Seguranca Pública Territórios Tradicionais No Amazonas - Verdum e Vieira - 2021

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SEGURANÇA PÚBLICA EM

TERRITÓRIOS TRADICIONAIS
NO ESTADO DO AMAZONAS

24 DE NOVEMBRO 2021
FICHA TÉCNICA

Autoria:
Ricardo Verdum
Renata Corrêa Vieira

Fotos: Tião Júnior


Revisão: Carmem Menezes
Diagramação: Yara Baylão
SUMÁRIO

SIGLAS E ABREVIATURAS

RESUMO EXECUTIVO

INTRODUÇÃO
I. A segurança territorial e dos povos indígenas e comunidades tradicionais na região
do médio e alto Rio Negro
1 Introdução
2 Breve caracterização da região e da população: territórios e territorialidades do/no alto e
médio rio Negro
3 A dinâmica de ocupação, a economia agroextrativista legal e ilegal e as interações com
a infraestrutura no médio e alto rio Negro
3.1 Aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos da ocupação do alto rio Negro
3.2 Aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos da ocupação do médio rio Negro
4 As principais ameaças aos direitos territoriais e à vida das pessoas dos povos indígenas
no rio Negro
4.1 Invasões possessórias
4.1.1 Invasão para rota de tráfico de drogas
4.1.2 Garimpo ilegal e exploração mineral
4.1.3 Caça e pesca predatória
4.1.4 Extração da piaçaba
4.1.5 Comércio de bebida alcóolica
4.1.6 Imigração
4.1.7 Turismo não regulamentado
4.2 Crimes que ocorrem dentro das terras indígenas
4.3 Outras ameaças
4.3.1 Alcoolismo
4.3.2 Suicídio
4.3.3 Precário atendimento da saúde indígena
4.3.4 Migrações
5 A atuação da Segurança Pública na defesa dos territórios tradicionais e a interação com
os povos indígenas e PCTs
5.1 Coordenação Regional do Rio Negro – FUNAI (CR-RNG)
5.2 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
5.3 Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Federal
5.4 Exército Brasileiro
6 As principais demandas de política e ação pública para o fortalecimento da segurança
das comunidades tradicionais em seus territórios
7 O papel e as potencialidades dos jovens e mulheres indígenas na articulação e criação
de modelos alternativos de segurança
SUMÁRIO

8 Outras pautas com efeito indireto na proteção dos territórios com potencial de fortalecer
as capacidades e potencialidades locais
9 Recomendações concretas ao MPF, à sociedade civil organizada, às associações indíge-

nas e de PCT
9.1. Recomendações ao MPF
9.2. Recomendações à sociedade civil organizada
9.3. Recomendações às associações indígenas
10 Considerações Finais
II. A segurança territorial dos povos e comunidades tradicionais na região do Rio
Madeira / BR-319
Introdução
1.Identificação do caso
2.Terras e populações indígenas: riscos e ameaças
3.Unidades de conservação: riscos e ameaças
4.Consultas, audiências e protocolos
5.Protocolos de Consulta
6.Pressões e ameaças mais além do local
7.A difícil relação com as forças públicas de segurança
8.Fortalecer e ampliar as articulações na defesa das pessoas e territórios tradicionais
9.Considerações Finais
10.Recomendações
III − Consolidação das recomendações para ambas as regiões
1.Região do Alto Rio Negro
2.Região do Rio Madeira/BR-319
3.Em nível estadual

ANEXO 1

Considerações/Recomendações adicionais após apresentação do Diagnóstico

ANEXO 2

ANEXO 3

ANEXO 4

Referências Bibliográficas – Diagnóstico Alto e Médio Rio Negro

Referências Bibliográficas – Diagnóstico Rio Madeira


SIGLAS E ABREVIATURAS

ABA Associação Brasileira de Antropologia


ACIBA Associação das Comunidades Indígenas de. Barcelos
ACIMRN Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro
ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AM Amazonas
ANM Agência Nacional de Mineração (ex-DNPM)
ANTAQ Agência Nacional de Transporte Aquaviário
AP Áreas Protegidas
APIB Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
APIJ Associação do Povo Indígena Jiahui
APITEM Associação do Povo Indígena Tenharim-Morogita
APITIPRE Associação do Povo Indígena Tenharim do Igarapé Preto
AYRCA Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes
BEC Batalhão de Engenharia e Construção
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Mundial
CATRAPOA Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos do Amazonas
CCPLI Consulta e ao consentimento prévia livre e informada
CI Componente Indígena
CIMI Conselho Indigenista Missionário
COE Comando de Operações Especiais
COIAB Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica
CPLI Consulta Prévia Livre e Informada
DAJIRN Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas do Rio Negro

DER Departamento Estadual de Rodagem


DMIRN Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro
DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
DOU Diário Oficial da União
DPE-AM Defensoria Pública do Estado do Amazonas
DPU Defensoria Pública da União
DSEI Distrito Sanitário Especial Indígena
ECI Estudos do Componente Indígena
SIGLAS E ABREVIATURAS

FES Floresta Estadual


FLONA Floresta Nacional
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FOCIMP Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus
FOIRN Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro
FPA Frente Parlamentar da Agropecuária
FUNAI Fundação Nacional do Índio
GT Grupo de Trabalho
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio Instituto Chico Mendes da Biodiversidade
IIEB Instituto Internacional de Educação do Brasil
IPAAM Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ISA Instituto Socioambiental
KURIKAMA Associação Yanomami Kurikama
ME Ministério da Economia
MInfra Ministérios da Infraestrutura da Economia
MPF Ministério Público Federal
OBR-319 Observatório da BR-319
OIBI Organização Indígena da Bacia do Içana
OIT Organização Internacional do Trabalho
OPIAJ Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi
OPIAJBAM Organização dos povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre
OPIPAM Organização do Povo Indígena Parintintin do Amazonas
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
PAC Plano de Aceleração do Crescimento
PADDD Recategorização, redução e extinção de áreas protegidas (sigla em inglês)
PAREST Parque Estadual
PARNA Parque Nacional
PBAI Plano Básico Ambiental Indígena
PGR Procuradoria Geral da República
PGTA Planos de Gestão Territorial e Ambiental
SIGLAS E ABREVIATURAS

PIC Projeto Integrado de Colonização


PIN Programa de Integração Nacional
PLC Projeto de Lei Complementar
PNAE Plano Nacional de Alimentação Escolar
PNGATI Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável
REBIO Reserva Biológica
RESEX Reserva Extrativista
RO Rondônia
SAM Sistema de alerta e monitoramento
SECOYA Associação Serviço e Cooperação com Povo Yanomami
SEGAT Serviço de Gestão Ambiental e Territorial
SEMA Secretaria de Estado de Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
TI Terra Indígena
UC Unidade de Conservação
RESUMO EXECUTIVO

Este documento tem por objetivo apoiar o Ministério Público Federal e os integrantes do
Grupo de Trabalho de Segurança Territorial dos Povos e Comunidades Tradicionais,
constituído em 2021 sob a coordenação da Procuradoria da República no Estado do
Amazonas/5º Ofício. Baseia-se em dois estudos de caso: o primeiro foi desenvolvido na
Região do Alto Rio Negro; o segundo foi realizado da região afetada pela BR-319
(Rodovia Manaus/Porto Velho). Foram utilizados, como fonte de informações e ideias,
diferentes tipos de documentos oficiais e de outras fontes (audiovisuais e escritos);
consultas, conversas e entrevistas com diferentes atores sociais; e as reuniões realizadas
pelo MPF com integrantes do GT, no total de três. Além de informações e análises de
cada situação específica e das pressões e ameaças incidentes sobre os povos indígenas e
comunidades tradicionais e seus territórios, os autores apresentam um conjunto de
recomendações de ação de curto e de médio prazo, abarcando o MPF e outros órgãos e
agências públicas, a sociedade civil organizada e os movimentos sociais indígenas e de
comunidades tradicionais.

6
INTRODUÇÃO

Este documento tem por objetivo apoiar o Ministério Público Federal (MPF) e os
integrantes do Grupo de Trabalho de Segurança Territorial dos Povos e Comunidades
Tradicionais, constituído em 2021 sob a coordenação da Procuradoria da República no
Estado do Amazonas / 5º Ofício.
Visa contribuir com informações, análises e recomendações em um contexto
caracterizado:
 pelo aumento das denúncias de violações e ilícitos dentro de territórios tradicionais;
 pelo desmonte dos órgãos e instrumentos de defesa ambiental e dos direitos dos
povos e das comunidades indígenas e tradicionais;
 pelas dificuldades operacionais das agências públicas (infraestrutura, barco, motor,
combustível etc.);
 pela inexistência de efetivo capaz de estabelecer diálogo com população etnicamente
diferenciada;
 pela incapacidade de os órgãos públicos darem resposta adequada de fiscalização.
Além disso, considera agressões e violações de direitos pela polícia, como contra
o povo Tikuna no alto rio Solimões, do povo Sateré-mawé em Maués/AM, as recentes
violações por parte da polícia militar no rio Abacaxis, as denúncias constantes do alto rio
Negro, entre outras.
O documento traz dois estudos em que são explorados e analisados aspectos da
segurança territorial e das populações em Terras Indígenas (TIs) e Unidades de
Conservação (UCs) em duas regiões do estado do Amazonas, uma situada na sua porção
noroeste e outra na sua porção sul/sudoeste. O primeiro foi desenvolvido na região do
médio e alto Rio Negro; o segundo foi realizado na região afetada pela BR-319 (Rodovia
Manaus/Porto Velho). Duas abordagens disciplinares se debruçam sobre regiões
ambientalmente distintas, dois palcos de diferentes processos históricos de configuração
sociocultural, política e econômica, lembrando que ambas as regiões foram palco de obras
de infraestrutura (estradas) e colonização nos anos 1970 e que esta intervenção
estabeleceu nova dinâmica de transformação com desdobramentos até os dias de hoje. No
primeiro caso, a BR-210/307, a Rodovia Perimetral Norte; no segundo, a mencionada
Rodovia BR-319.1

1
Cf. OLIVEIRA, 2019.

7
Para sua realização, foram utilizados, como fonte de informações e ideias,
diferentes tipos de documentos oficiais e de outras fontes (audiovisuais e escritos);
consultas, conversas e entrevistas com diferentes atores sociais; e as reuniões realizadas
pelo MPF com integrantes do GT, no total de três.
Além de informações e análises de cada situação específica e das pressões e
ameaças incidentes sobre os povos indígenas e comunidades tradicionais e seus
territórios, os autores apresentam um conjunto de recomendações de ação de curto e
médio prazo, dirigidas ao MPF e a outros órgãos e agências públicas, à sociedade civil
organizada e aos movimentos sociais indígenas e de comunidades tradicionais das
unidades territoriais selecionadas.

8
Capítulo 1 − A segurança territorial e dos povos indígenas e
comunidades tradicionais na região do médio e alto Rio Negro

Renata Corrêa Vieira2

1 Introdução

A segurança pública nos territórios tradicionais é tema que gera muitos conflitos
em toda a Amazônia. Embora a região do alto e a do médio rio Negro possuam a maior
parte do seu território como terras indígenas já demarcadas, algumas ainda não tiveram
seus processos de demarcação concluídos. Mesmo havendo a consolidação da situação
jurídica da maioria dos territórios tradicionais nesta região, recaem sobre elas diversos
tipos de ameaças de terceiros que a afetam diretamente e colocam em risco a vida dos
povos indígenas e seus direitos territoriais.
Invasões de garimpo ilegal de ouro nas calhas dos rios afluentes do rio Negro −
e no próprio curso do rio Negro −, invasões de narcotraficantes, operadoras de turismo
que trabalham ilegalmente dentro das terras indígenas, comércios de bebida alcoólica,
entre outras ameaças, somadas à ausência de fiscalização, de monitoramento e de combate
ao crime pelos agentes da segurança pública, têm levado à degradação da vida indígena
nesta região, que constitui ameaça não apenas ao território, mas à própria existência dos
povos indígenas, na medida em que tais atividades geram impactos diretos nos modos de
reprodução social da vida desses povos.
Nos últimos dois anos, em especial após a pandemia de Covid-19 (março/2020),
observa-se um recrudescimento da violência nesses territórios tradicionais. As ameaças
têm-se tornado cada vez mais frequentes, dado o desmonte da política pública voltada à
população indígena e ao sucateamento dos órgãos de fiscalização do meio ambiente,
como Ibama e ICMBio, e indigenista, como a Funai, além de uma atuação da Segurança
Pública muito deficitária nesta região. Nesse sentido, torna-se urgente e necessário
compreender a realidade na qual vivem os povos indígenas e demais povos e comunidades
tradicionais nessa região, em relação aos seus direitos territoriais, a fim de que se possa

2
Advogada. Consultora jurídica. E-mail: [email protected];

9
cobrar do Poder Público medidas urgentes voltadas à proteção das territorialidades
existentes nesta região.
O objetivo geral desta pesquisa é realizar um diagnóstico da segurança pública,
a partir de aspectos jurídicos, nos territórios tradicionais na região do alto e do médio rio
Negro/Amazonas. Para isso, foram traçados os seguintes objetivos específicos: a)
identificar as causas e quais são as ameaças à segurança de povos indígenas e de povos e
comunidades tradicionais do alto e do médio rio Negro. Sistematizar e apresentar esses
resultados; b) identificar como os agentes da segurança pública respondem às ameaças e
à violência contra povos e comunidades tradicionais e quais ferramentas/mecanismos de
proteção territorial são acionados; c) identificar os limites, os desafios e as possibilidades
em relação à atuação dos agentes de segurança pública, bem como da política de
segurança pública nos territórios; d) investigar como se dá a relação entre os povos
indígenas/comunitários e os representantes das instituições de Segurança Pública no
Amazonas; e) identificar boas práticas e iniciativas existentes sob a forma de instrumentos
jurídicos e comunitários em relação à proteção nos territórios; e f) realizar recomendações
aos agentes da Segurança Pública, MPF, atores da sociedade civil, organizações indígenas
e de povos e comunidades tradicionais.
Para a realização do estudo, foi utilizada a metodologia qualitativa, com
incursões em documentos produzidos por organizações indigenistas, indígenas e pelo
Poder Público. Utilizaram-se documentos oficiais e denúncias, que foram compartilhados
em caráter de sigilo, razão pela qual se preservarão os dados da fonte. Da mesma maneira,
foram realizadas nove entrevistas semiestruturadas a lideranças indígenas, representantes
das associações e organizações indígenas que atuam na região, bem como funcionários
de instituições públicas, cujos nomes, ocupação e outras informações não serão revelados
por questões de segurança das pessoas entrevistadas.
Por fim, foram incorporadas, metodologicamente, neste trabalho, as impressões
e observações da presente consultora, que atua como advogada no Programa Rio Negro
do Instituto Socioambiental, em São Gabriel da Cachoeira, e como assessora jurídica da
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).

2 Breve caracterização da região e da população: territórios e territorialidades


do/no alto e do/no médio rio Negro

10
A região do alto e a do médio rio Negro são habitadas há pelo menos três mil
anos por um conjunto diversificado de povos indígenas. Cerca de 23 povos indígenas,3
que falam idiomas pertencentes a quatro famílias linguísticas distintas − Aruak, Maku,
Tukano Oriental e Yanomami − convivem nessa região, que é drenada pelo curso alto e
médio do rio Negro e seus afluentes, com destaque aos rios Uaupés (e seus afluentes
Tiquié e Papuri), Içana (e seu afluente Ayari), Curicuriari, Marié, Padauri, Uneuixi,
Caubauri, Marauiá, Xié e outros. Juntos, esses rios conformam a maior bacia de águas
negras do mundo4 (CABALZAR; RICARDO, 2006). A extensão territorial abrange os
municípios de São Gabriel da Cachoeira, no alto rio Negro, Santa Isabel do Rio Negro,
no médio rio Negro, Barcelos, no médio e baixo rio Negro, e Japurá, na bacia do rio
Japurá/Apapóris, mais ao sul, todos no estado do Amazonas. A oeste e a norte a região
faz fronteira com a Colômbia e com a Venezuela, respectivamente.
Atualmente, existem cerca de 750 povoações/aldeias (também chamadas
comunidades) indígenas, que variam desde pequenos sítios habitados por apenas um
casal, até grandes povoados com mais de mil pessoas, como é o caso de Iauaretê,5 distrito
na fronteira limítrofe com a Colômbia, no alto rio Uaupés. O total da população é de cerca
de 45 mil pessoas, incluindo as sedes municipais (IBGE, 2010). A maior parte da
população mora na zona rural, dividida entre povoados e sítios.
Note-se que, nessa região, tradicionalmente ocupada por povos ancestrais,
predomina a presença de indígenas. Vale dizer que o processo de colonização impôs
muitas migrações e deslocamentos forçados dentro do território, muitos tiveram de sair
do alto rio Negro para se estabelecerem no médio e no baixo rio Negro em razão dos
diversos ciclos econômicos que afetaram a região e a vida dos povos indígenas, seja
porque eram obrigados em razão da escravidão, seja porque fugiam dos diferentes
sistemas de exploração que eram implementados na região (CABALZAR; RICARDO,

3
Os 22 povos são: Tukano, Desana, Kubeo, Wanana ou Kotiria, Tuyuca, Pira-tapuia, Miriti-tapuia,
Arapaso, Karapanã, Bará, Siriano, Makuna, Baniwa, Kuripako, Baré, Werekena, Tariana, Hupda, Yuhupde,
Dow, Nadb, Yanomami (CABALZAR; RICARDO, 2006) e o povo Barassana é incluído nos documentos
oficiais da FOIRN, como sendo a 23ª etnia.
4
A bacia do alto rio Negro inclui território da Colômbia e Venezuela. Nesses países, a região também se
caracteriza por TI demarcadas e contíguas às TI Alto Rio Negro, rio Apapóris e Yanomami e ao Parque
Nacional Pico da Neblina. Na Venezuela, existe a Reserva de La Biósfera Alto Orinoco-Casiquiari. Na
Colômbia, existem vários resguardos indígenas que fazem fronteira com o Brasil, nos departamentos de
Guaiania, Vaupés, Guaviare e Amazonas (CABALZAR; RICARDO, 2006).
5
Iauaretê, além de ser um centro de ocupação tradicional dos Tariana e dos Tukano, abriga também grande
colégio estadual de ensino fundamental e médio e um pelotão de fronteira do Exército.

11
2006).6 A maioria das etnias que vivem nesta região é conhecida como “índios do rio”,
uma vez que, culturalmente, se organizam socialmente às margens dos rios e, nesse
sentido, ainda que tenham resguardado aspectos culturais e vivam às margens de rios, não
se pode atribuir exclusivamente a eles a identidade de povos e comunidades tradicionais
como “ribeirinhos”, pois, na verdade, são descendentes de povos originários. No
levantamento socioambiental realizado por ocasião dos Planos de Gestão Territorial das
TI na região, entre os anos de 2016-2018, no entanto, alguns se identificaram como
caboclos (FOIRN, 2021).
Atualmente, dos cerca de 23 milhões de hectares de rios e florestas que formam
o território socioambiental do rio Negro, 65% são constituídos por Terras Indígenas (TIs)
reconhecidas e Unidades de Conservação. São nove TIs, sendo oito delas contíguas. Duas
já foram declaradas, mas aguardam ainda o processo de demarcação física e homologação
(TIs Cué-Cué Marabitanas e Jurubaxi-Téa). A TI Uneuixi teve seu território ampliado e
foi declarada, em 2006, pelo Ministério da Justiça, mas aguarda ainda homologação.
Além dessas, há os territórios indígenas do curso médio e do baixo rio Negro, que estão
ainda em processo de identificação pela Funai e no foco da luta do movimento indígena
para que as demarcações sejam concluídas (FOIRN, 2021).

6
Nos últimos dois séculos de contato, muitos indígenas foram forçados a se estabelecer no baixo rio Negro
(cidades de Novo Airão e Barcelos) ou para as cidades de Manaus ou Belém, assim como migrantes de
outras regiões (maioria nordestinos e paraenses) se estabeleceram na região. (CABALZAR; RICARDO,
2006)

12
Fonte: FOIRN, 2021, p. 21.

A seguir, temos uma lista das terras indígenas e a situação jurídica de cada uma
delas:
Terra Indígena (TI) Extensão em hectares Situação jurídica

Alto Rio Negro 8.026.994,80 Homologada em 1998

Médio Rio Negro I 1.808.390,85 Homologada em 1998

Médio Rio Negro II 317.610,47 Homologada em 1998

Rio Apapóris 108.258.82 Homologada em 1998

Rio Téa 415.433,93 Homologada em 1998

Balaio 261.400,24 Homologada em 2009

Uneiuxi (com ampliação) 553.125,69 Declarada em 2006

Cué-Cué Marabitanas 788.826,94 Declarada em 2013

Jurubaxi-Téa 1.212.199,98 Declarada em 2017

Em relação às Unidades de Conservação, essas estão mais concentradas nos


baixos cursos do rio Negro e afluentes, com exceção do Parque Nacional Pico da Neblina

13
e da Reserva Biológica Morro dos Seis Lagos, nas regiões do médio e do alto rio Negro.
O Pico da Neblina possui mais de dois milhões de hectares e é o terceiro maior Parque
Nacional do Brasil, sendo que sua área se sobrepõe a três territórios indígenas (TI
Yanomami, maior parte; TI Balaio; Cué-Cué Marabitanas; e Médio Rio Negro II).7 O
Morro dos Seis Lagos é uma Unidade de Conservação estadual e está inteiramente
sobreposto ao Parque Nacional Pico da Neblina e à Terra Indígena Balaio.8
Na região do médio e baixo rio Negro, há ainda diversas Unidades de
Conservação, com destaque para as APAs (Áreas de Proteção Ambiental) municipais
Tapuruquara (Santa Isabel do Rio Negro) e Marauiá (Barcelos), o Parque Estadual Serra
do Aracá (Barcelos), a Reserva Extrativista do Rio Unini e o Parque Nacional do Jaú, já
no curso mais baixo do rio Negro, entre os municípios de Barcelos e Novo Airão.
Cabe ainda lembrar que, em março de 2018, cerca de 11,2 milhões de hectares
pertencentes à bacia do rio Negro obtiveram reconhecimento internacional como Sítio
Ramsar, de importância para a gestão ambiental. O título deriva da Convenção sobre
Zonas Úmidas de Importância Internacional, na cidade de Ramsar, no Irã, em 1971, para
conferir reconhecimento especial a áreas marinhas rasas, de grandes rios, mares, lagos ou
pântanos. Embora não seja uma figura jurídica de proteção legal, a região ganha uma
espécie de “selo” internacional, que atesta a importância ambiental e pode viabilizar
recursos para a conservação, a pesquisa e a administração das áreas protegidas. No caso
do Ramsar Rio Negro, ele se constitui como o maior do mundo e o único que inclui TI e
áreas de unidade de conservação sobrepostas.

7
O ICMBio, órgão federal responsável pelas Unidades de Conservação no país, está atualmente finalizando
o Plano de Manejo do Pico da Neblina, com a participação dos povos dessas TI (FOIRN, 2021).
8
Recentemente, o governo do estado do Amazonas tem sinalizado a importância da conservação desse
território e de sua gestão compartilhada com os povos indígenas. Uma das propostas dos moradores da TI
Balaio é o desenvolvimento de projetos experimentais de ecoturismo e etnoturismo na região do Morro dos
Seis Lagos, geridos pelas próprias comunidades e associações indígenas, com apoio do governo estadual
(SCOLFARO; DIAS, 2021).

14
Áreas Protegidas − Fonte: FOIRN, 2021, p. 25

Entre as principais características desse grande sistema sociocultural dos povos


do rio Negro, distribuídos nos territórios da figura anterior, destacam-se: a) economia
baseada no cultivo da mandioca brava e agricultura itinerante (coivara), além da pesca,
caça e extrativismo. A depender da região onde se vive, a alteração do sistema de
paisagens e ecossistemas alteram as potencialidades e os limites para cada atividade; b)
técnicas complexas de processamento da mandioca brava e uso de equipamentos comuns
nas atividades produtivas cotidianas, como cestarias (tipiti, cumatá, peneira, balaio, aturá
e outros), ralos e cerâmicas, cuja fabricação constitui especialidades de grupos étnicos.
Tais utensílios pertencem a uma grande rede de trocas e intercâmbios que circulam em
ampla rede social; c) moradias tradicionais em grandes malocas coletivas, de arquitetura
muito semelhante em toda região e que constituem espaços cerimoniais. No período dos
primeiros missionários salesianos (entre 1930 e 1970), essas malocas foram alvo de
perseguição e foram todas destruídas por ordem dos religiosos. A partir da década de
1990, houve um movimento de reconstrução das malocas na região, especialmente no alto
rio Negro, como parte das iniciativas de fortalecimento e resgate cultural; d) organização
social baseada na segmentação de grupos étnicos em subgrupos (fratrias, clãs ou sibs)
patrilineares e hierarquizados conforme fundamentos cosmológicos, bem como a
constituição de sistemas regionais multiétnicos e multilinguísticos de integração
sociopolítica; e) ritos e cerimônias compartilhados, baseados nos ciclos do calendário
ecológico-ritual, nas narrativas de origem e em elaborados conhecimentos cosmológicos

15
nos quais as paisagens, lugares sagrados e os benzimentos (rezas xamânicas)
desempenham um papel central (FOIRN, 2021).

3 A dinâmica de ocupação, a economia agroextrativista legal e ilegal e as interações


com a infraestrutura no médio e no alto rio Negro

3.1 Aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos da ocupação do alto rio Negro

A região denominada alto rio Negro compreende o município de São Gabriel da


Cachoeira. Segundo o Censo do IBGE (2010), a população de São Gabriel da Cachoeira
é de 37.896 habitantes e possui uma extensão territorial de 109.181,245 km². Segundo o
censo socioambiental realizado no âmbito do PGTA das TI do alto rio Negro, em 2017,
estima-se o número populacional de 24.681 indígenas residindo nas terras indígenas Alto
Rio Negro, TI Médio Rio Negro I, TI Médio Rio Negro II, TI Rio Apapóris, TI Balaio,
TI Cué-Cué Marabitanas e TI Rio Téa. A maior população étnica é a dos Baniwa, seguido
dos Baré, Tukano, Hupd´äh, Desana, Tariano, Koripako, respectivamente.
Nos últimos 150 anos, a história do rio Negro continuou sendo
predominantemente a violência colonial, ora recrudescida pela presença militar, ora pelos
missionários religiosos, ora pelos comerciantes. Na década de 1980, os indígenas do alto
rio Negro viviam um clima de extrema tensão em razão das invasões em suas terras por
empresas de mineração e por garimpeiros a mando dos empresários do setor. Conflitos
violentos entre indígenas e garimpeiros geraram nova onda de recrudescimento na
militarização da região pelas forças armadas, militares e paramilitares (WRIGHT, 1986).
Até este momento, as terras indígenas ainda não haviam sido demarcadas, o que
levou aos indígenas Baniwa a negociar com as empresas Parapanema e a Gold Amazon,
que estabeleceram suas bases na região, com o apoio estratégico do governo militar
(CABALZAR; RICARDO, 2006). Recaía sobre suas terras um veto não oficial do
Conselho de Segurança Nacional, em razão de que as terras reivindicadas eram situadas
na faixa de fronteira.
Nos anos 1970, com a construção de uma parte da estrada Perimetral Norte, São
Gabriel da Cachoeira sofreu uma explosão de centenas de migrantes à fronteira e de novas
instalações militares. O projeto colonizador e de assegurar a fronteira do Governo foi
implementado, resultando em verdadeiro aniquilamento da condição indígena na região.
A intenção do governo continuava a mesma do século XIX: “civilizá-los” e “integrá-los”,
na vida nacional, transformando-os em “cidadãos brasileiros” que ocupam a fronteira,

16
tarefa que foi levada a cabo pelas missões religiosas, predominantemente dos salesianos,
com o apoio das Forças Armadas. Projeto que se repete dois séculos depois na atual
conjuntura política do país.
Em que pese o esforço do governo brasileiro em assegurar as fronteiras, a
circulação de comerciantes colombianos era intensa no território brasileiro, com vistas à
exploração da mão de obra indígena na exportação de artesanato e, depois, do cultivo de
coca e ipadu.9 A região ganhou fama internacional de ser centro de tráfico de drogas,
controlado pela máfia ou mesmo por grupos guerrilheiros. Os povos Tukano, Maku e
Baniwa participavam desse comércio, que, ao ser descoberto, foi rompido pela
intervenção das Forças Armadas, que se utilizavam de pistas de pouso construídas entre
1977 e 1978, em lugares estratégicos da região, aumentando ainda mais o controle militar
dos indígenas da região.10
Nesse mesmo período, o famoso “Lago El Dorado”, tão procurado no século
XVIII, foi encontrado na região chamada de Serra de Traíra, território dos Tukano e
Maku. A região inteira passou a ser cobiçada por mais de 20 companhias interessadas na
exploração do ouro, cujo valor estimava ser igual às jazidas da África do Sul e continha
a promessa de ser nova Serra Pelada. Os conflitos entre indígenas e garimpeiros se
intensificaram ainda mais, o que culminou em um massacre em janeiro de 1986
(WRIGHT, 1986).
Boatos de que a região também era ocupada por guerrilheiros do grupo M-19
intensificaram o controle das Forças Armadas, que, por questões estratégicas e
econômicas, apoiavam a permanência da empresa Paranapanema. Enquanto as ameaças
se intensificavam cada vez mais, os Tukano se uniam e se sofisticavam nas negociações
com o governo e a companhia, ao mesmo tempo em que reivindicavam a proteção das
cinco reservas indígenas na região, que aguardava a demarcação pela Funai (WRIGHT,
1986).
Foi nesse contexto que, em 1987, surge a Federação das Organizações Indígenas
do Rio Negro (FOIRN), como um movimento indígena para fazer frente à maior empresa
mineradora da região, detentora de alta tecnologia para exploração mineral aliada às

9
Ipadu é como é chamada a folha de coca no rio Negro.
10
Paralelamente, hoje se vê cada vez mais intensa a militarização da região. O Conselho da Amazônia, por
exemplo, é composto por 18 militares e tem, como presidente, o vice-presidente Mourão, ex-militar de
carreira. Mais detalhes em: https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/04/18/conselho-
amazonia-mourao.htm.

17
Forças Armadas e ao Conselho de Segurança Nacional, e lutar pela demarcação das TI
do médio e do alto rio Negro. Foram 25 anos de luta pela demarcação das terras indígenas.
Desde 1971, lideranças indígenas do Alto Tiquié e Uaupés, incentivadas por missionários
católicos, passaram a se reunir para discutir sobre o futuro da região e formular a primeira
proposta de demarcação das terras para o governo federal. Em 1985, lideranças reunidas
em Taracuá encaminharam uma segunda proposta de delimitação da região do alto rio
Negro à Funai, apoiada por setores democráticos da sociedade brasileira, em tempo de
pré-Assembleia Nacional Constituinte. No entanto, crescia cada vez mais a resistência
dos militares sob a fundamentação de que a área de fronteira não poderia ser demarcada
(CABALZAR; RICARDO, 2006).
No final de abril de 1987, mais de 300 indígenas de várias etnias se reuniram na
II Assembleia dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro, com a participação de
representantes do governo federal, do governo do estado, da igreja católica, de empresas
mineradoras e de membros de organizações indigenistas para discutir o projeto Calha
Norte, as atividades das empresas de mineração e a regularização das TI, contexto que
também fomentou, como dito, o nascimento da Federação das Organizações Indígenas do
Rio Negro (FOIRN).
Com o fim dos internatos no começo dos anos 1980, muitas famílias migraram
para a área urbana de São Gabriel da Cachoeira, para que seus filhos pudessem dar
continuidade aos estudos. Observou-se intenso fluxo migratório da zona rural para a zona
urbana, em busca de trabalho e renda. Além disso, desde a implementação do programa
Bolsa Família, há uma motivação para um intenso fluxo entre cidade e comunidade.
Muitas famílias acabam ficando na cidade e não voltam mais.
A cidade de São Gabriel possui um contingente de cerca de sete mil militares,
em razão da presença do Comando do Exército, que conta com efetivo grande de soldados
indígenas, sendo a carreira militar uma opção muito comum entre os indígenas para
acesso ao mercado de trabalho. A economia da cidade gira em torno dos comércios locais
e serviços, fomentados pela grande presença de militares, e, também pela existência de
grupos missionários, sobretudo de missões evangélicas. Atividades de turismo ilegal
também ocorrem, mas não são determinantes para a economia da região, quando
comparado à região do médio rio Negro. Garimpos ilegais também existem e o comércio
de ouro é muito comum entre indígenas e garimpeiros que vêm à cidade. O comércio
ilegal de drogas também aquece a economia. Considerando a área de fronteira com a
Colômbia, São Gabriel da Cachoeira está situada na rota de escoamento do tráfico

18
internacional de entorpecentes. No entanto, o que sustenta a maior parte das famílias de
São Gabriel da Cachoeira é a economia invisível da floresta, ou seja, o seu próprio sistema
agrícola que não é monetizado, mas de onde provém a subsistência das famílias indígenas.

3.2 Aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos da ocupação do médio rio


Negro11

A região denominada médio rio Negro estende-se entre os municípios de


Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira. O município de Santa
Isabel, a antiga Tapuruquara, soma 62.846,382 Km² em seu território e 18.146 habitantes
segundo o censo demográfico do IBGE de 2010. Já o município de Barcelos, antiga
Aldeia Mariuiá, fundada em 1728 e primeira sede da Capitania de São José do Rio Negro,
compreende uma extensão territorial de 122.476km² e 25.718 habitantes (IBGE, 2010).
Segundo a categoria de autoidentificação étnica desse censo, a população de Santa Isabel
é composta por: 59,2% indígenas; 30,3% pardos, 4,5% brancos; 3,2% pretos e 2,8% de
amarelos. Em Barcelos, a composição segundo o censo é de: 32,5% indígenas, 52,8%
pardos, 9,8% brancos, 4% pretos e o restante amarelos.
A maioria da população indígena que vive no médio rio Negro pertence à etnia
Baré. No curso de seu histórico de colonização, como já mencionado, houve muitos
deslocamentos forçados de povos do alto rio Negro para a região. De igual modo, ocorreu
a dispersão dos povos da família linguística Naduhupy, principalmente os Dâw e Nadëb,
que tradicionalmente habitavam os interflúvios entre o rio Negro e o rio Japurá,
transitando entre os afluentes à margem direita: Jurubaxi, Uneiuxi, Téa, Marié e
Curicuriari.
Diferentemente da região do alto rio Negro, o curso do médio rio Negro se
caracteriza por uma variedade enorme de microecossistemas terrestres e aquáticos,
destacando-se pela grande quantidade de lagos e afluentes de água branca, comumente
mais piscosos e berçários de peixes e áreas de reprodução únicas conhecidas como
“damisars”. Em razão disso, apresenta maior disponibilidade de peixes em relação ao
resto da bacia, razão pela qual sofre maior pressão de pesca e tornou-se, inicialmente, a
área central da exploração econômica na região durante o período de colonização, o que
levou a um processo de concentração populacional e configuração multiétnica do

11
As informações desse item foram retiradas do PGTA Wasu (FOIRN, 2021).

19
território. A região do médio rio Negro é o principal fornecedor de pescado para a
segurança alimentar dos três municípios: Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel e a mais
importante área de turismo de pesca esportiva do estado do Amazonas.12 Barcelos figura
entre os dez principais destinos turísticos brasileiros, classificada, pelo então Ministério
do Turismo em 2010, como um polo de referência para a pesca esportiva.
O histórico de ocupação da região permite compreender os desafios que os povos
indígenas de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos ainda enfrentam para garantir os seus
direitos, a proteção e a gestão dos seus territórios tradicionais. Os portugueses chegaram
ao médio rio Negro na primeira metade do século XVII. No começo da segunda metade
do referido século, ocorreram os descimentos forçados de muitos indígenas da região para
o trabalho escravo nos aldeamentos de todo o estado do Grão-Pará e Maranhão e na
capital, Belém. Nesses locais, os indígenas trabalhavam em condições bastante precárias
e mediante muita violência, o que resultou em uma drástica redução populacional. Muitos
grupos e famílias fugiram para regiões mais remotas.
No período pombalino (1750), foram criados os chamados Diretórios dos Índios,
buscando incentivar a integração dos povos indígenas por meio da obrigação do uso da
língua portuguesa, do casamento intercultural e trabalhos forçados, com o objetivo
principal de promover a formação de assentamentos que legitimassem o domínio de
Portugal sobre as terras e concentrassem os grupos e as famílias indígenas que até então
viviam mais dispersos pelos territórios, facilitando, assim, a escravidão.
Em 1850, com a criação da província do Amazonas e com a figura do Diretor de
Índios, fortalecia-se a exploração da borracha, tornando-se a base da economia das
províncias do Norte. Os Diretores de Índios eram envolvidos nos negócios da borracha e
outros recursos do extrativismo e tinham, como tarefa, arregimentar a mão de obra
indígena para o trabalho nas zonas extrativistas e nas obras da capital, Manaus, e de outras
províncias do rio Negro. Em Santa Isabel do Rio Negro, estabeleceu-se o ponto mais
remoto da famosa casa comercial e entreposto da borracha J. G. Araújo, que mantinha
grande rede de aviados indígenas rio Negro acima e abaixo até meados da década de 1950.
O controle que os Diretores de Índios, comerciantes e “patrões da borracha”
exerciam na região se sustentava com base na força e no terror exercido contra os
indígenas e no sistema de aviamento por escravidão por dívida. Após quase um século
desse sistema de exploração e de presença missionária pelos jesuítas e carmelitas,

12
A atividade de pesca esportiva movimentava em torno de 15 milhões de reais, entre os anos de 2003 e
2010, conforme estudo realizado por Sobreiro (2007) (FOIRN, 2021).

20
chegaram os salesianos, que, primeiro, contiveram a superexploração cometida pelos
patrões da borracha, mediante a tarefa de integrar os indígenas à sociedade nacional por
meio de um programa de civilização e catequese, subsidiado pelo governo. O principal
pilar do programa salesiano era, além da catequese, a educação fundamental e agrícola
com foco nas crianças e nos jovens. Nos primeiros anos da fundação das sedes da missão,
passaram a funcionar os internatos, sendo que a missão de Tapuruquara ou Santa Isabel,
foi fundada em 1942. Os padres recrutavam crianças de 6 ou 7 anos, separando-as de suas
famílias e retiradas do convívio comunitário, para serem educadas pelos padres e freiras
até os 12 anos ou mais, dentro dos valores cristãos e da disciplina das missões.
O programa dos salesianos acabou gerando um adensamento populacional nos
arredores das missões: os indígenas que eram submetidos ao terror dos patrões da
borracha acabavam se sentido seguros com a presença dos salesianos. Foi nesse período
que os salesianos proibiram as famílias de morarem nas casas coletivas (malocas), pois
sabiam que era um risco ao programa de catequese e de integração, já que representava o
centro da espiritualidade, das manifestações culturais e da organização social e política
indígena.
Ainda na década de 1960, com o comércio da borracha em declínio, muitos
patrões começaram a abandonar os seringais e deixar as vilas, mudando-se para outras
localidades. Os que permaneceram no médio rio Negro passaram a exercer outras
atividades, como agricultura, criação de gado e comércio de peixes ornamentais para
exportação. Ainda havia os comerciantes que trabalhavam em paralelo com o comércio
da fibra de piaçava, que fortaleceram seus domínios nos afluentes da margem esquerda
do rio Negro, consolidando essa nova cadeia produtiva e nova organização espacial.13
Já na década de 1970, a presença do poder público e municipal nas comunidades
e nos sítios se consolidou e esses foram reconhecidos formalmente como unidades
sociopolíticas do município. Isso permitiu o acesso a políticas públicas de educação,
saúde e construção de edificações, papel até então exercido pelas missões. A
territorialidade, marcada pelas estradas de seringa e entrepostos, principalmente nas
margens do rio Negro, foi aos poucos se reconfigurando e as famílias, em geral em grupos
de parentesco, constituíam novas comunidades. Mesmo com o declínio das empresas de
exploração extrativista, o movimento de descida dos indígenas do alto rio Negro para o
médio continuou, em busca de outras formas de trabalho de produção extrativista

13
Não são raras as denúncias e os relatos, ainda hoje, de diferentes formas de trabalho análogo à escravidão
no âmbito desta atividade.

