Movimento Neorural em Rolante RS
Movimento Neorural em Rolante RS
Movimento Neorural em Rolante RS
Tramandaí/RS
2019
CLEDIANA AMARAL MATZEMBACKER
Tramandaí,
2019
CLEDIANA AMARAL MATZEMBACKER
1 INTRODUÇÃO
1
Constituição Federal de 1988. Art. 225, do Capitulo VI (Do Meio Ambiente) que garante às pessoas a
preservação ambiental como um direito. BRASIL (1988).
2
Revolução verde foi o termo utilizado para designar um movimento que teve início na década de 1950,
onde incentivava-se a introdução de diversas técnicas modernas na agricultura, entre elas o uso de
agrotóxicos, adubos químicos altamente solúveis e maquinário pesado MEIRELLES, (2018).
13
Em muitos estudos está sendo observada, por exemplo, uma recuperação dos
ambientes e mudança na produtividade dos solos com a chegada desses novos
habitantes, que se mostraram, na maioria dos casos, bastante preocupados e
engajados com as questões ambientais. Através de técnicas mais ecológicas
provenientes da Permacultura3, da agricultura orgânica familiar e da Agroecologia4,
tem se observado uma revitalização dos territórios rurais (LEAL, 2014; KARAM, 2004).
Juntamente com a chegada destes novos atores, emergem também novas formas de
relações sociais, ambientais, culturais e econômicas nesses espaços (CARNEIRO,
2008).
Para melhor compreensão de tal realidade, o trabalho de pesquisa que resultou
na presente monografia teve início em 2016, quando ao iniciar um projeto de pesquisa,
a pesquisadora teve contato pela primeira vez, com o conceito de neo-ruralidade, ao
conhecer algumas pessoas que se autodeclaravam neo-rurais. Logo após, o
aparecimento de novas situações de neo-ruralidades tornaram-se mais evidentes,
tornando-se pertinente o aumento de pesquisas nesta temática. Naquele mesmo ano,
entrevistou-se pessoas moradoras de três sítios nos municípios de Rolante e Riozinho,
no Estado do Rio Grande do Sul (RS), para a construção de um trabalho acadêmico.
Desde então, foi-se conhecendo um número cada vez maior de sujeitos neo-
rurais e, ao mesmo tempo, aproximando-se e testemunhando diversas situações de
neo-ruralidades. No início do ano de 2017, ocorreu um mutirão para construção de um
telhado vivo na edificação de um dos sítios que serão apresentados no presente
trabalho. Neste dia, vários neo-rurais se conheceram e também futuros pretensos,
juntamente com pessoas da comunidade e até de fora do município de Rolante.
3
Permacultura – criado por Bill Mollison e David Holmgren na década de 1970 - “sistema integrado em
evolução, de espécies animais e vegetais perenes ou autoperpetuadoras úteis ao homem” em outras
palavras trata-se de um modelo que abriga diversas técnicas, “ideias, habilidades, modos de vida que
precisam ser descobertos e desenvolvidos” para que possamos estar cada vez mais próximos de um
futuro sustentável (HOLMGREN, 2013, p. 33).
4
Agroecologia – Termo proposto por ecologistas nos anos 30 para definir estudos e conhecimentos de
processos ecológicos aplicados na agricultura. (GLIESSMANN, 2008, p. 57). Nas palavras de Altieri, a
Agroecologia é definida como a aplicação de conceitos e princípios ecológicos para desenhar
agroecossistemas sustentáveis. (ALTIERI, 2012, p. 104). Também conhecida como Agricultura
Ecológica. (MEIRELES, 2018).
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Logo em seguida a este evento, formou-se uma rede com todos que tinham
interesse em temas ligados a Agroecologia, bioconstrução5 e Permacultura, para
fomentar a troca de saberes e ações de ajuda mútua, que foi denominada Rede La
Negra. Entre as ações desta rede, se sobressaíram as práticas de mutirões onde, pelo
menos uma vez por mês, os integrantes eram convidados a se reunirem em alguma
das propriedades integrantes para a realização de atividades diversas, normalmente
relacionadas ao plantio, roçadas, podas, bioconstrução e manejos agroflorestais. Ao
término do período de um ano, a Rede La Negra contava com cerca de onze
propriedades participantes, cada uma com três a cinco moradores, distribuídas entre
os municípios de Riozinho, Rolante e Taquara, além de pessoas da comunidade e de
outros municípios que eram convidadas a participar. Destaca-se que as ações da Rede
La Negra, posteriormente, deram origem a outros grupos de trabalho com enfoques
mais específicos.
