O Debate Enviesado Sobre Renda Básica Universal
O Debate Enviesado Sobre Renda Básica Universal
O Debate Enviesado Sobre Renda Básica Universal
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O debate enviesado sobre renda básica universal
no Brasil
Agosto 2022
O debate enviesado sobre renda básica universal no Brasil
Resumo
O debate sobre a Renda Básica Universal (RBU) no Brasil foi ressuscitado pela crise econômica
provocada pela pandemia, tomando como referência o debate internacional. Contudo, há diferenças
relevantes, em comparação com países desenvolvidos. O objetivo do texto é confrontar os argumentos
mais frequentes usados pelos que defendem e pelos que refutam tal programa, tanto no plano
acadêmico como no campo político. Primeiro é apresentada uma visão panorâmica do debate
internacional sobre a RBU. Em seguida, é explicado que a lei que instituiu a Renda Básica de
Cidadania no Brasil em 2004 não foi regulamentada porque foi priorizado um programa focalizado e
condicionado de transferência de renda (o Bolsa Família). A principal contribuição do texto é a síntese
do debate renovado sobre a RBU durante a pandemia de Covid-19, considerando o sucesso efêmero
do Auxílio Emergencial. Ao final, são feitas considerações adicionais sobre o caráter enviesado da
discussão sobre a RBU no Brasil.
Palavras-chave: Políticas de garantia de renda, Programas de transferência de renda.
Abstract
The biased debate about universal basic income in Brazil
The debate on Universal Basic Income (UBI) in Brazil has been revived by the economic crisis caused
by the pandemic, taking the international debate as a reference. However, there are relevant
differences, in comparison with developed countries. The objective of the text is to confront the most
frequent arguments used by those who defend and those who refute such a program, both in the
academic and political fields. First, an overview of the international debate on UBI is presented. Then
it is explained that the law that established the Basic Citizenship Income in Brazil in 2004 was not
regulated because a focused and conditioned cash transfer program (Bolsa Família) was prioritized.
The main contribution of the paper is the synthesis of the renewed debate on UBI during the Covid-
19 pandemic, considering the ephemeral success of the Emergency Aid. At the end, additional
considerations are made about the biased nature of the discussion on UBI in Brazil.
Keywords: Income guarantee policies, Cash transfer programs.
JEL: B55, H55.
(1) Bacharel em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-
Unicamp). E-mail: [email protected].
(2) Professor Livre Docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). E-
mail: [email protected].
Introdução
O debate sobre a renda básica universal não é algo novo na Europa, nem no Brasil. Entretanto,
o tema ganhou uma evidência inédita em 2020, o que indubitavelmente se deveu à pandemia de
Covid-19 e seus impactos na vida social e econômica global. Diante do desafio de manter o necessário
isolamento social e, concomitantemente, socorrer a economia, muitas nações, em maior ou em menor
grau, precisaram discutir políticas emergenciais de auxílio econômico para cidadãos e empresas para
evitar uma depressão profunda e prolongada.
Em meio a uma crise sem precedentes, houve uma renovação do debate acerca do papel do
Estado na economia e, a reboque, de mecanismos de seguridade social e redistribuição de renda,
dentre os quais se destaca, pela aplicabilidade imediata dentro do contexto atual, a renda básica
universal (ou renda básica de cidadania).
A crise sanitária mundial potencializou outros desafios que já marcavam o novo milênio. Em
um contexto de incertezas – diante dos impactos previstos do inevitável aquecimento global, da
impossibilidade de sustentar os atuais padrões de consumo de bens e de energia, das projeções de
novas ondas de desemprego tecnológico, do constrangimento de gastos com sistemas de proteção
social e, ainda, do constante ataque à democracia em vários países – parece plausível cogitar que as
sociedades estão cada vez mais distantes do “velho normal” e que são necessários mecanismos de
redistribuição de renda, não somente para diminuir a vulnerabilidade social, mas também para a
sobrevivência do sistema econômico.
Os argumentos em defesa da renda básica universal em nações democráticas, por diferentes
correntes políticas ou ideológicas, procuram ressaltar seus benefícios e refutar os argumentos
contrários, em especial no que tange à viabilidade financeira e à preferência por programas
focalizados de transferência de renda. Mas em momento algum se formou um consenso em torno do
tema.
A pandemia global iniciada em 2020 e as medidas adotadas para o enfrentamento da profunda
crise econômica decorrente (com diferenças nacionais expressivas) trouxeram novos elementos para
o debate. Muitos atores políticos e intelectuais renomados reivindicaram mecanismos de garantia de
renda. Pode ser mencionada, nesse sentido, a repercussão das palavras do Papa Francisco, líder
espiritual e político, que no Domingo de Páscoa (12/04/2020) divulgou a Carta aos Movimentos
Populares, na qual pediu a instituição de um “salário universal” para os trabalhadores informais – os
mais vulneráveis. No Brasil, vários economistas se manifestaram favoravelmente. Por exemplo, o
artigo do professor da Unicamp Pedro Rossi, “Lições do coronavírus para a sociedade do futuro”
(16/04/2020), apontou ser necessário aprimorar os mecanismos de assistência social e sugeriu que a
renda básica universal temporária poderá ganhar status de permanente em muitos países.
A escalada do debate público também ficou evidente no webinar “Renda Básica Universal:
chegou a hora desta ideia?”, promovido em 5/05/2020 pela Fundação FHC com dois economistas
brasileiros preocupados com os impactos sociais da crise no País: Marcelo Medeiros (professor
visitante da Universidade de Princeton, EUA) e Monica de Bolle (professora da Universidade Johns
Hopkins, EUA). Medeiros explicou as vantagens e desvantagens comparativas entre gastos sociais
focalizados e universais, salientando que programas focalizados protegem parcela relativamente
restrita da população e que, em um país como o Brasil, existe uma porcentagem de 30% a 40% dela
que possui renda intermediária, não tem colchão de proteção social e está constantemente vulnerável
à pobreza, em especial em momentos de crise. Monica de Bolle afirmou que a renda básica poderia
ser um catalisador da transição para uma “economia com olhar humanista”. Na sua fala, sintetizou os
argumentos em defesa de uma renda básica permanente apresentados no livro Ruptura (De Bolle,
2020), reforçando seus efeitos positivos para a sustentação da demanda e para o combate à
desigualdade de renda.
Outro exemplo é a entrevista de Eduardo Suplicy ao Jornal da Universidade (UFRGS),
“Renda Básica de Cidadania como forma de garantir o direito à dignidade e à liberdade real para
todos”, publicada em 20/07/2020, na qual ele argumenta que a implantação do Auxílio Emergencial
para trabalhadores informais de baixa renda durante a pandemia evidencia a possibilidade de uma
política perene de transferência de renda a toda a população.
O Auxílio Emergencial oferecido pelo governo federal para o enfrentamento da pandemia
(Lei 13.982, de 2 de abril de 2020), que beneficiou mais de 65 milhões de trabalhadores, ajudou a
catalisar o debate da renda básica universal subsidiando-o com argumentos a favor de sua
implantação. Contudo, permaneceu a divergência entre aqueles que pretendem ampliar a transferência
de renda condicionada e focalizada nos mais pobres e aqueles que propõem universalizar esse
mecanismo de proteção social. Como ficou claro nos discursos e pronunciamentos por ocasião da
criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica (em julho de 2020), formada por
deputados e senadores, a ideia de uma renda básica universal, apesar de defendida por diversos atores
políticos, ainda é vista como inviável pelos que dão preferência para programas focalizados, como
por exemplo na proposta (publicada antes da crise como Texto para Discussão do IPEA) de uma
renda condicionada pela idade – somente para crianças e adolescentes –, que adviria da unificação de
diversos programas de transferência de renda (Soares; Bartholo; Osorio, 2019).
Ademais, entre os defensores radicais do neoliberalismo prevaleceu uma posição refratária à
renda básica universal, posição justificada pela preocupação com o excesso de gastos sociais.
Exemplos podem ser vistos em análises publicadas pelo Instituto Ludwig Von Mises Brasil, que
mantiveram a mesma linha de argumentação adotada em artigos pré-pandemia3, nos quais atacam a
ideia e relativizam as opiniões favoráveis de alguns luminares “liberais”. Em artigos recentes, o site
evita abordar o tema da garantia de uma renda mínima (ou mesmo do Auxílio Emergencial), mas a
manutenção de sua posição refratária transparece em artigos como “Nosso pesadelo fiscal e monetário
não tem fim – e agora em forma de bomba-relógio” (Geller, 2020), no qual é reafirmada a crítica ao
excesso de gasto na área social e aos seus efeitos supostamente prejudiciais: “o governo brasileiro,
que já era uma insana e insaciável máquina de destruição de riqueza, se tornou ainda pior durante a
atual pandemia”.
No mesmo sentido, o próprio Ministro da Economia Paulo Guedes ao se manifestar contra a
continuidade do Auxílio Emergencial (previsto inicialmente apenas para 2020), sugeriu que não havia
espaço para discutir a adoção de um programa de renda básica universal no Brasil. Em evento virtual
promovido por uma corretora de investimentos em 16 de outubro de 2020, Guedes afirmou: “Neste
momento, eu não diria que há qualquer plano para estender o auxílio, nenhum. Isso não é verdade.
(3) Por exemplo: “A renda básica garantida é uma solução cômica e economicamente insensata (além de ser
totalmente imoral e injusta)” de Juan Ramón Rallo, John Tamny et al. (2017); e “Até mesmo Hayek e Friedman defendem
o Bolsa Família” de Fernando Chiocca (2013).
Essa não é nossa intenção, não é o que o Presidente disse, não é o que o Ministro da Economia quer”
(Mortari, 2020).
Certamente, antes da crise causada pelo coronavírus já havia distintas posições no debate
sobre a necessidade e a viabilidade da ampliação de programas permanentes de garantia de renda no
Brasil. Mas a gravidade dos impactos sociais da pandemia expandiu o interesse por esse debate,
colocando novamente em disputa duas posições principais: a dos que defendem um único programa
universal e incondicional e a dos que defendem programas condicionados e focalizados.
O presente texto pretende confrontar os argumentos mais frequentes no debate nacional a
respeito da Renda Básica Universal (RBU) – tanto no plano das análises acadêmicas como no das
iniciativas políticas – em meio aos problemas econômicos e sociais causados pela crise pandêmica de
2020-2021.
Pretende-se, também, verificar três hipóteses:
a) Os argumentos prevalentes no debate internacional (com foco na Europa) sobre a
implantação da RBU não encontram aderência no terreno nacional. Certamente, é necessário
conhecer os discursos mais influentes e as práticas consagradas. Contudo, a replicação de tais
argumentos no Brasil contribui pouco para aprofundar a discussão acadêmica, ao passo que as
experiências exitosas em outros países não podem ser transplantadas, e é pouco provável que um
programa deste tipo produza resultados similares em realidades distintas.
b) Apesar de vários economistas terem proposto a implantação de um programa de RBU no
Brasil, em meio à crise econômica e social causada pela pandemia, tal proposta não foi incorporada
seriamente no debate político porque permanece sendo entendida como inviável financeiramente
num contexto de restrição orçamentária, ou por ser menos eficiente que programas focalizados na
realidade nacional, ou mesmo porque há uma rejeição ideológica a esse tipo de política.
c) A renda básica universal tem maior chance de ser implementada em países desenvolvidos
(ou com elevada renda per capita), em especial em países com baixa desigualdade social, apesar
de haver, nestes países, divergências a respeito do modelo de proteção social, uma vez que a RBU
pode ser adotada em complemento a outras políticas sociais universais ou pode ser apresentada
como alternativa para reduzir o gasto social com serviços públicos. No caso do Brasil (economia
de renda média alta), dadas as restrições à expansão do gasto público na área social e a elevada
desigualdade na distribuição de renda, a solução politicamente mais viável para combater a
pobreza extrema e reduzir a vulnerabilidade social é a ampliação de programas de transferência
condicionada de renda, tais como o Bolsa Família.
