, e outros que, ao contrário, esta_bele- dos fatos ao Direito, processo dia-lético que é o produto genuíno e
ciarn nexos obrigatórios entre a prova e a conclusão a que se deve che- essencial do processo penal: a sentença.
gar. Estes sistemas trarrsmitem, no fundo, uma maior ou menor con- A sentença é o ato que materializa a decisão do tri.bunal. Como tal,
fiança no juiz, embora os poucos sistemas que ainda conservarn um é um ato formal, já que sua missáo é estabelecer a "soluçáo" que a
sistema "taxado" ou de "conexão fixa" sejam caracterizados por uma ordem jurídica, através da instituiçáo judicial, encontrou para o caso
rigidez e um formalismo que não servem para controlar o juiz, nem paJa que motivou o processo. A sentença penal ou é uma sentença de con-
urtra adeguada valoraçáo da prova. denaçáo ou é uma sentença de absolviçáo, já que nessá etapa do pro-
Os prÍmeiros denominam-se sistemas de liwe valoração da prova; cesso náo existe outra possibilidade e o caso, obrigatoriamente, deve-
os segundos, sistemas de prova legal ou ta_xada. Aqueles estáo ligådos rá chegar a uma dessas duas opções.
indissoluvelmente ao julgamento oral; estes, aos sistemas inquisitivos
A sentença de condenação significa o reconhecimento da existên-
ou escritos. Em um sistema de prova legal, sáo utilizadas fórmulas tais
cia de todos os pressupostos que habílitam a irnposiçäo de uma pena
corno "duas testemunhas fazem plena prova" e outros semelhantes, de
e sua determinaçáo. A absolviçáo, ao contrário, significa que o fato náo
modo que é estabelecida uma ta-bela ex ante d.o valor da prova.
O sistema de liwe vaìoraçáo da prova deixa liberada para o racio-
ficou comprovado, comprovou-se que náo existiu, gue não era ilícito, foi
cínio do juiz a elaboraçáo das conexões entre as hipóteses e a informa- comprovada a existência de pressupostos gue inibem a aplicaçáo da
pena (justificante, causas de inculpabilidade etc.) ou, por ultimo, náo
çáo- Existem duas maneiras de esta_belecer um sistema de livre valora-
se comprovou a participaçáo do acusado nos fatos imputados. O mo-
ção da prova: os chamados sistemas de íntima convicção (em alguns
casos também chamados "de liwe convicção"), nos quais nã.o é pedido mento da sentença é, portanto, um momento a-lternativo, já que se
ao juiz que demonstre o modo ou o caminho através do qual constituiu absolve ou se condena. Por essa razão, é agui onde tem maior possibi-
sua convicção e o explique - porqLre estes sistemas de íntima convic- lidade o princípio de favorecimento para o réu (in dubio pro reo).
ção não reçßrerem a fundamentação da sentença - e o sistema de críti- Este princípio, dentro do momento alternativo, mostra-nos uma
ca saudável racional ots, crítica racional, onde se pede ao juiz que justi- orientaçáo clara da política criminal, relativa ao modo de soluciona¡ o
fique sua decisão. conflito provocado pela dúvida, especialmente a de valoraçáo da prova.
A diferença entre um e outro náo reside no fato de um ser racional Na realidade, este princípio também pode ser formulado ao se declarar
e o outro emocional, mas, simplesmente, que no primeiro não é exigida que, para ser proferida uma condenaçäo, é necessáÍía aceÍIeza ou uma
a frmdamentação e, no segiLrndo, é necessária a exteriorização das segurança apoiada na certeza e gue, se não existe essa convicçáo,
razóes do juiz; por isso, muitas vezes é firmado gue o sistema de críti- necessariamente se deve optar por uma a-bsolviçáo.

204 205
Alberto -Brnder Ý ?r.rfry lllL¡uuuçqv

A sentença é um produto formal, não só pela importância que ela debate e sua contigüidade com a sentença, a concentraçáo e utu stste-
tem a respeito da soluçáo do caso, mas porque constitui o objeto prin- ma livre, porém controlado, de valoraçáo da prova'
cipal dos recursos e o resultado para o qual tende todo o processo. A vigência desses princípios é o que faz, pelo menos enr nosso
Por essa razâo, costuma-se estabelecer requisitos formais ligados horizonte cultural, ser o julgamento ora-l a forma mais idônea de apiicar
à correta identificaçáo do tribunal, do imputado e dos demais sujeitos a justiça.
processuais; a correta e precisa descrição do fato que foi julgado (lem-
bre-se do princípio de congruência); a explicaçáo das razóes que leva-
ram o tribunal a estrutura¡ o fato justificável em um determinado sen-
tido; as razóes jurídicas que o levaram a formular a norma jurídica apli-
cável ao caso (fundamentaçáo ou motivação); finalmente, a decisáo efe-
tiva (veredicto), isto é, o núcleo da decisáo (condenação ou absolvição),
com todas.as suas conseqùências legais - pena, reparaçóes civis, res-
ponsabilidade por gastos (custas), cômputo da pena etc.
Esta sentença deve ser lida perante os sujeitos processuais e o
público, ficando, assim, notificada (notificaçáo através de sua leitura).
É ae ,rit¿ importância que entre o desenrolar do debate, a deliberaçáo
e a sentença seja respeitado o princípio da continuidade, de modo que
todas etapas estejam relacionadas pela imediaçáo. Seria contrário aos
princípios que formam o julgamento oral o fato de os juízes acompa-
nharem o debate e somente depois de vários dias (que poderiam ter
diversos tipos de interferências) proferirem a sentença. O correto, pelo
princípio de imediaçáo, é que náo deve existir soluçáo de continuidade
entre o debate e a prolatação da sentença, caso contrário se descarac-
leriza o próprio julgamento oral..
AIgo muito diferente é a exceçáo que aparece em diversos códigos
no sentido de que os fundamentos da sentença podem ser escritos
vários dias depois; isso não significa de modo algum que o veredicto, a
decisáo c¡ue é o núcleo da sentença, possa ser postergado.
A sentença, juntamente com a ata do debate (breve síntese do
ocorrido), integra-se para formar a documentaçáo do debate.
Aqui também deve ficar clara outra conseqüência direta do princí-
pio de irnediação. Este princípio exige que o juiz tenha um conhecimen-
to direto dos sujeitos e da prova. O julgamento oral náo ganharia nada
se fosse tota-lmente documentado, por mais rnoderno que seja o regis-
tro. A passagem de um julgamento escrito (ou por registros) para um
oral náo é um problema de técnicas ou de meios tecnológicos: trata-se,
antes, de um modo cultural de se aplicar a justiça, que se deve preser-
var na integridade de seus princípios básicos: a oralidade como instru-
mento a serviço da irnediaçáo e da publicidade, a continuidade do