Em 2017, com apoio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Sul – Campus Rolante (IFRS – Rolante), foi criado o Núcleo de Estudos
Agroecológicos e Produção Orgânica (NEAPO), visando à promoção de um conjunto
de ações articuladas aos processos produtivos, educacionais, socioambientais e
econômicos. Desde então, o NEAPO vem desenvolvendo estratégias e métodos para a
transição agroecológica, a gestão democrática, a valorização dos saberes tradicionais
e a geração de tecnologias que ampliem a renda de empreendimentos cooperativos e
de economia solidária. As ações de extensão do NEAPO tem como parte do seu público
alvo muitos neo-rurais, juntamente com outros produtores e consumidores.
Todo este movimento propiciou, entre outras coisas, a viabilização de um curso
de formação em agricultura ecológica com carga horária de trinta e duas horas (32hr.),
5
Bioconstrução – Técnicas de construções, baseadas em conhecimentos ecológicos e responsabilidade
ambiental, cuidadosamente planejadas. Geralmente utilizando ao máximo os recursos locais, de forma
mais econômica, e buscando a sustentabilidade através do aproveitamento energético. (MOLLISON,
1998)
15
6
Professor Laércio Meirelles – Natural de Niterói, RJ. Agrônomo pela Universidade Federal de Viçosa,
Mudou-se para o Rio Grande do Sul em 1988, onde desde então trabalha com Agricultura Ecológica, foi
um dos Fundadores do Centro Ecológico, sendo atualmente uma importante referência em
Agroecologia.
7
Centro Ecológico - O Centro Ecológico é uma organização não governamental que, desde 1985,
trabalha com o objetivo de viabilizar a adoção de tecnologias alternativas na produção agrícola,
orientadas pela filosofia da preservação ambiental e da justiça social.
16
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O êxodo rural no Brasil foi bastante intenso após a década de 1960, grande
parte motivado pela busca por melhores oportunidades de emprego, salários mais
elevados, e vantagens indiretas dos centros urbanos, promovidas pelos meios de
comunicação. Paralelamente ao surgimento de um “modelo de desenvolvimento
agrícola” voltado principalmente à produção em grande escala, houve a consolidação
de um alto índice de concentração do uso da terra (CONTI, 2012). Estes processos
atuaram como uma força “expulsionista” (RIBEMBOIM & MOREIRA, 2008), onde, por
falta de condições de sobrevivência, mais de 30 milhões de pessoas deixaram a zona
rural desde a década de 1960 (MALUF & MENEZES, 2000). Desde então, a
mecanização da agricultura, a substituição do trabalho, e a falta de recursos
contribuíram fortemente para o desinteresse principalmente dos jovens pelo meio rural
(ALVES & MARRA, 2009).
O movimento de êxodo rural se coaduna ao aumento da população no século
XX que, motivado pelo capitalismo, por avanços científicos e pela exploração de
recursos naturais, levou o planeta a uma intensa crise ambiental, econômica e social,
cujos efeitos já são sentidos. O crescimento das cidades não aconteceu de forma
gradual e planejada, pelo contrário, a falta de planejamento urbano e conhecimento
prévio sobre o ambiente acarretou uma série de problemas de diversos níveis de
gravidade no Brasil e no mundo (SILVA, 2003).
A migração para o meio urbano gerou um crescimento no número de pessoas
desempregadas, expostos a muitos desafios como falta de infraestrutura, habitação,
saneamento básico, transporte, desemprego, entre outros (PALMEIRA, 1989). Uma
economia baseada na venda e descarte de produtos, e a corrida pela ganância,
geraram graves problemas socioeconômicos, áreas totalmente devastadas,
contaminadas, descarte incorreto de resíduos, poluição dos solos, da água e do ar
(MARTINS e CÂNDIDO, 2015).
Esses problemas ambientais não se restringem apenas aos centros urbanos,
pois com a modernização da agricultura, a corrida pelo capitalismo deixou graves
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(PNAD), a autora afirma que este aumento ocorre em todo o Brasil, com exceção da
Região Sul, onde esse aumento populacional é menos nítido (CARNEIRO, 2008).
Juntamente com esse aumento populacional destacado por Carneiro (2008),
tem se observado, um aumento proporcional de atividades não agrícolas realizadas
por moradores rurais. José Graziano da Silva, atribui ao aumento de pessoas nas zonas
rurais vindas de distintas regiões, o surgimento destas novas atividades (SILVA, 2001).
Hoje muitos trabalhos têm mostrado que a dinâmica rural é muito mais rica e
diversificada do que até pouco tempo pensava-se. Wanderley e Favareto (2014),
trazem importantes contribuições na análise do rural brasileiro, e na importância das
concepções do que é rural, e no valor significativo atrelado a esses ambientes.
