Pam Godwin - 01 - Sea of Ruin (Rev) PDF

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PAM GODWIN

PAM GODWIN
Bennett Sharp está fugindo.
Procurada por pirataria, ela não teme a Deus, nem a morte, nem o
homem.
Exceto Priest Farrell.

O infiel libertino de olhos tempestuosos caça com uma possessividade


aterrorizante. Nada vai impedi-lo de ir atrás dela. Nem sua traição
imperdoável. Nem quando ela é capturada pelo frio caçador de piratas, Lord
Ashley Cutler.

Ela deve escapar da prisão de Ashley e da traição de Priest.


Mas ela pode se afastar de seus desejos distorcidos?

Dois lindos capitães estão em lados opostos da lei. Quando eles colidem em
uma batalha para protegê-la, as linhas se confundem entre inimigos e
amantes.
A paixão esquenta, os segredos se desvendam e os corações se enredam
até se partirem.

O amor pode prevalecer no mar da ruína?

PAM GODWIN
Para Shea
Sua linda alma
pode ser vista do espaço

PAM GODWIN
“Onde há ruína,
há esperança para um tesouro.”
Rumi

PAM GODWIN
UM

Setembro de 1714
Província de Carolina

Charleston. Para qualquer um que se instale aqui, é uma


fronteira estonteante de beleza e oportunidades. Seus habitantes
incluem fazendeiros ricos que navegam da colônia inglesa de
Barbados e os nativos Yamasee lutando para destruir os
invasores brancos.

Então tem eu, a filha bastarda de sangue nobre, disposta a


fazer qualquer coisa para escapar desta vida.

Embora nasci aqui quatorze anos atrás, não tenho


interesse na terra ou em suas guerras. Anseio pelo mar, sentir o
convés balançando sob meus pés, ouvir o vento batendo contra o
pano da vela e sal e espuma nas mangas esfarrapadas.

Minha mãe, no entanto, não se importa nem um pouco com


o que eu quero.

“Pare de ficar inquieta.” Ela arranca meus dedos cerrados


do corpete para esmagar costelas do meu vestido.

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Sua carranca distorce as linhas majestosas de um rosto
que uma vez foi a inveja da alta sociedade. Seus olhos, azul
celeste como os meus, fervilham de ressentimento enquanto
examina a monstruosidade de chintz que me força a usar.

“Posso remover a alcofa? Por favor, mãe?” Puxo a pesada


roupa de baixo, minha voz se transformando em um gemido.
“Deus, apodreça, não consigo me mover!”

Os aros de arame escondidos ficam em meu quadril como


cestas de pão em um animal de carga. Giro da esquerda para a
direita, ocupando três vezes mais espaço do que um homem
adulto. Seria impossível montar meu cavalo nesta engenhoca
entorpecente. Não que a condessa me permita chegar perto do
celeiro neste dia.

“Sério, Benedicta, você me deixa nervosa.” Ela é uma


cabeça mais alta que eu, seu cabelo dourado preso em um
penteado de cachos engomados e ornamentado com uma pluma
de penas. “Passei quinze dias fazendo este vestido e, pelo coração
de Deus, você o usará com dignidade.”

Para o inferno com o coração de Deus. Praguejo pelos


dentes. Mas nunca na presença de Lady Abigail.

“Eu não pedi por isso.” Faço um gesto para o vestido e os


móveis ornamentados de meu quarto. “Por nada disso.”

“Eu não pedi por você. No entanto, aqui está você, uma
garota ingrata e briguenta, nascida com os dois punhos
cerrados.”

É sempre o mesmo quando a condessa me olha. Ela não vê


sua única filha, uma filha para amar ou uma menina com sonhos
sinceros.

Ela só vê sua vergonha. Sua ruína. A razão pela qual ela foi
exilada.

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Movendo-me em direção à janela, busco uma visão mais
clara fora dos painéis de vidro. O mar iluminado pela madrugada
se estende para o leste da costa arenosa, agitado com ondas que
não consigo ouvir do meu quarto.

Nunca me aventurei além do porto de Charleston, nem


mesmo coloquei os pés a bordo de um navio. Mas a Inglaterra
corre em minhas veias. E aperta meu peito. Literalmente.

“Está muito apertado.” Chego para trás, agarrando o


espartilho que belisca minha espinha. “Dói respirar.”

“Então não faça isso.”

“Não respirar? Por quanto tempo?”

“Pelo tempo que for necessário para garantir uma oferta.”

Uma oferta que eu não quero.

Esforço-me para viver em um navio com uma tripulação de


ladrões amaldiçoados, não em uma casa com uma fila de criados
obedientes. Quero montar um cavalo com os pés nos estribos,
não na sela lateral e na vertical. Gosto de cerveja forte com chá
aguado, lutas de espadas em vez de costurar, e prefiro queimar
meu nariz ao sol a sentar em uma sala abafada.

E este vestido? Sufoco um grunhido nada feminino. O que


não daria por uma calça.

Razão pela qual, como uma garota à beira de um


casamento prometido, sou indesejável, não cooperativa e
totalmente inadequada para isso.

Infelizmente, a condessa não simpatiza com minha posição


ou meus atributos inadequados.

Com uma mão circulando meu braço, ela me arrasta até a


penteadeira e examina minha aparência no espelho.

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“Bem...” Ela inclina a cabeça e cheira. “Não sou costureira,
mas ouso dizer que não vi nada tão criativo fora de Londres. Se
você se lembrar de sua posição e ficar de boca fechada, o vestido
sozinho pode ganhá-lo.”

Meu reflexo olha de volta para mim, uso o vestido com mais
babados e chamativo da Carolina. Listrado em tons de rosa, a
saia abre na frente para revelar uma anágua branca com uma
dúzia de babados a mais.

O busto de corte quadrado acentua minha falta de seios e


ombros ossudos. As mangas em forma de trombeta pegam meus
cotovelos, o que naturalmente será arrastado pelos pratos de
molho e creme doce antes do final do dia.

Mas por mais que eu despreze o vestido, entendo a


necessidade de pompa e cerimônia e a luta de minha mãe para
conseguir isso.

A classe alta manda fazer roupas para eles, e a condessa


consegue viver naquele círculo encantado, apesar de não ter
nenhum valor financeiro próprio.

Lady Abigail Leighton, a única filha do nono conde


Leighton, herdou seu título após a morte do conde. Mas nada
mais. Quando seu caso inglório com um plebeu ficou evidente por
minha existência ilegítima, ela perdeu seu dote, sua família e seu
cobiçado status no beau monde.

Sem nenhum apoio na Inglaterra, ela foi forçada a ir para


o exterior, grávida, desamparada e sozinha, encontrou refúgio
aqui com primos distantes. Eles a acolheram e, quatorze anos
depois, permanecemos em sua opulenta casa, servindo-nos de
seus servos e comendo suas fartas refeições.

Mas nada disso pertence a nós. O dono da casa, embora


sempre amável, pode nos jogar para fora sem aviso ou razão.

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Somos inquilinas insolventes. A reputação arruinada de
minha mãe garantiu que isso fosse tudo que ela seria, a menos
que encontre uma maneira de reingressar na sociedade.

Corro minhas mãos sobre o vestido, brilhando em seus


esforços meticulosos. Ela fia, tece e confecciona nossas roupas
por necessidade. Cada carretel de linha é um custo que ela não
pode pagar, cada corte de algodão um trabalho de determinação,
cada ponto uma tentativa de um futuro melhor.

Um futuro melhor para ela. Tudo que eu quero é aventura


e uma calça.

Ela se vira ao som de uma batida na porta do quarto.


“Entre.”

“Minha dama.” A empregada da sala entra apressada,


abaixando a cabeça coberta pelo chapéu enquanto oferece à
condessa um cartão de visita de cavalheiro.

A umidade escorre por minha espinha e o espartilho fica


desconfortavelmente mais apertado. Não preciso olhar para o
cartão para saber que anuncia a chegada do Marquês de
Grisdale.

“Vou recebê-lo na sala azul”, minha mãe diz. “Prepare o


chá.”

“Sim, minha senhora.” A empregada faz uma reverência e


sai apressada.

Eu não conheci Lord Grisdale, mas sua carta para a


condessa mencionava que chamei sua atenção durante uma de
minhas visitas ao cais.

Aos quarenta e quatro anos, o viúvo sem filhos tem riqueza


e influência para ajudar Lady Abigail a recuperar seu antigo
status. Ele mora na Inglaterra e voltará para lá assim que seu
negócio for concluído em Charleston.

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Ele é sua passagem para casa. Em troca, ela tem apenas
uma coisa a oferecer.

Eu.

Meu valor está em minha virtude e linhagem. Não importa


que tenho apenas quatorze anos ou que ele seja trinta anos mais
velho. Se ele for o lance mais alto pela minha mão, a condessa
aceitará ansiosamente.

Minha respiração se acelera, puxando o medo pela minha


garganta e deixando meu estômago embrulhado. Ouvi as
conversas sussurradas entre as criadas da copa. Conversas sobre
o que homens e mulheres faziam juntos no leito conjugal.

Lord Grisdale exigirá que eu faça isso com ele, para criar
seus herdeiros e atender às suas necessidades masculinas.

O pensamento me enoja, mas tenho tanto a dizer quanto o


cavalo chato no celeiro.

“Céus, Benedicta. Olhe para o seu cabelo.” A voz da minha


mãe treme, um som agudo de desaprovação e nervosismo
repentino. “Isso não vai dar certo e não tenho tempo para
consertar.”

A empregada da condessa passou a última hora lutando


contra meus cachos loiros selvagens em uma pilha apresentável
em minha cabeça. As tranças na altura da cintura, mais grossas
e mais rebeldes que as de minha mãe, já estão se soltando dos
alfinetes. Espirais surgem em todas as direções e balançam
rebeldes em volta de minhas orelhas.

Eu não me importo com minha aparência, mas tem um


efeito incapacitante em minha mãe. Suas mãos se enrolam ao
lado do corpo. As veias estão esticadas em seu pescoço rígido, e
a esperança que iluminava seus olhos apenas alguns momentos
antes desapareceu atrás de sombras de consternação.

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Minha garganta engrossa.

Oh, como eu desejo sua felicidade. Eu não sei como seria


um sorriso em seu rosto aristocrático ou como o som de uma
risada alteraria sua voz. Mas talvez seja possível.

Talvez se eu cooperar. Só desta vez.

“Você não deve deixá-lo esperando.” Inclino-me em direção


ao espelho e agarro meu cabelo. “Vou consertar isso.”

Conforme adiciono mais alfinetes, ela não se move. Sua


presença assombra atrás de mim, silenciosa e incerta.

“Mãe?” Olho por cima do ombro.

“Isso é importante para mim.” Seus olhos se estreitam.

“Eu sei, minha senhora.”

Sua expressão se suaviza. Até que algo chama sua atenção


em meu pescoço.

Ela estende a mão para pegar, agarrando a corrente fina


que tentei esconder sob a gargantilha de renda. O pingente está
encostado em minha coluna, escondido pelo espartilho.

“Por que você está usando isso?” Ela puxa o colar, tentando
quebrá-lo.

“Não faça isso.” Agarro seu pulso em um aperto


contundente, impedindo-a de arruinar meu bem mais precioso.

Seus olhos brilham, mas ela solta a corrente. “Essa é a


bugiganga que você ganhou daquele nativo selvagem no ano
passado?”

Essa foi a história que contei a ela. Ela não pode saber a
verdade sobre como o adquiri, o que significa para mim ou a
promessa que fiz de nunca tirá-lo.

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"Sim.” Fecho minha mão em torno do pingente de jade,
protegendo-o de suas críticas.

“Tire-o.”

Nunca.

“Me perdoe.” Deixo minha postura ceder e cuidadosamente


me preparo para uma mentira. “Esqueci de guardá-lo, mas vou
fazer isso...” Torço a gargantilha de renda, fingindo soltar a
corrente. “Maldição, está emaranhado.”

“Não temos tempo para isso.” Suas bochechas estão


vermelhas vivas quando ela alcança meu pescoço.

“Vá.” Eu recuo. “Vou colocar tudo em ordem e me juntar a


você em um instante.”

Ela olha para a porta e respira fundo. E de novo. Ombros


retos, cabeça erguida, ela se compõe em um retrato de graça
social.

“Não demore.” Ela me lança um olhar fulminante. “E se eu


ver esse colar vergonhoso novamente, vou amarrar seus pulsos
com ele e açoitá-la.”

Com um farfalhar de seda lilás, ela entra no corredor e


fecha a porta atrás de si.

Uma lufada de ar desocupa meus pulmões e abro minha


mão, embalando o precioso pingente em minha palma.

Coroada por uma faixa de filigrana de ouro, a pedra verde


tem o comprimento do meu polegar e é meio estreita. Cortes
serrilhados decoram dezenas de facetas misteriosas como se foi
cuidadosamente serrada da terra.

Eu nunca vi nada tão refinado e mágico.

Como uma filha da nobreza inglesa, cresci em torno de


roupas restritivas, sorrisos polidos e a arte de dissimular. Mas

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meu coração pertence a um navio com o marinheiro que me deu
uma pedra de jade e me ama pelo que sou. Impulsiva. Selvagem.
Rebelde.

Devolvo o pingente ao seu esconderijo sob minhas roupas


e engesso meus cachos em um molde da moda inglesa.

Não me matará parecer uma dama. Mas se o marquês


gostar do que ver, um casamento vai acontecer e matar meus
sonhos.

Se eu sabotar esta introdução, haverá outros pretendentes.


Outras ofertas. E uma surra, com certeza.

Eu posso suportar o açoite. É a tristeza de minha mãe que


dá um nó em meu estômago em um loop infinito. Eu não deveria
fazê-la trabalhar tanto para ser feliz. Ela me empurrou para este
mundo, e tenho empurrado de volta desde então. Não me admira
que ela nunca sorria.

Com um forte aceno de cabeça, testo a variedade discreta


de cachos loiros.

Então eu ouço. O latido distante de um cachorro. Congelo,


ouvindo com todo o meu ser, quando um segundo cachorro se
junta ao outro.

Minha pulsação dispara para um galope.

Pode ser? Teria eu imaginado isso?

Corro para a janela, batendo a gaiola na mobília e


derrubando um abajur. No peitoril, pressiono minha sobrancelha
contra o vidro e estudo a paisagem.

Acres de floresta ficam entre a parte de trás da propriedade


e a costa. O latido vem novamente, e rastreio o som até a borda
norte da linha das árvores.

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Dois cães correm para frente e para trás, gritando sua
mensagem, alta e persistentemente, como foram treinados para
fazer.

Seus cães.

Seus mensageiros.

Engasgo com o ar.

“Ele voltou.” Tropeço para longe da janela, girando


desajeitadamente na gaiola de meu vestido. “Oh, Senhor, ele está
aqui.”

Se eu não seguir seus cães, perderei ele. Se perdê-lo, mais


meses se passarão. Mais temporadas. Outro ano. Eu não consigo
suportar o pensamento.

Meu coração bate forte. Se eu for embora, a condessa fará


pudim de mim.

Viro de volta para a janela e cerro os dentes. “Então será


uma surra.”

PAM GODWIN
DOIS

Sabendo muito bem as consequências do que estou prestes


a fazer, eu devia sentir as garras do diabo cavando em meu
estômago. Deveria estar apavorada.

Mas a risada cresce em mim. Minhas bochechas doem para


segurá-la. A perspectiva de ver a única pessoa que me ama de
verdade faz meu coração girar vertiginosamente.

Sem tempo de sobra, junto as saias até o quadril e vasculho


o tecido e os babados, grunhindo até que meus dedos encontram
a fivela em minha cintura.

Quando a gaiola cai no chão, arranco as meias e corro para


a cama. Por baixo da moldura, retiro um pacote embrulhado em
linho e levo até a porta.

O dono da casa está visitando amigos na colônia de Nova


York. Como ele e a esposa viajam com a maioria dos criados,
minha partida pode passar despercebida.

Rastejo descalça para o corredor e desço as escadas, evito


ser detectada. Boa sorte me acompanha até a sala de estar,
passando pelo escritório e por um labirinto de escadas. Nenhuma
pessoa, de lacaio a mordomo e empregada de libré, impede minha
fuga.

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Até chegar à sala azul e ouvir a voz de minha mãe.

“Quando você vai voltar para a Inglaterra, meu senhor?”

“Dentro de um mês”, ele diz. “Mais cedo se houver um


casamento a ser antecipado.”

“Você não vai encontrar uma noiva mais adequada. E já


que seu avô era um conde, ela tem uma excelente educação.”

“Estou ansioso para conhecê-la. Ela estava deslumbrante


do meu ponto de vista do cais.”

Escondida no canto, mordo minha bochecha.

O que sua senhoria pode achar impressionante em uma


garota de quatorze anos?

Abraço o pacote contra o peito, paralisada pela repentina


imagem do seu velho pau enrugado em um estado de
relaxamento.

Corra, Bennett. Vá!

A enorme porta de madeira da sala de estar está aberta,


dando aos seus ocupantes uma visão direta do meu caminho até
a saída traseira principal. Mas eu cresci aqui e conheço cada
câmara e passagem.

Virando para a esquerda, abaixo-me com a abordagem dos


passos mancando do porteiro. Outro corredor me leva para o
caminho de uma empregada doméstica, e corro para um armário.
Então rastejo sobre as mãos e joelhos pelas partes mais
movimentadas da propriedade, seguindo o aroma de bolo de
ameixa assando na cozinha.

Lá, eu me levanto e olho para dentro.

O fogo cintila sob o espeto. Os óculos Syllabub brilham. O


ensopado de carneiro borbulha na chaleira, e a cozinheira - uma
jovem nativa - cantarola uma melodia estrangeira.

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Todos sabem que os servos não devem cantar, cantarolar
ou fazer qualquer barulho ao alcance da voz da família do mestre.

Eu sorrio com sua rebelião. Com suas costas voltadas para


a porta e sua linda voz vibrando no ar, ela não percebe minha
fuga pela cozinha e pela porta de serviço.

O sol da manhã borra minha visão e uma brisa quente


puxa meu cabelo, soltando os cachos. Eu olho na direção do
celeiro e escuto.

E escuto com mais atenção.

Maldito silêncio! Onde estão aqueles cães?

Não entre em pânico.

Os cachorros me encontrarão. Eles sempre encontram.

Corro pelo gramado orvalhado, tropeçando na anágua e


espalhando meus nervos em uma explosão de alegria.

No campo distante, um fazendeiro inquilino ergue a cabeça


para observar minha corrida deselegante para o estábulo. Mas
ele não me impede. Ninguém faz enquanto eu fujo para um cavalo
desconhecido que já está preso do lado de fora.

Selado com o melhor couro e amarrado a um poste, o puro-


sangue negro não pertence à propriedade.

“Senhorita Benedicta?” O cavalariço sai do celeiro e me


oferece um sorriso amável. “Você gostaria de dar uma volta hoje?
Devo preparar uma égua?”

“Não há tempo. Lord Grisdale chegou de carruagem?”

“Não, ele veio a cavalo. Esse aí.” Seu rosto sardento se


enruga quando ele aponta para a besta que já estou montando.
“Você não deve...”

“Eu vou devolver.” Enfio meu pacote embrulhado no alforje.

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“Ele arrancará minha pele!”

“As minhas aventuras alguma vez renderam-lhe uma


surra?” Com meu olhar no bosque de árvores ao redor, coloco as
saias volumosas sob minhas pernas.

“Não, mas Lord Grisdale...”

“Vai mirar sua correia em meu traseiro.” Ajusto meu


pingente de jade para descansar contra meu peito. “Dê-me as
rédeas.”

Ele faz questão de arrastar os pés, como costuma fazer


quando eu o envolvo em minhas travessuras. Então uma
maldição escapa de sua respiração, decisão tomada. Ele
desamarra a corda e a joga na minha mão que espera.

“Vou roubar um bolo de ameixa para você depois do meu


açoitamento esta noite.” Minha piscadela traz manchas gêmeas
de rosa em suas bochechas sardentas.

Estalando meu quadril para frente, estimulo o cavalo de


Grisdale a galope.

Em minutos, os grampos em meu cabelo se rendem ao


vento, dando voo a uma juba emaranhada de cachos. Na linha
das árvores, enfio dois dedos na boca e solto um assobio
estridente.

Uma barulho de raquete perturba a vegetação rasteira.


Momentos depois, os cães disparam para fora da floresta e saltam
em minha direção.

Eu diminuo a velocidade do cavalo, explodindo em


gargalhadas, enquanto patas e patadas arranham minhas
pernas. Os cachorros pulam e lambem com vigor, cobrindo meus
dedos com fios de baba.

E lama.

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Estão por toda parte, enegrecendo a anágua e riscando
minhas mangas. Não há nada que eu possa fazer sobre isso
agora.

“Corram, seus patifes!” Bato palmas, chamando a atenção


dos cães. “Onde ele está? Mostrem-me!”

Como todas as vezes anteriores, eles disparam para as


árvores, com a cauda para cima e o focinho para baixo, deixando
que seus narizes os conduza até o ponto de encontro.

Sigo atrás deles, curvando-me e abraçando as trilhas. Por


fim, perco a noção de todas as voltas e mais voltas e avanço para
terras desconhecidas.

O terreno torna-se selvagemente acidentado. Ramos e


ramos agarraram-se às minhas saias, rasgam costuras e abrem
buracos irreparáveis no chintz.

Arranjei muitos problemas em minha vida e consegui lutar


para sair de todos eles. Mas roubar o cavalo de um nobre e
destruir o vestido precioso de minha mãe? Não há como voltar
disso.

Talvez eu não precise. Talvez desta vez ele me deixe ir com


ele.

Minha frequência cardíaca acelera, enchendo meu peito


com uma antecipação vertiginosa.

Ele nunca se aventurou muito perto da cidade, então não


fico surpresa quando a jornada se estende pela próxima hora. Os
cães mantêm um ritmo frenético para o norte, compartilhando
minha empolgação por me reunir com seu mestre.

No fundo da floresta, os caminhos de terra ficam mais


estreitos, sufocados com a folhagem e desaparecendo sob a
natureza inexplorada. Mas não me afasto muito da costa. O
cheiro de salmoura e o cheiro forte de sal pairam pesadamente

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no ar quente, e a ressonância das ondas trovejava sobre o bater
de cascos.

Poucos minutos depois, as árvores se separam para uma


vista de um oceano azul.

Os cães correm em direção à costa, levantando areia em


seu rastro. Desmonto o cavalo e o seguro na sombra. Então
disparo para fora da floresta e para o abraço do sol ininterrupto.

O estreito crescente de praia forma uma enseada com cerca


de sessenta passos de largura. No lado norte, as ondas quebram
em um jato de espuma contra a base de um penhasco. As
gaivotas voam em círculos e se empoleiram na face da rocha. Mais
longe, além das ondas fortes, há ondas infinitas de água.

Não há navios, nem sinais de vida humana, mas eu o sinto.


Ele me chama no estrondo das ondas na praia e me abraça no
vento úmido e pegajoso que varre o oceano Great Western.

Ele é o mar. Forte. Perigoso. Confiável. Não importa o quão


longe ele viaja ou quanto tempo fica longe, sempre volta para
mim.

Eu esquadrinho a costa ao sul, onde se curva fora de vista.


Os cães desapareceram naquela direção, além de um afloramento
de árvores.

Pegando minhas saias, cavo meus pés na areia e saio atrás


deles. Mas depois de alguns passos, algo se mexe em minha
periferia.

Eu giro em direção ao movimento e protejo meus olhos,


semicerrando os olhos para as árvores.

As sombras mudam na floresta perto do cavalo. Alguém


está lá, bem onde eu estava.

Meus pulmões se comprimem quando um homem entra na


praia. Um enorme homem, vestido de preto da cabeça aos pés.

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Seu cabelo é ruivo, comprido ao redor das orelhas e
selvagem como o vento. Ele usa uma camisa de seda esvoaçante,
botas de cano alto e um cutelo que brilha ao sol.

Apesar do seu traje desprezível, ele irradia um porte de


lorde. Comandando em posição e propósito, ele caminha em
minha direção.

Meus joelhos vacilam sob a tempestade de seus olhos


carrancudos.

“Uma jovem adorável como você deveria prestar mais


atenção ao que está ao seu redor.” Seus passos largos devoram a
distância entre nós. “Você nunca sabe o que pode estar à
espreita.”

Minha garganta se fecha, muito apertada para emitir um


som.

Quando desmontei o cavalo, não examinei o perímetro nem


usei meus sentidos para sondar as ameaças. Em minha
empolgação, baixei a guarda.

A curva de sua boca desce, seu rosto esculpido em pedra,


profundamente bronzeado, infame e esquivo.

O notório Edric Sharp.

Seu rosto foi reproduzido em jornais, editais e


proclamações em toda Charleston. Eles o chamam de pirata e
oferecem uma recompensa substancial por sua captura.

Eu li todos os relatos de sua descrição. Alguns diziam que


era alto e mau. Outros alegavam que tinha cicatrizes, barba e
usava peruca. Cada palavra e reprodução esboçada foram
criadas a partir da imaginação de artistas que nunca o
conheceram.

Ele é mais bonito pessoalmente, mais ameaçador. Mas eu


não estou com medo.

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Estou deslumbrada.

A areia range sob suas botas enquanto ele para ao alcance


do braço. Não me mexo. Não respiro.

Um músculo salta em sua mandíbula de pedra. Em


seguida, espalha-se para os lábios, contraindo-se nos cantos.
Espero por uma pausa em sua expressão e, quando um sorriso
finalmente ilumina seus olhos, me jogo no peito enorme do
marinheiro.

“Pai!” Abraço seus ombros largos, apertando com todas as


minhas forças.

“Aw, Bennett. Senti sua falta.” Ele me coloca na segurança


de seus braços e enterra suas bochechas ásperas em meu
pescoço. “Você deve ser mais vigilante. Qualquer um poderia ter
se aproximado de você. Eu não te ensinei nada?”

“Me perdoe. Fiquei emocionada. Isso não é desculpa, mas


pai, já se passaram oito meses. Por favor, não fique chateado
comigo.”

“Nunca, querida. Isso nunca.”

Eu me inclino para trás para me familiarizar novamente


com suas feições endurecidas. Minhas mãos vão para sua
mandíbula saliente, meus dedos enrolando em torno das bordas
quadradas. Todos os ângulos bruscos e pele escurecida pelo sol,
seu rosto ainda mantem sua juventude. E um sorriso.

Aquele sorriso contagiante se alarga, fazendo cócegas em


bigodes duros contra minhas palmas enquanto eu traço novas
rugas ao redor de seus olhos sábios e toco o familiar anel de ouro
em sua orelha.

Seus braços me abraçam com mais força, grossos e


musculosos, suas botas se espalham por baixo de mim como se
estivessem se preparando para o mar ainda agora.

PAM GODWIN
Ele é em cada centímetro um patife navegante. Um
bucaneiro incomparável. Cruel. E rico, se a tradição for
verdadeira.

Eu sei a verdade sobre suas conquistas e posso me lembrar


de todos os prêmios que ele ganhou e perdeu. Seu tesouro é maior
do que qualquer um poderia imaginar.

“Você me trouxe mais contos do alto mar?” Puxo a gola de


sua camisa, procurando com medo de encontrar cicatrizes
recentes.

“De fato. Tenho muito a lhe contar, minha linda menina.”

Baixo meus pés em direção ao chão, me contorcendo em


seus braços. Antes que meus dedos dos pés toquem a areia,
avisto uma presença negra por cima do ombro dele, se
aproximando da praia.

O homem apareceu do nada, esgueirando-se em nossa


direção com pés silenciosos. Com uma bandoleira de armas
pendurada no peito, ele olha para mim com os olhos cansados
demais para um rosto que tem quase vinte anos.

Minha raiva sobe e meu estômago revira.

Mas Edric Sharp não me ensinou a tremer diante do perigo.


Não, ele me ensinou a lutar com meus punhos e inteligência, uma
pederneira e um bacamarte, e meu favorito, seu cutelo. Posso
sentir agora, o aperto do punho em minha palma, o barulho de
metal contra metal em estalidos quentes e sua confiabilidade em
batalha. Uma lâmina nunca falha.

Sem um tremor de hesitação, agarro o cutelo da faixa do


meu pai, passo por trás dele e empurro a ponta afiada no inimigo.
Então eu ataco.

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O homem para, seus olhos perversos se arregalando ao me
ver. Devo ser uma assombração em chita esfarrapada e cabelo
desgrenhado chicoteando minha expressão feroz.

Seu susto foi sua loucura, e uso isso para cortar a faixa de
sua bandoleira e livrá-lo de suas armas.

“Abaixe-se!” Balanço novamente, abrindo um buraco na


manga de sua camisa.

“Maldição, garota!” Ele ergue as mãos e sibila no rasgo em


seu braço. “O que você está fazendo?”

“Decidindo qual parte de você devo cortar a seguir.”


Empurro o cutelo na direção de suas regiões inferiores.

Sua mão enorme pousa no topo da minha cabeça, me


segurando enquanto ele apara o golpe da minha lâmina.

“Solte-me, senhor.” Eu me debato, tentando me desalojar


em seu aperto forte. “Solte-me agora, ou irei decepar o sujeito
entediante e inanimado entre suas pernas.”

“Capitão,” ele diz em um tom entediado. “Controle sua


irritadinha infernal antes que ela se machuque.”

“Bennett, abaixe a lâmina.” Meu pai sorri, seus olhos


brilhando de diversão. “Esse é meu novo contramestre.”

“O que?” Eu retiro o cutelo e me afasto das mãos do


homem. “Como? Onde está Kirby?”

“Ele perdeu as pernas com um disparo duplo. E a maioria


de seus órgãos internos, receio.”

“Oh.”

Minhas entranhas se contraem quando imagino uma


explosão de fumaça e cinzas, milhares de libras de ferro em brasa
e conveses encharcados de sangue cheios de membros

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desmembrados. Eu nunca experimentei tamanha brutalidade,
mas vivi cada detalhe horrível por meio das histórias do meu pai.

Quase todos os dias, eu acreditava que Edric Sharp era


invencível. Mas às vezes, quando olho para o mar de meu quarto,
temo que o próximo pirata caído seja ele.

“Onde estão aqueles cachorros?” Ele se afasta e assobia


para os cães.

“Então você é a razão pela qual o capitão encurtou a vela e


voou?” O novo contramestre recolhe suas armas, olhando-me de
lado. “Não pude convencê-lo a lançar âncora em Nassau para
uma noite de bebidas, mas ele colocou duzentas léguas abaixo de
sua quilha para ver sua pequena diabinha descarada.”

Eu respiro fundo e fico mais ereta. “Você não me conhece.”

“Ele só fala de você o tempo todo.”

“Então estou em desvantagem porque nem sei o seu nome.”

“Agora você gostaria de uma apresentação?” Ele estala a


língua. “Não tem nenhum arrependimento por me atacar?”

“Não.” Eu o encontro, olhar por olhar, apesar da altura que


ele tem sobre mim.

“Você não mede as palavras, não é?”

Descanso o cutelo em meu ombro. “Eu economizo os


rodeios para coisas tangíveis.”

“Exatamente. Ponto estabelecido.” Um sorriso libertino


aparece em seus lábios. “O nome é Charles Vane.”

PAM GODWIN
TRES

Meu pai corre em direção à praia para perseguir seus cães,


deixando-me com um olhar incomodado do seu novo
contramestre.

Luto contra a vontade de cruzar os braços sobre o decote


revelador do meu vestido. Charles não pousou seu olhar ali, mas
está olhando para mim, examinando e avaliando minha
aparência feia.

“Você veio de uma festa?” Ele inclina a cabeça e uma mecha


de cabelo preto cai no V definido do decote de sua roupa.

“Não.” Cravo o cutelo na areia e me inclino no cabo.

“Você rolou em todas as poças de lama que encontrou no


caminho até aqui?”

“Tenho certeza de que perdi uma.”

Ele olha entre a manga rasgada e os trapos sujos do meu


vestido. “Você tem o hábito de estragar roupas finas?”

“Você tem o hábito de preencher um silêncio perfeitamente


bom com perguntas tediosas?”

PAM GODWIN
“Normalmente não.” Ele coça o rosto com barba. “Você não
é nada como as senhoras bem-educadas que eu...” Ele limpa a
garganta. “Passei um tempo.”

“Espero que não.” Minhas bochechas esquentam com o que


ele quis dizer. “Eu não sou uma prostituta.”

Seu olhar mergulha em suas botas e o canto de sua boca


se ergue. “Deus salve o homem que olhar para você.”

“Fale francamente, Sr. Vane.” Eu ancoro meus punhos em


meu quadril. “O que você está dizendo?”

“Você é filha do Capitão Sharp.”

“Sim, ela é.”

Pulo com o rosnado na voz do meu pai e o encontro parado


a alguns passos de distância, me observando.

Os cães saltam em torno de suas pernas e beliscam seus


dedos, mas ele não lhes dá atenção. Rondando em minha direção,
ele procura meus olhos, e o que vê lá faz sua expressão ficar
sombria, nublada, pesada como nuvens de chuva.

Eu conheço aquele olhar e dói meu coração. “Não diga


isso.”

“É incrível o quanto você se parece com ela.”

“Por favor, não...”

“É verdade, moça.”

Solto um suspiro. A verdade mais verdadeira é que ele


ainda ama a condessa. É um amor eterno, tão profundo e
ingovernável como o oceano.

Mas ela não o aceitaria. Não aceitou quando estava


carregando sua filha. Não aceitará depois de quatorze anos de

PAM GODWIN
cartas, nas quais ele ofereceu a ela casamento, riqueza e devoção
eterna.

“Você ainda escreve para ela?” Enrolo meus dedos em torno


de sua mão calejada.

“Sim.” Seu olhar desliza para Charles e fecha antes de


retornar para mim. “Nada mudou.”

“Talvez ela não esteja recebendo suas cartas?”

“Ela está recebendo. Meu mensageiro espera enquanto ela


lê, as retalha e devolve os pedaços sem resposta.” Dor brilha em
seus olhos. “Ela ainda não lhe deu minha identidade?”

Balanço a cabeça.

Ela nunca mencionou o nome dele. Nem uma vez. Sempre


que pergunto quem é o meu pai, ela me pune com seu silêncio.
Se ela soubesse de nossas visitas... pelo sangue de Cristo, ela o
faria marchar para a forca e executá-lo? Eu não sei e não posso
arriscar.

Então, nunca implorei para ele ficar. Em vez disso,


expresso minha demanda usual.

“Leve-me com você.”

“Não.”

“Por favor? Não posso voltar. Não depois do que eu fiz!”

“Escute, Bennett. Roubar um cavalo é uma coisa. Com o


tempo, Abigail irá perdoá-la. Mas pilhar os navios do rei é algo
totalmente diferente. Não há perdão no meu negócio, e o mar não
é lugar para uma criança.”

“Eu tenho quatorze anos!”

“Ela precisa de você.” Ele tira um cacho do meu rosto. “”Eu


não roubaria você dela.”

PAM GODWIN
“Me roubar? Ela está tentando se livrar de mim.”

Ele fica assustadoramente quieto. “O que você disse?”

“Ela está arranjando um noivado. Se ela conseguir, você vai


me visitar na Inglaterra. Isso se eu conseguir fugir de Lord
Grisdale.”

Suas narinas pulsam com uma respiração furiosa.


“Quem?”

“Um marquês do reino. Com bolsos fundos. Grisalho sob a


peruca. Eu roubei o cavalo do velho idiota e...”

“Espera aí.” Suas mãos flexionam e a veia em sua testa


parece prestes a estourar. “Você disse grisalho?”

“Bem, não confirmei esse detalhe porque perdi nossa


apresentação. Mas o resto é verdade! Ele é uma década mais
velho que você!”

Em um segundo, seus olhos perdem sua humanidade, as


profundezas afundando em um abismo de malícia e gelo.

Um arrepio percorre minha espinha quando todo o seu


comportamento assume essa frieza. Ombros rígidos, punhos com
os nós dos dedos brancos, carranca intransigente, ele não está
mais diante de mim como meu pai, mas sim como o capitão
infame de um navio de guerra de dezoito canhões.

Seus olhos afiados como lâminas cortam para a linha das


árvores atrás de mim. “Esse é o cavalo dele?”

“Sim.”

“Você o roubou?”

“Eu estava com pressa.”

Ele olha para Charles, e uma pitada de orgulho suaviza o


fio de sua raiva. “Já está pirateando, essa aqui.”

PAM GODWIN
“E lançando lâminas em bandidos diabolicamente bonitos.”
Charles arqueia uma sobrancelha para mim.

Levanto a minha em troca. “Cuidado, senhor Vane. Alguém


pode pensar que você gostou.”

“Ela está certa, Charles.” A voz do meu pai fica baixa. Um


tipo de silêncio profundo, de gelar os ossos. “Perto de minha filha,
seus olhos são apenas para decoração. Se você os usar nela, vou
arrancá-los e alimentar as gaivotas com eles.”

Charles desvia o olhar com uma careta. “Vou voltar para o


navio e dar a vocês um pouco de privacidade.”

“Bom plano. Volte para mim ao anoitecer.”

O contramestre incômodo, mas curiosamente engraçado,


caminha em direção ao lado sul da enseada. Quando ele
desaparece além do afloramento, provavelmente onde o barco
alegre espera, volto-me para meu pai.

Ele olha para o mar, seus olhos em um turbulento verde-


água. A linha de sua mandíbula está tão inflexível que eu posso
afiar uma lâmina nela.

“Você está zangado com a condessa”, digo.

“Com razão.” Ele passa a mão pelo cabelo ruivo e


desgrenhado. “Ela é teimosamente ambiciosa, teimosamente
independente, teimosamente bonita...” Ele solta um suspiro.
“Simplesmente teimosa.”

“Se eu ficar aqui, sua teimosia vai me mandar para a


Inglaterra.”

“Não se preocupe com isso.”

“O que quer dizer?”

PAM GODWIN
“Eu cuido dela.” Ele caminha em direção à floresta e pega
um galho caído do chão. “Sua habilidade com o cutelo precisa
melhorar.”

Ele testa o peso da vara e a joga longe para pegar outra.

Com meus pensamentos ainda girando em torno de seu


plano com a condessa, eu não estou preparada para seu ataque.

Ele avança, empunhando o bastão como uma espada, e


varre meus pés debaixo de mim. Eu caio de costas e rolo, todos
os membros se debatendo, saias emaranhadas e palavrões. Ele
balança novamente e eu me esquivo, atirando-me em direção ao
cutelo.

Com o punho em minhas mãos, levanto-me para um


ataque. Ele bloqueia. Eu corto, e durante a hora seguinte, seu
treinamento me distrai de cavalos roubados e casamentos.

Enquanto o sol laranja-fogo se arrasta pelo céu, o suor


acumula-se sob meu espartilho e o vento sopra nós de cachos em
meu rosto. Arranco as mechas selvagens dos meus olhos até que
meus emaranhados se emaranharam mais.

Meu pai passa por vários gravetos, cada um cortado pela


lâmina do cutelo.

“Você tem praticado.” Ele deixa cair outro galho quebrado


e enxuga o suor da testa.

“Só com madeira.” Faço um gesto para os galhos cortados


em torno de suas botas. “Se eu tivesse o meu próprio cutelo...”

“Eu daria a você minha melhor lâmina, mocinha.” Ele bate


em meu nariz. “Mas Abigail iria descobrir.”

“Como você vai lidar com ela?”

PAM GODWIN
Uma expressão estranha surge em seu rosto e ele desvia o
olhar. “O que planejei para ela não é adequado para os seus
ouvidos.”

“Não entendo.”

“Você gostaria de ouvir sobre meu último prêmio?”

“Sim!” Salto na ponta dos pés e deixo cair o cutelo. “Houve


uma batalha?”

“Muitas batalhas.” Ele entrelaça os dedos nos meus e me


leva para a sombra da floresta.

Abaixando-se no chão, ele me pega em seu colo e me conta


todos os detalhes de seus ataques ao navio de guerra do rei, a um
bergantim francês e a vários mercadores.

“Então, dois meses atrás, encontrei uma frota de tesouros


espanhola. Doze navios no total.” Seus olhos perdem o foco.
“Estávamos em desvantagem e nunca teríamos tentado algo tão
perigoso, mas havia uma tempestade mortal no horizonte.
Esperamos em águas seguras que a tempestade cobrasse seu
preço. Então nós avançamos, atacando os navios danificados e
reivindicando seu salvamento.”

“Eles lutaram de volta?”

“A tempestade fez. Eu pensei que tinha passado, mas uma


onda diferente de qualquer outra que já vi seguiu em seu rastro.
Eu perdi meu navio.” Com o meu suspiro, ele belisca meu queixo
e sorri. “Apreendi um novo navio naquela noite.”

“Você fez?”

“Sim. Um galeão espanhol. Ele não estava quebrado nem


afundando como os outros na onda.” Sua expressão brilha com
veneração. “Estava cuspindo fogo e rindo da tempestade.”

PAM GODWIN
Ele explicou como reuniu sua tripulação sobrevivente e
embarcou no galeão de cinquenta canhões, mesmo quando seu
próprio navio foi engolido pela maré.

Guardo os detalhes de sua emboscada na memória, na


esperança de que um dia possa ter necessidade de tal
conhecimento e me tornar metade do capitão sábio e corajoso que
ele é.

“Que nome você deu a ele?” Pergunto.

“Jade.” Seu olhar baixa para o meu colar. “Ele é uma


beleza. Quando o vi, soube que precisava levá-lo. Para você.”

“Para mim?”

“Ele é seu, Bennett. Eu vou comandá-lo até que você tenha


idade suficiente para decidir.”

“Oh, pai!” Meu coração explode em meu peito e dispara de


alegria selvagem. “Não há nada para decidir. Eu quero ser um
pirata como você.”

“Você é muito jovem para saber o que quer.”

“Sou velha o suficiente.”

“Mas não muito velha para sentar no colo de seu pai, não
é?”

“Sim.” Passo meus braços em volta dos seus ombros e me


enterro em seu peito duro.

“Algum dia você pode querer viajar para a Inglaterra por


conta própria e seguir o sonho de sua mãe.” Ele dá uma
risadinha. “Deus sabe, você faria uma refeição do beau monde.”

“Não, obrigada. Eu desejo seguir você.”

PAM GODWIN
“Estou honrado, moça, e se escolher o mar, você tem um
navio. Mas temo que esse caminho possa terminar com o seu
pescoço dobrado na forca.”

Minha respiração para e um sabor metálico sobe sob minha


língua. “E quanto ao seu pescoço? Você pode ser capturado ou
morto em batalha. Eu não posso te perder.”

Seu olhar afunda no meu. “Tantas grandes preocupações


de adulto nos olhos de uma criança.” Ele corre o polegar pela
minha bochecha. “Eu sou cuidadoso. É por isso que não posso
visitar com a frequência que gostaria.”

Não me lembro da primeira vez que ele veio até mim, mas
não há um dia em que não o conhecesse. Ele sempre fez parte da
minha vida. Meu próprio segredo para cuidar e proteger.

Quando eu era mais jovem, ele visitava com mais


frequência e ficava mais tempo. Às vezes, meses. Mas à medida
que sua reputação crescia, aumentavam os riscos. Agora tenho
sorte de roubar algumas horas com ele a cada ano.

“Eu tenho algo para você.” Pulo, pego o pacote embrulhado


em linho da sela do cavalo e ofereço a ele.

A energia nervosa bate sob meu seio enquanto ele desdobra


o pano e remove o presente.

“Os nativos usam isso nos pés.” Agachando-me ao lado


dele, traço as coberturas de pele de veado. “As mulheres raspam
e defumam a pele para deixá-la macia assim.”

Os sapatos são franzidos na ponta dos pés e costurados


acima e atrás com uma aba em relevo de cada lado. Penas de
porco-espinho coloridas e contas de vidro brancas decoram as
bordas dobradas em designs artísticos.

“Exótico.” Ele tira as botas e calça os sapatos. “Um ajuste


confortável. Vou usá-los todas as noites e pensar em você.”

PAM GODWIN
Meu coração dá um salto tão forte que sinto na garganta.

“Como você adquiriu um presente tão atencioso?” Ele me


guia de volta para seu colo e acaricia meu cabelo.

“Os servos os fazem. A cozinheira é sempre gentil comigo e


os trocou por um carretel de fita. Fui discreta.”

“Você fez bem.”

Eu me aconchego no calor de seu abraço, perfeitamente


contente e extremamente feliz. Eu o amo tão profunda e
completamente. É contra a lógica que minha mãe não possa amá-
lo.

“Tenho guardado meus prêmios em um lugar seguro ao


longo dos anos.” Ele beija minha testa. “O suficiente para você,
seus filhos e seus netos.”

“Eu não me importo com isso.”

“Você irá. Eu quero que fique com isso.” Ele remove a


bússola que está pendurada em uma corrente em seu cinto. “É
um mapa. Quando estiver pronta, você irá segui-lo e reivindicar
o que é seu por direito.”

“Um mapa?” Eu seguro o invólucro de ouro e levanto a


tampa para revelar a agulha de navegação dentro. “Não vejo um
gráfico.”

“Ele está aí se você souber como desbloqueá-lo.”

Viro em minhas mãos, esfregando a superfície polida. “Tem


uma chave?”

“Você já a tem. Comece e termine no Norte. Quando estiver


pronta, você saberá o que fazer.”

“Não sei decifrar enigmas.” Devolvo para ele. “Você poderia


simplesmente me levar lá agora. Sequestrar a condessa. Você a

PAM GODWIN
ama. Poderíamos ser uma família de verdade e viver do seu
tesouro.”

“Um conto de fadas infantil. A vida não é tão simples.”

“Poderia ser.”

“Não para nós.” Ele enfia a corrente da bússola ao redor da


faixa do meu vestido, prendendo o instrumento em minha
cintura. “Quando Abigail foi exilada da sociedade inglesa, isso
destruiu algo dentro dela. Nós somos de mundos diferentes, ela
e eu. Imagine-a vivendo como uma criminosa, sempre fugindo e
com medo de ser capturada. Isso sugaria a vida dela.” Ele molha
os lábios. “Se eu pudesse, desistiria do mar e ficaria ao lado dela
na sociedade. Mas não sou um nobre nem um homem cumpridor
da lei. Esse caminho nunca foi uma opção.”

“Mas ela esteve com você uma vez.”

“Em segredo.” Ele grunhe. “Quando era jovem e cega pelo


amor.”

Cega pelo amor.

O som disso me faz sentir muito quente e sorrio contra seu


ombro. “Se algum dia eu me casar, ele será um homem com a
sua coragem e espírito. Um homem que me ama acima de tudo.
Só eu. E seremos cegados por nosso amor pela vida e além dos
confins do mar.”

“Não aceite nada menos que isso, Bennett.” Ele ergue meu
queixo com os nós dos dedos. “Prometa-me.”

“Eu prometo.”

Seus olhos brilham com aprovação, sua voz é uma fonte


profunda de afeto. “Essa é minha garota.”

PAM GODWIN
A alguns passos de distância, os cães descansam na
sombra. Gaivotas crocitam no alto e o sol do fim da tarde cintila
nas ondas de crista branca.

Ele irá embora em breve, e sua ausência iminente constrói


uma dor ardente atrás de meus olhos. A angústia passa por mim,
tão interna, tão profunda, que se incorpora antes de subir à
superfície.

Depois de uma vida inteira de despedidas, aprendi a lidar


com isso. A sufocar a dor. Chorar nunca tirou a dor.

“Conte-me outra história sobre ela.” Eu coloco minha


bochecha em seu peito, saboreando seu cheiro de couro e sal.
“Como o dia em que você a conheceu.”

“Você já ouviu essa muitas vezes.”

“Desejo ouvir muito mais.”

“Muito bem.” Ele se acomoda em uma extensão com uma


árvore em suas costas e seus braços me seguram com força. “Eu
a avistei do convés do navio que estava esfregando. O sol estava
tão brilhante naquele dia, alto no céu e pesado com o calor. Mas
não era digno à luz de seu brilho. Ela estava no cais, brilhando
em seda marfim, tão bonita e atraente que eu não conseguia
sentir minhas pernas.”

Devoro cada palavra enquanto ele me conta como se


aproximou da nobre donzela, a afastou de seu acompanhante e
se apaixonou perdidamente por Lady Abigail Leighton.

Um pobre marinheiro irlandês e uma bela condessa


inglesa. É meu conto de fadas favorito.

Ele sempre termina a história no primeiro beijo, mas desta


vez, seu tom é diferente. Mais forte. Mais determinado. “Eu não
posso deixá-la escapar.”

PAM GODWIN
“Não pode?” Eu me inclino para trás e procuro sua
expressão dura.

“Ela teve quatorze anos para seguir em frente, e não


seguiu.” Ele me levanta de seu colo e se levanta.

Uma pergunta não é feita, mas está lá, piscando em seus


olhos.

“Não, ela não é feliz.” Meu coração pula uma batida. “Não é
de mim que ela precisa, pai. Ela precisa de você.”

“Sim.” Ele caminha ao longo da linha das árvores em seus


sapatos de pele de veado, cada passo ficando mais rápido e mais
decidido. “Eu quero que você volte para a propriedade.” Seu olhar
se volta para o mar, onde o horizonte escurece com a
aproximação do crepúsculo. “Eu irei para você esta noite. Para
ambas.”

Alegria e confusão se enredam em mim. “Eu pensei que


viver com um criminoso iria sugar a vida dela?”

“Ela está vivendo? Ela sorri? Vou devolver a vida a ela!” Ele
mostra os dentes. “Por Deus e pelo diabo, vou gastar até a última
respiração em meu corpo fazendo-a feliz.”

Uma sensação avassaladora de esperança brota em meu


peito. “Eu acredito em você.”

“Eu te amo.” Ele me puxa contra ele e baixa a boca até o


topo da minha cabeça. “Eu cometi uma vida inteira de crimes e
paguei caro por eles. Quatorze anos sem minhas garotas. Não há
punição maior.”

“Termina hoje à noite?”

Ele me solta com um sorriso de lobo. “Sim, é...”

Um rosnado profundo e ameaçador irrompe atrás de mim.

PAM GODWIN
Eu me viro em direção aos cães e os encontro de pé, narizes
apontados para a costa e pelos eriçados. Meu pai fica imóvel, sua
mão travada com força em volta do meu braço.

Os cães explodem em rosnados e partem em direção ao


extremo sul da praia. Eles correm ao redor do bosque de árvores
e ficam fora de vista enquanto seus latidos aumentam de volume.

Meu couro cabeludo formiga. Nunca ouvi sons tão ferozes.


“O Sr. Vane voltou?”

“Aquele não é Charles.” Ele me puxa para o cavalo e me


coloca na sela, sua voz baixa e urgente. “Volte para a casa
imediatamente.”

“Pai, o que é?”

Ele desamarra as rédeas e tira uma adaga embainhada do


cinto. “Não importa o que aconteça, continue.” Com um aperto
em meu pulso, ele prende a bainha na manga do meu vestido,
escondendo-a sob o tecido de meu braço. “Não volte atrás.”

À distância, o latido torna-se feroz, agudo e assustador.


Minha barriga se retorce em nós, e meus pulmões não conseguem
respirar o suficiente sob o torno do meu espartilho.

“Vai!” Ele bate a mão no flanco do cavalo, me mandando


para a floresta.

Pego as rédeas e ajusto meu equilíbrio antes de virar para


olhar por cima do ombro.

Ele se foi.

Minhas mãos tremem e uma pontada de fogo apunhala sob


minhas costelas. Tento ignorar e me concentrar em controlar o
cavalo.

Até que gritos assustadores e doloridos rasgam o ar.

Os gritos de um cachorro moribundo.

PAM GODWIN
Meu coração para quando um segundo grito agonizante
ecoa pela floresta antes de se quebrar em gemidos. Então
silêncio.

Os cães. Deus misericordioso, o que aconteceu com eles?

O que acontecerá com meu pai?

O pânico cresce, congelando os músculos e travando as


articulações. Apenas meu pulso martela descontroladamente
enquanto o cavalo corre para frente, ultrapassando as árvores
caídas e colocando mais distância entre mim e todo o meu
mundo.

Eu não posso deixá-lo.

Não importa o que aconteça, continue.

Eu confio nele implicitamente e nunca o desobedeci.


Nunca.

Minha mandíbula cerra. Ele me disse uma vez para confiar


em meu instinto, e agora ele está gritando para eu voltar.

Puxo as rédeas e, com um uivo selvagem, viro o cavalo.

Quantos minutos se passaram? Quantos quilômetros?


Muitos malditos, e experimento cada um deles em uma agonia
ofegante enquanto galopo de volta para meu pai.

Perto da praia, me aproximo lentamente. O som das ondas


quebrando chega aos meus ouvidos, trazendo consigo o barulho
de vozes. Vozes de comando.

Dezenas delas.

Meu coração troveja em direção à histeria enquanto


empurro o cavalo para mais perto, pegando silenciosamente o
mato e apertando os olhos por entre as árvores.

Quando o mar aparece, coloco a mão na boca.

PAM GODWIN
Casacos vermelhos.

Eles dominam a costa, seus distintos revestimentos


regimentais cintilando branco contra o céu escuro. Armados com
rifles, alguns montados em cavalos. Outros invadiram a pé
enquanto alcançam meu pai com punhos, armas e números
absolutos.

Há muitos para contar e ele cai lutando e cuspindo sangue.

Uma náusea pegajosa toma conta de minha barriga,


coagulando de medo e desamparo. Meus pulmões doem para
conter o chiado de minha respiração e meus dedos das mãos e
dos pés tremem incontrolavelmente. Porque o resto de mim se
recusa a se mover, eu não consigo entender. Estou paralisada.

Quando seu corpo cai mole sob seus ataques, eles agarram
seus braços e o arrastam em direção a um carrinho que espera.
Sua cabeça pende entre os ombros. A cobertura de pele de veado
em seus pés arrasta-se pela areia e algo dentro de mim quebra.

Suas botas de cano alto estão logo além da linha das


árvores, e a poucos passos dali está seu cutelo, a lâmina afiada,
letal, acenando.

Com visões de resgate e derramamento de sangue em


minha cabeça, avanço o cavalo em direção à arma de meu pai.

Até que um galho quebra atrás de mim.

“Benedicta.” A voz masculina familiar manda um arrepio


em minhas veias.

Não, não, não! Maldito seja eu e o diabo também!

Como eu explicaria minha presença aqui, montada em uma


montaria roubada, enquanto planejo um ataque aos soldados do
rei? Eu serei presa ao lado de meu pai, incapaz de salvá-lo.

PAM GODWIN
Engulo em seco, recupero o fôlego e transformo minhas
feições nas de uma donzela bem-criada que não teria nenhuma
associação ou ligação com Edric Sharp.

Então me viro na sela e encontro os olhos de rato do


marquês de Grisdale.

PAM GODWIN
QUATRO

“Lord Grisdale.” Minha pulsação bate em meus ouvidos


quando inclino a cabeça fingido respeito.

“Encantado, Benedicta. E perplexo.” Ele cutuca seu cavalo


ao lado do que roubei. “Enviei os homens do rei para procurar
um ladrão de cavalos e veja o que encontrei.”

Sigo seu olhar para os homens uniformizados que estão


acorrentando o corpo inconsciente de meu pai na carroça.

Tudo dentro de mim queima para gritar, gritar, pular para


o cutelo e passar por cada soldado que colocou as mãos nele. Mas
reprimo a raiva, o terror profundo até os ossos, e relaxo os
músculos de meu rosto.

A brigada marcha para fora da praia com meu pai a


reboque, deixando-me impotente para impedi-la. Mas haverá um
julgamento. Tenho um dia, talvez dois, para sinalizar para Jade.
A tripulação leal do meu pai irá me ajudar em seu resgate.

“O que você encontrou, meu senhor?” Meu olhar se agarra


ao carrinho em retirada.

“Ora, esse é o infame Edric Sharp.” Dedos ossudos se


enrolam em volta do meu braço. “E este é meu cavalo roubado.”

PAM GODWIN
“Você está certo.” Observo o último soldado deixar a praia
e volto minha atenção para o marquês.

Ele é um homem como um graveto, com um rosto


semelhante à morte de um dia, pendurado frouxamente em ossos
afiados. Se seus olhos castanhos redondos estivessem mais
próximos, eles teriam cruzado na ponte.

Ele enfia o queixo fraco na gravata em seu pescoço, como


se tentasse esconder aquela feição horrível. Uma bengala
pendurada por um laço de um dos botões de seus suspensórios.
Nenhum traço de fiapos salpica o brocado vermelho. Nem um
grão de sujeira nas meias brancas sobre a calça. Nem mesmo
uma mancha em seus sapatos de fivela.

Mas sua cabeça está suando. As contas brilham em sua


testa enrugada e pingam de sua peruca de divisão alta.

Nem mesmo o marquês de Grisdale consegue escapar do


calor de Carolina. Seu sangue dá-lhe poder e privilégio, mas ele
ainda é um mero mortal como o resto de nós. Ele sua. Ele mija.
E ele sangra.

“Você confessa ter roubado meu cavalo?” Sua mão aperta


meu braço.

“Sim, meu senhor. Estava ansiosa para conhecê-lo e fui dar


uma volta para acalmar meus nervos.”

“Garotas virtuosas criadas para uma vida adequada não


fazem passeios pela selva sozinhas. Imagine o que teria
acontecido se eu não tivesse encontrado você. Eu diria que você
poderia ser devastada por um pirata!”

A realização atravessa meu peito. Ao roubar seu cavalo, eu,


sem saber, trouxe os soldados direto ao meu pai. Se não fosse
por mim, ele estaria seguro em seu navio, livre das garras de uma
cidade que saliva ao ver um pirata enforcado.

PAM GODWIN
O gosto amargo do arrependimento atinge minha garganta
e meus olhos queimam com lágrimas. A onda de culpa turva
minha visão, e não consigo evitar que a umidade queime minhas
bochechas. A devastação é muito poderosa, a dor muito grande
para aguentar.

“Eu fui uma tola.” Limpo meu rosto com a manga do vestido
e mais lágrimas se soltam.

“Quão emocionante.” Ele acaricia meu braço com o polegar.


“Minha noiva está sentada em um cavalo roubado, chorando de
remorso pelas escolhas erradas que fez.”

“Noiva?” Engasgo com um soluço.

“De fato. Fiz uma oferta esta manhã.”

Ele pode enfiar sua oferta no buraco em que se senta.

“Devo voltar para casa imediatamente e aceitar minha


punição.” Tento me desvencilhar de seu aperto, um esforço inútil.
“Tire sua mão de minha pessoa, por favor.”

“Eu vou te acompanhar.”

“Não sem um acompanhante, meu senhor. Não é


permitido.”

“Você vê um acompanhante nas proximidades?” Ele


gesticula para a floresta circundante e faz uma careta com a
minha aparência. “Parece que você foi atacada por um bando de
rufiões.”

“Eu simplesmente perdi meu caminho, só isso.”

“Eu verei seu retorno seguro.”

Flexiono minhas mãos em torno das rédeas.

Acima da copa das árvores, o crepúsculo se aprofunda em


tiras roxas. Cada segundo que eu passo com este patê pegajoso

PAM GODWIN
e vesgo é mais um momento em que meu pai está sentado na
prisão, esperando um destino que eu não aceito.

“Você é um homem ocupado, Lord Grisdale.” Com um forte


puxão, liberto meu braço de seu aperto. “Devo recusar e insistir
que você volte para onde é mais necessário.”

“Ninguém me recusa.” Seus olhos se estreitam com mil


ameaças afiadas de lâminas, todas prometendo uma dor
indizível. “Vadia insolente.”

Vejo seu braço atacar tarde demais. A parte de trás de sua


mão bate em minha bochecha com uma força excruciante, e o
impacto me derruba da sela.

O chão bate em minhas costas, me sacudindo tão


violentamente que não consigo me mover. Manchas pontilham
minha visão, então nada enquanto a inconsciência engole meus
sentidos.

Acordo com uma névoa de dor. O cheiro de terra fez cócegas


em meu nariz. Folhas mortas rangem sob meu corpo se
contorcendo. Eu ainda estou na floresta, deitada de costas com
terra dura sob minha cabeça. Mas minhas mãos...

Torço meus pulsos, puxando a corda que prende meus


braços acima da cabeça.

Piscando rapidamente, limpo as lágrimas da minha visão e


encaro com meus olhos gelados.

“Você sabe como eu coloco garotinhas travessas na linha?”


O marquês para perto de mim, batendo com a bengala na perna.
“Uma surra decente é mais eficaz.”

“A condessa cuidará de minha punição.” Minha voz


arranha como areia em minha garganta. “Você não precisa se
preocupar com...”

PAM GODWIN
“Silêncio!” Seu rugido sacode a pele flácida de suas
bochechas. Então ele se endireita, respira fundo e compõe seu
sorriso e sua voz com um refinamento educado. “Como foi meu
cavalo que você roubou, serão meus vergões em sua bela pele.”

Como a filha desobediente de Lady Abigail, eu estou


acostumada à disciplina. Por uma questão de decoro, minhas
punições sempre foram dispensadas na presença do
acompanhante de uma senhora. E geralmente dadas com uma
cinta. Nunca uma bengala.

Se eu for encontrada sozinha com o marquês, isso


arruinará minha reputação. Eu não me importo com isso, mas
como seu olhar faz uma viagem lenta e arrepiante sobre minha
pessoa, isso parece assustadoramente errado.

“Vire-se.” Abaixando-se, ele bate com a bengala na sola dos


meus pés descalços.

A dor cortante curva minhas costas e me lança em uma


névoa de fúria justa.

“Maldição!” Eu ofego, me debatendo contra as restrições em


meus braços. “Desate-me! Está escurecendo e a condessa vai
ficar preocupada.”

“A condessa responde a mim.” Ele se ajoelha e empurra


minhas saias pelas minhas pernas, expondo a pele que nunca foi
vista pelo sol ou homem.

“O que você está fazendo?” Eu chuto e grito, incapaz de


impedi-lo.

Ele expõe meu corpo até a cintura, e só posso olhar com


horror, a humilhação é mais do que eu posso suportar. A maneira
como ele ri da minha feminilidade causa medo tão profundo em
meu coração que não o sinto mais batendo.

PAM GODWIN
“Sua beleza me confunde.” Ele agarra minhas coxas com
força e força minhas pernas a se separarem. “Indomável e
inexperiente, rosnando e se contorcendo como um filhote não
amadurecido.”

“Uma varíola em seus olhos.” Meu pulso explode,


disparando calafrios febris pela minha pele. “Por Deus, cubra-
me!”

“Não é coerente que uma senhorita invoque a Deus por


meio de xingamentos vãos e descuidados.”

“Pelos pés de Deus, sua língua e todos os seus não


mencionáveis, que ele recuse você e condene sua alma ao
inferno.”

Seu antebraço pousa em meu quadril e me prende no chão.

“Você vai se virar.” Ele pressiona a ponta da bengala contra


o lugar privado entre minhas pernas. “Ou você sangrará de
maneiras que está apenas começando a compreender.”

O arrepio começa em minha barriga e se espalha para meus


membros. No momento em que me viro de barriga para baixo,
estou tremendo tão violentamente que não tenho controle de
minha língua. Ela cai entre meus dentes batendo e enche minha
boca de sangue.

Com meu traseiro exposto ao ar, aperto todos os meus


músculos, me preparando para o ataque. Mas quando chega, eu
não estou preparada. Sem a proteção da roupa, o golpe me atinge
como fogo, penetrando profundamente em meus músculos e
ossos e roubando minha capacidade de gritar.

A agonia lateja no golpe seguinte e no seguinte. O estalo da


bengala cai forte e rápido, sem pausa entre eles e nenhum sinal
de parar.

PAM GODWIN
“Não! Por favor, pare!” Cavo meus dedos do pé e me mexo
nos cotovelos. “Eu te imploro. Pare!”

Ele fica comigo, golpeando meu traseiro com brutalidade


desenfreada.

“Você é mais forte do que minhas outras esposas.” Ele


pressiona um sapato em minhas costas, mantendo-me imóvel.
“Elas desmaiavam no primeiro golpe.”

“Esposas?” Minha voz quebra em um soluço gutural. “Mas


você é viúvo!”

“De fato, eu sou. Três vezes.” Sua mão agarra meu traseiro,
apertando a pele abusada. “Talvez seja você a que vou manter.”

Meu estômago embrulha. Saliva se acumula em volta de


minhas gengivas. Meu peito convulsiona e tudo sai com um jato
de vômito. Satura a sujeira e se agarra ao meu cabelo e queixo
como fios de gosma.

Seu toque desaparece e a bengala balança novamente, com


mais força e intensidade do que antes.

A agonia cegante não poupa um único nervo do meu corpo.


Devora todos os pensamentos e me deixa atordoada em uma poça
de melancolia e lágrimas.

Dor é tudo o que há.

Durou mais do que eu pensei que poderia sobreviver.


“Chega. Eu imploro que você pare. Farei qualquer coisa.
Qualquer coisa! Por favor!”

Eu preciso que a tortura acabe. Preciso do meu pai. Eu


preciso de misericórdia e imploro por ela, grito por ela, dando
minha alma a qualquer deus que me aceite em troca de um
momento de alívio.

PAM GODWIN
O anoitecer envolve a floresta em sombras e meus gritos
perdem força. Sangue encharca minhas unhas quebradas e
sujeira cobre meus lábios rachados.

Quando a bengala finalmente cai no chão, eu não consigo


me mover, não consigo pensar além da miséria densa e trêmula.

Até que ele me toca lá.

Dentro do meu centro.

Então estou gritando, chutando as pernas que se arrastam


entre as minhas.

Ele agarra minha cintura e puxa meu quadril para sua


virilha nua.

“Não! Não faça isso!” Eu me viro e deslizo pela terra,


arrastando meu peito pelo vômito. Todo o rolar e contorcer
movem meu corpo em direção às minhas mãos amarradas que
ficaram embaixo de mim.

É quando eu sinto. O cabo da adaga em minha manga.

Uma centelha de esperança.

Enquanto ele luta com a parte inferior do meu corpo contra


o dele, puxo a lâmina. Mas com meus braços amarrados nos
pulsos, não consigo cortar a corda.

“Assim não.” Eu ajusto meus dedos ao redor do cabo. “Vire-


me. Por favor, meu senhor?”

Ele esfrega dedos invasivos entre minhas pernas e geme


um som vil. “Como quiser.”

As mangas em forma de trombeta do meu vestido escondem


minhas mãos. Aperto as dobras do tecido ao redor da lâmina e
aponto para fora enquanto ele me rola.

PAM GODWIN
No instante em que minhas costas batem no chão, ele
mergulha entre minhas pernas.

E pousa diretamente na adaga.

Meu coração bate forte enquanto empurro com toda a


minha força, perfurando a carne macia de seu abdômen.

Ele olha para mim com os olhos arregalados. Sua


mandíbula se abre em um grito silencioso, e cordas de baba
tingidas de vermelho se esticam de sua boca aberta e caem em
minha bochecha.

Empurro a lâmina com mais força com as duas mãos, meus


dedos escorregando na umidade enquanto desenho uma linha em
direção ao seu peito.

Um som engasgado sai de sua garganta. Seu corpo tem um


espasmo, afundando na adaga antes de desabar em cima de mim.

Esforço-me para ouvir sua respiração, mas meu coração


bate muito alto, batendo em meus ouvidos. E o tremor...pela
graça do Deus Todo-Poderoso, não consigo parar de tremer.

Mas ele não se mexe.

Sua imobilidade admite sua partida deste mundo. Eu


mergulhei uma lâmina em sua barriga e mandei sua alma para o
inferno. Não posso voltar atrás. Nem quero.

O alívio vem em ondas de exaustão e horror. Minha mente


demora, lutando para processar, enquanto meu estômago vomita
em grandes ventos secos.

Por pura vontade, consigo empurrar o corpo de cima de


mim. Ele cai em uma pilha sem vida de membros, calça
desabotoada na cintura. A protuberância da carne masculina cai
para o lado como uma alga marinha mole.

PAM GODWIN
A peruca pendurada fora do centro, revelando o crânio
abaixo. Careca, não grisalho.

Com um estremecimento, começo a trabalhar na corda em


volta de meus pulsos. Minutos intermináveis me açoitam
enquanto torço uma mão livre, rasgando a pele no processo. Os
nós se desfazem e eu tiro os nós de cabelo duro do rosto,
vasculhando as árvores em busca dos cavalos.

Meus olhos se recusam a se ajustar no escuro e a floresta


fica turva ao meu redor. Minhas entranhas não parecem bem. É
a frieza, o tremor, as contrações constantes.

Meus ombros estremecem em fortes convulsões. Espasmos


atacam minhas pálpebras, latejando na pele inchada. Meus
dedos não funcionam, as juntas torcem devido ao aperto
prolongado.

Uma tentativa de ficar de pé me fez girar, tropeçar e cair de


joelhos. Levanto-me novamente e forço meus pés dormentes no
chão, impulsionada por um único motivo.

Salvar meu pai.

Se eu alcançar um cavalo, posso guiá-lo de volta à praia e


encontrar Charles Vane.

Cada passo desloca o vestido contra minhas costas,


queimando agonia em minha pele. Eu grito e estendo a mão
cegamente por algo para agarrar. Minhas mãos agarram o ar e
viro meu tornozelo em uma pedra. A dor assustadora me faz girar
de volta para o chão.

Choro de frustração e pulo de pé, empurrando meu corpo


além de suas habilidades. Tudo doí e o tremor incontrolável
ameaça sugar o resto das minhas forças.

Eu me contorço para frente, centrando minha mente em


cada passo arrastado.

PAM GODWIN
Contração. Um passo. Contração. Um passo.

Cada galho em meu caminho é um teste de coordenação,


cada solavanco irregular sob meus pés um desafio a superar.
Meu equilíbrio oscila, oscilando entre a consciência e o
esquecimento.

Por fim, minhas pernas desistem, mas não sinto o chão me


atingir. Eu posso ter desmaiado.

Espalhada de lado, esfrego a sujeira de meus olhos cegos e


rastejo em minha barriga. Meus pensamentos tentam me
abandonar, mas eu seguro, continuo me movendo, determinada
a alcançar meu pai.

Até que não posso mais me mover.

O abismo me puxa para seu vazio e, enquanto caio, parte


de mim espera nunca mais acordar.

PAM GODWIN
CINCO

Claro que acordo. A vida é cruel demais para me conceder


um alívio permanente da dor. Eu me deito de bruços, meu corpo
é uma única dor pulsante envolta nos vergões de meus erros.

Eu falhei, e minha vergonha assume um novo significado


horripilante na luz prateada do amanhecer.

Com minha bochecha pressionada no chão coberto de


folhas, eu pisco para tirar a areia dos meus olhos, desorientada
pela vista diante de mim.

Um par de chinelos sujos aparece de uma bainha de seda


lavanda. Torço o pescoço, seguindo a saia enrugada de um
vestido, subindo, subindo, até o rosto ofuscante da condessa.

Ela olha para mim, as mãos no quadril, examinando os


restos de um vestido que ela trabalhou tão duro para fazer.

A culpa esmaga meu peito.

“Mãe...” Minha voz queima em minha garganta, crua de


gritar e ressecada de desidratação.

“Não.” Ela ferve em sua imobilidade, sua mandíbula


tremendo de raiva profana. “Eu não sei o que fiz para receber

PAM GODWIN
tamanho desrespeito e ódio vil, mas não vou ouvir suas
desculpas. Não dessa vez.”

“Eu não te odeio.”

“Nem mais uma palavra!”

Uma égua marrom relincha atrás dela e a visão dela me


confunde. Esse cavalo não pertence ao marquês.

Minha mãe montou até aqui? Tão profundo na floresta


antes do amanhecer? Sozinha?

Volto minha atenção para seu rosto, sua pele sem cor na
moldura de cabelos caídos e indomáveis. Ela parece tão
desgrenhada e cansada, nada como ela mesma. E ainda usa o
vestido que eu a vi pela última vez ontem de manhã.

“Você veio por mim?” Rolo de costas e me arrependo


instantaneamente.

Uma violenta explosão de dor percorre meu corpo,


atingindo todos os músculos e juntas. A tontura mancha minha
visão e me engasgo com o tormento, apertando os olhos para sua
expressão branca como um fantasma.

“De quem é esse sangue?” Ela aponta um dedo trêmulo


para meu peito.

“Não é meu.” Sento-me lentamente e procuro no bosque


espesso pelo marquês de Grisdale.

Quanto eu posso dizer a ela? Já chegou em casa notícias


sobre a prisão de Edric Sharp? Eu nunca sequer mencionei o
nome dele na presença dela. Se eu contar tudo agora, ela me
impedirá de resgatá-lo?

Ela passa por cima de mim com um farfalhar de seda e


segue em linha reta através das sombras das árvores, abaixando-
se sob os galhos e puxando as saias dos espinhos.

PAM GODWIN
A alguns passos de distância, ela para com um suspiro.
Sua mão cai para o corpete em sua barriga, e ela se curva na
cintura, ofegando para respirar.

Eu me levanto, cambaleando em um ataque de tontura,


mas não a sigo. Eu posso ver o corpo bem o suficiente daqui.

Com o punhal saindo do torso e as calças desabotoadas na


cintura, nenhuma palavra é necessária. A compreensão brilha
em seus olhos inteligentes.

Mas a compreensão não gera compaixão. Eu arruinei sua


chance de retornar à sociedade inglesa e estou diante dela como
uma assassina, coberta com o sangue de meu crime.

Travando meus joelhos, eu me preparo para sua


condenação.

“Eu teria feito o mesmo.” Ela ergue o queixo e se afasta do


corpo.

“De verdade?” O choque gagueja minha respiração.

“Qualquer homem que se encontrar com uma mulher


prudente e se oferecer para mexer com ela, sem seu
consentimento, deverá sofrer a morte presente.”

“Até por suas próprias mãos?” Meu pulso dispara

“Sim. Não importam as leis do homem.” Sua expressão se


transforma em pedra. “Esta é a nossa lei. Sua e minha.”

Eu a encaro, pasma. Nunca senti uma conexão com outra


mulher como sinto com minha mãe nesse momento. Ela encontra
meus olhos com mais confiança e convicção do que qualquer
senhor com título. Sua teimosia é a perdição de minha existência,
mas eu percebo agora que a mesma ferocidade será usada para
me proteger.

PAM GODWIN
Pela primeira vez na vida, vejo o que meu pai viu. Uma
mulher que teve a coragem de cruzar o Great Western Ocean
sozinha e grávida. Ela é bela e forte por direito próprio, uma força
a ser enfrentada. Se alguém pode me ajudar a resgatá-lo, será
ela.

Controlo meus nervos tumultuados e falo com cuidado.


“Houve notícia de uma prisão?”

“Ninguém descobriu o corpo.” Voltando para o meu lado,


ela agarra meu braço e me guia em direção ao cavalo. “Vou
mandar alguém de minha confiança para coletar os restos
mortais. Este será nosso segredo. Vamos levar para nossos
túmulos.”

“Não, quero dizer...” Eu me afasto de seu aperto,


tropeçando nas pernas trêmulas. “Outra pessoa foi presa.”

“Estive procurando por você a noite toda. Não estive em


casa para ouvir falar de nenhuma...” O sangue some de seu rosto.
“Quem foi preso, Benedicta?”

“Um marinheiro.” Engulo e meus olhos queimam com


lágrimas. “Um pirata.”

Ela fica imóvel, e sua voz treme para um sussurro. “O que


é que você fez?”

“Ele é...” Balanço a cabeça, hesitando na confissão. “Meu


pai…"

“Não.” Ela cambaleia para trás e tropeça em um galho.


“Não, não, não. Ele me prometeu.” Com um giro deselegante, ela
se lança em direção ao cavalo. “Ele prometeu que nunca seria
pego quando visitasse você.”

“O que?” Um punho aperta meu coração. “Você sabia?”

“Claro que eu sabia.” Ela se atrapalha em sua urgência de


montar o cavalo, suas saias se enredando em suas pernas. “Ele

PAM GODWIN
sempre mandava dois cães. Quando um passava, o outro
mostrava ao substituto como nos encontrar. Eles eram seus
mensageiros.”

“Era assim que ele lhe enviava as cartas?” Meus olhos


saltam. “Por que você não me contou?”

“Eu precisava que você guardasse esse segredo ferozmente.


Contanto que escondesse de mim, confiei que poderia escondê-lo
daqueles que o machucariam.” Seu chinelo fica preso no estribo,
e ela sobe na sela, suas feições distorcidas com uma emoção que
eu nunca vi antes.

Pavor.

“Quando ele foi preso?” Ela vira o cavalo, olhando na


direção oposta.

“Antes do anoitecer.” Eu me atrapalho atrás dela, meu


pulso disparando em minhas veias. “Haverá um julgamento.”

“Não para um pirata, sua garota tola. E certamente não


para Edric Sharp. Você não entende, Benedicta? Nós o deixamos
fraco.”

“Não, ele nos ama!”

“E eu desisti dele porque eu...eu não poderia ser o motivo


de sua morte.” Ela se vira e sinaliza para o cavalo se mover. “Vá
para casa e queime esse vestido.”

“Mãe, espere!” Eu agarro o freio, impedindo-a. “Se ainda


sobra algum amor por ele dentro de você, você o salvará!”

Ela se abaixa e dá um tapa em minha mão, seus lábios


puxando para trás em um sorriso de escárnio. “Eu o amo tão
cruelmente que morreria por ele.”

PAM GODWIN
Sua declaração bate em mim, tirando o ar de meus
pulmões. Ela empurra o cavalo para a frente e se lança na
escuridão das sombras.

Eu cambaleio atrás dela, mas ela já foi.

Meu pai estará na prisão da cidade, então é para lá que eu


preciso ir. Mas não encharcada de sangue. E não sem um cavalo.

Tirando o vestido, encontro apenas algumas manchas na


anágua e no corpete de meu espartilho.

Enfio o vestido dentro do oco de uma árvore morta, aperto


a bússola de meu pai na cintura e viro na direção em que o céu
está mais claro. Leste. A praia. Assim que chegar ao mar, posso
segui-lo para o sul até o porto de Charleston.

Enquanto caminho, ignoro as dores em meu corpo e escuto


o relincho de um cavalo.

A sede é a dor mais forte. E fome. O latejar em meu rosto,


nádegas e pés entorpecidos em comparação. Mas quando avisto
um cavalo por entre as árvores, toda a dor física dá lugar à
alegria.

Levo vários minutos para montar o cavalo de Grisdale e


vários outros para correr para a praia. Quando saio da floresta,
o sol já está aparecendo no horizonte.

As botas e o cutelo de meu pai ainda estão na areia, mas


não paro para recolhê-los. Galopo para o sul, com os olhos na
água, em busca do seu navio enquanto sigo pela costa até a
cidade.

Se eu tivesse uma luneta e escalasse uma das árvores mais


altas, talvez localizasse Jade.

Eu acelero, estimulada por imagens de um laço em seu


pescoço. Eles o enforcarão ao amanhecer? Ou o forçariam a ir à

PAM GODWIN
missa de domingo, pregar sobre seus pecados e enforcá-lo
depois?

Lágrimas ardem em meus olhos e meu corpo inteiro treme


na sela.

Minha mãe irá impedi-los. Ela ama meu pai. Como eu achei
que ela não amava? Ela o salvará e nós partiremos.

Seremos uma família.

A ideia é tão reconfortante que deixo passar em minha


cabeça, meu pai parado na proa de seu navio com as mãos na
amurada e o vento em seus cabelos, a condessa e eu ao seu lado,
compartilhando sorrisos alegres. Ele canta desafinado, e nós
rimos e nos unimos. O destino não importa, porque já estaremos
em casa, juntos no mar, como deveríamos estar.

Engasgo com uma risada chorosa e impulsiono o cavalo


mais rápido. Com o peito apertado e os dedos agarrados às
rédeas, abandono a orla da floresta à minha direita e me
aproximo da periferia da cidade.

Piers se estendem como dedos para o mar, edifícios estão


espalhados ao longo das passarelas que ladeiam a praia. O sol
está logo acima da água, alguns moradores da cidade vagam de
um lugar para o outro.

A prisão não é visível da praia, e questiono a sensatez em


entrar na cidade meio vestida e culpada de assassinato.

Ao longe, um sino toca, sinalizando o início da missa de


domingo. A maioria dos residentes estará reunida lá.

Com uma respiração instável, procuro nos edifícios por um


sinal da condessa ou de seu cavalo. Meu olhar dispara sobre
caminhos, rostos, alcovas sombreadas e... uma estrutura
sinistra. Uma que não pertencia à praia.

PAM GODWIN
Apresso o cavalo mais perto, semicerrando os olhos para a
plataforma de madeira que parece ter sido movida do centro da
cidade.

Duas colunas erguem-se sobre ela, e há algo pendurado na


travessa.

Não é algo.

É alguém.

Um suor frio toma conta de mim, e um pavor nauseante


silencia tudo ao meu redor.

Minha mente se parte e não me lembro de desmontar o


cavalo. Num momento estou na sela. No próximo, parada ao pé
da forca, olhando para um homem morto.

Uma maré de lágrimas distorce minha inspeção de seu


rosto, então me concentro nos pés que balançam ao nível dos
olhos acima da plataforma.

Pés cobertos por sapatos de pele de veado, decorados com


penas de porco-espinho e contas de vidro. E manchas de sangue.

A dormência se espalha por minha pele.

Os sapatos não são reais.

Não são reais. Não são reais. Não são reais.

Nada disso é real.

Pressiono as palmas das mãos em meus olhos, esfregando


o borrão de um pesadelo. Então forço meu olhar de volta.

Ombros largos. Boca grande. Pele bronzeada pelo sol.


Brinco de ouro. Cabelo vermelho.

Não. Não é possível. O capitão Edric Sharp era invencível.

PAM GODWIN
“Pai?” Meus braços se estendem para ele, e desejo que
levante o queixo, abra os olhos, me dê um sorriso. “Pai, por favor!”

A luz do sol projeta seu corpo em listras de ouro e sombras.


A corda range, mas o vento parece não se mexer.

Nada se mexe. Nem seus braços nas restrições. Nem os


cílios que abanam as maçãs do rosto. Nem uma contração em
seus lábios.

Ele flutua acima de mim, suspenso, inalcançável, imóvel.

Morto.

Falecido.

Ele se foi.

Minha boca está aberta, mas nenhum som sai. Sem grito.
Sem fôlego.

Ele nunca mais me abraçará.

Ele morreu sozinho.

Eu agarro a parte de trás de minha cabeça e me curvo em


torno da angústia em meu peito, balançando, tremendo, incapaz
de conter o ataque de dor. Isso se junta em minha garganta, lateja
ao longo de meus dentes e quebra o ar em um uivo gutural.

Eu não sei quanto tempo fico curvada sobre a plataforma,


soluçando em uma piscina de perda e desgosto. Não levanto a
cabeça até que vozes soem à distância.

Colocando os dedos frios sobre minha boca, capturo os


gritos que saem.

Minhas pernas se transformam em água e desabo ao lado


da forca, incapaz de silenciar os sons por trás da minha mão.

No fundo de minha mente, eu sei que não posso ficar aqui.


Não sem ser questionada sobre minha vestimenta inadequada,

PAM GODWIN
as manchas em minhas roupas íntimas e o desaparecimento do
marquês de Grisdale.

Penso em minha mãe. Ela cavalgou nesta direção e o teria


encontrado, assim como eu.

Ela precisa de mim como eu preciso dela.

Eu preciso de sua força, sua sabedoria, seus braços


cruzados firmemente ao meu redor. Eu só…

Preciso desesperadamente de minha mãe.

Movendo-me em um transe confuso e cheio de pesar, espio


por cima da plataforma e vejo um grupo de casacas vermelhas
reunidos na estrada que passa pela cidade.

Minha única saída é voltar por onde vim.

Quando me levanto, algo chama a atenção dos homens.


Eles se viram para saudar a abordagem de um cavalo solto.

O cavalo que roubei do marquês.

Meu peito se aperta. Perdi minha carona.

Eu perdi meu pai.

Com os soldados distraídos, encaro seu rosto e engasgo:


“Eu te amo com tudo que sou e não quero deixá-lo. Mas eu
acho...” Roubo um olhar para os casacas vermelhas. “Acho que
você ficaria com raiva se eu não fugisse agora.”

Respirando fundo em lágrimas, me forço a virar. Então


corro.

Meus pés batem na areia quente e meus braços bombeiam


com o movimento. Eu não olho para trás, não diminuo a
velocidade, não importa o quão trêmulas minhas pernas ficam.

Conchas e pedras cortam as solas dos meus pés.


Respirações difíceis queimam minha garganta seca e sedenta. A

PAM GODWIN
dor me empurra com mais força, mais rápido, e quando chego a
um trecho da costa estéril, grito.

Lágrimas escorrem pelo meu rosto e continuo correndo. A


tristeza esmagadora estrangula minhas entranhas e acelera meu
ritmo. Os músculos se dilaceram em protesto e choro mais alto,
soluçando em um poço sem fundo de dor.

Cada quilômetro é uma punição justa, o abuso em meu


corpo é um preço por minhas falhas. Ninguém merecia uma surra
mais do que eu, e absorvo essa dor até que meus ossos se dobram
na praia.

O calor do sol queima minhas costas, e levanto minha


cabeça latejante, apertando os olhos através dos emaranhados
de cabelo.

Um penhasco imponente ergue-se diante de mim e a costa


se curva para dentro, formando uma meia-lua de sessenta
passos.

A praia onde meu pai foi preso.

Rastejo para a sombra do afloramento de árvores nas


proximidades, e meus ouvidos se animam com o som de zumbido.

Enxames de moscas pairam sobre os arbustos e, quando


me aproximo, vejo pelos encharcado de sangue.

Os cães mortos do meu pai.

Com um grito nauseado, me levanto e cambaleio ao longo


da enseada na direção do seu cutelo e botas. Eu convoco apenas
energia suficiente para reunir seus pertences antes de cair na
areia.

Meu coração puxa para minha mãe, e meu desespero para


encontrá-la parece invocá-la do céu.

PAM GODWIN
Deitada de costas, olho para o penhasco e lá está ela,
flutuando na beira do precipício.

Cabelos dourados chicoteados ao redor de sua cabeça, seus


braços estendidos para o mar. Ela é uma aparição de beleza
sobrenatural, guinchando ferozmente contra o vento.

“Edddddric!” Um grito estridentemente alto quebra sua voz


enquanto ela canta seu nome repetidamente.

Ela não olha para mim, não tira sua atenção do mar.

Como ela está no céu? Voando sobre mim como um anjo?


Eu devo estar sonhando com ela.

Porque eu preciso dela.

Mas algo não parece certo.

Enrolo minhas mãos na areia, testando os grãos ásperos


contra minha pele. Eu seria capaz de sentir isso em um sonho?

Por que ela está no penhasco? Ela flutuou até lá? Ou


escalou?

O pânico toma conta do meu peito e me levanto


atrapalhada, agarrando-me aos pertences do meu pai.

Gaivotas voam e grasnam ao redor dela, e ela imita sua


forma.

“Edric, meu amor!” De braços abertos como um pássaro,


ela desce do penhasco e alça voo. “Edric!”

Seu vestido ondula ao redor dela, e o berro do seu grito


quebra com a maré. Mas, em vez de deslizar para o mar, ela
mergulha nos escombros de pedras abaixo.

Meu corpo inteiro estremece quando ela atinge as rochas.

Eu morreria por ele.

PAM GODWIN
A paralisia entorpecida se espalha por mim.

Não é real.

Meus pés me levam para frente, mas não há sensação. Nem


fôlego.

Os músculos falham e uso o cutelo como apoio,


apunhalando-o na areia e cambaleando mais perto. Mais
próximo. Até que sua forma quebrada enche minha visão.

Não sinto a rebentação me empurrando contra o penhasco


enquanto escalo as pedras lisas de musgo. O oceano está gelado
nesta época do ano, mas não consigo sentir a água que encharca
minhas roupas.

Com os dedos presos nas botas e no cutelo, chego ao lado


de minha mãe.

Ela está deitada em uma pedra com o dobro do seu


tamanho, o pescoço torcido em um ângulo não natural. Eu me
enrolo contra seu peito e toco a pele vermelha ao redor de seus
olhos abertos, limpando as lágrimas lá.

“Eu também o amava, mãe.” A agonia se desenrola em meu


peito. “Por que você me deixou? Eu preciso de você.”

Olhos azuis vidrados me olham de volta.

Ela não me vê.

Coloco as botas e o cutelo entre nós e puxo o braço dela em


volta de mim. Um fio de sangue sai de sua boca. Limpo e afundo
mais perto, enterrando meu rosto em seu pescoço.

A seda macia do seu cabelo vibra contra meus lábios


enquanto eu soluço. Seu corpo delicado parece madeira retorcida
contra mim. Eu a puxo para mais perto, endireitando suas saias,
arrumando seus membros e me agarrando a seu abraço.

PAM GODWIN
Há sofrimento suficiente que uma pessoa possa suportar
antes de quebrar. Às vezes, coisas quebradas não podem ser
recuperadas.

Meu corpo não está quebrado como o de minha mãe, mas


estou vazia do mesmo jeito. E cansada. Muito cansada.

Fechar meus olhos não é difícil. Eles se fecham por conta


própria.

Quando os abro, sou saudada pelo anoitecer.

A luz da lua brilha sobre a pele de minha mãe, dando-lhe


um brilho etéreo. Eventualmente, alguém nos encontrará e a
tirará de mim. Ou talvez os caranguejos a levem. Inclino-me para
alisar o cabelo dela e um par de botas aparece em meu campo de
visão.

Esticando o pescoço, olho para cima para encontrar


Charles Vane de pé sobre mim.

Lambo os lábios rachados e digo asperamente: “Meu pai...”

“Eu tentei resgatá-lo.” Ele se agacha ao meu lado, sua


expressão ilegível ao luar. “Eles o enforcaram ao amanhecer.
Mudaram a forca para a praia e fizeram ali mesmo para mandar
uma mensagem para nós. Sua tripulação.”

“Você estava lá?”

Ele acena com a cabeça rigidamente. “Ela também.” Ele


olha para a condessa. “Sua mãe?”

“Sim.”

“Ela chegou assim que aconteceu e...” Suas sobrancelhas


franzem enquanto olha para o topo do penhasco. “Ela surtou.”

Eu sigo seu olhar. “Levou a dor dela embora?”

“Suponho que sim.”

PAM GODWIN
“Este dia tirou tudo de mim. Tudo que amava. Tudo que eu
tinha.” Estudo a face rochosa do penhasco, me perguntando se
tenho forças para escalá-lo.

“Não tudo.” Ele se inclina sobre mim e pega o corpo de


minha mãe da rocha. “Não consegui salvar o Capitão Sharp, mas
posso salvar você.”

Enquanto ele se afasta com ela, pondero suas palavras com


uma mente lenta. Eu quero ser salva? O que restou para salvar?

Momentos depois, ele volta e me ergue em seus braços.


Nunca me senti tão fraca e sem vida. Eu nem tenho vontade de
lutar enquanto ele me carrega para o mar.

Os músculos flexionam debaixo de mim enquanto ele me


abaixa em um barco pequeno. As botas e o cutelo do meu pai se
juntam a mim.

E eu não estou sozinha.

Dois cadáveres jazem aos meus pés, e vê-los juntos dá vida


ao meu coração.

“Como?” Eu rastejo em direção aos meus pais e agarro suas


mãos frias, entrelaçando seus dedos no aperto dos meus.

“Eu roubei o corpo dele da forca.” Ele sobe no barco atrás


de mim. “O Capitão Sharp merece um enterro no mar.”

“Obrigada.” Deito-me ao lado deles e passo meus braços em


volta do peito do meu pai. “O que vai acontecer comigo?”

“Isso é contigo.” Ele enfia os remos na água negra e


empurra para o mar. “Jade é seu. O capitão foi muito claro nesse
ponto na noite em que o levou.”

“Tenho apenas quatorze anos.”

“Eu vou comandá-lo até que você ganhe a confiança da


tripulação.” Ele inclina a cabeça, me estudando. “Eu era mais

PAM GODWIN
jovem do que você, órfão como você, quando escolhi esta vida.
Não me arrependo.”

“Eu sou uma garota.” Uma garota quebrada e vazia. Aperto


minha mão em torno dos dedos entrelaçados de meus pais. “A
tripulação não vai me aceitar sem meu pai.”

“Não lhes dê escolha.” Seu olhar voa sobre mim e um


sorriso toca o canto de sua boca. “Eu vi um fogo destemido
queimando dentro de você ontem. Pegue isso de volta, Bennett, e
nada ficará em seu caminho.”

Eu sinto. Uma faísca de algo sob o peso frio e pesado da


dor.

Algo pelo qual viver.

Minha mão cai para a bússola que pende de minha cintura.

Quando estiver pronta, você irá segui-la e reivindicar o que


é seu por direito.

Fecho meus olhos e choro.

PAM GODWIN
SEIS

Março de 1721
Port Royal, Kingston Harbor Jamaica

Sete anos se passaram desde que perdi meus pais. Eu


ainda sinto isso, a profunda dor roendo os tormentos de minha
alma. Eu tentei me soltar, tentei como o inferno fingir que o dano
não estava lá. Agarrado.

Especialmente esta noite.

O manto do crepúsculo me envolve em desolação enquanto


estou diante de outro cadáver pendurado por um laço.

Outro bucaneiro.

Outro grande homem foi arrancado da minha vida.

Um dia, posso encontrar o cabresto de cânhamo em volta


do meu pescoço. Piratas nunca morrem em suas camas. Mas hoje
não foi o meu dia.

Um lembrete de que não deveria estar aqui.

Estou fugindo desde os quatorze anos, olhando


constantemente por cima do ombro. Mesmo agora, inclino

PAM GODWIN
sutilmente minha cabeça, sondando os becos vazios ao meu
redor, meus sentidos em alerta para a única coisa que não posso
fugir para sempre.

A Morte.

Meus aspirantes a ceifeiros vieram em muitas formas. Os


caçadores de piratas buscavam a recompensa que minha captura
lhes daria. Os oficiais da marinha desejavam os elogios de
derrubar a filha pirata do capitão Edric Sharp. Os piratas
inimigos e outros criminosos queriam me eliminar como
competidor. E havia outros, um em particular, que me caça com
foco obstinado, determinado a recuperar o que perdeu.

Ele é o mais perigoso de todos.

Minha presença na Jamaica é um risco. Mas eu tinha que


vir, mesmo sabendo que chegaria tarde demais.

Quando soube da captura de Charles Vane, estava a uma


semana de viagem de distância.

Cheguei três dias depois que ele foi enforcado.

E ele ainda está pendurado.

Cubro meu nariz contra o fedor e me ordeno a não chorar.


Eu não exponho esse tipo de fraqueza há muito tempo.

Charles me viu no meu ponto mais baixo. Um deles, pelo


menos. Na noite em que ele pegou os corpos dos meus pais e me
levou para longe de Carolina, começamos uma amizade que
sobreviveu a batalhas e doenças, vitórias e perdas, tempo e
distância.

E agora a morte.

Eu devo minha vida a ele. Uma dívida que nunca serei


capaz de pagar.

PAM GODWIN
Minha mão trêmula vai para a pedra de jade que pende da
gargantilha de couro em volta do meu pescoço, uma das poucas
coisas que guardo desde a infância. Eu perdi muito nos últimos
sete anos e sorri tão pouco.

Assim como minha mãe.

Mas, ao contrário dela, meu sonho sempre foi viver em um


navio. Eu consegui isso e lutei todos os dias para mantê-lo. Jade
pertence a mim, e luto com ela sob meu comando com uma
ferocidade que deixaria meu pai orgulhoso. Eu amo a vida que
escolhi, anseio pelo balanço sob meus pés mesmo agora, mas não
é fácil.

Eu cometi muitos erros, um dos quais deixou um buraco


terrível no meu coração.

As sombras se agitam na minha periferia e um pirata bem


musculoso se aproxima do meu lado. Não fazemos contato visual
quando ele faz uma pausa para ver o corpo com uma quantidade
respeitável de espaço entre nós.

Ele é muito mais alto do que eu, forte e magro, com uma
intimidação vibrante. Seu cabelo castanho cortado nos lados,
deixa uma faixa de comprimento desgrenhado da ponta da testa
à base do crânio. Anéis de ouro cobrem sua orelha e um queixo
quadrado destaca sua boca dura.

Tão perversamente atraente quanto cruel, ele


provavelmente pode me comer com uma mordida.

Eu confio nele com minha vida.

Reynolds não é apenas meu contramestre e segundo em


comando. Ele é um dos meus amigos mais próximos.

“Devemos ir, capitã”, ele diz em voz baixa. “Uma senhora


de sua posição não demoraria em Gallows Point após o
anoitecer.”

PAM GODWIN
“Eu nunca disse ser uma senhora.” Corro a mão sobre o
corpete do meu disfarce.

Já que não posso entrar em portos movimentados vestida


como uma pirata, tive que trocar minha calça e armas por uma
aparência que é mais facilmente esquecida.

Passei minha adolescência vestida com roupas de menino,


com meu cabelo cortado até as orelhas. Então meu quadril se
curvou e meu peito se expandiu, deixando-me pouca escolha a
não ser vestir os sufocantes dispositivos de tortura que as
mulheres preferem.

Faz muito tempo que eu não prendo minha juba selvagem


e uso o pseudônimo de uma senhora respeitável. Esqueci o
quanto odeio.

“Pareço uma pera cozida ao sol e recheada de cetim


encolhido.” Puxo o busto do vestido cinza, me sentindo presa e
miserável. “Você não concorda?”

Ele não me dá atenção. “Eu prefiro não dizer.”

“Por que não? Você não é do tipo que segura a língua.”

“Você está com um humor fervente.” Seus olhos castanhos


disparam sobre o perímetro. “Causar uma cena não é meu
objetivo atualmente.”

“Você se preocupa como uma empregada doméstica.”

“Apodreça no inferno.”

“Algum dia eu irei. Mas...”

“Hoje não é o seu dia”, ele diz, terminando meu lema


favorito.

Vozes surgem de um beco próximo, seguido por passos.

PAM GODWIN
Reynolds desaparece nas sombras enquanto um casal
elegantemente vestido passa vagarosamente, abrindo caminho ao
redor do cadáver em decomposição.

Quando eles desaparecem além da esquina, Reynolds volta


para o meu lado. “Preste homenagem ao capitão Vane para que
possamos reunir a tripulação. Quanto mais rápido ancorarmos,
melhor.”

Ele recua novamente, misturando-se à escuridão.

Com seu olhar sempre vigilante nas minhas costas, solto


um suspiro e dou um passo em direção à plataforma de madeira.

Outra onda de pedestres passa e inclino minha cabeça,


escondendo meu rosto até que eles se afastam, aparentemente
impassível pelo pirata morto pendurado acima deles.

Meu coração dói.

Deslizando a mão pela fenda discreta do vestido, acesso o


bolso oculto da penumbra e acaricio a superfície polida da
bússola de meu pai. Um mapa, ele chamava. Um que eu ainda
não desbloqueei.

Charles e eu passamos alguns anos tentando abrir o


instrumento. Ele finalmente desistiu e nós nos separamos. Mas
sempre conseguimos nos encontrar. Fosse no mar ou em uma
taverna, trocávamos histórias e nos reconectávamos tomando
canecas de estanho. Ele nunca perdeu a oportunidade de me
provocar sobre o tesouro inatingível de meu pai.

“Ainda estou procurando a chave”, sussurro baixo demais


para os ouvidos de Reynold. “Aposto que você está rindo de mim
do seu trono no inferno, seu patife engraçado e mesquinho.”

Espero pela resposta espirituosa de Charles, mas ela nunca


vem.

PAM GODWIN
Levantando meus olhos, flexiono minhas mãos contra o
início de uma emoção paralisante.

O cabelo escuro encharcado de sangue cai do topo até o


peito, seu rosto inchado e agarrado ao que antes era uma
estrutura óssea diabolicamente bonita. Roupas esfarrapadas
pendem de peles apodrecidas, que servem de alimentação para
moscas e vermes.

As lágrimas se acumulam em minha garganta e eu as


engulo, transformando minha dor no temperamento que me
manteve viva todos esses anos.

“Maldito seja, Charles.” Minhas bochechas queimam e


minhas unhas arranham minhas palmas. “Você parece a popa
pustulosa de um cachorro doente. É isto o que você queria? Para
ficar em exibição como um maldito mártir pirata?” Bato o punho
na plataforma, liberando a raiva em minha voz. “Eu deveria ter
mantido você na minha cama. Se fosse a morte que você queria,
eu mesmo teria te enviado lá, firme e duro, com um sorriso no
rosto!”

“É o bastante.” Reynolds passa o braço pela minha cintura


e me arrasta para uma alcova escura. “O que, por favor, diga, foi
tudo isso?”

“Nós nunca trocamos despedidas.” Eu o empurro e me


recomponho. “Trocamos insultos.”

Ele se inclina em volta de mim, examina a estrada


silenciosa que passa por Gallows Point e volta. “Você e Charles
Vane foram amantes?”

“Não amantes. Eu dei a ele minha virgindade. Ele foi um


cavalheiro sobre isso. Esperei até ter dezesseis anos antes dele
me desnudar da proa à popa e me fazer sangrar.”

Seus olhos endurecem e um músculo pulsa em sua


mandíbula.

PAM GODWIN
“Não se ofenda por minha causa.” Dou um tapinha em seu
braço rígido. “Eu gostei muito e continuamos queridos amigos
depois.”

“Amigos, você diz?” Ele pigarreia. “Mesmo quando você


tirou Jade dele?”

“É meu navio, Reynolds. Quando meu pai morreu, eu tinha


apenas quatorze anos e precisava que Charles o comandasse.
Mas mesmo assim, é meu navio. Até o dia em que afundar. Não
importa quem o comanda.”

“Devemos voltar para ele agora.”

Com um aceno de cabeça, saio da alcova e vou em direção


à taverna na orla de Port Royal. Minha fiel tripulação de canalhas
estará provocando travessuras com suas barrigas nadando em
cerveja.

Reynolds se arrasta à distância para não chamar atenção


para mim. Não é Boston ou Santo Agostinho, onde as ruas
transbordam de soldados ingleses. Mas o governador da Jamaica
é conhecido por seu terror contra minha espécie. Seus homens
caçam e enforcam piratas com entusiasmo implacável.

À frente, a luz se espalha de uma porta aberta, iluminando


a estrada de terra entre os prédios. Risos ruidosos e o som
desafinado de um piano anunciam a alegria dos clientes que
bebem muito.

Eu me mantenho nas sombras mais profundas e deslizo


atrás de uma carroça que está do outro lado da rua da taverna.
Olho em volta dos sacos de grãos, tenho uma visão direta da
atividade dentro.

A estrutura tem um andar e meio de altura, com quartos


no andar superior. O nível do solo conecta-se aos prédios de
ambos os lados e serve como pousada, posto comercial, tribunal
e correio.

PAM GODWIN
Mas esta noite, seu único propósito é entretenimento.

Os clientes gritam, e as prostitutas da taverna gritam de


volta, derramando litros de cerveja e trocando moedas. As mesas
transbordam de todo tipo de vida livre, de lordes e marinheiros
da marinha a canalhas e cadelas.

Marco os rostos familiares de minha equipe. A maioria


deles bagunçados e malcuidados, eles se aglomeram ao redor do
bar e atacam as cortesãs como uma legião de demônios
sorridentes, arrotando e falando grosseiramente.

Um sorriso aparece no canto da minha boca. Eu os mantive


no mar por muito tempo. Seis meses neste último trecho. Eles
precisam disso. Eles merecem.

Eu também.

Do meu esconderijo do outro lado da rua, vários estranhos


chamam minha atenção. Jovens rudes e viris, que passariam
ansiosamente algumas horas de suor com uma mulher vestida
de maneira extravagante.

Olho para baixo para a pele arredondada que ameaça


derramar sobre meu corpete. Talvez eu seja bonita o suficiente,
mas não sei nada como flertar ou seduzir. Já faz dois anos desde
que tentei.

Dois anos desde que fui beijada, tocada ou levada ao auge


do prazer por uma mão habilidosa.

A última vez que sucumbi ao feitiço do charme de um


homem, acabou em uma agonia devastadora. Uma tragédia que
eu deveria ter evitado, mas agora creditada como uma lição de
vida necessária. A próxima vez que eu cair na cama de alguém,
não importa o quão inteligente, potente ou irresistivelmente
bonito ele seja, não envolverei meu coração. Nunca mais.

PAM GODWIN
Um marinheiro loiro entra na minha linha de visão,
demorando-se dentro da taverna. Seus olhos brilham à luz das
velas enquanto ele observa a multidão e toma um gole de sua
bebida. Há uma inocência nele, uma curiosidade inofensiva em
sua expressão. Talvez seja fácil foder com ele sem recuo ou apego
depois.

Passos avançam e Reynolds aparece ao meu lado,


esquivando-se com seu corpo alto atrás da carroça.

“Seus companheiros de tripulação estão se divertindo.” Eu


mantenho meu olhar no homem loiro, imaginando a sensação de
seu corpo magro se movendo contra o meu. “Deveríamos ficar
mais algumas horas. Eu poderia tomar uma bebida.” E ir a um
canto escuro com um marinheiro atraente.

“Seu pescoço está corado, capitã.”

Coloco minha mão lá e cerro meus dentes.

“Eu sei o que acena para você, e não é cerveja.” Sua voz
baixa, hesitante, mas assertiva. “Eu ajudaria você com isso.
Poderíamos voltar para o navio, içá-lo às velas e eu iria à sua
cabine e forneceria o que você precisa. É mais seguro do que o
que está considerando aqui, com um estranho.”

“Agradeço sua preocupação...”

“Você não é a única que fica sem. Já faz muito tempo desde
que me entreguei aos favores de uma mulher.”

Porque ele nunca sai do meu lado.

Idiota superprotetor.

Contramestre excepcional.

“Vá se deliciar, então.” Faço um gesto em direção à taverna.


“Eu não estou impedindo você.”

“Não vou deixar você aqui desprotegida.”

PAM GODWIN
Expulso um suspiro. “O que você precisa? Cinco minutos?
Dez? Se já faz tanto tempo quanto você diz...”

“Com você, eu tomaria meu tempo e provocaria. Cada


lambida.” Seus olhos permanecem fixos no perímetro, mesmo
quando sua voz se transforma. “Cada mordida. Cada golpe. Eu
faria durar muito depois de oito sinos do meio da vigília.”

Calor passa por mim, despertando um arrepio em minhas


coxas. É potente o suficiente para silenciar a objeção em meus
lábios, para me fazer parar e realmente considerar sua oferta.

Envolver-me com um contramestre não é a pior ideia. Eu


era o primeiro imediato de Charles Vane quando ele se deitou
comigo. Poderia dar a Reynolds a mesma coisa que dei a Charles.
Algumas horas felizes. Nada mais.

Mas meu contramestre não é feito do mesmo tecido que


Charles. A intimidade o tornará possessivo e ainda mais apegado
do que já é. Eu não consigo suportar isso, e não apenas porque
sou emocionalmente incapaz de retribuir. Nossa amizade é
complicada por motivos que nenhum de nós está disposto a
discutir.

“A resposta é não e você sabe por quê.” Balanço a cabeça


para a taverna. “Há algumas senhoras elegantes lá esperando
para serem corrompidas por um canalha sedutor. Enquanto você
está fazendo isso, vou encontrar um lugar tranquilo para sentar.
A tripulação ficará de olho.”

Não espero por uma resposta enquanto contorno a carroça


e entro na taverna.

O aroma de cerveja e tabaco provoca meu nariz e a


cacofonia de vozes bêbadas sufoca meus pensamentos. A
multidão amontoa-se ao meu redor, ombro a ombro, e minha
estatura mais baixa do que a média torna mais fácil deslizar entre
os corpos sem ser notada.

PAM GODWIN
Com uma espiada por cima do ombro, localizo Reynolds.
Ele é mais alto do que o homem mais alto, a mecha rebelde de
cabelo em sua cabeça é identificável sobre as massas enquanto
caminha em direção ao bar.

Eu me movo na direção oposta, mantendo meu queixo


abaixado e os sentidos aguçados. As roupas são os melhores
indicadores de problemas. Evito aglomerados de uniformes e
gravito em direção a vestidos semelhantes aos meus,
misturando-me com as esposas de cavalheiros sedentos.

Por fim, abro caminho pela taverna e me sinto


razoavelmente confiante de que ninguém me reconheceu. Em
meio a uma manada de clientes bem-vestidos, ouço conversas
enfadonhas sobre a política inglesa e as desgraças da viagem
marítima.

Assim que começo a relaxar, uma sensação sinistra passa


por mim. Minhas omoplatas se contraem. Um frio febril banha
minhas costas e os pelos dos meus braços se arrepiam.

“Encontrei você.” O ronronar sombrio raspa contra minha


nuca e alcança a parte mais negra da minha alma.

Aquele sotaque galês e arrepiante assombra meus sonhos


por dois anos.

Um medo gelado percorre minha espinha e giro, batendo


nas cadeiras ocupadas em uma mesa próxima.

“Perdoe-me,” murmuro e me afasto dos olhares,


procurando na multidão pelo dono daquela voz.

Minha pulsação dispara em minhas veias enquanto


examino cada rosto, avançando pela multidão, ouvindo por ele e
perdendo a cabeça.

Devo tê-lo conjurado por paranoia. Ele não pode ter me


encontrado. Como ele saberia que eu estou na Jamaica?

PAM GODWIN
Uma rajada de compreensão sai de meus pulmões.

Todo pirata vivo sabe sobre a captura de Charles Vane, e o


pirata que eu mais odeio sabe exatamente o que Charles
significava para mim.

Uma náusea, como nunca senti no mar, percorre meu


corpo. A urgência move minhas pernas. Empurro a mão contra
meu abdômen e sigo em direção à saída.

Então eu o vejo.

No canto escuro da taverna está esparramado o rei dos


libertinos. Seu rosto se afasta, mas eu conheço aquela língua
bifurcada. Acariciou cada centímetro da minha pele sob um véu
de mentiras, promessas sussurradas que se enrolaram ao redor
do meu coração e me esmagaram pedaço por pedaço.

Priest Farrell.

Notoriamente conhecido como o Feral Priest, seu apelido é


sussurrado com mais medo e reverência do que aqueles que
governaram os mares com meu pai.

Não posso ver sua expressão, mas aquele perfil está


gravado permanentemente na memória. Nariz reto, mandíbula
forte e cílios escuros sobre cativantes olhos cinzentos que podem
perfurar os lugares mais profundos e privados do ser de uma
mulher.

Ele tem uma leve barba por fazer no rosto e nas laterais da
cabeça. Cordas de contas, tranças finas e longos cachos
retorcidos se entrelaçam na juba sedosa de cabelo castanho no
topo, tudo raspado para trás em uma bela cauda.

Seu nome de batismo, Priest, não é o que implica. Cercado


por mulheres vestidas de forma obscena, ele é tão ímpio e
libertino quanto as cadelas que colocam seus seios em seus
ombros.

PAM GODWIN
Com um único olhar, ele pode deixar uma senhora
adequada e temente a Deus molhada entre suas coxas. Seu
temperamento anticristão é insignificante quando uma mulher
fixa seu olhar nele. Não há homem vivo que possa competir com
a musculatura robusta do seu físico ou a masculinidade
perfeitamente esculpida que molda suas feições. Ele irradia uma
beleza divina, e sabe disso.

Quando eu me apaixonei por ele, aconteceu de forma


intensa e rápida. Estava tão fraca na época quanto agora. Doeu
fisicamente estar tão perto dele.

Com a respiração presa na garganta, recuo na multidão até


que a pressão de corpos engolfa minha visão. O medo governa
meu ritmo cardíaco e a autopreservação me mantem em
movimento.

Incontáveis homens procuraram me capturar, mas a


perseguição de Priest é pessoal.

Ele está me caçando há dois anos.

Meu pulso dispara enquanto corro para a saída. A poucos


passos da porta, avisto meu mestre de artilharia, Chops, que
recebeu o nome por causa das costeletas cheias que engolem seu
rosto estreito.

Passo por ele, parando por tempo suficiente para


sussurrar: "Estamos lançando âncora. Reúna os outros ou irei
embora sem eles. Onde está Reynolds?”

“Lá fora.” Ele se levanta da cadeira sem questionar,


respondendo ao meu comando urgente, assim como faria no
navio.

Corro porta afora e encontro Reynolds encostado no prédio


com os lábios presos ao pescoço de uma linda garota loira.

Maldito seja, meu timing é horrível.

PAM GODWIN
Ele ergue o olhar, sentindo-me instantaneamente.

“Ele está aqui”, murmuro e saio.

Eu não preciso elaborar. As batidas de seus passos me


acompanham pela cidade, passando pelas barracas na praia e
descendo o longo trecho do cais.

“Ele viu você?” Ele agarra meu braço, parando-me no


primeiro bote.

Encontrei você.

“Sim.” Com um arrepio, olho para o mar escuro, desejando


poder ver Jade no horizonte negro. “Ele está brincando comigo.”

Ele solta meu braço e se vira em direção à costa iluminada


pela lua. “Vou matá-lo.”

“Não.” Meu peito se aperta. “Meu decreto sobre isso não


mudou.”

Não importa o quanto eu deteste Priest, não sobreviverei à


sua morte.

“Muito bem.” Ele desamarra as cordas do barco. “Entre.


Não vamos esperar pela tripulação. Eles podem amontoar-se no
segundo bote quando alcançarem.”

Minhas mãos tremem enquanto bato em meus bolsos


ocultos. Meus dedos encontram o cabo da minha adaga, mas meu
outro bolso está vazio.

Vazio. Vazio. Vazio.

Um suspiro estrangulado sai do meu peito. “Minha


bússola. Desapareceu.”

“Sangue de Deus, Bennett. Como?”

Ele sabe que pertencia ao meu pai e que eu a valorizo acima


de tudo. Mas ele não sabe que é o único mapa existente que leva

PAM GODWIN
ao infame tesouro de Edric Sharp. Eu só disse a duas pessoas.
Charles está morto, e sobra...

“Priest.” Meu estômago revira. “Na taverna, ele se


aproximou sorrateiramente de mim por trás. Ele deve ter pego
então.”

“Vamos embora sem isso.” Reynolds agarra minha cintura


e move-se para me colocar no barco.

“Não!” Empurro para trás e fixo meus pés no cais. “Solte-


me!”

Ele puxa as mãos para trás com um grunhido. “Eu fui longe
demais.”

“Sim, você...”

Passos soam atrás de mim, o som de um único par de botas


se aproximando da costa.

Gotas de suor escorrem entre meus seios e se juntam sob


o espartilho. Eu conheço aquele andar preguiçoso e arrogante.
Eu temia isso.

Reynolds também.

“Entre no barco.” Ele remove o cutelo da faixa em seu


quadril. “Por favor, capitã.”

Preso na praia, seus olhos confirmam quem está chegando,


e uma guerra trava em sua expressão selvagem.

“Não vou embora sem minha bússola.” Empurrando meus


ombros para trás, aprumo minha coluna e me viro para enfrentar
meu maior erro.

A alguns passos de distância, o pirata encosta-se a um


poste de madeira. Seu polegar engancha casualmente nas tiras
de couro que envolvem seu quadril. Sua outra mão pendurada ao
seu lado, balança minha bússola pela corrente.

PAM GODWIN
O rancor luta contra o desejo. O desprezo colide com a
tristeza, minha indignação se curva sob a atração banal e
indefesa que sempre senti por ele.

Sua calça marrom se ajusta a ele como uma luva, os fios


moldando-se ao redor das coxas poderosas e a protuberância
considerável de sua virilha. Sua camisa solta enfiada em vários
cintos na cintura e amarrada no peito para abrir no pescoço. Um
pescoço forte, coberto de pele e tendões.

Engulo em seco, meu corpo inteiro pulsando com uma dor


indesejada enquanto meu olhar se ergue para o dele.

Olhos brilhando como aço polido brilham para mim. A luz


da lua projeta seus traços proeminentes em relevo total, testa
tensa, maçãs do rosto definidas, nariz perfeito, lábios carnudos,
deixando o resto de seu rosto na sombra. A severa linha reta de
sua boca amplia a intensidade de sua expressão.