?,o'/
206
)Oil. Julgamentos EsPeciais

intervenientes no processo penal'


pode ser satis-
Entretanto, este desejo de normatizar nem sempre
particular do
feito, porque existem situaçóes que exigem urna resposta

maiores garantias o processo penal'


processual
Podemos distinguir dois tipos diferentes de resposta
especial:
espe-
a) procedimentos especiais, quando existe uma estruturaçáo
cial que influi em todo o procedimento;
b) iulgamentos especiais, quando o que adquire características
especiais é somente a estrutura do julgamento'
classificar
Sáo três as razões fundamentais que nos permitem
esses processos
a) a idéia de simPlificaçáo;
b) a menor intervençäo do Estado;
c) o aumento das garantias'

209
3. O tribunal unlpessoa/- Os sistemas que julgam através
clc.tril¡r,t-
1, Julgamentos e procedimentos especrars nais colegiados costumam deixar que os casos cortectotì¿ìls
só juiz
vinculados à idéia de simplificação do processo sejam julgados por tribunais integrados por um

O processo penal pressupoe uma conjugação de


recursos humanos 4.Limitaçoesaosrecursos.Muitasvezessáoestabelecidaslirrrita-
Por exemplo' é permitido o
emateriais.IStotemumcustoquepredominantementeéa]rsorvido ções para recorrer dos veredictos'
recurso de apelaçáo, porém náo o de cassaçáo e'
que o deli-
em aiguus
pelo Estado, como um serviço púbtico' Ocorre' muitas vezes'
casos, existem timitaçoes ao recurso de apelaçáo'
todequedeveocupar-Seoprocessoéumdelitodemenorimportância,
pena máxima ou do
medido em termos objetivos - tais como o total da
5. Simplificação dos trâmites' Geralmente' pode-se dizer que exts-
prejuízo econômico causado, e náo pelo grau de culpabilidade'
de náo des- te uma simplificaçáo dos trâmites: menos requisitos formais
Em circunstâncias desse tipo, o Estado toma a decisáo para a composiçáo das atas; no contexto dos processos
escri-
dedicados a um delito de
tinar ao caso os rnesmos recursos que seriam tor, tt*. atuaçáo mais próxima da oralidade etc'
procedimento
maior importância. Deste modo procura-se simplificar o
seja menor'
em sua totalidade, para que o custo do serviço iudicial Outros casos de simplificaçáo do procedimento sáo
os vinculados
vítimas (e a resposta do Estado
Por outro lado, a satisfaçáo dada às
aos denominados julgamentos de faltas'
ou contravençoes
étambémumasatisfaçáoàssuasreivindicaçoes)devesermaisrápida Já vimos em outra parte deste curso que as faltas
e simples, já que ninguém compreenderia como
uma soluçáo justa para Elas procuram captar aquelas
f.azemparte do poder pen¿ do Estado'
um pequeno d.elito um julgamento longo e complicado' porém' ou tais bens náo merecem
condutas que afetem bens jurídicos,
tranqùilidade dos vizi-
Parasituaçõescomoestas,oscódigosprocessuaiscostumample-
chamados
,r*. prot"fáo táo efetiva (como, por exemplo' a
ver processos e julgamentos especrais que' geralmente' sáo nhos), ou afetar esses bens jurídicos náo têm maior
intensidade'
decorrecionais.oprocedimentooujulgamentocorlecionalé'entáo,um Regula-rmente'oScódigosprocessuaisestabelecemumprocedi-
importância' Em primeiro lugar'
modo de resposta simplificado perante delitos de menor mento e um julgamento especial para esses casos'
resposta particular preliminar ou'
Algumas das principais simplificações desta náo se pode dizer que exista uma verdadeira instruçáo
para o caso
são as seguintes: pelo menos, não existe do mesmo modo que a conhecemos
por uma "ata
de detitos. Essa atividade prévia costuma ser substituída
códigos' direta' mediante a
7. A simplificação dos processos de investigaçao' Alguns de constataçáo" ou outras formas de documentaçáo
ciência de ter observado
inclusive, a modificar totalmente o sistema de investi- qutt rr* funcionario - geralmente policial - dá
"h.g.*
gaçãonessescasos.Porexemplo,mantém-seainstruçáojuris_ a infraçáo. E, na realidade, um testemunho
privitegiado e formalizado'
consta-
dicionalparaosCasosdedelitosmaioreseseentregaarnves- A ata, geralmente, deve conter uma descriçáo da infraçáo
etc' e o nome do
tigaçáo preparatória aos promotores (citaçáo direta) nos
casos tada, o nome do infrator ou imputado' seu endereço
de d,elitos correcionais' Outros códigos' embora mantendo
o funcionárioquerealizouaconstatação'Dessamaneira'aataservede
funçáo de acusação'
sistemadeinstruçáojurisdicionalemtodososCasos,executam base para o julgamento, cumprindo' inclusive' a
também' que deve ser entre-
uma forma simplificada do sumário (inclusive com
prazos cur- Por essa razao, costuma-se esta-belecer'
gue uma cópia da ata ao infrator, para que tome conhecimento da
tos) Para os casos correcronars'
imputação que lhe está sendo feita'
modernos' ou
A realizaçäo do julgamento - oral nos sistemas mais
2,Areduçaodosprazo,s.outradasca¡acterísticasCorrlunsaeste
comtendênciasàoralidadenosvelhossistemasinquisitivos_gula-Se
tipo de resposta particular consiste na reduçáo de muitos
dos
vistas ou polnormassimplificadas:aaudiênciaémenosformal,pode-sepreScllì-
prazos (para apresentaçáo de provas' para contestar
dirdaexistênciadeumdefensortécnico,náoénecessáriaapresel]ç¿ì
transcriçóes etc').
2.11