Vemos que a base econômica já não é mais somente a agricultura, que cresce
o turismo rural, o setor hoteleiro e as pequenas agroindústrias. Essas e outras
atividades in loco, contribuem para o surgimento de uma gama de peculiaridades que
montam um mosaico diversificado tanto das paisagens como de seus habitantes, e
essas novidades configuram novas ruralidades (ROSEMAN, CONDE & PEREZ, 2013;
CARVALHO, 2006). Desse modo é possível visualizar a ruralidade como um processo
dinâmico, onde a incorporação de novos valores, hábitos e técnicas promove a
constante reconstrução/reestruturação de elementos da cultura local (CARNEIRO,
2008).
Diversos autores, como Carneiro (2008), Silva (2001) e Veiga (2004), vem
escrevendo sobre as teorias do destino das ruralidades. Enquanto que muitos
pensadores acreditavam que o destino da ruralidade seria a urbanidade, outros
defendiam a ideia de renascimento rural. Segundo Veiga (2004), o que está
acontecendo no território rural pouco tem relação com o passado, pois se trata de algo
inédito no nosso momento histórico:
[...] nunca houve sociedades tão opulentas como as que hoje tanto
estão valorizando sua relação com a natureza. (...) não somente no
que se refere à consciência sobre as ameaças à biodiversidade ou à
regulação térmica do planeta (VEIGA, 2004, p.64).
8
Em diversos autores, assim como no presente estudo, a palavra movimento refere-se ao movimento
social representado pelos neo-rurais, não apenas ao movimento migratório.
22
Muitos autores trazem a ideia de que esse retorno ao meio rural vem
acompanhado de conhecimentos técnicos e científicos que possibilitam o uso da terra
sem uma exploração indiscriminada, contribuindo dessa forma com a preservação
ambiental. Através de técnicas mais ecológicas, diversos autores, sustentam que tem
se observado uma revitalização do espaço rural (LEAL, 2014; KARAM, 2004; VARGAS,
2002; RATIER, 2002).
Ainda segundo Karam (2004), nota-se o surgimento de iniciativas que se
contrapõe ao modelo desenvolvimentista da Revolução Verde. A adoção de práticas
alternativas de produção são propostas, na maioria dos casos, por atores vindos de
centros urbanos, muitas vezes por engenheiros, agrônomos, militantes e estudantes,
que apoiam-se na possibilidade de sustentabilidade ambiental, social, econômica,
cultural e política.
Pafunda (2016), faz uma importante contribuição nessa área de estudo,
analisando características dos neo-rurais de Juquitiba, SP, e sua relação com a
natureza. Segundo a autora a revalorização do rural, como espaço de moradia, com
melhor qualidade de vida, e a busca por uma melhor conservação da biodiversidade,
são atributos essenciais nas configurações das novas ruralidades. Para muitos, o
movimento neo-rural pode ser considerado como uma alternativa que se opõe ao
modelo dominante e convencional de produção e consumo, um protesto contra certos
atributos urbanos (VARGAS, 2002; PAFUNDA, 2016).
No vídeo Os Novos Rurais (2016), Edilson Cazeloto, jornalista, radialista, e
segundo ele “desertor e dissidente”, fala sobre sua experiência, como deixou sua vida
na cidade, seu trabalho, revisou valores, pensamentos, e mudou completamente seu
estilo de vida. Para a transição, explica como foi criando condições para conseguir sua
autonomia, e se desligar das necessidades atreladas à cidade. Atualmente o seu sítio
é coletivo, e abriga diversas pessoas que encontrou e encontra que tenham os mesmos
objetivos, em sua maioria decepcionadas com a cidade e que buscam uma maior
liberdade. Cita princípios de Permacultura, práticas de bioconstrução, agroflorestas,
tecnologias alternativas, arquitetura intuitiva, agroecologia. Sua fala, registrada no
vídeo, traz ainda reflexões sobre o sistema capitalista, comunidades alternativas,
novos rumos do rural, propriedade comum, divisão do trabalho, igualdade e
coletividade.
24
Ainda assim, de acordo com Nandi (2016), a agricultura é uma das bases do
desenvolvimento econômico do município e região, e muito se fala em novas formas
de cultivo e técnicas mais sustentáveis, como é apresentado em Fleck (2011), com os
Sistemas Agroflorestais em São Francisco de Paula, e Paz (2017), com a Agroecologia
em Santo Antônio da Patrulha, ambos municípios vizinhos de Rolante.