O texto está dividido em quatro seções, além desta introdução. A seção 1 traz uma visão
panorâmica do debate internacional sobre a RBU. A seção 2 explica que a lei que institui a Renda
Básica de Cidadania no Brasil em 2004 não foi regulamentada porque foi priorizado o Programa
Bolsa Família. A seção 3 mostra a renovação do debate em meio à pandemia de Covid-19 e ao sucesso
efêmero do Auxílio Emergencial. Ao final, são feitas considerações adicionais sobre o caráter
enviesado do debate sobre a RBU no Brasil.
(4) Para visualizar a diversidade das abordagens teóricas sobre a renda básica no século XX, veja-se o capítulo 3 do
livro de Eduardo Suplicy (2013).
(5) Van Parijs foi um dos fundadores da BIEN (Basic Income European Network), criada em 1986 e posteriormente
renomeada: Basic Income Earth Network.
sem exigência de contrapartida (não depende de estar estudando ou procurando trabalho), durante
toda a vida do(a) beneficiário(a).
A definição de RBU formulada por Van Parijs se baseia em cinco critérios, a saber: (i) no que
consiste, (ii) por quem é paga, (iii) para quem é paga, (iv) como é paga e (v) quais as condições para
recebê-la.
A RBU consiste no pagamento de uma renda: deve ser paga em dinheiro, e não na forma de
bens, serviços, vouchers, cestas, propriedades, créditos. Assim, proporciona ao beneficiário uma
renda monetária “sem qualquer restrição quanto à natureza ou ao ritmo do consumo ou investimento
que ela ajuda a financiar” (Van Parijs, 2000, p. 180). Embora preferencialmente paga com a moeda
corrente oficial, não exclui o pagamento em moeda social (de uso restrito). Além disso, deve ser paga
regularmente (a cada semana, mês, semestre ou ano) e não como uma doação única, embora uma
doação única possa ser investida para gerar uma renda mensal.
O autor preconiza que a RBU tem que ser paga por uma comunidade política, ou seja, “por
um governo de alguma espécie a partir de recursos controlados pelo poder público” (Van Parijs, 2000,
p. 181). Tal comunidade política, entretanto, pode ser em qualquer nível de governo, ou seja,
municipal, provincial, estadual, nacional ou mesmo supranacional. O financiamento pelo poder
público pode ser feito de forma vinculada (via algum imposto ou contribuição específico) ou não
vinculada (a partir das diversas fontes de receitas orçamentárias). Também poderia ter carácter
distributivo, redistributivo ou a combinação de ambos – sendo financiado por impostos e taxas
(redistribuição) ou por rendimentos de ativos públicos financeiros ou produtivos (por exemplo,
distribuição de royalties sobre recursos naturais e de lucros operacionais de empresas estatais).
Igualmente relevante, a RBU precisaria ser paga para todos os membros da comunidade
política, evitando estigma social e discriminação. Obviamente, isso remete a critérios de
pertencimento à comunidade política em questão (cidadania, maioridade), que podem ser objeto de
disputa. Mas a definição proposta por Van Parijs é que não haveria condicionantes para focalizar o
gasto: a priori todos os cidadãos teriam direito à renda básica. Não obstante, podem ser excluídos os
residentes que não possuem cidadania e os que têm seus direitos temporariamente suspensos, como
os presidiários.
Tampouco fere este princípio haver algum tipo de diferenciação nos valores pagos para
pensionistas, por exemplo.
A RBU deve ser paga individualmente (em oposição a benefícios destinados para a unidade
familiar) e de modo uniforme – ou seja, em uma família todos os membros adultos receberiam o
mesmo valor (e não apenas o chefe do domicílio ou o membro desempregado); e a renda por adulto
não deve diferenciar características pessoais nem priorizar os segmentos mais vulneráveis. “O
funcionamento de um sistema de renda básica prescinde, portanto, de qualquer controle sobre as
condições socioeconômicas” (Van Parijs, 2000, p. 184).
Enfim, a RBU deve ser oferecida independentemente da renda familiar ou da situação
financeira pessoal, ou seja, igualmente para pobres e ricos, sem exigência de contrapartida. Os
benefícios sociais mais comuns geralmente são pagos ex post, ou seja, condicionados a uma
verificação anterior da renda do indivíduo ou da família (prova de pobreza). No caso da renda básica,
a ideia é conceder o benefício ex ante, com valor integral, desvinculado de qualquer requisito ou
condicionante. Apesar de contemplar todos os indivíduos, a renda básica contribui para reduzir a
desigualdade, pois “quanto mais alto o seu valor, mais alta a alíquota média de imposto de renda [para
financiá-la] e, portanto, maior a redistribuição dos comparativamente ricos para os comparativamente
pobres” (Van Parijs, 2000, p. 185).
As principais razões elencadas por Van Parijs para não condicionar a RBU a algum nível de
renda ou de riqueza são: i) a facilitação do resgate e do pagamento, com menor burocracia, custo e
esforço de fiscalização, bem como menores oportunidades de corrupção e desvios; ii) maior dignidade
no processo de pagamento, eliminando procedimentos potencialmente humilhantes ou
estigmatizantes baseados na condição de renda ou riqueza do beneficiário; e iii) maior continuidade
dos pagamentos, o que ajuda a evitar eventuais efeitos deletérios na procura por emprego da parte dos
beneficiários (a chamada “armadilha do desemprego”). O autor salienta também que o conceito de
“imposto de renda negativo” (IRN) poderia atender a estes requisitos, desde que operando “ex ante”,
ou seja, se todos tiverem direito a um adiantamento do crédito fiscal presumível ou a receber a renda
básica como dedução no imposto. Argumenta, porém, que um programa de renda básica em sistema
universal, financiado de forma menos vinculada (sem um arranjo do tipo IRN), tende a ser mais barato
e mais apto a alcançar todos os pobres em função dos menores custos de cadastro e controle, se
comparado a um esquema de IRN.
Para além da definição do que deve ser uma RBU, Van Parijs explica também por que tal
programa é necessário. A combinação entre a incondicionalidade de situação financeira e a ausência
de comprovação de busca por emprego abre às classes mais pobres a possibilidade inédita de
aumentar paulatinamente os rendimentos por meio do trabalho e do aumento de suas qualificações,
mesmo que por meio de empregos de baixo salário, ao mitigar duas espécies de risco: 1) o destes
indivíduos não poderem aceitar estas oportunidades de salários mais baixos (às vezes as únicas
disponíveis) em função de custos de deslocamento ou da necessidade de trabalhar somente em meio
período; e 2) o destes indivíduos ficarem presos nestes empregos uma vez que suas qualificações ou
disponibilidade de tempo se ampliem. Nas suas palavras (Van Parijs, 2000, p. 192):
[...] assim como a não-condicionalidade ao trabalho evita que a não-condicionalidade à situação
financeira sustente de maneira inaceitável a exploração (o que a segunda faria ao subsidiar
empregos indignos e mal remunerados, aceitos sob a ameaça da perda do benefício), de modo
semelhante a não-condicionalidade à situação financeira evita que a não-condicionalidade ao
trabalho fomente de maneira inaceitável a exclusão (o que a segunda faria ao nos incitar a não
mais considerar como problemático um sistema que exclui firmemente o menos produtivo de
qualquer participação no trabalho, eliminando de maneira efetiva empregos de baixa produtividade).
Com isso, ele conclui que é “com base em uma concepção ampla de justiça social, a qual
confere ao trabalho a importância que ele merece, e não apesar dela, que o direito a uma renda básica
deveria ser tão incondicional quanto é passível de ser estendido a todos de forma sustentável” (Van
Parijs, 2000, p. 193).
Van Parijs também discute em seu artigo o problema da viabilidade da RBU, e seu argumento
é que tal questão não faz sentido, uma vez que não há obrigatoriedade de que a RBU seja suficiente
para satisfazer as necessidades básicas do beneficiário, ou mesmo que seja suficiente para garantir
um patamar mínimo de consumo (ou a segurança alimentar). Assim, a RBU poderia ter valores
maiores ou menores a depender dos recursos disponíveis e dos objetivos de sua proposta.
A importância da RBU e o caminho a seguir são transparentes no artigo de Van Parijs: para
lutar pela justiça social é imprescindível almejar, no longo prazo, a implementação da RBU, no nível
mais alto possível de renda economicamente sustentável, com a maior abrangência politicamente
possível na cobertura do programa, e de acordo com as qualificações mínimas que caracterizam a
RBU (em oposição a outros benefícios sociais). Não obstante esta visão de longo prazo, propostas
mais modestas no curto e médio prazos, preparatórias à adoção da RBU, que sejam “imediatamente
benéficas e politicamente factíveis”, são igualmente essenciais (Van Parijs, 2000, p. 202).
É preciso destacar também dois sociólogos franceses que trouxeram contribuições
particularmente importantes para o debate sobre a RBU no final do século passado: André Gorz e
Robert Castel.
Em Metamorfoses do trabalho, Gorz (2003 [1988], p. 21) argumentou que a “sociedade
industrial” percebe a si mesma como uma sociedade de trabalhadores na qual o trabalho é o fator
social mais relevante, “uma atividade que se realiza na esfera pública, solicitada, definida e
reconhecida como útil [...], o fator mais importante de socialização”. Citou Marx, Engels, Weber e
Arendt para afirmar que nesta sociedade a racionalidade econômica submete ao seu domínio todas as
demais racionalidades, finalidades e interesses. Contudo, ao final do século XX, a ética do trabalho
já não conseguia legitimar o sistema capitalista de exploração da força de trabalho, ao mesmo tempo
em que predominava a tendência de aumento dos empregos precários e descontínuos como um dado
estrutural do mercado de trabalho. Para combater o desemprego, defendeu a redução da jornada de
trabalho atrelada à garantia de renda.
Posteriormente, em Misérias do presente, riqueza do possível, Gorz (2004 [1997]) retomou
a ideia de que a crise da sociedade do trabalho abria a possibilidade de uma mudança social mais
profunda, assentada em três pilares: a redução da jornada de trabalho (aumentando o “tempo livre”);
a garantia de uma “renda de existência” para todos (uma renda mensal suficiente e incondicional, sem
obrigação de contrapartida); e a promoção da “multiatividade” (formas autônomas de socialização
que priorizam interesses e finalidades que não reproduzem a razão econômica). A diferença é que ele
passa a desvincular a renda básica da necessidade de inserção no mercado de trabalho, apontando
para uma sociedade fundada na cultura e não mais no trabalho – uma sociedade que amplia o tempo
livre e busca novos sentidos para a atividade humana (Gollain, 2017).