270
do funcÍonário que constatou a infraçäo e, fundamentalmente, os requi- d.e legalidade processual, segundo o qual todas e cada uma das irlfra-
sitos para o proferimento da sentença sáo simpìificados, já que, prati- punidas.
çóes penais cometidas na sociedade devem ser perseguidas e
carrrente, essa pode se limitar ao veredicto ou incluir apenas uma fun- A vigência irrestrita deste princípio causou não somente a sobrecarga
darnentação suscinta. Este tipo a-breviado de sentença, proferida de dos tribunais penais, além de produzir um efeito de impunidade seleli-
maneira imediata à realizaçáo do julgamento e sem maiores formalida- va, que funciona de fato e geralmente em detrimento dos setores mais
des, é chamada de decreto penal; os julgamentos simplificados deno- humildes da sociedade, já que os tribunais se ocupam somente dos fur-
rninam-se julgamentos por decreto penal. tos e roubos ou de algum homicídio.
Também é comum que se entregue areaJízaçâo do julgamento de Para resolver este problema, foram criados critérios de oportunida-
faltas a juízes especiais, formando tribunais unipessoais, ou então a de, isto é, casos legais em que o Estado pode prescindi¡ da persecuçáo
juízes de paz. Uma forma inadmissível de realizar esse tipo de julga- penal. Esses casos norma-lmente se baseiam em critérios quantitativos
merlto é ser ele realizado por funcionários policiais. Repetimos: as fal- (insignificâlcia do fato, escassa culpabilidade), qualitativos (determi-
tas ou contravençoes são exercício do poder penal do Estado e, portan- nados tipos de delito ou condiçóes especiais do caso), de economia
to, seu julgamento deve ser regido pelas mesmas condições e garan- (multipticidade de fatos impossíveis de investigar ou cuja investigaçáo
tias pensadas para os casos de delito. De nenhum modo, neste ou em náo produzirá a pena provável) ou de interesse maior (colaboracionis-
qualquer outro caso, simplificaçao do processo pode significar deprecia- mo). Pode-se tomar a decisão de náo perseg-uir os pequenos furtos em
ção das garantias judiciais. um supermercado (insignificância) ou os furtos cometidos por pessoas
Uma terceira forma de a-l¡reviar o processo ocorre nos casos ern que, sem estar em um estado de justificada necessidade, encontram-se
que a admissáo dos fatos pelo imputado torna desnecessá¡ia a reaLiza- em uma situação d.e pobreza angustiante (escassa culpabilidade) ou os
çáo do debate. Entretanto, isto requer explicações. Não se trata de que, delitos cometidos dura¡rte algmma manifestaçáo pública na qual, por
se o imputado tiver "confessado", possamos prescindir do julgamento exemplo, tenha havido algum tipo de provocação policial (critério qua-
ou que os juízes possam proferir sua sentença somente com base nessa litativo), ou pode-se prescindir de alguns tipos de fraude quando se tla-
confissáo. A realização do julgamento näo é só um método para aflqui- tar de "fraude de massa", quando devem ser investigadas centenas de
rir urna certeza, mas o modo democrático e repuJrlica¡o de aplicar jus- vendas fraudulentas realizadas por uma mesma pessoa e as regras de
tiça; e, mesmo no caso da confissáo mais clara e precisa, esse imputa- acumulaçáo de penas têm um limite que já foi atingido com uns quan-
do continua tendo o direito a um juJgamento prévio, rea-lizado com tos casos (critério de economia); por último, por exemplo, algum caso
todas as garantias judiciais; e a sociedade, por seu turno, necessita e onde é preferível prescindir a persecução penal de algum pegueno ven-
exige que a justiça continue sendo feita através de juízes independen- dedor de drogas para utilizar seu testemunho para incriminar o grande
tes e julgamentos públicos. traficante de entorpecentes.
Existem, entretanto, casos em que o próprio imputado manifesta Os sistemas de investigaçáo modernos tendem a basear-se cada
sell consenti¡nento expresso, nurìca presumido, e sua conveniência de vez mais nesses critérios de persecuçáo seletiva como resposta à
evitar o juJgamento. sobrecarga de trabalho da justiça penal, manifestada durante muitos
As razões desse consentimento e sua conveniência podem ser mui- anos e que é uma das causas mais diretas da impunidade.
tas. Pode acontecer que o imputado deseje evitar o trâmite do proces- A resposta processual a esta necessidade costuma ser o estabeleci-
so e a realizaçáo do julgamento, com o conseqüente desgaste que isso mento de mecanismos simplificados para chegar à sentença (processos
acarreta. Ou, nos sistemas processuais que incorporanam métodos de monitórios ou abreviados). o conceito básico consiste em que, se o impu-
disponibilidade da açáo ou critérios de oportunidade (casos legais em tado admitiu os fatos e, além disso, manifestou seu consentimento para
que pode haver renúncia total ou parcial da persecução penal), o impu- a realizaçáo d.esse tipo de procedimento, possa prescindir-se de toda a
tado pode obter vantagens claras, que diminuam sua pena. formalidad.e do debate e proferir a sentença de um modo simplificado.
Explicaremos este ponto com um exemplo. Os sistemas proces- Esses dispositivos são muito úteis, porém devem ser legislados e
suais modernos tendem a abandonar uma versáo estrita do princípio observados com cuidado, para que não se convertam em uûla forma de