21
(piaçaba, castanha e peixe ornamental), e também pela expectativa de maior fartura de
peixe e de terra boa para o plantio. Assim, nas décadas de 1960 a 1980, muitas famílias
desceram do alto rio Negro, encontrando ali espaço para fazer roça, pescar, encontrar
parentes. Também continuou o trabalho com produtos extrativistas com submissão aos
patrões, perpetuando o sistema de aviamento e estigmatização da cultura indígena.
É muito comum, nessa região, que as pessoas tenham vergonha de se
autodeclarar como indígenas, e há muitas divisões internas por parte dos comerciantes,
que dificultam o processo de autorreconhecimento para a demarcação dos territórios.
Ainda que a exploração dos indígenas no sistema de aviamento para a extração de fibras
de piaçaba perdure em Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, nos últimos anos as famílias
indígenas têm se engajado em múltiplas relações de produção, visando subsistência e
renda. Assim como as associações indígenas locais, que têm se envolvido em iniciativas
de sustentabilidade e geração de renda a partir da valorização dos produtos e cultura da
região, como as experiências da “Casa das Frutas” e projetos associados ao PNAE, por
exemplo.

4 As principais ameaças aos direitos territoriais e à vida das pessoas dos povos
indígenas no rio Negro

Os povos indígenas possuem usufruto exclusivo da posse das terras que


tradicionalmente ocupam, nos termos assegurados pela Constituição Federal de 1988. Em
que pese este direito constitucional estar previsto, existem muitas ameaças que o violam
e ameaçam a integridade física e moral dos indígenas, o que demanda constante vigilância
tanto por parte das comunidades, quanto dos órgãos de fiscalização.
No âmbito do trabalho de coleta de dados para o presente relatório, a maioria das
ameaças territoriais verificadas no médio e no baixo rio Negro são invasões possessórias
e extração ilegal de recursos naturais para fins econômicos. A pesquisa deparou-se com
a dificuldade de encontrar dados sistematizados de ocorrência de crimes dentro das TI,
tendo em vista que as denúncias das comunidades são feitas para diversos órgãos
competentes de fiscalização, não havendo um único lugar que centralize os dados sobre
as ocorrências dentro das TIs. As atividades ilícitas que causam danos ao meio ambiente
e aos direitos territoriais, socioculturais e à integridade física e psíquica dos povos
indígenas, a seguir listadas, não estão elencadas de acordo com o número de ocorrências
nem representam maior e menor grau de ameaça. A sistematização dos dados em tabela
foi feita de forma livre apenas para elencar as principais atividades ilícitas encontradas.

22
1 Invasão para rota de tráfico de drogas

2 Garimpo ilegal e exploração mineral

3 Caça predatória

4 Pesca predatória

5 Extração da piaçaba

6 Comércio de bebida alcóolica

7 Imigração

8 Turismo não regulamentado

Entre as ocorrências de crimes dentro das terras indígenas praticados por


indígenas ou não indígenas, foram as seguintes:

1 Lesão corporal

2 Violência contra a mulher

3 Feminicídio

4 Homicídio

5 Estupro (mulher e criança)

6 Abuso de poder

Outras ameaças que afetam diretamente a vida dos povos indígenas dentro do
território e estão associados a diversos fatores externos que derivam do contato com a
sociedade envolvente:

23
1 Alcoolismo

2 Suicídio

3 Precário atendimento da saúde indígena

4 Migrações

4.1 Invasões possessórias

4.1.1 Invasão para rota de tráfico de drogas

O município de São Gabriel da Cachoeira faz fronteira com a Colômbia e a


Venezuela. Os narcotraficantes utilizam os rios da fronteira para escoar drogas,
especialmente os rios Ira, Tiquié, alto Uaupés, Curicurari, na extensão da fronteira com a
Colômbia, e descem para o rio Marié, rio Téa e Uneuxi, já na extensão do médio rio
Negro. Há ocorrência de tráfico na foz do Içana, território tradicional do povo Baniwa e
Koripako. Na fronteira com a Venezuela, o distrito de Cucuí é a principal rota do tráfico
de drogas que vem da Venezuela.
As entrevistas realizadas apontam que há cooptação de indígenas que são
utilizados para guardar a droga nas comunidades ou escoar a droga em suas canoas, o que
ameaça diretamente a integridade física e sociocultural dos povos indígenas.
A FOIRN vem recebendo denúncias anônimas de comunidades próximas a Cucuí
trazendo informações de como essas ações dos traficantes dividem as comunidades,
gerando discórdia e desunião entre seus habitantes. Além disso, há grave ameaça à vida
de indígenas, que, diante do envolvimento com o tráfico, estão prestes a serem
identificados.
As comunidades de Cucuí, Macedônia, Yabe, sítio Ilha Grande, perto da foz do
Içana, são sítios em que há conflitos em razão da atuação do tráfico de drogas. Tais
comunidades ficam localizadas dentro TI Cué-Cué Marabitanas em área contígua à TI
Alto Rio Negro. Descendo, ainda, por Cucuí, há a BR-307, que atravessa o Parque
Nacional Pico da Neblina, a TI Balaio, a TI Cué-Cué Marabitanas e a TI Yanomami. A
rodovia também vem sendo utilizada como rota de tráfico, agravando-se os riscos agora

24
que a rodovia foi reformada e apresenta-se com boas condições, porém nenhuma
fiscalização, havendo preocupação, na medida em que a obra da BR chega até Cucuí.
Na TI Alto Rio Negro, na fronteira com a Colômbia, há relatos de tráfico no alto
Uaupés. Na região que circunda Iauretê, distrito situado na fronteira, indígenas que vivem
nas comunidades se sentem ameaçados e com medo de ir à roça. Nessa região, é muito
comum que indígenas do lado brasileiro cultivem suas roças do lado colombiano em razão
dos casamentos interétnicos praticados pelas etnias pertencentes ao tronco linguístico
Tukano Oriental. Em uma das entrevistas com liderança dessa região, foi apontado que
há operações do Exército colombiano e que as comunidades viram um bote vermelho
com pessoas estranhas acampadas no mato, sem saber se fazem parte do Exército
colombiano ou se são traficantes colombianos. Nessa situação, os indígenas ficam mais
de uma semana sem ir à roça, com medo, o que afeta diretamente a segurança alimentar
e o seu modo de vida. Em uma das entrevistas, foi relatado que os traficantes não entram
nos rios principais. Nessa região, eles não vão até Iauaretê, param em Curicuriari e a partir
daí pegam rios de menor navegabilidade.
Também na TI Alto Rio Negro, há ameaças no rio Tiquié e rio Ira. Com a
fiscalização mais intensa na fronteira de Tabatinga, os traficantes estão saindo do rio
Japurá por causa da operação e pegando o rio Ira como alternativa, entrando no Tiquié,
as comunidades mais ameaçadas dessa região são as que ficam no Tiquié, na confluência
com o rio Ira. Verificou-se que o Exército está com uma operação de fiscalização no rio
Marié. Com a operação do Exército, os traficantes estão pegando o curso do rio Téa, já
na TI Rio Téa.
Em geral, as pessoas das comunidades têm medo de denunciar e não sentem
confiança nos órgãos de fiscalização, preferem ficar em silêncio ou, quando realizam
denúncias, buscam parentes de sua confiança para mediar a comunicação, por meio das
associações de base filiadas à FOIRN, escrevem cartas anônimas e entregam à FOIRN e
à Funai.

4.1.2 Garimpo ilegal e exploração mineral


A região historicamente sempre foi alvo de interesses de mineradoras e
garimpeiros. Nos anos 1970, como já dito, abrigou a sede da Paranapanema, que contava
com o apoio e o fomento do Exército Brasileiro, onde hoje é a Terra Indígena Alto Rio
Negro. Após a demarcação, houve a extrusão das terras indígenas, porém até hoje há
conflitos entre indígenas e garimpeiros na região.

25
Atualmente, há cerca de dez garimpos ilegais atuando na região, a seguir listados:

Rio Localização Terra Indígena/Área Comunidades


protegida

Cauaburis Igarapé Tucunaré TI Yanomami, TI Mafi, Ayari,


Médio Rio Negro II, Massarabi, sítio
Parque Nacional Pico Sérvulo
da Neblina

Cauaburis Igarapé Baniwa TI Yanomami, TI Mafi, Ayari,


Médio Rio Negro II, Massarabi, sítio
Parque Nacional Pico Sérvulo
da Neblina

Cauaburis Rio Cauaburis, TI Yanomami, TI Mafi, Ayari,


próximo à Cachoeira Médio Rio Negro II, Massarabi, sítio
do Caranguejo Parque Nacional Pico Sérvulo
da Neblina

Ira TI Alto Rio Negro Taracuá, Ipanoré

Serra de Sussuaka

Ira Serra do Umiri TI Alto Rio Negro Taracuá, Ipanoré

Ira Serra do Pica Pau TI Alto Rio Negro Guadalupe Ira

Traíra Base da TI Alto Rio Negro Cachoeira do


Paranapanema Machado, Vila
Mormes

Traíra Castanho TI Alto Rio Negro Cachoeira do


Machado, Vila
Mormes

Içana Serra do Porco TI Alto Rio Negro Pana Pana, Roraima,


Coraci, Matapi
Cachoeira, Tamanduá

26
Içana Serra do Caparro TI Alto Rio Negro Pana Pana, Roraima,
Coraci, Matapi
Cachoeira, Tamanduá

Ocorrências de garimpo no Médio e Alto rio Negro, 2021

O garimpo do rio Cauburis e seus igarapés, segundo relatos, é o que gera um


alarme maior. Lideranças que vivem no entorno de Santa Isabel do Rio Negro afirmam
que é possível notar a presença mais marcante de garimpeiros na cidade. São garimpos
comandados por não indígenas, que cooptaram lideranças de algumas comunidades, para
conseguir a autorização para permanecerem.
Em julho deste ano, foram vistas duas balsas de tamanho expressivo trafegando
pelo rio Negro, em direção ao rio Cauburis, com dragas para a extração de ouro sendo
transportadas. As informações foram encaminhadas pela FOIRN e Greenpeace Brasil ao
MPF, à época dos fatos. Relatos de denúncias narram que, nesse período, os garimpeiros
entraram nas comunidades e assustaram as pessoas. Informaram, ainda, “que na
comunidade Mafi dava para escutar o barulho do motor do garimpo, utilizado pela
madrugada e a comunidade ficava assustada”. Presume-se que essa incursão em julho
preparou o terreno para o garimpo que se estabeleceu recentemente. Algumas lideranças
comentam que seriam garimpeiros expulsos de Roraima e que há cerca de 30 homens
trabalhando no local. Em setembro deste ano, houve um caso de estupro de uma jovem
Yanomami por um garimpeiro venezuelano que estaria no Cauburis.
Há, ainda, o garimpo da Serra do Camelo, que fica na TI Yanomami, do lado
Venezuelano, porém, o acesso se dá pelo lado brasileiro, há grande fluxo de pessoas que
passam pela região de Maturacá e por dentro do Parque Nacional Pico da Neblina.
O garimpo que há em Maturacá (não se sabe quantos são) pertence a indígenas e
a não indígenas. Jovens e mulheres estão envolvidos, trabalhando para os garimpeiros, os
jovens no serviço de carregar comida para o garimpo e na própria extração do ouro,
enquanto as mulheres cozinham – é comum que esse grupo envolvido nas atividades meio
seja remunerado em gramas de ouro.
A TI Balaio, que possui a maior reserva de Nióbio do mundo, no momento não se
encontra ameaçada, a não ser pelo discurso do governo, que afirma ser necessário explorar
essa reserva para “tirar os índios da pobreza”. Segundo a liderança entrevistada que atua

27
na região, por enquanto a TI Balaio não sofre invasão para a extração de minério dentro
dela, porém serve como rota para chegar em Maturacá, em razão da BR-307.
Sobre os demais garimpos na região listados na tabela, sobretudo na TI Alto Rio
Negro, tem-se poucas notícias. Suspeita-se que há maior envolvimento dos indígenas da
região. Na região da Serra do Traíra, onde se instalou a base da Paranapanema, os relatos
indicam que são pessoas que trabalhavam na empresa e que casaram com mulheres
indígenas e continuaram na região. Já na região do Içana, há relatos de que os garimpeiros
são colombianos não indígenas. Na região do rio Uaupés, há informações de que
indígenas do povo Yuhupdë estão trabalhando nos garimpos do rio Ira, o que os coloca
em uma situação de extrema vulnerabilidade, uma vez que são considerados povo de
recente contato.
O garimpo e a mineração de tantalita têm aumentado na margem direita do rio
Negro, nas terras de ocupação tradicional dos povos indígenas do baixo Rio Negro.
Existem várias destas TI que se encontram em diferentes momentos do procedimento de
demarcação, inclusive algumas em estudo de identificação e delimitação. Existem mais
de 290 pedidos de pesquisa e exploração minerária apresentados à Agência Nacional de
Mineração (ANM, antiga DNPM), por parte de empresas de mineração, somente para a
região dos rios Demeni e Aracá. Esses dois rios dão acesso à TI Yanomami pelo estado
do Amazonas (CIMI, 2020).
Ao longo de todo o rio Negro, há cerca de 471 requerimentos minerários de
pesquisa e exploração mineral que incidem sobre as terras indígenas do rio Negro.14
Atualmente, recai uma nova ameaça, uma vez que os requerimentos que são formulados
no curso do rio Negro têm sido deferidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM),
conforme ilustra o requerimento para exploração de ouro, que teve anuência pelo
Conselho de Defesa Nacional, em agosto de 2021. Segundo um dos entrevistados, essas
incursões de garimpeiros no rio Negro teriam relação direta com os requerimentos
minerários feitos por empresas. Para ele, os garimpeiros são contratados pelas empresas
de mineração para realizar uma prospecção prévia, isto é, conhecer a área, verificar se
realmente tem minério, para depois a empresa dar entrada no pedido de pesquisa ou
exploração mineral.

14
Em dezembro de 2019, após ajuizamento de Ação Civil Pública pelo MPF, a Justiça Federal determinou
o indeferimento de todos os requerimentos de pesquisa ou de lavra minerais incidentes sobre TI no estado
do Amazonas, inclusive os de permissão de lavra garimpeira, tendo em vista que não há previsão legal para
o sobrestamento de processos até a regulamentação da matéria.

28
Outra pessoa entrevistada, que atua na Segurança Pública, explicou que o crime
organizado atua de forma articulada em vários ilícitos, portanto garimpo e tráfico de
drogas se correlacionam e estão relacionados com outras atividades ilícitas que ocorrem
na região. Isso também foi comentado por lideranças indígenas.

4.1.3 Caça e pesca predatória

A caça e a pesca predatória afetam a segurança alimentar dos povos indígenas. É


muito comum seus territórios serem invadidos por não indígenas para a caça e pesca
irregular para fins comerciais. A região do médio rio Negro é a que sofre mais invasões,
uma vez que possui maior quantidade e variedade de peixes do que a região do alto rio
Negro, conhecida, por sua vez, pela escassez de peixes.
Há conflitos envolvendo indígenas, como nos casos em que indígenas saem de
suas comunidades para irem pescar ou caçar em outra, mas há também a invasão de
“geleiros”, que comumente pertencem a não indígenas e que exploram a pesca para fins
comerciais, ameaçando diretamente a segurança alimentar e a harmonia entre os povos,
uma vez que a escassez de peixe e caça, provocada por invasões, leva os indígenas a
buscar alimento em outras terras em vistas da própria sobrevivência.
As regiões mais afetadas pela invasão de pesca são o rio Marauiá, rio Demeni. Há
ainda as atividades de invasões e pesca irregular em TI por parte de empresas de turismo
de pesca, destacadamente na região de Santa Isabel do Rio Negro, nos rios Uneuixi,
Curicuriari, Jurubaxi e Téa, conforme será visto com mais detalhes no item seguinte.
Há ocorrências de caça ilegal no Igarapé Demiti, na TI Cué-Cué Marabitanas,
assim como entrada irregular de pescadores no rio Uaupés. A Funai, desde final de 2019,
tem recebido recorrentes denúncias de caça e pesca predatória na TI Rio Téa.
Vale ressaltar que muitas comunidades e associações indígenas da região de
abrangência, seja no âmbito de projetos de turismo de base comunitária, seja no âmbito
dos PGTAs, têm desenvolvido Planos de Manejo de recursos naturais, com apoio da Funai
e instituições parceiras, a fim de promover o desenvolvimento sustentável do bioma em
que vivem − beneficiando toda a coletividade. As atividades tradicionais de caça e pesca
artesanal de pequena escala, tanto com fins alimentares, como de comercialização para
geração de renda, ocorrem também segundo os Planos de Manejo, elaborados e aprovados
pelas comunidades indígenas ao longo do processo. Por isso, a pressão da pesca e da caça
desordenada afeta diretamente a segurança alimentar e nutricional das comunidades, além

29
de impactar negativamente a atividade turística como fonte de recursos legítimos,
garantidos por lei. Por outro lado, são notórios os riscos à segurança e à integridade física
dos indígenas.

4.1.4 Extração da piaçaba

A extração da fibra de piaçaba continua sendo realizada de forma exploratória e


altamente degradante para os povos indígenas, que são submetidos à condição análoga de
escravo. Há ocorrências desse tipo de exploração na margem esquerda do rio Negro e,
também, no rio Padauari e rio Preto.
Importante ressaltar que já houve operação do MPF15 junto com a Polícia Federal
e Funai, no ano de 2014, nos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, para
combater esse tipo de crime, porém a ausência de fiscalização contínua e a ausência de
alternativas de geração de renda na região facilitam que a atividade continue sendo
exercida ilegalmente até hoje.

4.1.5 Comércio de bebida alcóolica

O comércio de bebida alcóolica dentro de Terra Indígena nem sempre está


associado à invasão do território, pois, em sua maioria, os comércios são dos próprios
indígenas da comunidade. Há casos, porém, em que o comércio de bebida é realizado por
não indígenas. Os distritos de Pari Cachoeira, Iauaretê e Cucuí são os lugares onde há
maior número de comércios locais vendendo álcool, especialmente cachaça (“corote”).
Em Cucuí, na TI Cué-Cué Marabitanas, há comerciantes não indígenas que vendem
bebida alcoólica.
Há reivindicação das lideranças das comunidades em proibir a entrada de bebida
alcoólica dentro do território, tendo em vista que o uso de álcool tem gerado o aumento
da violência no interior das comunidades. A barreira sanitária, instalada na Ilha das Flores
(entrada da TI Alto Rio Negro), por força da ADPF n. 709, promovida pela Apib, atuou,
principalmente, na coibição de entrada de bebida alcóolica dentro da terra indígena.
Especificamente em Cucuí, há um conflito interno em torno da comercialização
de bebida alcoólica. Comerciantes não indígenas que vivem na região afirmam que a

15
Mais informações em: https://reporterbrasil.org.br/2014/05/fiscalizacao-flagra-escravidao-na-extracao-
de-piacava-no-amazonas/.

30
região não seria terra indígena e pedem o cancelamento da declaração da TI Cué-Cué
Marabitanas, que aguarda tão somente o ato de homologação da Presidência da
República. Trata-se de um movimento perigoso, pois vem gerando conflito interno entre
os próprios indígenas, que assumem o discurso de que a região não é terra
tradicionalmente ocupada. A liderança entrevistada que atua na região afirmou que, no
último mês de setembro de 2021, após uma assembleia realizada localmente em que
discutiram acordos de convivência, um grupo de 200 pessoas fez um abaixo-assinado
pedindo o cancelamento da Portaria de Declaração da TI Cué-Cué Marabitanas. Muitos
alegam que a comercialização de bebida alcóolica gera renda e que, uma vez proibida,
haveria impacto negativo para os comerciantes.
O tema é polêmico na região. Organizações da sociedade civil têm atuado para
combater esse discurso, inclusive levando parceiros para fazer palestras sobre os direitos
dos povos indígenas na região e sobre a importância da demarcação.

4.1.6 Imigração

Há relatos de que o fluxo migratório de venezuelanos para o distrito de Cucuí tem


gerado insegurança para a região. Muitos venezuelanos estão ali sem documentos e sem
nenhuma assistência do governo; teme-se pelo aumento da violência em razão da falta de
oportunidade de trabalho e geração de renda.
Também há relatos de que Yanomami do lado venezuelano têm descido para
comunidades Yanomami do Brasil, fugindo dos garimpos que existem na Venezuela. No
ano de 2021, estima-se que há um deslocamento grande de cerca de 80 pessoas que vêm
descendo da Venezuela, deslocando-se do alto rio Marauiá e alto Demeni. Embora a
associação Kurikama, que representa o povo Yanomami dessa região, tenha entrado em
consenso de que irão dar apoio aos parentes, há uma preocupação com a segurança
alimentar destes grupos e a possibilidade de conflitos internos com a chegada desse novo
grupo. Trata-se de uma situação que precisa ser monitorada, considerando ainda a
precariedade da assistência à saúde indígena nessa região.

4.1.7 Turismo não regulamentado

Algumas regiões do alto e do médio rio Negro são constantemente ameaçadas por
invasões de grupos e empresas que realizam turismo de forma ilegal, ou seja, sem

31
obedecer aos critérios estabelecidos na Instrução Normativa n. 03, de 2015, da Funai, que
trata do turismo de base comunitária.
Destaca-se o conflito no médio rio Negro, em especial envolvendo a empresa
Amazon Sport Fishing e a organização indígena que coordena projetos de turismo de base
comunitária (ACIMRN), especificamente turismo de pesca esportiva. Nessa região, já
houve um episódio com tiro de arma de fogo contra um indígena da comunidade Tabocal
do Uneuixi, em que o dono da empresa acima mencionada esteve presente na comunidade
acompanhado de policiais de Santa Isabel. O crime aconteceu em 2018 e, após uma
discussão, o vigilante indígena da comunidade foi ameaçado e ferido ao proteger o seu
território.16
A alegação da empresa que opera irregularmente o turismo é que tal região não é
terra indígena. A Justiça Federal, no entanto, reconheceu, em sentença judicial, proferida
em 2019, que a TI Jurubaxi-Téa e a TI Uneuxi, muito embora ainda não tenham seu
processo de demarcação concluído, são terras tradicionalmente ocupadas e, portanto, os
indígenas possuem a posse e o usufruto exclusivo dos recursos naturais existentes no
território. Determinou, ainda, a não entrada de empresas que não estejam autorizadas
pelos indígenas. Em que pese o provimento jurisdicional, a empresa em questão foi vista,
no mês de setembro e outubro de 2021, operando turismo ilegalmente de forma regular
dentro de terra indígena.
Há ocorrências de turismo irregular na TI Balaio, onde se situa o Morro dos Seis
Lagos, porém, nesse caso, trata-se de visitações articuladas pelos próprios indígenas das
comunidades.
Por fim, o turismo irregular no Pico da Neblina, que ocorre há muito tempo, tem
sido cada vez menos frequente, em razão do projeto de turismo de base comunitária
Yaripo, protagonizado pelos Yanomami. O projeto ainda está em fase de teste, mas, desde
que começaram a ocorrer as expedições para elaboração do Plano de Visitação, as
ocorrências de turismo irregular têm sido cada vez menos frequentes.

4.2 Crimes que ocorrem dentro das terras indígenas

16
Tramita, na Justiça Federal, o processo n. 1003389-81.2018.4.01.3200, tendo, como Órgão julgador, a 3ª
Vara Federal Cível da SJAM e o Processo n. 1003742-24.2018.4.01.3200, tendo como Órgão julgador a 1ª
Vara Federal Cível da SJAM, além do Procedimento Administrativo (PA) 1.13.000.000114/2018-83 e do
Inquérito civil n. 1.13.000.000496/2012-50, todos no âmbito do MPF – Procuradoria da República.

32
Entre os crimes mais frequentes dentro das TI, encontraram-se as seguintes
ocorrências: lesão corporal, violência contra a mulher, feminicídio, homicídio, estupro e
abuso de poder.
Os crimes não necessariamente estão listados pelo número de maior frequência.
Não há uma sistematização de dados pelo poder público dentro das TI, uma vez que não
se pode afirmar que há uma atuação dos órgãos da segurança pública no interior das TI
no combate e enfrentamento a esses tipos de crimes. Os dados disponibilizados são
relativos à atuação da segurança pública na área urbana de São Gabriel da Cachoeira,
Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, que não compreendem terra indígena. Ainda assim,
tais informações são de difícil acesso e não estão atualizadas.
De acordo com as entrevistas e com a técnica da observação-participante, o que
mais se escuta é a ocorrência de brigas, que envolvem lesões corporais, especialmente
durante as festividades tradicionais, após o consumo abusivo de álcool. Em alguns casos
graves, ocorre homicídio e feminicídio, além de violência contra a mulher. Nesses casos,
algumas comunidades decidem levar o caso para a polícia civil e a Funai, mas nem sempre
recebem apoio dos órgãos de segurança, gerando sensação de impunidade diante dos
crimes cometidos.
Percebe-se que há acelerado crescimento de violência contra a mulher. Somente
no mês de janeiro e de fevereiro de 2021, houve três feminicídios. Segundo levantamento
realizado, a cada dia, ao menos uma mulher é vítima de lesão corporal, ameaças de morte,
estupro entre outros crimes na região. De 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2019,
foram registrados, na delegacia de São Gabriel da Cachoeira, 4.681 casos de violência
contra mulheres, ou seja, uma média de 1,28 caso notificado por dia. Embora esses dados
reflitam muito mais a realidade da área urbana de São Gabriel da Cachoeira, e não tanto
a ocorrência de casos nas comunidades, importante frisar que a maioria das mulheres
vítimas de violência são mulheres indígenas (COSTA..., 2021).
As regiões de maior ocorrência de conflitos têm sido os distritos de Pari
Cachoeira, Taracuá e Iauretê, região conhecida como triangulo Tukano. As lideranças
denunciam a ocorrência de casos graves que envolvem atuação de formação de gangues
rivais de jovens indígenas nessa região, que, além de praticar crimes de rixa e lesão
corporal, se envolvem em casos de roubo e até homicídios. Tais distritos situam-se em
área limite de fronteira, que abriga Pelotões do Exército.

33
4.3 Outras ameaças

Há, ainda, ocorrências de algumas realidades que ameaçam a vida dos povos
indígenas que vivem em seus territórios tradicionais, mas que não são necessariamente
crimes ou ilícitos praticados, mas uma questão de saúde pública.

4.3.1 Alcoolismo

O alcoolismo, atualmente, tem sido grave problema para os povos indígenas do


rio Negro. Além de ameaçar a integridade física e psíquica do indivíduo, gerando
dependência, tem sido a principal causa do aumento da violência no interior das TI e, por
conseguinte, um dos fatores que mais desestabilizam a organização social e fragilizam a
cultura dos povos indígenas.
É muito comum que, dentro das comunidades, os dias festivos sejam celebrados
de acordo com seus costumes, entre eles o consumo de caxiri, bebida fermentada da
mandioca e outros frutos. Contudo, o consumo de álcool durante os dias festivos têm sido
uma prática muito comum. Ao lado da bebida tradicional, com frequência é consumido
bebida alcóolica não tradicional (cachaça, especificamente).
As ocorrências de crimes como homicídio, lesão corporal, feminicídio e violência
contra a mulher estão quase que 100% associados ao consumo abusivo de álcool. O
alcoolismo entre as mulheres indígenas também tem sido o motivo pela perda do poder
familiar em alguns casos e tem sido o maior motivo de denúncias ao Conselho Tutelar.
Atualmente, foi criado um comitê interinstitucional de enfrentamento ao álcool,
de que fazem parte entidades da saúde pública, Funai, arquidiocese de São Gabriel da
Cachoeira, porém ainda em sua fase embrionária para se discutirem os problemas da
região, ainda sem ações efetivas. O alcoolismo também está relacionado com o suicídio,
outra ameaça grave que acomete, com frequência, os povos indígenas do rio Negro.

4.3.2 Suicídio

O suicídio entre os povos indígenas no rio Negro é um fenômeno recente, que tem
se agravado nas últimas duas décadas. Desde os anos 2000, o número de casos cresceu
muito, colocando São Gabriel da Cachoeira como o município que possui a maior taxa de
suicídios no Brasil (51,2 por 100 mil habitantes, no ano de 2012) (WAISELFISZ, 2014

34
apud FOIRN, 2021). Atualmente, é o principal fator da mortalidade entre jovens de 15 a
24 anos de idade, em Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, com taxas
de 25% e 35%, respectivamente (ORELLANA et al., 2013 apud FOIRN, 2021).
O tema já foi base de relatório feito pelo MPF, em 2011, especificamente para o
médio e o alto rio Negro. Nesse documento, foram compilados os dados relevantes sobre
o tema: foram reportados 75 casos no município de São Gabriel da Cachoeira e 19 em
Santa Isabel do Rio Negro, com os seguintes dados: 70% evolvem jovens de até 25 anos,
os índices são mais altos entre os povos da bacia do rio Uaupés, da família linguística do
Tukano Oriental (33 casos), seguido dos Hupd´äh dessa mesma área (18 casos), os Baré
do rio Negro e das cidades (6), sendo apenas dois casos entre os Baniwa (FOIRN, 2021).
A motivação para esse fenômeno é complexa, pois envolve desde problemas com
álcool e outras drogas, como aspectos da cosmovisão indígena. Sobre as causas do
suicídio (FOIRN, 2021, p. 219), comenta-se:

Destacam-se, entre as condições que desencadeiam atitudes suicidas, o


alcoolismo em conjunto com conflitos familiares e comunitários [...], eventos
que, por si mesmos, não são recentes, mas vêm se agravando com o consumo
maior de bebidas alcóolicas associado aos deslocamentos mais frequentes entre
comunidades e cidades. Essa multilocalidade das famílias generalizou-se entre
os povos da região motivada pelo acesso a renda dos diferentes benefícios
sociais (PBF, aposentadorias, seguro maternidade) somente na cidade, onde há
agência bancária e lotérica. Esse permanente trânsito propicia, além do
alcoolismo, menos tempo de dedicação aos trabalhos cotidianos na localidade
de origem, à vivência familiar e comunitária e, assim, um afastamento e
deslocamento da socialidade e economia indígenas.

Atualmente, o comitê de combate e enfrentamento ao suicídio de São Gabriel da


Cachoeira foi reativado e tem demonstrado preocupação com novos índices alarmantes,
principalmente em relação ao povo Hupd´äh, considerado de recente contato e o mais
vulnerável ao alcoolismo e a essa nova espacialidade criada a partir da implementação do
Programa Bolsa Família, em São Gabriel da Cachoeira, desde o ano de 2010. Embora as
autoridades de saúde e os parceiros locais tenham reativado suas reuniões, ainda não há
sistematização de dados disponíveis sobre a quantidade de casos de suicídio nos anos
mais recentes.

4.3.3 Precário atendimento da saúde indígena

Uma reivindicação do povo Yanomami que vive no território do Amazonas é a


criação de um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) próprio ou uma Casa de Apoio

35
a Saúde Indígena (Casai) e para os Yanomami que se tratam em São Gabriel da
Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Relatos de maus-tratos, humilhação,
racismo, além da ausência de recursos e falta de assistência médica adequada são
constantemente denunciados pelos Yanomami.
Na última assembleia das mulheres indígenas da FOIRN, que ocorreu em outubro
de 2020, mulheres Yanomami do médio rio Negro denunciaram casos de violência
obstétrica, em que têm suas pernas amarradas na maca para realização de exames de rotina
e pré-natal pelos profissionais de saúde.
Associações de base do médio rio Negro, em especial, a ACIBA, KURIKAMA e
AYRCA, estão elaborando um documento junto com parceiros que atuam na região,
como a Secoya, com relatório minucioso do sucateamento da saúde indígena na região,
para ser encaminhado às autoridades.
Em relação à pandemia da Covid-19, o sistema da saúde indígena não se mostrou
suficientemente adequado para o enfrentamento da doença. Todos os hospitais situados
nos municípios da região não possuem Unidade de Tratamento Intensivo, tampouco
houve respiradores suficientes para o cuidado da população. A articulação com a
sociedade civil foi fundamental para a prestação de atendimento à população indígena no
local, com destaque à atuação das organizações não governamentais Expedicionários da
Saúde e Instituto Socioambiental e FOIRN, que juntos, conseguiram implementar
enfermarias de campanha com concentradores de oxigênios nos polos base do DSEI
ARN.
Há, ainda, muitos relatos e denúncias realizadas contra o Hospital de Guarnição
de São Gabriel da Cachoeira, cuja gestão é feita pelos militares. Há falta de exames
específicos, especialidades médicas e, ainda, denúncias de maus-tratos e humilhações
contra indígenas, além de muitos casos de violência obstétrica. Em setembro de 2021,
houve denúncia de que a diretora do hospital se negava a proceder o abortamento legal
em casos de violência sexual contra a mulher. Tal fato ocasionou uma reunião entre a
delegada da Polícia Civil, o juiz de direito, o promotor de justiça, a diretora do hospital e
médicos militares, além do Departamento de Mulheres da FOIRN (DMIRN), que, no
entanto, não trouxe um resultado positivo, uma vez que o hospital continua a negar
atendimento a esses casos graves.
Registre-se, ainda, que, embora São Gabriel da Cachoeira seja o município mais
indígena do Brasil, a vacinação segue com taxas abaixo da média nacional. Em outubro
de 2021, menos de 40% da população são-gabrielense tomaram a segunda dose da vacina

36
e o município apresenta aumento exponencial do número de casos. As taxas de óbitos do
município por Covid-19 são graves, considerando a quantidade de habitantes, tendo a
ocorrência de mais de 100 óbitos até a data de 28 de outubro de 2021.
O município possui, ainda, a maior estatística de casos de malária do país. No ano
de 2018, o município viveu uma epidemia de malária grave e, em 2020, novamente, com
7.467 casos entre janeiro e setembro de 2020.

4.3.4 Migrações

Entre as diversas ameaças que recaem sobre a qualidade de vida dos povos
indígenas dentro de seus territórios tradicionais, o fenômeno da migração não é um dos
mais alarmantes, mas gera preocupação na medida em que é motivo de conflitos internos
entre as comunidades e podem gerar casos extremos e outras violências.
Em geral, há relatos de indígenas que vivem em algumas comunidades e migram
para outras, como no caso do povo Baniwa da foz do Içana (TI Alto Rio Negro) que desce
para a região no entorno de Cucuí (TI Cué-Cué Marabitanas), além de serem comuns
casos de migração da comunidade para a cidade. Geralmente, o motivo dos conflitos é a
disputa por terreno para cultivo de suas roças. Muitas vezes, uma família que se desloca
para a cidade de São Gabriel da Cachoeira, quando retorna para sua comunidade, o seu
sítio já está ocupado por outras famílias, que se apossaram. Relaciona-se, também, a esse
tipo de conflito o enfraquecimento das regras culturais de casamento, quando uma nova
família recebe uma parte do terreno dos genitores para o cultivo de sua roça, ou mesmo
forma novas comunidades.
Com a delimitação da demarcação e os atendimentos de saúde e educação
indígena, alguns povos nômades, como os Yanomami e os do tronco linguístico Maku,
passam a se organizar socialmente a partir de uma nova dinâmica espacial, que afeta
diretamente o uso coletivo da terra. Uma vez ocorrendo o crescimento demográfico da
população, passa a aumentar os conflitos territoriais, tendo em vista que a terra começa a
ficar escassa para a produção e o cultivo de todos. Além disso, as invasões territoriais
motivadas principalmente por exploração ilegal de recursos naturais, além da pesca e caça
predatórias, associadas às condições precárias de fertilidade do solo, afetam diretamente
a distribuição espacial das famílias sobre as suas terras, reduzindo cada vez mais o leque
de possibilidades de uso da terra entre as famílias, gerando constantemente o abandono
da terra tradicionalmente ocupada e a busca por novas localidades, como são exemplos

37
as constantes migrações do alto para o médio rio Negro, local onde há maior fartura de
pescado e cujo solo é mais fértil.

5 A atuação da Segurança Pública na defesa dos territórios tradicionais e a


interação com os povos indígenas e povos e comunidades tradicionais (PCTs).

As regiões do médio e do alto rio Negro constituem um mosaico de áreas


protegidas que são sobrepostas em razão da presença de TI, unidades de conservação,
áreas de preservação ambiental federal, estadual e municipal, além de ser área de
fronteira, onde se situa o limite noroeste do Brasil com os países da Venezuela e da
Colômbia. Em razão dessa especificidade, os atores que atuam nos territórios tradicionais
são diversos, desde os órgãos da Segurança Pública (Polícia Civil e a Militar) e também
órgãos de fiscalização ambiental e indigenista (ICMBio e Funai), além do Exército
Brasileiro, da Marinha e da Aeronáutica.
Para se compreender a realidade atual da segurança pública nos territórios
tradicionais, buscou-se fazer uma análise conjunta da atuação das referidas instituições,
já que, em todas as situações de crimes e ameaças mencionadas no tópico anterior, tais
instituições são acionadas.

5.1 Coordenação Regional do Rio Negro – Funai (CR-RNG)

A Coordenação Regional do Rio Negro, unidade descentralizada da Funai (CR-


RNG), atua nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro,
Barcelos e Japurá. Possui, sob sua jurisdição, 13 TI (9 homologadas, 2 declaradas e 2 em
fase de estudo/identificação). É o órgão indigenista responsável pela implementação da
política pública voltada aos povos indígenas da região, que, no total, somam 20 milhões
de hectares. Como de conhecimento público, muitos dos cargos de coordenação do órgão
vêm sendo ocupados por ex-militares. A Funai, também, possui a competência de
monitorar e fiscalizar as TI, porém, atualmente, há um sucateamento da CR que impede
qualquer atuação de forma qualificada na região.