Por sua vez, em As metamorfoses da questão social, Castel (1998 [1995]) trouxe importantes
contribuições sobre os conceitos de vulnerabilidade e risco social e na discussão da “renda mínima
de inserção” (RMI). Sua análise está centrada na realidade francesa, principalmente na trajetória do
que ele chama de “Estado social” (mais comumente conhecido como Estado de bem-estar social) e
na questão da vulnerabilidade e exclusão social. Dois problemas complexos e cada vez mais presentes
em outros países, no mundo globalizado.
Segundo Castel (1998, p. 393), “o núcleo da questão social seria [...] a existência de ‘inúteis
para o mundo’, de supranumerários e, em torno deles, de uma nebulosa de situações marcadas pela
instabilidade e pela incerteza do amanhã que atestam o crescimento de uma vulnerabilidade de
massa”. Ele explicou que a “sociedade salarial” estaria se metamorfoseando em uma sociedade de
indivíduos, na qual “o fato de existir como indivíduo e a possibilidade de dispor de proteções mantêm
relações complexas, pois as proteções decorrem da participação em coletivos” (p. 595). Ou seja,
enxergou uma crise crônica, ameaçando o frágil equilíbrio entre trajetórias individuais e proteções
coletivas.
Entretanto, a RMI não seria uma solução para esta crise, mas apenas uma tentativa de
estabilizar a situação social, uma vez que esse tipo de inserção não seria a garantia de uma cidadania
substantiva, posto que não resolve em definitivo a vulnerabilidade social e o risco de desfiliação
(Castel, 1998).
Interessante notar que, enquanto Gorz vê sua proposta de “renda de existência” como uma
medida inovadora para emancipar as pessoas, Castel argumenta que a política existente de “renda
mínima de inserção” é apenas um paliativo para amenizar o problema da crescente vulnerabilidade
social. Ou seja, ambos convergem na crítica a medidas meramente paliativas, mas Gorz tornou-se um
entusiasta da RBU como um meio de emancipação e transformação social, nos moldes delineados
por Van Parijs, enquanto Castel enfatizava a importância da inserção ocupacional e dos direitos do
trabalho como condição para a integração social e a coesão da sociedade.
É importante também mencionar a influência do best-seller de Thomas Piketty, O capital no
século XXI. A questão da desigualdade de renda na economia contemporânea é vista como pano de
fundo para o debate sobre a RBU. O economista francês apontou os mecanismos necessários para
uma redistribuição de renda baseada em solidariedade social. Para construir uma economia mais justa
e uma sociedade mais solidária faz-se mister implementar, gradualmente, três ferramentas
complementares e insubstituíveis: a renda básica, a garantia de emprego e a herança para todos
(Piketty, 2014).
Posteriormente, em Capital e ideologia, Piketty (2020) reforçou sua proposta para países
desenvolvidos, como a França, baseada numa tributação progressiva da renda pessoal (que arrecade
45% da renda nacional) para financiar o Estado de bem-estar social, incluindo uma renda básica anual
equivalente a 60% da renda disponível média. Além disso, ele propôs uma “dotação universal de
capital” – financiada por meio de “imposto fortemente progressivo sobre grandes fortunas” (p. 966)
– no valor de 120 mil Euros para todo cidadão, quando atingida a idade de 25 anos. Desse modo, o
combate à desigualdade não se resume à redistribuição de renda, pois envolve também a
redistribuição da propriedade e o acesso aos bens e serviços públicos.
Piketty (2020) concorda que a renda básica é uma ferramenta de suma importância, mas ainda
escassa, em especial nos países em desenvolvimento. Na Europa, apesar de programas de garantia de
renda estarem presentes na maior parte dos países, existem várias restrições que limitam
significativamente seus efeitos, em especial as restrições de acesso para estudantes e pessoas sem
endereço fixo e/ou conta bancária. Por isso, é necessário garantir o acesso automático à RBU para
trabalhadores com baixos salários (sem necessidade de aprovar o benefício).
Para ele, a renda básica não pode ser vista como uma solução milagrosa para resolver o
problema da pobreza, dispensando outros dispositivos institucionais. Não se trata de usar programas
de garantia de renda para justificar fortes cortes em outros programas sociais. Ademais, Piketty (2020)
ressalta que a renda básica recebida geralmente é insuficiente, posto que seu montante é bem modesto
(algo entre metade e três quartos do salário mínimo). Ou seja, na luta contra a desigualdade, em vez
de um programa de RBU, é preferível garantir margem fiscal para outras políticas. Em particular, um
compromisso mais desafiador deveria ser combinado com a renda básica: a garantia de “emprego
remunerado de forma justa” (Piketty, 2020, p. 993).
Uma visão convergente com essa também pode ser encontrada nos EUA. A economista norte-
americana de ascendência búlgara Pavlina Tcherneva, do Levy Economics Institute (New York),
especialista em Modern Monetary Theory (MMT), propõe em seu livro The case for a job guarantee
(2020) que os governos se dediquem não à implementação de programas de RBU em suas
comunidades, mas sim à viabilização de programas de garantia de emprego. A sua proposta prioriza
a questão do emprego – em vez da questão da renda –, pois o trabalho digno é um direito básico,
universal, essencial para a justiça e a dignidade de todos os cidadãos.
Em sua concepção, o Estado deve preencher as lacunas deixadas no mercado de trabalho pela
iniciativa privada oferecendo um salário compatível com um padrão de vida digno para que pessoas
com dificuldade de inserção ocupacional realizarem trabalhos socialmente úteis, com benefícios
concretos para as comunidades onde tais pessoas vivem. Por exemplo: cuidado com idosos, cuidado
com crianças, manutenção e vigilância de espaços públicos, melhorias na infraestrutura de bairros
carentes, preservação do meio ambiente, entre outros.
Em entrevista para o Los Angeles Times (“Forget UBI, says an economist: It’s time for
universal basic jobs”), Tcherneva defendeu que um programa de garantia de emprego seria mais
eficiente que uma RBU em proporcionar dignidade e segurança social, pois o direito a um emprego
digno e com salário decente seria mais eficaz do que o direito a uma renda que propicie suprir
necessidades básicas. O custo de oferecer uma ocupação remunerada aos trabalhadores mais
vulneráveis variaria ao longo do ciclo econômico. Ademais, tal programa teria um papel anticíclico
mais abrangente: em momentos de recessão, qualquer cidadão em busca de um emprego poderia se
dirigir a uma repartição pública, a qual seria responsável pela identificação dos empregos socialmente
úteis e a distribuição destes para qualquer um que deseje um emprego digno com salário decente,
evitando assim uma queda maior na renda agregada e proporcionando a todos a oportunidade de se
manterem ativos até a plena recuperação da economia e do mercado de trabalho (Doctorow, 2020).
Essa argumentação tem sido contestada em razão das projeções de impactos da automação
digital no mercado de trabalho6. Em artigo em defesa da RBU, Cunha e Ferrari (2021) refutam a
antiga opinião de que a automação só atingiria empregos caracterizados por tarefas repetitivas e que
não requerem maior qualificação. Eles reconhecem que as inovações da revolução digital em curso
podem criar novas ocupações, mas tendem a eliminar outras com maior intensidade, tornando
progressivamente mais desafiador o compromisso de garantir emprego digno para toda a força de
trabalho.
Cunha e Ferrari frisam que a previsão de que a geração líquida de empregos será insuficiente
(por causa da revolução digital) não ficou restrita a intelectuais influentes como Yuval Harari (Homo
Deus: uma breve história do amanhã, 2015), aparecendo também na fala de líderes da gig economy,
como Elon Musk (Tesla), Mark Zuckerberg (Facebook), Bill Gates (Microsoft), Jack Dorsey
(Twitter), dentre outros. Não surpreende, portanto, que Zuckerberg tenha defendido a RBU em
discurso de formatura na Universidade de Harvard em 2017, e que Musk tenha sugerido um cenário
(6) Por exemplo, Frey e Osborne (2017) sinalizaram um cenário alarmante: nos EUA, 47% dos empregos hoje
existentes têm alto risco de serem afetados fortemente pela automação digital.
futuro em que os robôs vão eliminar muitos empregos e os governos terão de oferecer uma renda
mensal para as pessoas sem trabalho (Clifford, 2016).
Por fim, é preciso deslocar o foco para a América Latina, onde a proteção social apresentou
avanços e recuos nas últimas décadas, alternando períodos de ampliação da cobertura e da atuação do
Estado na área social com períodos de recuo parcial do Estado e adoção de políticas sociais
minimalistas, com foco nos segmentos mais pobres (Viana; Fonseca; Silva, 2017). Em geral, tem
prevalecido na região a preferência por programas focalizados de transferência condicionada de
renda.
A CEPAL (2018) esclarece que o debate na América Latina sobre a RBU ganhou força a
partir da expansão relativamente recente da proteção social não contributiva. No bojo da afirmação
dos direitos sociais, a implementação da renda básica seria uma evolução das transferências de renda
condicionadas e focalizadas, que legitimaram a possibilidade de receber uma renda que não está
vinculada a um trabalho nem à propriedade de um ativo. A RBU poderia ser implementada na região
de maneira gradual e progressiva, como complemento e reforço dos sistemas públicos de proteção
social. As modalidades para sua implantação podem ser muito variadas (por grupos de idade, por
territórios, por níveis de renda) e dependem das condições de cada país. Mas deve ser ressaltado que
a CEPAL (2018) afirma que a RBU não é um objetivo impossível e pode ser convertida numa política
eficaz para a erradicação da pobreza em países da região.
pode enfrentar uma oposição de grupos compromissados com outras políticas de proteção social já
instituídas.
Isto posto, a relação entre demanda política e capacidade efetiva de uma comunidade
influenciam a viabilidade de uma determinada proposta de RBU, impactando consequentemente o
debate e as coalizões políticas. Teoricamente, comunidades políticas com baixa demanda por RBU e
alta capacidade política para implementá-la (por exemplo, sociedades igualitárias com gasto público
relativamente elevado) tenderiam a dar pouco ou nenhum espaço para este debate. Países como o
Japão e Suécia, onde este debate não floresceu, são bons exemplos; a Finlândia, por sua vez, tem
apresentado um apoio político intermitente à RBU. Já sociedades que combinam alta demanda com
baixa capacidade (tipicamente, a maioria dos países em desenvolvimento) têm preferido programas
de transferência de renda focalizados. Somente sociedades com alta demanda e alta capacidade de
implementação da RBU podem apresentar um apoio forte e sustentado a esta política pública – nestas
sociedades, as coalizões políticas teriam boas razões para realizar mudanças e poucos motivos para
se opor à RBU, uma vez que objeções puramente ideológicas teriam altos custos políticos e eleitorais.
Porém, este último cenário é bastante raro: há uma lista bastante restrita de casos recentes, que serão
citados mais à frente.
No que tange à formação de novas preferências e crenças (demanda por política pública), a
questão cultural-ideológica acerca de quem “merece” a ajuda do Estado é um ponto em franca disputa,
o que torna o caminho político para a RBU ainda mais longo e sinuoso.