272 t 1'1
acabar com esse conjunto de garantias que significa o juigamento oral A vítima deverá reunir as provas, realizar por sua conta a investi-
e público. Por esse motivo, sempre é conveniente estabelecer salva- gação preliminar e, sobre essa base, apresentar sua acusação. Entre-
guardas cìaras para preservar um consentimento livre e seguro por tanto, é comum que os códigos estabeleçam alguns casos de auxilio à
parte do imputado, inclusive prevendo que este conte com suficientes vítima, por esta náo ter a possibilidad.e de reunir alguma prova ou con-
assessorarnento e informaçáo para tomar sua decisáo. Por outro lado, seguir alguma informaçáo. Por exemplo, não tem condições materiais
os tribunais não devem aplicar esses dispositivos de um modo automá- para obter a identidade do imputado e necessita de ar.rxílio dos juízes.
tico, mas devem sempre controlar que sua prática seja cumprida, que Esses dispositivos costumam ser denominados atos preparatórios da
as garantias sejam respeitadas e, inclusive, quando existe alguma querela e sua intensidade e a_lcalce variam segmndo os códigos, embo-
dúwida, deve-se preferir arealização do julgamento oral, mesmo se não ra todos sejam baseados no princípio de um ar.rxílio indispensável, sem
for a vontade manifestada pelo imputado. o qual náo é possível apresentar a acusação, frustratdo-se de um modo
A aplicaçáo da justiça através de métodos democráticos e republi- absoluto o direito de querelar concedido à vítima.
carros náo somente se fundamenta em razóes de interesse individual, Uma vez que a querela tenha sido apresentada (com todos os
mas é a maneira pela qual a sociedade admitiu que seja exercido o requisitos formais e substanciais, em especial os referentes à correta
poder penal, o qual, como não nos cansaremos de repetir através deste identificação do fato e do imputado), inicia-se o que é denominado nor-
trabalho, é sempre um poder de alta intensidade. malmente de julgamento para delitos de ação privada e que comporta,
basicamente, certas modificaçoes em relação à estrutura do julgamen-
2. Julgamentos e procedimentos fundamentados na to comum. Em primeiro lugar, é costume que este tipo de julgamento
mínima intervenção do Estado seja acompanhado de uma primeira etapa, preliminar, de caráter concj-
liatório. o Estado tem o maior interesse em obter um acordo entre as
partes e evitar o desgaste de umprocesso penal.
A relaçáo do Estado referente ao conjunto de conllitos de caráter
penal náo é uniforme porçß-re eles náo têm o mesmo valor ou intensidade. Normalmente, essa etapa de conciliaçáo gira em torno de uma
Alguns conflitos penais - isto é, aqueles sociais que são com- audiência de conciliação na qual o juiz (poderia ser outro funcionário
preendidos pelo Direito penal - somente afetam interesses pessoais conciliador) tenta obter uma finalização do pleito, fundamentalmente
que precisarn ser protegidos pelo Estado, mas que passam de ônus a através de dois caminhos. o primeiro consiste em um reconhecimento
bens jurídicos estritamente pessoais. Por exemplo, ao Estado interessa do fato e a adrnissão de culpa por parte do ofensor. Na realidade, uma
proteger a dignidade das pessoas, mas que disso näo se deduza que os espécie de "confissão de erro", após a qual fica mais simples proferir a
delitos contra a honra afetem outro interesse que náo seja rigorosamen- sentença. Nos casos específicos dos delitos contra a horua, essa con-
te pessoal. fissão recebe o nome de "retratação" e produz efeitos específicos -
Os delitos que possuem esta característica geraln efeitos proces- como, por exemplo, a publicaçáo da sentença. O segnr.ndo caminho pos-
suais particulares. Normalmente, são conhecidos como "delitos de sível consiste em alguma forma de transação cujo resultado seja a fina-
açáo privada", porque a intervençáo do Estado através do processo lizaçáo da açáo penal empreendida pelo ofendido.
penai está limitada. Cabe esclarecer que no regime dos delitos de açáo privada a víti-
Nos delitos de açáo privada - por exemplo, os delitos contra a ma possui o poder absoluto de renunciar à sua açáo e ao seu direito de
honra -, o Estado não costuma toma.r sob sua responsabilidade promo- acionar. Na verdade, uma vez que ela tenha interposto a açáo penal,
ver a ação, porque deixa essa atividade nas máos da vítima. A ela cabe- sua renúncia causa necessariamente efeitos su-bstanciais em relação a
rá preparar sua açáo e apresentar a acusaçáo. Neste sentido, o proces- seu direito de estabelecer essa ação. É o que se conhece comorenún-
so nos delitos de açáo privada assemelha-se muito mais a um proces- cia ou abandono de querela e seu efeito é o de pleitear novamente essa
so civil - embora não se possa dizer que seja semelhante -, onde o prin- ação. Como vemos, trata-se de uma açáo em que o princípio dispositi-
cípio disposto tem uma intensidade maior. vo tem uma vigência muito mais ampla.

274 275
A etapa conciliatória busca, portanto, chegar a uma soluçáo ante- possibilidade de reproduzir as grandes desigualdades próprias dessa
cipada do caso por meio de um desses carnirhos. mesma base social.
Superada essa etapa de um modo negativo, deve-se realizar o jul- Existe outra classe de delitos nos quais, embora continue existin-
garnento. O julgamento penal em si mesmo não difere muito do julga- do um grande interesse do Estado - porque se trata de condutas gra-
rnento comurn. A principal diferença é gue a vítima continua tendo a ves -, é reconhecido o interesse preponderante da vítima. Esse tipo de
responsabilidade total da acusação e da apresentaçáo de provas e sua delito está normalmente vinculado às agressöes de caráter sexual, que
inatividade produz efeitos importantes sobre a própria açáo (abando- contêm uma grande cota de violência, mas afetam bens jurídicos dire-
no). Em algnrns casos, por exemplo, nas legislaçóes onde ainda é vigen- tamente vinculados à intimidade das pessoas.
te o delito de adultério - que tradicionalmente é de açáo privada -, sáo, Esses casos, que costumam ser denominados "delitos de instân-
normafmente, estabelecidas limitações à publicidade do julgamento, cia privada", necessitam de algumas modificações no procedimento.
para proteger a intimidade das pessoas. Por exemplo, a investigaçáo desses delitos, embora fique a cargo dos
No que concerne ao proferimento da sentença e ao requerimento órgáos púbticos de investigaçáo (promotores ou juízes de instrução)'
está subordinada a urna "autorizaçáo da vítirna" (ou seus representan-
dos recu¡sos, náo costumam haver maiores diferenças entre este julga-
tes legais, se for menor ou incapaz), sem a ç¡ual o Estado não pode rea-
mento especial e o julgamento comum.
lizar nenhuma atividade processual. Se a víti¡na não "solicita" a ação,
Como já vimos, existe uma correspondência entre o ca¡áter emi-
náo é possível promover a persecução desse delito. Desse modo, é
nentemente pessoal dos delitos de açáo privada e a estrutura do pro-
delegada à vítima a determinaçáo para essa investigação. Muitas
cesso. Isso não quer dizer que o Estado ignora a "solução" do conflito,
vezes, as vítimas náo querem somar à dor da ofensa o sofrimento ou os
co1no faz com outros inumeráveis conflitos de caráter pessoal; signifi-
danos colaterais da tramitaçáo de um processo, e preferem gue o caso
ca, porém, CJue sua participaçáo no processo de redefiniçáo institucio- fique esquecid.o. Porta¡rto, prevalece o interesse particular.
nal desse conflito-base estará timitada por esse mesmo caráter pes- Variam as soluções possíveis guanto aos privilégios das vítimas
soal. A atividade direta da vítima é gue deverá dar prosseguimento ao nesses casos, uma vez que elas darão esta autorizaçâo. Por exemplo,
processo e permitirá chegar a uma sentença. qual o efeito da renúncia da vítima, já que ela deu sua autorizaçáo para
Cabe pergnrntar se esse tipo de estrutura do processo não conti- a persecuçáo do delito? De maneira geral, a soluçáo costuma ser nega-
nuará evoluindo no futuro - como aconteceu em tempos passados - até tiva, pois, uma vez autorizada a persecuçáo, não se reconhece à vítima
urna vigência maior do princípio dispositivo. Existe uma tendência o direito de deter a investigaçáo. Esta solução é discutível, porque, se
universal de dar maior pa_rticipaçáo à vítima no processo penal e existiu no início um interesse prepondera¡rte da vítima, não se eviden-
aumentar o círculo de delitos de açáo privada, na convicçáo de que' cia o motivo pelo qual esse interesse pessoal náo deva continuar exis-
muitas vezes, o Estado apropria-se dos direitos e deveres das vítimas tindo posteriormente ao início da investigaçáo. Por outro lado, normal-
e depois não satisfaz seus próprios interesses estatais nem dá satisfa- mente a vítima não se encontra em condições de resolver adequada-
çáo alguma a guem foi diretamente ofendido pelo delito. mente o conflito de interesses (por exemplo, entre seu óbvio interesse
Essa tendência existe e deve ser estimulada. Por exemplo, é ne- na persecução penal e em não aumentar seu sofrimento pessoal)
cessário ex¡rlorar novos mecanismos processuais ou adaptar escJuemas enquanto não for iniciado o processo penal e puder calcula¡ os efeitos
como a arbitragem ou os processos puramente privados. Boa parte das desse processo. O certo, portanto, é reconhecer efeitos fundamentais
observaçóes modernas da ciência processual avançam nesse sentido. na renúncia da vítima nos delitos de instância privada sempre que ela
O fundamentai é encontral o ponto de equilíbrio entre as necessidades manifeste essa renúlcia dentro de um prazo razoâvel. Náo poderia,
de paz social e a restauraçáo dos interesses pessoais. um Estado omis- assim, renunciar depois de iniciado o julgamento, pois submeteria todo
so também pode gerar situações de injustiça, já que, dessa maneira, as o andamento do processo a uma dúvida inadmissível.
relações básicas d.e poder existentes na sociedade continuam se mani- Existem outros delitos que provocaln um funcionamento análogo
festando liwemente em campos como o da solução de conflitos, com a do processo pena1, embora nesses não esteja em jogo um conflito de

