Miolo-Vale Do Rio Branco Ebook PDF
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Silvana Túlio Fortes
Teresa Cristina E. dos Anjos
Wagner da Silva Dias
EDUFRR
Boa Vista-RR
2017
Copyright © 2017
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos
direitos autorais (Lei n. 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
EXPEDIENTE
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Reitor: Organizadores
Jefferson Fernandes do Nascimento Maurício Elias Zouein
Vice-Reitor: Andréa Casa Nova Maia
Américo Alves de Lyra Júnior Foto da Capa: George Huebner
CDU – 77.039
O poeta amazonense Thiago de Mello, como parte de sua pro�ícua criação artística escreveu “Como um rio”. Neste poema, o autor atribui ao rio a prerrogativa de decifrar o segredo
do chão, sendo ainda mais inspirador ao dizer:
A obra “Vale do Rio Branco: edição especial com estudos críticos”, organizada pelo professor da Universidade Federal de Roraima, Maurício Elias Zouein em parceria com a
professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Andréa Casanova Maia se conecta ao poema, não pelo gênero literário, e sim pelo propósito que move um segmento
importante dos estudos históricos, aquele que recua o olhar no tempo para compreender nessas “funduras” os “segredos do chão” sobre o qual socialmente navegamos.
Neste caso, organizar e prover criativamente uma nova linha de acesso à edição o�icial da obra de Jacques Ourique, datada de 1906, com um rico dispositivo imagético, por meio
das fotogra�ias de Georg Huebner & Amaral, nos transporta para um tempo remoto da nossa própria sociedade. De tal modo que o presente ensaio oferece aos leitores a
oportunidade de perceber e/ou reiterar a importância do Rio Branco e seus a�luentes como marca de identidade a tracejar um processo dinâmico de formação de uma região,
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I
Agradeço a ajuda inestimável dos professores
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Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino
Dra. Gioconda Santos e Souza Martinez
Dr. Jefferson Fernandes do Nascimento
Dr. Vladimir de Souza
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Apresentação I
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Estudos críticos
Diferença e repetição :
um álbum europeu e uma paisagem brasileira nos paradoxos da República e da imagem fotográ�ica. 127
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Estudos críticos
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Diferença e repetição :
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um álbum europeu e uma paisagem brasileira nos paradoxos da República e da imagem fotográ�ica
Maurício Zouein
Andréa Casa Nova Maia
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“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos. Não cruzarás o mesmo rio duas vezes, porque outras são as
águas que correm nele."
Heráclito de Éfeso
Diferença e repetição:
um álbum europeu e uma paisagem brasileira nos paradoxos da República e da imagem fotográfica
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perspectivas, os percursos. Apesar da edição do Álbum terminar apenas em 1906 as fotografias
variam entre 1894, resultado da primeira viagem de Huebner ao Vale do Rio Branco, e 1904 quando
fez parte da comitiva de Constantino Nery na condição de fotógrafo da expedição. Por isso, a epígrafe
de Heráclito de Éfeso fala dos sujeitos históricos e da natureza em movimento. O rio e a fotografia
estão em movimento.
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A parte textual do álbum reflete esse discurso de progresso, pois traça um
detalhado perfil da região, trazendo dados contemporâneos à época sobre a geografia e a
necessidade de abertura de estradas e melhoria da navegação fluvial, mas também
apresenta em minúcias a economia e as fazendas, o índio, o estancieiro, o transporte, a
agricultura, chegando até a fornecer coordenadas astronômicas.
Cabe destacar aqui como o texto constrói uma narrativa em sintonia com os
ditames da República. Em vários momentos, o texto cita inclusive trechos da Constituição.
Era necessário povoar aquela região. A República deveria povoar o território e demarcar
melhor as fronteiras.
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O Amazonas, particularmente Manaus, vivia o auge da Belle Époque. A exploração da borracha rendia um estilo de vida onde se procurava em quase tudo
imitar a cultura europeia. Os prédios, praças, ruas e bondes representavam as obras do governo sustentadas pelos impostos do comércio cujas vendas de roupas,
perfumarias e acessórios até as bebidas, charutos e cigarrilhas eram signo do bom gosto europeu que consumia a cultura local. Por sua vez as exportações se
traduziam no predomínio da borracha. Quase oitenta por cento da carne bovina consumida em Manaus era fornecida por parte das criações nos lavrado do alto
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Rio Branco. Constantino Nery, percebendo a importância daquele Vale, se empenhou em divulgar a capacidade que o governo amazonense possuía em levar o
progresso para aquelas paragens. Para tal empreitada convidou o Major Jacques Ourique (1848-1932) para produzir um estudo sobre o “Valle do Rio Branco”.
Alfredo Ernestro Jacques Ourique entrou para o Exército em 1864.