Ele está furioso. Fervendo com dois anos de ira ardente e


não resolvida. Meu coração morre mil mortes antes de eu
encontrar minha voz. “Priest.”

“Bennett, meu amor.” Ele derrama o carinho no ar, cada


sílaba com um rosnado vicioso de tormento. “Como senti falta da
minha linda e irritante esposa.”

PAM GODWIN
SETE

Três anos atrás, um pirata confiante, sexualmente


carregado e incomumente bonito entrou em meu navio. Mal sabia
eu, seus pecaminosos olhos cinza e boca traidora torceriam todo
o meu mundo para o lado errado.

Priest se juntou à minha equipe com Reynolds, que estava


procurando trabalho. Mas Priest tinha uma agenda diferente.

Ele estava à espreita para sua próxima conquista.

Dentro de quinze dias, eu me encontrei presa sob suas


estocadas em minha cabine, gritando, me contorcendo, delirando
nas dores da união mais profunda, erótica e emocionalmente
penetrante de minha vida.

A magia crua e desinibida que senti com ele não era


unilateral. Emaranhados em membros suados, desnudados até
a pele e ainda mais fundo, profundo o suficiente para expor
nossos corações, estávamos enterrados tão profundamente um
dentro do outro que não haveria desvendamento.

O que começou como uma explosão imparável de paixão


transformou-se em algo fundamental, essencial e muito mais.

Nós ficamos viciados um no outro. Insaciáveis.


Inseparáveis. Não podíamos manter nossas roupas, nossas mãos

PAM GODWIN
para nós mesmos ou nossos corações fechados. Aconteceu tão de
repente que nos derrubou e nos mudou fundamentalmente.

Quão rápido confiei nele com meus segredos e meu futuro.


Ainda mais chocante foi a intensidade inebriante com que o
hedonista rei dos libertinos retribuiu meu amor. Era amplamente
conhecido que seu pau esteve sob mais saias do que a agulha de
uma costureira.

Mas nenhuma vez tentei prendê-lo ou amarrá-lo com o


casamento. Ele foi quem exigiu compromisso e monogamia
enquanto renunciava a seu estilo de vida esbanjador.

Eu só quero você, ele dizia. Só você.

Acreditei nele, feliz e cega.

Um ano depois de nos conhecermos, tornamos isso oficial


e trocamos votos matrimoniais a bordo do Jade.

Já que meu amor por ele era minha maior


responsabilidade, mantivemos nosso casamento escondido. Além
de Reynolds e alguns outros membros leais da minha tripulação,
ninguém sabia.

Em Charleston, sou Benedicta Leighton, neta do nono


conde Leighton.

Em todos os outros lugares, sou Bennett Sharp, filha do


notório pirata Edric Sharp.

A única pessoa viva que sabe que Benedicta e Bennett são


a mesma pessoa é meu marido.

Ele sabe tudo sobre mim.

Cada.

Vulnerável.

Fraqueza.

PAM GODWIN
Expor nosso relacionamento nos tornaria suscetíveis.
Antes e agora. Não importa que eu não olhe mais para Priest
através das lentes do amor cego. Se ele for capturado por um
inimigo e torturado como meio de me controlar, eu me renderia a
qualquer exigência.

Patético, não é? Ele me machucou da pior maneira


possível, e eu ainda trocaria minha vida pela dele.

Ainda mais patético, cheguei ao ponto de alterar os artigos


redigidos para minha tripulação a bordo do Jade para incluir: Se
qualquer homem ferir Priest Farrell, seja em agressão ou defesa,
esse homem será morto ou fuzilado.

Mantenho esse código até hoje. Se ele morrer, não será sob
minha supervisão. Eu o protegerei a todo custo.

Houve um tempo em que eu tinha certeza de que ele


morreria por mim também. Mas isso foi antes.

Antes que ele me traísse.

“Você quebrou nosso acordo?” Uma picada quente de


ressentimento dói na base da minha garganta. “Quantos sabem
que somos casados?”

“Eu não disse a ninguém. Mas eu teria anunciado para o


mundo se tivesse ajudado na minha busca por você.” Ele coloca
a bússola em um giro preguiçoso na corrente, me provocando
com isso. “Acontece que eu só tive que esperar que Charles Vane
fosse enforcado.”

Meu peito se aperta. “Vá para o inferno.”

“Estou lá desde o dia em que você me deixou em Nassau.”


Sua expressão se contorce de fúria enquanto ele estende os
braços. “Eu não tenho mais nada, meu amor. Você deve saber
que esgotei todos os recursos à minha disposição, moedas na
bolsa e respiração lasciva em meu corpo perseguindo você.”

PAM GODWIN
A culpa irracional tenta vir à tona, mas a empurro para
baixo. “E quanto à respiração que gotejava no peito das garotas
de taverna? Foram para mim também?”

“Sim.”

“Você é um mentiroso desprezível. O maior canalha de


todos.”

“Você está brava.” Seus olhos prateados brilham ao luar.


“Você não está sozinha nisso.”

Reynolds permanece quieto e vigilante ao meu lado. Ele vai


me proteger com sua vida, mas não pode me proteger do Priest.
O dano que meu marido me infligiu nunca foi entregue com aço
ou pólvora.

“Acabe com esse casamento.” Endireito minha coluna.


“Deixe-me ir, e você pode ter a bússola.”

Não quero dizer isso. Abrir mão do presente do meu pai


será pior do que perder um membro. Eu não desistirei sem lutar.

“Já tenho a bússola.” Ele gira o instrumento ao lado de sua


perna. “Quanto a você, sou incapaz de desistir.”

No instante em que ouvi sua cadência galesa na taverna,


soube que chegaria a esse ponto. Ele me quer por razões que eu
não consigo entender, mas nenhuma dessas razões importa. Não
depois do que fez comigo.

Fugir dele por dois anos foi pura sorte, e agora minha sorte
se esgotou. A única maneira de escapar dele é matá-lo.

Poderia muito bem enfiar uma espada em meu próprio


coração.

Eu não posso fazer isso.

Seu olhar permanece no meu, e em algum lugar naquela


carranca cruel, ele sabe.

PAM GODWIN
Ele sabe que eu ainda o amo.

Mas se pensa que podemos continuar de onde paramos,


está fora de si. Ele pensa que depois das mentiras e da
infidelidade, eu o perdoaria graciosamente? Que o receberia de
volta na minha cama?

Como se ele desse a mínima para o que eu quero. Priest


Farrell tomou, saqueou e atacou para seu próprio prazer. Ele é
um pirata de sangue frio que age sem restrição moral ou
consciência, especialmente quando se trata de seus desejos
primitivos.

“Onde está seu navio?” Olho para a costa atrás dele, sem
surpresa por encontrá-lo sozinho. “Sem tripulação?”

“Eu os liberei esta manhã quando localizei você. Dei a eles


o navio como presente de despedida.”

Um medo frio e silencioso enche meu estômago,


solidificando o que eu já tinha imaginado.

Ele tem toda a intenção de vir comigo. E por que não? Sua
lealdade não depende de ninguém e de nada. Ele é um lobo do
mar solitário, saltando de navio em navio roubado, apreendendo
e descartando sem apego às tripulações ou aos navios que
capturou.

Ele pretende me tratar com a mesma insensibilidade.

De novo.

“Devolva a bússola.” Estendo minha mão, sabendo muito


bem que ele não entregará seu único seguro.

“Não até que estejamos a bordo do Jade.” Sua boca se curva


no canto, e sua língua pega o vinco com uma lambida provocante,
enquanto seu olhar desce para o corpete do meu vestido. “Assim
que eu remover essa farsa espalhafatosa do seu corpo com meus

PAM GODWIN
dentes, irei me familiarizar novamente com o que legalmente me
pertence. Então vou devolver sua preciosa bússola.”

Meus mamilos endurecem em memória do seu toque


fastidioso, meu pulso vibra com raiva na minha garganta. “O
diabo vai buscar você, seu desgraçado infiel e podre.”

“Seu temperamento ainda me deixa duro.” A escuridão


aveludada de sua voz se enrola sob minha raiva. “Nem um
centímetro de sua pele acetinada ficará sem marcas antes que eu
esteja profundamente dentro de você novamente.”

Reynolds salta na minha frente e estende o cutelo. “Você


perdeu o privilégio de tocá-la.”

“Cuidado, Reynolds.” Priest tira uma adaga do cinto e com


ela arranha uma unha. “Eu odiaria matar você. Você é como um
irmão para mim.”

“Eu sou seu irmão, seu maldito idiota.”

“Pela metade. Deus sabe que tenho o suficiente para encher


um navio.”

“Porque sua mãe era uma prostituta com feridas de sífilis


penduradas em seus lábios esticados.”

Priest fecha os olhos e fica sobrenaturalmente imóvel. O ar


estala na respiração seguinte e eles investem ao mesmo tempo.
Mas eu estava preparada para isso, já pulando entre eles com
meus braços estendidos.

“Já chega.” Com uma mão em cada peito duro como


mármore, eu os empurro para longe. “Pelo que sei, suas mães
eram prostitutas, e seu pai não era melhor, visto que ele tentou
matar seus únicos filhos.”

“Só porquê...” Reynolds se afasta do meu toque.


“...estávamos pirateando o navio dele.”

PAM GODWIN
Roubando do próprio pai. Foi ideia do Priest, e Reynolds e
eu concordamos com isso. Quase perdi os dois naquele dia, mas
no final, a batalha virou a nosso favor. Foi na minha espada que
o pai deles caiu.

“Eu salvei os dois, lembra?” Eu os empurro para mais


longe, mantendo um olho em Priest, enquanto minha mão se
enreda nos laços de sua camisa.

Eu deveria ter me afastado, mas já faz muito tempo. Dois


anos ou mais. Sinto essa separação nas pontas dos meus dedos
enquanto eles deslizam através de cristas familiares de músculos
quentes, aquecendo-se em sua força masculina. Temendo isso.

Suas narinas se alargam e ele se inclina, empurrando


minha palma, testando minha coragem.

Na escuridão da noite, meus sentidos procuram o ritmo de


seu coração, que bate tão furiosamente quanto o meu. “Não se
aproxime.”

Um toque será minha ruína. Eu mal consigo respirar em


sua presença.

Sua mandíbula flexiona e a lacuna solitária entre nós


aumentou com anos de desprezo e desconfiança. Se eu o deixar
entrar em meu navio, em minha cabine, cortejaria um resultado
angustiante. Ele pegaria o que resta da minha determinação,
minha dignidade, até que não houvesse mais nada que valesse a
pena salvar.

A menos que eu vire o jogo e lhe dê uma dose do seu próprio


engano.

Relaxo meus dedos em sua camisa e o deixo pressionar


meu espaço. Ele não hesita em se aglomerar, baixando a cabeça
e colocando suas palavras contra minha garganta.

PAM GODWIN
“Nós precisamos ir.” Ele morde meu pescoço, seus dentes
afundando rápida e profundamente, me fazendo choramingar.
“Temos companhia.”

Eu recuo, batendo a mão sobre a dor enquanto procuro no


cais atrás dele.

Com certeza, silhuetas emergem das sombras na costa e


caminham em nossa direção. O luar ilumina seus uniformes e
meu pulso dispara.

Priest e eu somos procurados por assassinato e pirataria,


seremos enforcados se aqueles homens nos reconhecerem. Priest
não está nem disfarçado, mas seu rosto não mostra nenhum
traço de preocupação. Pelo contrário, o abismo em seus olhos
promete matar qualquer um que tente interferir em seus planos
para mim.

Giro em direção ao bote, mantendo a bússola na minha


visão. Ficar viva é mais importante do que uma bugiganga
sentimental, mas preciso desesperadamente de ambos.

Enquanto Priest se move para pular para dentro do barco,


eu bato na bússola. Ele pega meu pulso, me puxa contra seu
corpo sólido e para baixo com ele.

Aterrissamos contra a popa, e minha descida carece de


toda a graça dele. Tropeço para trás, bloqueando teimosamente
sua tentativa de me pegar. Minha bunda bate no banco do meio
e meus pés sobem, dando a ele uma visão indecente sob minhas
saias.

Inferno!

Colocando-me freneticamente em ordem, espero por um


comentário desrespeitoso. Felizmente, ele me poupa disso, mas
não há como escapar de seu olhar ardente.

PAM GODWIN
Aqueles olhos de bronze encapuzados sabem como seduzir
uma mulher sem palavras, dar-lhe prazer sem tocar e fazê-la se
sentir como o centro de todo o seu universo. Ele faz tudo isso
agora. Com um olhar de milissegundo.

Meu sangue bate forte e minhas entranhas estremecem


enquanto a fome espirala dentro de mim, tornando impossível me
concentrar, planejar, raciocinar, apenas para desejar o êxtase
que sei que ele pode me dar.

Mas eu não sou sua única.

Quantas mulheres ele fodeu nos últimos dois anos?


Quantas vezes ofegou eu te amo no ouvido de outra pessoa?

Maldito seja ele, doeu. A dor não tem fim, apodrecendo-se


dentro de mim e transformando minhas emoções em algo feio, vil
e irreconhecível.

Eu nunca poderei estar com ele novamente. Nunca mais


confiarei nele. Inferno, se eu for metade da violenta capitã pirata
que as histórias afirmam, eu o torturaria até a morte, curaria
suas feridas e o torturaria novamente.

Outra coisa que nunca poderia fazer. Mas tenho um plano


para ele e o realizarei antes do fim da noite.

Passos soam no cais perto da costa, anunciando a


aproximação dos homens do governador. Prendo a respiração e
agarro a lateral do barco que balança enquanto Reynolds pula
atrás de mim. Não preciso olhar para o rosto do meu
contramestre para recolher seus pensamentos sobre nosso
passageiro indesejado. Seu silêncio ruge nas minhas costas, me
fazendo estremecer.

Sem dizer uma palavra, Reynolds enfia os remos na água e


nos empurra para o mar.

Para Jade.

PAM GODWIN
Minha casa e refúgio.

Eu conheço cada cabo, longarina e centímetro de tela que


carrega. Todos os dias trabalho tão duro quanto seu membro da
tripulação mais trabalhador, provando que mereço ser sua
capitã. Depois de comandá-lo por anos de cruzeiros, com prêmios
e espólio para mostrar por isso, eu mais do que ganhei minha
posição entre a tripulação e, portanto, seu respeito.

O retorno de Priest ao Jade coloca tudo em risco. Ele se


importa mais em satisfazer os desejos entre suas pernas do que
o bem comum do meu navio e seus companheiros.

A tripulação de cento e vinte homens está sempre ansiosa


por uma briga. Isso funciona a meu favor, desde que a luta não
seja contra mim. Mas se Priest minar, maltratar ou me desafiar
na frente deles, eu parecerei fraca.

Uma capitã fraca cai em desgraça, e uma tripulação


democrática não hesita em se livrar da fraqueza e votar em um
novo líder.

Organizar esse tipo de motim é a especialidade do meu


marido.

Por meio de astúcia, carisma e linguagem inteligente, ele


sabe como falar para entrar em um navio, inspirar a tripulação a
jogar seu capitão ao mar e coagi-los a votar nele mesmo como a
autoridade final. Depois que fica entediado com sua conquista,
ele passa para a próxima.

Três anos atrás, ele embarcou em Jade com a intenção de


fazer exatamente isso.

Então ele me conheceu.

Em algum lugar entre seu flerte desavergonhado sob as


linhas do rato e meus suspiros orgásticos a Deus contra a porta
da minha cabine, ele decidiu que estava mais interessado no meu

PAM GODWIN
corpo. E meu coração. Ambos os quais ele consumiu, traiu e
irremediavelmente perdeu.

Agora ele está de volta para reclamar e repetir.

Vou deixá-lo acreditar que venceu, deixá-lo chegar


fisicamente perto o suficiente para baixar a guarda. Então o
colocarei em ferros e o jogarei no porão.

Enquanto Reynolds rema para a segurança oculta do mar,


o olhar firme de Priest nunca se desvia. Ele me observa com o
foco de um caçador, aquecendo meu sangue e afetando o fluxo
em minhas veias.

“Sinto muito sobre Charles Vane.” Profundo, predatório e


sem desculpas, sua voz ronrona lascivamente em minha pele.

Essa voz, por Cristo. Ele me acaricia em lugares que eu não


permito tocar, e isso me enfurece além da razão.

“Você não lamenta.” Flexiono minhas mãos, minha


respiração fervendo. “Você sabia que eu sairia do esconderijo por
Charles e aproveitou a chance de usar minha dor para seu
próprio ganho.”

“Eu sou engenhoso.” Ele molha os lábios. “E, sinceramente,


lamento a forma como Charles morreu. Eu teria preferido
executá-lo eu mesmo.”

Ele sempre desprezou meu relacionamento com Charles,


especificamente a parte em que dei a Charles minha virgindade.

O ciúme de Priest não teve restrição ou falta de habilidade


com um cutelo. Como vários homens mutilados descobriram,
qualquer pessoa que me tocasse sem o consentimento dele perdia
as mãos, a língua e a carne entre as pernas.

Houve um tempo em que encontrei conforto em sua


superproteção selvagem. Mas agora vejo o que é.

PAM GODWIN
Hipocrisia louca.

Embora Priest não permitisse que ninguém se aproximasse


de mim, ele não aplicou essa regra a si mesmo e as vadias
aleatórias que despertavam sua luxúria. Ele ama as mulheres.
Adora foder e eu não tenho ilusões sobre o que ele fez nos últimos
dois anos. Imaginar isso arrepia o calor atrás dos meus olhos e
espalha o veneno pelas minhas entranhas.

“Te odeio.” Meu sussurro quebrado expõe demais. Muita


dor. Dou a ele muito poder para me machucar.

“Vou retificar isso.” Ele se esparrama no assento à minha


frente e estica as pernas, flanqueando as minhas. “Quando eu te
beijar, tirar sua roupa e lamber...aqui...” Ele engancha sua bota
entre minhas pernas e pressiona o dedo do pé contra a junção de
minhas coxas.

“Vou lembrá-la de por que você se casou comigo.”

“Seu pau não foi a razão de eu ter me casado com você. Foi
a razão pela qual te deixei. Porque você gostava de colocar isso
dentro das outras pessoas.” Afasto sua bota, mas meus dedos
agarram-se ao couro gasto.

Couro familiar. Preto e macio, vincado com o uso pesado,


não era um par de botas qualquer. Sete anos atrás, foram
deixadas em uma praia por um pirata que morreu usando
mocassins de pele de veado.

“Fico enjoada de ter dado isso a você.” Um grampo aperta


meu coração e fecho os olhos contra a angústia. “Você não é o
homem que pensei que fosse.”

“Talvez não. Mas nenhum homem jamais viverá de acordo


com o ideal que você defende para Edric Sharp.” Ele lentamente
puxa seu pé do meu aperto e suaviza sua voz. “Eu valorizo essas
botas. Por dois anos, foram tudo que eu tive de você. Por isso,
não me arrependo de mantê-las.”

PAM GODWIN
Suas palavras atingem seu alvo, cavando sob minhas
costelas. A dor vai parar? Não era para terminar assim. Ele fez
isso conosco.

Eu respiro cuidadosamente pelo nariz, tentando silenciar a


agonia que ele tão habilmente percorre em mim.

Mas Reynolds ouviu o suficiente, dado o rosnado


ameaçador em sua voz. “Se a amasse, você a deixaria em paz.”

“Essa mentalidade fraca é exatamente por que você ainda


está sozinho.” Priest prende minha bússola no cós de sua calça e
examina seu irmão. “Ainda ansiando por minha esposa, eu vejo.
Você teve dois anos para reivindicar seu direito. Quantas vezes
tentou aquecer a cama dela na minha ausência?”

O remo bate na água atrás de mim e Reynolds se levanta,


empurrando o barco.

“Não responda isso.” Agarro o braço de Reynold,


segurando-o de volta até que ele se senta e volta a remar.

“Ele não tem que responder.” A inteligência brilha nos olhos


brilhantes de Priest. “Se ele tivesse reivindicado você, teria me
matado antes de eu pisar neste barco, suas regras que se
danassem.” Ele se inclina para frente, apoiando um braço no
joelho. “Se ele tivesse reivindicado você, eu teria...”

“Mutilado e castrado. Não esqueci suas ameaças.” Eu me


inclino, deixando um pequeno espaço entre nós. “Dê-me os
nomes de todas com quem você se deitou desde que nos casamos.
É hora de seguir suas práticas e coletar algumas partes de corpo.
É justo.”

Sua boca se achata em uma linha severa e ele se inclina


para trás. Efetivamente silenciado. E lá permanece até
chegarmos ao Jade.

PAM GODWIN
Com minha bússola presa às tiras de couro em volta de sua
cintura e sob seu calção, não tenho escolha a não ser segui-lo
escada acima e chegar ao convés com Reynolds em meus
calcanhares.

A maioria da tripulação desembarcou para perambular na


cidade por algumas horas. Mas meus homens mais leais
permaneceram a bordo para defender Jade de qualquer um que
pudesse atacá-lo. Esses marinheiros não apenas conhecem meu
marido. Eles compareceram às nossas núpcias e foram seus
amigos mais próximos.

Priest pousa a mão possessiva nas minhas costas e me


acompanha passando pelo contramestre, piloto, cirurgião,
carpinteiro e uma dúzia de outros rostos preocupados. Todos
sabem que ele me traiu. Eles sabem que eu estava fugindo dele
desde então. Só preciso dar-lhes um sinal, e eles o atacariam com
as armas levantadas. Ele lutaria de volta. Alguns deles
morreriam. Ele seria ferido, possivelmente morto, também. Há
uma maneira melhor de lidar com isso. Julgamento e
desconfiança emanam deles enquanto caminhamos. A presença
de Priest não é apenas horrivelmente depreciativa. É abertamente
depreciativa enquanto ele marcha comigo através do meu próprio
navio com nada mais do que uma mão nas minhas costas. Eu o
empurro e endireito meus ombros. Nenhum capitão pode estar
certo de seu comando ou tripulação. Se eu não provar a eles pela
manhã que tenho tudo sob controle, perderei sua lealdade. E
possivelmente meu navio. Sem acenar com a cabeça, olhar ou
sequer uma contração na direção deles, Priest me conduz em
direção à escada que desce em direção à minha cabine.
Concentro-me em manter distância entre nós e muitos passos à
frente, como se eu fosse a responsável por essa loucura. Atrás
dele, Reynolds grita ordens para zarpar no momento em que a
tripulação restante embarcar. No limiar de meus aposentos, olho
para trás, lançando a Reynolds um olhar de advertência. Um que
exige que ele não interrompa até que eu chame por ele. “Vá

PAM GODWIN
embora,” Priest diz ao seu irmão. “A menos que você prefira
assistir.” Balanço minha cabeça para Reynolds quando ele
mostra os dentes e lança um som ameaçador. Implacável, Priest
me empurra para dentro da cabine e chuta a porta com um
estrondo.

PAM GODWIN
OITO

“Dois anos.” Priest vem em minha direção, liberando a força


do seu temperamento com um rugido de arrepiar a alma. “Você é
minha esposa!”

Eu vacilo com a violência em sua voz e dou a volta na mesa


em meu quarto privado, colocando a mobília pesada entre nós.

Em vez de me perseguir, ele passa louça e mapas na


superfície marcada, usando o longo alcance de seu punho para
enlaçar o decote do meu corpete.

“Então me ajude, Deus.” Ele me puxa até seus olhos


cinzentos e gelados. “Eu vou sangrar sua bunda pelo inferno que
você me fez passar.”

“O que diabos eu fiz você passar?” Meus pelos ondulam.


“Você me traiu!”

Uma lanterna brilha ao lado dele, lançando sua expressão


em um alívio aterrorizante. Ele é uma ameaça, uma raiva vibrante
e um homem.

Predador.

Seu aperto aumenta em meu corpete enquanto seus dedos


afundam no vale dos meus seios. Meus pés cambaleiam para

PAM GODWIN
trás, mas meu corpo segura firme, contido por aquela mão
grande, calejada e invasiva.

O calor faz minha respiração falhar, injetando uma ponta


de emoção no medo. O cheiro que vaza dele é cada pedacinho de
sol e mar, quente e masculino, couro e pecado, tudo que eu
lembrava e muito mais, confundindo meus sentidos. Me
desarmando.

E aqueles olhos iridescentes incessantes... nunca na


minha vida alguém me olhou com tanta concentração. Isso me
enerva. Isso me excita. Abaixo meu olhar, evitando a beleza
escura, perigosa e masculina que desaba em meus pulmões.

“Dois anos sem você.” Ele bate com a mão livre na mesa,
quase derrubando a lanterna. “Você me puniu por dois anos
insuportáveis.” Puxando-me para mais perto, ele me dá uma forte
sacudida. “Droga. Olhe para mim!”

O calor vivo irradia camadas de músculos e músculos


ferventes, dissolvendo minha força de vontade.

Eu levanto meu olhar para ele.

“Eu amo Você.” Seu sussurro frágil mal penetra o som de


sangue batendo em minha cabeça.

A indignação passa por mim. Ultraje e dor. Tudo que eu


posso ver é ele se agarrando a outra mulher da mesma forma que
ele me segurava, sussurrando as mesmas três palavras com a
mesma paixão cativante.

Isso coloca minha vida em perspectiva. Uma vida que deve


continuar sem ele, não importa o quanto doa.

Com uma resolução calma que me deixa orgulhosa, abro a


gaveta da escrivaninha no meu quadril e removo uma carta de
pergaminho gasta e fortemente amassada.

PAM GODWIN
“Você me ama tanto quanto a ama?” Coloco o papel na
mesa entre nós, virando-o para que ele possa ler os garranchos
elegantes e ousados.

Ele olha para o papel, recusando-se a responder, enquanto


sua expressão se contorce de reconhecimento e tristeza. Seus
olhos disparam sobre as palavras, e sua mão cai do meu vestido
para traçar a caligrafia.

“Meu querido Priest...” Eu me sento na cadeira da


escrivaninha e recito a abertura de memória. “Ontem à noite, eu
não apenas recebi você em meu corpo. Eu deixei você entrar no
meu coração. De novo.”

Minha voz treme e fecho os olhos contra o olhar angustiado


em seu rosto.

Para o inferno com sua angústia.

Uma semana depois de nos tornarmos marido e mulher, ele


saiu furtivamente da nossa cama e do quarto que alugamos em
Nassau. Cedo na manhã seguinte, ele voltou, dizendo que não
tinha conseguido dormir. Dada sua aparência pálida e
desgrenhada, pensei que estivesse doente.

Até que encontrei a carta em sua calça descartada.

Memorizei cada palavra dolorosa nos últimos dois anos.

Seu olhar permanece fixo nas palavras da sua amante, seu


comportamento escurecendo, enquanto ele lê em silêncio o que
recito em minha cabeça.

Meu querido Priest,

Ontem à noite, eu não apenas recebi você em meu corpo.


Eu deixei você entrar no meu coração. De novo. Não vou chamar
isso de erro. Isso nunca. Mas estava desesperada. Um momento

PAM GODWIN
de fraqueza extremamente prazeroso e terrivelmente
desesperado.

Eu deveria ter esperado até você acordar para dizer isso


pessoalmente. Mas nós dois sabemos que não posso te negar.
Não cara a cara quando você me olha daquele jeito, com um amor
tão intenso que acho que posso morrer disso.

Então, vou escrever isso claramente e com o coração de


uma covarde.

Não podemos nos ver novamente.

Chega de noites roubadas. Sem ficar se esgueirando. Chega


de arriscar nossas vidas para ficarmos juntos. Minha família,
minhas obrigações, minha própria existência colocam você em
perigo, assim como a sua ameaça por tudo que fiz.

Eu aprecio cada uma das três vezes que tivemos ao longo


dos anos. Não apenas os orgasmos, mas a amizade que
compartilhamos. A familiaridade. A risada. A tristeza.

A paixão.

Meu amor por você vai perdurar, embora a noite passada


seja a nossa última.

É minha esperança mais fervorosa que essa dor diminua


em ambos os lados com o tempo. Mesmo assim, nesses
momentos finais antes de partir, percebo que serei menos feliz,
menos honesta e menos humana sem você.

Eu sei que devo deixar você ir, e um dia o farei. Mas por
agora…

Por enquanto, respeite meus desejos.

Fique longe. Vá em frente. Encontre o amor.

Me perdoe.

PAM GODWIN
Preciso ir embora agora, antes que eu caia na tentação de
me juntar a você mais uma vez na cama. Enquanto olho para
você do outro lado do quarto, nunca vou esquecer essa visão de
seu corpo perfeitamente nu esparramado sobre a colcha
emaranhada. Saciado. Pacífico. Magnífico. Vou me lembrar bem,
sabendo que coloquei essa expressão tranquila em seu rosto
bonito, mesmo que apenas por mais uma noite.

Que Deus cuide de você e o mantenha seguro, meu


coração.

Sem assinatura. Nenhum nome para colocar com as


palavras que tão efetivamente destruíram meu casamento.

Quando confrontei o Priest sobre a carta naquela manhã,


ele não deu desculpas ou negou o adultério. Ele estava muito
perturbado para formar palavras. Mais perturbado, ao que
parecia, com sua amante o deixando do que com sua esposa
descobrindo o caso.

Com essa percepção, perdi minha mente sempre amorosa,


gritando, jogando pratos e exigindo respostas. Mas ele apenas
ficou sentado lá, atordoado e sem palavras, se afogando em uma
garrafa de rum. Ele bebeu tanto, na verdade, que não percebeu
que saí do quarto, embarquei em Jade e fugi de Nassau sem ele.
No momento em que ficou sóbrio, eu já tinha ido embora.

Até hoje, a identidade de sua amante permaneceu um


mistério.

Suspeitei que fosse uma dama de linhagem nobre, alguém


como minha mãe, que não poderia viver além de seu dote, seu
papel na alta sociedade e sua obrigação de se casar com um
senhor.

PAM GODWIN
Como um criminoso procurado e filho de uma prostituta,
Priest Farrell não tinha chance com uma mulher assim. Ele teve
sorte dela ter dado a ele sua virtude. Se esse fosse mesmo o caso.
Talvez fosse viúva.

“Quem escreveu a carta, Priest?” Reclino-me na cadeira,


colocando uma perna sobre o braço da poltrona em fingida
indiferença.

“Não posso te dar isso.” Seu punho se enrola, amassando


a carta embaixo dele. “Não me pergunte de novo.”

Ele ainda a protege.

Meus molares se fundem. “Ela sabia que você tinha uma


esposa?”

“Seguindo nosso acordo, não contei a ninguém sobre nosso


casamento.”

“Se você seguisse nosso acordo, não ficaria no cio entre


todos os pares de pernas com saia!”

“Uma pessoa.” Seu olhar dispara para o meu, acendendo a


mesma ira que torna seu sotaque galês áspero. “Desde o
momento em que te conheci, três anos atrás, só existia você e
mais uma.”

Isso não pode ser verdade. Não que isso importe.

Se eu soubesse a identidade de sua amante, talvez não a


matasse. Talvez apenas a arruinasse da mesma forma que meu
avô arruinou minha mãe.

Isso me torna vilã?

Quem quer que seja essa mulher, ela ama Priest. A carta
dela diz isso. E ela o conheceu antes de mim, o que significa que
eu sou a outra mulher. Uma mulher que ela não sabia que
existia.

PAM GODWIN
Ele não apenas transou com ela enquanto era casado
comigo. Ele a amava profunda e completamente. Essa foi a maior
e mais destrutiva fonte do meu tormento.

Assisti a devastação do seu amor sangrar ao redor dele no


dia em que ela o deixou. Ele a amava muito antes de me conhecer
e daria a ela sua vida. Mas ele não era bom o suficiente para ela.

Então se casou comigo.

Sua segunda escolha.

Um prêmio de consolação.

“Se fosse uma criação aristocrática que você queria em sua


cama...” encontro seus olhos, “...minha linhagem não está
faltando. Meu avô era um conde e...”

“Não se iluda, senhora.” Seu tom de nojo escalda o ar entre


nós. “Eu não dou a mínima para o seu sangue nobre.”

Claro que não. O Priest Farrell não era motivado por poder
ou dinheiro. Suas buscas eram carnais, vindas do irracional,
volátil e escuro poço de luxúria sob sua pele.

Ser o alvo de um desejo tão intenso era o sonho de toda


mulher. Eu vivi essa fantasia por um ano, ignorantemente, sem
saber, compartilhando-o com outra.

Eu teria saudado o golpe de uma lâmina em meu peito


sobre a dor insuportável que me esmagou de dentro para fora. Se
eu pudesse deixar isso pra lá.

Mas deixei passar. Pelo menos, estou trabalhando nisso


com bastante sucesso antes desta noite.

“Vocês ainda estão juntos?” Eu não deveria me importar. O


cuidado me impede de seguir em frente.

“Não.” Ele olha para a carta amassada em seu punho.


“Aquela noite em Nassau foi a última vez que fizemos contato.”

PAM GODWIN
Ele está dizendo a verdade, a agonia em sua voz é inegável.

Eu queria me deleitar com seu sofrimento e zombar dele


com risadas cruéis. Mas sinto sua dor muito profundamente.
Sinto empatia com cada respiração amarga, pensamento
autodestrutivo e noite terrivelmente solitária que ele suportou.

Porque eu o amava. Se não o fizesse, não me sentiria tão


assustada e magoada. Eu não me sentiria tão obrigada a amarrar
minha mão com a dele, puxá-lo para mim e confortá-lo em sua
tristeza.

Agarrando a ponta da cadeira, me impeço de estender a


mão.

“Aquilo foi um erro.” Ele vai até a parede de janelas atrás


de mim e olha para o mar negro. “O caso que tivemos nas suas
costas, a terrível dor que eu causei a você... lamento
profundamente.”

“Seu arrependimento não se compara ao que sinto por


nosso casamento.”

Sua mandíbula flexiona e ele abre uma vidraça, deixando


entrar a brisa quente.

“Não há mais ninguém, Bennett.” Ele rasga a carta e joga


os pedaços pela janela. “Não estive com ninguém desde que
acordei em uma cama vazia ao lado deste bilhete covarde.”

“Você espera que eu acredite que você, um libertino


desavergonhado muito dado a prostitutas, se relacionando com
viúvas e roubando donzelas de suas virtudes, é celibatário há
dois anos?” Fico boquiaberta com ele. “Porque sua amante deixou
você?"

“Eu sou celibatário há dois anos porque minha esposa me


deixou.”

“Agora sei que você está mentindo.”

PAM GODWIN
“Eu não dou a mínima se você acredita em mim ou não.”

Suas respostas me confundem, o que provavelmente é sua


intenção. O que eu estava pensando, trazendo este tubarão
comedor de mulheres a bordo do meu navio?

Há tantas coisas que eu queria gritar com ele. Por que ele
se casou comigo se amava outra pessoa? Por quanto tempo
pretendia manter um relacionamento clandestino nas minhas
costas? Por que não fui suficiente para ele? Eu não era bonita o
suficiente? Delicada o suficiente? Recatada o suficiente? Eu não
o fiz feliz? O que eu poderia ter feito diferente?

Engulo cada pensamento doentio e autodepreciativo e me


concentro em recuperar minha bússola, que está escondida
dentro de sua calça confortável.

Elas precisam sair.

Uma coisa que eu sei sobre Priest... a maneira mais rápida


de tirá-lo das roupas é tirar as minhas.

“Por que você está aqui?” Levanto-me e atravesso a cabine


até o armário embutido, estendendo a mão para trás para
afrouxar os laços do meu corpete.

“Você sabe porquê.” Sua voz se aprofunda e seus passos


seguem atrás de mim, como esperado.

“Você quer me foder.”

“Isso é um dado adquirido, mas não é nem de perto o cerne


da questão.”

“O que, por favor, diga, poderia ser o cerne de suas


intenções, se não molhar seu pau?”

“É realmente muito simples. Eu quero cuidar de você.”

“Oh, por favor.” Eu puxo as amarras. “Tenho me saído bem


o suficiente por conta própria desde os quatorze anos.”

PAM GODWIN
“Aqui. Permita-me.” Ele descansa uma mão quente sobre a
minha contra minha espinha.

Abaixando meus braços, respiro fundo e deixo meu plano


funcionar.

Um puxão aqui, um puxão suave ali, ele sabe como lidar


com as roupas de uma mulher. Mas ao invés de me libertar da
minha, ele abandona a tarefa para acariciar minha nuca sob os
fios caídos do meu cabelo.

Com esse toque inesperado, um arrepio percorre meu corpo


e meu coração estremece, pulando as batidas e o sangue corre
para o meu rosto.

Minha atração por ele me apavora, mas se eu mantiver meu


juízo aguçado, posso me livrar desse problema de uma vez por
todas.

Os dedos no meu pescoço fazem círculos apertados,


pressionando mais profundamente na pele, esfregando os
músculos doloridos e massageando os nós na base do meu
crânio. A força em suas mãos é diabólica, a sensualidade
hipnótica. Só um demônio pode ser tão potente.

Minha mente entorpece. Meu sangue engrossa e meu corpo


fica pesado com langor quente. Calor masculino cobre minhas
costas e eu respiro através dele, mantendo uma compostura
externa calma. Até que ele arranca um alfinete do penteado de
cachos da minha cabeça.

Fecho meus olhos em êxtase enquanto ele lentamente


remove os pinos restantes. O peso das tranças descoloridas pelo
sol desce, mecha por mecha, a descida de cada espiral é
controlada por suas mãos, por sua vontade indomável.

Eu anseio por mais afeto, mais conforto e suspiro enquanto


ele me provoca com isso. Mãos deslizam sob o peso do meu
cabelo. As pontas dos dedos permanecem na depressão entre

PAM GODWIN
minhas omoplatas. Os nós dos dedos deslizam ao longo da curva
do meu pescoço. Palmas passam sobre meus ombros trêmulos.

Senhor, tenha piedade, ele é excelente em me torturar.

“Eu queria fazer isso no momento em que vi você na


taverna.” Ele corre os dedos pelo meu cabelo na altura da cintura,
raspando as unhas em meu couro cabeludo e arrancando um
gemido da minha garganta.

O tormento continua em golpes rítmicos enquanto ele


penteia da raiz às pontas, domando minhas espirais irritadas
com mais paciência do que qualquer empregada já me mostrou.
Ele parece contente em fazer isso, apenas ficar atrás de mim,
acariciando, desembaraçando e cheirando meu cabelo. Seu nariz
desliza pela minha nuca, por cima do meu ombro e pelas minhas
costas, cheirando cada centímetro ao seu alcance.

Não consigo manter minha respiração normal, perdida


demais no sublime prazer de ser tocada por este homem. Todo o
meu ser se estende em direção a ele em antecipação à próxima
carícia, e ele dá para mim com uma ternura surpreendente.

Quando o último emaranhado se solta, ele junta a massa


pesada e a coloca sobre meu ombro, fora do caminho. O ar frio
beija meu pescoço nu. Em seguida, o calor sedutor e trêmulo de
sua respiração.

“Uma das muitas coisas que sinto falta”, ele diz, passando
os lábios quentes em minha nuca, “é adormecer com seus cachos
sedosos espalhados pelo meu peito. Com sua bochecha contra
meu coração. Com seus braços, suas pernas, cada centímetro do
seu corpo magnífico abraçando o meu.”

Eu também senti falta disso. Estremeço. E me desprezo por


isso.

Sua boca percorre minhas costas, traçando as linhas dos


meus ombros e espinha. Ele toma seu tempo, acariciando cada

PAM GODWIN
cavidade e arco, beijando a pele arrepiada e tocando a borda
superior do espartilho.

Continuando a descer, ele puxa os cordões, solta mais


alguns e viaja cada vez mais baixo. Dedos de bronze moldados ao
alargamento do meu quadril, aperta com força as curvas que
nenhum homem tocou desde que eu conheci Feral Priest.

Então, como prometido, seus dentes afundam na parte de


trás do meu vestido e começam um ataque erótico no cetim,
puxando os ganchos, rasgando a fita e me libertando das
restrições de privação de ar.

Sua respiração acelera e suas mãos se cravam na minha


cintura, mantendo-me imóvel e imprudentemente afetada. Eu
estou tão distraída com os destroços de seus dentes e os sons de
sua fome que não percebi que ele acabou com o vestido até que
cai em torno de meus pés calçados em uma poça de tecido
rasgado.

Uma camisola fina na altura do tornozelo e um espartilho


de linho acolchoado combinando com o marfim, cobrem o que
resta de minha modéstia. A roupa de baixo não consegue confinar
tudo, e quando ele me vira para encará-lo, meu peito se derrama
direto em suas mãos gananciosas.

“Olhe para você.” Com um gemido, ele pega um seio em sua


enorme palma, levando-o em direção à boca. “Tão impressionante
quanto eu me lembrava. Irracionalmente linda.”

Seu polegar acaricia o mamilo e seus lábios cobrem a


protuberância da pele pálida. Eu sinto isso em todos os lugares.
Hálito quente. Língua de veludo. Tortura.

Exatamente como planejado.

Vou deixá-lo acreditar que eu sou dele novamente. Então


eu ataco.

PAM GODWIN
Ele suga meu seio, beliscando meu mamilo, lambendo,
mordendo e beijando com agressividade crescente. Eu arqueio
contra sua boca irresistível, apanhada na armadilha de seu olhar
de prata brilhante. Queima minha pele e atinge o ar, nivelando
minhas entranhas como um furacão.

Não consigo impedi-lo de olhar. Não consigo parar de


latejar de alegria feminina. Não posso evitar desejá-lo com todos
os pensamentos pecaminosos na minha cabeça.

Minhas mãos vão para o seu cabelo, deslizando sobre os


adornos exóticos de miçangas e tranças em meio aos grossos fios
marrons que caem de sua testa e se prendem nas costas com um
nó de couro.

Com sua boca no meu seio, corro meu nariz ao longo de


sua têmpora, respirando o perfume masculino de sua pele, a
fragrância limpa e terrena do seu couro cabeludo e a essência
escura distinta do único homem que sabe como tirar meus
joelhos de debaixo de mim.

“Priest.” Meu corpo vibra, esfregando descaradamente


contra o dele.

“Bennett.” Ele levanta a cabeça e morde meu pescoço,


minha mandíbula, meu rosto, meus lábios, raspando os dentes
em minha pele e me devorando sem restrições.

Com uma mão na minha nuca, a outra agarra minha


bunda, flexionando e amassando com dedos ousados, antes de
deslizar para a parte de trás da minha coxa para enganchar
minha perna em volta de sua cintura. Então ele me puxa com
força contra ele e empurra seu quadril, me reintroduzindo na
parte mais dura dele.

Meu cérebro freneticamente compõe objeções, mas eu só


consigo vocalizar um gemido áspero. Seu toque me transformou
em uma vítima disposta. Seus beijos me reduziram a uma

PAM GODWIN
criatura se contorcendo no calor, desesperada para se reunir com
seu companheiro.

Nada pode me impedir de ceder à forma bem afiada de seu


físico. Toco através da camisa, traçando peitorais firmes, quadril
fino e declives de ombros protuberantes, bíceps e antebraços. Ele
está exatamente como eu me lembrava, musculoso, denso,
esculpido em pedra sólida e alisado até a perfeição divina.

Quando minha mão agarra o cintos em seu quadril, ele me


solta para remover as alças, faixas e camisa, deixando seu corpo
nu da cintura para cima.

O músculo magro ondula através do triângulo invertido de


seu torso. A luz da lanterna cintila na pele lisa e amarelada,
acentuando ombros grossos, braços definidos e abdominais
profundos.

Cristo todo poderoso, ele é lindo. Muito imaculadamente


desenhado. Muito homem para uma mulher. Eu sabia disso
quando o conheci. Reconheci a promessa de desgosto em todo
aquele rosto divino.

Acreditei erroneamente que meu coração era imune a isso.


Seu aperto volta para minha mandíbula, inclinando-a para cima
para expor a curva de minha garganta para sua boca saqueadora.
Minha respiração foge quando aplico minhas mãos em seu peito,
estremecendo com o calor forte dele. Seu corpo é uma efígie de
arte cinzelada, uma escultura onipotente a ser cobiçada e
reverenciada. Pelo Deus eterno, eu queria me esfregar nele,
escalá-lo como um animal e montá-lo até chegar ao nirvana. Meu
plano não exige que eu transe com ele. Mas, caramba, qual seria
o mal? Seria tão ruim escapar da solidão por um tempo? Apenas
uma ou duas horas de êxtase sem sentido? Eu ainda posso
mantê-lo acorrentado no porão pela manhã. Meu corpo decide
por mim, apressando o calor entre minhas pernas e espasmos
dos músculos internos. Minha mão se move sozinha, deslizando

PAM GODWIN
entre nós e agarrando seu comprimento inchado através da calça
fina.

“Sangue de Cristo.” Ele geme contra minha garganta e seus


dentes cravam, sitiando a pele delicada e as terminações
nervosas.

Envolvo meus dedos em sua circunferência e exploro sua


forma grossa, emocionada na maneira como ele sacode e lateja
em meu punho. “Você parece positivamente selvagem, Sr.
Farrell.”

Ele engasga com a próxima respiração e ergue a cabeça.


“Já se passaram dois anos, Sra. Farrell.”

Nossos olhos se encontram, e dói olhar para ele. Machuca


por senti-lo tão duro e enrolado com excitação. Ele é tão
insanamente atraente. Os músculos do seu pescoço ficam tensos
com a necessidade. Maçãs do rosto esculpidas se aguçam com
intensidade e lábios carnudos se separam em uma respiração
faminta.

“Eu não vou te perder de novo.” Ele agarra minha garganta


e beija.

PAM GODWIN
NOVE

Meu pulso acelera quando Priest inclina sua boca sobre a


minha, possuindo-me com uma audácia voraz. A fúria que ele
carrega a bordo do meu navio se desintegra sob seu desejo, e eu
derreto com ele, me rendendo ao fogo que queima tão ferozmente
entre nós.

Doce céu, a maneira como ele arrasta a parte plana de sua


língua contra a minha, me lambendo, ofegando e vibrando com
ruídos guturais em meus lábios... sua perda de controle é um
afrodisíaco, conduzindo meu próprio mergulho descuidado do
ódio à luxúria.

Suas mãos vagam e seu beijo é faminto, alimentando-se de


mim com golpes vorazes e impacientes, como se eu incorporasse
o que ele precisa para sobreviver. Eu quero dar a ele o que busca.
Anseio por dar tudo a ele.

“Bennett.” Ele geme e morde meu lábio inferior, chupando


forte e cantarolando profundamente em seu peito.

Talvez imaginei a devoção nos dedos que acariciam minhas


costas, mas não me importa se não for real. Ele está me
segurando, me beijando, tendo prazer em estar comigo. Seu amor
e fidelidade são tudo que eu sempre quis dele.

PAM GODWIN
Ele agarra minha camisa, juntando-a em minhas pernas.
O ar fresco atinge minha umidade e dedos competentes deslizam
pela minha coxa nua. Dedos que prometem prazer perverso. E
dor. Anos disso. Porque eles pertencem a um namorador de
coração frio.

Um patife adúltero.

Um trapaceiro que trapacearia novamente.

Minha boca para de se mover contra a dele e minha


respiração cai em uma quietude fervente.

Eu estou dançando com o diabo, um mestre da


manipulação. Ele é tão hábil em ler as pessoas, colher suas
fraquezas e usá-las furtivamente em seu próprio benefício que
não sei o que ele está tirando de mim até que tudo acabe.

Como a bússola.

E meu foco total em recuperá-la.

Ele se inclina para trás e estreia os olhos, marcando a forte


raiva nos meus.

Achei que pudesse enganá-lo em seu próprio jogo, mas aqui


estou eu, caindo sob seu feitiço novamente, me deixando levar
pela alquimia misteriosa que nos une. Eu quero esse homem ao
ponto da loucura. O corpo dele. Seu amor. Eu o desejo com uma
imprudência que me custará tudo.

Oh, como gostaria de poder entrar em uma noite de


brincadeiras de cama, apenas mais uma vez, e então jogá-lo fora
depois. Ele não merece nada melhor. Mas meu coração não é forte
o suficiente para a cópula. Não com Priest.

Desvio o olhar e concentro todo o pensamento no objetivo.


Sem aviso ou mesmo um olhar em sua direção, dou um golpe
para a bússola em sua calça.

PAM GODWIN
Ele pega minha mão e faz um som de repreensão. “Assim
que eu tiver você como minha esposa, em todos os sentidos, você
terá a bússola.”

Claro, eu sabia que não seria fácil.

“Não.” Com um forte empurrão contra seu peito, quebro


seu aperto e cambaleio para trás.

Os músculos de sua mandíbula se flexionam, tensos de


frustração. Então um brilho determinado surge em seus olhos,
cintilando como estrelas de prata na perigosa escuridão da noite.

Ele nunca se forçaria a mim. Ele não teria que fazer. A


expressão em seu rosto brilha com uma autoconfiança
arrepiante. Porque ele sabe.

Ele sabe com que facilidade pode me seduzir, sabe


exatamente como eu gosto de ser tocada e, no momento em que
escorrego, ele sabe fazer coisas com meu corpo que estilhaçariam
minha mente e me fariam esquecer meu próprio nome.

“Não me toque.” Recuo até que meu traseiro bate na mesa.


Enquanto isso, meu interior aquece e aperta, silenciosamente
gritando para ele terminar o que começou.

Um predador comum teria rondado atrás de mim,


esfregado contra meu espaço e desencadeado um arsenal de
armas sedutoras para quebrar minha determinação. Mas Priest
não é comum.

Ele engancha o polegar na cintura e se reclina contra a


parede em suas costas, relaxando como um grande gato
enquanto consegue, com bastante sucesso, tocar cada parte de
mim sem me tocar.

Eu estremeço. “O que você está fazendo?”

“Você está dentro do alcance, o que naturalmente requer


que eu faça o que qualquer homem faria na minha posição. Estou

PAM GODWIN
olhando.” Seu olhar leonino dá um passeio atemporal ao longo de
minhas roupas íntimas transparentes, parando na minha
garganta, acariciando meus seios e abdômen e escurecendo no
ápice das minhas coxas. “Embora, com certeza, eu não seja
qualquer homem. Como seu marido, tenho o privilégio de
explorar você com mais do que meus olhos.” Ele respira fundo,
alargando as narinas finamente cinzeladas. “Você é a mulher
mais linda que eu já vi.”

Ele é um libertino. Só Deus sabe quantas mulheres bonitas


ele explorou com mais do que apenas seus olhos. Eu não significo
nada para ele.

“Você desgraça a única pessoa que jurou amar e se chama


de marido? Um homem?” Eu dou a ele um olhar mordaz de cima
a baixo. “Eu sou duas vezes mais homem que você.”

“Você não vai se sentir como um homem em um momento,


quando essa distância entre nós começar a me aborrecer.”

Agarro a borda da mesa, precisando de mais de três metros


de separação. “Não sinto nada por você.”

“O diabo que você não sente. Eu sei que você está molhada.
Essa dor infernal entre suas coxas deve estar ficando cada vez
mais desconfortável. Não vejo por que não podemos começar com
a parte em que amenizo essa dor.”

Um cavalheiro não ousaria falar com uma senhora assim.


Mas Priest nunca censurou sua linguagem mal-educada ao meu
redor. Ele nunca me tratou como uma flor frágil e covarde. O fato
dele me considerar igual era uma das coisas que eu amava nele.

Mas não foi o suficiente.

“Você não vai amenizar nada.” Meu corpo, coisa luxuriosa


que é, treme em desacordo. “Você é um bastardo sem alma que
mantém uma esposa sob custódia enquanto persegue algo
melhor. Dois anos depois, você retorna ao seu plano de backup,

PAM GODWIN
sua segunda escolha, e a beija como se ela fosse a única pessoa
que sempre quis. Mas você beija todas assim, não é? Não é de
admirar que queira se apressar. O que, com mulheres esperando
por você em cada porto, todas essas oportunidades estão
acenando. Se você foder sua esposa esta noite, pode estar dentro
de outro corpo quente e úmido amanhã.”

“Errada como de costume.” Seus olhos cinzentos congelam,


sua bela voz como uma lâmina de aço. “Você é a única.
Inigualável.”

“Humm. Onde eu ouvi isso? Oh! Eu sei. Bem aqui nesta


cabine. A noite em que você me pediu em casamento.”

Com todo o retrospecto de uma mulher desprezada, eu


quero voltar no tempo e estrangular a idiota apaixonada que disse
sim ao rei dos libertinos. Se minha mãe estivesse viva, ela teria
me impedido de cometer um erro tão vergonhoso. Inferno, meu
pai não teria permitido que um homem com a reputação de Priest
chegasse perto de sua filha.

E aqui está ele, o profundo e sugador buraco dentro de


mim, tentando me arrastar para sua miséria. Sinto falta de meus
pais com uma agonia sangrenta. Se ao menos eles estivessem
aqui agora. Eu preciso de seus conselhos, sua força, seu amor.

“Eu fiz uma promessa ao meu pai.” Pisco para conter as


lágrimas antes que elas se formem e levanto meu queixo. “Se eu
me casasse...”

“Você prometeu a ele que eu seria um homem com sua


fortaleza e espírito. Um homem que te ama acima de tudo. Só
você. E seremos cegos por nosso amor pela vida e além dos
confins do mar.”

Fecho minha boca e olho para ele em estado de choque.

Ele lembra? Como? Faz muito tempo que sussurrei essa


promessa no calor do nosso abraço pós-coito.

PAM GODWIN
“Você disse essas palavras na noite em que Murphy
terminou sua cama.” Ele dirige seu olhar através da cabine,
estudando a cama de caixa ornamentada que foi construída na
parede.

Sob as ordens de Priest, o carpinteiro Murphy passou


semanas construindo e entalhando uma cama grande o
suficiente para dormir uma capitã pirata e seu amante.

A estrutura onipresente parece uma câmara separada na


parede, com suas esculturas de madeira extravagantes, enfeites
luxuosos e cortinas ricas e pesadas que caem sobre a abertura,
envolvendo a cama maciça por todos os lados. Alças de tecido
sustentam um colchão generosamente estofado com penugem e
coberto por lençóis de linho e cobertores de lã.

Eu nunca teria encomendado um luxo tão arrogante para


mim. Murphy tinha coisas melhores para fazer do que cinzelar
enfeites decorativos. Mas foi um presente do Priest, em que ele
trabalhou bem ao lado do carpinteiro.

Era nossa primeira noite na cama nova. Tínhamos nos


quebrado completamente no colchão e caído em um abraço feliz
e saciado quando expressei a promessa que fiz ao meu pai.

O homem que me abraçou tão docemente naquela noite, o


Feral Priest notoriamente mercurial e temperamental, agora me
observa através de uma nuvem de pensamentos tempestuosos.
Eu sei que uma acusação está vindo antes de seus olhos se
estreitarem em um olhar de condenação, fazendo meu coração
parar.

“Quantos homens você levou para aquela cama?” A


promessa de brutalidade torna sua voz áspera e altera sua
respiração.

PAM GODWIN
Eu debato a melhor resposta, meu silêncio torna tudo pior,
enfurecendo-o ainda mais. Seu rosto fica vermelho. Suas juntas
brancas. Visivelmente sacudindo-o.

Ele está com medo, se isso for possível.

Por mais que eu queira esmagá-lo com alegações de orgias


e casos apaixonados, não posso mentir para ele. Não vou
conseguir minha bússola de volta, e eu me recuso a afundar
nesse nível de vingança.

Mas a verdade me faz sentir pequena e abatida.

Minha solidão é apenas parte disso. Estou segurando o


resíduo de esperança de que ele não me enganou, de que tudo foi
um mal-entendido, que alimentou minha necessidade distorcida
de permanecer fiel a ele. Sem mencionar essa profundidade
doentia de amor que não desapareceu depois de dois anos sem
ele.

Tudo se ergue em uma parede de auto-aversão, colocando


pressão em meu peito e fechando minha garganta. Eu não posso
fazer nada além de engolir o caroço que tenta escapar como um
soluço.

Ele não precisa ouvir minha resposta. A compreensão


suaviza sua boca maldosa. Seus ombros caem com uma exalação
estremecida, e seu olhar se move sobre mim, não com seu brilho
predatório usual, mas com o jeito avaliador de um marido
preocupado.

“Se meu coração tivesse a metade do gelo do seu”, digo,


segurando seu olhar fixo, “eu teria procurado conforto nos braços
de outro homem.”

“Eu não teria culpado você se tivesse.” Ele dá um passo em


minha direção, seu andar gracioso e mortal. “Não entenda mal.
Eu caçaria cada bastardo que tocou em você e o rasgaria membro
por membro. Mas eu estou...” Seu olhar se aquece e seus dedos

PAM GODWIN
se contraem ao lado do corpo. “Estou esmagadoramente aliviado.
Você me humilha.”

Não há nada de humilde nele. Sua sombra intimidante cai


sobre mim, fazendo tudo parecer pequeno no quarto. Então seu
corpo se fecha. Sem camisa. Esculpido. Devastadoramente
bonito. Devastadoramente perigoso. Apenas...devastador.

Ele é um homem temido, um criminoso implacável, sua


própria postura pulsa com poder. Mas não é sua força física que
me faz querer correr.

Eu me forço a ficar parada, presa entre ele e a mesa e o ar


densamente carregado ao nosso redor.

Ele demora uma eternidade para fazer seu próximo


movimento, e quando o faz, é com as mãos no meu rosto,
segurando meu queixo, inclinando minha cabeça para trás. Ele
me olha com cílios longos, lânguidos olhos de metal fundido que
brilham nas sombras.

“Eu sinto muito.” Sua cadência galesa é gloriosamente


desigual, como se o pedido de desculpas o afeta mais do que a
mim.

Ele não esconde suas emoções. Ele as usa como um


distintivo. Mesmo agora, a culpa franze sua testa. O
arrependimento afunda nos cantos curvados de seus lábios. E há
algo mais. Algo que o faz olhar para mim como nunca antes.

“Não se atreva a ter pena de mim.” Eu viro minha cabeça,


me afastando. “Eu não sou sua vítima.”

“Pena? Por Deus, Bennett, eu te admiro. Eu te respeito,


sem reservas ou design. Seguro você em um pedestal dourado
maldito.”

Palavras.

Mentiras.

PAM GODWIN
Tudo que saí de sua boca é um uivo blasfemo.

“Se eu quisesse encher meus ouvidos de merda, enterraria


minha cabeça no penico.” Olho para ele, dando meu olhar mais
duro.

Ele olha de volta.

Inflexível. Bloqueado. Ele quer enredar nosso futuro. Eu


quero desfazer nosso passado.

Ficamos em um impasse, um estreito sem saída que estica


os batimentos cardíacos. Braços. Ligas.

As madeiras rangem ao nosso redor. Passos soam acima.


O estrondo da risada masculina abafa o deslizamento suave de
um rato próximo. E em meio a tudo isso, as notas profundas da
voz de Reynold comandando a tripulação a zarpar.

Um momento depois, o trovão do grande cabo da âncora


retine através dos buracos de gaveta, e Jade começa a se mover.

A boca bem formada de Priest se curva em uma das pontas.

Vou para a bússola.

No instante em que meus dedos passam por sua cintura,


sinto o bronze. Ele recua, mas eu seguro, puxando o instrumento
enquanto ele se afasta.

Com um grito triunfante, coloco o tesouro em segurança


atrás das costas e corro ao redor da mesa, observando-o tão
cuidadosamente quanto ele me olha.

Ele não me persegue. Não vacila de raiva ou faz uma careta


em derrota.

Sua falta de ação poderia ter me deixado à vontade se a


culpa não permanecesse em sua expressão. Remorso, desculpas
e novamente pena, tudo está lá em seus olhos luminosos.

PAM GODWIN
Por que ele está olhando para mim como...?

A realização joga água gelada em minhas veias e coloco a


bússola à vista.

O instrumento em minha mão é do mesmo tamanho e


formato que aquele que eu estimo.

Mas este não é meu.

PAM GODWIN
DEZ

“Não.” Balanço minha cabeça e freneticamente examino a


postura rígida de Priest, mesmo sabendo que a bússola não está
com ele . “Não, não, não...”

“Shhh.” Ele ergue as mãos e dá um passo cauteloso para


frente. “Bennett, ouça…”

“Onde está?” Um rugido começa em meus ouvidos e meu


coração quebra no meu peito. “Diga-me!”

“Levei dois anos para te encontrar, e agora essa bússola é


a única coisa que te impede de colocar mais anos entre nós. Não
posso deixar você fazer isso. Você não me deu escolha.”

Medo e raiva explodem de meus pulmões em um grito


ensurdecedor. “O que é que você fez?”

“Estou fazendo isso por nós.”

“Você é um homem morto!” Jogo o impostor de latão em


sua cabeça desprezível.

“Acalme-se.” Ele se abaixa, esquivando-se facilmente.

“Maldito!” Jogo uma travessa de porcelana e ela se espatifa


na parede atrás dele. “Demônio sem coração!”

PAM GODWIN
“Bennett...” Ele evita outra placa de projétil, seus reflexos
como os de uma serpente. Escorregadio. Venenoso. Direto do
inferno.

“Diga-me onde está!” Uma histeria cegante obstrui minha


visão, devastando-me de todos os cantos e pintando o quarto de
vermelho. “Agora mesmo!”

“Não posso fazer isso, meu amor.”

Pego uma garrafa de rum da mesa, me preparando para


jogá-la em seguida. Mas quando meus dedos se fecham em torno
do pescoço de vidro, lembro-me do meu plano.

Minha respiração se aperta com determinação. Meus


músculos se endurecem com fúria concentrada. Onde eu tinha
compaixão por ele antes, agora não há nenhuma. Eu preciso que
ele sofra.

“Você sabe o que essa bússola significa para mim.” Eu


levanto o rum, engolindo com uma calma que não sinto. “Você
não deixou na Jamaica.”

“Não.”

“Você não jogou no mar.”

“Nunca.”

Quebrar meu coração é uma coisa, mas ele não vai destruir
aquele presente do meu pai. Ele não seria tão cruel. Tenho que
acreditar nisso.

Tudo dentro de mim relaxa. A bússola está no navio.

Mas onde?

Enquanto minha mente corre por respostas, endireito meu


espartilho, tentando miseravelmente cobrir meus seios com seu
olhar humilhante.

PAM GODWIN
Ele conhece este navio da proa à popa. Cada alcova e
recanto. Cada sombra e esconderijo. Sem dúvida, ele determinou
a melhor localização para a bússola no momento em que a
roubou na taverna.

Com habilidade e perspicácia, ele provavelmente se


escondeu no convés superior quando eu não estava olhando. Ou
escorregou em uma parede em seu caminho até aqui. Ou... eu
olho ao redor, procurando nos estoques de armas, chapéus
armados, rolos de cartas marítimas, mapas e tesouros aleatórios
que lotam a cabine.

Pode ser em qualquer lugar.

Depois de prendê-lo a ferros, farei uma busca exaustiva.


Eu rasgarei todas as tábuas. Esvaziarei cada baú. Derrubarei
todos os barris. Se não aparecer, eu recorrerei à tortura. Do tipo
psicológico.

Eu sei exatamente como quebrar o Priest, cruelmente.

“Então seu plano é manter minha bússola como refém.


Bem feito.” Eu bebo outro gole de rum, engasgando com minha
própria amargura. “O que acontece depois?”

“Você está nublada pela raiva, muito mais do que eu no


momento. Compreensivelmente.” Ele caminha até a estante,
escolhe a menor das minhas três ampulhetas e a ergue. “Esta
mede quinze minutos?”

“Dez minutos.” Eu estreito os olhos para ele, queimando


para socar seu rosto perfeitamente composto.

“Bom o bastante.” Ele a carrega para a cama e senta-se na


beirada, testando o fluxo de areia entre os globos de vidro. “Não
podemos ter uma conversa frutífera até que resolvamos essa
tensão entre nós.”

“Eu não vou...”

PAM GODWIN
“Quieta!” A explosão de fúria em sua voz para meu coração.
É tão assustadora sua capacidade de voltar a um tom plácido.
“Já que você parece não querer abandonar o desconforto sob sua
saia, vou remediar essa relutância em particular oferecendo um
acordo.”

Aperto minha mão em torno da garrafa de rum, a arma que


eu usaria para derrotá-lo. “Prossiga.”

“Eu vou te dar prazer, uma liberação que vale a pena, sem
o meu próprio benefício.” Seu olhar se suaviza. “Eu devo muito a
você.”

Uma picada fere minha garganta. Oh, como eu o amo e


odeio. Eu me concentro no último. “Eu não terei parte daquele
membro indiscriminado entre suas pernas...”

“Vou usar apenas este dedo.” Ele ergue um dedo longo e


grosso. “Se eu não conseguir levá-la até o limite antes que a areia
acabe, vou dar-lhe a localização da bússola e desembarcar na
primeira oportunidade. Você nunca vai me ver novamente.”

Eu não confio nele. Nem por um minuto. “Se você tiver


sucesso?”

“Se você gozar no meu dedo dentro do tempo concedido,


terei seu perdão.”

“Sério, Priest.” Faço um som de escárnio. “Nunca na


história de maridos infiéis uma mulher oferece perdão na curva
de seu dedo.”

“Muito bem. Se eu tiver sucesso, terei minha posição


restabelecida como o artilheiro mestre neste navio. Vou retomar
meu papel como seu marido e merecer seu perdão.”

“Chops é o artilheiro mestre.”

PAM GODWIN
“Chops pode se reportar a mim. Ou posso alimentar as
gaivotas com suas entranhas. Sou indiferente de qualquer
maneira.”

Ele coloca o relógio de areia no colchão e cruza as mãos no


colo, olhando para mim com um olhar de expectativa. Não é uma
expectativa otimista. Ele calcula que eu concordo com isso.

Nós dois sabemos que vou. E nós dois sabemos que ele irá
vencer.

Razão pela qual não tenho intenção de seguir as regras.

Pego outro gole de rum e levo comigo para a cama. Pisando


no V de seus joelhos abertos, planto minhas botas contra o
interior das dele e preparo meus nervos.

“Então, minha esposa deslumbrante, incontrolável e


sempre irritante", ele murmura, seu olhar desliza por meu corpo
para encontrar meus olhos. “Vamos continuar com isso?”

Faço uma pausa deliberada, fingindo indecisão. “Eu tenho


outra opção?”

“Humm.” Ele ergue minha mão e beija meus dedos, sua voz
dobrando em torno de mim como beladona, linda, exótica,
mortalmente venenosa. “Talvez eu a dobre sobre meus joelhos
como uma garotinha má e nos deixe ansiosos para a liberação.”

“Você me deve mais do que isso.”

“Exatamente.” Seu olhar insidioso me provoca sobre os


dedos que ele mantem cativos, sua respiração mergulhando nos
vales entre cada nódulo, provocando a pele sensível.

Um arrepio percorre meu corpo, enrugando meus mamilos


e desencadeando o inferno em meu foco. Eu anseio por seu toque,
e meus sentidos engrossam com essa necessidade, aguçando e
entorpecendo em ondas enquanto eu procuro controlar minha
reação a ele.

PAM GODWIN
Eu sei o que preciso fazer. A raiva me guiará. A crueldade
irá me proteger. Mas a mulher que eu fui uma vez, a esposa, a
amante, a criatura sensual que anseia por afeto, quer
desesperadamente adiar sua dor.

E a minha.

Esta será a última vez que estarei com meu marido.


Esforço-me para saboreá-lo.

Enganchando um braço em volta de seus ombros largos,


seguro a garrafa de rum contra suas costas e monto em seu colo.
Então puxo meus dedos de seu aperto e me permito tocá-lo.

Primeiro, o cabelo castanho macio que caí de sua testa. Em


seguida, a pele macia ao redor dos olhos prateados que me
observam com uma paciência enervante. Em seguida, as maçãs
do rosto pontiagudas. A boca cinzelada que me causou tanta dor
no coração. A barba crespa que cobre sua mandíbula. A
mandíbula de um homem. Quadrada. Dura. Pele quente sobre
ossos forjados de ferro. Ele é majestoso. Bestial. Régio.
Inigualável. Injustificadamente bonito.

Ninguém, nem homem nem mulher, pode olhar para ele


sem roubar outro olhar, e outro, até que esses vislumbres se
gravem na memória e estabeleçam o referencial pelo qual toda
beleza é medida.

“Eu odeio que você seja tão bonito.” Vagueio minha mão
livre pelo seu peito nu, maravilhada com a parede de pedra de
músculos. “Sua beleza foi nosso maior prejuízo, você sabe.”

Seu olhar cintila para o meu, aberto e distante ao mesmo


tempo. “Explique isso.”

“Sua amante teria lhe dado uma segunda olhada, quanto


mais um caso demorado, se seu rosto parecesse couro não
curado? Se suas costelas pressionassem contra a pele ou seu
sorriso tivesse dentes podres?”

PAM GODWIN
“Não sei.” Sua expressão fica em branco.

“Como você conheceu ela?”

Seus olhos endureceram, me avisando para não mencioná-


la novamente. “E você, Bennett? Se eu fosse feio como uma
verruga, você se casaria comigo?”

“Sim.” Eu traço o arco esculpido de seu lábio superior. “Seu


rosto bonito tem seu apelo. Mas foi a inteligência em suas
conversas e a intensidade de sua devoção que me enredou.
Quando percebi que a devoção não era real, sua aparência não
tinha significado.”

Ele não precisa saber quantas vezes esta noite eu reconheci


o efeito de sua perfeição física em mim. Não importa. No final
disso, será a alma vivaz do homem que eu mais lamentarei.

Sua boca se achata sob meu dedo.

“Não fique tão ofendido.” Dou um tapinha em sua


bochecha. “Eu só me pergunto o que poderia ter acontecido
conosco se fosse um sujeito de aparência mediana. Você seria tão
facilmente atraído por outra?”

“Eu não fui facilmente atraído para longe, e embora você


seja dolorosamente linda à vista, não foi isso que me cativou
também.”

“É mesmo?” Pergunto secamente.

“A primeira vez que te vi, você estava no leme de um galeão


de cinquenta canhões, atacando um homem com três vezes o seu
tamanho. Ele recebeu sua punição com nada além de respeito em
seus olhos.” Ele dá um sorriso relutante. “Eu vi grandes homens
comandarem grandes navios, e eles não têm uma fração da
estima que você tem. Você, esta minúscula mulher feroz,
comandando uma tripulação de cento e vinte homens

PAM GODWIN
indisciplinados, briguentos e de mente luxuriosa, e nenhum deles
sequer toca em você. Eles não ousariam.”

“Um deles ousou.” Inclino-me, pairando a uma distância de


um fôlego.

“Sim, bem, passei a vida inteira assumindo riscos.” Ele roça


seus lábios contra os meus. “Mas nenhum tão satisfatório quanto
o que levei com você.”

Então ele me pega de novo, com a mão no meu cabelo e a


língua na minha boca. Aquele beijo quente roubado, do homem
que quebrou meu coração, faz exatamente o que pretendia fazer.

A tensão em meus membros diminui. O gelo em minhas


veias derrete e os fragmentos da minha razão se desintegram
enquanto afundo em seu esplendor. Seu gosto viciante, seu toque
confiante, seus sons guturais, seu cheiro de água salgada, tudo
isso residirá para sempre entre as minhas melhores e piores
memórias.

Eu poderia passar uma eternidade me alimentando de seus


lábios exuberantes. Os segundos em que caímos na paixão sem
esforço exigiriam semanas com qualquer outra pessoa. Nossos
corpos se juntam em uma moagem mútua. Corações batendo no
mesmo ritmo. Línguas deslizando em sincronia. Respirações se
fundindo como uma.

Ele quebra o beijo.

Sigo seu olhar para o lado, observando enquanto ele vira a


ampulheta, inicia o filete de areia e desliza a mão por baixo da
saia da minha camisa.

Com um único dedo, ele traça minha coxa do joelho ao


quadril antes de afundar entre as minhas pernas e entrar
diretamente no meu calor encharcado.

PAM GODWIN
Paro de respirar e meu pulso foge de mim enquanto
formigamentos eróticos varrem cada centímetro do meu corpo.

Ele lentamente relaxa e desenha um círculo sem pressa ao


redor da minha entrada, uma, duas vezes, acendendo espasmos
ao longo dos meus músculos ávidos. Então ele mergulha aquele
dedo novamente, gemendo quando sente o quão quente,
apertada, molhada e necessitada estou. Eu poderia muito bem
ser virgem, dada a maneira como respondo à sua intrusão. Faz
muito tempo desde que fui tocada.

Isso é perigoso. Insano. Doentio. E muito certo.

Eu tenho anos de arrependimentos, mas negar a mim


mesma uma última cavalgada em sua mão experiente não será
um deles.

E assim começa. Dentro e fora, girando e girando, ele me


toca com a habilidade de um libertino. Eu me derreto em torno
de cada puxão e gemo com cada impulso de chumbo, cedendo
contra o pilar de seu torso enquanto estremecimentos de prazer
me ferem mais forte, mais quente.

Estou escorregadia e sem vergonha, ele é intoxicante, me


girando e afogando com seu domínio do meu corpo. O alívio está
tão perto que posso sentir a ponta cintilante e provocadora dele.

No centro das sensações está sua boca, sua boca quente e


traiçoeira se movendo contra a minha em um deslizar lânguido
de pele úmida e respirações aquecidas. Ele tem gosto de oceano,
profundo e turbulento, libertador e reconfortante, familiar e
sagrado. Houve um tempo em que ele representava todas essas
coisas.

Uma pressão sinuosa percorre meu corpo, reunindo-se ao


redor do toque de seu dedo. Mas uma olhada na ampulheta me
enche de pavor. Uma quantidade tão insignificante de grãos
passou.

PAM GODWIN
“Pela minha estimativa, isso é um minuto a menos.” Ele
torce o dedo dentro de mim e arrasta meus lábios de volta aos
dele, ofegando com fome. “Faltam mais nove.”

Ele não precisa de dez minutos para me liberar. Ele pode


fazer isso em dois. Mas sobreviver ao relógio não é meu objetivo.

Com sua respiração batendo contra a minha boca e o


comprimento impossivelmente longo e inchado dele pressionando
contra a parte interna da minha coxa, é a hora. Ele é estúpido o
suficiente, sua guarda efetivamente comprometida enquanto
fecha os olhos e enfia o dedo profundamente nas dobras
encharcadas de minha pele.

Minha garganta aperta quando coloco meus lábios em sua


orelha e sussurro: “Que isso seja uma lição de traição.”

“O que...?”

Empurro seu peito com toda a força do meu braço e esmago


a garrafa de rum contra o lado de sua cabeça. Através de um
spray de bebida alcoólica e vidro, o mundo para enquanto ele me
olha incrédulo.

Então ele cai como um saco de grãos. Suas costas batem


no colchão. Seu corpo fica mole entre minhas pernas e o sangue
jorra da ferida irregular perto de sua têmpora.

Ele está inconsciente.

O gosto rançoso da dor inunda minha boca. Meus seios da


face queimam e o fogo queima a parte de trás dos meus olhos.
Que tipo de mulher machuca o homem que ama?

“Eu sinto muito.” Coloco minha bochecha em seu peito e


solto um grito sufocado de alívio e agonia.

Choro pelo casamento que estraguei tão miseravelmente.


Para o homem cuja infidelidade me ensinou uma dura lição sobre

PAM GODWIN
confiança. E pelo amor que estou deixando ir depois de tantos
anos segurando.

É hora de superar isso. É hora de encontrar a bússola,


trancar meu demônio no porão e mantê-lo cativo até que ele
termine comigo tanto quanto eu com ele.

Enxugando as lágrimas, estico-me em direção ao seu rosto


e beijo seus lábios frouxos. Doeu fazer isso.

Dói ficar de pé e não beijá-lo novamente.

Dói me virar e endireitar minhas roupas íntimas. Mas eu


consigo.

Eu o coloco atrás de mim, respiro fundo e grito pelo meu


contramestre.

PAM GODWIN
ONZE

“Tire a roupa dele.” Limpo o nervosismo da minha voz e dou


minhas costas a Reynolds, deixo-o para lidar com o corpo
inconsciente de Priest. “Quero-o nu e indefeso quando o
prendermos no porão.”

Onde coloquei minha camisa favorita? Ah! Ali. Agarro-a do


chão e visto sobre meu espartilho de linho.

“Nu?” Reynolds pergunta atrás de mim. “Tem certeza,


Capitã?”

“Sim.”

Eu tenho? Ver Priest sem sua calça não vai exatamente me


ajudar a me soltar e seguir em frente. Mas quero sua
humildade. Eu preciso disso.

“A nudez não afeta meu irmão como as pessoas


normais.” Ele anda, rangendo as tábuas com o balanço do
navio. “Na verdade, dá a ele mais confiança. Especialmente perto
de você.”

“Ele escondeu minha bússola, Reynolds, e você vai


pesquisar cada dobra e fenda, começando com as da sua pessoa.”

“Ele fez o quê ?”

PAM GODWIN
Enquanto eu o atualizo sobre a última traição de Priest,
troco minha combinação por uma calça e calço minhas botas de
cano alto.

Totalmente vestida, me viro para encontrar Reynolds


curvado sobre a forma nua e imóvel na minha cama. “Diga-me
que você encontrou.”

“Não a bússola. Mas Capitã... ele estava escondendo outra


coisa.”

A cautela em seu tom me aproxima. Quando chego ao seu


lado, minha boca seca. Meus olhos ficam quentes e balanço a
cabeça, incapaz de entender o corpo devastado diante de mim.

Do quadril ao tornozelo, a pele de Priest ondulou e se


deformou como couro derretido. Querido Deus, sua perna inteira
está estranhamente borbulhando, sem pelos, com cicatrizes.

Queimado.

Ele foi queimado tão horrivelmente e completamente em


seu lado esquerdo que faz minha perna latejar em solidariedade.

“Como?” Agarro minha garganta, relembro as linhas


perfeitas de seu físico de dois anos atrás. “Quando?”

“Não recentemente.” Ele rola Priest para o lado sem marcas


e se inclina para ver melhor. “Ele está totalmente curado.”

É uma maravilha que ele tenha sobrevivido ao trauma. As


queimaduras quase engoliram sua perna. Ele claramente
sobreviveu a isso, mas a que custo? Ele suportou a recuperação
agonizante sozinho?

Eu deveria ter estado lá para ele, cuidado dele, sem


nenhuma razão racional que possa nomear. Ele não merece
minha ajuda ou simpatia.

PAM GODWIN
“Coloque sua calça de volta e amarre as mãos.” Não consigo
olhar para sua pele arruinada. Não porque o torne menos
bonito. Mas porque seu sofrimento me faz sentir como um
fracasso, como uma esposa ausente e sem valor. “Vou interrogá-
lo assim que ele estiver preso no porão.”

Reynolds segue minha ordem, amarra e lança oitenta e dois


quilos de músculos apáticos e ameaças por cima do ombro.

Conduzo-o porta a fora e agarro o primeiro membro da


tripulação que avisto, um grumete esguio, fedorento e sujo.

“D'Arcy, ajude Reynolds a descer até o porão.” Dou um


empurrão no menino fedorento, apressando-o. “E chame o
cirurgião. Quero que o ferimento na cabeça do Sr. Farrell seja
examinado antes do último sino do vigia.” Meu próximo pedido
vem com todo o latido da voz condescendente da minha
mãe. “Então você encontrará roupas limpas e um balde para se
lavar.”

“Sim Capitã!” D'Arcy dá um pulo, ansioso para agradar.

Reynolds avança pesadamente atrás do menino, ajustando


o corpo de Priest no ombro. Quando eles viram o corredor, volto
para a cabine e me encosto na porta fechada.

Pelo menos, tenho as botas do meu pai de volta. Agora,


tenho que recuperar a bússola.

A caça se estende até tarde da noite. Qualquer coisa que


não está aparafusada em minha cabine foi derrubada, separada
e virada do avesso. Mesmo com a ajuda de Reynold, a busca é
onerosa. A frustração se funde com a exaustão e, algum tempo
depois do último sino, paro em meio aos escombros e admito a
derrota.

“Não está aqui.” Desabo na cadeira da escrivaninha.

PAM GODWIN
“Devo ajudá-la a limpar?” Reynolds recoloca uma tapeçaria
Caribbee na parede e esfrega a testa. “Ou continuar a procura no
topo?”

“Isso pode esperar até o amanhecer. Tudo isso. Durma um


pouco.”

“Você vai?” Ele abre a porta e olha para mim.

Eu, dormir? Com meu marido algemado apenas alguns


níveis abaixo de mim?

Dou um sorriso fraco. “Vou tentar.”

Dormir, como se vê, revela-se tão desafiador quanto ficar


longe. Priest é a chama da minha cabeça cheia de traças. Cada
pensamento, cada emoção, vibra em direção a ele,
incessantemente. Sem descanso. Destinada a morrer, uma morte
vergonhosa.

Espero cinco horas eternas antes de sair de minha cabine.

À luz fraca do amanhecer, ordeno uma busca em todo o


navio pela bússola. Enquanto Jade navega para longe da
Jamaica, a tripulação se esforça para localizar o prêmio,
motivada pela ração extra de comida que prometi ao homem que
a encontrar.

Deixo-os com isso, desço abaixo da galeria, dos


alojamentos da tripulação, do convés inferior e ainda mais fundo,
pela escotilha do porão.

Na parte inferior da escada, sua voz, profunda,


autoconfiante, alongando as vogais do seu sotaque galês, me
saúda das sombras. “Estava esperando por você.”

Acendo a lanterna na parede, endireito os ombros e me viro


para encará-lo. “Conte-me sobre as cicatrizes.”

PAM GODWIN
Sua cabeça inclina, sua expressão momentaneamente
desprotegida e decididamente má. Com a mesma rapidez, suas
feições se apagam. Uma recusa flagrante em falar.

A algema de ferro em seu tornozelo se conecta à parede por


uma corrente pesada. Ele não se incomoda em se levantar de sua
posição no canto, sabe que não entrarei em seu alcance.

“Você foi torturado por alguém?” Pego um barril vazio do


estoque de água e uso-o como banquinho para me sentar. “Ou foi
pego em uma batalha? Um incêndio no mar?”

Sua mandíbula se flexiona e ele desvia o olhar, apresenta


um perfil distinto e angular, como o de um homem nascido na
classe alta. Mas ele não é um aristocrata.

Ele come com a mesma faca com que mata. Beijou damas
nobres com a mesma boca que cuspia em sua respeitabilidade. E
conquistou seus inimigos com uma brutalidade que jamais seria
encontrada entre os escalões do governo britânico. Ele tem
orgulho de ser um plebeu e o domina bem, como meu pai.

Exceto que meu pai não foi um marido mentiroso e traidor.

O ferimento na cabeça de Priest parece limpo. Sem


ataduras ou pontos necessários. Talvez eu devesse ter batido nele
com mais força.

Seus olhos se voltam para os meus e sua boca se torce,


sensual e cruelmente, provocando memórias de sua
crueldade. Tenho uma suspeita enervante de que ele está ciente
da simples elevação dos meus seios, da menor mudança em meus
ombros, de cada contração minúscula que faço para compensar
a fadiga muscular e o desconforto.

No entanto, ele fala com indiferença fria e


imperturbável. “Você ainda está com raiva.”

“Você ainda é um idiota.”

PAM GODWIN
“Você não pregou o olho na noite passada.”

“Eu certamente...”

“Nós dois sabemos que minha proximidade impede um


momento de descanso. Mas você sempre teve problemas para
dormir. São os pesadelos. Ainda chora por sua mãe?” Ele suaviza
sua voz. “Implora para ela não pular?”

Sim.

Minha garganta aperta. “Você não me vê há dois anos. Não


me conhece mais.”

“Eu te conheço melhor do que ninguém.”

Sorrio, um som forçado de descrença.

“Eu sei que você odeia vestidos e acessórios frívolos. Usa


camisa e calça de menino porque é prático. Mas também satisfaz
uma necessidade inata de resistir ao seu sangue nobre.” Ele
inspeciona minhas roupas com um sorriso malicioso. “Você
sempre usa chapéu quando o sol está mais alto, alegando que
serve para proteger os olhos. Mas, realmente, é para proteger sua
pele. Porque foi criada para favorecer uma pele clara.”

“Palpite de sorte”, resmungo. “Tudo baseado em


informações que nunca deveria ter dado a você.”

“Eu sei que a pirataria inspira uma emoção em você como


nada mais. Quando muito tempo passa entre os ataques, você
mastiga suas unhas até o sabugo.” Ele olha para as pontas
crescidas em meus dedos. “Você esteve ocupada. Vem de um
longo trecho bem sucedido no mar, aposto.”

Maldita seja sua percepção. Enrolo minhas mãos,


escondendo as evidências.

“Quando em silêncio e à vontade, você é a imagem de uma


recatada beleza patrícia, e esses olhos... Cristo, eles são tão azuis

PAM GODWIN
e enormes, como uma criança inocente de olhos arregalados. Eles
são sedutores. Enganadores.” Ele toca o corte em sua cabeça e
franze a testa. “No momento em que alguém a desafia, o mundo
é lembrado de que Edric Sharp gerou uma força maligna a ser
considerada.”

Não pensava em mim dessa forma, mas a observação me


agrada.

Ele me dá toda a atenção de seu olhar, que parece decidido


a resolver o debate sobre nossa intimidade. “Eu sou o único que
conhece sua criação.”

“Charles Vane conhecia.”

“Ele morreu há quatro dias. No aniversário do seu pai.”

Engasgo com uma massa ambivalente de emoções,


ressentida com seu conhecimento, mas grata por ele se
lembrar. “É o bastante.”

“Se você ouvir as palavras vire durante o calor da paixão,


fica violentamente enjoada. Você não pode simplesmente reviver
o ataque do Marquês de Grisdale, ele apodrecerá no inferno por
toda a eternidade.” Ele flexiona as mãos. “Você também revive a
morte de seus pais.”

“Pare.” Minha voz quebra, presa contra um soluço. Tento


empurrá-lo para baixo, me libertar, mas é como tentar fugir de
um maremoto.

As lágrimas começam a vazar. Desenfreadas e quentes,


elas correm pelo meu rosto e se juntam na mão que seguro contra
minha boca.

“Eu sei o quanto você precisa da chave da bússola do seu


pai.” Ele pisca, uma queda lenta de cílios. “Não pelas riquezas
que trará. Você espera desesperadamente que isso a leve a uma

PAM GODWIN
carta, palavras de amor ou afirmação, algo pessoal que ele possa
ter deixado para você antes de morrer.”

Deus misericordioso, como ele sabe disso? Eu nunca disse


nada disso a ninguém. No entanto, cada palavra é dolorosa e
brutalmente precisa.

“Onde está?” Bato o punho contra o barril abaixo de mim.

Ele não vacila, não me dá a satisfação de vacilar no mínimo.

O que eu esperava? Que ele jogasse a


bússola? Concordasse com o divórcio? Prometesse me deixar em
paz?

Encontro seu olhar. “Como você foi queimado?”

Silêncio. Uma parede de pedra brilhante e fria de silêncio.

Não deveria ter vindo aqui.

O homem está preso a ferros, sem armas e ainda consegue


me dominar.

Abraço minha cintura e fecho os olhos, desejo de todo o


coração poder sentir os braços do meu pai em volta de mim
novamente. Sinto muita falta dele. Da minha mãe também.

Qual é o sentido de qualquer coisa se não tenho alguém por


quem lutar e com quem lutar, para amar e odiar, para sentir falta
e fazer falta?

A única pessoa que ainda está viva que sente minha falta é
meu marido. E apesar de sua traição imperdoável, ele é aquele de
quem mais sinto falta.

Eu perdi a sensação dele, a vibração de sua voz contra


minha bochecha, as sensações reconfortantes e eufóricas que só
ele pode despertar em mim. Sinto falta de nossas conversas, de
suas palavras instigantes em meu ouvido enquanto ele me

PAM GODWIN
segurava com força contra o músculo moldado e polido como uma
armadura brilhante.

A verdade é que não vim aqui pela bússola. O que eu


procuro está faltando há dois anos.

Eu geralmente não sou tão carente. Desde o momento em


que soube da captura de Charles Vane, fiquei
desequilibrada. Então veio sua morte, o aparecimento súbito de
Priest, a bússola perdida, tudo isso está atrapalhando meu
julgamento.

“Bennett.” Olhos cinza prateados comandam minha


atenção, brilham como lâminas, afiados o suficiente para
encurtar minha respiração. Não são os olhos de um prisioneiro
acorrentado, pois não mostram medo. “Estou pedindo um cessar-
fogo. Uma trégua temporária.”

“Seus jogos se esgotaram.”

“Sem jogos. Sem engano. Sem sedução. Nós vamos


ceder. Só um pouco.”

“Priest Farrell se rende? Esse será o dia.”

“Não. Vamos simplesmente deixar de lado nossas


disputas. As brigas, xingamentos, ressentimentos, tudo estará
esperando quando você estiver descansada e pronta para
continuar de onde paramos. Nesse ínterim, vai caminhar até
aqui, dormir um pouco e vou te abraçar enquanto você dorme.”

O que ele oferece é bom demais para ser verdade. Há uma


pegadinha, um truque na manga. Só que não há mangas. Sem
camisa nesse corpo delicioso.

Essa é a armadilha. Priest seminu tem a vantagem, e


quando ele olha para mim, vê minhas fraquezas. Minhas
vulnerabilidades. Ele sabe exatamente como me machucar.

PAM GODWIN
“Pare de pensar demais nisso.” Ele estica as pernas e abre
os braços. “Seja uma boa menina e venha aqui. Agora mesmo.”

Não confio nele. De modo nenhum. Sou a responsável. A


Capitã deste navio.

Mas ele sempre foi meu capitão. Aquele com quem eu podia
contar enquanto cento e vinte homens dependiam de mim.

Eu me vejo escorregar do barril, minhas pernas cansadas


me levam para seus braços que esperam. Eu o vejo me guiar em
seu colo. Colocar minha cabeça na junção quente e sólida do seu
ombro nu e pescoço. Embalar-me em uma calmaria
pacífica. Murmurar em seu doce barítono galês. Acariciar meu
cabelo, meu braço, meu rosto. Eu nos vejo afundando na
intimidade de nossos corpos, respirando nele, naquele espaço
onde nosso calor se acumula, onde nossos cheiros se misturam
e se fundem, onde não há contato físico, mas uma consciência de
corpo inteiro de sua existência.

É irreal, apenas imaginação. Lembre-se disso. Eu anseio


pelo sentimento. Anseio por coletá-lo, engarrafá-lo e carregá-lo
sempre comigo. Talvez se eu me entregar mais uma vez...

Não, não, preciso parar. Meu coração está muito partido,


minha cabeça muito cheia de conflitos.

Priest me enganou uma vez, mas não posso me lamentar


desse fracasso. De que outra forma aprenderei, se não com meus
próprios erros?

Pisco, respiro fundo e me forço a ver o que realmente está


diante de mim. Não importa o quanto tentemos ou o quanto
mudemos, os destroços de ontem nunca se encaixarão hoje. Há
muitos pedaços quebrados.

PAM GODWIN
Ele olha para mim com foco, sem piscar, avalia minha
linguagem corporal, estuda minhas expressões, rastreia cada
respiração minha.

Não aguento. “Você pode abandonar esse olhar


silencioso. Não sou tão interessante.”

“Discordo.” Ele dá um tapinha em seu colo. “Venha.”

“Pergunte.” Inclino-me para a frente e endureço meus


olhos. “Implore.”

Ele faz uma cara feroz, completa com um rosnado bestial,


narinas dilatadas e dentes à mostra. Bem quando penso que ele
vai explodir, controla tudo.

“Você vai se sentar comigo?” Sua mandíbula trabalha


através da resistência de trituração antes que ele morda o
resto. “Por favor, sente-se comigo?”

“Não.”

“Droga, mulher!” Ele fica de pé, sacode a corrente e flexiona


os braços. “Deixe-me segurar você por um minuto esquecido por
Deus!”

“Esqueça, Priest. Ou melhor ainda...” Eu me levanto do


barril, luto contra a exaustão. “Esqueça-me.”

“Nunca.”

“Por quê?”

“Você sabe porquê.”

“Lembre-me.”

“Liberte-me e eu mostrarei...”

“Agora, meu patife infiel. Não posso confiar em você a bordo


do meu navio, a menos que o carregue como prisioneiro, pois

PAM GODWIN
ambos sabemos que você formará um grupo com meus homens,
me prendendo com os ferros e fugindo com meu navio pirata.”

“Solte-me e passarei o resto da minha vida mostrando a


você...”

“O que você vai me mostrar?” Minha voz sobe várias


oitavas. “Amor?”

“Sim.”

“O amor não trai.” Essa dor familiar se anuncia nas


rachaduras da minha voz. “Por que você fez isso?”

“Acredite em mim...” Ele deixa cair a cabeça para trás sobre


os ombros e respira pelo nariz. “Não foi de propósito.”

“Ah? Foi um acidente, então? Como isso funciona? Você


caiu da minha cama e acidentalmente caiu na buceta de outra
pessoa?”

“Você acha que eu queria isso?” Ele nivela seu olhar no


meu. “Eu nunca quis machucar você. Inferno, nem sabia que era
capaz de me apaixonar. Deus sabe que eu nunca quis que isso
acontecesse duas vezes e certamente não ao mesmo tempo.”

Ranjo meus dentes. “Uma pessoa não pode estar


apaixonada por duas pessoas.”

“Gostaria que isso fosse verdade. Só me causou miséria e


solidão.”

“Dê-me o nome dela.”

Seus olhos se fecham, um gesto deliberado de relutância.

“Ela rejeitou você.” Meu peito dói. Não mereço isso. “Por
que você a está protegendo?”

“Eu protejo o que amo.” Seu olhar volta para o meu,


inabalável em sua honestidade cruel. “Simples assim.”

PAM GODWIN
“Eu vejo.” Tudo dentro de mim desaba e queima enquanto
me movo em direção à escada. “Última chance de entregar a
bússola.”

“Não posso fazer isso, Bennett.”

Com uma bota no degrau inferior, olho para a escotilha,


compondo meus pensamentos.

“Se eu negligenciasse seu namoro... se pudesse ser o tipo


de mulher que compartilha seu marido com suas amantes, todas
as nossas disputas iriam embora. Você iria devolver minha
bússola. Iria recebê-lo de volta na minha cama. Você teria suas
amantes ao lado. E eu teria o meu.”

Faço uma pausa, deixo-o absorver a última parte antes de


olhar para ele.

Punhos cerrados ao lado do corpo, pés descalços


espalhados em uma postura de guerreiro, a boca em uma linha
dura, tez vermelha de ira, ele olha em choque.

Aí sim. Ele ouviu cada palavra.

“Não me olhe assim, querido.” Inclino minha cabeça. “Você


estabeleceu as diretrizes para o nosso casamento. Estou
simplesmente seguindo sua liderança.”

“Não. De jeito nenhum. Pelo sangue da Virgem Mãe, estou


avisando.” Sua respiração acelera e sua voz está tensa com
violência mal controlada quando um dedo longo e ameaçador
empurra em minha direção. “Eu não vou compartilhar você com
outro.”

“Saiba disso, Priest Farrell. Se não devolver minha


bússola, compartilhar é exatamente o que você fará.”

“Bennett!” Seu rugido me persegue escada acima e pela


escotilha.

PAM GODWIN
Enquanto caminho ao longo das passagens escuras, subo
um nível e caminho para a popa até a próxima escotilha, ainda
posso ouvi-lo berrar meu nome.

Minha ameaça o abalou, assim como eu esperava. Se


conseguirei prosseguir, é outra história. Agora estou
determinada o suficiente para levar um membro da tripulação até
o porão e transar com ele na frente de Priest. Aperto minhas
mãos, com raiva o suficiente para fazer todo tipo de coisas
horríveis.

“Capitã!” Reynolds me para no convés inferior. “Como foi?”

“Como esperado.” Levanto a mão e escuto. Ou Priest se


acalmou ou o barulho dos aposentos da tripulação nas
proximidades consumiu seus gritos. “Você encontrou a bússola?”

“Não.” Ele enxuga o suor da testa e faz uma


careta. “Revistei o bote. Através do convés superior e todas as
paredes e barris que ele passou na noite passada para sua
cabine.”

“Está aqui.” Empurro por ele, vou para a


superfície. “Continue olhando.”

“Jobah avistou velas na proa de bombordo.” Ele espera até


que eu me vire, sua voz baixa. “Um navio negreiro britânico.”

Minha frequência cardíaca dispara. “Velejando de São


Cristóvão?”

“Nós acreditamos que sim.”

“Podemos levá-lo?”

“Sim.” Ele abre um sorriso enorme com dentes grandes e


afiados.

Sorrio com ele, oscilo à beira de uma risada repentina.

PAM GODWIN
Com o cultivo da cana-de-açúcar em São Cristóvão surgiu
a necessidade de trabalhadores. Uma demanda voraz por corpos
fortes e trabalhadores. Daí a importação desenfreada de escravos
africanos.

Minha família tinha escravos na Carolina. Mulheres


nativas preparavam minhas refeições, preparavam meus banhos
e arrumavam meu cabelo. Eu não sabia o que isso significava até
quatro anos atrás, quando conheci Jobah.

No dia em que decidi atacar seu navio negreiro, um ano


antes de conhecer Priest e Reynolds, não foi por heroísmo ou
benevolência. Eu não tinha ideia do que estava abarrotado,
faminto e acorrentado no porão de carga.

Essa descoberta horrível me rendeu uma espada na


barriga.

Minha mão cai na cicatriz que corta meu abdômen. Jobah


me salvou naquele dia. Ele não apenas escapou de suas correntes
e matou o guarda que me apunhalou, mas também me carregou
para fora do navio e para o meu cirurgião antes que eu sangrasse
até a morte.

Depois, ele poderia ter voltado para sua terra natal com o
resto de seu povo. Em vez disso, escolheu ficar comigo.

Ao longo dos anos, ensinei-lhe inglês e como navegar em


um galeão de cinquenta canhões. E ele me ensinou o valor da
liberdade. Seus relatos em primeira mão de seus meses a bordo
de um navio negreiro ainda me assombram. Ele sempre terá as
cicatrizes de um escravo, mas não é mais aquele homem. Na
verdade, ele é o melhor piloto em alto mar.

“Prepare as baterias de bombordo.” Subo a escada final e


me levanto da barriga escura de Jade, gritando para a luz do sol,
“Jobah! Reúna seus gráficos e me encontre no comando!”

PAM GODWIN
“Seu chapéu, Capitã.” D'Arcy pula no meu caminho, segura
o chapéu preto que prefiro preso em três lados.

“Obrigada, rapaz.” Coloco-o na minha cabeça enquanto a


emoção toma conta do meu coração.

Pena que Priest não estará aqui para aproveitar isso. Mas
ele fez sua escolha, e essa escolha não fui eu.

Afasto os pensamentos de meu casamento fracassado e da


bússola perdida, olho para a poderosa roda de dois raios, que se
estende quase tão alta quanto o formidável homem africano
parado atrás dela.

Os olhos escuros de Jobah brilham para mim, acendem um


fogo em minha alma.

Subo correndo a escada ao lado dele para preparar nosso


ataque e livrar o mar de homens mais malvados que eu.

PAM GODWIN
DOZE

Equilibro minhas botas na lança, uma luneta no meu olho


e uma mão aperta ao redor da tacha para me apoiar. A fumaça
do tiro de canhão permanece, o cheiro cru dele agarrado na parte
de trás da minha garganta. Com isso, vem o gosto amargo da
decepção.

O navio de carga se rendeu ao primeiro tiro que atiramos


em sua proa. Se eles fossem outra coisa que não comerciantes de
escravos, eu poderia tê-los deixado viver.

A evidência de sua maldade está no casco, que foi dividido


em porões com pouco espaço para a altura e correntes
intermináveis balançando nas vigas e serpenteando pelo
convés. Tudo para conter centenas de cativos. E tudo está vazio.

O navio negreiro já entregou sua carga na ilha de São


Cristóvão.

Baixo o copo e encontro Jobah parado ao lado de Reynolds


perto do leme. Juntos, eles assistem o mar engolir o que resta do
navio em chamas da viga de bombordo.

Matamos todos os homens a bordo, exceto dois.

Dois escravos malnutridos e maltratados.

PAM GODWIN
Eles estão agora no meu navio, sob os cuidados de
Ipswich. Não é a primeira vez que meu cirurgião trata estranhos,
devolvendo-lhes a vida. Ele resmunga e reclama, alegando que
não precisa obedecer às ordens de uma mulher. Mas o velho tolo
rabugento secretamente gosta. Ele não teria ficado comigo todos
esses anos de outra forma.

Quando a última verga do navio negreiro afunda na maré


com um arroto borbulhante, respiro fundo e grito, “Pesem a
âncora! Todas as mãos se preparem para velejar!”

Pulo para o convés da proa e cruzo para a grade que dá a


extensão do convés superior deslumbrante do Jade. Com suas
velas superiores levantadas da batalha e sua haste robusta
pronta para quebrar o vento e a água, inclino minha cabeça para
trás e deixo o esplendor rolar por mim.

A luz do sol aquece meu rosto. A brisa chicoteia meu


cabelo, testando o aperto do meu chapéu. O spray do mar borrifa
minhas roupas e mergulho tudo dentro.

Meu pai uma vez esteve neste mesmo lugar, comandando


uma tripulação diferente e ganhando sua lealdade, batalha após
batalha. Tive a sorte de seguir seus passos.

Nunca vou esquecer isso. Nunca darei por certo.

Os marinheiros clamam na proa e na popa, os pés


descalços batem forte no convés. O guincho geme, e o cabo da
âncora, escorregadio de algas estala, balança para fora do mar.

“Levante esses bujões.” Desço para o convés


principal. “Quando limparmos os destroços, levante a vela
principal.”

Gritos soam em reconhecimento, seguidos pela alegre


canção dos trabalhadores. Sua melodia de canto narra cada
tarefa marítima, definindo o ritmo enquanto eles puxam cabos e
balanços.

PAM GODWIN
“Destino?” Reynolds me para na escada, seus brincos de
ouro brilham ao sol.

Levanto meu rosto, estimo o ângulo do vento. “Coloque-o


em um raio de alcance. Para o leste.”

“Não é isso que estou perguntando.”

Não, ele quer saber o curso de longo prazo. Enquanto


cruzamos as Índias Ocidentais, saqueando navios de tesouro
espanhóis e aterrorizando a marinha britânica, para onde
estamos indo? O que queremos no final disso? Essa sempre foi a
questão, não foi?

A resposta residia na bússola criptografada do meu


pai. Preciso encontrá-la, resolver o quebra-cabeça e seguir o
mapa.

“Localize a bússola”, falo. “Eu lidarei com Priest. Então


vamos partir daí.”

Mas, primeiro, preciso ver como nossos novos passageiros


estão se saindo nas mãos do velho e carrancudo Ipswich.

Reynolds se afasta, transmite minhas ordens à


tripulação. Um momento depois, a lona sobe e o convés se inclina
enquanto Jade se inclina para o sotavento1, soprando na direção
do vento.

Desço para o nível inferior e vou para a enfermaria.

Ipswich está de costas para a porta quando entro, seu


corpo sexagenário curvado sobre uma cama ocupada. Mudo-me
para o outro beliche e descanso minha mão no braço flácido de
um homem que me encara com olhos castanhos vidrados. Ele se
afasta do meu toque e estremece de dor.

1
Borda oposta ao lado que o vento sopra.

PAM GODWIN
Ossos se projetam sob camadas de hematomas antigos e
cortes recentes. Cabelo preto emaranhado de sangue, o rosto
muito jovem para deixar crescer uma barba. Muito jovem para
estar em um lugar estrangeiro sem família. Meu peito aperta.

Tenho uma ideia do que ele sofreu, mas não finjo entender
o que está sentindo. Medo? Ódio? Desespero? Raiva? Seja o que
for que endureceu seus olhos, não posso tirar. Não posso fazer
melhor.

“Saia!” Uma mão nodosa bate no meu ombro. “Sempre no


meu caminho, bisbilhotando e... não toque nisso!” Ipswich me
bate de novo, derruba minha mão da mesa de ferramentas de
cirurgião.

Destemida, empurro-o para ver como está o outro homem,


cuja pele brilha sob o suor frio de uma febre. “Quero uma
atualização sobre seus pacientes.”

“Assim que você remover sua carcaça insignificante da


minha enfermaria, farei com que convalesçam com sucesso.”

“Pare com isso, seu mesquinho miserável, ou irei retaliar


com sucesso.” Ancoro minhas mãos em meu quadril e olho para
ele com uma expressão ameaçadora no meu queixo. “Vamos
torcer para que você esteja se comportando de uma maneira
mais... cortês com esses homens. Se eu souber o contrário,
receberá quarenta listras nas costas nuas. Fui clara?”

“Você não faria isso.” Ele grunhe através de um ninho de


cabelo prateado e crespo.

Encontrando meus olhos, ele vê a promessa inabalável


neles. Não me importo quantos anos ele tem, se não melhorar
sua atitude, será punido.

“Sim, Capitã.” Ele abaixa a cabeça careca. “Há mais


alguma coisa?”

PAM GODWIN
“Não, doutor. Acredito que isso é tudo.”

Dou aos homens acamados um olhar de despedida e entro


no corredor, fecho a porta atrás de mim. A poucos metros de
distância, Jobah está com o ombro encostado na parede, as mãos
cruzadas atrás das costas e o branco dos olhos brilhando no
escuro.

“O doutor não é...” Ele enrola os lábios. “Agradável.”

“Ele é o pior. Eu deveria enfiar uma espada nele.”

“Mas ele ajuda muitas pessoas.”

“Ele segue ordens.” Aproximo-me e espelhando sua pose,


olho para ele. “Lamento que tenhamos chegado tarde demais
para salvar aqueles que não estavam naquele navio.” Tarde
demais, muitas vezes, penso, com o coração doente.

“Nós salvamos dois.” Ele sorri suavemente, seu olhar vaga


para a porta atrás de mim.

Não é o suficiente. Por outro lado, nunca afirmei ser uma


salvadora ou heroína de nenhum tipo.

Quando um navio negreiro cruza meu caminho, eu o


afundo. Mas não arriscarei Jade ou sua tripulação em um ataque
contra uma ilha inteira como São Cristóvão. Jobah sabia do meu
propósito quando se juntou a mim e nunca tentou me persuadir
a mudar de rumo.

Aperto seu ombro forte, esticando meu braço para alcançá-


lo. Sua presença quieta e elevada às vezes me intimida. Respeito
isso. Significa que ele intimida nossos inimigos também.

“E o outro nos ferros?” Ele cruza os braços.

“Que outro?” Deixo cair minha mão.

“Seu companheiro no porão.” Ele ergue uma


sobrancelha. “Quando você vai salvá-lo?”

PAM GODWIN
Minha respiração para.

Jobah esteve comigo durante meu namoro, casamento e


desavenças com o rei dos libertinos. Ao longo do caminho, ele e
Priest formaram uma amizade forte.

“Ele não precisa ser salvo.” Meu tom fica gelado. “Se você
pretende libertá-lo...”

“Não vou interferir. Mas vou te dizer.” Ele se inclina. “Ouça-


o. Ouça.”

“Sim, Jobah. Ele fala em mentiras e manipulações.”

“Ouça o que ele não está dizendo.”

Estreito meus olhos. “O que você sabe? Ele te disse...?”

“Eu o visitei esta manhã.” Ele ergue as mãos. “Mas se eu


soubesse seus segredos, você também saberia. Você tem minha
lealdade, Capitã.”

Balanço a cabeça, confio nele implicitamente.

“Tudo o que planejou para ele, seja gentil.” Jobah se


endireita, sua expressão sombria. “Machucar você já causou a ele
a maior dor.”

PAM GODWIN
TREZE

Cada superfície de Jade é levantada, limpa e substituída


até que minhas mãos e nervos estão em carne viva. Pranchas,
portas, paredes, escadas, velas, roupas... até corpos. Cada
homem a bordo foi submetido a uma inspeção completa por mim
ou por Reynolds.

A bússola permanece oculta.

Os dias se transformam em uma semana e eu me perco na


busca, então posso esquecer o verdadeiro motivo pelo qual
minhas botas me carregam até o porão todas as manhãs.

Meu desejo por Priest se recusa a diminuir.

Tentei seguir o conselho de Jobah e ouvir o que


Priest não diz com palavras. Mas cada visita rendeu o mesmo que
a primeira. Ele olha em silêncio taciturno. Analisei cada
contração. Ele exigiu minha fidelidade. Repeti minhas
ameaças. Nós discutimos. Ele rugiu e eu fui embora.

Eu me abstive de tortura ou sexo... com ele ou qualquer


outra pessoa. Eu tentei gentilmente.

“Gentileza não funciona com Priest.” Fico sozinha em


minha cabine, nua e decidida. “Ele não me deixa escolha.”

PAM GODWIN
Pego uma laranja descascada da mesa, seguro contra o
peito e aperto. O suco escorre por meus seios e pego os rios
pegajosos, esfregando o néctar na pele dos ombros à cintura.

Com meu torso banhado pela fruta, visto a camisa de


Priest. A branca com cadarços de couro que ele deixou na minha
cabine uma semana atrás. Chega nos meus joelhos e ainda tem
o cheiro dele, sombrio, almiscarado, pecaminoso. Mas não por
muito tempo.

De um pequeno baú, tiro uma garrafa de água cheirosa que


comprei em um boticário alguns meses atrás. Removo a rolha,
molho minhas mãos e passo sobre a camisa. O aroma de óleo de
cravo, alecrim e canela atinge meu nariz, sutil, mas forte o
suficiente para diluir o cheiro de laranja.

Feito isso, esfrego minhas mãos até que todos os vestígios


de polpa sejam removidos de meus dedos e unhas. Então vou até
Priest.

Na escotilha para o porão, faço uma pausa, respiro fundo


e reúno minhas forças.

Ontem eu o deixei fervendo de incerteza se voltaria ou


com quem voltaria. Se minha visita de hoje não produzir a
bússola, não terei escolha a não ser voltar com um companheiro
de tripulação e cumprir minha promessa de foder
outro. Provavelmente Reynolds.

Mas eu não consigo pensar nisso agora. Não posso me


deixar arrastar pela angústia de fazer algo tão ruim.

Preciso disso para funcionar. Se eu irritar Priest o


suficiente, ele entregará o que preciso e acabará comigo.

Posso fazer isso.

PAM GODWIN
O frio e a determinação penetram em meus músculos,
imergem no pânico quando abro a escotilha e desço. Na parte
inferior da escada, fico ereta e me viro lentamente.

Seu olhar prateado me agarra através do espaço escuro,


apontando para sua camisa. Não uso nada por baixo do linho
branco e, embora não seja transparente, não esconde a forma dos
meus mamilos ou as curvas da minha forma. Seu olhar se deleita
em cada mergulho, baixa para onde o tecido roça meus joelhos e
sobe para os meus olhos.

Meu coração troveja desconfortavelmente enquanto


olhamos um para o outro.

Sinto então, me preparei para isso, a alquimia misteriosa e


enfraquecedora que ferve no ar entre nós.

Seu belo rosto acena, o molde de sua mandíbula dura e


boca cinzelada, requintados nas sombras bruxuleantes. Seu
peito nu se flexiona com músculos, seus braços se esticam com
força suficiente para segurar duas pesadas armas de fogo. Ou o
peso do meu corpo enquanto ele me bate contra a parede.

Sim, sou inegavelmente atraída por ele. Mas a conexão é


muito mais profunda. Quando ele exala, meus pulmões engolem
em seco. Quando ele engole, minha boca seca. Quando pisca,
meu corpo inteiro para. E não sou só eu.

Tudo que faço, cada respiração, batimento cardíaco e


palavra, resulta em consequências e obrigações para ele. Se eu
correr, ele me segue. Se eu morrer, ele sofre. Se eu o beijar, ele
vai endurecer, alongar e gemer.

É uma série de ações mútuas que nos unem, e será


necessário um único golpe concentrado para nos separar
permanentemente.

Sem quebrar o contato visual, coloco um pé antes do outro


e começo uma abordagem sem pressa.

PAM GODWIN
A surpresa brilha em seu olhar, seu corpo rígido com
suspeita. Ele esperava que eu o torturasse com infidelidade, não
voltar para ele sozinha, vestindo apenas sua camisa e ficando ao
alcance do braço.

Ele se senta com as costas contra a parede e as pernas


esticadas diante dele, congelado. Sua boca se abre,
possivelmente para perguntar o que estou fazendo. Mas se fecha
quando me olha, aparentemente encontra a resposta em minha
expressão.

O desejo cora minha pele e separo meus lábios. Pequenos


espasmos dominam a junção das minhas pernas, sua camisa
puxa meus seios com minha respiração acelerada. Eu o deixo ver
cada reação que ele desperta em mim, minha fome, minha
vulnerabilidade, a dor infinita para acasalar com ninguém além
do meu marido.

Meu corpo me dá a vantagem que preciso com ele. Se não


hoje, então com outro homem na frente dele. Conto com isso. E
temo isso.

Um balde de água para lavar está perto do seu pé. Chuto,


enviando-o derrapando e escorregando para fora do alcance de
sua corrente. Então piso sobre ele e planto meus pés descalços
em cada lado de seu quadril.

Suas mãos instantaneamente vão para meus tornozelos,


provocando uma febre deliciosa em minha pele enquanto
deslizam para cima, acariciando a parte de trás das minhas
panturrilhas, atrás dos joelhos e sob a bainha da camisa.

O calor sai dele em ondas, seu olhar nunca deixa o


meu. Um caroço aperta minhas vias respiratórias e minha força
me abandona.

Afundo em seu colo, montando nele, e Deus me ajude, ele


parece casa.

PAM GODWIN
Ele agarra os laços da camisa e me puxa para ele, angula
meus lábios. Viro minha cabeça e sua boca pega o canto da
minha, demorando-se, ofega silenciosamente.

Nenhum de nós se move, atordoados pelo toque


doloroso. Ou talvez temerosos de que a menor mudança o corte.

As pulsações do coração batem. Sua exalação encharca


meus lábios. Minhas mãos travam em seus ombros. As coxas
duras como pedra sustentam minha bunda, e seu torso sem
camisa pressiona em mim, me deixando quente.

Ele descansa sua testa contra a minha, e nossos narizes


deslizam juntos, lado a lado, afetuosamente cutucando.

Os dedos tocam meu rosto. Quatro pontos de contato em


volta da minha bochecha. Calor assertivo queima minha
pele. Não quero nada mais do que derreter nele.

Grande parte da minha vida foi submersa em


tristeza. Solidão na minha infância, tristeza por ter perdido meus
pais, a perfídia devastadora de Priest, tudo isso devastou minhas
emoções e moldou meus sonhos mais sombrios.

Anseio por cada minúscula porção de afeto que meu marido


está disposto a distribuir. Patética.

Meus pensamentos nadam em uma confusão nebulosa


enquanto o impulso de devorá-lo luta contra o instinto de bater
sua cabeça contra a parede. Mas no momento em que seus lábios
beijam um caminho lânguido através dos meus, sou enredada.

Ele mergulha fundo em minha boca, caça minha língua e


cantarola um gemido voraz. Prazer enrolado. A loucura ameaça,
e meus músculos internos se contraem em um frenesi
estremecedor.

Sua mão coloca um colar em meu pescoço e a outra


espalma minhas costas, puxa-me contra a moagem de sua

PAM GODWIN
pélvis. A sensação febril persuade um gemido da minha garganta,
e o movimento sensual do seu quadril arrasta meu foco para a
fonte de toda a nossa miséria... seu pau pesado e inchado.

A consciência de que ele é meu marido inunda minha


lógica. Meu nariz conhece seu cheiro. Minha língua conhece seu
gosto. Minhas mãos reconhecem a textura macia de seu cabelo,
e meu corpo canta em convite, aquece e fica liso com a
necessidade.

Ele quebra o beijo para colocar a boca no meu


ouvido. “Você está com tanta fome, minha linda menina. Tão
responsiva.”

A textura áspera de seu sotaque me empurra à beira do


orgasmo. Chagas de Cristo, como senti falta de suas palavras
acaloradas, o sussurro delas em minha pele na agonia da paixão.