38
É de conhecimento público o quadro de sucateamento da Funai na região, em que
a quantidade de recursos humanos e financeiros, bem como as condições de trabalho, são
insuficientes e inadequadas.
Uma das maiores dificuldades encontradas para a atuação da Funai na realização
de fiscalização da área é a ausência das Frentes de Proteção Etnoambiental, que são
responsáveis pela fiscalização de invasões dentro do território, além do perfil de
servidores: muitos com idade já avançada e com comorbidades, constantemente estão de
licença médica. Na área de fiscalização, dos 11 servidores, apenas um possui a função de
fiscalização (SEGAT – Serviço de Gestão Ambiental e Territorial).
A CR RNG consiste no principal canal de denúncias sobre invasões e ameaças
aos territórios, bem como da ocorrência de conflitos e crimes internos dentro das
comunidades, junto com a FOIRN. Geralmente, quando ocorre alguma invasão
possessória que envolva garimpo ilegal, caça e pesca predatória ou outras ocorrências
ocasionadas por terceiros, as lideranças encaminham cartas para a CR RNG e para a
FOIRN. Quando a Funai recebe uma denúncia, normalmente encaminha-a para os órgãos
da Segurança Pública competente e/ou o Exército; a depender da situação, também ao
MPF. Em casos de garimpo, invasão por terceiros que demanda a extrusão e ameaça direta
ao território tradicional, a Funai encaminha ofício à Polícia Federal e ao Exército (2ª
Brigada de Infantaria de Selva), pedindo apoio à operação logística. Esses ofícios quase
nunca são respondidos. Nas últimas solicitações à Polícia Federal, especificamente sobre
os casos de garimpo ilegal no rio Negro, não se obtiveram resultados positivos de apoio
da Polícia Federal, tampouco uma resposta em tempo razoável, o que dificulta a atuação,
pois, quando chegam no local, os garimpeiros já saíram do lugar. Em relação às
solicitações de apoio ao Exército, obteve-se a informação de que eles, com frequência,
respondem que já estão ocupados com outras operações. Em relação aos ofícios
encaminhados ao MPF do Amazonas, estes não são respondidos e/ou não tem retorno
com resultado satisfatório.
Percebe-se que há uma sensação de impotência diante das inúmeras dificuldades
apresentadas pela CR RNG, que conta com o esforço individual de alguns funcionários
comprometidos com a defesa dos direitos indígenas.
Para as ações de fiscalização e defesa do território, a Funai necessita da
colaboração de força policial, tendo em vista que o poder de polícia do órgão indigenista
não está regulamentado e não há previsão do porte de arma de fogo, sendo arriscada
qualquer operação do órgão sem o acompanhamento da Polícia Federal e/ou Exército.

39
Quando há cooperação dessas instituições, são operações pontuais, sem uma colaboração
contínua e articulada, o que inviabiliza o atendimento a denúncias de invasão e outros
ilícitos.
Em relação a crimes comuns que ocorrem dentro das TI, como homicídios,
violência contra a mulher, feminicídios e outros, a Funai também é acionada pelos
indígenas para solucionar a questão. No entanto, a Funai não tem competência para atuar
nesses tipos de ocorrência, embora possa acompanhar e monitorar os casos individuais
quando há réu ou acusado indígena. Nesses casos, a CR local encaminha o caso para a
Polícia Civil, que também apresenta dificuldades quanto ao quadro do pessoal e de
logística para atuação dentro da TI.

5.2 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)

O ICMBio atua na gestão do Parque Nacional do Pico da Neblina, área de extensão


territorial do tamanho do estado de Sergipe, que possui 70% do seu território sobreposto
a quatro terras indígenas (TI Balaio, TI Cué-Cué Marabitanas, TI Médio Rio Negro II e
TI Yanomami). Uma das atribuições do Instituto Chico Mendes é a proteção do parque,
realizar a fiscalização e o monitoramento.
As maiores dificuldades encontradas para a atuação do órgão são a ausência de
uma atuação articulada entre os diversos órgãos competentes para fiscalizar e monitorar
as TI (Exército, Funai, Polícia Federal), bem como a falta de recursos humanos,
financeiros e de condições de trabalho. Atualmente, a unidade do ICMBio do Parque da
Neblina possui apenas uma servidora, responsável por todas as atribuições que envolvem
o parque (atividades meio, atividades fins e fiscalização) e não há unidade em Santa Isabel
do Rio Negro, município que também abrange a área do parque nacional.

5.3 Polícia Civil, Polícia Militar e Polícia Federal

A Polícia Civil e a Polícia Militar concentram a sua atuação nas sedes dos
municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, nos
crimes comuns. Dentro das terras indígenas, há dificuldades de atuação desses órgãos da
Segurança Pública, mesmo quando são acionados. Percebe-se uma dificuldade de
compreensão dos indígenas que vivem nas comunidades sobre o papel das referidas
instituições. Por outro lado, também se constatou que as próprias instituições não

40
compreendem com total clareza o seu papel institucional no município quando envolve
crimes dentro das TI.
É muito comum que os indígenas acionem o Exército quando há casos e
homicídio, estupro ou violência grave, ou mesmo a Funai, como instituições que atuariam
na repressão do crime. Como já dito, a Funai, quando recebe a demanda, encaminha-a à
instituição competente. O Exército, por sua vez, atua somente quando o crime envolve
algum militar dos pelotões de fronteira.
Uma das pessoas entrevistadas que atua em São Gabriel da Cachoeira entende que
não há um preparo técnico e formativo para os policiais, investigadores e mesmo
delegados de polícia para atuarem em crimes que envolvem indígenas. Não raro,
presenciou cenas de racismo e preconceito dentro da própria delegacia por agentes da
própria segurança pública. Sobre a entrada em terra indígena, a pessoa afirmou que há
certo temor de entrada em área, sem o devido respaldo da Funai, em razão de eventos em
que já houve conflito entre indígenas e agentes da Segurança Pública. Também se obteve
a informação de que não há materiais logísticos para a atuação dentro do território
indígena, uma vez que não há sequer um bote para a delegacia do município de São
Gabriel da Cachoeira.
Segundo a pessoa entrevistada, o ambiente não é adequado para atendimento dos
povos indígenas que vivem na região. Geralmente os agentes da polícia são não indígenas,
que “chegam apenas para cumprir o seu trabalho e depois querem ir embora”. Entre 2019-
2020, foram identificados muitos casos de violência doméstica contra as mulheres e foi
solicitado apoio ao prefeito para lotar mulheres da Guarda Municipal, uma vez que a
presença somente de homens na delegacia não encorajava as mulheres a denunciar os
casos de violência em um ambiente hiper-masculinizado. Ainda segundo essa pessoa,
antes de ir para São Gabriel, ela buscou se informar, ler e pesquisar sobre a legislação dos
povos indígenas para entender melhor as especificidades da região, mas reconhece que
institucionalmente não há esse incentivo e preparo técnico.
Sobre violações de direitos, obteve-se a informação de que, em quase todos os
episódios de prisão, há abuso de poder: violação de domicílio sem mandado de prisão e
tortura. Em maio desse ano, houve uma prisão irregular de um Yanomami da comunidade
de Maturacá que foi levado à Delegacia em uma apreensão totalmente ilegal pelo Exército
e foi espancado e submetido a maus-tratos na delegacia pelos policiais porque não falava
português ou falava bem pouco. Também ficou sem comida e sem local para dormir

41
dentro da cela, sendo cuidado por servidor da Funai e do Dsei Yanomami que atua na
região. Até onde se sabe nada foi feito sobre o caso.
Há uma tendência de normalização da violência policial contra a população
indígena no município de São Gabriel da Cachoeira e dos demais municípios. Não se sabe
da atuação do Ministério Público estadual no controle e na fiscalização da atuação da
polícia no local. Sabe-se que, desde a implementação da Defensoria Pública no município,
começou a ser feita audiência de custódia, instrumento fundamental para monitorar o
abuso de poder e as violências praticadas pela Polícia Militar e pela Civil, mas que
depende da cooperação do Poder Judiciário e do Ministério Público locais.
Em Santa Isabel do Rio Negro, também se teve notícia de atuação inadequada do
delegado de polícia local, que publicou em redes sociais informações de que havia
mandado prender o criminoso do caso “mais bárbaro que já tinha visto”, que envolve
povo indígena de recente contato, apresentando informações sobre o caso para sua
autopromoção. O crime que ocorreu dentro da terra indígena não teve mandado de prisão
deferido pela juíza de Santa Isabel, que, posteriormente, julgou o caso extinto,
reconhecendo o direito de a população em questão julgar o crime segundo seus próprios
usos e costumes, sem a interferência do Estado, o que apenas corrobora a inadequação do
delegado de polícia na condução do caso.
Sobre a atuação da Polícia Federal em crimes que envolvam ameaças às TI por
terceiros, verificou-se, a partir das entrevistas, que o efetivo policial – duas pessoas – é
completamente inadequado para a região. Há uma grande lacuna de informação sobre a
atuação da Polícia Federal na região, que, segundo alguns entrevistados, se resume “a
fazer revista no aeroporto”. Quando são acionados pelos órgãos de fiscalização,
geralmente respondem com muita demora e, quando respondem, a maioria das vezes é
informando que não há possibilidade de apoio à operação demandada.
Há uma demanda constante para controle do território em razão do tráfico de
drogas, mas também não se têm informações de como e quando atuam. Outra dificuldade
apontada é a extrema rotatividade dos agentes que ficam no município, que seria de
apenas um a dois meses, o que dificulta ainda mais em atuações conjuntas com os demais
órgãos de proteção dos territórios tradicionais.

5.4 Exército Brasileiro

42
São Gabriel da Cachoeira, por ser um município que faz fronteira com a
Colômbia e a Venezuela, é sede do Comando de Fronteira Rio Negro e do 5º Batalhão de
Infantaria de Selva. Já o município de Barcelos é sede do 3º Batalhão de Infantaria de
Selva, ambos são subordinados à 2ª Brigada de Infantaria de Selva do Exército Brasileiro,
cuja sede é no município de São Gabriel da Cachoeira. Atualmente, há sete Pelotões
Especiais de Fronteira: 1º Pelotão Especial de Fronteira em Iauaretê (1988), o 2º Pelotão
Especial de Fronteira em Querari (1988), o 3º Pelotão Especial de Fronteira em São
Joaquim (1988), 4º Pelotão Especial de Fronteira em Cucuí (1940), 5º Pelotão Especial
de Fronteira em Maturacá (1989), 6º Pelotão Especial de Fronteira em Pari-Cachoeira
(1999) e o 7º Pelotão Especial de Fronteira em Tunuí-Cachoeira (2003) (COMANDO
MILITAR DA AMAZÔNIA, 2021).
O Exército é constantemente acionado pelos demais órgãos de fiscalização para
o apoio logístico à proteção e à defesa das terras indígenas, quando há invasões.
Verificou-se que não há muito diálogo entre o Exército e as demais instituições da
Segurança Pública em São Gabriel da Cachoeira, ou ao menos, em relação aos demais
órgãos como ICMBio e Funai. Sabe-se que o Exército tem atuado no controle da fronteira,
especificamente em relação ao combate ao tráfico de drogas, a exemplo da operação que
estava em curso no mês de agosto/setembro de 2021, no rio Marié. Em relação às
denúncias de garimpo dentro de TI, embora existam os Pelotões de Fronteira em pontos
estratégicos do território, não há um retorno positivo do Exército no sentido de apoiar o
combate ao garimpo ilegal.
Em relação aos demais crimes comuns que ocorrem dentro das TIs, em especial
onde há os Pelotões de Fronteira, o Exército é bastante acionado pelas comunidades para
que possa ajudar, prender ou solucionar algum conflito interno. Percebe-se que não há
um entendimento muito claro sobre o papel institucional do Exército pelos indígenas que
vivem dentro das TIs, não sendo raro o acionamento desse efetivo.

6 As principais demandas de política e ação pública para o fortalecimento da


segurança das comunidades tradicionais em seus territórios

Em um contexto como o alto e o médio rio Negro, em que há 13 terras indígenas,


o fortalecimento das instituições que atuam na região e que possuem função de
fiscalização do território deve ser fomentado, para uma efetiva proteção e segurança dos
territórios.

43
Faz-se necessário atuação coordenada com os órgãos da Segurança Pública,
sobretudo com a Polícia Federal, considerando que os órgãos ambientais e indigenistas
possuem limites institucionais para combater o crime organizado.
Entre as principais demandas de política e ação pública para o fortalecimento da
segurança nas comunidades, identificaram-se as seguintes:
1. Política de erradicação e prevenção ao alcoolismo dentro das TI;
2. Fortalecimento institucional dos órgãos de fiscalização que atuam na região:
mais recursos humanos, mais recursos financeiros e aquisição de
equipamentos necessários para a logística na região;
3. Ação coordenada entre as instituições que atuam em São Gabriel da
Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos;
4. Inclusão, na grade curricular, de cursos de capacitação sobre aspectos culturais
e jurídicos para policiais que atuam em regiões onde há povos indígenas; e
5. Investimento de recursos financeiros e humanos na saúde indígena, em
especial a criação própria de uma Casai para os Yanomami que vivem nesta
região.

Sob um viés de autonomia e governança indígena dentro dos seus territórios, os


indígenas no alto rio Negro têm demandado apoio para a elaboração de acordos de
convivência, como um instrumento a ser utilizado para a regulação da vida social em
comunidade. Tais acordos de convivência trazem regras sobre diversos aspectos da vida
em comunidade, como, por exemplo, horários do som, horários de festas, uso de bebidas
alcóolicas, proibição para o comércio de bebidas alcoólicas dentro do território, gestão
do lixo, manejo de pesca, entre outras. Os acordos trazem ainda sanções e penalidades
(castigos) para quem infringir tais normas, a serem aplicadas pelo líder da comunidade
(capitão) ou por um conselho de líderes.
Os acordos de convivência consistem em uma alternativa que possui
potencialidades de ser eficaz para conter atos de violência internos e fortalecer a cultura
indígena, resgatando a importância das lideranças indígenas, de modo a não depender
unicamente do Estado para solucionar seus conflitos internos. Faz-se importante que as
autoridades policiais e do sistema de justiça possam apoiar e acompanhar iniciativas desse
tipo, inclusive sob a ótica, do reconhecimento da jurisdição indígena.

44
7 O papel e as potencialidades dos jovens e das mulheres indígenas na articulação e
na criação de modelos alternativos de segurança

A FOIRN possui o Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas do Rio


Negro (DAJIRN) e o Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN).
Cada departamento possui duas coordenações, que são eleitas para um mandato de quatro
anos, em assembleia específica para essa finalidade, a partir de delegações que possuem
representatividade em toda a extensão territorial do médio e do alto rio Negro, por meio
das coordenadorias da FOIRN.
Destacam-se a potencialidade da juventude e das mulheres na atuação de várias
iniciativas que se interconectam com os eixos temáticos de violência e segurança no
território. A juventude indígena tem atuado em trabalhos de combate ao alcoolismo,
efeitos da mudança climática sobre o território e a comunicação de forma digitalizada.
Destaca-se o papel da rede de comunicadores indígenas – Rede Wayuri – de jovens que
se mobilizam para trabalhar a comunicação por podcasts que são transmitidos por
WhatsApp para as comunidades.17 Nesses podcasts semanais, diversos temas são tratados
em episódios curtos que trazem entrevistas, comentários, análises sobre o que acontece
no Brasil, em Brasília e no mundo, sobre os diversos temas que interessam os povos
indígenas, como, por exemplo, debates sobre o marco temporal, o PL n. 191/2020 sobre
mineração, saúde indígena, educação, temas sobre violência e segurança nos territórios.
Trata-se de uma potente ferramenta de comunicação e construção de direitos, tendo em
vista que a internet tem chegado cada vez mais para dentro das comunidades e há
constante reivindicação dos jovens indígenas em estarem conectados neste mundo
inovador e tecnológico.
Verifica-se que há espaço para melhorar, aprimorar e implementar uma
“educação digital” para que o uso da internet no interior das TI seja feito de forma
estratégica e inovadora para a efetivação e proteção de seus direitos. Caso contrário, o
uso inadequado dessa forma de comunicação pode trazer ainda mais ameaças às já
existentes, expondo-os a uma maior vulnerabilidade em razão do crescimento de fake
news e outras ameaças cibernéticas.
Em relação ao Departamento de Mulheres Indígenas da FOIRN, o eixo do
combate e enfretamento à violência contra as mulheres tem se tornado cada vez mais um

17
Mais informações sobre a Rede Waiury podem ser acessadas em: https://foirn.org.br/rede-de-
comunicadores-indigenas-do-rio-negro/.

45
tema central. Algumas parcerias com instituições públicas e privadas têm oportunizado o
aprofundamento desse tema. No ano de 2018 e 2019, foram feitas rodas de conversas com
as mulheres sobre o tema da violência doméstica, em parceria com o Instituto
Socioambiental, o Observatório de Gênero da Universidade Federal do Amazonas e
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. No ano de 2020, durante a
pandemia de Covid-19, foi lançada uma cartilha sobre violência contra a mulher
“Violência doméstica e violência sexual em tempos de pandemia – Redes de apoio e
denúncias: você não está sozinha!”,18 adaptada para a realidade indígena e traduzida nas
línguas oficiais de São Gabriel da Cachoeira (baniwa, nhengatu, tukano, yanomami e
português), que foi distribuída para as comunidades, a fim de trabalhar a conscientização
e a educação no tema.
Em outubro de 2021, apesar do contexto de adversidade em razão da pandemia,
foi realizada a Primeira Oficina do Curso Promotoras Legais Populares Indígenas, em que
se desenvolveram oficinas sobre violências, direitos e mecanismos de enfrentamento e
combate (estatais e comunitários) à violência contra a mulher, com o objetivo de apoiar
o fortalecimento e a criação de uma rede de mulheres. O curso teve participação de
mulheres indígenas das comunidades das cinco coordenadorias de referência da FOIRN,
possibilitando ampla divulgação do tema, tendo em vista que cada mulher que participou
do curso sai com a missão de ser replicadora dos temas trabalhados nas suas comunidades.
O curso foi realizado de modo a valorizar e recuperar as tradições indígenas e promover
o diálogo intercultural entre a lei e o direito formal e as formas tradicionais de proteção
das mulheres, como chás, benzimentos, orações, pinturas e fortalecimento das lideranças.
A inclusão de homens indígenas e pajés para os momentos de rituais foi fundamental para
estabelecer as pontes entre as diferentes cosmovisões sobre o tema violência e direitos.19
O DMIRN também apoia a iniciativa das mulheres indígenas que são produtoras
artesãs, visando fortalecer a identidade cultural e, ao mesmo tempo, oferecer
possibilidade de geração de renda para as mulheres indígenas, de modo a possibilitar que
elas saiam da situação de violência em que eventualmente possam estar, por meio da loja
Wariró da FOIRN e da promoção de eventos e oficinas de produtoras artesãs.

18
A versão digital da cartilha “Violência doméstica e violência sexual em tempos de pandemia – redes de
apoio e denúncias: você não está sozinha!” está disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-
br/noticias-socioambientais/no-rio-negro-cartilha-busca-combater-aumento-da-violencia-contra-
mulheres-indigenas-na-pandemia.
19
Para conferir mais informações sobre o tema: https://racismoambiental.net.br/2021/10/08/i-oficina-de-
promotoras-legais-populares-indigenas-do-rio-negro/; https://foirn.blog/2021/10/08/i-oficina-de-
promotoras-legais-populares-indigenas-do-rio-negro/.

46
Há espaço e potencialidades para que o Departamento de Mulheres possa
expandir e consolidar a sua atuação. É primordial, nesse sentido, o apoio de parceiros
institucionais, pois os desafios são grandes, ainda é preciso capacitar as jovens
coordenadoras na gestão de projetos, elaboração de relatórios, prestação de contas, entre
outros. É possível fazer parcerias com instituições públicas que atuem na segurança
pública, sobretudo em relação ao combate de violências contra mulheres e crianças, como,
por exemplo, a Defensoria Pública.
O DMIRN também tem atuado, ainda, no eixo da saúde física e mental da mulher
indígena. Preocupadas com os diversos problemas que a pandemia trouxe para o rio
Negro, o departamento de mulheres tem produzido oficinas que tratam desde a
conscientização sobre os benefícios de uma alimentação natural e tradicional e os
prejuízos de uma alimentação industrializada, até questões que envolvam o combate ao
alcoolismo entre as mulheres, o que também tem sido uma preocupação constante nos
últimos tempos.20

8 Outras pautas com efeito indireto na proteção dos territórios com potencial de
fortalecer as capacidades e potencialidades locais

A proteção e a segurança do território tradicional dependem, como já dito, de


uma gestão e governança dos territórios tradicionais por meio de seus titulares em
cooperação com a atuação do Poder Público, que deve ser complementar e coordenada às
iniciativas dos próprios indígenas. Atividades que proporcionam o protagonismo dos
indígenas em escolher e determinar as condições do seu desenvolvimento econômico,
social, político trazem oportunidades não apenas de um resgate e valorização cultural,
mas também oferecem condições para o controle e o acesso dos recursos naturais de seus
territórios. A viabilidade de um modelo de desenvolvimento sustentável demanda,
sobretudo, o reconhecimento e o respeito aos potenciais produtivos da região em
consonância com os modos de vida, uma vez que esses são diretamente responsáveis pela
condição de existência das riquezas que se almeja explorar, valorizar e conservar
(FOIRN, 2021).

20
Mais informações sobre oficinas de autocuidado entre as mulheres indígenas do rio Negro:
https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/mulheres-indigenas-do-rio-negro-
debatem-autocuidado; https://foirn.blog/2021/08/16/mukaturu-projeto-sobre-autocuidado-da-mulher-
indigena-reforca-resgate-da-alimentacao-tradicional/.

47
Desse modo, iniciativas que afirmem positivamente o modo de vida dos indígenas
e ofereçam alternativas de geração de renda têm efeitos na proteção dos seus territórios,
na medida em que fornecem condições materiais básicas que retiram os indígenas da
condição de vulnerabilidade a que estão historicamente submetidos, e os reposiciona na
categoria de sujeito de direitos e como protagonistas do seu próprio destino no processo
de lutas por dignidade. Em outras palavras, quando os indígenas conseguem retirar, do
seu próprio modo de vida, condições que possibilitam a sua sustentabilidade, as condições
de espoliação e exploração são mais facilmente superadas. É o caso das iniciativas de
venda de produtos da sociobiodiversidade que valorizam o próprio Sistema Agrícola
Tradicional do Rio Negro, já reconhecido pelo Iphan como patrimônio cultural e inscrito
no livro dos saberes e modos de fazer.21 Também se destaca a política pública do Plano
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em que os indígenas de São Gabriel da
Cachoeira, por meio de importante articulação interinstitucional − a Comissão de
Alimentos Tradicionais dos Povos do Amazonas (CATRAPOA) −, conseguiram superar
algumas dificuldades para a implementação da política pública para os agricultores
indígenas. Por sua vez, as iniciativas de turismo de base comunitária, embora não sejam
uma atividade tradicional dos povos indígenas, têm se revelado importante estratégia de
valorização e conservação da natureza, que combina geração de renda e a coibição (ou
redução) de práticas de turismo irregulares dentro do território tradicional, com efeitos
diretos no monitoramento e no controle do território. Tais práticas afastam a cooptação
de lideranças indígenas em arranjos que são prejudiciais a si próprios, que além de
degradar o meio ambiente, destroem o seu modo de vida, como atividades de garimpo,
tráfico de drogas e demais ameaças.
Nesse sentido, destacam-se as iniciativas que visam à valorização da rede de
produtos do rio Negro e que buscam promover a governança territorial, melhorias no
funcionamento de cada elo das cadeias produtivas e a promoção de relações comerciais
justas com o mercado. É o caso do projeto Pimenta Baniwa, protagonizado pela
Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), que estruturou uma rede de casas de

21
O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro foi reconhecido, em 2010, pelo Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que registrou o referido sistema como patrimônio cultural do Brasil
no livro dos saberes e modos de fazer. O sistema agrícola do rio Negro constitui um conjunto de saberes,
fazeres e modos de transmissão de conhecimentos que se relacionam entre si. Entre eles, estão: a
diversidade das plantas cultivadas, as técnicas de manejo da roça e floresta dos quintais (os espaços de
cultivo), o sistema alimentar (as receitas e processos de elaboração dos produtos da roça), os utensílios de
processamento e armazenamento e, por fim, a conformação de redes sociais de troca de plantas e
conhecimentos associados (IPHAN, 2021).

48
pimenta e conseguiu difundir um produto tradicional (pimenta jiquitiá) do rio Negro nos
grandes centros urbanos, possuindo sólida rede de atores em torno de toda a cadeia
produtiva, que já perdura 15 anos. Foi assim com os projetos Arte Baniwa e o Banco
Tukano, ambos iniciados nos anos 2000, com a finalidade de “promover a valorização do
patrimônio ambiental e cultural dos povos indígenas, identificação de espaços duradouros
no mercado para artesanatos, capacitação de associações indígenas no gerenciamento de
projetos e geração de renda para os artesãos” (FOIRN, 2021, p. 62). Outras iniciativas
estão em curso e apresentam novos desafios, como a estruturação da cadeia produtiva da
Casa das Frutas, projeto coordenado pela ACIMIRN em Santa Isabel do Rio Negro, que
tem a previsão desde a implementação de um sistema de produção e beneficiamento das
frutas regionais para a elaboração de produtos como barras de cereais e frutas desidratadas
até comercialização do produto final no mercado.
As iniciativas de turismo que estão sendo desenvolvidas na TI Médio Rio Negro
I, TI Médio Rio Negro II, TI Jurubaxi-Téa e TI Uneuixi são exemplos de modelos que
garantem a geração de renda para as famílias e repartição de benefícios coletivos com os
parceiros empresariais. A governança do projeto é feita pelas próprias comunidades
mediante o acompanhamento das associações de base que atuam na região e a sua
implementação é feita por meio de um processo contínuo de formação, para garantir a
gestão participativa e a decisão coletiva sobre o uso dos recursos financeiros. Os projetos
garantem, ainda, a implementação de sistemas de monitoramento e vigilância indígena,
com segurança e em observância ao ordenamento jurídico vigente, sobretudo no que diz
respeito às regras estabelecidas na Instrução Normativa n. 03, de 2015, da Funai, que trata
sobre visitação às TI.22
Atualmente, sete iniciativas de turismo de base comunitária vêm sendo
estruturadas e desenvolvidas pela FOIRN e associações de base, no médio rio Negro. São
elas: o turismo de pesca esportiva nos rios Marié, Jurubaxi e Uneuixi e Serras Guerreiras
de Tapuruquara. A gestão do turismo de pesca esportiva é feita pelas associações
ACIBRN, no rio Marié, que envolve 14 comunidades e 250 famílias, e pela ACIMRN,
que possui um projeto no rio Jurubaxi e dois projetos no rio Uneiuxi, que envolve seis

22
Para mais informações sobre as iniciativas de turismo no médio rio Negro:
https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/comunidades-indigenas-promovem-
projeto-inedito-de-turismo-de-pesca-sustentavel-no-rio-negro-am;
https://oglobo.globo.com/brasil/projeto-turistico-busca-resgatar-cultura-gerar-renda-para-indigenas-no-
amazonas-24013143; https://agenciacenarium.com.br/turismo-ecologico-promove-sustento-de-
comunidades-indigenas-e-ribeirinhas-na-amazonia/.

49
comunidades. Em relação à estrutura e governança, são realizados estudos ambientais,
plano de manejo da pesca e repartição de benefícios entre as comunidades coordenados
pelas associações. As lideranças avaliam, prestam contas e decidem sobre o projeto que
mantém o monitoramento e a vigilância do território o ano todo. Em média, as associações
movimentam cerca de R$300.000,00 por ano em cada projeto, que são investidos na
vigilância, reuniões, capacitações, estudos e melhorias de infraestrutura das comunidades
(FOIRN, 2021).
Já o projeto Serras Guerreiras de Tapuruquara destina-se à vivência em
comunidades indígenas e é coordenado pela ACIR, associação que envolve cinco
comunidades e 100 famílias. Sobre a estrutura e governança do projeto, a ACIR coordena
o roteiro revezando as responsabilidades e ganhos entre as famílias. Nas assembleias,
ajustam e aprimoram o projeto e, em parceria com a ONG Garupa, realizam as expedições
com turistas e monitoram seu território (FOIR, 2021).
Tais iniciativas trazem resultados positivos na medida em que possibilitam, às
comunidades, implementar a gestão do seu território e enfrentar um histórico de
exploração nessa região, como o da seringa, piaçava e peixes ornamentais, além de
combater as recentes invasões e ameaças, como a pesca comercial, pesca esportiva, caça
e garimpo. Importante frisar que, em todas essas iniciativas, a aliança com parceiros locais
e institucionais foi fundamental no processo de tornar possível o turismo de base
comunitária, com destaque ao papel do MPF, que foi de extrema importância como
mediador do processo de construção e implementação das normas estabelecidas para
regulação da pesca esportiva na região e de assegurar o protagonismo dos povos indígenas
no processo de construção e afirmação de seus direitos.
A visitação ao Pico da Neblina, que fica dentro da TI Yanomami, o projeto Yaripo,
também está previsto para começar as suas primeiras expedições em janeiro de 2022.
Trata-se de projeto que tem o protagonismo da AYRCA, associação yanomami que atua
em Maturacá, e é fruto de um longo processo de articulação interinstitucional, que
também contou com a participação do MPF e outros atores (Funai, ICMBio, ISA e
FOIRN). O projeto também busca oferecer alternativa de geração de renda a essa
população, que historicamente sofre com a exploração garimpeira na região.
Para o sucesso de todas essas iniciativas em curso, há desafios enormes a serem
superados que se relacionam com o fortalecimento das associações locais, que realizam
a gestão desses projetos, além das constantes ameaças que se sobrepõem aos territórios
onde se realizam os projetos. O diagnóstico realizado pela FOIRN, em 2018-2019, aponta

50
que, das 92 associações de base filiadas à FOIRN, cerca de 50% possuem CNPJ e, entre
as que possuem CNPJ, 90% estão inadimplentes, com alguma restrição na sua inscrição
(FOIRN, 2021). O acompanhamento das associações e a manutenção da sua regularização
é grande desafio, pois muitas acumulam a gestão de projetos com a sua atuação política,
o que propicia que, muitas vezes, a diretoria que assume a gestão, embora tenha ampla
representatividade e capacidade de mobilização política, não necessariamente acumula
habilidades para a elaboração de relatórios, prestações de contas e gestão de projetos, o
que demanda a assessoria técnica de profissionais com conhecimento específico, mas
muitas vezes não há recursos para a contratação de tais experts. Além disso, todo o
sistema jurídico-normativo que regula as associações privadas traz uma série de regras e
burocracias totalmente alienígenas para os povos indígenas e de difícil compreensão, que,
no entanto, são cada vez mais exigidas por parceiros que são financiadores locais ou
internacionais e/ou instituições públicas desses projetos.
Em relação às iniciativas do Poder Público, ganha destaque o Plano Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE), que é uma política pública que assegura uma alimentação
escolar adequada a todos os níveis da educação pública, com recursos do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação. A Lei n. 11.947,
de 2009, obriga todas as prefeituras, os estados e a federação a destinar pelo menos 30%
do total da verba recebida do FNDE na compra da produção dos povos indígenas,
agricultores familiares e comunidades tradicionais. Em que pese ser uma ferramenta
importante, o PNAE traz algumas limitações que dificultam o seu funcionamento no rio
Negro, tais como: falta de equipe e estrutura do órgão de assistência técnica e extensão
rural responsável pelo cadastramento dos indígenas como agricultores, certo
desconhecimento das prefeituras locais sobre o funcionamento do PNAE, necessidade de
abertura de conta bancária pelos indígenas, implementação de uma merenda que vem da
roça e quintais locais pelas escolas, demora no pagamento realizado pela prefeitura e pelo
estado aos agricultores, necessidade de ampla divulgação sobre o PNAE nas terras
indígenas e suas comunidades (FOIRN, 2021)
Há que se ressaltar, nesse contexto, a atuação da Comissão de Alimentos
Tradicionais dos Povos do Amazonas (Catrapoa), grupo formado pelo MPF no
Amazonas, setores governamentais e da sociedade civil, que tem articulado ações que
facilitam o acesso dos povos indígenas ao PNAE e também ao Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), e do qual a FOIRN participa desde 2018. A partir dessa articulação,
algumas conquistas foram realizadas, como: abertura das chamadas públicas de compra

51
de alimentos exclusivas para os povos indígenas, expedições conjuntas com o órgão de
assistência técnica e extensão rural para o cadastramento de indígenas interessados em
vender para a merenda escolar, inserção de alimentos tradicionais dos povos do rio Negro
nas listas de compra das prefeituras e do estado, assessoria na elaboração dos cinco
primeiros projetos de venda de produção local tradicional indígena do rio Negro para as
prefeituras de Santa Isabel e São Gabriel da Cachoeira e para o estado do Amazonas
(FOIRN, 2021).

9 Recomendações concretas ao MPF, à sociedade civil organizada, às associações


indígenas e de PCT

9.1. Recomendações ao Ministério Público Federal

Considerando o papel institucional do MPF em atuar na defesa e proteção dos


direitos e interesses dos povos indígenas e do meio ambiente:
1. Estabelecer um canal de diálogo direto com as organizações indígenas do Rio
Negro para recebimento de denúncias e para a elaboração de atuação conjuntas
em ações para a proteção do território. Nesse caso, dar continuidade ao que já está
sendo feito no âmbito do GT Segurança Pública e Territórios tradicionais.
2. Apoiar, acompanhar e ajudar na implementação das inciativas autônomas de
proteção e defesa dos territórios tradicionais dos povos indígenas do rio Negro,
como a elaboração dos acordos de convivência, protocolos de consulta e/ou outros
mecanismos comunitários de defesa;
3. Realizar visitas aos territórios sempre que possível para melhor compreensão e
percepção do contexto e da realidade local e para fortalecer os vínculos
institucionais com as organizações indígenas e parceiros;
4. Abrir um canal de diálogo entre as diversas instituições que possuem o papel
institucional de defesa do território tradicional para tratar do tema Segurança
Pública nos territórios tradicionais (Funai, ICMBio, Ibama, Exército, Polícia
Federal, Civil e Militar), a fim de conseguir definir uma atuação articulada e
estratégica entre estas instituições. Nesse caso, continuar o trabalho que já está
sendo realizado no âmbito do GT Segurança Pública nos Territórios Tradicionais;
5. Elaborar um plano de atuação junto com os parceiros (organizações indígenas e
assessores) sobre as prioridades de atuação sobre o tema da segurança nos
territórios;

52
6. Promover ação civil pública contra as instituições competentes para a realização
imediata da extrusão dos garimpos ilegais já instalados dentro das TI, em caso de
não ser possível a realização desta articulação pela via administrativa;
7. Avaliar a viabilidade de judicialização da demanda de reestruturação da Funai,
com a criação das Frentes de Proteção Etnoambientais nos pontos estratégicos,
bem como o aumento de servidores no âmbito da fiscalização e monitoramento
das TIs;
8. Apoiar a iniciativa de realização de cursos e implementação na grade curricular
para provimento e reciclagem dos cargos da Segurança Pública sobre aspectos
culturais e jurídicos dos povos indígenas; e
9. Apoiar o Ministério da Justiça/Funai a instituir o GTI (GTI composto por
membros da Funai e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e por
representantes indígenas e sociedade civil) para elaborar, implementar e atualizar
o PGTA integrado das TI do Rio Negro, elaborado em 2017.

9.2 Recomendações à sociedade civil organizada

1. Apoiar, em parceria, as iniciativas dos povos indígenas e dos poderes públicos,


em especial do MPF, na defesa e na proteção dos direitos e interesses dos povos
indígenas;
2. Apoiar a iniciativa de realização de cursos e implementação na grade curricular
para provimento e reciclagem dos cargos da Segurança Pública sobre aspectos
culturais e jurídicos dos povos indígenas; e
3. Realizar, sempre que possível, a mediação entre os diversos atores que atuam na
segurança pública dos territórios tradicionais e os povos indígenas, a fim de
garantir o respeito à sua tradição, modos de vida e cultura pelas instituições
competentes.

9.3 Recomendações às associações indígenas

1. Participar, sempre que convidado, dos espaços de diálogo e de construção de


políticas públicas e ações voltadas à proteção territorial;
2. Ser propositivo nas reuniões, apresentar demandas concretas e soluções que
acham viáveis para dentro dos seus territórios;

53
3. Ter comprometimento e assiduidade nos espaços criados para tratar de assuntos
que são de seus interesses; e
4. Promover convites a eventos, oficinas, cursos, sempre que possível, das
instituições competentes, em especial, do MPF, para possibilitar que as
instituições reconheçam a realidade e possam estar mais presentes em ações
conjuntas.

10 Considerações finais

A proteção dos territórios tradicionais dos povos indígenas e comunidades


ribeirinhas que vivem no médio e no alto rio Negro é um grande desafio, que demanda a
articulação de diversos atores do Poder Público, da sociedade civil organizada e dos
próprios titulares dos territórios. É necessária uma atuação conjunta de planejamentos,
ações e atividades, que possam resultar em efeitos positivos para a proteção territorial e
do modo de vida tradicional dos povos indígenas.
Ao mesmo tempo em que as ações devem fortalecer e resgatar o modo de vida, os
costumes e as instituições próprias dos povos indígenas, devem estar abertas às novas
demandas e conjunturas políticas internas e externas que afetam o modo de vida dessas
populações, que estão sempre em constante reinvenção do próprio modo de vida em face
dos desafios que o contato com a sociedade envolvente impõe.
É importante que as iniciativas locais e comunitárias sejam valorizadas e
acompanhadas por atores estratégicos que atuam na defesa e na proteção dos direitos
indígenas, como o MPF. É mais ainda urgente que as diversas instituições que atuem na
defesa e na proteção do território dialoguem e se articulem em atuações estratégicas e
conjuntas sempre que houver denúncias de ameaças às terras indígenas e à integridade
física, psíquica e cultural dos povos indígenas, buscando uma resposta eficiente e
adequada em termos de tempo hábil e mecanismo de atuação.
Somente esforços conjuntos dos diversos segmentos sociais podem oferecer
segurança efetiva para que os povos indígenas possam superar as condições de
exploração, espoliação e ameaças que continuam sofrendo mesmo após o processo de
demarcação de suas terras. Além disso, é importante prosseguir na luta pela demarcação
de todas as terras indígenas que ainda estão em fase de estudo de identificação e/ou
aguardam a homologação presidencial.