276 217
interesses pessoais, mas um de caráter público. Tlata-se dos delitos penal de menores'. todas as garantias e direitos pensados para os ¿.¡rJui ¿cr.s
que afetam alguma área do funcionamento do Estado que poderia ser (princípio de inocência, julgamento prévio, defesa em juízo elc )dcvcnr
atingida pelo desenrolar do processo. Sáo normalmente denominados ter uigência absoluta e mais rigorosa no processo penal de menores.'Ibcl¿l
delitos suieitos à autorizaçáo do Estado, e seguem o mesmo princípio a estruturação especial do processo deve gerar uma proteção nraior
de subordinar a persecuçáo penal pública, neste caso à autorizaçáo do sobre essas garantias formais e nunca corrompê-las ou aJ¡andoná-ias. O
responsável pela área específica do Estado. mesmo ocorre com as grandes garantias do Direito penal, tais como o
princípio de legalidade, culpabiiidade e tudo que costumamos englobar
3. Julgamentos e procedimentos fundamentados no dentro de um Direito penal "de ato" e náo "de autor".
aumento das garantias Entáo, a primeira característica de um processo penal de menores
deve ser uma vigi)ância mais rigorosa da vigência das garantias judr-
cjals. Isto se manifesta, primeiramente, em um controle mais rígido do
Em alguns casos, o Estado tem interesse em dar maiores garan-
juiz e do promotor.
tias ao processo penal, seja porque a pessoa se encontre em uma situa-
Em segundo lugar, devem ser aumentadas as possibilidades reais
çáo potencial de maior indefiniçáo, ou porque os efeitos do processo de defesa do menor. Para isso, é preciso permitir que os pais ou tutores
penal podem ser, por si só, mais danosos.
participem do processo, exercendo um tipo de defesa material de seu
Um caso-padrão deste tipo de processo é o que se costuma deno-
minar de "processo penal de menores". Geralmente, não existe uma filho ou tutelado.
Em terceiro lugar, estabelecer uma limitação maior sobre as medi-
concordância entre a maioridade civil (78,21' etc.) e a idade-limite a par-
tir da qual os menores podem ser responsa-bilizados por delitos (L4,76, das de coerçáo no processo penal (praticamente sáo abolidas, embora,
18 etc.). Os Estados modificam sua política criminal neste campo de de fato, náo ocorra assim). Muitas vezes, entretanto, através de supos-
acordo com políticas sociais mais abrangentes ou critérios de proteção tas "medidas tutelares" - sempre na crença desastrosa de que a
da menoridade. mudalça de nome significa mudança de natureza - passam medidas
É que menores de idade civil vejam-se envolvidos bomo de coerção piores que as a.plicadas aos maiores, e sem nenhum contro-
"o*um
imputados no processo penal. Encontramos aqui uma situaçáo que le. Por exemplo, os códi-gos estabelecem que náo se pode prender pro-
reúne as duas características assinaladas no início - maior indefiniçáo visoriamente o menor, mas depois säo promulgadas medidas tutelares
potencial e maior capacidade danosa do processo penal. A resposta a que, rla prática, significam prendê-lo em urn cárcere ou em uma "insti-
esta situaçáo é o aperfeiçoamento de um processo penal específico tuição educacional" pior que uma prisão.
para menores, com maiores garantias. Por úItimo, também existem salvagmardas especiais durante o
Este é o problema específico, em minha opiniáo, do que às vezes desenrolar do processo, como limitaçoes à publicidade, maior empenho
é chamado de Direito processual penal juvenil. Muitas vezes - e isto é na prova relacionada com a personalidade do menor e, em alguns
evidente na prática de nossos países - pretende-se ajudar o menor casos, estabelecendo uma cesura obrigatória do debate, proferindo em
criando um processo penal (e um Direito penal) paternalista, tutelar, primeiro lugar o interlocutório de culpabilidade e postergando o profe-
orientado para a formaçáo e o cuidado do menor, no qual o juiz deve rimento da sentença, após um período de observaçäo da personalida-
ser, antes de tudo, o bom pai que esse menor seguramente não teve. de do menor. Também é comum aumentarem-se as possibilidades de
Essa posiçáo, benéfica em sua formulaçáo, não tem produzido todos os perdáo judicial.
efeitos desejados - muitas vezes se depara com a complexidade do Em uma situaçáo diferente, porém anâoga, encontram-se os inim-
problema ou com a falta de recursos - e produz, como efeito negativo, putáveis. Estes se encontram em uma situação de maior indefiniçáo;
a negligência às garantias processuais dos menores. entretanto, o processo penal tem atuado tradicionalmente ao contrário:
Por isso, considero importante ressa-lta¡ uma idéia simples, óbvia erírvez de aumentar as garantias, responde ao problema de um modo
inclusive, que tem sido abandonada, porém, na prática do processo automático e formal