A questão do mérito emerge no primeiro grande debate político a abordar uma renda mínima
garantida: o debate eleitoral de 1968 nos EUA, quando se opuseram a proposta democrata de política
de “guerra contra a pobreza” (ou a continuação da política pública do governo democrata vigente) e
a proposta republicana de “lei e ordem” (diante do contexto de agitação social provocado pelos
movimentos dos direitos civis e de contracultura). De acordo com Suplicy (2006), foi neste contexto
que James Tobin, Paul Samuelson, John Kenneth Galbraith e outros 1200 economistas assinaram um
documento que pedia ao Congresso dos EUA que instituísse um sistema de renda mínima garantida
(ou seja, não se tratava ainda de uma renda básica universal). Curiosamente, um expoente cuja
assinatura esteve ausente de tal documento foi Milton Friedman, conhecido por defender o “imposto
de renda negativo” desde 1962.
Tal proposta foi rechaçada pela candidatura republicana, a qual se sagrou vencedora nas
eleições daquele ano e cuja visão a respeito da oferta deste tipo de política pública fica clara no
discurso do presidente Richard Nixon para a nação em 1969 (apud De Wispelaere; Yemtsov, 2020,
p. 185, tradução nossa):
Na proposta de renda garantida, todos teriam uma renda mínima assegurada, independentemente
de quanto fosse capaz de ganhar, independentemente de sua necessidade, independentemente de
estar ou não disposto a trabalhar. Ora, durante a campanha presidencial do ano passado, eu me
opus a tal plano. Oponho-me a ele agora e continuarei a me opor a ele. E esta é a razão: Uma
renda garantida minaria os incentivos para trabalhar... uma renda garantida estabelece direitos
sem nenhuma responsabilidade. Não há razão para que uma pessoa seja tributada para que outra
possa escolher viver ociosamente.
A visão de Nixon a respeito dos efeitos de uma renda garantida sobre o incentivo ao trabalho
permanece ainda muito influente entre atores políticos, em países desenvolvidos ou em
245 vilas rurais; e Alasca, que há décadas dá um dividendo anual para os cidadãos residentes no
estado.
Talvez a experiência mais longeva e de maior escala seja a do Alasca. Em 1967, este estado
américa experimentou um súbito aumento em sua riqueza quando a maior reserva norte-americana
de petróleo foi descoberta em terras públicas dentro de suas fronteiras. Desde 1982, o estado dá a
cada cidadão um cheque anual, simplesmente por lá residir de forma permanente (os indivíduos
devem se cadastrar anualmente e já estar residindo no Alasca no ano anterior, com a intenção de
permanecer por tempo indeterminado). Atualmente, mais de 90% da população recebe os dividendos.
O dinheiro – que pode variar entre US$ 1.000 e US$ 2.000 por pessoa dependendo do preço médio
do barril de petróleo no respectivo ano – vem do Fundo Permanente do Alasca, um fundo de
investimento estatal criado a partir de uma emenda à constituição estadual de 1976 que é financiado
pelas receitas do petróleo (ao menos 25% das receitas anuais obtidas com o recurso natural são
obrigatoriamente depositadas neste fundo, e parte dos juros gerados são alocados para os pagamentos
anuais aos residentes).
Os resultados são bastante significativos, não obstante o valor relativamente modesto dos
dividendos efetivamente pagos (cerca de 7% da renda média anual dos residentes). Segundo Gentilini
et al. (2020), o programa diminuiu a pobreza e a desigualdade (a níveis similares aos de estados norte-
americanos mais bem posicionados nestes quesitos), estimulou a economia (sem pressionar a inflação
e sem causar diminuição na oferta de empregos) e atraiu mais imigrantes. Há também evidências
recentes de aumento do número de ocupados com jornada de trabalho parcial.
Em 2010, o Irã lançou um programa de transferência de renda incondicional em todo o país
para compensar a eliminação dos subsídios ao pão, água, eletricidade, aquecimento e combustível. A
universalidade do programa foi determinada, dentre outros fatores, pela crescente oposição pública
aos mecanismos de focalização dos benefícios, e veio acompanhada de uma campanha para dissuadir
os mais ricos a aderirem ao mesmo. Foi estruturado na forma de pagamentos mensais consideráveis
para as famílias (em média, 29% da renda familiar média à época do lançamento), mas infelizmente
a ampla reforma nos subsídios disparou um processo inflacionário que significou a perda de dois
terços do poder aquisitivo original por volta de 2018. Apesar dessas agruras, o programa ainda está
em execução e é o único desse tipo no mundo a ser executado em âmbito nacional, tendo mostrado
resultados empíricos promissores, como a ausência de efeito negativo no fator trabalho (em horas
trabalhadas e em participação da população).
Importante também salientar o experimento de dois anos realizado na Mongólia no início da
década de 2010, estimulado pelo boom das commodities na década anterior que garantiram ao país
taxas de crescimento de aproximadamente 9% a.a. (Gentilini et al., 2020). Durante as eleições
nacionais de 2008, o tema das transferências de renda ganhou evidência no debate político,
possibilitando a criação do Fundo de Desenvolvimento Humano para acumular e eventualmente
distribuir receitas advindas da produção de commodities, em especial o cobre. Foi então estruturada
a universalização de um programa pré-existente de suporte à infância, e o primeiro pagamento de 70
mil Togs (cerca de 52 dólares) foi efetuado para todos os cidadãos em fevereiro de 2010. Entretanto,
as promessas eleitorais divergiam dos recursos disponíveis. E devido à drástica desvalorização das
commodities ainda em 2010, o governo teve de diminuir drasticamente os valores pagos (cerca de 7
dólares no mês de agosto) para dar continuidade no programa, que acabou retrocedendo para a sua
forma focalizada ao final de 2012. O programa obteve sucessos significativos (diminuição da pobreza
em um terço e da desigualdade em 13 pontos percentuais), mas acabou gerando aumento da dívida
pública (de 31% do PIB em 2010 para 48% do PIB em 2012) e, possivelmente, contribuiu para a
aceleração da inflação.
Além destes programas acima citados, que tentaram se aproximar da definição de renda
básica universal, tanto o mapa da Vox (Samuel, 2020) quanto o estudo do Banco Mundial (Gentilini
et al., 2020) mencionam outros experimentos de caráter focalizado e/ou filantrópicos, os quais fogem
ao objeto de interesse do presente texto.
Convém citar também a análise feita por Viana, Fonseca e Silva (2017) sobre políticas sociais
na América Latina, onde a cobertura de programas de transferência de renda com condicionalidades
destinados a famílias em situação de pobreza aumentou de 5,7% da população total da região no ano
2000 para 21,1% em 2012. Eles explicam por que uma RBU autêntica não chegou a ser testada na
região (Viana; Fonseca; Silva, 2017, p. 1):
[...] o caráter híbrido das políticas (com grande participação do setor privado no financiamento,
oferta e gestão dos serviços) e a prevalência de modelos segmentados (com acesso diferenciado
em função da posição social dos indivíduos) [são] os traços predominantes da proteção social na
América Latina e Caribe, limitando as possibilidades de maior equidade e justiça social.
Esta diversidade de programas – abarcando tanto países desenvolvidos como países em
desenvolvimento – explicita que na grande maioria dos casos não foi implementado um programa de
RBU (com as características definidas por seus defensores). Convém frisar que no debate proposto
em fóruns não acadêmicos foi constatada uma confusão no uso do conceito ao tratar das experiências
em curso. De qualquer modo, nota-se que os argumentos presentes no debate acerca de uma renda
básica nas mais diversas circunstâncias podem ser muito diferentes. Além disso, essa diversidade
também está relacionada com diferenças entre os modelos de proteção social7. Assim sendo, mesmo
em países com maior tradição e estrutura para financiar um Estado de bem-estar social, os programas
de transferência de renda focalizados são priorizados, ainda que com função complementar, e a RBU
não é demandada ou não é vista como economicamente viável8.
(7) De acordo com Esping-Andersen (1991), os sistemas nacionais de proteção social podem ser agrupados em três
"regimes de Welfare States": o social-democrático (países escandinavos), o liberal (países anglo-saxões) e o conservador-
corporativo (países do continente europeu).
(8) É relevante mencionar que Los Angeles (a segunda cidade mais populosa dos Estados Unidos) aprovou
recentemente a criação de um programa piloto de garantia de renda básica – Basic Income Guaranteed: Los Angeles
Economic Assistance Pilot (LEAP). A prefeitura abriu inscrições para cadastrar 3.200 famílias de baixa renda que irão
receber US$ 1.000 por mês durante um ano, sem contrapartidas, a partir de 2022. É um programa assistencial bastante
restrito, considerando que a cidade tem 3,8 milhões de habitantes, dos quais 18% vivem abaixo da linha de pobreza, sendo
que o número de pessoas desabrigadas é estimado em 40 mil (dados pré-pandemia). Na mesma direção, Chicago (a terceira
maior cidade do país) também pretende adotar um programa semelhante de transferência de renda para proteger 5.000
famílias, usando recursos do pacote federal de estímulos contra a pandemia.
Senado em 1992 e na aprovação de uma lei que instituiu a Renda Básica de Cidadania em 2004. Ele
é autor de dois livros que se tornaram referências obrigatórias no Brasil: Renda de cidadania: a saída
é pela porta (2002) e Renda básica de cidadania: a resposta dada pelo vento (2006).
Na segunda obra, o então senador Suplicy faz um amplo arco e se permite transitar por
diversos pontos relevantes: as propostas originais e os fundamentos da RBU, os experimentos mais
relevantes, a importância da BIEN, a evolução do debate no Brasil, a criação do programa Bolsa
Família e os impasses da RBU no País.
Segundo Suplicy (2006), a primeira proposta no Brasil de algo parecido com uma renda
básica foi feita pelo professor Antonio Maria da Silveira no artigo “Moeda e redistribuição de renda”,
publicado em abril de 1975, no qual ele defende o uso de um “imposto de renda negativo”9 para
combater a pobreza via a injeção de mais moeda na economia aumentando o poder de compra das
famílias mais pobres. Silveira colaborou com Suplicy neste período, quando ambos organizaram
palestras nas universidades onde ensinavam, e em 1976 Suplicy escreveu um artigo para a Folha de
S. Paulo conectando os argumentos de Silveira (mais correlacionados à defesa do salário mínimo)
para advogar em favor da garantia de uma renda mínima.
No final daquela década Suplicy se aproximou do movimento metalúrgico e se tornou um
dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Junto com Paul Singer, argumentou que o PT deveria
incluir em suas pautas a luta pela renda mínima garantida. Em 1986, como Deputado Federal pelo
PT, ele propôs em uma audiência da Câmara dos Deputados com o então Ministro das Finanças,
Francisco Dornelles, a ideia de se implementar um imposto de renda negativo.
Nos anos 1990, os debates se intensificam. Mesmo no seio do Partido dos Trabalhadores, o
tema não era uma unanimidade e era discutido em seus simpósios de economia, nos quais questões
importantes eram levantadas, por exemplo: se a renda mínima não causaria um maior nível de
exploração dos assalariados por seus patrões; como se divulgaria para os trabalhadores quais seriam
seus direitos em relação à renda mínima; ou se seria melhor pagar uma renda deste tipo para famílias
em vez de para indivíduos, dentre outras.