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3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
realizadas nas propriedades, como a colheita de frutas e verduras para feira, auxílio
em atividades de plantio, capina, bioconstrução, rodas de conversa, entre outras. Além
disto, para um melhor entendimento dos processos nos quais estes neo-rurais estão
inseridos, houve a participação também em várias reuniões do grupo Jaracatiá, e
conversas informais com vários integrantes.
Foi acordado previamente não expor os nomes das pessoas entrevistadas e das
propriedades visitadas, e dessa forma eles serão identificados apenas por abreviações
criadas aleatoriamente.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A seguir no item 4.1, será exposta uma breve descrição de cada propriedade
observada, algumas características como área, localização em relação ao centro
urbano mais próximo. Logo após serão apresentados os sujeitos entrevistados, um
breve resumo de suas trajetórias e algumas das narrativas mais relevantes obtidas nas
entrevistas. No item 4.2, serão apontadas as principais características em comum,
perfil geral das propriedades e dos entrevistados, mostrados nas tabelas 01 e 02. No
item 4.3 reuniu-se as respostas dos entrevistados sobre as principais vantagens e
desafios da vida no ambiente rural. No item 4.4 uma breve discussão a respeito da
busca pelos conhecimentos e saberes elencadas pelos entrevistados. Por fim no item
4.5 uma pequena análise sobre as relações sociais e a construção de uma nova
realidade.
4.1.1 Sítio I
subindo até uma pequena elevação, onde se veem algumas árvores e a residência do
casal. O relevo do terreno segue se elevando no sentido sul/ norte, e quanto mais para
os fundos da propriedade, maior a altitude. Passando a residência existe um pomar
com diversos tipos de árvores de diferentes variedades de frutíferas. No meio do pomar
há um galpão e os alicerces da construção de uma residência onde, futuramente, a
filha, o genro e o neto do casal pretendem morar. Depois destas dependências a área
segue com mata nativa.
Ambos nasceram no interior do município de Rolante e viveram a maior parte
de suas vidas na cidade de Novo Hamburgo. Ele foi com a família quando tinha 18
anos, para trabalhar e ganhar a vida na cidade e ela foi ainda bebê. Ele foi para a
cidade e trabalhou por aproximadamente 30 anos em algo que ele relata que não
gostava. O casal trabalhava em uma oficina de chapeação e pintura automotiva.
“Eu fui pra lá, sozinho, daí minha mãe foi, vendeu tudo as coisas aqui, vaca
e tudo e foi com meus irmãos. E ai depois que ela foi eu me arrependi de
ter ido.... Daí não tinha como voltar, a terra não era mais nossa. Daí fui
ficando, mas fui ficando contra a vontade, não gostava daquilo lá, fiquei 36
anos (...) Nunca gostei da cidade e nunca gostei da minha profissão, e fiquei
36 anos, todos os dias eu pensava - estou fazendo uma coisa que contraria
tudo o que eu penso e faz mal pro meio ambiente. Queria parar com isso,
e nunca mais trabalhar com veneno. Mas eu nunca perdi a esperança de
voltar e fazer o que eu gosto.” Entrevistado A1
Quando questionados sobre a motivação que levou a ambos sair da cidade e
viver no campo, eis suas respostas:
“Eu pra fazer o que eu gostava sempre né? Meu sonho, e pra ter uma vida
mais saudável... pra fazer o que eu sempre deixei de fazer. Fui embora, me
arrependi de ter ido pra cidade voltei pra fazer o que eu fazia antes. Mas tô
fazendo melhor (...), mas agora sem veneno. E pra ter uma qualidade de
vida melhor – (...) vários fatores que não é só que pesou pra nós vir né,
mas pra ter uma qualidade de vida melhor e era um sonho de eu voltar a
TRABALHAR NA TERRA.” Entrevistado A1
“E no fim o sonho dele acabou virando o meu também. Eu nunca queria,
eu nunca queria vir pra cá. Eu disse capaz que eu vou morar na roça! Eu
sempre deixei bem claro pra ele: Eu posso ir pra lá, mas pra roça eu não
vou! (...) Tem muita coisa que eu não sei fazer, muita coisa eu aprendi. Mas
claro, tem muita coisa que eu disse que não ia fazer e agora já to fazendo”.
Entrevistada A2
Possuem a área há mais de 20 anos, e neste período vinham apenas nos finais
de semana e iniciaram diversos plantios, principalmente mudas de árvores frutíferas
31
que não requeriam atenção assídua. Em abril de 2015 ele se aposentou e em dezembro
do mesmo ano começaram a fazer a transição para irem morar definitivamente no
sítio. Logo após, no ano seguinte, após a aposentadoria da entrevistada A2, efetivaram
a mudança.