Suas mãos se movem, vagam por baixo da camisa e


infalivelmente encontram a cicatriz profunda na minha
barriga. Seus dedos tremem enquanto traçam a pele irregular e
enrugada antes de navegar pelo meu abdômen, moldam em torno
dos meus seios e fecham dolorosamente em meus mamilos.

Com isso, o plano é traçado. Agora que ele tocou meu seio,
levará apenas alguns minutos para absorver.

Já, com suas mãos na minha pele úmida, confusão vinca


sua testa. Por que estou pegajosa? Por que deixei ele me tocar em
primeiro lugar? Ele deveria expressar essas perguntas e me
afastar. Mas, evidentemente, ele quer muito que eu ouça os
avisos.

Seus lábios voltam aos meus, sua língua é uma


conquistadora perversa, pilha os recessos da minha boca e exige
participação. Sua excitação apunhala minha bunda, e abro para
ele, meus lábios, meus braços, minhas pernas, puxo-o mais
apertado contra mim, travo minhas coxas em torno de seu

PAM GODWIN
quadril, e caio em seu comprimento duro na minha necessidade
feroz de me aproximar dele.

Sua respiração agita o cabelo cai em minha bochecha


enquanto ele balança em mim, imitando selvagemente os
movimentos de fazer amor. Cada golpe de seu quadril alimenta
minha fome por ele, leva-me a uma loucura devastadora.

“Bennett.” Suas palmas perseguem as linhas do meu corpo


sob a camisa, acariciam e massageiam meus seios. “Só tocar em
você faz minhas mãos queimarem.”

Não sou eu que causa essa reação, e em outro minuto, ele


descobrirá isso.

É hora de me afastar.

Inclino-me para trás, não me movo como se estivesse


colocando um fim nisso. Mudo meu peso, ajusto minhas pernas
para ficar de pé. Mas faço isso sedutoramente, deslizo a mão
entre minhas coxas e acaricio minha pele encharcada enquanto
lentamente me levanto.

O movimento dos meus dedos chama sua atenção. Ele


agarra meus joelhos, não para me impedir de ficar de pé, mas
para me espalhar ainda mais para seu olhar ardente e guloso.

Faço uma demonstração escandalosa disso, acaricio-me e


toco-me a apenas um sopro de sua boca. Perto o suficiente para
provocá-lo com o cheiro do meu desejo.

O suor se forma em suas têmporas. Sua respiração se


acelera. Cada músculo visível endurece, e suas pupilas engolem
o cinza de seus olhos, dando-lhe a aparência de um predador
selvagem e louco.

Em um piscar de olhos, seus ombros empurram para


frente, seu rosto vem para minha buceta. Mas estou pronta para
isso, meus pés já se movem em uma dança ágil para evitá-lo.

PAM GODWIN
Ele me perde por um fio de cabelo. Continuo recuando,
evitando o golpe de sua mão. Com um rugido de frustração, ele
levanta e se lança.

A corrente estica, para seu avanço e puxa sua perna


debaixo dele. Ele pousa pouco antes de me alcançar, de joelhos,
com os punhos cerrados nas pranchas de madeira. Quando ele
ergue os olhos, seu brilho selvagem, consumido pelo fogo, fúria e
fome brilha sob uma sombra espessa de cílios.

“Venha aqui, Bennett.” Sua voz raspa como a areia grossa


de uma praia. Ele vai para sua calça, seus dedos se atrapalhando
cegamente com os cadarços. “Preciso estar dentro de você.”

“Sim, eu sei. Você precisa de uma amante como eu preciso


do mar. Suponho que você pode dizer que ambos ansiamos pelas
profundezas úmidas e escuras de uma amante exigente.” Recuo
até que meu traseiro atinja o barril. Sento-me, pernas abertas,
com minha mão entre as coxas. “Mas você não pode me ter. Não
mais.”

Ele se senta sobre os calcanhares, lança um olhar fugaz


para a palma da mão e dispensa a vermelhidão borbulhante para
que possa virar sua carranca maldosa de volta para mim.

“Você tem a intenção de continuar com este plano?” Sua


mandíbula flexiona em torno de cada palavra. “Você deseja me
torturar.”

“É uma tortura me ver assim?”

Não paro de me tocar, meus dedos agitam o líquido


escorregadio em torno da minha abertura. É bom, como deve
ser. Fiz isso com bastante frequência nos últimos dois anos,
sozinha em meu quarto, desejando companhia enquanto pensava
apenas em meu marido.

PAM GODWIN
Mas desta vez, não tenho que moldá-lo em minha mente. A
enorme extensão dos músculos expostos diante de mim faz
minha mão acariciar mais rápido, mais forte, esmagando a pele
úmida e túrgida, e infundindo o espaço com os sons da minha
umidade.

Ele permanece de joelhos, sua bunda perfeita descansa em


seus calcanhares enquanto se estica para frente, as narinas se
alargam como se farejassem o ar.

Poderosamente construído de uma forma que só pode ser


considerada desejável, ele é uma fera em seu auge. Seus ombros
têm reentrâncias profundas onde ossos resistentes encontram
tendões grossos. Suas mãos formam punhos letais nas coxas, o
peito sobe e desce, os braços tensos, cada centímetro dele liso e
duro.

Por baixo do tecido fino de sua calça, ele é longo e


contornado, totalmente excitado e bem-dotado, maior do que
qualquer homem que já senti entre as pernas.

Uma onda de memórias corre por mim, canalizam o calor


do meu peito para a minha barriga e mais abaixo, onde grandes
de umidade se juntam e vazam. Já faz muito tempo desde que
estive tão excitada, as evidências marcam meus dedos e coxas e
prendem sua atenção extasiada.

Tanto que ele não parece notar como está esfregando as


mãos na calça, coçando as palmas das mãos que formigam. Um
sinal claro de que ele está sofrendo de mais do que apenas uma
ereção negligenciada.

Paro minhas carícias e coloco um dedo salgado em minha


boca.

Ele congela, acompanha o movimento como se levado por


um transe estático. Os músculos de sua mandíbula travam, seus
olhos brilham como caldeirões de minério derretido.

PAM GODWIN
Então ele pisca. Seus dedos voam para os laços em sua
calça, uma mão acaricia sua protuberância através do tecido,
enquanto ele tenta soltá-lo.

“Eu não faria isso.” Abaixo meu braço.

“Você quer me impedir de me tocar? Algeme minhas mãos,


sua atrevida sem coração. Atreva-se.”

“Não há necessidade de algemas. Veja, existem dois tipos


de pessoas no mundo. Aquelas que podem comer laranjas.” Tiro
minha camisa e fico diante dele, nua. “E aquelas que não podem
tocá-las.”

Suas palmas já estão empoladas como feridas de


sífilis. Exceto que sua doença não é contagiosa. É estranha.

Honestamente, eu não conheço ninguém que pode ter uma


erupção de manchas vermelhas que coçam apenas por tocar o
néctar. Embora, certa vez, tive um homem na minha tripulação
de arma de fogo que adoecia violentamente quando comia nozes.

Priest olha para o resíduo pegajoso no meu peito e de volta


para suas mãos, sua pele empalidece quando ele faz a conexão.

“Você se banhou em laranja.” Ele olha para baixo, corre o


olhar sobre o peito nu, em busca de vestígios invisíveis da polpa
tóxica. Então seus olhos se arregalam de horror e ele ergue os
dedos em direção ao rosto.

“Não toque na sua boca.” Meu pulso dispara. “Você não


ingeriu. Ainda.”

Se ele engolir um sopro da fruta, aquelas bolhas vão inchar


em sua garganta, fechar suas vias respiratórias e matá-lo. Pelo
menos, essa foi a conclusão de Ipswich quando lhe contamos
sobre a doença peculiar, três anos atrás. Nunca quis testar a
teoria.

PAM GODWIN
“Somente suas mãos entraram em contato com o suco. Eu
espalhei aqui.” Faço um gesto para meu torso nu. “Só... não
toque em seu rosto. Ou em qualquer outra parte.”

Direciono meus olhos para sua virilha.

Se ele colocar as mãos contaminadas na calça e tentar se


acariciar, a inflamação será tão intensa que ele perderá a
excitação. Essa é a razão pela qual tive todo esse trabalho.

Sem masturbação. Sem orgasmos. Não até que eu permita


que ele lave as mãos.

Tortura física e mental.

“Dê-me a água.” Ele olha carrancudo para o balde de


lavagem, sabe que o alívio está bem fora de seu alcance.

“Dê-me a bússola.”

PAM GODWIN
QUATORZE

A determinação fortalece minha espinha enquanto recuo


para o barril, abro minhas pernas e retomo minha auto
estimulação erótica. “Diga-me onde você escondeu a bússola, Sr.
Farrell, e eu mesma lavarei cada centímetro do seu corpo.”

Priest aperta as mãos cheias de bolhas nas coxas e flexiona


o queixo.

“É fácil, querido.” Nua de ponta a ponta, deixo minha


cabeça cair sobre meus ombros, arqueio minhas costas e
trabalho meus dedos entre as pernas. “Apenas me diga onde está
e vou te dar um alívio.”

“Se eu der a bússola, vou perder você.” Sua voz é áspera,


cheia de agonia e fome perigosa. “Você vai me colocar em terra na
próxima praia deserta, e eu não posso... não vou passar mais um
dia sem você.”

“Você já me perdeu.” Viro minha mão, deslizo-a pela minha


maciez. “Se não me der a bússola, eu termino sozinha. Então vou
chamar o seu irmão aqui e deixá-lo me preencher repetidamente
até eu gozar de novo.”

Seu gemido baixo e ameaçador traz minha cabeça para


cima.

PAM GODWIN
Ele captura meus olhos. “Não importa o quão longe caímos,
quanta dor infligimos ou quão escuro ficaremos na ruína. Vou
estar com você, esperando por você, te
amando, te perdoando. Nunca vou desistir, Bennett. Nunca.”

Meus dedos vacilam com a minha respiração acelerada.

Quando ele diz coisas assim, quero tanto acreditar


nele. Mas nenhuma palavra, não importa o quão dolorosamente
profunda, pode mudar o passado.

“Você me machucou.” Minha voz estilhaça.


“Imperdoavelmente.”

Seu queixo desce até o peito, amplia as curvas de seus


ombros orgulhosos enquanto me olha por baixo da intensidade
de sua testa.

Estou perdendo minha coragem, minha excitação, o desejo


de torturá-lo.

Meus pensamentos nunca estiveram tão contorcidos,


minha língua tão cheia de nós. Caro senhor, é bom que nenhum
membro da minha tripulação tenha testemunhado minha queda
na crueldade. Eles não entenderiam.

“Dê-me o nome dela.” As agulhas picam atrás dos meus


olhos.

“Não.”

Meu coração galopa ferozmente, mas não chorarei.

Quando se trata de segredos, Priest é uma gaiola de aço


impenetrável. Ele manteve a boca fechada sobre nosso
casamento e, apesar das minhas ameaças, continua a proteger
sua amante anônima. Ele nunca quebrará seu silêncio.

“Conte-me sobre as cicatrizes de queimadura em sua


perna”, falo.

PAM GODWIN
“Não. Não pergunte de novo.”

Outro segredo.

Fecho os olhos e enrolo os dedos, seguro o calor no vale das


minhas coxas, oscilo à beira de desistir. Sentada aqui,
completamente exposta com minhas pernas abertas...me sinto
mal.

Não sou eu. Eu torturei homens maus. Monstros mortos


sem hesitação ou arrependimento. Mas nunca fui uma
provocadora. Quando me ofereci, cumpri essa
promessa. Qualquer coisa menos ser fraca.

“Bennett.” Sua cadência galesa acaricia minha pele nua,


me faz estremecer. “Olhe para mim.”

Meus cílios parecem muito pesados para levantar, mas


abro meus olhos, não surpresa ao encontrar a tempestade forte
nos dele.

Como fui tola em subestimá-lo? Não há respostas em seu


olhar intratável, nenhum indício de rendição além do próximo
pensamento. Há apenas este momento e uma oferta de punição
e prazer.

“Me machuque.” Seus olhos brilham com o


comando. “Toque-se. Faça isso sabendo que eu morro para ser
suas mãos, para deslizar por toda essa umidade, para
experimentar o calor do seu orgasmo, para senti-la me agarrando
e sugando por mais.” Ele molha os lábios. “Segurar-me com o
braço esticado e negar-me seu amor...é a pior tortura.”

“Pior do que me assistir com outro homem?”

“Mesma coisa.” Ele deixa seu olhar vagar para baixo,


absorve cada curva e recorte do meu corpo, demora tanto em
lugares que posso jurar que minha pele pega fogo. “Sozinha ou
com outro, o resultado é o mesmo. Você não está comigo.”

PAM GODWIN
O silêncio cai ao nosso redor, fecha o mundo e nos
suspende em um casulo volátil.

Ele permanece de joelhos, cabeça baixa, me observa


através de seus cílios. Seus punhos se apertam nas coxas, a
irritação deixa seus dedos vermelhos escuros e inchados.

“Vá em frente”, ele respira fundo. “Puna-me. Coloque o


dedo nessa linda buceta. Mostre-me o que você acha que perdi.”

Não são suas palavras que mexem com minha mão. É o


olhar turbulento em seus olhos. O desafio. Tenho vontade de me
tocar sem tocá-lo? Ele pode sentar ali e assistir sem perder o
controle?

Vou em frente. Abro minhas pernas, meus dedos cavam em


minha pele, dirijo meus golpes para dentro, uso-o...a visão
gloriosa de seu corpo, a memória de nossa relação sexual, o olhar
de dor em seu rosto. Uso-o para meu próprio prazer. Ele é a musa
que inspira a queimação lânguida em minhas veias, o tremor
incontrolável em minhas coxas e os gemidos cantando em meus
lábios.

Os tendões ficam tensos em seu pescoço. Os músculos


saltam em sua mandíbula. Sua boca se abre com a onda de sua
respiração, mas por outro lado, ele permanece imóvel. Se
comportando.

Seu autocontrole apenas me excita ainda mais, e quando


finalmente alcanço o pico de excitação venérea, grito, me contorço
da cabeça aos pés e esguicho minha mão inteira.

Seguro-me antes de cair do barril e sugo grandes goles de


ar.

Sua respiração continua a sibilar, passando pelos dentes


rangendo, suas mãos com os nós dos dedos brancos em seu colo
e toda sua atenção fixa na minha buceta inchada e molhada.

PAM GODWIN
À medida que os resquícios de formigamento do orgasmo
desaparecem, a necessidade esmagadora de senti-lo dentro de
mim não diminui. Nada jamais se comparará ao que eu já tive
com Priest Farrell.

Minhas pernas vacilam quando vou até o balde de água e


lavo minhas mãos e coxas. Ele não fala, mas sinto seu olhar
acariciar as linhas das minhas costas.

Pego a camisa do chão, puxo-a pela cabeça e começo a


andar em direção à escada.

“E se a bússola não for o mapa?” Sua voz grave me faz


parar.

Ele nunca se importou com o tesouro. Nenhuma vez


manifestou interesse em ser rico. Ele tem a disposição dominante
para comandar seu próprio navio, e faz isso de vez em
quando. Mas nunca fica com os navios que apreende. Ele
apenas...os entrega.

Priest é um escravo de seus desejos carnais, um adorador


do pau de pé entre suas pernas. Ele o seguirá antes de mais
nada.

“Por que você se importa?” Viro para encará-lo.

“Porque você se importa. E se o mapa estiver dentro do


instrumento?”

“Você acha que eu não considerei isso? Não há buraco de


fechadura. Sem aberturas.” Minha cabeça lateja enquanto a
irritação transparece em meu tom. “Não abre.”

“Eu localizei o inventor que a criou.”

“Você localizou?” Meu rosto fica entorpecido e um som de


toque irrompe em meus ouvidos.

PAM GODWIN
“Durante minha busca exaustiva por você, encontrei
alguns velhos conhecidos de Edric Sharp. Um sujeito conhecia
outro sujeito e assim por diante. Eu segui a trilha. O homem que
projetou sua bússola morreu anos atrás, mas tive uma conversa
interessante com seu filho. O rapaz não assumiu a habilidade do
pai, mas ele se lembrou de algumas das técnicas incomuns.”

Meu coração bate tão forte que acho que vai explodir no
meu peito. “Você contou a ele sobre a minha bússola?”

“Não, eu nunca arriscaria isso. Mas ele mencionou que


todos os instrumentos de seu pai exigiam duas coisas. Um, uma
chave física.” Seu olhar muda para minha garganta.

Minha mão salta para a pedra de jade que uso, meus dedos
traçam os cortes serrilhados na superfície. Com a forma de um
polegar e meio estreito, parece uma chave. Sempre pensei que
poderia ser a chave, mas não cabe em nenhum lugar da bússola.

“Sem fechadura, lembra?” Deixo cair minha mão, levando


minhas esperanças com ela.

“O entalhe se revelará se receber a combinação correta de


movimentos. Esse é o segundo requisito. Cada instrumento foi
construído com uma chave e uma lista de instruções
verbais. Algo para esconder em seu corpo e algo para esconder em
sua mente. As palavras do rapaz.”

Quando meu pai me deu o instrumento, ele disse: Comece


e termine no norte.

O diabo sabe quantas vezes eu tentei essa combinação de


movimentos ao longo dos anos, girando a bússola
indefinidamente. Nada aconteceu.

“Ele te ensinou alguma música?” Priest pergunta.

Sim. Muitas músicas. A maioria delas cantos que


narravam as tarefas marítimas dos marinheiros. Não posso me

PAM GODWIN
lembrar de todas elas. Se a resposta estiver em uma dessas, como
meu pai poderia esperar que eu soubesse qual versículo tinha um
significado secreto?

Ele não poderia.

E se isso for apenas mais uma das manipulações de


Priest? Com meu corpo zumbindo do orgasmo e o sabor de seus
lábios na minha língua, que melhor maneira de me distrair da
tortura do que me provocar com esperança sobre minha bússola?

Vim aqui para saber a verdade e ele não quer que eu vá


embora. Partir significa que voltarei com outro homem.

Ele foi inteligente o suficiente para roubar minha bússola e


ganhar passagem a bordo do meu navio. Astuto o suficiente para
mantê-la refém como uma passagem garantida para permanecer
a bordo. Persuasivo o suficiente para me mandar embora daqui
menos satisfeita, menos certa, toda vez.

Ele está sempre dez passos à minha frente.

Não posso descartar a informação que ele compartilhou


sobre a bússola, mas não há nada que eu possa fazer sobre isso
até que a tenha em minha posse novamente.

“Estarei de volta com Reynolds.” Não dou outra olhada


para ele ou suas mãos cheias de bolhas enquanto subo a escada
e abro a escotilha.

No momento em que levanto, um braço estendido me


cumprimenta. Dedos compridos, pele negra, cicatrizes
brancas...que diabos Jobah está fazendo aqui?

Ele agarra meu braço e me levanta muito rapidamente para


que esta seja uma visita social.

Meu pânico crescente explode quando vejo a turbulência


em seu rosto. “O que aconteceu?”

PAM GODWIN
Ele fecha a escotilha com um chute e começa a arrastar
estoques de comida e água por cima dela. “Navegam na nossa
popa, roubando nosso vento e se aproximando rapidamente.”

Fico imóvel, momentaneamente atordoada, enquanto ele


puxa e embaralha os tonéis. Há apenas uma razão para ele
esconder a entrada do porão.

Ele está se preparando para os hóspedes.

Isso significa que o navio em nossa popa é rápido o


suficiente, pesado o suficiente, armado o suficiente para nos
alcançar e revistar nossos porões.

“Marinha Real?” Minha voz treme.

“Receio que sim, Capitã.”

Priest e eu somos dois dos piratas mais procurados deste


lado do mundo.

É possível que nossos perseguidores britânicos não tenham


uma descrição precisa de minha identidade. Sempre desembarco
incógnita, o que dificulta o reconhecimento de meus
inimigos. Mas Priest nunca tentou esconder quem ele é ou sua
aparência. Seu rosto foi esboçado em jornais de todas as Índias
Ocidentais.

Se os homens do rei o encontrarem, eles o enforcarão.

Pulo para ajudar Jobah, minhas mãos tremem enquanto


empurro os recipientes pesados. “Quantas armas?”

“Mais do que carregamos. Você deve se esconder no porão


com seu marido.”

Lanço a ele um olhar que teria encolhido os testículos de


um homem inferior.

“Sim, eu sei. Você prefere esperar.” Ele suspira. “É o seu


pescoço.”

PAM GODWIN
Minha tripulação sofrerá muito se eu perder o comando
deste navio.

“Com o que estamos lidando?” Levanto outro barril.

“Acreditamos que seja um navio de cem armas de


combate.”

“Um navio de guerra? O quê...?”

“Isso está confirmado!” Reynolds desce a escada atrás de


mim. “Capitã! Lá em cima, agora!”

“Vou terminar aqui.” Jobah me dá um empurrão. “Vá.”

Minha frequência cardíaca dispara enquanto persigo


Reynolds até o topo, escalo escadas, corro pelas passagens e
grito, “Todos no convés e manejem as armas!”

PAM GODWIN
QUINZE

“Trinta e duas libras2. Conto vinte e oito deles.” Reynolds


está ao meu lado no convés superior, os nós dos dedos
empalidecem quando ele me passa a luneta.

Levanto-a até meu olho e engulo um suspiro. A luneta


manchada de sal coloca o navio de guerra totalmente equipado
em foco. O melhor já construído em Woolwich Dockyard, se eu
tenho um dia de vida. E ele ronda a apenas quarenta metros para
estibordo, manobrando para atirar de seu lado lateral.

“Cinquenta e seis demi-canhões e colubrinas divididos


entre os decks do meio e do alto.” Meu estômago embrulha
enquanto continuo a examinar o armamento. “Doze canhões de
seis libras no tombadilho.”

“Mais quatro no convés da proa.” Um suspiro


pesado. “Estamos em desvantagem, Capitã.”

Cem armas destinadas a afundar galeões na guerra contra


a Espanha. Inferno, só os demi-canhões ostentam poder de fogo
suficiente para explodir todas as embarcações a oeste da
Inglaterra para fora d'água. Incluindo a minha.

2
Modelo de canhão fabricado pela Marinha Real Britânica.

PAM GODWIN
Enquanto olho pelo vidro, o navio de guerra zumbe com
atividade organizada. Filas de soldados uniformizados
gesticulam e gritam. Os marinheiros correm ao longo das
passarelas, como enxames em mortalhas. Soldados estão na
popa perto de um bote oscilante, prontos para cruzar ao comando
do capitão.

Eles podem tentar.

Meus artilheiros estão preparados para atirar no momento


em que atingirem a água alegremente com os
remadores. Enquanto eu respirar, a marinha do
rei não vai embarcar em meu navio.

Mas a vibração de medo que carrego do porão está se


transformando em um tumulto. O que quer que venha a
acontecer nos próximos minutos pode acabar com minha vida e
a vida dos meus homens. Se fugirmos, o navio de guerra abrirá
fogo. Se atirarmos primeiro, vamos para o inferno.

Nosso destino está nas mãos de um homem.

Bem acima da barriga3 do navio de Sua Majestade, o


capitão da marinha está na amurada com seus tenentes, olha-
me através de sua luneta enquanto eu o observo.

É fácil identificá-lo em sua sobrecasaca azul escura, calça


e meias brancas imaculadas. Bordados de ouro juntam os
punhos largos e gola alta, e contornam os botões de joias que
brilham no fechamento frontal — tudo significa riqueza e status.

“Quem é ele e o que está fazendo nas Índias


Ocidentais?” Com o coração acelerado, abaixo a luneta e olho
para Reynolds. “Aquele navio foi projetado para tática naval. Por

3
Bojo (também denominado barriga) é um termo da linguagem náutica que se refere à parte do casco de uma
embarcação que fica submersa, após a carena, que é formada pela parte quase horizontal do casco do fundo
do navio e a quilha, forma-se após o alargamento em forma convexa dos bordos orientados no sentido da
quase vertical do casco.

PAM GODWIN
que ele não está no Mediterrâneo lutando contra a Espanha por
territórios?”

“A guerra deve ter acabado. Se isso for verdade, ele está


aqui em outra missão.”

“Caçador de piratas.” Ranjo os dentes e volto para a luneta.

Franjado com penas brancas, o chapéu de três pontas do


capitão combina com o azul de seu casaco. Desejo que o vento o
arranque de sua cabeça, para que possa analisar suas
características faciais. Ele é jovem? Inexperiente? Apenas mais
um aristocrata mimado e apático em busca de aventura?

Adoraria mostrar a ele uma boa diversão. Com uma


fogueira de garrafas de vinho quebradas, salitre, resina e peixes
podres atirados em seu cordame. O fedor por si só faria com que
o conteúdo de seu estômago se esvaziasse por todo o seu adorno
enfeitado com ouro.

Mas em meus sete anos de pirataria, nunca atirei contra


um navio de guerra britânico. Porque não tenho o desejo de
morrer.

O Capitão se afasta, caminha vagarosamente até a


amurada do tombadilho e olha para o centro do navio de
guerra. Centenas de marinheiros param o que estão fazendo nas
passarelas e mortalhas, e todas as cabeças se voltam para ele
como se aguardassem seu comando.

Agarrando-se ao corrimão com todo o poder que sua


patente lhe concede, ele fala palavras que não posso
ouvir. Longos minutos se passam. Então, de repente, os
marinheiros retomam suas tarefas.

“Eu os detesto e tudo o que eles representam.” Reynolds


olha furioso para o navio de guerra. “Todas aquelas armas
pomposas, os soldados uniformizados, a elaborada figura de proa

PAM GODWIN
com uma boca escancarada de dentes... como se devêssemos
tremer de medo da vontade onipotente do rei.”

“Não é?”

“Tremer?” Ele encolhe os ombros. “Isso depende de


você. Qual é o seu plano?”

Com um olhar final para o Capitão da Marinha, entrego a


luneta. “Vou fazer seu cuzinho apertar.”

“Já estava na hora.” Reynolds joga para mim uma trombeta


falante4.

Pulo na amurada, me equilibro na borda estreita, e levo o


instrumento em forma de funil à boca.

“Que negócios você tem em minhas águas, Capitão?” Grito


através das ondas inquietas.

Ele caminha até a popa e agarra a amurada. Seus tenentes


o cercam e, um momento depois, uma trombeta aparece em sua
mão. Ele leva à boca.

“Sou Lord Ashley Cutler.” Sua voz salta a distância, forte e


profunda. “O Comodoro do HMS Blitz.”

Comodoro? Acima do capitão e abaixo do almirante. Que


pequeno senhor presunçoso.

“Bom para você.” Apoio meu cotovelo em um cabo de


cordame, inclino-me casualmente enquanto grito, “Quantos paus
você chupou para chegar a esse nível?”

“Acerte suas cores, pirata! Você está presa.”

PAM GODWIN
“Pirata?” Sorrio zombeteiramente. “Limpe sua luneta, sua
pequena cacatua arrumada. Sou apenas uma donzela. Pura e
virtuosa e com muito medo dos homens.”

“Bennett Sharp, filha do pirata condenado Edric Sharp,


você será levada sob custódia junto com seus homens e o galeão
roubado que você chama de Jade.”

Meu sangue gela e quase deixo cair a trombeta.

Ele me reconheceu. Como? Troco um olhar com Reynolds.

Seus olhos se arregalam, repletos de descrença. “Ele


não tropeçou acidentalmente em você. Não é possível.”

“Não.” Empurro meu cabelo soprado pelo vento do meu


rosto. “Ele deve ter me rastreado. Provavelmente pegou nossa
trilha na Jamaica.”

“Abaixem suas armas e preparem-se para receber


hóspedes”, Lord Cutler grita. “Se você resistir, não mostrarei
piedade.”

Minha frequência cardíaca dispara como um canhão.

Mais pesado e mais rápido que o Jade, o HMS Blitz carrega


duas vezes mais armas e quatro vezes mais marinheiros. Não
vencerei essa luta com força ou poder de fogo.

Minha mente gira através de cada estratagema e artifício


que usei em batalhas anteriores, separando truques que
funcionaram para mim e aqueles que não funcionaram. Se eu
tivesse mais tempo, talvez pudesse inventar um ardil para
escapar disso sem baixas.

Um movimento percorre os homens de Lorde Cutler. A


distância de quarenta metros torna suas feições indiscerníveis,

PAM GODWIN
mas posso distinguir dois tenentes caminhando em direção ao
bote que balança na popa do HMS Blitz.

Lord Cutler acena para mais soldados, e eles desaparecem


pela escada do passadiço, despachados para alguma outra tarefa
sinistra.

O pavor percorre minha espinha.

“Bennett Sharp”, ele grita através da trombeta


falante. “Prepare-se para receber meus tenentes, e devo insistir
que você se cubra antes que eles cheguem.”

Olho para a camisa de linho branco do Priest, a bainha


enrolada em volta dos meus joelhos. Na minha pressa para o
convés superior, renunciei a calça, botas, armas, meu chapéu...
a única coisa que uso é a pedra de jade e uma camisa fina.

Ah, aposto que isso inspirou alguns rubores e suspiros de


horror no navio de Sua Majestade. Os ingleses decentes
defendem a modéstia em um grau que considero ridiculamente
excessivo. Sem mencionar que eles nunca permitiram uma
mulher a bordo de um navio da Marinha.

E aqui estou eu, de pé seminua na amurada de um galeão


de cinquenta canhões, rindo ao som da trombeta com perverso
deleite. “Eu ofendo sua sensibilidade, meu senhor?”

Ele abaixa a trombeta, segura-a nas costas, recusa-se a


responder. Mesmo a esta distância, sinto o calor do seu olhar. A
tenacidade nisso. O homem parece impossível de irritar.

“Devo insistir que você me convide para jantar,


Comodoro.” Minha voz amplificada bate no vento. “Uma mulher
gosta de ser cortejada e impressionada antes de ser
fodida. Pergunte ao James aqui...” gesticulo para o homem
esquelético e barbudo atrás de mim. “Ele corteja sua mãe
completamente com a língua antes de transar com ela.”

PAM GODWIN
O Comodoro estala o braço, o único aviso que recebo antes
que o assobio do morteiro se aproximando rasgue o ar.

Meus pulmões se chocam quando o tiro atinge a popa


do Jade, arrancando os painéis imponentes e as grades em uma
explosão de madeira lascada. Caio da amurada, o convés treme
sob meus pés descalços enquanto a barreira se dissipa em todas
as direções.

Aceno a fumaça do meu rosto e olho para o buraco irregular


e fumegante em meu navio. Graças a Deus, Priest está muito
abaixo das vigas quebradas. Sem chance de ferimentos.

Apenas danos superficiais.

É um tapa na cara. Ele poderia ter demolido o cordame,


derrubado o mastro da mezena e explodido qualquer coisa que
nos impeça de navegar. O fato só mostra a pouca confiança que
tem em nossa capacidade de fugir.

Todos os olhos estão fixos em mim. Sob os baluartes com


punhais, nas mortalhas com mosquetes, atrás dos canhões de
longo alcance de dezoito libras com fósforos acesos... todos os
homens me fazem silenciosamente a mesma pergunta.

E agora, Capitã?

Conforme a fumaça cinza pungente se dissipa, a tensão


aumenta, rola pelo navio. Meu sangue zumbe. Minhas mãos
flexionam e tremem.

Sei o que tenho que fazer.

Reynolds não gostará disso. Priest entrará em combustão


com uma fúria assassina. Mas é nossa única opção. E eu preciso
do Jade inteiro para funcionar.

Respiro fundo, aponto a trombeta na direção do meu


convés de armas. “Segure seu fogo!”

PAM GODWIN
Reynolds me lança um olhar questionador. “Devo me
preparar para repelir os hóspedes?”

“Não.” Encho meus pulmões e grito, “Levante o branco!”

Uma inspiração atordoada ondula pelo navio e torna o ar


mais rarefeito. Em seguida, passos entram em ação.

Viro em direção ao mastro de proa, meu coração quebrado


em pedaços quando Jade iça uma bandeira branca pela primeira
vez sob meu comando.

“O que diabos você está fazendo?” Reynolds rosna em meu


ouvido. “Se nos rendermos, eles vão nos enforcar.”

“Pare de falar.” Pego a luneta e aponto para Lord Cutler,


posiciono minhas mãos para esconder o movimento dos meus
lábios. “Ele está assistindo.”

Reynolds enrijece na minha popa. Jobah aparece na minha


frente, me flanqueando. Brilhante. Preciso que os dois ouçam
isso.

“Em alguns minutos, vou pular nesta amurada. Quando eu


fizer...” Olho para Reynolds. “Você vai me empurrar ao mar. Não
discuta.”

Ele trabalha sua mandíbula, sobrancelhas franzidas e


mãos abrem e fecham ao lado do corpo.

“Viva ou morta”, falo, “Valho mais para Lorde Cutler do


que Jade e sua tripulação.”

A cabeça do meu marido é tão valiosa quanto a minha, mas


nosso casamento não é conhecido. Lord Cutler não tem nenhum
motivo para me conectar ao Priest e, portanto, nenhum motivo
para procurá-lo em meu navio.

PAM GODWIN
A única maneira de salvar minha tripulação é evitar o
embarque da Marinha Real. Preciso manter a presença de Priest
em segredo e me retirar deste navio.

“Depois de me empurrar, assuma o comando do Jade”, falo


a Reynolds. “Defina um curso para Harbour Island e espere por
mim lá. Seu trabalho é esconder e proteger meu navio e sua
tripulação. Juro por Deus, se você me desobedecer, vou fazer um
keelhaul5 em você até que nenhuma ponta de carne saia de seus
ossos.”

Seus olhos endurecem, sem piscar, e seus lábios


pressionam em uma linha. O que quer que ele quisesse dizer
balança em sua garganta, mas ele sabe que é melhor não
questionar.

Volto minha atenção para Jobah. “No instante em que eu


atingir a água, suba dois pontos e comece a correr. Sempre e até
o destino.”

“Capitã…”

“Corra até que Jade esteja fora do alcance de suas armas e


longe demais para alcançá-los. Se eles acreditarem que vocês não
têm interesse em me resgatar, vão deixar vocês irem e se
concentrar em me tirar da água. Sou aquela que eles querem.”

Capturar a filha de Edric Sharp, um dos piratas mais


procurados do mundo, é uma bênção monumental para a
carreira de um caçador de piratas. O laço em volta do meu
pescoço dobrado provavelmente elevará Lorde Ashley Cutler ao
cobiçado posto de almirante.

5
Keelhauling era uma forma de punição para marinheiros no mar. O marinheiro era amarrado a uma corda
enrolada sob o navio, jogado ao mar, e depois arrastado sob a quilha e até o outro lado.

PAM GODWIN
Meus ombros arqueiam, protegem reflexivamente minha
garganta vulnerável.

Não estou desistindo. Nem mesmo perto.

Do outro lado da água, o bote começa a baixar em direção


à água. Já está quase na hora.

Reynolds esfrega a boca com a mão, ocultando suas


palavras. “Assim que eles te pegarem, você não será capaz de
escapar.”

“É por isso que você vai libertar seu irmão do porão.”

Suas feições se aguçam e comprimem por meio de uma


rajada de emoções resistentes antes de se estabelecerem em
compreensão. Ele não pode discutir a verdade gritante.

Enquanto Priest viver, ele vai me caçar com a ferocidade do


meu maior inimigo.

Depois que Jade escapar para águas mais seguras,


Reynolds ajudará Priest a sitiar outro navio, um navio mercante,
mais rápido e furtivo, qualquer coisa que ele possa usar para me
perseguir, sabendo que eu não quero Jade em nenhum lugar
perto do HMS Blitz.

Quando Reynolds chega a essa conclusão, a aceitação


relutante suaviza sua boca e ele respira fundo.

“Notifique a tripulação”, falo sem tirar a luneta do meu


rosto.

Ele aperta meu quadril, o gesto escondido sob a


amurada. Então caminha pelo navio, entregando ordens
silenciosas e resolutas aos homens.

Quarenta metros a estibordo, Lord Cutler observa cada


movimento através da sua lente. Talvez ele reflita sobre esse
momento mais tarde e decida que esse foi o momento em que

PAM GODWIN
Reynolds convocou minha tripulação para um motim pelas
minhas costas.

“Jobah.” Fico olhando para frente, refletindo sua pose. “Se


isso não funcionar...” Se eu morrer...

“Vou garantir que nada aconteça com ele.”

Ele. O marido que eu detesto amar. O libertino que


arriscaria sua vida para me encontrar.

“Comande ao leme”, respondo com minha voz de capitã.

“Já estou com saudades, Capitã.”

“Da mesma forma.” Meu coração aperta quando olho para


ele de lado, deixo-o ver a gratidão em meus olhos. “Boa sorte,
meu amigo.”

Sem uma demonstração de emoção, ele recua, deixa-me


sozinha com meus nervos em desordem.

Pular no mar da amurada de um galeão é um risco por si


só. Posso morrer com o impacto ou perder a consciência e me
afogar antes que o barco inimigo me alcance. Mesmo assim,
confio em minha habilidade de nadar.

Se eu mantiver minha cabeça acima das ondas por tempo


suficiente, os soldados de Lorde Cutler me puxarão para fora.

Se eu sobreviver ao salto, me tornarei uma prisioneira a


bordo do navio de Sua Majestade. Se conseguir suportar esse
inferno e escapar do cabresto de cânhamo no final, dependerei
da minha vontade de viver e da fúria indomável e possessiva de
Priest Farrell.

Sem me virar, sinto Jobah ao leme, esperando meu


sinal. Atrás de mim, os marinheiros continuam como se nada
estivesse errado.

PAM GODWIN
Para que seu motim pareça autêntico, preciso da
participação de todo o navio. Então, espero mais alguns minutos,
dou a Reynolds tempo suficiente para repassar ordens em
silêncio, preparando os homens para o subterfúgio.

Então troco a luneta pela trombeta e pulo na amurada.

Perto da popa do HMS Blitz, remadores e tenentes


começam a descer a escada para o bote.

“Não avancem mais, puritanos impotentes!” Grito com eles


através das ondas. “Ou seus fígados vão sangrar na ponta do meu
cutelo!”

Os homens entram no bote, ignoram minhas ameaças


vazias. Continuo gritando com eles, solidifico o estratagema de
que minha única defesa é atacá-los com palavras.

Estou tão perdida em minhas terríveis declarações de


causar danos que não sinto Reynolds atrás de mim até que seu
braço acerta a parte de trás dos meus joelhos.

A perda de equilíbrio me faz cair. A trombeta voa para


trás. Meu corpo tomba para frente e Reynolds empurra minhas
pernas, selando meu destino.

Eu caio.

É uma queda longa e horrível. Tempo suficiente para


milhares de dúvidas inundarem e me engolirem em pânico.

No último momento, reúno meus sentidos, direciono meu


corpo com os pés primeiro e pressiono meus braços ao lado do
corpo. Quando bato na superfície da água, parece que colido com
terra dura. Meus dentes cortam minha língua. O ar escapa dos
meus pulmões e cada osso estremece com o impacto.

Então afundo. E afundo. Conforme mergulho mais fundo


no mar, meus pensamentos estão obcecados com o que está
acontecendo acima da superfície.

PAM GODWIN
Jobah está executando minhas ordens para fugir. A
tripulação está puxando cabos, virando lonas e piando em
aplausos amotinados, levando Lord Cutler a acreditar que eles
acabaram de sacrificar sua Capitã procurada para salvar suas
próprias vidas.

Se Lord Cutler abrir fogo para impedir sua fuga, morrerei


aqui embaixo. Ele perderá minha carcaça em meio aos destroços
e escombros.

No momento, suspeito que ele está pesando o valor do meu


corpo se afogar com o da minha tripulação capturada. E ele
chegará à mesma conclusão que eu.

Minha cabeça vale mais, estando ou não presa ao resto de


mim. Ele não perseguirá Jade sob o risco de perder seu prêmio
para o mar.

Cada segundo é uma eternidade enquanto desço pela água


azul, pulmões queimando, pernas chutando freneticamente,
coração batendo forte, visão enfraquecendo. Eu tinha entendido
o perigo de cair no mar, mas não estava preparada para o ataque
repentino e petrificante de histeria.

Minha garganta tem um espasmo, luto contra o reflexo de


engolir em seco. Subcorrentes de água batem em mim como
punhos invisíveis, me sacodem e confundem meu senso de
direção. Procuro a superfície, incapaz de ver a luz do sol através
dos pontos pretos crescentes.

Espero evitar a inconsciência, mas é inevitável agora que


minha força me abandona, dando lugar a contrações violentas e
involuntárias em meus músculos. A necessidade de respirar é tão
cruel que não acho que possa sofrer mais um segundo sem
ofegar.

A última coisa que vejo é o casco poderoso do


Jade acima. Ele dispersa ondas de água enquanto se vira, faz sua

PAM GODWIN
máxima velocidade com velas que devem estar cheias e
curtas. Com o navio de guerra ainda atracado, Jade estará em
segurança fora do alcance de tiro em minutos.

Coloco a mão sobre meu nariz e boca, sufoco a dor


agonizante de engolir enquanto sua esteira joga uma tonelada de
água do mar, de quebrar ossos sobre minha cabeça.

As correntes subterrâneas agarram minhas pernas inúteis


e me puxam para baixo, para baixo, para a escuridão
escancarada.

PAM GODWIN
DEZESSEIS

Eu volto à consciência, sufocando, tendo convulsões e


vomitando água do mar. Mãos calejadas me viram de um lado
para o outro, batendo nas minhas costas e empurrando meu
abdômen entre intervalos agonizantes de tosses úmidas e
tremores.

Minutos duram horas enquanto cada músculo e órgão


trabalha para expelir a água em chamas. Quando minhas vias
respiratórias finalmente desobstruem, deito-me exausta e grata
por estar viva em um convés de madeira inclinado
preguiçosamente abaixo de mim.

O navio de guerra.

Piscando a água do oceano em meus olhos, olho para a


fileira de uniformes no convés superior, onde me esparramei
como uma estrela do mar.

Botões de ouro, chapéus armados em três lados, pistolas


com o dragão da Marinha, botas do melhor couro, expressões
estoicas...os soldados permanecem juntos, simbolizando o poder
da Inglaterra.

Eu não consigo ver os poderosos mastros de Jade na proa


de estibordo. Não consigo ouvir suas velas sibilando ao

PAM GODWIN
vento. Não é possível detectar o fedor de sangue ou a fumaça de
pólvora da batalha. Os marinheiros estão todos aqui,
aparentemente aguardando ordens sem urgência. O que significa
que eles não estavam envolvidos com o meu navio.

Eles o deixaram ir.

Pelos dentes do Deus Todo-Poderoso, meu estratagema


funcionou.

Jade escapou!

Um júbilo silencioso invade minha garganta e passa pelos


meus lábios, caindo em ataques de riso.

Dois homens estão perto de mim, curvando seus chapéus


armados juntos. Tenentes, dados seus sapatos de fivela e
perucas empoadas.

“Por que ela está rindo?” Pergunta um. “Ela não percebeu
que sua tripulação a jogou ao mar para salvar suas próprias
peles?”

“Ela está louca como uma lebre de março”, diz o segundo-


tenente.

“Oh, meus rapazes tolos.” Sorrindo maniacamente, me


sento e endireito a camisa para cobrir minha nudez. “Vocês não
tem ideia do que acabou de convidar para entrar em seu navio.”

Eles olham para baixo com o nariz afilado com toda a


altivez da nobreza inglesa. Eu bocejo, perdendo o interesse.

Enquanto isso, todos os músculos do meu corpo


continuam a tremer, lembrando-me que quase me afoguei. Ou
talvez eu tenha? Qual desses meninos bonitos me trouxe de volta
à vida? Por que ninguém está se dirigindo a mim ou me
prendendo em ferros?

PAM GODWIN
Talvez eu seja a primeira mulher a pisar neste navio de
primeira linha. Mas todos os marinheiros ao redor olham como
se eu fosse um dragão marinho cuspidor de fogo místico que eles
erroneamente puxaram do mar.

Eles resgataram uma dama pirata e parecem incertos sobre


o que fazer a seguir.

“Não coloque uma bala no meu coração.” Empurro minhas


mãos no ar. “Eu simplesmente vou ficar em pé.”

Ninguém se move enquanto cambaleio desajeitadamente


em meus pés e faço uma varredura rápida do horizonte. A
silhueta de velas distantes envia uma vibração de alívio em meu
peito. Além do alcance das armas do navio de guerra, Jade já está
desaparecendo no horizonte.

Mantenha-os seguros, Reynolds.

Centrando meus pés descalços no convés instável, faço um


rápido inventário do meu corpo. Pingando, a camisa de Priest cai
até os joelhos. A pedra de jade ainda está contra minha
garganta. E essa é a extensão do que carrego comigo.

Cambaleio em direção aos homens


uniformizados. Numerosos dedos se contraem nos cintos da
pistola, mas nenhuma arma é sacada.

Meu destino não reside nas mãos de soldados de baixa


patente.

Procuro no mar de casacas azuis, aquele com botões de


joias e elaborados bordados de arabescos dourados.

Ali. Lorde Ashley Cutler, o Comodoro do HMS Blitz, está


logo atrás de um convés curto levantado, seu chapéu enfiado sob
um cotovelo e uma grande mão enrolada em torno da grade
superior, confiante, paciente, frio como a chuva no ar quente do
mar sob o mais azul dos céus.

PAM GODWIN
Impressionante azul brilhante como seus olhos.

Inesperadamente...lindo.

A intensidade chocante de seu olhar empurra contra mim,


rudemente, flagrantemente, tão distraidamente em conflito com
a doçura de seu rosto. Deus misericordioso, ele tem um rosto de
aparência tão inocente. Toda a pele lisa como mármore, lábios
carnudos e rosados, cílios grossos e pesados, com o vento
bagunçando o preto como fios de tinta do seu cabelo curto.

Esse olhar doce, no entanto, não menospreza a aura


inquietante de sua presença. Ele me olha como se não se
importasse se eu vivo ou morro ou se eu ganho asas e cacarejo
como uma galinha. A apatia forma um escudo impenetrável em
torno dele, e talvez isso explique por que seu rosto dá a impressão
de inocência juvenil.

Em pessoas comuns, a exaustão cede os olhos. Raiva


esculpe entre as sobrancelhas. Triunfo grava ao redor da
boca. Mas Lord Cutler não demonstra nada disso. Sem
emoções. Sem rugas ou linhas. Sem expressões. Ele tem o
semblante de indiferença mais reto, suave e polido que já vi.

Eu quero uma inspeção mais detalhada.

Os soldados estremecem e enrijecem ao longo da linha, mas


ninguém me para enquanto caminho pela popa, em direção ao
seu Comodoro.

Seus olhos azuis sem paixão não vacilam dos


meus. Desanimador.

Pilhas de músculos bem afiados e com cordões compõe seu


corpo alto. Intimidante.

Os tendões não flexionam nem saltam. Nem os músculos


de sua mandíbula. Nem os tendões de seu pescoço grosso. Nem
mesmo quando fico frente a frente com ele, meio vestida, mamilos

PAM GODWIN
salientes, com meu dedo cutucando um de seus botões de
joias. Anormal.

Ele é mesmo humano?

Finjo um sorriso cheio de dentes. Sua boca não se


move. Torço meus dedos em uma onda provocadora. Ele não
vacila. Nem um tique corporal.

Sem senso de humor, esse aqui. Não


que eu esteja me sentindo amorosa ou divertida de forma
alguma. Na verdade, o pavor está aumentando mais rápido do
que eu consigo empurrá-lo.

Como um nobre, ele foi criado para esconder seus


verdadeiros sentimentos e intenções sob um ar de pompa e
circunstância. Mas esse nível de impassibilidade não pode ser
aprendido. Ele é impiedosamente desapegado por natureza.

Eu não tenho nenhuma evidência para apoiar minha


conclusão. É um pressentimento. Mas meus instintos raramente
me direcionam para o mal. Caso em questão... Priest
Farrell. Quando conheci o rei dos libertinos, meu instinto sabia
que ele me arruinaria. Meu coração simplesmente não se
importou.

Além de Priest, superei a maioria dos meus adversários


porque era uma mulher e consideravam o sexo mais fraco por
padrão. Em um navio, em uma taverna, montada em um cavalo,
em uma cama, não importava. Os homens sempre me julgaram
mal e pagaram por esse erro.

Lorde Cutler, no entanto, não se encaixa nos moldes de


meus inimigos. Nada brilha em seu comportamento,
características ou estatura que traia seus pensamentos. Eu
positivamente não consigo lê-lo.

Pela primeira vez desde que despertei no HMS Blitz, sinto


um medo real. Dedos gelados raspam pela minha espinha e asas

PAM GODWIN
de couro batem no meu estômago. Mas não o deixo transparecer
quando encontro o olhar fixo do Comodoro.

Ele é, infelizmente, um belo filho da puta. Inegavelmente


bonito, mas de uma maneira rígida e assustadoramente real. Seu
cabelo está cortado rente ao couro cabeludo nas laterais,
deixando um pequeno pedaço de faixa escura no topo. Sua
mandíbula dura, com todos os ângulos retos, é muito parecida
com porcelana, tão sem pelos que me pergunto se ele pode deixar
crescer bigodes nesse rosto duro como pedra.

Mas quanto mais olho para esses olhos azuis ameaçadores,


mais percebo que suas feições juvenis são enganosas. Ele se
mantém com a postura endurecida e confiante de um homem que
tem mais experiência no mar do que eu. Se eu tivesse que
adivinhar, ele tem trinta e poucos anos. Pelo menos dez anos
mais velho.

Ele me lembra do meu pai com esse olhar cansado em seu


rosto. Aquele que confessa que pode infligir sofrimento sem ser
afetado por ele. Só que meu pai não era capaz de reter aquele ar
vicioso ao meu redor.

Eu me pergunto se algo ou alguém poderia abalar a


insensibilidade de Lorde Cutler.

Meu sangue vibra com o desafio.

O silêncio tenso mede a passagem dos segundos até que


percebo que sua reticência é uma arma que ele usa para
aterrorizar seus inimigos. Eu gostaria de poder aplicar a mesma
tática, mas sua imobilidade faz minha pele coçar.

Eu levanto meu queixo e seguro seu olhar. “Se salvar


mulheres se afogando é sua maneira de solicitar companhia
feminina para o jantar, você está se esforçando demais.”

PAM GODWIN
“Bennett Sharp, você está presa por pirataria e
assassinato. Vou transportá-la para a Inglaterra, em um mês de
viagem por aí, onde será julgada por seus crimes.”

Sua voz profunda e aristocrática pronuncia cada sílaba


com perfeita inflexão em inglês. Mas sua arrogância o torna
complacente. Ele não considerou a possibilidade de que eu
planejei a fuga de Jade, montei meu próprio resgate e tenho um
plano de backup ou dois para o caso de Priest falhar.

No momento em que tirar este navio de guerra do curso, o


Comodoro não saberá o que o atingiu.

Eu o estudo por um momento, tentando descobrir seu


verdadeiro eu sob o verniz polido.

Quem é você, Ashley Cutler?

Reconheço o sobrenome, mas não consigo identificá-


lo. “Seu pai reside entre o Pariato da Inglaterra6?”

“Lord John Cutler é o primeiro Visconde Warshire e atua


como Secretário de Estado do Departamento do Norte.”

Um posto inferior do que meu avô, mas um par


proeminente do reino, no entanto. Mas com a menção de seu pai,
não há orgulho em seu tom. Nenhum complemento. Ele soa como
se estivesse lendo o título de um cartão de visita.

Oh, como desejo saber o que inspirou este homem. Ele é


mais profundo do que suas aspirações de carreira? Mais fraco ou
mentalmente mais lento do que parece? Ele é casado ou
prometido? Amado por alguns ou desprezado por todos?

Todo mundo tem uma vulnerabilidade. Eu só preciso


encontrar a dele.

6
O sistema de pares no Reino Unido é um sistema jurídico que compreende títulos hereditários e vitalícios,
compostos por várias categorias nobres e formando parte integrante do sistema de honra britânico.

PAM GODWIN
Sua mandíbula forte, maçãs do rosto acentuadas e nariz
nobre, fornecem uma tela em branco para o azul brilhante de
seus olhos. Mas me pego focando em sua boca bem torneada. Os
lábios rosados adicionam um contraste atraente à sua impecável
tez inglesa.

E quando esses lábios se movem, todos os homens no navio


param de respirar para ouvir.

“Coloque a pirata no porão.” Ele sacode um dedo contra a


frente de seu casaco, dando a um ponto invisível mais atenção do
que ele dá a seu prisioneiro.

Várias mãos caem sobre mim, prendendo meus braços


atrás das costas. Não tem sentido lutar. Estou em menor número
do que os quatrocentos homens aqui. Além disso, quando projetei
este plano, esperava passar semanas, senão meses, acorrentada.

Enquanto Lord Cutler caminha em direção à escada do


corredor, os tenentes me puxam atrás dele. Com meus braços
algemados por punhos imóveis, minha atenção se concentra no
casaco confortável que envolve os ombros impressionantes do
Comodoro e sugere uma bunda firme. Pernas longas flexionadas
em calça branca sob medida. Panturrilhas definidas esticam a lã
de suas imaculadas meias.

O homem está imaculadamente vestido, acentuando todos


os seus melhores atributos. Mas ele tem um gosto horrível para
calçados. As fivelas de seus sapatos de bico quadrado são feitas
de ouro puro com joias embutidas. Eu não me importo o quão na
moda estejam. Se ele fizer qualquer tipo de trabalho neste navio,
não durariam um dia.

Concentro-me naqueles sapatos ridículos porque o resto


dele é muito atraente. Sua beleza física desafia as leis da
natureza, e não quero nada com isso. Minha opinião sobre ele
precisa fermentar no fundo da minha garganta até que tudo que
eu prove seja repulsa.

PAM GODWIN
Descendo a escada e ao longo das passagens sem janelas,
ele para na porta de seus aposentos privados. Os tenentes
continuam se movendo, me empurrando para a escada adiante.

“Como posso te chamar?” Torço meu pescoço, encontrando


seus olhos azul-gelo por cima do meu ombro. “Comodoro
Prick? Lord lábios doces? Meu babaca favorito?”

Sua expressão permanece vazia, seu corpo rígido.

“Você está contraindo, não é?” Olho ao redor de sua bunda


e levanto uma sobrancelha.

Ele não responde.

Estoico demais.

Nervos de aço.

Franzo meus lábios e jogo um beijo para ele. “Vejo você em


breve, querido.”

Ele acaba de capturar a filha notória de Edric Sharp. A


curiosidade e a arrogância o trarão deslizando para o meu colo
antes do anoitecer.

Da mesma forma, ele não reconhece nada disso enquanto


desaparece em sua cabine.

Várias escotilhas depois, minhas escoltas me arrastam pelo


nível mais baixo do navio de guerra. Tecendo bobinas de cabos,
galinhas e gansos vivos e depósitos de água, temos que nos
inclinar sob as vigas baixas. Perto do centro do navio, o porão se
abre em uma grande área com mais espaço.

Quando viramos o canto, o ar úmido transpira com o fedor


de muitos corpos sujos amontoados em quartos próximos.

Então eu os vejo.

PAM GODWIN
Confinados em um grande porão atrás de uma grade de
ferro, homens suados estão ombro a ombro, tossindo, fedendo e
espalhando doenças. Observo a paisagem sombreada de barbas
desleixadas, brincos de ouro, botas de cano alto, olhares de
desconfiança...

Piratas capturados.

Lord Cutler é um caçador de piratas. Claro, eu não sou seu


único prêmio. Mas vinte...trinta...quarenta da minha espécie? É
horrível.

Pior, ele pretende me aprisionar com os animais. Afinal,


sou um deles, impulsionada pela emoção de invadir, matar e
fazer o inferno em alto mar.

Com uma indiferença distinta.

Dezenas de olhos deslizam em minha direção. Olhos


famintos e predadores que veem apenas uma mulher, um corpo
no cio e nada mais. Eu não sobreviverei uma noite nessa jaula.

Os tenentes me empurram em direção à grade.

PAM GODWIN
DEZESSETE

Meu coração bate forte na garganta. “Há quanto tempo eles


estão aí?”

“Alguns deles têm um mês ou mais.” Um dos oficiais enfia


uma chave na fechadura.

O som do clique deixa meu pulso muito forte, muito rápido,


aterrorizando minhas veias. Memórias me inundam,
transportando-me de volta ao corpo de uma garota de quatorze
anos lutando por sua virtude sob a brutalidade do marquês de
Grisdale.

Minha pele estremece, contrai se afastando de meus ossos.


Recuso-me a ser violada assim novamente. Nem por um
marquês. Nem por quarenta piratas. Nem por qualquer homem.

Mas e se eu não tiver escolha?

Um grito oscila no final da minha língua, incitando-me a


chamar o Comodoro e implorar por misericórdia. Mas ele me
mandou vir aqui, sabendo exatamente o que me esperava. Ele
não concedeu nenhum quarto, e minhas demandas inúteis de
tratamento especial apenas revelariam meu medo paralisante.

PAM GODWIN
Uma coisa que não posso fazer é entrar nesse recinto
mostrando fraqueza. Os piratas o farejam, se alimentam dele e
ficam raivosos.

Enquanto os tenentes me empurram para frente, luto sem


medo, furiosamente, me debatendo, cuspindo e fazendo o que
qualquer homem faria na minha posição. O instinto assume até
que tudo o que existe é a impetuosidade selvagem para me
proteger.

Mas no final, sou muito pequena, desarmada, em menor


número e rapidamente subjugada.

Meus joelhos arranham as grades enquanto os tenentes me


empurram e chutam para o porão. Eu caio de costas e o som do
bloqueio do portão dispara bile pelo meu peito.

Sou uma capitã pirata, caramba. Eu mutilei, torturei e


massacrei alguns homens definitivamente maus e assustadores.
Eu não possuía a capacidade magnética de Priest de conquistar
uma multidão, mas podia comandá-los de olhos fechados. Eu só
precisava que eles vissem além da minha feminilidade.

Uma calça seria esplêndido agora.

Respirando profundamente, diminuo o impulso de meus


pulmões, me levanto até minha altura máxima e enrijeço minha
espinha. Então me viro e enfrento quarenta bandidos famintos.

“Aponte-me para o seu capitão.” Procuro no espaço


superlotado, fazendo um inventário de cicatrizes, longas tranças
gordurosas, feridas na pele suspeitas e criaturas rastejando em
barbas.

Se eu tivesse mantido Priest no porão por um mês sem um


balde de lavagem, ele teria atingido esse nível de pungência? Eu
não pensava assim, mas estava bastante inclinada a favorecer
sua aparência, não importando tudo o mais que estava errado
com ele.

PAM GODWIN
A matilha de ladrões olha com olhos selvagens. Alguns
farejam o ar à minha frente. Outros grunhem ruídos guturais.

Nenhum aponta o capitão.

Meus dentes cortam o interior de minhas bochechas. Não


importa se todos eles vem da mesma tripulação ou se
encontraram neste porão. Os piratas são uma raça democrática
e sempre tiveram um líder.

“Vocês foram atingidos na cabeça?” Enrolo minhas mãos


ao lado do corpo, escondendo o tremor nervoso. “Ou não falam o
inglês do rei?”

“O rei não fala inglês, moça.” O baixo sotaque escocês


áspero vem de algum lugar na parte de trás.

É verdade que o rei George, que veio da Alemanha para a


Inglaterra, se recusou a falar na língua de seu reino herdado. Mas
isso não foi nem aqui nem lá.

O que me preocupa é o dono daquele sotaque escocês. Ele


é o líder, e se ele sabe coisas sobre o rei inglês, ele tem intelecto.
Isso não é um bom presságio para mim. Nem a agitação crescente
ondulando por seus homens.

Encaro a direção da voz. “Mostre-se, Highlander.”

O fedor do odor corporal muda ao meu redor antes de dedos


implacáveis capturarem meus pulsos. Inúmeras mãos. Há tantos
atacantes ao mesmo tempo, que leva apenas alguns segundos
para conter meus membros e me empurrar profundamente na
horda pegajosa de corpos.

Quando bato na parede do fundo, não consigo mais ver o


portão. Meia dúzia de homens seguram meus braços e pernas,
me esticando como um X com minha coluna contra a costela de
madeira do casco do navio de guerra.

PAM GODWIN
Tremores de corpo inteiro me golpeiam. Não há como evitar.
Meus braços se torcem em garras suadas, minhas mãos
escorregando inutilmente, incapaz de encontrar um lugar seguro.
Quanto mais eu luto, mais fortes e pesados meus atacantes se
tornam, multiplicando-se em números e movendo-se como uma
onda gigantesca até formarem uma única força inevitável que se
choca contra mim, machuca minha pele e grita promessas vis.

“Para trás!” Grito e ranjo os dentes. “Liberte-me! Posso te


ajudar!”

Tudo para. Os piratas que me contém não soltam, mas os


outros recuam. O enxame se divide, deixando um caminho
estreito para um homem se aproximar.

O capitão.

Cabelo ruivo comprido emaranhado em torno de uma


barba combinando que cai em seu peito. Olhos verdes luminosos
brilham em um rosto estreito que poderia ser atraente, se não
fosse o sorriso de escárnio que o corta.

Ele ronda em minha direção, alto, magro e sem camisa. As


cicatrizes em seu torso e braços sardentos pintam uma
constelação horrível. Calça puída cai na cintura. Sem botas. Sem
joias. Nada que indique quem ele é.

Mas há apenas um capitão pirata ruivo conhecido da


Escócia, e sua reputação nociva o precede.

“Madwulf MacNally.” Empurro meu queixo, minhas


narinas pulsando com a pressa de minha respiração. “Eu sou
Bennett Sharp.”

Meu nome cintila em reconhecimento em seus olhos antes


de endurecerem em joias verdes frias. “Eu não me importo se você
é a condessa de Nithsdale. Agora tudo o que vejo é você
enjaulada, assim como o resto de nós.”

PAM GODWIN
Meu estômago aperta, mas minha boca sorri. “Eu posso te
ajudar a escapar.”

“Você?” Sua risada espalha um calafrio pela minha pele. “A


única liberação que pode fornecer é aquela que irei tomar entre
suas coxas bonitas.”

Minha pulsação acelera, mas não luto contra as mãos que


me seguram. Obrigo-me a permanecer calma e serena.

Se eu disser a ele que o notório Priest Farrell irá impedir


este navio de guerra de chegar à costa da Inglaterra, ele não
acreditará em mim. Ou talvez sim, mas não o dissuadirá de suas
intenções cruéis.

Não, não posso mencionar Priest. Não sem arriscar o


Comodoro ouvir meu plano de resgate.

“Que tal eu salvar minhas belas coxas para prender Lorde


Cutler?” Sorrio apesar da minha náusea repentina. “Vou
conseguir um encontro privado com ele, colocá-lo em uma
posição escandalosa e...”

“Se sua senhoria estivesse interessado em você, não estaria


aqui. Conosco.”

Difícil de argumentar.

Meu estômago afunda.

“Eu não me importo com o que ele rejeitar se todos se


parecerem com você.” Ele se aproxima e traça uma unha crescida
ao longo do meu queixo, me fazendo engasgar. “A coisa mais
bonita que já vi em alto mar. Certo, rapazes?”

Os homens aplaudem e assobiam em concordância.

“Momentaneamente, estarei usando sua buceta minúscula


completamente contra esta parede.” Madwulf apalpa entre
minhas pernas, por baixo da camisa, pele contra pele. “Você vai

PAM GODWIN
chorar, mas não se preocupe com isso. Quero suas lágrimas, filha
de Edric.”

“Não.” Uma brasa quente se forma em minha garganta e


me contorço desamparadamente. “Isso não. Vou te dar outra
coisa. Qualquer coisa. Diga.”

“Isso é tudo que você tem para dar, moça.” Ele cava um
dedo grosso em minha pele seca e empurra.

Meu corpo inteiro se encolhe e resiste, mas não há para


onde ir. Muitas mãos me seguram no lugar. Muitas bocas
ofegantes contra meu rosto. O fedor de dentes podres faz meu
estômago revirar.

“Mas eu não sou um homem egoísta.” Ele esfaqueia mais


fundo, raspando as unhas quebradas ao longo do meu interior.
“Eu sempre deixo um pouquinho de algo para compartilhar com
meus rapazes, e eles preferem que ainda seja legal.”

“Não preciso dela chutando, capitão, ou respirando”, grita


uma voz da multidão. “Contanto que eu consiga algum alívio em
um desses buracos.”

A risada explode enquanto os patifes se empurram de


entusiasmo.

Minhas juntas travam a ponto de doer e as lágrimas sobem,


queimando minha garganta. Mas as mantenho sob controle e
seguro o olhar de Madwulf, meus olhos secos e pétreos.

Seu pau está para fora, a cabeça bulbosa dele batendo


contra minha coxa nua e babando grossas gotas de limo. O
pensamento de ter aquela coisa dentro de mim faz cair uma pedra
quente e irregular no meu estômago.

Não há como parar isso. Mesmo que eu possuísse a


inteligência para sair dessa situação, Madwulf não é uma pessoa

PAM GODWIN
com quem se possa argumentar. Tudo o que me resta é minha
raiva e a deixo me queimar de dentro para fora.

“Que homem forte e temível você é.” Mastigo cada palavra


e cuspo entre os dentes. “Forçando sua luxúria sobre uma
mulher enquanto ela é dominada por quarenta canalhas.
Louvado seja Deus pelo grande e forte Madwulf MacNally. Seus
parentes devem estar orgulhosos.”

Com seu peito tão perto da minha boca, eu me inclino para


frente e mordo um pedaço de carne escorregadia de suor. Forte o
suficiente para fazê-lo sangrar.

Sua mão balança, colidindo com minha bochecha,


enquanto ele gargalha.

Sinto o gosto de sangue, da mordida, do golpe de seu


punho. Em vez de engolir, trabalho com minha saliva e cuspo a
boca inteira em seu rosto.

Pousa no canto de seus lábios, agarrando-se aos cabelos


crespos de sua barba ruiva. Um sorriso depravado contorce sua
expressão, e sua língua serpenteia, lambendo a saliva tingida de
sangue.

Então ele volta para minha pele seca e o dedo que ele enfia
com mais força e mais rápido dentro de mim.

Luto contra as lágrimas e engulo o impulso de gritar. Para


cada soluço que queima pelo meu nariz, engulo mais três. Não
vou chorar.

Ele chuta minhas pernas.

Não há ateus no laço do carrasco. Quando enfrento o


primeiro de quarenta homens para dar uma guinada em meu
corpo, descubro que também não sou ímpia.

Com os lábios cerrados e olhos fechados, rezo para


qualquer ser divino que me escute. Não inventei desculpas para

PAM GODWIN
minha vida. Não implorei perdão pelas coisas não cristãs que fiz.
Não faço promessas solenes de ser uma mulher casta e obediente.

Apenas peço força. Coragem. E respirar. Preciso continuar


respirando, não importa o quanto doa. Se eu ficar quieta e
aguentar, superarei isso. Eu preciso.

Mantendo meus olhos bem fechados, me concentro em orar


e me desligar da gritaria vulgar ao meu redor. Eu não consigo
desligar da agonia física, mas não preciso assistir ou ouvir.

Perdida em minha cabeça, deixo meu corpo ceder contra as


garras de homens brutais enquanto Madwulf espeta sua ereção,
procurando por minha abertura. Lágrimas se juntam atrás dos
meus olhos fechados, silenciosos e presos.

Não chore. Continue respirando.

Tudo dentro de mim quer morrer.

“Abra seus olhos.” Madwulf agarra minha garganta. “Ou eu


vou arranca-los”

Uma explosão ensurdecedora ecoa pela grade. Poeira cai


das vigas. Os piratas caem de joelhos e um grito de dor irrompe
ao meu lado, trazendo meu olhar para o homem agora se
contorcendo aos meus pés.

O sangue brota de um buraco em sua coxa e espalha uma


poça vermelha abaixo dele.

Um tiro.

Quem diabo enfiou uma pistola aqui?

Madwulf me solta, cambaleando para trás. Mas ele não vai


longe. Uma grande lâmina aparece sob seu queixo. Outra o pega
sob a flacidez de carne entre suas pernas.

Lord Cutler está atrás dele segurando as duas adagas. Seus


olhos, como chamas gêmeas de um azul violento, rugem para

PAM GODWIN
mim por cima do ombro de Madwulf, prendendo minha
respiração.

“Qual você deseja manter?” Ele coloca aqueles lábios


rosados bem torneados na orelha de Madwulf. “A barba? Ou o
separador de barba?”

“O separador de barba!” Madwulf força os olhos para baixo,


tentando ver a lâmina letal contra seu pau. “Você me escuta?
Fique com meu pau!”

“Não estava perguntando a você.” Lord Cutler me olha com


um olhar enigmático.

Ele quer que eu escolha?

Seus tenentes o flanqueiam, apontando pistolas dragão.


Nenhum pirata tenta tocar no Comodoro. Eles estão congelados
de medo.

A frieza não deixa sua expressão. Mas algo novo passa por
suas feições perfeitas, uma emoção sem nome, está ali e se vai
antes que eu possa identificá-la.

Enquanto o homem ferido sangra no convés, seus


companheiros continuam a me segurar contra a parede. Ninguém
se move. Ninguém fala enquanto eles olham para as lâminas que
mantem seu capitão como refém, esperando pela minha resposta.

Qual eu quero que Madwulf mantenha?

Eu deveria escolher a barba e deixar Lord Cutler cortar a


masculinidade do canalha, para que nunca pudesse me ameaçar
novamente. Mas quando chegar a hora de Priest e eu assumirmos
o comando deste navio, precisaremos de uma tripulação pirata
para atropelar os soldados e mantê-los na linha.

Por mais que eu odeie, não posso me dar ao luxo de fazer


inimizade com esses rufiões.

PAM GODWIN
Encontro os olhos incisivos de Lord Cutler e encolho os
ombros. “Ele pode ficar com o mijador.”

Com um movimento do pulso, ele corta o cabelo do queixo


de Madwulf e pega o ninho vermelho antes que caia.

Então ele embainha suas lâminas. Nenhuma expressão.


Sem medo.

Madwulf grunhe como um animal e se afasta, endireitando


a calça. Quando ele se vira, olha para mim como se isso fosse
minha culpa.

“Juro por Deus, Madwulf, você parece melhor sem barba.


Realmente destaca seu pescoço longo e delicado. Atrevo-me a
dizer que a castração não teria o mesmo efeito.” Puxo contra as
mãos que me seguram e endureço minha voz. “Agora chame seus
homens.”

Um músculo flexiona em sua mandíbula.

“Eu a quero viva quando eu a entregar à forca.” Lord Cutler


cruza as mãos atrás das costas. “Mas o resto de vocês? Eu
realmente não dou à mínima. Solte-a ou...” Ele olha para seus
tenentes armados. “Não faça isso.”

Os prisioneiros ficam tensos, olhando para Madwulf. Ele


range os dentes e, um momento depois, acena com a cabeça.

Um por um, dedos suados se abrem e escorregam do meu


corpo, deixando-me sozinha, sem restrições e quase toda coberta
pela camisa do Priest.

“Você.” Lord Cutler dá um tapa com a barba decepada em


minha mão. “Venha comigo.”

Ele gira em seus sapatos de fivela de ouro e sai, esperando


que eu obedeça.

PAM GODWIN
Para o bem ou para o mal, jogo a barba para Madwulf e o
sigo.

PAM GODWIN
DEZOITO

Quando chegamos aos aposentos de Lorde Cutler, meu


terror nauseante de quarenta homens se transforma no medo
incerto de um.

Cutler é apenas uma única ameaça. Mas ele é o mais forte,


o mais poderoso de todos, e não tenho a menor ideia do que ele
pretende fazer comigo.

Na porta da cabine, um soldado de casaco azul fica


rigidamente atento. Armado até os dentes com pistolas e lâminas,
ele foi designado para guardar a vida do homem mais valioso do
navio.

“Sargento Smithley.” Cutler agarra meu cotovelo e me puxa


contra seu lado. “Esta prisioneira ficará em meus aposentos. Ela
está sob minha proteção, e em nenhum momento você frustrará
suas ações ou se envolverá com ela de qualquer forma. Fui
claro?”

Formigamentos sacodem minha circulação. Será pelo calor


de sua mão no meu braço? Ou foi a ordem inesperada que deu
ao sargento? Certamente, ele não espera que eu me comporte
apenas porque ele me resgatou de Madwulf?

PAM GODWIN
Olhando para frente, o guarda não muda seu olhar. Não
sufoca de surpresa. Não move nada, exceto os lábios. “Sim, meu
senhor.”

Nada disso faz sentido.

“E se eu o atacar? Ele não se defenderia?” Puxo meu braço


do aperto de Cutler.

Ele me solta. “Se você machucar um único fio de cabelo de


qualquer um dos meus homens, retornará ao porão com seus
amigos.”

“Sim. Certo. Vamos discutir isso. Seu tempo lá embaixo


foi...”

Cutler entra em seus aposentos, deixando-me parada ali,


falando sozinha.

Ultrajante.

Corro atrás dele e cambaleio até uma enorme cabine de


refeições iluminada pelo luar. Já está anoitecendo?

Outra cabine de estar e uma câmara de dormir contíguas


ficam logo atrás. Estico o pescoço, observando os três espaços
que constituem o domínio privado do Comodoro, que ocupa toda
a popa do convés superior do HMS Blitz.

Eu sabia que alojamentos reais como este existiam, mas


nunca tinha visto um. Tento não ficar impressionada.

Ele acende um candeeiro, depois vários outros, iluminando


gráficos, mapas e papéis empilhados ordenadamente sobre a
mesa. A sala diz muito sobre ele. E nada interessante.

Ele gosta de mapas. Ele gosta de ler. Ele vive para


trabalhar. Seu entorpecimento nunca cessa?

Não vejo garrafas de rum, tabaco, chicotes e correntes, ou


baús cheios de enfeites vistosos e pouco práticos. Embora ele

PAM GODWIN
deva ter um guarda-roupa elaborado em algum lugar aqui com
grandes portas e gavetas para guardar seus casacos bordados e
calçados com fivela.

“Como eu estava dizendo...” Ando vagarosamente ao redor


da mesa, folheando distraidamente os papéis. “Seu timing no
porão foi impecável. Premeditado. Você esperou até o último
momento para...”

Ele coloca a ponta do pé no calcanhar e tira os sapatos,


chutando-os para o lado.

Eu pisco em confusão. “Você estava observando a cela ao


virar a parede? Esperando que aquele animal colocasse algo
diferente de seus dedos dentro de mim?”

Seu casaco azul e camisa branca saem em seguida. Ele


coloca os dois em uma cadeira próxima.

Músculos? Sim, ele tem tijolos deles. Ele não é tão


corpulento quanto Priest, mas contornos nítidos e superfícies
planas sem pelos moldam sua forma masculina como se talhado
com um cinzel.

Eu o como com meus olhos, aquecendo com apreciação


feminina, apertando minhas mãos e perdendo minha linha de
pensamento.

“Você está olhando.” Ele remove suas armas, duas lâminas


que usou em Madwulf, e as coloca sobre a mesa.

“Por que você me colocou no porão com eles se sabia o que


iria acontecer?”

“Eu queria que você soubesse o que iria acontecer. Que


servisse de aviso. Da próxima vez, não vou intervir.”

Próxima vez.

Meu pulso acelera. Não há dúvida de seu significado.

PAM GODWIN
Estou em liberdade condicional. Se eu o irritar, ele me joga
de volta ao porão com quarenta piratas de sangue quente que
agora me culpam pelo constrangimento de seu capitão.

Ainda bem que escolhi a barba.

Os olhos de Cutler, azuis mais escuros e profundos do que


os meus, vagam sobre mim, cortando, calculando. “Você é mais
forte do que parece.”

Vendo-o sem camisa e descalço em toda a sua beleza


divina, uma mulher pode interpretar mal essa afirmação.

Mas ele não é Priest. Ele não é vulgar em mente. Não está
tentando seduzir seu caminho entre minhas pernas. Imagino que
ele nem está pensando em fornicação.

“O que você está dizendo?” Cruzo meus braços.

“Eu nunca conheci uma sereia, mas você deve ser da


mesma espécie ou natureza. Não cristã, misteriosa,
perigosamente sedutora...Se pensa em me atrair com esses olhos
e me encantar até o naufrágio, você escolheu o marinheiro
errado.”

Meus olhos? Pisco lentamente, atordoada e sem


palavras. Talvez eu não conheça sua mente, afinal.

As sereias são seres carnais, sensuais e lindas. Como ele


pode me comparar com...? Espere. As sereias nem são reais.

Olho para sua calça justa, a única coisa que ainda


usa. Meu estômago embrulha. “Por que você tirou suas roupas?”

“Eu sei coisas. Eu as conheço antes de mais ninguém. O


que não sei, eu descubro.”

Que resposta evasiva e desconcertante. E o que ele sabe


exatamente?

PAM GODWIN
Ele sabe sobre o Priest? Ou meu plano de fuga? Ou a
bússola do meu pai? Não, ele não sabe das coisas importantes.

Meu olhar se fixa na tigela de maçãs sobre a mesa, fazendo


meu estômago roncar. Eu deveria ter comido a laranja que
esfreguei no meu peito esta manhã.

Mãe de Deus, isso parece muito tempo atrás. Ainda mais


tempo desde que fiz uma refeição.

“Então...” Eu me inclino contra a parede atrás de mim,


tentando uma pose casual. “O que você sabe, Cutler?”

“Você nasceu nas colônias, mas a Inglaterra está em seu


sangue.”

Minha respiração engata. “Muitas pessoas são inglesas.”

“Possivelmente. Mas o sangue que corre em suas veias


é beau monde. Está em sua fala, sua estrutura óssea, a beleza
régia que você tenta tanto esconder sob a pele sardenta do sol e
uma juba selvagem de cabelo despenteado.” Ele se inclina sobre
o lado oposto da mesa, as mãos apoiadas na superfície, à cabeça
inclinada, me estudando muito de perto. “A nobreza foi treinada
em sua postura, a maneira como segura seus ombros, sua
coluna...” Seu olhar centra em minha boca antes de mergulhar
logo abaixo dela. “A elevação do seu queixo.”

Forço minha expressão a permanecer tão vazia quanto a


dele, apesar do pânico pulsando sob minha pele.

“Como uma dama de raça de vinte anos”, ele diz, “Você


entende a importância de se dirigir a mim pelo meu posto militar
e título enobrecido.”

“Tenho vinte e um.” Olho para ele. “E vou chamar sua


bunda de trinta anos de tudo o que eu quiser.”

“Eu tenho trinta e quatro anos.” Ele considera o grande


ajuste da camisa de Priest no meu corpo. “Você tem um marido.”

PAM GODWIN
O gelo atinge minhas veias. Ele adivinhou isso pelo que eu
visto? Ou alguém revelou meu segredo?

“Errado.” Minha garganta aperta e relaxa.

“Um amante, então.”

“Eu tenho muitos.”

“Prostituta.” Ele cuspe a palavra enquanto de alguma


forma mantém seu semblante estoico.

“Não me envergonhe por ser libertada. Sou uma mulher


sexualmente transgressora, fazendo exatamente como um
homem faz. É minha prerrogativa fazer isso com quem eu quiser,
com a frequência que eu quiser.”

Esse costumava ser meu hábito. Então conheci


Priest. Depois de dois anos secos e solitários, é hora de começar
a aproveitar a vida novamente. Mas não aqui, e não com Lord
Prude.

“De onde eu venho”, ele diz, “Você é uma mulher


arruinada”.

“Você é casado?”

“Não.”

“Você já se embainhou dentro de uma mulher?”

Seus olhos cerram em fendas e, do outro lado da mesa,


sinto o calor deles em meus lábios. As veias latejam em suas
têmporas e garganta. Não por indignação. Sua linguagem
corporal permanece calma. Mas ele está positivamente tentando
proteger uma reação. Enquanto pensa em se revestir em uma
mulher? Quem? Certamente não eu.

“Sim.” Ele lambe os lábios. “Eu compartilhei minha cama.”

PAM GODWIN
“Prostituta.” Engasgo em falso descontentamento. “Quero
dizer, se você fosse uma mulher, é claro. Seria um
constrangimento para sua
família. Escandalizada. Exilada. Arruinada.”

“Se você tem um ponto, faça-o.”

Solto um suspiro exasperado. “Você parece um sujeito


inteligente, Ashley. Certamente, vê a hipocrisia em suas tradições
sociais.”

“Eu não faço as regras.”

“Você apenas as segue. Maravilhoso. Porque tenho minhas


próprias regras.” Contorno a mesa, paro ao lado dele e encosto o
quadril na beirada. “Meu prazer nas relações carnais não
significa que seja bem-vindo com todos. Você gostaria de saber o
que aconteceu com o primeiro lorde que me cumprimentou com
seu pau indesejado?”

“Esclareça-me.”

“Em retrospecto, eu deveria tê-lo castrado antes de estripá-


lo. Mas eu tinha apenas quatorze anos. Uma donzela tão tímida,
aquela pobre garota.”

“Duvido que você era tímida.”

“Acontece. Eu ainda não tinha aprendido a arte da tortura


criativa e prolongada. Você sabia que um homem ainda pode
manter uma ereção quando a pele é esfolada de seus órgãos
genitais?”

“Você é uma criatura vil.”

“Obrigada.” Eu sorrio docemente.

Era verdade que eu esfolei um homem que tinha o hábito


de violar mulheres. Mas apenas uma vez. Não tive estômago para
tentar de novo.

PAM GODWIN
“Uma mulher...” Seu olhar desliza para meus
lábios. “Comandando um galeão de cinquenta canhões. Quando
os portões do inferno se abriram?”

“Acho que gostava mais de você quando não falava.” Estalo


meus dedos na frente de seus olhos que não piscam. “Pare de
olhar para a minha boca.”

“Não consigo entender você.”

“É fácil, Comodoro. Pense no homem mais inteligente que


você conhece, remova toda a altivez e preconceito e adicione um
par maior de testículos.”

“Perturbador.”

“O mundo é perturbador.”

Juro que vejo a sombra de um sorriso em seu rosto


engomado. Mas na próxima respiração, estou certa que não
tinha. A mandíbula de bronze que está no nível do topo da minha
cabeça fica rígida, e todo o seu corpo endurece como se estivesse
se preparando para a batalha.

“Como seu pai era um selvagem conhecido”, ele diz, “Pode-


se deduzir que sua mãe é uma parente do reino. Ou foi? Onde ela
está agora? Não mais entre o beau monde. Eles a baniriam no
momento em que ficasse redonda da sua filha bastarda.”

A raiva em brasa aumenta quando levanto meu queixo para


encontrá-lo diretamente nos olhos. “Você não sabe do que está
falando.”

“Edric Sharp destruiu sua mãe, não foi? O bruto egoísta e


sem educação merecia ser enforcado. Eu gostaria de ter estado lá
para testemunhar isso.”

Meu braço move-se por conta própria, balançando rápida e


furiosamente, os nós dos dedos inclinados sobre seu nariz com
um estalo úmido de salpicar sangue.

PAM GODWIN
Ele pisca e me vejo olhando para um rosto que está muito
relaxado por estar sangrando. Mas seus quentes olhos azuis
contam uma história diferente, uma que não registro até que seu
punho atinge meu queixo.

O golpe é forte o suficiente para me enviar voando para


trás. Meus braços e pernas giram para permanecer na vertical
enquanto o cabelo cai em meu rosto. Ofegando, sufocando por ar,
caio de joelhos. No momento em que me endireito novamente, a
pulsação em minha bochecha se espalha por todo o meu crânio.

Indignação, euforia e pura alegria correm através de


mim. Nada faz meu sangue cantar, como um homem que não tem
medo de lutar contra uma mulher.

Com um estridente grito, ataco. Ele me encontra no ar,


nossos punhos batendo na carne. Batemos e chutamos com a
força de um raio, perdendo o equilíbrio e jogando um ao outro no
chão.

A dor virá à tona até mais tarde. Por enquanto, tudo o que
existe é a ferocidade de machucá-lo até que ele entenda que
nenhum homem usa meu pai como um insulto.

Seu antebraço musculoso conecta com minha


garganta. Eu jogo uma perna, um cotovelo, balbuciando por ar e
o xingando a cada golpe.

Há muito mais movimento e esforço do meu


lado. Enquanto isso, ele parece estar se desviando,
redirecionando e dando socos como um lutador treinado, com as
veias nas costas das mãos e os braços destacados como rios
azuis.

Ele não está facilitando para mim. Simplesmente não


precisa se esforçar tanto, pois tem a vantagem do peso e da
força. Mas ele não consegue igualar minha determinação.

PAM GODWIN
Se ele precisa de uma prova disso, vem na forma de um pé
em sua virilha. Eu o chuto com toda a força que posso reunir e
espero por seu rugido.

Mas só recebo seu silêncio. Eu não tenho certeza se ele está


respirando. Então ele o faz.

Em uma respiração que vem em um borrão, ele me joga de


costas e prende meu pescoço com dedos de aço.

“Oh querida.” Ele corre a ponta do nariz ao longo da minha


mandíbula latejante e sussurra na minha orelha “Você vai se
arrepender disso.”

Sua outra mão envolve meus cachos emaranhados e ele me


arrasta pelo chão pelos meus cabelos. Eu chuto, cuspo e me
debato nas pernas dos móveis que passam enquanto ele me puxa
para a popa através de seus aposentos privados.

“O que você está fazendo?” Agarro o punho em meu cabelo,


meus olhos lacrimejando com a agonia das mechas rasgando
meu couro cabeludo. “Deixe-me ir!”

Ele me joga em uma varanda externa com vista para o


oceano negro sem fim. Antes que eu possa me afastar, seu joelho
desce sobre minha garganta. O outro pousa em minhas coxas,
efetivamente me prendendo às pranchas.

Uma corda grossa aparece em suas mãos, a ponta da qual


ele amarra com eficiência em torno de meus pulsos. Eu luto com
ele, exigindo respostas e amaldiçoando-o para o inferno e de
volta.

Ele não me olha até que aperfeiçoa o nó em volta dos meus


braços. Então ele ergue a cabeça.

Olhos azuis brilham para mim, e Deus me ajude essas


lindas feições hipnotizantes...Ele não tem um sentimento entre
elas. Ele não pisca. Não faz cara feia. Não sorri.

PAM GODWIN
Fui capturada por um desumano e insensível sem sorrisos.

O vento sopra no rastro do navio de guerra, bagunçando


seu cabelo preto e cobrindo minha respiração ofegante com sal.

Ele me ergue em seus braços e vai até a grade da


varanda. “Você sabe o que acontece logo antes de o mundo
começar a girar?”

Meu pulso dispara.

“Não.” Com meus pulsos amarrados e as ondas quebrando


além da grade, eu definitivamente não quero saber.

“Você cai.”

“Não!” Meu coração para quando o agarro com as mãos


amarradas. Mas não adianta.

Ele me ergue da borda e me joga no mar.

PAM GODWIN
DEZENOVE

A corda se prende, cortando meu grito e arrancando o vento


de meus pulmões.

Enquanto continuo a espiralar em direção ao mar


enluarado, a tensão na corda puxa meus braços sobre a minha
cabeça e felizmente, felizmente, diminui minha descida.

Pena que meu coração não desacelera. A coisa em pânico


galopa perigosamente, tremendo em meu peito e me deixando
tonta.

A queda parece durar tanto quanto a que tive da amurada


de Jade. Mas desta vez, a escuridão envolve as ondas abaixo.

Nenhuma pessoa sã vai voluntariamente para o oceano à


noite. Não com as correntes subterrâneas mortais, criaturas
venenosas com corpos macios e tentáculos picantes, enguias
noturnas gigantes que caçam em matilhas e tubarões comedores
de humanos com uma força de mordida incomparável, todos
invisíveis e silenciosos, espreitando, esperando no escuro.

Se e quando eu bater naquela água, não haverá barco de


resgate dessa vez. Eu me tornarei parte da cadeia alimentar.

Tudo isso passa pela minha mente enquanto eu mergulho


com uma lentidão agonizante. Eu me fixo na corda, rastreando o

PAM GODWIN
comprimento onde ela se conecta desde meus pulsos até a
extremidade sinistra que sobe, sobe, sobe...para onde vai? Ashley
está segurando isso? Está amarrado a algo na varanda? O que
quer que prende minha corda de segurança está deixando-a
escapar centímetro a centímetro, facilitando minha queda, mas
não a impedindo.

Minhas mãos agarram o nó que as amarra, meus dedos


agarram a corda. Eu não consigo ver através da escuridão até a
varanda, não sei por que Ashley me amarrou antes de me
jogar. Mas em algum lugar acima, a corda estala com força.

Eu salto e paro meus pulsos quebrando na restrição


enquanto meu peso sacode e balança com o vento de cauda.

Pendurada logo acima da esteira atrás do HMS Blitz,


balanço perto o suficiente para sentir o gosto de água salgada. O
navio de guerra geme quando seu casco esculpe uma faixa negra
e profunda no mar, borrifando minhas pernas em uma névoa
quente e saturando a camisa de Priest.

Priest…

Esquadrinho loucamente a paisagem nebulosa,


esforçando-me para ver o horizonte. Você está aí fora?

Agora seria um bom momento para meu caçador selvagem


fazer algo aterrorizante. Mas é muito cedo. Ele levará semanas
para roubar um saveiro, cortejar a nova tripulação e caçar este
navio. Estou sozinha.

A corda estremece. E os ventos. As marés. O mundo se


reduz ao tambor e ao whoosh e à escuridão, à escuridão, à
escuridão...meu coração chora.

“Ashley Cutlerrrrrrrr!” Ondas cospem em minhas pernas


em acessos de tosse, fazendo-me girar e girar. “Seu pau
miserável! Puxe-me para dentro, maldito!”

PAM GODWIN
Tento chutar, ganhando impulso para me lançar para cima
para escalar. Mas com minhas mãos tão fortemente amarradas,
não há como segurar. Eu teria mais sucesso se não tivesse
braços.

“Cutler! Uma varíola no sangue! Uma varíola no seu


rei! Uma varíola em toda a sua marinha!” Grito de novo e de novo
até minha voz sangrar e quebrar.

Não há nada a fazer a não ser esperar. E espero. Espero


tanto tempo que sei que ele me deixou aqui para morrer.

Por que ele faria isso? A qualquer momento, um tubarão


gigante pode pular da água e me engolir inteira. Então ele não
terá nenhum pedaço de senhora pirata para entregar à Inglaterra.

Por que ele simplesmente não me deixou no porão? Pelo


menos então, ele ainda teria minha cabeça.

As pontadas picam minhas mãos até que


esfriam. Dormente. Cabelo molhado gruda no meu rosto e enrola
em volta da minha garganta. Rajadas de ar salgado uivantes
levam minhas lágrimas e transformam minha boca em um
deserto. Eventualmente, a exaustão se instala, me empurrando
além do ponto de chorar.

Mantenho meus olhos na água enquanto ela se turva em


ondas brilhantes de luar. Ficar acordada parece crucial por
algum motivo, mas é mais difícil a cada minuto que passa. O
vento e o esforço do enforcamento tiram a energia do meu corpo
e minhas pálpebras começam a ceder.

Quando começo a flutuar, sinto uma vibração. O


movimento estremece ao longo da linha. Segundos se passam
antes que eu perceba que a distância entre meus pés e a água
está se alongando, aumentando. A corda está sendo puxada.

Meu peito dispara com o tumulto da minha respiração,


acordando meus ossos com violentos tremores. Mais e mais alto,

PAM GODWIN
subo até a varanda ficar à vista, e logo além dela, os olhos frios
de safira do meu captor.

Ele amarra a corda em volta do corrimão, deixando-me


balançando fora de alcance.

“Ashley...” Sigo o comprimento da corda para cima e ao


redor de uma viga elevada, que sustenta um telhado
saliente. “Puxe-me para dentro.”

Com nada além de ar e mar sob meus pés, eu me contorço


no limbo, incerta e tomada pelo pânico.

Por que ele não está me trazendo pela amurada? Tento


estender a perna em sua direção, mas só consigo roçar o dedo do
pé na balaustrada.

Quase fora do alcance, ele reclina um ombro contra a porta


aberta da cabine, vestindo sua camisa branca e calça, segurando
uma faca ao lado do corpo. Ele me olha impassível, como se
pendurar uma mulher seminua fora de sua varanda fosse um
ritual noturno.

Talvez seja.

Eu quero matá-lo. O impulso de gritar detalhes vívidos de


como ele morreria arranha minha língua. Mas eu prendo o
discurso por trás dos lábios contraídos.

O homem acabou de me lançar em direção ao oceano como


uma isca em um anzol e me suspendeu ali por quase uma
hora. Agora ele casualmente segura uma faca muito perto da
corda que pode muito bem me deixar cair pela última vez.

Meu coração me diz que não morrerei esta noite. Ashley


Cutler ainda tem um papel a desempenhar em minha vida. Para
o bem ou para o mal. Qualquer que seja o caminho, enfurecê-lo
não me manterá viva.

PAM GODWIN
“Você está com medo agora?” Ele bate a lâmina contra sua
coxa.

“Eu estava assustada antes.”

“Não o suficiente.” Ele pega uma maçã da mesa atrás dele


e coloca a faca nela, cortando um pedaço do tamanho de uma
mordida. “Prefiro não te devolver ao porão. Você pode não ser
sensível ou frágil, mas um mês em uma cela com quarenta bestas
se alimentando de você...” Ele coloca a fatia de maçã na boca e
mastiga. “Não desejo isso a nenhuma mulher.”

Um tremor brutal e incontrolável sacode meu corpo. O peso


do meu cabelo molhado pendurado no meu rosto, meu pescoço
muito fraco para sustentar minha cabeça. Eu não consigo nem
reunir forças para implorar ou reclamar da agonia em minhas
mãos.

Seu olhar passa por mim, observando minha aparência


irregular e trêmula. “Você está suficientemente exausta.”

É assim que ele chama isso? Estou vivendo um


pesadelo. Meus músculos há muito cederam. Meu estômago dá
um nó com as pontadas de fome e meus ombros parecem ter
saído das órbitas.

Ele equilibra a maçã na grade ao lado. Então coloca a faca


entre os dentes, a borda serrilhada em ângulo para fora, e dá um
passo em minha direção.

Eu fico tensa quando ele solta mais corda, me abaixando


até que estou pendurada no nível do peito com a grade. Com uma
mão em meus pulsos amarrados, ele me puxa, enganchando um
braço por baixo das minhas coxas.

Sem energia para me mover, deixo que ele me levante e


coloque minhas pernas na varanda. A posição me senta na grade
com meus braços esticados acima da cabeça e seu quadril entre
meus joelhos.

PAM GODWIN
O calor de sua proximidade respira contra mim, seu rosto
pairando a poucos centímetros do meu enquanto endireita a
camisa de Priest sobre minhas coxas.

A faca entre seus lábios serve como uma barreira letal. Um


impulso de sua cabeça para frente e a ponta afiada causaria
alguns danos horríveis ao meu rosto.

Espero que ele corte a corda, mas ele não faz. Ele se
endireita, pega a maçã e remove o aço de seus dentes para cavar
outro pedaço.

A tensão na corda puxa meu corpo para trás, exigindo que


eu concentre toda a minha força nos joelhos, onde eles se
engancham na grade da varanda. Fico ali sentada, agarrada em
um ângulo estranho, vulnerável, esgotada e inteiramente à sua
mercê.

“Agora...” Ele apunhala um pedaço de maçã com a lâmina


e segura a fruta suculenta na minha boca. “Sobre o que
deveríamos falar?”

PAM GODWIN
VINTE

Meu estômago revira.

Ashley quer falar em vez de me desamarrar? O diabo que o


carregue!

Com os olhos fixos nos meus, ele espera, inclinando a


cabeça deliberadamente como se quisesse me distrair de
qualquer emoção que guarda. Ele parece acreditar que é
intocável, impenetrável, especialmente segurando aquela
faca. Mas se ele quisesse me cortar, já teria feito.

Dei um soco nele antes. Inferno, eu consegui alguns bons


acertos nesse rosto bonito. No entanto, não há nenhum traço de
sangue em sua pessoa.

“Sua camisa.” Separo meus lábios e mordo a fatia de maçã


de sua lâmina, mastigando preguiçosamente.

“Continue.” Seu tom desinteressado irrita enquanto ele


esculpe outro pedaço.

“Você a removeu, o casaco e aqueles sapatos ridículos


antes de lutarmos.” Abro minha boca e aceito a próxima fatia
enquanto considero minha camisa ensanguentada. “Você sabia
que eu iria atacá-lo e não queria que suas roupas preciosas
fossem arruinadas como as minhas. Já que você está vestindo a

PAM GODWIN
camisa novamente, você deve acreditar que não haverá mais
derramamento de sangue entre nós.”

Algo acende em seus olhos. Apreciação. Não perco dessa


vez. Ele gosta que eu tenha um cérebro e sei como usá-lo.

Bem, não é difícil adivinhar que ele se orgulha de sua


aparência. Ele cheira a vaidade.

“O que você disse sobre meu pai...” Pressiono meus lábios,


recusando o próximo corte de maçã. “Você estava
intencionalmente provocando meu temperamento.”

“E você caiu nessa. Literalmente.”

Ele gira, deixando-me suspensa na grade para perambular


por seus aposentos. O caroço da maçã e a faca foram para uma
pequena mesa. De um armário, ele tira outro casaco azul escuro
e o veste. Botas de couro preto vem a seguir. Ele demora a
amarrá-las sobre as meias de lã antes de voltar para mim. No
caminho, ele passa por uma arca, onde pega uma grande garrafa
de vidro.

Tirando a rolha, ele traz a bebida aos meus lábios. O sabor


açucarado e torrado do rum explode em minha língua. Engulo em
seco, tomando goles longos e gananciosos até meu peito queimar.

Tusso, querendo mais, meus olhos fixos na garrafa. Em vez


de tirá-la, ele se aproxima todo ele, com o nariz na minha
garganta, inalando.

“Pare de me cheirar.” Minhas entranhas se encolhem.

Tento fechar minhas pernas, mas seu quadril impede a


tentativa.

“Eu nunca conheci uma mulher como você.” Ele arrasta o


nariz pelos cachos do meu cabelo soprados pelo vento e volta para
o meu pescoço. “Você cheira a mar.”

PAM GODWIN
O calor masculino pressiona a junção de minhas coxas, o
que é muito menos enganoso do que a implicação em sua voz
suave ou a indiferença preguiçosa em seus olhos cerrados.

“Olhe para você.” Seu olhar vaga das minhas pernas para
o meu rosto, demorando-se na minha boca. “Como algo tão
pequeno pode despertar tanto medo na marinha do rei?”

“Eu sou uma bruxa mágica.” Eu me contorço e resisto,


tentando afastá-lo.

Ele me patrocina com um estalo de língua e deixa de lado


o rum. Então se aproxima, tornando-me terrivelmente consciente
de que minha contorção inútil deixou endurecida a carne em sua
calça justa, estendendo a circunferência inchada para baixo de
sua coxa.

“Parece, meu senhor, que você é incapaz de esconder todas


as reações.” Tento me livrar do aperto de ferro em meus
joelhos. “Desamarre-me de uma vez.”

Ele faz um som de escárnio. “Você é uma criatura raivosa,


imodesta e grosseira. Eu sabia que não devia amarrar
você. Quando um animal está com raiva, você não o coloca na
coleira. Você acaba com sua miséria.”

“Chame-me do que quiser. Mas isso não muda o


abaulamento me querendo entre as pernas.”

“Você não tem ideia do que eu quero.” Ele segura minha


garganta com o punho machucado, me imobilizando. “Se você
soubesse se enrolaria em si e tremeria por misericórdia.”

Eu queria dizer a ele que não me enrolo ou tremo por


ninguém. Mas estou fazendo as duas coisas agora, curvando-me,
tremendo e tentando recuperar o fôlego no dolorido aperto de sua
mão.

PAM GODWIN
Curvando-se sobre mim, ele pressiona cada centímetro de
seu corpo contra cada centímetro do meu. Sua impressionante
altura e largura de ombros consome meu campo de visão e
sufocam meus sentidos. E seu cheiro... querido senhor, ele cheira
a limpeza. O sabonete que ele usa para tomar banho, a menta
aromática em seus lábios, o óleo de cedro em sua pele, a mistura
é um afrodisíaco inundando o pouco de ar que escorre pelo meu
nariz.

A visão de seu físico poderoso antes, sem uma camisa, me


atinge com a consciência fervilhante de sua beleza. E agora, com
o casaco azul estendendo-se por toda a extensão sólida de seu
peito, sua proximidade tem o mesmo efeito.

Mordo minha língua, mas não consigo conter meu tremor.

Quantas vezes eu enfrentei um homem atraente e cruel e


saí por cima? Sou mais atrevida do que qualquer senhora com
título, fisicamente mais forte do que uma mulher média. Priest
foi a única pessoa que conseguiu derrubar meus joelhos debaixo
de mim. Porque eu deixei. E aprendi.

Mas eu não sou páreo para um homem que me balança


sobre o mar bravo sem um pingo de pena ou indiferença. Por
mais que ele aperte minhas vias respiratórias, seu rosto deve
estar em chamas de fúria. Mesmo assim, ele mantém sua
expressão apática usual. Terrivelmente calmo. Controlado.

“Ashley...” Meus lábios se movem sem som ou


respiração. Por favor, me liberte.

Ele se mexe, prendendo um dos meus joelhos entre a grade


e seu quadril. Mantendo seu controle sobre meu pescoço, ele
levanta minha outra perna e a joga para fora da varanda.

O pânico cresce e eu me debato, tentando ajustar meu peso


para ficar escarranchada na balaustrada. Mas a corda não
alcança e ele não me dá espaço para me mover. A posição me

PAM GODWIN
suspende no ar com uma perna enganchada sobre a grade e a
outra chutando na escuridão.

Lutando contra a gravidade e o cansaço, não consigo fechar


minhas coxas. Eu me viro inutilmente, espalhando-me
totalmente com o vento quente golpeando minha parte
feminina. “Ashley, pare! O que você está...?”

Ele bate a palma da mão entre as minhas pernas com força


profana.

A dor explode e eu grito silenciosamente, engolindo em seco


e estremecendo por causa de um espasmo atordoado. Ele afrouxa
o aperto na minha garganta como se quisesse me ouvir
gritar. Então bate na minha buceta de novo, com força,
brutalmente, com a mão aberta, desencadeando o inferno em
meus nervos.

A camisa bloqueia sua visão da minha nudez, mas seus


golpes são certeiros. Ele me bate repetidamente, dobrando-se a
cada golpe e mirando no meu clitóris.

Sua respiração encurta em rajadas de grunhidos, e sua


pélvis bate contra minha perna presa, moendo sua ereção
enquanto ele balança.

Meus gritos vem espontaneamente enquanto giro minhas


mãos amarradas, desesperada para ser libertada, zumbindo com
a estimulação sensorial agonizante. E algo mais.

O calor ardente de sua mão me faz latejar. Seu toque nunca


demora, mas toda vez que ele pousa, eu antecipo o próximo golpe,
a queimação pungente e as pulsações profundas que me recuso
a aceitar.

Priest costumava me atormentar tão lindamente dessa


maneira. Suas propensões a surras, sufocamento e mordidas
tiveram um efeito perverso em meu desejo por ele. Mas isso era
em um ambiente amoroso e voluntário. Não isso.

PAM GODWIN
Isso está errado.

Eu não tenho que lutar contra a reação do meu corpo à dor


sensual. Meu cérebro assume o controle, fechando os centros de
prazer, endurecendo minhas juntas e tencionando os músculos
entre minhas pernas.

Como se Ashley detectasse meu recuo mental, ele se afasta,


a mão pairando no ar. Olhos azuis ardem sob os cílios negros,
faiscando quando ele me mede.

“Você pode lutar contra isso.” Ele se endireita e limpa o tom


áspero de sua voz. “Mas seu corpo ainda é de uma prostituta.”

“O seu também.” Dirijo meu olhar para a protuberância


considerável em sua calça justa.

O canto de sua boca se ergue. O menor toque.

“Por quê?” Maldição, estou machucada. Tudo pulsa e


queima como se estivesse mergulhado em fogo líquido. “Por que
me bateu lá?”

“Porque eu posso.” Ele respira fundo e grita “Sargento


Smithley!”

Meus olhos se arregalam e meu pulso dispara. “Não me


mande de volta lá. Posso ser razoável.”

“Você é incapaz de ser razoável ou civilizada. Mas enquanto


está no meu navio, vai cumprir as normas mínimas de cortesia.”

Ele dá um passo para trás, capturando minha perna


balançando e enganchando-a no corrimão. Mais uma vez, sento-
me na balaustrada em um ângulo para trás. Eu imediatamente
aperto minhas coxas juntas.

Ao som da porta externa se abrindo, ele cruza as mãos


atrás dele e inclina a cabeça, seus olhos treinados nos meus.

PAM GODWIN
Duas câmaras adiante, além de seu corpo largo, uma
silhueta aparece na cabine de jantar. O movimento avança na
cabine diurna e um raio de luar ilumina o rosto inexpressivo do
sargento Smithley.

Ele para ali como se não tivesse permissão para entrar na


câmara de dormir. “Sim, meu senhor?”

“Se algo acontecer comigo...” Ashley mantém suas costas


para o soldado e seu olhar fixo no meu. “Se eu ficar doente, ficar
ferido ou morrer, o que você recebeu de ordem para fazer com a
Srta. Sharp?”

“Devolve-la ao porão, meu senhor. Ela será transportada


para a Inglaterra com ou sem você.”

“Muito bem, sargento. Isso é tudo.”

O soldado some de vista sem olhar na minha


direção. Quando o clique da porta soa como sua partida, Ashley
pega a faca.

Minha frequência cardíaca dispara enquanto tento


entender o que está acontecendo. Se ele quisesse me matar, não
teria chamado seu sargento para provar um ponto.

Pendurando-me na frente de Madwulf MacNally, me


atraindo para uma briga, pendurando sobre o mar e convocando
seu sargento, todas as ações foram calculadas.

Ele está estabelecendo limites.

Encostado em mim, ele empurra seu quadril contra meus


joelhos fechados e posiciona a faca no nó em meus pulsos. “Abra
suas pernas.”

Em um golpe de formigamento, o comando me aquece com


excitação e me gela de pavor. Não posso lutar contra ele nisso. Se
ele pretende cortar a corda e não minhas mãos, ele precisa de um
ângulo mais próximo.

PAM GODWIN
Abro minhas pernas.

“Boa menina.” Ele ajeita a camisa sobre meus joelhos sem


olhar e estica meu corpo inclinado. “Segure-me.”

Ele corta o nó.

Enquanto se desenrola de meus braços, ele não me toca ou


tenta me impedir de cair. Ele agarra a grade de cada lado do meu
quadril, me forçando a alcançá-lo. E eu alcanço. Agarrando-me
com braços e pernas, envolvo-me em torno do pilar formidável de
seu corpo duro como pedra.

“Lembre-se disso, Bennett.” Ele vira a cabeça, acariciando


minha orelha com os lábios. “Eu sou a única coisa que está entre
você e Madwulf. Vire uma arma contra mim, e seu tempo neste
navio será gasto em suas costas sob a fome de quarenta homens
sujos.”

O vento empurra meu cabelo e tenta me puxar para o


mar. Cavo meus dedos em suas costas musculosas e pressiono
meu rosto contra seu peito, absorvendo suas palavras e
agarrando-me a sua força.

Ele não precisa me manter sob controle. Não precisa


guardar suas armas. Não precisa de seus soldados para frustrar
minhas ações. Ele me aprisionou com uma ameaça sólida e
genuína.

“Você pode vagar livremente.” Sua boca se move contra


minha bochecha. “Fui muito claro sobre o que acontecerá se me
atacar ou qualquer homem neste navio.”

Meu estômago endurece.

Ele agarra meu braço e me puxa para baixo da


grade. Minhas pernas vacilam quando entro em seu quarto de
dormir, procurando um lugar para sentar.

PAM GODWIN
Uma tela de privacidade oculta a pia e o penico. Uma
cadeira está ao lado do armário. Dentro da parede em frente há
uma câmara abobadada feita para envolver o colchão estofado em
três lados.

O ar cheira a hortelã, cedro e limpeza. Cada respiração que


tomo é muito íntima, muito masculina, também ele. Onde ele
espera que eu durma?

Meu olhar voa para a cama e se afasta.

Por mais que eu precise me sentar, escolho ficar de


pé. “Como você me reconheceu?”

“Eu não reconheci.” Ele coloca a faca na mesinha ao meu


lado.

Cedo sob o acúmulo latejante dos ferimentos do dia, sem


nenhum desejo de olhar para a faca e muito menos desejo de usá-
la.

“Se você definir isso para testar minha inteligência, ficarei


ofendida.” Dou um golpe forte no cabo e o deixo girando como
uma roda na mesa enquanto me afasto. “Num dia bom, posso
empunhar uma lâmina contra exércitos de homens com o dobro
do meu tamanho. Você também deve saber que sou um tiro
certeiro com uma pistola. Mas hoje não é um bom dia.”

Seu rosto, muito liso e polido para exigir uma navalha de


barbeiro, não reage.

“Posso ser franca com você, Ashley?” Eu vago por seu


espaço privado, tocando em tudo, desde cobertores e roupas a
móveis e bugigangas apenas para irritá-lo.

“Não espero nada menos.”

“Depois de ser jogada de um navio duas vezes em um dia,


apenas para terminar a noite com uma surra implacável em
minhas partes femininas...”

PAM GODWIN
“A noite não acabou.”

Lanço um olhar para ele. “Não posso simplesmente


esquecer que essas coisas ocorreram. Você pode confiar que
quando eu dormir, vou sonhar com minhas mãos estrangulando
sua garganta até que seus lábios fiquem azuis e seus olhos
saltem de seu rosto como rolhas. Mas...” Eu levanto um dedo sem
olhar para ele. “Não sou tola o suficiente para retaliar. Quando
cometo erros, aprendo com eles.”

Eu me viro e aponto para meu queixo inchado, apenas uma


das muitas dores que ele infligiu nas últimas horas.

“Fico feliz em saber que você entende minhas


expectativas.” Ele apoia suas botas em uma postura nobre e
ergue sua mandíbula quadrada, olhando fixamente para mim.

“Por Deus, Comodoro.” Olho para ele. “Você não se cansa


de manter essa postura rígida?”

“Você já se cansou de zombar dos grandes e bons?”

“Não. Positivamente nunca.”

Ele fica como uma estátua por um minuto ou vinte. Por fim,
arrasta a palma da mão pelo rosto, sobre a boca e deixa o ombro
cair contra a parede.

Melhor? Sua sobrancelha erguida pergunta.

O lábio rígido está impossivelmente mais rígido.

Balanço minha cabeça. “Lorde Ashley Cutler. Todo casaco


e botas e parecendo polido o suficiente para segurar o pau do rei
enquanto ele urina.”

“Sua boca é terrível.” Seu olhar desliza para o objeto de sua


irritação.

PAM GODWIN
“Essa é a sua expressão chocada? É igual a todas as
outras, então não posso ter certeza. Mas, honestamente, Ashley,
se minha boca o perturba, por que você a encara assim?”

Seus olhos voltam para os meus. Olhos profundos de


pedras preciosas de um azul profundo, cílios espessos e capuzes
sensuais. Oh, como eles devem se cansar de ver as mulheres
desmaiarem em seu caminho.

A luz bruxuleante da lamparina doura suas feições


esculpidas e projeta sombras sobre seu cabelo preto
perfeitamente penteado. Tão brilhante e exuberante esse
cabelo. É difícil acreditar que já foi exposto ao sol ou ao mar
salgado.

Ele é magnífico de se ver, um distinto oficial em seu auge


que acaba de ganhar uma guerra e cruza o oceano para capturar
Madwulf MacNally e a filha de Edric Sharp. Ele será a inveja de
seus pares em seu retorno.

Há quanto tempo ele está no mar? Está com pressa de


voltar para casa? Estou extremamente curiosa para saber o que
ele está pensando enquanto responde à minha desavergonhada
avaliação com uma reserva mais calma e imparcial.

“Você tem uma senhora na Inglaterra com a qual está


ansioso para se reunir?” Cruzo meus braços, ficando a um metro
de distância.

“Não.”

Nenhuma surpresa nisso. Quando se trata de mulheres,


ele se esforça mais para espancar um clitóris do que cortejar um
coração.

Pelo que entendi da situação, tenho um mês para extrair


informações de seu cérebro. Agora tenho apenas um limite de
energia restante antes de meu rosto plantar-se no chão. O
restante das minhas perguntas terão que esperar. Exceto uma.

PAM GODWIN
“Como você me achou?”

“Eu estava caçando outro pirata e ele me levou até você.”

Priest? Não é possível. Ninguém fora de nosso círculo de


confiança conhece nossa conexão.

Minha cabeça lateja de pânico e fadiga, mas mantenho


minha voz neutra. “Quem?”

“Charles Vane.”

“Ah.” A dor colide com o alívio. Não mostro nada em meu


rosto. “Conveniente para você.”

“Abundantemente. Com Vane morto, você era meu próximo


alvo. Mas, quando soube de sua chegada à Jamaica, você já tinha
levantado âncora e zarpado. De repente, não foi?”

“Você não é o único me caçando.”

“Mas sou o único que te prendeu.”

Tolo arrogante. Se ele soubesse que Priest Farrell me pegou


primeiro. Oh, como eu queria dizer que ele poderia ter capturado
a filha de Edric Sharp e o Feral Priest se não tivesse caído no meu
ardil.

Mas meu casamento é meu segredo mais guardado e


minha maior esperança de fuga.

“Se você não me reconheceu,” digo. “Como você me


encontrou?”

“Ninguém pode descrever com precisão a sua imagem. Você


fez bem em manter isso desconhecido. Até agora. Mas eu não
precisava saber como você era. Estudei seu comportamento, suas
pegadas no mar e a tradição que segue você. Sua afiliação com
Charles Vane. O galeão que você comanda que não possui
bandeiras, nem figura de proa ou marcas. E sua inclinação para
libertar escravos.”

PAM GODWIN
Fecho meus olhos, solto uma respiração lenta e olho para
ele. “Você encontrou o navio negreiro afundado.”

“Eu recebi a notícia quando marinheiros mortos e madeira


queimada chegaram à costa oeste de St. Christopher. O ataque
tinha seu selo de propriedade sobre ele. Foi fácil rastreá-la de lá.”

Minhas mãos cerram-se, mas não posso me arrepender


daquele ataque. Salvamos dois jovens africanos naquele
dia. Além disso, com Ashley no meu encalço desde a Jamaica, ele
teria me pegado eventualmente. Assim como Priest.

Ele se endireita na parede e passa por mim, dirigindo-se ao


armário. De uma gaveta, ele tira um chapéu azul de três pontas
enfeitado com penas e o enfia na cabeça. De outra gaveta, tira
uma longa faixa de lã de linho e espalha no colchão.

Uma camisola larga de cavalheiro.

Priest nunca usou um pingo de roupa para dormir. Eu


também prefiro a nudez. Mas não aqui.

“Isso é para mim?” Levanto a bainha, esfregando o tecido


áspero entre meus dedos, aliviada por não ser transparente.

“Sim.” Ele move um dedo em direção à tela de


privacidade. “Lave-se antes de dormir.”

Ele gira e caminha em direção à cabine de jantar, vestido


com uniforme completo como se fosse para algum lugar.

“Ashley?” Espero até ter seus olhos. “Onde eu durmo?”

“Ali.” Ele empurra seu queixo de aço para a cama atrás de


mim e volta a andar.

“Onde você vai dormir?” Em seu silêncio, corro atrás


dele. “Aonde você vai?”

O clique da porta externa soa como sua saída.

PAM GODWIN
Um grunhido de frustração vibra em meu peito. Passo
correndo pela mesa da cabine diurna, ao redor da mesa da cabine
de jantar e abro a porta.

Ashley está do outro lado, as pernas abertas, as mãos


cruzadas atrás dele e os olhos azuis se estreitam nos
meus. Esperando-me.

Minha respiração encurta. “Você disse que eu poderia


vagar livremente.”

“Não vestida assim.” Ele muda para o lado e gesticula para


os dois tenentes atrás dele.