Eleito senador em 1990, Suplicy levou o tema ao Parlamento com a apresentação de um
projeto de lei (PLS 80/91) para criar o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), um imposto
de renda negativo a ser implantado progressivamente em oito anos, limitado a 3,5% do PIB e
substituindo outras políticas sociais de ação compensatória. A versão aprovada pelo Senado Federal
logrou encaminhamento favorável de todos os partidos, sem nenhum voto contrário, mas o projeto
não chegou a ser votado na Câmara.
Nos anos 1990 começa a despontar um novo enfoque para as estratégias de combate à
pobreza, com o início do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – previsto na Constituição de
(9) O conceito de imposto de renda negativo ficou famoso a partir de sua menção no livro Capitalismo e Liberdade
(1962) de Thomas Friedman. Consiste, basicamente, na ideia de uma alíquota negativa do imposto de renda, por meio da
qual o governo, em vez de recolher dinheiro das pessoas, dá a elas uma quantia definida. Ao responder perguntas de Eduardo
Suplicy feitas por correspondência, Friedman reconheceu que não era uma ideia nova, podendo ser encontrada em textos de
economistas de esquerda: em A Teoria Econômica do Socialismo (1936) de Oskar Lange e em A Economia do Controle
(1944) de Abba Lerner.
Na virada para os anos 2000, a proposta de renda mínima garantida se tornou um item
programático essencial na agenda das lideranças políticas mais importantes. Era, por exemplo, parte
integrante do programa de governo do então pré-candidato do PT à Presidência da República, Lula
da Silva. Em 2001, a prefeita da Cidade de São Paulo Marta Suplicy (PT) assinou um convênio com
o governo federal, enquanto o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) criou o Programa
Renda Cidadã para que municípios pudessem estabelecer convênios com o governo estadual.
Ao final do governo FHC, em 2002, havia diversos programas de transferência de renda que
seguiam os princípios do PGRM (garantia de renda mínima associada a ações socioeducativas),
inclusive ampliando-os para também focalizar outros critérios de justiça social, como a erradicação
do trabalho infantil (PETI, do Ministério do Trabalho) e a segurança alimentar (Bolsa Alimentação,
do Ministério da Saúde). Ademais, havia outros programas de transferência de renda endereçados a
segmentos específicos da sociedade, como trabalhadores rurais aposentados (Aposentadoria Rural
por idade, do Ministério da Previdência Social) e portadores de deficiências físicas e idosos
vulneráveis (BPC, do Ministério do Bem-estar Social).
Em 2003, com o início da administração do Presidente Lula da Silva, é implantado o
programa “Fome Zero” que, dentre outros instrumentos de combate à fome, institui um programa de
transferência de renda para famílias necessitadas – ou seja, com renda familiar inferior ou igual a
meio salário mínimo per capita – adquirirem comida a partir de um cartão-alimentação. Suplicy
acompanhou a implantação e as explanações em alguns conselhos administrativos municipais no
Piauí e constatou que era um grande desafio administrativo identificar as famílias de acordo com o
critério de focalização, especialmente em regiões onde a economia era primordialmente informal.
Outro problema era o controle dos gastos por meio de um cartão-alimentação, restritos a itens de
alimentação básica. Isso retomava um debate entre dirigentes do PT durante a elaboração do plano de
governo, no qual Suplicy defendia que era necessário dar maior liberdade aos beneficiários em relação
às decisões de gastos com os recursos a eles fornecidos.
Esta visão de simplificação e flexibilização dos programas de transferência de renda acabou
prevalecendo ainda ao final de 2003, quando o governo deu mais um passo adiante e unificou quatro
programas de transferência de renda – Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão
Alimentação – em um único programa intitulado “Bolsa Família”, tirando proveito do cadastro único
para evitar ineficiências. Mais tarde, em 2005, o PETI também seria incorporado ao Bolsa Família.
O resultado imediato foi muito positivo. A porcentagem da população abaixo da linha de
pobreza extrema diminuiu em 2 pontos percentuais (de 27,3% em 2003 para 25,1% em 2004); e em
alguns municípios o benefício garantia a renda de quase 30% da população, sendo, portanto, um fator
de ativação do comércio e de serviços nessas localidades. O novo programa contribuiu para um ciclo
econômico virtuoso, dada a retomada da geração de emprego e do crescimento do consumo.
O contexto político favorável permitiu que o Congresso Nacional aprovasse a proposta de
Renda Básica de Cidadania (RBC) encaminhada pelo senador Eduardo Suplicy (PT). A Lei 10.835,
que data de janeiro de 2004, estabelece no seu primeiro artigo:
É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos
os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil,
não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário.
Porém, o parágrafo primeiro do mesmo artigo flexibiliza o cumprimento dessa norma legal:
“A abrangência mencionada no caput deste artigo deverá ser alcançada em etapas, a critério do Poder
Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população.”
Embora aprovada na forma de Lei, a RBC careceu de regulamentação e, nos anos seguintes,
caiu no esquecimento ao ser obliterada pelo Programa Bolsa Família.
A trajetória de construção do debate político e de implementação de programas de
transferência de renda parecia convergente ou compatível com as bandeiras e argumentos dos
defensores da RBU. Mas o Bolsa Família sacramentou a preferência por um programa focalizado e
condicionado. Por isso, Suplicy continuou insistindo na defesa de uma política mais audaciosa e na
necessidade de regulamentação da RBC.
A agenda mais ambiciosa de Suplicy (2006) e dos entusiastas da RBU trazia os seguintes
argumentos centrais:
– eliminação da burocracia intrínseca aos programas condicionados;
– eliminação dos estigmas que afligem os beneficiários de programas condicionados;
– facilidade de explicação e divulgação dos direitos dos beneficiários;
– neutralização da “armadilha do desemprego” característico de programas condicionados
pela renda;
– maior incentivo à busca pelo trabalho e pelo emprego;
– maior flexibilidade de gastos e maior dignidade e liberdade de escolha para os
beneficiários, com maiores efeitos virtuosos e positivos para a economia;
– fomento de atividades não mercantis, como nas artes e em estudos acadêmicos, com
benefícios potenciais para a cultura e o bem-estar social.
Estes argumentos ressoavam positivamente na comunidade política com viés mais
progressista, inclusive em setores do governo federal. Mas, apesar da inclinação favorável a tais
argumentos, eram frequentes os questionamentos à RBC, como os do então Ministro do
Desenvolvimento Social Patrus Ananias (Suplicy, 2006, p. 46): 1. Quão viável seria pagar um
benefício para todos os brasileiros, considerando a relativa modéstia dos recursos empregados no
Bolsa Família? 2. Qual seria o montante inicial para uma renda básica universal? 3. Não seria melhor
aumentar os gastos com o Bolsa Família? 4. Como a opinião pública, que aprova as contrapartidas do
Bolsa Família, receberia um programa incondicional?
Em resumo, no início do século XXI, havia uma larga aceitação dos argumentos em favor de
programas de transferência de renda condicionada, bem como um ambiente político acolhedor a seus
princípios e objetivos, inclusive no que tange ao alinhamento desta política assistencial ao espírito da
Constituição Cidadã de 1988. Porém, a comunidade política brasileira permanecia cética quanto à
viabilidade de uma proposta de RBU, que não contava com a receptividade dos segmentos mais
influentes da sociedade (tanto do meio empresarial como do mundo sindical). Ademais, os dividendos
políticos decorrentes do sucesso do Bolsa Família desencorajavam prefeitos e governadores a adotar
experimentos mais ousados.
Apesar de não ter efetivamente entrado em vigor, a Lei 10.835/04 serviu de inspiração para
experimentos locais, como o programa da Prefeitura de Maricá-RJ, que se tornou o maior laboratório
de renda básica na América Latina. Em 2013, quando a moeda social de Maricá foi criada pela
Secretaria de Direitos Humanos, a Renda Mínima Mumbuca beneficiava 40 famílias – cada uma
recebia 70 mumbucas (equivalente a R$ 70,00), o que possibilitava elevar a renda familiar para cima
da linha de pobreza. Em 2015, quando o benefício já alcançava 16 mil pessoas, uma alteração na lei
permitiu a unificação de todos os programas de transferência de renda na Renda Básica da Cidadania.
A faixa de renda familiar permitida aumentou de um para três salários mínimos. Além disso, o
benefício deixou de ser calculado por família e passou a ter como base cada indivíduo.
De acordo com o site da Prefeitura de Maricá, atualmente 42,5 mil moradores são
beneficiados pelo programa de transferência de renda, que injeta mensalmente R$ 8,4 milhões na
economia da cidade, gerando impacto positivo de 25% no PIB do município. Com a pandemia, o
valor distribuído a cada beneficiário chegou a 300 mumbucas, depois voltou para 170 mumbucas e,
em maio de 2022, passou a ser de 200 mumbucas (equivalente a R$ 200,00) por pessoa. Como o
dinheiro vem do orçamento municipal, principalmente dos royalties do petróleo, este programa tem
potencial para perdurar.
O tema da implementação efetiva da RBC voltou ao Congresso Nacional em 2019, mas numa
conjuntura política bastante desfavorável por conta dos posicionamentos do governo federal. O
Projeto de Lei 4.856/19 do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) pretende criar o programa
Renda Básica Universal, que concede uma renda mensal de meio salário mínimo a pessoas de 0 a 64
anos cuja renda familiar per capita não ultrapasse um salário mínimo (ou seja, para todas as pessoas
em condição de vulnerabilidade não contempladas pelo BPC), independentemente da existência de
outro benefício financeiro.
O PL 4.856/19 se baseia no princípio de que a dignidade humana requer a garantia de acesso
a direitos básicos como educação, saúde, alimentação, moradia, lazer e trabalho (ou capacidade de
empreender). A renda básica não é vista como um paliativo que induz o beneficiário a se acomodar,
mas como um fator de segurança para que possa empreender. Ademais, esta proposta ousada vem
acompanhada de um projeto de lei complementar, que cria um imposto sobre grandes fortunas para
custear o programa.
Note-se que o PL 4.856/19, cuja forma de apreciação consiste em “proposição sujeita à
apreciação do Plenário”, ainda permanece (três anos após ser protocolado) aguardando parecer do
Relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). Entretanto, nem no campo político nem
no meio acadêmico essa proposta ganhou força, provavelmente em função da zona de conforto
proporcionada por programas de transferência de renda condicionada, o que fica evidente na
constatação de que tanto o Executivo quanto o Legislativo deram preferência ao Bolsa Família e,
durante a pandemia, ao Auxílio Emergencial, seja pela maior facilidade de financiamento, seja por
pressão de setores sociais, seja por supostos motivos eleitoreiros.
Não bastassem os desafios intrínsecos a um projeto de lei dessa natureza num contexto
político desfavorável, a tramitação do PL 4.856/19 também foi impactada pela chegada da pandemia
de Covid-19 poucos meses após a sua proposição. Assim, é provável que sequer entre em votação na
Câmara dos Deputados e se torne mais uma tentativa frustrada de avançar na direção de uma RBU.