54
Capítulo 2 − A segurança territorial dos povos e comunidades
tradicionais na região do Rio Madeira / BR-319

Ricardo Verdum23

Introdução

Este capítulo está focado nas terras e nos territórios tradicionais situados na área
de afetação da BR-319 (Rodovia Manaus-Porto Velho) e inclui as Terras Indígenas (TIs)
e Unidades de Conservação (UCs) aí constituídas. A rodovia está situada na região de
interflúvio dos rios Madeira e Purus e passa atualmente por um processo de revitalização,
recuperação e repavimentação, motivo de preocupação e de tensões especialmente pelo
seu potencial de gerar violências contra as populações que vivem nesses territórios e ao
seu patrimônio territorial e ambiental legitimamente reconhecido, ou em processo de
reconhecimento, pelo Estado brasileiro.
Sua realização foi orientada pelo propósito de gerar subsídios ao diálogo e ao
processo de tomada de decisão do Grupo de Trabalho (GT) de Segurança Territorial dos
Povos e Comunidades Tradicionais, constituído em 2021 pela e sob a coordenação da
Procuradoria da República no Estado do Amazonas / 5º Ofício.
O presente diagnóstico não tinha como objetivo gerar aportes à ação judiciária
e/ou investigativa. Prioriza a identificação das relevantes pressões e ameaças sobre os
territórios e as populações e as dificuldades de ação com vistas ao aprimoramento da ação
pública de proteção e promoção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
Aqueles que, assim entendo, são os beneficiários finais da ação do MPF, do GT
constituído e do(a) consultor(a) contratado(a) para o diagnóstico.
As condições de investigação foram: (a) consultas, conversas e entrevistas de
forma remota com informantes-chave, fazendo uso de telefone convencional, WhatsApp
etc., com a utilização de um questionário básico de referência e técnica semiestruturada
de diálogo; (b) participação de reuniões organizadas pelo MPF, o Observatório da BR-
319 e outros; e (c) por meio da leitura e análise de diferentes tipos de documentos
(relatórios, áudios e/ou visuais, legislação etc.) requisitados dos informantes e acessados
fazendo uso de ferramentas de busca na internet. A técnica de recopilação de dados de

23
Doutor e mestre em Antropologia Social e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília
(UnB). E-mail: [email protected].

55
censos, pesquisas quantitativas, matérias jornalísticas, estatísticas, informações
cartográficas etc. e a análise contextualizada foram ambas consideradas na produção de
informações relevantes e nas reflexões desenvolvidas até a conclusão dos trabalhos.

1 Identificação do caso

Com uma extensão aproximada de 855 quilômetros, a BR-319 conecta a cidade


de Manaus/AM com a cidade de Porto Velho/RO. Seu traçado segue paralelo ao Rio
Madeira pela sua margem esquerda, na região do interflúvio dos Rios Madeira e Purus,
que, em sua maior parte, ainda hoje, está recoberta pela floresta amazônica. Descrições
da época da construção informam tratar-se de uma região com características
geomorfológicas e hidrográficas que indicam ter sido em épocas geológicas passadas
parte de um grande lago. Apresentava trechos periodicamente alagados, áreas de várzea,
o que gerou inúmeras dificuldades técnicas e custos adicionais. Hoje, seu traçado passa
por ou afeta diretamente 14 unidades político-administrativas municipais.24
A BR-319 é parte da malha rodoviária projetada e implantada na Amazônia
brasileira nos anos 1970, em um período de regime político de exceção. Emergiu de um
sistema constituído pela convergência e da conjunção dinâmica de forças, agentes e
agências, valores e interesses, tanto econômicos quanto políticos, tanto públicos quanto
privados, de interações e trocas. De algo caracterizado por redes e entrelaçamentos,
algumas visíveis e documentáveis, outros propositalmente invisíveis ou de dificílimo
acesso. Envolveu o governo federal e suas agências sob a coordenação do Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem (DNER); governos estaduais e suas agências;
organismos multilaterais; agências internacionais de cooperação técnica; firmas de
consultoria especializadas em estudos e projetos rodoviários; empresas da indústria da
construção civil e infraestrutura rodoviária nacionais e internacionais; batalhões de
engenharia e construção do Exército (BEC); firmas privadas de conservação de rodovias;
agentes financeiros nacionais, estrangeiros e multilaterais; entre outros. Estamos,
portanto, diante de algo que “apareceu” do cruzamento de inúmeros vetores de
transformação, vetores que, de diferentes maneiras, seguiram se reproduzindo e se

24
A BR-319 é também conhecida como Rodovia Manaus-Porto Velho, ainda que oficialmente seja
denominada Rodovia Álvaro Maia. Os 14 municípios são: Manaus, Manacapuru, Careiro, Careiro da
Várzea, Autazes, Manaquiri, Borba, Beruri, Manicoré, Tapauá, Canutama, Lábrea, Humaitá e Porto Velho.

56
transformando no tempo até os dias atuais. A noção de Estado ampliado nos pareceu ser
importante recurso teórico-metodológico de compreensão do processo que neste texto e
pela limitação de tempo só teremos condições de explorar de maneira rápida e sintética.25
Mapa 1: BR-319 e conexões regionais

Segundo Vicente P. M. Britto Pereira (1974), o esquema financeiro montado a


partir de 1968 (até 1973) para a ampliação e pavimentação da rede rodoviária brasileira
foi calcado, principalmente, no aumento de recursos do Imposto Único sobre
Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos; na criação de novos recursos como a
Taxa Rodoviária Única, no Imposto sobre Transporte de Passageiros; e em uma política
de endividamento interno e externo. As principais agências brasileiras de financiamento
foram o Banco do Brasil, o BNDE (hoje BNDES), o Grupo Executivo para a Erradicação
de Cafezais Antieconômicos (Gerca) e o Banco de Investimento Brasileiro (BIB, futuro
Unibanco). Os fundos externos provieram principalmente do Banco Mundial (Bird),
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), European Brazilian Bank Limited
(Eurobraz), uma empresa de investimentos criada em 1971 envolvendo o Banco do Brasil,
o Bank of America e outros parceiros financeiros e com sede fixada em Londres, do banco
de investimentos Singer & Friedlander, da Casa Rothschild e da Caterpillar. Essa última,
uma firma norte-americana que fornecia tratores e máquinas para empresas de construção,

25
Sobre a aplicação da noção de Estado ampliado no estudo da atuação do empresariado durante a ditadura
civil-militar no Brasil (1964-1988), cf.: MENDONÇA, 2013; CAMPOS, 2014; REGINATTO MORAES,
2019.

57
além de fazer a ponte entre os empreiteiros nacionais e o empresariado e agentes
financeiros do aparato estatal de países como Estados Unidos, Alemanha e outros.26
O contrato que viabilizou a construção da estrada BR-319 foi considerado, na
época, o maior contrato firmado pelo governo federal com uma única empreiteira privada,
a Construtora Andrade Gutierres S.A., beneficiária de linhas de financiamento e crédito
considerados generosos. A viabilidade de sua construção assentou-se no binômio estrada
+ colonização, visto que, em si, como via de transporte, mesmo que houvesse um
deslocamento de carga da navegação fluvial para a rodovia, acrescidos do tráfego gerado
e do transporte de bens produzidos ou consumidos ao longo da estrada, ela não se
justificava.

Mapa 2: Os eixos estratégicos de desenvolvimento do PIN e os PICs.

Fonte: Stephanes, 1972.

A rodovia começou a ser construída em meados de 1968 sob a coordenação do


Departamento Estadual de Rodagem do Amazonas (DER-AM), sendo oficialmente

26
Cf.: CAMPOS, 2012; OLIVEIRA NETO, 2014: 19; OLIVEIRA NETO e NOGUEIRA, 2021.

58
inaugurada em março de 1976, ano em que foi concluída a sua pavimentação.27 A
construção da BR-319 abriu as portas de territórios então ocupados fundamentalmente
por povos indígenas e pequenos grupos extrativistas seringueiros e outros. Criou as
condições e ampliou as possibilidades de distintas práticas de violência contra esses
grupos sociais, inclusive com o envolvimento direto ou por prática de omissão das
polícias civil e militares na região. A abertura da estrada facilitou, e desde então vem
facilitando, a penetração e a instalação na região da atividade agropastoril, do
extrativismo madeireiro (de maneira legal e ilegal), da grilagem de terras, do
desmatamento indiscriminado de áreas de floresta nativa, da expansão da agricultura
extensiva (principalmente soja e milho), e da atividade empresarial-garimpeira do ouro
(e da cassiterita, hoje em menor escala28). Também facilitou a introdução de doenças
infecciosas entre a população indígena e tradicional, ocasionando altos índices de
mortalidade e várias sequelas decorrentes. Gerou situações de expropriação das condições
de segurança alimentar de grupos étnicos; a introdução de novos hábitos alimentares,
vários prejudiciais à saúde, a exemplo do consumo em excesso de bebidas alcóolicas; e
promoveu a superexploração do trabalho de indígenas, inclusive na derrubada da mata na
abertura da estrada. Também ampliou a ocorrência de casos de assédios e a imposição de
restrições ao uso de determinadas partes dos territórios pela população nativa; a
ocorrência de chacinas e massacres; o desalojamento de comunidades; e a ocorrência de
incontáveis casos de abuso sexual e outras violências contra mulheres e meninas
indígenas.29
As leituras e os relatos que reunimos em outros momentos e no curso deste
diagnóstico revelaram uma história marcada pela produção e reprodução de
desigualdades sociais e políticas por meio de práticas, relações, redes, realizações e
transformações socioambientais e territoriais que, estruturalmente, se desenvolvem há
mais de cinco décadas, tempo suficiente para formar subjetividades e inconscientes
sociais que necessitam ser considerados e estudados nas análises, na definição e nas

27
Cf.: RESENDE, 1973; CONTINI, 1976; IANNI, 1979; JONES, 1997.
28
Nos anos 1970, foi construída uma rodovia específica, conectada com a Transamazônica, na região
conhecida como Três Fronteiras (AM, RO, MT) com o objetivo de facilitar o acesso, a extração e o
escoamento da cassiterita (estanho). Ficou conhecida como a Estrada do Estanho. Hoje ela é utilizada
basicamente como uma das vias de escoamento da soja produzida na região, extração madeireira e acesso
a áreas de garimpo também no interior de TI (cf. ARAÚJO, BARROSO e TENHARIN, 2019).
29
As análises críticas realizadas por Shelton Davis (1978) e Mauro Leonel (1992) são dois estudos de época,
hoje clássicos, sobre a construção de estradas na Amazônia e seus efeitos sobre as populações indígenas,
tradicionais, camponeses e trabalhadores rurais sem terra.

59
decisões de intervenção legal, assim como na implantação de ações públicas na região,
em particular no trecho (do Meio) planejado para ser recuperado e repavimentado.30
A recuperação/pavimentação da BR-319 irá facilitar a conexão e a expansão do
chamado Arco do Desmatamento (especialmente o trecho Norte do Mato Grosso – Sul
do Amazonas – Rondônia) para a Amazônia Central, com todos os riscos e efeitos que
isso gerou e segue gerando em outros lugares. Agravado pelo fato de que não estamos
mais em um momento quando, no campo político institucional, especialmente entre
setores do Poder Executivo, havia atitude um pouco mais amigável com os reclamos e as
demandas socioambientais das comunidades locais e seus apoiadores na sociedade civil.
Mapa 3: BR-319 e conexões regionais

Uma nota de contexto: segundo o grupo jornalístico InfoAmazonia, 12 municípios


sob influência direta da BR-319 somaram 42,65% dos focos de calor registrados em 2020

30
Por inconsciente social entenda-se o que é comum as pessoas de um grupo sociocultural específico, algo
baseado em memórias de eventos e histórias especialmente traumáticas compartilhados por seus membros,
que são transmitidas por gerações e que permanecem recalcadas no inconsciente do grupo, que estão ou são
silenciadas, mas que não estão completamente esquecidas ou inativas (cf.: PENNA e GARCIA, 2015).
Vejam-se, por exemplo, os conflitos ocorridos em Humaitá no final de 2013 e seus desdobramentos ao
longo de 2014. Um olhar mais detido nos relatos que chegam do contexto e das circunstâncias revela que
há algo mais profundo permeando no presente o imaginário e o inconsciente social de indígenas e não
indígenas na região. Cf.: CASTILHO, Alceu. "Matar um índio para pegar uma índia". Violência contra os
indígenas é antiga como a grilagem de terras; indígenas cobram compensação por danos e mortes causados
desde a abertura da Transamazônica. Agência Pública, 14/1/2014. Disponível em:
https://apublica.org/2014/01/matar-um-indio-para-pegar-uma-india/; e FARIAS, Elaíze. Conflito em
Humaitá: um ano após mortes na Transamazônica, sofrimento e tensão permanecem. Amazônia Real,
16/12/2014. Disponível em: https://amazoniareal.com.br/conflito-em-humaita-um-ano-apos-mortes-na-
transamazonica-sofrimento-e-tensao-permanecem/.

60
no Amazonas, estado que atingiu recorde de queimadas nesse ano. Os municípios que se
destacam nesse cenário são Lábrea, Manicoré, Humaitá, Canutama e Autazes.31
A cidade de Humaitá está situada às margens do rio Madeira, sendo considerado
o segundo principal porto de escoamento da produção agropecuária pela Hidrovia do Rio
Madeira; o primeiro ainda continua sendo Porto Velho. A principal atividade econômica
do município de Humaitá é a agropecuária, atividade que deverá se expandir com a
conclusão do anel viário de Humaitá. A obra rodoviária é conhecida como “Cinturão da
Soja” e vai conectar o entroncamento da BR-319 e da BR-230 (Rodovia Transamazônica)
com o porto privado do Grupo Masutti, localizado no Distrito Industrial de Humaitá, nas
margens do rio Madeira. Aí, a soja que chega de diferentes regiões será descarregada em
embarcações que descerão pela hidrovia industrial ou corredor logístico fluvial do
Madeira. Os maiores compradores e, portanto, atuais impulsionadores da expansão da
produção de soja e milho em Rondônia e nos chamados campos ou cerrados amazônicos
no Sul do Amazonas,32 e da infraestrutura associada, são Bunge Limited, Cargill
Incorporated e Louis Dreyfus Company (LDC), as principais corporações multinacionais
privadas do agronegócio global, além da não menos importante transnacional brasileira
AMAGGI. Em 2020, 80% da soja produzida em Rondônia foram exportadas para a
Holanda (40,75%), Espanha (15,35%), Turquia (10,31%), México (7,90%) e Inglaterra
(3,9%).33

31
A análise está disponível em: https://infoamazonia.org/2020/10/21/municipios-as-margens-da-br-319-
acumulam-mais-de-40-dos-focos-de-calor-do-amazonas/.
32
Situados entre os municípios de Humaitá, Lábrea e Canutama, na região do interflúvio Madeira-Purus,
que há algumas décadas tem sido objeto de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a
Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura. Cf.: MARTINS et al. 2006.
33
No município de Humaitá, a aproximadamente 690 km de Manaus e 205 km de Porto Velho, a BR-319
cruza e se superpõe com a BR-230, a Rodovia Transamazônica, também oriunda dos anos 1970. A
Transamazônica liga Humaitá com as cidades de Apuí, a leste, e Lábrea, a oeste, ambas no estado do
Amazonas. O município de Humaitá limita-se ao norte e leste com o município de Manicoré; a oeste com
Tapauá e Canutama; e ao sul com Porto Velho e Machadinho d'Oeste, ambos no estado de Rondônia, ou
seja, está situado no entrecruzamento de diferentes fluxos de transporte da produção de grãos na região.
Sobre o “Cinturão da Soja” e seu potencial transformador na região do entorno, cf. a reportagem de autoria
de Sam Cowie e Avener Parado, “Cinturão da Soja” na Amazônia alimenta demanda por commodities,
publicado em 4/5/2021, na Diálogo Chino, em: https://dialogochino.net/pt-br/infraestrutura-pt-br/42644-
cinturao-da-soja-na-amazonia-alimentara-demanda-internacional-por-commodities-brasileiras/. Também a
análise realizada pelo Observatório BR-319 disponível em: https://idesan-
br319.s3.amazonaws.com/Informativo-OBR-319-n24-Outubro2021_-_v3.pdf.

61
Mapa 4: BR-319 (Fonte: MAISONNAVE e ALMEIDA, 2018).34

Grande parte da soja e do milho produzido no sul do Amazonas é embarcada


nesses dois portos graneleiros (Humaitá e Porto Velho) e segue rio abaixo para,
principalmente, os complexos portuários de Manaus/Itaquatiara/AM e de Santarém/PA,
para ser carregado em embarcações de maior calado e exportado. Estimativas da Agência
Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq) informam que as instalações portuárias da
região Norte e da Nordeste, integrantes do chamado Arco Norte, movimentaram 50% da
produção nacional de soja e milho em 2020, e a expectativa é de que, em 2021, o Arco
Norte ultrapasse os demais portos brasileiros.35
Após 20 anos de inauguração e de se tornar intrafegável na segunda metade dos
anos 1980 devido à deterioração, em 1996 a recuperação a BR-319 foi incluída no
planejamento federal. Foram recuperados os trechos entre Manaus e Careiro-
Castanho/AM, e entre Humaitá/AM e Porto Velho/RO. A reconstrução/repavimentação
da BR-319 ganha novo fôlego com o Governo Lula, quando em 2005, a obra foi incluída

34
BR 319: Asfaltar ou não asfaltar?. Disponível em: https://www.amazoniasocioambiental.org/pt-
br/radar/br-319-asfaltar-ou-nao-asfaltar/.
35
A principal movimentação de cargas do Arco Norte concentra-se nos portos do Arco Amazônico, uma
subdivisão do Arco Norte, que contempla os portos de Porto Velho/RO, Manaus/Itacoatiara/AM,
Santarém/PA, Itaituba/Miritituba/PA, Belém/Vila do Conde/PA, Santana/AP e Itaqui/MA. Fonte:
https://brasil61.com/n/movimentacao-portuaria-no-arco-norte-atinge-50-da-producao-de-milho-e-soja-
em-2020-pind212645.

62
no planejamento do Governo Federal, e posteriormente foi incorporada nos Planos de
Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2).36
Em meados da década passada, a recuperação/repavimentação da BR-319 ganhou
novo impulso, mantendo-se como prioridade no planejamento do governo federal e dos
governos estaduais (AM e RO). Atualmente, a ação público-privada de
reconstrução/pavimentação concentra sua atenção na viabilização do segmento central da
rodovia, no trecho situado entre o km 250 e o km 655,7, com extensão de 405,7 km, no
estado do Amazonas. Denominado Trecho do Meio, ele atravessa seis munícipios do
estado do Amazonas: Borba, Beruri, Manicoré, Tapauá, Canutama e Humaitá. A obra
está paralisada em decorrência de quatro processos judiciais movidos pelo Ministério
Público Federal (MPF).37
Considerando o que ocorreu em outras situações semelhantes, não temos a menor
dúvida de que o asfaltamento da BR-319 irá incentivar e potencializar o avanço do Arco
do Desmatamento em direção norte. Esse avanço irá acompanhar o percurso da rodovia
na direção de Manaus e irá irradiar-se pelas estradas laterais (legais e ilegais) a leste e
oeste ligadas à BR. Ampliar-se-á, aqui, o modelo e o processo de desmatamento
conhecido como espinha de peixe, ou seja, que ocorre de maneira perpendicular ao
traçado das rodovias, afetando as Áreas Protegidas (AP) que foram criadas ao longo da
rodovia nos últimos 40 anos na sua área de afetação (até 150 km). Não somente as UCs

36
O primeiro Plano de Aceleração do Crescimento, PAC-1, foi lançado oficialmente em 22/1/2007, no
início do primeiro ano do segundo mandato do presidente Lula da Silva. Com duração prevista de quatro
anos (2007-2010), ao PAC-1 foi dado o objetivo de estimular o investimento privado em obras de
infraestrutura, o que, argumentou-se na época, seria estimulado pelo aporte financeiro a partir do Estado,
via orçamento público das seguintes fontes: Plano Plurianual, BNDES, outros bancos públicos, empresas
estatais e os fundos de pensão de trabalhadores destas empresas. Além do incentivo ao cofinanciamento,
vinham as concessões ao empreendedor privado do uso para exploração econômica do empreendimento
quando esse entrasse em operação. A segunda fase do Plano foi anunciada pelo governo federal no dia 29
de março de 2010, no último ano do segundo mandato do presidente Lula da Silva, cinco meses antes das
eleições presidenciais. Com duração de quatro anos (2011-2014), o PAC-2 é apresentado como tendo por
objetivos “consolidar” e “atualizar” a carteira de projetos da primeira fase. Cf. VERDUM, 2014.
37
Em 22/6/2007, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) e o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) assinaram um Termo de Acordo e
Compromisso (TAC) sobre as obras na BR-319. Nele, o Dnit fica condicionado à adoção de medidas
mitigadoras, divide a rodovia em quatro trechos, sendo um deles o Trecho do Meio, e estabelece a
necessidade de esse trecho ser objeto de licenciamento ambiental. Um termo aditivo ao TAC foi assinado
em 26/11/2016. Hoje, o licenciamento ambiental está sob a competência do Ibama e não mais do Ipaam,
como estabelecido no Termo Aditivo. Esses e outros documentos oficiais estão disponíveis em:
http://www.observatoriobr319.org.br/category/47-documentos-oficiais?page=5. Uma análise descritiva de
quatro processos judiciais movidos pelo Ministério Público Federal sobre a BR-319 e que tramitam no
Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), foi realizada sob a coordenação da advogada Tamara B.
Hojaij e a especialista em políticas públicas Roberta Peixoto Ramos, ambas do Centro de Direitos Humanos
e Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV CeDHE). Cf.: HOJAIJ e RAMOS, 2021.

63
− as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável, tanto federais
quanto estaduais − como também as TIs.38

2 Terras e populações indígenas: riscos e ameaças

As TI (e seus moradores) passíveis de serem afetados (positiva e negativamente)


pelas obras de recuperação e repavimentação da BR-319 e, na sequência, com a utilização
da rodovia como via de comunicação e transporte de pessoas, mercadorias, máquinas e
equipamentos, insumos e commodities etc., são em número de 68 – a grande maioria já
homologada. Isso considerando uma área de abrangência e afetação de 150 km de
distância de qualquer ponto da rodovia. Esses números provêm do levantamento e
plotagem realizados por Lucas Ferrante, Mércio Pereira Gomes e Philip Martin Fearnside,
em uma sequência de textos publicados no blogue jornalístico Amazônia Real, entre abril
e junho de 2020.
Seguindo um raciocínio baseado na sua experiência e no conhecimento deste e de
casos semelhantes, os autores afirmam que a reconstrução da rodovia irá aumentar
bastante as taxas de desmatamento em praticamente todas as áreas já conectadas por
estrada à BR-319. Dará acesso, impulsionará e instigará os diferentes agentes sociais
desmatadores (e os vários beneficiários do processo) a avançar em direção às novas áreas
de floresta tropical na parte oeste do estado do Amazonas. A irem “muito além da rota
rodoviária” e dos 40 km em ambos os lados da rodovia como estabelecido em lei (Portaria
Interministerial MMA/MJ/MC/MS n. 419/2011).39
O simples boato de que “agora vai” e a realização de audiências públicas
sinalizam, aos diferentes grupos de interesse, que estão se constituindo as condições e que
aumentam as possibilidades de a obra iniciar em breve. Gera pessimismos de um lado e
otimismos de outro. O argumento da inviabilidade da obra, como vimos acima, é
conhecido desde os anos 1960 e não foi motivo suficiente para evitar a abertura da
rodovia. Como nos anos 1960-1970, outros valores e interesses conjugados em rede estão
colocando em movimento o empreendimento. Políticos locais/regionais e interesses
eleitorais são apenas um “nó” ou “elo” desta rede e tomá-los como vetor explicativo
principal nos parece limitar o alcance e a capacidade explicativa da dinâmica e do
processo decisório relativo à recuperação/repavimentação do Trecho do Meio da BR-319.

38
Incluídas as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável, tanto federais quanto
estaduais, e as Terras Indígenas. Cf.: FEARNSIDE, 2018.
39
Disponível em: https://amazoniareal.com.br/br-319-ameaca-povos-indigenas-1-resumo-da-serie/.

64
Mas, retornando ao eixo central deste trabalho, estima-se que vivam nessas 68 TI
cerca de 18.712 pessoas que se autodeclaram indígenas e se identificam como integrantes
de um dos seguintes povos indígenas: Mura, Diahui, Juma, Apurinã, Paumari, Tenharim,
Mura-Pirahã, Torá, Tikuna, Munduruku e Karitiana. Além dessas pessoas, muito
provavelmente existe uma parcela significativa de indígenas vivendo em núcleos urbanos,
vilas ou mesmo ocupando áreas rurais fora das TI. Em 2022, o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) fará novo Censo Sociodemográfico da população
brasileira (não indígena e indígena), o que deverá nos dar uma visão mais atualizada da
presença indígena na região. Dada a importância das informações que, espera-se, sejam
levantadas para a tomada de decisão relativas às políticas públicas, recomendamos
fortemente que o MPF no Amazonas acompanhe o mais de perto possível o processo de
produção dos dados e informações, especialmente da e sobre a população indígena.
Tomando por base os levantamentos e as análises realizadas por Ferrante, Gomes
e Fearnside (2020), concluímos que 14 TI estão total ou parcialmente localizadas dentro
da faixa de 40 km de distância de ambos os lados da linha da estrada (no quadro que
apresentaremos mais para frente, as células estão pintadas com a cor verde). As
informações até aqui obtidas indicam que, em qualquer uma das 14 TI, a população foi
consultada pelos órgãos do Estado brasileiro de maneira prévia, livre e informada (CPLI).
E não identificamos qualquer sinalização concreta do governos federal e do governo do
estado do Amazonas de que pretendem realizá-la. No nosso entender, se para isso
acontecer depende somente da vontade própria da maquinaria burocrático-política, não
tenho ilusão ou esperança de que as consultas ocorram.
Em relação à situação de reconhecimento/titulação fundiária dessas 14 TIs, nove
estão regularizadas, uma está homologada, uma já está delimitada e três estão em processo
de identificação. Nove TIs são ocupadas por famílias pertencentes ao povo Mura, duas ao
povo Diahui, duas ao povo Apurinã e uma aos Kassupá.
Os municípios afetados pela BR-319 e que tem TI na faixa de 40 km de distância
de ambos os lados da linha da estrada são em número de dez, a saber: Manaquiri, Careiro,
Careiro da Várzea, Borba, Autazes, Manicoré, Humaitá, Canutama, Lábrea/AM e Porto
Velho/RO.
Para além da BR-319, é importante levar em consideração os impactos
cumulativos de outros projetos de infraestrutura. O povo Kawahiwa, por exemplo, é
fortemente impactado pela Rodovia BR-230 (Transamazônica) que cruza com a BR-319
no município de Humaitá. Duas outras estradas estaduais partem da BR-319 em direção

65
às cidades de Manicoré e Tapauá. A rodovia AM-364 (ramal Democracia) já está em
operação e impacta diretamente um bloco de áreas protegidas no município de Manicoré,
como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Amapá, Parque Estadual
Matupiri e Reserva de Desenvolvimento Sustentável Igapó-Açu. Tem ainda a AM-366
(ramal de Tapauá), planejada e com traçado que corta as TI Igarapé São João e
Tauamirim. A parte inicial dessa estrada estava sendo aberta clandestinamente em 2019,
a partir da cidade de Tapauá, que ligaria a BR-319 a Tapauá, Tefé e Juruá, gerando forte
insegurança para o povo indígena Apurinã. Também há a planejada rodovia AM-248, que
se ramificaria da AM-366 para ligar Coari à BR-319.40
Identificamos alguns casos de sobreposição entre Terra Indígena e Área Protegida
(AP). Um deles é a Terra Indígena Diahui com a Floresta Nacional Humaitá, localizada
no município de Humaitá. A sobreposição cobre em área cerca de 64% da terra indígena
já regularizada.
As consultas, conversas e entrevistas indicam haver três situações com maior
urgência de priorização dos poderes públicos, em vista da possibilidade sempre presente
das pressões e ameaças atualmente vivenciadas pelos indígenas desembocarem em
eventos ainda mais violentos – contra indivíduos, grupos familiares e ao seu patrimônio
material e imaterial. Os acontecimentos que tiveram curso nos anos de 2013, 201741 e
202042 jogam luz em estruturas sociais mais profundas, que, como disse, necessitam ser
consideradas preventivamente.
As situações que necessitam de imediata prioridade no que tange a segurança
física, social e patrimonial são:
a) As TI Mura que ficam em Manicoré − que são Ariramba, Jauary e Lago
Capanã – são as mais próximas à BR-139 e que sofrem o impacto mais
imediato. A situação dos ramais e a insegurança expõe a população a uma
situação de alto risco e à múltiplas vulnerabilidades;

40
Cf. Philip Martin Fearnside, “Audiências públicas BR-319: um atentado aos interesses nacionais do
Brasil e ao futuro da Amazônia” (28/9/2021). Disponível em: https://amazoniareal.com.br/audiencias-
publicas-br-319-um-atentado-aos-interesses-nacionais-do-brasil-e-ao-futuro-da-amazonia/.
41
Em 27 de outubro de 2017, as instalações e os equipamentos do Ibama e do ICMBio no município de
Humaitá/AM foram atacadas e destruídas e foi ateado fogo como represália pela ação dessas agências
governamentais federais (apoiadas pelo MPF e forças policiais) autuando, apreendendo e destruindo
máquinas e equipamentos, e fechando áreas de garimpo irregulares nas margens do rio Madeira. Essa ação
foi precedida de outra contra madeireiras e a agroindústria no distrito de Matupi. Os relatos são de “uma
massa de garimpeiros e familiares injuriados” depredando e ateando fogo.
42
Referente à ação das polícias civil e militar contra indígenas e ribeirinhos no rio Abacaxis, em meados
de 2020. Falaremos disso mais para frente.

66
b) A situação de Humaitá, onde vivem os Kawahiva, a TI Tenharim-Marmelo,
Diahui, Parintintins, a TI Nove de Janeiro e, até mesmo, a TI do Igarapé Preto.
Os indígenas ali vivem em uma situação tensa, insegura e complexa, em
decorrência dos ramais da BR-230, pressionados pela pavimentação da BR-
319, pela extração irregular de madeira, pelo garimpo etc., isso já entrando
pelo município de Manicoré; e
c) Os Apurinã de Tapauá nas TI Igarapé São João e Igarapé Tauamirim. Talvez
numa situação menos tensa, mas não menos insegura. Isso porque tem ramal
da BR-319 que facilita a entrada de invasores e retirada de recursos naturais.43

No quadro que se segue, sistematizamos as informações levantadas por terra


indígena. As linhas da tabela destacadas com verde identificam as TIs situadas no trecho
do meio da BR-319; as com cor amarela marcam as TIs incluídas no projeto Formar
Protocolos de Consulta, sobre o qual falaremos mais para frente.

43
O Estudo do Componente Indígena (ECI) do trecho km 250,0 ao km 655,0 da BR-319, com todas as
críticas que a ele possa ser feito pelas circunstâncias em que foi incrementado, não deixa de ser interessante
recurso onde buscar pistas na caracterização dessas TIs e as ameaças e pressões aos territórios e as
populações. Os documentos que fazem parte do ECI estão na altura da data de 21/07/2020 no link:
https://sei.ibama.gov.br/processo_acesso_externo_consulta.php?id_acesso_externo=381455&infra_hash=
a8285b461f65aab0618bf47f81ec0ecb.

67
Tabela 1: Terras e Populações Indígenas na área da BR-319 e principais ameaças

Número Terra Povo Município UF Situação da População Observações


no mapa Indígena TI

1 Vista Alegre Mura Manaquiri AM Delimitada 117 Desmatamento total até o ano 2000: 1.051
hectares; até 2019: 1.572 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4468
2 Fortaleza do Mura Manaquiri AM Regularizada 83 Desmatamento total até o ano 2000: 391 hectares;
Castanho até 2016: 499 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4127
3 Tabocal Mura Careiro AM Homologada 16 Desmatamento total até o ano 2000: 193 hectares;
total até 2003: 195 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4079
4 Lago do Mura Careiro AM Regularizada 75 Desmatamento total até o ano 2000: 601 hectares;
Marinheiro total até 2004: 649 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4364
5 Rio Jumas Mura Careiro AM Regularizado 211 Desmatamento total até o ano 2000: 121 hectares;
total até 2017: 243 hectares. Em 2015, a Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) divulgou o pré-edital da

68
13ª Rodada de Licitações de blocos para
exploração e produção de petróleo e gás natural, a
TI Rio Jumas era uma das afetadas.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4123
6 Gavião Mura Careiro da AM Regularizada 115 As TI Gavião e Ponciano, localizadas em Careiro
Várzea da Várzea e em Autazes, são constantemente
invadidas por não indígenas para exploração ilegal
de madeira. Lideranças já registraram denúncia e
há um inquérito aberto pelo MPF para investigar
os crimes. Foram também acionados para
providências a Funai, o Ibama e a Polícia Federal.
Desmatamento total até o ano 2000: 165 hectares;
total até 2020: 282 hectares. Em 2015, a Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) divulgou o pré-edital da
13ª Rodada de Licitações de blocos para
exploração e produção de petróleo e gás natural, a
TI Rio Jumas era uma das afetadas.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3670
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
7 Cunhã- Mura Borba, Autazes AM Regularizada 587 Desmatamento total até o ano 2000: 731 hectares;
Sapucaia total até 2020: 1.138 hectares. A TI está localizada
no entorno da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) Matupiri. Assim como a RDS,

69
a TI é alvo da ação de embarcações de pescadores
comerciais de outras localidades.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3653
8 Ariramba Mura Manicoré AM Regularizada 73 Formar Protocolos de Consulta
Desmatamento total até o ano 2000: 86 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4109
9 Lago Capanã Mura Manicoré AM Regularizada 197 Formar Protocolos de Consulta
Invasão; abertura de trilhas dentro da TI;
pavimentação da BR-319. Grilagem, extração de
madeira e pesca. Ramais ilegais sendo construídos
no interior da Terra Indígena a partir da BR-31944.
Na TI Lago Capanã, há mais de uma década são
abertas trilhas, conhecidas como “picadões”, que
vêm da BR319 e seguem na direção do Lago
Capanã. Desmatamento total até 2012: 7 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4089
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf

44
Cf. vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s20KKAVgwYg&t=1s

70
10 Ariramba Mura Manicoré AM Regularizada 73 Formar Protocolos de Consulta
Desmatamento total até 2000: 86 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4109
11 Ariramba Mura Manicoré AM Regularizada - Formar Protocolos de Consulta

12 Nove de Janeiro Diahui Humaitá AM Regularizada 206 Formar Protocolos de Consulta


Desmatamento total até o ano 2019: 903 hectares.
Conta com Plano de Gestão Territorial e
Ambiental (PGTA) apoiado pelo Fundo
Amazônia.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/en/terras-
indigenas/3779
http://www.amazonfund.gov.br/pt/projeto/Gestao-
territorial-indigena-no-Sul-do-Amazonas/
13 Jacareúba/Kata - Canutama, AM Sob estudo - Área com indígenas isolados. Desmatamento total
wixi Lábrea até o ano 2000: 104 hectares; total até 2020: 5.798
hectares. Sobreposição com o Parque Nacional
Mapinguari (96,11%) e a Reserva Extrativista
Ituxi (3,11%).
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4712
14 Juma Juma Canutama AM Regularizada 15 A falta de fiscalização dos territórios pelos órgãos
competentes tem facilitado a entrada desses
invasores. Os indígenas relataram a abertura de

71
uma picada na mata, que já alcançou o cemitério
do povo. A Funai foi notificada sobre tal invasão e
informou que iria deslocar um servidor e soldados
do exército para fiscalizar a área.
Até o momento, tal ação não aconteceu. As
lideranças também denunciaram ao MPF outra
invasão na TI Juma, ocorrendo no acesso pela BR-
219. Desmatamento total até 2020: 53 hectares.
Área invadida por madeireiros e caçadores.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3949
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
15 Caititu Apurinã, Lábrea AM Regularizada 1.022 Em 2016, houve uma tentativa de ocupação de
Jamamadi, parte do território indígena e da APA por não
Paumari indígenas com apoio de comerciantes e do poder
público local. Desmatamento total até o ano 2000:
861 hectares; total até 2020: 1695 hectares. Conta
com Diagnóstico e com Plano de Gestão da TI.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3633
http://novacartografiasocial.com.br/ocupacao-de-
terra-em-labrea/
16 Paumari do Apurinã, Lábrea AM Regularizada 1.076 Desmatamento total até o ano 2000: 700 hectares,
Lago Marahã Paumari total até 2020: 1.238 hectares.