Os homens entram apressados, carregando pilhas de


tecidos incompatíveis. Eles jogam os tecidos esfarrapados na
mesa, junto com uma cesta de suprimentos de costura, e saem
da cabine.

“Há tecido suficiente aí”, ele diz. “Você vai criar um guarda-
roupa adequado para si antes de deixar este aposento.”

“Não sei costurar.” Cruzo meus braços sobre meu peito.

Ele se inclina em minha direção e coloca o nariz a


centímetros do meu. “Sua educação diz o contrário.”

Pisco, procurando a melhor réplica. É verdade que Lady


Abigail Leighton me ensinou como trabalhar com agulha e
linha. Mas a única costura que fiz nos últimos sete anos envolveu
feridas abertas e carne sangrando.

Outro homem entra na cabine, carregando uma pequena


caixa de remédios que chacoalha com frascos de vidro.

“Senhora.” O homem loiro olha para meus pulsos em carne


viva, camisa ensanguentada e queixo latejante. “Eu sou o tenente
Flemming, o cirurgião do navio. Vamos olhar seus ferimentos,
sim?”

PAM GODWIN
Chocada, observo o suboficial da sala dos oficiais caminhar
em direção à cabine diurna. Atrás dele segue um jovem
uniformizado segurando uma bandeja de frutas, carnes e
biscoitos.

Depois de tudo que Ashley desencadeou sobre mim hoje,


nunca em mil vidas eu teria esperado este nível de decência. Deve
haver um problema.

Quando me volto para a porta, Ashley sumiu.

PAM GODWIN
VINTE E UM

Eu sabia que estava cansada, mas não tinha compreendido


a extensão de minha exaustão até que adormeci na mesa de
jantar enquanto o tenente Flemming tratava as escoriações em
meus pulsos.

Ele me acordou com a mão em meu ombro, me sacudindo


suavemente. “Senhorita? Você deve se deitar.”

Seu suave sotaque inglês combina com seu


comportamento. Fios brancos riscam as raízes de seu cabelo
loiro, fazendo-o parecer mais velho do que seus quarenta anos.
Esse é o meu palpite, de qualquer maneira. Ele não fala muito.

Pomadas e bandagens guardadas, ele sai sem dizer uma


palavra, deixando-me sozinha na cabine mal iluminada.

Como um pouco de carne assada e biscoitos para apaziguar


meu estômago que ronca. Então entro nos aposentos de Ashley.

Atrás da tela de privacidade, tiro a camisa de Priest e a


seguro perto do nariz. Não cheira mais a ele, mas não consigo me
forçar a descartá-la.

Usando água e sabão da bacia, limpo o sangue do linho e


penduro para secar.

PAM GODWIN
Vários suprimentos enchem o armário, como óleos
aromáticos para cabelos, pomada ambrosial para a pele, uma
escova de osso de rabo de cavalo para limpar os dentes e
instrumentos cortantes para bigodes. Ashley realmente usa o
último? Depois de um dia inteiro, ele ainda não tem nada em seu
rosto como uma barba por fazer.

Lavo meu cabelo e corpo com seus limpadores, tomando


cuidado com a pedra de jade em minha garganta. Então visto a
camisola de cavalheiro, nadando com a lã de linho enquanto me
arrasto para baixo da colcha em sua cama.

O colchão é macio o suficiente, a distância entre os lados


larga o suficiente para dois. Mas me sinto mais segura me
encostando na parede da alcova e puxando os cobertores ao meu
redor.

O navio balança preguiçosamente, me embalando no


espaço entre o sono e a vigília. Mas não consigo desligar minha
mente. Não é possível reprimir a agitação em meu estômago. Não
posso ignorar o cheiro de cedro de um homem desconhecido
embutido no colchão.

O sono vem e vai em ataques de inquietação. O passar das


horas persegue a lua para fora da moldura da varanda aberta.

Quando Priest chegar, o que eu ouvirei primeiro? As velas


sibilantes do seu navio? Os tambores de batalha do HMS Blitz?
O comando da voz de Ashley na trombeta falante?

Algo soa na cabine de jantar. O clique da porta. Em


seguida, passos.

Minha respiração para, todo o meu ser se esforça, ouvindo


aquele andar. Eu o reconheço, o ritmo confiante e sem pressa do
calcanhar ao dedo do pé.

Que enervante. Eu mal conheço esse homem. Ele não é o


destaque da minha vida, algo que eu esperava ver. Ele tem sido

PAM GODWIN
a parte mais sombria de um dia. Então, por que estou deitada
aqui, focada na cadência de sua abordagem como se estivesse
acordada todo esse tempo, esperando por ele?

Fecho os olhos quando ele entra na câmara de dormir. Seus


movimentos param no limiar e eu o imagino olhando para minha
forma deitada na escuridão.

Com meu ombro pressionado contra a parede de trás da


alcova da cama, eu deixei muito espaço no colchão ao meu lado,
como um convite para se juntar a mim. Mas é tarde demais para
corrigir esse erro.

Ele já está se movendo, pisando perto do armário. Gavetas


abertas e fechadas. Tecido farfalha. Couro range. O deslizamento
dos laços emite sons suaves e rápidos.

E lá se vai sua roupa.

Com meus olhos bem fechados, temo o que encontrarei se


os abrir. Se ele acreditar que estou dormindo, talvez vá embora.

O colchão afunda, inclinando-se sob seu peso.

Meus pulmões tentam empurrar um suspiro por meus


lábios. Mas ajusto minha respiração e mantenho a subida e
descida do meu peito uniforme, sutil, imitando o sono.

Ele se estica ao meu lado e ajeita a colcha, sem tentar ser


furtivo. O calor dele sozinho poderia acordar os mortos. Com
menos de trinta centímetros de espaço entre nós, sinto o calor de
seu corpo como se ele estivesse pressionado contra mim.

Eu quero dormir sozinha.

Exceto que faço exatamente isso por dois anos, e tem sido
miserável.

Talvez eu quisesse dormir sozinha com alguém como


Ashley Cutler. Mas isso não faz sentido. Eu nunca teria

PAM GODWIN
considerado tal coisa com Madwulf MacNally ou Tenente
Flemming ou qualquer outro estúpido neste navio.

Priest foi o único com quem já dormi. O único com quem


eu queria dormir.

Até ele me machucar.

Abro um olho e vislumbro a forma quadrada ousada das


costas nuas de Ashley. Abrindo os dois olhos, traço a linha de
seu pescoço forte, a musculosa inclinação de seu ombro, a
protuberância de seu bíceps. Exótico. Perfeito. Deus
misericordioso, eu realmente tenho um fraco pela crueldade
embrulhada em um lindo pacote.

O luar residual cobre seu corpo nu em tons de cinza e poças


de sombra presas onde sua cintura esguia encontra a borda da
colcha. Ele é infinitamente mais desejável de se ver quando fica
deitado à vontade em nada além de sua pele, em vez de ficar em
posição de sentido em um uniforme enfeitado com ouro.

Sabendo que sua nudez continua sob a colcha, eu não


posso desviar o olhar se quiser. Eu deveria me punir por
inspecioná-lo tão de perto, e faria se meu cérebro não tivesse me
abandonado.

“Vá dormir.” Sua voz grossa e estrondosa para meu


coração.

Olho para suas costas. “Você está pelado.”

“É assim que eu durmo.”

“Há uma mulher nesta cama.”

“É minha cama.”

“Mas...”

“Quieta.”

PAM GODWIN
Eu pressiono meus lábios. Até que imagino seu corpo nu
se jogando contra mim durante a noite. “Não sei o que fazer com
isso.”

Ele solta um suspiro pesado e eu praticamente posso ver


aquelas narinas aristocráticas se dilatando.

Com um suspiro, ele rola e me encara.

Eu não estava preparada para sua boca pousar tão perto


da minha. Sua respiração suave beija meus lábios e seus olhos
azuis escuros me dão toda a atenção. Eles são os olhos de um
homem que dirige, supervisiona e controla tudo. Olhos que
comandam a alma de uma mulher.

“Eu nunca dormi ao lado de alguém com quem não


estivesse envolvida... amorosamente.” Engulo. “Isso... nós não
estamos apaixonados.”

“Não, não estamos.” Ele se mexe para se virar.

“Espere.”

Ele espera.

“O que seus soldados vão pensar?” Não me importo nem


um pouco com minha reputação, mas preciso entender as
ramificações. “Se eles acreditarem que você sucumbiu às proezas
sexuais de uma senhorita pirata, não perderá seu status
conquistado com muito esforço na Marinha Real?”

Eu acreditei nele quando disse que era o único que estava


entre Madwulf e eu. Um motim entre a tripulação de Ashley me
privaria dessa proteção.

“Não estou comandando um navio pirata”, ele diz. “Isto não


é uma democracia. Ninguém neste navio tem patente para me
questionar, especialmente meus prisioneiros indisciplinados.”

PAM GODWIN
“Então. Esta prisioneira não deseja ser molestada por seu
raptor enquanto ela dorme.”

“Não procure luxúria onde não existe.” Ele volta para o seu
lado, me dando as costas.

“Então não me cutuque com sua ereção.”

“Pare de falar.”

“Você sempre fica duro quando amarra e bate em animais


raivosos?”

“Mais uma palavra e vou amordaçar sua boca atrevida.”

Outra ameaça. Eu tenho certeza de que ele seguirá em


frente e ficará duro como uma rocha com o resultado. O homem
está em severa negação, o que me serve bem. Por enquanto.

No fundo de minha mente, eu entendo a probabilidade


dessa situação virar em uma direção que eu temia.

Para minha consternação, ser resgatada por meu marido


cruel e implacável é minha melhor opção. Mas as chances não
estão a seu favor. Ele não pode simplesmente entrar
sorrateiramente a bordo de um navio de primeira linha e me levar
sem ser notado. A aproximação do menor e mais rápido saveiro
sob seu comando será avistada.

A verdade aterrorizante é que eu não sei como ele lutará


contra o navio de guerra armado mais pesado em alto mar. Eu
confio que ele tentará com cada respiração de seu corpo, mas não
posso apostar minha vida em seu sucesso.

Ashley pretende me entregar à Inglaterra para ser julgada,


onde serei condenada e enforcada. Isso é um fato.

Mas tenho o poder de mudar isso.

Como uma mulher adulta saudável, ganhei muitos


corações acidentalmente.

PAM GODWIN
Tenho um mês para conquistar o coração de Ashley
intencionalmente.

Eu pensei nisso antes de mergulhar na amurada de Jade.


Antes de conhecer o comodoro sisudo e insensível.

Um homem sem coração não pode se apaixonar. Mas parte


de mim espera que um órgão quente, macio e sensível pulse sob
seu verniz frio. Se houver um coração, eu posso pegá-lo, torce-lo
e usá-lo para escapar.

Mas a parte lógica já considera um terceiro plano.

Se eu não puder alcançar o coração do Comodoro, posso


definitivamente alcançar entre suas pernas.

Embora eu não seja hábil em cílios agitados recatados ou


sacudir meu quadril como uma coquete, eu sei como me amarrar
em um vestido que revela seios e tocar um homem até que seus
olhos cruzem e seu cérebro exploda.

Uma queda suada sob os cobertores com Ashley Cutler não


o convencerá a me libertar. Mas se ele acreditar que carrego seu
filho em meu ventre, isso muda tudo.

Ele não me mandará para a forca.

Porque ele não executaria seu próprio filho.

Conquiste seu coração ou conceba seu bebê.

Para que qualquer um desses planos funcione, eu preciso


me aproximar dele. Aproximar o suficiente para levar sua
semente ao meu corpo.

Enquanto olho para suas costas lindamente esculpidas na


escuridão, não deve parecer tão difícil. Ele é um homem lindo e
fiz coisas piores para sobreviver.

PAM GODWIN
Se eu conseguir me deitar com ele, estarei traindo o marido
que me traiu. O pensamento me deixa enojada porque, Deus me
confunda, eu ainda amo o rei dos libertinos.

Mas se não fizer nada, serei enforcada. Eu morrerei. Não é


a melhor opção.

Se Priest estivesse aqui, eu sei o que ele diria.

O louco filho da puta me diria para mentir, roubar,


trapacear, mutilar, matar ou foder quem eu precisasse para
permanecer viva.

Quando fecho os olhos e começo a dormir, ouço seu


sotaque galês em meu ouvido.

Sobreviva, meu amor. Não importa o que aconteça.

PAM GODWIN
VINTE E DOIS

“Ai!” Tiro a agulha da ponta do dedo e o enfio sangrando na


boca.

Minha frustração com a costura aumentou o dia todo, mas


me abstive de jogar a roupa quase pronta da varanda.

Eu acordei esta manhã sozinha e não vi ninguém, exceto o


jovem soldado que entregou minhas refeições. Onde quer que
Ashley passe suas horas de vigília, não é aqui.

Mas ele sempre está presente em minha mente.

Enquanto media, cortava e costurava na cadeira em sua


escrivaninha arrumada, eu ruminava a arte da intimidade. Tocar,
beijar, despir, puxando-o para dentro do meu corpo... Imaginei
cenários licenciosos em cada combinação de posições que vi em
cidades, sarjetas e tabernas.

Claro, eu tenho minhas próprias experiências com Priest e


outros para recorrer, mas estou enferrujada. E depois da traição
de Priest, perdi a confiança que tinha antes.

Eu ainda sou desejável? Se eu fosse, Priest teria se


desviado?

Eu ando através dos pensamentos negativos e concebo


uma fantasia onde Ashley se dedica ao serviço de uma senhorita

PAM GODWIN
pirata, onde ele me quer além de tudo e se torna meu amante
declarado. Enquanto meus dedos trabalham na agulha de
costura, minha mente ergue ilusões de nós dois nus, enredados,
lambendo, sussurrando, acariciando e no cio dia e noite.

Imersa em minha imaginação carnal por horas, me permito


sentir cada reação, medo, trepidação, dúvida, negação, aceitação,
fome, prazer, até que fico... cansada. Eu não posso ficar
endurecida ao toque de um homem, e quando isso acontecer com
Ashley, eu experimentarei todos esses sentimentos novamente.
Mas me preparo mentalmente para isso da melhor maneira que
posso.

Chego a um acordo com o papel que desempenharei como


prisioneira que vira amante de Ashley.

Agora eu só preciso de minhas mãos para seguir minha


cabeça.

Voltando minha atenção para a roupa em meu colo,


termino os retoques finais.

Roupas são a base da aparência total de uma mulher. Quer


eu continue a tricotar a roupa da moda de um criado ou o vestido
sufocante das fidalgas e dos tipos medíocres, eu tenho que
começar com esta peça essencial.

O corpo ossudo é necessário para conseguir um torso


alongado, cintura apertada e seios fechados. Desde que uso essas
engenhocas a maior parte da minha vida para apoiar minhas
costas e seios, aprendi como fazê-las com restos.

Para o espartilho, uso tiras estreitas de papelão, graças ao


papel grosso que encontro na mesa de Ashley. Se ele precisava
desses desenhos, deveria ser mais explícito.

Você vai criar uma vestimenta adequada para si antes de


deixar estes aposentos.

PAM GODWIN
Cada vez que eu repito seu comando em minha cabeça, fico
mais irritada. Tanto que invado seu armário também.

A seda fina de suas camisas proporciona um lindo exterior


para cobrir o espartilho. E como ele possui mais vestimentas
azuis bordadas a ouro do que qualquer homem necessita, rasgo
algumas delas.

O tecido brocado, com suas texturas suaves, pregas


volumosas e tinta azul viva, constituem um corpete e uma saia
que mais tarde costurarei.

É muito trabalho para um único vestido informal. Mas eu


me recuso a sentar nesta cabine pelo próximo mês e ser petulante
sobre isso.

Empurrando a cadeira para trás, me levanto e envolvo o


espartilho sobre a camisa que vesti esta manhã. Camisa do
Priest. Uma vez que envolve meu corpo menor, as dobras de linho
branco se juntam maravilhosamente sob o corpo.

Deixo os laços da camisa de Priest abertos em meu peito e


aperto o fecho frontal do espartilho. Para obter um ajuste
adequado, no entanto, a roupa íntima exige um segundo par de
mãos. Isso virá mais tarde.

Voltando à agulha e linha, agarro a saia.

Enquanto o sol amarelo desce para o horizonte oeste, eu


me afasto, meu olhar se voltando para as janelas, meus ouvidos
atentos aos sons de um navio se aproximando.

A esperança é um investimento perigoso. Eu não consigo


controlar as decisões de Priest ou o resultado de minha fé nele.
Eu só posso governar minhas próprias ações, aqui mesmo, agora.

Trabalho de mulher.

Suspiro. Dentro de três ou mais dias, eu terei um vestido


funcional e, daí em diante, uma passagem para fora desta cabine.

PAM GODWIN
Com minha cabeça baixa e outro dedo sangrando, me perco
na tarefa. Enquanto o crepúsculo envolve a escuridão da câmara,
acendo as lamparinas e continuo.

Em torno de dois sinos do primeiro guarda de cães, a porta


externa se abre. Da minha posição atrás da mesa, vejo o mesmo
jovem soldado colocando o jantar na mesa da cabine de jantar.

O aroma forte de carne assada e lagosta chega ao meu


nariz, chamando-me para comer. E eu farei, depois de terminar
esta bainha.

Curvada sobre o tecido, teço o fio em um ritmo constante,


ouvindo os passos do soldado se afastando. A porta fecha. O
silêncio se instala. Mas algo me incomoda.

Olho para cima e engasgo quando meu olhar cai no abismo


dos olhos azuis escuros de Ashley. Ele está parado a uma cabine
de distância, me observando da mesa de jantar, com o chapéu
preso sob o cotovelo.

Juro por Deus, ele tem a testa mais lisa e a expressão mais
dura de qualquer aristocrata. E com um rosto de aparência tão
inocente? Notável.

Talvez seja a plenitude ampla e semelhante a um


travesseiro de seus lábios rosados. Ou a cor grande e redonda do
oceano em seus olhos. Ou aquela pele jovem e perfeita que não
tem sardas, manchas ou bigodes.

Seu cabelo preto, aparado por uma mão meticulosa, cai em


comprimentos desgrenhados e soprados pelo vento no topo de
sua cabeça. Desvanece-se perfeitamente em fios mais curtos e
domesticados nas laterais, desafiando as expectativas de sua
posição elevada e estatura.

Cabelos mais longos são um símbolo de status, enquanto


cabelo ralo e a calvície são uma grande humilhação. A maioria
dos nobres opta por gastar uma grande quantidade de moedas

PAM GODWIN
em perucas bombásticas e potentes, mais um esquema para
ostentar riqueza.

Mas Ashley foi abençoado com cabelo natural espesso, a


confiança para exibi-lo e os recursos para mantê-lo aparado.

Hoje ele usa uma gravata branca no pescoço e um colete


preto sobre a camisa de seda. Sua habitual vestimenta azul
esticada sobre os ombros, combinando com o azul do tecido que
estou fazendo.

Quando seus olhos se arregalam com a compreensão do


que fiz, prendo a respiração, ansiosa para finalmente obter uma
reação de seu semblante impassível.

Espero... Espero... a qualquer segundo ele ficará vermelho


e explodirá.

Ele lentamente coloca o chapéu de lado. Então seus


sapatos de fivela começam a se mover, trazendo-o em minha
direção com passos firmes e resolutos. Com uma exalação lenta,
coloco a agulha e a saia inacabada sobre a mesa e cruzo as mãos
no colo, meu olhar nunca deixando o dele.

“Explique isso.” Ele para ao meu lado e pressiona um dedo


contra o tecido saqueado do meu projeto de costura.

“Você esqueceu quem eu sou?” Inclino a cabeça, sorrindo


docemente. “Eu saqueio e roubo idiotas ricos para ganho
pessoal.”

“Pirata miserável.” Sua mão se fecha em um punho, e ele a


puxa para trás, sua postura tão reta quanto seu rosto. “Você
recebeu tecido mais do que suficiente para completar a tarefa.”

“Recebi uma lã grosseira e nada lisonjeira.” Pego um


punhado de lã que dá coceira que ele queria que eu usasse e jogo
nele. “Não vejo um ponto desse absurdo arranhando seu precioso
traseiro.”

PAM GODWIN
“Você me desafiou deliberadamente.”

“Eu fiz o que você pediu. Sabe como isso é difícil para
mim?”

“Não.” Ele morde a sílaba, pulsando suas narinas


cinzeladas. “Diga-me.”

Eu puxo minha cabeça para trás, surpresa com o comando,


e me recupero rapidamente. “Quando eu era criança, minha mãe
queria que eu fosse harpista. Ela pensou que a habilidade seria
um convite a um noivado agradável.” Afundo na cadeira enquanto
a culpa ancestral rasteja em meus ombros. “Durante a minha
primeira aula de harpa, destruí o instrumento elegante e usei as
cordas como linha de pesca.”

“Por que?”

“Queria pescar no lago com o cavalariço. Isso era o que


alimentava meu coração de criança. Não seguir ordens
cegamente.” Baixo meus olhos para o vestido inacabado. “Estar
em conformidade com os padrões dos outros vai contra tudo o
que eu sou.”

“Devo presumir que sua mãe nunca recebeu uma oferta por
sua mão.”

“Infelizmente, ela recebeu. Infelizmente para ele. Eu rompi


o noivado quando abri suas entranhas com minha faca.”

Ele me olha, sem piscar. Após um momento eterno, uma


pequena ruga se forma entre seus olhos. “Você não está
brincando, está?”

“Não.” Dou de ombros. “Quando chegarmos à Inglaterra,


você pode adicionar o assassinato do marquês de Grisdale à
minha lista de crimes.”

“Este foi o senhor com o pau indesejável?”

PAM GODWIN
“O próprio.”

Ele se aproxima, inclinando-se sobre mim. Sua mão se


levanta lentamente, pegando minha respiração. As pontas dos
dedos descansam contra o meu pescoço, tão macias, tão leve ali
que me esforço para sentir o toque fantasmagórico.

“Onde conseguiu isso?” Sua mão enrola em torno da pedra


em minha garganta.

“Eu roubei.”

“E isto?” Ele belisca o linho da camisa de Priest, contra a


minha clavícula. “A quem isto pertence?”

“O homem de quem roubei. Não peguei o nome dele.”

Eu vim a bordo deste navio vestindo apenas duas coisas.


Algo que pertenceu ao meu pai e algo que pertence ao meu
marido. Às vezes, sou tão acidentalmente sentimental que é uma
maravilha ter sobrevivido tanto tempo.

Seu olhar varre a mesa, encontrando os desenhos que


destruí para fazer os espartilhos.

“Se eu possuir uma harpa”, ele diz, “agora sei que devo
trancá-la.”

“E a escova de cerdas que você usa nos dentes.” Dou a ele


um sorriso cheio de dentes, mostrando meu esmalte branco
cintilante. “A menos que você não se importe que eu pegue
emprestada de novo.”

“Você não tem vergonha.”

“Nenhuma mesmo.”

Ele não tem raiva. Sem emoção. Mas deve ter sentido algo.
É um homem de intelecto pensante e calculista. Fico preocupada
por não conseguir lê-lo.

PAM GODWIN
“Agora você deve me permitir fazer algumas perguntas.”
Levanto meu queixo.

“Venha comigo.” Ele gira nos calcanhares e entra na cabine


de jantar.

Curiosa, vou atrás dele.

Na mesa, ele puxa uma cadeira para mim. Eu me movo


para sentar, mas ele bloqueia meu caminho, seus olhos fixos nas
amarras soltas de meu espartilho.

Não tenho que seguir seu olhar para sentir meu peito
derramando do decote. A exposição é intencional.

Quando abro minha boca para pedir sua ajuda, seus dedos
me atingem, prendendo os laços entre meus seios. Então ele
puxa. Forte. Os espartilhos se contraem, cortando meu ar. Ele
puxa com mais força até que penso que minhas costelas vão
rachar.

Eu sugo meu torso e me ajusto à pressão da cintura,


observando sua expressão, procurando por um rubor, um olhar
aquecido, uma garganta balançando.

Nada.

Ele prende um nó entre meus seios, tornando o espartilho


impossivelmente fechado e apertado. Entrelaçado. Então ele dá
um tapinha na superfície da mesa, propositalmente mudo.

Encaro o gesto, confusa.

“Curve-se. Virada para baixo.” Ele bate na superfície


novamente. “Bem aqui.”

“Meu Senhor?” Minha frequência cardíaca acelera.


“Certamente, você não pretende...”

“Você vasculhou meus pertences pessoais, arruinou


minhas roupas e destruiu meus desenhos.” Ele cruza as mãos

PAM GODWIN
atrás dele, ombros retos. “Apesar de seus jogos infantis, espero
que tenha chegado a uma conclusão precisa.”

“Que seria?”

“Seus planos românticos para instigar minha ira não vão


se concretizar.”

“Sim, você ficou aquém das expectativas. Mas,


honestamente, Ashley, deve aprender a compartilhar seus
sentimentos para que esse relacionamento funcione.”

“Que...” Ele inspira, expira. “Que relacionamento?”

“Nosso relacionamento raptor-raptada.” Estreito meus


olhos.

“De fato. Estou chegando aí.” Ele aponta o queixo para a


mesa. “Curve-se, por favor. Podemos fazer isso com seus braços
livres ou amarrados atrás de você.”

“Isso?” Meu pulso dispara como um trenó em meus


ouvidos. “O que...?”

Em um borrão, sua mão apunhala meu cabelo, os dedos


apertando os cachos em meu couro cabeludo e puxando minha
cabeça para trás.

“Ouça com atenção, Cachinhos Dourados.” Ele força meus


olhos a encontrarem seu brilho tirânico, sua voz
assustadoramente ausente de tempestade ou vento. “Eu não vou
te dar a reação que você procura. Mas sempre vou cumprir sua
punição.”

Eu não preciso do aprendizado superior de um senhor com


título para compreender seu significado. Não com minha buceta
ainda inchada da surra da noite anterior.

Alcançando atrás, meus dedos trêmulos se fecham em


torno da mão em meu cabelo, e sinto o tremor nele também.

PAM GODWIN
Ele está tremendo. Eu não inventei essa reação nem a fome
pulsando em seu olhar. Ele quer isso. Não apenas para manter a
ordem. A ideia de enrubescer meu traseiro o excita.

Um arrepio percorre minha espinha e se enrola em minha


barriga.

“Sem amarras.” Molho meus lábios, meus olhos


lacrimejando com a dor lancinante em meu crânio. “Eu vou
obedecer.”

Sua mão desaparece. Meus joelhos ficam líquidos e tropeço


contra a mesa.

A humilhação de uma surra doerá mais do que os golpes


físicos. Mas com sua mão em contato com minha bunda, haverá
uma medida de intimidade nisso. Um passo na direção certa.

“Quantos prisioneiros você já açoitou, Comodoro?” Eu me


dobro na cintura e apoio meus cotovelos na mesa, segurando seu
olhar por cima do ombro.

“Nenhum.” Ele dá um passo atrás de mim e chuta meus


pés separados, cambaleando o ritmo de minha respiração.
“Braços na cabeça.”

Minha pele esquenta e um arrepio de incerteza invade


meus nervos. Mas faço como ordenado, deslizando minhas mãos
sobre a mesa e trazendo meu peito e bochecha para a superfície
de madeira. A posição me impede de olhar para ele, mas eu o
sinto em todos os lugares. Seu calor musculoso, presença
dominante, olhar penetrante em minha bunda...

Ele ergue o peso do meu cabelo para o lado. Então, um


dedo firme toca a base do meu crânio. A partir daí, desce pela
minha espinha, sobre o espartilho e pressiona para baixo,
forçando-me a um arco mais profundo.

PAM GODWIN
Sua outra mão descansa na parte de trás da minha coxa, o
calor infiltrando-se no linho fino e me fazendo tremer. Eu não
quero que ele saiba o quão facilmente eu respondo ao seu toque,
mas meu corpo não entende a sabedoria em discrição.

Minha pele se ergue como a pele de um ganso depenado.


Suspiros barulhentos saem do meu peito. Tremores dançam
subindo e descendo em minhas pernas, estremecendo o músculo
sob sua mão.

Além da porta aberta da varanda, o estrondo distante das


ondas retumba no horizonte. A madeira range com o movimento
do navio de guerra. E atrás de mim, a respiração masculina fica
mais profunda, mais alta.

“Você gosta do que vê?” Fecho meus olhos e ordeno que


meus membros relaxem.

“Eu nunca imaginei,” ele murmura, “que uma visão poderia


pertencer ao sentido do tato. No entanto, quando olho para você,
não apenas vejo a beleza. Eu a sinto.”

O elogio abre meus olhos com um choque quando cada


palavra afunda sob meu peito e satura o local onde sou mais fraca
e fácil de ferir.

“Ver você assim...” Ele se mexe, inclinando-se ao meu lado


e tomando minha forma. “É uma sensação de tanto... alívio. É
como entrar na chuva depois de anos de seca.” Seu olhar vaga ao
longo do comprimento do meu corpo, sua voz se aprofunda. “A
serenidade indomável, suave como veludo, ondas suaves de
beleza perfeita, brilhando com vida. Um olhar é um banho que
lava os sentidos novamente.”

Eu não sei se ele está falando sobre a chuva ou sobre mim,


mas me agarro à sua voz, à promessa nela. Para um homem que
não expressa seus sentimentos, ele pode escravizar as emoções
de uma mulher apenas através da linguagem.

PAM GODWIN
Se isso é uma manobra para me desequilibrar, ele não está
falhando. Cada partícula melancólica do meu ser começa a
acreditar.

Ele se endireita e tira a vestimenta. Cai sobre uma cadeira


próxima. Seu colete o segue. Em seguida, o tecido da minha parte
traseira desliza para cima, expondo-me da cintura para baixo.

Sua respiração se altera e sinto tudo dentro de mim


acelerar. Ele está me inspecionando, olhando fixamente para
minha bunda nua se contorcendo.

“Não se mova.” Seu comando rouco arranha minhas


orelhas, me prendendo sem corda ou ferro.

Através de camadas de nada além de ar rarefeito, ele


esfrega seu olhar contra mim, sem pressa, me atiçando. Cristo,
ele é um mestre nisso... dominar uma mulher sem nem mesmo
um toque.

Calafrios de antecipação surgem a cada segundo que


passa, ele me faz esperar. Eu me delicio com o momento,
perfurada pela emoção do perigo enquanto me esforço para ouvi-
lo, vê-lo e sentir sua punição iluminar minha pele.

Sua paciência me choca com admiração. Imagino que ele


trava batalhas ao leme deste navio com a mesma imobilidade
dura e duradoura. Fico tão profundamente hipnotizada por isso
que não estou pronta quando a atmosfera muda.

Seu golpe vem como um trovão ensurdecedor, sua mão


pesada e implacável bate em minhas nádegas e sacode os pratos
sobre a mesa. Eu grito, atordoada, sem sentido, sem fôlego e
queimando da nádega aos ossos.

Antes que eu possa engolir, ele balança novamente,


ateando fogo ao meu mundo inteiro.

E ele está apenas começando.

PAM GODWIN
VINTE E TRES

Nos últimos sete anos, apanhei violentamente de inimigos


e apanhei sensualmente de amantes. Os ataques de Ashley
atingem esses extremos, apagam a linha entre a dor e o prazer e
caem direto na guerra.

A maioria dos golpes acerta com tanta força que não


consigo soltar um suspiro. Outros fazem meu corpo estremecer
brutalmente sob a agonia enquanto uma balada de vulgaridade
ruge do fundo de minha garganta.

Poucos são os golpes que provocam picadas de prazer.


Esses são os que fazem eu me odiar por corresponder como se fui
feita para o seu toque.

Eu não o quero, mas preciso dar a ele um vislumbre da


possibilidade. Preciso embutir a semente em sua mente e fazê-lo
se perguntar como seria a intimidade comigo.

Não é uma saliência fácil de se equilibrar, mas é fácil fechar


meus olhos e esquecer de quem é a mão que pune minha pele.

Porque ele bate igual ao Priest.

Quanto mais eu penso nisso, mais fundo vou na terrível e


perversa intensidade do prazer-dor. Gradualmente, meus
protestos ensurdecedores se transformam em gemidos e gemidos

PAM GODWIN
roucos. Mas mesmo esses sons engasgam com xingamentos pela
maneira como me rendo à sua disciplina imperiosa.

Estou molhada. Não por causa da dor. Meu corpo parece


estar imerso no fogo do inferno, e não gosto disso.

O que me desperta é sua atenção total. Para um homem de


sua estatura e autocontrole olhar para mim como se eu fosse seu
sol, lua e mar, mesmo que apenas por um momento fugaz, me fez
sentir viva. Faminta, quente e vigorosamente viva.

Isso é motivação suficiente para manter minha posição sob


seus ataques.

Doendo por toda parte, eu me balanço contra a borda da


mesa. Quando outro golpe de mão aberta colide com meu traseiro
dolorido, eu engasgo, estremecimentos me pegam novamente. Eu
sinto os sulcos de minha pele inchada tão profundamente quanto
sinto o tremor em sua palma enquanto ele diminui seus golpes.

Então ele para.

Minha boca se abre e fecha em um gole de sucção de ar. A


ação empurra minha bochecha por uma poça de umidade que
vazou dos meus olhos. Eu não chorei. Não conscientemente. Mas
eu queria. Deus todo-poderoso, a dor é consumidora.

“Não se mova.” Sua voz treme com o golpe de sua


respiração.

Eu não poderia me mover se tentasse. Meus braços


parecem água esticada acima de mim. Minha metade inferior
pendurada para fora da mesa, dobrando meus joelhos. Fico ali,
meus olhos se fechando, enquanto seus passos seguem na
direção de seus aposentos.

Então ele está de pé atrás de mim novamente, olhando para


minha bunda nua. Sua respiração emitida em grupos quebrados

PAM GODWIN
de ar, vindo forte e rápido como um efeito de qualquer força
interna contra a qual ele está lutando.

Se ele fosse qualquer outro homem, eu me cobriria de medo


de ser estuprada. Mas Ashley Cutler ainda não atingiu esse nível
de desespero. Talvez ele fosse capaz disso, de se forçar a mim em
um momento de fraqueza. Mas suspeito que demoraria muito
mais do que uma surra para ele estourar.

Lambo meus lábios ressecados. “Você está duro?”

O silêncio se estende por uma eternidade antes dele


responder. “Sim. É uma resposta involuntária a um traseiro
perfeitamente vermelho.” Ele limpa o arranhão em sua voz.
“Ajuda que o seu não seja coberto de pelos.”

“Você vê um monte de bundas peludas?”

“Com mais de quatrocentos homens neste navio, posso


dizer com confiança que a sua é a mais lisa. E a mais vermelha.”
Ele se aproxima e se abaixa, agachando-se atrás de mim. “Você
também é o primeiro prisioneiro que quando estou punindo vaza
outra coisa além de urina pelas coxas.”

“Não procure luxúria onde ela não existe”, digo, ecoando


suas palavras. “É uma resposta involuntária a uma surra
aplicada com perfeição.”

Ele faz um som com a garganta, algo entre um grunhido e


um bufo.

Colocando um pequeno frasco que pegou na câmara de


dormir ao lado do meu quadril, ele se levanta e pousa um dedo
em meu cóccix. Estremeço quando o toque desliza para baixo,
seguindo a fenda do meu traseiro. Ele não empurra a dobra, em
vez disso, mantem a carícia agonizante, lenta e leve como uma
pena.

PAM GODWIN
“Como uma mulher liberal, devo presumir que já teve todos
os seus territórios ocupados.” Seu dedo para diretamente sobre o
meu cu sem afundar entre minhas bochechas cerradas. “Diga-
me, Bennett. Este domínio já foi saqueado?”

Somente um homem interessado no ato perguntaria sobre


tal coisa. Priest exigiu isso dezenas de vezes antes de quebrar
minha decisão e me apresentar ao pecado de Sodoma.

Até hoje, ele foi o único que me tomou pela frente e por trás,
e fez com uma habilidade que me faz ansiar implacavelmente,
condenando-me assim por toda a eternidade.

“Sim.” Estico meu pescoço e fixo seus olhos azuis


encapuzados. “Fui saqueada pela frente e por trás, com meu
consentimento, e apenas por um libertino que sabia o que estava
fazendo.”

“Este libertino tem nome?”

“Eu não me lembro.” Luto contra a vontade de engolir. “E


você?” Em seu silêncio, esclareço. “Sabe o que está fazendo,
Ashley?”

“Eu deveria açoitá-la toda vez que se dirigisse a mim de


maneira desrespeitosa sem mencionar meu título. Exceto que
você ama minhas punições.”

“E você ama quando te chamo de Ashley.” Aperto os olhos.


“Você está fugindo da minha pergunta.”

Sua boca se curva nos cantos. Não é um sorriso, pois não


há traços de suavidade ou humor nele. É o semblante de
crueldade e atinge minhas veias em estilhaços de gelo.

Olhos fixos nos meus, ele mergulha os dedos longos no


frasco e retira uma substância oleosa.

Lubrificante? Para untar um buraco que não dei a ele


permissão para penetrar?

PAM GODWIN
Engasgo com um pico de medo e me levanto da mesa. Até
que uma mão pesada agarra meu quadril, me empurrando de
volta para baixo.

“Não. Se. Mexa.” Sua palma lubrificada vai para a minha


coxa, deslizando para cima, sem hesitar ao longo da minha pele
abusada.

Um bálsamo fresco e refrescante penetra minha pele


escaldante, acalmando instantaneamente a dor e perfumando o
ar com a fragrância de ervas do jardim.

Ele está tratando minhas feridas? Querido Deus, ele nunca


vai parar de se desviar das expectativas que construí em torno
dele? Não consigo lê-lo, prever suas ações ou descobrir uma
maneira de contorná-lo. Ele é uma anomalia.

Liberando seu aperto em meu quadril, ele cerca meu


traseiro com as mãos, massageando minha pele dolorida,
esfregando a pomada na queimadura e liberando alívio e súbita
desolação por meus membros.

Quanto tempo se passou desde que fui tratada dessa


maneira? Desde que senti a atenção da carícia de um amante em
meu corpo?

Tento não pensar em Priest enquanto Ashley me


transforma em uma poça derretida de felicidade. Dedos
talentosos percorrem meu quadril, cintura e coxas, aprendendo
minha forma antes de retornar ao meu traseiro.

A fricção da pele, mesmo o toque mais básico, chia de


prazer meloso pelas minhas pernas e em meu núcleo. Quando
seu polegar paira sobre o buraco escondido em minha popa,
fortes arrepios invadem os músculos de lá, apertando bem no
fundo.

Foi sua gentileza que me seduziu, seus dedos


provocadores, a ternura em cada toque diabólico, como se ele

PAM GODWIN
gotejasse xarope espesso e quente ao longo de minha espinha e
pingasse pela minha fenda e na fenda necessitada entre minhas
pernas.

Não é o suficiente. Levanto meu quadril, incitando-o a


continuar acariciando, surpreendida pela loucura de minha
necessidade. Eu quero mais do que o delírio de suas carícias
especializadas. Anseio por sentir seus lábios se casarem com os
meus.

Meus gemidos encontram voz enquanto ele acaricia o arco


das minhas costas. Sua mão se enreda em meu cabelo e vira
minha cabeça. Olhos, tão comandantes que o próprio Satanás
cumpriria suas ordens, me sugam como redemoinhos escuros,
ameaçando me engolir inteira.

“Sereia.” A palavra sai como cascalho de sua boca, uma


boca lindamente formada, condizente com o diabo, que encaro
fixamente.

Suas feições parecem muito relaxadas para serem afetadas


pela luxúria. Mas sei que não devo confiar naquele rosto bonito.

Engasgo quando seu peso desce sobre minhas costas. Ele


está duro como pedra em sua calça, o calor inchado dele
intoxicando meu sangue como se bebi um barril de rum. Não
consigo respirar.

Com o cabelo preto como a noite e os olhos mais azuis que


o mar, ele cheira tempestade da meia-noite, o tipo que infunde o
ar com argila amadeirada e vira tudo que toca do avesso. Minha
boca enche d’água. Meu coração estremece.

Ele agarra o lado do meu rosto e ergue meu queixo para


encontrar o dele. Nossos lábios pairam a um centímetro de
distância.

Ele me acha bonita? Desejável? Digna o suficiente para


beijar?

PAM GODWIN
Ser desejada por um homem cujo coração não pertence a
outra... nunca admitiria um desejo tão vulnerável em voz alta. A
esperança desesperada e selvagem que flutua em meus
pensamentos me mortifica e excita. Oh, como odeio essa
necessidade de ser desejada por ele, mas está lá, uma fome tão
profunda que aperta meus pulmões.

Beije-me, Ashley.

Ele arrasta um dedo ao longo de minha mandíbula e traça


meu lábio inferior trêmulo. Sua boca se separa, convidando a
minha a chegar mais perto.

Eu arqueio meu pescoço, pressionando a mão em minha


bochecha. Meus nervos zumbem com a expectativa bêbada
quando ele baixa a cabeça. Mais próximo. Mais próximo. A
proximidade de sua boca provoca a minha, tremendo, gemendo,
esquentando...

Ausente.

Um arrepio passa por mim. Então eu vejo.

Os lábios curvos. O não sorriso sem humor. Olhos tão


maldosos quanto os do próprio diabo.

“Você é uma pirata vadia, Bennett Sharp. Nada mais.” Ele


se afasta do meu corpo, seu tom cortante. “Você será enforcada
pelos crimes que cometeu contra a coroa.”

PAM GODWIN
VINTE E QUATRO

A transformação repentina de Ashley suga o vento de


minhas velas. Um soluço mordaz sobe em minha garganta e eu o
prendo ali, humilhada, devastada e vencida.

A pomada em minhas feridas, as palavras bonitas sobre a


minha beleza, o quase-beijo... tudo foi uma artimanha para me
desarmar e me machucar.

“Não se mova.” Ele endireita a camisa, cobrindo minha


bunda nua e acentuando a pele dolorida.

Não demonstro nenhuma reação e não faço nenhum


movimento para desobedecer. Eu preciso reorganizar meus
pensamentos e controlar a confusão de emoções que se
desmancha dentro de mim.

Ele coloca uma cadeira bem atrás de minha posição


curvada, escolhe um livro de uma prateleira próxima e pega uma
tigela de lagosta da mesa. Então ele se acomoda para comer e ler
como se nada estivesse fora de ordem.

A agonia fervente de sua rejeição e rejeição total da minha


existência me abala até o âmago. Se eu fosse uma mulher de
coração frio, talvez não me sentisse tão magoada. Mas não sou, e
sinto. Um torno de dor despedaça meus órgãos em uma polpa.

PAM GODWIN
Um calor formigando queima a parte de trás dos meus olhos e
minha cabeça lateja sob a pressão.

Ele não pode ver meu rosto de sua posição, e só isso me


mantem no lugar.

Eu não consigo esconder meus verdadeiros sentimentos


por trás de uma máscara como a dele. Não consigo sufocar o
derramamento de lágrimas ou o tremor em meu queixo. Até que
eu prenda um torniquete em volta do meu coração sangrando,
não consigo olhar em seus olhos impiedosos.

Ele me bateu com uma guerra emocional.

Eu não considerei algo igualmente nefasto para o Priest?


Eu iria foder outro homem na frente dele. Provavelmente.

Provavelmente não.

No final das contas, não sou tão cruel quanto quero que as
pessoas acreditem. Mas também não sou uma santa. Eu nem
mesmo reivindico um deus. Talvez eu mereça essa degradação.

Cada fibra orgulhosa do meu ser eriça em objeção. Sou


uma prisioneira, curvada sobre a mesa de um homem poderoso
para se divertir, depois de ser agredida a um nível de agonia que
me impede de sentar. Eu não fui condenada por nenhum crime
e, até então, é meu direito lutar.

Mas para sobreviver a esse cativeiro, preciso me ajustar,


me dobrar aos ataques e deixar de lado meu orgulho.

Assim, fico aqui deitada, privada de graça e dignidade,


ouvindo o tilintar de sua colher e o farfalhar das páginas de seu
livro.

Como comodoro do rei, espera-se que ele coloque o país e


a coroa antes de si, se comporte como um oficial e um nobre,
exerça o controle e a ordem em todos os momentos.

PAM GODWIN
Mas quem é ele abaixo da posição e do título? Está
realmente lendo as palavras daquele livro? Saboreando a carne
que enfia na boca? Ou esconde pensamentos obscenos sobre mim
e a ereção que negligenciou em sua calça?

“Bennett.” Seu sotaque inglês... terrivelmente profundo e


mais bonito do que deveria ser, enrola minha espinha. “Fique de
pé e vire-se para mim.”

Condenação. Se eu desobedecer, ele me puxará pelos


cabelos. Ele fez isso tantas vezes que meu couro cabeludo
estremece ao som de sua voz.

Eu me empurro para fora da mesa, discretamente


enxugando meus olhos no braço. Eu não limpo todas as lágrimas,
mas não importa. Mais caem, arrastando rios que coçam em
minhas bochechas. Tudo o que posso fazer é permanecer na
vertical e manter minha cabeça erguida enquanto me viro.

Ele fecha o livro e o deixa com a tigela vazia de lado. “Diga-


me a lição aprendida esta noite.”

“Humilhação.”

Ele está certo sobre eu não estar com medo o suficiente.


Embora seja contra a minha natureza me acovardar, minha
ousadia ostentosa também não tem me ajudado. Sua indiferença
ao sofrimento de uma mulher o torna um homem a ser temido.
Não que eu me digne ser tratada de forma diferente por causa do
meu sexo. Eu simplesmente não estou acostumada com seu grau
de insensibilidade.

“Traga-me a segunda tigela de ensopado.” Ele aponta com


o dedo para a mesa.

Sigo sua ordem, fazendo uma careta enquanto os músculos


de minhas costas protestam contra o movimento. Quando volto
para ele segurando o lagostim, ele joga uma almofada entre as
botas.

PAM GODWIN
“Ajoelhe-se.” Ele pega a tigela, seu olhar dando ao meu uma
recepção gelada. “Ou sente-se em uma cadeira.”

O bastardo implacável sabe que eu não posso colocar peso


em minha bunda latejante. Minhas mãos se fecham em punhos
ao lado do corpo, meu estômago em um turbilhão. Sua tortura
nunca terá fim?

Abaixo-me de joelhos no V de suas pernas.

Então ele me alimenta.

Colher nos lábios, a ação é estranha, mas ele não mostra


nenhum sinal de desconforto. Paciente como sempre, ele pega,
ergue e serve, pegando as gotas em meu queixo, espera que eu
mastigue e repete os movimentos.

Estou com muita fome e abatida para recusar a mão que


me alimenta. A carne morna derrete em minha boca, o caldo
explode com sabores picantes. Meu estômago revira de prazer.

No meio do ensopado, ele coloca a colher na tigela. “Dirija-


se a mim de maneira adequada e você pode fazer suas
perguntas.”

Deixe de lado seu orgulho, Bennett. Isso não vai te salvar.

“Por que você é tão mau, meu senhor?”

“Não é típico de mim ser assim com uma mulher.” Ele ergue
a mão livre até minha bochecha e traça o rastro de lágrimas que
secam. “Você se comporta mais como um homem.” Ele inclina a
cabeça, me estudando. “Ou melhor... um animal.”

“Existe um animal em todos nós. Incluindo você.”

“Exatamente. Mas a diferença, senhorita, é que eu controlo


o meu.”

“Sempre? O que você fazia antes de sair à caça de piratas?”

PAM GODWIN
“Lutei na Guerra da Sucessão Espanhola.” Seus olhos
iluminam quando ele distraidamente levanta a colher e volta a
me alimentar. “As batalhas que se seguiram me mantiveram
ocupado no Mediterrâneo por cinco anos, onde subi do posto
naval mais baixo para a posição atual.”

“O conflito terminou lá?”

“Por enquanto. Este navio e minha tripulação comemoram


a vitória em uma guerra não declarada no ano passado, quando
a Espanha tentou retomar Gibraltar e Menorca. Depois disso,
fomos mandados de volta para a Inglaterra.”

“Mas você não foi.”

“Eu comando o navio de guerra mais pesado da Marinha


Real. Seria uma pena amarrá-lo.” Ele desliza a colher em minha
boca e deixa a ponta permanecer em meu lábio inferior, seu olhar
preso ali. “Encontrei outro uso para ele.”

Caça de piratas.

Meu estômago se revira e me inclino para trás, quebrando


a conexão. “Não estou mais com fome.”

Ele coloca a tigela em seu pé e inclina-se para frente,


apoiando os cotovelos nos joelhos. A posição coloca seu lindo
rosto tão perto do meu que tenho que lutar contra todos os
instintos para permanecer onde estou. Eu o temo, mas não me
encolherei.

Nem mesmo quando sua mão agarra o decote aberto de


minha camisa.

“Você ainda o ama?” Ele murmura.

Meu coração para e reinicia. “Quem?”

“O homem que vestiu esta camisa.”

PAM GODWIN
Todo o calor do meu rosto é drenado até os joelhos,
substituído por uma frieza que entorpece meus lábios. Estou
muito crua, muito exausta para lutar outra batalha, passar em
outro teste, aprender outra lição... o que quer que ele tenha
reservado para mim.

Fecho os olhos, falhando em desacelerar minha respiração.


Até que um dedo enrolado me pega sob o queixo e ergue minha
cabeça.

“Sim.” Meu olhar dispara para o dele, endurecendo com


raiva repentina. “Ainda o amo, mas estou trabalhando para
corrigir isso. É um processo.” Faço um gesto entre meu peito e
minha cabeça. “Aqui.”

“Ele traiu você.” A mão sob minha mandíbula fica tensa,


afrouxa e cai. “Ele estava envolvido no motim em seu navio que a
jogou ao mar?”

“Não.” Eu encaro seus olhos, deixando-o encontrar a


verdade nos meus.

“Ele dormiu com outra.”

“Dormiu e amou.” Queria compartilhar isso. Talvez não com


Ashley, mas me sinto livre para expressar isso a um ouvido
imparcial. “Ele ainda a ama, mas ela não o quer. Ele está sozinho
e eu deveria estar feliz com isso. Eu estou feliz por isso.”

Na verdade, não. Estou mentindo descaradamente.

“Ele não tentou machucar você de forma maliciosa,


procurando os braços de outra pessoa”, Ashley diz.

“Não.” Minhas sobrancelhas se juntam. “Não vejo por que


isso importa.”

“O amor não é uma decisão. Ele chega sem ser anunciado,


alimenta a loucura e deixa um mar de ruína em seu rastro. Odeie-
o ou ame. De qualquer maneira, está em um inferno.”

PAM GODWIN
Minha mandíbula se desequilibra sob o peso das perguntas
acumuladas, mas minha voz me abandona. Enquanto olho para
sua expressão imparcial, não consigo separar a verdade da
retórica. Está me alimentando com o que quer que eu ouça? Ou
fala por experiência própria?

“Feche a boca.” Ele se reclina na cadeira, olhando para


mim.

“Você fala de amor por experiência própria?”

“Há uma mulher”, ele diz lentamente. “Uma senhorita a


quem estou prometido.”

“Você a ama?” Meus joelhos vacilam, lutando para me


segurar.

“Eu estou aqui.” Ele abre os braços, indicando o navio e o


mar. “E ela não.”

O que isso significa? Ele a quer aqui? Quem é ela? Para


estar noiva de um oficial de alta patente e filho de um visconde,
ela tem seus próprios títulos, riqueza familiar e obrigações.

Ela deve ser alguém importante.

“Ela te ama?” Balanço a cabeça, mudando a direção dos


meus pensamentos. “Claro, isso não tem importância. Ela quer
se casar com você?”

“Sim.”

“Fale-me sobre ela.”

“Ela é bem-educada, nobre, estudada, modesta, gentil,


bonita, virtuosa, tudo o que um nobre pode querer de sua noiva.”

Definitivamente, não há desejo em sua voz ou expressão.


Mas este é Ashley, abotoado, polido e engomado. Mesmo assim,
por que ele não correu para casa depois da guerra para vê-la? Ela
deve sentir terrivelmente a falta dele.

PAM GODWIN
Ele é um partido extraordinário. Lindo. Próspero. Poderoso.
Como um senhor com título, é obrigado a se comportar como um
cavalheiro na presença dela, enquanto a mantem no escuro sobre
suas tendências anticristãs. Como amarrar, açoitar e
compartilhar a cama com sua prisioneira seminua.

Como Lady Ashley Cutler, ela dará a outra face e


concentrará toda a sua energia na alta sociedade. Em troca de
seu status e riqueza, ela só precisa abrir as pernas uma ou duas
vezes por ano para dar a ele os herdeiros necessários.

E assim é a vida dos bons e dos grandes.

Que tédio.

“Suas famílias querem o acordo,” digo. “E você quer sua


carreira.”

“Essa é a essência disso.” Ele se levanta e agarra minha


cintura, me levantando para ficar de pé.

Balanço, estremecendo de dor. “Você vai açoitá-la depois


de se casar com ela?”

Com uma mão em meu braço, ele me acompanha até a


cabine de dormir. “Um cavalheiro não bate em uma senhora.”

Ele apenas bate em suas vadias.

A indignação fumega em meus ouvidos, mas mantenho a


voz suave como xarope. “Enquanto você passa meses ou anos
longe no mar, sua senhora fica em casa sozinha, esperando,
faminta por atenção. Deixada por conta própria, ela encontrará
maneiras de passar o tempo. Maneiras deliciosas e tortuosas que
envolvem palmadas pouco cavalheirescas de lacaios bonitos e
jardineiros corpulentos.”

“O casamento continuará, com ou sem sua virgindade


intacta.” Ele me empurra para a câmara posterior. “Vá para a
cama.”

PAM GODWIN
Procuro seu tom e feições e encontro apenas os fatos
prosaicos e sem imaginação.

O que ele sente? Não é medo ou pavor. Talvez ele sinta um


monte de nada, cheio de nada.

Ou talvez ele se importe muito com sua doce virgem


solitária e suas transgressões potenciais. Eu não saberei até
encontrar uma maneira de levantar aquela máscara fria. Estou
cansada de ver ela. Muito cansada.

Tiro o espartilho e me arrasto para a cama, de bruços e de


traseiro para cima, um traseiro que estará preto e azul no dia
seguinte.

Ashley sai da cabine e volta momentos depois com a


pomada. Ele tira suas roupas, exceto a calça e fica em cima de
mim, seu físico irresistível reto e orgulhoso com todos aqueles
recortes musculosos.

Viro a cabeça e encaro a parede.

Ele se ajoelha ao meu lado e, com as mãos desapaixonadas


de um médico, aplica mais pomada medicinal refrescante em
minhas nádegas.

“O tenente Flemming tratou meus pulsos na noite


passada.” Fecho os olhos, derretendo com o deslizamento de seu
toque. “Como cirurgião do navio, não deveria ser ele quem está
fazendo isso?”

Seus dedos param em meu quadril e um tremor os


percorre.

“Eu sou o único homem que te toca aqui.” Ele espalma uma
palma enorme sobre meu traseiro dolorido.

A declaração possessiva prende minha respiração.


Esperava esse absurdo da boca de Priest. Mas da de Ashley? Que
inferno profano?

PAM GODWIN
Ele puxa minha camisa para baixo e sai da cama,
deixando-me rodopiando de perplexidade.

“E os quarenta piratas no porão?” Eu o ouço se mover pela


cabine. “A ameaça deles me tocarem ainda existe?”

“De segunda a domingo.” Ele diminui a intensidade das


lamparinas e tira a calça.

A cama afunda ao meu lado. Mantenho meu rosto virado,


olhos fechados. A colcha puxa e estica enquanto ele se acomoda.
Então silêncio.

Repetindo nossas conversas, caio em uma introspecção


sonolenta. O assunto de sua noiva não me preocupa. Se ele a
amasse, me colocaria em outra cama. Ou no chão, para falar a
verdade.

Não, seu coração não bate por ela. Na verdade, ele procura
um motivo para evitar voltar para casa.

Sua carreira reside neste navio. Um corpo feminino quente


dorme ao lado dele nesta cama. Com as palavras sussurradas
certas, posso mover sua mente, despertar sua paixão e convencê-
lo de que sua casa é aqui.

Com uma pirata vadia.

Estou muito aquém da nobre que espera por ele na


Inglaterra. Mas meu instinto me diz que se fosse uma virgem
obediente que endurecesse seu pênis, ele estaria com sua
prometida. Não aqui comigo.

Eu sou o único homem que te toca aqui.

Ele é o único que se impede de me tocar em todos os


lugares.

A menos que meu marido feroz e possessivo apareça.


Então, meus esforços com o Comodoro serão em vão.

PAM GODWIN
Se Priest conseguir o que quer, meu cativeiro será
transferido de Ashley para ele. Ser prisioneira de Priest não é
favorável, mas é muito mais atraente do que ficar pendurada por
um laço.

Em um mundo ideal, eu escaparia dos dois homens,


recuperaria minha bússola e viveria o resto da minha vida como
uma mulher livre, comandando meu amado navio.

Mas há tanta coisa que pode dar errado e tão pouco que
pode dar certo.

Esses são os pensamentos que me perseguem até dormir.


Quando flutuo, afundo com força. E sonho com minha mãe.

Uma auréola a envolve, como um anel de luz embaçado ao


redor do sol. É seu cabelo dourado? Sua aura? Eu quero tocá-la,
mas não tem um corpo. Eu quero abraçá-la, mas não sei se ela está
viva ou morta.

Nada disso é real. Nem seu sorriso, nem o penhasco em que


estamos, nem as asas que se abriram atrás dela. Não, espere.
Essas asas são reais, pois quando ela salta, ela não cai.

Ela voa.

Acordo suavemente, silenciosamente, piscando na


escuridão e maravilhada com a discrepância no sonho. Por anos,
revivi a condessa caindo nas rochas e sempre acordava ofegante
e tremendo com lágrimas nos olhos.

Mas não desta vez.

Desta vez, me senti quente e em paz e...

Não sou a única acordada.

Deitada de lado, encaro a parede. A juba selvagem do meu


cabelo se espalha pelo colchão atrás de mim. Com uma mão
enroscada nele.

PAM GODWIN
Ashley está me acariciando.

Fico imóvel, medindo minha respiração enquanto ele


acaricia os fios enrolados e alisa os nós.

A sensação rasteja em minhas veias, me torturando. Eu


não sei o que parece verdade, meu delirante prazer no afeto ou
sua capacidade de dá-lo. Mas parece certo. Ele parece certo. Eu
não quero que ele pare.

Sua respiração acelera, aprofunda e seus dedos vagam


para o meu quadril. O calor de sua mão permanece lá,
encharcando o cobertor e saturando minha pele. É o toque de um
homem com uma coisa em mente.

Meu corpo fica febril e meu pulso acelera. Isso é o que eu


quero. Mas não é cedo demais?

Se ele me der sua semente esta noite, eu posso seguir em


frente com o plano de gravidez. Mas não deveria tentar primeiro
por seu coração? Esse estratagema é mais fácil de usar, menos
complicado.

Se ele tentar me levar para a cama agora, eu posso negá-


lo, dar-lhe a perseguição que os homens parecem amar. Isso pode
fazer com que me queira mais.

Se eu o negar, ele pode me forçar.

Passo trinta segundos raciocinando sobre isso antes que


sua mão desapareça.

Ele desliza silenciosamente da cama e caminha até a


varanda, tomando a decisão por mim.

Eu fervo de frustração e me amaldiçoo por me sentir


rejeitada novamente por um homem que eu não quero.

Mas eu o desejo. Por razões que qualquer mulher com olhos


ativos o deseja. Posso ignorar sua personalidade pestilenta por

PAM GODWIN
uma ou duas horas se isso significa colocar minhas mãos em todo
aquele corpo perfeito e divino.

Eu normalmente não sou tão lasciva e ansiosa. Mas se


passaram dois anos desde que me perdi no pau de um homem, e
depois de passar dois dias com este, estou sentindo aquela
abstenção exatamente onde mais preciso dele.

Minha buceta lateja. Meus mamilos endurecem. Meu corpo


inteiro se esforça para sentir seus movimentos na varanda. Então
eu ouço.

Um grunhido. Uma respiração pesada. Mais se seguem.


Então, “Oh, Deus. Oh, Cristo, sim.”

Eu congelo, atordoada, totalmente confusa. Essas palavras


guturais sussurradas não parecem em nada com sua voz.

Deslizando para fora da cama, sigo a sequência de gemidos


abafados em direção à varanda. O barulho alto do navio amortece
meus passos suaves. Seus sons ofegantes sufocam minha
própria respiração difícil.

Parando fora de vista, espio pela borda da porta aberta e


engasgo.

De pé sob o brilho fraco da lamparina da popa distante,


uma silhueta de ombros largos curvada na amurada, alta, escura
e gloriosamente nua. De costas para mim, ele agarra a
balaustrada com uma mão e acaricia seu pau com a outra.

Meu coração batendo impulsiona em minha garganta, e eu


pressiono a mão sobre minha boca aberta.

Ashley Cutler, seu pervertido lindo e indecente.

Sua bunda é cinzelada e tão perfeitamente moldada que eu


quero chorar. As coxas poderosas flexionam e contraem enquanto
ele estica os dedos dos pés e trabalha seu braço musculoso. E
seus ruídos... aqueles grunhidos famintos, presos atrás dos

PAM GODWIN
dentes cerrados, mandam um milhão de arrepios subindo e
descendo e através do meu corpo.

Inclinando-se em seus golpes apaixonados, ele está bem à


vista da lua e do interminável mar que ruge. Oh, eu invejo
aquelas ondas. Ele deu prazer para elas, agarrando e sacudindo
sua haste longa e inchada.

Mais cedo, eu senti o comprimento grosso dele através de


sua calça. Mas tê-lo no toque, sentir o peso dele em minha mão...
minhas unhas se cravam em minhas palmas enquanto raios de
calor líquido pulsam em meu sangue e vazam entre minhas
pernas.

Sua respiração fica mais rápida. A minha vem mais áspera.


Umidade estoura em minha testa. Mais escorre por minha coxa.

Impressionante em tamanho e maneira, ele aparece na


varanda, absorvendo sombras e ocupando espaço. Os músculos
de suas costas se contraem e brincam com a luz fraca, seu corpo
liso e duro, prateado e cintilando como o mar ao luar.

Observando-o, me sinto muito pequena, muito delicada


para acomodar toda aquela força e autoridade aterrorizante. Mas
eu faria. Eu o encaixaria dentro de mim e me envolveria em torno
daquele peito largo, daquelas pernas musculosas, daquele pau
duro e faminto.

E se eu ficar aqui mais um segundo, posso fazer algo


embaraçoso como forçar-me sobre ele.

Apertando minhas mãos, lentamente recuo e rastejo de


volta para a cama. Lá, me deito de lado, de frente para a parede,
e o ouço grunhir, acariciar e gemer para se libertar.

O som dele gozando desencadeia um mini orgasmo em meu


núcleo. Estremeço e sacudo com minha mão na boca, tentando
com todas as forças me acalmar.

PAM GODWIN
Quando ele volta, meus olhos estão fechados e minha
respiração voltou a um ritmo uniforme. Mas com meu corpo
ainda está em chamas, não acho que o sono me encontrará
novamente.

Até que sua mão afunda em meu cabelo.

Ele acaricia minhas mechas em um ritmo soporífero,


fluindo com a corrente que balança o navio que range. É minha
ruína.

Caio com ele, profunda e tranquilamente em um sono


perfeito.

Nas duas noites seguintes, ele repete sua performance


erótica na varanda, sem saber que tem uma espectadora. Assisto
das sombras enquanto ele grunhe e treme e esguicha sua
semente no vento. Então adormeço com a cadência calmante
daqueles dedos acariciando meu cabelo.

Pecador. Resplandecente. Inegavelmente errado. Eu


poderia passar uma eternidade com ele assim.

Mas, infelizmente, o sol nasce todas as manhãs, trazendo


consigo seu semblante severo e tedioso. Ele passa as horas do dia
em outro lugar, me deixando sozinha com meu bordado e
frustração reprimida. À noite, ele evita conversar e, assim, escapo
de mais surras.

No quarto dia como sua prisioneira, termino o vestido.

Por fim, posso deixar sua cabine.

PAM GODWIN
VINTE E CINCO

Acordo antes do amanhecer, visto-me calmamente na


cabine de jantar e espero Ashley sair. Enquanto aperto os laços,
eu consigo alcançar e endireitar as pregas, minha coluna fica
mais alta, meu queixo fica mais alto.

A alteração das vestimentas de Ashley foi a melhor ideia


que tive desde que embarquei neste navio. Um tecido
extravagante de brocado cobre meu corpo dos seios aos pés.
Material prático e robusto. No entanto, tão elegante em detalhes.
E algo que eu não tinha notado até agora... os fios azuis
deslumbrantes combinam com a cor de seus olhos.

Eu mal posso esperar para ver sua reação, para ver seu
olhar devorar as espirais bordadas a ouro que marcam o busto
profundo, a prega dramática onde minha cintura cumprimenta
meu quadril e a saia cheia de curvas e voltas que acentua minhas
curvas.

Eu odeio roupas apertadas, mas esta manhã, eu me sinto


elegantemente feminina. Sensual. Melhor do que o normal.

O reflexo na janela chama minha atenção e, por um


momento comovente, vejo a imagem de Lady Abigail Leighton.
Cabelos dourados brilhando ao nascer do sol, enormes olhos azul

PAM GODWIN
celeste, feições majestosas, traços delicados... Sou realmente eu?
Não pode ser. Minha mãe era uma mulher tão linda.

A dúvida cresce, pesada e pegajosa, agarrando-se à minha


pele.

Traje gracioso, cachos domesticados e postura adequada


não mudam o que eu sou.

Vadia pirata.

Sua zombaria não me machuca. Eu sou, por minha própria


vontade, uma pirata. E pelos padrões aristocráticos, uma vadia
arruinada para arrancar. Eu detenho isso.

O que me machucou com Ashley foi o momento. Ele me


disse que eu era bonita, me tocou com dedos interessados, me
derreteu com olhares acalorados, tentou persuadir minha
confiança e... me rejeitou. Ele me atingiu bem quando sabia que
isso me machucaria mais.

Um movimento soa na cabine de dormir.

O cretino acordou.

Respiro lentamente e permaneço fora de vista na cabine da


frente, ouvindo-o urinar da varanda. Simplesmente pensar em
seu pau em sua mão me traz à mente outras coisas que ouvi e o
vi fazer naquele trilho.

Ainda confunde minha mente. Para um homem que é


irritantemente rígido, super preciso e mais restrito do que um
padre na missa de domingo, ele com certeza tem muita poluição
para liberar no final do dia.

Ele se acariciava até o fim todas as noites antes de me


conhecer? Ou é um novo hábito inspirado por minha
personalidade encantadora?

PAM GODWIN
Uma noite, num futuro muito próximo, eu me juntarei a ele
naquela varanda e resolverei o assunto por conta própria. No
sentido literal.

Eu o odeio e, ao mesmo tempo, anseio por dar-lhe prazer


de uma forma que uma senhorita refinada nem começaria a
considerar.

Ele é o comodoro do HMS Blitz, o único navio de cem


canhões no mar. Mas comigo, ele será um homem, mortal e feito
de carne que endurece com a fome de afundar em minha bainha
aveludada e viver lá até a morte e além.

Ou assim pensa meu ego.

Enquanto ele se move pela cabine de popa, arrumando e


vestindo as roupas, a porta externa da cabine de jantar se abre.
O jovem soldado que entrega as refeições, George é o nome que
arranquei dele ontem, entra carregando uma bandeja de prata. E
para.

Seus olhos voam para mim, onde estou ao lado de uma


cadeira. Eles se alargam, piscam e disparam para longe. Então
ele corre para a mesa.

“Se você tem algo a dizer, Georgie, por favor...” eu descanso


o punho em meu quadril armado. “Vamos ouvir.”

“Madame, v-v-você está...” A pilha de pratos chacoalha


quando ele a coloca sobre a mesa, perdendo seu controle e
equilíbrio. “Você está radiante.” Seu olhar se volta para a cabine
diurna e seu queixo cai para a gravata. “Quero dizer, uh- Minhas
desculpas, meu senhor.”

Sem outro olhar em minha direção, George sai da cabine.

“E é assim que você esvazia uma sala.” Começo a me voltar


para o motivo de sua partida repentina. “Sua presença parece ter
esse efeito...”

PAM GODWIN
Minha voz perde o som quando encontro o olhar de Ashley.

Olhos hipnóticos e indutores de calafrios. Que injusto um


homem ter olhos assim, com cílios tão longos e sedosos que
lançam sombras em forma de lua crescente em suas bochechas.
As pestanas pretas fazem com que as profundezas do azul do
oceano dominem seu rosto e tudo ao seu redor.

Minha atenção baixa para um peito masculino de


proporções perfeitas envolto em um colete vermelho da seda mais
brilhante. Ele está enfeitado com roupas adequadas à realeza,
uma vestimenta azul imaculadamente cortada, calça justa na
cintura e sapatos com fivelas douradas. Sua meia branca, feita
de lã trançada, parece ser derretida em suas panturrilhas
definidas.

Eu não tenho que esticar minha imaginação para lembrar


daquelas pernas, nuas e flexionadas, enquanto ele persegue sua
libertação.

Ele abertamente retorna minha avaliação, seu foco


acariciando minha aparência em um rastejar vagaroso, sua
expressão plana. Vazia.

Meus nervos retorcem. Quando seus pés começam a se


mover em minha direção, me endireito, me preparando para o
pior. Quando ele chega ao meu lado, sua mão vai para o meu
cabelo, seus dedos imediatamente pegam um nó que deixei
passar.

“Procurei uma escova de cabelo e alfinetes.” Minhas


bochechas esquentam. “Não consegui encontrar nada para
domar...”

“Fique em silêncio enquanto olho para você.”

“Os laços nas costas do meu...”

“Quieta, mulher.”

PAM GODWIN
Ele anda em volta de mim, tocando meu corpo apenas com
o olhar. Examinando. Respirando. Tirando-me de minha pele. Eu
me sinto como um alvo em uma luneta, esperando o fósforo aceso
abaixar até a toca e jogar trinta e dois quilos de ferro em brasa
em minha bunda.

Se eu pudesse ter tanta sorte.

Depois de um círculo completo, ele para diante de mim e


se aproxima. Tão perto que os botões de seu casaco prendem no
bordado do vestido. Meu coração gagueja enquanto olho para
frente, onde sua gravata está enfiada em sua camisa.

Levantando a mão, seus dedos encontram as veias tensas


de meu pescoço. Uma pressão firme guia minha cabeça para trás,
expondo minha garganta. Engulo, olhando para ele da ponta do
meu nariz.

Seus olhos permanecem nos meus, em seguida, baixam.


Sua cabeça o segue, colocando sua boca um fio de cabelo acima
da cavidade entre minhas clavículas, soprando respirações
quentes em minha pele trêmula. Ele paira lá pelo minuto mais
longo da minha vida, permanecendo no limite entre o impulso e
a contenção.

Meu coração trabalha até a exaustão, esperando que ele


faça algo mais do que apenas... me cheirar. Mas não ouso me
mover ou falar com medo de quebrar o feitiço.

Incrementalmente, sua respiração quente e úmida fica


mais quente e mais úmida. A sensação me confunde até que
percebo que o que senti foi o redemoinho de sua língua.

Com uma mão ainda segurando minha cabeça, ele lambe a


crista da minha clavícula. Uma leve cócegas. Uma provocação.
Perverso ao extremo.

O tormento continua mais baixo, seus lábios vagando, oh


tão suavemente, através da protuberância exposta do meu seio.

PAM GODWIN
A sensação de mal-estar faz meus pulmões pararem
abruptamente e engulo em seco, inadvertidamente fazendo com
que minha pele amarrada suba em direção a sua boca.

Sua mão livre agarra minha cintura e ele lambe novamente,


procurando por curvas ocultas sob a borda do corpete.

Eu choramingo e um gemido vibra em seu peito, um que


sei que ele não quer dar.

A parede invisível entre nós estremece e curva-se.

Sua boca desliza para o meu outro seio, seguido por um


arranhão de caninos. Tudo dentro de mim afunda, espiralando
em felicidade, em êxtase ardente e pecaminoso.

Como se sentisse minha combustão interna, ele morde com


mais força, afundando os dentes na pele, com força suficiente
para deixar uma marca.

A excitação aumenta, e eu tremo para respirar, precisando,


temendo, esperando que ele se feche para acabar com isso. Me
lamba, me morda, me chupe. Eu quero me afogar em seu prazer.

Quero segurar seu rosto severo, esmagar minha boca


contra a dele e torná-lo estúpido. Mas se eu iniciar um beijo, isso
dará a ele outra oportunidade de me rejeitar.

Não, ele que tem que começar, liderar e controlar cada


passo depois disso. É a única maneira que um homem como ele
funciona.

Então, mantenho minhas mãos para mim, e fazer isso


conscientemente me faz perceber que nunca o toquei além de
legítima defesa. Como é a textura de seu cabelo? Seu torso
musculoso aqueceria e flexionaria sob minhas palmas? Com que
rapidez seu pau cresceria em minhas mãos?

PAM GODWIN
Essas respostas, sua língua em meu peito e os sons de seus
suspiros lentamente me convidam para baixo da máscara e para
o reino secreto de Lorde Ashley Cutler.

Ele ergue a cabeça e permite que a minha abaixe. Seu olhar


cai sobre minha boca, traça a linha de minha mandíbula até meu
cabelo e pousa em meus olhos. Momentaneamente desprotegido,
ele me mostra tudo naquelas profundezas voláteis, o conflito que
o persegue, a doce agitação do potencial, a necessidade
masculina exigindo ser satisfeita. Isso me deixa perplexa.

Enrolando os dedos sob a borda superior de meu corpete,


ele pesca os laços do espartilho e os aperta até que estão retos e
amarrados.

Com sua mandíbula rígida tão perto, não consigo detectar


um único fio de barba. Seu cabelo de ébano está penteado para
trás em ondas modestas, seu rosto brilhando de tanto lavar.
Querido senhor, ele tem uma pele linda, de cor do luar brilhando
na areia imaculada.

Aos 34 anos, ele foi abençoado com a beleza do homem em


seus vinte e poucos anos e a postura confiante de um rei no auge
de seu reinado. Eu anseio por despojá-lo de seus escudos,
armadura, roupas e fazer com ele o que faz comigo. Eu quero
fazer ele doer.

“Vire-se.” Sua voz, sem fôlego e áspera, afirma que eu não


sou a única afetada.

Dou minhas costas para ele.

Ele agarra meu cabelo com as mãos sem hesitar, como se


soubesse como lidar com uma juba densa e pesada como a
minha. Pendurando a massa sobre meu ombro, ele agarra os
laços do corpete.

PAM GODWIN
Puxões afiados e distintos arrancam o ar de meus pulmões.
Puxão. Expire. Puxão. Falta de ar. Como uma lenta explosão de
tiros, ele impiedosamente define o ritmo de meus suspiros.

Quando termina, meu alívio dura pouco. Ele não se afasta,


não tira as mãos do vestido. Em vez disso, ele vai explorar.

Dedos vagam ao redor de meu quadril, encontrando e


acariciando minhas curvas através das dobras do tecido. Seu
toque ecoa em todos os lugares ao mesmo tempo, uma harmonia
de sensação ondulando sob minha pele e vibrando em minhas
veias.

Eu me mexo contra ele, inundada de desejo. Ele ferve em


mim como creme doce derretido, mas não é suficiente. Ele
balança o prazer ao meu alcance apenas para arrancá-lo e
frustrar minha expectativa no final?

Cretino tentador. Se ele fosse um dos meus companheiros


de tripulação, eu o puniria por ser tão provocador.

“Deveríamos comer agora,” digo.

“Não.” Ele fala contra o meu pescoço, sua boca quente em


minha pele, me queimando. “Eu não terminei.”

Parado atrás de mim, ele desliza a mão pelo meu seio. A


outra serpenteia sobre meu abdômen e afunda nas saias
volumosas entre minhas pernas. Com um aperto firme em
minhas regiões inferiores, ele puxa minhas costas com força
contra sua virilha.

Eu assobio enquanto músculos machucados estremecem e


apertam de dor.

“Você ainda sente minha punição.” Ele arrasta o nariz ao


longo do meu ombro. “Devo pegar a pomada?”

“Estou bem, obrigada.”

PAM GODWIN
Mas não estou. Envolvida em seus braços poderosos,
segura contra a laje de mármore de seu peito, com o dedo
diretamente em meu clitóris, apesar de todas as pregas da saia,
não confio no meu próprio julgamento.

Se ele pegar, eu dou. Ele me quer, sem dúvidas. Eu não


consigo sentir sua dureza através de nossas roupas, mas não
precisa. Ouço seu desejo na consonância de nossa respiração
ofegante, sinto na união de nossa energia crepitante, e vejo o
tremor nos dedos que agora se retorcem em meus cachos.

Com seu aperto em meu cabelo, ele gira nós dois até que
ficamos cara a cara, olhos fixos. Apenas um pedaço de espaço
nos separa.

Sua boca baixa. A minha se levanta. Esforçando-se para se


encontrar, nossos lábios se separam, flutuam mais perto, mais
perto e param antes de fazer contato.

Nossos peitos sobem em uníssono. Inspire. Expire. Dentro.


Fora. Mais profundos que uma lambida, mais divinos que um
beijo, nos tornamos respirações. Nada além de tremores,
aquecimento, respirações de acasalamento.

É uma atração mágica e instintiva. Eu puxo e ele vem


comigo. Ele se inclina para trás e eu o sigo. Nós estamos unidos
por faíscas que se aglutinam em uma entidade, unidos como
ímãs, unidos por uma força invisível.

O fogo que queima dentro de mim, bem no fundo do meu


ser mais íntimo, ruge em uma conflagração, exigindo
combustível, procurando por ele. Eu quero que sua boca abane
as chamas. E suas mãos. Seu pau pesado.

Com o olhar fixo em meus lábios, ele me mantem


prisioneira, uma cativa disposta à sua atenção. Agora ele só
precisa apagar aquele último centímetro. Tem que ser ele.

PAM GODWIN
Então ele o faz. Puxa-me com força contra seu corpo rígido.
Mas em vez de atacar minha boca, ele agarra meu pescoço.
Lambendo. Beijando. Beijos vibrantes e penetrantes que fazem
meu coração e meu sangue zumbirem de satisfação.

Meus dedos agarram seu colete e camisa, agarrando-se à


sua força. É um milagre minhas pernas permanecerem embaixo
de mim. Sua potência lava um desejo insuportável por mim,
despertando um desejo que mantenho sob controle por quatro
dias. E ele não terminou.

Inclinando meu rosto para cima, ele coloca sua boca


esculpida em minha orelha. “Você é tão gratificante para os
sentidos. Tão clara e absoluta.” Um beijo no meu couro cabeludo.
“Irrestrita. Incondicional.” Seus lábios roçam minha bochecha.
“Amadurecida com tentação. Pronta para comer.” Ele toca sua
testa na minha, respirando pesadamente. “Você é tão
deslumbrante que dói.”

Fecho meus olhos, tremendo à mercê do desejo. O calor se


junta entre minhas pernas, pulsando, se liquefazendo. Se ele
pode fazer isso comigo apenas com suas palavras, o que mais sua
língua pode fazer?

“Ashley...”

“Silêncio.”

“Beije-me, então. Beije-me até eu não conseguir falar.”

Ele fica imóvel, inexpressivo, todos os sinais de luxúria


evaporando rapidamente. Seus braços caem e ele dá um passo
para trás.

Meus olhos se arregalam, estreitam e brilham.

“Não me olhe assim, Cachinhos Dourados.”

“Você se sente atraído por mim.”

PAM GODWIN
O mesmo aconteceu com meu marido infeliz e traidor, e
veja o que isso me trouxe.

Lembra-se da dor, Bennett? Você ainda a sente.

Mas Ashley é diferente. Ele não me trairia assim.

“Maçãs...” Ele tira uma da bandeja do café da manhã. “Elas


são um deleite raro durante longas viagens ao mar. Quando vejo
uma, isso me atrai, me faz ansiar por aquilo que não preciso. Se
houver várias disponíveis, eu sempre seleciono a mais bonita.
Posso comê-la. Ou posso simplesmente apreciar sua beleza e
jogá-la de volta.” Ele larga a fruta na bandeja. “Porque eu sei que
posso viver sem isso.”

Minhas narinas se alargam com a onda fervente de minha


raiva. “Você está me comparando a uma maldita maçã?”

“Não foi uma maçã que influenciou a queda de Adão e


introduziu o mal na natureza humana? O pomo de Adão é...” Ele
puxa sua gravata e passa um dedo sobre a protuberância na
frente de sua garganta. “Inchaço de homem.”

O fruto proibido e a tentação levaram ao pecado. E ereções.


Entendido.

“Argumento feito.” Minhas bochechas se erguem


maliciosamente. “Desafio aceito.”

PAM GODWIN
VINTE E SEIS

Depois de tomarmos um café da manhã com pudim frito,


melaço, maçãs e chá, Ashley caminha para a popa em direção ao
dormitório. Com um suspiro, admiro os músculos flexionando em
suas coxas sob a bainha de sua vestimenta azul.

Minha atração por ele é uma bola e uma corrente. Não há


como sacudi-la. Sua beleza da cabeça aos pés torna seduzi-lo um
plano palatável. Mas e se isso se tornar mais do que um
estratagema? E se eu perder o controle sobre o que é real e o que
não é?

Eu preciso me lembrar que tenho um marido violentamente


possessivo vindo atrás de mim, e ele destruirá todo homem que
me tocar. Ashley pode morrer na espada de Priest. Ou vice-versa.

Meu coração estúpido aperta com o pensamento de


qualquer um dos homens morrendo. Como isso faz sentido?
Ambos são meus inimigos!

Ashley volta, trazendo um pente de pentear cabelo. Onde


isso estava escondido?

Em vez de oferecer para mim, ele fica atrás da minha


cadeira e arruma meus cachos para cair em minhas costas.

PAM GODWIN
Congelada, sento na almofada que ele providenciou para
meu traseiro dolorido, me preparando para a dor iminente de
suas mãos implacáveis. Mas não vem.

Ele começa nas pontas, trabalhando suavemente nos nós


e movendo-se para cima. Cada movimento suave do pente envia
um formigamento reconfortante ao meu crânio e pescoço.

Peculiar. Ele acaricia meu cabelo todas as noites quando


pensa que estou dormindo. Como uma compulsão secreta. Mas
mostrar ternura em plena luz do dia? E pentear com uma
delicadeza que rivaliza com uma mão feminina?

“Você já fez isso antes.” Eu relaxo sob seu toque e fecho


meus olhos. “Quem é ela?”

Não sua prometida. Uma senhorita virtuosa exigiria um


acompanhante. E absolutamente nenhum toque.

Ele desliza a ferramenta ritmicamente por uma seção de


meus cachos por vários minutos antes de responder.

“Minha irmã.” Ele divide outra parte dos cachos e se agacha


para pentear as pontas. “Ela tinha o cabelo igual ao seu. Cachos
apertados e enrolados que saltavam em volta de sua cintura.
Exceto que os dela eram pretos.”

“Da mesma cor que o seu.”

“Exatamente. Ela costumava chorar quando a empregada


da senhora colocava um pente nele. Eu era muitos anos mais
novo que ela, sempre agarrado às suas saias. O irmão mais novo
irritante.”

Carinho suaviza sua voz. “Eu odiava quando ela chorava.


Então assumi a tarefa e aprendi como alisar os nós teimosos sem
causar dor.”

Sinto minhas sobrancelhas mudando de descrença


esmagada para surpresa elevada. Provavelmente sou a única

PAM GODWIN
alma neste navio que ouviu essa história. Talvez seja a única que
sabe que ele tem uma irmã.

Ele está se abrindo para mim.

Mas minha breve vitória não tem um gosto doce, pois


detecto tragédia em seu tom e no tempo verbal. “Você fala dela
como se ela estivesse no passado.”

Ele coloca o pente na mesa e começa a juntar minhas


mechas desemaranhadas em uma longa trança pregueada por
minhas costas. Dedos hábeis se trançam sem pensar e amarra a
ponta com uma tira de couro.

Feito isso, ele não se move, mantendo sua postura


enervante atrás de mim, privando-me de uma visão de sua
expressão.

“Houve complicações durante o nascimento de seu


primeiro filho.” Sua mão agarra meu ombro como se quisesse me
impedir de me virar. “Nem ela nem meu sobrinho sobreviveram.”

Morte. Uma doença incurável.

Respiro lenta e dolorosamente. “Sinto muito pela sua


perda. Verdadeiramente, meu senhor.” Meu peito aperta. “Qual
era o nome dela?”

“Arabella.”

“Seus pais têm outros filhos?”

“Apenas eu.”

Meus sentimentos em relação a este homem de coração


cruel afrouxam, só um pouco. Eu não devo nada a ele, mas minha
mão se move de qualquer maneira, alcançando para trás para
envolver os dedos rígidos em meu ombro.

PAM GODWIN
Ele não me rejeita. Em vez disso, pega minha mão e me
puxa para ficar de pé. Quando me viro, ele apaga qualquer
sentimento que possa ter vazado em seu semblante.

“Conte-me sobre ela?” Aperto seus dedos. “Sua irmã?”

“Outra hora, talvez.” Com um olhar duro, ele procura


minha expressão como se esperasse encontrar más intenções.

Eu encaro de volta, desafiando-o com meus olhos a dizer


algo maldoso.

Seu olhar baixa para meus lábios. Sua mão envolve minha
trança. O ar estremece.

Então ele me beija.

Profundo e bebendo, sua boca saqueia e reivindica. O gosto


repentino dele rouba meus sentidos. Meu pulso para em algum
lugar entre o choque absoluto e o deleite esmagador antes de
explodir em um galope. Levanto na ponta dos pés e agarro seus
braços, abrindo para ele, cumprimentando sua língua quente e
gemendo contra seus lábios carnudos e firmes.

Seus músculos endurecem sob minhas palmas, e eu me


agarro, segurando-o, me afogando na febre que surge entre nós.
Seus dedos se enrolam em volta da minha cintura, puxando-me
para perto, imóvel, apertada contra seu quadril.

Pelos dentes de Deus, o homem pode beijar e mover seu


corpo. Sua língua esfrega contra a minha. Sua boca conquista e
consome. Sua pélvis gira, sutilmente, sugestivamente,
alimentando chamas ferozes de desejo em minha barriga.

Eu tremo incontrolavelmente enquanto ele lambe a parte


interna dos meus lábios, infundindo meu sangue com um desejo
potente. Ele tem o gosto exatamente como imaginei, molhado,
sombrio e masculino, como uma tempestade devastadora. Seu

PAM GODWIN
corpo poderoso estremece quando sua garganta produz os ruídos
guturais profundos que ouço na varanda.

Meu coração dança. Minhas pernas estremecem. Então


estou me movendo, sendo levantada por mãos fortes e colocada
na beirada da mesa.

Ele prende seu quadril entre minhas coxas, empurrando a


saia para cima e para fora do caminho para dar espaço ao seu
físico indomável. Durante tudo isso, sua boca fica com a minha,
recusando-se a liberar aquele beijo glorioso e voraz.

Cheia de fome, inclino-me para ele e alcanço sua bochecha.


Sua mandíbula flexiona sob meus dedos zumbindo, a pele macia
e lisa sobre aço inflexível. Ele segura a parte de trás de minha
cabeça e angula minha boca onde ele quer, aprofundando o
aperto de nossos lábios.

Minha mão escorrega para seu pescoço cheio de veias,


acariciando a tensão sob sua gravata. Seu pomo de adão quica
contra o meu toque enquanto ele engole nossos beijos em goles
gananciosos.

Enfiada na cavidade sob sua mandíbula de ferro, sua


jugular lateja e incha sob meu dedo. Seu coração definitivamente
existe. Ele bateu por sua irmã uma vez. E agora bate forte para
mim.

Meu corpo vibra com consciência quando ele me beija até


o esquecimento. Estou tão perdida na intimidade que não percebi
onde minha mão vaga até que ele agarra meu pulso, me
impedindo de agarrá-lo entre suas pernas.

Ele não para o beijo, no entanto. Guiando meus dedos por


seu corpo, ele espalma minha palma contra seu pescoço. Mas
continuo indo, indo mais alto, até descobrir a textura macia e
espessa de seu cabelo.

PAM GODWIN
Com um gemido, ele expressa seu prazer no toque. Seu
braço enganchado em volta das minhas costas enquanto sua
boca festeja e se alimenta sem fim à vista.

Gradualmente, em um derretimento de lábios, o beijo se


dissolve por conta própria.

Sua sobrancelha cai contra a minha, nossa respiração


acelerada em jatos afiados. Meu coração dá golpes como um
martelo, meu corpo inteiro treme em um brilho de desejo
inquieto.

Eu gostei disso com uma imprudência que não quero


analisar. Mas quando meu pulso desacelera, uma culpa
irracional se infiltra.

Eu não beijei outro homem desde que conheci Priest, três


anos atrás. A traição tem gosto de cerveja velha em minha
garganta, e isso é apenas o começo.

Eu deleto o pensamento antes que ele crie raízes.

Ashley se recosta e seus olhos capturam os meus, intensos


e dilatados.

“Você sente isso.” Olho para sua virilha, incapaz de ver a


crista inchada que sei que está escondida sob sua vestimenta.
“Você teve tanto prazer nesse beijo quanto eu.”

"Saboreie.” Ele abaixa a boca e me beija com infinita


gentileza, como se fosse a primeira vez. Ou a última. Ele se
endireita e recua alguns passos. “Isso não vai acontecer de novo.”

Eu deslizo para fora da mesa e elimino a distância,


empurrando em seu espaço e esticando meu pescoço para
encontrar seus olhos. “A vista é tão diferente aí de cima?”

Ele olha para mim, narinas pulsando. “O que eu vejo é...”

PAM GODWIN
“Uma puta dormindo ao lado de um homem nu todas as
noites? Diga-me como esta situação aconchegante não se torna
mais aconchegante.”

Em resposta, ele agarra minha cintura com as duas mãos,


levantando-me e colocando-me de lado como se eu não pesasse
nada. Então entra na cabine diurna e desaparece na curva.

Eu fervo até que ele volta com dois chapéus armados. Um,
ele coloca em sua cabeça dura. O outro, ele coloca sobre a minha.

Depois de ajustar minha trança para armar bem, ele me


oferece um cotovelo. “Você gostaria de fazer um tour pelo melhor
navio de guerra já construído?”

Já que conversar parece não me levar a lugar nenhum com


ele, dou boas-vindas à mudança de cenário.

“Sim, meu senhor. Eu gostaria muito disso.”

PAM GODWIN
VINTE E SETE

Eu não me sinto uma prisioneira.

Enquanto Ashley me escolta pelas passagens do navio de


Sua Majestade, que se estende por quase sessenta metros da
frente para a popa, não me sinto como uma pirata ou uma vadia
ou qualquer coisa confortavelmente familiar.

Com meus dedos frouxamente enrolados em torno de seu


antebraço musculoso e minhas saias balançando sobre meus pés
descalços, ouço as saudações e ordens que ele dá aos
marinheiros pelos quais passa. Mas eu me concentro no que não
está sendo dito.

Sou, superficialmente, ignorada por todos. Ninguém olha


para mim. Não diretamente. No entanto, todos os homens nas
proximidades estão visceralmente cientes da mulher no braço de
seu Comodoro. Eu praticamente posso ouvir suas bundas se
contraindo.

A última vez que eles me avistaram, eu tinha acabado de


ser arrancada do mar como um rato afogado, vestindo apenas
uma camisa de homem. Hoje, vestida com um vestido feito com
as vestimentas de Lord Cutler, pareço refinada o suficiente para
ser uma senhora.

PAM GODWIN
Se eu quisesse esse título, teria seguido as regras de minha
mãe, casado com o marquês de Grisdale e talvez meus pais ainda
estivessem vivos. Minha rebelião custou tudo a eles, e eu tenho a
maldita certeza de que não foi em vão.

Minha carreira de pirata não terminará em um choramingo


na forca.

O vestido, a trança modesta e minha mão delicada no


cotovelo de sua senhoria são apenas pequenos passos para a
liberdade. Se eu envergonhar o Comodoro na frente de seus
soldados, perderei o progresso que fiz para aquecer mais do que
sua cama.

Eu preciso derreter o gelo ao redor de seu coração.


Portanto, me comporto enquanto ele me guia pelos decks
superior e intermediário, voltarei para inspecionar essas armas
em meu próprio tempo, a cozinha e a enfermaria. Em algum lugar
perto da popa sob seus aposentos, ele abre a porta de uma
elegante cabine ocupada principalmente por uma grande mesa.

A sala dos oficiais.

O acesso a este espaço é restrito apenas a subtenentes. Seu


objetivo é fornecer um local privado para que homens de alto
escalão se socializem, jantem e conduzam negócios durante a
guerra.

Pelo que entendi, o tema ‘mulheres’... isso sem falar na


presença de uma... é estritamente proibido dentro de suas
paredes. Então, quando Ashley me convida a cruzar a soleira, fico
emocionada com a ideia dele quebrar uma regra sagrada.

Talvez haja um pouco de rebelião nele, afinal.

Vários tenentes sentam-se ao redor da mesa, que é longa o


suficiente para servir uma dúzia de oficiais. Ashley entra na
minha frente e todas as conversas terminam. Todos se levantam,
colocam as mãos nos chapéus e se curvam.

PAM GODWIN
“À vontade, tenentes.” Ele puxa o cotovelo para frente,
levando-me com ele através do espaço estreito.

O cheiro de tabaco e rum se espalha no ar úmido. Janelas


iluminadas pelo sol revestem uma parede. Prateleiras de álcool,
travessas de prata, livros e equipamento de navegação se
alinham.

Enquanto ele me conduz passando pelos oficiais, nenhum


deles olha para mim. Mas sua linguagem corporal, rígida e hostil,
coloca toda a cabine em um estado de insatisfação taciturna.

Ashley não se importa a atitude deles.

Chegando à antepara na extremidade oposta, ele para em


uma pequena mesa e serve uma xícara de chá para si. Ele não
me serve, mas eu não estou interessada. Minha atenção se fixa
nas folhas de papel impresso que cobrem a parede traseira.

Cada página destaca um pirata diferente. Alguns tem


esboços de rostos e desenhos de suas bandeiras pessoais. Todos
foram intitulados por nome.

A primeira impressão me retrata. O meu nome. Meu


relacionamento com Edric Sharp e Charles Vane. Nenhuma
menção a Priest. Sem esboços ou descrições de minha imagem.
E nenhuma bandeira, pois nunca me importei em hastear a
minha. Mas a página contém algumas informações sobre onde
estive e os navios que ataquei nos últimos anos.

Há falácias no relatório, mas a maior parte é terrivelmente


precisa.

Ainda mais angustiante é o papel pendurado ao lado do


meu. Este com uma foto.

O “Feroz” Priest Farrell.

A representação de seus traços foi desenhada por alguém


que sabe exatamente como ele é. O artista capturou cada detalhe

PAM GODWIN
lindo, até o sombreamento de seus bigodes, as tranças e contas
tecidas em seu cabelo e o olhar que ele tem em seu rosto. A
precisão daqueles olhos esboçados olhando para mim, o
destemor e a intensidade selvagem neles, faz meu coração
apertar.

Inclino minha cabeça, inclinando a aba do chapéu para


esconder meu rosto. Então, rapidamente examino seu relatório
em busca do meu nome. Não encontrando, desvio o olhar.

Uma dúzia dos mais notórios capitães piratas cobrem a


parede. Eu conheço todos os nomes e metade deles. Mas os
esboços daqueles que encontrei pessoalmente não foram
desenhados com o mesmo cuidado impecável que a imagem de
Priest.

A raiva acende sob minha pele e aperta meus dedos. Eu


quero derrubar Priest por ser tão descuidado com sua identidade.
Conhecendo-o, ele provavelmente posou para aquele desenho.

O idiota arrogante será capturado. Então eu terei que


resgatá-lo. Depois que ele me resgatar, é claro.

“Você conhece esses bandidos.” Ashley toma um gole de


chá, estudando-me por cima da borda de porcelana.

Todos os oficiais na cabine param, esperando minha


resposta.

Bem, agora eu sei por que ele me convidou para vir aqui.
Ele quer que eu dê uma boa olhada nessas imagens do mal e do
pior e o ajude a caçar sua presa.

O calor sobe ao meu rosto, queimando minhas bochechas


novamente. Meu peito arfa de indignação e leva tudo o que tenho
para controlar meu temperamento.

Sim, essa é a carreira de Ashley, seu dever como caçador


de piratas, que ele coloca acima de tudo. Mas eu nunca o ajudarei

PAM GODWIN
na captura em massa e assassinato de minha espécie. Nem
mesmo por perdão. Isso vai contra tudo que eu sou.

Depois de passar quatro dias comigo, ele deve saber disso.

“Todo mundo para fora.” Ele pousa a xícara, sem tirar os


olhos de mim.

A cabine desocupa. A porta se fecha atrás do último


tenente. Então ficamos sozinhos.

“Você olhou para este por mais tempo.” Ele bate no esboço
de Priest. “Ele tem uma reputação dissoluta com as mulheres.
Você já se deitou com ele?”

“Todo mundo já se deitou com ele, não?” Um baque oco


explode em meus ouvidos. “Eles o chamam de rei dos libertinos.”

“Sim, e você mencionou um libertino na outra noite.”

Eu e minha boca grande.

Ele agarra minha bunda cruelmente através da saia,


cravando dedos invasivos na divisão entre minhas nádegas. “Foi
ele quem te tomou por aqui?”

Uma postura defensiva e uma negação inflexível revelariam


meus verdadeiros sentimentos por Priest. Então afrouxo minha
postura e lanço a resposta que ele espera de uma pirata vadia.

“Sim.” Torço o canto da minha boca em um meio sorriso


tortuoso. “Com ciúmes?”

“Quantas vezes?”

“Você quer um número? Tipo uma contagem de verdade?”


Solto um suspiro, fazendo um barulho de respingos entre meus
lábios. “Eu não sei, Ashley. Foi uma noite muito longa e ele tinha
um cajado insaciável quase da altura do mastro principal. Então,
se contar golpes, incluir todas as posições, pela frente e por trás
e...”

PAM GODWIN
“Foi apenas uma noite?”

Eu vejo a escrita por toda a parede. Ele está pescando,


procurando pistas sobre seu alvo. Quão bem eu conheço o infame
Priest Farrell? Bem o suficiente para fornecer uma lista de pontos
fracos, hábitos, portos favoritos e locais de caçada?

Sim, eu o conheço melhor do que ninguém. E por acaso


estava vestindo a camisa dele. Porque eu amo o bastardo traidor.

Infelizmente para mim, eu escolherei tortura sem fim e


morte certa antes de entregá-lo.

“Esse pirata selvagem nunca leva a mesma mulher para a


cama duas vezes.” Encolho os ombros descuidadamente e me
afasto do aperto de Ashley em minhas costas. “Tive a sorte de tê-
lo só para mim por uma noite inteira.”

Eu o tive por um ano. Infelizmente, durante meu tempo


com ele, eu não o tive verdadeiramente para mim.

“Onde está ele agora?”

“Depende.” Estico minha boca em um bocejo.

“Do que?”

“Ele é o seu próximo alvo?”

“Sim.”

“Se você for atrás dele, o que acontecerá comigo e com os


quarenta piratas em seu porão?”

“Você estará livre para perambular pelo navio, e vou


providenciar exercícios limitados e ar fresco para os outros. Eles
não morrerão se eu prolongar a viagem um pouco mais.”

Perfeito.

“Hummm.” Cruzo os braços sobre meu peito e toco meus


lábios, brincando com ele.

PAM GODWIN
“Você está testando minha paciência, mulher.”

“Está bem. Se eu disser o que sei, o que recebo em troca?”

“Eu não posso conceder um perdão a você.”

Em 1717, o rei George emitiu uma proclamação que


concedia perdão total aos piratas que se rendessem a qualquer
governador das colônias. Eu não quis isso naquela época. Não
quis isso quando o rei reemitiu seu perdão em 1718. E agora, três
anos depois, a oportunidade se foi.

Bem, solução justa. Eu me enforcaria antes de trocar meu


meio de vida vivaz por uma existência sem espírito de
conformidade.

“Por sua ajuda neste assunto, você receberá uma


recompensa.” Ele aponta para uma das proclamações reais na
parede.

Pessoas que intencional e obstinadamente persistem em


suas piratarias, roubos e práticas ultrajantes devem ser
perseguidas com a maior severidade e com o maior rigor possível,
até que todos eles sejam totalmente suprimidos e destruídos.

Se qualquer pessoa descobrir qualquer outra pessoa


envolvida nas referidas ofensas hediondas, acima mencionadas,
de forma que ele ou eles possam ser presos e levados à justiça, tal
descobridor terá e receberá a soma de cem libras.

O decreto continua declarando que os próprios piratas


receberiam duzentas libras por entregar seus próprios capitães.

Essa quantidade de dinheiro proporcionaria uma


aposentadoria luxuosa nas Índias Ocidentais. No entanto,
nenhum dos meus companheiros de tripulação seria tentado. Se

PAM GODWIN
e quando eu escapar de Lorde Cutler e recuperar minha bússola,
encontrarei o tesouro do meu pai e recompensarei meus homens
por sua lealdade.

Até então…

“Deus salve o rei,” digo secamente. “Conte-me sobre a


recompensa de Sua Majestade. Devo recebê-la antes ou depois de
ser enforcada?”

Ele lentamente solta um suspiro. “O que você quer?”

O sorriso que escondo entre os dentes me faz tremer. Eu


irei enviá-lo em uma perseguição selvagem, atrasando assim a
viagem para a Inglaterra e me permitindo mais tempo para mudar
seu coração. Eu não poderia pedir uma bênção melhor.

“Vou ajudá-lo nessa caçada, em troca de um beijo.” Eu


encontro seus olhos azuis escuros. “Deve ser tão apaixonado
quanto o primeiro. Mas desta vez, você me dará acesso irrestrito
para tocá-lo onde eu quiser.”

Suas pupilas dilatam-se tanto que vejo o reflexo do meu


sorriso malicioso nelas. Um músculo se forma em sua mandíbula
dura e sua gravata se contrai sobre os tendões tensos de seu
pescoço.

Oh, o que eu não daria para ouvir os pensamentos agitados


nessa cabeça linda.

“Eu concordo com seus termos.” Milagrosamente, sua voz


mantem sua suavidade serena. “Diga-me o que você sabe.”

“O rei dos libertinos aluga um quarto em New Providence.


Ele mora em um bordel chamado Garden.”

Isso era verdade três anos atrás, quando o conheci. Se ele


voltou para visitar suas lindas flores nuas durante nossa
separação, ninguém sabe. O que sei é que ele não está lá agora.

PAM GODWIN
“Nassau.” Os lábios de Ashley se estreitam.

“Paraíso dos piratas.”

É uma viagem de cerca de uma semana.


Consideravelmente mais perto do que a Inglaterra. De sua
perspectiva, se ele virar o navio agora, não estaria retrocedendo
terrivelmente longe.

“Quais são as chances dele estar lá?” Ele pergunta.

“Quem sabe? Mas suas vadias o adoram e mantêm


registros cuidadosos de suas idas e vindas. Tenho certeza de que,
se você lamber suas partes intermediárias com a maior
severidade e o maior rigor possível, poderá persuadi-las a
compartilhar seus segredos mais íntimos.”

Ele estreita os olhos. “Você parece saber muito sobre esse


libertino para ter passado apenas uma noite com ele. Uma noite
que, por sua conta, não foi dada para conversa.”

“Bem, é verdade. Devido a todas as relações sexuais não


naturais.” Sorrio, tentando arrasar seu comportamento rígido.

Ele não pisca um cílio. “Diga-me como você realmente


conhece Priest Farrell.”

Essa é a parte complicada e eu preciso agir com cuidado.


“Meu contramestre é Reynolds Farrell.”

“Outro Farrell?”

“Meio-irmão.”

Sua cabeça joga para trás, seus olhos redondos com


descrença.

"Achei que você soubesse de tudo, Comodoro.” Aproveito


seu choque e coloco um dedo no fechamento frontal de seu colete,
saboreando a bolsa de calor do corpo por baixo. “Priest tem um
bando de parentes mestiços.”

PAM GODWIN
“Este irmão, seu contramestre...” Ele agarra meu pulso,
mas não o afasta. “Eles são próximos?”

“Se desprezam. Mas Reynolds mantém contato.”

“Quando foi a última vez que você viu Priest Farrell?”

“A noite que passei com ele. Então isso foi...” Deixo meu
foco embaçar como se refletisse longamente sobre a questão.
“Dois anos atrás.”

“Obrigado pela informação.” Ele ergue minha mão e beija


suavemente meus dedos, demorando-se com o menor toque.

Cada centímetro do meu ser gravita em direção a essa bela


boca. Mas a desconfiança me mantem enraizada.

Seu cheiro quente e masculino me cerca, sua mão firme em


torno da minha enquanto ele me olha de perto.

O rico colete vermelho e a vestimenta azul com enfeites de


ouro, semblante talhado e físico digno de inveja, ele é o modelo
da nobreza inglesa.

Até que ele lambe meus dedos.

Sua língua, firme e quente, mergulha no vale entre meus


dedos, evocando imagens de outra fenda em que ele poderia estar
fazendo isso com a mesma pressão deliciosa.

“Você é linda, Bennett.” Seus olhos azuis sensuais pulam


para os meus e piscam. “Eu nunca disse essas palavras a uma
mulher. Nunca pensei em dizê-las até te ver.”

Um som sobe em minha garganta, um som de descrença


assustada e necessidade abjeta. Seus beijos viajam para o meu
polegar, e ele envolve seus lábios macios totalmente em torno
dele. Caio no paraíso com minha boca aberta.

PAM GODWIN
Sua mão livre agarra minha cabeça sob a aba do chapéu e
ele me puxa para ele, prendendo meu pescoço com os dentes. Ele
não morde, mas parece que quer desesperadamente.

Ele me deve um beijo de verdade, e seus olhos semicerrados


me dizem que está pensando nisso. Afrouxando o aperto de sua
mandíbula, ele solta meu polegar. Seu rosto se aproxima mais,
sua cabeça baixando até que seu chapéu bate no meu.

A mão em minha cabeça começa uma carícia lenta, dedos


firmes acariciando a base da minha trança, me segurando,
fazendo esperar com respirações curtas. Ele apaga mais um
centímetro até que nada reste além de sua boca e sua força me
restringindo tão perto, tão primorosamente cativa.

Seu olhar voa para os meus lábios, adicionando batidas


extras ao meu coração. Então seus olhos vagam por cima do meu
ombro, fixando-se na parede atrás de mim.

Eu sei exatamente para onde seu foco foi. Sinto os olhos


esboçados de Priest olhando para minhas costas. Ele nem mesmo
precisa estar presente para controlar minha vida e todos nela.

“Ashley.” Toco sua mandíbula de pedra.

Seu olhar permanece preso atrás de mim. Eu já o perdi, o


momento entre nós se foi, no lugar de um novo alvo, outro pirata
para pegar. Claro, ele escolheria o dever em vez de mim.

“É hora de você ir.” Ele agarra meu braço e me conduz em


direção à saída.

Cavo em meus calcanhares. “Espere um segundo...”

“Faça o que eu mando e se apresse.”

“Você me deve por essa informação.”

“Eu concordei com um beijo. Sem hora marcada ou lugar.”

PAM GODWIN
“Você é mau.” Puxo meu braço do seu aperto. “Muito mais
perverso do que qualquer homem naquela parede.”

“Talvez você deva aprender a negociar.” Ele bate a mão em


minha bunda, me mandando embora. “Vá.”

“Não...”

Seus dedos se fecham em volta do meu pescoço e ele puxa


minha boca para a dele, parando um pouco antes de nossos
lábios se tocarem. “Nunca me diga não.”

Ele abre a porta e me empurra bufando e fervendo de raiva


para a escada.

Seu guarda pessoal, o sargento Smithley, espera do lado de


fora, sem demonstrar reação.

“Reúna os tenentes, sargento.” Ashley endireita sua


vestimenta, sua expressão vazia de emoção. “Temos outro pirata
para pegar.”

“Sim, meu senhor.”

O sargento sai e a porta se fecha na minha cara, deixando-


me sozinha no corredor com pensamentos de violência.

A pirata depravada em mim quer invadir o navio e causar


estragos de popa a popa. No mínimo, eu quero lançar o
armamento por cima do arco, cortar todas as cordas de rato e
mijar nas bandeiras do rei.

Mas tudo me dará uma passagem de volta ao porão. Um


temperamento impaciente certamente não ganha favores com
Ashley.

Então vou dar um passeio e congelo minha raiva. Primeira


parada... O deck de armas.

Redes penduradas acima das armas em todos os três


conveses. Os oficiais superiores provavelmente têm pequenas

PAM GODWIN
cabines próprias, mas a maioria da tripulação dorme aqui. É
também onde comem. As mesas pendem das vigas do convés
acima, aproveitando ao máximo o espaço confinado, abafado e
superlotado.

Correndo meus dedos ao longo dos focinhos das bestas de


bronze que se agacham ao longo de cada lado, imagino suas
poderosas explosões enquanto cospem canhões de trinta e duas
libras nos navios inimigos. Galeões como Jade. Mas ele nunca
mais navegará na mira dessas armas. Eu confio em Reynolds
para esconder e proteger ele e minha tripulação.

Enquanto continuo a vagar, olhos vigilantes acompanham


cada passo meu. Nenhum olha diretamente para mim. Mas
sempre há alguém na minha popa ou na minha trave, seguindo
ordens. Ordens de Ashley. É evidente que ele encarregou um
séquito de homens para vigiar a prisioneira errante.

Estou parada na amurada do tombadilho uma hora depois,


quando Ashley dá meia-volta com o navio.

No alto, cabos e equipamentos retinem conforme os cabos


de amarração são transportados. A lona gira lentamente e o HMS
Blitz balança contra o vento, formando um amplo arco.

Plumas de espuma espalham-se de viga em viga quando ela


se aproxima, seus mastros altos inclinando-se sobre o mar com
amuras a estibordo. As madeiras rangem e estremecem. O convés
inclina, e eu seguro minhas pernas enquanto seu casco maciço
quebra as ondas.

Sinto falta de Jade. Sinto falta da minha bússola, Reynolds


e Jobah, minha calça e tantas coisas. Mas pelos dentes de Deus,
eu vivo para isso. A batida da lona ao vento, o cheiro salgado do
oceano, a névoa da espuma no rosto e nas mangas... A unidade
incomparável dos sentidos.

PAM GODWIN
Semicerrando os olhos sob a luz ofuscante do sol, procuro
Ashley no convés, mas já sei que ele não está lá em cima. Eu não
consigo senti-lo.

É estranho como tenho essa faculdade de percepção com


um homem que conheço há poucos dias. No entanto, sempre que
ele se aproxima, eu fico inconfundivelmente consciente de sua
presença, como se todo o meu corpo está em sintonia com ele.

Há apenas um outro homem que tem esse efeito em mim.

O horizonte distante atrai meu olhar, o sol alto sobre o


mastro. Não há navios à vista. Sem sinais de Priest.

Mudar nossa rota não vai atrapalhar sua perseguição. No


mínimo, será mais fácil para ele me encontrar, pois estou levando
Ashley para o porto mais movimentado das Índias Ocidentais. E
acontece de ser nas proximidades de Harbor Island, para onde
mandei Reynolds esconder Jade.

Com trajes completos de vela, o HMS Blitz traça um curso


norte para New Providence, navegando suavemente com um
vento sul-sudoeste.

Eu tenho uma semana.

Uma semana para corromper o senhor da propriedade e me


reunir com meu navio.

PAM GODWIN
VINTE E OITO

Eu sinto seus olhos em mim.

Faz dois dias desde que ele me expulsou da sala dos


oficiais, e não o vi desde então. Ele passa a maior parte do tempo
naquela cabine maldita com seus tenentes. Evidentemente, meu
acesso a ela foi apenas um evento único. Cada vez que me
aproximo da porta, o sargento Smithley me manda embora.

À noite, Ashley entra em seus aposentos privados depois


que me retirei. Ele fica quieto o suficiente para não me acordar.
Se está se dando prazer na varanda, tenho dormido durante todo
o tempo.

Se ele está tentando fugir de mim, e daquele beijo que me


deve, está fazendo um bom trabalho.

Seja como for, ele não está me ignorando agora. Eu o sinto


em algum lugar atrás de mim no convés superior, seu olhar
perfurando um buraco entre minhas omoplatas. O impulso de
olhar agarra meu pescoço, mas não me viro, não dou a ele a
satisfação de o reconhecer.

Bem à frente, nuvens de tempestade se amontoam no


horizonte. Sua parte inferior escura corre ao longo das ondas

PAM GODWIN
cortantes, refrescando o vento e injetando atrito suficiente na
atmosfera para arrepiar os pelos dos meus braços.

Estamos indo direto ao ponto. Eu deveria me proteger, já


que só tenho um vestido. Porém, começo a me movimentar sem
entusiasmo por um segundo, precisando de algo para passar o
tempo.

No entanto, não ouso sair da jaula do olhar de Ashley. Com


alguma sorte, ele se aproximará e me acompanhará
pessoalmente lá embaixo.

O vento aumenta, quente e úmido e espesso com salmoura.


Abaixo, a espuma branca quebra sobre as cristas das ondas
turbulentas, lançando o jato alto sobre a proa do navio de guerra.
Já que estava nublado o dia todo, não coloquei um chapéu. Meus
cachos soltos chicoteiam no vendaval, enredando-se em meus
braços e batendo em meu rosto.

Um relâmpago reluz. O trovão resmunga e, um momento


depois, grandes nuvens de chuva caem do céu e sopram de lado
com as rajadas. O convés se inclina e me seguro contra a
oscilação repentina, agarrando-me à amurada para me apoiar.

Lá se vão as maneiras corteses de Ashley.

Olho ao redor e não consigo ver nada carnal através da


chuva violenta. Para o inferno com ele.

Correndo para a escada de portaló, minhas pernas


absorvem o balanço do convés. Desço rapidamente e salto o
último degrau.

E caio em pura agonia.

A dor atinge a sola do meu pé e me faz cair de joelhos. Eu


grito e caio sobre meu quadril, cavando através das saias para
localizar a fonte de minha angústia.

PAM GODWIN
Uma pequena ponta de metal projeta-se das tábuas. Uma
bota teria absorvido a ponta afiada. Mas, como eu não tenho
sapatos, o furo passou direto pelo meu arco macio e carnudo.

Puxo a bainha da saia para longe do rio de sangue e me


apoio em uma perna. Meus olhos se fecham contra o dilúvio de
chuva e meu pé escorrega, voando debaixo de mim.

Mãos fortes agarram minha cintura por trás. Sou


levantada, embalada e carregada contra um peito quente. Esse
único abraço libera toda a tensão de meu corpo.

Eu não tenho que abrir os olhos para saber que encontrarei


os mais brilhantes e profundos golfos de azul franjados em cílios
pretos encharcados de chuva. Mas eu olho de qualquer maneira,
suspirando em apreciação por sua beleza masculina.

Ashley não encontra meu olhar enquanto caminha em


direção à escotilha principal. Mas ele me puxa com mais força
contra seu peito e enfia minha cabeça molhada sob sua
mandíbula.

“Envie o tenente Flemming para meus aposentos.” Seu


comando salta sobre o estrondo do trovão, espalhando os homens
como um tiro de cadeia. “E encontrem o menor par de botas do
navio. Depressa!”

Meus pés são do tamanho dos de uma criança, então boa


sorte com isso. Mas o pensamento me aquece.

Descendo a escada e em profundidades mais secas, ele


para o primeiro soldado que encontra. “Remova o prego do convés
superior.”

“Prego, meu senhor? Eu não...”

“Encontre!” Ele gira para longe, levando-me em direção a


seus aposentos. “Como está o pé, Cachinhos Dourados?”

PAM GODWIN
Seu carinho substitui minha dor aguda por um
contentamento inesperado.

“Eu poderia ter voltado mancando para a cabine sozinha.”


Com meus braços em volta de seus ombros largos, pressiono meu
rosto em seu pescoço, saboreando seu aroma fresco e terreno.
“Mas desta forma é muito mais agradável.”