(Kerstenetzky, 2006, p. 566). Em tal concepção de justiça, que a autora classifica como “espessa”, o
Estado tem um papel fundamental e proativo de redistribuição das vantagens socioeconômicas, papel
este justificado pelo pressuposto, ou compreensão, da existência de uma distribuição prévia de tais
vantagens que pré-determinaria os resultados finais e comprometeria o argumento meritocrático.
Tendo como pando de fundo essas noções de justiça social “fina” e “espessa”, Kerstenetzky
analisa a oposição entre focalização e universalização das políticas públicas buscando entender se há
alguma correspondência entre as duas alternativas de implementação e as duas concepções de justiça.
Em relação à focalização, ela identifica três tipos de linhas argumentativas em sua defesa no
debate público brasileiro: focalização como residualismo, como condicionalidade e como ação
reparatória. O primeiro argumento seria mais alinhado à noção de justiça social fina, ou seja, a defesa
da focalização como uma forma de se resolver as falhas residuais da justiça social de mercado, como
uma forma de se combater a “pobreza imerecida”. O segundo argumento “defende a focalização no
sentido de busca do foco correto para se atingir a solução de um problema previamente especificado,
portanto como um aumento de eficiência local, isto é, eficiência na solução desse problema
específico” (Kerstenetzky, 2006, p. 569). Já o terceiro argumento ou sentido para a focalização seria
o da ação reparatória para “restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais formalmente
iguais” (Kerstenetzky, 2006, p. 570). Acerca destas variantes, ela conclui que somente na “acepção
restrita de política social residual, a focalização se encaixaria comodamente na visão de justiça de
mercado” (Kerstenetzky, 2006, p. 571).
Ao analisar os argumentos pró-universalização, ela destaca dois pontos de vista. O primeiro
é o da eficiência social, segundo o qual políticas públicas universais podem ser mais eficientes ao
economizar “vários recursos na alocação do gasto social, em particular, os custos associados ao
desenho minucioso, à implementação e ao monitoramento de políticas focalizadas” (Kerstenetzky,
2006, p. 571), bem como ao mitigar estigmas sociais e ao manter a responsabilidade e o engajamento
político-administrativo em um patamar mais alto, posto que esta é a tendência quando “políticas
sociais têm como beneficiários estratos politicamente mais organizados e ativos da população”
(Kerstenetzky, 2006, p. 572). O segundo é o ético, pelo qual “tais políticas nos reuniriam, a todos,
numa mesma comunidade de iguais em termos de direitos sociais de cidadania, maciçamente
garantidos pelo estado do bem-estar, em consonância com uma concepção espessa de justiça
distributiva, como praticada, ao que parece, em países escandinavos” (Idem, ibidem).
Ademais, a autora aponta ainda um possível terceiro ponto de vista pelo qual a
universalização seria concebida em acordo com uma “noção de justiça de mercado”, sem se opor à
lógica residualista da focalização (Kerstenetzky, 2006, p. 572):
[...] é possível conceber a universalização também no interior de uma noção de justiça de
mercado, quando se tem em mente um desenho de seguridade social básica universal, e
oportunidades sociais básicas de educação e saúde com cobertura universal, como parece ser o
caso do regime de estado do bem-estar inglês. [...] A diferença entre focalização e
universalização, no âmbito de uma concepção de justiça de mercado, estaria principalmente no
tamanho do resíduo.
Em suma, Kerstenetzky conclui que políticas sociais focalizadas poderiam ser tão
compatíveis com uma noção fina de justiça social (na qual assumem conotações típicas de justiça de
mercado, residualista), como com uma concepção mais espessa, de conotação redistributiva ou
(10) Um panorama sobre as experiências de renda complementar no Brasil – do Benefício de Prestação Continuada
(BPC) ao Bolsa Família – pode ser obtido em Rossete (2005) e Bilicki (2014).
de alguns expoentes deste campo, como Edmar Bacha, Ilan Goldfajn e Elena Landau, dentre outros.
Tal proposta foi redigida em setembro de 2020 por pesquisadores do IBRE/FGV, Insper e UnB.
O Programa de Responsabilidade Social tem dois pilares: o Benefício de Renda Mínima
(ampliação do Programa Bolsa Família, complementando a renda da família até que atinja R$ 125,00
per capita), um programa focalizado de garantia de renda com condicionalidades; e a Poupança
Seguro Família, que institui um fundo para o qual o governo contribuirá mensalmente com 15% do
valor declarado da renda da família, mais um depósito de R$ 20,00 por criança por mês. A família
pode efetuar dois saques por ano dessa reserva e a qualquer tempo caso lhe ocorra algo grave.
O diagnóstico dos idealizadores desta proposta é que as demais, e em especial as alicerçadas
no conceito de RBU, acabam dando uma solução única para problemas que são distintos. Isto é,
tentam solucionar tanto a escassez crônica de renda dos muito pobres, os quais simplesmente não
conseguem gerar renda suficiente, quanto a volatilidade de renda dos trabalhadores sem proteção
social, que têm rendimentos muito voláteis, por intermédio da mesma fórmula: transferência de renda.
Segundo eles, a motivação do AE era preencher a lacuna que havia entre os pobres – já atendidos
pelo Bolsa Família – e os trabalhadores informais prejudicados pela perda de renda ocasionada pela
pandemia e que não têm direito a seguro-desemprego nem FGTS (Botelho et al., 2020).
Pode-se perceber que mesmo no polo liberal do espectro político são reconhecidas a
importância e a efetividade das transferências de renda para os mais pobres, bem como a necessidade
de oferecer algum tipo de proteção para os trabalhadores informais. Entretanto, sua proposta se
articula em torno da restrição orçamentária, tratando-a como parâmetro exógeno e fundamental, e sua
premissa é que programas como o AE não são financeiramente sustentáveis. Logo, uma estratégia
diferente seria necessária, com soluções distintas para os pobres (de natureza assistencial, perene) e
para os informais (de caráter preventivo, eventual).
Outra abordagem é exemplificada em artigo de Lena Lavinas, Pedro Rubin e Lucas Bressan,
do IE-UFRJ, no qual argumentam que o maior aprendizado da pandemia é a demonstração de que é
possível erradicar a pobreza extrema e a fome, pois “mesmo sem a adoção de uma renda básica
universal, mas redefinindo, de acordo com as necessidades da população, os parâmetros para alívio
da pobreza, foi possível reduzir a desigualdade e o número de pessoas abaixo da linha de pobreza
durante a vigência do auxílio emergencial” (Lavinas; Rubin; Bressan, 2021).
Paralelamente, os autores também apontam o fato de que nem mesmo em países
desenvolvidos a pandemia havia provocado, até aquele momento, a adoção de programas de renda
básica, e que no Brasil “o mais urgente parece ser consolidar de imediato algumas dimensões do
sistema de proteção social, operando rapidamente mudanças naquilo que deve ser aprimorado: resgate
do mercado de trabalho e do emprego, valorização do salário mínimo, assistência, saúde, educação,
seguro-desemprego e segurança” (Lavinas; Rubin; Bressan, 2021).
Assim, sugerem atuação simultânea no campo da assistência e dos direitos universais
incondicionais. Sua proposta é articular dois programas complementares: uma renda básica de
combate à pobreza e insegurança alimentar, condicionada pela linha de pobreza do Banco Mundial
(US$ 5,50 per capita por dia) e capaz de cobrir cerca de 75% da cesta básica (em torno de R$ 400,00);
e um benefício universal de R$ 200,00 para menores de idade (0-17 anos), sem condicionalidades
além do limite de idade. “Ambos os programas somariam menos de 3% do PIB, algo factível de ser
implementado rapidamente dado seu baixo custo”, defendem os autores (Lavinas; Rubin; Bressan,
2021).
externa sua própria opinião: “É difícil não simpatizar com os princípios da RBU como sistema de
proteção social, mas é impossível não reconhecer seu caráter altamente utópico. A luta infrutífera
para implantá-la no resto do mundo indica as dificuldades que o Brasil enfrentará se tentar adotá-la”
(Chahad, 2020, p. 28).
Alguns acadêmicos usaram as redes sociais para agir como influenciadores e divulgar sua
visão da questão. Por exemplo, Marcelo Medeiros (2020) usou o Twitter para argumentar em favor
da efetividade de gastos com assistência social no Brasil, bem como da necessidade de expandir tais
gastos. Mas, tendo em vista as vantagens e desvantagens de programas focalizados ou universais, não
é fácil escolher o modelo a ser adotado. Os programas focalizados nos pobres têm problemas de
desenho, como a dificuldade em lidar com a mobilidade para dentro e para fora da pobreza, e efeitos
colaterais, como estimular o emprego informal. Por sua vez, os programas universais custam caro e,
por isso, são pouco viáveis. Assim, defende a adoção de critérios de focalização que vão além da
pobreza para englobar não somente as famílias de baixa renda, mas todos os vulneráveis, buscando
um equilíbrio entre focalização e universalização.
Foram frequentes também as opiniões publicadas na grande mídia. Por exemplo, Samuel
Pessoa usou sua coluna na Folha de S. Paulo para criticar a proposta de RBU defendida por Siqueira
e Nogueira (2020). Apesar de reconhecer que a RBU seria um salto civilizatório, Pessoa (2020)
argumentou que os custos não são baratos e que o aumento na carga tributária necessário
provavelmente seria muito difícil de ser obtido. O impacto não poderia ficar restrito a segmentos da
sociedade (multimilionários) ou da economia (como grandes bancos), ou seja, seria exigido um
aumento da carga tributária para a maior parte da sociedade, inclusive a classe média.
Em outra coluna desse mesmo veículo, Nelson Barbosa (2020) procurou analisar alguns
aspectos operacionais, políticos e econômicos da adoção de uma RBU em substituição ao AE,
propondo um mecanismo de IR negativo como o mais exequível (operacionalmente), mas ponderando
que não há uma “bala de prata”, uma fórmula única para resolver as questões de vulnerabilidade social
no Brasil, sendo necessário – mas desafiador – combinar RBU, Bolsa Família e a oferta de serviços
públicos universais.
Também é importante mencionar o artigo elaborado pela Rede de Pesquisa Solidária, formada
por mais de 50 pesquisadores preocupados com políticas públicas relacionadas à Covid-19, publicado
pelo jornal Nexo. Os autores fazem contraponto à fala de Samuel Pessoa, afirmando que “não é
preciso R$ 1 trilhão para pagar um programa de renda básica” (Barbosa et al., 2020). Pelos seus
cálculos, o custo poderia não ultrapassar R$ 150 bilhões, sendo viável do ponto de vista fiscal. Além
disso, tenderia a causar estímulo econômico (o que reduziria seu custo) e seria compatível com a
manutenção e mesmo expansão do sistema de proteção social (sem necessidade de “voucher”).
Assim, segundo os autores, o que está em discussão é “se o legado da pandemia de Covid-19 será
unicamente o de ter sido uma catástrofe ou se terá sido uma possibilidade de mudança na forma como
lidamos com nossa população e com seu bem-estar” (Barbosa et al., 2020).