72
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3962
17 Paumari do Rio Paumari Lábrea AM Regularizada 235 Ação de pescadores e madeireiros no interior da
Ituxi TI. Desmatamento total até o ano 2000: 72
hectares; total até 2018: 100 hectares. Há isolados
no rio Ituxi com território sem providências.
Integra o “Levantamento Etnoecológico das Terras
Indígenas do Complexo Médio Purus II: Paumari
do Lago Marahã, Paumari do Rio Ituxi e
Jarawara/Jamamadi/Kanamati” (2008).
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3969
18 Diahui Diahui Humaitá AM Regularizada 115 Formar Protocolos de Consulta
Ação de madeireiros. Desmatamento total até
2020: 1.885 hectares. Sobreposição com a Flona
Humaitá (64,06%).
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3814
19 Tenharim Tenharim Humaitá, AM Regularizada 535 Formar Protocolos de Consulta
Marmelos Manicoré
Invasão; exploração ilegal de madeira; loteamento;
desmatamento. Também há interesses minerários.
Segundo Cimi regional Norte 1: “A abertura de
ramais ligando o distrito de Santo Antônio do
Matupi à rodovia BR-230, já denunciada pelas
lideranças, continua favorecendo a entrada de
invasores na TI Baixo Marmelos/Tenharim
Marmelos para a prática de desmatamento,

73
retirada e comércio ilegal de madeira nativa. Além
disso, em 2020, mesmo diante de uma situação
gravíssima de pandemia de Covid-19, os indígenas
identificaram que invasores estão fazendo
loteamento às margens do Rio Juqui, abrindo
clareiras e colocando marcos. A preocupação das
famílias indígenas é grande, pois a circulação de
não indígenas no território gera situações de
violências de todo tipo, destruição do meio
ambiente e doenças. Desmatamento total até o ano
2000: 1.309 hectares; total até 2020: 2.305
hectares. Sobreposição com a Floresta Estadual de
Rendimento Sustentado Rio Machado (0,02%).
Registro de indígenas isolados.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3869
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
20 Pirahã Mura- Humaitá AM Regularizada 592 Registro de isolados. Desmatamento total até o
Pirahã ano 2000: 248 hectares; total até 2020: 1.346
hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3823
21 Tenharim/Mar Tenharim Humaitá, AM Regularizada 393 Formar Protocolos de Consulta
melos Manicoré
Pressões e ameaças de madeireiros e fazendeiros.
Invasão; exploração ilegal de madeira; loteamento;
desmatamento. Existem dois processos minerários

74
na região. A abertura de ramais ligando o distrito
de Santo Antônio do Matupi à rodovia BR-230, já
denunciada pelas lideranças, continua favorecendo
a entrada de invasores na TI Baixo
Marmelos/Tenharim Marmelos para a prática de
desmatamento, retirada e comércio ilegal de
madeira nativa. Desmatamento total até o ano
2000: 1.309 hectares; total até 2020: 2.305
hectares. Floresta Estadual de Rendimento
Sustentado Rio Machado (0,02%).
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3869
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
22 Sepoti Tenharim Humaitá, AM Regularizada 110 Formar Protocolos de Consulta
Manicoré
Invasão; construção de estrada dentro da TI;
madeireiros. Lideranças Tenharim e a equipe do
Cimi fizeram um levantamento, in loco, de
informações sobre invasões na TI Sepoti. Durante
a expedição, próximo ao igarapé Cowatazinho,
avistaram as invasões dentro da TI. Avistaram
também uma estrada feita por madeireiros,
possivelmente vindo do quilômetro 180 da BR
230 Transamazônica, cortando o meio da TI,
chegando na beira do Rio Sepoti. O grupo
percebeu a presença de invasores, possivelmente
madeireiros, no mesmo local onde estavam. As
invasões na TI Sepoti estão acontecendo desde o
ano de 2010, quando os indígenas se depararam

75
com uma grande derrubada nos fundos do
território, que destruiu um de seus castanhais. As
denúncias já foram encaminhadas à Funai, mas,
até o momento, nada foi feito. As lideranças
solicitaram que a Polícia Federal faça a
investigação do que está ocorrendo dentro da terra
indígena, alertando que não apenas os Tenharim
estão em risco, mas também os Mura do Rio
Manicoré e Torá, vizinhos da área invadida.
Desmatamento total até o ano 2000: 23 hectares;
total até 2020: 361 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4062
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
23 Ipixuna Diahui Humaitá AM Regularizada 64 Formar Protocolos de Consulta
Desmatamento total até o ano 2000: 0 hectares;
total até 2018: 160 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3694
24 Torá Torá, Humaitá, AM Regularizada 326 Ação de pescadores. Desmatamento total até o ano
Apurinã Manicoré 2000: 50 hectares; total até 2018: 100 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3879

76
25 Sepoti Tenharim Humaitá, AM Regularizada - Formar Protocolos de Consulta
Manicoré

26 Rio Manicoré Mura Manicoré AM Regularizada 221 As invasões na TI Rio Manicoré continuaram a
ocorrer em 2020, a despeito da grave situação
vivenciada pelos povos indígenas, devido à
pandemia de Covid-19. Os invasores se utilizam
de um ramal vindo do distrito de Santo Antônio do
Matupi, município de Manicoré, onde existem
diversas serrarias. Grileiros e fazendeiros
continuam agindo na região. A falta de
fiscalização pelos órgãos competentes tem
favorecido a continuidade dos invasores e sua
prática de ilícitos no território indígena.
Desmatamento total até o ano 2000: 77 hectares;
total até 2020: 142 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4092
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
27 Lago Jauari Mura Manicoré AM Regularizada 187 Invasão; pavimentação da BR-319. Desmatamento
total até o ano 2000: 797 hectares; total até 2015:
1002 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4098

77
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
28 Lago Capanã Mura Manicoré AM Regularizada 197 Invasão; abertura de trilhas dentro da TI;
pavimentação da BR-319. Na TI Lago Capanã, há
mais de uma década são abertas trilhas,
conhecidas como “picadões”, que vêm da BR-319
e seguem na direção do Lago Capanã. As famílias
indígenas tornam-se mais vulneráveis a violências
e ameaças de todo tipo e sofrem a destruição das
riquezas naturais que seriam para seu próprio
usufruto. Madeireiros, pescadores e caçadores
adentram a TI. No início de 2020 um ramal foi
aberto adentrando a Reserva Extrativista Lago do
Capanã Grande em direção à Terra Indígena Lago
Capanã. Uma ponte foi construída com duas
castanheiras cortadas longitudinalmente no meio
para o acesso de tratores dentro da terra indígena.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4089
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
29 Apurinã do Apurinã Tapaun AM Regularizada 295 Formar Protocolos de Consulta
Igarapé
A TI Apurinã do Igarapé Tauamirim permanece
Tauamirim
invadida por posseiros. A abertura de um ramal
com acesso à rodovia AM-366 e a reconstrução da
BR-319 têm facilitado o assédio de invasores. Em
agosto de 2020, em carta assinada pelo cacique e
presidente da Federação das Organizações e

78
Comunidades Indígenas do Médio Purus,
Valdimiro Apurinã Faria, foi denunciado que
“apenas a manutenção da rodovia já tem causado
grande desmatamento, grilagem de terras e ramais
ilegais, que têm invadido as terras indígenas”.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3589
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
30 Apurinã do Apurinã Tapaun AM Regularizada 142 Formar Protocolos de Consulta
Igarapé São
Invasão de grileiros, madeireiros, caçadores,
João
pescadores e extrativistas não madeireiros. A
abertura de um ramal com acesso à rodovia AM-
366 e a pavimentação da BR-319 têm corroborado
com o assédio de invasores. Desmatamento total
até 2018: 791 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3588
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
31 Itixi Mitari Apurinã Tapaun, Anori, AM Regularizada 311 Presença de posseiros, madeireiros e pescadores.
Beruri Desmatamento total até 2016: 2021 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4133

79
32 Lago Aiapuá Mura Anori, Beruri AM Regularizada 623 Ação de pescadores. Desmatamento total até 2016:
479 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3741
33 Lago do Beruri Tikuna Beruri AM Regularizada 26 Desmatamento total até 2020: 546 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3742
34 Ilha do Tikuna Anamã AM Regularizada 565 Desmatamento total até 2015: 48 hectares.
Camaleão
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3943
35 Setemã Mura Novo Aripuanã, AM Homologado 198 Ação de pescadores, arrendamentos, posseiros e
Borba fazendeiros. Desmatamento total até 2008: 400
hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4469
36 Arary Mura Novo Aripuanã, AM Regularizada 200 Pressão de pescadores e posseiros. Desmatamento
Borba total até 2015: 444 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4465
37 Coatá-Laranjal Munduruku Borba AM Regularizada 2.484 Ação de pescadores, garimpeiros e posseiros.
Desmatamento total até 2020: 8.270 hectares.

80
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3648
38 Lago do Limão Mura Borba AM Declarada 115 Desmatamento total até 2020: 193 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4467
39 Miguel/Josefa Mura Autazes AM Regularizada 448 Desmatamento total até 2017: 860 hectares
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4116
40 Padre Mura Autazes AM Regularizada 22 Nas terras em volta da Aldeia Padre, os búfalos
chegaram há dez anos. A água está imprópria para
o consumo, assim como na vizinha Taquara,
cercada por fazendas de criadores. Desmatamento
total até 2019: 107 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3783
41 Trincheira Mura Autazes AM Regularizada 251 Búfalos invadem igarapés dos muras.
Desmatamento total até 2019: 275 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3881
42 São Pedro Mura Autazes AM Regularizada 93 Área total identificada de desmatamento: em
2015: 123 hectares.

81
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/es/terras-
indigenas/3801
43 Itaitinga Mura Autazes AM Regularizada 25 Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3696
44 Paracuhuba Mura Autazes AM Regularizada 134 Desmatamento total até 2020: 348 hectares.
Atividades de prospecção de potássio.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3790
45 Recreio/São Mura Autazes AM Regularizada 172 Desmatamento total até 2002: 225 hectares.
Felix
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3837
46 Cuia Mura Autazes AM Regularizada 77 Desmatamento total até 2020: 614 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3652
47 Jauary Mura Autazes AM Delimitada 337 Ação de madeireiros e fazendeiros. Atividades de
prospecção de potássio dentro da TI.45
Desmatamento total até 2020: 9.060 hectares.
Mais informações em:
https://www.terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4466

45
Cf.: AZEVEDO, 2019. Ainda: Irregularidades e riscos do “Projeto Potássio Amazonas − Autazes” sobre as terras habitadas pelo povo indígena Mura. Disponível
em: https://infoamazonia.org/wp-content/uploads/2021/05/2018.02-BRAGATO-Estudo-de-Caso-Mura-Pota%CC%81ssio.pdf.

82
48 Paraná do Mura Itacoatiara AM Regularizada 103 Desmatamento total até 2019: 1.201 hectares.
Arauató
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4094
49 Rio Urubu Mura Itacoatiara AM Regularizada 378 Desmatamento total até 2020: 3.978 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4096
50 Murutinga/Trac Mura Autazes AM Declarada 1.534 Ação de fazendeiros e extrativismo madeireiro e
ajá não-madeireiro. Desmatamento total até 2020:
2.519 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3771
51 Boa Vista Mura Careiro da AM Regularizada 54 Ação de fazendeiros, posseiros e pescadores.
Várzea
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3619
52 Apipica Mura Careiro da AM Regularizada Desmatamento total até 2006: 620 hectares.
Várzea
Mais informações em:
Autazes https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4139
53 Apipica Mura Careiro da AM Regularizada 488 Desmatamento total até 2006: 620 hectares.
Várzea
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4139

83
54 Ponciano Mura Careiro da AM Declarada 225 As TI Gavião e Ponciano, localizadas em Careiro
Várzea da Várzea e em Autazes, são constantemente
invadidas por não indígenas para exploração ilegal
de madeira. Lideranças já registraram denúncia e
há um inquérito aberto pelo MPF para investigar
os crimes. Foram também acionados para
providências a Funai, o Ibama e a Polícia Federal.
Desmatamento total até 2019: 832 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4381
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
55 Patauá Mura Autazes AM Regularizada 47 As invasões na TI Patauá continuaram a ocorrer
em 2020. A TI Patauá é limítrofe a uma fazenda, e
os conflitos e ameaças aos indígenas são
constantes, pois o fazendeiro impede o livre
trânsito dos indígenas em seu próprio território. A
morosidade da Funai em agilizar os processos
demarcatórios das terras indígenas tem favorecido
que conflitos, invasões e violências de todo tipo
continuem a ser cometidas contra os indígenas.
Em 2020, não só os indígenas foram ameaçados
pelo fazendeiro, mas também membros da equipe
do Cimi. Desmatamento total até 2019: 212
hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4140

84
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
56 Fortaleza do Apurinã Manacapuru AM Regularizada 22 Desmatamento total até 2011: 86 hectares.
Patauá
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4029
57 Jatuarana Apurinã Manacapuru AM Regularizada 65 Desmatamento total até 2010: 182 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3709
58 Pinatuba Mura Manicoré AM Regularizada 608 Registro de indígenas isolados. Desmatamento
total até 2020: 1.098 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4091
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
59 Natal/Felicidad Mura Autazes AM Regularizada 118 Existe 1 processo minerário na região: sais de
e potássio.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3773
60 Sissaíma Mura Careiro da AM Declarada 296 Policiais militares apontaram armas para os
Várzea indígenas e derrubaram a barreira sanitária por
eles construída na TI Sissaíma, Amazonas, do
povo Mura. Segundo a denúncia dos indígenas,

85
eles entraram na aldeia de forma truculenta, sem
usar máscaras de proteção, em plena pandemia de
Covid-19. Além de ameaças contra as pessoas,
apreenderam objetos tradicionais confeccionados
pelos Mura, tais como cacetes e flechas.
Fazendeiros já haviam destruído placas de
identificação do território e tentado derrubar a
barreira. Os conflitos nessa área são intensos,
envolvendo diversos locais invadidos para retirada
de madeira e outros recursos naturais, dando lugar
à formação de pastos. Os Mura tiveram de
suspender a barreira sanitária, enfrentando
perseguições, o risco de serem contaminados pelo
coronavírus, o descaso e as invasões.
Desmatamento total até 2020: 3.460 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4977
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
61 Karitiana Karitiana Porto Velho RO Regularizada 333 Invasão possessória. Ação de extrativistas não
madeireiros, madeireiros, garimpeiros, posseiros e
grileiros. Existe 1 processo minerário na região. O
estado de Rondônia registrou 84 imóveis
particulares por meio do Cadastro Ambiental
Rural (CAR) a grileiros invasores, que estão
ocupando as TIs Karipuna e Karitiana. Com os
CAR, além de buscar legitimar a ocupação
indevida da terra, os invasores ainda estão
destruindo-a; sentindo-se legitimados, estão
derrubando a floresta e plantando capim no

86
interior das terras indígenas. Lideranças
encaminharam documento de denúncia e
solicitação de providências ao MPF.
Desmatamento total até 2020: 884 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3725
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
62 Karipuna Karitiana Porto Velho, RO Regularizada 55 Existem 2 processos minerários de ouro na região.
Nova Mamoré Grilagem e venda de lotes dentro da TI. Em 2015,
começa uma nova etapa da invasão, com o
loteamento e grilagem de terra no interior do
território demarcado. Há o registro de 84 lotes no
Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem
sobre a TI Karipuna, segundo dados do governo
do estado de Rondônia, por meio da Secretaria de
Desenvolvimento e Meio Ambiente. São inúmeras
as áreas derrubadas e as picadas feitas com
georreferenciamento. Os lotes são marcados pelos
grileiros, que transitam livremente no território. A
falta de fiscalização eficaz deixa o território livre
para a invasão. São, portanto, 84 lotes, com
registro no CAR, e o estado de Rondônia libera o
número do cadastro, mas não disponibiliza o nome
do infrator. Lideranças fizeram documento com
denúncias à Funai, Ibama, 6ª Câmara e MPF,
exigindo providências. Desmatamento total até
2020: 4.691 hectares.

87
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3723
https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2021/11/relatorio-violencia-
povos-indigenas-2020-cimi.pdf
63 Reserva Cassupá Porto Velho RO Regularizada 149 Desmatamento total até 2000: 5 hectares.
Indígena
Mais informações em:
Cassupá
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/5382
64 Lago do Apurinã Manaquiri AM Em estudo 25 Pressão de pescadores, caçadores e madeireiros.
Barrigudo
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4312
65 Igarapé do Apurinã Manaquiri AM Em estudo 34 Mais informações em:
Paiol https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/4313
66 Maratuba - Careiro AM Em estudo 45 Mais informações em:
67 Capivara Mura Autazes AM Em estudo 247 Existem 2 processos minerários de minério de
alumínio na região. Desmatamento total até 2019:
273 hectares.
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3640
68 Guapenu Mura Autazes AM Em estudo 527 Pressão e ameaças de fazendeiros. Existem 3
processos minerários de sais de potássio na região.
Desmatamento total até 2001: 876 hectares.

88
Mais informações em:
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3674

TOTAL 18.712
Fonte: FERRANTE, GOMES e FEARNSIDE (2000); Instituto Socioambiental e Cimi.

89
Mapa 4: Terras Indígenas na área afetada pela Rodovia BR-319

Fonte: FERRANTE, GOMES e FEARNSIDE (2000).

90
1 Unidades de conservação: riscos e ameaças

A criação e a viabilização das UCs no entorno da BR-319 têm sido uma das
principais estratégias de, nos últimos 30 anos, mitigar os impactos socioambientais
negativos decorrentes da abertura da BR e, de lá para cá, das tentativas de recuperar,
reconstruir e repavimentar a rodovia.
Em novembro de 2016, o MPF moveu processo judicial em face do ICMBio e da
União Federal, estabelecendo como obrigação do ICMBio implementar as UCs
localizadas no entorno da BR-319, em número de 11 UCs, como forma de garantir a
proteção ambiental e o direito das comunidades tradicionais localizadas no entorno da
rodovia (Processo n. 0017357-69.2016.4.01.3200). Meses depois, em 17 de maio de
2017, o processo do MPF foi parcialmente acatado pelo juiz da 7ª Vara Federal −
Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas, sendo condenado o ICMBio a
realizar:
1) o diagnóstico detalhado da real situação das áreas das UCs Resex Lago do Cuniã
e ESEC Cuniã (prazo 6 meses);
2) o diagnóstico da regularização fundiária das unidades: (a) Rebio Abufari, (b)
ESEC Cuniã, (c) Parna Nascentes do Lago Jari, (d) Parna Mapinguari, (e) Flona
Balata-Tufari, (f) Flona Humaitá, (g) Flona Iquiri, (h) Resex Rio Ituxi, (i) Resex
Médio Purus (Juruá), (j) Resex Lago do Cuniã e (k) Resex Lago do Capanã
Grande, com o levantamento ocupacional, a instauração de procedimento
administrativo para cada ocupação, a elaboração de um diagnóstico acerca da
situação fundiária global da UC e a elaboração de um plano de regularização
fundiária da UC (prazo 2 anos);
3) concluir o plano de manejo de 10 das 11 unidades de conservação, exceto da
Resex Lago do Capanã Grande, visto que já houve a aprovação do plano de
manejo desta UC (prazo 3 anos);
4) implementar de forma efetiva o conselho consultivo ou deliberativo para a Flona
Iquiri (prazo 6 meses); e
5) remanejar e lotar no mínimo dois servidores do órgão na Flona Iquiri nos termos
da sentença.46

46
A decisão do juiz federal encontra-se disponível na íntegra em: https://trf1.jus.br/sjam/comunicacao-
social/imprensa/noticias/decisao-justica-federal-condena-icmbio-por-falta-de-plano-de-manejo-das-
unidades-de-conservacao-federais-da-br-319.htm.

91
Tendo transcorrido quatro anos desde quando foi proferida a decisão, e ainda que
em realidade nenhuma obrigação tenha sido judicialmente atribuída ao ICMBio até o
momento e o processo aguarde proferimento de sentença (HOJAIJ e RAMOS, 2021),
recomendamos ao MPF que, junto com a Defensoria Pública do Amazonas e as
organizações sociais diretamente interessadas, promova um diagnóstico atualizado da
situação das 11 UCs, inclusive como elemento de pressão e persuasão ao proferimento da
sentença.
A seguir, apresento um quadro sintético com informações de 24 UCs na área de
influência da BR-319, com o registro das principais pressões e ameaças identificas.
Dessas 24, 11 estão localizadas no Trecho do Meio da BR-319, principal foco de interesse
e preocupação no atual momento, sendo cinco sob a responsabilidade do estado do
Amazonas e seis sob a responsabilidade do Governo Federal.47
O que se conclui das informações reunidas sobre cada uma das UCs é que, na sua
maioria, há registro de ocorrência de ocupação fundiária, inclusive com a abertura de
estradas vicinais (“ramais”), e de exploração de recursos naturais (madeira, pesca, caça,
inclusive garimpo) realizado por terceiros, de forma irregular. Que isso acontece inclusive
nas 11 UCs incluídas na decisão do juiz da 7ª Vara Federal − Ambiental e Agrária da
Seção Judiciária do Amazonas, que “condenou” o ICMBio a adotar medidas de proteção
e promoção as referidas unidades e à população tradicional que nelas habitam e delas
dependem para seu sustento e bem-estar. E que isso tem sido motivo de tensões entre
invasores e moradores legalmente estabelecidos e reconhecidos, com a ocorrência de
violências contra indivíduos e contra seus familiares, assim como conflitos internos nas
comunidades.
Por outro lado, em 2020, portanto bem recente, foi realizado um estudo sobre
atividades econômicas com recursos da sociobiodiversidade das famílias e comunidades
de 14 UCs situadas no curso da BR-319.48 No levantamento de informações foram usadas
informações da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema/AM), de
gestores e ex-gestores de UCs, e realizadas entrevistas remotas com os representantes
(dirigentes e corpo técnico) das organizações de base comunitária, entre os meses de
agosto e outubro de 2020. Abarcou três cooperativas e 14 associações localizadas em oito

47 Cf. CARLOS e MEIRELLES, 2018.


48 UCs inicialmente incluídas no estudo: FES Canutama; FES Tapauá; Flona de Humaitá; Flona de Balata-
Tufari; Flona do Aripuanã; Flona do Iquiri; RDS do Rio Madeira; RDS Igapó-Açu; RDS Rio Amapá;
Reserva Extrativista Canutama; Resex do Lago do Capanã Grande; Resex do Médio Purus; e Resex Ituxi.

92
municípios: Canutama, Careiro, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Nova Apurinã, Pauini e
Tapauá. Nas considerações finais, os realizadores do estudo afirmam que a primeira onda
da pandemia afetou as organizações comunitárias nas UCs dos municípios de Canutama,
Humaitá, Lábrea e Manicoré nos aspectos econômicos e sociais; que embora o governo
estadual e o federal tenham proibido a entrada de pessoas não moradoras nas UCs para
conter a chegada da Covid-19, os entrevistados não relataram a implementação de
qualquer política pública alternativa voltada à manutenção das atividades econômicas nas
comunidades. De outro lado, foi relatado que receberam doações necessárias para a
manutenção da sua segurança alimentar e sanitária, principalmente com organizações do
terceiro setor, ou seja, as comunidades se sentiram abandonas pelo chamado poder
público e em um momento de grande vulnerabilidade. A ocorrência da pandemia e a
atuação dos agentes sociais, uns omissos e ausentes, outros colaborando e tentando
contornar os desafios, deixou mais visível a ausências e fragilidades e a necessidade de
fortalecimento e coordenação das políticas e ações públicas destinadas aos produtos da
sociobiodiversidade e aos povos e comunidades tradicionais na região da BR-319. O
estudo conclui apresentando cinco recomendações que sugiro sejam consideradas nos
planos de ação futuros do MPF e do Grupo de Trabalho de Segurança Territorial dos
Povos e Comunidades Tradicionais.49
De forma resumida, as recomendações são:
 que as necessidades das UCs sejam definidas com os seus moradores, de forma
participativa nas instâncias de decisão, para buscar soluções e subsidiar políticas
públicas;
 tornar o fortalecimento das organizações sociais uma ação prioritária nas
estratégias de gestão das UCs;
 a presença efetiva do Estado para atender as necessidades urgentes geradas por
uma pandemia;
 o monitoramento dos casos de Covid-19 em áreas protegidas, a vacinação de toda
população indígena e outras comunidades tradicionais, e a promoção de
programas que gerem ampla conscientização sobre os benefícios da vacina e
combate às fake news; e

O relatório resumido do levantamento está disponível em: https://idesan-br319.s3.amazonaws.com/Nota-


49

Tecnica-OBR-319-n01-julho2021_final.pdf.

93
 a soma de esforços dos governos estadual e federal para assegurar a governança
dessa região, fortalecendo os órgãos ambientais (Sema-AM, ICMBio e Ibama) e
as ações de comando e controle, a fim de garantir a segurança territorial,
alimentar, sanitária e econômica dos moradores locais.

Na tabela que segue demos destaque (com a cor amarela) para duas informações
de situação que nos parece importante de serem observadas por leitores(as) deste
documento e, principalmente, por tomadores/as de decisão: (i) o fato da UC estar
localizada no chamado Trecho do Meio da BR-319, atualmente em processo de
licenciamento; (ii) e o fato da UC estar incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara
Federal em 2017, relativo ao Processo n. 0017357-69.2016.4.01.3200, do MPF.

94
Tabela 2: Unidades de Conservação e comunidades tradicionais na área da BR-319 e principais ameaças

UC (N. no Mapa) Área (ha) Ano de Tipo de Instância Observações


criação UC responsável
Estação Ecológica de 189.661,00 2001 Uso Federal Trecho do Meio da BR-319.
Cuniã (23) sustentável
com alterações (ICMBio) Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
em 2007 e
Municípios: Porto Velho/RO e Canutama/AM.
2010
Bacia: Madeira (84,45%) e Purus (15,55%).
Mosaico: Cuniã-Jacundá.
Pressões e ameaças: Ramais, proximidade com a BR-319.
Proximidade com área urbana de Porto Velho. Apresenta sobreposição
de área de 15,06% com a FERS Rio Madeira (C) e 0,02% com a RDS
Bom Jardim. Em 2007, os moradores das vilas de São Carlos e Nazaré
faziam uso dos recursos naturais do entorno e muitas vezes de dentro
da Estação, sem qualquer orientação e/ou controle. A fiscalização no
local era muito deficiente. Total identificado de desmatamento
acumulado até 2000: 476 hectares; acumulado até 2019: 1.172
hectares.
Mais informações: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/1404
Estação Ecológica Serra 87.409,00 1990 Proteção Federal Município: Porto Velho/RO.
dos Três Irmãos (4) Integral
Passou para o Bacia: Madeira (100%).
domínio do
Mosaico: Serras dos Três Irmãos e Antônio Mujica Nava.
ICMBio em 2010.
Pressões e ameaças: Até 2020, a Estação Ecológica Serra dos Três
Irmãos não possuía Plano de Manejo, tampouco Conselho Gestor.
Entre os principais conflitos presentes na UC, pode-se destacar:
construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, pesca ilegal,
desmatamento, invasão. De acordo com estudo de 2017, a construção
das Hidrelétricas de Jirau e Madeira aumentou drasticamente as
pressões nos últimos cinco anos. A pesca ocorre de forma ilegal nos
rios considerados berçários, provocando a redução de espécies nativas
e ameaçando a biodiversidade. O fácil acesso à UC facilita a entrada de
invasores e as práticas ilegais. Total identificado de desmatamento
acumulado até 2000: 0 hectares; acumulado até 2019: 14 hectares.
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/arp/826

95
Floresta Estadual 150.588,00 2009 Uso Estadual Municípios: Canutama/AM e Tapauá/AM.
Canutama (7) sustentável
(SEMA, 2014) Bacia: Purus (100%).
Pressões e ameaças: Em 2010 habitavam nessa região em torno de
200 famílias extrativistas (extrativistas, pescadores, caiçaras,
seringueiros, ribeirinhos e outros). Uso desordenado dos recursos
naturais, ausência de ordenamento fundiário e invasão de terras para
exploração dos recursos locais com fins comerciais, pesca em lagos e
exploração ilegal de madeira. Total identificado de desmatamento
acumulado até 2000: 516 hectares; acumulado até 2020: 1176 hectares.
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/arp/5054
Floresta Estadual de 63.813,00 1990 Uso Federal Município: Porto Velho/RO.
Rendimento Sustentado do sustentável
(mas sofreu Passou para o Bacia: Madeira.
Rio Madeira A (21)
redução na área domínio do
Pressões e ameaças: Essa UC e mais outras três foram transferidas em
devido a ICMBio em 2010.
2010 pelo Governo do Estado de Rondônia em favor do Governo
presença de
Federal, através do ICMBio. Invasão de grileiros, violência fundiária,
títulos)
pressão política por desafetação
Mais informações em: https://parquesnobrasil.info/es/arp/821
Floresta Estadual de 51.856,00 1996 Uso Estadual Municípios: Porto Velho/RO.
Rendimento Sustentado do sustentável
(CUC/SEDAM) Bacia: Madeira.
Rio Madeira B (20)
Pressões e ameaças: Até 2020, a FERS Rio Madeira B não possuía
plano de Manejo, tampouco conselho gestor e quadro de funcionários,
tornando-se vulnerável ao desenvolvimento de atividades ilegais. A
extração de madeira, a pastagem, a caça, a pesca, a mineração e os
incêndios de origem antrópica são atividades comuns na Unidade. O
desmatamento para a conservação do uso do solo em pastagem é
considerado uma das maiores ameaças. Total identificado de
desmatamento acumulado até 2000: 978 hectares; acumulado até 2020:
5875 hectares. Pressão política por sua desafetação, invasão de
caçadores.
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/3016
Floresta Estadual Tapauá 881.704,00 2009 Uso Estadual Trecho do Meio da BR-319.
(9) sustentável
(SEMA – 2014) Municípios: Canutama e Tapauá/AM.

96
Bacia: Purus.
Pressões e ameaças: Proximidade com a BR-319, invasões a partir da
estrada, tentativas de abertura de ramais por parte de políticos de
Tapauá. Loteamento e comercialização de parcelas de terra no interior
da UC, desmatamentos e queimadas e com pressão sobre comunitários
para saírem dos locais ambicionadas. Total identificado de
desmatamento acumulado até 2000: 1.616 hectares; acumulado até
2020: 2270 hectares.
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/4842
Floresta Nacional de 1.077.859,00 2005 Uso Federal Trecho do Meio da BR-319.
Balata-Tufari (8) sustentável
(ICMBio − 2010) Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
Municípios: Canutama e Tapauá/AM.
Bacia: Purus.
Pressões e Ameaças: Cortada pela BR-230, invasões a partir da
estrada de caçadores, grileiros. Apresenta sobreposição de área de
2,47% com o PARNA Mapinguari. Loteamento e comercialização de
parcelas de terra no interior da UC. A população residente dessa UC é
composta principalmente de agricultores (pequeno proprietário rural ou
posseiro) totalizando em torno de 200 famílias. O Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade realizou, com o apoio da
Polícia Militar do Amazonas, uma operação de fiscalização dentro da
Floresta Nacional de Balata-Tufari e da Floresta Nacional de Humaitá,
ambas em Rondônia, de 25 a 29 de novembro. Os principais objetivos
da operação foram combater a invasão de terras públicas e o furto de
madeira, atendendo a denúncias das comunidades locais e também com
base em informações levantadas pelos servidores do ICMBio em
Humaitá (Fonte: ICMBio − http://www.icmbio.gov.br/ − 04/12/2019).
Total identificado de desmatamento acumulado até 2000: 2.680
hectares; total identificado de desmatamento acumulado até 2020:
6.675 hectares.
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/4266
Floresta Nacional de 468.790,00 1998 Uso Federal Trecho do Meio da BR-319.
Humaitá sustentável
(ICMBio − 2010) Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
Município: Humaitá
Bacia: Madeira.

97
Pressões e ameaças: Garimpo ilegal, invasões de madeireiros e
caçadores TI Diahui, 115 habitantes (30.484,00 ha). Apresenta
sobreposição de área de 6,387% com a TI Diahui. Tem como valor
estratégico o rio Madeira para escoamento de sua produção, ligando-se
diretamente ao polo madeireiro de Itacoatiara, estando próxima à BR-
319 e a 200 Km da capital rondoniense. A Floresta Nacional de
Humaitá apresenta algumas áreas desmatadas em seu interior e entorno
imediato. Embora algumas dessas alterações possam ter ocorrido antes
de sua regularização em 1998. Desmatamentos mais recentes foram
detectados próximos às áreas ocupadas pela pecuária, no entorno da
rodovia Transamazônica. Total identificado de desmatamento
acumulado até 2000: 563 hectares; total identificado de desmatamento
acumulado até 2019: 716 hectares.
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/en/arp/1329
Floresta Nacional do Iquiri 1.476.073,00 2008 Uso Federal Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
(1) sustentável
(ICMBio) Município: Lábrea/AM.
Bacia: Madeira.
Pressões e ameaças: Proximidade com a BR-230, invasões. Ao ser
criada, tinha entre seus objetivos promover o manejo de uso múltiplo
sustentável dos recursos florestais, a manutenção e a proteção dos
recursos hídricos e da biodiversidade, a recuperação de áreas
degradadas, o apoio ao desenvolvimento de métodos de exploração
sustentável de florestas nativas e a pesquisa científica. Total
identificado de desmatamento acumulado até 2000: 2.445 hectares;
total identificado de desmatamento acumulado até 2020: 10.092
hectares
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/en/arp/4958
Parque Estadual do 513.747,00 2009 Proteção Estadual Trecho do Meio da BR-319.
Matupiri (16) Integral
(SEMA – 2014) Municípios: Borba e Manicoré/AM).
Bacia: Madeira.
Pressões e ameaças: Proximidade com a BR-319 e com o ramal
democracia (BR a Manicoré). Invasão de caçadores, grilagem. Está
localizado no interflúvio Purus-Madeira, nas bacias dos rios Matupiri e
Amapá, nos municípios de Borba e Manicoré, pertencente à
Microrregião do médio Madeira no estado Amazonas. Sua porção
nordeste limita-se com a TI Cunhã-Sapucaia e a RDS Matupiri. Na sua

98
porção central, é cortada pelo rio Matupiri, principal via de acesso ao
interior do PAREST. Considerando os direitos constitucionais
pretéritos dos Mura na área, criou-se a Zona de Uso Especial Indígena
na elaboração do Plano de Gestão da UCPI. Total identificado de
desmatamento acumulado até 2000: 395 hectares; total identificado de
desmatamento acumulado até 2019: 523 hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/es/arp/4858
Parque Nacional 1.744.852,00 2008 Proteção Federal Trecho do Meio da BR-319.
Mapinguari (3) alterações em Integral
(ICMBio) Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
2010 e 2012
Municípios: Porto Velho/RO, Canutama e Lábrea/AM.
Bacia: Purus (90,21%) e Madeira (9,79%).
Pressões e ameaças: Apresenta sobreposição de área de 1,537% com a
Flona Balata-Tufari e 32,92% com a TI Jacareúba/Katawixi. O parque
nacional fica no interflúvio dos rios Purus e Madeira, nos municípios
de Lábrea e Canutama, no sul do Amazonas, na divisa com Rondônia.
Além do impacto da BR-319, o parque está no caminho do
desmatamento para soja e gado que avança desde o estado vizinho.
Total identificado de desmatamento acumulado até 2000: 1638
hectares; total identificado de desmatamento acumulado até 2020:
13500 hectares
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/arp/4968
Parque Nacional Nascentes 812.141,00 2008 Proteção Federal Trecho do Meio da BR-319.
do Lago Jari (10) Integral
(ICMBio – 2012) Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
Municípios: Beruri e Tapauá/AM.
Bacia: Purus (79.9%) e Madeira (20.1%)
Pressões e ameaças: Pesca ilegal, presença de frota comercial,
presença do tráfico, invasões. Apresenta sobreposição de área de
0,65% com a RDS Igapó-Açu. Total identificado de desmatamento
acumulado até 2000: 2267 hectares, e até 2020: 2344 hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/en/arp/4843
Reserva Biológica do 288.000,00 1982 Proteção Federal Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
Abufari (11) Integral
(ICMBio – 2011) Município: Tapauá/AM.
Bacia: Purus

99
Pressões e ameaças: Coleta de ovos, hidrovia, invasões, grilagem,
pesca predatória, extração madeira insustentável, caça, coleta ilegal,
mudanças climáticas. Ao ser criada em uma área que já estava ocupada
por comunidades que historicamente dependiam do uso dos recursos
naturais para a sua sobrevivência, estabeleceu-se um conflito territorial
que marca os mais de 30 anos de existência da REBIO do Abufari.
Uma parcela da população residente foi removida. Outra parcela, frente
à restrição ao uso dos recursos naturais, migrou para outros locais.
Outra parcela permanece residindo na REBIO do Abufari até hoje,
sempre enfrentando dificuldades para manter suas práticas extrativistas
frente às restrições de uso impostas pela categoria da UC. Em meados
da década de 1980, iniciou-se um conflito também com os indígenas
em relação ao uso da praia Bem-Te-Vi Velho, interditada pelo IBDF.
Esta área, segundo os índios Apurinã, tratava-se de área de uso: caça,
pesca e coleta de ovos. Pressões e Ameaças: coleta de ovos; hidrovia;
pesca insustentável; extração madeira insustentável; caça; agricultura
de várzea; coleta ilegal; e mudança climática. Total identificado de
desmatamento acumulado até 2000: 200 hectares; e até 2020: 401
hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/617
Reserva de 589.611,28 2006 Uso Estadual Municípios: Novo Aripuanã/AM.
Desenvolvimento sustentável
(SEMA/DEMUC) Bacia: Madeira
Sustentável do Juma (19)
Pressões e ameaças: Invasão de madeireiros, retirada ilegal de
madeira. Em 2007, cerca de 11 comunidades habitavam a reserva
praticando o roçado. Existem áreas de "terra preta", que provavelmente
resultaram de atividades agrícolas pelos indígenas, que são utilizadas
para o cultivo de subsistência. A extração de madeira, ouro e seixo,
assim como o extrativismo de óleo da copaíba, são as principais
atividades econômicas. Há a presença de mogno e o interesse
comunitário para sua comercialização. A região está ameaçada pelo
avanço do desmatamento para plantio de soja, pela iminente
exploração madeireira e pelo projeto de construção de duas
hidrelétricas no alto Aripuanã (MT), que terão um profundo impacto na
biota e na paisagem. Total identificado de desmatamento acumulado
até 2000: 5664 hectares; acumulado até 2020: 7614 hectares
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/4774
Reserva de 179.083,00 2009 Uso Estadual Trecho do Meio da BR-319.
Desenvolvimento sustentável

100
Sustentável do Matupiri (SEMA/DEMUC) Município: Borba/AM.
(17)
Bacia: Madeira
Pressões e Ameaças: Proximidade com a BR-319. A UC foi criada
juntamente com outras cinco para responder parte da exigência para
concessão do licenciamento ambiental das obras de recuperação da
Rodovia BR-319. Total identificado de desmatamento acumulado até
2000: 0 hectares; até 2003: 15 hectares
Mais informações em: https://uc.socioambiental.org/es/arp/5055
Reserva de 216.109,00 2005 Uso Estadual Trecho do Meio da BR-319.
Desenvolvimento sustentável
(SEMA/DEMUC) Município: Manicoré/AM.
Sustentável do Rio Amapá
(15) Bacia: Madeira
Pressões e ameaças: Invasões, garimpo, grilagem, proximidade com
BR-319 e Ramal Democracia. Localizada no interflúvio Madeira-
Purus, sua paisagem é composta por Mata de Terra Firme (com alta
densidade de castanheiras), Igapós, Campinas e Campinaranas. A área
é drenada pelos Rios Amapá e Jutaí, e é parte de um complexo de
campos isolados com alto endemismo. Seus campos apresentam
ambientes especiais, com espécies típicas de Cerrado e de Campina
Amazônica. A região é uma importante área de cabeceiras com
drenagem superficial e sujeita a alagações sazonais. A demanda pela
criação da RDS partiu da Central das Associações Agroextrativistas de
Democracia (CAAD), formada por comunidades do entorno do Rio
Madeira e da AM-464. A existência de ambientes únicos, como as
Campinas, que abrigam espécies endêmicas de aves faz da RDS um
lugar com imenso potencial para o turismo científico, ornitológico,
ecológico e educativo. Total identificado de desmatamento acumulado
até 2000: 470 hectares; até 2001: 473 hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/4335
Reserva de 283.117,00 2006 Uso Estadual Municípios: Borba, Manicoré, Novo Aripuanã (AM).
Desenvolvimento sustentável
(SEMA/DEMUC) Bacia: Madeira.
Sustentável do Rio
Madeira (18) Pressões e ameaças: Invasões, garimpo, hidrovia e desmatamento
(12965 ha até 2020).
Mais informações em:
https://uc.socioambiental.org/arp/4773?order=title&sort=asc

101
Reserva de 397.557,32 2009 Uso Estadual Trecho do Meio da BR-319.
Desenvolvimento sustentável
(SEMA/DEMUC) Municípios: Beruri, Borba e Manicoré/AM.
Sustentável Igapó-Açu
(13) Bacia: Madeira
Pressões e ameaças: Proximidade com BR-319, invasões, grilagem e
desmatamento. Apresenta sobreposição de área de 1,34% com a
PARNA Nascentes do Lago Jari. Os habitantes que ocupam a área da
UC são principalmente agricultores (pequeno proprietário rural ou
posseiro) quantificados em torno de 200 famílias. A proposta de
criação dessa UC, em conjunto com outras cinco, é de formar uma
"barreira verde" no entorno da rodovia BR-319, que liga Manaus a
Porto Velho, para conter o avanço da agropecuária e da extração
predatória de recursos naturais no Sul do Amazonas. Total identificado
de desmatamento acumulada até 2000: 5315 hectares; até 2015: 5402
hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/es/arp/4859
Reserva de 1.008.167,00 2003 Uso Estadual Municípios: Anori, Beruri, Tapauá e Coari
Desenvolvimento sustentável
(SEMA/DEMUC) Bacia: Purus
Sustentável Piagaçu-Purus
(12) Pressões e ameaças: Proximidade com a BR-319, invasões, presença
de frota pesqueira, pesca ilegal. Distante 223 km de Manaus, em 2003
a área da RDS era uma das mais bem conservada e rica da bacia do Rio
Purus. Total identificado de desmatamento acumulado até 2000: 1384
hectares; acumulado até 2020: 2262 hectares.
Mais Informações em: http://meioambiente.am.gov.br/reserva-de-
desenvolvimento-sustentavel-piagacu-purus/
Reserva Extrativista 197.986,00 2009 Uso Estadual Município: Canutama/AM.
Canutama (6) sustentável
(SEMA/DEMUC) Bacia: Purus
Pressões e ameaças: Crescimento da grilagem, com desmatamento e
queima da floresta. Omissão e conluio do poder público e forças de
segurança (polícia militar). Ameaças sobre as pessoas que denunciam.
Em 2010 habitavam nessa região em torno de 200 famílias extrativistas
(extrativistas, pescadores, caiçaras, seringueiros, ribeirinhos e outros).
Total identificado de desmatamento acumulado até 2000: 516 hectares;
acumulado até 2020: 1.176 hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/5053

102
Reserva Extrativista do 304.146,00 2004 Uso Federal Trecho do Meio da BR-319.
Lago do Capanã Grande sustentável
(ICMBio) Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
(14)
Município: Manicoré
Bacia: Madeira (94,36) e Purus (5,64%).
Pressões e ameaças: Ramais, proximidade com a BR-319. Total
identificado de desmatamento acumulado até 2000: 3.653 hectares;
acumulado até 2018: 4.175 hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/4240
Reserva Extrativista do 74,659.00 1999 Uso Federal Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
Lago do Cuniá (22) sustentável
(ICMBio) Municípios: Porto Velho/RO.
Bacia: Madeira.
Pressões e ameaças: Em 2001, abrigava 50 famílias, cerca de 400
pessoas, cuja principal atividade econômica é a pesca. Total
identificado de desmatamento acumulado até 2000: 99 hectares;
acumulado até 2006: 262 hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/en/arp/1368
Reserva Extrativista Ituxi 776.940,00 2008 Uso Federal Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
(2) sustentável
(ICMBio) Município: Lábrea.
Bacia: Purus
Pressões e ameaças: Grilagem, invasões, porção sul próxima a Ponta
do Abunã e a porção sul muito perto da fronteira do desmatamento em
expansão. Apresenta sobreposição de área de 2,42% com a TI
Jacareúba/Katawixi. Total identificado de desmatamento acumulado
até 2000: 466 hectares; acumulado até 2020: 1767 hectares. Em 2015,
eram 123 famílias, um total de 523 pessoas. Situada na região do
chamado “arco do desmatamento”, na porção sul do Amazonas, a
Resex sofre com as pressões relacionadas ao desmatamento.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/pt-br/arp/4851
Reserva Extrativista Médio 604.209,00 2008 Uso Federal Incluída na decisão parcial do juiz da 7ª Vara Federal em 2017.
Purus (5) sustentável
(ICMBIO) Municípios: Lábrea, Pauini e Tapauá/AM.
Bacia: Purus

103
Pressões e ameaças: Invasões, pesca ilegal. Em 2010, congregava
ribeirinhas e comunidades indígenas somando ao todo cerca de 92
comunidades. As principais atividades econômicas estão relacionadas
ao uso tradicional da castanha, copaíba, andiroba, seringa, açaí,
urucuri, bacaba e da pesca sustentável de várias espécies. Sua criação
atendeu à reivindicação apresentada ao Ibama em 2001 pela
Associação dos Produtores da Reserva Extrativista de Lábrea,
composta então por cerca de 3.000 pessoas, que vivem da extração de
borracha, castanha-do-Brasil e andiroba, garantindo o usufruto dessa
área pelas populações tradicionais e ordenando a ocupação territorial
que vem expulsando tais comunidades e gerando degradação do meio
ambiente. Total identificado de desmatamento acumulado até 2000:
2738 hectares; acumulado até 2020: 5018 hectares.
Mais Informações em: https://uc.socioambiental.org/arp/4860
Fontes: CARLOS e MEIRELLES (2018); SANSOLO (2020); Instituto Socioambiental (ISA) (consulta realizada em 20/10/2021).
(*) “A FLORSU tinha originalmente uma área de 63.813 ha, mas houve uma redução devido à presença de títulos particulares na área.” (ISA, 2021).