Eles estão no grupo Jaracatiá desde seu início, e vem vendendo o excedente de
sua produção agrícola na feira ecológica há mais de um ano. Por enquanto a renda
que obtêm na feira é apenas um complemento, pois a renda principal provém das
aposentadorias e do aluguel de um prédio da cidade onde moravam. Ainda assim, a
feira contribuiu para dinamizar aspectos socioeconômicos da vida do casal, pois eles
conseguem vender muitas coisas que antes eram perdidas, principalmente de frutas
que em determinadas épocas geram grandes quantidades de colheitas devido a
sazonalidade inerente às espécies. Ainda conforme o casal informa, o investimento na
terra “aos poucos está se pagando” Entrevistada A2.
No futuro, como projeto para a propriedade, pensam na ampliação do cultivo
de perenes, anuais e hortaliças para comercialização na feira. Existe ainda a
possibilidade de iniciarem um projeto de turismo rural, com trilhas ecológicas e acesso
dos consumidores à horta podendo colher no próprio local. Estas iniciativas são
incentivadas pela filha e genro que irão morar lá assim que a casa estiver pronta.
Segundo os entrevistados, inicialmente a filha e o genro pensam em continuar com o
vínculo empregatício que tem na cidade, até se estabelecerem no campo e iniciarem
seu próprio empreendimento de turismo, como futuros neo-rurais.
4.1.2 Sítio II
9
Banheiro Seco – Alternativa ecológica para construção de banheiros onde os dejetos são depositados
com serragem e encaminhados a um local de compostagem. Dessa forma, evita-se contaminação de
corpos d’água e lençóis freáticos, economiza-se água. E ainda gera composto orgânico ao final do
processo (Entrevistado B2).
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nos direcionando para algo né? Enquanto que aqui a gente pode seguir
nosso próprio direcionamento, independente do que for.” Entrevistado B1
“Eu tive experiência de morar em centro urbano e não gostei. Não era o
que eu procurava. E aí eu fui descobrindo as coisas que eu não queria. Ao
mesmo tempo tinha uma vontade, uma lembrança de infância muito boa
de morar em sítio, morar na roça de lidar, de estar nesse meio. E aí aquela
coisa, se esse meio não está bom, vou procurar isso que meu instinto quer.”
Entrevistado B2
“Aquela coisa dos filósofos americanos do final do século 19 que eles falam
muito do instinto da gente, da terra, de retornar à origem – Na verdade a
gente vai criando mecanismos que vão distanciando a gente do nosso Ser,
cria ilusões e maquinários imaginários pra te distanciar do que realmente
importa, Thorreau, Jack London eles retrataram muito bem isso né?...Como
a vida simples consegue enobrecer muito mais nosso caráter.”
Entrevistado B1
O sítio compreende uma área de 12 hectares, dos quais cerca de 5 hectares são
destinados a preservação ambiental. No momento ainda não tiram o sustento
unicamente das atividades agrícolas, portanto ambos possuem outras fontes de renda.
Ainda estão em um momento de investimentos e estruturação com intuito de se
dedicarem cada vez mais à agricultura agroecológica. Faz pouco mais de um mês que
começaram a participar ativamente da feira ecológica, levando o excedente das frutas,
hortaliças, grãos e raízes que já cultivam, como banana, abacate, mamão, açafrão,
batata doce, etc. Ambos integram o grupo Jaracatiá e estão desde a sua criação, e
participam de diferentes formações em Agroecologia.
Entre os projetos que estão sendo executados, está o cultivo e implantação de
um sistema agroflorestal em área de um hectare, trezentos metros quadrados (300m2)
de cultivo agroecológico de hortaliças e anuais, além do cultivo de cogumelos shiitake.
A proposta é criar um sítio baseado nos princípios da Agroecologia e da Permacultura,
e estender a área de agrofloresta para quatro hectares. O objetivo para o futuro é
transformar o sítio em referência em práticas agroecológicas, eficiência energética e
conservação ambiental, também existe a ambição de transformar parte da área em
uma unidade de conservação ambiental do tipo Reserva Particular do Patrimônio
Natural (RPPN).
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reconhecer que muitas vezes a atividade requer bastante esforço, decidiu dedicar-se
a atividade, aderiu a uma linha de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) e conseguiu financiamento para implantação de sistema
de irrigação e aquisição de maquinário agrícola.