O debate sobre a viabilidade da RBU envolve temas correlatos, como a questão da reforma
tributária. Parece justo afirmar que o modelo tributário brasileiro é um dos determinantes estruturais
que necessitam ser endereçados antes da efetiva adoção de uma RBU. A proposta de Reforma
Tributária Solidária da ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do
Brasil) indica como é possível obter recursos adicionais com base na justiça fiscal para cobrir
É diante desse quadro, ou através deste prisma, que devem ser observadas as iniciativas mais
recentes de atores políticos na referida arena pública pretendendo provocar mudanças ou assegurar a
manutenção do status quo.
No lançamento da Frente Parlamentar Mista da Renda Básica11, em julho de 2020, que teve
a adesão de mais de 200 parlamentares (deputados e senadores de 23 partidos políticos), as falas
evidenciaram a forte influência de economistas com visões distintas, como Laura Carvalho, Monica
de Bolle e Marcos Mendes (Vilela, 2020). Apesar do consenso em relação à importância da garantia
de renda para os mais pobres, havia também um dissenso acerca do formato ideal para tal programa
(universal ou focalizado) e da viabilidade de seu financiamento. A liderança do movimento
acompanhava a opinião de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, para quem a reforma
social necessária para melhorar a vida dos mais pobres deve ser compatível com a responsabilidade
fiscal, e isso implica em reduzir o tamanho do Estado e focalizar o gasto social nos grupos mais
vulneráveis (Araújo; Lavinas, 2020). Ou seja, apesar de ser uma Frente em prol da garantia de uma
renda básica, predominava a resistência ao esforço fiscal necessário para a implementação de uma
RBU autêntica, nos moldes da definição de Van Parijs.
Em meio ao debate público sobre os mecanismos de proteção social estimulado pelo
prolongamento da crise econômica e social causada pela pandemia, senadores e deputados federais
dessa Frente Parlamentar buscaram regulamentar a Renda Básica de Cidadania (Lei 10.835/2004) por
meio de ações legislativas esparsas e não coordenadas. Até abril de 2021, foram apresentados nove
projetos de lei na Câmara dos Deputados e quatro no Senado Federal (Vianna; Ramos, 2021). A
maioria ficou fora dos holofotes, ausente da lista de debates mais relevantes no Congresso Nacional.
Em agosto de 2020, tendo em vista o caráter provisório do AE, o senador Paulo Paim (PT-
RS) apresentou o PL 4.194/20, propondo a regulamentação da Lei 10.835/2004. A intenção desse
Projeto de Lei era que, a partir de 1º de janeiro de 2021, o Estado brasileiro garantisse a todas as
famílias carentes assistidas uma renda de um salário mínimo e, ainda, assegurasse um benefício
adicional para famílias em situação socioeconômica mais vulnerável. Paim esclarecia que, como
previsto na Lei, a RBC deveria ser instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, começando
pelos mais necessitados. Nesse sentido, o Programa Bolsa Família, implantado em 2004, poderia ser
considerado uma etapa inicial nessa direção, e agora era preciso avançar para um programa focalizado
mais audacioso, mantendo o benefício de R$ 600,00.
Por sua vez, o PL 4.715/20 propôs instituir a Renda Básica da Cidadania, em substituição ao
Auxílio Emergencial (e ao auxílio emergencial residual). Segundo o autor da proposta, o deputado
Jesus Sérgio (PDT-AC), em entrevista a Noéli Nobre (29/09/2020): “Propomos a Renda Básica da
Cidadania, a ser paga a partir de janeiro de 2021, para que trabalhadores e famílias não retornem a
um estado de desproteção social, já que a retomada da atividade econômica não será capaz de gerar
novos postos de trabalho suficientes para absorver os milhões de trabalhadores que perderam emprego
ou renda”. Se aprovado o texto do PL, em tramitação na Câmara dos Deputados, o novo benefício
(11) O presidente da Frente é o deputado federal João Campos (PSB-PE) e o vice-presidente é o senador Alessandro
Vieira (Cidadania-SE). Desde o início, teve a participação de lideranças políticas com distintos posicionamentos, tais como
os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Humberto Costa (PT-PE), Simone Tebet (MDB-
MS) e Kátia Abreu (PP-TO), e os deputados Marcelo Freixo (PSB-RJ), Paulinho da Força (Solidariedade-SP), Benedita da
Silva (PT-RJ), Tábata Amaral (então no PDT-SP), Aécio Neves (PSDB-MG) e André Janones (Avante-MG).
pagaria R$ 300,00 a todo brasileiro maior de 18 anos com renda familiar mensal per capita igual ou
inferior a meio salário-mínimo, estabelecido um limite de dois benefícios por família.
Também convém mencionar o PL 873/20, apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues
(REDE/AP), que pretendia alterar a Lei 10.835/04 para instituir a Renda Básica de Cidadania
Emergencial em casos de epidemias. Esse Projeto de Lei foi transformado por um PL substituto,
dando origem à Lei 13.982/20 (que estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem
adotadas durante o período de enfrentamento da Covid-19). Ou seja, a Lei 10.835/2004 permaneceu
inerte e o debate efetivo sobre a RBU, esvaziado.
A Frente Parlamentar Mista de Renda Básica continuou agindo de modo pragmático e
imediatista. Em manifesto de fevereiro de 2021, diante do agravamento da questão social causado
pela crise econômica e pelo fim do AE, posicionou-se a favor da prorrogação do mesmo e da
ampliação do Bolsa Família. Assim, apesar da pretensão de constituir uma plataforma de debate para
combater desigualdades sociais aprofundadas pela pandemia, a Frente se limitou, naquele contexto,
a repercutir reivindicações imediatas de proteção da renda das famílias no curto prazo.
Portanto, é preciso constatar a prevalência, no período 2020-2021, das discussões no campo
político em torno do AE: sua implantação, seu fim e seu eventual substituto.
Cabe mencionar que o debate em tela chegou ao Poder Judiciário, explicitando a confusão
em torno do conceito legal de RBU (Oliveira, 2022). No julgamento do Mandado de Injunção MI
7300/2020, o STF reconheceu que a Renda Básica de Cidadania, prevista na legislação para ser
implementada gradualmente, poderia priorizar o combate à pobreza. O Tribunal, por maioria,
determinou ao Presidente da República que implementasse, no exercício fiscal de 2022, a fixação do
valor disposto no art. 2º da Lei 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de
vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza); que fossem adotadas as medidas
administrativas e legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis
do Bolsa Família; e que fossem aprimorados os programas sociais de transferência de renda em vigor,
unificando-os, se possível.
Embora inicialmente o Ministro da Economia e outros representantes do governo federal
tenham assumido uma posição refratária em relação ao aumento do gasto com programas de
transferência de renda12, perceberam os efeitos imediatos que o AE teve na popularidade do governo,
tanto na retomada que ocorreu com a sua introdução quanto com a queda que acompanhou a sua
extinção. Tal constatação, somada ao reconhecimento dos dividendos políticos que o Bolsa Família
rendeu a governos pregressos, induziu uma escolha política claramente oportunista (e para muitos,
populista): a criação do Auxílio Brasil. O programa, que substituiu o Bolsa Família, foi assim
defendido pelo Ministro da Cidadania, João Roma: “Estamos estruturando um benefício transitório,
que funcionaria até dezembro do próximo ano, e esse benefício transitório teria por finalidade
equalizar o benefício para que nenhuma família beneficiária receba menos do que R$ 400” (Auxílio...,
2021). Ou seja, um programa concebido para ser transitório, com objetivo de aumentar a popularidade
(12) A substituição do AE por outro programa focalizado de transferência de renda é mais palatável para o discurso
neoliberal vigente, desde que facilite avançar gradativamente em direção à substituição de serviços públicos universais e
gratuitos por políticas focalizadas de seguridade social. Inclusive, há quem defenda a distribuição de vouchers para a
população (por exemplo, na área da saúde, o SUS atenderia prioritariamente os mais pobres com atenção básica e, em
adição, seria assegurado para a população um valor mínimo para comprar serviços de saúde oferecidos pelo setor privado).
do governo federal, mas gerando pouca ou nenhuma transformação positiva na estrutura social e
econômica.
A Medida Provisória nº 1.061 (que criou o Auxílio Brasil), no inciso II do artigo 41,
explicitamente extinguiu o Bolsa Família a partir de 7 de novembro de 2021. Tal manobra – entendida
como desnecessária e sem embasamento técnico (Brandão; Campello, 2021) – buscou neutralizar o
capital político que o BF historicamente proporcionava ao PT e transferi-lo para o atual Presidente da
República.
Segundo o site do governo federal (https://www.gov.br/cidadania/pt-br/auxilio-brasil), o
Auxílio Brasil (AB) “integra em apenas um programa várias políticas públicas de assistência social,
saúde, educação, emprego e renda”, consistindo em transferência direta ou indireta de renda para
famílias em situação de extrema pobreza (que possuem renda familiar mensal per capita de até
R$ 105,00), e as em situação de pobreza (renda familiar mensal per capita entre R$ 105,01 e
R$ 210,00). Os benefícios podem ser pagos via Poupança Digital Social (em nome do responsável
familiar inscrito no Cadastro Único, que pode sacar os benefícios com o Cartão Bolsa Família), conta
corrente ou conta especial.
O AB começou a ser pago em agosto de 2022 para cerca de 20 milhões de beneficiários. Os
valores dos benefícios podem variar, uma vez que há valores específicos para cada situação familiar,
havendo um núcleo básico (Benefício Primeira Infância, Benefício Composição Familiar e Benefício
de Superação da Extrema Pobreza) e um núcleo suplementar (Auxílio Esporte Escolar, Bolsa de
Iniciação Científica Junior, Auxílio Criança Cidadã, Auxílio Inclusão Produtiva Rural, Auxílio
Inclusão Produtiva Urbana e Benefício Compensatório de Transição). Inicialmente, o valor mínimo
por família foi estipulado em R$ 400,00, mas o valor de cinco parcelas (entre agosto e dezembro de
2022) foi ampliado em caráter excepcional para R$ 600,00 – coincidentemente, o período em que
ocorrerão as eleições para cargos executivos e legislativos.
Olhando retrospectivamente, embora não tenha sido interditado, o debate político sobre a
RBU durante a pandemia permaneceu enviesado. Os defensores dessa proposta apostam que foi
possível dar mais legitimidade a esse discurso. Mas isso é questionável.
Cabe ressaltar que para viabilizar uma determinada política pública é preciso haver um
consenso nacional e coalizões políticas que apoiem a sua aprovação. Como argumentam De
Wispelaere e Yemtsov (2020), a viabilidade de uma proposta de política pública depende, por um
lado, de ser produzido um consenso a respeito de sua necessidade e gerada uma demanda robusta por
tal política; por outro, de ser estabelecida uma coalizão política ampla o suficiente para atuar como
agente de mudança e capaz de viabilizar um caminho para a implementação dessa política pública.
Ou seja, sem um debate suficientemente rico e generalizado, com espaço para o diálogo construtivo
e para a construção de pontes de consenso, é improvável que uma proposta de política pública
floresça. Como o debate recente – aqui sintetizado – se concentrou na continuidade do AE ou na
ampliação/atualização do BF, e depois nos argumentos favoráveis ou contrários ao Auxílio Brasil,
não houve avanço significativo do ponto de vista da RBU.