104
Mapa 5: Unidades de Conservação na área afetada pela Rodovia BR-319

Fonte: Sansolo (2020).

105
1 Consultas, audiências e protocolos

As informações até aqui obtidas nos dizem que ainda não foram realizadas
legítimas consultas às comunidades indígenas localizadas a 40 km de ambos os lados da
BR-319, muito menos às comunidades tradicionais. Foram realizadas, sim, quatro
audiências públicas, procedimento contestável no caso desse tipo de grupo sociocultural
e considerando a legislação específica. Isso tanto em relação ao chamado Lote C quanto
no Trecho do Meio.
Em agosto de 2020, o Dnit lançou edital para reconstrução do Lote C (km 177,8
a 250) da BR-319, sem estudo de impacto socioambiental, licenças ambientais e consulta
aos povos indígenas afetados pela obra. O Ministério Público Federal tentou suspender a
licitação, mas a ação foi indeferida liminarmente pelo presidente do STJ, ministro
Humberto Martins. A decisão liminar do ministro permitiu a contratação da empreiteira
LCM Construções, que já deu início aos trabalhos de recuperação do trecho da rodovia,
sem o devido processo legal de consulta às comunidades.50
O governo federal e suas agências51 também seguem pressionando para que o
início das obras de recuperação e repavimentação do Trecho do Meio (km 250 a 655,7)
ocorra em 2022. Para isso, em setembro passado deu início à etapa das audiências
públicas previas ao licenciamento. A ação foi contestada pelo MPF, que “recomendou”
ao Ibama:
a) a suspensão de todas as medidas administrativas e executivas em andamentos no
âmbito da BR-319 potencialmente impactantes − Rodovia e seus ramais existentes e
previstos;
b) a inclusão de forma mínima inicialmente, entre os povos tradicionais a serem
consultados – indígenas, ribeirinhos, extrativistas, entre outros – aqueles que,
independentemente de regularização ou não de seu território tradicional, estão na área
de influência do trecho da rodovia; e
c) e que realize o procedimento de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé junto
aos referidos povos tradicionais, ofertando condições adequadas à construção de

50
Cf. na página do MPF: “Tribunal determina suspensão das obras de pavimentação do trecho C da BR-
319”, de 2/3/2021. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/am/sala-de-imprensa/noticias-am/tribunal-
determina-suspensao-das-obras-de-pavimentacao-do-trecho-c-da-br-319.
51
Na esfera governamental, a obra conta com o apoio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do
Governo Federal, que qualificou a repavimentação do Trecho do Meio da BR-319 como obra prioritária do
seu “programa de crescimento econômico”, e o envolvimento direto dos seguintes órgãos: Dnit, Ibama,
Funai, ICMBio e Iphan.
106
protocolos de consulta ou, no mínimo, por meio da pactuação de planos de consultas
com tais povos.52
As “recomendações” também foram encaminhadas ao Dnit, à Secretaria do
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), à Funai, ao ICMBio, ao Instituto de
Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), à Secretaria de Estado de Meio Ambiente
(Sema), às organizações da sociedade civil participantes do Fórum da BR-319,
movimentos sociais, entre outros.53
O Observatório BR-319 também se manifestou contrário à realização das
audiências na conjuntura sanitária e política atual, por entender que não havia condições
de realizar um processo efetivamente transparente e participativo, especialmente com
povos indígenas e comunidades tradicionais.54
Mas como dizem: tudo passou como se nada tivesse ocorrido. Ou melhor, as
“recomendações” e a necessidade de acatamento por parte do governo federal e agências
envolvidas, sob pena de responsabilização dos destinatários e dirigentes por sua conduta
comissiva ou omissiva, foram derrubadas pelo governo no Tribunal Regional Federal da
1ª Região (TRF1). As audiências foram realizadas em Manaus no dia 27 de setembro, em
Careiro/Castanho no dia 28 de setembro, em Manicoré em 29 de setembro e em Humaitá

52
O Estudo de Impacto Ambiental e seu relatório resumido (EIA Rima) elaborado pela empresa consultora
Engespro Engenharia Ltda. foi entregue em versão revisada de 30/6/2021 ao Ibama para análise. É o
principal documento do processo de licenciamento, com aproximadamente 6.000 páginas, que tem as
audiências públicas como um dos momentos-chave de análise e posicionamento. O Rima encontra-se
disponível em: https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/portais-tematicos/br-319-am-ro/audiencias-
publicas/rima/br-319-rima.pdf.
53
Cf. notícias na página do MPF: “MPF: licenciamento da BR-319 não deve ser discutido antes que estudos
de impacto ambiental sejam concluídos”, de 29/7/2021 (http://www.mpf.mp.br/am/sala-de-
imprensa/noticias-am/obras-da-br-319-devem-ser-suspensas-ate-que-povos-indigenas-e-tradicionais-
sejam-consultados-recomenda-mpf) e “Obras da BR-319 devem ser suspensas até que povos indígenas e
tradicionais sejam consultados, recomenda MPF”, de 8/8/2021 (http://www.mpf.mp.br/am/sala-de-
imprensa/noticias-am/obras-da-br-319-devem-ser-suspensas-ate-que-povos-indigenas-e-tradicionais-
sejam-consultados-recomenda-mpf).
54
Cf. documento intitulado “Para Observatório BR-319, audiências públicas durante a pandemia
representam risco”, disponível em: https://idesam.org/noticia/para-observatorio-br-319-audiencias-
publicas-durante-a-pandemia-representam-risco/. Atualmente, fazem parte do Observatório da BR-319: a
Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Fundação Vitória Amazônica (FVA), Instituto de Conservação e
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB),
Wildlife Conservation Society (WCS) e WWF-Brasil. Mais informações sobre as audiências em:
Informativo n. 23, de setembro de 2021, do Observatório BR-319, disponível em: https://idesan-
br319.s3.amazonaws.com/Informativo-OBR-319-n23-Setembro2021_-_v2.pdf; Lideranças Indígenas
temem por sua ausência em audiência pública sobre os impactos da BR-319, disponível em:
https://idesam.org/conteudo/noticias/liderancas-indigenas-temem-por-sua-ausencia-em-audiencia-publica-
sobre-os-impactos-da-br-319/; e BR 319. Por que a participação popular importa?, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=fpRU40xroFg.
107
no dia 1º de outubro. Em todas houve o recurso de participação remota e o que foi gravado
e editado está disponível na página oficial do Dnit na plataforma YouTube.55
No nosso entender, e como no caso do denominado Lote C, em se mantendo a
atual correlação de forças nas sociedades política e civil brasileira no contexto da BR-
319, dificilmente haverá um processo legítimo de consultas aos povos indígenas e
comunidades tradicionais afetadas por ambas as obras. A atuação do atual governo federal
contraria inclusive aos critérios e procedimentos formalmente assumidos em um dos seus
principais documentos de orientação administrativa e procedimental. No Manual de
Licenciamento Ambiental Federal de Rodovias e Ferrovias, de 2020 (há uma 2ª versão
revisada publicada em maio de 2021), elaborado em conjunto pelo MInfra e pelo
Ministério da Economia. Nele estão descritos os aspectos gerais do licenciamento
ambiental federal, assim como as regras específicas que devem ser consideradas pelos
agentes públicos do setor de infraestrutura de transportes (rodovias e ferrovias), visando
à “transparência do modelo de gestão ambiental preconizado pelas políticas públicas em
meio ambiente”.56
No Manual está dito que é reponsabilidade do governo federal consultar aos povos
indígenas afetados em conformidade com o que determina o Decreto n. 5.051, de 19 de
abril de 2004, que promulgada a Convenção n. 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais. Que após receber a proposta de Termo
de Referência (TR) para elaboração do Estudo Ambiental, é atribuição do órgão ambiental
solicitar a manifestação de outros órgãos sobre a necessidade de elaboração de estudos
específicos, a depender da localização do empreendimento. No caso da Funai, ela entraria
em cena quando o empreendimento impacta terras indígenas, conforme estabelecido na
Portaria Interministerial MMA/MJ/MC/MS n. 60/2015. Nesses casos, reafirma o Manual,
o empreendedor (no caso o Dnit) deverá solicitar à Funai prévia autorização de ingresso
nas TI para que a equipe multidisciplinar de consultores contratados para realizar os

55
Ainda que restrita ao espaço oficial, as gravações geram pistas importantes sobre os riscos e ameaças aos
direitos territoriais, aos territórios/ambiente/recursos e à vida dos povos e comunidades indígenas e
tradicionais. Cf. Audiências públicas sobre a BR-319/AM
(https://www.youtube.com/watch?v=k3BnDZOrN2k); Audiência pública BR-319/AM – Humaitá
(https://www.youtube.com/watch?v=bFWvpIFlHXc); Audiência pública BR-319/AM – Manicoré
(https://www.youtube.com/watch?v=SX8GfVhA_yc); Audiência pública BR-319/AM − Careiro Castanho
(https://www.youtube.com/watch?v=Z3fYLpSGS2w); Audiência pública BR-319/AM – Manaus
(https://www.youtube.com/watch?v=qphFzdPUoQA).
56
O Manual está disponível em: https://www.gov.br/infraestrutura/pt-
br/assuntos/sustentabilidade/arquivos-sustentabilidade/manual_laf-1308-web.pdf (versão 2020) e
https://www.ppi.gov.br/publicacoes-institucionais/manual-de-licenciamento-ambiental-
federal3?np=2&di=&df=05/07/2021&re=15&pn=&tps=-1&tp=-1 (versão 2021).
108
estudos específicos inerentes ao processo de licenciamento ambiental adentre na TI e
realize os levantamentos necessário. Um exemplo: para a elaboração da versão preliminar
do Componente Indígena (CI) da etnia Mura (TI Lago Capanã e TI Ariramba) do processo
de Licenciamento Ambiental da BR 319-AM (Trecho km 250,0 ao km 655,0) foi
contratada a empresa consultora Consórcio Etnias-319, composto pelas empresas Laghi
Engenharia Ltda. (empresa líder do consórcio) e Mac Engenharia Ltda. A equipe foi
composta por dois antropólogos, um engenheiro civil, um ecólogo/geógrafo, um biólogo
e uma engenheira agrônoma. Para os levantamentos de campo nas TIs a equipe técnica
contou com a participação de seis pesquisadores indígenas (sendo quatro da TI Capanã e
dois da TI Ariramba) que acompanharam a equipe nos deslocamentos e expedições, e
auxiliaram na aplicação dos questionários socioeconômicos e nas oficinas de
mapeamento participativo.57
No caso Trecho do Meio, na atual fase, o Dnit é o empreendedor responsável pela
elaboração dos Estudos do Componente Indígena (ECI), a ser incorporado ao EIA/Rima
do Processo n. 50600.014708/2015-41 de licenciamento ambiental da rodovia BR-319, e
também pela elaboração do Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) do mesmo
processo, com o propósito de “identificar, mitigar e compensar” os impactos causados às
populações indígenas, com a pavimentação da rodovia supracitada “a fim de assim obter
a anuência da Funai para a emissão da Licença Prévia e da Licença de Instalação por parte
do Ibama”.
Ainda segundo o Manual, à Funai cabe analisar os termos de referência e os
relatórios referentes às TI, considerando sua expertise e a legislação vigente. Para efeitos
do licenciamento ambiental, o Manual define como TI:
a) as áreas ocupadas por povos indígenas cujo relatório circunstanciado de identificação
e delimitação tenha sido aprovado por ato da Funai, publicado no Diário Oficial da
União (DOU);
b) as áreas que tenham sido objeto de portaria de interdição expedida pela Funai em
razão da localização de índios isolados, publicada no DOU; e
c) demais modalidades previstas no art. 17, da Lei 6.001/1973. Por fim, no Manual são
indicados os seguintes normativos correlatos à TI: Lei n. 6.001/1973 (Estatuto do
Índio); a Constituição Federal de 1988 (inciso XI, Art. 20, Capítulo VIII); a Portaria
Interministerial n. 60/2015; e a Instrução Normativa Funai n. 02/2015.

57
Cf. Estudo do Componente Indígena: CI Preliminar da Etnia Mura (DNIT, julho/2020).
109
E para por aí, não faz menção, nem reconhece a importância dos protocolos
indígenas, muito menos haver algum incentivo ou apoio governamental ao processo
social e político de sua elaboração prévia e preparação das comunidades indígenas ao
processo específico de consultas governamentais. A elaboração de protocolos indígenas
de consulta no contexto da BR-319 merece um item específico.

5 Protocolos de consulta

O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB) está desenvolvendo um


curso de formação em protocolos de consulta que envolve integrantes de 13 TI, indicadas
na Tabela 1 (cf. acima, páginas 68 a 89). O IIEB atua na região Sul do Amazonas, tem
mais de dez anos, especialmente na formação e capacitação de indígenas na gestão de
seus territórios e projetos próprios de vida coletiva. Implementou curso de formação de
Gestores Ambientais Indígenas, de formação básica em PNGATI,58 entre outros.
Participaram desses cursos representantes de diferentes associações indígenas, como da
Associação do Povo Indígena Tenharin do Igarapé Preto (Apitipre), Associação do Povo
Indígena Tenharim-Morogita (Apitem), Organização do Povo Indígena Parintintin do
Amazonas (Opipam), Associação do Povo Indígena Jiahui (APIJ), Federação das
Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP), Organização dos
povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre (OPIAJBAM), Organização dos
Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi (OPIAJ) e Apitec. Na década passada, tive a
oportunidade de participar de etapas desses cursos em Humaitá e em Brasília. As
lembranças são de um público participante jovem, uma nova geração de lideranças sendo
formada, e outros já com mais idade, aportando sua experiência e conhecimentos
adquiridos. Provavelmente muitos daqueles jovens estejam hoje à frente de várias dessas
organizações indígenas.
A seguir um breve “entre parênteses” para falar da Política Nacional de Gestão
Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI). Instituída pelo Decreto n. 7.747,
de 5 de junho de 2012, e apoiando a elaboração e a implementação de Planos de Gestão
Territorial e Ambiental (PGTA) nas TI, a PNGATI tem por objetivo geral: “Garantir e
promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos
naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio

58
PNGATI é a sigla de Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, sobre a
qual falaremos logo a seguir.
110
indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e
cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia
sociocultural, nos termos da legislação vigente”. O PGTA é o instrumento de política
pública que, em tese, materializa o planejamento pactuado por toda a comunidade
indígena envolvida, do uso do seu território para fins culturais, ambientais e econômicos.
Em geral, desenvolve-se em torno de três eixos temáticos principais − proteção territorial,
manejo e uso sustentável de recursos naturais e formação –, mas traduz as particularidades
de cada contexto e as estratégias locais de gestão dos territórios indígenas. Não obstante
as dificuldades políticas, restrições orçamentárias e desmonte institucional havido nos
últimos anos nas políticas ambientais e indigenistas oficiais, a política segue em processo
de implementação e, espera-se, ganhe nova dinâmica em um cenário distinto do atual.59
O Projeto Formar Protocolos é implementado por um consórcio de organizações
sociais e tem por objetivo a elaboração de protocolos de consulta, a serem elaborados e
pactuados pelos povos indígenas em seus territórios. Tem como pano de fundo imediato
o processo de licenciamento da BR-319, mas está orientado por objetivos mais amplos.
O Projeto é implementado em 13 TI afetadas pelo Trecho do Meio, nos municípios de
Humaitá, Tapauá e Manicoré. Participam do consórcio o Instituto Internacional de
Educação do Brasil (IIEB), o Conselho Nacional das Populações Agroextrativistas
(CNS), a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coiab), o WWF
Brasil e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
(Idesam). Cerca de 35 pesquisadores e pesquisadoras indígenas da fase de formação
inicial e que, na prática, serão os agentes que desenvolverão a discussão e a preparação
dos protocolos nas aldeias com cada comunidade ou conjunto de comunidades nas TI.
Como nos demais cursos de formação liderados pelo IIEB, no Projeto Formar
Protocolos é dada uma atenção especial para a juventude indígena, mas não
exclusividade. Essa me parece ser uma boa opção de trato da questão formação, ao menos
para esse tipo de curso voltado para a intervenção social e política, tanto interna quanto
na ação pública na esfera institucional, pensada no curto e no médio prazo. No perfil dos
pesquisadores e pesquisadoras indígenas, não existe o critério de ser jovem e

59
A PNGATI foi instituída pelo Decreto Presidencial n. 7.747, de 5 de junho de 2012. Algumas
informações sobre planos e atividades recentes, cf. PNGATI (FUNAI, abril de 2021), disponível em:
https://www.gov.br/secretariadegoverno/pt-br/seminario-povos-indigenas/seminario/politica-de-gestao-
territorial-e-ambiental-pngati-e-politica-indigenista/painel-1/apresentacao-funai-politica-nacional-de-
gestao-territorial-e-ambiental-de-terras-indigenas.pdf; Funai promove série de oficinas para elaboração de
projetos de gestão ambiental em Terras Indígenas, publicado em 16/3/2021 e disponível em:
https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2021/funai-promove-serie-de-oficinas-para-elaboracao-
de-projetos-de-gestao-ambiental-em-terras-indigenas.
111
universitário. Na atual turma participante do Formar Protocolos, há um ou outro
universitário: o importante mesmo é conseguir ler em português e ser capaz de expressar-
se em português, de maneira oral e por escrito. Há liderança de associação indígena,
cacique e, também, jovens. É uma mistura (um mix) de liderança política, política
tradicional e jovens. Alguns interagiram com pesquisa universitária ou mesmo
participaram de cursos de formação de agente ambiental indígena, ou seja, vários têm
experiência prévia com metodologias e estratégias de planejamento e produção de
conhecimento em moldes acadêmico-científicos. Mas não é a maioria. Outra qualidade
importante para e dos pesquisadores e pesquisadoras envolvidos no Projeto é ser uma
pessoa com capacidade de mobilizar a comunidade na fase de elaboração dos protocolos,
lembrando que esse tipo de curso está voltado à interversão pública, tanto interna quanto
na esfera institucional do Estado brasileiro. A experiência do IIEB com a formação de
pesquisadores e pesquisadoras e de gestores e gestoras de projetos indígenas pode ser um
bom ponto de partida para ações de formação em direitos na defesa e autodefesa dos
territórios tradicionais.
O Projeto foi originalmente elaborado de forma presencial, mas, com a pandemia
da Covid-19, teve de ser adaptado para o contexto remoto, a distância, em um primeiro
momento. A seguir, virá a etapa semipresencial, quando os(as) pesquisadores(as)
indígenas irão desenvolver atividades nas aldeias com o acompanhamento da equipe do
consórcio. Por fim, está prevista, para o ano de 2022, uma etapa presencial, com a
realização de oficinas nas aldeias para a elaboração, propriamente, dos protocolos. A
primeira etapa se iniciou em julho/2021 e se encerra no final de novembro. São realizados
encontros semanais, um por semana, todas as terças-feiras à tarde.

6 Pressões e ameaças mais além do local

No Brasil, em especial na última década, adentramos em uma fase de visível


retrocesso político, que tem se manifestado no plano institucional com o desmonte das
políticas e instrumentos de promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas,
comunidades tradicionais e do ambiente. Uma dinâmica observável no Brasil, como
também em outras partes do mundo, onde agentes econômico-políticos passaram a
pressionar e ameaçar, de distintas formas, conquistas institucionais que se supunha
irreversíveis, como também os territórios onde vivem essas populações e são fonte e
condição para sua reprodução social. Recomendamos fortemente que o MPF e as

112
organizações sociais parceiras presentes no GT estejam atentos às movimentações que
ocorrem tanto nos espaços públicos quanto nos bastidores, em nível estadual e federal,
visando alterar regras e entendimentos duramente conquistados, em um processo político
de enfrentamentos e resistências com duração de algumas décadas.60
Pesquisadores e profissionais de conservação descrevem o processo de
enfraquecimento de áreas protegidas como “recategorização, redução e extinção de áreas
protegidas” (PADDD, por sua sigla em inglês). As mudanças legais têm se manifestado
por meio: da permissão ou da ampliação da intervenção humana dentro de áreas
protegidas (recategorização); da diminuição da extensão espacial de áreas protegidas
(redução); e da eliminação total do status de proteção (extinção). Observam que as causas
imediatas da maioria dos eventos de PADDD promulgados estão geralmente associadas
à extração e ao desenvolvimento de recursos em escala industrial ou às pressões fundiárias
locais e reivindicações de terras.61
Um exemplo disso é a decisão tomada pelo governador do estado de Rondônia, o
Coronel Marcos Rocha (PSL), que, no último dia 20 de maio de 2021 (evento bem
recente), sancionou a Lei Complementar n. 1.089, que, na origem, era o Projeto de Lei
Complementar (PLC) n. 080/2020 de autoria formal do Poder Executivo estadual. Por
seu intermédio, foi retirada a proteção de 219 mil hectares de duas unidades de
conservação no estado: a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual de
Guajará-Mirim. A Resex perdeu 169 mil hectares (quase 90% de seu território) e o Parque
Estadual perdeu 50 mil hectares. A Lei Complementar n. 1.089/2021, aprovada sem que
houvesse qualquer consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas afetados,
possibilitou que as TI Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão,
Karitina, além de povos que estão em isolamento voluntário na região que envolve as
áreas protegidas, passassem a sofrer mais invasões, atos de grilagem e desmatamento sem
qualquer licenciamento ambiental ou autorização para supressão de vegetação nativa. Isso
porque as áreas excluídas serviam como proteção ou zona de amortecimento. Uma parte
das áreas excluídas está sendo utilizada ilegalmente para o exercício da pecuária, em
completa afronta às normas legais. Ao invés de agir no sentido do cumprimento da lei, a
lei complementar perdoa os danos causados e abre a possiblidade de privatização de área
antes pública. Pouco dias após o ato de sanção da Lei Complementar, o Ministério Público
Estadual entrou na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra

60
Cf.: MELLO-THÉRY, 2021; VERDUM, 2021a.
61
Cf.: FORREST et al. 2015.
113
ela; e, no início de julho, o MPF encaminhou o caso à Procuradoria-Geral da República
(PGR), também alegando inconstitucionalidade.62
O Congresso Nacional é palco de disputa acirrada. Entre os mais de cem projetos
que tramitam na principal casa legislativa brasileira, há o Projeto de Decreto Legislativo
(PDL) n. 177, de 2021, que tem como propósito autorizar o Presidente da República a
retirar o Brasil da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Trata-se de uma proposição de direto interesse do setor agropecuário, e de modo geral do
agronegócio (agribusiness). O projeto legislativo tem como autor o deputado federal
Alceu Moreira (MDB/RS), que, no biênio 2019-2020, foi presidente da denominada
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também conhecida como “bancada
ruralista”.63
Além disso, está em processo de análise e julgamento, no STF, o Recurso
Extraordinário n. 1.017.365, envolvendo a comunidade da Terra Indígena Ibirama-La
Klãnõ, situada no estado de Santa Catarina, cuja “repercussão geral”, no tocante a futuras
demarcações de TI, foi reconhecida. O processo trata de uma ação de reintegração de
posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI
Ibirama-La Klãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. A decisão tomada
pelo STF servirá de diretriz para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário,
além de servir para balizar propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos
povos originários. O que estará em jogo é a adoção da “teoria do indigenato” ou da “teoria
do marco temporal”. A última, com base no Parecer Normativo Vinculante n.
001/2017/GAB/CGU/AGU (GMF-05) da Advocacia-Geral da União, aprovado pelo
presidente da República. Se o STF se posicionar favorável ao parecer, a Funai poderia
fazer uma revisão geral em todas as terras demarcadas, bem como deixaria de demarcar
eventuais áreas onde não existisse comprovação de ocupação indígenas na data de 5 de
outubro de 1988.

62
Mais informações em: MP entra na justiça contra lei que mutilou UCs em Rondônia
(https://www.oeco.org.br/noticias/mp-entra-na-justica-contra-lei-que-mutilou-ucs-em-rondonia/); MP
propõe Ação Direta de Inconstitucionalidade contra lei estadual que reduz Resex Jaci-Paraná e Parque
Estadual de Guajará-Mirim (https://www.mpro.mp.br/pages/comunicacao/noticias/view-noticias/42625);
Câmara Ambiental do MPF afirma que lei de Rondônia que reduziu limites de unidades de conservação é
inconstitucional (http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/camara-ambiental-do-mpf-afirma-que-lei-de-
rondonia-que-reduziu-limites-de-unidades-de-conservacao-e-inconstitucional).
63
Sobre esta e outras investida legislativas para alterar negativamente a atual legislação de promoção e
proteção dos direitos dos povos indígenas no país, em especial os territoriais, cf. Anexo 2.
114
7 A difícil relação com as forças públicas de segurança

As consultas e conversas realizadas desenham uma imagem bem negativa em


relação à atuação das forças públicas em favor dos direitos dos povos e comunidades
indígenas e tradicionais no trajeto e na área afetada pela BR-319. Há um histórico de
relacionamento nada animador e não se consegue vislumbrar, no curto prazo, um
horizonte de melhora se não houver (pensando de forma otimista) investimento forte em
uma transformação nos modos de pensar e agir das corporações e em toda a sua hierarquia
e cadeia de comando. Como chegou a ser comentado por um dos nossos interlocutores,
há mais risco de sofrer algum tipo de violência por parte desses agentes policiais que ser
por ele(ela) defendido e ajudado. O quadro aparece tão difícil que, inclusive, uma parcela
das organizações e dos movimentos locais têm pensado na possibilidade de criar uma
rede própria e comunitária de autodefesa das pessoas e de seus territórios e os recursos
naturais neles existentes. Em um quadro de violação crescente de direitos conquistados e
contra a vida, essa me parece ser uma opção interessante, que deve ser pensada e analisada
com atenção. Mas sem romanticismos, considerando que a ideia pode ser apropriada e
incorporada por setores da área de segurança pública que, em sintonia com visões
específicas de setores das sociedades civil e política, veem com bons olhos o Estado e
suas agências se desincumbir de algumas das suas responsabilidades, abrindo espaço para
a ação de grupos paramilitares e milícias, algo que já acontece em outras partes do país.
O chamado Massacre do Rio Abacaxi é, possivelmente, o evento mais
emblemático e reforçador da desconfiança com o descompromisso das forças de
segurança pública com a promoção dos direitos dos povos indígenas e comunidades
tradicionais e de abuso dos poderes que dispõe sobre populações indígenas e tradicionais
em áreas remotas.
O que se relata a seguir aconteceu na região dos rios Abacaxis e Marimari, nos
municípios de Borba e Nova Olinda do Norte/AM, onde estão situadas as TIs Maraguá e
Coatá-Laranjal. Segundo foi relatado, essa região é historicamente alvo de turismo ilegal
e predatório, o que acarreta a invasão das TIs. Tanto é assim, que na época dos fatos que
vamos relatar, um acordo turístico para a região estava sendo elaborado por representantes
comunitários junto com o MPF, o IPAAM e outras instituições. Além disso, os indígenas
monitoravam o seu território, exatamente porque as pessoas adentravam a TI sem
qualquer consulta/consentimento e praticavam ilícitos ambientais ilegais.
No dia 25 de junho de 2020, o ex-secretário-executivo do Fundo de Promoção
Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, e um grupo de pessoas

115
que estavam com ele em uma embarcação tentaram ingressar na área para a prática de
pesca sem consentimento dos indígenas e sem licença ambiental. Os indígenas que faziam
o monitoramento abordaram a embarcação e informaram aos invasores que se tratava de
terra indígena e que eles não poderiam entrar no território e pescar sem autorização. Em
um momento de discussão acalorada envolvendo o então secretário executivo, moradores
“ribeirinhos” da comunidade Terra Preta e alguns moradores da aldeia indígena Terra
Preta, situada na outra margem do Rio Abacaxis, que haviam se deslocado de canoa até
a outra margem onde acontecia a discussão, consta que Saulo teria ameaçado atirar nas
pessoas. E quando ele se abaixou para pegar não se viu o quê na canoa, o gesto foi
interpretado por alguns como sendo para pegar uma arma de fogo. Ouviu-se um
estampido de arma de fogo vindo do grupo de pessoas da comunidade. Embora tenha sido
comentado e até noticiado em órgão da imprensa que ex-secretário foi atingido no ombro,
de fato o único relato confirmando o tiro vem dele próprio. Consta que não foi ao médico
e que não nem existe um boletim de ocorrência (BO).
No dia 3 de agosto, em represália ao ocorrido, a Secretaria de Segurança Pública
do Amazonas (SSP-AM) enviou policiais do COE (Comando de Operações Especiais) e
do Batalhão Ambiental da Polícia Militar para realizar ação com a alegação de “coibir o
tráfico de drogas na região” – o que sabidamente a região é palco. Houve um conflito
entre policiais e comunitários e dois policiais morreram. No dia seguinte, a SSP enviou
cerca de 50 policiais. Consta que o próprio comandante da Polícia Militar no Amazonas,
coronel Airton Norte, participou da operação no local. Os relatos reunidos indicam a
ocorrência de novos conflitos e violências, que resultaram na morte de dois indígenas
Munduruku e três ribeirinhos e no desaparecimento de dois adolescentes, além de
diversos relatos de tortura e perseguição a comunitários e indígenas, além de novos
confrontos, dessa vez com grupos organizados e armados (milícias). Outros dois policiais
militares saíram feridos do confronto. Diante da sequência de fatos ocupando página em
veículos jornalísticos regionais e nacionais, acrescido da pressão da sociedade civil
regional e parceiros em outras partes do país, a Procuradoria-Geral da República (PGR)
criou uma força-tarefa com o objetivo de investigar o ocorrido. Além disso, MPF apurou
a ocorrência de graves abusos de direitos cometidos pelas forças policiais e militares
durante e após a incursão policial na área.64

64
Para mais informações sobre ações recentes, cf. o artigo de Alicia Lobato, Massacre no rio Abacaxis: um
ano sem respostas (https://amazoniareal.com.br/massacre-no-rio-abacaxis/); e em Cimi, Em nota,
organizações cobram justiça pelo massacre do Rio Abacaxis, impune há um ano
(https://cimi.org.br/2021/08/seminario-memoria-massacre-rio-abacaxis-um-ano-sem-justica-indigenas-
ribeirinhos/).
116
8 Fortalecer e ampliar as articulações na defesa das pessoas e territórios
tradicionais

O principal parceiro público das comunidades e dos movimentos sociais na região


tem sido a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM). Ela tem como
objetivo institucional oferecer, de forma integral e gratuita, assistência e orientação
jurídica aos cidadãos que não possuem condições financeiras de pagar as despesas desses
serviços. Além disso, promover a defesa dos direitos humanos, direitos individuais e
coletivos e de grupos em situação vulnerável. E as consultas e conversas confirmam que
ela tem conseguido implementar seu objeto, algumas vezes sob o risco de represálias. A
DPE/AM conta com polos regionais de defensores distribuídos por várias regiões do
estado do Amazonas, como forma de viabilizar mais acesso à população e poder
acompanhar com mais proximidade os conflitos e as violências contra as populações em
situação de vulnerabilidade, como é o caso de indígenas e comunidades tradicionais.65 Na
região da BR-319/Rio Madeira estão instalados dois “polos” da Defensoria Pública
Estadual:
a) Polo Madeira
 Municípios Humaitá (sede) e Apuí
 Pessoal: Francine Lucia Buffon Baldissarella (Coordenadora), Newton
Ramon Cordeiro de Lucena, Josy Cristiane Lopes de Lima e Daniel
Bettanin e Silva.
 Telefone: (92) 98432-5668
[email protected]
b) Polo Médio Madeira
 Municípios: Manicoré (Sede), Nova Olinda do Norte, Borba, Novo
Aripuanã
 Pessoal: Leandro Antunes de Miranda Zanata (Coordenador), André
Azevedo Beltrão, Cândido Leonardo Mariano Costa Silva e Eliaquim
Antunes de Souza Santos.
 Telefone: (92) 98408-8125
[email protected],
[email protected]

65
Sobre os polos da Defensoria Pública no estado do Amazonas, cf.
https://www.defensoria.am.def.br/polos-do-interior.
117
A capilaridade que a DPE/AM tem na Região do Rio Madeira / BR-319 e em
outras partes do estado do Amazonas nos faz pensar no seu potencial para a criação de
um sistema de alerta e monitoramento (SAM) sobre violências ocorridas e potenciais
contra a população indígena e tradicional, nos territórios ou fora deles (individuais,
coletivas e patrimoniais). Em um sistema integrado por MPF, DPE/AM e movimentos e
organizações sociais, e por onde circulem informações de e sobre: (a) denúncias de
violências ocorridas; (b) apurações e investigações levadas a cabo; (c) e ações
desencadeadas envolvendo forças de segurança institucionais (militar, civil e federal) e
comunitárias. Um sistema que fortaleça a capilaridade da DPE/AM e sua capacidade de
se fazer ouvir em outros espaços e níveis de ação pública. Estabelecer um convênio de
cooperação entre as partes nos parece ser um bom começo para isso.
Em 2018, a DPE/AM e a Defensoria Pública da União (DPU) assinaram um
Acordo de Cooperação Institucional que viabilizaria a comunicação direta entre as
instituições e otimizaria atendimento jurídico à população dos municípios de Itacoatiara
e Humaitá. O documento foi assinado pelo defensor público-geral do estado e a
defensora-geral de Direitos Humanos da União. Considerando a abrangência da atuação
de cada instituição e a possibilidade de incidência em distintas esferas, entendo que essa
é uma boa notícia e a incorporação da DPU deve ser considerada nos planos futuros de
ação do MPF e do GT.66
Nesse contexto de parcerias em vista da defesa de direitos, sugerimos um
estreitamento das relações do MPF e da DPE/AM com o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), em particular do setor responsável pela divulgação e implementação, na prática,
da Resolução n. 287, de 25 de junho de 2019, que estabelece procedimentos ao tratamento
das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes
para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário.
Procedimentos aplicados para todas as pessoas que se identifiquem como “indígenas”,
brasileiros ou não, falantes tanto da língua portuguesa quanto de línguas nativas,
independentemente do local de moradia, em contexto urbano, acampamentos,
assentamentos, áreas de retomada, terras indígenas regularizadas e em diferentes etapas
de regularização fundiária. Lamentavelmente não tivemos acesso às informações
sistematizadas e consolidadas sobre o andamento de processos criminais contra indígenas

66
No caso dos cinco indígenas Tenharin presos arbitrariamente em 2014, acusados de envolvimento nas
mortes de não-indígenas em dezembro de 2013, a DPU no Amazonas assumiu a sua defesa criminal junto
ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sobre o acordo de cooperação cf.
https://dpu.jusbrasil.com.br/noticias/603032876/cooperacao-entre-dpu-e-dpe-facilitara-processos-do-
interior-do-amazonas.
118
e sobre a situação de reclusão. Diante de um cenário anunciado de aumento dos conflitos
sociais na região da BR-319, parece-nos necessário e urgente o MPF tomar a iniciativa
de estabelecer parcerias com o CNJ, que, por sua vez, está estabelecendo um acordo de
cooperação com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), envolvendo sua
Comissão de Assuntos Indígenas (CAI) e o Comitê de Laudos Antropológicos (CLA).67

Por fim, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) pode ter uma agência
importante na defesa de direitos no contexto penal. Em 24/3/2021, a APIB lançou o
Observatório Sistema de Justiça Criminal e Povos Indígenas, um espaço colaborativo
entre lideranças, pesquisadores(as) e sujeitos que atuam no sistema de justiça criminal,
em diversas áreas do conhecimento. Tem por objetivo monitorar medidas jurídicas e a
situação concreta de indígenas inseridos no sistema de justiça criminal na qualidade de
investigados(as), processados(as) ou em fase de execução penal. Recomenda-se que se
busque estabelecer algum tipo de parceria com a APIB, que dispõe de um quadro de
advogados de primeira linha, e não somente em relação aos problemas que emergem do
contexto de conflito social na área de influência da BR-319.68

9 Considerações Finais

A disposição do atual governo federal e suas agências − juntamente com os grupos


e setores políticos e econômicos que, de dentro e de fora do aparelho de Estado, têm
impulsionado as obras de recuperação/pavimentação da BR-319 e o avanço do modelo
de “desenvolvimento” que orientou a formação do Arco do Desmatamento – torna
necessária e urgente haver uma articulação ainda mais estreita, orgânica, coordenada e
multiescalar entre o MPF, outras agências públicas como a Defensoria Pública, e também
as organizações do Grupo de Trabalho (GT) de Segurança Territorial dos Povos e
Comunidades Tradicionais, visando estabelecer uma estratégia colaborativa. Como há 50
anos, continua vivo o projeto de viabilidade de construção da BR-319 assentado no
binômio estrada + colonização, acrescido agora do potencial do agronegócio de
transformar a região em um polo de produção de grãos e gado bovino de forma extensiva.