No caso deles, a transição mais complexa não foi a urbano-rural, como na
maioria dos casos. Mas sim a transição de um modelo convencional, baseado na
aplicação de agrotóxicos, insumos e maquinário pesado, para um modelo orgânico e
agroecológico, pois no início pouco se falava ou se incentivava os agricultores nesse
sentido. Na época, eles fizeram um movimento bastante solitário, indo de encontro à
lógica defendida pela maioria que era o modelo convencional de produção agrícola.
Inicialmente, vendiam o excedente através de entregas de cestas na cidade,
empreendimento que foi crescendo e que chegou a cerca de 40 cestas semanais.
Participaram do Projeto Propriedade Sustentável e também do grupo Jaracatiá desde
seu início, e por meio deste começaram a participar da feira ecológica.
Também mudaram várias técnicas de manejos nos seus cultivos, à medida que
iam aprendendo mais sobre agroecologia. Atualmente ela está temporariamente
afastada das atividades, pois encontra-se em fase final de gestação, aguardando a
chegada de seu segundo filho e continua apenas com a entregas de algumas cestas,
para clientes mais constantes.
Segundo a Entrevistada C1, a grande vantagem é: “que tu planta tua própria
comida, e se por acaso ficar sem dinheiro, fome tu não passa”. Outro grande benefício
é a saúde, disse que sua filha adora tudo o que ela planta, nunca tomou refrigerante,
e nunca ficou doente. Entre outras vantagens: “é trabalhar naquilo que tu gosta, ser
seu próprio patrão, e se sentir livre.”
Nesse sítio é produzido para consumo próprio, quase tudo de que necessitam:
feijão, aipim, batata, moranga, milho, verduras, além da criação de animais, onde
obtém ovo, leite, carne, banha e derivados. O marido ajuda no trabalho com a terra
nos finais de semana e dias e horários em que está de folga.
O principal motivo para a mudança para o campo é principalmente porque
sempre gostou muito da vida rural. É completamente apaixonada pelo que faz, e é
claro, pela qualidade de vida que o campo oferece, podendo respirar ar puro, beber
água limpa e comer alimentos saudáveis.
36
Quanto as suas expectativas para o futuro, quer ampliar a produção, fazer uma
estufa, começar a produzir as próprias sementes e participar mais ativamente da feira
e do grupo Jaracatiá.
“A esperança é que cada vez mais as pessoas comecem a se apoiar mais
né? e que mais gente comece a plantar e participar (...) e que as pessoas
se conscientizem mais sobre alimentação saudável, limpa e sem veneno”.
Entrevistada C1
O trabalho na agricultura, além de ser muitas vezes pesado e cansativo, ainda
depende de outros fatores que estão além da vontade do agricultor, como climáticos,
doenças, e escoamento da produção. A Entrevistada C1 é um grande exemplo de
protagonismo, reconhecida no município. É um exemplo de luta e força de vontade,
por fazer a transição, por dizer não ao modelo convencional que é imposto, e ir contra
uma gama de forças opostas culturalmente aceitas, como a agricultura moderna e
seus insumos e o patriarcado bastante opressivo principalmente na zona rural.
4.1.4 Sítio IV
“E isso me tocou muito, porque até então eu não sabia que dava pra viver
em comunidade de uma forma mais ética, assim sabe? Com a natureza.
Entrevistada D2
No ano passado ao participar de um projeto em outra aldeia Guarani no
município de Maquiné, RS, conheceu a Entrevistada D1 e o Entrevistado D3.
tempo trabalhava com dois amigos no ramo de áudio visual e fotografia. Ele conta que
na época estava:
“sempre descontente com o rumo que as coisas iam, tipo sempre para o
lado comercial, sempre ia para um lado que envolvia todos os valores que
não serviam pra mim.” Entrevistado D3
Decidiu sair da cidade de Sapucaia do Sul, morou em vários lugares, e nesse
ínterim já estava:
“A gente tá nessa luta pela autonomia, mas a gente também está olhando
pra fora em outras lutas e vendo como a gente consegue se inserir, na luta
anti-capitalista, anti-racista, numa luta feminista e tentar achar nossas
forças e como a gente consegue fortaceler e criar essa conexão campo-
cidade-floresta que eu acho que tem tudo a ver né?”. Entrevistada D1
40
“Acho que esse galpão materializa muito essa nossa vontade de ter mais
pessoas aqui e ancorar isso. Estudar e fortalecer essas redes. (...) Acho que
uma vontade também é fazer desse espaço o mais diverso possível assim,
que a gente consiga pensar em cor, em classes diferentes, em sexualidades,
gêneros e outras coisas que estão aí que estão na cidade mas que muitas
vezes não chegam de forma declarada, explícita no campo por causa do
conservadorismo, então como a gente traz essas pessoas assim, pra ver
que existe uma outra forma de vida?” Entrevistada D1
Eles entraram recentemente no grupo Jaracatiá, a cerca de cinco meses, mas
como não produzem muito excedente ainda, eles fazem a feira levando os produtos
de um outro membro do grupo que produz uma grande variedade de alimentos, mas
que não tem disponibilidade para estar na Feira Ecológica. Assim, recebem em troca
alimentos e produtos deste outro sítio, além de firmarem parcerias nas atividades
agrícolas de ambos os sítios. Tal procedimento demonstra a possibilidade de trocas
diversas dentro do escopo da economia comunitária que não envolve dinheiro em
espécie. Atualmente, como não estão produzindo suficientemente para
comercialização, a renda do sítio provém da venda da resina dos Pinus, do apoio
financeiro das famílias, e da colaboração espontânea das pessoas que recebem.