21-8 2.19
E comum ocorrer que a declaração de inimputa-l¡ilidade náo este- XXII. Impugnaçáo da Sentença
ja cercada por suficientes garantias. Não podemos esçlrecer çßre para
poder declara-r uma pessoa inimputável - com os efeitos que isso pro-
duz - devemos antes comprovar çßte cometeu um ato típico e antijurí-
dico. Assim, a inimputabilidade ê a declaração de irresponsabilidade
com relação a um delito penal suficientemente comprovado. Por outro
Iado, na prática de nossos sistemas, costuma-se reafizar uma simples
comprovaçáo de alguma deficiência psíquica, sem abordat os pressu- Já vimos que, através do procedimento comum ou ordinário, ou
postos essenciais (ilicitude) ou a existência de periculosidade, que per- por meio de procedimentos especiais que respondem a situaçoes par-
mitiria aplicar uma medida de segurança. Tampouco devemos esque- ticulares e a decisóes efetivas de política criminal, o processo penal
cer que, por mais que mudemos o nome, a medida de segurança é uma atinge seu produto central e básico: a sentença. Esta é o ato judicial por
enorme restriçáo à liberdade das pessoas e que se assemelha muito - excelência, que determina ou constrói os fatos, uma vez que constrói a
se náo for igual - a uma pena. solução jurídica para esses mesmos fatos, "solucionando", ou, melhor
O correto é que o processo penal aumente as garantias, caso se dizendo, "redefinindo" o conflito social de base, que é reinstalado de
encontre envolvido urn suposto inimputável. TTata-se, pois, de formula¡ um modo novo no seio da sociedade.
um juízo especial que aumerrte as garantias, e náo as diminua com o A sentença é, portanto, o ato processual que produz os maiores
pretexto - uma vez mais - de um suposto paternalismo. Por exemplo, efeitos jurídicos. Por essa razâo, deve ser controlada ou revista. Este
também podem ser estabelecidas restrições à publicidade, exigir um controle do legítimo produto do juiz é realizado por intermédio de cer-
estudo profundo da personalidade e um debate acerca disso, assim tos dispositivos processuais que podem provocar uma revisão total ou
corno da periculosidade, a participação obrigatória do curador ou tutor parcial dessa sentença e, por extensão, também de outros atos proces-
do incapaz, de seus familiares e uma comprovaçáo dos pressupostos suais que produzem efeitos jurídicos eventuafmente gravosos para
anteriores à imputabilidade, que fundamentam a ilicitude. algum dos sujeitos processuais.
Portanto, vimos como o processo penal é altamente receptivo às Esses dispositivos processuais são os recur,sos; estes são os meios
decisões de poìítica criminal. Este, precisamente, é um tema de inves- de impugnação da sentença e outras resoluçóes onde, por seu intermé-
tigação constante: como as decisóes de política criminal são transfor- dio, é cumprido o exercício de controle.
madas ou influem na vida cotidiana de nossa justiça penal. Em espe- O conceito de controle também é um princípio central na estrutu-
cial, os sistemas escritos ou inquisitivos desenvolveram uma espécie ração do processo e de todo o sistema de justiça penal. Esse conceito
de "esclerose" processuaÌ que os impede de se adaptarem às circuns- de controle é fundamentado em quatro pilares:
tâncias mutantes da sociedade e da política. Não obstante, o processo 1. A sociedade deve fiscalizar a maneira pela qual seus juízes
penal possui uma parte que deve ser rígida porque está vinculada a administram a justiça.
uma de suas missóes básicas: nenhuma decisáo de política criminal 2. O sistema de justiça penal deve desenvolver meca¡rismos de
deve transformar-se em uma maior indefiniçáo das pessoas. Ouando controle para permitir o planejamento institucional.
isso ocorre, o processo penal abandona sua missáo principal e se trans- 3. Os sujeitos processuais têm interesse em que a decisáo judicial
forma em um grande método de persecuçáo. seja fiscalizada.
4. Ao Estado interessa fiscalizar como seus juízes aplicam o
Direito.

Esses quatro princípios materializam-se em diversas formas de


controle. Por exemplo, o princípio L. está especia-lmente ligado ao con-
ceito de publicidade do julgamento. O princípio 2. eslârelacionado com

220 221
o tema do controle da gestáo judiciaì, particularmente com a questão no fundamental. A interpretaçáo correta é a que indica - como foi t-'lttr¡t
do monitoramento estatístico. Os princípios 3. e 4. estão relacionados ciado pela Cort,e Interamericana de DireÍtos Humanos - que o cli¡eit.<:
mais estreitamente com o conceito dos mecanismos processuais de fundamental consiste no privilégio de desencadear um dispositivo real
impugnaçáo das decisóes judiciais. e cuidad.oso de controle do veredicto, por meio de um funcionário dife-
Entretanto, náo devemos acreditar que cada um desses princípios rente daquele que o tenha proferido e com poderes para revisar o vere-
se relaciona "exclusivamente" com o tema mencionado. Eles demons- dicto anterior, isto é, que sua revisáo náo seja meramente declaratória,
tram quatro interesses ou forças básicas que influem sobre diferentes mas que possua efeitos substanciais sobre o veredicto. Este é o senti-
instituições. Assim, o princípio de publicidade também influencia os do, na minha opinião, da exigência de um juiz ou tribunal superior: nem
interesses dos sujeitos processuais e o monitoramento estatístico tam- tanto por uma questáo de hiera¡quia do tribunal, mas de poder. É soh-
bém tem a ver com o controle social ou popular. citado um tribuna-l ou juiz com poder real de revisar o veredicto.
O mesmo acontece com os recursos, porque neles se materializa,
A concessão desse privilégio deve ser ampla, tanto em relaçáo às
principalmente, o empenho de controle dos sujeitos processuais; tam-
pessoas a quem é dado Qmpugnação subjetiva), como às relaçoes judi-
bérn influem o interesse social ou público ao uniformizarem a aplicaçáo
ciais que podem ser recorridas (impugnação objetiva). Podemos dizer,
do Direito.
portanto, que, no espírito do Pacto de San José, que concebe as garan-
Por esta razâo, poderemos analisa¡ os meios de impugnaçáo a par-
tias básicas de um processo penal, encontra-se o critério de que todas
tir de duas perspectivas fundamentais: uma, como um direito de im-
pugnaçáo ligado ao valor de "segurança jurídica" e como um meio de as resoluções judiciais que produzem aìguma injustiça devem poder
ser impugnadas por todas as pessoas envolvidas nesse processo penal.
evitar os erros judiciais concretamente; a outra está baseada na neces-
sidade social de que as decisões judiciais sejam corretas (ou cumpram Disto não se deve deduzir que qualquer resolução pode ser recor-
sua função pacificadora) e o Direito seja aplicado de um modo uniforme rida imediatamente, nem que qualquer sujeito do processo possa recor-
e equitativo. rer de qualquer resoÌuçáo. A organizaçáo do sistema de recursos é algo
O conceito do recurso como um direito aparece na Convenção que depende de cada sistema processual e deve ser analisado com
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) relaçáo à totalidade do processo penal. Houve um tipo de "essencialis-
que, em seu art. Bs, sobre as Garantias Judiciais, declara: "Durante o mo" dos recursos - o recurso de apelaçáo é este; o recurso de cassaçáo
processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes é aquele... - gue em grande parte obscureceu o tratamento moderno
garantias mínimas: ( .) h) direito de recorrer do veredicto perante o juiz dos recursos, necessariamente funcional.
ou o tribunal superior"; será esta a perspectiva que levaremos em Cada sistema processual organiza seu sistema de recursos e o
conta principalmente, embora disso não se deve inferir que as outras importante é que o conjunto totaL dessa organização permita um con-
perspectivas possíveis sejam menos importantes. trole adequado e cuidadoso das sentenças. Isto é importante, sobretu-
Dessa maneira, a "impugmação" da sentença e de outros veredictos do em relaçáo ao que se denominou de "apelaçóes de instruçäo", ou se-
importantes vincula-se às garantias judiciais mínimas e um processo ja, a possibilidade de provocar a qualquer momento e de maneira qua-
penal garantidor deve estabelecer o direito ou o privilégio de recorrer se automática o controle de decisões ou incidentes acontecidos duran-
do veredicto. te a Instruçáo ou Procedimento Preparatório. Um automatismo absolu-
Porém, o que significa "direito de recorrer do veredicto perante um to dessas apelaçóes - e o abuso de a-lguns sujeitos processuais - pro-
juiz ou tribunal superior"? Basicamente, deve ser entendido como o vocou, na prática de nossos sistemas, grandes atrasos e obstáculos em
estabelecimento de um dispositivo de controle real sobre o veredicto. detrimento dos objetivos de celeridade do processo e de progressivida-
Não quer dizer que a Convençáo Americana sobre Direitos Humanos de da investigaçáo.
tenha optado por algum tipo de recurso em particular ou - como aìguns É possível, sem afetar o direito básico de recorrer do veredicto, es-
têrn sustentado - que a "dupla instância", entendida como um duplo tabelecer uma organizaçáo dos recursos mais racional, ligada às reso-
julgamento integral do caso, tenha-se convertido em um direito huma- luçóes essenciais do processo.