Combateu os paraguaios entre 1867 e 1870. A Guerra do Paraguai lhe rendeu a
condecoração da Ordem do Cavalheiro da Rosa em 1868 e a promoção a 2º
Tenente por atos de bravura em 1869. Ao término da Guerra, Ourique passou a
cursar engenharia militar entre os anos de 1871 e 1876. Recebeu a promoção de
Major em 1875. Sete anos mais tarde lançaou com seus colegas, o Major Antônio
Vicente Ribeiro Guimarães e o Capitão Francisco Agostinho de Mello Souza
Menezes, a Revista do Exército Brasileiro, o que pode explicar o convite de
Constantino Nery, também engenheiro militar, para acompanhar a comitiva ao
“Valle do Rio Branco” em 1904. Ourique atuou ativamente no movimento
republicano: 1889 - Secretário de Deodoro da Fonseca; em, 1890 - eleito
deputado ao Congresso Constituinte pelo Distrito Federal e em 1891 - nomeado
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George Huebner (em pé a esquerda) na parte dos fundos da Fotografia
Alemã. 1904/ 1905.
Fonte: Acervo de Marburg – Alemanha.
Huebner inaugura o estúdio “Photographia Allemã” em 1899, localizado bem a frente do Palácio do Governo numa época em que a borracha sustentava e
proporcionava transformações culturais, sociais, politicas e econômicas na capital do Amazonas. O fotografo se vê em meio a uma necessidade social pela
informação: retratos, cartões de visita, anúncios publicitários e álbuns para particulares ou para o governo. Dentre os álbuns produzidos encontramos o “Valle do
Rio Branco” produzido para relatar a viagem de Constantino Nery e comitiva ao extremo norte do País.
Editado por Felipe Augusto Fidanza em 1902, capa revestida de tecido vermelho, com o título
escrito em letras douradas e possui 189 páginas. George Huebner trabalhou como fotografo
para Fidanza durante a produção do Álbum.
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Na Amazônia os álbuns oficiais, entre os séculos XIX e XX, foram editados com o interesse dos governantes locais em registrar o desenvolvimento que
propiciaram aos seus estados. Fosse ao cenário urbano ou rural, as ações governamentais deveriam ser expostas para a Nação. O fotógrafo, a câmera fotográfica e
a fotografia cumpriam seus papéis, registravam, documentavam e construíam a imagem do extremo norte do Brasil. Em Roraima, no início do séc. XX, a maior
fonte de renda era o gado de corte e as seringueiras pouco existiam na região. As comunidades indígenas cultivavam e caçavam seus alimentos. Os não índios se
preocupavam com terras, fazendas e gado.
As fotografias na Amazônia, que antes dependiam da qualidade do estúdio, dos equipamentos que davam suporte a câmera, das claraboias responsáveis
pela iluminação, dos cenários pintados com diversas paisagens ou dos tecidos geralmente importados, passaram a revelar o cotidiano de indígenas e negros que
viviam em lugares inóspitos. As pessoas, as cidades, as florestas, os rios, as plantas, os animais e o pôr do sol passaram a ser fotografados por exploradores,
pesquisadores, viajantes e fotógrafos profissionais contratados por governos locais.
Em 1867 o ateliê Fidanza & Cia. situava-se no centro comercial da cidade de Belém. Primeiro no Largo das Mercês no6, depois mudou-se para a Travessa
Santo Antonio no21 e, por fim, em 1890, na Rua Conselheiro João Alfredo no22. Fidanza destacou-se nas carte de visite e nas cartes cabinet. A primeira consistia de
uma fotografia revelada por meio de impressão albumina e colada em um cartão de papel com gramatura elevada medindo 10 cm x 6,5 cm. A segunda possuía um
tamanho pouco maior 13 cm x 8,5 cm.
Com 85 pranchas fotográficas o álbum “Valle do Rio Branco” possui 131 páginas, com
o texto de Jacques Ourique e um mapa do também fotógrafo Ermanno Stradelli. Huebner
recebeu a Medalha de Ouro na exposição nacional de 1908 no Rio de Janeiro.
13 fotografias de fazendas
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09 fotografias com a comitiva e moradores da região
02 fotografias de seringais
O “Valle do Rio Branco” acompanha a série de produções de álbuns cuja finalidade era mostrar a capacidade de civilizar, da riqueza arquitetônica, do
progresso e do exótico. Porém, contra a correnteza anunciatória das benesses da exploração da borracha surge um álbum que destaca a cultura bovina.
As fotografias do álbum estão nas cores preto & branco, o que as faz interpretar o visível em tons de cinza e levam aqueles que as admiram, a ter as cores
por supostas, demonstrando claramente de que forma as teorias da ótica e da fotoquímica estão em sua origem. Esse comentário nos faz pensar nas confusões
entre o real e o imaginário.