“Você é sem vergonha.”

“Você é delicioso. Por que está me evitando?”

“Eu não me meto com prisioneiros.”

Toco meus lábios no oco escuro entre sua mandíbula e


gravata. “Você gosta de se meter com esta.”

“Você está sangrando.” Ele chega em sua cabine.


“Sargento.”

“Meu Senhor.” O sargento Smithley abre a porta e fecha


atrás de nós.

“Não estou sangrando de propósito.” Torço meus dedos do


pé, acendendo pontos de dor. “Eu não vi o prego e...”

“Não foi sua culpa.” Ele me coloca na mesa de jantar.


“Deite-se.”

Do lado de fora da janela aberta, a chuva caí forte,


tremeluzindo com relâmpagos e inundando as tábuas de dentro
da cabine.

Ele levanta minhas pernas para a mesa e coloca uma


almofada sob meus joelhos. Abaixo-me de costas, surpresa por
ele ser tão atencioso e indiferente ao mesmo tempo.

“Você tem pensado em mim?” Afasto o cabelo molhado do


rosto e do pescoço, estremecendo com o vestido encharcado.

PAM GODWIN
Seu olhar se estreita em minha pele formigando. “Vire-se
de lado.”

Ele me rola para onde quer e seus dedos agarram os laços


de minha coluna. Momentos depois, o vestido se afrouxa. Ele o
puxa para baixo e para fora do meu corpo.

Mordo meu lábio, cativada. O que o está motivando-o a


fazer isso? Ele está preocupado que as roupas molhadas
estraguem os móveis? Ou me deixem doente? Ou algo mais está
acontecendo?

Suas mãos voltam para o meu torso. Carícias rápidas de


seus dedos aqui e ali endireitam a camisa de Priest por baixo do
espartilho e pelas minhas pernas. Depois que ele confirma que
as roupas íntimas estão secas e em ordem, ele me posiciona para
deitar com o rosto para cima.

Sua vestimenta, colete e gravata molhados saem em


seguida. Tudo é pendurado para secar. Então ele caminha em
direção às janelas para bloquear a chuva.

“Você já imaginou meus lábios em volta do seu pau?” Eu


pergunto suavemente.

O vidro sacode sob sua mão, batendo com mais força do


que o necessário. Ele desaparece pela cabine diurna. A porta da
varanda se fecha com um assobio, seguido pelo som de seus
passos de volta. Ele não deixa transparecer em suas feições, mas
seus passos ficam mais fortes, mais agitados do que o normal.

Eu reprimo um sorriso. “Estou rastejando por baixo dessa


sua máscara de aço e...”

“Pare com isso, Bennett.”

“Eu te assusto.”

“Você me incomoda.” Seu rosto severo e esculpido aparece


de cabeça para baixo acima do meu, suas mãos apoiadas em cada

PAM GODWIN
lado da minha cabeça. “Sempre falando e criando problemas e...”
Seu olhar desliza pelo meu corpo. “Sangrando por toda a minha
mesa. Onde diabos está aquele cirurgião?”

“Aqui, meu senhor.” O tenente Flemming entra, ajustando


sua gravata como se foi jogada ao acaso.

“Ela pisou em um prego.” Ashley se move para ficar ao meu


lado, apoiando a mão possessiva em meu joelho.

Flemming afunda em uma cadeira perto dos meus pés e


abre seu baú de remédios. Enquanto ele trabalha em meu
ferimento, Ashley mantem a camisa de linho dobrada em volta de
minhas pernas, protegendo minha modéstia como se eu
possuísse tal qualidade.

“Como está a dor?” Ele se concentra no médico com uma


expressão estranha. Como se estivesse preocupado com meu
ferimento.

“Não vou sangrar até a morte, meu senhor.”

Ele não olha para mim.

“Não entendo.” Cruzo minhas mãos no meio do corpo,


observando-o assistir Flemming. “Você socou meu rosto, me
jogou para fora de sua varanda, ralou meus pulsos, machucou
minha bunda e outras coisas não mencionáveis. Ainda assim,
está preocupado com um corte no meu pé?”

Isso traz seu olhar para o meu.

“Eu controlo a dor que inflijo. Eu sei onde e com que força
atacar para evitar danos permanentes. Mas isso…” Ele aponta
para os meus pés. “Não posso controlar a infecção caso ela decida
atacar e contaminar o seu corpo.”

Flemming mantem o olhar em seu trabalho, fingindo nos


ignorar.

PAM GODWIN
“Eu deveria ter achado botas para você.” Ashley passa a
mão pelo cabelo molhado. “Deveria ter garantido que o convés
estivesse seguro.”

“Não vejo como isso importa”, murmuro. “Você pretende me


ver enforcada.”

“Eu pretendo ver você ser julgada.”

Mesma coisa. Mas discutir os detalhes não muda o


resultado.

“A ferida está limpa, meu senhor.” Flemming muda. “Mas


isso requer pontos.”

“Faça o que for necessário, Tenente.”

Com agulha e linha, o médico começa a dolorosa tarefa de


fechar a sola do meu pé. A pele está tão sensível ao longo do arco
que cada espetada faz meus dentes se cerrarem. Músculos
contraem sem minha permissão, e eu não consigo impedir meu
corpo de sacudir e se inclinar para fora da mesa.

Ashley se curva sobre mim, bloqueando minha visão da


agulha. Olhos azuis se fixam nos meus e sua mão afunda em
meu cabelo, alisando as mechas úmidas.

“O tenente Flemming reanimou você no dia em que a


tiramos do mar.” Ele corre um dedo ao longo da minha têmpora
e por minha bochecha. “Você não estava respirando.”

Eu mal estou respirando agora com seu rosto


insuportavelmente lindo tão perto do meu.

“Debatemos o método de ressuscitação.” Um músculo salta


em sua mandíbula. “Decidi que a melhor maneira de estimulá-la
era inserindo um fole em seu reto e, assim, fumegando seu
interior com fumaça de tabaco.”

“Oh, pelo amor de Deus.” Meu corpo inteiro se encolhe.

PAM GODWIN
Soltar fumaça na bunda de quem de repente estava
aparentemente morto é um tratamento que eu já vi muitas vezes.
Nunca funciona, tanto quanto posso dizer. Então, como estou
viva?

Ashley puxa o lábio inferior entre os dentes, e aquele gesto


profano faz meu estômago embrulhar. Meus olhos me enganaram
ou ele está lutando contra um sorriso?

Uma risada abafada sai de Flemming.

Estico meu pescoço e vislumbro o médico mal contendo seu


sorriso.

“Você está brincando?” Meu queixo cai quando olho para


Ashley. “Você fez uma piada de verdade? Para provocar risadas?”

“Você não está rindo.”

“Estou chocada demais para fazer qualquer coisa no


momento.”

“Isso é bom.”

“Por que?”

“Tudo feito, meu senhor.” Flemming se levanta e junta suas


ferramentas. “Mantenha o pé elevado por um tempo.”

Ele terminou? Eu não consigo acreditar. Ashley me distraiu


deliberadamente da agulha cortante. Por que ele faria isso por
alguém que ele condenou à forca? Por que se envolver comigo,
afinal?

Há muito mais neste homem do que ele permite ser


conhecido.

Quando Flemming sai, o sargento Smithley coloca um par


de botas pretas dentro da cabine. Elas parecem pequenas. Talvez
pequenas o suficiente.

PAM GODWIN
A porta se fecha e somos apenas Ashley e eu, olhando um
para o outro.

PAM GODWIN
VINTE E NOVE

Ashley toca meu queixo, fechando minha boca ainda


aberta. Eu esperava que ele se afastasse, mas seus dedos se
afastam, vagam, avançando lentamente até meus lábios.

“Como fui revivida quando você me puxou do mar?” Encaro


ele, hipnotizada.

“Flemming colocou a boca na sua.” Ele traça a curva do


meu lábio inferior. “Ele deu respiração a você até que a água saiu
de suas vias respiratórias.”

“Ele fez o quê?” Eu nunca ouvi falar de tal coisa. “Isso


funcionou?”

“Devo dizer que sim.” Seu olhar baixa, acaricia a elevação


dos meus seios acima do espartilho e volta aos meus olhos.
“Nunca conheci ninguém tão cheia de vida. Dói imaginar sua...
vitalidade sendo sufocada de seu corpo.”

Uma vibração invade minha barriga quando as pontas de


seus dedos tocam minha garganta, rastreando meu pulso. Asfixia
é exatamente como isso terminará se ele continuar em seu
caminho. Mas, pela primeira vez, vislumbro uma luta genuína
nele, uma batalha interna que coloca rugas em sua testa séria.

PAM GODWIN
Embora os desejos de seu rei venham antes dos seus, ele
não quer me entregar à Inglaterra. No fundo, ele sabe que eu serei
condenada e enforcada.

Escolher uma pirata em vez de seu país está longe de ser


uma possibilidade em sua mente. Mas a situação o perturba. Ele
gosta de me ter por perto, mesmo que não esteja pronto para
admitir.

Ele me ergue em seus braços e nos coloca em uma cadeira


próxima, me colocando de lado em seu colo com minhas pernas
apoiadas na mesa.

“Relaxe.” Ele toca minha têmpora com os lábios.

Eu não percebi que estava tensa. Parece que meu corpo


não confia nele. Como não deve.

Soltando uma respiração lenta, ordeno que meus músculos


relaxem um por um. Suavemente, afundo no berço de seu corpo
musculoso e coloco minha cabeça em seu ombro.

Ele estica as pernas e aprofunda sua reclinação, deixando


a cadência da tempestade nos embalar em uma profunda
sensação de serenidade. De vez em quando, ele se entrega à
necessidade de desembaraçar meus cachos, desembaraçando os
fios molhados com dedos pacientes, alisando as mechas da raiz
às pontas e respirando ritmicamente com o movimento de sua
mão.

A cada golpe, eu me aconchego mais perto até que meus


lábios descansam contra as linhas duras de sua mandíbula. Ele
tem a pele mais lisa que já senti em um homem e cheira
deliciosamente, tão limpo e viril. Eu não posso resistir à tentação
de acariciá-lo.

Ele permite a intimidade e brinca com ela também, roçando


a boca em minha bochecha e contra o lugar que faz cócegas
abaixo de minha orelha. De vez em quando, ele deixa beijos

PAM GODWIN
carinhosos ao longo da moldura do meu rosto, aparentemente
inconsciente de seu efeito sobre mim enquanto distraidamente
acaricia meu cabelo e olha para a chuva.

Seu afeto não é cheio de luxúria nem de expectativa. Ele


não me agarra ou me apalpa ou apressa isso para um fim
indecente. Ele está me dando uma conexão, uma proximidade
que é maior, mais forte do que jogos de cama.

Somos significativos juntos. Intrincados. Um elo


improvável formado na morada das almas.

O momento parece irreal, como um sonho entre o tempo e


o espaço, sem limites, sem títulos. Não somos inimigos nesta
esfera. Não somos captor e capturada ou senhor e pirata.

Somos apenas duas pessoas que pertencem ao mar,


tentando se agarrar porque parece certo. Natural.

Na segurança de seus braços, flutuo no sono, acordando


periodicamente com seus lábios roçando alguma parte do meu
rosto, sua respiração farfalhando meu cabelo ou suas mãos
percorrendo o formato do meu quadril.

Enquanto a chuva diminuí, acordo totalmente e o encontro


me olhando com uma expressão absorta.

“O que foi?” Tento me sentar.

A mão em meu cabelo me faz parar e me segura lá.

“Você fica frágil quando baixa a guarda.” Sua voz retumba,


deixando meu peito agitado. “Este lugar... Bem aqui.” Ele toca a
curva entre meu pescoço e ombro. “É tão delicado e feminino.
Como a seda mais macia.” Ele acaricia o declive novamente, me
fazendo estremecer. “Você tem cócegas. Mesmo quando dorme.
É... impressionante.”

Encaro seu rosto lindo e impassível, onde uma excelente


educação se encontra com inteligência e sofisticação. Esculpido

PAM GODWIN
e polido da cabeça aos pés, ele é um nobre por completo. E
também um bom comodoro, com olhos que não perdem nada e
uma vontade de ferro que nunca se curva.

O que ele quer comigo em seus braços? O que eu quero


além de minha liberdade?

Não há respostas indolores para essas perguntas.

A cada segundo que passa, minha intenção de conquistar


seu amor parece menos com um plano elaborado e mais com um
destino que eu não consigo parar ou controlar. Eu preciso de seu
afeto. Não para usar como meio de fuga.

Eu não quero escapar de Ashley Cutler. Eu não quero traí-


lo ou perdê-lo de forma alguma. A verdade gananciosa e
irracional é que quero ficar com ele e abraçá-lo assim todas as
noites.

O que isso significa para Priest?

Isso importa? Priest me machucou irreparavelmente, e


Ashley está prometido. No final, eu acabarei sozinha. Ou
enforcada.

Razão pela qual eu preciso seguir o plano. Amor machuca.


Trai e machuca. Meu plano é seguro. Ele me protege, não Ashley
ou Priest. Ele garantirá que eu não serei a única destruída no
final.

Não só isso, Priest está na minha cola agora, e ele não será
receptivo em descobrir que me apaixonei por outro homem.

Eu me apaixonei?

Não, não exatamente. Mas quando nossos olhos se fundem,


aqueles olhos fixam-se nos meus com uma intensidade que
preenche um terrível vazio dentro de mim. O jeito como ele me
olha faz com que eu me sinta especial, desejada, quase amada.

PAM GODWIN
Estou condenada.

Minha necessidade disso, do tipo de amor que tudo


consome, que eu poderia ter com Ashley... é maior do que minha
sobrevivência. É mais essencial do que a vida. Mais significativo
do que a morte. É imutável. Imortal. Além de toda dúvida e fé.

Eu preciso dele, pura e simplesmente. O que significa que


nunca poderei machucá-lo. Nunca deixarei Priest machucá-lo.

Conforme eu lentamente chego a um acordo com isso,


estou fantasticamente, inegavelmente, apavoradamente, fora de
mim.

Tento endireitar meus pensamentos tortuosos, tento


curvar meus lábios em um sorriso casual, mas nada funciona
direito. Nem meu cérebro. Nem minha boca. Estou pirando.
Enfraquecendo. Perdendo minha sanidade.

Ficamos sentados imóveis, corpos emaranhados, olhares


travados, sequestrados juntos na luz fraca, por nenhuma outra
razão a não ser porque nos encaixamos perfeitamente dessa
maneira.

É muito real. Eu quero muito isso.

Condenada.

Eu desvio o olhar, mas seu olhar permanece comigo. Seu


contato visual... Bom Deus, é mais íntimo e privado do que
qualquer coisa que já experimentei. Encará-lo parece fazer amor,
só que mais perto, mais fundo, mais longe.

O que é essa feitiçaria?

“Bennett.” Seu sotaque acaricia. Um delicioso tormento.


Sensual. Excruciante.

Fecho os olhos, tentando em vão respirar. A necessidade


que ele desperta em mim é tão bela e assustadora que faço tudo

PAM GODWIN
o que posso para não chorar. Eu sinto aumentando, a emoção
escaldante, o inchaço em minha garganta, a umidade atrás de
minhas pálpebras.

Mãos quentes emolduram meu rosto. “Olhe para mim.”

Coloco a palma da mão em seu peito para afastá-lo. Ele


cobre meu toque, achatando-o em músculos flexionados. Seu
coração bate forte e rápido, e o meu tropeça em si mesmo para
acompanhar.

Abrindo meus olhos, encontro seus lábios a alguns


centímetros de distância, a abertura tentadora se separando,
chegando mais perto. “O que você está...?”

“Seu beijo, madame.” Ele planta em mim, enterra em mim,


profundo e devastador, com a promessa de crescer.

Sua boca transmite tanta paixão e potência que atordoa


meus sentidos. O deslizamento sensual de seus lábios, a torção
de seus dedos em meu cabelo, o rolo de sua língua contra a
minha, a execução me mata e me traz de volta à vida.

Meu peito arfa com a força de meus suspiros, ameaçando


derrubar meus seios sobre o espartilho. Então minhas pernas
começam a mudar, se reajustando com a ajuda de suas mãos.
Nós nos movemos juntos, trazendo nossos corpos o mais perto
possível na cadeira.

Eu me acomodo em suas coxas duras e poderosas,


montando seu quadril, tudo isso dá a sua boca melhor acesso à
minha.

Com meus dedos em seus cabelos e seus braços me


segurando com força, ele me beija por vastas e inexploradas
eternidades.

Eu despejo tudo na união. Cada parte de mim se enche de


calor e devolve a ele dez vezes. Ele acasala com a minha boca

PAM GODWIN
como se a conexão fosse tudo que quer, tudo que precisa. Afundo
em sua paixão, dando boas-vindas ao seu corpo duro entre as
minhas pernas enquanto ele gira seu quadril e pressiona contra
a minha dor.

Ele parece maravilhoso, tão sólido e masculino e tão ele, o


homem ao lado de quem dormi por uma semana. Eu sacudo
minha língua contra a dele, girando, provocando, saboreando o
céu e o mar e cada desejo entre eles.

“Toque-me.” Ele ofega contra minha boca, sua mão


deslizando pela frente do meu espartilho.

Seus lábios se deleitam e sua palma cobre meu seio,


encorajando-me a explorar.

Eu não diminuo a velocidade em colocar meus dedos sobre


a carne musculosa de seu abdômen, mas deslizo meu toque para
baixo, alcançando o espaço entre nossas pernas abertas. Lá,
agarro sua resposta latejante.

“Cristo.” Seu grunhido agudo sopra contra meus lábios e


sua mão aperta meu seio.

Santa mãe, ele é enorme. Eu traço o contorno inchado


através de sua calça, seguindo a curva dura ao longo de sua coxa.
O comprimento dele se estende do meu pulso até a ponta dos
dedos e ainda mais longe. Ele também é grosso. Espesso o
suficiente para sentir por dias depois de empalá-lo.

“Está satisfeita?” Ele agarra meu braço, segurando minha


mão contra sua ereção.

“O que?” Não gosto do tom repentino em sua voz ou da


mesquinhez em seu aperto.

“O tamanho da minha fome atende às expectativas?”

“Excede, eu acho.” Puxo meu braço. “Se você me soltar, vou


mostrar minha gratidão.”

PAM GODWIN
Seus dedos se abrem e ergo minha mão para segurar seu
rosto.

“Você é incrível, Ashley.” Eu procuro o azul frio de seus


olhos. “Não apenas as partes duras de você. Mas as delicadas.”
Inclino-me e provo seus lábios carnudos e doces. “Acho suas
partes mais suaves as mais agradáveis.”

Seu olhar aquece, seus traços esculpidos perdem suas


arestas quando me beija de volta. Ele molda suas mãos em volta
de minha cabeça e esfrega sua boca contra a minha, me
observando entre o rolar lento e lânguido de nossas línguas
unidas.

A magia pulsa entre nós, produzindo maravilhas com cada


toque. Todo o meu ser assimila a harmonia dele, juntando-se a
nós em um nível que nenhum de nós entende. Eu sei que ele
sente isso. Ele tem a aparência perplexa de um homem que está
afundando rápido e se esquece de nadar.

A temperatura de nossa lambida fica mais quente, mais


carnal, e logo o ar goteja com fogo, cuspindo faíscas em minha
pele. Eu quero desacelerar, saborear o momento e capturar a
intimidade.

Com minhas mãos emoldurando seu rosto, ele reflete


minha pose, me segurando da mesma maneira. Permanecemos
nesse abraço, nos beijando, compartilhando contato visual,
enquanto forças ocultas nos unem cada vez mais.

Até que ele empurra de volta.

Seus braços caem para os lados, e algo estala entre nós,


torcendo uma sensação sombria e indefesa dentro de mim.
Lentamente, nossa conexão se desgasta e se quebra. Uma parede
sobe, esvaziando sua expressão. Então ele me empurra do seu
colo e me coloca de joelhos.

PAM GODWIN
“Desamarre minha calça e tire meu pau para fora.” Ele se
levanta da cadeira, elevando-se sobre mim. “Não me faça
esperar.”

Ajoelhando-me ao nível dos olhos com a ereção esticando-


se sob o tecido, sei o que isso é. Desapego sob o pretexto de posse.
O tipo feio de posse que não tem nenhuma obrigação ou respeito
pelo objeto possuído.

Uma sensação de frio, envolta em dor, dá um nó em minha


barriga. Não estou preparada para a humilhação. Não estou
preparada para a traição trêmula do meu corpo ou as lágrimas
que invadem meus olhos e caem em cascata pelo meu rosto.

Ele se abaixa e pega uma gota com o dedo. “Por que isso?”

“Eu não quero que sejamos assim.” Lanço a ele um olhar


penetrante e mais lágrimas caem. “Eu não quero ser sua puta.”

Estou estragando tudo, sabotando meu próprio plano.

Ele esfrega minha lágrima entre os dedos, estudando-me


com um semblante tedioso de retidão. Por fim, ele me agarra
pelos braços e me coloca na cadeira. Então ele desaparece na
cabine dos fundos.

Meu estômago revira enquanto amaldiçoo meu


comportamento tolo e irracional. O que diabos há de errado
comigo?

Não demora muito para que ele volte, vestido de gala,


gravata, colete, vestimenta, calça, sapatos com fivela. Sua
armadura.

Quando ele se aproxima de mim, curvando-se para


encostar o rosto no meu, preparo-me para as consequências de
minha estupidez.

PAM GODWIN
“Nós não somos iguais.” Sua boca, que me beijou tão
docemente, agora se torce em um sorriso de escárnio autoritário.
“Não se esqueça do que você é ou por que está aqui.”

Seus dedos tremem quando ele agarra o chapéu, enfia na


cabeça e sai.

O som da porta fechando dá permissão ao meu corpo para


liberar sua dor. Eu me dobro e coloco a mão contra a minha boca,
abafando os sons patéticos que irrompem do meu peito.

Se ele fosse qualquer outro homem, eu nunca toleraria


tamanha indignidade. Mas, como meu captor, ele pode falar
comigo da maneira que quiser.

Mas ele não quer ser tão cruel. Eu vi a emoção em sua mão
trêmula. Eu ouvi o rangido em sua voz que não combina com sua
proclamação imparcial.

Indiferença não saiu por aquela porta. Havia


arrependimento em seus passos e uma ardência em seus olhos.

Ele está lutando árduo e se revelando rápido.

O que um homem faz quando se desvenda?

Ele ataca.

Não somos iguais.

Essas palavras são para ele. Ele se agarrou a elas,


desesperado por um lembrete, porque sabia para onde isso ia e
tinha tanto poder para pará-lo quanto eu.

Condenado. Destinado. Qualquer que seja o nome que dou


a ele, eu senti no dia em que nos conhecemos.

Mas a consciência disso não faz doer menos.

PAM GODWIN
Enquanto eu olho para o meu pé enfaixado, registrando o
latejar dolorido, suspeito que haverá mais tropeços e mais dor
antes de encontrarmos nosso caminho.

PAM GODWIN
TRINTA

O amanhecer é uma visão bem-vinda, pois cresceu no


horizonte, derretendo a escuridão de ontem. Os aromas
misturados de água salgada e ar fresco brilham através da minha
inspiração profunda, me revigorando.

Eu deslizo da cama, sem surpresas ao encontrar o lado de


Ashley frio e vazio, e manco em direção à porta aberta da varanda.
A lesão no pé é irrelevante, senão um pouco dolorida. Recebi o
máximo de cuidado e estarei caminhando com um passo normal
quando chegarmos a New Providence.

Os outros erros que cometi, no entanto, ainda precisam de


conserto.

Na grade, olho para o oceano vazio. O sol brilha em


manchas rosa e lavanda, refletindo como diamantes cintilantes
na superfície da água. Raios quentes beijam meu rosto e
ensopam a camisa solta. O vento alísio busca meu cabelo,
enredando as mechas como se não houvesse nada melhor para
fazer.

O que eu vou fazer?

Sou casada com um adúltero que nunca me deixará ir. Eu


quero um nobre que nunca se casará comigo. Se e quando os dois

PAM GODWIN
homens colidirem, eles se matarão imediatamente. Eu devo
esperar por esse resultado e fugir no momento em que acontecer.
Mas estou descobrindo que minha capacidade de exercitar a
lógica no que diz respeito a eles é inexistente.

Mesmo que minha afeição por Ashley seja correspondida,


ele não abandonará a Marinha Real ou evitará sua família,
posições e obrigações para estar com uma mulher arruinada e
sem título. Além disso, um relacionamento com ele não vai me
separar daquele de quem estive fugindo nos últimos dois anos.

Uma coisa que aprendi foi que o amor não conquista nada.
Apenas torna minha situação desesperadora ainda mais
desesperadora.

Um som farfalhante sai da cabine de jantar. Passos? Eu


pensei que estava sozinha.

Curiosa, volto para dentro e sigo a perturbação através da


cabine de dormir, a cabine diurna e... Oh. Minhas sobrancelhas
se erguem.

Ashley está sentado à mesa, vestindo calça e nada mais.


Um homem robusto com pernas tortas curva-se sobre ele,
raspando uma navalha mortal em seu pescoço.

“Você tem pelos?” Eu me aproximo, estreitando os olhos


para as linhas de aço da mandíbula de Ashley. “Desde quando?”

“Bom dia, Srta. Sharp.” Ele me olha de lado, sem virar a


cabeça. “Como está seu pé?”

“Bom Dia. O pé está bem. Mas, falando sério, eu não sabia


que você poderia deixar pelos faciais crescerem.”

“Não que seja da sua conta, mas eu consigo, e deixo.”

Seu barbeiro termina e se afasta para guardar as


ferramentas. Enquanto ele pega uma toalha, sou mais rápida.

PAM GODWIN
“Posso?” Seguro o pano e encontro o olhar firme de Ashley.

Ele olha para mim por um momento antes de dar um aceno


rígido. “Você pode ir, sargento.”

O homem de pernas tortas sai da cabine com seu pequeno


saco de suprimentos.

Quando a porta se fecha, me esgueiro entre os joelhos


estendidos de Ashley e sento na beirada da mesa. Inclinando-me,
passo a toalha ao longo da coluna forte de seu pescoço.

Seus lábios se separam e chupo os meus entre os dentes.


Ainda posso saborear seus beijos e sentir seu corpo masculino
duro em volta de mim. A magia entre nós não desapareceu. Cada
olhar prolongado acelera meu sangue como uma onda que se
inclina para a ruína.

“Eu nunca vi pelos em seu rosto.” Deixo cair a toalha para


deslizar meus dedos em sua mandíbula rígida e maçãs do rosto
afiadas. Tão macio. Tão impossivelmente firme.

“Eles crescem devagar e vem em remendos.” Sua respiração


se acelera sob minha carícia. “Fazer a barba só é necessário uma
ou duas vezes a cada quinze dias.”

“Tudo bem.” Eu flutuo mais perto, traçando a pele


acetinada em torno de seus lábios largos. “Não consigo deixar
crescer uma barba, o que me torna terrivelmente inadequada
para o meu papel de capitão pirata.”

“É mesmo?”

“Mesmo. Todo mundo sabe que uma barba incita o terror e


inspira reverência. Você viu o horror de Madwulf quando cortou
seu orgulho e alegria infestados de insetos.”

“Eu acho...” Seus olhos azuis majestosos brilham quando


mergulham em minha boca, e ainda mais abaixo, parando em

PAM GODWIN
meu peito. “Você possui outros bens mais suficientes, de modo a
impressionar um homem.”

Sigo seu olhar para baixo e meu coração bate nas paredes.
O decote da camisa pende baixo e está escancarado em minha
posição curvada, oferecendo a ele uma visão deslumbrante de
meus seios nus.

Quando me inclino para trás, sua mão agarra a roupa solta


e puxa-a pelo meu ombro. O linho cai em meu cotovelo, expondo
um seio inteiramente. Seu olhar se fixa, suas pupilas se
expandem, escurecendo e absorvendo aquela parte nua de mim
pela primeira vez.

Minha pele dói pelo calor de sua boca molhada, meus


mamilos se contraem a cada segundo agonizante que ele olha.

Por dois anos, sonhei em ser contemplada por um homem


que me desejava. Um homem que não mentia, não traía ou
ansiava por outra mulher quando estava comigo.

Ashley não apenas olha. Ele estreita o espaço entre nós,


envolve-me com seu cheiro que tanto amo e levanta a mão em
direção ao meu seio. Em vez de me agarrar com um aperto
descuidado, ele desliza a palma da mão contra mim, apenas um
leve toque em meu mamilo.

Eu choramingo e estremeço quando uma febre deliciosa


ganha vida em meus ossos, aquecendo no fundo do meu núcleo,
e mais quente ainda entre minhas pernas. Ele observa cada
reação, seus olhos de falcão examinando a resposta do meu corpo
à sua carícia tão suave.

“Você é primorosamente formada.” Ele molda seus dedos


em volta do meu seio, levantando e testando o peso. “Como uma
rainha.”

“Eu certamente não sou uma rainha.” Meu seio parece tão
pesado, tão inchado de necessidade.

PAM GODWIN
“Não, você está certa.” Ele baixa a boca para o meu seio e
respira: “Você é uma deusa. Uma deusa do mar.”

Ele passa a parte plana de sua língua sobre o pico eriçado,


e minha espinha se curva em resposta. Um gemido vibra em sua
garganta e eu gemo com ele, tremendo sob as sensações celestiais
de seus lábios firmes e quentes. Minhas mãos voam para seu
cabelo, minhas unhas arrastam em seu couro cabeludo e enfiam
através dos fios pretos brilhantes.

Minha cabeça cai para trás em meus ombros enquanto ele


mama. Sua mão segura minha bunda, e a outra segura meu seio,
segurando-o contra sua boca em adoração.

A qualquer segundo, ele levantará suas paredes e dirá algo


maldoso para me afastar. Mas, por enquanto, eu me glorifico no
momento de descuido, saboreando a respiração acelerada, a
carícia de dedos fortes e os sons masculinos de apreciação.

Toco nele em todos os lugares que posso alcançar, seus


ombros protuberantes, os tijolos sem pelos de seu peito e a carne
fortemente musculosa que flexiona ao longo de seus braços
enquanto ele ordena que se movam.

Sua mandíbula parece mármore contra meu seio, onde ele


lambe e beija com devoção. Seus lábios, tão macios e cheios,
entregam puro êxtase quando envolvem meu mamilo latejante.

Dedos se abrem nas curvas da minha cintura, ele espalha-


os em minha barriga e lentamente afunda no vale de minhas
coxas. Meu traseiro balança na borda da mesa enquanto ele
brinca com a junção escura entre as minhas pernas, encontrando
meus cachos molhados através do linho.

Eu percebo, realmente compreendo, o quão destrutivo esse


homem é em minha vida. Ele não apenas me capturou
fisicamente. Ele cercou minhas emoções, meu raciocínio, e está
a caminho de aprisionar minha alma.

PAM GODWIN
Quando ele se inclina para trás para olhar para o meu seio
inchado e brilhante, seus ombros largos bloqueiam o mundo.
Tudo o que vejo é ele e os lindos planos de seu rosto em facetas
de luz e escuridão, seda e aço, bondade e crueldade. E eu tremo.

Com medo.

Com vontade.

Eu anseio pelas sensações viciantes que ele agita em meu


corpo. E temo a cada segundo que ele deixe meus joelhos fracos
e meu coração anseie por mais do que prazer carnal.

Ele apoia um cotovelo na coxa e preguiçosamente arrasta


um nó dos dedos ao redor da curva externa do meu seio, seu
olhar pensativo enquanto observa o movimento. “Por que você
odeia a Inglaterra?”

“Além do fato de que todos lá me querem morta?”

“Sim.” Ele me segura na palma da mão e passa a ponta do


polegar sobre meu mamilo.

“A Inglaterra rejeitou minha mãe. Baniu ela.” Escovo meus


dedos por seu cabelo preto brilhante. “Sempre que ela se
lembrava de sua casa, ficava terrivelmente triste.”

“Talvez ela estivesse triste porque sentia falta do seu lindo


país. Você já esteve lá?”

“Não. Permaneci aqui, nas Índias Ocidentais, durante os


últimos sete anos. Antes disso...” Respiro fundo e encontro seus
olhos. “Passei os primeiros quatorze anos da minha vida nas
regiões selvagens da Carolina. Charleston. Ninguém sabe disso.”

Exceto Priest.

Ashley me olha impassível. “Se você estava em Charleston,


como conheceu seu pai?”

PAM GODWIN
“Ele me visitou durante toda a minha infância. Eu era mais
próxima dele do que de qualquer outra pessoa. Quando ele...”
Coloco minha mão sobre a dele, achatando nossos dedos contra
meu coração partido. “Quando ele morreu na forca, minha mãe
se jogou de um penhasco.” Minha voz gagueja, engatando com a
velha mágoa. “Eu estava lá quando aconteceu. Perdi meus pais
no mesmo dia.”

Ele estende a mão para mim, me puxando para seu colo e


contra seu peito nu. “Eu sinto muito.”

Seu tom suave e sincero me envolve em calor. Assim como


seus braços e a jaula protetora de seu corpo. Ele ajeita a camisa
para cobrir meu seio. Então apenas me abraça, observando o
nascer do sol, tomando um gole de uma xícara de chá, sem
nenhum senso de urgência para me afastar.

Então começo a falar. Conto a ele sobre minha educação,


as lutas de minha mãe no exílio, as visitas secretas de meu pai e
sua trágica história de amor. E porque ele ouve com intensidade
silenciosa, eu passo por cada detalhe daquele dia angustiante
sete anos atrás, incluindo o início do meu relacionamento com
Charles Vane.

Ao final, minha tristeza se acomoda como a areia em uma


ampulheta, descansando em silêncio, mas sempre lá, pronta para
tombar e fluir novamente.

“Você visitou a Carolina depois daquele dia em que foi


embora com Vane?” Ele murmura contra meu cabelo.

“Não. Charleston e Inglaterra são os dois lugares que


pretendia evitar pelo resto de minha vida.”

“A Inglaterra é um canto especial do mundo, Bennett.”

“O que você ama sobre ela?”

PAM GODWIN
“A rica história. O campo cru e intocado. Brilha com
vegetação, charnecas cobertas de musgo e dramáticas falésias ao
longo da costa. A vista da colina nas terras do meu pai olha para
nada além de campos extensos entrecruzados em paredes de
pedra como costuras em uma colcha de retalhos.” Seu sotaque
engrossa e seus olhos parecem brilhar com paz interior. “Como a
maioria das famílias de nossos inquilinos residem lá desde a
queda do Império Romano, eles têm mantido as mesmas sebes
por gerações e gerações. Eu diria que eles aperfeiçoaram a arte.”

“A sua família possui muitas propriedades?”

“Duas propriedades em Londres e muitas ao longo da costa


sul. Eu mesmo tenho várias. Minha favorita fica em um penhasco
com vista para a mesma água que toca sua Carolina.”

Isso traz um pequeno sorriso aos meus lábios. Embora ele


seja treze anos mais velho que eu, talvez em algum momento de
nossa infância, nós olhamos para o mesmo oceano ao mesmo
tempo.

“É frio lá?” Pergunto.

“Depende da temporada. Será verão quando chegarmos.


Quente e agradável.”

Não na forca. Não importa o tempo, o nó será tão frio


quanto a morte.

“Você vai me assistir ser enforcada?” Encontro seu olhar.


“Ou vai me entregar ao carrasco, aceitar sua promoção a
almirante e navegar em seu navio sem olhar para trás?”

Sua expressão se esvazia. “Estarei lá até o fim.”

Minha garganta e estômago queimam quando ele me coloca


de pé. Então ele se levanta e entra na cabine de dormir.

Honestamente, qualquer uma das respostas doeria. Por


que eu sequer fiz a pergunta?

PAM GODWIN
Engulo um caroço doloroso e o sigo à distância,
permanecendo em silêncio enquanto nos vestimos e arrumamos
para o dia.

As coisas que fazemos mecanicamente, limpar os dentes,


vestir saia e camisa, amarrar espartilhos e botas, são comuns se
feitas sozinhas. Mas aqui, juntos, cada tarefa parece significativa.
Eu aposto que ele nunca executou sua rotina matinal lado a lado
com outra pessoa. Marido e mulher nem mesmo fazem essas
coisas juntos. Ainda assim, realizamos os movimentos como se
compartilhássemos tudo e nos conhecêssemos por toda a vida.

Uma vez que meu vestido está no lugar, não preciso pedir
sua ajuda. Suas mãos já estão lá, apertando os laços e ajustando
as pregas nas costas.

Só que desta vez, quando termina, ele não se afasta.

Seus dedos vasculham as mechas do meu cabelo, roçando


as mechas por cima do meu ombro. Aparecendo atrás de mim,
ele coloca seus lábios contra o lado exposto do meu pescoço. Não
para beijar. Ele simplesmente descansa sua boca quente ali, me
inspirando, cheirando minha pele. Se desculpando?

Suas mãos enrolam em volta de minha cintura, trazendo


meu traseiro contra sua virilha. Um ruído de dor soa em seu
peito, seguido por um sussurro em meu ouvido. “Você é a
principal causa da minha miséria.”

Hesito, estreitando os olhos.

Não é um pedido de desculpas, então.

"Você me deixa duro, Bennett.” Seu sotaque cultivado,


rachado como gravetos. “Tão insuportavelmente,
incessantemente duro, que estou em agonia. Não consigo pensar,
não consigo fazer o meu trabalho, não consigo...”

PAM GODWIN
Ele me solta e se afasta. Eu me viro em direção a ele,
observando a vestimenta esticar em suas costas enquanto passa
as mãos pelo rosto e pela boca.

“Ashley.”

Ele se mexe para trás e me encara com um olhar


acusatório. “Eu não vou cair no seus truques.”

“Truques?” Endireito meus ombros. “Você acha que eu


quero sentir afeição por um homem que pretende me ver
enforcada?”

Algo cintila em seus olhos. Em seguida, eles limpam e sua


mandíbula trabalha de um lado para o outro.

“Não brinque comigo.” Ele caminha em direção à saída.


Grande surpresa.

“É você quem está brincando.” Corro atrás dele e pego seu


braço na cabine diurna. “Você me toca e me beija e deixa nós dois
emaranhados. E então você foge.”

Ele balança para trás, seus olhos de oceano brilhantes e


profundos, enquanto segura meu rosto em suas mãos. “Quem
disse que estou fugindo?”

Eu não entendo o que ele quer dizer.

Até que ele me beija.

Sua boca paralisa todos os pensamentos enquanto sua


língua assertiva mergulha entre meus lábios, passando pelos
meus dentes e direto pelo meu coração. Eu gemo com o contato
inebriante, a intimidade emocional, engolindo a força de sua
intensidade voraz.

Línguas se entrelaçando, mãos deslizando, sua boca, sua


potência, sua esmagadora presença masculina me consomem.

PAM GODWIN
Então ele engancha uma junta sob meu queixo, ergue meu rosto
e faz algo que nenhum homem jamais fez comigo.

Ele beija a ponta do meu nariz, suave, persistente,


profundamente em seu carinho.

“Você sente que estou fugindo, Bennett?” Ele descansa sua


testa contra a minha.

“Não.” Meu peito sobe com força, minha voz quase um


sussurro. “Eu estou me apaixonando por você.”

Ele fecha os olhos. Quando abre novamente, olha para mim


com austeridade taciturna. Sua máscara trava no lugar.

Recuando, ele ajeita a vestimenta, vira-se em direção à


cabine de jantar e sai.

Eu pressiono a mão contra minha boca, prendendo o calor


de seus lábios.

É difícil amar um homem, muito menos tolerar um, que


escolhe sua carreira ao invés da minha vida.

Mas é impossível não amar Ashley Cutler.

Ele é complicado, obstinado, firme e apaixonado. Como


Priest na melhor das maneiras. Não melhor. Apenas... ele é tudo
que eu desejei, por muito tempo. Desistir dele será desistir de
mim.

Olho ao redor de seus aposentos vazios, debatendo se devo


ir para a superfície para um passeio na brisa do oceano. Mas não
devo esticar os pontos do pé. Infecção é a última coisa de que eu
preciso.

Meu olhar se fixa no vestido inacabado em sua mesa.


Tecido e material de costura espalhados por todas as superfícies.
Eu deixo sua cabine em total desordem.

PAM GODWIN
E ele me deixa dolorosamente, miserável e completamente
insatisfeita.

Sento atrás da mesa, concentrada no projeto de costura e


tento ignorar a dor. Alguns pontos aqui. Alguns cortes de tecido
ali. Mas a pulsação entre minhas pernas persiste, acompanhada
pelo formigamento que seu beijo deixou em meus lábios.

Maldito seja ele e sua bela boca fazendo beicinho. É a ruína


de minha existência e a única coisa em que eu consigo me
concentrar. Então faço o que qualquer mulher imoral em minha
posição faria.

Apoio meu pé enfaixado na mesa, abro bem as pernas e


coloco a mão sob a saia.

Eu não preciso dele ou de qualquer homem para isso, mas


não dói imaginar seus olhos azuis sensuais. Encobertos, sem
piscar, sem sorrir, golfos lindos de azul. Rodo meus dedos em
volta da minha pele inchada, mexendo com minha maciez e
ficando mais quente. Até que aqueles olhos azuis se tornam
prateados, afiados e cintilantes como lâminas.

Pare.

Concentrando-me mais, toco minha dor enquanto imagino


Ashley me fodendo. Então Priest aparece, metendo seu
comprimento magnífico entre minhas pernas.

Diabos!

Começo de novo. Ashley. Sua expressão severa. Aquele


corpo divino. Oh, a intensidade que ele traria enquanto se
movesse sobre mim, contra mim, dentro de mim. Minha cabeça
gira de tontura.

Priest volta, assumindo a fantasia. Em seguida, eles se


revezam, usando meu corpo para frente e para trás, para cima e

PAM GODWIN
para baixo. Tão indecente. Tão pecaminoso. Tão
inconcebivelmente bom.

Trabalho meus dedos mais rápido, esfregando e


empurrando com imagens de ambos os homens poluindo meus
pensamentos. Grito quando gozo, minhas pernas tremendo e
quadril se contorcendo de prazer.

Afundando na mesa, recupero o fôlego. Muito melhor.

Limpo-me e volto a trabalhar no vestido.

Horas se passam. As refeições chegam. Eu mordisco peixe


salgado e biscoitos de navio e, periodicamente, dou um passo
para a varanda para escapar do calor da cabine.

Muito depois do sol se pôr, termino o último detalhe da


saia. O vestido não está nem próximo de finalizado, mas a tarefa
efetivamente ocupa minha mente durante o dia.

Largando o projeto, balanço meus dedos para fazer o


sangue circular. A exaustão pesa muito em meus ossos. Estou
cansada o suficiente para dormir sem pensar em um emaranhado
de olhos azuis e prateados.

Vinte minutos depois, estou deitada no escuro, estendida


em cima da colcha. A umidade brutal satura a noite, mas não me
importo com o calor. Isso me envolve em um estado de ausência
de sonhos no momento em que fecho os olhos.

Quando acordo, estou sonolenta, queimando e não


sozinha.

Um feixe de luar corta a cama, iluminando uma mão


masculina em minha coxa. Estou deitada de lado, de frente para
a parede, imóvel, ouvindo o ranger do navio, o rugido das ondas
distantes e sua respiração pesada.

PAM GODWIN
Sua boca está perto, bagunçando o cabelo perto da minha
orelha. Respirações pesadas. Trabalhadas. Ele está me tocando
há um tempo.

A bainha da camisa foi empurrada para o meu quadril,


expondo minhas costas e o comprimento de minha perna. Seus
dedos percorrem subindo e descendo, delicadamente traçando a
curva da minha coxa e a depressão entre minhas nádegas.
Provocando suavemente. Queimando lentamente.

Meus mamilos enrugam e os músculos de minha barriga


se contraem preguiçosamente, acaloradamente. É a melhor
tortura. E a pior. Se eu rolar em direção a ele e o deixar saber que
estou acordada, ele vai parar?

Por favor, não pare.

Mas ele para. Arrancando sua mão, ele muda de posição e


solta um forte suspiro. Meu coração bate forte em meus ouvidos
enquanto espero, antecipando o movimento do seu corpo
deixando a cama. Em três... dois... um...

Bem na hora, ele se levanta e caminha em direção à


varanda.

Eu entendo seu conflito. Se ele fizer amor comigo, não


estará mais colocando seu país antes de si. Um homem de sua
estatura e retidão moral não leva seus prisioneiros para a cama.
Sou sua inimiga assim como ele é meu.

Mas essa linha já se confundiu, quer tenhamos consumado


ou não nossos desejos proibidos.

Tomo uma decisão.

Silenciosamente, deslizo da cama e tiro minha camisa. Com


passos silenciosos, atravesso a cabine até a varanda e fico alguns
passos atrás do senhor e mestre.

PAM GODWIN
Completamente nu, ele se curva na amurada e olha para o
mar, os músculos se contraindo em suas costas enquanto ele se
acaricia lentamente. Tendões definidos marcam seus bíceps.
Veias esticadas ao longo de seu pescoço. Depressões gêmeas
ondulam os músculos acima do seu traseiro tenso. A visão do seu
físico glorioso e afiado pela batalha me inunda de necessidade.

Então ele faz uma pausa.

“Eu sei que você está aí.” Sua voz rouca, espessa com
luxúria. “Você tem me observado assim na maioria das noites.”

Redemoinhos lânguidos, que queimam lentamente, se


agrupam em cada canto do meu corpo. Eu abro minha boca, mas
nenhum som sai.

Ele começa a se acariciar de novo, mais forte, mais áspero,


sua voz profunda estalando como um chicote. “Venha aqui.”

PAM GODWIN
TRINTA E UM

Excitação cautelosa corre por minhas veias, brilhando com


bolhas de desejo.

Enquanto caminho em direção às costas nuas de Ashley,


ele não se vira, não remove a mão que acaricia entre suas pernas.

Alcançando-o, deslizo meus dedos pelos músculos tensos


flanqueando sua coluna. Sua respiração acelera e seu corpo fica
impossivelmente mais duro, mais rígido. Mais perto, provoco
meus mamilos nus contra suas costas. Então meus
lábios. Minha língua.

Um violento tremor percorre seu corpo e estremecemos


juntos.

Beijo suas omoplatas, sentindo o gosto de névoa salgada e


luxúria em sua pele úmida e aveludada. Minha mão percorre seu
braço musculoso. Continuo deslizando, passando por seu
cotovelo, pela frente do seu quadril e agarro-o onde ele se
acaricia.

A necessidade masculina, espessa e inchada, enche minha


palma. Ele geme, profundo e gutural. Minha boca seca. Minha
pele pega fogo.

PAM GODWIN
“Bennett...” ele entrelaça os dedos nos meus e desliza
nossas mãos ao longo de sua dureza. “Cristo, sim. Já imaginei
isso tantas vezes.”

Uma jarra está ao lado da grade. Seja o que for, ele usou
para lubrificar. O deslizar de nossos dedos se move
deliciosamente sobre a forma dele como se acariciasse cetim
líquido.

Cetim sobre aço que dura para sempre.

Eu vi muitos homens nus na minha vida, mas nunca um


com tanta circunferência e comprimento. E ainda não o vi.

“Como você é tão grande?” Aperto o círculo de meus dedos,


incapaz de fazê-los tocar ao redor.

“Criação superior.”

Juro que ouço um sorriso em sua voz. “Deixe-me vê-lo.”

A parte de trás de suas pernas treme contra minhas


coxas. A umidade adere à nossa pele. Estar tão perto dele, nós
dois nus e deslizando juntos... Deus, eu queimo febril além do
calor da noite do Caribe.

Ele se vira para mim, puxando meu corpo menor. Seus


dedos agarram meus pulsos e os seguram na parte inferior das
costas, fazendo meu coração bater forte com anseios perigosos.

Com minhas mãos contidas, ele traz nossos corpos juntos,


prendendo sua excitação entre nós.

Meu olhar se inclina para cima, questionador. Olhos azuis


olham para trás, firmes, inabaláveis, sem sinais de corrida.

Ele me puxa para cima em seu corpo elevado, colocando-


me na ponta dos pés. Peito contra peito, não tenho para onde ir
enquanto ele abre meus lábios com a demanda dele. Respirações

PAM GODWIN
fortes deslizam em mim, sua constituição alta e forte suportam
meu peso e queimam minha pele.

Seu beijo me come viva, devorando os recessos da minha


boca, lambendo dentro de mim e engolindo meus gemidos. Estou
bêbada, intoxicada pela intensidade com que ele domina cada
movimento.

Chupando meus lábios, ele usa sua língua como uma arma
contra minhas defesas, atacando golpe após golpe até que eu
desista de qualquer pretensão de resistência.

Suas mãos continuam a algemar as minhas atrás de mim,


seus braços nos unindo enquanto sua boca caça e reclama. Sua
mandíbula alarga meus lábios para que ele possa ir mais fundo,
mais longe, girando meus sentidos em um redemoinho de desejos
sombrios e sufocantes.

Eu nunca imaginei que um beijo pudesse ser tão cegante e


incorpóreo. Nossas bocas e almas se fundem como se fôssemos
fundidos em uma forja e moldados como um só em fogo fundido.

Ele transfere meus pulsos para uma das mãos e usa a


outra para fazer chover carícias insaciáveis na minha pele. Ele
me toca em todos os lugares, entre meu rosto e meu quadril,
beijando-me apaixonadamente e sempre voltando aos meus
seios. Ele parece amar meus mamilos sensíveis, seus dedos
beliscando e puxando-os em picos duros e alongados.

Mas anseio por sentir aquela mão em outro lugar, para


viajar mais baixo, onde ele nunca me tocou nua. Estou tão
molhada e devassa que acho que morrerei esperando.

No momento em que ele procura os cachos entre minhas


pernas, cada nervo do meu corpo está tremendo. Ele desliza
dedos firmes ao longo da minha fenda molhada e os empurra
lentamente, sensualmente. O prazer que me assalta é tão
delicioso que o mordo no meio do beijo, gritando.

PAM GODWIN
“Pingando.” Ele roça sua bochecha contra a minha e ofega
na minha orelha. “Você quer isso.”

Deus me ajude. “Sim.”

Ele agarra meus ombros e me gira em direção à grade.

“Espere.” Empurro, tentando girar de volta. “O que você


est...?”

“Não, deixe ir.” Ele bate com força minhas mãos na


balaústra e aperta com força.

Seu peito cobre minhas costas, seu corpo pesado e rígido


como se lutasse por cada fragmento de autocontrole.

“Ashley.” Estico meu pescoço, tentando vê-lo por cima do


ombro. “Eu quero olhar para você e beijá-lo enquanto você me
fode.”

Ele pressiona seu rosto contra minha nuca e solta um som


de frustração e prazer misturados.

“Se você quiser isso...” Sua boca se move para o lado do


meu pescoço e seus dentes cerram-se. Uma mordida
ameaçadora, cheia de luxúria. “Pare de falar.”

Eu quero, mas não se ele quiser me levar como uma


prostituta. Antes de conhecer Priest, essa era minha posição
preferida, pois era menos complicada, menos incômoda com
homens que eu não conhecia.

Então Priest me mostrou o prazer divino e a intimidade no


contato visual durante o ato sexual. Eu quero isso com Ashley.

Mas ele não está aceitando. Com uma mão apertada no


meu quadril, ele me prende na grade e se curva sobre minhas
costas. Efetivamente me prendendo, desliza a cabeça de sua
enorme ereção pela minha maciez por trás.

PAM GODWIN
Sob o pântano febril de seu calor masculino e o doce alívio
do seu pau se encaixando em minha buceta, eu não tenho forças
para parar isso. Eu o quero a ponto de doer.

Até que ele mexe seu quadril e pressiona em meu lugar


mais escuro.

“Buraco errado!” Minhas mãos disparam, lutando contra o


nada, o grito na minha garganta é estrangulado até o silêncio.

“Deus misericordioso.” Ele empurra o anel de músculo,


gemendo baixo em seu peito, seus dedos como um torno
machucando meu quadril. “Deixe-me entrar. Mais
profundo. Profundo aaaaah!”

Eu resisto, engolindo em seco, atordoada além do


pensamento, enquanto ele trabalha a enormidade do seu pau em
minha bunda. Ele está tão lubrificado que já afundou no meio do
caminho.

“Ashley...” Suspiro através da picada afiada, a pressão


abrasadora, e tento empurrá-lo para longe. “Pare!”

Ele puxa para fora e sua mão aberta bate contra minhas
nádegas, lançando fogo em meus ossos.

“Fique quieta enquanto eu uso você.” Então ele está em


mim novamente, dentro de mim, empalando seu comprimento
nas minhas costas. “Pegue. Exatamente como você gosta.”

Algo se quebra dentro de mim. Uma separação do meu


espírito. Quando ele está totalmente acomodado, eu não tenho
mais luta.

Com mãos inflexíveis e uma vontade de ferro, ele me


controla, e eu me rendo, derrotada, deixando a crueldade de sua
luxúria martelar dentro e fora. Ele se parece terrível e lindo,
selvagem e experiente, mesquinho e faminto.

PAM GODWIN
Eu não sei quantas estocadas ele dá, mas não são
muitas. Ele me fode com força e goza rápido.

Quando termina, ele se retira do meu corpo caído. Suas


mãos não me alcançam. Seus olhos não me procuram. Ele vira
as costas e se afasta, deixando-me apodrecer em um silêncio
agonizante.

Eu não irei persegui-lo. Não implorarei por um resultado


diferente. E não chorarei na frente dele.

Afastando-me da grade, recuo para as sombras da varanda


e ouço enquanto ele se lava atrás da tela de privacidade. Ele está
me limpando dele, enxaguando cada traço de mim. Como se
nunca aconteceu.

Não deveria importar. Eu não deveria me importar. Sou


mais forte do que a crueldade dos homens.

Passos soam além da porta. Momentos depois, ele passa


pela varanda, vestido com uma camisa e calça, sem lançar um
olhar em minha direção.

“Por quê?” Eu me ouço perguntando enquanto entro. “Por


que você me levou? Por que assim?”

Ele para, seu ombro largo se enrijece ao assumir a postura


poderosa de um Comodoro.

“Eu sei por que você trabalhou tão insidiosamente para me


atrair. Você queria minha semente.” Ele se vira para mim, seus
olhos azuis brilhando. “Então dei a você em um lugar que você
não pode usar contra mim.” Suas narinas dilatam-se. “Você será
julgada, Bennett Sharp, e o fará sem meu bebê em seu útero.”

Recuo, minhas pernas tremendo enquanto o choque e a


tristeza avassaladora percorrem minhas entranhas. Claro que ele
está certo. Venho com vários planos de fuga. Mas o que ele se
refere seria uma mentira completa e absoluta.

PAM GODWIN
“Se tivesse olhado para o meu corpo, teria notado minha
cicatriz.” Coloco uma mão trêmula sobre a pele enrugada na
parte inferior do meu abdômen.

Seu olhar segue o movimento e volta para o meu rosto.

“Você sabe o que acontece com uma mulher quando ela


recebe uma espada no meio?” Levanto meu queixo, incapaz de
abafar seu tremor. “Ela perde seus órgãos femininos, sua
menstruação e sua capacidade de conceber. Eu nunca serei mãe,
Ashley. Suas preocupações foram colocadas erroneamente.”

Tento conter o fluxo de lágrimas. Tento. E falho.

Ele não fica por perto para testemunhá-las. Girando nos


calcanhares, entra na cabine, a bainha de sua camisa para fora
da calça, apenas um toque de seda atrás dele enquanto
desaparece além da sala de jantar.

A porta externa se abre, seguida por uma batida


ensurdecedora.

Meu diafragma convulsiona, empurrando um soluço pelos


meus lábios. Uma série de soluços sufocados, chiados e úmidos
se seguem, e tento engoli-los. Tento abafar meus gritos. Mas não
consigo. Eu me curvo e choro como uma criança patética.

Quando aqueles sons miseráveis encontram meus ouvidos,


fecho minha boca.

Esta não é a filha feroz que Edric Sharp criou.

Está não sou eu.

Bato nas lágrimas no meu rosto e cambaleio para a


varanda. Lá, transformo meus gritos em raiva. Rosnando e
rugindo contra o vento, deixo o oceano arrebatar minha dor de
cabeça e enterrá-la sob as ondas fortes.

PAM GODWIN
Nos últimos sete anos, vivi entre os homens, lutando
incansavelmente por cada centímetro de respeito no mundo de
um homem. Nunca deixei seus preconceitos me
enfraquecerem. Eu nunca desmaiei, me encolhi ou me submeti à
sombra da força masculina. Nunca permiti que ninguém me visse
como outra coisa que não uma capitã pirata implacável e
endurecida.

Com exceção de dois.

Eu deixei dois homens entrarem em meu coração muito


vulnerável e muito feminino. E eles o mastigaram, um atrás do
outro.

Sempre quis ser igual ao meu pai? Bem, sou como ele no
fim.

Eu me apaixonei em um amor impossível.

Duas vezes.

As lições mais difíceis deixam cicatrizes invisíveis. No ritmo


que vou, isso é tudo que meu coração terá. Apenas um nó torcido,
horrível e insensível de tecido em meu peito.

Mas isso não me matará.

Aos quatorze anos, sobrevivi à morte de meus pais. Aos


dezoito anos, sobrevivi ao golpe de uma espada na barriga. Aos
dezenove anos, sobrevivi à pior dor de todas, a traição do homem
que eu amava mais do que tudo no mundo.

Agora, aos vinte e um, eu sobreviverei a isso também.

De alguma forma, eu escaparei da loucura deste navio, com


ou sem o babaca que o comanda. Mas primeiro, eu preciso de
remédio. Uma boa dose de rum para curar a dor. Tem um baú
inteiro na cabine de jantar.

PAM GODWIN
Pegando uma colcha de linho, coloco sobre meus ombros e
acendo uma lanterna. Então, caminho penosamente pelas
cabines, passo pela escrivaninha, ao redor da mesa e desvio em
direção ao cofre de bebidas. Quando me inclino para abri-lo, uma
sombra se move na minha periferia.

Meu sangue gela.

Perto da saída, a escuridão parece mais sombria. Estreito


meus olhos. Minha visão se ajusta. Minha respiração para e meu
coração dispara.

Uma silhueta está sentada no chão, suas costas largas


contra a porta e a cabeça pendurada nas mãos.

Ele não partiu.

Uma erupção de dúvida, alívio e desconfiança percorre meu


corpo. Por que ele está aqui? No chão?

Sem seus sapatos e vestido, ele não está armado para


caminhar entre seus homens. Talvez estivesse abalado demais
para manter o verniz elegante que usa além daquela porta.

Ele está usando uma máscara agora?

Respiro fundo e me aproximo dele, apenas perto o


suficiente para examiná-lo à luz da lua.

Seus braços caem sobre os joelhos dobrados e ele ergue a


cabeça.

E eu o vejo.

Eu realmente vejo Ashley Cutler pela primeira vez.

PAM GODWIN
TRINTA E DOIS

Puxo a colcha mais apertada em volta do meu corpo nu,


estremecendo no aperto do olhar desprotegido de Ashley.

Mais do que apenas sua alma brilha naqueles olhos azuis


luminosos. Eu vejo os destroços do seu verdadeiro eu, as
profundidades aterrorizantes de seus medos, a corrupção de seus
desejos e seus mais profundos arrependimentos.

Ele deve ter me ouvido soluçar quando pensei que estava


sozinha, e isso me envergonha profundamente. Mas ele não está
sem sua própria vergonha. As coisas lamentáveis e desprezíveis
que fez e deixou por fazer, tiraram a cor do seu rosto, criando
rugas profundas, pesadas com sombras.

Sua expressão mostra tudo. Seu comportamento


imponente se foi. Sua armadura destruída. Suas paredes
impenetráveis flutuando à deriva como destroços.

Eu não tenho certeza se toda esta carnificina emocional


está conectada a mim. Mas explodi o verniz de seu rolamento
elegantemente construído e ele não parece saber como reparar o
dano.

PAM GODWIN
Enquanto me olha, seus olhos imploram por perdão. Meu
coração implora por justiça. Talvez nós dois desejemos
misericórdia, mas eu não tenho nenhuma para dar.

“Eu estraguei tudo.” Ele desliza a mão pelo cabelo. “De


maneira bastante espetacular, receio.” Sua voz soa estranha
quando ele se levanta, segurando meu olhar. “Não era meu
objetivo expor você aos meus modos impróprios.”

“Modos impróprios?” Recuo, fervendo de raiva. “Você fodeu


minha bunda violentamente, Ashley. Você se limpou e me deixou
lá sem nem um tapinha na cabeça. Até Madwulf teria me
mostrado mais decência do que isso.”

Ele se encolhe, suas feições se contorcendo de dor. É


surpreendente o quanto ele não se parece consigo mesmo. Oh,
ainda tem aquele lindo rosto de aparência inocente, mas é mais
suave agora, quase mais jovem, se isso for possível. Ele não usa
o semblante de um comodoro e senhor. Parece um homem
perdido no meio da angústia.

Ele dá um passo em minha direção em um sussurro. “Me


perdoe.”

Duas palavras e meus escudos erguidos. Não são escudos


comuns, pois são fundidos em um fogo de mentiras e martelados
pela traição. Eles me defenderam contra essas palavras apenas
uma semana antes, quando saíram da boca do último homem
que me machucou.

“Eu não vou.” Recuo, andando para trás.

“Pensei que você estava conspirando contra mim.” Seu


olhar desliza para o meu abdômen.

“Eu conspirei.” Abraço o linho em volta de mim,


escondendo a cicatriz. “Eu pretendia te seduzir e te convencer de
que estava grávida. Um estratagema que só funcionaria por
alguns meses, já que não consigo conceber.” Encaro meus pés,

PAM GODWIN
pisco lentamente e o olho diretamente nos olhos. “Então você me
beijou, e eu soube...” Saliva queima a minha garganta. “Eu não
queria escapar de você.”

Nuvens de cor enchem as cavidades abaixo de suas maçãs


do rosto, seus olhos estranhamente brilhantes. Os músculos
saltam sob sua pele enquanto ele endireita repetidamente as
mangas. Remexendo. Visivelmente angustiado. Tão fora do
personagem.

Uma vibração traiçoeira alça voo em minha barriga, uma


emoção que formiga em meus membros. Flexiono minhas mãos,
ansiosa para me jogar nos braços do meu captor.

Recuo.

“Eu sou um monstro.” Ele fica comigo, sua voz profunda e


ressonante desfiando como uma corda. “Pior do que você pode
imaginar.”

“Não é necessário imaginação.” Continuo a me retirar,


entrando na cabine diurna. “Posso sentir a queimadura de sua
última maldição nas minhas costas.”

“Sim, eu machuquei você.” Ele se aproxima. “Deus sabe,


vou machucar você de novo. Sou muito bom nisso.”

A masculinidade crua domina seu andar enquanto ele


caminha atrás de mim para a cabine de dormir.

Ele é uma prostituta para seu rei. Um devoto adepto. Um


seguidor de regras. Não é um homem que simplesmente pega o
que quer. Mas agora, ele tem a aparência de um. Dentes
arreganhados, olhos selvagens, passos inabaláveis, ele transmite
um instinto animal, primitivo e incivilizado, e toda a sua força se
concentra em mim.

“Não se aproxime.” Levanto a mão, afastando-o. “Afaste-


se.”

PAM GODWIN
“Eu não posso.” Ele continua vindo. “Esta não é uma
inclinação inconstante ou paixão casual. O que eu sinto por você
não é são ou seguro ou enraizado na luxúria.”

Meu estômago embrulha quando cambaleio para trás,


procurando manter distância e batendo na cama. “Então o que
é?”

“É uma loucura, Bennett. Ruim.” Ele me encurrala,


prendendo com seus olhos. “Você sabe tão bem quanto eu que
essa afinidade, você e eu, é assustadora, magnifica e
desesperadamente real.”

Meu coração troveja, gritando com ele por ser tão cruel e
irrevogavelmente certo.

Ele estende a mão para mim e caio para trás, caindo no


colchão sem ter para onde ir. Sua mão se fecha em volta do meu
pulso e eu giro, girando o punho e errando em uma névoa de
pânico. Então fico louca.

Lutando do outro lado da cama, rosno, chuto e bato em


cada parte dele que se aproxima. Mas nada o detém. Ele pega
minha perna, então minha cintura, me agarrando no colchão e
levando meu coração à exaustão. Na respiração seguinte, sou
contida sob seu corpo substancial com meus braços presos ao
meu lado.

A colcha ainda está enrolada em mim? Uma fina cortina de


linho não me protegerá dele, de qualquer maneira. Com esse
pensamento, renovo minha luta, desesperada para escapar antes
que ele force minhas pernas abertas e me viole novamente.

Mas ele não ataca. Seus braços se apertam ao redor do meu


corpo se contorcendo, torcendo, ofegante e apenas me segurando
lá. Me abraçando.

PAM GODWIN
Uma pressão abrasadora enche minha garganta e atinge o
fundo dos meus olhos. A rouquidão da minha respiração
aumenta sobre o rangido na cabine.

Sua boca vai ao meu ouvido. “Shhhhh.”

As lágrimas invadem, interiormente, silenciosamente. Mas


de alguma forma, ele sabe. Ele faz mais sons abafados e me puxa
para mais perto, abraçando-me em um casulo de força sem me
esmagar.

Eu não sei o que fazer com isso. Não confio nisso.

Seus lábios se movem para a minha testa, demorando-se,


beijando suavemente, e não sei como reagir a isso também. Eu
queria isso. Queria que ele me beijasse, abraçasse e mantivesse
cativa, sem realmente ser.

Eu não deveria desejar nenhuma dessas coisas. Estou


doente. Mentalmente indisposta. Exausta emocional e
fisicamente.

Quero voltar para o meu navio e minha vida com Reynolds


e Jobah.

Ele muda, deixando um rastro de beijos nas minhas


pálpebras, ao longo do comprimento do meu nariz e ao redor do
canto da minha boca. Então ele olha para mim com um
magnetismo que faz todo o resto desaparecer na luz de fundo do
lampião.

Ele é um homem tão distinto e absolutamente lindo que


nunca me canso de olhar para ele. Mesmo quando é
mau. Especialmente em seguida. A perda total de controle e
paixão selvagem que afirmou na varanda seria pecaminosamente
excitante em circunstâncias diferentes.

Se eu não estivesse conspirando contra ele e ele não


estivesse tentando me condenar ao cabresto de cânhamo,

PAM GODWIN
apostaria que poderíamos ter um relacionamento adorável
semeado em confiança, comunicação e amor ardente.

Apesar da drástica discrepância em nossas classes sociais.

Meu rosto gravita para o calor de seu peito, meus lábios


roçam o decote de seda de sua camisa aberta. Minha bochecha
descansa contra a malha de osso e tendão em seu esterno. Meus
dedos deslizam em torno de sua cintura magra para... só queria
tocar sua coluna. Mas minhas mãos batem contra as curvas
superiores de sua bunda dura como pedra.

Ele se acalma. Tremo. Então eu me rendo ao impulso e


espalmo suas nádegas tensas e firmes através das calças.

Seu corpo dá uma flexão lenta e sinuosa, rolando contra


mim enquanto ele solta um gemido estrondoso.

“Eu quero começar de novo.” O movimento lânguido de seu


quadril me faz sentir o quão forte ele lateja entre nós. “Você não
tem que me perdoar. Mas não vamos sair desta cama até que você
goze.”

Meu desprezo se agarra, apertando minha mandíbula. “Se


eu disser não?”

“Eu te disse.” Ele agarra meu queixo e trava nossos


olhos. “Nunca diga não para mim.”

Sua boca desce, inclinada para a direita e me beijando


profundamente. Ele acaricia suavemente no início, sua língua
procurando, caçando. Quando finalmente pega a minha, o toque
parece um eco de abelhas e quase pulo da minha pele.

Seus lábios se curvam contra os meus.

“É aquele...?” Eu me afasto, tentando ver sua


expressão. “Você está sorrindo?”

Sua boca persegue, beijando-me avidamente. “Não.”

PAM GODWIN
O diabo que ele não está. Com esforço, libero meus braços
e agarro sua mandíbula. Empurro. Ele aperta o emaranhado de
suas pernas em volta das minhas, mas permite a distância entre
nossos rostos.

E lá, preso na mordida de seus dentes, está um pequeno


sorriso de derreter o coração, que puxa os cantos de maneira tão
divertida. Fico pasma ao vê-lo, tonto de descrença reverente.

“Há magia em seus lábios.” Eu os toco hesitantemente.

Os lábios contraídos beijam meus dedos, prendendo-me


com um feitiço sobrenatural.

“Magia é falsa.” Abaixo minha mão. “Amor é real. O que é


isso?”

“É real.” Sua expressão fica séria e ele agarra meu pulso,


apertando os tendões delicados. “Você sabe como eu sei disso?”

“Isso dói.”

“Sim. Mas posso te dar mais do que dor.” Ele deixa seu peso
descansar totalmente em cima de mim, fazendo meu sangue
correr tão quente quanto uma febre. “Mostre suas cores, pirata.”

“Nunca.”

Ele estala a língua. “Você içou sua bandeira branca no dia


em que nos conhecemos.”

Eu levantei aquela maldita bandeira em um estratagema


para distraí-lo de atirar em meu navio. Mas não posso dizer isso
a ele. “Eu não vou atacar você de novo.”

Seus olhos brilham com desafio. Esse olhar sozinho envia


meu pulso em um frenesi.

“Ashley.” Agarro um punhado de cabelo preto. “Nem pense


nisso.”

PAM GODWIN
Escorregando do meu aperto, ele empurra meu corpo para
baixo.

PAM GODWIN
TRINTA E TRES

Meus pulmões batem juntos e eu me contorço. Mas Ashley


rapidamente me puxa pelo tornozelo, não me dando tempo para
contra-atacar. Em uma fração de respiração, suas mãos abrem
minhas coxas e sua boca cobre a junção entre elas.

Tudo deixa de existir, as ondas distantes é um mero eco do


mundo ao meu redor. Tudo o que sei, tudo o que sinto é a carícia
quente dos lábios e da língua que acaricia, mergulhando por
dentro, lambendo círculos e provocando todas as pontas
sensíveis.

Tortura sublime.

“Não é justo.” Gemo alto, trêmula, balançando contra cada


beijo aniquilador.

Eu não sou imune ao calor radiante. Nem resisto à


destruição das tempestades. Sou apenas humana. Uma
luxuriosa pela maioria dos padrões, mas uma mortal, no
entanto. Não tenho defesas contra os caprichos de um deus.

“Eu ainda estou...” Dolorida. Céu e inferno, eu anseio por


este homem além da razão.

“Ainda o quê?” Sua língua desliza sobre mim em tormento


divino.

PAM GODWIN
“Ainda com raiva.” Respiro fundo, tremendo. “Eu não
menti. Não vou perdoar. Não ahahahhhh!”

Sua boca saqueia, devasta e se enterra


vorazmente. Quando seus dedos se juntam e me empalam até os
nós dos dedos, agarro seu cabelo e grito. Minhas costas arqueiam
e flexiono meu quadril de forma irresponsável, imprudente, sob
os cílios escaldantes que me rasgam em pedaços. Não consigo
ficar parada ou quieta, muito perdida no delírio de prazer
enquanto ele reclama outro pedaço de mim.

É tarde demais para voltar atrás. Ele já deslizou no meu


corpo e me lança em um mar de puro êxtase. Faíscas cintilantes
quentes explodem por mim, esquentando meu interior enquanto
cavalgo sua boca pecaminosa através das ondas torrenciais do
orgasmo.

Eventualmente, minha respiração superficial se alonga e


desacelera, encontrando um ritmo mais seguro, e a realidade
volta.

“Como você aprendeu a fazer isso?” Caio na cama,


dissolvendo-me em letargia.

“Prática.” Ele senta-se sobre os calcanhares e tira a


camisa. “Antes de entrar para a Marinha Real, eu tinha mais
tempo livre, no qual passava sob as saias das garotas locais.”

“Pobres donzelas.” Meu olhar devora seu peito esculpido,


minha pele aquecendo novamente. “As virtudes delas não tinham
chance com pessoas como você.”

“Não ouvi queixas”, ele murmura, os olhos brilhando de


triunfo. “E nenhuma de você, também.”

“Uma vitória desequilibrada.” Endireito a colcha, que


envolve meu corpo. “Você me desarmou injustamente e usurpou
a vantagem.”

PAM GODWIN
“Pelo contrário, cachinhos dourados. Fui eu que fiquei em
desvantagem por uma semana e continua crescendo.” Sua mão
se curva em volta do meu seio e alisa minha barriga, puxando a
colcha para me desnudar totalmente. “Sua beleza afeta um
homem como um vinho potente. Quando olho para você, fico
drogado.”

Ele abaixa a cabeça e roça os lábios na minha


cicatriz. Minha respiração engata e minhas pernas tremem em
torno de sua cintura.

“Quando eu lambo você...” Sua língua trilha um caminho


errante até meu peito. “Provo você...” Ele puxa meu mamilo entre
seus lábios, sugando. “Beijo você...” Sua boca volta a capturar a
minha, mergulhando profundamente com carícias doces e
lânguidas. “Você faz minha cabeça girar como se eu estivesse
bebendo do santo graal profano.”

“Un santo graal?”

“Cheio até a borda com o pecado. Quero consumir cada


gota.”

Ele se propôs a fazer exatamente isso, comendo minha boca


com uma obsessão doentia. Eu me provo em sua língua, o cheiro
forte de excitação misturado com a pureza do seu hálito.

“Você me perdoa?” Ele suga meus lábios.

“Não.”

Com um brilho sinistro em seus olhos, ele abaixa a cabeça


para fazer carícias suaves sob minha orelha e ao longo de minha
garganta, descendo lentamente em meu peito.

O contorno do seu músculo duro desliza contra mim


enquanto ele se move para baixo, sua língua fazendo espirais na
minha auréola. Suspiro, e ele demora, o calor do seu corpo

PAM GODWIN
pressionando ao longo das minhas pernas, esticando e inchando
por trás dos laços de sua calça.

Minhas mãos se entrelaçam nas mechas sedosas de seu


cabelo enquanto sua boca faz amor com cada centímetro de
mim. Descendo por uma perna e subindo pela outra, não tem
uma curva ou canto negligenciado por sua língua.

“A vida não tem sido boa com você.” Ele está na minha
cicatriz novamente, beijando a triste relíquia com reverência.

“A vida não é boa para ninguém. Nem mesmo meu pai, que
sempre me pareceu tão intocável e livre.”

“Ele foi um homem de sorte por ter tido o amor


incondicional de uma filha.”

Algo que nunca terei.

Ao vê-lo encarar minha cicatriz, eu sei que ele está


pensando a mesma coisa. Mesmo se ele decidisse, de alguma
forma, ignorar minha posição de plebeia e criminosa, eu nunca
seria capaz de dar-lhe herdeiros.

As probabilidades estão tão fortemente contra nós que não


tem nada que eu possa fazer para mudar nossos destinos. Mas
posso aproveitar o momento. Bem aqui. Agora mesmo.

“Ashley.” Espero seu olhar levantar. “Você viu tudo de


mim. Cada cicatriz. Cada sarda. É a minha vez de olhar.” Dou
uma cutucada nele com meu joelho. “Tire sua calça.”

“Diga-me que você me perdoa.”

“Se fizer isso por mim, vou pensar sobre isso.”

O canto de sua boca se curva em um meio sorriso


delicioso. Ele se inclina, dá um beijo forte em meus lábios e se
levanta da cama.

PAM GODWIN
Meu olhar segue suas mãos para a fileira de laços sob os
músculos definidos de seu abdômen. Quando ele abre a aba
frontal, empurra meu quadril, fico hipnotizada.

O contorno longo e protuberante dele estremece


visivelmente sob o tecido, batendo contra sua coxa como se
tentasse sair. Minha boca saliva para sentir o gosto e eu
estremeço. Nenhuma mulher sã esticaria de bom grado os lábios
ao redor daquela besta.

Mas eu quero. Desesperadamente.

Terminando com os laços, ele encontra meus olhos e


empurra para baixo a calça. Sua postura curvada bloqueia
momentaneamente minha visão. Quando ele se endireita, baixa
os braços, completamente nu, e me olha com uma sobrancelha
arqueada.

Seu cabelo está indecentemente despenteado por meus


dedos. Seus dentes pegam o canto do lábio inferior, acentuando
seu rosto de aparência inocente. Mas não tem nada casto na raça
superior que pende entre suas pernas.

O pau mais impressionante conhecido pelo homem projeta-


se para fora, duro e cheio de veias. É muito pesado para subir,
embora tente. Cristo todo-poderoso, ele é pecador. Lindo. Insana
e poderosamente construído da cabeça aos pés. Ele parece bom
o suficiente para comer.

Mudo para a beira do colchão e sento nua diante dele com


os pés no chão. Sem preâmbulos, deslizo meus dedos ao longo de
seu comprimento, acariciando levemente. Sua respiração
aumenta, rápida e superficial, acelerando meu pulso.

Outro golpe e suas mãos voam para o meu emaranhado de


cachos. Ele dá um leve puxão na minha cabeça, pedindo minha
boca, não exigindo. Essa é uma boa mudança.

Baixo para o convés e me ajoelho diante dele.

PAM GODWIN
“Espere.” Ele me ergue para colocar um travesseiro sob
minhas pernas, suas mãos tremendo violentamente quando
voltam para o meu cabelo.

“Alguém já fez isso por você?”

“Já faz muito tempo.” Ele fecha os olhos, a expressão tensa.

“Quanto tempo?”

“Dois anos.”

“Desde que você teve qualquer relação sexual?”

“Sim.” Ele morde a sílaba, a mandíbula cerrada.

Fico emocionada com o pensamento. Isso me fortalece, me


deixa faminta, talvez porque eu despreze a ideia de qualquer
outra pessoa o tocando.

Abaixo minha mão para seus testículos pesados, acaricio a


pele lisa e coloco minha língua contra sua larga coroa. Um
profundo gemido masculino vibra no ar, baixo e contínuo,
enquanto deslizo uma longa e úmida lambida da ponta
rechonchuda à base grossa.

Tremores balançam suas pernas. Os olhos azuis queimam


em mim, e ele reforça seu aperto no meu cabelo. Caro senhor, ele
é lindo.

Espalhando cautela ao vento, coloco a cabeça do pau dele


em minha boca. Ele pressiona, forçando minha língua e dentes a
abrirem espaço. Quando atinge o fundo da minha garganta,
engulo, respiro fundo e começo a chupar.

“Bennnnnnett! Maldita!” Grunhidos saem de sua


boca. Seu peito arfa. Seus dedos se apertam e ele não consegue
controlar o impulso de seu quadril.

PAM GODWIN
Movo com ele, sorvendo e engolindo tanto quanto posso. Eu
me alimento dele com tanta avidez que questionarei minha
sanidade mais tarde.

Quando as primeiras pérolas de sua semente deslizam


sobre minha língua, eu o lambo e chupo mais forte, mais rápido,
extraindo mais essência salgada de sua ponta vazando. Minhas
palmas viajam até a parte de trás de suas coxas e agarram sua
bunda firme. Então eu o empurro mais fundo em minha boca,
lambendo ao longo de seu eixo.

Ele treme, ofega e balança o quadril, sua bunda apertando


com força em minhas mãos. “Vá devagar, maldita.”

Sem chance. Eu o seguro contra mim, despejando cada


grama de experiência e instinto que tenho para colocá-lo de
joelhos.

“Eu não vou durar.” O suor brota em sua testa e sua boca
se abre para exalar a respiração forte. “Agonia absoluta,
mulher. Eu não aguento.”

Sorrio em torno de sua circunferência, balançando minha


língua. Então agarro sua raiz com as duas mãos e acaricio,
sugando-o com força, mais forte, com mais fome, fazendo-o
balançar. Seus sons ficam mais altos, mais selvagens, alertando-
me que ele está perto. Seus dedos do pé enrolam contra a
madeira. Seus dedos cravam em meu couro cabeludo e o impulso
de seu quadril perde o ritmo.

Eu me afasto, deixando-o sair dos meus lábios.

Ele solta um rosnado furioso e tenta me puxar de volta. Eu


me abaixo e saio de seu alcance.

“Traga sua bunda de volta aqui.” Ele aperta a base do seu


pau, olhando para mim.

PAM GODWIN
“Eu acho...” Levanto de um salto e recuo. “Eu não te
perdoo.”

“Bennett.” Um baixo rosnado de advertência. “Não


terminamos.”

Com o coração acelerado, levanto e fujo da cabine de


dormir.

Passos correm atrás de mim. Eu ficaria desapontada se


eles não tivessem.

Passando pela mesa e entrando na cabine de jantar, dou


uma volta completa ao redor da mesa antes que o longo alcance
do seu braço agarre minha cintura. Meus pés deixam o chão, e
ele me gira, lutando contra meu corpo até que estou pressionada
contra ele, peito contra peito.

“Peguei você.” Ele me segura com força, sua boca a um


beijo de distância.

“Deixei-me.” Envolvo meus braços e pernas em torno da


coluna alta do seu físico e mexo meu quadril, provocando-o.

Ele agarra seu pau, onde lateja sob minha coxa, e coloca a
ponta na minha abertura lisa. “Você me perdoa.”

“Só se você usar o outro buraco desta vez. E é melhor fazer


isso direito, Ashley Cutler.”

Sua boca bate na minha e ele se empurra para dentro.

Eu choramingo com a intrusão de alongamento, ofegando


incontrolavelmente no momento em que ele encaixa toda aquela
espessura ao máximo. Oh, a plenitude flutuante, as estrelas
explodindo, o estado final de êxtase... devo ter ouvido anjos
cantando.

PAM GODWIN
Ele geme. Estremeço e seus braços se apertam ao meu
redor, os olhos fixos nos meus. Nossos lábios se separam, mas
permanecem próximos, pairando em um quase beijo.

Ele puxa o quadril e empurra lentamente de novo, cavando


todo o caminho. Eu o sinto pulsando e aquecendo contra minhas
paredes, e isso traz outro arrepio glorioso, outra onda de
formigamento percorrendo meus membros.

Nossas testas se juntam, nossos corpos travados da


maneira mais íntima. Além do tremor e da respiração pesada,
nenhum de nós se move. Algo nos prende em sua névoa. Algo
grande, profundo e assustadoramente monumental. Eu não
consigo ver, mas é flagrante, ensurdecedor, latejando em meus
ouvidos.

Diz-se que o instinto é cego. O mesmo acontece com o


amor. Ambos estão sobre nós e, embora o fim não seja
compreendido, compreendo a conexão e sei que é extraordinária.

“O que você está fazendo comigo?” Ele respira contra


minha boca.

“A mesma coisa que você está fazendo comigo.”

“Você sente isso.” Ele empurra sua pélvis com força contra
a minha. “Estou dentro de você,
senhora. Profundamente. Completamente.” Sua voz está rouca,
rouca de necessidade. “Você está bem?”

Não, eu não estou bem ou boa ou nada bem, e isso é


perfeito. Isso é perfeito. Ele está fazendo certo, cuidando, me
mostrando respeito e me olhando nos olhos.

“Foda-me, meu senhor.” Passo meus dedos ao longo de sua


mandíbula de pedra. “Estou pronta para seus modos
inadequados.”

PAM GODWIN
“Bom, porque você é muito agradável para eu agir como um
cavalheiro. Espero que não esteja cansada.”

“Isso pararia você?”

“Nem um pouco.” Com os pés plantados e as costas retas,


ele começa o ritmo de outros tempos, deslizando o pau para
dentro e para fora, movendo-se com naturalidade, impulsividade,
impulsionado por aquilo que está por trás do coração de cada
homem. Fome sexual.

De pé como estou, ele não cambaleia ou vacila de fadiga,


atestando a maestria graciosa de um marinheiro acostumado a
usar sua força e equilíbrio no convés rolante de um navio de
guerra.

E o homem pode se mover. Empurrando em um ritmo


sensual, ele gira seu quadril e trabalha meu corpo em golpes
medidos. Ofegos sem fôlego saem de meus lábios, e ele se
alimenta deles, me beijando, observando e deixando em chamas.

Gradualmente, nossa paixão se transforma em uma chama


rugindo. Minhas mãos agarram suas costas, minhas unhas
afundando na carne musculosa enquanto eu me agarro a ele,
mordendo e gemendo com minhas pernas firmemente presas em
sua cintura.

Ele me fode mais forte, mais profundo, aumentando minha


necessidade de conclusão. Arqueio para encontrá-lo, segurando
seu olhar enquanto minhas entranhas convulsionam com uma
violência que me abala profundamente. Ele está ali comigo, seus
beijos perdendo a precisão e caindo na selva da loucura.

Quando suas pernas começam a tremer, ele gira, e minhas


costas batem na parede mais próxima, fazendo
um barulho estremecer meus lábios. Sua mão achata a parede, e
ele usa a alavanca daquela superfície dura para criar um túnel
dentro de mim com selvageria desenfreada.

PAM GODWIN
Sentidos intensificados. Dedos em garras. Os olhares se
fixam, e explodimos em urgência, possuídos pela paixão,
apertando e segurando, lábios chegando e saindo.

Minha visão turva e um ruído primitivo sai da minha


garganta.

“Eu vou gozar.” Eu me abaixo em seu pau, tentando


retardar a conclusão.

“Estou com você. Jesus Cristo, Bennett. Eu estou...


porra...” Ele estremece, perde o fôlego.

Atinjo o pico. Ele segue, e continuo gozando, lançando


meus gritos altos e fortes enquanto canto seu nome e olho em
seus olhos.

Assistir ele desmoronar é a coisa mais erótica que já


vi. Gemidos masculinos assopram passando pelos dentes
cerrados, sua cabeça jogada para trás e cordas esticadas ao longo
de sua garganta.

Eu o sinto liberando, a pulsação intensa do seu pau contra


meus músculos e a lavagem de fluido derretido jorrando
profundamente. Ele segura meu olhar e me agarro com força na
flexão de seus braços, balançando em meu corpo como se
estivesse tentando ordenhar seu prazer até a última gota.

Então ele solta um murmúrio baixo de homem exausto e


completamente satisfeito.

“Incrível.” Ele desliza a mão no meu cabelo, me beija


preguiçosa e profundamente, passando a língua pela minha
boca. “Nada se compara, Bennett. Nada.”

Difícil de argumentar. Eu me sinto tão pacificamente


contente. Não tenho espaço para arrependimento. Nem mesmo
os pensamentos de Priest podem destruir o momento.

PAM GODWIN
Ashley continua a me segurar contra a parede, suas mãos
percorrendo meu rosto e ao longo das curvas do meu corpo.

“Eu ouso dizer...” Ele empurra seu quadril, ainda cheio e


muito forte dentro de mim. “Você vai suportar minhas maneiras
impróprias para outra rodada. E mais algumas depois disso.”

Ele não está brincando.

Enquanto me carrega em direção ao quarto de dormir, para


na cabine diurna e me fode na mesa. Depois, quando me arrasto
para a cama, ele agarra meu quadril e me pega por trás.

Após vários orgasmos, minha audição fica confusa e meus


músculos perdem a coordenação. Quaisquer limites que meu
corpo possa ter imposto são erradicados pela resistência infinita
de um Comodoro treze anos mais velho.

Seus tensos suspiros masculinos de esforço não são


confiáveis. Justamente quando acho que ele está exaurido, ele
me quebra de novo.

Quando o sol atinge o topo da grade da varanda, dedos


rosa-amarelados de luz rastejam sobre nossos membros
emaranhados e suados. Deitamos nus de lado, cara a cara,
murchando na suavidade de um novo dia.

Ele enrola uma mecha do meu cabelo em volta do dedo,


olhando para mim com o sorriso de um lobo saciado.

Isso faz meu coração dançar, e não posso evitar de tocar


aquela boca curva. “Então é assim que você fica quando sorri.”

“Eu não tenho... experimentado isso há muito tempo.”

“Sorrir?”

“Sentir. Você me faz sentir de novo.”

“Por que você parou?”

PAM GODWIN
“Títulos. Patentes. Responsabilidade.” Seu olhar percorre
meu rosto. “Mas você... com suas palavras não ensaiadas, toques
ousados, contato visual feroz, beleza crua e indomada... Deus me
ajude, tudo em você é uma libertação tão bem-vinda da ordem
rígida e tediosa da minha vida.”

“Então mude.”

“Mudar…?”

“Sua vida. Remova as coisas que o prendem. Você pode


fazer o que quiser.”

“Como sua mãe fez?” Ele pergunta gentilmente. “Ela era


filha de um conde, e uma vez, ignorou as regras e seguiu seu
coração. Como isso funcionou para ela?”

Meu estômago endurece. Em quatorze anos, nunca a vi


sorrir. Ela estava total e completamente miserável. Por causa do
seu erro. Por minha causa.

Engancho minha perna sobre seu quadril. “Já esteve


alguma vez apaixonado?”

“Estou noivo.”

“E?”

“É um contrato sensato. Um negócio. O amor é


desnecessário e, francamente, indesejado.”

“Você é um idiota.”

Suas sobrancelhas formam um V zangado. “Cuidado…”

“Certamente você vê a estupidez grosseira em abandonar


sua felicidade por aquilo que é percebido como sensato. A
nobreza como noção é objetiva e impessoal. Que doutrina horrível
para se viver. Da minha posição, os aristocratas roubam o prazer
do mundo.”

PAM GODWIN
“Diz a mulher que escolheu uma carreira perigosa que a
coloca constantemente em fuga. Diga-me, Bennett. Em sua vida
além do alcance das leis e restrições sociais, você tem sido feliz?”

Eu fui feliz por um ano. Nos braços de um libertino.

“Não.” Suspiro, sentindo a pressão da exaustão. “Mas pelo


menos sou livre para amar quem eu quiser.”

Mas não sou livre.

Sou uma prisioneira, enfrentando um fim incerto.

Como se lesse minha mente, ele enfia minha cabeça sob


seu queixo e acaricia meu cabelo. “Você precisa dormir.”

“Eu não posso.”

“Tudo certo.” Ele solta uma respiração lenta. “Então vou


lhe contar uma história verdadeira.” Ele se inclina para trás e
passo um nó dos dedos ao longo do meu queixo. “Eu conheci seu
pai.”

“O que?” Meus olhos se arregalam, meu pulso


martelando. “Quando?”

“Eu tinha mais ou menos sua idade, então... treze anos


atrás. Eu era sargento na época, tirando uma breve licença em
Nassau com alguns amigos.” Seu polegar descansa contra meu
pescoço, acariciando suavemente. “Ele estava em um bordel.”

Minha garganta convulsiona.

“Estava sentado em uma taverna, e foi onde o vi, sentado


sozinho, olhando para uma caneca de cerveja, enquanto seu
bando de canalhas gastava seu dinheiro com mulheres pintadas.”

“Você sabia quem ele era?”

PAM GODWIN
“De fato. Todo mundo sabia. A ilha foi mais ou menos
invadida por piratas na época, e eu era apenas um soldado inglês
entre dezenas de bandidos naquela taverna.”

“O que você fez?”

“Sentei-me ao lado dele no bar.” Seus lábios se


contraem. “E ele me pagou uma bebida.”

Meu coração incha e uma queimadura de formigamento


sobe aos meus olhos. “Você falou com ele?”

“Não. Ficamos sentados em silêncio, apenas dois


marinheiros desfrutando de suas bebidas.” Ele tira uma mecha
de cabelo do meu rosto. “Mulheres se aproximaram dele,
concubinas e mulheres igualmente, e ele rejeitou todas elas. Ele
não estava lá para isso.”

“Ele amava minha mãe.”

“E a filha dele.” Ele beija minha testa, meu nariz, meus


lábios. “É hora de fechar os olhos.”

Quando começo a dormir, seu sorriso sensual é a última


coisa que vejo.

Quando acordo no final da tarde, é a primeira coisa que


enche minha visão. Ele deitado ao meu lado na posição, como se
nunca se moveu.

“O que você está fazendo?” Bocejo, esticando meu corpo


abusado amorosamente.

“Minha segunda atividade favorita.”

“Olhar eu dormir?”

“Sim.” A deliciosa curva de seus lábios se aprofunda


quando ele rola em cima de mim, nós dois nus, e abre minhas
pernas com seu quadril.

PAM GODWIN
“Qual é a sua primeira atividade favorita?”

Ele alcança entre nós e separa as dobras umedecidas entre


minhas coxas com a cabeça de sua ereção. Então ele afunda
lentamente, me mostrando o que prefere acima de tudo.

Não saímos de seus aposentos privados nos dois dias


seguintes. Comemos, tomamos banho, dormimos. E
fodemos. Fizemos amor. Duro e suave, lento e raivoso,
preguiçoso e apaixonado. Em todas as posições, inferior e
superior, anterior e posterior. Na cama, nas cadeiras, sobre a
grade, contra as paredes, no chão, se a superfície é forte o
suficiente para nos sustentar, nós a quebramos.

Estamos tão presos um ao outro, que perdemos a noção do


tempo, perdemos nosso rumo, perdemos nosso senso de fim. No
fundo da minha mente, eu sabia que isso aconteceria. New
Providence não pode estar a mais de um dia de viagem.

Estou neste navio por doze dias. Tempo suficiente para


Priest capturar um veleiro veloz, assumir seu comando e alcançar
o HMS Blitz.

Eu sei em meus ossos que ele está perto. Também sei que
é hora de pressionar Ashley sobre o que preciso fazer a
seguir. Seja o que for. Não tenho um plano e isso me apavora.

Tínhamos nos vestido a contragosto naquela manhã,


sabendo que um terceiro dia isolado em seus aposentos privados
levantaria suspeitas.

Sentada em seu colo, termino um café da manhã tranquilo


com ele, minha barriga cheia de bolinhos de amêijoas e biscoitos
de leite azedo com geleia de amora. Largo meu guardanapo e
respiro fundo.

“Ashley...” Eu me mexo em suas coxas duras e encontro


seus olhos deslumbrantes. “Nós precisamos…”

PAM GODWIN
Seus lábios se contraem, seu olhar mergulhando. “Você
tem... algum...” Ele desliza um dedo ao longo do canto da minha
boca. O dedo entra em sua boca e ele o lambe, lançando-me um
sorriso inocente. “O que?”

Eu ia dizer algo, algo importante, mas meu cérebro quebra.

“Doçura.” Ele ainda está olhando para meus


lábios. “Viciante.”

Então ele coloca seu sorriso lá e me beija até perder os


sentidos. Enrolo meus dedos em seus cabelos e cedo sob sua
boca irresistível. Como eu poderia fazer de outra forma? Estou
recolhendo seus sorrisos por dois dias. Sorrisos que ele dá para
mim e mais ninguém. Cada um me faz sentir que tudo é possível.

Até que uma batida urgente bate na porta.

“Lorde Cutler?” O sargento Smithley chama do outro


lado. “O Tenente Wallers está aqui com notícias urgentes.”

Meu pulso explode. É notícia de um saveiro se


aproximando? Priest foi localizado?

Ashley se levanta abruptamente, segurando minha cintura


até que eu encontre meus pés. Ele dá uma rápida inspeção em
meu vestido, passa a mão pelo cabelo e se vira para a porta.

Ombros retos, mãos cruzadas em suas costas, pés


separados, expressão em branco, a mudança do seu
comportamento o transforma completamente de cima a baixo em
menos de um segundo. Eu tinha esquecido como é estar com o
Comodoro de boas maneiras. E senti vontade. Sua presença
severa sufoca o ar.

“Entre, Tenente.” Sua voz aristocrática me faz estremecer.

Um homem mais velho com uma peruca branca entra e


coloca a mão na testa enrugada. “Bom dia, meu senhor.”

PAM GODWIN
“Bom dia, Tenente. Que novidades você traz?”

“Um navio se aproxima da proa de bombordo.”

Respiro rápido e silenciosamente agarro a grade superior


da cadeira ao meu lado.

“Um dos nossos.” Wallers baixa a mão. “Uma bandeira de


comando está hasteada no topo do mastro galante.”

“Qual bandeira de comando?”

“Almirante do Esquadrão Branco, meu senhor.”

“Sir John Dycker.” Os dedos de Ashley se contraem ao seu


lado.

“Quem?” Pergunto baixinho.

Ele finge não me ouvir enquanto pega sua túnica azul e a


veste. “Prepare-se para recebê-lo e seus tenentes.”

“Sim, meu senhor.”

Wallers sai, fechando a porta atrás de si.

“Quem é John Dycker?” Seguro o braço de Ashley,


assustada com a tensão em seus músculos.

“Almirante do HMS Ludwig. Meu superior.” Ele se afasta e


agarra o chapéu, seu tom calmo, sem emoção. “A hora da
diversão acabou.”

Ele se dirige para a saída.

“Ashley.” Meu coração dói enquanto espero que ele se


vire. Quando nossos olhos se conectam, eu grito mais alto, minha
voz feroz. “Mude seu curso e me liberte. Essa é
a nossa felicidade. Sua e minha. Pegue.”

PAM GODWIN
“Eu não posso.” Ele abre a porta e sai em um borrão de
azul royal. “Sargento, acompanhe a Srta. Sharp para a parte
superior, por favor.”

Ele desaparece no corredor, sem olhar para trás para


minha expressão fraturada.

PAM GODWIN
TRINTA E QUATRO

Existe três coisas certas na vida, decepção, morte e a


apresentação pomposa do almirantado inglês.

Sir John Dycker desfila no convés superior do HMS Blitz,


sem prestar atenção aos tambores, flautas estridentes e canhões
retumbantes que iluminam o céu nublado em sua homenagem.

Sua posição superior permite que ele caminhe entre esses


homens como se fosse o próprio rei. Adornado com ricas sedas,
brocados e bordados de ouro e azul, ele cheira a riqueza e status.

Filas de soldados estão em perfeita formação ao meu redor,


olhando para o almirante com espanto e grande temor.

Enquanto os marinheiros me escoltam para cima, ouço


seus sussurros sobre o tipo de disciplina que Sir Dycker
aplica. Um sargento afirma que o almirante carrega uma bengala
de vime para poder bater na cabeça de tripulantes que se movem
lentamente. Outro disse que Dycker é conhecido por fazer seu
homem de classificação mais baixa correr em desafio, forçando-o
a andar nu entre linhas paralelas de soldados enquanto todos
açoitam suas costas com chicote.

Ashley tem uma ideia melhor do que a maioria de como seu


almirante governa os homens, mas sua expressão não revela

PAM GODWIN
nada. Ele para à minha direita no final da fila com uma fileira de
tenentes nos separando. Sou arrastada para trás como se minha
presença colocasse uma mancha moral no processo.

Observo Ashley pela periferia, apenas olhando em sua


direção quando tenho certeza de que ninguém percebe. Mas ele
nunca encontra meus olhos ou reconhece minha existência de
qualquer forma. Lembro-me que ele é o comodoro deste navio e
esta é a sua máscara. O verniz que ele usa entre seus homens.

No fundo, entretanto, não acredito que isso seja tudo. Algo


mudou entre nós no instante em que bateu sua porta.

Esse algo tem a ver com HMS Ludwig.

O navio do almirante é uma visão impressionante onde está


apoiado na amura oposta. Sob um céu cheio de nuvens, seus
mastros imponentes erguem-se protetoramente sobre o mar, as
portas de armas abertas para respirar a brisa preguiçosa.

O próprio almirante não é nada. Ele tem uma cabeça mais


baixa do que o homem mais baixo a bordo. No entanto, ele usa a
peruca mais alta e calça de cintura mais alta que eu já vi. Talvez
uma tentativa de compensar sua falta de altura.

O homenzinho de lábios rígidos tem cerca de quarenta anos


e, de fato, carrega uma bengala, que carrega um anel em seu dedo
médio grosso.

Talvez ele seja um marido amoroso, comandante generoso


e um sujeito decente, mas não gosto dele imediatamente. Não sei
porque. Apenas um sentimento no meu interior.

Ashley o cumprimenta com toda a formalidade exigida, e


eles iniciam uma discussão sobre o propósito de Dycker
aqui. Escuto pedaços da conversa sobre o rugido das
ondas. Evidentemente, Dycker foi enviado da Inglaterra para
Nassau a pedido sincero do governador da colônia para realizar

PAM GODWIN
uma conferência sobre algum assunto privado. Isso está agora
concluído e HMS Ludwig está a caminho de voltar para casa.

Quando é a vez de Ashley explicar seu paradeiro, ele fala


dos quarenta piratas que capturou e atualmente mantem sob
controle. Em seguida, ele menciona o Feral Priest que logo iria
capturar em New Providence antes de embarcar de volta para a
Inglaterra.

O olhar do almirante vaga em direção ao mar como se


tivesse perdido o interesse nos planos de Ashley. Quando sua
atenção volta, ele fica imóvel. Sua cabeça se vira e seus olhos
pousam diretamente em mim.

Afastando-se de Ashley sem dizer uma palavra, ele


caminha até a linha de soldados e para diante dos homens que
estão na minha frente. “O que é isso?”

A multidão de marinheiros se separa, colocando-me


totalmente à vista da inspeção do almirante.

“Uma prisioneira, meu senhor.” Ashley não se move de sua


posição ou olha na minha direção.

“Este pequeno doce encantado é uma prisioneira?” As


gotas brilhantes dos olhos castanhos de Dycker dançam sobre
mim, fazendo minha pele formigar de inquietação. Então ele se
aproxima, estendendo a mão para tocar meu cabelo.

“Cuidado com os dedos, meu senhor”, Ashley diz. “Ela


morde.”

Aperto meus dentes. Portanto, sua


senhoria está observando. Não poderia dizer, dado o jeito que ele
olha para frente como se não pudesse suportar a visão de mim.

“Ela é filha de Edric Sharp.” O sotaque de Ashley engrossa


com algo semelhante ao orgulho. “Bennett Sharp.”

PAM GODWIN
“Muito bem, Lord Cutler. Um ótimo prêmio, de
fato.” Dycker me dá outra avaliação arrepiante. “Mas por que, por
favor, diga, por que ela não está confinada no porão com os
outros?”

“Desejo entregá-la viva e inteira à Inglaterra. Meu domínio


está abarrotado de selvagens. Ela durou menos de um minuto lá
antes que eles estivessem sobre ela.”

“Eu entendo. Então ela está dormindo onde?”

“Em meus aposentos, meu senhor.” O tom de Ashley


endurece, carregado de desafio.

“Meu Deus, isso é altamente irregular.”

“Assim como a captura de uma mulher pirata.”

“É inconcebível. Intolerável.” Dycker bate com a bengala


com força nas tábuas. “A Marinha Real não dirige um bordel a
bordo de seus navios. Se o Primeiro Lorde do Almirantado souber
disso...”

“Ele entenderia meu dilema e apreciaria minha disposição


de ser flexível.”

O ar se estica com tensão nervosa. Ansiedade ondula da


fileira de soldados e acelera minha própria respiração.

“Acontece.” Dycker funga. “Não há mais necessidade de


você ultrapassar os limites da propriedade e arriscar sua
reputação. O porão da minha nau capitânia está vazio. Vou
transportar esta prisioneira para a Inglaterra em seu lugar.”

Minha objeção explode em um suspiro lamentável e


horrorizado que rapidamente se transforma em um rosnado
enfurecido. Um sorriso malicioso aparece no rosto de Dycker.

PAM GODWIN
A mão de Ashley se fecha e solta ao seu lado. “Agradeço a
oferta, mas ela é minha prisioneira. Assim, pretendo entregá-la
pessoalmente e receber o devido reconhecimento.”

Meu coração encolhe. Ele quer sua promoção. Claro, ele


quer. E talvez uma parte dele queira me manter por perto durante
toda a viagem para que ele possa continuar a usar meu corpo até
que me entregue ao carrasco. Pode haver uma parte ainda menor
dele que deseja me manter para sempre. Mas no final, quando for
forçado a decidir entre sua carreira e minha vida, sei que ele não
me escolherá.

Meus pensamentos se voltam para um lugar escuro, que


pinta o mundo aristocrático em tons de vermelho líquido.

Dycker se volta para Ashley. “Estamos a apenas um dia de


New Providence. Não tenho espaço para confinar quarenta
prisioneiros, mas posso segurar a mulher enquanto você captura
seu pirata selvagem. Vou tirá-la de suas mãos e ancorar ao longo
da costa leste de Eleutera, a apenas algumas horas daqui.” Ele
empurra o queixo na direção sudoeste. “Esperarei por você lá e,
quando voltar, navegarei em consorte com seu navio de volta à
Inglaterra. Lá, você pode pegar sua prisioneira do meu porão e
entregá-la às autoridades você mesmo.”

Paro de respirar, meu pulso tremendo e o olhar travado no


homem que segura meu coração e minha vida em suas mãos.

Sua expressão não mostra vincos, tensão, nem uma


contração de cílios enquanto ele fala com voz firme e
despreocupada. “Muito bem, meu senhor. Estou muito grato por
sua ajuda.”

“Excelente.” Dycker estala os dedos para os tenentes atrás


dele. “Transporte-a para a nau capitânia. Depressa.” Ele se volta
para Ashley. “Que tal uma bebida em seus aposentos? Gostaria
de ouvir a história de como você capturou a filha de Edric Sharp.”

PAM GODWIN
“Seria uma honra.” Ashley se vira e conduz o almirante até
a escada.

Tudo dentro de mim grita, implorando para que ele


encontre meus olhos e me assegure de que tem um plano, um
que não acaba conosco. Assim não.

Mas ele não faz isso. Ele não olha, não tenta me enviar uma
dica ou me dar um sinal. Nada.

Isso machuca. Deus, feridas doem muito mais do que


pensei que poderia. Isso nem parece um adeus. Apenas me
sinto... esquecida.

Dedos se enrolam em meus braços e me puxam em direção


à popa, onde a escada para o barco alegre espera. Lutar contra
minhas escoltas e as centenas de outros homens armados ao
meu redor apenas aceleraria minha execução. Não tenho escolha
a não ser obedecer.

Quando sou conduzida para fora do HMS Blitz, giro o


pescoço, tentando encontrar Ashley entre os soldados
dispersos. Quando o vejo, são apenas suas costas, onde ele
desaparece no convés. Ele não olha para trás para me ver, não
espera para me ver sair do seu navio e de sua vida.

Quando deslizo pela amurada e desço a escada, não posso


sentir os degraus sob minhas mãos. Enquanto sou levado a remo
até a nau capitânia, não consigo ouvir as ondas por causa do
bater do meu coração. Enquanto subo a bordo de minha nova
prisão, não consigo ver o horizonte através da mancha borrada
de umidade em meus olhos.

Priest não saberá onde me procurar. Este não é o navio que


ele está caçando.

Cada plano que fiz para escapar está em ruínas.

PAM GODWIN
Porque eu me apaixonei por outro homem que nunca me
escolheria primeiro.

A desolação que consome tudo, é insondável, arrastando-


me para as profundezas insondáveis do mais escuro abismo. E
isso não é nada comparado ao que está por vir.

Mal sabia eu, tinha acabado de ser entregue a um inferno


que ultrapassaria os próprios limites que uma alma humana
poderia suportar.

PAM GODWIN
TRINTA E CINCO

Sou imediatamente colocada sob o convés por dois dos


tenentes do almirante, que parecem irmãos com suas expressões
severas e perucas brancas. Eles me tratam com menos cuidado
do que alguém daria a uma cabra enquanto me chutam,
empurram e me arrastam para o porão.

Esperava um tratamento duro, mas não o que acontece a


seguir.

Um pedaço de pano é colocado em minha boca. Uma coleira


de ferro envolve meu pescoço, presa a uma corrente. Algemas são
colocadas em meus pulsos e tornozelos. Minhas botas
saem. Então sou despida até a minha pele.

Eles não se preocupam com os laços do meu corpete e


espartilho. Lâminas de aço rasgam o tecido, removendo o vestido
em tiras. Felizmente, eles deixam a pedra de jade da gargantilha
na minha garganta. Talvez porque não o tenham visto por baixo
da gola de ferro.

Meu estômago despenca enquanto estou diante deles, nua,


amordaçada e tremendo no calor sufocante do clima, presa na
barriga sem ar da nau capitânia.

PAM GODWIN
As algemas de perna e braço conectadas por uma corrente
curta, me impedindo de levantar as mãos ou remover a
mordaça. Por que eles acham que preciso ser restringida tão
drasticamente? E sem minha roupa?

Talvez eu possa ultrapassar eles pelo porão, escalar a


escada, escalar a escotilha trancada aqui. Então o que? Eu não
consigo me esgueirar por vários decks sem ser detectada. Mesmo
se eu chegasse lá em cima, para onde iria? Pular no mar é apenas
uma opção para quem prefere a morte à vida.

Isso é uma possibilidade? Eu chegaria a um ponto em que


prefiro morrer do que suportar o que quer que me espere aqui?

Minha apreensão aumenta enquanto eles me escoltam em


direção a uma porta no porão atrás do mastro principal. Ela se
abre sem uma fechadura e eles me empurram para o espaço
totalmente escuro.

Recebo em minhas narinas uma saudação como nunca


havia experimentado em minha vida. O fedor repulsivo sobe a bile
para minha garganta e a mordaça impede que eu respire pela
boca.

Uma bota implacável me derruba no convés, e as próprias


tábuas cheiram a coisas horríveis, excremento, desespero,
morte. Fico tão insuportavelmente enjoada com o cheiro que não
consigo me concentrar além da vontade violenta de vomitar.

Até que trazem uma lanterna para o compartimento.

O brilho não se estende até o canto. Mas o limite de luz que


alcança...Oh, Deus misericordioso, eu gostaria que não tivesse.

Pernas esqueléticas estendidas na escuridão,


ensanguentadas, imóveis, humanas, femininas. Meu estômago
se revira dolorosamente quando o oficial com a lanterna se vira
naquela direção e ergue a luz, iluminando a carga.

PAM GODWIN
Três mulheres africanas nuas estão deitadas de costas,
olhos vidrados olhando para o convés acima. Seus corpos
abatidos estão contidos da mesma maneira que eu, só que elas
não se movem. Não consigo respirar.

O abdômen de uma delas se projeta com uma pequena


protuberância redonda. O inchaço inegável de um bebê que
nunca nascerá.

Um gemido baixo e inevitável irrompe contra o pano em


minha boca. Lágrimas ardem meus olhos. Tremores tomam
conta de meus membros e o medo gelado se instala como ferro
em meu estômago.

Eu sabia que seria transportada para a Inglaterra para ser


enforcada, e se minha morte não fosse pior do que a morte, eu
poderia ter enfrentado isso com alguma aparência de coragem e
clareza. Mas minha situação não é tão misericordiosa.

Enquanto observo as cicatrizes e feridas abertas que


cobrem as mulheres, as camadas de hematomas horríveis em
suas coxas, sou forçada a reconhecer exatamente o que me
atacará antes de rastejar para fora deste buraco. Se eu rastejar
para fora.

Os soldados avançam em direção aos corpos e chutam as


pernas entorpecidas. A mulher de aparência mais jovem está em
um estado de rigor, sugerindo que ela morreu recentemente. A
que está ao lado dela encolheu a um estágio de morte que está
além do reconhecimento humano. A terceira…

“Continua viva.” O homem chuta novamente, provocando


uma contração muscular repentina do corpo da grávida, que
agora mostra sinais de respiração.

Cabelo preto emaranhado cai sobre seu rosto em tufos,


mas seus olhos estão lá, brilhantes e desesperados, olhando
diretamente para mim enquanto ela tenta levantar um braço para

PAM GODWIN
se defender. Eu me arrasto em direção a ela, desajeitadamente e
ineficazmente com meus tornozelos e pulsos algemados como
estão, e me jogo na bota do soldado. Uma decisão tola, pois o
próximo chute me lança contra a parede.

Bato com tanta força que manchas pretas roubam minha


visão. Dor infiltra em meu crânio, e um toque alto engole minha
audição. Escalo através da névoa, agarrando-me à
consciência. Depois de várias tentativas de me sentar, a agonia
se dissipa e minha visão volta. Mas chego tarde demais.

Do outro lado do porão, um dos soldados segura a cabeça


da mulher grávida em um balde d'água. Grito contra minha
mordaça, lutando contra ela enquanto seus braços se agitam
fracamente, inutilmente. Então ela cai mole.

Morta.

Se foi.

Ela sofreu a poucos metros de distância, e fui incapaz de


impedir.

O horror que inunda meus sentidos é diferente de qualquer


um que veio antes. Meus pulmões queimam com os suspiros
frenéticos da minha respiração superficial. Minha mandíbula
cerra com tanta força que não consigo destravá-la, e a dor no
peito e na garganta tentam apagar minha consciência.

Eu sei que esse nível de mal existe. Eu o vi sob o corpo no


cio do marquês de Grisdale. Eu senti isso nas histórias de Jobah
sobre seus meses a bordo de um navio negreiro. Inferno, batalhei
em alto mar em todas as formas de demônios e monstros.

Mas afogar uma mulher moribunda indefesa sem razão ou


preocupação? Minha mente não consegue processar isso. Minha
alma não aguenta.

PAM GODWIN
Fico em um estado de choque traumático, olhando para
seus corpos sem vida.

E eu serei a próxima.

Antes de chegar à costa da Inglaterra, seria quebrada de


uma maneira tão selvagem que provavelmente morrerei por
causa disso. Assim como aquelas mulheres antes de mim.

Como não estou acostumada a usar ferros, naturalmente


temo essa imposição específica, pois os oficiais voltam sua
atenção para mim. Se eu tivesse torcido meus braços, iria para
as facas em seu quadril. Mas eu não posso e, além disso, ainda
tem a coleira em volta do pescoço para lutar, que agora eles
prendem a um gancho na parede e trancam com uma chave de
parafuso.

Então, para minha surpresa e alívio, eles vão embora.

A porta se fecha e fica a absoluta ausência de luz ao meu


redor. Dentro da escuridão terrível está a podridão de calor lento,
o ranger de um navio desconhecido e os corpos de minhas
companheiras de cela.

O odor de decomposição vive muito nesta sepultura,


habitando suas paredes, surgindo do convés e flutuando na
atmosfera. Uma morte antiga, o aroma sufocante confinado,
tornando o ar impróprio para respirar.

Presa neste lugar abandonado, compartilhando este


pesadelo com três mulheres que eu nunca conhecerei... É
inenarrável. Inexprimível. Cada centímetro de mim treme,
sacudindo as correntes enquanto meu coração grita de tristeza.

As mulheres estão em um lugar melhor agora. Onde quer


que seja, tem que ser mais fácil do que o que elas suportaram
neste buraco. Ainda assim, eu gostaria que elas tivessem
sobrevivido. Daria qualquer coisa para tê-las aqui para que eu

PAM GODWIN
pudesse dizer a elas que passaríamos por isso, dominaríamos
nossos captores e escaparíamos deste navio dos horrores.

Eu teria acreditado nessas palavras por elas. Teria jurado


salvar suas vidas com cada respiração em meu corpo.

Mas sou só eu, sozinha. Não sei fazer promessas corajosas


para mim.

Embora os soldados tenham me deixado inviolada, eu


ainda temo ser levada à força e estuprada até a morte. Eles
parecem e agem como se fossem capazes de tal crueldade
brutal. Não apenas com as africanas, a quem os ingleses não têm
escrúpulos em escravizar e abusar. Mas também comigo. Acho
que eles valorizam a vida de um pirata tanto quanto de um
escravo e me tratam com selvageria equivalente.

No escuro, contorço meu corpo para colocar meu rosto


perto de minhas mãos e pés, para que possa usar meus dedos
para tirar a mordaça de minha boca. Então, cedo a uma
necessidade irresistível de me mexer em direção a minha
companheira recentemente falecida. Quando a encontro na
escuridão desolada, coloco minha bochecha em sua mão ainda
quente nas algemas.

E choro.

Essas mulheres foram roubadas de um lugar de inocência


e liberdade e, de forma bárbara e cruel, levadas a um estado de
horror e escravidão. Elas foram perdidas para seus queridos pais
e parentes, e eles para elas. Ninguém sabe que elas estão mortas,
exceto eu e o mal que causou seu sofrimento.

Tudo que posso oferecer a elas são minhas lágrimas, e elas


não servem, pois não existe mais esperança para elas.

Eu tenho pouca esperança por mim.