4.1.5 Sítio V
“Ali foi quando tudo que eu tinha estudado no mestrado eu comecei a ver
que não era tão bonito como eu achava. A autogestão era um pouco mais
complicada do que eu imaginava. E que a vida na periferia, especialmente
dos catadores era bem dura, a ONG e a Cooperativa tinham projetos
participativos, mas era difícil fazer esse entremeio, devido as diferentes
realidades, dificuldades em vários setores.” Entrevistado E2
42
“daria pra fazer vários programas, formação para o grupo, formação para a
comunidade, daria pra várias pessoas acessarem, principalmente no
quilombo do Sopapo. Daí aconteceu o golpe de 2016, Temer assumiu, e
acabou com o Ministério da Cultura, e então ocorreram as ocupações,
caos...(...) Temer assume: caos político – a gente sentindo que tudo só ia
piorar, Porto Alegre estava sentindo muito profundamente, porque também
a parte da administração municipal assim já vinha mudando muito para um
lado que não era bom pra ninguém, em termos de políticas públicas”.
Entrevistada E1
Eles contam que a situação não estava boa para nenhum dos dois nesta época,
vivendo em Porto Alegre, e refletiam sobre o futuro que queriam para si e para seus
filhos. Ambos estavam frustrados, não só com dificuldades da zona urbana, mas
também com as questões políticas.
Porto Alegre. Essa propriedade era da mãe da entrevistada E01, portanto muito
frequentada por ela desde a adolescência, quando iam aos finais de semana e nas
férias. Depois com as crianças bem pequenas, ainda houve um período que
frequentaram este sítio em Guaíba antes de ser vendido. Neste momento da
entrevista, quando falávamos sobre essa ligação com o campo e sobre esse retorno à
zona rural, um dos filhos do casal participou da conversa dando o seguinte relato:
“Daí a gente voltou à ativa do interior! – A origem da nossa vida era o
interior, não era a cidade. Só que a gente nasceu em Porto Alegre. Não sei,
por que eu já era nascido, quando eu só morava em Guaíba. Eu achava que
eu tinha nascido no interior. Por que minha primeira visão que eu tinha
estava em Guaíba. (filho do casal entrevistado, 8 anos)
[...] Hoje, mesmo estando morando na zona rural, ainda temos uma ligação
bem forte com a cidade. Mesmo sendo uma cidade pequena. O que eu acho
que é diferente para a gente ter vindo, é justamente, não largar certas
coisas. Como por exemplo, a escola, atividades como ballet, natação... não
somos autossuficientes, gostamos de ir para a cidade, participar de eventos,
de atividades culturais.” Entrevistada E1
Importante salientar que foi neste sítio, há dois anos, que foi feito um mutirão
para construção do telhado vivo do alojamento/ dormitório. Neste dia, diversos neo-
rurais se encontraram e formaram uma rede a Rede La Negra, que surgiu com o
objetivo de conectar diversas pessoas e propriedades com propósitos ecológicos e que
estavam em busca de sustentabilidade ou simpatizavam com a ideia. Na época,
percebendo que uma das dificuldades nos sítios era o afastamento e a falta de mão-
de-obra, a Rede La Negra servia para realização de mutirões cuja natureza das
atividades variava de acordo com as necessidades de cada sítio participante.
menos de um módulo fiscal10. Todos os sítios possuem uma parte do terreno destinada
a preservação ambiental, que varia de 3 a 5 hectares, o que confirma e reforça o
quanto a preocupação com a preservação ambiental está presente.