Considerações finais
Neste texto, foram revisitados os fundamentos teóricos do conceito de RBU, em especial sua
concepção enquanto um direito de todos os cidadãos, o qual garantiria um menor grau de desigualdade
e maior justiça social ao conjunto da sociedade, além de proporcionar cidadania e dignidade para
todos os seus indivíduos.
Apesar de ser uma ideia que encontra inúmeros defensores tanto à direita quanto à esquerda
do espectro político, há grandes dificuldades práticas para a sua implementação. Onde há Welfare
State consolidado, a ideia da RBU é apresentada como um avanço no processo histórico de
consolidação dos direitos sociais, ou seja, em complemento a outras políticas sociais universais e não
como alternativa para reduzir o gasto social com serviços públicos. Mas essa ideia entra em conflito
com o neoliberalismo, entendido como receituário dominante na agenda de políticas públicas. Já nos
países em desenvolvimento, onde a proposta de uma renda básica é vista como uma forma de atenuar
a pobreza e a miséria, há restrições estruturais (em especial, fatores econômicos, mas também
culturais) que se colocam como principais obstáculos. Ademais, apurou-se que a evolução do debate
político pode condicionar suas possibilidades futuras (path dependence), fato que é evidenciado no
Brasil pela bifurcação que se coloca em 2004, contrapondo o BF e a RBU.
As próprias bases do debate sobre políticas sociais em um país em desenvolvimento latino-
americano são totalmente diferentes do que se verifica em um país desenvolvido: num prevalece
geralmente a necessidade de combater mazelas sociais mais urgentes e primárias, como a pobreza
extrema e a fome; no outro, o debate frequentemente é pautado por temas de teor mais sofisticado,
como a vulnerabilidade, a justiça e a igualdade sociais.
Além disso, as nações mais desenvolvidas (menos desiguais e mais homogêneas) têm, via de
regra, melhores condições fiscais para considerar uma ideia tão ambiciosa quanto a RBU. E, no caso
de países europeus, parece haver uma abertura maior para que o debate acadêmico sobre a RBU seja
incorporado no debate político, posto que as nações europeias possuem uma tradição política
democrática mais adequada para a proposição de políticas de proteção social que servem para reforçar
direitos intrínsecos à cidadania, e não como mecanismo assistencialista.
Este não é o caso do Brasil. Aqui, a ideia de uma RBU não reverberou no período da
redemocratização e da Assembleia Constituinte. Nos anos 1990, tornou-se uma utopia defendida
isoladamente por poucos atores. No início do governo Lula, a insistência de Eduardo Suplicy
possibilitou que ganhasse materialidade com a aprovação de uma lei federal, mas acabou derrotada
pela prevalência da política macroeconômica de austeridade fiscal e pela preferência por políticas de
assistência social focalizadas. Desde então, no debate acadêmico, pautado pelas iniciativas concretas
do governo federal, seguiu-se a tendência de priorizar programas de transferência de renda com
condicionalidades.
O debate sobre a RBU no campo político no Brasil reproduziu argumentos do debate público
internacional de modo enviesado, o que também fica evidente nas discussões travadas no meio
acadêmico nacional. O debate de ideias e propostas em ambos os campos (ou arenas) não produziu
os frutos pretendidos pelos defensores da RBU no País. Ainda assim, tanto os posicionamentos de
atores políticos como os de estudiosos do tema criaram a expectativa de que a adoção de ações
concretas de combate à pobreza por meio de programas focalizados de transferência de renda poderia
ser um passo inicial em direção à RBU – e essa aposta otimista reapareceu recentemente.
Com a pandemia, em meio a uma crise econômica aguda, surgiu mais uma oportunidade para
retomar o debate acerca da RBU. Entretanto, a urgência de prover proteção e auxílio para os mais
atingidos pela crise fez o pêndulo pender uma vez mais para as transferências de renda focalizadas,
indubitavelmente mais viáveis e efetivas no curto prazo. Ademais, a polarização ideológica na
sociedade brasileira restringiu o espaço para o diálogo e para um debate construtivo em busca de
consensos, em especial no que tange à formação de novas preferências e compromissos que
demandam mudanças mais profundas. Isso se refletiu nas disputas em torno do papel do Estado e das
políticas de combate à pandemia e de recuperação da economia. Tais fatores se refletiram na estratégia
adotada pelos movimentos que defendem a RBU, que nesse momento priorizaram a luta pela
aprovação do Auxílio Emergencial, e depois pela sua continuidade, talvez esperando circunstâncias
mais favoráveis para reforçar sua posição e pautar o debate.
A prevalência do discurso liberal, mesmo numa conjuntura em que seus argumentos e suas
bandeiras são contraditados pelos fatos, impôs constrições significativas para as propostas de RBU,
tanto no espaço político quanto perante a opinião pública, imputando a qualquer ideia de assistência
social universal uma aura de proposta inexequível ou utópica. Tal discurso seguiu tendo capacidade
significativa de estabelecer normas e direcionar pautas que dominam o noticiário e limitam as
possibilidades de mudança, como é o caso do teto de gastos, da reforma tributária e do escopo e
alcance das políticas sociais.
É necessário compreender os fatores que têm dificultado inovações no campo das políticas
públicas. De acordo com De Wispelaere e Yemtsov (2020), o processo de debate, adoção e
implementação de políticas públicas tem uma relação intrínseca com as demandas sociais e com a
oferta de programas existentes, sendo condicionado pelas reivindicações e decisões pregressas (path
dependence). Por sua vez, a possibilidade de implementação de uma política pública inovadora está
sujeita a uma gama de fatores: o poder político ou influência de prováveis vencedores e perdedores,
a estrutura institucional do processo de tomada de decisão, a eficácia da comunicação, a credibilidade
das mudanças propostas e a sua legitimidade (percepções e valores).
O debate sobre a implementação no Brasil de uma política pública tão ambiciosa quanto a
RBU depende, em grande medida, de um amplo conjunto de condicionantes estruturais/institucionais:
heterogeneidade do mercado de trabalho, nível intermediário de renda per capita, alta concentração
da renda, baixo ritmo de crescimento econômico, elevadas desigualdades regionais, avançado
patamar de direitos sociais, regras do sistema eleitoral, forte presença de forças políticas
conservadoras, entre outros.
A Constituição Cidadã de 1988, com seu capítulo sobre a ordem social, que institui a
Seguridade Social (artigos 194 e 195), assim como a Lei 10.835/2004, que cria a Renda Básica de
Cidadania, ganham destaque entre os condicionantes favoráveis à RBU. Outro fator positivo é o
volume de riqueza produzida no País (R$ 8,7 trilhões em 2021) e o patamar da carga tributária (33,9%
do PIB), o que poderia permitir uma ampliação de gastos com transferências de renda (inclusive
porque esse tipo de gasto induz um aumento do consumo das famílias pobres e, assim, uma elevação
da arrecadação de receitas tributárias).
Por outro lado, pode ser citado como desfavorável à RBU o “teto de gastos públicos”
(Emenda Constitucional 95/2016), que limita o crescimento das despesas do governo federal e
dificulta um aumento significativo do gasto com programas de transferência de renda. Certamente, o
montante da dívida pública federal, que se elevou bastante nos últimos anos (passou de R$ 6,9 trilhões
em 2020 para R$ 7,6 trilhões em 2021, apesar do gasto de R$ 2 trilhões com juros e amortizações), é
um fator que constrange qualquer discussão sobre uma ampliação perene de gastos sociais. Também
deve ser frisado o pensamento de cunho liberal-conservador, que teima em contaminar o debate na
sociedade civil com uma rejeição a políticas sociais universais, nutrindo a polarização ideológica e
restringindo o espaço para o diálogo e o debate construtivos.
Em adição, é preciso dizer que, historicamente, muitas desigualdades estruturais resultam,
em grande medida, das fusões consolidadas entre poder econômico e poder político (Algebaile;
Rissato; Arruda, 2017), e que tais desigualdades reforçam uma disputa assimétrica na definição das
políticas econômicas e sociais. Por exemplo, um mercado de trabalho com elevada informalidade
tende a reproduzir uma alta desigualdade de renda, uma mobilidade social restrita e uma pobreza
persistente. Isso reforça a desigualdade entre grupos sociais, diversificando as demandas sociais.
Esse amplo conjunto de condicionantes torna o Brasil potencialmente refém do que De
Wispelaere e Yemtsov (2020) chamaram de “paradoxo da capacidade”, que se manifesta em países
que possuem um grau de desenvolvimento econômico capaz de viabilizar a adoção de uma RBU (para
beneficiar a grande maioria da população), mas cujos governos encontram maiores restrições fiscais
para a sua implementação.
As características estruturais da economia brasileira e a correlação de forças políticas no
Congresso Nacional não foram significativamente impactadas pela pandemia, apesar das crises e
dificuldades. Ou seja, não houve rupturas. Desta forma, os grupos de interesses que se alinham com
o modelo econômico neoliberal continuaram dominantes e a elite no poder persistiram com as
mesmas práticas políticas de antes da Covid-19. Consequentemente, a determinação de políticas
públicas no País continuou sendo feita de forma imediatista (pois busca resultados de curto prazo),
conservadora (pois prioriza a manutenção de privilégios e a adoção de reformas que reduzem direitos
sociais) e populista (pois pretende obter dividendos políticos). Nesse sentido, entende-se a preferência
por programas que oferecem uma proteção paliativa, como o Auxílio Brasil.
Concluindo, pode-se afirmar que são válidas as três hipóteses apresentadas no início do texto.
Os argumentos prevalentes no debate internacional sobre a implantação da RBU (em especial na
Europa) não encontraram aderência no terreno nacional. De fato, a RBU tem maior chance de ser
implementada em países desenvolvidos que reúnam os requisitos necessários, tais como: elevada
renda per capita, baixo nível de desigualdade social, regime de proteção social universal e sistema
político efetivamente democrático.
Ressalte-se que, não obstante a RBU tenha sido defendida por diversos atores políticos e
sociais (inclusive, por representantes de diferentes correntes de pensamento econômico), no período
2020-2021, a proposta de regulamentação da Lei 10.835/2004 não foi levada a sério pelo governo
federal. Naquele contexto de crise socioeconômica aguda, os programas focalizados de transferência
de renda continuaram sendo considerados como a alternativa mais satisfatória para o combate à
pobreza e à desigualdade social no Brasil.
Embora a crise gerada pela Covid-19 tenha impactado no debate político brasileiro sobre
políticas sociais, em especial nas áreas da saúde e da assistência social, ainda não se verificou avanço
relevante na agenda pública, nas prioridades do gasto público federal e na definição de uma reforma
tributária que produza justiça tributária. Ainda não foi possível estabelecer a RBU como um direito
universal essencial para a cidadania.
Sem um quadro de forte consenso – principalmente entre atores políticos – em torno da RBU
como elemento central de uma estratégia de superação das mazelas provocadas pela pobreza e pela
vulnerabilidade social – ou em torno da necessidade de atenuar as desigualdades sociais como passo
fundamental para as próximas gerações –, a tendência é que tal debate siga por caminhos já trilhados
e que as políticas públicas de transferência de renda com condicionantes sigam monopolizando a
agenda pública, com resultados satisfatórios para os propósitos estabelecidos pelo governo federal.
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