PAM GODWIN
Meus pensamentos abandonados ficam mais turvos à
medida que o tempo fica estagnado no abismo sufocante. Já
passaram horas? Dias, talvez. Eu senti a nau capitânia se
levantar de sua atracação há muito tempo e sei que já navegamos
para a costa de Eleutera.

Como uma tortura adicional, penso em como será a


próxima de Jade. Eu enviei Reynolds para Harbor Island, que fica
na ponta norte de Eleutera. Se a nau capitânia ancorasse perto
da costa, eu poderia nadar e caminhar até lá. Quanto tempo
Reynolds esperaria por mim?

Há quanto tempo esperamos aqui pelo retorno de Ashley?

Ele está caçando o pirata que o caçava. Como isso


terminará? Enquanto Ashley invadir o bordel em New Providence
à procura de Priest, Priest irá se esgueirar a bordo do
HMS Blitz no porto? Ele mataria Ashley quando soubesse que eu
estava presa em outro lugar? Ou ele morreria durante o
confronto, cercado por centenas de soldados de Ashley?

Isso me apavora mais do que qualquer coisa.

Foram minhas escolhas na vida que trouxeram essa


situação para mim. Não do Priest. Se ele morresse tentando me
resgatar, a culpa me destruiria. A possibilidade de qualquer dano
acontecer a ele ou a Ashley leva meu pulso a um pânico
desesperador.

Desde o momento em que Ashley me entregou, no jeito


brutal, mas elegante da Marinha Real, me mandou para este
buraco da morte, a dor que sinto ainda aperta meu
coração. Embora minhas lágrimas por sua rejeição já tivessem
diminuído há muito tempo.

Eu não posso culpá-lo por fazer seu trabalho ao


máximo. Eu também não posso acusá-lo de traição, pois ele
nunca me prometeu liberdade, felicidade ou mesmo

PAM GODWIN
vida. Quantas vezes ele me disse que eu seria julgada? Ele
especificamente me avisou que me machucaria novamente.

Não houve truques ou mentiras de sua parte. Ele


expressou exatamente como isso iria terminar e cumpriu sua
palavra.

Eu o odeio por isso. Desprezo-o até o fundo do meu


coração. Não tenho escolha. Preciso de uma saída para minha
raiva impotente, e ele é isso. Quanto mais fico sentada na
escuridão solitária, mais meus pensamentos sofrem por isso, até
que um infortúnio desenvolve outro e outro e outro e...

Para meu horror, os dois tenentes voltam.

Eles forçam o pano de volta na minha boca. Uma gravata


está enrolada em volta dos meus olhos e cabeça, dificultando
minha visão. Então sou transportada do buraco fedorento para
um ar mais fresco. Eles não me levam muito longe. Apenas
alguns metros além da porta do meu confinamento.

Sem minha visão, tropeço em tábuas e cabos, tropeçando


nas algemas. Meu pulso troveja freneticamente. Minha
respiração bate úmida contra a mordaça enquanto o medo
governa cada passo.

Tento lutar, mas um deles me segura firme pelas mãos e


me deito de bruços sobre um barril. Ele prende as restrições em
meus pulsos e tornozelos em algo no chão, enquanto o outro
homem joga água nas minhas costas e me esfrega
insensivelmente da cabeça aos pés.

O cheiro de vinagre queima meu nariz. Minha pele pega


fogo sob a solução severa, meus olhos lacrimejando quando a
fumaça passa por baixo da venda.

Há apenas uma razão para eles tomarem tempo para lavar


meu corpo.

PAM GODWIN
Cega e trêmula, sigo seus passos na escada atrás de
mim. A porta da escotilha se abre, soando a partida deles. Em
seguida, outro par de passos entra no porão.

Esses são diferentes. Novo. O passo parece mais suave,


mais leve. Minha pulsação dispara, batendo profundamente em
meus ouvidos, enquanto o estranho se aproxima, respirando
pesadamente. Sugando o ar com entusiasmo.

Meu medo é tão agudo e frio que não acho que minha
bexiga aguenta. Eu não me importo. O pânico é uma entidade
separada dentro de mim, nervosa e escorregadia, pulando a cada
som.

Onde ele está? Atrás de mim? Na minha frente? Ele está


segurando uma adaga? Pisco rapidamente, me esforçando para
ver através da venda.

“Deixe-me ver, seu covarde!” Meu grito está distorcido,


minha voz indiscernível por trás da mordaça.

A vulnerabilidade da minha posição curvada, com meu


traseiro nu no ar e meu corpo esticado sobre o cano, me faz entrar
em um ataque de convulsão. Mas as algemas fazem o que
deveriam fazer. Eu não vou a lugar nenhum, e os empurrões
violentos e resistências logo exaurem meus músculos já fracos.

Mãos masculinas agarram com força meu quadril.

Por um momento, imagino que pertencem a Ashley ou


Priest. Um deles veio atrás de mim, e o pior desse pesadelo
passou.

Mas os dedos são muito finos, a pele muito macia e fria. Eu


não conheço essas mãos ou este homem. Como se para confirmar
meus pensamentos, ele força minhas coxas a se separarem e
geme em uma voz desconhecida.

PAM GODWIN
Um soluço quebra atrás da minha mordaça e minhas
pernas estremecem brutalmente sob seu peso.

Não tenho coragem aqui. Sem força ou inspiração. Eu não


posso lutar algemada. Não consigo expressar minhas objeções
inflexíveis. Não consigo nem ver o rosto do meu algoz. Mas posso
sentir o fedor de cebola em seu hálito.

E eu o sinto.

Profundamente, traumaticamente, ele usa seu corpo como


uma arma, uma facada violadora após a outra.

Partes de mim se separam. Tento deixar de lado a dor


física, mas a agonia perfura, alcançando-me onde me escondo
dentro da minha mente.

Eu me sinto chorando quando ele pega o que não foi


dado. Curvada sobre aquele barril, minhas entranhas se
estilhaçam enquanto ele força sua corrupção em todos os lugares
que não é permitido.

Ele rouba de mim. Saqueia. Rouba da maneira mais


bárbara que um homem pode machucar uma mulher.

Queimando e rasgando, a crueldade perfura


profundamente, além dos limites do meu eu físico, por todo o
caminho até minha alma. Não tenho nenhum momento, nenhum
pedaço de mim, que não conheça a dor.

Incapaz de usar meus olhos, meus membros ou minha voz,


seguro o pior dentro de mim. As bordas da minha mente
murcham. Minha barriga se enche de fogo líquido. Meus
músculos se movem com a velocidade de chumbo derretido
enquanto meus ossos e juntas se desintegram como pedra
esmagada.

Três mulheres mortas jazem no buraco a apenas alguns


metros de distância, com hematomas horríveis cobrindo suas

PAM GODWIN
coxas. Agora sei exatamente como elas adquiriram aqueles
ferimentos. A cada segundo agonizante, sinto a pele, os tendões
e os vasos em minhas próprias pernas se esmagarem e se
quebrarem contra o cano.

Ele machucou aquelas mulheres aqui. Bem assim. Ele as


machucou até que morreram.

Cada momento abaixo dele devasta mais carne,


empurrando-me mais fundo, ainda mais em um lugar onde o
espírito parou de viver. A dor é do tipo mais baixo e miserável, a
angústia tão constante e completa que se torna a única coisa que
existe.

Respiro fundo. Respiro novamente. É tudo o que eu posso


fazer e, portanto, é tudo em que me concentro. Eu respiro através
dos intervalos dele terminando e começando novamente. Cada
inspiração é uma luta pela sanidade, cada expiração um tropeço
para retê-la.

Minhas lágrimas secam gradualmente, meu corpo exausto


demais para produzi-las. Mas não paro de respirar.

Eu era uma capitã pirata. A filha feroz de Edric Sharp. Se


meu algoz pretende me quebrar, ele precisará de uma arma mais
afiada, forte e mais significativa do que seu corpo.

Isso é o que falo a mim.

Em meio à dor, o tempo passa em um ritmo agonizante. Às


vezes, ele nem se move. Mas eventualmente, ele dá um último
suspiro e vai embora, seus passos recuando escada acima e além
da escotilha.

Se havia algum alívio, eu não o sinto. Ele me deixa no


barril, encharcada de suor e outros fluidos. Eu não consigo me
mover, não consigo ver, o pano em minha boca suavizado por
cuspe e lágrimas.

PAM GODWIN
Fico lá por uma eternidade infinita, forçada a pensar em
cada centímetro de carne que ele tocou, cada músculo que ele
machucou, cada abertura que ele esticou e sangrou. O tempo se
torna uma tortura por si só, até que eu o perco de vista, perdendo
e voltando da consciência.

Em algum momento, os dois tenentes voltam.

Eles removem a mordaça e a venda e me colocam de joelhos


nas tábuas. Alimentos são oferecidos. Peixe salgado e água.

A náusea aumenta com a visão disso, meu estômago se


recusa a aceitar o sustento. Mas eu não sei se ou quando a oferta
voltará. Então engulo a comida e bebo o líquido sem sentir o
gosto.

Em seguida, eles me levam de volta ao buraco negro,


prendem minha corrente na parede e me deixam com os
cadáveres apodrecidos de minhas predecessoras.

Enrolo-me de lado tanto quanto as algemas permitem,


tremendo no calor rançoso. E durmo.

Até que eles voltam.

PAM GODWIN
TRINTA E SEIS

Repetidamente, os oficiais me puxaram do buraco e me


seguraram no cano. Repetidamente, o homem que cheirava a
cebola voltou e contaminou meu corpo. Às vezes, suas visitas
eram rápidas. Algumas estocadas e pronto. Outras vezes, pensei
que a tortura sem fim iria me rasgar ao meio.

Sempre que os oficiais chegavam, eu lutava, gritava e


implorava por notícias sobre Ashley. Ele voltou? Ele estava
bem? Encontrou seu pirata selvagem? Há quanto
tempo? Implorava por respostas até que enfiavam a mordaça na
minha boca.

Eles nunca falaram. Nenhuma palavra entre eles e


certamente nenhuma oferecida a mim. Mas não precisava de
conversa para entender as intenções dos homens.

As mulheres existiam para eles como nada mais do que


vasos de prazer. Escravas inúteis para quem quer que
respondessem. Não importava quanta dor eles me
causassem. Minha saúde não era preocupante, desde que eu
estivesse respirando quando chegasse à Inglaterra. Se eu
morresse acidentalmente... bem, eles ainda teriam um corpo para
entregar. Ashley ainda receberia sua promoção.

PAM GODWIN
Eles nunca seriam punidos pelos horrendos assassinatos
de minhas companheiras de cativeiro. As leis dos ingleses não
protegiam escravos africanos ou piratas rebeldes. Não haverá
justiça.

Cada vez que eles voltavam, me prendiam ao barril,


amordaçavam e vendavam, esfregavam meu corpo com água com
vinagre para matar o fedor da morte. Então o outro homem vinha,
e era apenas ele e sua terrível crueldade. Depois, era acorrentada
no buraco negro com os corpos em decomposição.

Com o passar dos dias, o ar tornou-se absolutamente


pestilento. Quantos dias? Com que frequência eles vêm? O
deslocamento do tempo costumava fraturar a mente. Alguns
dias, eu me esforçava para manter um fio de pensamento
racional.

Eles me alimentavam com pedaços de peixe após cada


violação. Minhas pontadas de fome continuavam sendo o menor
dos meus tormentos, e minha garganta nunca pareceu ressecada
além do que eu poderia suportar. Eles vinham com frequência
suficiente para me manter hidratada.

Visitas diárias, decido. A dor constante entre minhas


pernas sugere que algumas dessas visitas ocorrem várias vezes
ao dia.

Estou aqui tempo suficiente para que meus pontos


precisassem ser removidos. Quando a pele esticada e coceira se
tornou insuportável, passei horas me retorcendo anormalmente
nas algemas e usando a ponta quebrada de uma unha para tirar
os fios da parte de baixo do pé.

Desistir seria muito mais fácil. Mas eu não sei fazer isso.

Por força de vontade teimosa, eu me debato e rosno toda


vez que eles vem. Duas vezes, eles me bateram com tanta força
que perdi a consciência e acordei em uma névoa sobre o

PAM GODWIN
cano. Cada vez que eles me mandam de volta para o buraco, eu
fico mais fraca, mais exaurida, o desejo de viver drenando
gradualmente de meus ossos.

Quando eles não estão abusando de mim, me mantem


algemada na escuridão. Não demora muito para que eu anseie
por suas visitas, nem que seja apenas para escapar da asfixia da
podridão e da solidão.

O fedor é tão insuportavelmente repugnante que é perigoso


respirar. Anseio por ar fresco e suporto a dor que o acompanha
ao passar mais um segundo dentro dessas paredes.

O isolamento é meu inimigo. Tem uma gravidade que me


puxa para baixo, uma tristeza sufocante que distorce a
mente. Piora pela irritação dos ferros em meus pulsos, tornozelos
e a sujeira das pranchas sob meu corpo nu. Minha cabeça fica
confusa com pensamentos venenosos e meu cérebro começa a
falhar. Eu não serei capaz de manter minha sanidade para
sempre.

A cada hora sombria que passa, espero compartilhar o


destino de minhas companheiras de cela. Às vezes, imploro ao
último amigo, Morte, que me alivie.

Mas ainda há pequenos períodos de tempo em que espero


um milagre.

Crio fantasias em minha cabeça, minha favorita sendo um


resgate galante onde Priest e Ashley derrubam este navio e
matam todos a bordo. Na realidade, Priest faria isso sem
hesitação ou pergunta. Se ele ainda estiver lá fora, lutando para
me resgatar. Eu não sei.

Ashley, por outro lado, sempre escolhe sua carreira


primeiro. Mas ele pode ignorar o mal que acontece aqui? Ele
deixaria os oficiais do almirante viverem se soubesse o que eles
fazem no porão do navio?

PAM GODWIN
Eu também não sei essa resposta. Não importa. Nem
Ashley nem Priest vieram atrás de mim. Eu não me ressinto deles
por isso. Nunca fui uma mulher que dependesse de um homem
para salvá-la. Esta não era a luta deles. Era minha.

Aos quatorze anos, eu poderia ter escolhido qualquer


caminho. Escolhi este, uma vida de crime e riscos perigosos. Eu
vivia para a pirataria e, no fim, morrerei por isso. Sempre soube
disso. Só não esperava que acabasse em estupro e tortura a
bordo do navio que me levará para a forca.

À medida que certa desgraça desce mais e mais


pesadamente sobre mim, volto minha mente para o passado,
buscando um lugar mais feliz e livre. Penso muitas vezes em meu
pai. Minha mãe também. E me delicio com as reminiscências
de Jade, Reynolds, Jobah e os anos gloriosos em que navegamos
juntos. Eu sinto muita falta deles. Eu perdi minha vida. Mas,
mais do que isso, sinto falta de Priest e Ashley.

Mesmo conhecendo o desprezo pela traição do Priest e a


rejeição de Ashley, tive muito tempo para sentar com meu
remorso e reexaminá-lo de uma nova perspectiva. É irônico como
as coisas parecem mais claras no escuro. Mais nítidas. Mais
comoventes.

Apesar de seus defeitos, sei que eles me amam, cada um à


sua maneira. Isso significa algo.

Significa tudo.

Porque eu também os amo.

Amei um libertino e um caçador de piratas. Claro, eu


amei. Insanamente, descaradamente, irrefutavelmente.

O amor pode existir sem perdão? Eu acho que não. Já é


hora de eu remover minhas correntes invisíveis.

PAM GODWIN
No calor tenebroso e podre de minha prisão, deixo de lado
o desprezo, libero a amargura e renuncio à raiva. Eu perdoo os
dois homens que amei, completa e incondicionalmente. Não por
eles. Faço isso por mim. Um último presente para mim.

Eu me sinto mais forte por isso, mais leve, mais


corajosa. Isso me dá uma enorme sensação de consolo, mesmo
neste lugar mortal.

Quando meus captores voltam, eu não luto. Em vez disso,


concentro o resto da minha energia em manter minha cabeça
erguida.

Se eles removerem a mordaça e a venda, não encontrarão


vergonha nem medo em meu rosto. Eles verão alívio, pois estou
tão reduzida no , que me delicio com cada gole de ar não
contaminado que respiro.

Mas é mais do que isso. Eles tiraram muito de mim,


tentaram tanto quebrar meu espírito. Mas ainda sou eu. Apenas
mais ousada. Mais resistente. Inquebrável. Eu sou uma mulher
que amou, perdoou e encontrou paz em seus momentos mais
sombrios.

Sou a capitã pirata Bennett Sharp.

Quando o homem sem rosto cai sobre mim, como todas as


vezes antes, eu o indico a nenhuma identidade. Sem nome. Sem
classificação. Ele é um objeto inanimado. Sem
significado. Impotente.

Enquanto ele goza e grunhe com seu fedor de cebola em


cima do meu corpo, não choro. Não faço nenhum som. Ele parece
frustrado com isso, suas mãos puxando meu cabelo. Seus nós
dos dedos batendo contra minhas costas. Seu quadril batendo
mais forte. Mais brutalmente. Mais hematomas. Mordo o pano e
o seguro. Seguro minha paz.

Até que a porta da escotilha se abre.

PAM GODWIN
As botas descem pela escada. Um par... dois pares...
três...?

Minha respiração congela, e meu algoz fica imóvel,


empalado dentro de mim.

Ninguém jamais entrou no porão enquanto eu estava sendo


abusada. Este homem trabalha sozinho. Sem testemunhas. Mas
quem quer que esteja aqui embaixo vai direto para ele e o arranca
a força do meu corpo.

Então o mundo entra em erupção no caos.

Não posso descrever bem, pois não tenho visão, voz e


movimento. Mas ouço coisas horríveis, botas se arrastando
freneticamente, punhos batendo na carne, ossos se quebrando e
gritos gorgolejantes de homens moribundos.

É o almirante? Um de seus soldados? Meus agressores não


deveriam estar aqui me machucando?

Ou Priest me encontrou e se esgueirou a bordo do navio?

Meu coração troveja enquanto uma batalha trava atrás de


mim. O fedor metálico de sangue inunda minhas narinas. Um
homem começa a gritar, mas o rugido é interrompido. Um baque
pesado bate contra as pranchas, seguido pelo som contínuo de
algo sendo batido com um objeto pesado.

Oh, querido Deus doce, por favor, não deixe ser o Priest sob
esses golpes.

Mais e mais, o ruído surdo e marcante se repete, ecoando


pelo porão. Quanto mais tempo dura, mais úmido parece. Como
o choque e o esmagamento de sangue, órgãos e outras coisas
vitais.

Não há grunhidos. Nenhum sussurro de vida além da


minha respiração ofegante abafada. Apenas o thump, thump,
thump sinistro.

PAM GODWIN
O medo se torce em meu estômago. Se Priest estivesse a
apenas alguns metros de distância, ele viria atrás de mim, me
tranquilizando. Ele teria gritado e dito algo para acalmar minha
histeria.

Empurro com mais força contra o barril, sacudindo minhas


algemas e gritando contra a mordaça.

O som de batidas para.

Minha respiração para.

As botas rangem quando alguém se mexe. Então os passos


avançam.

Um arrepio de advertência sobe pela minha espinha


enquanto ouço esses passos. Eles se aproximam. Escuto com
mais atenção, realmente escuto, reconhecendo o ritmo confiante
entre os pés e os passos.

Meu corpo inteiro ganha vida, formigando,


ofegando, tremendo . Cristo todo-poderoso, eu sacudo com tanta
força que os tremores atingem a agonia em todos os músculos e
juntas.

Ele é o destaque da minha vida, alguém que eu esperava


ver desesperada e freneticamente. Enquanto estou amarrada ao
cano, concentrada na cadência de sua abordagem, cada segundo
parece atemporal. Sem fim. Pressa.

Mãos varrem meu cabelo, dedos longos rígidos


e trêmulos. Ele está tremendo tão violentamente quanto eu, pior
ainda, enquanto desenrola a venda e remove a mordaça.

Pisco rapidamente contra a luz repentina, impaciente para


vê-lo. Então eu vejo.

Olhos azuis frios.

PAM GODWIN
Lábios carnudos se afastam em um rosnado.

Uma expressão selvagem banhada por tantas camadas de


sangue fresco que está irreconhecível.

“Ashley.”

PAM GODWIN
TRINTA E SETE

“Quantas vezes?” A voz de Ashley esfrega contra meus


sentidos crus, moendo como pedras dentadas.

Ele não parece ele mesmo. Não se parece em nada com o


homem que eu conheço.

O comportamento de um aristocrata se foi. Não apenas por


causa do sangue espesso escorrendo de seu rosto. Ou os
coágulos sanguíneos que grudam em sua gravata de seda, roupa
fina e enfeites de ouro. É sua postura, a aura selvagem que o
cerca. Ele tem o semblante imprudente e incivilizado de um
pirata, cada músculo de seu corpo emanando uma combinação
perigosa de loucura e selvageria.

Suas mãos tremem tão incontrolavelmente que ele luta


para destravar minhas algemas com a chave de parafuso. Uma
chave que ele deve ter tirado dos corpos dos meus agressores.

Com uma careta, torço meu pescoço para ver a origem de


todo o sangue. Mas ele agarra meu cabelo, me parando.

“Quantas vezes, Bennett?” Sua expressão aterrorizada,


enterrada sob muita sujeira, parece que pode desmoronar a
qualquer segundo. “Quantas vezes aquele monstro te
machucou?”

PAM GODWIN
“Eu não sei.” Tremo sob o brilho daqueles olhos
assassinos. “Eu perdi a conta. Nem sei quem ele é. Porque a
venda... ”

Algo se quebra no abismo de seu olhar. A respiração


dispara para fora dele. E outra. Pensamentos agitados em seus
olhos, e sei que ele está imaginando o que suportei.

Oh, Ashley. Não. Ele parece tão horrorizado. Tão sombrio e


devastado.

“Você não sabia.” Solto um suspiro de compreensão. “Você


não sabia o que seria de mim aqui.”

“Eu deveria saber. Eu nunca deveria ter saído.” Ele solta as


algemas em meus braços e pernas, remove o anel de ferro do
pescoço e me puxa para seu colo. “Por Deus, eu nunca quis
deixar você.”

Seu abraço e a veemência de suas palavras me centram de


uma forma que nada mais poderia. Eu não percebi o quanto
precisava de sua força protetora até senti-la me abraçar
novamente.

Minha mão vai para a pedra de jade em minha garganta,


tocando-a pela primeira vez desde que fui transportada para cá.

“Eu pensei que este seria o lugar mais seguro para mantê-
la enquanto eu...” Ele me abraça com mais força contra sua
roupa encharcada de sangue e engasga com um som de dor. Sua
mão enorme embala meu pulso como se fosse quebrar, seu olhar
fixo na pele vermelha e irritada. “Eu falhei. Droga, falhei com você
tão fantasticamente.”

“Ashley.” Minha mente pendura em sua frase


inacabada. “Você me queria segura enquanto fazia o quê? Você
encontrou o Priest Farrell?”

Por favor, diga não. Por favor, diga não.

PAM GODWIN
“Eu encontrei o bordel.” Ele gentilmente me coloca no
convés e se recosta para tirar o casaco e a gravata sujos. “Ele
morava lá, como você disse. Mas...” Seu olhar se move sobre meu
corpo nu avaliando, e sua mandíbula fica impossivelmente mais
rígida. “Você perdeu muito peso. Seus malditos ossos estão
salientes.”

Ele arranca a camisa de linho, que evitou a maior parte do


sangue. Eu desvio o olhar e passo meus braços em volta do meu
torso, sentindo-me repulsivamente pouco atraente e me odiando
por essa vergonha.

“Não faça isso.” Com os nós dos dedos sob meu queixo, ele
levanta minha cabeça e procura meus olhos, deixando-me ver
sua sinceridade, sua reverência inegável. “Talvez você tenha
novas rachaduras. Bem fundas. Rachada, mas não
quebrada. Olhe para você, Cachinhos Dourados. Você não
quebrou.”

“Eu não sou uma guerreira. Maldição, você me viu naquele


barril...” Balanço minha cabeça vigorosamente. “Eu apenas fiz o
que tinha que fazer e, na maioria das vezes, não era nada. Não
havia nada que eu pudesse fazer a não ser respirar.”

“Aposto que a respiração doeu mais.”

O calor cresce atrás dos meus olhos, surgindo lágrimas.

“Cristo, sua coragem e resiliência são inspiradoras.” Seu


polegar acaricia minha bochecha. “Você nunca esteve mais
bonita do que agora.”

“Obrigada.”

“Isso não significa que estou deixando alguém ver você


nua.” Ele puxa a camisa pela minha cabeça, guiando ternamente
meus braços pelas mangas.

PAM GODWIN
Isso estava realmente acontecendo? Ele está realmente
aqui? Ou é apenas um delírio? Meu cérebro parece nebuloso e
cheio de sombras.

Limpo minha garganta. “O que aconteceu com o Priest?”

“Ele não visita o bordel há anos.” Ele me dá outra inspeção


preocupada. “Você aguenta?”

“Sim.” Com a ajuda de suas mãos na minha cintura, fico


de pé. “Ele vive, então? O Priest?”

“Eu não o matei ou capturei.”

O alívio cresce em meu peito.

“Mas esse nunca foi meu objetivo.” Ele caminha em direção


à escada.

“O que você quer dizer?”

Ele pega uma tigela de peixe salgado que um dos oficiais


trouxe. É quando os vejo. Os dois homens que me puxavam para
dentro e para fora do buraco.

Eles estão em uma pilha de membros sem vida, gargantas


cortadas e olhos cegos. Isso explica alguns dos ruídos horríveis
quando Ashley entrou. Os outros sons sinistros que ouvi tornam-
se aparentes quando meu olhar pousa no terceiro homem. Aquele
que me estuprou.

Um buraco côncavo escava sua cabeça. Tudo o que restou


de seu rosto foi uma tigela de osso estilhaçado e mingau
vermelho. O crânio, os olhos, tudo isso foi esmagado,
completamente pulverizado sob o que quer que tenha causado
o baque, baque, baque repetitivo...

Procuro pela arma e paro nas juntas quebradas e


ensanguentadas de Ashley. “Você fez…?”

PAM GODWIN
“Se eu pudesse matá-lo novamente, eu o faria. Mas eu iria
desacelerar. Saiba disso. Faria ele sofrer por semanas.” Seus
dentes trincam enquanto coloca a tigela de peixe salgado em
minhas mãos. “Coma. Eu sei que é a última coisa que você quer
agora, mas precisa de sua força.” Seus olhos se estreitam
friamente. “Quem mais te machucou?”

“Só ele.” Meu estômago aperta.

A mutilação se estende além do rosto. Múltiplas facadas


cobrem o abdômen para permitir que os intestinos caiam. Uma
faca se projeta de onde costumava ficar os genitais, o cabo
projetando-se para cima como uma ereção grosseira. A poucos
metros de distância está a carne decepada que me machucou tão
brutalmente.

A satisfação doentia zumbe em minha alma. Ashley


estripou, castrou e desfigurou este homem em questão de
minutos. A única pessoa que já vi fazer algo tão rápido e grotesco
foi Priest.

“Quem mais sabe o que estava acontecendo aqui?” Ele


recolhe as facas dos corpos dos oficiais. “Esteja muito certa,
Bennett, porque vou massacrar todos os homens a bordo deste
navio.”

“Apenas esses três, até onde sei.” Engulo uma mordida


azeda de peixe e luto contra a náusea. “Você reconheceu o
homem que me estuprou? Ele sempre cheirava a...”

“Cebolas. Ele as comia cruas. ” Ele lança ao corpo um olhar


intenso e febril. “Sir John Dycker.”

“O almirante? Você matou seu superior?” Eu seguro minha


testa, girando sob a implicação. “Eles vão executar você,
Ashley! Vão pendurar você bem ao meu lado!”

Seu olhar se estreita na escotilha como se ousasse abri-


la. “Nenhum de nós será enforcado.”

PAM GODWIN
Uma vibração formiga na minha barriga. Essa é a primeira
vez que ouço uma promessa de minha sobrevivência de sua boca.

“Tenho muito para lhe contar.” Ele caminha ao redor dos


corpos, sua expressão pensativa. “Primeiro, precisamos sair
deste navio. Termine de comer.”

Engulo o resto do peixe em segundos. “Como vamos sair


daqui?”

“Estou trabalhando nisso.” Ele entrega as facas para mim


e examina o espaço. “Quando abri aquela escotilha e o vi com
você...” Seus olhos queimam com fúria renovada, seus lábios
torcem para trás com os dentes cerrados. “Eu não tinha planos
além de esmagar o rosto dele.”

“Você conseguiu isso com bastante sucesso.”

Ele ergue os ombros do almirante e começa a arrastá-lo em


direção ao buraco negro. “Eu a deixei aqui, pensando que você
estava segura, para que eu pudesse encontrar Priest Farrell e
pedir sua ajuda.” Ele faz uma pausa, rosnando com raiva. “Eu
nunca encontrei o bastardo.”

"Espere. Você queria a ajuda do Priest ?” Meu pulso


acelera. “Para quê?”

“Para libertar você.” Ele volta a mover o cadáver,


provavelmente para escondê-lo. “Eu ia fazer uma oferta a ele.”

“Que oferta? Ashley, esqueça o corpo. Você precisa limpar


o sangue do seu rosto e... ”

“A qualquer segundo, um soldado vai passar por aquela


escotilha em busca de seus oficiais, seu almirante, ou talvez até
eu, porque estou aqui há mais tempo do que o aceitável. Passei o
dia discutindo com uma dúzia de tenentes diferentes antes de
chegar ao convés inferior. Não é normal que um Comodoro visite

PAM GODWIN
seu prisioneiro.” Ele olha por cima do ombro para o buraco negro
e faz uma careta. “Que cheiro é esse?”

Meu coração afunda. “É onde eles me mantiveram.”

Uma veia salta em sua testa manchada de escarlate. Ele


larga o corpo do almirante e gira em direção ao buraco.

“Ashley, espere!” Planto meus pés, me recusando a ir a


qualquer lugar perto de lá. Esse fedor vai me assombrar para
sempre, e eu não sou corajosa o suficiente para respirá-lo
novamente.

Ele cruza a soleira e cambaleia até parar. Sua cabeça gira


em direção ao ombro, e ele enterra o nariz ali, engasgando e
tossindo.

“Há quanto tempo estou aqui embaixo?” Pergunto


suavemente.

“Duas semanas.” Ele agarra a porta, seus dedos cavando


na madeira, seu sotaque arrastado pela raiva. “Você esteve aí por
duas semanas com o que só posso imaginar ser um
cadáver. Passei duas semanas caçando um pirata que pode
muito bem ser um fantasma. Ninguém avista Priest Farrell há
meses. Eu deveria ter voltado no primeiro dia quando soube que
ele não estava no bordel. Se fizesse isso, você não teria sofrido
por tão maldito...”

“Ashley, pare com isso. E saia desse compartimento.”

“Quem está aí, Bennett?”

“Três mulheres africanas.” Com uma pedra de dor em meu


peito, apresso-me em uma explicação do que experimentei
naquele buraco no primeiro dia. “Elas foram abusadas da mesma
forma que eu. Uma delas estava grávida.”

“Eu não sabia.” Suas mãos se apertam e ele inclina a


cabeça para um lado, olhando intensamente para mim por cima

PAM GODWIN
do ombro. “Você tem que acreditar em mim, Bennett. Eu nunca
teria permitido você neste navio se eu soubesse.”

“Eu acredito em você.” Fico mais ereta, apertando meus


dedos ao redor do cabo das adagas. “Eu perdoo você. Por tudo
isso. Tudo. Esse perdão veio antes de você aparecer. Agora me
diga qual era o seu propósito com Priest Farrell?”

“Não mereço o seu perdão, mas discutiremos isso mais


tarde. E Priest... Deus, se eu soubesse onde ele está se
escondendo...” ele passa a mão pelo rosto, fazendo uma mancha
de sangue. “Ia oferecer a ele minha proteção em troca de
sequestrar você.”

Meu queixo cai.

“Eu não posso libertar você.” Ele se vira para o corpo do


almirante, olhando para ele com uma ira desenfreada. “Não sem
perder minha carreira, envergonhar minha família e mandar
ambos para a forca. No dia em que Dycker apareceu, decidi levar
a cabo meu plano para encontrar Priest Farrell. Só que, em vez
de capturá-lo, eu iria convencê-lo a resgatar você e fazer com que
parecesse um ataque.”

Minha mente gira com a ironia e minha boca se abre para


contar tudo a ele. Mas nenhuma palavra sai. Por onde devo
começar? A bússola? O meu casamento? Traição do Priest? Meu
plano de resgate? Há muito para explicar e muito pouco tempo.

“Você confiou nele com seu corpo uma vez.” Ashley me


observa com atenção, entendendo mal minha reação. “Ele teria
se lembrado de você. Nenhum homem pode esquecer.”

Oh, meu Deus, eu preciso contar a ele.

“Se eu achasse que ele ia te machucar em vez de te


ajudar...” possessividade grunhe em sua voz, mas há algo
mais. Algo desesperado e estranho escurecendo seus olhos. “Eu
o teria matado. Eu juro.”

PAM GODWIN
Meu olhar se desvia para a escotilha. Acabei de ouvir um
rangido? Passos no convés acima?

“Diga-me que você tem um plano.” Meus nervos em


frangalhos.

“Eu tenho um plano.” Ele arranca a faca da virilha do


almirante.

“Seja mais específico.”

Uma transformação toma conta dele, sua expressão se


esvaziando diante dos meus olhos. Nenhuma emoção, nenhum
traço de humanidade quando ele apunhala o dedo no cano ao
meu lado, silenciosamente ordenando que eu me esconda.

Então a porta da escotilha se abre.

PAM GODWIN
TRINTA E OITO

Meu pulso explode quando um par de botas soa na escada.

Eu me agacho atrás do cano, completamente escondida, e


aumento meu aperto nas adagas. A qualquer segundo, nosso
visitante se virará e verá três corpos e um Comodoro muito
ensanguentado segurando uma faca.

Tremendo, junto a bainha da camisa de Ashley no alto das


minhas pernas para que não atrapalhe meus movimentos se eu
precisar lutar. Então eu espero.

A porta da escotilha se fecha e passos descem para o


porão. Um homem.

“Meu Senhor? O que você est..?” Sua voz desconhecida


ofega e gagueja com o tropeço de suas botas. “Aquele é...? Jesus,
senhor, coloque suas mãos onde eu possa vê-las!”

Olho em volta do cano e meu coração dispara.

Uma cabeça mais alta, o soldado eleva-se sobre Ashley,


segurando uma pistola engatilhada na cabeça de Ashley. O
homem é maior, provavelmente mais forte do que Ashley. Mas ele
treme tão miseravelmente que seu dedo salta contra o gatilho.

PAM GODWIN
O rosto de Ashley está a segundos de se parecer com o do
almirante.

Ele não se mexe. Não parece estar respirando. Seu


semblante aristocrático suaviza seus traços, sua voz insensível
não mostrando nenhum traço de medo ou culpa. “Abaixe sua
arma, sargento, e eu o esclarecerei sobre a situação.”

Não há como explicar isso. O sangue de três oficiais cobre


seu rosto. Ele assassinou um almirante da Marinha Real, pelo
amor de Deus.

“Não se atreva a me dar ordens.” O sargento endurece sua


postura. “Seus privilégios estão revogados, meu Deus! Onde está
a prisioneira?”

Um arrepio atinge meu núcleo.

“No compartimento atrás de mim.” Ashley inclina a


cabeça. “Você sabia que o almirante estava estuprando-a?”

Oh, não, Ashley. Deixe ir.

“Ela é uma pirata. E você, senhor, é um assassino.” O


sargento estica o pescoço, tentando ver na escuridão. “Senhorita
Sharp? Saia, por favor.”

“Ela está amordaçada e acorrentada. Veja por si mesmo.”

“Você primeiro.” O soldado ergue o queixo. “Continue.”

Talvez Ashley tenha tudo sob controle. Mas talvez não seja
bom o suficiente. Eu não posso deixar sua sobrevivência ao
acaso.

Levantando-me lentamente, silenciosamente, eu enrolo


meus dedos em torno das adagas e me esgueiro por trás do

PAM GODWIN
sargento. Ashley não olha para mim quando ele dá um passo
para trás, seguindo as ordens do soldado.

Juntos, eles entram no buraco tenebroso. Quando o


soldado tosse, distraído pelo fedor, eu ataco.

Lâminas para fora, eu as balanço com toda minha força. O


aço desliza facilmente em qualquer lado do pescoço do homem, a
carne tenra dando pouca resistência. Um som gorgolejante sai de
sua boca. Sangue quente jorra sobre meus dedos e Ashley pega
a pistola, que sacode com força.

O homem cai. Eu puxo as adagas e solto um suspiro


trêmulo.

Outro soldado morto. Outro corpo para esconder.

“Obrigado.” O olhar de Ashley fixa-se no meu.

Balanço a cabeça, respirando pesadamente. “Você estava


dizendo…”

“Meu plano era adquirir roupas e calças limpas.” Ele vai até
um balde d'água e lava o rosto. “Se atrairmos dois soldados aqui
e subjugá-los sem sangrá-los”, ele me lança um olhar estreito
“poderemos sair usando disfarces.”

“Oh.” Faço uma careta para o sangue coagulado saturando


a roupa do sargento. Vá pro inferno.

“Nós vamos cuidar um do outro, Bennett. Você e eu, a


partir de agora. Não importa o que aconteça. Nós vamos sair
daqui. Eu prometo.”

Seu voto flui em minhas veias, aquece meu sangue e


penetra em meu coração. Mas sei que, mesmo vestidos como
soldados do almirante, não sairemos da nau capitânia sem
investigações e detenção.

PAM GODWIN
“Estamos quites.” Eu me agacho diante dele e limpo
minhas mãos no balde. “Você me salvou do almirante. Eu salvei
você do soldado.” Fecho meus olhos contra a resolução
endurecendo seu rosto. “Eu preciso que você vá. Saia. Agora.”

“Não.”

Faço um som de frustração. “Pense, Ashley. Eu sou uma


selvagem. Uma assassina. Meu destino está decidido. Isso acaba
comigo pendurada, e você sabe disso.” Eu encontro seu olhar
ardente. “Você vai sair daqui. Agora mesmo. Diga a eles que
matei esses homens e você conseguiu escapar. Faça. Por mim. É
a única maneira.”

“Nunca.” Ele se levanta em um borrão. Na próxima


respiração, ele me prende contra a parede sob a fornalha de seu
peito duro sem camisa. “Se você sugerir uma ideia absurda como
essa de novo, vou punir sua linda bunda até que você não possa
sentar por uma semana.”

Suspiro. Esse é o comodoro que eu conheço e amo.

Nobre confiante e robusto.

Uma dor irritante na bunda.

Jogando minha cabeça para trás, eu olho em seus lindos


olhos azuis apaixonados, e uau. Estou tonta. Tonturas de girar a
cabeça e acelerar o coração. Provavelmente estresse e
nervosismo. Ou fome. Ou talvez seja a magia flutuante e mística
que sempre senti em sua presença.

Juro por Deus, se não estivéssemos cercados pelo fedor da


morte, eu teria plantado um beijo de adoração em seus lábios.

“Não somos iguais.” Ele segura o lado do meu rosto e traz


minha bochecha contra seu peito quente. “E não estamos nem
perto de ficar quites, senhora.” Sua boca desce para o topo da
minha cabeça, sua respiração farfalha meu cabelo. “Estou abaixo

PAM GODWIN
de você, menor do que você, em todos os sentidos que
transcendem este mundo. Talvez um dia eu faça algo grande e
bom e ganhe o seu perdão.”

“Você é ótimo e bom.” Circulo meus braços ao redor dele e


aperto com força. “Tão bom que na verdade, é positivamente
irritante e nada atraente.” Pressionando meu rosto contra o calor
esculpido de seu torso, encontro o paraíso. “Droga, eu senti sua
falta.”

“Eu também senti sua falta, mas precisamos...”

Um estrondo ensurdecedor explode acima de nós. A


detonação atinge com tanta força que me arranca dos braços de
Ashley e me joga para o outro lado do porão.

O ar sai dos meus pulmões. A quilha do navio inclina-se


com um forte gemido e o mundo inclina-se para estibordo,
rolando cada barril, cabo e corpo no porão para um lado.

Devo ter batido com a cabeça, devido à dor colossal


martelando na parte de trás do meu crânio. Eu não consigo
encontrar minha orientação, não consigo ver nada através da
nuvem de fumaça que engolfa o espaço.

“Ashley!” O fedor de enxofre queima meu nariz, meus olhos


ardem enquanto eu procuro na névoa cinza. “Ashley! Onde você
está?”

“Aqui.” Sua voz vem de trás de mim, bem na minha orelha,


e seus braços engancham em volta da minha cintura.

“O que aconteceu?”

“A nau capitânia está sob ataque. Não me solte.” Ele me


levanta no ar e me joga por cima do ombro.

Então ele corre. Eu aperto todo o meu corpo em torno de


seus ombros e costas e seguro enquanto ele sobe a escada e abre
a escotilha.

PAM GODWIN
Outra erupção sacode o navio, a magnitude disso tão forte
que parece um trenó em meu peito. Ondas de choque ondulam
para fora e suas botas perdem o apoio nos degraus. Começamos
a cair, meu estômago afundando. Mas suas mãos agarram o
convés acima e ele nos puxa para cima.

“Deixe-me andar!” Eu grito acima do barulho de homens


gritando e tiros distantes.

“Quieta!” Ele me empurra pela escotilha.

Eu não tenho escolha a não ser aguentar enquanto ele


corre pelos conveses inferiores. Ao nosso redor, os marinheiros
correm da esquerda para a direita, sem prestar atenção ao
Comodoro sem camisa e sua prisioneira.

O tiroteio fica mais intenso, explodindo no alto. Gritos e


maldições gelam minha pele. O fedor de suor, fumaça e medo
congestiona o ar. Segue-se um caos e estamos entrando no meio
dele.

“Espero que você tenha um plano.” Pendurada de cabeça


para baixo com meu rosto contra suas costas, desejo ter tido a
previdência de agarrar uma faca do porão. “Onde está o seu
navio?”

“Com alguma sorte, ainda está a trinta metros do bordo de


bombordo da nau capitânia. Meu plano é nos levar até ele.”

Isso não me enche de esperança. Se a nau capitânia está


sob ataque, a de Ashley também estará. O almirante está
morto. O comodoro do HMS Blitz está comigo. Quem está
comandando esses navios? Quem está atacando?

No fundo da minha mente, me pergunto se Priest é o


responsável por essa batalha. Seria típico dele fazer uma
aparição agora com armas em punho.

PAM GODWIN
Ashley sai da escada final e vai para o convés superior,
segurando firme a parte inferior do meu corpo. A antepara ao
nosso lado explode em uma chuva de madeira, mas ele não vacila
ou diminuiu sua velocidade.

O preto obscurece o céu e o mar. Não apenas pela


fumaça. As horas de escuridão sobre nós.

Agarro-me a seu corpo largo, piscando na névoa de enxofre,


incapaz de acreditar em meus olhos. Corpos jazem por toda
parte, alguns desmembrados por um tiro de corrente, outros
ainda vivos e esmagados por canhões virados. Muitos estão tão
mutilados que só restam pedaços.

As passarelas e o mastro de proa sumiram, destruídos por


canhões enormes e de forte soco. Tiros de trinta e duas libras, se
eu tiver que adivinhar. Mas isso não é possível a menos que o
HMS Blitz esteja atirando neste navio.

O tiroteio ricocheteia e o fogo arde, a névoa fumegante tão


negra que torna a visibilidade impossível. Eu examino todas as
direções, em busca da nave de ataque. Os homens continuam
caindo para a morte, os tiros vindo de algum lugar longe de nosso
bombordo.

Ashley parece compartilhar meus pensamentos, pois ele


corre nessa direção. No caminho, ele arranca uma luneta das
mãos de um tenente, sem esperar pelos protestos.

Ele alcança a proa de bombordo e me coloca sob ela, fora


da linha de fogo.

“Não se mexa!” De pé sobre mim, ele ergue a luneta até o


olho. “Chagas de Cristo, não consigo ver!”

O trovão do canhão vibra pelo mar, através do convés e em


meus ossos barulhentos.

PAM GODWIN
“Meu Senhor?” Um marinheiro aparece ao lado de Ashley,
sangrando de um ferimento no rosto. “Por que você está aqui?”

Enfio-me contra a proa, tentando permanecer fora de vista.

“Estive aqui o dia todo.” Ashley coloca a mão na minha


cabeça como se tivesse certeza de que eu não me moverei. “Meu
navio está atirando neste aqui? Quem está atacando?”

“É Madwulf MacNally, meu senhor. Ele e seus homens


escaparam do porão e tomaram o HMS Blitz. Eles estão nos
atacando, usando as armas de sua nave.”

Meu rosto fica frio e meu coração dispara para fora do meu
peito. Eu quero negar o que ouvi, mas enquanto percebo a
carnificina e a destruição, faz um sentido assustador. Apenas um
navio de cem canhões da linha poderia causar esse tipo de dano.

O navio de Ashley é o mais letal do mar e agora está sob o


comando de um pirata violento e louco.

“Que Deus esteja com você, meu senhor.” O marinheiro


corre para ajudar um camarada caído.

Ashley não se mexe.

Estendo a mão e toco sua perna e sinto um tremor


percorrer o músculo. “Ashley?”

Ele está em choque? Ou está pensando em um plano?

Outro estrondo atinge a fumaça, o som horrendo soando


em meus ouvidos. Eu me curvo quando uma bala de canhão
cruza o convés e acerta uma fileira de armas de estibordo. Os
artilheiros explodem em fragmentos de carne. Alguns ainda estão
vivos, ainda gritando e chutando enquanto o sangue jorra de
feridas irreparáveis.

Ao meu lado, um homem salta ao mar enquanto o navio


queima ao nosso redor.

PAM GODWIN
“Ashley!” Eu soco seu joelho.

Ele joga o telescópio e se agacha diante de mim, seus olhos


selvagens e brilhando nas sombras.

“Não posso impedir que este navio afunde. Ele está


mortalmente ferido.” Ele agarra meu rosto, prendendo-nos
juntos. “Devemos voltar ao HMS Blitz.”

“Como?” Eu pulo em uma explosão próxima e abraço


minhas orelhas. “Como vamos chegar lá?”

“Bote.” Ele agarra minha mão, levantando-se.

E com um estrondo ensurdecedor, ele se vai.

Desaparece em um vendaval de fogo e destroços que nos


atinge tão fortemente que o suga para longe de mim e para a
noite.

Eu grito, estendendo os braços, lutando na direção em que


ele foi jogado. Mas eu não sei onde é. Não consigo ver através da
fumaça. Não consigo ouvir por causa da fúria da batalha. Não
consigo respirar sob os horríveis vapores da morte. Oh, Deus,
onde ele está?

“Ashley!” O pânico me impulsiona para frente, ignorando


os perigos ao meu redor.

Uma bola passa zunindo pela minha cabeça, tão perto que
chamusca meu cabelo. Mas isso não impede minha corrida louca
pelo convés estilhaçado, meus olhos encharcados de lágrimas
procurando freneticamente a carnificina de extremidades
desmembradas.

“Ashley! Onde você está? Ashley, por favor!” Minha voz


sangra, racha e fere, mas continuo gritando. Continuo
procurando.

PAM GODWIN
Outro tiro ecoa, me jogando de costas. Enquanto eu me
empurro para cima, um som terrível zumbe à distância, ficando
mais perto, mais rápido, mais alto. O terror incandescente
transforma meus membros em algas marinhas.

Acima, a tempestade em chamas cobre o navio, sufocando


lanternas, apagando sons e cuspindo ferro nos conveses e
cordames. O ataque de pólvora explode e explode em um fogo
estrondoso, levando tudo consigo, velas, vergas, marinheiros,
pedaços do mastro, todo o castelo de proa e a maior parte do
casco abaixo dele.

Eu me abrigo sob um baluarte enquanto a violência chove


como punhos furiosos, jogando pedaços de lona, cabos e vigas
em chamas no convés superior rachado e em chamas.

Os homens gritam em agonia, gritando por seus


companheiros. Estou ali com eles, rastejando por rios de sangue
e corpos espalhados, procurando por Ashley com um desespero
estridente. O terror se apodera de mim tão brutalmente que
minhas entranhas se tornam um único espasmo pulsante e
gelado.

Do céu cai um cadáver sem braços e aterrissa ao meu lado


com um estalo de quebrar ossos. Uma seção cortada de costas
emaranhada em torno da perna, suspendendo os pés do corpo
sobre a cabeça. Protegendo meu rosto, sigo essa linha, olhando
para o céu para o que restou das torres cruzadas.

Nada. Não há mais nada deste navio. Não sobrou ninguém


para vê-lo afundar. Ninguém para ouvir meus gritos enquanto
caio com ele.

Exceto Madwulf MacNally.

Se o Inferno existir depois desta vida, eu o encontrarei e me


tornarei seu próprio demônio, sua castigadora eterna. Eu anseio

PAM GODWIN
pela morte apenas para poder vingar o que quer que aconteceu
com Ashley.

Voltando minha atenção para o convés, retomo minha


busca por ele. Mas não há mais tempo.

A nau capitânia se ergue com um grande rugido de madeira


quebrando e água corrente. A popa sobe em direção ao céu,
inclinando os ombros sobre o nariz ao começar um mergulho
vertical no mar.

Eu caio para baixo ao longo do convés em declive


acentuado, empurrada pela gravidade e batendo nos destroços. A
descida é inevitável, assustadora, roubando cada grama de ar de
meus pulmões. Mesmo assim, viro a cabeça para a esquerda e
para a direita, procurando Ashley, desesperada por um último
vislumbre dele.

As ondas levantam-se e agarram minhas pernas,


encharcando-me de água salgada e jogando-me nos destroços de
redes, pedaços de madeira, cadáveres e caos.

Tento me manter à tona e fugir da linha de tiro de canhão


vinda do HMS Blitz . Meus pulmões fervilham de fumaça. Barris
estourados batem na minha cabeça e o oceano rola sobre mim,
puxando-me para baixo.

Correntes quentes surgem de todas as direções, jogando


água em meu nariz e olhos. Pedaços de naufrágios atravessam a
água como balas. Eu bombeio meus braços e pernas, tentando
evitar o voleio enquanto nado em direção à superfície. Mas estou
muito fundo.

Bem acima, o navio explode em bolas de fogo laranja,


iluminando o mar. O esqueleto quebrado do casco mergulha no
abismo, turvando a água em bolhas de fumaça enquanto arrasta
lonas, vergas e cabos com ele.

PAM GODWIN
A camisa de Ashley balança em torno de minhas pernas
levantadas, contorcendo minha visão da devastação. Quando o
navio de guerra mergulha para a morte, seguindo-me para o
mundo inferior, parece um sonho. Fantástico. Lindo até.

Mas não é. Eu perdi Ashley e Priest.

Tudo foi tirado de mim, e logo meu último suspiro será


tirado também.

Meus pulmões começam a falhar. Algo bate na minha


cabeça por trás. Dor estilhaçada. Meus batimentos cardíacos
diminuem, e a inevitabilidade do fim cai sobre mim.

Eu não estou pronta.

Eu não estou pronta.

Eu não estou pronta.

PAM GODWIN
TRINTA E NOVE

Estou flutuando.

Não estou na água.

Nem em um navio ou destroço.

Eu flutuo no ar, sustentada por uma força celestial


invisível.

Deve ser um sonho. Certamente não a morte, pois quando


eu partir, meu destino será muito abaixo do fundo do mar, nas
regiões infernais de tormento para o mal e para o pior.

Uma brisa beija meu rosto, quente e salgada. Parece tão


irreal que não quero abrir os olhos para a realidade. Mas meus
cílios se erguem por conta própria, resistindo ao peso de uma
estranha sonolência. Minha cabeça está dolorosamente pesada,
meus pulmões machucados e os olhos turvos.

Chuviscos de luz filtrados, dominados por uma cor


brilhante.

Céu azul.

Água Azul.

Olhos azuis.

PAM GODWIN
Meu coração para de bater.

Luto para me sentar, mas não há nada embaixo de mim.

Exceto braços. Braços fortes e masculinos.

O sal pica minha pele e queima meu nariz. Engulo em seco,


tusso e pisco rapidamente, tentando me concentrar além do
torpor. Então eu o vejo.

“Bem-vinda de volta, Cachinhos Dourados.” Ashley sorri


para mim, seus lábios carnudos inclinando-se cansados em meio
a um brilho de luz ofuscante.

“O que?” Eu me mexo e giro, incapaz de encontrar apoio,


nadando em confusão. “Você morreu.”

“Eu morri?” Ele está de pé, me embalando contra seu peito


nu e controlando meus movimentos com as mãos. “Acalme-
se. Você bateu com a cabeça de maneira espetacular.”

“Estamos vivos?” Aperto os olhos contra o brilho do sol,


tentando ver onde estamos e quem está conosco. A luz tortura
meus olhos, acendendo a agonia em meu crânio. “Estamos
seguros?”

“Por enquanto.” Ele olha ao redor, sua expressão cansada


e perplexa. “Acredito que desembarcamos na costa sul de
Eleutera.”

Nós escapamos da batalha? E Madwulf? E o assassinato do


almirante? Como não nos afogamos ou explodimos por tiros?

Minha visão fica turva com lágrimas. Através do brilho


úmido, uma linha costeira de areia rosa toma forma, se
estendendo para a esquerda e para a direita.

Isso é real. Ele está vivo. Nós estamos em terra.

PAM GODWIN
Meu coração dispara, explodindo no meu peito e voando
sobre o mar. Eu jogo meus braços em volta do pescoço dele,
inalando seu cheiro limpo. Ele está respirando, em pé, suando,
vivo!

“Eu pensei que tinha perdido você.” Beijo sua garganta,


sua mandíbula dura, sua bela boca. “Eu vi você ser arrancado de
mim. Não consegui te encontrar. Olhei em todos os lugares. O
navio, os corpos, tanto sangue e... ”

“Shh.” Ele me beija de volta, seus lábios suaves e


castos. “Você esteve dentro e fora da consciência durante toda a
manhã. Estou preocupado com a sua cabeça.”

Toco a parte de trás do meu crânio onde lateja e encontro


uma protuberância inchada entre os emaranhados incrustados
de sal. “Sem pele ferida? Você está ferido?”

“Nenhuma ferida aberta entre nós. Você tem alguma dor?”

“Apenas um galo. Vou ficar bem.” Eu o abraço com mais


força, com medo de me soltar, com medo de que isso não seja
real.

Ele parece relutante em me liberar também. Há quanto


tempo está parado aqui na praia, me embalando em seus braços?

Atrás dele, nada além de uma densa selva está exposta à


minha visão. Eu não sei o que habita esta ilha além de alguns
fazendeiros. Há feras dentro daquela floresta? Outras
extremidades da mesma forma? Se restou uma arma entre nós,
eu ficaria chocada.

Mudo em seu abraço apertado, seguindo seu olhar para o


mar. Destroços flutuantes e cargas se espalham nas
ondas. Muitos corpos e barris arrebentados balançam entre os
destroços.

PAM GODWIN
Olho para cima e para baixo na costa, procurando sinais
de vida. “Existem sobreviventes?”

“Só nós.”

A nau capitânia do almirante sumiu. Eu assisti ela queimar


e afundar e levar centenas de homens com ela. Mas e o
HMS Blitz?

“Onde está o seu navio, Ashley?”

“Capturado.” Sua mandíbula cerra. “Ele é um prêmio


impensável para um pirata como Madwulf. Imagino que ele esteja
a caminho neste exato segundo para saquear todos os navios de
tesouro em alto mar. Com cem armas à sua disposição, será
necessária uma frota inteira para detê-lo.”

Madwulf ofereceria à tripulação de Ashley liberdade


democrática e uma parte dos espólios em troca de sua
lealdade. Ninguém em sã consciência recusaria uma
oportunidade de ser rico e livre. Afinal, a maioria dos piratas são
desertores de uma marinha ou de outra. Aqueles que se
recusarem a se converter à pirataria com Madwulf seriam
colocados no porão ou mortos.

Enquanto Madwulf transforma os soldados de Ashley em


bandidos, Priest ainda estará perseguindo aquele navio. Só a
morte ou captura impediria meu marido de me caçar.

“Eu sinto muito.” Meu coração se aperta de terror pelo


Priest e tristeza por Ashley.

“Sim, bem, provei ser um comodoro bastante


incompetente. Permiti que o navio mais pesado da Marinha Real
caísse nas mãos de um pirata. Por isso, serei alvo de zombaria e
ridículo por toda uma nação e nunca mais poderei mostrar minha
cara na sociedade.” Ele caminha ao longo da costa e me coloca
no chão. “Mas eu não lamento.”

PAM GODWIN
Cambaleando de tontura com suas palavras e a névoa em
minha cabeça, percebo que estou sentada na proa de um escaler
encalhado. Uso os restos esfarrapados de sua camisa e nada
mais. Com esse pensamento, minha mão voa para minha
garganta.

“Você não perdeu.” Ele se agacha diante de mim, seu olhar


fixo na pedra de jade sob meus dedos. “Viu? Ainda aí.”

Solto um suspiro. “Meu pai me deu.”

“Quando você disse que roubou, eu sabia que não. Não


acho que você percebe quantas vezes toca nele.”

“É assustador como você é perceptivo.”

“Não perceptivo o suficiente. Meus homens foram


extorquidos por Madwulf bem debaixo do meu nariz. É a única
explicação para sua fuga. Ele deve ter subornado meus guardas
para libertá-lo.”

“Recrutou-os. Ofereceu a eles uma parte dos despojos se


eles se juntassem ao seu bando de ladrões. Você não sente muito
por isso?”

“Se Madwulf não tivesse escapado quando o fez, você ainda


estaria sob a custódia da Marinha Real.” Seus olhos se
encontram com os meus, as profundezas girando com emoção
quente e resoluta. “Você está livre, Bennett.”

“Nós dois estamos livres. Ninguém jamais saberá que você


matou John Dycker e seus tenentes.”

“Eu não me importo com isso.” Ele desvia o olhar, os


músculos tensos em seu rosto lindo. “Estou perdendo a cabeça
pensando no que Madwulf fará com uma arma como o
HMS Blitz.” Seu olhar volta, mais duro e mais brilhante do que
nunca. “Mas não posso lamentar o ataque de Madwulf à nau
capitânia. Os soldados do almirante sabiam da depravação que

PAM GODWIN
acontecia com você e aquelas mulheres, e não fizeram nada. Seu
sotaque engrossa, ficando mais profundo. “Eles mereciam
morrer.”

“A soma das ações de um homem determina seu futuro,


certo? O mesmo pode ser dito sobre mim. Sou uma pirata. Uma
ladra. Uma assassina.” Eu agarro seu punho flexionado e o
seguro no meu colo. “Afundei com aquele navio. Pela lei inglesa,
esse é um destino que eu merecia. Então, como vim parar aqui?”

“Fui atirado para a popa e foi aí que...”

“Os botes foram encontrados.” Olho para o que sento,


incapaz de imaginar como ele o implantou durante uma batalha.

“Este barco me encontrou. Estava apenas...lá. Então eu te


encontrei. Cristo, demorou uma eternidade na fumaça e no caos,
e morri um milhão de mortes pensando que tinha perdido
você. Mas quando vi você afundando com o navio, soube meu
propósito, meu destino.” Ele aperta minha mão, seu pomo de
adão quicando. “Eu deveria estar neste bote exatamente onde
estava quando você caiu no mar. Foi como se todas as decisões
que tomei levassem ao momento em que você caiu e mergulhei
atrás de você.”

“Não seja ridículo.” Meu queixo estremece, arruinando meu


tom de repreensão. “Você arriscou sua vida.”

“Uma vida que não vale nada sem você.”

“Ashley...” Inclino-me e descanso minha testa contra a


dele. “Eu estava respirando?”

“Não.” Uma sílaba forjada pela angústia.

“Você colocou sua linda boca na minha como o tenente


Flemming mostrou a você?”

“Sim.” Sua mão desliza em meu cabelo, unindo nossos


lábios. “Depois que puxei você para este barco, dei a você meu ar

PAM GODWIN
repetidamente até que você respirou novamente. Foi a hora mais
longa da minha vida.”

Sorrio contra sua carranca. “Se salvar mulheres se


afogando é sua maneira de solicitar companhia feminina para o
jantar, está se esforçando demais.”

Ele engasga com uma risada. “Eu me apaixonei por você


naquele dia.”

“Sério?” Minha cabeça se joga para trás, e examino sua


expressão, encontrando os olhos azuis mais honestos que já
vi. “Essa foi a primeira coisa que eu disse a você a bordo do seu
navio.”

“Eu me lembro bem. Se você soubesse o que estava


acontecendo na minha cabeça...” Ele limpa a garganta. “E em
minhas calças.”

“Agora você deve me dizer.”

“Eu estava igualmente apavorado e excitado por você. A


intensidade dos sentimentos que você despertou em mim foi
diferente de tudo que experimentei. Eu queria amarrar você na
minha cama, avermelhar sua bunda, entrar em você e confessar
meus desejos mais profundos. O que realmente me atormentou
foi que eu sabia que você poderia lidar com minhas maneiras
indecentes, a indecência que escondi do mundo. Eu sabia que
você iria desfrutar de todas as formas de prazer imoral já
inventadas, seria mesmo grato, se confiasse em mim. Eu conheci
meu par no dia em que te conheci, e precisei de cada grama de
treinamento e autodisciplina para manter esses sentimentos
longe do meu rosto.”

Toco sua mandíbula de aço, afundando sob o fogo em seus


olhos.

“Se eu tivesse levado você para meus aposentos


imediatamente”, ele diz, “todo homem no meu navio saberia que

PAM GODWIN
eu estava comprometido. Colocando você naquele domínio com
Madwulf...”

“Eu era sua inimiga. Você estava fazendo seu trabalho.”

“Eu me arrependo disso. Ouça-me,


Bennett. Eu nunca vou me perdoar por permitir que Madwulf
tocasse em você e...” Sua mão aperta meu cabelo. “O almirante. O
que você suportou sob a custódia daquele monstro...”

“Rachada, mas não quebrada. Foi o que você disse.” Eu


beijo sua boca fervente. “Eu sobrevivi, Ashley, e sou mais forte
por isso. Obrigada por ter vindo por mim.”

Um som de raiva vibra em seu peito, e ele se inclina para


trás para acariciar o contorno da minha boca com o
polegar. “Seus lábios estão secos. Você está desidratada.” Ele se
levanta e dá alguns passos para longe, sondando as árvores que
na orla da costa. “Encontraremos água doce naquela floresta.”

Sua calça branca, agora marrom de terra e areia, puída na


cintura e nas panturrilhas. Cortes sangrentos brilham através
dos orifícios rasgados. Arranhões, machucados e outras
contusões avermelhadas marcam seu torso e braços
musculosos. Ele não calça sapatos ou armas. Nada além da calça
e todos aqueles músculos esculpidos. Eu não consigo imaginar a
força e o equilíbrio necessários para puxar meu corpo inerte para
o bote sem perdê-lo.

Sem roupa e com trapos esfarrapados, ele parece um


guerreiro do Império Romano. Feito de ferro e ferocidade, sua
beleza masculina por si só excitaria uma multidão faminta. Ele
não precisa de uma arma, pois é uma. A largura de seus ombros
e o forte poder em seus braços e pernas atestam sua competência
na batalha.

PAM GODWIN
O homem me puxou do oceano, diretamente de debaixo de
um navio de guerra em chamas, afundando. Ele mais do que
merece meu respeito.

Gradualmente, arrasto meu olhar do seu físico magnífico e


o encontro olhando para mim. “O que?”

“Você está olhando.”

“Estou admirando.”

Ele pega minha mão e meu corpo estremece com o calor de


seu toque. Então ele se abaixa para me levantar.

“Espere.” Empurro seu peito, parando-o. “Eu andarei.”

“Você teve uma concussão.”

“Você não é médico e, além disso, embora eu tenha dormido


nas últimas horas, você não fechou os olhos nenhuma vez. Estou
certa?”

“Vou dormir quando encontrarmos água e comida.”

Eu me levanto, lutando contra um ataque repentino de


vertigem. Com uma mão protegendo meus olhos, marco a
localização do sol da manhã. “Estamos no lado leste da ilha. A
ponta sul, você disse?” Começo a caminhada em direção à linha
das árvores.

“Sim.” Ele flutua bem ao meu lado, como se esperasse que


eu caísse. “Onde você vai?”

“Eleutera é bastante comprida e estreita. Menos de


duzentos quilômetros de ponta a ponta.” Aumento o passo para
escapar da areia escaldante sob os pés. “Se seguirmos direto por
esses bosques por três ou quatro quilômetros, chegaremos na
costa oeste. Há um pequeno vilarejo agrícola em algum lugar
daquele lado, e se formos legais...” Dou a ele um olhar
aguçado. “Os fazendeiros vão nos alimentar e nos dar um lugar

PAM GODWIN
para descansar.” Piso na sombra da floresta, instantaneamente
aliviada pela queda na temperatura. “O que não sei é se existem
criaturas venenosas ou predadores comedores de homens aqui.”

“Nenhum que eu saiba.”

“Uma coisa a menos para se preocupar.” Escolho ir ao


longo de um caminho estreito, andando rapidamente entre
arbustos e árvores baixas. “Nós iremos em direção ao vilarejo e...”

“Você está se esforçando tanto para ser a capitã desta


expedição. É adorável.”

“Não zombe de mim, Ashley Cutler. Eu sou uma capitã.”

“Sim, mas eu superei você.”

Dou a ele um olhar incisivo, que ele devolve com um brilho


provocante em seus olhos.

“Como eu estava dizendo...” Meus lábios se


contraem. “Faremos uma parada no vilarejo para comer e
descansar, em seguida, seguiremos para o norte.”

“Norte?”

“Harbor Island. Veja!” Eu aponto para um riacho


raso. “Água suficiente para molhar o leito de pedra, mas se
seguirmos, encontraremos a fonte.”

Em favor da água potável, ele não insiste no assunto


Harbour Island. A três quilômetros ou mais de onde partimos,
localizamos uma piscina de água doce ligada a uma pequena
cachoeira.

A água tem um gosto tão crocante e refrescante que


mergulho todo o meu corpo nela.

“Eu não tomo banho há...” Afundo minha cabeça e me


levanto para encontrar seu rosto a centímetros do meu. Minha
respiração gagueja. “Não me lembro.”

PAM GODWIN
“Na próxima vez que eu tiver acesso ao sabonete, lavarei
cada centímetro do seu corpo eu mesmo.”

Eu disse essas palavras ao meu marido da última vez que


o vi. Há quanto tempo foi isso? Três semanas? Um mês?

Demasiado longo.

Oh. A ironia. Eu fugi daquele homem por dois anos. E


agora, sinto falta dele terrivelmente.

Minha garganta se fecha, meu mundo se acalma em uma


visão sombria de minha situação. Pela primeira vez desde
que pulei do arco de Jade , estou olhando para a chance real de
sobrevivência. Isso significa que preciso considerar o futuro.

Fui casada com um homem que amava. Eu amo outro


homem que não sabe que sou casada. Escolher entre eles não é
uma opção. Eu não posso. Eu não vou. Prefiro me afogar sob um
navio em chamas.

Ashley envolve seu corpo molhado em volta do meu e me


puxa para perto de todo o seu calor masculino tentador. Seus
lábios caem sobre meu pescoço, beijando, acariciando e
controlando o ritmo do meu pulso. Eu derreto no cobertor de
veludo do seu peito, tão firme e quente, não um sonho, mas carne
e sangue reais. Meu homem. Ele pertence a mim e a mais
ninguém.

Calor emaranha entre minhas pernas. Sua boca arrebata


minha pele. Eu afundo nele, e congelo.

Parece errado.

Eu me sinto uma fraude.

Empurrando seus braços, me afasto e saio da piscina.

Eu preciso contar a ele sobre o Priest.

Eu preciso contar ao Priest sobre Ashley.

PAM GODWIN
A menos que Priest esteja morto.

Um nó se aloja na minha garganta. Não, eu não posso


pensar dessa forma. Nunca desistiria da vida do meu marido. Ele
foi mais esperto e sobreviveu a todas as pessoas que o
subestimaram.

“Devemos nos mover.” Com o estômago em nós, torço a


umidade dos meus cachos e começo a andar para o oeste.

Água espirra atrás de mim e dedos fortes pegam meu braço,


girando-me.

“Eu não estava tentando...” Ashley passa a mão pelo cabelo


molhado e seu olhar mergulha, vagando pela minha roupa
rasgada, que agora está encharcada, transparente e grudada no
meu corpo.

Meus mamilos, a sombra dos cachos entre minhas pernas,


tudo em exibição.

Inclino minha cabeça, tentando lê-lo. Ele sente repulsa por


saber que outro homem me contaminou de forma tão desprezível?

“Eu quero você.” Sua garganta trabalha por um momento,


parecendo empurrar palavras que não saem. Sua mão, ainda
esfregando o cabelo, desce até a nuca. “Deus me ajude, como não
poderia? Você é dolorosa e inconcebivelmente, a mulher mais
deslumbrante que já vi. Estaria mentindo se dissesse que não a
quero em todos os sentidos, agora, bem ali na água, apesar dos
horrores e abusos que seu corpo suportou nas últimas duas
semanas. Eu quero. Você. Egoística e completamente. Quero
foder cada tormento de sua mente e alma até que eu seja tudo o
que resta.” Ele respira fundo, sua voz suavizando. “Mas
eu nunca esperaria que me quisesse assim tão cedo... ele. ”

Algo muda no meu peito, travando no lugar. “Ashley...”

PAM GODWIN
“Fique em silencio.” Ele ergue um dedo, olhando para
mim. “Quando eu puxei você contra mim na piscina, eu não
estava tentando tirar de você. Eu te amo. Isso vai além da
luxúria. Supera o prazer carnal. O que sinto por você é profundo,
feroz e muito forte, Bennett. Eu finalmente tinha você de volta
e...” Ele aperta o punho contra o peito. “Meu coração sabe
disso. E meu corpo sabe disso. Então, quando sinto sua beleza
sob minhas mãos, eu endureço, pensando em você me levando
onde é profunda, feroz e forte.” Ele se endireita, sua expressão
dura. “Maldição, não estou dizendo isso decentemente. Fui
criado para ser um cavalheiro desgraçado e não sei como ser
gentil.”

“Certo.” Eu solto um suspiro, meu pulso zumbindo em


minhas veias. “Em primeiro lugar, eu também te amo. Em
segundo lugar, você nunca foi gentil ou decente comigo. Nunca
me tratou como uma donzela frágil. Não se atreva a começar
agora.”

“Existe um terceiro ponto?”

“Não, eu...”

Ele está em mim antes que eu pudesse piscar.

PAM GODWIN
QUARENTA

A boca de Ashley colide com a minha, seus lábios quentes


separam sedutoramente os meus com o impulso de sua língua
urgente. Ele era um beijador assertivo antes, mas agora, sua
paixão parece imprudente, desesperada, como se cada golpe
fosse um comando para esquecer, cada lambida uma insistência
para que eu me cure.

Eu me rendo de boa vontade, meu corpo latejando para


ceder onde foi contaminado, todas aquelas partes delicadas
doendo para sentir sua plenitude. Quando ele me deixa respirar,
eu não quero ar. Eu só quero ele.

“Foda-me, Ashley.” Espalmo o inchaço espesso e duro em


suas calças. “Foda cada tormento da minha mente e alma até que
você seja tudo o que resta.”

Um gemido áspero sai de sua garganta, e ele baixa sua


testa na minha. “Eu vou. Irei para a cama com você tão
frequentemente e completamente que você se cansará de olhar
para mim. Mas não aqui. Não até que eu tenha controle de nossa
situação.” Sua mão treme quando ele agarra meus dedos e os
desliza para longe de sua ereção. “Você precisa muito de
nutrição, roupas adequadas e uma inspeção mais detalhada da
contusão em sua cabeça.” Ele olha ao redor na selva

PAM GODWIN
circundante. “Nós nos movemos um pouco através da floresta, de
onde não sabemos. Precisamos do nosso juízo enquanto nos
aproximamos da outra margem.”

Eu gemo, coloco minha cabeça em seu peito e


suspiro. “Você está certo.”

Depois de outro longo gole da lagoa, retomamos nossa


expedição para o oeste. Além do chilrear dos pássaros nas copas
acima, a caminhada é relativamente tranquila. Até que ele se
lembra do que eu disse antes de nossa caça à água.

“Harbor Island...” Ele avança pesadamente à minha frente,


usando um galho para limpar a folhagem. “Diga-me por que você
quer ir para lá.”

“Hum... sim, sobre isso... eu não fui completamente


honesta com você. O dia em que você me capturou...”

"Você disse à sua equipe para esperar por você lá?”

Meus joelhos ficam líquidos e tropeço, me prendendo em


um galho de árvore.

“Você está bem?” Ele olha por cima do ombro.

Eu olho para ele.

Seus lábios se curvam em um arco suave de um lado, os


olhos brilhando. “Acha que eu não sabia que você organizou
aquele salto do seu navio?”

Minha boca abre e fecha como um peixe moribundo.

“Oh, Bennett.” Sua risada estremece através de mim. “Eu


adoro deixar você sem palavras.”

“Como?”

“O pirata que empurrou você...” Ele estende a mão,


esperando que eu a pegue.

PAM GODWIN
"Reynolds.” Eu me aproximo dele e agarro seus dedos
quentes. “Irmão de Priest Farrell.”

“Sim, bem, o pobre sujeito tinha a aparência mais terrível


ao empurrar você. Eu o observei através da luneta e ouso dizer
que havia lágrimas em seus olhos.”

“Idiota superprotetor,” murmuro. “Contramestre


excepcional.”

“Não só ele. Quando você caiu, toda a sua tripulação


prendeu a respiração, horrorizada. Eles lamentaram tão
profundamente que senti isso através da água. Foi realmente
incrível.”

“Malditos idiotas. Eles deveriam torcer e se comportar


como se o motim fosse real.”

“Eles rapidamente se recompuseram e fizeram um show de


aplausos e assobios. Meus tenentes acreditaram no
estratagema.”

“Eu não posso acreditar que você sabia disso esse tempo
todo.” Piso em uma árvore caída, mantendo meus sentidos presos
nas ondas distantes. “Por que você os deixou ir?”

“Eu só queria você. A partir do momento em que você parou


na amurada, meio vestida e gritando palavrões ao navio de Sua
Majestade, não pude desviar o olhar. Fiquei completamente
encantado com você. Para o inferno com todo o resto.”

“Meu Deus, eu não tinha ideia.” Empurro um galho do meu


caminho, estudando-o enquanto caminhamos. “O que mais você
descobriu sobre mim?”

“O que mais você está escondendo de mim, sua mulher


enganadora?”

Demais.

PAM GODWIN
“Eu tinha alguns planos de fuga.” Olho para ele, temendo
a conversa sobre Priest.

“Sim, suas táticas de sereia foram notavelmente bem-


sucedidas. Rasgou meu coração quando você o roubou. Bem
feito.”

“Um esquema muito melhor do que a gravidez falsa.”

Ele enrosca seus dedos nos meus e segura meu olhar. Não
há necessidade de insistir no tópico da minha infertilidade. Já
dissemos tudo o que havia a dizer sobre isso.

Meu primeiro plano de fuga ainda está lá fora, me caçando


incansavelmente.

Enquanto caminhamos pelo mato espesso, meu estômago


embrulha. Os sons da maré quebrando na costa oeste ficam mais
altos, mais perto.

Eu preciso contar a ele sobre o Priest. Eu não posso adiar


mais. “Ashley...”

“Aquilo é…?” Ele puxa minha mão, me arrastando atrás


dele enquanto corre pela floresta. “Veja!”

Seguindo seu olhar para cima, engasgo ao ver inúmeras


laranjas. Pisamos em um bosque de árvores cítricas. Cristo, isso
alimentaria uma aldeia. A menos que eles compartilhassem da
estranha aflição de Priest para a fruta.

Ashley arranca uma madura de um galho baixo e


rapidamente a descasca. Depois de cheirar uma enorme fatia
suculenta, ele a oferece aos meus lábios, que como com grande
apetite.

A doçura irresistível explode em minha língua, me fazendo


gemer e acenar com a cabeça por mais. Em minutos, devoramos
avidamente quatro laranjas entre nós.

PAM GODWIN
Ele junta o máximo que pode carregar, agarra minha mão
e volta a andar. O sustento em sua barriga deve ter levantado seu
ânimo, mas ele parece profundamente reflexivo, mal-humorado
até.

“Ashley?”

“Eu preciso falar com você sobre Priest Farrell.”

“O que?” Os cabelos da minha nuca se eriçam.

Seus pés diminuem a velocidade, seu olhar fixo na direção


do mar. “Ele não é quem você pensa que é.”

“O que você quer dizer?” Eu olho para as laranjas que ele


segura, minha garganta apertando com suspeita. “Por que você
está mencionando ele agora?”

Sua cabeça vira ligeiramente, seu rosto desviado e de


repente pálido. Então ele fica assustadoramente
imóvel. Distraído.

Meus nervos ficam do avesso.

“Você vê isso?” Com os olhos arregalados, ele olha ao longe


para algo que eu não posso ver.

“Não, o que é...?”

Ele tapa minha boca com a mão e as laranjas caem no


chão. Com um olhar severo em minha direção, ele coloca um
dedo contra os lábios. Meus ossos se fundem nas juntas de medo.

Movendo-se lenta e silenciosamente, ele se afasta,


inclinando o pescoço para ver por entre as árvores. O que quer
que o tenha alarmado contraiu seus músculos, forçando cada
tendão e nervo em suas costas nuas.

PAM GODWIN
Com o pulso acelerado, inclino-me para frente e estreito os
olhos através da folhagem. E engasgo.

Aquilo é um navio? A silhueta nebulosa de cordames e


mastros parecem tão distante, mas não inconcebível se a costa
ficar além das árvores.

A cobertura do solo se mexe atrás de mim. O estalar de


folhas, o estalar de um galho... Passos.

Ashley gira em minha direção enquanto eu me viro para


olhar para trás.

Um punho estala em meu rosto, abalando minha visão e


me jogando de joelhos. Achei que fosse desmaiar até que o rugido
enfurecido de Ashley quebrou minha névoa atordoada.

Eu levanto minha cabeça quando dois homens brancos


desgrenhados o atacam. Eles seguram seus braços e pescoço,
tentando conter seu corpo. Mas ele se liberta e corre para frente,
sua expressão fervilhando de violência desenfreada.

No meio do caminho para mim, os homens pulam em suas


costas. Ele os arrasta vários passos mais, seus dentes
arreganhados e os olhos fixos nos meus.

“Ashley!” Pego um galho pesado para usar como arma e


tento me levantar. Mas minhas pernas falham, meu corpo inteiro
puxa para baixo como se eu estivesse submersa na lama. Minha
cabeça não parece bem e bagunça minha coordenação.

A poucos metros de distância, Ashley balança os punhos e


cotovelos, derrubando os homens apenas para ser atacado e
dominado novamente. Eles lutam com ele para o chão, e seu
olhar permanece em mim, sua luta dirigida por um único
propósito. Eu vejo em seus olhos. Sua determinação em me
proteger.

PAM GODWIN
Então sua atenção salta para algo por cima do meu
ombro. Sua expressão se distorce, transformando-se de um
homem em um animal selvagem enquanto ele grita e luta,
tentando rastejar para frente.

Em um lampejo de aço, uma lâmina me atinge sob o


queixo. Meu estômago embrulha.

“Vou tirar a cabeça dela.” O estranho sotaque inglês vem


atrás de mim, profundamente masculino e decisivamente
triunfante. “Mova um único músculo e ela morre.”

O rosto de Ashley fica branco como um fantasma, seus


dedos cavando na terra. Deitado de peito no chão com dois
brutamontes nas costas, ele não tem escolha a não ser capitular.

Meus pulmões ofegam enquanto forço meu campo de visão


para o lado. Na minha periferia está o punho sólido de um cutelo,
seguro pela mão calejada de um marinheiro.

Pirata.

Quando a lâmina pressiona contra minha garganta, eu sei


que perdi minha liberdade no mesmo dia em que a ganhei.

“Declare seu propósito, pirata.” Minha voz falha e eu tusso,


lutando contra a tontura. “Quem é Você?”

“Você não se lembra de nós?” O bastardo barbudo que


segura Ashley joga a cabeça para trás e ri. “Estou ansioso para
lembrá-la.”

Ashley olha para eles, seus olhos brilhando de


reconhecimento e horror. Então, todo o seu comportamento
endurece com uma raiva crua de gelar os ossos.

“O navio...” Sem mover meu pescoço, eu viro meu olhar em


direção à costa, tremendo de novo ultraje. “É o HMS Blitz , não
é?”

PAM GODWIN
“É o Blitz, certo. Mas não é mais o navio de Sua
Majestade.” O homem com o cutelo me dá uma cutucada nas
costas. “De pé. O capitão não vai acreditar no que estará vendo
quando te ver.”

Capitão Madwulf MacNally.

A náusea aumenta, turvando-me de pavor.

Não olho para Ashley quando tropeço para me


levantar. Não posso suportar ver a miséria, fúria, tristeza... o que
quer que deva estar distorcendo sua expressão.

Meu captor me segura e me ajuda a andar, pois minha


cabeça pesa muito sobre meus ombros. Eles usam faixas e tiras
de couro da cintura para amarrar nossas mãos nas
costas. Ashley é mantido atrás de mim, nós dois escoltados com
pistolas e lâminas. Armas que eles roubaram do arsenal do navio
de Ashley.

A marcha pela mata passa em uma névoa borrada. Em


algum momento, esvazio meu estômago, perdendo cada mordida
de laranja que ingeri. A consciência flutua para longe, puxando,
mas eu me seguro por um fio.

Logo, as plantas baixas sob meus pés dão lugar à areia. A


luz do sol perfura cacos de agonia em meus olhos enquanto eu
observo a costa. E lá ele se encontra, longe na praia.

Blitz.

Da proa à popa, a beleza de cem canhões se estende de


forma lisa e elegante, seu casco, velas e mastros em ordem
superior. Ele não parece ter um arranhão depois do ataque da
noite passada à nau capitânia.

Eu ouso olhar para Ashley atrás de mim, mas ele não está
olhando para o navio. Ele olha diretamente para mim, seus olhos

PAM GODWIN
brilhando com promessas sanguinárias. Promessas sem palavras
de destruir todos nesta ilha.

Bom, porque estou ansiosa para derramar um pouco de


sangue também.

Talvez, se não estivesse tropeçando e lutando contra a visão


dupla, poderíamos ter sido capazes de dominar nossos
captores. Mas minha fraqueza serve para manter Ashley na
linha. Se ele tentar dominar os homens que o seguram, o pirata
nas minhas costas me mata.

Eu preciso recuperar minhas forças e ter minha cabeça em


ordem. Então, descobrirei um plano.

Os piratas nos empurram para frente. Vamos para a praia,


cambaleando em direção ao navio por mais tempo do que pensei
que conseguiria caminhar.

“Como você escapou do bloqueio?” Lambo lábios rachados,


ressecados e superaquecidos sob o insuportável sol do
Caribe. “Você subornou os guardas?”

“Pare de falar.” Uma bota bate nas minhas costas, jogando-


me de cara na areia.

“Não toque nela!” Ashley ruge e avança em minha direção,


puxando inutilmente as amarras de suas costas.

O cutelo reaparece embaixo do meu queixo e ele para


derrapando.

Um dos bandidos tirou seu lenço manchado de suor e


amarrou em volta da minha cabeça, me amordaçando. Outro ri e
faz o mesmo, silenciando Ashley também.

E esse é o fim da conversa.

Nós pisoteamos ao longo da costa em silêncio, cada passo


nos levando em direção ao Blitz . Ashley não demonstra remorso

PAM GODWIN
ou reação ao vê-lo ancorado tão perto. Talvez porque ainda está
tão fora de alcance.

Por fim, chegamos ao povoado agrícola. É composto de


pequenas cabanas estendidas ao longo da linha das árvores
conectadas a pastagens de gado e plantações. Um alvo ideal para
um navio pirata que procura saquear suprimentos, reabastecer
lojas de alimentos e estuprar as filhas dos fazendeiros antes de
prosseguir para prêmios maiores.

Nunca afirmei ser uma pirata decente, mas minha


tripulação e eu seguimos algumas regras de conduta rígidas. Os
Artigos que redigimos a bordo de Jade proíbem ataques contra
pessoas desarmadas, fazendeiros, plebeus, qualquer um que não
se enquadrasse nas categorias de babacas ricos e homens do
rei. Jade passou por este vilarejo algumas vezes ao longo dos
anos, e nenhuma vez pensamos em atacá-lo.

Mas é exatamente por isso que Blitz está aqui.

Entre essas famílias de agricultores, Madwulf pode reunir


outros cinquenta homens como reforço para sua milícia.

Enquanto meu captor me empurra para a frente ao longo


da praia, observo piratas entrarem e saírem em botes entre o
navio de guerra e a costa. Eles estão saqueando os habitantes de
sua bebida, óleo de baleia e todo o gado que pode ser carregado,
sem dúvida lotando os conveses do navio de guerra com galinhas,
porcos, cabras, ovelhas vivas, os ingredientes de um banquete.

Ashley e eu somos levados a uma das humildes moradias


de um único cômodo. Ao entrar, o ar fica tenso, abafado pela
umidade.

Pelo menos uma dúzia de piratas já se acomodou na casa,


recostados nas camas, sentados ao redor da mesa de jantar e
esparramados sobre os móveis modestos.

PAM GODWIN
Uma sensação de formigamento percorre minha pele e se
enterra em meu estômago.

Algum desses homens é soldado de Ashley? Onde está


Madwulf? No navio? Em uma das casas vizinhas? Talvez ele
esteja lá fora, violando as mulheres que viviam aqui?

Eu compartilho um olhar com Ashley e sei que ele tem os


mesmos pensamentos sombrios.

“Ela está viva?” Um dos piratas dá um pulo.

“E o Comodoro.” Outro cospe pela abertura entre os dentes.

Risos e alegria maliciosa pressionam contra meus ossos,


esticando meus nervos em carne viva.

Antes que o dia termine, eu servirei de entretenimento para


esses libertinos obscenos. Todos eles estão pensando isso. E
durante a devassidão iminente, Ashley será forçado a assistir,
serei torturada e estripada, sem nenhuma ordem particular.

Eu preciso da minha voz, mas eles não dão nenhuma


indicação de que nossas mordaças serão removidas.

Somos conduzidos a uma viga no centro da cabana. As


cordas substituem as amarras em nossos pulsos e nos
posicionamos no chão, ombro a ombro, com as mãos amarradas
ao poste.

O impulso de descansar minha cabeça no braço de Ashley


me atinge com força, mas permaneço rígida e obtusa, sem revelar
nada. Eles não precisam saber que amo o Comodoro. Eles
certamente não precisam saber que eu morrerei por ele.

Felizmente, ele segue meu exemplo e não se aproxima ou


lança afeto em minha direção. Pelo que sabem, ele ainda quer me
entregar à Inglaterra para ser enforcada.

PAM GODWIN
“Onde está o capitão?” Alguém pergunta.

“Vindo para cá agora.” Um sujeito magro, desajeitado e com


as juntas frouxas se inclina na porta, palitando os dentes com
uma lâmina. “Capitão! Venha ver o que temos!”

Lá fora, duas vozes se aproximam da casa. Uma é muito


baixa para ouvir com clareza, mas a outra arrasta-se em um
sotaque que vem da Escócia. Quando a inflexão atinge meus
ouvidos, meu corpo inteiro treme de medo.

“Não sei nada sobre isso”, Madwulf grunhe. “Disseram-me


que o almirante a enforcou no braço do pátio. Ela está morta.”

Com quem ele está falando? Eu me inclino para frente, o


coração batendo forte, esperando, implorando...

“Ela foi vista no convés superior da nau capitânia enquanto


você estava explodindo o cordame dela contra a minha
vontade!” Aquela voz. A raiva. Seu forte sotaque galês.

Minha respiração deixa meus lábios nas asas da salvação.

Priest está aqui.

PAM GODWIN
QUARENTA E UM

A pulsação estrondosa na minha cabeça consome o som do


sotaque inesquecível de Priest. Pressiono meus lábios e silencio
meus suspiros, me esforçando para ouvi-lo.

Ao meu lado, Ashley fica inumanamente imóvel, como se


todo o seu ser estivesse focado na conversa além da porta.

“Quem a viu?” O sotaque escocês de Madwulf engrossa.

“Um dos soldados de Cutler. Por que estou apenas


agora sabendo isso?” A fúria torna a voz do Priest mais áspera,
cada sílaba fervendo com veemência. “Ouça bem, Madwulf. Se ela
estiver morta por causa de suas ações, vou precisar de algo para
esfaquear repetidamente, e seu rosto se tornará meu alvo
favorito.”

“Uh, capitão MacNally...” O duque dos membros na porta


levanta um dedo frouxo.

“Não entendo o problema” Madwulf diz, ignorando seu


companheiro de tripulação. “Você me disse que a queria morta.”

“Queria matá-la eu mesmo!” Priest ruge. “Eu! Ninguém


mais. Esse foi o acordo.”

PAM GODWIN
Acordo? Minha mente gira, tentando encaixar as
peças. Como o Priest chegou aqui? Ele chegou com
Madwulf? Isso significa que ele estava no HMS Blitz quando
disparou contra a nau capitânia?

Tudo de uma vez, tudo clica.

Priest deve ter entrado sorrateiramente no


HMS Blitz enquanto Ashley ancorou em Nassau para fazer
buscas no bordel. Ashley ficou lá por duas semanas, então eu
não tenho certeza sobre o momento. As evidências sugerem que
Priest libertou Madwulf do porão depois que Ashley navegou de
volta ao almirante. Porque os piratas tomaram o
HMS Blitz enquanto Ashley estava comigo na nau capitânia do
almirante.

Aparentemente, ninguém disse ao Priest que eu estava viva


e presa na nau capitânia do almirante. A omissão foi deliberada,
com certeza, pois seria do interesse de Madwulf afundar a nau
capitânia sem que Priest o impedisse de me procurar.

Meus ouvidos batem descontroladamente com o tambor da


minha pulsação sobrecarregada. Estou com o coração tão triste
com a perfídia de Priest, mas isso não é nada comparado ao que
ele deve ter sentido quando lhe disseram que eu estava
morta. Depois que ele os libertou.

Madwulf queria o navio de Ashley. Priest me queria. Eles


mentiram um para o outro para proteger suas agendas, e aqui
estamos nós, oscilando à beira de uma divulgação
completa. Sinto o derramamento de sangue iminente em meus
ossos.

“O que está feito está feito”, Madwulf grunhe. “Não me


ameace de novo, Priest.”

PAM GODWIN
“Na verdade, capitão...” O sujeito magro e mal-educado na
porta interrompe novamente. “Ela está aqui. Veja.” Ele faz um
gesto para dentro da casa.

O som de passos explode em uma agitação do lado de


fora. Um segundo depois, vários homens entram, mas meu
mundo se reduz a um.

Os olhos prateados de Priest vem direto para os meus, sua


expressão inundada com tudo o que eu sinto... choque, confusão,
alívio e determinação selvagem.

Enquanto seu olhar freneticamente passa por mim,


procurando ferimentos, dou a ele a mesma inspeção.

Ele usa um cinturão de lâminas e pistolas sobre o


ombro. Um cutelo pendurado em tiras de couro em volta de sua
cintura. As botas pretas do meu pai cobrem seus pés e
suspensórios de couro adornam seus antebraços. Meu exame
percorre a calça marrom confortável e a camisa preta solta antes
de pousar na bússola.

Minha bússola.

Presa sob a cintura e presa aos vários cintos, é um choque


glorioso para o coração. Achei que nunca mais a veria, mas lá
está. Segura. Inteira. Preciosa. Impossível de
substituir. Igualzinho ao meu marido.

Ele não se move da porta, seu físico robusto tão rígido e


duro que é como se a visão de mim o transformou em pedra.

Seu olhar intenso segura o meu. Sua respiração fica mais


rápida e, naquele momento sublime de contato visual, tudo
parece certo no mundo. Com Ashley ao meu lado e Priest armado
até os dentes, eu sei que sobreviveremos a isso. Todos os três.

Mas esses pensamentos evaporam no instante em que


Priest volta sua atenção para Ashley.

PAM GODWIN
O semblante de Priest turva-se, todo o seu comportamento
assume o de um estranho. Ele parece mais alto de alguma forma,
mais largo, seus ombros rolando para trás em uma postura de
combate. Por que? Ele reconheceu Ashley como o caçador de
piratas que me levou sob custódia? Ele não pode saber sobre meu
relacionamento íntimo com Ashley.

As rugas na boca e na testa não revelam


nada. Raiva? Suspeita? Ressentimento? Normalmente ele
expressava seus sentimentos tão claramente em seu rosto, mas
isso não é nada que posso interpretar.

Ele não é quem você pensa que é.

Obrigado, Ashley, por plantar a semente da dúvida. Agora


me pergunto se eles se conhecem.

Ashley provavelmente está girando em seu eixo


cuidadosamente controlado, se perguntando por que o Feral
Priest está me caçando.

Que desastre monumental.

Um movimento atrai minha atenção para o homem ao lado


de Priest e estremeço.

O capitão Madwulf MacNally está de pé com as botas na


largura dos ombros, as mãos cruzadas atrás dele e os olhos fixos
entre Priest e Ashley. A inteligência dispara naqueles olhos, e isso
me assusta mais do que a cinta de armas que ele usa no peito.

Não importa quanta ajuda ele recebeu em sua fuga do


porão. O fato é que conseguiu. Ele fugiu, assumiu o comando de
um navio da Marinha Real e afundou o HMS Ludwig com o
almirante e o Comodoro a bordo.

Este não é um homem que quero como inimigo, mas eu


tolamente percebo, como minhas mãos estão amarradas, minha

PAM GODWIN
boca amordaçada, e ele olha para mim com um olhar que daria
uma mancha de estrume no fundo de uma bota.

Eu o irritei. Deve ter sido o incidente da


barba. Evidentemente, ele ainda me culpa por aquela infeliz
demonstração de desrespeito. Se eu tivesse minha voz, explicaria
a ele que não sou sua inimiga e não interferirei em seus planos
de fazer o inferno em alto mar com Blitz. Eu não posso, no
entanto, falar pelo homem ao meu lado. Ashley quer seu navio de
volta.

Talvez seja melhor que meu comodoro estoicamente


fervendo esteja amordaçado.

“Você conhece este oficial?” Madwulf empurra seu queixo


para Ashley, sua pergunta dirigida a Priest.

“Eu sei que ele é a razão de eu perder o rastro dela há um


mês.” Priest vem em minha direção, mas seu olhar é todo para
Ashley. “Eu estava tão perto de pegá-
la. Tão. Diabos. Próximo. Atrevo-me a dizer que não fiquei muito
entusiasmado em saber que a Marinha Real a tirou do meu
alcance.”

Ashley olha para ele, sem emoção. Totalmente


impassível. Enquanto isso, meus órgãos vitais entram em frenesi.

Qualquer que seja o jogo que Priest está jogando, irei junto
com ele. Eu confiei nele com minha vida. São as chances de
sobrevivência de Ashley que me abalam profundamente. Priest
não o protegerá. Se Priest descobrir nosso relacionamento, ele
mesmo destruirá Ashley.

“Vamos ouvir a história, Priest.” Madwulf dá uma volta em


torno de nós, observando, analisando. “O que esse pedaço de saia
insignificante fez para levá-lo aos extremos de um desesperado
assassino?”

“Ela matou meu pai.”

PAM GODWIN
Bem, isso é verdade. Priest faria a ação ele
mesmo. Acontece que eu enfiei a lâmina primeiro.

Madwulf estreita os olhos, faz beicinho com os lábios e


assente com firmeza. Kin é inestimável para os Highlanders. É
dever de um escocês, um grito de guerra em seu sangue, vingar
os membros da família morto.

Priest sabe disso enquanto fica sobre minhas pernas


estendidas e se inclina. Com um som de corte, ele expele um
punhado de cuspe no assoalho entre minhas coxas, errando a
bainha da camisa por um fio de cabelo. Então ele bate no meu
rosto para garantir.

Apesar do zumbido em meus ouvidos, tenho que dar a ele


algum mérito. Seu desempenho estelar envia a sala em alegre
aprovação.

Ao meu lado, Ashley não se mexe. Ele tinha a impressão de


que passei uma noite com Priest Farrell dois anos atrás e não vi
o libertino desde então. Com sorte, viveremos o suficiente para
que eu explique.

Com alguma sorte, o público de cerca de dez piratas


armados se mudará em breve e terminará de saquear a
ilha. Priest pode dominar e matar alguns homens sozinho. Mas
não tantos.

Madwulf sabe disso e é improvável que dê a Priest qualquer


vantagem. Com base em meu último encontro com o escocês, ele
provavelmente não vai embora sem se vingar um pouco. Eu o
envergonhei na frente de seus homens. Ele pode parecer amigável
agora, mas está apenas ganhando tempo antes de me fazer pagar.

“Ela parece uma prostituta magra.” Priest se afasta.

Eu grunho atrás da mordaça, jogando junto.

PAM GODWIN
“O que você está fazendo?” Madwulf inclina a cabeça,
rastreando os movimentos de Priest perto da mesa.

“Alimentando a cadela.” Ele volta com um jarro de barro e


uma tigela. “Não vim até aqui para punir um cadáver.”

Ele se agacha ao meu lado e coloca a porcelana no


chão. Sua mão vai para a parte de trás da minha cabeça, seus
dedos instantaneamente encontram a contusão ali.

Sufoco um gemido, mas ele percebe, sua expressão perde


sua representação selvagem em favor de uma preocupação
genuína. Minha pulsação dispara, pois sei que Madwulf observa
cada interação com suspeita.

Priest rapidamente esconde a emoção, mas seu toque terno


permanece, seus dedos circulando a circunferência do nó
inchado, inspecionando seu estado. Então ele remove a mordaça.

Estico minha mandíbula enquanto um milhão de


perguntas e declarações sobem em minha garganta. Sei que não
devo deixar escapar nada disso. Uma palavra errada pode expor
a farsa de Priest, custar-lhe a vida ou, pelo menos, minha boca
irritaria Madwulf o suficiente para me amordaçar novamente.

Então, deixo de lado tudo o que quero dizer e opto por algo
mundano. “Como você me achou?”

Priest se senta ao lado do meu quadril e leva a jarra aos


meus lábios. Leite quente lava minha língua, que bebo
prontamente. Então ele me oferece arroz cozido com os
dedos. Engulo a papa, desejando que ele dê ao Ashley o mesmo
alimento. Ele não fará isso, e não posso pedir.

“Sua equipe felizmente me encaminhou para o


HMS Blitz.” A boca de Priest se curva em um sorriso
diabolicamente atraente.

PAM GODWIN
Há outro sorriso escondido nele. Um privado só para
mim. Ele sabe que minha tripulação o soltou do porão e disse
exatamente onde eu estava, por causa de minhas ordens.

Eu morro de vontade de dizer a ele que o perdoo, que não


importa o que aconteça, eu o amo e preciso dele e sinto sua
falta. Deus todo-poderoso, eu senti falta dele.

Em vez disso, tenho que fingir desinteresse e


repulsa. Nunca fui boa em dissimular. Mas isso tem que mudar,
pois Madwulf está esparramado em uma cadeira próxima,
observando e ouvindo com atenção extasiada.

Priest começa a narrar suas atividades no mês passado,


confirmando tudo que eu assumia. Ele seguiu o HMS Blitz até
New Providence em um saveiro roubado. Durante a noite, ele
escalou a lateral e saltou a bordo. Rápida e silenciosamente, foi
para o porão, presumindo que eu estava presa lá, apenas para
encontrar Madwulf e seu bando desleixado de rufiões. Quando
Priest não conseguiu me localizar em nenhum lugar do navio de
Ashley, fechou um acordo com Madwulf através das barras de
ferro.

Priest prometeu libertá-los e ajudá-los a tomar o


HMS Blitz . Em troca, eles ajudariam Priest a me caçar, com uma
forte ênfase em Priest ser o único que me mataria.

Durante seu diálogo, escuto dicas sobre a situação do meu


navio e da tripulação. Reynolds seguiu minhas ordens e navegou
para Harbor Island? Eles estão lá agora? A menos de duzentos
quilômetros de distância por terra? São apenas dois dias de
viagem a cavalo, e há muitos cavalos nas pastagens próximas.

Infelizmente, Priest e eu não podemos discutir nada disso


na presente companhia.

“Eu não sabia que Madwulf pretendia afundar a nau


capitânia.” Priest flexiona a mandíbula, retorcendo-se para fitar

PAM GODWIN
o Highlander. “Eu queria pesquisar primeiro e procurar provas
de sua morte.”

“Você não tinha nenhuma chance no inferno de se


esgueirar a bordo daquele navio, e sabe disso", Madwulf diz.

“Esperei para libertá-lo até que o HMS Blitz voltasse à nau


capitânia. Por que você acha que foi?”

Madwulf reclina-se na cadeira com os braços cruzados. “Eu


presumi que você estava apenas sendo uma vagabunda
irritante.”

“Enquanto sua matilha de bandidos estava atacando o


convés, apreendendo as armas e matando todos os ingleses que
resistissem a você, eu usaria essa distração para roubar a bordo
da nau capitânia do almirante. Esse era o meu plano até você
começar a explodir a coisa em estilhaços!” A pretensão de Priest
escorrega sob sua fúria crescente. “Você me disse que ela foi
enforcada.”

“Eu não vejo porque...”

“Você sabia que ela estava lá.” Priest levanta-se de um


salto, as narinas dilatadas e o pescoço tenso. “Você sabia que ela
estava viva quando destruiu aquele navio!”

Concordo que Madwulf estava mentindo, mas o passado


está no passado. Precisamos garantir nosso futuro, e isso não
acontecerá se Priest continuar neste caminho.

“Madwulf.” Eu espero por seu olhar. “Eu não sou sua


inimiga. Sou uma capitã pirata, assim como você.”

Sua mão vai para os cabelos ruivos curtos em seu queixo,


seus dedos agarrando uma barba fantasma. “Não há nada
pessoal entre você e eu, moça. Mas depois do desrespeito que seu
amante me deu, os rapazes e eu vamos molhar nossos paus entre
suas coxas bonitas.”

PAM GODWIN
Ashley faz um som de dor, irradiando tensão ao meu lado.

Minhas entranhas murcham e meu rosto fica frio, sem


sangue.

“Amante?” Priest olha para mim, seus olhos girando com


ameaças obscuras e distorcidas.

A atenção de Madwulf permanece em Ashley, seu tom


estimulando. “Ela ficou com Lord Cutler em sua cabine por quase
duas semanas. Seus homens, que agora são meus homens,
afirmam que os dois foderam como coelhos.”

Meu coração bate tão forte que vejo manchas pretas.

A cabeça de Priest estala em direção a Ashley, seu


estratagema de vingança se transformando em ciúme
flagrante. Eu o vi castrar homens por me tocar sem minha
permissão. Ele não terá escrúpulos em matar Ashley primeiro e
fazer perguntas depois.

Exceto que ele não foi para nenhuma das armas em sua
pessoa. Suas mãos nem mesmo se mexem para elas. Se tivesse,
um desses piratas teria passado uma lâmina por ele. Haverá uma
votação sobre quem terá o privilégio de assassinar o Comodoro.

Mesmo assim, Priest nunca exerceu autocontrole nessas


situações. Como ele está controlando suas reações impulsivas e
ciumentas agora? Eu não sei o que é, mas algo sobre isso me
incomoda.

Eu preciso enviar uma mensagem para ele sem Madwulf


suspeitar de nosso relacionamento. Tenho que falar com meu
marido da mesma maneira que ele tentou fazer comigo um mês
atrás.

PAM GODWIN
Minha mente dispara através de cada discussão que Priest
e eu trocamos sobre seu relacionamento adúltero. Eu perguntei
a ele por que protegia sua amante e me lembro de sua resposta.

“Sim, ele é meu amante.” Minha voz atrai seus olhos para
os meus. Então jogo suas palavras de volta para ele. “Eu protejo
o que amo. Simples assim.”

Olhamos um para o outro, enredados, inseparáveis. Eu o


observo relembrar nossa conversa e processar lentamente o que
eu não disse em voz alta.

Eu amo Ashley Cutler. Matá-lo seria o mesmo que


matar sua amante.

A compreensão brilha em seu rosto e desaparece em um


piscar de olhos.

Mensagem recebida.

Ele se levanta e caminha em direção à mesa, passando a


mão pelo rosto, escondendo sua expressão.

Ashley senta-se rigidamente ao meu lado, os olhos fixos à


frente e os lábios presos ao redor da mordaça. Eu não consigo
imaginar o estado de confusão em que ele está se afogando
agora. Ele não tem ideia da minha história com Priest. Cristo, ele
nem sabe que somos casados. Ninguém nesta sala sabe.

Com nossas mãos amarradas à viga em nossas costas, ele


estica um dedo e o engancha no meu. O gesto significa mais
nesse momento do que qualquer outra coisa. Somos uma frente
unificada. Nós superaremos isso.

Do outro lado da sala, Priest curva-se sobre a mesa,


olhando para um prato de laranjas cortadas.

Descansando preguiçosamente ao redor da cabana, os


homens de Madwulf conversam entre si, o barulho de suas vozes
sobrepostas agrupadas com perguntas e especulações. A cada

PAM GODWIN
segundo, o ar engrossa, enchendo-se de incerteza. Madwulf
assiste a tudo com um brilho calculista nos olhos.

Eu vejo o momento em que Priest toma uma decisão. Os


músculos do seu belo rosto afrouxam. Seus ombros relaxam e ele
se endireita.

“Ela tirou a vida do meu pai e saqueou o navio dele. Minha


herança se foi.” Ele se vira para Madwulf. “Eu exijo a restituição
dela. Seguindo nosso acordo, vou matá-la eu mesmo, mas não
antes de arrancar minha libra de carne dela e de seu
amante. Dias, semanas... quero que ela sofra o máximo
possível.” Ele faz uma pausa para respirar. “Vou levar os dois,
um par de cavalos, e encontrar uma cabana isolada mais acima
na costa, onde posso levar meu tempo fodendo com ela até a
morte, enquanto seu senhor de boas maneiras observa.”

“Não.” Madwulf liberta uma adaga e começa a limpar as


unhas com ela. “O Comodoro é meu. Tenho sonhado com suas
lágrimas desde o dia em que ele me capturou.”

“Ninguém toca nele!” Horrorizada, me jogo para frente,


puxando contra as restrições. “Se algum de vocês...”

Dedos quentes se enrolam em volta da minha boca e enfiam


o lenço entre meus lábios.

Eu olho para Priest, e ele olha de volta, sem palavras me


avisando que ele fará mais do que me amordaçar se eu tiver outra
explosão.

“Você pode ficar com a filha de Edric”, Madwulf diz. “Depois


que os companheiros e eu nos revezarmos com ela. Ela foi uma
verdadeira vadia quando nos conhecemos e, por acaso, gostamos
delas tagarelas e chutando. Não é verdade, rapazes?”

Assobios, botas batendo o pé e gritos barulhentos explodem


ao redor da sala.

PAM GODWIN
O gelo se cristaliza em meu peito.

Priest estala a língua. “Eu não vou enfiar meu pau em


qualquer lugar que seus mijões doentes e sujos tenham estado.”

O silêncio desce, constringindo com desconforto. Essa é a


questão da doença. Quando ataca, vai um contra todos, e poucos
escapam. Ninguém brinca sobre isso. Ninguém pronuncia a
palavra doença.

Exceto Priest.

“Há varíola em todos vocês. A buceta dela é minha.” Ele


caminha pela sala, coçando o queixo bigodudo. “Você gosta de
uma pequena briga em suas mulheres? Alguma resistência
virginal e temível? Você encontrará isso com qualquer número de
filhas nesta ilha.”

Oh, Jesus, Priest. Por favor pare.

“Eu reivindiquei o direito de quebrar esta quando ela matou


meu pai.” Ele lança uma carranca na minha direção. “Ela
é meu prêmio. E seu amante também. É um negócio justo,
Madwulf. Se não fosse por mim, você ainda estaria preso no
HMS Blitz.”

“Se não fosse por meu ataque ao HMS Ludwig”, Madwulf


diz, “ela ainda estaria sob a custódia do almirante. Os rapazes e
eu vamos nos revezar com ela. Então você pode transportá-la
para qualquer lugar que quiser a cavalo. O Comodoro fica
conosco.”

O medo, frio e agudo, penetra em minhas entranhas e me


gela até os ossos. Eu esperava ver algo semelhante se
materializar na expressão de Priest, mas ele permanece
calmo. Confiante.

Ele tem um plano.

Parte da tensão diminui em meus ombros.

PAM GODWIN
“Não.” Ele caminha pela sala e ergue um objeto de uma
pequena mesa. “Só há uma maneira de resolver isso.”

“Estou ouvindo.” Madwulf inclina a cabeça.

“Um jogo de azar.” Ele se vira, segurando uma ampulheta


na mão. “Se eu fizer ela gozar no meu dedo antes que a areia
acabe, vou transar com ela primeiro. Se não...” Ele dá de
ombros. “Iremos com seus termos.”

PAM GODWIN
QUARENTA E DOIS

Eu vou transar com ela primeiro.

Um arrepio de pavor percorre minha espinha.

Por que Priest expressou suas condições dessa maneira?

Vou transar com ela primeiro? Isso implica que Madwulf e


seus companheiros serão os próximos. Priest não ia querer
isso. Ele cortaria seus próprios braços antes de deixar isso
acontecer.

Dadas as brincadeiras de comentários obscenos e sorrisos


vulgares ao meu redor, os piratas interpretaram a oferta de Priest
da mesma forma que eu. Pior ainda, ele não estipulou o destino
de Ashley em suas condições.

Meu estômago revira e minha respiração fica fora de


controle. Em meio ao pânico crescente, a mão de Ashley se estica
nas restrições atrás de nós até que três de seus dedos capturam
os meus.

Eu aperto de volta, segurando. Ele está me emprestando


sua força, deixando-me saber que ele está aqui. Isso me ajuda a
superar o medo.

PAM GODWIN
O que quer que Priest esteja planejando, não termina
comigo sendo passada para esses canalhas. Eu confio nisso. Eu
dependo de sua possessividade inabalável e autoritária.

Madwulf se levanta da cadeira e caminha em direção a


Priest. “Essa ampulheta mede dez minutos?”

Priest assente, entregando-a a ele.

“Eu não me importo com o quão hábil você é com as moças,


libertino.” Madwulf lança um olhar pensativo para a areia no
vidro. “Dez minutos não é tempo suficiente para levar uma
mulher ao auge da emoção.”

O Priest pode fazer isso em dois minutos. Em diferentes


circunstâncias.

Ele não diz nada, esperando.

“Ela vai lutar com você até a morte antes de se render.” A


incerteza nos olhos de Madwulf desmente seu sorriso
suave. “Mas vai ser divertido assistir você tentar. Se falhar,
vamos primeiro. Se tiver sucesso, você transa com ela nesta sala
enquanto assistimos. Então todos nós ganhamos um pedaço.”

Um músculo flexiona na mandíbula de Priest e ele concorda


com firmeza.

Calafrios violentos atacam minha circulação enquanto a


excitação enche o ar. Uma onda ondulante de fome varre os
homens reunidos, intensificando-se com o ritmo de suas
respirações.

“Rapazes?” Madwulf olha ao redor. “Aceitamos esta


proposta?”

Um coro de sim soa.

“Ela não sai da casa até que todos nós


terminemos.” Madwulf se abaixa na cadeira mais próxima a mim

PAM GODWIN
e estica as pernas. “Vá em frente, então. Coloque o dedo na
buceta dela.”

Minhas entranhas saltam quando Priest se aproxima. Ele


não é o único que tem que atuar. Quer eu finja ou realmente me
renda, eu tenho que dar uma boa demonstração disso.

Do ponto de vista de Madwulf, eu não tenho participação


nessa aposta. Não importa quem ganhe, meu resultado será o
mesmo... estupro, tortura, morte. Se eu parecer que estou
tentando ajudar Priest a vencer, o estratagema terá acabado.

Maldição, eu não estou de acordo com isso. Meu corpo já


está tremendo, sacudindo minhas mãos úmidas.

Ashley segura firme, seus dedos apertando e afrouxando


repetidamente em torno dos meus, me dizendo que ele está ao
meu lado. Não sei se a proximidade dele ajuda ou atrapalha
minha capacidade de desempenho. A culpa já pressiona.

Priest se ajoelha entre minhas pernas e agarra a parte de


trás das minhas coxas. Minha respiração engata.

Inclinando-se ao meu redor, ele olha para minhas mãos


amarradas. Ashley não solta meus dedos. Priest não mostra
nenhuma reação a isso.

“Pronto?” Madwulf equilibra a ampulheta em sua coxa.

“Dê-me um segundo.” Priest faz uma careta para ele. “E


pare de falar, idiota.”

Sons de risadinhas flutuam pela cabana.

Eu odeio isso. Odeio cada segundo que enrola minhas


entranhas com mais força e mais força. Eu não consigo respirar.

Priest senta-se sobre os calcanhares, engancha minhas


pernas em volta de sua cintura e ergue minhas coxas para que
descansem sobre as dele. Endireitando discretamente a barra da

PAM GODWIN
minha camisa, ele me mantem coberta enquanto me aproxima de
seus joelhos.

A posição me levanta mais acima em suas coxas


musculosas até que eu monto em seu colo. Ele fica de olho em
minhas mãos atrás de mim, garantindo que a corda não aperte e
crave em meus pulsos.

Estou inteiramente à sua mercê, com minhas pernas


espalhadas ao redor dele e meus braços amarrados. Um mês
atrás, eu teria ficado ressentida com ele por isso. Um mês atrás,
ele era o único preso. Tanta coisa mudou desde a última vez que
o vi, mas a única verdadeira constante é e sempre será sua
obsessão em me manter segura.

Ele desliza suavemente as mãos pelas minhas coxas,


fazendo minha respiração acelerar. Ashley aperta meus dedos e
faz um ruído ameaçador profundo com sua garganta. Um som
destinado apenas aos ouvidos do Priest.

Eu não consigo olhar para Ashley, não posso pensar nele


se quero que isso funcione. Ele morre se Priest falhar. Eu não sei
qual é o plano, mas obviamente exige que Priest me foda primeiro.

O tremor em meus membros piora. Eu mordo a mordaça e


encontro seus olhos, implorando, gritando silenciosamente. Pelo
que, eu não sei.

O contato forçado com seu calor masculino e físico


esculpido me suaviza um pouco. Mas e se eu não puder fazer
isso? E se ele não puder me fazer gozar?

Ele se inclina entre Ashley e eu e coloca a boca no meu


ouvido. “Relaxe.” Um sussurro gutural. “Já fizemos isso centenas
de vezes.”

PAM GODWIN
Não com uma audiência. E certamente não com um
amante protetor amarrado ao meu lado.

Centenas de vezes. Maldição, Ashley ouviu isso. Ele não


reage, não move um músculo, mas sua orelha está bem perto da
minha. Ele agora sabe que Priest e eu compartilhamos muito
mais do que uma noite juntos.

Mas uma coisa com que posso contar é a habilidade


anormal de Ashley de mostrar apenas o rosto que ele quer que as
pessoas vejam. Ninguém nesta sala vai adivinhar o que ele está
sentindo ou pensando. Ou ouvindo.

Dou um abraço forte em seus dedos e ele aperta de volta.

“O tempo começa agora.” Madwulf inclina a ampulheta.

Dez minutos. Eu respiro fundo e encaro a prata derretida


dos olhos deslumbrantes de Priest.

Nunca houve um pirata mais lindo ou sedutor do que


ele. Ele exemplifica a beleza sexy e virilidade. Olhando para ele
tão de perto, sou imediatamente dominada, sacudindo minha
alma com amor e saudade.

Hipnotizada, eu me perco em nossa conexão, afundando


rápida e profundamente na alquimia mística que nos uniu tão
intensamente.