.raa
222
caso, deixava de ser um tribunal revisor para tornar-se um novo trilrtl-
Por outro lado, o d.ireito a recorrer náo é um d.ireito incondicional:
nal de "primeira" instância.
temolimitedoagravo.Seosujeitoquedesejarecorrernáosofreune-
vimos, portanto, gue o recurso de apelaçáo e o recurso de cassaçáo
são "funcionalmente" distintos e náo podem ser compreendidos sená<-r
relacionados à totalidade do processo em que estão incluídos. NeDr
sempre isto é visto assim e muitas vezes se quis sobrepor ambos os
recursos, desconhecendo esta diferença funcional intrínseca; com isso,
náo se consegiuiu mais que retardar o processo e aumentar a lentidáo de
seu trâmite, com poucos benefícios para o controle dos veredictos.
O desalio, portanto, é estabelecer algirlm recurso que imponha o
potencialmente agravado possa pleitear seu recurso' máimo de controle possível com o máximo de respeito aos princípios e
garantias processuais, especialmente - como foi dito - ao princípio de
o conceito de controle manifesta-se norma.lmente, nos sistemas de
permite um imediaçáo. O nome que daremos a ulrl recurso desse tipo pouco importa.
recursos, através de dois grrandes dispositivos' O primeiro
Este conflito se manifesta nas tendências a um maior alcance do
novovered.ictointegral;osegundo<iumcontrolesobreaap)icaçáodo
recurso de cassaçáo ou na tendência de compatibllizar o recurso de
apelação com sistemas processuais baseados na imediação. Porém,
antes da analisarmos este assunto, necessitamos estudar algo mais
acerca desses recursos.
Como dizíamos, o recurso de apelaçáo estava ligado ao Direito
I é o tiPo de romano tardio, no qual se consolidaram as estruturas imperiais e a
çáo aos recursos. o co e dar forma jurisdiçáo começou a ser concebida como um poder delegado do impe-
controle que se deseja
de conJrole' rador, que poderia recuperá-lo por meio de uma cadeia de funcionários
ao recurso. O fundam
Processuais' espe- (esta concepçáo permanece, todavia, escondida no que se denomina
não s
cialm do tiPo de recurso efeito "devolutivo" do recurso de apelaçáo). Deste modo, era fortaleci-
mais imediaçáo semPre da náo tanto a idéia de controle das partes sobre o veredicto, mas a
idéia de controìe do Estado sobre o trabalho de seus juízes'
coIl}oexigênciafundamentaf'Boapartedadiscussáosobrequaldos
Este esquema de controle foi retomado pelo Di¡eito canônico - e, no
dois tipos de recurso é o mais conveniente esconde' na realidade, uma
geral, pelo Direito continental europeu no que foi chamado de "recep-
processos inquisitivos nos
çáo do Direito romano" - e se instalou nos
quais, em sua versão calônica original, o juiz tarnbém era um "delega-
do" do Papa; na versáo secular, adotada pelos Estados monárquicos, o
juiz era um delegado do rei. Modernamente, esse conceito de um poder
vaûr totalmente o princípio de imediaçáo' T[atavam-se' basicamente'
"segrrn- delegado foi modificado enquanto se consolidava a separaçáo de pode-
de processos por registros ou escritos, nos quais o tribunal de
base nesta leitura, proferir um res e o trabalho judicial tornava-se mais técnico. Seu limite ficou estabe-
da instância" limitava-se a Iê-Ios e, com
da prova. Iecido de um modo dialético: o juiz revisor teria tanto poder quanto as
nowo veredicto, isto é, realizando uma nova valoração
partes lhe outorgassem, mediante a crítica do veredicto' Aquilo sobre o
O recurso da cassaçáo, por outro lado, estava ligado historicamen-
que náo existisse agravo estaria seguro e estabelecido; porém, mais
teasistemasemqueaimediaçáo_sobretudonavaloraçáodaprova_
tarde, quando surgiu a tendência para um maior controle, começou-se
era mais estrita, como acontece nos sistemas de julgamentos orais e'
a abandonar a visáo estrita desse conceito, especialmente com relaçáo
portanto,osegrrndotribunalrevisornáoteriaapossibilidadederevi-
às garantias judiciais ou os princípios constitucionais'
sar essa valoraçáo da prova, a não ser examinando-a novamente; neste
)tr-
224
Alberto Binder introduçäo ao Direito Processual Penal