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Módulo fiscal - é uma unidade territorial agrária, fixada por cada município brasileiro, baseada na Lei
Federal no. 6.746/79, procura refletir a área mediana dos Módulos Rurais dos imóveis rurais do
município. Para Rolante, um módulo equivale a 18 hectares INCRA (2019).
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A faixa etária dos entrevistados está entre 21 e 55, com uma média de 35,2
anos. Cabe ressaltar que foram entrevistados somente pessoas adultas, salvo um
momento em que o filho de uma entrevistada entrou na conversa, seu comentário foi
citado dada a relevância de sua observação, mas este não foi contabilizado como
entrevistado.
Quanto a naturalidade de cada entrevistado, foi encontrado que 50% são
naturais de Rolante e que 50% são de outras cidades e/ou de outros estados. Isto
mostra que, de forma geral, os neo-rurais não buscam apenas sair da cidade grande,
mas procurem por ambientes rurais, distantes das grandes cidades e das zonas
urbanas de sua origem, levando em consideração outro critérios para escolha de local,
tais como a existência de espaços abertos a nova iniciativas e que congreguem outros
sujeitos com interesses afins.
Em relação ao grau de escolaridade, 40% dos entrevistados tem Ensino Superior
completo; apenas um deles está cursando o final da graduação, e portanto é possível
afirmar que 70% iniciaram algum curso superior. Apenas 20% parou após terminar o
Ensino Médio e 10%, neste caso apenas um indivíduo, não concluiu o Ensino
Fundamental. Muitos autores reforçam que os neo-rurais costumam migrar para o
campo depois de muita investigação teórica, e muito trabalho de pesquisa. A maioria
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das pessoas entrevistadas tem ensino superior, e mesmo os que não têm, relatam
estudar bastante, o que corrobora com alguns autores que afirmam que em sua
maioria essas iniciativas sempre vêm acompanhadas de muita fundamentação teórica
e muitas vezes formação acadêmica (KARAM, 2004; RIBEIRO, 2013, ROSEMAN,
CONDE e PEREZ, 2013).
Uma questão importante mencionada nos cinco casos estudados é a questão
da preocupação com a qualidade dos alimentos. Hoje em dia trata-se de uma
preocupação crescente com a segurança nutricional e segurança alimentar, com o
objetivo de promover a saúde das pessoas (MALUF e MENEZES, 2000).
Nas palavras de Ratier (2002):
La preocupación sanitaria y ecológica frente a los alimentos producidos
con aporte químico, hormonal y la consiguiente valorización de la
agricultura orgánica o la cría natural de animales, aumentan el
predicamento de esta particular “vuelta al campo”, que modifica las
condiciones demográficas y culturales de la campaña (RATIER, 2002.
p. 27).
Cabe ressaltar que na maioria dos casos, estes sujeitos apresentam em comum
a valorização do meio rural, a preservação e conservação ambiental, (CARVALHO,
2006; FERNANDES, 2011), e, muitas vezes também, entre as ideologias envolvidas,
estão questões de cunho espiritual. Estes aspectos, no estudo de Roseman, Conde e
Perez (2013), esclarecem como a multiplicidade dos agentes protagonistas dessas
novas ruralidades tem mudado a imagem do rural.
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(BRANDEMBURG et al, 2004, p. 123). Dessa forma suas práticas devem ser orientadas
visando a preservação dos recursos naturais, e diminuindo assim as pressões
antrópicas.
Nesse ínterim, emerge um dado crucial que permeia toda a presente
investigação: a importância das relações pessoais no âmbito da organização social, e
a criação de processos em conjunto. Além disso, todos os grupos e coletivos criados
pelos neo-rurais no presente estudo, tem como viés principal a preservação e a criação
de sistemas sustentáveis. Silva (2001), destaca:
O enfoque do desenvolvimento local pressupõe que haja um mínimo
de organização social para que os diferentes sujeitos sociais possam
ser os reais protagonistas dos processos de transformação de seus
lugares (SILVA, 2001, p. 46).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
6 REFERÊNCIAS
FURTADO, Rafael Caselli; VERAS, Liege Camila Pistore; FILHO, Gerson Felipe Costa;
VUOLO, Ísis Martins; OLIVEIRA, José Eduardo de; CARUZO, Juliana; VIEIRA, Lucas
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morar no campo - Interior vem atraindo pessoas que buscam novas alternativas
de trabalho e contato com a natureza. 24/12/2016. Disponível em:
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SILVA, José Graziano, Velhos e novos mitos do rural brasileiro. Estudos Avançados
(p. 37 – 50) - 15 (43), 2001.
APÊNDICE 01
Mapa de localização do Município de Rolante/RS, mostrando a localização dos sítios
visitados.