As pontas dos dedos leves fazem cócegas entre minhas


pernas, mexendo nas terminações nervosas. Dedos
calejados. Familiar es. Reconfortantes.

“Um dedo.” O sotaque de Madwulf rompe o feitiço,


tensionando minha espinha. “E exijo uma prova de sua luxúria.”

“Cada vez que você falar,” Priest resmunga por cima do


ombro, “a areia começa de novo. Comece de novo!”

“Ok.” Madwulf reconfigura a ampulheta. “Continue.”

PAM GODWIN
O suor escorre em minhas mãos. O suor de
Ashley? Meu? Nós dois estamos suando no aperto de nossos
dedos entrelaçados, a tensão é insuportável.

Priest coloca sua boca em meu queixo, respirando com


facilidade, pacientemente, enquanto seu dedo desliza ao longo da
fenda entre minhas pernas.

Eu me sinto seca lá. Talvez muito desidratada para


produzir lubrificante natural. Mas para Priest ter sucesso, não
será o prazer físico que me levará. Será nossa conexão
emocional. Eu preciso dele nesse nível mais do que em qualquer
outro.

Então me concentro em seu olhar confiável, nos


pensamentos que ele não consegue expressar e que rodam em
muita turbulência em seus olhos. Ele me penetra
completamente, sem sequer encostar a ponta do dedo no meu
corpo.

Ele me penetra com sua adoração, a força de sua


tenacidade inabalável.

Ele esteve dentro de mim por três anos, alongando-se,


reorganizando e construindo um lar para si. Ele é mais forte que
meu coração, maior que minha alma e mais poderoso que minha
mente. Ele simboliza o nível mais profundo de amor. Não porque
está ajoelhado embaixo de mim e tocando minha buceta, mas
porque ele nunca desistiu de mim.

Eu sabia que ele iria me encontrar. Nunca duvidei


disso. Eu não deveria ter fugido dele há dois anos. Eu tinha a
mente e o coração muito estreitos para ouvi-lo, para entender sua
tragédia em amar duas pessoas.

Eu estava errada.

PAM GODWIN
Seu dedo circula meu centro, nunca mergulhando, nunca
entrando. O movimento é requintado, irresistivelmente terno,
embalando-me sob seu feitiço sensual.

O calor de seu corpo faz minha respiração falhar, e seu


perfume celestial me envolve em memórias de casa. Minha casa
em Jade, cercada pelo sol e pelo mar, com Priest ao meu lado e o
aroma de sua pele em meus pulmões, quente e masculino, couro
e pecado, tudo que eu desejava, aprisionando meus sentidos, me
possuindo.

Ele é meu dono e prova isso com um único dedo enquanto


desce sobre meu clitóris. Sua carícia envolve o botão erétil com
pressão perfeita, calor diabólico e ritmo estranho. Cada partícula
do meu ser gravita para ele, cativada.

Eu nos imagino juntos em outro plano, em um reino


diferente, unidos, entrelaçados, intocáveis. Seguros. Eu anseio
por sentir seus lábios, a batida de seu coração e a segurança de
seus braços ao meu redor. Mas não posso ter essas coisas. Não
aqui, onde faço o papel de uma mulher pagando o preço por
matar seu pai.

Quanto tempo resta?

Meu olhar se desvia para Madwulf, mas Priest agarra


minha garganta, forçando meus olhos nos dele.

“Dê-me seu gozo, Bennett.” Ele esfrega o dedo na minha


crescente aspereza, despertando e estimulando meu corpo com
uma maestria extraordinária.

Mas é aquele olhar puro e dedicado que me mantem


imóvel. Ele me ama com uma intensidade e vigor que o
domina. Está lá em seus olhos, sua atração instintiva por mim,
afeição altruísta e magnetismo divino que vai além da ciência e
da natureza.

PAM GODWIN
Seu amor é o ímpeto que me abre ao seu toque, me relaxa
de uma forma que eu não penso ser possível. Sinto o ceder em
meu corpo, o afrouxamento lânguido dos músculos internos sob
a forte e profunda pulsação do desejo. Uma onda de calor rola,
minha buceta aperta e chupa para ser preenchida e satisfeita.

Se afundar o dedo agora, encontrará todas as provas


encharcadas de que precisa. Mas ele fica com meu clitóris,
trabalhando em um nó inchado e latejante.

Eu pairo na borda, subindo, tremendo, ofegando,


balançando contra sua mão e perseguindo o gozo. Eu não consigo
chegar ao pico final. Estou perto o suficiente para sentir as
bordas cintilantes dele, mas o alívio dança um pouco além do
alcance.

“Bennett,” Priest respira contra a mordaça em minha


boca. “O Comodoro tem uma ereção bastante grande em sua
calça.”

Espontaneamente, eu gemo com a imagem mental, minha


atenção se voltando para Ashley. Eu não olho para ele, mas meu
Deus, eu o ouço.

Sua respiração superficial fervilha do pano em sua


boca. No começo, pensei que fosse raiva. Mas depois de ouvir com
atenção, detecto um gemido baixo, quase imperceptível. Um
gemido faminto e contínuo. Não faz sentido.

Exceto que sim. Ele entendeu o que está em jogo, sabe que
tenho que atingir o clímax e sentiu que estou perto. Ele está se
alimentando da minha excitação e ficando duro porque está nisso
comigo, se juntando à luta em vez de lutar contra mim.

Eu recupero esse conhecimento, imaginando-o rígido e


ingurgitado em sua calça. Outro pântano de calor inunda minhas
pernas.

PAM GODWIN
Priest desliza o dedo para baixo e engancha a ponta bem
dentro. A partir daí, ele circula lentamente a borda interna
sensível da minha abertura, mexendo, aumentando o zumbido
das sensações. Sinto minha excitação vazar, e Cristo todo-
poderoso, me excita saber que ele sente isso também.

Como um cabo puxando muito esticado, a pressão dentro


de mim estala, quebra e desaba em uma chuva brilhante de
estrelas. Jogo minha cabeça para trás e gemo o mais alto que
posso, passando o pano.

“Essa é minha garota,” ele sussurra, seu dedo girando


preguiçosamente, me acariciando através dos espasmos de
aquecimento muscular.

Seu braço apoia minhas costas enquanto eu cedo, a mão


entre a minha perna ainda escondida pela camisa. Fizemos isso
a tempo? Meu olhar dispara para a ampulheta na coxa de
Madwulf.

Apenas metade da areia escorreu.

Cinco minutos.

Se Priest não for um deus, ele está muito perto. A sala


inteira prende a respiração, esperando por uma prova. Nenhum
crente aqui?

“Perdoe-me por isso.” Priest move sua boca contra meu


ouvido silenciosamente. “E para tudo o que vem a seguir.”

Eu já o perdoei, mas suas palavras me deixam tensa.

Ele empurra seu dedo todo o caminho dentro de mim,


recolhendo minha excitação enquanto ela vaza sobre sua
junta. Então ele me empurra do seu colo como se não pudesse
suportar a visão de mim.

PAM GODWIN
Caio contra Ashley, a corda rasgando meus pulsos. Com
um grito furioso em torno da mordaça, me viro e puxo para uma
posição melhor, esperando que meu drama pareça genuíno.

Ninguém presta atenção, pois cada cabeça na sala rastreia


Priest enquanto ele se aproxima do seu capitão. Estendendo o
dedo encharcado, ele o estende para a inspeção de Madwulf.

Madwulf se endireita na cadeira e agarra o pulso de


Priest. Ele examina cada dedo, confirmando que apenas um foi
usado, que está inegavelmente revestido com a prova branca e
escorregadia do meu orgasmo.

Então dá um passo adiante e o leva ao nariz, inalando o


cheiro.

Maldito animal depravado.

“Inacreditável.” Madwulf sorri e empurra a mão de Priest


para longe. “Como um homem conhecido por suas proezas
sexuais, ouso dizer que você conquistou a reputação, rei dos
libertinos.”

Ele sorri um pouco mais, rugindo loucamente enquanto


seus homens se juntam a ele.

Meus pelos eriçam e um antigo ressentimento vem à


tona. Priest esteve com mais mulheres do que eu gostaria de
estimar, mas não importa. Não aqui. Nunca mais.

“Eu quero aquela cama,” Priest grunhe sobre a comoção e


aponta para o pequeno colchão no canto da cabana.

Há quatro camas no total, mas as sombras se unem a essa,


pois é a mais distante das janelas e da congregação de piratas.

Priest se vira para mim, passa por cima de minhas pernas


e se agacha diante de Ashley.

PAM GODWIN
Meu coração martela enquanto eles se encaram por um
período atemporal. Não consigo ler nenhuma das expressões, o
que só aumenta meu pânico.

“Eu quero a verdade.” Priest agarra um punhado de cabelo


preto e puxa a cabeça de Ashley para trás, olhando para ele
furiosamente com uma violência que queima. “Você a ama?”

Meu pulso dispara. Meus dentes cravam na mordaça e


minhas mãos torcem a corda.

O rosto de Ashley permanece vazio, calmo, destemido,


fazendo Priest esperar antes de empurrar com desprezo o queixo
para cima e para baixo, seu olhar endurecendo com um
desafiador Sim retumbante.

Priest o solta e dá um passo para trás, seu rosto tenso e


rígido enquanto se vira para a plateia.

“Você quer ver o que acontece quando alguém me faz


mal?” Suas mãos vão para seus muitos cintos, removendo
armas. “Coloque os dois na cama.”

PAM GODWIN
QUARENTA E TRES

Depois de alguma confusão, com Ashley e eu lutando


contra cada empurrão, os canalhas de Madwulf conseguem nos
colocar na cama. Há muitas mãos, muitos toques zelosos,
fazendo minha pele estremecer. O tempo todo, Priest fica de lado,
instruindo-os sobre como nos posicionar.

“Bastardos depravados,” ele medita, lançando o comentário


como um elogio ao invés de um insulto contra as tendências de
alguém.

É verdade. Os piratas quase tremem de ansiedade ao


testemunhar Priest distribuir qualquer vingança vil e distorcida
que ele planejou. Eles estão tão ansiosos, na verdade, que não
questionaram sua exigência de incluir Ashley neste jogo
doentio. Um jogo que sem dúvida envolve o pau de Priest e meu
corpo relutante.

O próprio Madwulf não discutiu quando Priest


reposicionou nossas restrições para administrar adequadamente
a tortura.

Ashley está deitado de bruços na cama. Eu monto em seu


quadril, com nossas mãos amarradas na frente ao invés de nas
costas. Não estamos amarrados a nada, mas não é
necessário. Cada bruto na sala está armado com pistolas e

PAM GODWIN
lâminas. A única maneira de sairmos disso será se metade deles
desocupar o chalé.

Isso não acontecerá até que todos tenham uma chance.

Com Ashley ainda em sua calça e eu em sua camisa,


permanecemos cobertos e amordaçados. Priest retirou suas
armas, deixando-as em uma pilha no chão ao lado da cama. A
bússola ainda está pendurada em seus muitos cintos. Ele não se
separa dela ou de suas roupas, graças a Deus.

Abaixo de mim, os olhos de Ashley brilham de raiva, seu


peito subindo com dificuldade. Colocando minhas mãos
amarradas contra seu coração, absorvo a fonte pulsante de seu
tormento.

Ele não merece isso. Ele só estava fazendo seu trabalho. Se


eu não tivesse envolvido Priest em meu resgate, Ashley ainda
teria seu navio. Madwulf ainda estaria trancado e Priest seguro
em outro lugar.

Eu sinto muito.

Inclino-me, suavizando meu olhar com desculpas e


sufocando em uma torrente de desespero. A boca de Ashley está
tão perto que, se não fosse por nossas mordaças, eu sentiria o
calor aveludado de seus lábios contra os meus.

Suas mãos amarradas estão presas entre nossos


quadris. Ele as move, estende a mão e enrola os dedos contra o
ápice das minhas pernas, me segurando em uma demonstração
surpreendente de possessividade.

Um arrepio desce pela minha espinha. Levanto minha


cabeça, viro meus olhos lentamente por cima do ombro e
encontro Priest subindo na cama atrás de mim. Ele se ajoelha
entre minhas pernas, entre as coxas de Ashley, nos forçando a
espalhar em torno de sua musculosa parte inferior.

PAM GODWIN
Meu pulso perde o ritmo e o gosto de leite azedo toma conta
da minha língua.

Ele desamarra a aba da frente de sua calça.

Isso está acontecendo. Ele realmente fará isso com Ashley


abaixo de mim. Horrorizada, tremo de pânico e grunho com raiva
minhas objeções por trás do pano em minha boca.

“Deixe suas mãos aí, Cutler.” Priest curva-se sobre minhas


costas e agarra a garganta de Ashley, prendendo-o no
colchão. “Eu quero que você me sinta quando eu empalar ela.”

Ashley ferve, seu corpo resiste sob o meu. Até que sinto a
pressão fria do metal contra minha têmpora.

A pistola de pederneira de Priest... segura em sua mão


livre... ele aponta uma arma para minha cabeça.

Vozes entusiasmadas deliram na plateia, mas eu não ouço


nada do que eles dizem. Minha boca se enche de areia quente,
minha mente em branco com a incompreensão.

Por que ele está fazendo isso? É uma guerra privada em


que um marido ciumento vinga-se da esposa e do amante
dela? Ou faz parte do seu plano nos ajudar a escapar?

Eu tenho que confiar nele. Não importa o que aconteça,


tenho que acreditar que ele não está aqui para me machucar.

“Segure isso, está bem?” Priest diz para o gigante comedor


de homens encostado na parede.

O ogro barbudo se aproxima e pega a pederneira.

“Cuidado com o gatilho. Está carregada.” Priest agarra o


cano, empurrando a mão do homem para longe da minha
cabeça. “Acabei de limpar a pederneira. Ela vai acender com

PAM GODWIN
apenas uma contração. Se borrifar pó no meu rosto, vou abrir
sua garganta antes de morrer, sem dúvida.”

O ogro sorri em um tom de barítono profundo. “Eu sei como


usar uma pistola, companheiro.”

Não está carregada. Eu não posso dizer olhando para ele,


mas Priest nunca correria tal risco com minha vida. Ninguém
aqui sabe disso, no entanto. Incluindo Ashley.

Priest solta a garganta de Ashley e agarra meu quadril com


as duas mãos. A gravidade do que está para acontecer esmaga
meus pulmões com força. Se vivermos, como superar isso? Como
será meu futuro com um marido e uma amante e...

Pare. Não está ajudando.

Eu lentamente abaixo meu peito para Ashley, colocando


minhas mãos amarradas debaixo de nosso queixo. Priest me
segue, seu peso pressiona contra minhas costas.

“Você me fez passar pelo inferno, querida.” Sua mão desliza


por baixo da camisa que cobre minhas costas e se move perto de
sua virilha, provavelmente se alinhando com meu corpo. Então
ele descansa sua boca contra minha bochecha e fala tão baixo
que eu mal ouço. “Já se passaram dois anos desde que comi você,
Sra. Farrell.”

Meu coração para e meu olhar voa para Ashley.

Seus olhos se arregalam. Suas narinas cinzeladas pulsam


e todo o seu corpo se flexiona embaixo de mim. Então ele desliza
as mãos para longe da minha buceta.

“Grite,” Priest sussurra e empurra seu quadril.

Cada músculo entre minhas pernas se contrai,


preparando-se para a agonia de queimação e alongamento de
uma invasão seca. Sua pélvis bate em minhas costas. Ele geme
de prazer perverso e eu sinto... Nada.

PAM GODWIN
Sem intrusão.

Sem esfaqueamento forte.

Sem penetração.

Ele está mesmo duro?

A realização me dá um soco no estômago e grito,


amaldiçoando minha reação retardada. O som abafa a mordaça
e estilhaça o ar. Ele empurra de novo e solto meus gritos,
soluçando e enrijecendo como se estivesse morrendo de trauma.

Ele nunca teve a intenção de me estuprar. Claro, ele não


faz. O canto sombreado, o posicionamento de nossos corpos, o
posicionamento das mãos de Ashley, tudo isso tinha um
propósito. Para que fim, eu não sei. Talvez ele esteja ganhando
tempo.

Ashley rosna furiosamente de tristeza, seus olhos


selvagens de loucura. Mas ele sabe que é tudo um
estratagema. Suas mãos se fecham entre minhas pernas, de
forma estranha e inegável, em contato com o pau de Priest.

Priest prova ser um ator notável. Ele geme promessas


obscenas de tortura para que a sala ouça e mexe o quadril como
um selvagem em meio à violência arrebatadora. Com os dedos
enrolados em volta do meu quadril, ele mantem sua virilha
apertada contra o meu traseiro e torna o som de sua respiração
áspero.

Minha camisa cobre minhas coxas, e ele ainda está de


calça. Ninguém percebe de qualquer ângulo que nos olha.

E eles olham. A folia de assobios e batidas de pés fica mais


alta, cada homem na casa saudando a conquista de Priest com
gritos de encorajamento. O ogro nem está mais apontando a
arma para mim, sua atenção absorvida por seus amigos
enquanto eles brincam de um lado para outro.

PAM GODWIN
Em meio ao barulho, Priest se inclina contra minhas costas
e agarra o cabelo de Ashley.

“Ela não te disse, não é?” Ele se aproxima, certificando-se


de que Ashley possa ler seus lábios. “Ela é minha, Cutler.” Ele
empurra, me jogando contra Ashley. “Minha esposa.”

Eu choro mais forte, forçando os sons e fingindo as


lágrimas. Mas a dor é real. Eu sei o que é ser traída e não
desejava isso para Ashley. Eu nunca quis que ele soubesse sobre
meu casamento assim.

Isso poderia ter sido evitado. Deveria ter contado a ele


quando acordei na praia ou na lagoa ou enquanto ainda
estávamos em seu navio. Houve centenas de oportunidades, e
adiei como uma covarde. Estou péssima.

Seus olhos se voltam para os meus, e o que vejo não é


ressentimento ou ódio. Seu olhar move-se sobre meu rosto,
quente com compreensão. Ele olha para minha camisa, a pedra
de jade em minha garganta, e volta aos meus olhos.

Eu sei no meu íntimo que ele pensa sobre a conversa que


tivemos quando eu estava vestida com a camisa de outro homem.

“Você ainda o ama?"

“Quem?"

“O homem que vestiu esta camisa.”

“Sim. Ainda o amo, mas estou trabalhando para corrigir


isso.”

“Ele traiu você... ele se deitou com outra.”

“Com cama e amor.”

PAM GODWIN
Dou a ele um aceno discreto, silenciosamente dizendo a ele
que Priest é realmente o homem que me traiu, aquele que eu
ainda amava.

Ele volta sua atenção para Priest, e eles trocam um olhar


que não posso ler deste ângulo. Talvez não em qualquer ângulo.

Onde está a animosidade? O pulsar possessivo e primitivo


no peito? Certamente não é o momento para isso, mas o que se
passa entre eles é algo semelhante a uma aliança.

As mãos de Ashley estremecem embaixo de mim, o


movimento de seus pulsos confuso. Um braço desliza para
cima. O outro permanece esticado em direção às nossas
pernas. Ele...?

Bom Deus, ele removeu suas restrições. Meu coração


ofega. Não só isso, ele segura algo na mão que agarrou entre
meus seios. O peso do corpo de Priest nos mantem pressionados
um contra o outro, e achatada ao longo do centro do meu torso
está a forma ampla e curva de aço.

O trovão percorre minhas veias e atinge meus


ouvidos. Priest deu uma lâmina a Ashley. Deve ter acontecido
quando ele desamarrou a calça. Ele mantem facas sob a camisa
e todos aqueles cintos. Seria possível deslizar uma para fora e
passá-la entre minhas pernas.

É por isso que ele queria as mãos de Ashley ali.

Priest continua com a pretensão de violar meu corpo,


provocando uma crescente de huzzahs e aplausos entre os
espectadores indisciplinados.

Com a voz abafada pelo barulho, ele encontra o olhar alerta


de Ashley. “Assim como nosso ardil com Arabella.”

Paro de respirar. Arabella? Irmã de Ashley?

PAM GODWIN
Os olhos de Ashley brilham de compreensão. Bom para ele
porque eu não entendi nada disso. Dentes de Deus, Priest
conhecia Arabella?

Minha mente gira. Ele e Ashley compartilham uma


história e um plano que eu não conheço.

“Dê a ele suas mãos,” Priest sopra em meu ouvido e


empurra meu corpo com um rugido de dor.

Meu coração bate rápido quando empurro meus pulsos em


direção à faca que Ashley segura entre nós. Ninguém percebeu,
pois todos os olhos seguem os estranhos grunhidos e tropeços de
Priest ao lado da cama.

Ele enfia-se em sua calça, gemendo como se a ação o


atingisse com agonia.

Os piratas ficam quietos.

“Você pode terminar.” A voz cética de Madwulf rompe na


multidão. “O que há de errado com você, rapaz?”

“Nada,” Priest rebate, atrapalhando-se com os laços em sua


virilha.

Percebo que a fricção contra minhas costas não fez seu


corpo responder. É difícil chegar ao orgasmo sem uma ereção. Eu
não acredito por um minuto que ele não poderia se apresentar na
frente de uma plateia. Outra coisa está acontecendo. Está
relacionado às cicatrizes de queimadura que cobrem um lado de
seu corpo?

“Capitão...” O ogro dá um passo à frente, olhando para as


regiões inferiores de Priest. “É o mijão dele.”

A corda em volta dos meus pulsos desfia e


cai. Aleluia. Agora que estou livre, levará apenas um segundo
para atingir as lâminas do Priest no chão.

PAM GODWIN
“Mostre-nos.” Madwulf se levanta e ronda em direção a
Priest. “Vamos ver seu pau.”

“Eu não vou te mostrar uma prova.” Virando-se, Priest


continua a amarrar desajeitadamente sua calça,
deliberadamente prolongando seus esforços.

Madwulf acena para o ogro, que aponta a pederneira para


a cabeça de Priest. A pederneira de Priest , que não está
carregada.

Priest planejou isso.

“Abra sua calça.” Madwulf o olha ferozmente, seu rosto


ficando vermelho.

Abaixo de mim, a mão vazia de Ashley se move entre nossos


quadris. Ele avança para fora e para o lado perto da
parede. Espere, não, não está vazia. Seus dedos se abrem e a
cunha quebrada de uma laranja rola do colchão para o canto
sombreado atrás da cama.

O prato de laranjas na mesa, as mãos de Ashley entre


minhas pernas... meus sentidos se intensificam com a
compreensão. Priest deu a fruta a Ashley enquanto abria a calça
atrás de mim e, de alguma forma, Ashley sabia o que fazer com
ela.

Priest sorri, com uma curva travessa de lábios


sensuais. “Eu não sabia que você gostava de mim assim,
Madwulf.”

“Se eu não ver seu pau nos próximos dois segundos, não
vai sobrar nada para segurar.”

Prendo a respiração quando Priest deixa de sorrir e se


expõe sob o cano de uma arma descarregada.

“Sífilis.” O ogro faz o sinal da cruz com três dedos e recua.

PAM GODWIN
Não é sífilis. As mesmas bolhas vermelhas que eu infligi
nas mãos de Priest um mês atrás agora cobrem sua
virilha. Cristo, parece excruciante. Não admira que ele não teve
uma ereção. Ele deve estar em uma agonia horrível, queimando
e com coceira inconsolável.

As feições de Ashley não mostram nenhuma reação. Exceto


pelo brilho em seus olhos. Ele definitivamente sabia sobre a
aflição de Priest por causa das laranjas.

“O que é que você fez?” Madwulf agarra sua sobrancelha e


recua também. “Você está infectado. Você... Você a contaminou!”

Todos sabem sobre o número infinito de pacientes com


sífilis entupindo hospitais e enfermarias nas Índias
Ocidentais. Sem cura, a peste tortura suas vítimas com erupções
e feridas pestilentas, desfiguração facial, cegueira, loucura e
queda de cabelo.

O medo da calvície varre os mares, e essa é precisamente a


preocupação de todos os ladrões do mar aqui.

Os rostos brilham de suor nervoso. Os olhos se


arregalam. Mãos voam para barbas e longas tranças de cabelos
são acariciadas. Nenhum pirata quer ser careca. É um destino
pior do que perder um membro.

Priest aperta a calça, sua expressão tensa de dor. Essa


parte não é falsa. Ele se machucou para me proteger. Nenhum
dos homens de Madwulf me tocará agora.

Todos os piratas na sala estão de pé, olhando para a saída


como se estivessem prontos para fugir.

“Capitão.” Um homem mais velho irrompe na cabana,


alheio ao que está acontecendo lá dentro. “A carga está
carregada. Está pronta para levantar âncora e temos um vento
perfeito para deixar suas velas voar e nos empurrar direto para
além da ilha.”

PAM GODWIN
O olhar de Madwulf se volta friamente para Priest enquanto
fala com sua tripulação. “Diga a todos para voltarem ao navio e
se prepararem para zarpar. Quatro de vocês ficarão comigo até
eu terminar isso.”

Ninguém discute. A maioria deles parece aliviada por não


ter que lidar com os prisioneiros doentes.

À medida que a sala se espalha, meus músculos e


articulações travam, preparando-se para a batalha. Cinco deles
contra nós três? Podemos dominá-los, especialmente com o
elemento surpresa. Se os matarmos discretamente, sem tiros,
teremos uma chance real de escapar.

“Você sabe o que ela fez no dia em que a conheci? Quando


agarrei sua buceta imunda?” Madwulf puxa a gola de sua camisa
para o lado, revelando a marca rosa desbotada de meus
dentes. “Eu estava ansioso para receber minha retribuição.” Ele
cospe uma massa úmida de catarro nas tábuas do assoalho aos
pés de Priest. “Você me enganou, libertino.”

Priest passa por cima da saliva e se abaixa para pegar suas


armas. “Talvez você deva aprender a negociar.”

Ashley disse exatamente essas palavras para mim uma vez.

Com cuidado, pela faca, agarro as mãos de Ashley entre


nós e mergulho na calma de seu rosto. O que quer que Priest
esteja tramando, Ashley não mostra nenhum sinal de
preocupação.

Calor enche meu peito enquanto pressiono minha boca


amordaçada contra seu pescoço em um gesto de unidade. Iremos
viver juntos ou morrer juntos. Nós três. A felicidade deles será a
coisa mais importante pela qual já lutei.

“Tínhamos um acordo.” Prendendo as adagas ao cinturão e


cintos, Priest encontra o olhar de Madwulf. “Foda ela ou vá

PAM GODWIN
embora. De qualquer forma, os prisioneiros ficam comigo. Não
estou nem perto de terminar com eles.”

“Cutler é meu. Ele nunca fez parte do acordo.” Madwulf se


vira e caminha em direção à porta, dirigindo-se a seus
homens. “Mate o caçador de piratas.”

“Sem voto, capitão?” Pergunta o ogro.

“Vote se quiser. Estou saindo desta maldita ilha.”

Meus dedos se contraem para enrolar ao redor do pescoço


daquele bastardo até que ele suje sua calça com o fedor do
medo. Acompanho seu passo pela cabana, esperando que ele
fique tempo suficiente para lutar contra mim.

O ogro se vira para nós e ergue a pederneira. “Melhor se


mover, senhorita, ou vai comer pó também.”

Ele não espera. Seu dedo gordo aperta o gatilho. A


pederneira atinge o martelo e nada acende. Exatamente como
pensei. Não está carregada.

A confusão faz o gigante hesitar, e essa é a nossa deixa.

Ashley e eu pulamos da cama.

PAM GODWIN
QUARENTA E QUATRO

Com o pulso disparado, arranco minha mordaça e procuro


no chão por uma arma. Sumiram. Todas elas. Com uma maldição
selvagem, giro, tropeço e fico cara a cara com Priest. Ele me joga
seu cutelo e enfia uma segunda lâmina na órbita do olho do
gigante.

O barulho de aço contra aço ecoa atrás de mim. Ashley já


está engajado na batalha.

Erguendo o cutelo pesado, procuro na cabana meu alvo,


não localizo Madwulf, mas um sujeito de aparência desagradável
está carrancudo para mim. Ele serve.

Atacamos ao mesmo tempo. Quando ele me alcança, eu me


abaixo, giro e corto a lâmina em sua garganta, assim como meu
pai me ensinou. Um segundo giro, entretanto, me faz olhar para
o cano de um mosquete.

Este pirata sorri como um cachorro raivoso. Eu iria


apunhalá-lo bem abaixo das costelas. Mas antes que meus
braços estivessem em movimento, sangue espirra em meu peito.

Priest tira a adaga da garganta do homem, inclina-se sobre


o corpo que cai e dá um beijo forte em meus lábios. “Senti muito
sua falta, meu amor.”

PAM GODWIN
“Senti sua falta...”

Ele já partiu, saltando sobre outro cadáver e correndo em


direção aos dois últimos homens de pé.

É Ashley, ainda usando sua mordaça e lutando por sua


vida com uma intensidade afiada que me rouba o fôlego. Ele luta
contra um patife magro e ágil, que se recusa a cair. Eles voam
um contra o outro com arcos letais, cortando, cortando e
empunhando suas lâminas com um propósito selvagem.

Este não é um esporte para um nobre. É vida ou morte. O


suor escorre pela testa de Ashley. Tendões flexionam em seus
antebraços. Ele está lutando contra o pirata mais forte e rápido
que vi em anos e se segurando de forma impressionante.

Priest corre atrás de Ashley, que soca um pé descalço e


colide com a virilha do inimigo. O chute faz o homem tropeçar,
mas ele permanece de pé. Ashley renova seu ataque com Priest
ao seu lado.

É uma coisa linda de assistir, os dois juntos, empurrando,


grunhindo e colocando aqueles músculos de dar água na boca
em uso prático. Seus físicos são muito mais do que apenas uma
indulgência para os olhos femininos. Fortes como bois e
habilidosos com armas, juntos, são uma força poderosa a ser
enfrentada.

Como eles se conhecem? Eles se conheceram através da


irmã de Ashley, Arabella?

Eu desesperadamente só quero ter um momento e apreciar


a vista, mergulhar e guardar todos os detalhes lindos na
memória. Mas quando a lâmina de Ashley aparece e arranca a
adaga do canalha, sei que eles tem tudo sob controle.

PAM GODWIN
Voltando-me para a porta, saio para procurar Madwulf. Se
ele já estiver fora da areia e a caminho do navio, eu o deixarei
ir. Mas também preciso ver quem está demorando lá fora e limpar
o perímetro para escapar.

Agarrando-me com força ao cabo do cutelo, me arrasto em


pés silenciosos e percorro os sons das ondas quebrando na costa,
gaivotas gritando no alto e, à distância, a tripulação de Madwulf
rindo no navio.

Eu cautelosamente piso na soleira, meus sentidos em


alerta máximo. O ângulo da porta dá para longe de Blitz . Eu
preciso dobrar a esquina para vê-lo.

“Priest... Ashley,” eu sussurro por cima do ombro. “Vamos


lá.”

Um grito feminino abafado atinge meus ouvidos,


espirrando formigamento em meu couro cabeludo.

O som vem da lateral da cabana, distorcido como se uma


mão estivesse sufocando sua boca. Então outro grito se junta a
ele, mais agudo, mais jovem, feminino.

Uma criança.

Meu coração sente o frio do inverno na Carolina, meus


membros congelados de horror. Não tenho tempo de refletir sobre
o que pode ter acontecido com as mulheres desta ilha, mas estou
prestes a ver em primeira mão.

Com uma sacudida, me livro das garras do medo e começo


a avançar. Até que uma mão agarra as costas da minha camisa.

Por cima do ombro, encontro os olhos de Ashley mais duros


do que nunca, seus dentes arreganhados agora que a mordaça
sumiu. Ao lado dele, a boca maldosa de Priest se firma em uma
carranca.

PAM GODWIN
Eu não tenho que dizer a eles para ouvir. Os sons de choro
ficam mais próximos, mais altos. Segundos depois, Madwulf
emerge, arrastando uma pequena garota loira que não deve ter
mais de treze anos.

Com um punho em seu cabelo e uma faca contra sua


garganta minúscula, ele empurra o queixo para algo fora de vista.

Passos avançam. Piratas dobram a esquina e me vejo


olhando para seis ou mais homens que deixaram a cabana
poucos minutos atrás. Um deles detém uma mulher chorando na
casa dos trinta, provavelmente a mãe da criança, com a mão
cobrindo a boca.

Minhas esperanças de fuga afundam como um navio em


chamas no fundo do mar.

Eu aumento meu aperto no cutelo. Priest e Ashley me


flanqueiam, mãos em punhos.

“O que você quer?” Ashley se aproxima e fica um pouco na


minha frente, como se estivesse se preparando para me empurrar
para trás. “Você já tem meu navio e meus soldados. Minha
carreira está arruinada. Não poderei mostrar minha cara em
Londres novamente. Minha vida acabou.”

Ele não consegue pronunciar as palavras com uma voz


chorosa e pomposa. Ele fala friamente em um tom que reserva
para servos de baixo escalão. Ou para tolos que cometem o erro
de incitar o lado assassino de suas maneiras impróprias.

“Sua vida não acabou” Madwulf diz, “até que sua cabeça
seja separada de seu corpo. Baixem suas armas.” Ele puxa com
força o cabelo da garota, fazendo-a soluçar. “Ou esta menina
bonita não verá seu próximo nascer do sol.”

A mãe grita por trás da mão do pirata, seu medo gotejando


faíscas de dor em meu peito. Madwulf não fez uma ameaça

PAM GODWIN
vazia. Seus olhos ardem de expectativa vingativa em cortar a
criança enquanto assistimos.

Com esforço, afrouxo o aperto no cutelo o suficiente para


largá-lo. Mas Priest e Ashley não se movem.

“Façam”, digo a eles. “Ele vai matá-la.”

A potente energia masculina de cada lado de mim fica


imóvel.

Torcendo meu pescoço, encontro Priest olhando


furiosamente para mim com aqueles olhos afiados como
lâmina. Sim, ele despreza isso tanto quanto eu. Mas ele não tem
que martelar o ponto principal com seu olhar fulminante e
beligerante.

Recuso-me a recuar e devolvo sua carranca com uma das


minhas.

Por fim, com um grunhido enfurecido, ele entrega suas


armas.

Encontrando a mesma resistência com Ashley, mantenho


minha posição até que ele larga suas lâminas. Entre os dois,
nunca vi tal tormento. É verdade que, desarmados e indefesos,
nossas chances de sobrevivência são quase nulas. Mas tenho um
plano.

“Solte a garota, Madwulf.” Cruzo meus braços, protegendo


a rápida ascensão e queda do meu peito. “Fizemos o que você
pediu.”

Sem aviso, um novo enxame de piratas espalha-se de


ambos os lados da casa. De repente, somos invadidos com
nenhum lugar para ir. A multidão hostil cai sobre nós muito
rápido, com muitas armas. Alguns nos seguram. Outros seguram
nossos braços com cordas.

PAM GODWIN
Indignação e desamparo passam por mim. Mantenho meus
olhos na criança, sabendo que um movimento errado acaba com
sua vida.

Em segundos, Priest, Ashley e eu somos colocados de


joelhos, as mãos amarradas atrás de nós, sob a custódia horrível
de Madwulf MacNally. Ordeno que minhas malditas lágrimas não
caiam, mesmo quando elas obstruem meus olhos e deixam meu
captor embaçado.

Ele empurra a garota nos braços de um pirata próximo e


olha para mim de uma forma que só pode ser definida como
maligna. “Mate eles.”

Na minha periferia, um cutelo recua, apontando para a


cabeça de Ashley.

“Nããão! Espere!” A histeria em minha voz perfura o ar. “Eu


tenho algo que você quer!”

Madwulf ergue a mão, detendo o homem com a


lâmina. “Você não tem mais nada, Bennett. Nada para
trocar. Mas me diga isso. Por que o Feral Priest entregaria sua
vida pela mulher que matou seu pai?”

A verdade. Eu ainda tenho isso e funciona a meu


favor. “Priest Farrell é meu marido. E ele odiava seu pai.”

Madwulf estreita os olhos, penetrantes e incrédulos.

“O que você está fazendo, Bennett?” Priest rosna atrás de


mim. “Cale a boca e deixe-me cuidar...”

Falo sobre sua fúria e conto a Madwulf como cheguei a esta


posição infeliz entre meu amante e meu marido. Explico a
infidelidade de Priest, sua caçada de dois anos por mim, como
fiquei sob a custódia de Ashley e, por fim, me apaixonei por ele.

O único detalhe crucial que deixo de fora é meu


estratagema com Jade. Levo Madwulf a acreditar que minha

PAM GODWIN
tripulação me jogou ao mar e fugiu sem olhar para
trás. Eu não quero que ele saiba que meu galeão espera por mim
do outro lado desta ilha.

“Então você é casada com o libertino.” Madwulf caminha


na minha frente. “Você ama os dois. Ambos amam você, e se eu
não os matar, eles provavelmente vão se matar?”

“Provavelmente.”

Talvez. Talvez não. A questão de como eles se conheciam


ainda persiste na minha mente.

Com uma expressão de nojo, Madwulf me olha de cima a


baixo. “Se o libertino ama você, por que ele a exporia à sífilis?”

“Eu já tinha, e sinceramente, capitão, essa é a última das


minhas preocupações.” Eu derramo a sinceridade dessa
declaração em minha voz e olhos. “Eu morreria por eles. Poupe
suas vidas e lhe darei mais riqueza do que você jamais vai
conseguir com Blitz sob seu comando.”

“Onde está sua riqueza, moça?” Madwulf olha em volta,


rindo. “Você não tem nada!”

“Sou filha de Edric Sharp, seu tarado ignorante. Para onde


você acha que foram todos os seus despojos?”

“Ela está mentindo!” Ajoelhando-se ao meu lado, Priest


berra e se sacode contra as mãos que o prendem. “Não acredite
em nada que ela diga.”

A imobilidade cai sobre Madwulf enquanto nos observa de


perto. Eu tenho sua atenção.

“Há uma bússola inestimável ligada à pessoa do Sr.


Farrell.” Eu respiro fundo e solto. “Liberte-o disso, por
favor. Pertencia ao meu pai.”

PAM GODWIN
“Com prazer.” Madwulf acena com a cabeça para um de
seus homens.

Tudo dentro de mim para quando meu bem mais querido é


arrancado do corpo do meu marido furioso e rosnando. Meu olhar
agarra-se ao invólucro de latão polido enquanto ele passa de uma
mão para a outra, terminando com Madwulf.

“É um quebra-cabeça.” Engulo o nó na minha garganta, me


recusando a deixar minha dor brilhar. “Meu pai escondeu todos
os seus tesouros, trancou o mapa do local nessa bússola e me
deu no dia em que foi enforcado. O buraco da fechadura se
revelará com a combinação correta de movimentos. Eu uso a
chave no meu pescoço.”

O brilho repentino de uma dúzia de pares de olhos queima


minha garganta.

“Você não pode abrir,” digo apressadamente. “Não sem as


instruções secretas, que estão trancadas dentro da minha
cabeça. Se eu morrer, a combinação morre comigo. Se você matar
Priest e Ashley, morrerei com eles, pois será muito doloroso
viver. Você pode me torturar para obter as instruções, mas juro
por Deus, Madwulf, se os machucar, não sobrará nada de mim
para quebrar.

“Ela não sabe a combinação. É um truque.” Priest tenta se


levantar e correr para a frente, apenas para ser jogado de cara na
areia.

“Ela nunca mencionou uma bússola ou um mapa


secreto.” Ashley range os dentes. “Ela está conduzindo você em
uma perseguição selvagem. A mesma coisa que fez comigo
quando me enviou atrás de Priest em Nassau.”

Coloco minhas mãos na corda. Idiotas irritantes e


superprotetores.

PAM GODWIN
“Amordace o marido e o caçador de piratas e amarre-os em
uma árvore” Madwulf diz distraidamente, seu olhar fixo na
bússola em sua mão. “Isso abre com aquela pedra verde no seu
pescoço?”

“Sim, a chave e uma combinação de movimentos.”

“Tudo certo." Ele ronda para frente e se agacha no nível dos


olhos com a minha posição ajoelhada. “Abra e eu deixarei seus
rapazes viverem.”

A poucos metros de distância, Priest e Ashley rugem e


rosnam atrás de suas mordaças, lutando inutilmente contra os
homens que os amarram a uma palmeira.

Eu bloqueio seu tormento em minha mente e me concentro


na oferta de Madwulf.

Em primeiro lugar, ele não é confiável. Mesmo se eu


pudesse desbloquear a bússola imediatamente, ele pegaria o
mapa, mataria nós três e reivindicaria o tesouro de meu pai. Em
segundo lugar, passei os últimos sete anos tentando desbloquear
o instrumento, sem sorte.

Mas isso foi antes da minha última conversa com


Priest. Antes dele compartilhar o que aprendeu com o filho do
fabricante da bússola.

Cada instrumento foi construído com uma chave e uma lista


de instruções verbais. Algo para esconder em seu corpo e algo para
esconder em sua mente.

A resposta está enterrada em minha cabeça. Tenho certeza


de que meu pai me deu as instruções. Mas como? Em um
enigma? Uma canção? Cristo, ele me ensinou tantas coisas ao
longo dos quatorze anos que o conheci, muito disso por meio de
letras e histórias. Eu não consigo me lembrar da metade.

PAM GODWIN
No momento, tudo o que importa é tirar Madwulf e seu
bando de bandidos da ilha sem matar os dois homens que eu
amo.

“Eu não confio em você, seu cachorro com escorbuto.” Olho


para o instrumento de latão estendido em sua mão. “Você quer
isso aberto? Aqui estão minhas condições. Ninguém mais morre
aqui. Nem aquela garotinha ou sua mãe. Nem Priest ou
Ashley. Leve-me com você. Quando levantarmos a âncora, quero
uma prova visual de que Priest e Ashley ainda estão vivos. Então,
vou precisar de algum tempo para desbloquear o quebra-
cabeça. Assim que o fizer, você pode pegar o mapa sem mostrá-
lo e me colocar em terra em qualquer ilha que quiser.”

A última parte não se concretizará. Madwulf me matará


para garantir que eu nunca tente reclamar os despojos de meu
pai.

“Quanto tempo vai demorar para abrir?” Ele pergunta.

“Eu não sei. Tenho muitas combinações na minha


cabeça.” Explico rapidamente a ele como acabei de aprender os
detalhes sobre o uso de uma chave e uma lista de instruções.

“Você tem certeza de que pode desbloquear isso?”

“Eu juro.” Coloco minha testa em sua coxa e seguro lá,


sabendo que o gesto submisso o moverá.

Ele se levanta, puxando-me para ficar com ele. “Vamos


zarpar, rapazes!”

Com sua mão em meu braço, tropeço atrás dele, tentando


acompanhar seu passo. A praia está estéril ao nosso redor, todos
os fazendeiros e pescadores escondidos em suas casas ou mortos.

Quando passamos pela palmeira, as vibrações de gritos


amordaçados e furiosos de Priest e Ashley me apertam por

PAM GODWIN
dentro. Respiro fundo e corro, apagando a distância entre nós em
três longas passadas.

Passos me perseguem, mas chego na árvore e caio no colo


de Priest, caindo desajeitadamente com meus braços amarrados.

“A ilha dos pássaros,” sussurro em pânico. “Encontre-me


lá.”

Braços me puxam para longe e uma mão agarra minha


garganta, me sufocando.

“O que você disse a ele?” Madwulf coloca seu rosto no meu,


fervendo.

“Eu perdoo você.” Torço meu pescoço, travando nos olhos


prateados em chamas de Priest. “Todo o meu ressentimento e
desprezo... juro por Deus, Priest, acabou. Eu te amo.” Viro meu
olhar para Ashley, tremendo com a raiva fria e dura em sua
expressão. “Eu amo vocês dois.”

“É o bastante.” Madwulf sorri e balança a cabeça. “Vamos


antes que eu derrame uma lágrima.”

A força da raiva e da violência profana flutuando de Priest


e Ashley pega meu peito em chamas. Meu olhar não se desvia
deles enquanto Madwulf me puxa para longe. Eu os verei
novamente. Tenho que acreditar nisso.

Se viajarem a cavalo, chegarão a Harbor Island em dois ou


três dias.

Se Jade ainda estiver ancorada lá depois de um mês de


espera, eles têm um navio para me caçar.

Se eu puder enganar Madwulf para traçar um curso para a


minúscula ilha desabitada ao norte de Anguila, o lar de mais
pássaros aninhados do que já vi em minha vida, Priest e Ashley
me encontrarão.

PAM GODWIN
Talvez.

Esperançosamente.

Isso é um monte de se. Muitos.

Meu coração aperta tão dolorosamente que sinto um aperto


nauseante quando ele desaba sobre si mesmo.

Eu concebi muitos planos malucos em minha vida. Alguns


funcionaram. Alguns falharam magnificamente. Este pode ser o
meu esquema mais frágil e complicado até agora.

Enquanto Madwulf me arrasta para o bote , amaldiçoo


minha falta de roupa. Mais uma vez, estarei embarcando
no Blitz vestindo apenas uma camisa masculina e a pedra de
jade. A camisa de Ashley desta vez. E é muito pior pelo desgaste,
pendurada em farrapos em volta das minhas coxas.

A tripulação não vai me estuprar, por medo de contrair


sífilis.

Mas há inúmeras outras maneiras de machucar uma


mulher.

PAM GODWIN
QUARENTA E CINCO

De pé na proa de Blitz, seguro uma luneta contra o olho e


afundo no alívio avassalador em meu peito. A palmeira distante,
com dois homens selvagemente determinados amarrados a ela,
enche o campo esférico.

Eles ainda estão vivos e, em poucos minutos, a maior


ameaça contra eles navegará para longe desta ilhota.

Atrás de mim, os marinheiros se esforçam no


cabrestante. Outros puxam cordas e uivam de tanto rir. A âncora
saiu da água. As jardas balançam. Velas assobiam e a vela
principal gira com força, vibrando com a força do vento
alísio. Uma névoa de spray quente corta minhas bochechas
enquanto o navio de guerra se afasta da areia e lança um amplo
arco em direção às ondas azuis do mar aberto.

Um formigamento corre pela minha espinha e a luneta é


arrancada de minhas mãos. Uma algema de ferro envolve meu
tornozelo, conectada a uma corrente curta que me prende ao
mastro de proa no convés superior. Lá, eu sento, esperando meu
destino em meio a um zoológico de galinhas, cabras e porcos
vivos.

Ashley teria um ataque se visse seu navio em tal desordem


imunda. E pensar que ainda ontem, a maioria desses homens

PAM GODWIN
havia se reportado a ele com a maior disciplina e respeito. Acho
que a promessa de riqueza e alegria pode comprar qualquer alma.

Eu dependo disso enquanto Madwulf ronda em minha


direção.

Ele se agacha ao alcance do braço, acompanhado por dois


piratas bestiais parados em suas costas. Esvazio minha
expressão, endireito meus ombros e encontro seu olhar duro com
o meu.

Por segundos intermináveis, ele me segura em um contato


visual deliberado e desconcertante. Uma tática para
intimidar. Sento-me mais ereta, imóvel e espero.

“Podemos ser amigos, Srta. Sharp.” Ele estende a bússola,


desafiando-me a agarrá-la. “Apenas me dê a combinação.”

“Vou te dar uma coisa, querido.” Minha boca se torce. “Que


tal uma erupção com secreção? Ou uma careca? Basta chegar
um pouco mais perto.”

Ele sibila entre dentes e alcança a barba ruiva que não está
mais pendurada em seu queixo.

“Oh, pelo amor de Deus.” Encosto-me no mastro atrás de


mim, reclinando. “O grande e corajoso Highlander não consegue
aceitar uma piada?”

“Não é sobre isso." Seu olhar mergulha na minha garganta,


estreitando na pedra de jade. É inútil para ele sem um buraco de
fechadura. Talvez seja por isso que ele ainda não a tirou de
mim. “Conte-me tudo o que você sabe sobre o quebra-cabeça.”

“Bem... quando meu pai me deu”, digo sem emoção,


esperando que ele não cheire a mentira, “ele falou sobre uma ilha
de pássaros.”

PAM GODWIN
“Onde?”

“Perto de Anguila, eu acho.” Solto um suspiro. “Eu


realmente não sei. Era jovem.”

“O que mais?”

“Verdadeiramente, capitão, preciso de tempo para


vasculhar minhas memórias e descobrir a combinação. Mas
eu vou. Vou desbloquear a maldita coisa se sair da minha cara e
me deixar em paz.”

Preciso dar a Priest e Ashley tempo para correr até Harbour


Island e navegar com Jade pela costa de Eleutera até minha
localização atual. Se eles não encontrarem nenhum atraso,
estarão apenas três dias atrás de Blitz.

“Você precisa de um incentivo.” Madwulf se levanta e cruza


as mãos atrás das costas.

Incentivo? Fico tensa, todos os músculos em alerta


máximo. Seus dois bandidos correm para frente e se erguem
sobre os dois lados de mim. Não vacilo, não desvio o olhar do
escocês.

Ele lança seu olhar para os homens, e um segundo depois,


eles me colocam de pé e fico entre eles.

Meu pulso acelera. Minhas pernas parecem água, mas me


recuso a desviar meu olhar de Madwulf.

Um terceiro homem da tripulação de Madwulf aparece ao


meu lado. Em seus punhos, ele segura uma prancha de madeira
larga e plana como uma espada.

Engulo em seco, incapaz de sentir minha língua ou meu


rosto ou o convés sob meus pés.

Em um borrão de movimento, os piratas maltratam meus


braços, me empurrando para um lado e para o outro. O ferro em

PAM GODWIN
meu tornozelo irrita minha pele enquanto tento chutar e me
torcer. Mas eles me dominam por pura força e número.

Enquanto me seguram onde querem, não tenho escolha a


não ser dobrar meus cotovelos com força e proteger os órgãos
vitais.

A prancha balança, colidindo com a frente da minha


coxa. Meus dentes batem em minha língua. Grito e meu corpo
inteiro estremece com uma agonia inconsolável.

Minha cabeça cai para frente enquanto afundo e grunho


com respirações excruciantes, gemendo, implorando pela dor,
implorando para que pare. Parece que minha perna foi arrancada
do meu corpo.

A prancha me joga no convés, enviando outra onda de


angústia pela minha coxa. Eu fico lá, ofegando através do
tormento estilhaçante.

Demora um minuto antes que eu possa me levantar para


sentar. Descansando no quadril oposto, encontro o olhar
impiedoso de Madwulf com o rosto mais corajoso que posso
reunir.

“Amanhã, aos oito sinos da vigília da manhã, voltarei.” Ele


larga a bússola no meu colo. “Se não estiver desbloqueada, vou
fornecer outro incentivo. Farei isso todas as manhãs e cada
incentivo se tornará cada vez mais convincente. Espero que você
resolva o quebra-cabeça antes que esteja muito quebrada.”

Ele se afasta e eu abraço a bússola contra o peito,


percebendo que minha camisa ainda está inundada com o
sangue pegajoso do homem na cabana. Eu me sinto
enjoada. Assustada. Brava.

Espancamentos diários.

PAM GODWIN
A dor horrível na minha coxa será menos pronunciada pela
manhã. Eu posso fazer isso. Eu suportei quinze dias de tortura
na nau capitânia do almirante. Golpes contra meus ossos com
uma prancha de madeira são menos intrusivos, menos danosos
à minha psique. Vou sobreviver a isso.

Eu quero muito ver Priest e Ashley de novo para desistir.

Segurando as duas mãos sob o joelho da minha perna


machucada, arrasto-o na minha frente. Meu choramingo
sufocado não pode ser evitado. A agonia passa por mim como
fogo, mas o membro não parece quebrado. Nenhum osso visível
se projeta. Sem ângulos não naturais. Apenas danos aos
músculos e ligamentos, talvez.

Enquanto o calor do Caribe queima minha pele pálida, eu


deslizo para uma área de sombra lançada pelo cordame. Nas
horas seguintes, movo-me com aquela sombra, desesperada por
sua proteção fresca enquanto ela se arrasta pelo convés com a
passagem do sol.

Blitz vai para o leste. A ilha dos pássaros fica a sudeste. Se


Madwulf tivesse mordido minha isca, estaríamos indo para
lá. Mas é muito cedo para saber.

Naquela noite, eu deito de costas no convés, olhando para


o céu estrelado e penso em meu pai. Eu brinquei com a bússola
a tarde toda sem nenhum compromisso real de abri-la.

É hora de resolver isso. Acorrentada ao mastro de proa,


enfrento certa tortura no dia seguinte. Em algum momento, terei
que desistir da combinação em troca de misericórdia. Mas
preciso descobrir primeiro.

Então fecho os olhos e recito mentalmente poemas,


canções e rimas que me lembro de ter ouvido no sotaque irlandês
de meu pai. Santo Deus, eu sinto falta dele. Se ele estivesse vivo

PAM GODWIN
hoje, talvez ficasse desapontado comigo por demorar tanto para
resolver seu enigma.

Quando estiver pronta, você saberá o que fazer.

Eu não sei o que ele quis dizer quando disse isso, mas sua
bússola salvou os dois homens que deixei na praia. Não acho que
ele se importaria que eu tivesse trocado seu tesouro em nome do
amor.

Talvez, se eu destrancar no momento certo, salve minha


vida também. Eu só preciso ser forte e paciente.

Minha força, no entanto, diminui miseravelmente nos dias


seguintes.

Todos os dias, aos oito sinos da vigília da manhã, Madwulf


emerge dos conveses inferiores. “Desbloqueie a bússola, moça.”

“Estou tentando.”

Parando calmamente diante de mim, ele sinaliza para seus


brutos e observa friamente enquanto a prancha de madeira
danifica outra parte do meu corpo. Acertou minhas costelas no
segundo dia e meu ombro no terceiro. Na quarta manhã, a dor é
tão forte que não dormi.

Eu não consigo parar de tremer. Não consigo parar de


choramingar. Não consigo comer, respirar ou focar em nada além
da terrível e constante agonia que dizima todos os músculos e
ossos.

Minha perna inchou em uma contusão de lesões pretas e


azuis do quadril ao joelho. Embora eu não posso suportar isso, é
a menor das minhas tribulações.

A escada de ossos sob meu seio esquerdo se quebrou em


vários lugares. Tenho certeza disso, pois cada respiração me faz
gritar e ofegar. E meu braço se recusa a responder. Ele não se

PAM GODWIN
levanta ou se move de forma alguma. Ombro
deslocado? Possivelmente pior.

Meus dentes batem sem parar, meus nervos e tendões


contraem-se e convulsionam incessantemente. A dor me governa,
ultrapassando minhas funções motoras, e o pavor é maior do que
eu posso suportar. Posso resistir a outro golpe daquela prancha?

Para piorar, a lua e as estrelas abandonaram sua vigilância


sobre mim. Nuvens enchem o céu, negras e taciturnas, rolando
ao lado de Blitz como se estivessem no mesmo curso.

Para onde estamos indo? A bússola dizia sul. A direção da


ilha dos pássaros. Mas depois de quatro dias, já devíamos ter
chegado. Eu temo que estamos longe demais para o leste e
ultrapassamos o destino. O destino de Jade , se tudo tiver
acontecido como eu espero.

Madwulf nunca menciona uma rota, e a tripulação não fala


sobre isso.

Ao longo da viagem, eles vivem ruidosamente e


festivamente, voando alto com bom humor a bordo do navio de
Ashley. Bebida pesada corre solta dia e noite. A oferta de animais
de fazenda diminui à medida que se empanturram com carne
recém-abatida. Às vezes, eles jogam restos crus para mim, rindo
e mantendo distância como se eu fosse o cachorro selvagem.

Até parece.

Como resultado de seu excesso de bebida, alimentação e


mau comportamento geral, eles deixam de fazer muita coisa
durante a maior parte da semana. Madwulf não participa da
alegria. Ele também não desencoraja. Permanecendo abaixo do
convés, ele provavelmente se entregou ao luxo dos aposentos
privados e dorme na cama que compartilhei com Ashley.

PAM GODWIN
Torna-se minha prática bloquear tudo. Sento-me de costas
para as festividades indisciplinadas, girando a bússola no colo e
recitando todas as rimas que conheço. Durante todo o tempo,
estico os olhos no horizonte distante, observando, esperando,
desejando que as velas apareçam.

A perspectiva de Jade se aproximar deste navio de guerra


de cem armas novamente me assusta até a morte. Mas minha
equipe sabe com o que estão lidando, e Priest e Ashley estarão
com eles. Ashley conhece as fraquezas de Blitz. Se alguém pode
derrotá-lo, é ele.

Mais nuvens de tempestade surgem, roubando minha visão


do horizonte. O nublado pesado me força a olhar para o convés,
a amurada, qualquer coisa ou nada, desde que eu não olhe para
baixo. Um vislumbre do meu corpo abusado me empurra para as
sombras, quando a dor reside, escura e sem esperança.

Na quarta manhã, Madwulf caminha diante de mim,


visivelmente agitado. “Você parece a cabeça da morte sobre um
esfregão. Medonha, de verdade. Eu não iria montá-la na
batalha.”

“Apodreça no inferno.”

“Abra a bússola, Bennett.”

“Eu disse para ir para...”

Mãos disparam atrás de mim e puxam meu ombro ferido


para trás. A articulação grita, disparando lâminas de dor
torturante pelo meu pescoço e peito.

Outro atacante se junta a ele e, juntos, eles prendem meu


cotovelo contra o mastro de proa, segurando-o com meu
antebraço estendendo-se além da madeira. A agonia em meu
ombro lateja tão brutalmente que me afogo na tontura nauseante
e giratória. Pontos pretos salpicam minha visão. O ácido queima
minha garganta e o excesso de saliva enche minha boca.

PAM GODWIN
O bruto com a prancha de madeira se aproxima.

“Não.” Eu balanço minha cabeça descontroladamente e


deixo cair a bússola em um esforço inútil para me libertar. “Não,
não, não, não! Por favor! Vou desbloquear agora. Eu prometo.”

Os dois homens me contêm enquanto o bruto com a


prancha a balança com força e rapidez no meu antebraço. O
golpe atinge como um raio, jogando meu braço para trás no
ângulo errado. Ossos racham do cotovelo ao pulso.

Eu grito, engasgando com a angústia. O gelo sobe dos


meus pés até o peito, perseguido por uma erupção de vômito
fervente.

O conteúdo do meu estômago é expelido pelos meus


lábios. Essa é a última coisa que me lembro antes de desmaiar.

PAM GODWIN
QUARENTA E SEIS

Eu flutuo de volta à consciência nas asas das palavras de


meu pai.

Comece e termine no norte.

Seu sotaque quente e calmante começa a cantar para mim


de algum lugar atrás, acima e ao redor…

Oh, cara triste, pelo golpe da minha lâmina

Norte para sul, clique, clique

Sul para leste, um tique

Lembro-me disso como uma melodia alegre com letras


mórbidas. Já faz muito tempo que eu não pensava nisso. Como
era o resto? Eu rastejo pela estranha névoa úmida ao meu redor,
cantarolando e procurando as palavras.

Até que uma pulsação aguda e penetrante me pega de


surpresa.

Com um suspiro, encontro-me deitada de bruços,


sufocando, afogando-me como se estivesse submersa no mar. O

PAM GODWIN
convés se estende abaixo de mim. O fedor de animais de fazenda
inunda meu nariz. Meus membros parecem pesados, meu corpo
todo encharcado. Se tenho que adivinhar, alguém jogou um balde
d'água em mim para me acordar.

Os sons estão distantes. Truncados. Vozes. Alguém fala


comigo, dizendo meu nome sem parar. Esse sotaque inglês não
faz sentido. Eu o reconheço e viro a cabeça, procurando seu rosto
e piscando através da miséria. Cristo todo-poderoso, tenho
dores... em todos os lugares.

Meus olhos se abrem e encaro o semblante preocupado do


tenente Flemming.

Curvando-se sobre mim, o médico loiro se abaixa e


gentilmente inclina meu queixo de um lado para o outro. Rugas
se espalham pelos cantos de seus olhos miseráveis, seu rosto
pálido de medo.

Dada a sua expressão abatida, ele não está aqui como um


novo recruta disposto. Ele é um refém, assim como eu. Porque
toda tripulação pirata precisa de um médico, e Flemming é o
único cirurgião do navio Blitz.

“Onde estamos?” Eu resmungo.

Sua cabeça se inclina para baixo, tremendo levemente


enquanto seus olhos se erguem para os piratas descansando,
bebendo e arrotando ao nosso redor.

“O braço precisará ser ajustado e juntado, senhor.”


Flemming recosta-se e olha para quem está fora de minha vista.

“Eu não me importo em consertá-la.” A voz de Madwulf


penetra em meu peito como água gelada. “Basta mantê-la viva
tempo suficiente para abrir essa bússola.”

PAM GODWIN
A tarefa de resolver o quebra-cabeça de repente parece
muito grande, muito impossível, e fica ainda mais quando viro o
pescoço e vejo os destroços mutilados do meu braço.

Um osso branco estilhaçado projeta-se de uma ferida


sangrenta perto da parte interna do meu cotovelo. Meu antebraço
se curva para fora em um ângulo não natural, deitado como uma
coisa morta deslocada no convés.

Engasgo e solto um grito silencioso enquanto meu


estômago se contrai e torce. Fluido viscoso e amargo se projeta
de minha boca, e o tremor... Deus me salve, os tremores são
insuportáveis, incontroláveis. Quando a magnitude do meu
ferimento se impõe sobre mim, eu tremo com uma violência que
envolve todos os músculos e rasga todos os nervos.

Não há necessidade de olhar para o rosto sombrio do


tenente Flemming para perceber meu destino. Eu não
sobreviverei a isso. Meu coração sabia disso o tempo todo, mas o
baluarte de teimosia interior não me permitia aceitar isso.

Enquanto Flemming entorna um frasco de remédio e


derrama um líquido escaldante sobre meu osso exposto, a dor
profana tenta me arrastar para a escuridão novamente. O sangue
corre frio em minhas veias, e minha respiração assobia úmida
pelos meus dentes cerrados, cada expiração cavalga os sons de
lamento dos meus gritos.

Através da névoa, um desejo final vem à tona. Um desejo


que carrego comigo desde o dia em que encontrei meu pai
pendurado na forca.

Antes de morrer, tenho que ver dentro de sua bússola. Eu


preciso desesperadamente segurar, cheirar e ler tudo o que ele
deixou para mim.

Flemming aperta um pano embebido em água sobre minha


boca, oferecendo fluidos. Então ele se afasta, desaparecendo

PAM GODWIN
abaixo do convés com seu baú de suprimentos e flanqueado por
dois piratas. Madwulf entra, ocupando seu lugar.

Recusando-me a ser instigada, pressiono meus lábios e


olho silenciosamente para ele.

“Está tudo bem, moça.” Ele toca uma unha dentada contra
minha bochecha e suavemente limpa os cachos molhados do meu
rosto. Então ele coloca a bússola no convés ao meu lado, seus
olhos duros, atentos, determinados. “Desbloqueie-a e toda a dor
vai embora.”

“Sim.” Meus dentes batem, cortando minha língua


enquanto eu tento rolar para me sentar. “Você pode... ajudar...?”

Ele agarra meu braço bom e me puxa para cima. O


movimento repentino me lança em um vórtice giratório e cegante
de náusea. Passo pela miséria até que minhas costas se
acomodam contra o mastro de proa.

Fraqueza, dor e fadiga atormentam meu corpo,


empurrando-me para uma queda estranha e desconfortável. Eu
não consigo me endireitar ou me mover sem desmaiar, então
permaneço onde ele me deixou, arrasto a bússola mais perto do
meu quadril pela corrente e uso cada grama de concentração
para resolver o quebra-cabeça.

As horas se passam e a noite cai muito cedo. Perdi um


tempo precioso durante as crises de inconsciência, mas estou
quase me lembrando da música que meu pai me ensinou. É a
única rima que conheço que menciona os pontos de direção da
navegação. Mas não importa quantas vezes eu viro o instrumento
junto com o canto, nada acontece.

A escuridão não ajuda. Uma espessa manta negra de


neblina sombria paira sobre o navio, apagando o luar, a luz da
lanterna e tudo ao meu redor. Eu não consigo ver o mostrador da
bússola e, a cada minuto que passa, meu corpo começa a desistir.

PAM GODWIN
A manhã chega com um terrível despertar. Eu evito dormir,
mas minha mente não funciona direito. Houve momentos em que
me lembrei de toda a música, mas a bússola não respondeu à
combinação de etapas. Estou fazendo algo errado.

Estou sem tempo.

Em meio à névoa densa e úmida, a silhueta de Madwulf


aparece.

Bem na hora, alguém toca o sino do navio. Uma vez... Duas


vezes... Entre cada um dos oito anéis ressonantes, eu juro ter
ouvido o grasnar dos pássaros fazendo ninhos. Meu coração dá
um pulo.

Madwulf acena com a cabeça para algo atrás de mim. Eu


não esperava, mas ouço o balanço da prancha assobiando no ar
antes de colidir com o lado do meu rosto.

A força disso me manda voando para o lado, rompendo


minha orelha e mandíbula em um estrondo de trovão. Eu desabo
no convés, segurando a bússola e nadando em uma poça
sufocante e paralisante de dor.

O sangue jorra de meus lábios. Minha boca se abre e minha


garganta queima em carne viva com meus gritos. A vibração da
minha voz estridente luta contra a explosão de angústia em meu
crânio. Mas eu não consigo ouvir. Não consigo detectar um único
som.

Engolida inteira pela agonia, choro no silêncio


surpreendente. O convés está duro e pegajoso sob minha
bochecha, o soco constante de dor enxameando de todas as
direções, rasga minhas costelas, morde meu braço e perfura
minha cabeça como o golpe incansável de uma espada.

Gotas de sangue saem da minha boca e mancham o convés.


Tudo o que posso fazer é olhar para aquelas gotas vermelhas de

PAM GODWIN
sangue e, naquele momento de clareza silenciosa, cantarolo
mentalmente.

Oh, coitado, sua vida vai acabar

E eu digo isso, e eu sei

Oh, cara triste, pelo golpe da minha lâmina

Norte para sul, clique, clique

Sul para leste, um tique

Vou cortar você três vezes, de leste a oeste

Eu vou te lançar uma lança, de oeste para norte

Eu digo, homem morto, você encontrou o seu fim

Vou deixá-lo cair nas profundezas do mar

Onde os tubarões terão seu corpo

E o diabo vai ter sua alma

A verborragia de clicar, marcar, uma vez, três vezes não


fazia sentido antes, então ignorei essas partes. Talvez tenha sido
aí que eu me enganei.

A determinação assume.

Espalhada de lado com meu peso no ombro ileso, eu exerço


mais energia do que pensei ser capaz enquanto arrasto minha
mão, que ainda segura a bússola, em direção ao meu rosto.

Uma mancha de algo espesso e escuro borra meu olho


direito. Pele inchada? Vasos quebrados? Esforço-me para ver
através da visão parcial. Pior, ainda não consigo ouvir um único
som. Até minha respiração foi silenciada.

PAM GODWIN
Não importa. Ouvir não é necessário enquanto eu cavo
fundo e reúno o último vestígio de minha força. Eu só preciso de
coragem suficiente para ficar acordada e girar o botão.

O mundo se estreita com a música do meu pai e a rotação


do invólucro de latão na minha mão. Norte a sul. Pressiono o pino
central em que a agulha gira. Dois cliques. Eu acabo de sentir
uma liberação de uma mola por dentro? Minha pulsação acelera.

Cuidadosamente, apressadamente, sigo a série de passos


da rima, rangendo os dentes enquanto a dor varre meu corpo de
cima a baixo, me destruindo de dentro para fora.

Quando chego ao final da música, a agulha parece instável,


como se foi ejetada de seu compartimento. Eu lentamente a
levanto, tremendo de choque. Nunca fiz isso antes. O que quer
que prendia o mostrador na bússola foi girado como um torno
abrindo seu punho dentado.

Meus dedos tremem quando desamarro a tira de couro em


volta do meu pescoço e insiro a pedra no buraco no centro.

Ela se encaixa.

Comece e termine no norte.

Viro a bússola para o norte.

Uma série de molas vibra dentro da caixa. Sem minha


audição, não posso detectar movimentos mecânicos, mas
imagino uma pilha de rodas girando na câmara, ou engrenagens
com dentes, deslizando as alavancas em entalhes e mudando os
pinos. Talvez não fosse tão complicado, mas a maldita coisa me
iludiu por sete anos.

Até agora.

O selo ao redor do invólucro se abre e, por um momento,


não acredito nos meus olhos.

PAM GODWIN
Está destrancada.

Respirações dolorosas precipitam-se quando abro e


encontro dois rolos de papel em miniatura, cada um não maior
do que a pedra de jade.

Com apenas uma mão utilizável, coloco-a sobre os


pequenos rolos de papel e trabalho meus dedos em uma tentativa
agonizante de desenrolar um deles. O esforço extenuante vale a
pena no instante em que vejo a letra de meu pai.

Minha linda filha,

Se você está lendo isso, provavelmente eu saí deste mundo


e estou esperando por você no próximo. Tenho muito para te contar,
começando com…

O minúsculo papel é arrancado de minhas mãos. Com um


berro que não consigo ouvir, tento alcançá-lo. Só que meus
membros não cooperam. Meu corpo está quebrado demais para
agarrar a mão que roubou a carta de meu pai. Mais mãos caem
sobre mim, pegando a bússola, a pedra de jade e o segundo
pergaminho.

A dor que me assalta é pesada e devastadora. Substitui


meu sangue por veneno, meu ar por fumaça e meus membros
por pesos de chumbo. Eu não consigo respirar ou me mover.
Mesmo assim, tento.

Alcanço a névoa, tremendo violentamente, procurando


alguém que queira ouvir.

“Por favor. A carta do meu pai... eu imploro.” Empurro as


palavras, mas nenhuma chega aos meus ouvidos. “Não consigo
ouvir. Meus ouvidos... algo está errado. Eu só quero ver a carta.
Por favor.”

PAM GODWIN
A névoa densa brilha em tons claros de cinza, girando ao
meu redor enquanto estou deitada de lado, sangrando e quebrada
em muitos lugares. Desse ângulo, com a bochecha no convés,
observo inúmeras botas pretas pisando em mim. Um par para a
alguns centímetros do meu rosto e Madwulf se agacha.

Ele segura um dos minúsculos pergaminhos e o desenrola


entre seus grandes dedos. Então ele começa a ler.

Eu me concentro em seus lábios e entendo a palavra filha.


Ele está lendo a carta em voz alta, lendo as palavras de amor de
meu pai, e eu não consigo ouvir nada. Eu não consigo interpretar
o sotaque pesado que molda sua boca cruel.

“Por favor, capitão.” Tento erguer minha mão em direção a


ele. “Isso foi... escrito... para mim. Eu não consigo ouvir...”

Ele larga o papel no convés e o enrola em sua forma


original. Suas botas giram e ele se afasta, sua atenção fixada no
segundo pergaminho em sua mão.

A carta está a apenas dois... três passos de distância. A


corrente no meu tornozelo alcançará.

Tente, Bennett. Você consegue.

Rolo para o meu peito, engulo meus gritos e empurro os


cachos encharcados de sangue do meu rosto. Apoiando-me na
agonia vertiginosa, me arrasto para frente apoiada no cotovelo.
Empurro mais um centímetro com os dedos dos pés de minha
perna ativa. Raspo o osso cru do meu braço no convés. Sangue.
Um pouco para baixo. Empurro novamente.

Oh Deus, me dê forças.

Eu só preciso alcançar o papel antes que ele voe.

Apenas me ajude a alcançá-lo. Querido Deus, é tudo o que


vou pedir.

PAM GODWIN
Eu levanto meu braço quebrado para frente, sigo-o, puxo-
o novamente, prendendo o osso exposto nas costuras do convés.
Eu grito. Continuo em movimento. Tão perto.

A ponta de uma bota pressiona a carta enrolada. Minhas


entranhas murcham.

Uma mão agarra o minúsculo pergaminho.

Madwulf se abaixa e encontra meus olhos. Qualquer coisa


horrível que ele profere para nos meus ouvidos. Segurando meu
olhar, ele lenta e deliberadamente rasga a carta em pedacinhos,
caminha até a proa e joga os restos para o lado.

Se foi.

Destruída.

Nunca mais voltará. Eu nunca saberei as palavras, nunca


as lerei ou as ouvirei.

A dor é tão poderosa, tão monstruosa, que desabo sob sua


gravidade. Tudo que me resta é a dor queimando dentro de mim,
meu amigo retorcido com braços que me abraçam em fogo e
dentes que arrancam a carne de meus ossos. Afundo em seu
aperto e imploro para acabar comigo.

Ainda assim, meu corpo se recusa a morrer.

Os homens de Madwulf me puxam para cima e me


amarram no mastro de proa. Sem força para ficar de pé, me curvo
contra a corda que me prende nas coxas, quadril e costelas. Meus
braços são forçados ao meu lado, punindo-me com outra camada
de agonia enquanto cada osso quebrado e tendão retalhado
esfrega e empurra contra o aperto das restrições.

Então eles vão embora.

Eu não preciso de minha audiência para saber suas


intenções. Eles me deixaram aqui para morrer.

PAM GODWIN
Enquanto isso, eles massacram a última cabra e espalham
os restos dos tonéis de vinho. Os homens de Ashley abandonaram
a Marinha Real na esperança de viver felizes e adquirir riquezas.
Agora eles vão.

Eles tem o mapa do meu pai.

Enquanto a moral da tripulação voa com sorrisos e danças,


a minha despenca.

O inchaço se instala na lateral de meu rosto, fechando


meus olhos com força. Minha mandíbula, bochecha e orelha
parecem um enorme nó de fogo, pulsando e se esticando. Minhas
costelas quebradas transformam cada respiração em um golpe
violento e eu me recuso a olhar para meu braço. Eu não posso
sem desmaiar.

Enlouqueço com o desejo de agarrar meu caminho para


fora dessas cordas e me jogar ao mar. Eu queria estar em
qualquer lugar que não fosse aqui, pendurada em um mastro e
esperando minha morte.

A dor me seguirá quando eu deixar este lugar? Eu imagino


que vai, se nunca ver Priest e Ashley novamente. Imagino que a
dor será pior.

Horas parecem dias, e eu ainda não consigo ouvir. Os sinos


da vigília da tarde devem ter tocado, pois os vigias mudaram. Ao
contrário do tempo sombrio.

A névoa ao redor do navio parece ficar mais espessa. Não


estamos nos movendo.

O vento diminui. As velas estão soltas. Não preciso da


minha audição para sentir que não há ondas. Sem maré. O navio
não está balançando. Estamos perto da terra?

A névoa pálida e obscura impede a visibilidade além da


proa. Inclino meus olhos para cima e foco nas árvores cruzadas.

PAM GODWIN
Se eu pudesse ouvir, imagino que estaria ouvindo meus dentes
chacoalhando, suspiros chorosos e a pulsação moribunda do
meu coração. Posso sentir o último como um tambor batendo,
lentamente perdendo energia.

O convés ficou silencioso para meus ouvidos quebrados. O


brilho de um cano, o piscar de uma lanterna... nada mais chama
minha atenção na escuridão. Outra hora se passa. Duas. Ainda
assim, mantenho meu olhar nas árvores cruzadas.

O relógio muda novamente.

Eu me sinto enfraquecendo, meus membros gelando na


umidade opressiva. Febre se instalando.

Então algo vibra acima. Penas. Asas. O brilho de um bico


vermelho. E outro.

Eu conheço aquela espécie de ave marinha. Eles se


aglomeravam nos penhascos baixos e rochosos da ilha dos
pássaros.

Meu coração dispara, passando pela exaustão do estresse


e da dor.

Madwulf mordeu minha isca.

Minutos depois, em um fugaz momento de lucidez,


vislumbro um navio rompendo a névoa a estibordo da proa.

Sua silhueta abre um buraco no vapor e emerge da névoa


como um navio fantasma. O banco de névoa se afasta do seu
casco como se estremecesse de medo.

Prendo meus lábios, prendendo a inundação de minhas


respirações frenéticas.

Em meio ao som do silêncio, o ar não se mexe, o vento


assustadoramente morto. Ela desliza sobre a água lisa como

PAM GODWIN
vidro. Orvalho brilha ao longo das linhas de seu cordame. Seu
convés está cheio de armamentos.

Eu reconheceria seus mastros poderosos em qualquer


lugar.

Jade chegou para lutar.

PAM GODWIN
QUARENTA E SETE

Jade se esgueira, furtiva e escura, deslizando de placa a


placa com Blitz. Redemoinhos de névoa enrolados em torno de
suas vigas, seus mastros subindo como os tentáculos de um
monstro gigante lentamente subindo do mar.

A névoa, a quietude sinistra, a promessa de retribuição


devastadora, tudo isso abala minha alma, matando-me nas
minhas mais torturadas e vulneráveis profundezas. Eu quero
chorar ao vê-lo. Ao mesmo tempo, nunca estive tão faminta por
derramamento de sangue.

Quando os bandidos bêbados de Madwulf o notam na


névoa, é tarde demais para eles.

Em segundos, minha tripulação joga lanças e pranchas e


pula a bordo, seus olhos selvagens e boquiabertos. Eu gostaria
de poder ouvir seu rugido unificado.

Eu gostaria de poder ficar e lutar com eles.

Que os pecados de Thanatos agraciem seus corações e


sangrem suas espadas.

A bordo do Blitz, eles imediatamente encontram resistência


dos piratas de Madwulf. Mas esses desgraçados malditos não
estavam preparados para impedir a emboscada. Enquanto eles

PAM GODWIN
tateiam o peito por suas armas, meus homens caem sobre eles
com lâminas, pederneiras e machados.

Através do borrão do meu único olho ativo, avisto Reynolds


e Jobah enquanto eles abatem todos os animais em seu caminho.
Procuro na multidão, lutando para ficar consciente, desesperada
para ver os dois homens que eu amo.

Mais e mais membros de minha tripulação se juntam à


luta, aparando baionetas inimigas, cutelos empurrando,
pederneiras disparando, lâminas batendo no ar e corpos caindo
e se debatendo na morte. O aroma enfumaçado de pó gasto pica
meu nariz, e a reverberação de tantas botas sacode o convés sob
meus pés.

Experimento tudo em um silêncio arrepiante.

Priest e Ashley estão chamando meu nome? Eu não sei.


Não consigo distinguir os rostos dos homens invadindo as
pranchas entre os navios. O nevoeiro impossibilita a identificação
dos que permaneceram em Jade para repelir os hóspedes
indesejados.

Então, em meio ao caos silencioso, a névoa de fumaça


estremece, se separa e um homem selvagem emerge da nuvem.

Sua camisa está rasgada e suja, o laço se foi e as bordas


da frente estão penduradas abertas em seus cintos, revelando
uma parede de músculos ondulados do pescoço à cintura.

As mechas de seu cabelo, da cor castanha, estão trançadas


e adornadas com contas de concha, a metade superior do seu
rosto raspada e presa em uma fila de marinheiro. O resto enrola
em torno de seu colarinho solto e pescoço grosso, e eu anseio por
senti-lo deslizar entre meus dedos. Eu sinto muita falta do meu
marido.

Ele segura os braços rigidamente ao lado do corpo,


segurando dois cutelos. Eu reconheço o punho de bronze em um.

PAM GODWIN
Pertence a mim e a meu pai antes de mim. Eu o tirei da praia no
dia em que ele foi enforcado.

Com a cabeça baixa, o queixo no peito, Priest fixa seus


olhos prateados nos meus. Olhos que brilham por baixo de uma
sobrancelha sombria e selvagem, as profundezas escurecendo
como nuvens pesadas pela chuva enquanto observa minha
aparência.

Deve ser difícil para ele me ver assim, uma cadáver


seminua amarrada ao mastro da proa com os ossos expostos no
meu braço e cada centímetro de minha carne espancada e
inchada em várias cores.

Quando seu olhar finalmente volta para o meu rosto ferido,


seu comportamento assume tanta dor que algo dentro dele
parece ter se quebrado. Seus braços incham de tensão, seus
ombros se erguem e se espalham. Ele abre a boca, os lábios
curvados para trás, os dentes à mostra. Então ele ruge. Eu não
consigo ouvir, mas sinto com todo o meu corpo. Seu tormento.
Sua intensidade. O contato visual feroz. O pressentimento. Tenho
arrepios.

Coisas terríveis estão para acontecer, pois ele não está com
raiva. Está profundamente, espetacularmente, viciosamente
enfurecido.

Ele avança em minha direção com toda aquela ira, nunca


desviando o olhar. Em torno dele, a batalha trava, mas ele não
para. Não vacila quando uma lâmina se aproxima. Ele está muito
focado, muito determinado para me alcançar. Ele apaga metade
da distância antes que alguém saia da briga e corra para ele,
empunhando uma espada.

Priest não contrai um músculo para escapar do ataque. Ele


não precisa.

PAM GODWIN
Ashley surge do nada e ataca como um raio, partindo o
agressor quase em dois com o golpe de uma espada. Então ele se
vira e encontra meu olhar.

Seus olhos azuis são a calma para a tempestade de Priest,


o gelo para o fogo furioso de Priest, sua expressão vazia e suave,
sua testa repleta de contenção. Mas vejo além daquela máscara.
Tudo o que sinto por ele, tudo o que desejei, se espalha entre nós.

Vejo o homem sob a armadura rígida. Ele está berrando lá.


Golpeando, esfaqueando e batendo com os punhos na carne. Um
homem frio e calculista segura meu olhar na superfície, mas sob
aquela disciplina severa, ele quer vingança e sangue, tudo o que
Priest quer.

Ele me quer.

As bandagens que envolvi repetidamente em volta do meu


coração nos últimos dois anos foram arrancadas. Eu não preciso
mais delas. Deus, estou tão horrivelmente, tolamente,
completamente apaixonada pelos dois.

Ashley parece mais alto ao lado de Priest e, embora ele se


mantenha firme em seu comportamento estoico, sua aparência é
muito diferente do aristocrata que conheci neste navio cinco
semanas atrás.

Coberto de sangue e despido até a cintura como um pirata


comum, seu corpo brilha com músculos, flexionando sob duas
grossas bandoleiras de couro que cruzam seu torso. Ele segura
quatro pistolas. Mais duas penduradas em seu pescoço, uma das
quais Priest agarra e atira em alguém que se aproxima ao meu
lado.

Os dois lutam para chegar até mim o mais rápido que


podem, parando a cada segundo para lutar contra mais
agressores. Tenho que confiar em minha visão enfraquecida para
seguir a comoção. Eu não sei quando um bacamarte ou

PAM GODWIN
pederneira dispara até que vejo os pedaços de pólvora negra,
chuva de faíscas e poça de sangue.

Se Priest ou Ashley forem atingidos, eu não ouvirei antes


de acontecer. Eu não saberei até que eles caiam.

Meu peito aperta dolorosamente, todo o meu ser bloqueado


em seu progresso enquanto eles se aproximam cada vez mais.
Meu corpo não aguenta muito mais tempo. A cada respiração, a
dor fica maior e mais aguda, consumindo minha capacidade de
pensar. Eu não consigo mais segurar minha cabeça.

Quando eles finalmente me alcançam, Priest dá a volta no


mastro da proa, serrando a corda que me prende à madeira.
Ashley embainha sua espada e segura suas mãos trêmulas perto
da minha cintura, pairando, como se não tivesse certeza de onde
agarrar sem me causar dor.

Em todo lugar dói. Não há nenhuma parte de mim que não


proteste contra o aperto de mãos. Até as dele. Mas eu quero sair
deste navio, mesmo que isso me mate.

“Faça isso.” Minha garganta queima, seca e arenosa. “Eu


não vou morder.”

Um pirata raivoso corre atrás dele, pronto para enfiar um


florete nas costas de Ashley.

“Atrás de você”, tento gritar.

Mas Priest já está lá, cortando o rosto do homem. Em


seguida, ele usa o florete do próprio pirata e mergulha na barriga,
empurrando a lâmina para cima até que abre seu estômago e
parte do peito. O homem cai.

Girando para trás, Priest grita algo para alguém, furioso,


cuspindo, seu rosto se contorcendo com loucura feroz. Eu vi seu
temperamento em seu pico mais perigoso, mas nunca isso. Seus
olhos selvagens, expressão demoníaca e porte mercurial

PAM GODWIN
personificam uma violenta tempestade. Uma guerra selvagem.
Um rugido e consumidor fogo de ira.

Ele está assustador.

Voltando para o meu lado, ele grita com Ashley, que


responde calmamente, aparentemente imperturbável pela raiva
de Priest. Tento ler seus lábios, mas meu foco está diminuindo, a
escuridão pressiona nas bordas.

Priest desliza uma faca por baixo da corda em volta de


minha barriga e faz uma pausa. Sua mão treme. Seu peito sobe
e desce. Ele precisa desesperadamente de uma saída para a fúria
que rosna dentro dele.

Ashley toca minha cintura, dedos leves como uma pena, e


sua boca se move através de uma série de palavras, das quais
apenas algumas são discerníveis no final. “…Vou feri-la.”

“Já estou machucada.”

Não consigo mais ver o azul de seus olhos, pois as sombras


perigosas que caem sobre eles são muito escuras e marcantes.

“Não consigo ouvir. Sem... som.” Eu não tenho certeza de


como posso falar bem. Meu rosto está inchado e minha voz não
alcança meus ouvidos. “Encontre Madwulf. Abaixo do convés. Ele
pegou... bússola aberta. Mapa minúsculo. Minha pedra...”

A carta do meu pai.

Uma lágrima vaza do canto do meu olho.

Priest flexiona a mandíbula, acena com a cabeça e corta a


corda.

Os grilhões são desenrolados e caio nos braços de Ashley.


Ele me pega tão delicadamente quanto pode, mas tudo dentro de
mim se move ao mesmo tempo. Ossos deslocam. Músculos

PAM GODWIN
engajados. Peso deslocado. A dor chocante e devastadora é
demais.

A náusea invade. Meu estômago embrulha. Eu entro e saio


da consciência.

Tento ficar alerta enquanto Ashley me carrega pelas


pranchas até Jade. Por cima do ombro dele, vejo Priest na proa
do Blitz. Ele parece furioso com um desejo trêmulo de morte, sua
expressão fervendo, enrugada, cimentada em uma careta sem
piscar. Assim que ele me ver em segurança a bordo do meu navio,
ele irá atrás de Madwulf, sem dúvida.

Um novo par de braços desliza por baixo de mim, junto com


um novo nível de inferno enquanto sou puxada pela amurada. A
dor vem em ondas constantes, perfurando e roendo tão
profundamente que não consigo parar de chorar.

Ashley não me segue. Ele se inclina e fala rapidamente com


os que estão em Jade, provavelmente dando atualizações e
instruções sobre meus cuidados.

Curvando-se, seus dedos quentes encontram a mão do


meu braço ileso e ele baixa a sobrancelha até os nós dos meus
dedos. Sinto o amor que ele derrama no gesto antes de endireitar
e endurecer sua expressão. Então ele desembainha a espada e
corre de volta pela prancha até Blitz.

Nem ele nem Priest voltarão até que todos os homens


envolvidos em minha tortura sejam tratados com brutalidade e
sem trégua.

Exceto Madwulf.

Quando o encontrarem, sua morte não terminará em


algumas horas ou mesmo alguns dias. Eles vão torturá-lo
enquanto puderem mantê-lo respirando.

PAM GODWIN
Quando outra onda de angústia atinge meu corpo, olho
para o homem que me segura, piscando através da névoa de dor.
Os olhos escuros e calorosos de Jobah olham de volta.

Meu Deus, é um alívio vê-lo.

Senti sua falta, capitã, ele murmura, carregando-me lenta


e suavemente para a escada.

“Eu também senti a sua, Jobah.” Mais do que posso


expressar.

A última vez que ele me embalou assim, eu estava


sangrando de um ferimento de espada no estômago. Pena que
meus ferimentos atuais doem mil vezes mais. Enfrentarei uma
estrada longa e rochosa à frente e não estou confiante de que
sobreviverei à batalha desta vez.

Hoje, Jobah diz, moldando lentamente os lábios em torno


de cada sílaba, não é o seu dia.

Ele está me lembrando do meu lema favorito.

Se eu tivesse forças, sorriria. Mas ele está certo. Hoje não é


meu dia de morrer.

Garras de determinação envolvem meu peito. Enquanto eu


viver, ainda sou a capitã deste navio. Então faço uma cara dura
e engulo minha dor. “Como... estão... os novos passageiros?” Os
dois homens espancados? O navio negreiro? Ele entendeu o que
estou perguntando?

Seus lábios sorridentes criam uma resposta clara.


Curados.

Que bom. Cristo, essa é uma ótima notícia. Meu antigo


cirurgião, Ipswich, embora sempre azedo e rude, tem uma taxa
de sucesso impressionante em salvar pessoas.

PAM GODWIN
Enquanto Jobah me conduz pelos conveses inferiores de
Jade, uma sensação de paz penetra o tormento em meus ossos.
Eu finalmente estou em casa. Se eu morrer, será no meu navio
cercada por amigos leais.

Droga, não. Eu não vou morrer. Eu fui longe demais. Tenho


um navio para comandar, um mapa para o tesouro de meu pai e
uma tripulação que depende de mim. Eu. Vou. Sobreviver.

Devo ter desmaiado antes de Jobah chegar ao nosso


destino. A próxima coisa que me lembro é acordar com uma dor
aguda e violenta. Parece que algo está cavando em meu braço
quebrado.

Minha espinha se curva enquanto uivos silenciosos


estalam em meus lábios. Numerosas mãos me prendem a uma
superfície plana. Eu reconheço as vigas acima. A parede de
janelas. A tapeçaria do mapa do Caribe na parede. Estou em
minha cabine particular, deitada de bruços em cima da minha
mesa.

Priest e Ashley ficam um de cada lado de mim. Reynolds


segura meus pés. O tenente Flemming está aqui, observando
enquanto Ipswich tortura meu braço. Algo duro e metálico raspa
contra o osso cru, enviando-me em outro ataque violento.

Eles estão me ajudando. Sabendo disso, tento tanto não


chorar ou me mover. Mas a dor... sangue de Deus, eu não
aguento muito mais. Tremo com isso. Sacudo. Estou tremendo
desde que Madwulf me levou.

Enormes olhos azuis aparecem acima do meu rosto. Olhos


atraentes, queixo esculpido, ombros musculosos e tantas outras
partes do corpo lindas que eu espero admirar novamente um dia.

Ashley me observa enquanto eu o observo, inabalável,


bloqueado. No meu periférico, Priest fala com os médicos, suas
palavras aquecidas e disparando com fúria ameaçadora.

PAM GODWIN
Concentro-me em Ashley, em sua reserva cuidadosamente
controlada. Me incomoda o quão perto ele está olhando. Oh, como
minha aparência deve deixá-lo doente.

“Eu estou...” Prendo meus lábios e silenciosamente


choramingo por meio de uma nova torção de dor. “Horrorosa.”

Seu olhar não deixa o meu quando ele engole em seco. Um


mergulho de sua cabeça. Uma piscada lenta. Então ele murmura,
Forte. Feroz. Sua testa franze. Muito linda, Cachinhos Dourados.

“Mentiroso,” digo.

Mas suas palavras me lembram de me dar algum mérito.


Eu sofri uma quantidade inimaginável de torturas nas últimas
semanas. Eu ainda estou viva. Ainda estou lutando. Meu pai
ficaria orgulhoso de mim.

“Madwulf?” Engulo em seco em uma onda insuportável de


espasmos quando algo é amarrado em volta do meu braço.

A boca de Ashley molda a palavra, Capturado.

Seu olhar se volta para Priest, que saiu de minha vista e


volta um segundo depois, abrindo uma bolsa de couro. De dentro,
ele remove minha bússola, a pedra de jade e o pequeno
pergaminho que presumivelmente contém a localização do
tesouro de meu pai.

“Obrigada.” Tento fazer meus lábios sorrirem, mas não


consigo respirar sem chorar.

Suas feições ficam pétreas quando ele puxa um pano


manchado de sangue. Desdobrando o pano, ele o inclina para
baixo para que eu possa ver o que contém.

Uma mão decepada.

Pele pálida e sardenta. Unhas dentadas.

Madwulf.

PAM GODWIN
Fecho os olhos e balanço a cabeça, sabendo que é o
primeiro de muitos presentes. Na minha condição atual, eu não
posso participar da tortura de Madwulf. Mas posso contar com
Priest para me trazer todos os detalhes.

Talvez isso o torne um animal. Estou acostumada com seu


comportamento selvagem. Na verdade, faz eu me afeiçoar a ele.
Talvez isso me torne um animal também.

Ashley não mostra repulsa por isso. Não que eu tenha


ficado surpresa depois de testemunhar a brutalidade que ele
infligiu ao almirante.

Nas horas seguintes, Ipswich e Flemming trabalham


febrilmente em meus ferimentos. Eu apago durante a maior parte
disso, minha consciência indo e vindo em acessos de dor fervente.

Quando posso falar, respondo às suas perguntas feitas


através de mímicas sobre como cada lesão foi infligida. Em meio
ao meu delírio, posso ter me fixado muito na perda da carta de
meu pai, mas Priest e Ashley entendem minha dor. Cada palavra
alimenta a raiva que irradia deles.

Eu tenho tantas perguntas à eles. Como eles se


conheceram? Quais seus planos para amanhã? E no dia
seguinte? E no próximo ano? O que eles discutiram juntos na
semana passada? Eles compartilharam tudo o que sabem sobre
mim? Sobre minha história com cada um deles? Ashley disse à
Priest que comecei nosso relacionamento como um estratégia
para escapar? Que eu não tinha a intenção de me apaixonar de
novo? Eles brigaram? Se resolveram?

Eles parecem tolerantes um com o outro no momento. Eu


não sei o que isso significa e não tenho capacidade mental, ou
audição, para interrogá-los.

PAM GODWIN
A exaustão me puxa, arrastando meus membros. Eu só
preciso dormir, e meu apelo é ouvido. Sai das profundezas e me
leva.

Quando acordo, a cabine está escura e vazia, exceto pelo


brilho de uma única lanterna. E Priest e Ashley.

Deito na mesa em um vácuo de silêncio anormal. Ashley se


senta na beirada ao lado de minha cabeça, lavando meu rosto e
cabelo. Priest se inclina sobre minha metade inferior, passando
uma toalha quente e úmida sobre meu corpo nu.

A dor se transforma em convulsões opressivas,


concentrando-se no braço, nas costelas e na lateral da cabeça.
Não me mexo, não tento falar. As carícias de suas mãos parecem
preciosas demais, cada uma delas tocando um bálsamo celestial
em meu espírito maltratado.

Priest leva seu tempo limpando cada hematoma, contusão


e cada centímetro abusado de pele. Não há uma parte de mim
que ele não inspecione e lave com ternura antes de colocar um
lençol sobre meu quadril e se levantar.

Ashley termina com meu cabelo, seus dedos deslizando


desimpedidos pelos longos cachos em espiral. Ele removeu todos
os nós, uma tarefa que levou horas.

Pelo que posso dizer, eles não se falam ou fazem contato


visual. O ciúme ferve sob a superfície? Eles estão se comportando
para o meu benefício?

Eu não sei o que eles ficaram fazendo enquanto eu estava


inconsciente. Tentando matar um ao outro, talvez. Mas eu
aprecio isso. Tudo. Tudo isso. Só de tê-los aqui é mais do que
poderia pedir.

Pela primeira vez em semanas, me sinto limpa. Amada.


Segura. Talvez eu vá sobreviver, afinal.

PAM GODWIN
Um olhar para o meu braço confirma que ele não foi
amputado. Ainda. Está amarrado a um suporte de madeira.
Linhas irregulares de pontos fecham a carne sobre o osso. Uma
infecção ainda pode surgir e exigir amputação. Ou pior, me
matar.

“Qual é o meu diagnóstico?” Pergunto no silêncio vazio.


“Braço e costelas quebrados?”

Acima de mim, Ashley acena com a cabeça e suavemente


passa os dedos em minha testa, sua boca envolvendo a palavra,
Concussão.

“Mais alguma coisa quebrada?”

Não, ele disse sem som.

“E meus ouvidos?”

Quando ele não responde, é Priest quem balança a cabeça,


sua expressão sombria à luz da lanterna. Então ele começa a
falar, suas feições ficando mais duras e mais malvadas a cada
palavra.

“O que? Eu não consigo...” Eu não consigo nem ouvir


minha própria voz. “O que você está dizendo?”

Ele faz uma careta que geralmente acompanha um rosnado


baixo. Ele está frustrado por eu não conseguir ouvi-lo. Frustrado
por mim.

“Os médicos não conseguem consertar minha audição”,


digo.

Suas narinas dilatam, confirmando minha suposição. Meu


coração afunda de tristeza e raiva, mas estou cansada demais
para chorar.

Eu perdi minha audição quando a prancha de madeira


bateu em minha cabeça. Foi uma lesão cerebral? Ou algo

PAM GODWIN
dilacerou dentro de minhas orelhas? Talvez sare por conta
própria. Minha mente parece muito lúcida e focada para que o
dano seja relacionado ao cérebro.

Ou é o que pensei até acordar novamente naquela noite.

Em poucas horas, mergulho em uma confusão febril. A


letargia afunda em meus músculos. Calafrios destroem meu
corpo e a visão turva desorienta o mundo ao meu redor.

Uma infecção se instalou.

PAM GODWIN
QUARENTA E OITO

Eu sucumbo ao delírio.

O tempo passa. O sentimento consciente se acumula em


começos e paradas. Os médicos pairam nas bordas do silêncio
turvo, conversando e administrando remédios, mas eu não
consigo entender. Não consigo me concentrar o suficiente para
ler seus lábios ou sua linguagem corporal.

Alguém me leva para a cama em minha cabine. Encharcada


de suor e confusão, recebo goles de láudano para os tratamentos
de sangramento, dor e para limpar a infecção de minhas veias.

O sangramento e o ópio pioram minha incoerência. Perco


dias.

Priest ou Ashley estão sempre estendidos ao meu lado no


colchão. Sempre. Mesmo se eu não puder ver ou ouvir, eu os
sinto. Uma mão em meu cabelo, as pontas dos dedos em minha
pele, os lábios contra meu pescoço, confortando, tranquilizando.
Nunca durmo sozinha.

Sua presença constante doura minhas horas mais


sombrias.

Em meio a intervalos de nebulosidade, encontro novos


presentes de Priest esperando por mim na mesa ao lado da cama.

PAM GODWIN
Dedos e pés cortados. Duas orelhas. Um pé inteiro. Em seguida,
o cotoco de outro. A maioria das extremidades foram esfoladas
até o osso, provavelmente antes de serem serradas.

Quando as partes do corpo chegam, me pergunto se meu


braço teria o mesmo destino. Eu o verifico com frequência,
aliviada ao descobrir que ele ainda está preso ao meu lado em
sua braçadeira.

Às vezes eu fico lúcida quando Priest entrega seus espólios


despojados. Ele me trouxe um braço inteiro uma vez, com o osso
saliente como o meu, só que faltava a mão neste membro. Ele
estuda minha reação a isso, seu olhar gloriosamente escuro e
girando com violência. Uma saia de facas ensanguentadas
pendurada em sua cintura, seu rosto e peito manchados de
sangue coagulado.

Ele exemplifica um guerreiro bárbaro. Não apenas de


corpo. Seu coração clama por vingança.

Vingança em minha honra.

Eu não acho que posso amá-lo mais do que já amei.

Eventualmente, os presentes param de vir, e eu sei que


Madwulf sucumbiu a uma infecção ou perda de sangue.

Assistir o corpo de alguém sendo cortado aos poucos era


uma maneira positivamente cansativa de morrer. Talvez eu não
fosse capaz de exigir uma punição melhor. Ainda assim, eu
gostaria de estar lá. Desejava que fosse eu quem desferiu o golpe
fatal.

Mas, infelizmente, estou acamada e Priest é de fato um


executor terrível. Tento expressar minha gratidão a ele em meus
olhos, mas não consigo fazer meu rosto funcionar direito. Então,
decido por um fraco, “Obrigada.”

PAM GODWIN
Com Madwulf morto, Priest não sai do meu lado
novamente. Ele e Ashley se revezam para me alimentar, me dar
banho e me segurar no penico. Não são meus melhores
momentos como capitã pirata, mas não tenho os recursos para
me importar.

Priest dorme aqui todas as noites. Às vezes na cama


comigo. Outras vezes, acordo e o encontro na cadeira ao lado do
colchão, o corpo cansado dobrado sobre os joelhos, a cabeça
pendurada nas mãos. Dói meu coração vê-lo tão perturbado. Pior,
não tenho forças para confortá-lo.

Ashley passa as noites no Blitz. Quando ele não está aqui


comigo, ele está tentando assumir o comando do que resta de sua
carreira. Enquanto estava algemada ao mastro da proa, os
homens de Madwulf se gabaram de todos os soldados que
trancaram no porão, todos os homens que permaneceram leais a
Ashley.

O caçador de piratas ainda tem uma tripulação e um navio


de guerra da Marinha Real dependendo dele. Com o almirante
morto e seus inimigos destruídos, ele pode voltar para a
Inglaterra, casar-se com sua prometida e continuar como se
nunca me conheceu.

Se ele fizer isso, eu lutarei por ele. Mas primeiro, eu preciso


lutar contra essa infecção.

Apesar de minha cabeça confusa e da falta de audição, sei


que Jade está em movimento, navegando para algum destino
desconhecido. Como eu ainda vejo Ashley todos os dias, Blitz deve
estar navegando conosco, planejado no mesmo curso.

Onde? Minhas perguntas são recebidas com balanços de


cabeça e garantias silenciosas. Eles querem que eu me concentre
em recuperar minha saúde, em vez de tentar comandar o navio
da minha cama.

PAM GODWIN
Reynolds aparece com frequência. Em meu torpor febril,
seu rosto parece um sonho embaçado na minha frente. Mas sei
que ele me verifica com frequência, mesmo quando está ocupado
comandando Jade na minha ausência.

Ele está aqui agora, de fato, sentado à mesa com Jobah e


Priest. Observo os três juntos, sua camaradagem, sua
irmandade. Priest sorri para Reynolds e dá um tapa na nuca de
Jobah. Jobah ri e revida.

Priest sentiu falta deles, e a compreensão disso


desencadeia uma nova dor em meu peito.

Eu não apenas o privei de sua esposa por dois anos. Eu o


privei de sua família. Seus irmãos. Virei seus companheiros mais
próximos contra ele e os fiz escolher um lado.

Eu me odeio por isso. Quando descobri sua infidelidade,


não deveria tê-lo deixado em Nassau. Poderia ter deixado ele
permanecer em meu navio como parte da minha tripulação,
mantendo-o fora da minha cama. Poderia ter lidado com isso
como uma capitã em vez de uma mulher emocionalmente
desprezada.

Naquela noite, quando ele se arrasta na cama ao meu lado,


conto a ele todos esses arrependimentos. Divago em uma névoa
silenciosa e febril, meu fluxo desordenado de pensamento
perdendo o foco enquanto eu falo. Mas ele ouve a essência disso.

Seus braços vem ao meu redor, segurando sem machucar,


e seus lábios se movem apaixonadamente contra minha
bochecha. Sinto o estrondo de seu eu sinto sua falta e a
respiração quente de seu eu te amo. Seus ternos beijos traçam
minha mandíbula em uma linguagem sem palavras. É mais
potente do que o som, mais profundo do que a fala.

Cada declaração é uma sensação produzida, não pelo


ouvido, mas pela alma.

PAM GODWIN
Isso me traz à mente algo que ele disse na noite em que me
encontrou na Jamaica.

Nenhum homem viverá de acordo com o ideal que você


idealiza de Edric Sharp.

“Você estava errado sobre algo.” Mudo minha cabeça para


que possa ver seus lábios se movendo.

Só uma coisa? Ele pergunta.

“Bem não. Mas...” Eu respiro irregularmente, meu corpo


inteiro em chamas e tremendo de suor frio. “Eu te deixei. Tentei
desistir de você. No entanto, você nunca desistiu de mim. Nunca
parou de me perseguir. Você veio atrás de mim quando eu mais
precisava de você. Priest... você superou em muito o ideal que
tenho de meu pai.”

Ele e Ashley. O Comodoro arriscou sua carreira, sua família


e sua vida para me resgatar, uma prisioneira pirata, da nau
capitânia do almirante. Agora ele comanda um navio de guerra
de duas mil toneladas com apenas uma fração da tripulação
necessária para navegá-lo. As rugas profundas ao redor de seus
olhos injetados de sangue atestam o tipo de pressão insone que
ele está sofrendo. No entanto, ele ainda passa horas aqui comigo
todos os dias.

Ele e Priest sacrificaram muito. Eu devo a eles me


recuperar.

Eu preciso me recompor, endurecer meus ossos e arrastar


meu corpo marcado pela batalha para fora desta cama. Quanto
mais cedo fizer isso, menos serei um fardo e mais rápido
encontrarei o tesouro de meu pai e recompensarei minha
tripulação por sua lealdade.

Mas a infecção não terminou comigo.

PAM GODWIN
Minha dor aguda combinada com fortes febres contínuas é
para ser temida, sem dúvida. O perigo de cair em profundo delírio
e morrer, assombra os olhos cansados de Priest, Ashley e meus
médicos.

À medida que a febre avança, calafrios invadem meus


sentidos e sufocam minha consciência, deixando-me vagando
sozinha em minha mente. Eu me vejo de volta ao buraco na nau
capitânia do almirante, cercada pelo fedor da morte.

Sempre que acordo, é em lampejos de realidade distorcida.


Eu ainda estou naquele buraco negro, observando uma porta
abrir e fechar a poucos metros de distância. Priest e Ashley
entram e saem pela porta, falando comigo sem som, estendendo
a mão para mim, sempre muito longe.

Acorrentada e fraca, eu não consigo rastejar em direção a


eles. Minhas pernas não se movem.

Gradualmente, a porta se abre com menos frequência e a


escuridão ao meu redor fica mais escura, se estendendo por mais
tempo. Flashes de Priest transformado. Suas bochechas se
afundaram, estreitando seu rosto. Bigodes engrossaram,
alongando em uma barba curta. Eu mal o reconheço.

Onde está Ashley?

Chamo por ele, mas ele para de aparecer na porta. Às vezes,


Priest está lá, seus olhos prateados brilhando com uma emoção
sombria. Mas Ashley se foi. Sinto sua ausência como um membro
faltando.

Talvez é esse o ímpeto que me tira da morte. De dentro do


buraco negro sufocante de silêncio e decadência, eu arranho meu
caminho para fora. Com as mãos lutando, os músculos se
contorcendo e os pulmões ofegantes, acordo arfando sob os raios
ofuscantes do sol.

PAM GODWIN
Não há movimento. Sem balanço ou ondas. Estou em terra
firme?

Meu entorno vem em rajadas de imagens nebulosas, tecido


de seda, móveis de madeira suntuosos, brocados bordados,
arandelas de prata e janelas gradeadas que se abrem para um
céu azul-celeste.

Enquanto os aromas misturados de salmoura e campos


gramados doces fazem cócegas em meu nariz, eu não tenho noção
das pessoas. Sem som. Nenhum movimento.

Onde diabos estou?

PAM GODWIN
QUARENTA E NOVE

“Alo? Tem alguém aí?”

Mais rápido do que as palavras podem deixar minha boca,


Priest está em meu rosto, subindo na cama e se inclinando com
olhos cinza brilhantes e um queixo recém-barbeado.

Tudo corre para mim ao mesmo tempo, perguntas,


respirações, tonturas, alegria e dor. Sim, a dor persiste. Mas não
consome. Não parece nada como antes.

“Onde estamos?” Tento me sentar, comandando músculos


que se recusam a responder. “Há quanto tempo? Onde está
Ashley? Meu navio? Reynolds e...”

Ele pressiona um dedo contra meus lábios e me prende


com seu olhar firme, me acalmando, obrigando meus pulmões a
desacelerar. Seu toque sobe para minha testa, sua palma
achatando para testar minha temperatura.

Não sinto febre. Apenas dores surdas sob feridas em cura.


E cansaço. Nunca me senti tão exausta e fraca em minha vida.

Ele não precisa perguntar se minha audição retornou.


Como eu não consigo julgar o volume ou a pronúncia, minha voz
soa inadequada aos ouvidos dele.

PAM GODWIN
Eu te amo. Lábios esculpidos dão forma a essas três sílabas
um segundo antes de reivindicar minha boca.

O cheiro de mar e couro satura meus sentidos enquanto


ele bebe com lambidas quentes e sem pressa, beijando-me
docemente, sem língua ou expectativa. Suas mãos repousam no
colchão de cada lado de minha cabeça, seus braços apoiando o
peso da parte superior de seu corpo.

O encontro de nossos lábios libera uma solenidade de


emoção que mantive enterrada e guardada por tanto tempo. Eu
derreto sob a força absoluta disso, me rendendo ao amor e desejo
que zumbem em nossas respirações.

Sua língua brinca ao longo da costura da minha boca, mas


não força seu caminho. Este não é um beijo que toma e controla.
Esta é sua devoção estendendo-se e acariciando-me, dando e
nutrindo, tornando-me forte novamente.

Ele se mexe, arrastando os lábios por uma bochecha que


não lateja mais de dor, percorrendo meu pescoço até meu braço...

O braço ainda está ali, a cinta e os pontos sumiram. Parece


estranho, coçando, dolorido... Inteiro. Meu alívio é pesado
quando ele beija um caminho errante sobre as cicatrizes
cruzadas perto do meu cotovelo interno, a pele rosa e
borbulhante.

Não há mais infecção. Sua boca molda as palavras contra a


ferida em cura, e sinto seu sorriso, seu alívio, curvando-se para
cima, fazendo cócegas na pele macia.

Uma tira de couro prende a metade superior de seu cabelo


na nuca, mas alguns fios se soltam, emoldurando um rosto que
está acostumado a ser considerado com prazer feminino.

Ele emagreceu um pouco, mas sua pele brilha com saúde.


Eu quero tanto deslizar minhas mãos sobre seus ombros
inclinados, subir a coluna de seu pescoço e através de suas

PAM GODWIN
maçãs do rosto definidas. Meus dedos se contraem e ele os pega,
levando-os ao queixo.

Calor instantâneo atinge minhas palmas. Tão sangue


quente, este homem, com um temperamento que sempre ferve
logo abaixo da superfície.

Ele se barbeou apenas algumas horas atrás, pois não há


nenhum traço de barba por fazer em sua pele acetinada. Uma
camisa e calça cobrem seu corpo musculoso em seu estilo pirata
preferido, só que essas roupas parecem mais limpas. Sem rasgos
ou manchas de sangue.

Eu ainda não sei onde estamos.

Meus braços tremem de fadiga enquanto ele os abaixa.


Então ele se afasta, ampliando minha visão para o quarto.

Lembra-me daquele que eu ocupava quando criança em


Charleston. Estou deitada em uma cama com quatro grandes
postes de madeira. Camadas de seda escura cobrem os trilhos
acima. Tapetes de lã, uma mesa posta com pratos de porcelana,
arandelas de prata para iluminar, a sala brilha com riqueza e
elegância.

Ao lado, uma porta larga conduz ao que parece ser uma


câmara de banho. Na entrada, um espelho de corpo inteiro está
próximo a uma penteadeira elegante. Desvio o olhar, temendo o
reflexo que isso vai me mostrar. Eu não consigo nem tirar o lençol
do meu corpo, sabendo que estou nua, com cicatrizes e
enfraquecida.

Uma área de estar rodeia uma lareira de pedra que mede o


comprimento de uma parede. Janelas alinham-se em outra
parede, abrindo para uma varanda que dá para uma paisagem
que eu não consigo imaginar.

“Onde estamos?” Tento sentar novamente, tremendo com o


esforço.

PAM GODWIN
Ele engancha um braço em volta das minhas costas, ajusta
alguns travesseiros e me manobra para uma posição quase
sentada. Minhas costelas doem com o movimento, mas é
controlável.

“Você tem feito muito isso”, murmuro. “Cuidado de mim.”

Com todo o prazer, ele diz sem voz e coloca seus lábios
contra os meus.

Meu senhor, de novo com essa boca. Mais do que um beijo,


uma promessa. Uma vibração de esperança.

Inclinando-se para trás, ele se estica em direção à mesa ao


lado da cama. Minha bússola está lá, junto com o minúsculo
pergaminho e a pedra de jade. Ele estende a mão e pega um
pedaço de pergaminho. Uma carta.

Ele o estende para eu ler, e eu imediatamente reconheço a


caligrafia ousada e inclinada de Priest.

Esta é a mansão particular de Ashley na costa sudoeste da


Inglaterra.

Ontem marcou cinco semanas desde que te encontramos


perto da ilha dos pássaros.

O Comodoro está em Londres, resolvendo questões com sua


tripulação e navio.

Ele deve se juntar a nós aqui quando terminar.

Quando você estiver bem o suficiente, vou levá-la para as


janelas.

Lá, você verá Jade ancorada no porto privado abaixo,


protegida por penhascos.

PAM GODWIN
Sua tripulação está curtindo o município, criando problemas
na taverna e depravando as donzelas locais.

Os empregados e inquilinos da propriedade são discretos e


leais.

Estamos seguros aqui.

Seus homens estão seguros e felizes.

A única prioridade é o seu retorno à saúde.

Eu leio duas vezes, acenando minha aprovação. Não


responde a todas as perguntas, mas as imediatas são
respondidas.

Então esta é a mansão de Ashley. Olho ao redor do quarto


com novos olhos, presumindo que seja a propriedade no
penhasco que ele disse que preferia. É estranho que ele nos
permitiu ficar aqui, sua amante e o marido dela, em sua
ausência.

Eu não sei como me sinto sobre isso. “Quando chegamos?”

Ontem. Sua voz para em meus ouvidos.

Priest e Ashley passaram uma semana juntos quando eu


estava no Blitz. E mais cinco semanas enquanto convalesci. Eles
devem se conhecer muito bem agora. Mas já se conheciam bem,
não é?

“Como você e Ashley se conheceram?” Eu lanço para ele


meu olhar mais tempestuoso.

Ele desvia o olhar, olhando para o nada. Quando encontra


meu olhar novamente, sua boca dá vida a uma série de
declarações silenciosas. A cada palavra rápida, ele fica mais
irritado e agitado. Já que ele não está tentando diminuir o ritmo

PAM GODWIN
e me ajudar a entender, suspeito que está desabafando em vez de
me dar respostas reais.

Eu posso pedir a ele para escrever tudo. Mas estou


impaciente demais para esperar quando tem perguntas que ele
pode responder com uma única sílaba.

“Nas últimas semanas, você falou com Ashley sobre nós?”


Eu enrijeço, sem saber como proceder em águas estrangeiras.
“Você discutiu... tudo? Nosso casamento? Nossa separação? Ele
te contou como eu tentei usá-lo para escapar?”

Ele acena com a cabeça em todas as perguntas, sua


expressão dura e inabalável.

“Ele não sabia que você estava nas mãos de Jade quando
me capturou.” Minha mente corre para fazer todas as conexões.
“Você contou a ele? Ele sabe que é por isso que você caçou o HMS
Blitz?"

Outro aceno de cabeça.

“Não caí facilmente na cama dele. Eu juro.” Um gole fica


preso em minha garganta. “Eu estava com raiva de você e
precisava de um plano de fuga reserva. E... fiquei atraída por ele.
Sou. Ainda. Eu amo ele, Priest. Mas quando meu relacionamento
com ele começou, era repleto de dor e desconfiança. Até que ele
me salvou do almirante. Ele te contou sobre isso? Sobre minha
prisão na nau capitânia e o estupro que aconteceu comigo?”

Sim. Seus dentes cerram-se no que assumo ser um chiado


quente de som.

Ele se levanta e se vira, escondendo sua expressão


enquanto seus dedos apunhalam seu cabelo, flexionando e
soltando.

“Priest...” Eu não quero machucá-lo. Não mais. Eu não sei


como consertar isso.

PAM GODWIN
Ele faz outra curva, as mãos no quadril, a cabeça inclinada,
andando para frente, andando para a trás, girando para frente,
me olhando. Então ele olha para a mesa ao meu lado.

Eu sigo seu olhar para o pequeno pergaminho. “Você leu?”

Ele para de andar. Acena com a cabeça.