com relaçáo às formas, prazos, requisitos de admissibilidade etc" Isto tem, principalmente, duas consequências: a prrmeira, que o
os sistemas processuais variam, embora, na prática dos sistemas proces- recurso de cassação normalmente anula a sentença e "reenvia" o caso
suais, costume-se esta-beÌecel um automatismo do recurso de apelação ao tri-bunal inferior para que seja proferida uma nova sentença. Só
ou um uso indiscriminado desta via de controle que, somada à possibili- excepcionalmente pode anular (cassar) a sentença de primeira instân-
d.ade de recorrer imediatamente de muitas decisões do processo, provo- cia e proferir diretamente a sentença correta; por exemplo, quando o
ca uma disfunção e ulrl.a gfande carga de trabaLho para oS juízes reviso- erro na aplicaçáo do Direito é muito evidente e náo é necessária prova
res, o que finalrnente conspira contra a própria funçáo de controle. para tomar uma decisáo em contrário (por exemplo, se houver uma con-
o elemento fundamental para julgar o processo de apelaçáo - pelo denaçáo por um delito que náo existe), o juiz revisor pode proferir um
menos na versáo a çlue estáo acostumados nossos sistemas proces- novo veredicto.
suais mais recentes - é a falta de imediaçáo. o juiz revisor perde total- A segunda conseqüência é que o recurso de cassaçáo não pode
mente o contato com oS Sujeitos processuais e com a prova: ele analisa controlar a valoraçáo da prova como processo interno do juiz. O único
os documentos, os registros e, SobIe a base desta leitura, profere um controle é o que foi exposto pelo juiz com relaçáo a essa sentença.
novo veredicto. Este é o principal defeito do recurso de apelação e, em- Dessa maneira, o controle limita-se a determinar se o que foi exposto
bora possa ser discutido se isso é resultado de sua própria natureza, o ou fundamentado da valoraçáo da prova seguiu os passos lógicos que
certo é que, principalmente nos sistemas inquisitivos, cumpre essa normalmente aceitamos como próprios de um pensamento correto.
funçáo. Dessa maneira, a qualidade do veredicto, em vez de melhorar, O recurso de cassaçáo, assim como o de apelaçáo, também possui
piora em termos globais, porque é o resultado de um conhecimento requisitos formais - de tempo, de admissibilidade - e isto varia de sis-
mais distante da vida real do caso' tema para sistema. Como característica geral, pode-se dizer que o
Em relaçáo ao recurso de cassaçáo, náo é táo importante determi- recurso de cassação organiza-se de um modo mais rígido quanto à
nar sua origem e evoluçáo histórica quanto apontar que, geralmente, exposição dos motivos de se recorrer de um veredicto. A exposiçáo dos
esteve ligado a sistemas processuais çnle respeitavam mais o princípio motivos do recurso deve ser mais precisa, inclusive com relaçáo a
de imediaçáo. Aqui, o problema é o seguinte: o juiz de primeira instân- alguns motivos - que costumam ser chamados de "relativos" (em opo-
cia tem uma visáo d.ireta da prova, e sobre esta observaçáo profere um sição a "absolutos") - porque se exige que tenha havido uma reivindi-
veredicto, o que "estrutura os fatos" e determina ou define o Direito cação anterior e oportuna, uma espécie de queixa de que se estava
aplicávet ao caso. Este veredicto rnaterializa-se em uma sentença que' cometendo um erro, para depois poder pleitear o recurso. Logicamente,
corrro já vimos, se corresponder às garantias judiciais básicas, deve esse requisito náo é exigido quando está em questáo um motivo abso-
esta¡ fundamentada, isto é, deve expressar os argumentos que permr- luto, ou seja, um motivo que afete garantias judiciais básicas ou os
tiram ao juiz chegar a esse veredicto. princípios que estruturam o processo, ou quando se tratar de erros na
como controlar o veredicto sem afetar o princípio de imediação? aplicaçáo do Direito essencial.
Este é o problema. classicamente, o recurso de cassaçáo respondeu Definitivamente, náo fizemos uma análise exaustiva desses dois
confinando-se ao controle da aplicaçáo do Direito, sem ingressar na recursos, mas apenas mostramos algumas questões básicas do siste-
construçáo d.os fatos. Daí a concepçáo clássica do recurso de cassaçáo ma de recursos. Este é um tema em constante evoluçáo, gue requer
como um recurso técnico limitado às questóes do Direito' uma grand.e imaginação para combinar dispositivos processuais efeti-
Entretanto, a evolução dos conflitos sociais e a própria necessida- vos que permitam o máximo controle sem diminuir os princípios e
de política de um maior controle fizeram evoluir o recurso da cassaçáo garantias básicas - especialmente, como já expusemos, sem diminuir
até formas mais abrangentes, de maior controle. Apesar disso, o recur- o princípio de imediaçáo. De outra maneira, sob uma suposta idéia de
so da cassaçáo tem um limite que até agora náo foi ultrapassado: trata- um controle mais preciso, o que se obtém, na realidade, é uma depre-
se de um controle sobre a sentença e sobre seus fundamentos, já que, ciação do valor e da qualidade dos veredictos penais.
por imposiçáo do princípio de imediaçáo, náo pode ir mais além deste Detemo-nos na contraposiçáo do recurso de apelaçáo com o de
controle. cassaçáo porque isso permite alertar sobre os problemas que existem

22-1
226
Alberto Binder

no tema do controle do veredicto. Existem outros recufsos, algrrns de


menor personalidade jurídica - como o recurso de reposição (uma quei-
xa de revisão imed.iata, pelo mesmo juiz que proferiu o veredicto) ou o
recurso explicativo (na realidade, uma forma de recurso de revisáo,
Iimitado a erros materiais no enunciado da sentença) - e outros de
grarrde transcendência institucional, como o recuÍso extraordinário
pefante a Cofte Suprema, através do gual se reafiza o máximo contlole
instÍtucional dentro de nosso sistema de justiça, porém, na realidade,
náo difere de um recurso de cassaçáo.
o importante pata este curso náo é aprender os detaLhes da orga-
nização d.os recursos, mas as questões que estáo por trás deles e as
decisões de política criminal que estáo aí cristafizadas. Ficamos nessa
perspectiva - gue é a perspectiva básica deste liwo elementar - por-
que permite urna compreensáo mais dinâmica e menos formal dos
recursos em função da totalidade d.o sistema processua], do qual sáo
uma parte importarrte.

)ta

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