67
Em 25/2/2021, com a Portaria n. 63, o CNJ instituiu o Grupo de Trabalho denominado “Direitos
indígenas: acesso à justiça e singularidades processuais” (Link: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3757);
alterado pela Portaria n. 68 de 2/3/2021 (https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3763). Para mais informações
sobre a Resolução 287/2019 do CNJ e sua aplicação, ver o Manual Resolução 287/2019, disponível em:
https://www.cnj.jus.br/cnj-publica-manual-sobre-indigenas-processados-criminalmente/.
68
Cf.: https://apiboficial.org/observatorio-de-justica-criminal/.
119
10 Recomendações

A seguir, elenco dez recomendações que emergem deste diagnóstico, envolvendo


diferentes atores e agências governamentais e organizações e movimentos não
governamentais:

a) Recomenda-se que o MPF fiscalize e exija a observância, por parte dos órgãos
competentes, à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado (CCPLI) dos
povos indígenas e comunidades tradicionais, como previsto na legislação nacional e
internacional, um processo que deve ser precedido pela elaboração dos denominados
“protocolos de consulta” em cada terra indígena direta e indiretamente afetada pelas
obras de recuperação e asfaltamento da BR-319 e vicinais. E não somente as terras e
comunidades indígenas situadas ou afetadas pelas obras do Trecho do Meio.

b) Recomenda-se melhor articulação e atuação colaborativa/conjunta entre MPF Ibama,


ICMBio e Polícia Federal e a identificação e o combate às irregularidades e ilícitos
no interior das terras indígenas e unidades de conservação. O primeiro passo nesse
sentido poderia ser o MPF retomar a realização de reuniões envolvendo essas e outras
agências públicas, a exemplo da realizada em abril de 2021.

c) Recomenda-se fortemente que o MPF no Amazonas acompanhe o mais de perto


possível o processo de produção de dados e informações pelo IBGE no Censo
Demográfico de 2022, especialmente da e sobre a população indígena na região-alvo
deste diagnóstico.

d) Recomenda-se que o MPF siga de perto três situações envolvendo TI, para
entendimento do contexto e da identificação da melhor forma de lidar com os
conflitos, estreitando relações com organizações da sociedade civil que conseguem
ter acesso a essas informações e dados e que conhecem as dinâmicas sociais locais,
como CIMI e COIAB, além das organizações próprias nas TI, tendo em vista proteger
e promover a segurança física, social e patrimonial das populações que vivem aí:

 as TI Mura que ficam em Manicoré − que são Ariramba, Jauary e Lago Capanã
– são as mais próximas à BR-139 e que sofrem o impacto mais imediato. A
situação dos ramais e a insegurança expõem a população a uma situação de
alto risco e a múltiplas vulnerabilidades;

120
 a situação de Humaitá, onde vivem os Kawahiva, a TI Tenharim-Marmelo,
Diahui, Parintintins, a TI Nove de Janeiro e, até mesmo, a TI do Igarapé Preto.
Os indígenas ali vivem em uma situação tensa, insegura e complexa, em
decorrência dos ramais da BR-230, pressionados pela pavimentação da BR-
319, a extração irregular de madeira, o garimpo etc., isso já entrando pelo
município de Manicoré;

 os Apurinã de Tapauá nas TIs Igarapé São João e Igarapé Tauamirim. Talvez
em uma situação menos tensa, mas não menos insegura. Isso porque tem ramal
da BR-319 que facilita a entrada de invasores e a retirada de recursos naturais.

e) Recomenda-se que as organizações sociais apoiadoras de protocolos de consulta em


TIs e UCs sigam na formação dos pesquisadores e pesquisadoras indígenas. As
formações contribuem para fortalecer a capacidade de organização e
autodeterminação indígena, valores e objetivos que, no nosso entender, devem estar
situados no campo dos objetivos superiores da matriz de planejamento e ação. No
médio prazo, o processo de elaboração de protocolos é um meio de fortalecer social
e politicamente as comunidades e prepará-las ao diálogo e às negociações com o
Estado e com atores privados. Ainda que o MPF e outras agências públicas apoiem
essa importante ação, que, além dos resultados, dados levantados, conteúdo e redes
formadas, pode ser aproveitada nas ações de proteção nos territórios.

f) Recomenda-se ao MPF que, junto com a Defensoria Pública do Amazonas (DPE-


AM) e as organizações sociais diretamente interessadas, promova um diagnóstico
atualizado da situação das 11 UCs situadas na área de afetação das obras do Trecho
do Meio, inclusive como elemento de pressão e persuasão ao proferimento da
sentença relativa ao Processo n. 0017357-69.2016.4.01.3200 − movido pelo MPF em
face do ICMBio e da União Federal, estabelecendo como obrigação do ICMBio
implementar as UCs localizadas no entorno da BR-319.

g) Recomenda-se que MPF, junto com as organizações sociais e associações indígenas


e comunitárias diretamente interessadas, elabore um plano de ação destinado ao
fortalecimento e coordenação das políticas e ações públicas destinadas aos produtos
da sociobiodiversidade e aos povos e comunidades tradicionais na região da BR-319.
Estudos realizados em 2020 colocaram à vista fragilidades, omissões e ausências das
agências públicas. Recomendamos ao MPF e ao Grupo de Trabalho de Segurança

121
Territorial dos Povos e Comunidades Tradicionais que: (i) as necessidades das UCs
sejam definidas com os seus moradores, de forma participativa nas suas instâncias de
decisão, para buscar soluções e subsidiar políticas públicas; (ii) que o fortalecimento
das organizações sociais seja uma ação prioritária nas estratégias de gestão das UCs;
(iii) que haja a presença efetiva do Estado para atender as necessidades urgentes
geradas por uma pandemia; (iv) que seja priorizado o monitoramento dos casos de
Covid-19 em áreas protegidas, a vacinação de toda população indígena e outras
comunidades tradicionais, e a promoção de programas que gerem ampla
conscientização sobre os benefícios da vacina e combate às fake news; (v) e que não
sejam medidos esforços no sentido de somar esforços do governo estadual e do federal
para assegurar a governança dessa região, fortalecendo os órgãos ambientais
(Sema/AM, ICMBio e Ibama) e as ações de comando e controle, a fim de garantir a
segurança territorial, alimentar, sanitária e econômica dos moradores locais.

h) Recomenda-se ao MPF e às organizações sociais atuantes na BR-319 que sigam


atentos ao que está acontecendo no Congresso Nacional e ao risco de retrocessos
políticos e administrativos com efeitos diretos sobre os povos e as comunidades
indígenas e tradicionais presentes na área de abrangência da BR-319. Identificar entre
as entidades parceiras que integram o GT aquela(s) que se disporia(m) a contribuir na
produção de informações sobre a tramitação de proposições legislativas nessa casa
legislativa, de maneira sistemática e periódica, distribuída entre os parceiros. Como
sugestão, recomenda-se, ao Observatório BR-319, incluir, nos seus Informes, um
capítulo para tratar da tramitação de proposições legislativas relevantes.

i) Recomenda-se a criação de um Sistema de Alerta e Monitoramento (SAM) sobre


violências ocorridas e potenciais contra a população indígena e tradicional, nos
territórios ou fora deles (individuais, coletivas e patrimoniais). Um sistema integrado
por MPF, DPE/AM e movimentos e organizações sociais, e por onde circulem
informações de e sobre: (a) denúncias de violências ocorridas; (b) apurações e
investigações levadas a cabo; (c) e ações desencadeadas envolvendo forças de
segurança institucionais (militar, civil e federal) e comunitárias. Um sistema que
fortaleça a capilaridade da DPE/AM e sua capacidade de se fazer ouvir em outros
espaços e níveis de ação pública. Estabelecer um acordo de cooperação institucional
entre as partes parece ser um bom começo para isso. Agregaria a importância da
inclusão da Defensoria Pública da União (DPU), que, em 2018, estabeleceu um

122
acordo de cooperação institucional com a DPE/AM, visando à coordenação de ações
nos municípios de Humaitá e Itacoatiara.

j) Recomenda-se que, diante de um cenário anunciado de aumento dos conflitos sociais


e criminalização de lideranças indígenas e de comunidades tradicionais na região da
BR-319, parece necessário e urgente o MPF tomar a iniciativa de estabelecer acordo
de cooperação com o CNJ, visando à aplicação da Resolução n. 287/2019, que define
procedimentos ao tratamento de pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou
privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no
âmbito criminal do Poder Judiciário. O CNJ, por sua vez, está estabelecendo um
acordo de cooperação com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA),
envolvendo sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI) e o Comitê de Laudos
Antropológicos (CLA), na defesa de direitos à população indígena no contexto penal.
Recomenda-se ainda que, nesse tipo de articulação e objetivo, seja incluída a
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que dispõe de um quadro de
advogados de primeira linha.

123
Capítulo 3 − Consolidação das recomendações para ambas
as regiões
Ao final de cada capítulo, apresentamos as recomendações de ação ao
Ministério Público Federal e outras agências públicas, assim como às organizações que
integram o GT de Segurança Territorial dos Povos e Comunidades Tradicionais. Elas
tiveram por fundamento os principais ilícitos e violações de segurança identificados
por região. Dada a importância que as recomendações têm para os próximos passos que
serão dados individual e coletivamente pelas instituições públicas, sociais e
comunitárias implicadas, retomamos aqui com destaque sua apresentação por região,
assim como indicando aquelas que parecem alcançar um nível mais elevado e
abrangente, podendo ser consideradas orientadoras de uma ação institucional para além
dos casos específicos aqui trabalhados.

1. Região do Alto Rio Negro

Aqui as recomendações estão subdivididas em três grupos, somam 15


recomendações, contemplando o MPF, a sociedade civil organizada e as associações
indígenas.

Ao MPF, recomenda-se que:


a) Estabeleça um canal de diálogo direto com as organizações indígenas do rio
Negro para recebimento de denúncias e para a elaboração de atuação conjuntas
em ações para a proteção do território. Nesse caso, dar continuidade ao que já
está sendo feito no âmbito do GT Segurança Pública e Territórios Tradicionais.
b) Apoie, acompanhe e ajude na implementação das inciativas autônomas de
proteção e defesa dos territórios tradicionais dos povos indígenas do rio Negro,
como a elaboração dos acordos de convivência, protocolos de consulta e/ou
outros mecanismos comunitários de defesa.
c) Realize visitas aos territórios sempre que possível para melhor compreensão e
percepção do contexto e da realidade local e para fortalecer os vínculos
institucionais com as organizações indígenas e parceiros.
d) Abra um canal de diálogo entre as diversas instituições que possuem o papel
institucional de defesa do território tradicional para tratar do tema Segurança
Pública nos territórios tradicionais (Funai, ICMBio, Ibama, Exército, Polícia
Federal, Civil e Militar), a fim de conseguir definir uma atuação articulada e

124
estratégica entre essas instituições. Nesse caso, continuar o trabalho que já está
sendo realizado no âmbito do GT Segurança Pública nos Territórios
Tradicionais.
e) Elabore um plano de atuação junto com os parceiros (organizações indígenas e
assessores) sobre as prioridades de atuação sobre o tema da segurança nos
territórios.
f) Promova ação civil pública contra as instituições competentes para a realização
imediata da extrusão dos garimpos ilegais já instalados dentro das TI, em caso
de não ser possível a realização dessa articulação pela via administrativa.
g) Avalie a viabilidade de judicialização da demanda de reestruturação da Funai,
com a criação das Frentes de Proteção Etnoambientais nos pontos estratégicos,
bem como o aumento de servidores no âmbito da fiscalização e do
monitoramento das TIs.
h) Apoie a iniciativa de realização de cursos e implementação na grade curricular
para provimento e reciclagem dos cargos da Segurança Pública sobre aspectos
culturais e jurídicos dos povos indígenas.

Às organizações da sociedade civil que apoiam e assessoram os povos indígenas


na região, recomenda-se que:
a) Apoiem, em parceria, as iniciativas dos povos indígenas e dos poderes públicos,
em especial do MPF, na defesa e proteção dos direitos e interesses dos povos
indígenas.
b) Apoiem a iniciativa de realização de cursos e implementação na grade
curricular para provimento e reciclagem dos cargos da Segurança Pública sobre
aspectos culturais e jurídicos dos povos indígenas.
c) Realizem, sempre que possível, a mediação entre os diversos atores que atuam
na segurança pública dos territórios tradicionais e os povos indígenas, a fim de
garantir o respeito à sua tradição, aos modos de vida e à cultura pelas
instituições competentes.

Por fim, às organizações indígenas e seus representantes, recomenda-se que:


a) Participem, sempre que convidados, dos espaços de diálogo e de construção de
políticas públicas e ações voltadas à proteção territorial.
b) Sejam propositivos nas reuniões, apresentem demandas concretas e soluções
que acham viáveis para dentro dos seus territórios.

125
c) Tenham comprometimento e assiduidade nos espaços criados para tratar de
assuntos que são de seus interesses.
d) Promovam convites a eventos, oficinas, cursos, sempre que possível, das
instituições competentes, em especial, do MPF, para possibilitar que as
instituições reconheçam a realidade e possam estar mais presentes em ações
conjuntas.

Conforme foi ressaltado, é necessária uma atuação conjunta de planejamentos,


ações e atividades, que possam resultar em efeitos positivos para a proteção territorial
e do modo de vida tradicional dos povos indígenas. E que essa atuação deve visar
fortalecer e resgatar o modo de vida, os costumes e as instituições próprias dos povos
indígenas, assim como estar abertas às novas demandas e conjunturas políticas internas
e externas que afetam o seu modo de vida, que estão sempre em constante reinvenção
em face dos desafios que o contato com a sociedade envolvente impõe. Por fim, é
importante que as iniciativas locais e comunitárias sejam valorizadas e acompanhadas
por atores estratégicos que atuam na defesa e proteção dos direitos indígenas, como o
MPF.

2. Região do Rio Madeira/BR-319

Aqui as recomendações são em número de dez, contemplando o MPF e outras


agências públicas, organizações da sociedade civil, associações indígenas e associações
de povos e comunidades tradicionais (PCTs).

a) Que o MPF fiscalize e exija a observância, por parte dos órgãos competentes, à
consulta e ao consentimento prévio, livre e informado (CCPLI) dos povos
indígenas e comunidades tradicionais, como previsto na legislação nacional e
internacional, um processo que deve ser precedido pela elaboração dos
denominados “protocolos de consulta” em cada terra indígena direta e
indiretamente afetada pelas obras de recuperação e asfaltamento da BR-319 e
vicinais, e não somente as terras e comunidades indígenas situadas ou afetadas
pelas obras do Trecho do Meio.
b) Que sejam buscados meios de promover melhoras nas articulações entre MPF,
Ibama, ICMBio e Polícia Federal na identificação e no combate às
irregularidades e ilícitos no interior das terras indígenas e unidades de
conservação. Como exemplo: a invasão, a grilagem e a abertura de ramais por
terceiros no interior dessas unidades territoriais; a extração ilegal de madeira e

126
outros recursos não madeireiros; a biopirataria; a atividade de garimpagem
ilegal; a utilização dessas unidades territoriais como locais de plantio de
espécies vegetais ilegais, de beneficiamento (laboratórios clandestinos) e como
base de apoio às redes internas e externas do narcotráfico e outras atividades
ilegais lucrativas do crime organizado. O primeiro passo nesse sentido pode ser
o MPF seguir realizando reuniões periódicas envolvendo essas e outras agências
públicas, juntamente com organizações sociais e associações indígenas e
comunitárias, a exemplo das realizadas em 2021.
c) Que o MPF acompanhe de perto o processo de produção de dados e informações
pelo IBGE, no Censo Demográfico de 2022, sobre os povos e as comunidades
indígenas e tradicionais na região do Rio Madeira/BR-319.
d) Que o MPF siga de perto três situações envolvendo TI, para entendimento do
contexto e identificação da melhor forma de lidar com os conflitos, estreitando
relações com organizações da sociedade civil que conseguem ter acesso a essas
informações e dados e que conhecem as dinâmicas sociais locais, como CIMI e
COIAB, além das organizações próprias nas TI: (i) as TI Mura que ficam em
Manicoré − que são Ariramba, Jauary e Lago Capanã – são as mais próximas à
BR-139 e sofrem o impacto mais imediato. A situação dos ramais e a
insegurança expõe a população a uma situação de alto risco e a múltiplas
vulnerabilidades; (ii) a situação de Humaitá, onde vivem os Kawahiva, a TI
Tenharim-Marmelo, Diahui, Parintintin, a TI Nove de Janeiro e, até mesmo, a
TI do Igarapé Preto. Os indígenas vivem ali em uma situação tensa, insegura e
complexa, em decorrência dos ramais da BR-230, pressionados pela
pavimentação da BR-319, a extração irregular de madeira, o garimpo etc.; (iii)
e a situação dos Apurinã de Tapauá nas TIs Igarapé São João e Igarapé
Tauamirim, uma situação menos tensa que as anteriores, mas não menos
insegura. Isso porque os ramais desde a BR-319 facilitam a entrada de invasores
e a retirada de recursos naturais.
e) Que as organizações sociais apoiadoras de protocolos de consulta em TIs e UCs
sigam na formação dos pesquisadores e pesquisadoras indígenas; e que o MPF
e outras agências públicas apoiem essa importante ação. Pensando no médio
prazo, o processo de elaboração de protocolos é um meio de fortalecer social e
politicamente as comunidades e prepará-las ao diálogo e às negociações com o
Estado e com atores privados.

127
f) Que MPF, junto com a Defensoria Pública do Amazonas (DPE/AM) e as
organizações sociais e associações comunitárias diretamente interessadas,
promovam um diagnóstico atualizado da situação das 11 UCs situadas na área
de afetação das obras do Trecho do Meio, inclusive como elemento de pressão
e persuasão ao proferimento da sentença relativa ao Processo n. 0017357-
69.2016.4.01.3200 (MPF contra o ICMBio e a União, 2017).
g) Que o MPF, junto com as organizações sociais e associações indígenas e
comunitárias diretamente interessadas, elabore um plano de ação destinado ao
fortalecimento e à coordenação das políticas e ações públicas destinadas aos
produtos da sociobiodiversidade e aos povos e às comunidades tradicionais na
região da BR-319.

h) Que o MPF e as organizações sociais e associações atuantes na BR-319 sigam


atentos ao que está acontecendo no Congresso Nacional e ao risco de retrocesso
político e administrativo com efeitos diretos sobre os povos e comunidades
indígenas e tradicionais presentes na área de abrangência da BR-319.
Recomenda-se ao Observatório BR-319 incluir nos seus Informes um capítulo
para tratar da tramitação de proposições legislativas relevantes.

i) Que seja criado um Sistema de Alerta e Monitoramento (SAM) sobre violências


ocorridas e potenciais contra a população indígena e tradicional, nos territórios
ou fora deles (individuais, coletivas e patrimoniais). Um sistema integrado por
MPF, DPE/AM e movimentos e organizações sociais, e, também, a DPU, que
em 2018, estabeleceu um acordo de cooperação institucional com a DPE/AM
visando à coordenação de ações nos municípios de Humaitá e Itacoatiara.

j) Por fim, que diante do cenário anunciado de aumento dos conflitos sociais e
criminalização de lideranças indígenas e de comunidades tradicionais na região
da BR-319, o MPF estabeleça um acordo de cooperação institucional com o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de fazer aplicar a Resolução
n. 287/2019, que define procedimentos ao tratamento de pessoas indígenas
acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para
assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário.
Recomenda-se a realização de ações de divulgação e cursos de formação de
juízes e outros operadores do Direito em conteúdos conceituais e
procedimentais de aplicação da Resolução.

128
3. Em nível estadual

Aqui são apresentadas três recomendações gerais e estruturantes à ação do MPF


e do GT de Segurança Territorial dos Povos e Comunidades Tradicionais em nível
estadual nos próximos anos. Como é sabido, o estado do Amazonas apresenta uma
diversidade de situações de conflito e disputa territorial envolvendo UCs com
comunidades tradicionais e terras indígenas, e que precisam ser incorporadas e
consideradas nas definições de políticas e nas programações das ações de segurança
pública das pessoas, comunidades e territórios tradicionais:

a) A criação de um canal de diálogo direto das associações indígenas e


comunitárias com o MPF para recebimento de denúncias e elaboração de
atuação conjuntas em ações de proteção e segurança das pessoas e dos
territórios. Um Sistema de Alerta e Monitoramento (SAM) sobre violências
ocorridas e potenciais contra a população indígena e tradicional, nos territórios
ou fora deles (individuais, coletivas e patrimoniais). Um sistema integrado por
MPF, DPE/AM, movimentos e organizações sociais, e a DPU.
b) O estabelecimento de um acordo de cooperação institucional entre o MPF e
CNJ, visando promover a implantação e implementação do estabelecido na
Resolução CNJ n. 287/2019, que, como indicamos acima, estabelece
entendimentos e define procedimentos ao tratamento de pessoas indígenas
acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para
assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário.
c) Ser criado um fórum de discussão com o objetivo de estabelecer uma estratégia
e ações concretas de fortalecimento da autodefesa das comunidades locais
(indígenas e tradicionais) em relação às pressões e ameaças aos territórios, às
pessoas e à suas condições e aos modos de vida. Entendemos que as
comunidades e suas associações, as organizações sociais de apoio e assessoria,
e o MPU e a Defensoria Pública Estadual e a DPU têm condições de avançar
nesta direção sem romanticismos e ingenuidades.

Os casos trabalhados neste estudo mostram que não há muito espaço para
perspectivas que desconsideram as condições sociais, econômicas, políticas e
institucionais concretas e históricas onde está situada cada uma e o conjunto das
comunidades indígenas e tradicionais no estado do Amazonas.

129
ANEXO 1

Considerações/Recomendações adicionais após apresentação do Diagnóstico69

Estruturas e capacitação
a) Necessidade de identificação/levantamento das estruturas de Estado de
segurança pública nos municípios como ponto de partida para uma ação;
b) É recomendada a aproximação com órgãos públicos que atuam na região no
tema de segurança pública e pensar de forma conjunta uma formação especial
de servidores(as), ou seja, na qualificação das forças de segurança pública que
atuam na região;

Articulação e trabalho em rede – monitoramento e abordagem preventiva


c) Trabalho em redes, tanto com atores de Estado quanto da sociedade civil, para
o controle e o monitoramento de violação de direitos humanos.
d) Abordagem preventiva e extrajudicial, em rede e com apoio da sociedade
civil;
e) Não se pode esquecer o aspecto político na atuação dentro do tema de
segurança pública: diálogo entre poder público e sociedade civil, importância
de um planejamento e uma linha mais estratégica de atuação, análises
pragmáticas;
f) Juntamente com a Funai, pensar em um plano de diálogo com essas
comunidades e saber quais as prioridades;

Realidade local e engajamento de comunidades e lideranças


g) No tema, é recomendado o envolvimento das comunidades e o apoio e a
promoção de iniciativas de autoproteção de povos indígenas. Não existe uma
solução única de como se fazer isso: a melhor forma é consultá-los, pois cada
região é uma realidade; e
h) Para escutar as lideranças, os diálogos têm de sair do formato virtual e têm de,
de fato, chegar às pessoas e comunidades que estão nos territórios.

130
ANEXO 2

LINHA DO TEMPO DA RODOVIA BR-319/AM/RO ATÉ JULHO/201870

ANO DESCRIÇÃO

ABERTURA DA RODOVIA BR-319: 885 km de extensão conectam


Manaus/AM a Porto Velho/RO. A Rodovia BR-319 interliga 22 municípios na
1972
Floresta Amazônica, na região do interflúvio dos Rios Madeira e Purus. O tempo
de uma viagem de Manaus a Porto Velho era estimada em 12 horas.

1976 INAUGURAÇÃO: A inauguração oficial aconteceu em 27 de março de 1976.

A RODOVIA SE TORNA INTRAFEGÁVEL: Nesta época, as condições da


estrada pioraram muito. O grande volume de chuvas na região e o alto preço do
transporte terrestre fizeram que os produtos da Zona Franca de Manaus fossem
1988
escoados de forma menos onerosa por via fluvial. A estrada se deteriorou e
tornou-se intrafegável. Neste ano houve redução no uso da rodovia em razão das
condições de trafegabilidade e manutenção.

PLANO DE AÇÃO NÃO SAI DO PAPEL: Com o passar dos anos, o trecho entre
1996 Manaus e Humaitá foi sendo tomado pela floresta, alterando sensivelmente as
condições estruturais da rodovia, com forte degradação do pavimento asfáltico
original. O Governo Federal incluiu a recuperação da rodovia no seu plano
estratégico BRASIL EM AÇÃO, porém o projeto não saiu do papel.

2000 PROGRAMA AVANÇA BRASIL: No ano 2000, o Governo Federal incluiu a


pavimentação/reconstrução da rodovia no PROGRAMA AVANÇA BRASIL.

QUE COMECEM AS OBRAS!: Cinco anos após ter sido incluída no primeiro
2001 plano de governo, em 2001 foram pavimentados os primeiros 58 km da BR-319,
ao sul, depois do entroncamento com a rodovia Transamazônica, e também os 100
km no extremo norte da rodovia, no sentido Manaus − Careiro Castanho.

CRIAÇÃO DA PORTARIA INTERMINISTERIAL N. 273


Em 2004 foi editada a Portaria Interministerial n. 273 pelo Ministério do Meio
Ambiente e Ministério dos Transportes. Essa portaria criou e estabeleceu
2004 diretrizes para o Programa Nacional de Regularização Ambiental das Rodovias
Federais. Esse programa apresentou uma agenda para recuperação de estradas em
todo o país, de acordo com a legislação ambiental. Conforme a portaria, atividades
como projeto, construção, asfaltamento e ampliação de rodovias, bem como o
descarte de resíduos, a construção de canteiros, de acessos e a remoção de

69
Tentou-se organizar os pontos apresentados pelos diferentes atores que estavam na oportunidade de
diálogo no dia 24/11/2021, conforme categorias identificadas. Na ocasião foram apresentadas tanto
recomendações quanto considerações gerais sobre o tema de segurança pública nos territórios tradicionais
do Amazonas.
70
Fontes: Observatório BR-319. Disponível em: http://www.observatoriobr319.org.br/#linha-do-tempo.
Também está disponível na página do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em:
https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/portais-tematicos/br-319-am-ro. Consultas realizadas em
6/10/2021. Na linha do tempo do Observatório estão disponíveis as referências das descrições, que por
questão de espaço e tempo omitimos aqui.
131
vegetação continuariam dependendo de licenciamento ambiental. Já as obras mais
simples, voltadas à manutenção e recuperação das estradas, como tapa-buraco,
reparo de meio-fio, limpeza de acostamento e roçados, não dependeriam de
licenciamento.

DEPUTADOS ESTADUAIS PRESSIONAM O GOVERNO FEDERAL PARA


PAVIMENTAÇÃO DA BR-319
Em março, todos os 24 deputados estaduais do Amazonas assinaram um
documento pedindo ao Governo Federal que pavimentasse a rodovia
imediatamente.

OBRAS NA BR-319: RECUPERAÇÃO E RECONSTRUÇÃO: A 2ª Vara


Federal do Amazonas decidiu que o caso da BR-319 não se tratava apenas de
recuperação, mas também de reconstrução de trechos da estrada. Essa decisão
condizia com o entendimento do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama de que
o licenciamento ambiental era imprescindível. Nesse ano, o Governo Federal
definiu a recuperação do pavimento da BR-319. O então ministro dos Transportes
antecipou o início das obras, que havia sido planejado para 2007, no Plano
Plurianual do Governo Federal.

EMBARGO DAS OBRAS POR AUSÊNCIA DE ESTUDOS AMBIENTAIS −


EIA/Rima: Em julho de 2005, a decisão judicial da Justiça Federal do Amazonas
(Ação Civil Pública 2005.32.00.004906-7) embargou as obras da BR-319,
exigindo a apresentação do EIA/Rima pelo Dnit ao Ibama.
2005
INÍCIO DAS TRATATIVAS PARA UM TERMO DE AJUSTAMENTO DE
CONDUTA: Em agosto/2005, iniciaram-se as tratativas de estabelecimento de um
termo de ajustamento de conduta entre Dnit e Ibama para definição dos
procedimentos de licenciamento para a BR-319/AM.

DEFININDO PROCEDIMENTOS DIFERENCIADOS PARA OS TRECHOS


DA BR-319 − Em agosto de 2005, o Ibama concluiu pela definição de
procedimentos diferenciados para vários trechos da BR-319, incluindo a
realização de EIA/Rima para o Trecho do Meio, bem como a possibilidade de
continuidade de obras de manutenção e conservação nos demais segmentos da
rodovia por meio de Termo de Acordo e Compromisso (TAC) entre o Dnit e o
Ibama.

SUSPENSÃO DO EMBARGO
Em setembro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu o embargo das
obras da BR-319.

CONCILIAÇÃO ENTRE IBAMA E DNIT


Em outubro a Advocacia-Geral da União (AGU) criou a Câmara de Conciliação e
Arbitramento entre Dnit e Ibama para solucionar o conflito de entendimentos
quanto ao encaminhamento do licenciamento ambiental da BR-319.

OBRAS NA BR-319: RECUPERAÇÃO E RECONSTRUÇÃO


Também em outubro, a 2ª Vara Federal do Amazonas decidiu que o caso da BR-
2005 319 não se tratava apenas de recuperação, mas também de reconstrução de trechos
da estrada. Essa decisão condizia com o entendimento do Ministério do Meio
Ambiente e do Ibama de que o licenciamento ambiental era imprescindível.

DNIT APRESENTA REQUERIMENTO DE LICENÇA DE OPERAÇÃO (LO)

132
Em novembro foi aberto o processo de acompanhamento das tratativas para o
licenciamento ambiental das obras de pavimentação/reconstrução da rodovia. De
forma deliberada e antes de consulta ao Ibama, o Dnit apresentou requerimento de
Licença de Operação, afirmando que se aplicava a Portaria Interministerial n.
273/2004.

RELATÓRIO AMBIENTAL E DIAGNÓSTICO SOCIOAMBIENTAL


NEGADOS PELO IBAMA
Ainda em novembro, o Dnit apresentou o Relatório Ambiental da BR-
319/Diagnóstico Socioambiental, resultado de levantamentos preliminares e dados
secundários sobre a região de entorno da rodovia. Porém, a Informação Técnica n.
137/2005/Coair/CGLIC/Diliq concluiu que o relatório não atendeu “aos critérios
mínimos exigidos de qualquer Estudo Ambiental para fins de licenciamento” e
que esse documento não substituiu a necessidade de apresentação de EIA/Rima.
Por fim, concluiu que o documento seria devolvido ao Dnit por insuficiência
técnica.

BLINDANDO A FLORESTA: DECRETO DA ALAP DA REGIÃO DA BR-319


Em janeiro de 2006 o Decreto Federal s/n. estabelece a Alap – Área de Limitação
Administrativa Provisória da região da BR-319, com o intuito de realizar estudos e
levantamento para a criação de Unidades de Conservação ao longo da rodovia. O
Grupo de Trabalho responsável pela proposta de Unidades de Conservação foi
coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, e vários órgãos federais
e estaduais – MMA, Ibama, Incra, Inpa, Funai, Embrapa, SDS/AM entre outros.
*A Área de Limitação Administrativa Provisória é um instrumento legal que se
aplica a regiões sob rápido desmatamento associado a conflitos fundiários e
sociais. Ela está ancorada no Plano de Ação para a Prevenção e o Controle do
Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAm) (Decreto de 15 de março de 2004)
e no Plano Amazônia Sustentável (PAS) (MMA, 2006). Quando se decreta uma
Alap, se proíbe o desmatamento pelo prazo de sete meses para a realização de
2006 estudos que objetivam a criação de Unidades de Conservação.

IPAAM EMITE LICENÇA DE INSTALAÇÃO SEM EXIGIR EIA/RIMA E


LICENÇA PRÉVIA.
Ainda em janeiro de 2006, o Ipaam/AM encaminha cópia dos Processos
1228/T/2001-Ipaam e 1240/T/2000-Ipaam, afirmando a competência federal do
licenciamento da BR-319. Neste processo, o órgão estadual emitiu diretamente as
Licenças de Instalação (n. 091/2001, de 28/1/2002 e n. 412/2001, de 25/5/2001),
sem levar em consideração a Resolução Conama 237/1997. Além disso, a primeira
LI foi emitida sem a apresentação do Plano Básico Ambiental e Programa de
Recuperação de Áreas Degradadas.

CRIANDO UNIDADES DE CONSERVAÇÃO


Em julho de 2006 foram realizadas seis consultas públicas que discutiram as
propostas de criação das Unidades de Conservação na área de influência da BR-
319, nas cidades de Tapauá, Canutama, Lábrea, Humaitá, Manaus e Beruri.

OBRAS NÃO LICENCIADAS SÃO EMBARGADAS E EMPRESA É


MULTADA PELO IBAMA
2006 Em agosto, o relatório de vistoria 026/2006/Cotra/CGTMO/Dilic/Ibama apontou
atividades na rodovia sem licenciamento, instaladas pela construtora Gautama, o
que motivou a adoção de várias multas, num valor total aproximado de três
milhões de reais, além do embargo de todas as áreas de apoio.

133
Lista de infrações:
Auto de Infração n. 527085-D, no valor de R$ 2.000.000,00, devido à abertura e
utilização de Áreas de Empréstimo (22 áreas), Bota-foras (5 áreas), Áreas de
Apoio (5 áreas) e Canteiro-de-obra (1 área):
Auto de Infração n. 527086-D, no valor de R$ 535.000,00, pela
substituição/Implantação de Obras-de-arte (total de 35 bueiros);
Auto de Infração n. 527087-D, no valor de R$ 80.000,00, pela implantação de
caminhos de serviço/desvios (4 pontos);
Auto de Infração n. 527088-D, no valor de R$ 125.000,00, por desmatamento /
Ocupação de Irregular de Áreas de Preservação Permanente, em 41 locais com
dimensões variáveis;
Auto de Infração n. 527089-D, no valor de R$ 36.592,00, pelo desmatamento de
área florestal sem autorização, em 30 locais com dimensões variáveis;
Auto de Infração n. 527090-D, no valor de R$ 20.000,00, pelo lançamento de
resíduos e/ou detritos (lixo e esgoto) em desacordo com normas e regulamentos;
Auto de Infração n. 527091-D, no valor de R$ 210.000,00, por causar poluição por
lançamento de detritos em desacordo com normas e regulamentos (assoreamento
de cursos d'água), em 21 cursos hídricos.

MAIS PROMESSAS PARA A BR-319


O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou um investimento de quase
700 milhões de reais do Programa de Aceleração do Crescimento para a reabertura
da rodovia. Porém, problemas com o licenciamento ambiental em parte da BR-319
não permitiram que a reabertura da rodovia acontecesse.

TERMO DE ACORDO E COMPROMISSO ENTRE DNIT E IBAMA


Em março, o Ibama enviou minuta de Termo de Acordo e Compromisso ao Dnit
para adequação do licenciamento ambiental dos vários trechos da rodovia BR-319,
como resultados das tratativas da Câmara de Conciliação entre Dnit e Ibama.

DEFINIÇÃO DOS TRECHOS DA BR-319


Em junho foi assinado o Termo de Acordo e Compromisso entre Ibama e Dnit,
que autorizou obras de restauração no segmento A (km 0,0 a 177,8), segmento B
2007 (Km 655,7 a 887,4) e continuidade das obras de pavimentação/reconstrução no
segmento C (km 177,8 a 250), instituindo a necessidade de apresentação e
execução pelo Dnit de diversos Programas Ambientais nesses trechos. Foi
definida também a extensão do trecho objeto do EIA/Rima (Trecho do Meio),
entre os km 250 a 655,7.

IBAMA ENVIA TERMO DE REFERÊNCIA AO DNIT


Em agosto, o Ibama enviou ao Dnit a minuta de Termo de Referência para o
EIA/Rima da BR-319. Em outubro o TR foi substituído pelo chamado "TR
definitivo", devido a equívoco de interpretação da Diretoria de Licenciamento
Ambiental do Ibama sobre aprovação da Metodologia de Levantamento de Fauna.

INCLUSÃO DE COMUNIDADES INDÍGENAS NO TR


Em setembro, a Funai enviou ao Ibama o Termo de Referência para o
Componente Indígena, para os estudos nas Terras Indígenas: Lago do Barrigudo,
Cunhã-Sapucaia, Lago Capanã, Araramba e Apurinã do Igarapé Taumirim, para a
inclusão no Termo de Referência do Ibama.

134
INCLUSÃO DOS RISCOS DE ENDEMIAS NO TR
Em outubro, o Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde) enviou ao
Ibama o Termo de Referência para os estudos sobre riscos de endemias ao longo
do empreendimento, em atendimento à Resolução Conama n. 286/2001, para a
inclusão no Termo de Referência do Ibama.