As preocupações de Huebner não se restringiam apenas aos equipamentos de captação da imagem. A criatividade e a capacidade de um homem culto
foram demonstradas na diagramação do álbum Valle do Rio Branco. O projeto gráfico denota um antagonismo entre o que as imagens nos revelam e seu entorno
– molduras – e enquadramentos de diferentes tipologias demonstram o domínio de técnicas gráficas de um art nouveau germânico ou como era conhecido:
Movimento Jugendstill. que recebeu influências de Paul Gauguin (1848 – 1903), Van Gogh (1853 – 1890), Georges Seurat (1859 – 1891) e pintores franceses
denominados Nabis.
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A narrativa fotográfica proposta por Huebner no Álbum Vale do Rio Branco chama atenção com a propositura do fotógrafo na construção de histórias em
ordem cronológica. As fotografias divulgam o lugar, mas também a relação do governador com os habitantes desse lugar. O leitor do álbum acompanha a viagem
do governador que posava ao lado de fazendeiros e peões na beira de rios e ruínas de um forte. O governador encarnava o símbolo de um desbravador. Queria ele
se colocar como um herói da República?
Mas o fotógrafo ainda nos reservava uma surpresa. Nas últimas páginas do Álbum, encontramos as imagens fotográficas daqueles que contribuíam para
o progresso e civilização na Amazônia brasileira. O primeiro em destaque é o Vaqueiro. O estranhamento acontece se pensarmos que o contexto de 1904 era
enaltecer o seringueiro e seu esforço em meio à floresta Amazônica. Porém, era projeto do governo de Constantino Nery incentivar a cultura do gado de corte no
interior do Amazonas. Basta recorrer ao número de Imagens fotográficas relacionadas a fazendas e a qualidade do gado dispostas no Álbum. Em seguida o
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fotógrafo presta uma homenagem às comunidades indígenas que habitavam a região do Vale do Rio Branco. Fosse para mostrar um pretenso herói republicano,
as fazendas e a qualidade do gado nelas conduzidos pelo vaqueiro ou homenagear a cultura indígena, o fato é que Huebner foi o primeiro a fazer um registro
fotográfico de forma sistemática no então “Valle do Rio Branco”.
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Agradeço a ajuda inestimável dos professores
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Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino
Dra. Gioconda Santos e Souza Martinez
Dr. Jefferson Fernandes do Nascimento
Dr. Vladimir de Souza
A imagem ao lado mostra uma comitiva formada por
autoridades brasileiras e guyanenses, então fotografadas às O valor simbólico da fotografia
margens do rio Maú, cujo um dos a�luentes é o rio Pirara, no entre margens a imagem da fronteira.
ano de 1904. A imagem sugere algo de cerimonioso, o que
não poderia ser diferente, dadas as condições o�iciais do
encontro. A foto guarda elementos contextuais, de fundo
político e também de relações internacionais que envolvem o
clima, os discursos e, talvez, os horizontes vislumbrados pelos
membros daquele séquito.
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natureza do artigo, que é indicador de reflexões sobre o contexto histórico da foto.
A Questão do Pirara surgiu na primeira metade do século XIX, mais precisamente na década
de 1830, e se relacionava a formação de fronteiras. O assunto está fortemente ligado à figura do
explorador saxão Roberto Hermann Schomburgk. Ele sugeriu um novo traçado para a então Guiana
Inglesa, depois de pesquisas e visitas à colônia britânica na América do Sul. A proposta desse
pioneiro ficou conhecida como Schomburgk line, a qual adentrava territórios do Brasil e Venezuela,
tendo sido imediata e inesperadamente adotada como limite oficial pelo governo da nação europeia.
A adoção desses limites por parte dos britânicos gerou suposições das mais diversas, ainda
mais quando as explicações dos principais atores foram evasivas e as fontes de investigação deixam
dúvidas quanto aos interesses envolvidos na questão. Como sugere José Theodoro Mascarenhas
Detalhe do Grupo na fronteira da Guyana Ingleza – O Governador
com a mão na cintura. Ao lado, apontando para o horizonte, esta o
Menck (2009, p. 26), a colônia inglesa tinha pouca importância econômica. O Ministro de
fotografo. Estrangeiros à época, lorde Salisbury, teria dito a um advogado brasileiro que o território do seu
Fotografia de George Huebner 1904
país na América do Sul era uma área sem uma única vaca.
Mesmo com o desprezo do burocrata e nobre britânico, o
assunto evoluiu até o ano de 1904 quando a diplomacia brasileira, como
visto, foi derrotada pelos interesses ingleses. No entanto, não fica claro
como o futuro sir Schomburgk logrou encetar uma contenda territorial
internacional sem alusão a dúvidas geográficas e limites imemoriais.
Ressalta-se ainda que ele era apenas um desbravador vinculado a uma
sociedade científica privada.
Mais de 110 anos ocultaram o valor simbólico desta imagem. De forma inédita revelamos para o leitor a história do contexto em que a fotografia foi
produzida . Quantos segredos ainda se conservam escondidos por entre as páginas do Álbum Vale do Rio Branco?
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