IRREGULARIDADES, NOVAS MULTAS


Em novembro, o Ibama encaminhou vários Autos de Infração à construtora
Gautama, pela constatação de ilícitos ambientais, no valor aproximado de 800 mil
reais e um Auto de Infração à construtora Castilho no valor de 40 mil reais.
Lista de infrações:
Auto de Infração n. 527107-D, por desmatamento e/ou ocupação irregular de
Áreas de Preservação Permanente, no valor de R$ 40.000,00;
Auto de Infração n. 527108-D, pela construção de diversas obras sem o
licenciamento ambiental, no valor de R$ 240.000,00;
Auto de Infração n. 527109-D, por desmatamento e/ou ocupação irregular de
Áreas de Preservação Permanente, no valor de R$ 40.000,00;
Auto de Infração n. 527110-D, por desmatamento de área florestal sem
autorização do Ibama, no valor de R$ 2.318,70;
Auto de Infração n. 527111-D, por construção de diversas obras sem o
licenciamento ambiental, no valor de R$ 535.000,00.

AJUSTES NO TR DA BR-319
Em fevereiro o Ibama solicitou, ao Instituto Chico Mendes, a análise e possíveis
sugestões a serem inseridas no Termo de Referência do EIA/Rima. O ICMBio
enviou as sugestões em abril, e elas foram encaminhadas ao Dnit.

FERROVIA COMO ALTERNATIVA À RECONSTRUÇÃO DA BR-319


Em abril, foram incorporados ao processo os documentos e resultados de
discussão do Seminário “Ferrovia e BR-319 – um debate necessário e urgente para
o Amazonas”, debatendo a questão da alternativa do modal ferroviário em
contraposição ao projeto de pavimentação/reconstrução da BR-319, com
participação da SDS/AM, Idesam, Inpa, ANTT, MMA, Ufam, e Fundação
Amazonas Sustentável.

2008 ANÁLISE DOS PROGRAMAS AMBIENTAIS DA BR-319


Em maio, o Ibama publicou o Parecer Técnico 043/08/Cotra/CGTMO/Dilic/Ibama
que analisou todo o conjunto de Programas Ambientais, aprovando-os com várias
ressalvas e listando várias pendências de itens do Termo de Acordo e
Compromisso. Foi comunicado ao Dnit que os Programas aprovados deveriam ser
imediatamente executados e as demais pendências atendidas no prazo de 30 dias.

O TR DEFINITIVO
Em julho, o Ibama enviou o Termo de Referência Definitivo para a elaboração do
EIA.

O PRIMEIRO EIA/RIMA DA BR-319


Em setembro, o Dnit enviou a primeira versão do EIA/Rima da BR-319.

PRIMEIRA VERSÃO DO EIA/RIMA: RECUSADA


135
Ainda no mês de setembro, o EIA/Rima foi recusado e devolvido pelo Ibama, pelo
não atendimento do Termo de Referência e da Metodologia de Levantamento de
Fauna. Nesse mesmo mês, o MMA emitiu a Portaria n. 295, criando o GT para
elaborar diretrizes e acompanhar o licenciamento ambiental da rodovia. Entre as
principais funções do GT estava a definição de medidas preventivas em relação
aos impactos derivados do empreendimento, para impedir o desmatamento ao
longo da estrada, como a definição de espaços territoriais especialmente
protegidos, zonas de exclusão e alternativas menos impactantes.

SEGUNDA VERSÃO DO EIA/RIMA: RECUSADA


Em dezembro, o Dnit enviou a segunda versão do EIA/Rima ao Ibama, sem
modificações no texto, apenas agregando a justificativa sobre o não atendimento
ao Termo de Referência e Metodologia de Levantamento de Fauna na primeira
versão. Tais justificativas não foram aceitas pelo Ibama. Em dezembro, foi
emitido o Relatório Final do Grupo de Trabalho criado pelo MMA, com assinatura
dos presidentes do Ibama e ICMBio, contendo várias ações propostas como pré-
condições para se verificar a viabilidade ambiental da rodovia BR-319. No mesmo
mês, o Ibama emitiu a Nota Técnica 252 e 253/08/Cotra/CGTMO/Dilic/Ibama,
concluindo pela inadequação da segunda versão do EIA/Rima e demandando a
apresentação de uma nova versão ao Ibama.

INCORPORAÇÃO DOS RESULTADOS DO GT


Em janeiro, por meio do Ofício 038/2009/GM/MMA, o Ministro do Meio
Ambiente determinou a incorporação dos resultados do Relatório Final do GT no
processo de licenciamento.

APROVAÇÃO DE METODOLOGIA PARA NOVO EIA/RIMA


Em fevereiro, por meio da Nota Técnica 016/2009/Cotra/CGTMO/Dilic/Ibama,
foi aprovada a nova proposta do Dnit e Ufam de escalas e formas de apresentação
do mapeamento do EIA/Rima da BR-319.

TERCEIRA RODADA DE EIA/RIMA


Em fevereiro, o Dnit enviou a terceira versão do EIA/Rima ao Ibama. O Ibama,
por sua vez, procedeu a aceitação do EIA/Rima, com base na Nota Técnica
026/2009/Cotra/CGTMO/Dilic/Ibama, solicitando ainda algumas alterações nas
2009 vias do EIA/Rima a serem disponibilizadas aos municípios e demais órgãos
interessados.

AUDIÊNCIAS PÚBLICAS EIA/RIMA BR-319


Em março, após entrega dos comprovantes de recebimento do EIA/Rima nos
Municípios e Órgãos interessados, o Ibama publicou em Diário Oficial da União o
Edital de abertura do prazo de 45 dias para solicitação de Audiências Públicas. Em
abril, o Ibama publicou, no Diário Oficial da União, o Edital de convocação das
Audiências Públicas nas cidades de Humaitá/AM, Porto Velho/RO, Careiro/AM e
Manaus/AM, que foram realizadas nesse mesmo mês.

GOVERNO DO AMAZONAS DESTINA 2.320.661,31 HA A UNIDADES DE


CONSERVAÇÃO
Como consequência da ALAP da BR-319, ainda em março, o governo do
Amazonas criou seis Unidades de Conservação no interflúvio Purus-Madeira:
RDS Igapó-Açú, PES do Matupiri, RDS do Matupiri, FES de Tapauá, FES
Canutama e Resex Canutama, totalizando 2.320.661,31 ha de florestas protegidas.

136
TERCEIRA VERSÃO DO EIA/RIMA: RECUSADA
Em junho foram incorporados ao processo os pareceres técnicos 076 e 078/2009
Cotra/CGTMO/Dilic/Ibama, solicitando complementações ao EIA, incluindo
levantamentos primários de campo, e concluindo que a última versão apresentada
não reuniu subsídios mínimos para verificar a viabilidade ambiental do
empreendimento. Além disso, o estudo concluiu que o único cenário possível para
a recuperação total da BR-319 seria com a presença de governança socioambiental
na região.

PELA QUARTA VEZ SEGUIDA, A BR-319 É INCLUÍDA EM UM


PROGRAMA DE GOVERNO
Nesse ano, a BR-319 foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC-2).

REINAUGURAÇÃO DO TRECHO INTERESTADUAL HUMAITÁ-PORTO


VELHO
2010 Em 2010, o trecho da BR-319 que liga os municípios de Humaitá e Porto Velho
foi reinaugurado.

MACROZONEAMENTO ECONÔMICO ECOLÓGICO DA AMAZÔNIA


LEGAL
Em dezembro, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu o
Macrozoneamento Econômico Ecológico da Amazônia Legal, que previa o
reasfaltamento da BR-319.

LEI COMPLEMENTAR N. 140


Neste ano foi publicada a Lei Complementar n. 140 que definiu quais entes da
2011
federação deveriam licenciar determinadas tipologias.
Fonte: https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoaudiencia?id=13937

DNIT DECRETA SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA NA BR-319


Em maio de 2012, o Dnit decretou situação de emergência na BR-319, devido ao
alagamento da pista.

2012 HUMAITÁ DEPENDE DE PORTO VELHO DEVIDO A CONDIÇÕES NA


PISTA
Em junho, más condições da BR-319 fizeram que Humaitá/AM dependesse de
Porto Velho/RO. O acesso à capital amazonense era possível apenas de barco ou
avião.

NOVOS ESFORÇOS PARA RECUPERAÇÃO DA BR-319


Foi nesse ano em que ocorreu o reinício das tratativas para a regularização da BR-
2013 319. Para isso, foi proposto um novo Termo de Referência para que um novo EIA
pudesse ser elaborado. Nesse mesmo ano, a Funai apontou a necessidade de
incluir estudos sobre comunidades indígenas localizadas no Trecho do Meio, no
novo EIA.

COMPLEMENTANDO OS ESTUDOS AMBIENTAIS


2014
Nesse ano, a empresa Engespro Engenharia Ltda., responsável pela
complementação dos estudos ambientais, realizou estudos do meio biótico na
época da seca. Em novembro de 2014, a Engespro teve seu contrato suspenso.

137
IPAAM EMITE LICENÇA PARA MANUTENÇÃO DA BR-319
O Dnit obteve, junto ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), a
Licença Ambiental Única (LAU 422/14), que garantiu ao Dnit autorização para
realizar obras de manutenção e recuperação do Trecho do Meio da BR-319.

NOVAS IRREGULARIDADES NA BR-319


Em agosto desse ano, o Ibama publicou um relatório de vistoria constatando
supressão de área de vegetação ao longo da estrada.

SUSPENSÃO DAS OBRAS DE MANUTENÇÃO


Em setembro, o MPF ajuizou uma Ação Civil Pública junto à 7ª Vara Federal
especializada em Matéria Ambiental e Agrária de Manaus, requerendo a
suspensão das obras de manutenção do trecho do meio, objeto da LAU n. 422,
emitida pelo Ipaam em 2014.

MAIS MULTAS PARA O DNIT


Em outubro, o Ibama exarou Termo de Embargo das obras de manutenção da BR-
319 e aplicou multa de R$ 7,5 milhões ao Dnit. Nesse mesmo mês, juíza federal
determinou a suspensão “imediata de quaisquer intervenções no Trecho do Meio
da BR-319” e os “efeitos da LAU 422/2014 e da LAU394/14 até análise do mérito
2015 de suas regularidades”.

FIM DO EMBARGO
Em novembro, o desembargador presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região suspendeu a Tutela concedida pela 7ª Vara Federal de Manaus, entendendo
que a decisão “extrapola o exame da legalidade do ato administrativo, interferindo
indevidamente nas atribuições restritas ao Poder Executivo”.

DE VOLTA ÀS OBRAS
Em dezembro, o Ibama, por meio da Decisão Interlocutória n. 614/2015, mediante
a suspensão do embargo, autorizou que o Dnit executasse apenas as atividades de
manutenção especificadas na cláusula segunda do “Aditivo” ao Termo de
Compromisso, celebrado em 2007.

RECOMENDAÇÕES AO IPAAM
Em dezembro, o MPF editou a Recomendação n. 17, recomendando “ao Ipaam
que se abstenha de receber delegação, total ou parcial, da competência exclusiva
do Ibama para conduzir o licenciamento ambiental das obras da rodovia BR-319”.

IBAMA EMITE LICENÇA PARA MANUTENÇÃO DA BR-319


2016 Após recomendação do MPF, em abril de 2016, a então presidente do Ibama
assinou o licenciamento para manutenção da BR-319 – LI 1.111/2016 − incluindo
autorização para reparos no trecho do meio.

NOVO TERMO DE REFERÊNCIA PARA EIA/RIMA DA BR-319


Nesse ano, foi elaborado o Termo de Referência para embasar o EIA/Rima da BR-
2016
319. A Funai também elaborou um Termo de Referência para que o Dnit
realizasse o estudo de cinco comunidades indígenas dessa rodovia. Atualmente,
em acordo entre o Dnit e Funai, apenas três TIs da área de influência do
empreendimento serão estudadas.

2017 MATRIZ ECONÔMICA AMBIENTAL DO AMAZONAS


138
Em fevereiro, o então governador do Amazonas José Melo apresentou a Matriz
Econômica Ambiental. A proposta incluiu a BR-319 como alternativa de
escoamento e conexão do Amazonas com o resto do país.

RETOMANDO OS ESTUDOS AMBIENTAIS


Também em fevereiro, a empresa Engespro Engenharia Ltda. teve seu contrato
retomado.

RAMAL DE DEMOCRACIA: DE BR A AM
Em junho, o Ramal Democracia − AM-364 (Antiga BR-174-b), que liga a BR-319
ao município de Manicoré, voltou a ser responsabilidade do estado. A manutenção
da AM-364 passou a ser de responsabilidade da União (Dnit) por meio de uma
Medida Provisória de 2002, mas, em julho de 2017, esta perdeu sua vigência

PARALIZAÇÃO E RETORNO DAS OBRAS


Em junho, a Justiça Federal suspendeu as obras de manutenção da BR-319 a
pedido do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), como parte de
ação civil pública apresentada pelo órgão para que fossem questionados os
problemas no licenciamento ambiental dos serviços de manutenção, conservação e
recuperação da parte central da rodovia.¹ Mas, em julho, o Tribunal Regional
Federal suspendeu a liminar que impedia provisoriamente as atividades de
manutenção e conservação do Trecho do Meio da rodovia

BR-319 NAS ELEIÇÕES


Ainda em julho, cinco chapas que concorriam à eleição suplementar para governo
do Amazonas assinaram carta de compromisso com o projeto de recuperação da
rodovia Manaus − Porto Velho, elaborado pela OAB/AM e pela Associação
Amigos da BR-319.
2017
CRIAÇÃO DO FÓRUM DE DISCUSSÃO PERMANENTE DA BR-319
Em julho de 2017, o Ministério Público do Amazonas criou o Fórum de Discussão
Permanente da BR-319, com o objetivo de apresentar de forma clara e
transparente o processo de licenciamento dessa rodovia para todos os atores
interessados. Atualmente, o fórum conta com a participação de representantes do
governo e da sociedade civil e é público, podendo ser acessado por qualquer
cidadão que tenha interesse nesse processo.

APROVAÇÃO PELA FUNAI DO PLANO DE TRABALHO SOBRE O


COMPONENTE INDÍGENA
Em 2017, o Dnit entregou o plano de trabalho relacionado ao componente
2017
indígena à Funai, que foi aprovado por esse órgão em novembro do mesmo ano.
Em 2018, o Dnit contratou um consórcio que sugeriu a reunião com os indígenas
para apresentação do Plano de Trabalho em maio, mas, devido a problemas de
recursos para deslocamento de equipe e problemas nos documentos de saúde, essa
apresentação foi adiada e planejada para ocorrer em julho de 2018.

PODE CHOVER
2018 O período chuvoso do fim de 2017 e início de 2018 foi registrado em parte da
mídia como o primeiro inverno amazônico com trafegabilidade na BR-319 dos
últimos 30 anos.

ESTIMANDO RECURSOS PARA GOVERNANÇA DA BR-319

139
Em janeiro, o MPF oficiou ao Ipaam, Sema, Exército − CMA, Ibama, ICMBio,
PM, PRF, Funai, Corpo de Bombeiros e Polícia Federal, solicitando que cada um
apresentasse uma estimativa de recursos humanos e materiais necessários para
garantir a governança da BR-319 após sua pavimentação.

IDESAM LANÇA ESTUDO COM ENFOQUE EM 13 MUNICÍPIOS SOB


INFLUÊNCIA DA BR-319
Em maio, o Idesam lançou o primeiro volume da série de estudos sobre a BR-319,
desenvolvida pela ONG com o apoio da Fundação Moore. O primeiro estudo,
intitulado “Análise ambiental e socioeconômica dos municípios sob influência da
Rodovia BR-319”, apresentou o perfil ambiental e socioeconômico e uma análise
da dinâmica do desmatamento em 13 municípios localizados no interflúvio Purus-
Madeira, além de regiões críticas e vulneráveis em face do cenário de
pavimentação da rodovia.

IDESAM LANÇA ESTUDO COM ENFOQUE NAS UCS DO TRECHO DO


MEIO DA BR-319
O segundo estudo da série, intitulado “Análise da implementação de Unidades de
Conservação sob influência da Rodovia BR-319”, desenvolvido em parceria com
Funbio, possui quatro capítulos e teve como objetivos: sistematizar informações
sobre a situação de gestão e governança das UCs analisadas; informar a sociedade
sobre a situação de gestão e governança a que estão submetidas essas UCs e;
apoiar o processo decisório de investimentos financeiros, fortalecimento de gestão
e de mitigação das UCs diante do processo de licenciamento ambiental da BR-
319.

COMISSÃO DE INFRAESTRUTURA DO SENADO REALIZA AUDIÊNCIA


PÚBLICA SOBRE AS OBRAS DE MANUTENÇÃO, CONSERVAÇÃO E
RECUPERAÇÃO DA BR-319
Em julho, a Comissão de Infraestrutura do Senado liderada pelo Presidente da
comissão, o senador Eduardo Braga, promoveu uma audiência pública com o
objetivo de “debater as obras de manutenção, conservação e recuperação da BR-
319, especificamente acerca dos estudos de impacto ambiental, requisito
necessário para a liberação das obras de reasfaltamento da rodovia”. Para
esclarecer esses assuntos, participaram da audiência pública Charles Magno
Nogueira Beniz, diretor de Infraestrutura Ferroviária do Dnit; Larissa Carolina
Amorim, diretora de Licenciamento Ambiental do Ibama e; Rodrigo Paranhos
Faleiro, presidente substituto da Funai.
https://youtu.be/WAhjkhfTmII

ANEXO 3

PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS RELEVANTES

140
PROPOSIÇÃO INFORMAÇÕES RELEVANTES
LEGISLATIVA

Proposta de Emenda A proposta foi apresentada à mesa diretora da Câmara dos Deputados pelo
à Constituição (PEC) deputado Vicentinho Júnior (PSB/TO), em fevereiro de 2016. Propõe-se a
n. 187/2016 acrescentar “o §8º ao art. 231 da Constituição Federal de 1988, a fim de permitir
às comunidades indígenas praticar atividades agropecuárias (mecanizadas) e
florestais em suas terras, bem como, comercializar aquilo que foi produzido e
gerenciar sua renda”. Após ter sido debatida na Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania (CCJC) durante mais de dois anos, e tendo por relator o
deputado da bancada ruralista Alceu Moreira (MDB/RS), a proposição foi
arquivada e desarquivada no início de 2019. A PEC foi finalmente aprovada no
âmbito da CCJC em agosto de 2019 e encontra-se atualmente sujeita à
apreciação do Plenário da Câmara.

Projeto de Lei (PL) n. O projeto foi apresentado à mesa diretora da Câmara dos Deputados pelo
490, de 2007 deputado Homero Pereira (PR/MT), em março de 2007. Propunha alterar a Lei
n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio,
inserindo o Poder Legislativo no processo de reconhecimento/titulação das
terras indígenas. Após ter sido debatido e aprovado em 2008 pela Comissão de
Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), e
reprovado em 2009 pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), e
ter sido arquivado e desarquivado por três vezes (2011, 2015 e 2019), em junho
de 2021 o PL n. 490 é debatido e aprovado no âmbito da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJC), não sem antes sofrer profundas transformações.
O plenário da CCJC aprovou, no lugar do texto original, o projeto Substitutivo
da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento
Rural, como substitutivo. Um debate e uma decisão que foi acompanhada de
forma remota e presencial por diversos movimentos e organizações indígenas,
com manifestações indígenas contra sua aprovação, que foram duramente
reprimidas pelas forças de segurança do Congresso Nacional e forças militares
de segurança. Ao proposto pelo PL n. 490 original, o texto substitutivo incorpora
um conjunto de dispositivos presentes em outros PL que a ele foram apensados
(anexados), em sua quase maioria criando obstáculos ou dificultando o processo
de reconhecimento/titulação das terras indígenas. Inclui o chamado marco
temporal, que resumidamente significa que, para efeitos de demarcação, “são
terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data
da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5 de outubro de 1988, eram
simultaneamente: I – por eles habitadas em caráter permanente; II − utilizadas
para suas atividades produtivas; III − imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar; IV − necessárias à sua reprodução física
e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. Em caso contrário, só com
a devida comprovação de que houve renitente esbulho, impedindo a presença da
comunidade indígena demandante no local na data considerada marco temporal.
Além disso, que (artigo 14) os processos administrativos de demarcação de
terras indígenas ainda não concluídos serão adequados ao disposto nesta Lei
(se/quando aprovada); e que (artigo 15) é nula a demarcação que não atenda aos
preceitos estabelecidos nesta Lei. O PL também estabelece (artigo 20) que o
usufruto dos indígenas não abrange: I − o aproveitamento de recursos hídricos e
potenciais energéticos, que dependerá sempre autorização do Congresso
Nacional; II − a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerão de
autorização do Congresso Nacional, assegurando-lhes a participação nos
resultados da lavra, na forma da lei; III − a garimpagem nem a faiscação,
devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira; IV − as áreas
cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União. E que o usufruto
indígena não se sobrepõe ao “interesse da política de defesa e soberania
nacional”, possibilitando a implantação de diversos tipos de empreendimentos
das terras indígenas já reconhecidas e tituladas, como mineração, hidrelétricas,
rodovias e outras. Fica também facultado (artigo 27) “o exercício de atividades
econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade, admitida
a cooperação e contratação de terceiros não indígenas”. A instituição do marco
temporal, as limitações impostas ao usufruto indígena, bem como a não
141
incorporação do dispositivo da consulta livre prévia e informada são os três
principais de pontos críticos e motivo de descontentamento do movimento
indígena e seus aliados com relação ao atual (substitutivo) ao PL n. 490/2007.
Na prática, dado o perfil político preponderante e os interesses econômicos
predominantes no Congresso Nacional, não temos dúvidas de que, se o PL for
transformado em Lei, maiores serão os obstáculos à efetivação do direito
indígena à terra conforme está estabelecido na Constituição Federal de 1988. Em
razão de ter recebido pareceres divergentes, a matéria deverá ser apreciada pelo
Plenário da Câmara dos Deputados, em data ainda não estabelecida. Se
aprovado, o PL seguirá para o Senado Federal.

Projeto de Lei (PL) n. De autoria do Poder Executivo, por seu intermédio o governo federal quer
191, de 2020 autorizar a realização de pesquisa e a extração de minerais e hidrocarbonetos em
Terras Indígenas (TI), bem como a instalação e a operação de hidrelétricas e de
sistemas de transmissão, distribuição e dutovias, entre outras infraestruturas
associadas, no interior das TI. Além disso, quer autorizar a exploração
econômica das TI por meio de atividades tais como agricultura, pecuária,
extrativismo e turismo; e a outorga de permissão de extração garimpeira e o
cultivo de organismos geneticamente modificados (OGMs) nas TI. No texto do
PL e na justificativa que o acompanha, o governo coloca em dúvida a lisura do
processo de demarcação das TI, inclusive as que já foram homologadas por
governos passados, e nega à população indígena o direito à consulta e ao
consentimento livre prévio e informado (CCLPI). Propõe arranjos institucionais
e mecanismo de “participação indígena” que, em contextos de vulnerabilidade,
pobreza e assimetrias, abrem espaço para a ação de redes e para o
desenvolvimento de práticas clientelares, manipulações, corrupção e para a
instalação ou acirramento de conflitos no interior nas comunidades. Em resumo,
abre amplo espectro de vias de instrumentalização e mercantilização dos
territórios, da natureza, dos conhecimentos e saberes, das relações sociais
comunitárias, dos corpos, e das subjetividades, individuais e coletivas, além de
colocar em risco a vida dos povos e comunidades locais isoladas e de contato
recente.

Projeto de Decreto Por seu intermédio fica autorizado, ao Presidente da República, retirar o Brasil
Legislativo (PDL) n. da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Trata-se de
177, de 2021 uma proposição de direto interesse do setor agropecuário e, de modo geral, do
agronegócio (agribusiness). Esse projeto tem como autor o deputado federal
Alceu Moreira (MDB/RS), que, no biênio 2019-2020, foi presidente da
denominada Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também conhecida
como “bancada ruralista”. A FPA é o colegiado temático suprapartidário mais
bem organizado e com maior força política no Congresso Nacional. No primeiro
semestre de 2019, a FPA foi a principal defensora da proposta de transferir a
competência de identificação e titulação das TI para Secretaria Especial de
Assuntos Fundiários, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA). Ao tomar posse em 1º de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro
editou uma Medida Provisória (MP) n. 870, por meio da qual transferia o
processo de identificação, delimitação e titulação das TI para o MAPA. Se esse
desejo se realizasse, colocaria a possibilidade de efetivação do direito territorial
dos povos indígenas nas mãos dos agentes sociais que menos interesse têm na
sua materialização como política pública. Uma análise detalhada da MP, sua
constitucionalidade e seus possíveis efeitos, foi publicada pela 6ª Câmara de
Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (6ª CCR/MPF) em 1º de
março de 2019. Nela, o MPF conclui tratar-se de uma medida inconstitucional,
que deveria ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Reações como essa, somada
com uma ampla mobilização social nacional e internacional contrária à proposta
do Governo, surtiram o efeito almejado: a proposta foi recusada em duas
ocasiões pelo Congresso Nacional e, na segunda vez, a recusa foi reforçada por
parecer, também desfavorável, do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas
retornando ao PDL n. 177/2021, dez dias após o seu registro junto a mesa
diretora da Câmara dos Deputados, em 6 de maio de 2021 a Frente Parlamentar
da Agropecuária (FPA) publicou, na sua página na internet, uma Nota em que
dá total apoio ao Projeto. Argumentam que a Convenção 169 estabelece a

142
necessidade de consulta prévia, livre e informada às instituições representativas
dos índios, que no seu entender atenta contra a soberania nacional e impossibilita
o desenvolvimento da infraestrutura do país. São também contrários ao critério
de autoidentificação “indígena” como fato elementar à aplicação do direito
territorial, assim como a aplicação do conceito de “povo indígena”. Em 1º de
junho de 2021, o MPF e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
reuniram advogados e juristas para debater as intenções políticas, os interesses
econômicos e as implicações sociais da retirada do Brasil da Convenção 169 da
OIT.

Projeto de Lei (PL) n. De autoria do deputado federal Vicentinho Júnior, o PL propõe modificar a Lei
2.395, de 2015 n. 6.001/1973 (“Estatuto do Índio”), de forma a permitir às comunidades
indígenas praticar atividades agropecuárias e florestais em suas terras, bem
como comercializar aquilo que for produzido e gerenciar a renda obtida. Como
os territórios indígenas são terras da União, os povos indígenas não são
autorizados a produzir monocultura para comercialização nem o arrendamento
de terras para terceiros. Na prática, tem por objetivo criar as condições legais
para que os indígenas desenvolvam a agricultura de tipo monocultura extensiva
nas TI e/ou arrendem suas terras para que outros (não indígenas) desenvolvam
esse tipo de prática agrícola. A ele foram apensados dois outros projetos: a) o
PL n. 1.443, de 19 de abril de 2021, de autoria da deputada Carla Zambelli
(PSL/SP), que dispõe “sobre a liberdade econômica indígena, garantindo a
autonomia das comunidades na gestão e uso de suas terras e patrimônio”; b) e o
Projeto de Lei n. 3.045, de 21 de maio de 2019, de autoria do deputado Nelson
Barbudo (PSL/MT), que dispõe “sobre o exercício de atividades
agrossilvipastoris em terras indígenas e dá outras providências”.

Projeto de Lei (PL) n. De autoria dos deputados Luciano Zica (PT/SP), Walter Pinheiro (PT/BA),
3.729, de 2004 Zezéu Ribeiro (PT/BA) e outros, o projeto de lei dispõe sobre o licenciamento
ambiental; regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal;
altera as Leis n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e 9.985, de 18 de julho de
2000; revoga dispositivo da Lei n. 7.661, de 16 de maio de 1988; e dá outras
providências. O substitutivo ao Projeto de Lei n. 3.729/2004, elaborado pelo
relator deputado Neri Geller (PP/MT), foi aprovado em 13/5/2021 na Câmara
dos Deputados com ampla maioria de votos e apoio massivo da bancada
ruralista, e se encontra em processo de avaliação no Senado Federal. Embora
seja conhecido como da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, na prática
estabelece a denominada licença autodeclaratória (LAC), emitida
automaticamente sem análise prévia de órgão ambiental, e restringe a
participação social do processo de licenciamento, inclusive as comunidades
direta e indiretamente afetadas por empreendimentos de infraestrutura. O PL
restringe, enfraquece ou, em alguns casos, até extingue parte importante dos
instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de
obras e atividades econômicas no país. Transformado em lei, o projeto pode
estimular e legalizar o desmatamento que, em geral, acompanha as obras de
infraestrutura na Amazônia, como estradas e hidrelétricas. Se aprovada, ao
menos 297 TI − 41% do total de áreas com processos de demarcação já abertos
na Funai, mas ainda não homologados − seriam desconsideradas para efeitos de
avaliação, prevenção e compensação de impactos socioambientais de
empreendimentos econômicos. Isso porque o projeto prevê o licenciamento
apenas para territórios indígenas já homologados, isto é, com demarcação já
concluída, ou com restrição de uso para grupos indígenas isolados. Também são
desconsiderados e são colocados em situação de risco e vulnerabilidade os
territórios quilombolas que ainda não estão reconhecidos/titulados.

Projeto de Lei (PL) n. De autoria do senador Irajá (PSD/TO), o projeto de lei dispõe sobre a
510, de 2021 regularização fundiária, por alienação ou concessão de direito real de uso, das
ocupações de áreas de domínio da União; estabelece como marco temporal de
ocupação a data de 25 de maio de 2012, quando foi editado o atual Código
Florestal; amplia a área passível de regularização para até 2.500 hectares;
dispensa vistoria prévia da área a ser regularizada, podendo ser substituída por
declaração do próprio ocupante; e dá outras providências. O PL retoma em
143
linhas gerais a proposta encaminhada pelo Governo Federal em 10 de dezembro
de 2019, por intermédio da Medida Provisória (MP) n. 910, que tinha objetivo
semelhante, mas que caducou porque o Congresso Nacional não conseguiu
deliberar em tempo hábil sobre a matéria, perdendo validade no dia 19 de maio
de 2020. A minuta de medida provisória foi elaborada no âmbito do Ministério
da Agricultura (Mapa), que alterava dispositivos das Leis n. 11.952/2009,
8.666/1993 e 6.015/1973, com vistas a tornar “mais ágil” o procedimento de
regularização fundiária. Na prática, como o PL n. 510, a MP n. 910 estimularia
a continuidade do processo de ocupação e o desmatamento de terras públicas (da
União); beneficiaria especialmente casos recentes de invasão e grilagem,
inclusive de terras indígenas ainda não reconhecidas/homologadas.

Projeto de Lei (PL) n. De autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade/MG), o projeto de lei altera a
2.633, de 2020 Lei n. 11.952, de 25/6/2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das
ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União; a Lei n. 8.666, de
21/6/1993, que institui normas para licitações e contratos da administração
pública; a Lei n. 6.015, de 31/12/1973, que dispõe sobre os registros públicos.
Na prática, visa alterar as normas de regularização fundiária em áreas da União.
É uma versão com alterações da MP n. 910/2019, e com objetivos e efeitos
semelhantes ao PL n. 510/2021. Para Brenda Brito (2020, p. 19), “O PL n.
2.633/2020 traz medidas limitadas para aumentar a eficiência da regularização
fundiária. Além disso, tem propostas que podem enfraquecer as salvaguardas
necessárias à política de regularização fundiária, além do risco de criar
condições que estimulem novas invasões de terra pública. Por isso, precisa ser
amplamente debatido e avaliado pelo Congresso Nacional. Dessa forma, será
possível fortalecer as práticas adotadas pelos órgãos fundiários sem gerar
insegurança jurídica. Do contrário, o Congresso pode criar mais fragilidades na
política fundiária, o que enfraqueceria os esforços para reduzir o desmatamento
na Amazônia”. Já Oviedo, Augusto e Lima (2021) constataram que, entre 2018
e 2020, as Terras Indígenas (TIs) apresentaram aumento de 31% na área em
sobreposição de registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de terceiros,
totalizando 3.558.457,1 hectares de registros do CAR de terceiros em 2020; que
em 2020, o desmatamento em áreas com registros do CAR sobreposto a TIs
aumentou 35% comparação com o desmatamento em áreas do CAR em 2018; e
que o levantamento detectou 323 TIs com registros do CAR de terceiros dentro
delas. Em resumo, a transformação ou do PL n. 510 ou do PL n. 2.633 em Lei
será a institucionalização da grilagem de terras da União, entre as quais as TI,
estejam elas reconhecidas/tituladas administrativamente pelo Estado brasileiro
ou não.

Projeto de Lei (PL) n. De autoria do senador Irajá (PSD/TO), o projeto de lei “regulamenta o art. 190
2.963, de 2019 da Constituição Federal para dispor sobre a aquisição e o exercício de qualquer
modalidade de posse, inclusive o arrendamento, de propriedades rurais por
pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Na prática, o PL facilita a compra, a
posse e o arrendamento de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou
empresas estrangeiras, o que tem sido objeto de controvérsias inclusive entre
ruralistas. A área será limitada a 25% do total de cada município, mas pessoas e
empresas de uma mesma nacionalidade terão restrição maior, de no máximo
10%. Áreas maiores que 15 módulos fiscais, terras em fronteiras e na Amazônia
dependerão do aval do Conselho de Defesa Nacional. O projeto foi aprovado
pelo Senado Federal em 15/12/2020 e seguiu para a Câmara dos Deputados,
onde foi determinada a constituição de uma Comissão Especial para analisar a
matéria.

ANEXO 4

Referências Bibliográficas – Diagnóstico Alto e Médio Rio Negro

144
CABALZAR, Aloísio; RICARDO, Beto. Povos indígenas do rio Negro: uma introdução à
diversidade socioambiental do noroeste da Amazônia brasileira. São Paulo: Instituto
Socioambiental; São Gabriel da Cachoeira, AM: FOIRN (Federação das Organizações Indígenas
do Rio Negro), 2006.

COMANDO MILITAR DA AMAZÔNIA. Resumo histórico. Disponível em:


https://www.2bdainfsl.eb.mil.br/index.php/component/content/article?id=169. Acesso em: 25
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FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO RIO NEGRO (FOIRN). Plano de


gestão indígena do alto e médio Rio Negro: PGTA Wasu. São Gabriel da Cachoeira: FOIRN
(Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), 2021.

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Agrícola Tradicional do Rio Negro. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/75#:~:text=O%20Sistema%20Agr%C3%ADcola%20
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Indígena (CEDI). São Paulo, 1986.
COSTA, Simone. Socióloga indígena combate a violência de gênero na região do rio
Negro. Disponível em: ttps://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/10/14/sociologa-
indigena-combate-violencia-de-genero-na-regiao-do-rio-negro.htm. Acesso em: 25 out. 2021.

Referências Bibliográficas – Diagnóstico Rio Madeira

a) Documentos consultados

BRASIL. Decreto Lei n. 1.106, de 16 de junho de 1970. Cria o Programa de


Integração Nacional, altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas na
parte referente a incentivos fiscais e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1106.htm.

BRASIL. Decreto n. 9.972, de 14 de agosto de 2019. Dispõe sobre a qualificação de


empreendimentos dos setores portuário, aeroportuário, rodoviário, ferroviário e
hidroviário no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da
República e sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9972.htm.

145
BRASIL. Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO n. 1, de 12 de
abril de 2021. Regulamenta o processo administrativo federal para apuração de
infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Publicada no Diário Oficial da União, 14/4/2021. Disponível em:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-conjunta-
mma/ibama/icmbio-n-1-de-12-de-abril-de-2021-314019923.

BRASIL. Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO n. 2, de 26 de


abril de 2021. Altera a Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO n. 1,
de 12 de abril de 2021. Publicada no Diário Oficial da União, 28/4/2021. Disponível
em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-conjunta-
mma/ibama/icmbio-n-2-de-26-de-abril-de-2021-316266597.

BRASIL. Instrução Normativa Conjunta n. 1, de 22 de fevereiro de 2021. Dispõe


sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento
ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior
de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organizações indígenas. Disponível em:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-conjunta-n-1-de-22-de-
fevereiro-de-2021-304921201.

BRASIL. Manual de jurisprudência dos direitos indígenas. Brasília: MPF / 6ª


Câmara de Coordenação e Revisão, Populações Indígenas e Comunidades
Tradicionais, 2019. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-
tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/manual-de-atuacao/manual-de-
jurisprudencia-dos-direitos-indigenas.pdf.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Elaboração do Plano de Manejo do


Parque Nacional dos Campos Amazônicos. Etapa: Oficinas de Planejamento
Participativo (Relatório). Manicoré/AM, maio de 2009.

BRASIL. Parecer n. 078/2009. COTRA/CGTMO/DILIC/IBAMA. Análise da


viabilidade ambiental das obras de pavimentação/reconstrução da rodovia BR-319, no
trecho entre os kms 250 a 655,7, com 405,7 km de extensão no Estado do Amazonas.
Processo n. 02001.006860/2005-95. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Ibama,
2009. Disponível em: http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/Dossie/BR-
319/Documentos%20Oficiais/IBAMA-Parecer-Tecnico-BR-319.pdf.

146
BRASIL. Portaria Interministerial MMA/MJ/MC/MS n. 419, de 26 de outubro
de 2011. Regulamenta a atuação dos órgãos e entidades da Administração Pública
Federal envolvidos no licenciamento ambiental, de que trata o art. 14 da Lei n.
11.516, de 28 de agosto de 2007. Portaria assinada conjuntamente pelos Ministérios
do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde; publicada no Diário Oficial da
União, 28/10/2011. Disponível em: http://www.ipaam.am.gov.br/wp-
content/uploads/2021/01/Portaria-MMA-419-2011.pdf.

BRASIL. Portaria Interministerial MMA/MJ/MC/MS n. 60, de 24 de março de


2015. Estabelece procedimentos administrativos que disciplinam a atuação da
Fundação Nacional do Índio (Funai), da Fundação Cultural Palmares (FCP), do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Ministério da
Saúde nos processos de licenciamento ambiental de competência do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Portaria
assinada conjuntamente pelos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e
da Saúde. Publicado no Diário Oficial da União em 25.03.2015. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/Portaria_Interministerial_60_de_24_de_
marco_de_2015.pdf.

BRASIL. Resolução n. 52 de 8 de maio de 2019. Opina pela qualificação de


empreendimentos dos setores de transportes rodoviário, portuário, hidroviário e
aeroportuário no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da
República (PPI) e do Programa Nacional de Desestatização (PND). Disponível em:
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-52-de-8-de-maio-de-2019-
117644155.

b) Bibliografia referida e consultada

ALEIXO, Josinaldo (Org.). Memorial de luta pela reserva extrativista do ituxi em


Lábrea/AM. Brasília: IEB; Lábrea/AM: Associação APADRIT, 2011a.

ALEIXO, Josinaldo (Org.). Memorial de luta pela reserva extrativista do Médio


Purus em Lábrea/AM. Brasília: IEB; Lábrea/AM: ATAMP, 2011c.

147
ALEIXO, Josinaldo (Org.). Organização social na Amazônia: uma experiência de
associativismo na RDS do Rio Madeira (Novo Aripuanã e Manicoré/AM). Brasília:
IEB; Novo Aripuanã/AM: APRAMAD, 2011b.

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Mineração e garimpo em terras tradicionalmente ocupadas: conflitos sociais e
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