Eu cruzo os braços, achando a dor do movimento


suportável. “Diga-me que é um mapa.”

Um sorriso aparece no canto de sua boca, lutando para se


libertar. Encaro aqueles lábios, o meu próprio se contorcendo em
um sorriso quando ele diz, Sim.

“Conte-me uma coisa.” Eu estreito meus olhos. “Onde você


escondeu a bússola no meu navio?"

Agora ele sorri com abandono, quase rindo de sua resposta.


Jobah.

“Jobah?” Eu não posso ler isso direito. “Aquele maldito


traidor a tinha o tempo todo? Eu vou matá-lo.”

Não, não vai. Ele balança a cabeça, tentando conter o


sorriso.

Ele está certo, é claro. Tenho uma fraqueza terrível no que


diz respeito ao meu timoneiro. Eu o deixo escapar com todo tipo
de insolência, apenas porque ele tem o coração mais puro de
qualquer homem da minha tripulação. Mas eu ainda lhe darei
minha opinião sobre o assunto.

Priest volta para o meu lado e enrosca os dedos nos meus.


Enquanto eu olho para nossas mãos, a tontura ameaça, minha
energia já se esgotando.

“Coloque o mapa em um lugar seguro”, digo. “Não me deixe


ver ou saber seu segredo até que eu saia desta cama, andando
sem ajuda, me alimentando e tomando banho.”

PAM GODWIN
Eu não preciso de motivação, mas gosto de metas com
recompensas cintilantes. Afinal, sou uma pirata. Eu aproveito e
saboreio as riquezas.

Eu amo te dar banho, ele murmura.

“Não consigo imaginar por quê. Estou repulsiva.” Afundo


contra os travesseiros, lutando para manter minha cabeça
erguida. “Acho que preciso dormir um pouco agora.”

Ele faz uma careta ameaçadora e arranca o lençol que me


cobre. Empurro minha cabeça para longe, mas ele agarra meu
queixo e força meus olhos para baixo, mostrando meu corpo.

Como esperado, os hematomas sumiram há muito tempo.


Mas meus músculos definharam, deixando um fantasma magro
e ossudo da mulher forte e treinada para a batalha que já fui.
Mesmo assim, não estou tão miserável quanto eu imaginava.
Priest e Ashley me mantiveram nutrida. Lembro-me das refeições
forçadas, o sabor constante de caldo em minha língua. Eles me
mantiveram viva.

Priest desliza a mão pela minha garganta até meus seios.


Eu perdi peso ali também, mas ele não parece se importar. Seus
dedos se demoram, moldando-se ao redor dos mamilos, e sua
respiração aumenta a elevação e a queda de seu peito.

Ele lambe os lábios e continua abaixando, descansando a


palma da mão em minhas costelas. Eu fico tensa, me preparando
para a agonia que vivi por semanas. A dor se ancorou lá, mas o
peso de seu toque não me faz estremecer. A dor parece aumentar
apenas com o movimento muscular.

“Tudo bem.” Suspiro. “Você já se fez entender.”

Mas ele continua. Cutucando aqui, acariciando ali, ele


lentamente, com maestria, me transforma em uma mistura
lânguida de conteúdo sonolento. Depois de cinco semanas

PAM GODWIN
cuidando de mim, ele está mais familiarizado com meu corpo do
que eu, e prova isso a cada toque.

Ele segue a junção das minhas pernas até o fim. Seus


dedos roçam o tufo de cachos e traçam a fenda abaixo, me
segurando possessivamente.

Você. É. Maravilhosa.

Leio seus lábios claramente quando ele ergue seu olhar


para o meu, seus cílios grossos e escuros subindo. Talvez haja
luxúria naqueles olhos prateados, mas não é a emoção principal.
Sua intimidade com meu corpo é mais profunda, sua mão entre
minhas pernas é mais profundo do que a intenção carnal.

É um ato de amor. De reconhecimento e aceitação.

Ashley me deu prazer ali. O almirante abusou de mim ali.


Priest sabe disso.

Ele sabe que nem todas as minhas feridas são visíveis.

“Precisamos conversar sobre Ashley”, digo.

Hoje não. É uma resposta firme quando ele se levanta da


cama e me cobre com o lençol. Durma.

“Como você conseguiu suas cicatrizes de queimadura?”

Mais tarde.

Eu odeio essas palavras silenciosas. “Eu quero minha


audição de volta. Sinto falta de sua voz.”

Ele beija minha testa, em seguida, meus lábios. Beijos


suaves, quentes e sussurrantes que gradualmente me embalam
na doce rendição do sono.

Os próximos dias se passam em uma enxurrada de


atividades... refeições, remédios, exercícios e um desfile de
criados uniformizados. A mansão de Ashley é totalmente

PAM GODWIN
equipada, e cada costureira, governanta, cozinheira e empregada
doméstica parecem conhecer meu marido em um nível
sorridente, risonho e íntimo.

Embora eu durma com frequência e necessidade, Priest


deve ter se familiarizado bem com as mulheres residentes.
Atrevo-me a dizer que a maioria das mulheres tem o dobro da
minha idade, mas não é esse o motivo da minha indiferença.

Ele provou sua lealdade a mim tantas vezes nos últimos


meses, sei no meu coração que ele não me trairá novamente.

Meu exercício rigoroso começa na cama com suas mãos


apoiando meus membros enquanto eu repetidamente me sento,
levanto pequenos objetos, flexiono as articulações e alongo os
músculos. Coloco-me em uma rotina estritamente cansativa que
dura horas, várias vezes ao dia. Quando não estou dormindo e
comendo, estou suando, tremendo, grunhindo e muitas vezes
gritando para as vigas em agonia e frustração. Mas estou ficando
mais forte.

Os criados vão e vem. As refeições são entregues. Os


tecidos puxados, cortados e costurados para se ajustarem às
minhas medidas. O cirurgião do navio, Tenente Flemming,
retornou a Londres com Ashley. Mas Ipswich está aqui. Sorte a
minha.

Sento-me na beira da cama enquanto ele ginga em volta de


mim, sondando ferramentas em meus ouvidos, batendo nos
ossos do meu braço, cutucando e movimentando sua boca com
um olhar azedo em seu rosto enrugado.

“Posso estar tão surda quanto uma víbora.” Encaro seus


olhos turvos. “Mas posso ouvir você me insultando, seu velho
mesquinho senil.”

Ele sorri sem dentes.

PAM GODWIN
Talvez devesse socar sua cara atrevida. Mas eu devo minha
vida à ele. Depois de tudo o que fez por mim, só consigo balançar
a cabeça e sorrir.

No final da semana, caminho sozinha. Os passos são


poucos, mas fortes. Ando pelo quarto, levanto castiçais de latão,
um em cada mão. Para frente e para trás, eu vou. Ofegante,
tremendo e encharcada de suor, trabalho meus músculos até que
cansem. Então pego uma das espadas do suporte no canto e uso
como uma muleta para passear.

Às vezes, eu saio na varanda e olho para meu majestoso


galeão lá embaixo, onde ela atraca na baía privada de penhascos
de Ashley. Sinto falta dele e da minha equipe.

Mais do que isso, sinto falta do meu caçador de piratas.

Ele está visitando sua prometida durante seu tempo em


Londres? Cortejando-a enquanto mantem seu segredo sujo
escondido em sua propriedade costeira? Esses pensamentos me
perseguem implacavelmente. A única maneira que descobri para
esquecer é por meio de exercícios rigorosos e intermináveis.

Priest me segue pelos corredores da mansão por duas


semanas, bufando, fervendo de raiva e me repreendendo por
forçar demais. Talvez essa seja uma vantagem de estar surda. Eu
não tenho que ouvir seu discurso obsceno.

Meu corpo está se curando, lentamente voltando à vida.


Sinto isso quando Priest me beija, quando o calor de seu físico
duro como pedra pressiona contra mim, me fazendo doer por ele.

Todas as noites, durmo na segurança de seus braços, seu


peito contra minhas costas, o comprimento nu dele açoitando ao
longo do meu corpo nu. Pele com pele, quadris juntos, com sua
dureza inchada presa entre nós, é o paraíso e uma tortura.

Eu o quero profundamente e me delicio com seus beijos


afetuosos. Mas, pela primeira vez desde que nos conhecemos,

PAM GODWIN
tenho a força de vontade para recusar quando ele pressiona por
mais. Eu não trairei Ashley, e Priest não vai discutir sua história.
Ele está escondendo algo.

Até eu entender seu passado e nosso futuro, coloco o


presente em espera.

Não é difícil. No momento em que desabo na cama todas as


noites, usei cada grama de força que tenho para reconstruir meu
corpo. Eu não tenho mais nada para dar em um acasalamento
apaixonado.

Uma noite, três semanas após minha chegada à Inglaterra,


caio na cama sob o peso de tal exaustão que meus músculos
latejam. Minha cabeça lateja e meus ouvidos zumbem com a
necessidade de dormir.

Não, meus ouvidos estão zumbindo.

O barulho se espalha pela pressão em meu crânio.


Enquanto caio no sono nos braços de Priest, decido que a
sensação é apenas as pulsações sobrecarregadas de meu
coração.

Até que acordo com o som de vozes.

PAM GODWIN
CINQUENTA

“Apodreça no inferno, seu marica pomposo!” Priest ruge tão


alto que o sinto sacudir as vigas.

Não só isso, eu ouvi.

Em meus ouvidos.

Seu sotaque galês penetra com clareza, volume e raiva


desenfreada.

Atordoada, fico imóvel na cama, incapaz de acreditar nos


sons que vem até mim. A batida do meu coração, minha
respiração acelerada, o ritmo de passos...

E a elegância da voz aristocrática de Ashley. “Sua raiva


comigo está equivocada.”

Coberta pelas sombras, me apoio nos cotovelos e espero


para ver se eles notam que estou me mexendo.

Do outro lado da sala, Ashley encosta os ombros no manto


da lareira, as mãos cruzadas atrás dele, a cabeça baixa e os olhos
azuis fixos em Priest. Ele trocou sua vestimenta de marinheiro
por um casaco preto sombrio. Rendas nos punhos e na gola
combinam com o colete e a calça branca.

PAM GODWIN
Gotículas de orvalho brilham nas pontas de suas botas
pretas. Um chapéu de três pontas está de cabeça para baixo na
mesa ao lado dele, seu cabelo escuro despenteado e desgrenhado
pelo vento. Ele deve ter acabado de chegar.

Como Priest, seu corpo musculoso parece mais magro,


seus ombros se contraindo com a energia guardada, sugerindo o
cálculo cuidadoso de cada ação sua. Um homem tão lindo e ao
mesmo tempo confiante em seu corpo, sufocado por sua nobreza.

“Equivocada? Passei os últimos meses lutando contra o


impulso de cortar seu fígado.” Priest traça um caminho através
do tapete de lã, sem camisa e fervendo, as mãos fechando-se ao
lado do corpo. “Eu posso pensar em pelo menos dez razões pelas
quais deveria fazer isso agora. Em primeiro lugar, não vamos
esquecer que você pretendia enforcar minha esposa.”

“Ah, mas ela é a razão pela qual você vai deixar meu fígado
exatamente onde está.”

Com a pulsação acelerada, deslizo minhas pernas para fora


da cama e me inclino para frente, decidindo ouvir a conversa ao
invés de interromper.

Por Deus, eu posso ouvir!

“Se você não a tivesse capturado...” Priest gira e avança em


direção a Ashley, berrando: “Ela não teria sofrido tanto!”

“Não coloque isso em mim.” Ashley fica mortalmente


imóvel, sua voz terrivelmente calma. “Não se atreva. Maldito seja,
eu daria minha vida por aquela mulher.”

Sua declaração me enche de calor, mas Priest não gosta.


Isso não vai acabar bem.

Pego uma camisola do chão e a visto.

“Ela quase morreu por sua causa!” Priest grita a


centímetros do rosto de Ashley.

PAM GODWIN
Calmo como um mar sem vento, Ashley bate com o punho
na mandíbula de Priest. Corro em direção a eles enquanto Priest
rebate com um soco brutal na boca de Ashley, sangrando seu
lábio.

Dane-se! Eu circulo de volta para a cama e pego um balde


cheio de água.

“Um, você nunca me disse que era casado.” Ashley derruba


Priest no chão, com o rosto para baixo. “Dois, eu estava caçando
você para que pudesse colocá-la em sua proteção.”

“Você a capturou para levá-la para Londres e garantir sua


maldita promoção!” Priest explode em fúria, derrubando Ashley
com uma cotovelada na cabeça. “E então você transou com ela!”

Punhos voam. Grunhidos ecoam nas paredes. Bijuterias


extravagantes caem no chão enquanto rolam pelo quarto,
lutando, praguejando e tirando mais móveis. Avanço em direção
ao caos, com a intenção de despejar o conteúdo do balde em cima
de suas cabeças idiotas.

No meio do caminho, eu diminuo, tropeçando e parando. A


sala fica em silêncio, o ar tenso e parado. Eles não estão se
movendo.

Ashley está deitado sobre o corpo de Priest com uma mão


em volta da garganta dele. Eles não olham para mim, nem mesmo
me notam de pé ao lado atrás da poltrona.

Seus corpos tensos e rigidamente duros se elevam com o


esforço, peito com peito, quadril com quadril, enquanto eles se
encaram, travados em algum tipo de contato visual
emocionalmente carregado. Priest deita-se de costas, segurando
Ashley pelos cabelos, puxando sua cabeça para trás e segurando
suas bocas por um fio de cabelo. Eles estão tão perto que provam
a mistura de suas respirações pesadas.

PAM GODWIN
Ashley olha de seu nariz para Priest, mantendo seu
comportamento imperioso, apesar do ângulo estranho do seu
pescoço.

A batalha não verbal dura mais tempo do que é confortável.


Eu não consigo respirar. Tenho medo de fazer barulho.

Gradualmente, Ashley libera o aperto de sua mão da


garganta de Priest. Mas ele não se afasta. Nem Priest. De repente,
os dois parecem relaxar.

Então, diante dos meus olhos, Ashley cede, deixando todo


o peso e comprimento de seu corpo afundar em Priest em um
gesto confusamente bonito de confiança e familiaridade.

Meu queixo cai aberto, meus pensamentos se desfazendo.


O que diabos eles estão fazendo?

O punho que Priest segura no cabelo de Ashley se solta,


deslizando para a parte de trás da cabeça de Ashley para unir
suas testas.

“Eu a amo.” Ashley fecha os olhos, a mandíbula apertada.


“Não tem como evitar.”

“Eu sei.” Ele suspira contra a boca de Ashley. Não é um


beijo. Mas quer ser... algo...

Fico tão fascinada que o balde escorrega dos meus dedos,


espirrando água em meus pés ao atingir o chão.

Suas cabeças se viram em minha direção, o feitiço


quebrado.

Ashley se levanta e remove sua gravata, usando-a para


limpar o sangue de seu lábio. Então ele ajeita suas roupas e
encontra meus olhos, sua expressão vazia. Composto de forma
arrepiante. “Boa noite, Bennett.”

PAM GODWIN
Como ele acredita que eu ainda estou surda, ele pronuncia
sua saudação bem-educada com cuidado e devagar. Como se eu
me importasse com formalidades.

Se eu tivesse permanecido na cama, o ângulo teria me


impedido de testemunhar... seja lá o que for. Eles presumiam que
eu dormia enquanto não conseguia ouvir. Ou talvez não
assumiram nada porque estavam tão presos um ao outro.

“O que vocês estavam fazendo?” Faço um gesto para Priest


no chão. “Agora mesmo. O que foi isso?”

O olhar de Priest dispara para o meu, seus olhos se


estreitando, procurando, então brilham com o entendimento. Ah.
Minha voz parece normal agora que posso ouvir?

Eu arqueio minha sobrancelha para ele, sorrindo. Sim,


posso ouvir novamente.

Seu rosto se abre em um sorriso largo e alegre. “Ela fez uma


pergunta, Lord Cutler.” Ele se levanta, cheio de graça e confiança,
seu sotaque provocador. “O que estávamos fazendo agora?”

“Está tarde. Não vamos fazer isso esta noite.” Ashley olha
para Priest atrás dele, escondendo o movimento de seus lábios.
“Ela não precisa disso agora. Eu direi a ela quando ela se
recuperar e...”

“Eu posso ouvir você, Ashley, e estou bem no meu caminho


para a saúde plena.” Ancoro minhas mãos em meu quadril.
“Diga-me agora.”

Ele volta seu rosto para o meu, seus olhos azuis totalmente
incrédulos. “De verdade? Você pode ouvir?”

“Parece que desde cinco minutos atrás.”

Ele ronda em minha direção, seu olhar vagando de cima


para baixo, me observando. O luar das janelas bate em suas
feições marcantes, destacando seu alívio com a minha aparência

PAM GODWIN
saudável. Ele é tão lindo, especialmente quando me olha assim,
como se eu fosse sua vista favorita, seu único destino.

“Olhe para você.” Ele entra em meu espaço, suas mãos


encontrando e inspecionando a condição de meus ferimentos.
“Tão linda. Forte. Brilhando. Eu sabia que estava fora da cama e
se esforçando. Priest enviava cartas a cada poucos dias,
vangloriando-se do seu progresso.”

Lanço a Priest um olhar assustado. Ele estreita os olhos.

“Eu gostaria de ter estado aqui, amparando você.” Uma


centelha de arrependimento ilumina os olhos de Ashley. “Claro,
você trabalhou muito bem. Extraordinariamente.” Suas mãos
deslizam para o meu rosto, emoldurando-o. “Sua força de
vontade surpreende. É verdadeiramente uma mulher
intimidante, e Deus me ajude, eu enlouqueci sem você.”

Ele segura minha nuca e puxa minha boca em direção à


dele. E congela.

Eu me inclino para trás para encontrar uma lâmina


posicionada em sua garganta.

“Priest.” Cerro meus dentes e encontro seus olhos raivosos


por cima do ombro de Ashley. “Você não vai cortá-lo.”

Ele se curva, colocando a boca no ouvido de Ashley. “Diga


a ela.”

“Dizer o quê? Sobre sua história? Seu relacionamento com


Arabella?” Minha pulsação acelera enquanto recuo e me abaixo
na poltrona, olhando para Priest. “Foi assim que você e Ashley se
conheceram? É ela com quem você... você me traiu?"

Ashley respira fundo, sua boca em um golpe severo de dor.


Eu nunca perguntei quando ela morreu. Eu só sei que aconteceu
durante o parto.

PAM GODWIN
“Posso cheirar sua vergonha, meu senhor. Isso me enoja.”
Priest se afasta e joga a lâmina na direção da lareira. “Você deixou
que isso governasse sua vida inteira. Eu estive com você, honrei
seus desejos e protegi seus segredos ao custo de arruinar meu
casamento!” Seu sotaque engrossa, aumentando o volume com a
força de sua raiva. Então ele pula, agarrando Ashley pelo
colarinho e jogando-o de joelhos diante de mim. “Você sabia que
não faço amor com a minha esposa há mais de dois anos?” Com
uma mão no cabelo de Ashley, ele se inclina e grunhe: “Diga a ela
agora ou então Deus me ajude, vou quebrar meu voto e dizer a
ela eu mesmo.”

Quando Priest o solta, minha mente nada para


acompanhar, criando e rejeitando suposições com a batida
rápida do meu coração.

“Tudo bem.” Ashley se inclina sobre meu colo e agarra meu


quadril, seus músculos quentes e tensos. “Cristo, não sei por
onde começar.”

Um lampejo de simpatia suaviza as feições de Priest. “Diga


a ela com quem eu estava em Nassau há dois anos.”

Tudo dentro de mim se acalma. O quarto derrete até que


tudo o que existe é o rosto forte, severo e bonito de Ashley quando
ele o ergue para o meu e diz: “Comigo. Priest estava comigo.”

Minha cabeça joga para trás, gelo em minhas veias. “O que?


Não, isso não é...”

“Eu escrevi a carta, Bennett.” Ashley endireita-se de


joelhos, abrindo caminho entre as minhas pernas. “Priest me
disse que você a memorizou. A que você encontrou naquela
manhã.”

“Por que?” Pressiono minhas costas contra a cadeira,


buscando distância, sem entender. “Aquela carta confessava

PAM GODWIN
intimidade. Amor. Paixão. Orgasmos. Por que você... escreveria...
aquilo...?”

Meu olhar passa rapidamente entre ele e Priest, de um lado


para outro, repetidamente, enquanto tento imaginá-los juntos.
Nus. Fodendo.

O conceito de dois homens tendo relações não me choca ou


ofende. Eu morava em um navio com cem piratas vigorosos.
Testemunhei todos os tipos de ação humana obscena e criativa,
especialmente durante longos meses no mar.

Mas Priest e Ashley? Não. Eu não consigo entender.

Exceto alguns minutos atrás quando houve um momento,


uma semente de suspeita...

Priest senta-se na cadeira à minha frente, esparramado


como um gato predador vigilante. “Vá para a parte em que jurei
pela minha vida ser seu segredo sujo e vergonhoso.”

“Acho que ela pode imaginar.” Agitado, Ashley se levanta e


tira o casaco, jogando-o sobre o sofá. “Eu estou prometido. Tenho
uma carreira e um sobrenome para proteger. Dever, honra,
herdeiros, obrigações, expectativas... minha vida inteira foi
colocada diante de mim no momento em que respirei pela
primeira vez. Não escolhi este caminho. Eu nasci nisso. Criado
para servir e prosperar como um elemento do reino.” Ele aponta
para Priest. “Se ele e eu fôssemos descobertos...”

“Vocês dois seriam executados,” digo em um sussurro


atordoado.

Priest é um plebeu e um criminoso. Ele não só carecia da


riqueza e do status necessários, mas também é um inimigo da
Inglaterra. Um relacionamento entre ele e Ashley é proibido por
todos esses motivos. Mas havia um perigo muito maior.

PAM GODWIN
A atração romântica entre dois homens é considerada uma
ofensa séria. Se fossem descobertos, seriam enforcados por
sodomia.

“Então você terminou as coisas com o Priest em Nassau, há


dois anos.” Minha cabeça lateja, minha mente explode. “Você
passou a noite com ele, escreveu uma carta para ele e foi embora
antes que ele acordasse.”

Priest nos observa em silêncio por baixo das sobrancelhas


sombrias e taciturnas.

“Sim.” Ashley olha para as mãos dele, as narinas


esculpidas pulsando. “Uma das muitas razões pelas quais Priest
deseja cortar meu fígado.” Ele caminha até a lareira apagada e
apoia os antebraços no manto, com o olhar no chão. “Naquela
noite em Nassau, eu o vi na taverna. Você não estava com ele.”

“Ela voltou ao navio para verificar a tripulação”, Priest diz.


“Enquanto esperava por ela em terra, tomei um gole de rum. Foi
um golpe de sorte que você me viu.”

“Uma coincidência da qual não consigo me arrepender.” Os


ombros largos e poderosos de Ashley sobem e descem. “Fazia dois
anos desde a última vez que nos vimos.”

“Eu me lembro.”

Ashley se volta para mim. “Como ele era um pirata


conhecido e eu oficial da Marinha, não podíamos ser vistos
juntos. Eu discretamente disse a ele onde estava hospedado para
que pudéssemos ter uma visita particular.”

“Uma visita particular?” Sopro um som áspero pelo nariz.


“Você quer dizer uma visita de carne.”

“Não.” Priest se inclina para frente, os cotovelos sobre os


joelhos, e encontra meus olhos. “Ashley e eu somos amigos
íntimos desde a infância. Nosso relacionamento não é carnal em

PAM GODWIN
sua base. Quando fui até ele naquela noite, fiz isso em segredo,
preocupado com sua associação comigo, um fora-da-lei. Não
porque eu pretendia levá-lo para a cama.”

“Você poderia ter me contado." Eu me endireito, a


frustração aumentando. “Nós éramos casados. Você deveria ter
confiado em mim o suficiente para dizer para onde estava indo e
com quem estava.”

“Eu dei minha palavra a ele, Bennett. Muito antes de


conhecê-la, jurei a ele que nunca contaria a ninguém sobre o
nosso relacionamento. A mesma promessa que fiz a você. Eu
mantive nosso casamento em segredo, protegendo você, assim
como combinamos.” Um músculo salta em sua bochecha. “Então,
quebrei aquele voto em Eleutera quando disse a Ashley que você
é minha esposa.”

Está bem. Sou uma mulher razoável. Razoável o suficiente


para apreciar, embora com raiva, seus motivos para o sigilo. Ele
não tentou ser malicioso ou desonesto. Pretendia apenas manter
Ashley e eu seguros.

“Mas”, eu digo, “você quebrou seu voto de casamento


quando se deitou com Ashley em Nassau. Você não vê dessa
forma?”

“Sim. Eu vejo.” A culpa sobe em seus ombros quando ele


olha para Ashley e volta para mim. “Ele e eu passamos horas
conversando naquela noite, colocando o papo em dia. Como ele
disse, dois anos nos separavam. Mas quando a conversa
terminou, eu caminhei até a porta, preparado para sair...”

“Eu disse para você ir.” Ashley encosta-se ao manto com os


braços cruzados, a sugestão de uma carranca sangrando por seu
estoicismo.

“Você não estava falando sério.”

PAM GODWIN
“Não. Claro que não, eu não queria que você fosse embora.
Senti sua falta terrivelmente e não tinha ideia de que você estava
casado. Independentemente disso, o que fizemos foi imprudente.
Ainda é imprudente.”

“Imprudente e indecente.” Os olhos de Priest brilham. “Eu


sempre fui a única coisa em sua vida que você não conseguia
polir ou obrigar à obediência. Então você terminou duas décadas
de amizade como um covarde em uma carta.”

Uma carta que destruiu o casamento de Priest. Eu deixei


Priest naquele mesmo dia, esmagando-o sob uma dupla camada
de dor.

“Duas décadas...” Faço o cálculo em minha cabeça. “Você


o conhece desde os doze anos?” Eu me viro para Ashley. “E você
tinha quatorze anos?” Meu Deus, eu tinha apenas um ano de
idade. Esfrego minha cabeça, oprimida, incerta. “Como vocês se
conheceram?”

“Aqui, na casa da infância de Ashley.” Priest gesticula ao


nosso redor. “Este foi seu quarto de dormir até que ele ingressou
na Marinha Real aos 20 anos. Quando a minha mãe prostituta
me mandou para a Inglaterra para trabalhar, o primeiro visconde
Warshire me contratou como menino de salão.”

“Pai de Ashley.”

Priest acena com a cabeça. “Como eu demonstrava uma


ambição constante, trabalhei até lacaio e, finalmente, assegurei
minha posição como o Valete da Câmara. Eu fui o valete pessoal
de Lord Ashley Cutler e o menino chicoteador por seis anos.”

Um arrepio de choque percorre meu corpo. Eu sabia que


Priest teve vários empregos quando menino, fazendo isso e aquilo
para a pequena nobreza. Foi só aos dezoito anos que ele
encontrou Reynolds e se juntou às fileiras dos Irmãos da

PAM GODWIN
Bandeira Negra. Então, ouvir que ele foi um servo não é nenhuma
surpresa.

Mas o servo de Ashley? Aqui? Isso é difícil de processar. Por


Deus, é por isso que o pessoal da casa conhece Priest tão bem?
Porque eles trabalharam juntos?

“Ele está distorcendo a verdade”, Ashley me diz, com uma


postura rígida e severa. “Priest era meu companheiro.”

“O companheiro do dono da casa. Eu atendia a todas as


suas necessidades pessoais.” Priest inclina a cabeça, coçando
preguiçosamente o queixo, sem nenhum traço de ressentimento
em seu sotaque grave. “Eu te vestia e te estilizava, acompanhava
você em todos os tediosos compromissos formais e cuidava de
seus arranjos particulares. Todos os seus casos privados.
Quantas vezes, meu senhor, eu pessoalmente lavei esse pau
considerável entre suas pernas?”

Minha mente indecente avidamente agarra a imagem


sensual que ele evoca, minhas entranhas vibrando e dando nós.

“Não era assim, e você sabe muito bem disso.” Ashley ronda
em sua direção, aparentemente imóvel, exceto por flexionar suas
mãos ao lado do corpo. “Você era meu melhor amigo. Meu único
confidente. Por sua causa, aprendi a rir, brincar e correr riscos.
Você me entendia como ninguém mais conseguia. Porque você
me valorizou como algo diferente de um posto ou título.” Ele se
eleva sobre a cadeira de Priest, olhando carrancudo para ele.
“Você pode falar sobre meu pau e tentar degradar nosso
relacionamento, mas eu sei que tudo o que acabei de dizer... você
sentia o mesmo por mim. Foi uma via de mão dupla, meu amigo.
Quando estávamos juntos, em qualquer posição, éramos bem
combinados. Um par perfeito em terreno plano. Sempre igual.”

“Sim”, Priest sussurra. “Eu sei.”

PAM GODWIN
Eles se entreolham, olhos duros e sem piscar, e dentro do
espaço pungente e privado entre eles, sinto seu conflito, seu
desejo, suas respirações torturadas. Imagino que eles estão
pensando sobre os momentos que compartilharam. Todo o tempo
que eles perderam. As regras da sociedade que sem dúvida os
separaram.

Meu coração chora por eles. Ao mesmo tempo, me sinto


enjoada de pavor.

Onde eu me encaixo? Priest é meu marido e me traiu com


meu amante. Mas traiu não parece certo. Não faz sentido em
minha cabeça ou em meu coração.

Tudo o que importa é que eu os amo e eles me amam.

Exceto o que eles tem juntos, a história que compartilham,


a companhia fraterna... isso é algo totalmente diferente. Não me
inclui.

Luto para reconhecer todas as reações estranhas e


intensas que tenho a isso. Fui pega de surpresa.

E estou apavorada.

PAM GODWIN
CINQUENTA E UM

Meu peito aperta quando Priest e Ashley se encaram de


uma forma que nunca os vi olhar para outra pessoa. O que
irradia deles é mais do que desejo e calor masculino. É além dos
hábitos de possessividade e domínio. Vejo em seus olhos — seu
amor incondicional. Ele brilha com uma força magnética que é
muito poderosa para ser controlada ou ignorada.

Seguro minha garganta, respiro através do aperto


terrível. Estou com ciúmes. Mas também horrorizada com
admiração e inveja. Cobiço o que eles compartilham. Quero essa
história com eles. Esse vínculo fraterno. Sem ele, eu me sinto
como uma estranha olhando para dentro.

A cada segundo que passa, as emoções que Ashley


mantinha tão bem escondidas começam a vir à tona. Os
músculos se contraem em sua mandíbula cerrada. As mãos ao
lado do corpo abrem e fecham. Seu corpo inteiro parece inclinar-
se para Priest, sua força se contrai visivelmente, lutando contra
a atração.

À medida que seu controle se desfaz, tento abraçar meus


sentimentos conflitantes sobre o relacionamento deles. Eu os
quero juntos. Eles nunca serão verdadeiramente felizes

PAM GODWIN
separados. Mas anseio por fazer parte disso, deles, de tudo o que
está dentro das paredes de seus momentos privados roubados.

“Pare de me olhar assim.” Os olhos de Priest não se


desviam dos de Ashley quando ele se levanta da cadeira e inclina-
se para o rosto de Ashley. “A menos que pretenda ficar por aqui
dessa vez.”

“Isso é baixo, mesmo para você.” Sendo alguns centímetros


mais alto que Priest, Ashley gira e caminha para trás em direção
à sala de banho. “Vou preparar um banho.”

Um banho? Agora?

O luar, tímido agora além das janelas, não voltará esta


noite. O amanhecer está se aproximando. Nenhum de nós vai
dormir.

Ashley se move pelo quarto com graça e equilíbrio naturais,


o andar de um homem acostumado aos conveses ondulantes de
um navio. Mas noto o cansaço em seus ombros largos e o brilho
de poeira em sua calça branca. Ele acabou de chegar de Londres
e provavelmente fez a viagem de vários dias montado em um
cavalo para chegar aqui mais rápido.

Um banho é exatamente o que ele precisa.

“Você pode ouvir.” Priest aparece diante de mim, agachado


na altura dos olhos, a mão macia contra minha
bochecha. “Tudo?”

“Minha audição voltou ao normal.” Minhas sobrancelhas


franzem, meus pensamentos em outro lugar.

“Fale comigo.” Com os cotovelos apoiados nos braços da


minha cadeira, ele deixa suas mãos balançarem no meu colo,
acariciando levemente minhas coxas. “Diga-me cada pensamento
nessa linda cabeça.”

PAM GODWIN
“Tudo certo.” Limpo o arranhão na minha voz. “Eu quero
entender. Estou tentando. Mas sinto que não conheço nenhum
de vocês. Estou apaixonada por dois homens que estão vivendo
uma outra vida.”

“Isso não é...”

“Fique quieto e deixe-me falar.” Respiro lentamente e libero


meus pulmões. “Por dois anos, eu acreditei que a autora daquela
carta era uma nobre linda e intrigante, que estava dividida entre
seu dever e seu coração.”

“Você não estava totalmente errada. A nobre simplesmente


é um homem nobre.”

“O mesmo nobre por quem me apaixonei.” Quais eram as


chances?

O som da água bombeando das cisternas vem da sala de


banho.

Arrasto meus dedos sobre o cabelo, incapaz de encontrar


meu rumo nesta nova realidade. “Tenho muitas perguntas.”

“Pergunte.” Sua mão encontra a minha.

Encontro seus olhos de adoração e enrijeço minha


espinha. “Você já esteve com outros homens?”

“Não. Nem Ashley. O aspecto físico do nosso


relacionamento só veio à tona quando ele entrou para a Marinha
Real. À medida que envelhecemos, o tempo e a distância nos
separaram, e dentro dessa solidão, nosso desejo evoluiu para algo
mais primitivo.” Suas sobrancelhas escuras se juntam. “Talvez a
luxúria seja um sintoma da confiança que construímos juntos
quando meninos. Mas nunca foi uma força motriz entre
nós. Nunca buscamos relações sexuais com outros homens.”

Concordo. Então balanço minha cabeça. “Não sei como me


encaixo nisso.”

PAM GODWIN
“Bem, Ashley e eu preferimos o sexo mais suave, mais
bonito e mais feroz... acontece que preferimos uma mulher em
particular, que está ansiosa para fazer mais com sua vida do que
criar herdeiros e comparecer a jantares da sociedade.” Ele sorri
suavemente. “Você é a cola, Bennett. A razão de estarmos
aqui. Pense nisso. Ashley e eu nos apaixonamos pela mesma
mulher. Isso foi coincidência? Ou algo mais profundo? Você sabe
o que eu penso?” Ele traça seu polegar ao longo do meu lábio
inferior. “Você é o destino dominante pelo qual ele e eu temos
viajado por toda a nossa vida. Nossos caminhos se bifurcaram,
desviaram, se cruzaram e se bifurcaram novamente uma dúzia
de vezes. E aqui estamos nós, exatamente onde
começamos. Contigo.”

Amo o som disso. Muito. Minha mão vai para a minha boca
enquanto uma onda de lágrimas quentes cresce.

“Maldito.” Limpo o filete de umidade que vaza dos meus


olhos. “Não quero chorar mais.”

“São lágrimas ousadas. Destemidas. Deus sabe que você as


conquistou.” Ele desliza as costas dos dedos ao longo da minha
bochecha. “Tão resistente e forte, mas ao mesmo tempo
lindamente delicada.”

“Eu não sou nenhuma dessas coisas, Priest. Estou


assustada. Lembro-me da devastação em seu rosto em Nassau
quando Ashley o deixou. Perdê-lo te arruinou tão completamente
que você se afogou na bebida. Eu soube então que não poderia
competir com sua amante. E sei disso agora, vendo a maneira
como vocês olham um para o outro. Tenho tanto medo de ser
excluída.”

“Na noite em que roubei sua bússola, estávamos em sua


cabine particular e você me perguntou por que eu estava lá. Você
se lembra do que eu disse?”

PAM GODWIN
“Por que você está aqui?”

“Você sabe porquê.”

“Você quer me foder.”

“Isso é certo, mas não é nem de perto o cerne da questão.”

“O quê, por favor, diga, poderia ser o cerne de suas


intenções, se não molhar seu pau?”

“É realmente muito simples. Eu quero cuidar de você.”

Inclino-me para a mão que ele segura na minha


bochecha. “Você quer cuidar de mim.”

“Mais do que tudo. Quero passar o resto da minha vida


protegendo e adorando você.” Seus dedos mudam para o meu
cabelo e seguram com uma assertividade chocante. “Eu quero
fazer amor com minha esposa. Já se passaram dois anos,
Bennett.”

Uma chama de desejo, que ficou adormecida por tanto


tempo, agita-se entre minhas pernas.

Olho em direção à sala de banho, procuro Ashley, e lá está


ele. Inclinando-se perto da porta, vestindo apenas sua calça, nos
observa com um olhar escuro e aquecido que eleva a temperatura
do meu sangue a alturas vertiginosas.

“O banho está pronto.” Ele se afasta da parede e


desaparece dentro da sala.

Priest desliza os braços por baixo de mim e puxa-me para


o seu peito enquanto se levanta.

Coloquei uma quantidade horrível de trabalho nas últimas


três semanas para garantir que pudesse andar com meus
próprios pés. Mas ele quer isso. Ele quer cuidar de mim.

PAM GODWIN
Então, coloco meus braços ao redor de seu pescoço forte e
ofereço uma oração de gratidão aos poderes superiores por me
dar outra chance de experimentar seu amor.

Ele me coloca no chão. Repleto de velas e ricamente


decorado, o espaço presta homenagem à grande banheira
retangular no centro. A primeira vez que entrei aqui, tropecei e
caí de cara no chão, perplexa.

Construída em mármore reluzente, a banheira tem linhas


finas e é lisa. Profunda, tem metade da minha altura por fora,
com degraus internos que descem até o chão, é grande o
suficiente para acomodar quatro pessoas.

Torneiras dispostas no alto, conectadas com canos que


levam a uma cisterna de água fria, uma de cobre na qual a água
é aquecida e um sofisticado sistema de drenagem.

O vapor sobe da água e, dentro desse vapor, Ashley se


esparrama, seu corpo submerso e a cabeça inclinada para trás
na borda, de frente para nós.

“Esta sala é...” Mudo meu peso, olho ao redor. “É diferente


de tudo que já vi.”

“Você deve visitar a cidade de Bath, a oeste de Londres.” Ele


gira um dedo preguiçoso na água. “Tem seus elegantes banhos
romanos. Meu pai mandou fazer esta sala à semelhança da
arquitetura de lá.”

Outra porta está fechada atrás dele, que sei que leva aos
quartos que seus pais ocupavam. Agora estão vazios e
desocupados.

“Seus pais sempre vêm aqui?” Pergunto.

“Não. Eles raramente saem de Londres. Mesmo quando eu


era criança, eles nunca estiveram aqui.” Seus olhos encontram
os meus. “Entre na água, Bennett.”

PAM GODWIN
Meus nervos se contraem. Não sei porque. Não sou
restringida por um senso de modéstia e, nos últimos dois meses,
eles cuidaram de cada fenda, vinco e sombra do meu corpo. Mas
isso é diferente. Novo.

Viro para Priest e agarro a camisola. Suas mãos vêm para


as minhas, assumem a tarefa. Levanta o linho e puxa-o para cima
e para fora.

O impulso de me cobrir acena, mas coloquei muito esforço


não apenas para reconstruir minha força, mas também minha
confiança. Olho para os meus seios empinados, cintura fina,
barriga lisa, quadril e pernas tonificados.

Eu voltei ao normal? Não exatamente. Meus músculos


precisam de mais fortalecimento. Meu cotovelo dói quando o
movimento. Minhas costelas protestam contra movimentos de
torção. Mas não tropeço. Não choramingo. Estou satisfeita com
meu progresso.

O pior dos meus ferimentos, antigos e novos, desenhou


linhas irregulares em meu abdômen e até meu antebraço. Possuo
essas marcas porque sou uma pirata. Temos cicatrizes e
membros de madeira da mesma forma que os soldados usam
medalhas e fitas.

Meu cabelo loiro cai em mechas pesadas e rebeldes até


minha cintura. Quando está molhado, é ainda mais longo. É
brilhante. Saudável.

Eu estou saudável.

“Sua pele é como alabastro.” Os olhos de Ashley ficam


febris enquanto encara descaradamente minha pele nua, que não
vê a luz do sol há dois meses. “Você é uma beleza delirante
vestida com qualquer roupa. Mas um vislumbre de você sem

PAM GODWIN
roupas é o suficiente para enviar uma sacudida letal ao longo do
pau de um homem faminto.”

Suspiro, reprimindo um sorriso.

“Eu amo a boca dela.” Priest aperta minha mão e me leva


para o banho. “Não é como a de uma menina doce em seu
primeiro florescer. A boca de Bennett é travessa, sedutora e cheia
de dentes, feita para morder, lamber e sugar todo o raciocínio da
cabeça de um homem.” Ele dá um tapa forte em meu traseiro nu,
me fazendo gritar. “No banho, senhora.”

Levanto minhas pernas sobre a borda e na água quente,


estico meu pescoço para olhar para ele.

Ele desamarra a aba de sua calça e empurra o material


para o chão de mármore, expondo seu pênis relaxado, todo o
comprimento de sua musculatura e as cicatrizes que queimaram
a maior parte de sua perna esquerda.

Seus olhos encontram os meus, me avisando para não


perguntar sobre o ferimento.

Viro e encontro o olhar de Ashley. Nenhuma surpresa ou


horror nisso. Ele já sabia sobre elas.

“Ele te contou como as conseguiu?” Pergunto a Ashley.

Ele assente.

“É exatamente disso que eu estava falando.” Uma pontada


de dor atinge meu estômago, como uma pequena faca afundando
seu caminho. “Vocês compartilham coisas entre vocês. Segredos,
amizade, infância, confiança... já que não faço parte dessa
fraternidade...”

“Aconteceu em Nassau.” A água espirra ao meu lado


quando Priest entra na banheira.

PAM GODWIN
Seu braço enganchado nas minhas costas, me levando com
ele. Os degraus foram projetados para sentar e, após alguns
ajustes, ele nos posiciona em um deles comigo em seu colo. Eu
me inclino contra seu peito, deixo a superfície da água subir até
meus mamilos, lambendo as pontas sensíveis.

Ele me segura perto, sua boca ao lado da minha orelha, e


me conta a história.

“Você viu como fiquei quando Ashley me deixou. Mas você


não testemunhou minha autodestruição quando percebi que
também tinha perdido você.” Ele encontra minha mão sob a água
e a move para a pele borbulhante em sua coxa. “Eu remei um
bote até o mar e coloquei fogo nele.”

“O quê?” Meu pulso voa enquanto tento empurrar para


cima. “Enquanto você estava nele?”

Ele me prende contra seu peito, a barra do seu braço como


ferro na minha barriga. “Eu queria morrer. Positivamente, é a
coisa menos masculina que tentei na minha vida. O fogo
consumiu apenas uma perna antes que o barco virasse e me
jogasse no mar. Fiquei contente em me afogar lá, mas um
pescador me puxou para fora.”

Meu estômago revira com uma culpa avassaladora. Eu


nunca deveria tê-lo deixado. Deveria estar lá.

“Acabei no Garden”, ele diz, “Com uma dúzia de prostitutas


cuidando de mim durante seis miseráveis meses. E antes que
você pergunte...”

“Eu não vou perguntar.”

“Estou dizendo isso de qualquer maneira para vocês dois


ouvirem. Ashley foi a última pessoa com quem eu dormi, e isso
foi há mais de dois anos. Agora...” ele desliza a mão pelo meu
abdômen e a afunda entre minhas coxas. “Você vai me prometer
que nunca se sentirá culpada quando olhar para minhas

PAM GODWIN
cicatrizes. Minhas ações forçaram você a correr, e eu coloquei
fogo. Juro a você que nunca vou fazer essas duas coisas
novamente.” Ele acaricia seus dedos ao longo da minha fenda,
distraindo-me com a sensação de felicidade. “Prometa-me,
Bennett. Você não vai se culpar. Nunca.”

“Eu prometo.” Um suspiro fica preso na minha garganta e


meu olhar dispara para Ashley.

Ele se senta na minha frente, seu peito e ombros rígidos


acima da água, e suas mãos... não consigo vê-las, mas sei que ele
está se segurando, tocando e acariciando aquele pau gigante
enquanto me observa.

Sua expressão é serena. Maravilhosamente


imperturbável. Não tenho ideia de como essa intimidade tríplice
funcionará, mas ele gosta de me ver com Priest. Ou talvez ele
adore ver Priest com uma mulher.

“Vocês já…?” Lambo meus lábios, hesito. “Vocês já


compartilharam uma mulher?”

“Não”, eles dizem em uníssono.

Priest endurece e incha contra minhas costas, sua


respiração fica mais curta. “Nenhuma vez, nos vinte anos que o
conheço, nós planejamos transar.”

Porra. Adoro ouvir essa palavra na língua pecaminosa e


com sotaque de Priest. Arrepios. Todo. Tempo.

“Você está me dizendo”, falo, “Que vocês nunca se


procuraram apenas por prazer?”

“Nunca. Essa parte é sempre espontânea entre nós.”


Ashley sustenta o olhar de Priest. “Normalmente com
raiva. Frequentemente, o resultado de uma briga. Simplesmente
acontece. Então acaba e não analisamos.”

PAM GODWIN
Valorizo essa percepção. Isso me ajuda a entender a
natureza física de seu relacionamento.

Também me excita. Posso imaginar isso


vividamente. Assim como estavam no quarto, socando e lutando
no chão. Em seguida, a mudança no ar. A mudança de
temperamento, o calor da paixão, consumindo. Se eu não tivesse
deixado cair aquele balde de água, eles teriam fodido ali mesmo
no chão?

Curvando dois dedos diabólicos, Priest os mergulha


lentamente na minha dor. A umidade do meu corpo é mais macia,
mais espessa que a água, facilita o deslizamento de sua
penetração. Coloco minha cabeça para trás em seu ombro, agarro
suas coxas poderosas debaixo de mim e gemo.

“Há uma voz na cabeça de Ashley.” Priest me toca


perversamente. “A voz de seu pai ou de sua mãe, ou talvez seja
Deus, dizendo-lhe para ter vergonha de amar um homem. Então,
sempre que eu o levo para o chão e me enterro dentro dele, ele
luta. Cristo todo-poderoso, ele adora lutar comigo.”

A boca de Ashley se abre em um gemido, o rosto tenso.

Minha buceta aperta em torno dos dedos de Priest,


puxando com mais força, com mais fome... doce misericórdia,
preciso dele. Cravo minhas unhas em suas coxas, minhas pernas
se espalham mais, mamilos endurecidos, espasmos internos em
busca de alívio.

Ashley se recosta e estica o braço ao longo da borda da


banheira, apoia a parte superior do corpo enquanto a outra mão
trabalha na metade inferior. Quero ver seu pau, grosso e
pulsante, nas garras do seu punho. Anseio por sentir, provar.

“No navio de Ashley...” Viro minha boca na direção de


Priest, saboreio seus lábios ofegantes. “Assisti ele se tocar

PAM GODWIN
assim. Todas as noites, ele ficava em sua varanda e acariciava
seu pau.”

“Ele me disse.” Um sorriso ardente brilha nos olhos de


Priest. “Ele me contou cada detalhe de cada interação que vocês
compartilharam, e faremos o mesmo com você. Diremos tudo o
que você quiser saber sobre nós. Mas agora, eu preciso te foder.”

Empurrando-se para cima, ele nos ergue até sentar-se no


degrau de cima, que está no nível da superfície da água. Quando
ele me abaixa de volta em seu colo, ele move seu quadril e coloca
seu pau contra a minha entrada.

Então ele empurra.

Nunca estive mais grata pela minha audição do que nesse


momento quando o som de seu gemido profundo e gutural de
prazer atinge meus ouvidos.

Ele espalma meus seios e move seu quadril com uma


habilidade que me faz querer chorar. O puro êxtase de tê-lo
dentro de mim é incomparável. O empurrão, o estiramento, o
bofetão da água e o deslizamento da pele aquecida — o homem
sabe como se mover dentro de uma mulher.

Mas isso é mais profundo do que os prazeres da carne. A


conexão emocional me preenche além da onda de formigamento
do orgasmo. Eu me reencontro com meu marido, cercada por seu
perfume glorioso, e novamente despertada pelos ruídos
estrondosos e rosnados vibrando em seu peito.

Ele agarra meu rosto e arrasta minha boca para a dele,


saqueia com lábios e língua. Caio em seu beijo, montando seu
pau, alimento-me de sua beleza masculina e força, seus lábios
tão suaves como seda quente, e seu gosto o sabor da fúria.

O beijo é feroz enquanto o impulso de seu quadril bate mais


forte, mais rápido, perseguindo sua liberação. A água espirra ao

PAM GODWIN
meu lado e, momentos depois, uma lufada de calor chocante
sufoca o lugar onde estamos juntos.

Afasto minha boca para encontrar Ashley ajoelhado entre


minhas pernas, sua boca na minha buceta e sua mão em torno
da raiz do pau de Priest. O ataque profano de estimulação brilha
através de mim, me sacode de dentro para fora.

Ele nos devora de baixo, enterra o rosto, chicoteia a língua


e trabalha seus lábios carnudos onde Priest acaricia seu
comprimento para dentro e para fora.

Meus dedos se enredam no cabelo macio de Ashley,


segurando sua boca pecaminosa contra nós. Suas mãos deslizam
sobre mim, tocam em todos os lugares como se não conseguissem
o suficiente. Eu quero mais. Mais profundo. Preciso da conexão
de seus corações e almas com o meu enquanto nossos corpos se
unem.

Quando o orgasmo bate, ele bate em mim com chuvas de


faíscas e ondas de prazer trêmulo. Gemo seus nomes, moo meu
quadril, e segundos depois, Priest se junta a mim.

“Bennett!” Seus braços envolvem meus seios, seguram-me


contra seu peito enquanto usa meu corpo, me acaricia subindo e
descendo em seu comprimento, empurrando de forma
irregular. “Ah, Cristo, você é maravilhosa. Tão apertada no meu
pau, porra.”

Ashley nos lambe através do pico enquanto se acaricia sob


a água. Então ele beija até minha frente, demora-se em meus
seios e mamilos antes de esmagar seus lábios nos meus.

Eu me provo em sua língua, tão loucamente excitada,


sabendo que sua boca estava em Priest.

Então sinto sua mão, seus dedos deslizam em torno da


minha abertura, onde Priest ainda está encaixado.

PAM GODWIN
“Dentes de Deus.” Priest desce e bate de volta. “Incrível.”

Ashley se aperta mais perto, beija-me apaixonadamente


enquanto avança seus dedos em meu corpo, deslizando ao lado
do pau de Priest.

“Acha que pode levar nós dois?” Ele belisca meus lábios,
geme, ofega, seu corpo inteiro treme. “Aposto que cabem
dois. Mas não esta noite. Eu não vou durar muito.”

Ele me ergue de Priest, alto o suficiente para me puxar


contra ele. Minhas pernas agarram seu quadril. Meus braços se
agarram a seus ombros musculosos. Então ele me empala onde
Priest estava apenas alguns segundos antes.

Grito, instantaneamente sinto a diferença de


tamanho. Onde Priest é grande, Ashley é enorme. Ele fica parado
na água, com as mãos espalmadas em minhas costas, e me dá
um momento para me ajustar. Então libera sua fome.

“Senti tanto sua falta.” Ele bate com forte necessidade,


empurra para dirigir mais fundo, para chegar mais perto.

Ele se inclina para frente, e sinto Priest nos envolver por


trás, minhas costas contra o peito de Priest, presa. Não há como
escapar dessa união proibida. Nenhum de nós está desistindo.

Encontro uma grande satisfação em observar os modos


inadequados de Ashley anularem sua aparência aristocrática e
engomada. Suas feições são escandalosamente deslumbrantes,
seus lábios se separam com grunhidos estremecidos, suas
sobrancelhas franzidas e seu olhar nunca se desvia do meu.

Ele me fode por mais dois orgasmos antes de se render ao


seu.

Inclino minha cabeça para trás contra Priest, eu me


contraio e estremeço através dos resquícios de felicidade. Ashley

PAM GODWIN
se curva, recuperando o fôlego, seu pau ainda pulsa dentro de
mim.

Seu olhar muda para Priest, os dois ofegantes, olham um


para o outro do jeito que olharam antes. Então seus rostos se
aproximam, suas testas se unem e, antes que eu possa piscar,
suas bocas colidem.

Eles levantam seus braços, alcançando, agarrando, comigo


presa entre eles. Não consigo desviar meus olhos do seu
beijo. Eles inalam um ao outro, suas mandíbulas duras e
rígidas. Priest tem pelos ásperos de um dia inteiro, ouço sua
barba por fazer arranhar a pele macia de Ashley.

Estou exultante nisso, sei que nunca experimentarei nada


tão intimamente lindo quanto este momento terno e desprotegido
entre meu pirata e meu caçador de piratas.

O beijo gradualmente se dissolve com um zumbido


masculino de gemidos. Ashley dá um impulso preguiçoso de seu
quadril, sua raça superior ainda dura, carregada e cheia dentro
de mim. Atrás de mim, Priest balança contra mim, mói sua
luxúria contra minha bunda.

“Você está bem?” Ele beija meu pescoço.

“Muito satisfeita, obrigada.”

Paus famintos e competidores ameaçam me levar pela


frente e por trás. Mas depois de vários minutos de prazer
provocante, eles não tentam algo tão novo em uma hora tão tarde.

Mas certamente me satisfazem novamente.

PAM GODWIN
CINQUENTA E DOIS

Na manhã seguinte, acordo com as sensações sublimes de


quatro mãos e duas bocas idolatrando meu corpo. Os dedos
espalham energia sensual. Braços serpenteiam ao meu redor. As
palmas deslizam pela minha frente e costas, imobilizam meu
quadril. E eu os sinto. Deus me ajude, sinto os golpes de aço de
sua luxúria pela frente e por trás.

A pressão delirante aumenta, canaliza todo o calor entre


minhas pernas. Tudo dói com um desejo inquieto.

Esmagada entre as lajes de mármore de dois peitos, nunca


imaginei acordar em uma posição tão indecente, nunca imaginei
querer permanecer aqui para sempre.

“Quero isso todos os dias.” Beijo os lábios diretamente na


minha frente.

Priest.

“Quero tudo de uma vez.” Ele alcança entre nós e me


encontra molhada. “Quero sua buceta apertada e quente. Seios
pesados. Pernas sedosas. E, Cristo, quero sua boca atrevida.”

Ele me beija ardentemente, profundamente, enquanto a


mão de Ashley rasteja por trás e junta-se aos dedos de Priest
entre minhas coxas.

PAM GODWIN
Seus corpos endurecem e se juntam contra mim,
pressionam. A virilidade combinada, a fome febril, o selvagem
balançar para frente e para trás de seus quadris em luta... tremo
entre eles, estremeço direto até a medula dos meus ossos.

Minha pele ganha vida com formigamentos crus e


liquefeitos enquanto eles me provocam, brincam comigo e
atendem a todas as minhas necessidades.

Abrem-me, me giram, viga sobre viga, saqueiam meu


corpo. Um pirata nas minhas costas. Um oficial inglês na minha
garganta. Da haste a popa, eles abrem meus membros e esticam
todos os buracos, me prendem, me fodem e me enchem de
sementes.

Por horas, eu os recebo. Separadamente. Dois ao mesmo


tempo. Músculos morenos, respirações quentes, homens se
movem em golpes alternados dentro de mim. Homens
ferozes. Guerreiros. Amigos. Inimigos. Amantes.

Seus paus deslizam juntos. Seus corpos se esfregam com


fricção. Suas mãos se sobrepõem e se enredam, e às vezes, em
meio ao frenesi desenfreado, suas línguas colidem em um beijo
de potência masculina escura.

Mas eles nunca mostram inclinação para foderem um ao


outro. Sou seu único foco.

Eles definem o ritmo frenético e cambaleante da nossa


trindade profana enquanto beijo suas bocas, adoro seus paus e
ofego Eu os amo do fundo da minha alma.

Depois, deitamos em uma pilha suada de membros


emaranhados. Cada centímetro de mim está
dolorido. Carinhosamente usado. Feliz.

Sorrio. Juro por Deus, sorrio tão grande e profundamente


que meu rosto dói. É um sorriso diferente de qualquer outro que
veio antes.

PAM GODWIN
Enrosco-me de lado nos braços de Priest, minhas costas
contra seu peito, ouço sua respiração enquanto ele entra e sai do
sono.

Meu braço com cicatrizes descansa na superfície dura do


abdômen de Ashley. Ele se esparramou de costas, olhando para
as vigas. Seu pau está em sua coxa, grosso e longo, mesmo em
seu estado flácido. Um homem ridiculamente lindo.

“Quando estávamos na casa de campo em Eleutera...”


circulo um dedo ao redor do pequeno formato achatado de seu
mamilo. “Priest colocou uma faca e uma fatia de laranja em suas
mãos, e você sabia exatamente o que fazer. Muito bem. Vocês
dois conseguiram executar um plano, bem entre as minhas
pernas de todos os lugares, sem ninguém perceber. E apesar do
que aconteceu comigo em seu navio com Madwulf, aquele plano
com a laranja me salvou de um destino muito mais sombrio.”

Ashley agarra minha mão em seu abdômen e fecha os


olhos, sua expressão de dor.

“Durante o incidente da laranja, Priest disse algo sobre sua


irmã.” Entrelaço nossos dedos. “Ele disse, Exatamente como
nosso ardil com Arabella. O que isso significa?”

Virando de lado, Ashley me agracia com seu olhar azul


profundo. “Arabella estava apaixonada por Priest. Para ser claro,
todas as donzelas, viúvas e casadas em um raio de cem
quilômetros queriam Priest em sua cama. Mas Arabella era
astuta, adorável e implacável. Por anos, ordenei que ele não a
levasse para a cama.”

“Não toquei nela, meu senhor”, Priest murmura sonolento


atrás de mim.

“Eu sei.” Ashley se aproxima de mim e pousa a mão na coxa


de Priest, seu polegar acaricia as cicatrizes de
queimadura. “Priest a rejeitou em todas as ocasiões”, ele me

PAM GODWIN
diz. “Ela o desejava tanto que não se importava se o caso a
arruinasse. Mas nem ele nem eu queríamos isso.”

“Arabella era uma cabeça quente.” Priest sorri. “Cristo,


sinto falta dela.”

Um momento de silêncio passa entre eles antes que Ashley


continue. “Minha irmã estava na casa dos vinte e ainda
solteira. Ela recusou todas as ofertas, esperando pelo
Priest. Nessa época, Priest e eu tínhamos dezesseis e dezoito
anos, respectivamente. Éramos jovens, inquietos e tensos com
energia sexual, que colocamos para usar nas garotas locais.”

“Mas passamos a maior parte do tempo sozinhos nesta


mansão, especialmente durante os meses de inverno”, Priest
diz. “A curiosidade e o tédio geraram... experimentação.”

“Vocês se tocaram.” Sorrio suavemente, cativada por este


lado deles.

“Sim.” Priest acaricia meu pescoço. “Mãos alcançando as


calças. Alguns golpes aqui e ali. Estava bem. Nunca é
estranho. Nós dois preferíamos mulheres, mas mais do que isso,
preferíamos a companhia um do outro. Quando essas interações
nos levaram a abrir nossas calças e gastar nossas sementes
juntos, isso não nos incomodou.”

“Arabella sabia?” Pergunto.

“Não.” Ashley leva a mão ao meu rosto, afastando alguns


cachos finos. “Eu a ouvi conversando com a empregada de sua
senhora, planejando como iria se esgueirar para o quarto do
Priest naquela noite e seduzi-lo. Eu conhecia minha irmã. Ela
teria conseguido.”

“Tão pouca fé em mim”, Priest fala lentamente.

PAM GODWIN
“Ela estava te desgastando. Você mesmo disse.” Com uma
expressão séria, Ashley diz, “Comi uma laranja, passei o suco
pelos dentes e espalhei nos lábios.”

“Ah não.” Suspiro. “Você não fez isso.”

“Ele fez.” Priest sorri. “O babaca se esgueirou para dentro


da minha cama e colocou a boca em mim. Chupou meu pau
direto em sua garganta. Ninguém nunca tinha feito isso antes, e
eu só aguentei...”

“Menos de um minuto. Eu diria que ele se


envergonhou.” Ashley dá um sorriso raro, segurando meu
olhar. “Minha tenaz irmã entrou em seu quarto uma hora depois
e encontrou seu querido Priest cuidando de uma terrível erupção
na virilha. Desnecessário dizer que ela acreditava que ele tinha
sífilis e, portanto, o dispensou de uma vez por todas.”

Exatamente como nosso ardil com Arabella.

“Você é um gênio do mal, Ashley Cutler.” Inclino-me e beijo


seus lábios esculpidos.

“A parte do mal está certa.” Priest dá um grunhido


indiferente. “Eu ainda não confio em sua boca perto do meu pau.”

Lembro-me do que sei sobre a natureza carnal de Ashley,


seus modos inadequados. A primeira vez que ele foi íntimo
comigo, me pegou brutalmente pelas costas. Antes disso, havia
uma sequência de palmadas impiedosas.

“Você bate no Priest?” Luto contra um sorriso.

Priest fica tenso atrás de mim. “Gostaria de vê-lo tentar.”

Tudo certo. Isso responde minha pergunta.

“O que aconteceu com Arabella?” Pergunto.

“Ela encontrou outro sujeito para assediar. Um


pescador. Claro, meus pais não aprovaram.” Ashley olha para

PAM GODWIN
mim com o coração nos olhos. “Ele não mostrou a ela o mesmo
respeito que Priest tinha. Ela engravidou, foi banida da sociedade
e você sabe o resto.” Ela morreu no parto.

“Eu tinha vinte anos quando aconteceu. Esta casa não era
a mesma sem ela.” Ashley acaricia preguiçosamente minha
clavícula. “Então eu parti. Entrei para a Marinha Real, para
desespero dos meus pais.”

“E eu. Exigi que ele ficasse.” Priest se apoia em um cotovelo


e curva a mão em volta da minha cintura. “Nós brigamos por
isso. Batemos um no outro aqui mesmo neste quarto.” Ele desvia
os olhos para Ashley, estreitando-os em fendas. “Ele me fodeu
naquela noite. Foi a nossa primeira vez...” Suas narinas se
alargam. “O idiota me fodeu e saiu. Eu não o vi novamente por
um ano.”

Olho para baixo, meu peito dói e meu coração fica em carne
viva. Parece ser um hábito de Ashley. A primeira vez que me
fodeu, ele foi embora. Embora não passou da porta de sua
cabine.

“Você deve ter mantido contato ao longo dos anos”, falo.

“Nós escrevíamos.” Exalando, Priest rola de costas. “Sem


Ashley, eu não tinha trabalho aqui. No ano seguinte, pulei de
navio em navio, fazendo vários trabalhos, indo para as Índias
Ocidentais e procurando meu pai. Foi assim que encontrei um
irmão que não sabia que tinha.”

“Reynolds.” Sorrio.

“Sim. Nós nos juntamos a uma tripulação pirata. Ashley


me chamou entre as guerras. Às vezes nos encontramos
aqui. Outras vezes, nos reconectamos em portos ao longo do
Oceano Ocidental. Essas visitas raras foram tudo o que ele me
ofereceu.”

PAM GODWIN
Até Nassau, quando Ashley excluiu Priest de sua vida
completamente.

“Naquela época”, Ashley diz, “Era mais importante do que


nunca manter distância. Você estava fazendo um nome notório
para si mesmo, Priest. E eu era um oficial da marinha e...”

“Você era meu melhor amigo.”

Priest tem todo o direito de ficar furioso. Ele foi rejeitado


por Ashley e por mim. No entanto, agora deitado ao meu lado,
seus dedos distraidamente passam pelo meu cabelo, ele parece
contente. Pacífico.

De repente, fica claro por que ele tinha uma falta de


interesse em acumular despojos e navios de seu saque no
mar. Ele tinha toda a riqueza de que poderia precisar aqui
mesmo.

Tudo o que ele realmente queria, o que precisava, era


alguém de quem ele pudesse cuidar. E talvez alguém para fazer
o mesmo por ele.

“Você me disse em seu navio”, digo a Ashley. “Que fazia


dois anos desde que você se deitou com alguém. Foi Priest, não
foi? Em Nassau? Ele foi a última pessoa com quem você esteve?”

“Sim.”

“E antes disso?”

“Eu não me lembro. Comandar o navio de Sua Majestade e


lutar em guerras não dava tempo para tais assuntos. Enquanto
isso, Priest passou os últimos quatorze anos fodendo cada saia
que cruzou seu caminho.”

“Até conhecer Bennett.” Priest ergue uma sobrancelha, sua


inclinação acentuada para baixo, destacando o mergulho
lânguido de seus olhos. “Nunca haverá outra mulher para mim.”

PAM GODWIN
Meu coração se aperta e expande. “Quando você me disse
que amava duas pessoas, eu não entendi. Não achei que fosse
possível. Mas eu estava errada. Claramente.” Pego o relógio na
cama e levanto meus olhos para Ashley. “Eu deveria perguntar a
você sobre sua visita em Londres, mas a única coisa que quero
saber é se você viu sua prometida.”

“Sim. Falei com ela. Isso é o que se espera. Se não tivesse,


eu seria interrogado e assediado por todas as mulheres
intrometidas na sociedade.”

Raiva e ciúme enrolam minha espinha quando me levanto


para uma posição sentada. “Qual é o nome dela?”

“Você pretende matar a adorável garota?”

Luto contra minhas emoções tumultuadas quando se trata


desses dois homens, mas não luto nisso.

“Sim.” Encontro seu olhar fixamente. “Se você se casar com


ela, vou estripá-la. Uma faca na
barriga. Empurrar. E torcer. Sem hesitação. Portanto, espero que
enquanto esteve em Londres por três malditas semanas, teve os
meios para romper o noivado.”

“Eu não fiz tal coisa.” Ele agarra minha garganta e na


próxima respiração, me coloca de costas com seu peso em cima
de mim. “Eu estava em Londres para explicar por que não prendi
os desprezíveis piratas Bennett Sharp e Priest Farrell enquanto
estavam em minhas mãos. Com um navio cheio de testemunhas,
tive que inventar mentiras e exagerar verdades para evitar uma
corte marcial e rebaixamento. Eu não estava em Londres para
tratar de assuntos pessoais.”

“Rompa o noivado.” Empurro seu peito, um esforço


inútil. “Diga a ele, Priest.”

PAM GODWIN
“Tenho dito a ele há anos.” A frustração fervilha sob a voz
de Priest enquanto ele se levanta da cama. “Deixa pra lá,
Bennett.”

“Eu não vou...”

“Por enquanto.” Ele inclina o queixo para Ashley, os olhos


fixos em mim. “Temos um presente para você.”

Ashley agarra minha mão e me puxa para cima. De


repente, o clima muda. Os homens trocam um olhar, e algo
semelhante a excitação passa entre eles.

“O quê?” Pergunto, impaciente. “O que é?”

“Uma surpresa. Precisamos de você vestida para


isso.” Ashley conduz-me para a sala de banho enquanto diz ao
Priest, “Era importante para mim estar aqui para isso. Obrigado
por esperar por mim.”

“Eu disse que faria.”

A conversa enigmática deles gera uma série de perguntas


da minha boca, que eles ignoram. Tomamos banho, nos
vestimos, nos arrumamos e quebramos o jejum no refeitório. O
tempo todo, eu os pressiono por respostas e só encontro sorrisos
irritantes.

Aprendi cedo que as refeições na mansão de Ashley são


realizadas sem pressa, tranquilas. Servos vagam ao redor da
mesa, colocam travessas de prata com bacon curado e arenque
defumado, ovos cozidos, miúdos de rim, flummery7 de amora
preta com sillabub8 batido e dezenas de produtos dos jardins da
mansão.

7
Flummery é uma sobremesa doce, geralmente aromatizada com bagas ou frutas. É um cruzamento entre
uma gelatina e um creme.
8
Syllabub é um prato doce da culinária da Cornualha, é feito coalhando creme de leite ou leite doce com um
ácido como o vinho ou a cidra. Foi popular entre os séculos 16 e 19. As primeiras receitas do syllabub era
beber cidra com leite. No século 17, ela evoluiu para um tipo de sobremesa feita com vinho branco doce.

PAM GODWIN
Enquanto as criadas da cozinha atendem às demandas da
mesa de jantar, elas lançam olhares acalorados para Priest. Ele
mencionou que a equipe trabalha aqui a maior parte de suas
vidas. Agora que sei que ele trabalhou aqui com eles, só posso
presumir que ele se deitou com todas as empregadas pelo menos
uma vez nos últimos vinte anos.

Não posso me importar nem um pouco. Ele é meu


agora. Tenho sua lealdade e parece que ele tem a deles.

“Você confia neles.” Balanço a cabeça para a porta quando


ela se fecha atrás da última empregada da cozinha.

“Inquestionavelmente”, Priest diz. “Eles sabem o que eu


sou. Mas antes de ser pirata, era amigo deles. Seus pais. Ainda
sou. Nenhuma recompensa mudará sua fidelidade.”

“Eles sabem sobre o relacionamento de Priest comigo desde


o início.” Ashley recosta-se na cadeira. “Eles nos defenderiam
com suas vidas.”

O alívio desce e mais perguntas surgem. “Quando você me


capturou, realmente não sabia sobre meu relacionamento com
Priest?”

“Não.” Ashley respira lentamente. “Eu não fazia


ideia. Quando você caiu sob minha custódia, foi pura
coincidência. Ou o destino.”

Quando termino o restante da minha refeição, ele fala sobre


sua mudança de opinião nas primeiras semanas. Sim, ele
inicialmente me caçou com toda a intenção de me entregar e
promover sua carreira. Mas agonizava com a ideia todos os
dias. Quando me levou para a sala dos oficiais e me mostrou o
desenho de Priest, ele já havia decidido. Só queria rastrear Priest
para ajudá-lo a encenar uma fuga crível para mim.

Assim que tenho todas as minhas respostas, ele lê um


jornal, atualiza-se com as notícias do dia, enquanto mantém uma

PAM GODWIN
conversa tediosa com Priest sobre seus negócios em
Londres. Dada a minha bufada e suas bocas se contorcendo, sei
que estão deliberadamente arrastando a expectativa pela minha
surpresa.

Eventualmente, Ashley se levanta e estende a mão para


mim. “Devemos?”

Eles me levam para o meu navio.

A mansão fica no alto dos penhascos, com vista para a baía


particular. Em vez de navegar pelos caminhos rochosos até a
costa abaixo, Priest e Ashley me conduzem por um labirinto de
escadas e túneis em espiral sob a propriedade. O brilho de uma
tocha abre o caminho. No nível mais baixo, uma porta externa se
abre para um cais e um bote esperando.

E do outro lado da baía está Jade em toda a sua glória.

As sombras de seus mastros sobem sobre o penhasco


próximo, com seus metros de vela enquanto pacientemente
espera para zarpar.

Ele é um lutador. Um sobrevivente. Enfrentou um navio de


guerra com o dobro do seu peso em armas. Quando meu pai o
agarrou, era o único galeão da frota de tesouros espanhóis que
não afundou no furacão. Ele estava cuspindo fogo e rindo da
tempestade, ele disse.

Enquanto Priest e Ashley remam em direção à sua


poderosa popa, eu não consigo parar de olhar para suas linhas
elegantes e portas de armas piscando, admirando,
sorrindo. Apesar de tudo, sinto uma onda de orgulho
tremeluzente.

Meus companheiros de tripulação me cumprimentam com


folia. Aplausos, assobios e abraços de esmagar costelas me
carregam pelo convés superior. Em meio à briga de alegria, perdi
Priest e Ashley de vista. Os marinheiros me enchem de sorrisos,

PAM GODWIN
o ar carregado de suor, salmoura e luz do sol, enquanto me
puxam através da multidão, me fazendo girar para um lado e para
outro.

Um enorme par de mãos segura meu rosto, e lábios úmidos


e duros batem com força nos meus. Quando me inclino, os olhos
castanhos brilhantes de Reynold sorriem de volta.

“Seu irmão vai te matar por isso.” Sorrio.

“E eu morrerei feliz.” Ele agarra meus braços e os


estende. “Deus, Capitã, olhe para você!”

Estou com um vestido azul que ondula na altura do


quadril, deixando à mostra a calça listrada de marinheiro e as
botas pretas por baixo. O espartilho acentua as curvas e a
musculatura que não tinha arredondado meu corpo um mês
atrás.

A pedra de jade fica pendurada na minha garganta. Um par


de facas pendurado em minha cintura, junto com minha bússola
e cutelo. Não recuperei totalmente a força necessária para
empunhar uma arma tão pesada. Mas a lâmina do meu pai
pertence aqui, no meu quadril, bem perto.

“Seu chapéu, Capitã.” O grumete9 dá um passo à frente,


segurando o chapéu de três pontas.

Coloco-o na minha cabeça e levanto meu queixo para


encontrar seus olhos. “D'Arcy, acho que você cresceu bastante
desde a última vez que o vi.”

Manchas gêmeas escarlate florescem em suas bochechas


sorridentes.

Três meses atrás, Reynolds me empurrou pela proa e me


jogou em um caminho que nunca teria imaginado. Muita coisa

9
Praça inferior da Marinha, que a bordo faz a limpeza e ajuda os marinheiros nos diferentes trabalhos;
aprendiz.

PAM GODWIN
mudou desde a última vez que estive neste convés como Capitã
Sharp. Mas minhas coisas favoritas permanecem exatamente as
mesmas.

“Capitã.” Jobah caminha em minha direção, seus longos


braços me puxam para um abraço. “Bem-vinda à casa.”

Eu o aperto com força e fico na ponta dos pés para colocar


minha boca contra a pele negra de sua bochecha. “Eu sei sobre
a bússola.”

Sua risada retumba através de mim e eu o


empurro. Ombros para trás e coluna reta, tento ficar diante dele
como sua Capitã. Mas ele não consegue parar de rir.

Nem eu. “Da próxima vez, vou punir você.”

“Sim Capitã.” O maldito bastardo não acredita em


mim. Nem por um segundo.

Olho para Reynolds, séria. “Obrigada por me esperar em


Harbor Island.”

“A qualquer hora, em qualquer lugar, Capitã.” Seus olhos


vagam por cima do meu ombro em direção à escada. “Priest e
Ashley estão esperando. Você deve estar aqui para sua surpresa.”

“Evidentemente.” Começo a me virar, então olho de volta


para Jobah e Reynolds. “Vocês vem?”

Eles compartilham um sorriso e Reynolds diz, “Não


perderíamos isso.”

Momentos depois, estou em minha cabine e olho para o


minúsculo pergaminho na mesa.

“Essa não é a surpresa.” Encostado na parede ao lado de


Jobah, Priest esfrega o queixo bigodudo. “Continue. Todos os
homens neste cômodo já olharam.”

PAM GODWIN
Olho para Jobah, Reynolds e Ashley, suas expressões em
branco não revelam nada.

“Tive meus motivos para não lhes contar sobre o mapa”,


digo a eles. “Era meu segredo mais bem guardado. Presumo que
Priest tenha lhe contado sua história.”

Reynolds olha para suas botas e acena com a


cabeça. “Enquanto navegávamos de Harbor Island até a ilha dos
pássaros para trazer você de volta, ele contou tudo à tripulação.”

No momento em que fiz o mapa conhecido para Madwulf e


seus piratas, ele não era mais um segredo. Priest fez a coisa certa.

“Bom.” Respiro fundo e pego o pergaminho da mesa.

A sala fica em silêncio enquanto desenrolo a tira do


pergaminho que não é mais larga do que meu polegar. Aperto os
olhos, meus olhos varrem a imagem minúscula de um mapa no
topo.

A Oak Island? Cristo, a impressão é tão pequena que


preciso de uma lupa para lê-la. “Eu não posso...”

“Oak Island. É perto do Sholes of Acadia”, Jobah diz. “Eu


já planejei o curso, Capitã.”

“Acádia? Não fica ao norte do Grande Oceano Ocidental?”

“Extremo norte. Entre a Nova Inglaterra e a Terra Nova.”

“O que diabos meu pai estava fazendo lá em


cima?” Examino o resto do pergaminho, encontro descrições
detalhadas da localização escondida do tesouro na ilha. “Algum
de vocês já esteve tão ao norte?”

Um coro de não ressoa.

“Bem, então estamos nos preparando para uma


aventura.” Com um arrepio no sangue, gesticulo para as argolas

PAM GODWIN
de ouro na orelha de Reynold. “Se tivermos sucesso, você não
precisará disso.”

Como a maioria dos piratas, ele usa os ornamentos como


forma de pagar por um enterro respeitável no mar quando
morrer.

“Você vai ter ouro em seus dedos e pendurado em seu


pescoço”, falo.

“Sim.” Ele me lança seu sorriso.

“Quando é que vamos navegar?” Olho diretamente para


Ashley.

Ele me olha de volta, e sei que ele não aceitará se juntar a


nós. Não facilmente. Antes de partirmos, ele aprenderá a nunca
dizer não à fúria de uma mulher.

“Navegaremos quando você estiver pronta, Capitã.” Priest


aperta minha mão e me leva para fora da cabine. “Primeiro, temos
algo para lhe dar.”

Sigo-o pelos conveses inferiores, pelas escotilhas e ainda


mais fundo, até chegarmos ao porão.

Meu estômago endurece. A última vez que estive aqui,


Priest estava lá embaixo, preso com ferros, com bolhas nas mãos,
porque eu o expus cruelmente às laranjas.

“É a minha vez?” Sorrio, um som tenso e sem humor, e


encontro seus olhos. “Você vai me algemar lá e se acariciar
enquanto eu assisto?”

“Jesus.” Reynolds tosse em seu punho.

Jobah dá uma risadinha e Ashley ergue uma sobrancelha.

“Por mais que eu ame essa ideia...” Priest leva minha mão
à boca e beija os nós dos dedos. “Seu presente é de uma natureza
muito diferente.”

PAM GODWIN
Ele olha para o suporte de facas em volta da minha cintura,
me confundindo. Então abre a escotilha e me leva para o porão.

Na parte inferior da escada, não sei o que espero


encontrar. Mas quando me viro, perco o fôlego, não era isso.

Madwulf está acorrentado à parede.

Vivo.

PAM GODWIN
CINQUENTA E TRES

Meu coração incha, vira-se e mergulha em uma tempestade


violenta. Tiro o cutelo do cinto em volta do meu quadril, meu
braço ferido treme sob o peso do aço, enquanto grunho para o
monstro diante de mim.

“Calma, Cachinhos Dourados.” Ashley fica nas minhas


costas, perto o suficiente para respirar contra meu
ouvido. “Ipswich não o manteve vivo por dois meses para que você
o derrube com um golpe.” Sua voz baixa deliciosamente
sombria. “Saboreie.”

Madwulf pendurado em correntes, nu, mutilado e


brilhando com dor, olhos injetados de sangue. Sua boca se abre
e baba enquanto ele grita tolices distorcidas. Sem língua. Suas
orelhas sumiram. Assim como seus dedos das mãos e dos pés e
um braço inteiro.

As extremidades ausentes foram tratadas para impedir a


infecção. Ipswich é um mestre nisso. Muitos homens da minha
equipe mancam muito bem com pedaços de madeira após os
cuidados de Ipswich.

O resto de Madwulf parece intacto. Coberto de hematomas,


velhos e recentes, sua pele imunda com crostas de

PAM GODWIN
sangue. Alguém raspou sua cabeça e rosto, privando-o daquilo
que ele amava.

“Todo esse tempo...” Solto uma névoa sufocante de


memórias negras. “Eu pensei que ele estava morto.”

“Nós deixamos você pensar isso.” Priest encosta-se na


parede oposta e cruza os braços. “Não queríamos que sua
sobrevivência sobrecarregasse ou distraísse você enquanto
trabalhava tanto para se curar.”

“Você me trouxe pés decepados e outras partes do corpo


que ele claramente ainda mantém.” Esfrego minha cabeça, tento
lembrar. “Eu imaginei isso?”

“Não. Aquelas pertenciam aos homens envolvidos na sua


tortura. Ashley e eu coletamos suas almas com a própria tábua
de madeira que usaram em seu corpo.”

Eu tremo. Estremeço. Então sorrio. “Este é o meu


presente?”

“Sim.” Priest inclina a cabeça para Madwulf. “Mostre a ele


como você é absolutamente feroz, meu amor.”

Ashley me circula, levanta o cutelo da minha mão trêmula


e passa-o para Priest.

“Madwulf não sabe de nada.” Ele se inclina e segura meu


rosto. “Ele está apodrecendo aqui por dois meses sem respostas
sobre como você o enganou. Diga a ele.” Uma sombra passa por
sua expressão, ameaçadora, mortal. “Faça-o sentir a dor que
infligiu a você quando destruiu a carta de seu pai.”

Minha mente dispara com planos sanguinários, minhas


veias fervilham com a depravação de meus pensamentos.

Ashley tira uma adaga da minha cintura e pressiona-a


contra minha mão. Então ele tira meu chapéu da cabeça, beija

PAM GODWIN
meus lábios e se junta a Priest, Jobah e Reynolds ao longo da
parede oposta, estabelece-se para assistir.

Ah, por onde começar?

“Sífilis.” Grunho em direção ao Highlander, casualmente


aparo uma unha com a faca. Quando o alcanço, coloco meu rosto
no dele, lanço-lhe meu olhar mais perturbador por baixo dos
meus cílios. “Priest e eu não temos infecções ou doenças.”

Enquanto conto a Madwulf sobre a reação de Priest às


laranjas, a localização do Jade em Harbor Island e minha isca
com a ilha dos pássaros, arranco a carne de seu corpo, faixa por
faixa desprezível. Corto e pico em cubos até que os ossos brilhem
à luz da lanterna. Tiro seu nariz, esculpo seus olhos e o liberto
da carne podre e enrugada entre suas pernas.

Eu me glorifico no fluxo de sangue. Não trará de volta a


carta do meu pai, mas me sinto vingada por livrar a terra de um
mal que nunca mais ameaçará a filha de um fazendeiro ou
separará uma senhora pirata daqueles que ela ama.

Quando ele expele seu último suspiro, me sinto purgada.

“Eu não me apressei, não é?” Limpo a lâmina


ensanguentada em um pano.

“Você está nisso há quase duas horas.” Reynolds se levanta


de sua posição no chão e caminha em direção à escada. “Acho
que vou vomitar agora.”

“Em minha terra natal”, Jobah diz, “Amarramos nossos


inimigos a postes e os colocamos sobre o fogo, logo acima do
lamber das chamas, cozinhando-os vivos de dentro para fora
durante dias.” Ele sorri, cheio de dentes e lealdade selvagem.

“Acredito que Jobah simplesmente se ofereceu para limpar


o sangue.” Priest dá um tapinha no ombro do timoneiro, rindo.

PAM GODWIN
No final, todos nós carregamos os restos mortais de
Madwulf. O presente, então foi dado às gaivotas e aos vertebrados
de sangue frio que vivem na baía.

À noite, durmo pacificamente nos braços de um pirata e de


um caçador de piratas. Mas quando acordo, ainda está escuro e
os braços sumiram.

Levanto minha cabeça, ouço os tons abafados virem do


outro lado do quarto.

“Quando?” Priest caminha em frente à lareira.

“Semana que vem.” Ashley se esparrama em uma poltrona


próxima, tomando um gole de um licor de âmbar.

“Você não vai continuar com isso.” Priest gira, seu sotaque
pesado e abafado. “Não vou permitir isso.”

“Conversei com meus pais.” Ashley olha para sua


bebida. “Não há como evitar.”

“Você é fraco.”

“E você é ingênuo. Sempre esteve com seus malditos ideais


caprichosos.” Ashley bebe o resto do copo. “É como se nunca
tivesse crescido. Nunca saiu desta sala. Não somos mais meninos
descuidados, Priest. Esta é a vida. A luta de ser adulto. Sempre
soubemos o que tínhamos...” Ele se endireita. “Nós sabíamos que
acabaria eventualmente.”

“Felicidade. É disso que você fala.”

“Sim. Nós somos felizes.” Ashley coloca o copo vazio de lado


e suspira. “Esse sentimento não se encaixa na minha vida.”

Meus músculos se contraem e ficam tensos, minha


respiração acelera. Mas fico quieta, finjo dormir, espero.

PAM GODWIN
“Então, qual é o seu plano.” Priest gira em sua direção, seu
sussurro ferve. “Você vai deixar uma carta para ela e fugir como
o covarde que se tornou?”

“É diferente desta vez.” Ashley passa a mão pelo rosto, a


voz abatida. “Ela tem você.”

“Ela quer nós dois. Não subestime sua obstinação, meu


amigo. Ela vai cortar seu lindo botão de rosa antes do fim das
núpcias.”

Núpcias? É a isso que Ashley se refere na próxima semana?

Cerro minha mandíbula, contraio os dedos.

“Ela te contou a história sobre o marquês de


Grisdale?” Priest dá uma risada vazia. “Ela tinha apenas
quatorze anos e...”

“Sim eu conheço.” Ashley se levanta, seu olhar dispara em


minha direção. “Vou caminhar.”

Priest o segue para fora do quarto.

Ashley me viu acordada? Acho que não. De qualquer


forma, não vou deixar a conversa se afastar de mim.

Coloco uma camisola e sigo o som de suas vozes através da


mansão. Um labirinto de corredores me leva por tochas e
pinturas douradas. Já é tarde e todos os criados dormem em seus
aposentos no extremo oposto da propriedade.

Por salões e grandes salas, sigo sem ser detectada. Quando


encontro-os na cozinha, deslizo para uma alcova sombreada do
outro lado do corredor.

“Enquanto eu estava em Londres, enforcaram outro casal


por sodomia.” Ashley está de pé junto à longa mesa de madeira,
as mãos apoiadas na superfície marcada. “A condenação dos dois
homens baseou-se inteiramente no boato de um proprietário e

PAM GODWIN
sua esposa, que alegaram ter testemunhado o crime pelo buraco
da fechadura de uma porta. Seu depoimento descreveu atos
anatomicamente impossíveis, e não houve outras testemunhas
ou evidências.” Com os olhos fixos à sua frente, ele parece estar
inconscientemente fascinado pelos arranhões na mesa. “O
carcereiro escoltou os supostos amantes até a forca com outros
doze homens.”

“Pare com isso.” Priest se inclina e acerta o rosto dele. “Não


seremos nós.”

“Eles foram enforcados ao lado de ladrões, estupradores e


assassinos. Eu li a reportagem do jornal. A multidão de
espectadores assobiou e zombou. Não com os outros
criminosos. Não, sua repugnante desaprovação foi dirigida aos
dois homens que cometeram um crime em que ninguém feriu
ninguém.” Ele se endireita e se afasta de Priest, sua expressão
vazia. “Vou voltar para Londres amanhã. Tenho meu casamento
e obrigações a comparecer...”

“Você se apaixonou por dois piratas.” Corro para a cozinha,


minhas mãos em punhos em meus lados. “Eu sei que isso vem
com uma série de preocupações e dificuldades, então vamos
resolver isso agora mesmo.”

Nenhum dos homens parece surpreso com minha presença


abrupta. Eles deviam saber que eu estava bisbilhotando. Ashley
se move para colocar distância entre nós. Mas Priest o agarra e
joga-o com o rosto para baixo na mesa.

“Preocupação número um.” Fico ao lado deles e me abaixo


para encontrar os olhos zangados de Ashley. “Nem Priest nem eu
podemos dar-lhe filhos. Nenhum herdeiro significa que seu pai, o
primeiro visconde Warshire, será o último visconde.”

“Eu não me importo com isso.” Com a bochecha


pressionada na mesa e mantida no lugar pela mão de Priest, a
luz da vela cintila sobre ele e se comunica com seus traços duros

PAM GODWIN
e tensos, e cabelo despenteado. É a aparência de um homem
tentando desesperadamente controlar o que não pode ser
domado.

Eu já tinha percebido sua indiferença em relação às


crianças. Ele nunca mencionou o desejo de ser pai. Nunca
demonstrou interesse pelo assunto.

Abaixo-me, seguro sua virilha, onde ele se inclina sobre a


mesa, preso sob o corpo imóvel de Priest. Ele não está duro, mas
o toque íntimo parece acalmar sua derrota. Preciso de sua
atenção.

“Dois.” Acaricio-o com meu polegar, faço-o gemer. “Você


ama sua carreira e, para estar conosco, deve desistir dela, junto
com sua posição estimada no beau monde. Você se tornará um
desertor da Marinha Real, um status humilde até agora distante
de seu personagem robusto. Entendo o dilema e não estou
brincando com ele.”

“É uma decisão difícil”, Priest diz, sua voz um grunhido


baixo. “Mas não impossível.”

Ashley desliza o braço sobre a mesa e afunda a cabeça


nela. “Você está perdendo seu tempo.”

Priest me observa fixamente, seus olhos queimam com a


mesma ira que eu sinto. Mas há algo mais lá. Por trás da raiva
estão anos de decepção. Um homem só pode ser rejeitado
algumas vezes antes de partes dele começarem a se lascar. Ele
perdeu essa luta com Ashley repetidas vezes, e não espera que
desta vez seja diferente.

Mas são dois contra um agora. Priest não está sozinho.

“A terceira preocupação”, digo a Ashley, “É a que mais te


incomoda. A escolha de nós envolve grande perigo. Priest e eu

PAM GODWIN
somos procurados por muitos crimes, sendo a sodomia a menor
de nossas ofensas.”

“Sua preocupação com a forca não vai embora se você nos


deixar.” Priest segura os braços flexionados de Ashley, acerto seu
ponto com a intensidade de sua respiração. “Bennett e eu
seremos caçados para o resto de nossas vidas.”

Ashley para de lutar e olha para o nada, seus olhos


desfocados enquanto absorve nossas palavras.

“Eu contei a você a história dos meus pais.” Tiro minha


mão de sua virilha e me inclino sobre a mesa ao lado dele, espelho
sua pose. “No teimoso senso de dever da minha mãe, ela
abandonou meu pai e o deixou desolado e rejeitado. Ela pensou
que o estava protegendo, que se ficasse com ela, ela o deixaria
fraco e distraído. Ela acreditava que o relacionamento deles
levaria à sua execução final.” Minha voz quebra em uma espiral
de dor. “No final, meu pai foi enforcado de qualquer maneira, e
ela o seguiu.”

“Não somos seus pais.” Com seu rosto a centímetros do


meu, seus olhos azuis penetrantes, afiados e inflexíveis. “Esta
mansão é isolada, segura e a equipe é leal. Priest e eu nos
encontramos aqui há quatorze anos sem ser descoberto.”

“Então esse é o seu plano?” Eu me afasto da mesa, meus


ombros tremem de raiva. “Você pretende se casar com a virgem e
manter seus amantes imorais ao lado?”

A dor invade as feições de Priest. “Ele espera que o


encontremos aqui, em sua fortaleza de libertinagem e segredos
imundos, ano após ano.” Ele se inclina, fervendo no rosto de
Ashley. “Enquanto isso, sua viscondessa não perceberá suas
maneiras indecentes enquanto permanecer em Londres e criar
seus herdeiros. Essa é a sua solução?”

PAM GODWIN
“Sim.” Uma sílaba, emitida com o frio implacável do
decoro. “É tudo o que posso oferecer.”

Vejo vermelho, me forço a piscar e lentamente controlo meu


temperamento.

“Quando você escolheu a Marinha Real em vez de Priest,


você fodeu com ele e o deixou.” Caminho ao longo da parede de
trás, olho para uma fileira de facas de cozinha e tiro uma pesada
do cabide. “Vou ser honesta, Ashley. Eu entrei aqui um momento
atrás com visões de Priest fodendo você sobre esta mesa e saindo
comigo depois. Talvez uma dose do seu próprio remédio o faça
correr atrás de nós. Mas não precisamos mais nos machucar
neste relacionamento. Nós três já sentimos dor e solidão o
suficiente para durar uma vida inteira, você não acha?” Olho
para Priest. “Deixe-o levantar.”

Eles se levantam ao mesmo tempo. Ashley endireita a


camisa e recua alguns passos, encosta as costas na
parede. Priest baixa as mãos sobre a mesa, ligeiramente curvado,
observa-nos por baixo da sobrancelha escura.

Ashley nem tenta argumentar ou expor seu caso. Sua


nobreza e lealdade inglesas ao rei estão tão profundamente
enraizadas que ele não se voltará contra ela para lutar por seus
próprios sonhos. Ele deixará Priest e eu sairmos de sua vida
porque ele realmente acredita que não tem permissão para nos
ter.

De certa forma, sou igualmente tacanha e teimosa, pois


não vejo outro futuro plausível do que viver em meu navio com
ele e Priest ao meu lado. Ameaçarei Ashley, e se isso não
funcionar, vou capturá-lo da mesma forma que ele me
capturou. Mas primeiro, vou tentar alcançá-lo com minha voz.

Ao lado de Priest, agarro seus dedos com uma mão e seguro


a faca ao meu lado com a outra. Do outro lado da cozinha, Ashley
me olha, usa a máscara engomada e impassível que tanto odeio.

PAM GODWIN
“O grande propósito da vida é o amor.” Encontro seu olhar,
meu coração bate forte e claramente por trás de cada
palavra. “Para sabermos com certeza que existimos, devemos
amar e ser amados, mesmo na dor. É a febre inexplicável dentro
de nós, que nos leva à batalha, ao sacrifício e à rendição. Negue
isso, Ashley, e tudo que restará a você é um vazio faminto.”

Priest aperta sua mão na minha, seus dedos quentes e


trêmulos. Seu investimento emocional em Ashley é palpável.

“Se você partir para Londres amanhã”, falo, “E se casar com


uma mulher pela qual não sente nada, está escolhendo a
solidão. Não posso deixar você fazer isso. Porque eu amo
você. Vou não deixá-lo acabar como minha mãe. O medo a
afastou do meu pai. Medo por sua segurança e sobrevivência. Ela
escolheu a solidão ao invés do perigo e do amor. Nos quatorze
anos que a conheci, não houve brilho em seus olhos. Sem
sorriso. Ela usava uma máscara imponente como você, mas eu
sentia intensamente o que ela escondia por baixo. Você sabe o
que era isso?”

“Um vazio faminto.” Sua voz dura é uma tentativa de


apatia. Contra-argumentos surgem do outro lado dela. Mas mais
perto, bem ali em seus olhos, está o homem que amo, agarrado a
cada palavra.

Porque seu coração sabe que estou certa. Sua cabeça dura
só precisa de tempo para chegar a um acordo.

“Você vai romper o noivado.” Giro o cabo da faca em minha


mão, calculo o peso e o comprimento da lâmina. “Desertar da
Marinha Real. Faça todos os arranjos necessários com seus pais
para transferir suas obrigações. Eu sei que é um inferno
impressionante desistir enquanto estou aqui, sem sacrificar
nada. Mas eu juro por Deus, se os papéis fossem invertidos, se
desistir da minha vida, Jade, minha tripulação, o mar, o tesouro

PAM GODWIN
do meu pai, significasse que poderíamos estar abertamente
juntos em sua vida, eu o faria. Eu abriria mão de tudo e
escolheria você e Priest, sem dúvida.”

“Isso é intolerável.” Ele exala o porte de um Comodoro, sua


voz revestida de aço. “Você não pode me pedir para...”

“Não estou pedindo que você nos escolha, Ashley. Estou


exigindo isso. Se você nos abandonar, vou caçá-lo como um
animal.”

Ele se endireita, os dentes à mostra e os olhos


brilhando. “Não se atreva a ameaçar...”

Lanço a faca. Ela gira, de ponta a ponta, pela cozinha e cai


com um baque na parede ao lado de sua cabeça. Ele congela, sem
fôlego, seu olhar corta para o lado e se estreita na lâmina que se
projeta não mais do que a largura de um bigode de sua bochecha.

Ele puxa a faca enquanto Priest caminha em sua


direção. Seus olhos se encontram, suas posturas duras e
combativas. Mas quando Priest ergue sua mão, não é para
desferir um soco. Seus dedos se enrolam na nuca de Ashley e
unem as testas.

“Talvez eu devesse ter dito isso anos atrás.” Priest fecha os


olhos e solta um suspiro. “Eu não sabia como colocar em
palavras.”

“Não faça isso.” Ashley agarra os ombros de Priest, sem


empurrar nem puxar, enquanto ele cerra os dentes. “Não faça
isso.”

“Eu não sei como chamar isso... essa coisa invisível que nos
envolve com tanta força. Tudo o que sei é que quero protegê-lo,
guardá-lo com minha vida e nunca deixá-lo ir. Isso não é algo que
precisa ser consertado ou enterrado. É cru, honesto e perfeito, e
você sabe muito bem disso.” Priest se recosta o suficiente para
sustentar o olhar de Ashley. “Eu te amo.”

PAM GODWIN
O peito de Ashley se contrai, sua expressão tão
desprotegida que sinto seu desejo em meus ossos.

“Você gosta de me ouvir dizer isso a você?” Priest enreda as


mãos nos cabelos de Ashley, segurando seu rosto. “Eu te amo e
vou continuar lutando por nós. Mas desta vez, vamos fazer do
jeito de Bennett. E uma palavra de advertência. A última vez que
cruzei com ela, acordei algemado no porão do seu navio com um
golpe violento na cabeça.”

Meu peito aperta quando Priest o solta e se junta ao meu


lado.

“Jade partirá ao amanhecer do dia do seu


casamento.” Endireito meus ombros e levanto meu queixo. “Nós
três estaremos naquele navio.”

Ashley nos olha com tanta força que uma veia salta em sua
testa.

Sem outra palavra, Priest agarra minha mão e me leva para


o corredor.

Descemos as escadas e túneis sob a mansão. Então, no


meio da noite, remamos com o bote até o Jade. Nossas armas, a
bússola e o mapa, tudo o que importa para nós está no navio.

Exceto Ashley.

Mas ele virá. Nunca estive mais confiante em nada na


minha vida.

PAM GODWIN
CINQUENTA E QUATRO

Uma semana depois, estou na varanda da minha cabine


particular no Jade, olho para o cais que leva à mansão de
Ashley. A brisa fresca do crepúsculo beija minha pele, esfria meu
corpo nu. Mas não convence meu humor. Eu me sinto quente,
inquieta, ansiosa para zarpar.

Hoje é o casamento de Ashley.

O sol coroa o horizonte distante, queima a parte inferior do


céu escuro em tons de âmbar rosa e cinza. Conforme o
amanhecer se aproxima, as sombras se deslocam ao redor do
cais. Estreito meus olhos, digo a mim mesma que um nobre está
parado lá como se isso possa realmente fazer um se materializar.

“Volte para a cama.” O tom de barítono rouco de Priest


flutua do colchão atrás de mim.

Mordo minha unha do polegar, meus olhos grudados no


cais.

O navio range. Passos soam. Braços me envolvem por trás,


e seu corpo quente, nu como eu estou, pressiona contra minhas
costas.

PAM GODWIN
“Muito tempo se passou entre os ataques.” Ele puxa minha
mão da boca e inspeciona minhas unhas. “Você as roeu até o
sabugo.”

“Tenho saudades do mar aberto. Eu preciso navegar.”

“Em breve.” Ele inclina seu quadril contra minhas costas,


deixa-me sentir o estado de sua dureza matinal.

Ele está sempre em um estado de dureza. O homem tem o


apetite de um lobo na época de acasalamento.

Suas mãos percorrem meu quadril, acariciam para cima e


circundam meus seios nus. Enquanto esperamos por Ashley,
passamos a última semana nesta cabine, na cama, no chão,
contra a parede, curvados sobre a mesa, balançando contra
qualquer superfície que pudesse nos apoiar.

Eu sabia que ele estava preocupado com Ashley. Mas ao


invés de falar sobre sua energia nervosa, ele preferiu as foder
enquanto estava entre minhas pernas. Foi também uma forma de
me mostrar o seu compromisso. Não apenas de corpo, mas seu
compromisso com a alma. Ele estava aqui comigo, me
escolhendo, não importa o quê.

“Enquanto você olhar para aquela doca, ele não vai


aparecer.” Sua boca causa estragos nas partes sensíveis do meu
pescoço.

Reynolds passou o mês anterior preparando Jade para a


jornada de seis semanas pelo Oceano Ocidental. Comida, água,
lenha, tudo que precisamos foi coletado e transportado para
bordo. A única coisa que falta é Ashley.

“Ainda não amanheceu.” Lambo meus lábios, observo as


mãos de Priest, musculosas e bronzeadas, massagearem os
globos brancos do meu peito. “Ele estará aqui.”

“Qual é o seu plano se ele não vier?” Ele belisca um mamilo.

PAM GODWIN
“Vou amarrar minhas lâminas, roubar o cavalo mais rápido
em seu estábulo, cavalgar como o vento para Londres e chegar
antes que ele liberte sua noiva de sua virgindade.”

“Você vai matá-la.”

“Depende. Se ela estiver enrolada no chão e chorando de


medo, talvez eu fique com pena.”

“Se seus olhos virgens verem o tamanho do seu pau, ela


sem dúvida estará nessa posição.”

“Ah, sim, sua linhagem superior.” Balanço minha cabeça e


rio. “Suas palavras.”

“Idiota arrogante.” Seu sorriso faz cócegas em meu


pescoço. “Acho que o alcançamos.”

“Você acha?” Viro-me em seus braços para ver seu belo


rosto de bigode.

“Sim.” Ele abaixa a cabeça e captura meus lábios.

É um beijo suave e lânguido, que atrai minha boca à dele


em goles irresistíveis.

“Você não acredita por um minuto que ele se casará com


ela”, falo entre varreduras de sua língua.

“Não. Mas...” Sua mão desliza pela minha barriga lisa e


pressiona firmemente contra as dobras entre as minhas
pernas. “Uma semana não é tempo suficiente para ele acabar
com sua vida em Londres e vir embora. Ele não chegará aqui
dentro do seu prazo.”

Ele afunda o dedo dentro de mim. Engulo em seco, tento


lutar contra isso. Ele acaricia um ritmo explosivo contra minha
pele. Gemo, tento lutar contra. Seu outro braço firma seu aperto
em volta das minhas costas, e ele começa a me distrair da minha
vigilância no cais.

PAM GODWIN
Tento lutar contra isso até que acabo na mesa da cabine
com seu pau enterrado até o punho.

Seus lábios tiram meu foco, beijam e sugam meus seios,


enquanto ele balança em um ritmo agonizantemente
lento. Minhas mãos se enrolam ao redor de seus ombros largos,
meu quadril estica-se desenfreadamente em direção ao dele.

Enquanto eu recuperava minhas forças na mansão, ele


reconstruiu a sua própria. Ele brilha nos músculos rígidos do seu
peito e abdômen enquanto se flexiona em mim repetidamente.

A masculinidade rude irradia dele, especialmente no calor


da paixão. Ele personifica o perigo primordial, o poder e algo
mais. Algo que atende às necessidades instintivas de uma
mulher.

Ele é um protetor, um provedor e um amante


incomparável. A maneira como usa os lábios e move o corpo é e
sempre será uma das minhas maiores fraquezas.

“Goza no meu pau, Bennett.” Ele geme as palavras


aquecidas em minha boca.

Respondo instantaneamente, tremo, ofego e me agarro ao


seu lindo olhar encoberto. Enquanto ele me segue com sua
própria liberação, o som do molinete do Jade começa a se mover.

Nós congelamos, compartilhamos um olhar arregalado.

“Eles estão zarpando.” Meu peito aperta com força


enquanto ouço os sons do que é inegavelmente a âncora sendo
içada do mar. “Por que eles estão zarpando?”

A porta se abre e viramos nossas cabeças.

Ashley permanece no brilho dourado da luz do amanhecer,


seus olhos em chamas com uma sensação de autonomia. Sua

PAM GODWIN
postura está devidamente rígida, mas menos... abafada. Ele
parece livre, independente e autônomo.

O alívio me atinge em ondas gloriosas de calor, e o pau de


Priest palpita dentro de mim. Ele acaricia minha coxa
distraidamente, seu olhar fixo em Ashley. Então ele puxa para
fora e puxa-me para sentar na mesa.

Ashley usa uma camisa de cetim branco, aberta no


colarinho. Sem gibão ou colete. Sem punhos de renda ou botões
incrustados de joias. As botas cobrem seus pés. Botas. Suas
pernas, longas e elegantes, estão envoltas em calça de couro
marrom, como eu nunca o vi usar.

A espada que ele carrega em seu quadril não é um


cutelo. Mas é prática, do tipo usado para cortar e sobreviver, em
vez de praticar esportes. Com seu cabelo em um corte curto, rosto
bem barbeado e porte perfeitamente ereto, ele não parece um
pirata.

Seu físico musculoso é o de um marinheiro, com


certeza. Mas ele o veste com tecidos dos armarinhos e sapateiros
mais caros.

Ele parece um príncipe pirata.

Elegantemente masculino.

Extremamente confiante.

Maravilhosamente masculino.

Sento-me na beira da mesa e cruzo as pernas, posicionada


como uma dama, como se não estivesse nua e recém-
fodida. “Você está atrasado.”

“Estou?” Ele fecha a porta atrás de si, sua boca se contrai


na sombra de um sorriso, implorando para ser beijado. “Cheguei

PAM GODWIN
duas horas antes do amanhecer. Dei a Reynolds a ordem de
zarpar, já que você estava indisposta. E sentindo minha falta
terrivelmente, eu vejo.” Seu olhar vaga pelo meu corpo. “Abra
suas pernas.”

Jade geme e range com o bater das ondas. Ela está


oficialmente em movimento, seguindo para o tesouro do meu pai.

“Você está aqui há duas horas?” Arqueio uma


sobrancelha. “O que foi...?”

“Tenho algumas exigências neste acordo.” Ele caminha em


minha direção e aponta um dedo na direção da minha
buceta. “Abra.”

Priest veste uma calça do armário, seus olhos brilham com


diversão. Não há ajuda aqui.

Ah, que raio. Inclino-me em meus braços e abro minhas


pernas.

Ashley coloca a cadeira diante de mim e senta-se nela,


reclina-se, com o olhar fixo no meu. “Vendi minhas
propriedades. Todas menos uma. O feudo no penhasco, seus
inquilinos, funcionários e terras permanecem em minha
posse. Eu entendo que você deseja viver neste navio, e eu
permanecerei ao seu lado. Mas exijo visitas anuais à Inglaterra,
nós três, e assim chamaremos a mansão de nossa segunda casa.”

Balanço a cabeça, sorrio, amo-o com todo o meu coração.

“O que aconteceu com seus pais?” Priest está sentado na


cama, de costas para a parede e um braço pendurado sobre um
joelho dobrado.

“Eles estavam tão absortos no que eu estava perdendo que


nunca perguntaram o que eu ia ganhar em troca. Eles acreditam
que eu fiquei louco.”

PAM GODWIN
“Talvez, com o tempo, vão sentir sua falta o suficiente para
perguntar”, falo.

“Talvez. Talvez não.” Sua expressão não mostra tristeza


nem alívio. Esta não é uma máscara. Ele está genuinamente
indiferente sobre isso. “Dada a companhia que mantenho agora,
minhas respostas seriam mentiras de qualquer maneira.” Ele
coloca a mão na minha coxa, seu polegar me acaricia
distraidamente. “Terminei o noivado pessoalmente e acho que a
jovem pareceu aliviada. A Marinha Real, no entanto, é um
assunto diferente. Meus superiores não saberão que desertei até
que percebam que parei de reportar.”

Minha pulsação acelera com seu tom sombrio. “Você vai se


arrepender disso?”

“Desisti de muito.” Ele agarra minha cintura com as duas


mãos e dá um beijo entre meus seios. “O que ganhei é
precioso. Inestimável. Um valor muito grande para medir.” Ele
troca um olhar afetuoso com Priest e volta para mim. “Obrigado
por me ajudar a entender isso.”

Meu coração dispara e minha boca treme. Olhamos um


para o outro, e querido senhor, há muito amor nesse olhar. Eu
me sinto cheia e aquecida com isso, estourando nas costuras.

“Ah, Ashley, adoro quando você é sentimental.” Endireito


meu sorriso. “Agora me diga o que estava fazendo no meu navio
nas últimas duas horas.”

Um cobertor de imobilidade cai sobre ele enquanto seu


semblante assume a severidade de um homem no comando de
uma sala.

“Este é o seu navio.” Ele coloca uma mão levemente


enrolada contra minha bochecha, usa a parte de trás de seus
dedos para afastar suavemente meu cabelo. “Lá em cima, você é
a Capitã. Eu nunca vou minar você na frente de seus

PAM GODWIN
homens.” Sua mão fica rígida no meu cabelo, captura um punho
cheio de mechas. “Na privacidade de nossos aposentos, sou seu
Comodoro e captor.”

Meu peito se ergue em um arrepio de prazer. Eu comando


o navio. Ashley comanda o quarto. Priest, por outro lado, é um
homem de muitos talentos. Habilidades adquiridas por meio de
seus papéis como lacaio, artilheiro, capitão pirata, marido e
libertino. Mas o que ele favoreceu é sua posição como Valete da
Câmara. Ele cuidou de Ashley por anos e foi flagrantemente claro
sobre suas intenções em fazer o mesmo por mim. Ele é a espinha
dorsal do nosso relacionamento de três partes.

“Ela vai concordar com isso”, ele fala lentamente da cama,


observando minha reação, “Até que você tente vesti-la com fitas,
rendas e outras bobagens com babados.”

Verdade. Reprimo um sorriso.

“Eu prefiro ela sem roupas.” Soltando meu cabelo, Ashley


agarra minhas coxas e me espalha ainda mais. “Jesus, você me
deixa duro.” Sua mandíbula fica tensa enquanto ele olha para
minha buceta. “Posso ver sua semente pingando de você. Você é
uma visão maldita e pecaminosa, que faria o diabo chorar.”

Espero que ele me toque lá, mas sua expressão fica


pensativa. Vigilante. Ele não terminou de listar suas demandas.

“Eu quero um casamento.” Seu olhar incisivo se volta para


o meu, para Priest e de volta para mim. “Não me importo com
formalidades ou cerimônia. Eu quero um casamento que seja
reconhecido por vocês dois.” Ele aperta uma mão possessiva
entre minhas pernas. “Você será minha esposa, ligada a mim da
mesma forma que está ligada ao Priest.”

Correntes de alegria balançam sob a quilha do meu


coração.

PAM GODWIN
Priest cruza as mãos sobre o abdômen, os olhos prateados
em Ashley. “Depois de tudo o que passamos, já considero nossa
tríade uma união vinculante. Ela é nossa esposa. Sua e
minha. Se você precisar de uma declaração formal, eu darei.” O
canto de sua boca torce quando ele olha para mim. “Ela é a Sra.
Cutler, Sra. Farrell, Capitã Sharp, Benedicta Leighton...”

“Cachinhos Dourados.” Ashley estuda meu rosto. “Eu te


amo. Seja minha esposa.”

“Já sou. Sua esposa, sua amante, sua prisioneira, uma


pirata que ama você e seu melhor amigo acima de tudo. E
seremos cegados por nosso amor pela vida e além dos confins do
mar.”

“Por Deus e pelo diabo, você é uma mulher tão


deliciosamente bonita que não consigo pensar além da minha
necessidade de estar profundamente enraizado entre suas
coxas.” Ele respira fundo e esfrega os olhos. “Só mais alguns
assuntos para discutir, como o que tenho feito nas últimas duas
horas.” Seus lábios se contraem. “Visitei Jobah em sua cabine.”

Minha cabeça joga para trás. “Por quê?”

“Desejo propor o fim das incursões e pilhagens dos navios


de Sua Majestade por sua tripulação. Posso ser um desertor da
Marinha Real, mas ainda sou um inglês que ama seu
país. Entendo que todas as decisões importantes são tomadas
por voto popular e, portanto, escritas nos Artigos. Mas não foi por
isso que procurei Jobah. Eu tenho outra proposta para seus
homens e a examinei primeiro.”

“Que proposta?” Pergunto. “Por que Jobah? Eu sou a


Capitã deste navio.”

“Direi a você assim que resolver os detalhes. Deixe de lado


sua impaciência e me dê sua confiança, mulher.”

“Bem.” Solto um suspiro. “Você tem isso.”

PAM GODWIN
“Muito bom.” Ele se levanta e faz sinal para que eu me
vire. “Curve-se sobre a mesa.”

Meu pulso acelera e um arrepio agarra minha espinha. “Da


última vez que você deu essa ordem, bateu na minha bunda até
eu não conseguir sentar.”

“Então você sabe o que está por vir.” Ele cruza as mãos
atrás das costas e olha para mim com seu nariz arrogante.

“Você vai me bater? Por que razão?” Olho para Priest como
se ele pudesse ter a resposta.

“Não o faça esperar.” Priest não se move de seu lugar


esparramado na cama, o bastardo.

Meu sangue formiga quando me viro e inclino sobre a


mesa. “É você estabelecendo seu papel como meu captor no
quarto?”

“Este sou eu, batendo em sua bunda pela barganha


imperdoável que você fez com Madwulf. Por se colocar em suas
mãos e longe de nossa proteção. E por me deixar uma semana
atrás, depois de fazer exigências e tentar dirigir nossas vidas
em seus termos. Essa relação é uma democracia de três vias, não
uma ditadura governada por uma mulher insolente.”

“Diz o homem que ditou que eu me dobrasse para...”

A batida de sua palma contra minha bunda quebra meus


pensamentos e rouba minha respiração. Então ele bate
novamente. E de novo. Com uma grande mão aberta e um braço
impiedosamente forte, ele me dá uma palmada brutal,
apaixonada e sem piedade. Ele ateia fogo na minha pele até que
eu sinto cada grama de medo e raiva que ele experimentou como
resultado de minhas ações. No momento em que ele se endireita
e ajusta suas roupas, estou devidamente me desculpando e
igualmente excitada.

PAM GODWIN
Ele não terminou.

Antes que eu possa me levantar da mesa, ele se empala


dentro de mim. Com suas estocadas e seus beijos, ele demonstra
o quanto sentiu minha falta enquanto Priest assiste com
aprovação.

Aqui, agora, finalmente, eu possuo o que Ashley havia


avisado que era tão aterrorizante.

O amor me perseguiu, me capturou, gerou a loucura e, sim,


deixou um mar de ruína em seu rastro. Mas a devastação foi
embora. O céu clareou e agora estamos calmos, livres, navegando
nos ventos da nossa paz conquistada a duras penas.

Mais tarde, nos vestimos, comemos e saímos da cabine


para que eu possa fazer minha ronda pelo convés.

Nós três passeamos lado a lado no ar salgado, falamos


sobre o tempo, o mapa detalhado do meu pai, a viagem de Ashley
a Londres e a vida que ele está deixando para trás. Rimos,
fofocamos e nos deleitamos na liberdade da companhia um do
outro.

Liberdade. Todos nós sentimos isso.

É o início de uma nova vida, uma nova viagem, com um


destino emocionante.

A emoção que zumbe sob minha pele é inebriante. Dados


os sorrisos em seus olhos, eu sei que eles estão embriagados com
isso também.

Nessa noite, eu os observo se agarrar. Não por raiva ou


agressão. Eles se reúnem em uma linguagem de proximidade,
apertam os braços em torno de um vínculo que foi forjado
durante vinte anos de provações e lealdade.

PAM GODWIN
Quando seus corpos musculosos e duros se juntam e se
movem como um só, fico pasma, hipnotizada, incapaz de desviar
o olhar.

Eles se revezam um dentro do outro, acariciam, agarram,


acasalam. Eles tentam me atrair, mas encontro uma quantidade
excessiva de inclusão e prazer em observá-los. É profundo,
comovente, profundamente bonito.

Quando eu era criança, prometi ao meu pai que me casaria


com um homem com sua força e espírito. Um homem que me
amasse acima de tudo.

No final das contas, eu me curvei nessa promessa.

Eu me casei com dois.

PAM GODWIN
CINQUENTA E CINCO

Outubro de 1721
Oak Island, Província da Nova Escócia

Levamos quase dois meses para cruzar o Grande Oceano


Ocidental e navegar para o norte ao longo da costa da Nova
Inglaterra. Mais um mês foi gasto transportando ferramentas
pesadas e provisões através da ilha desabitada coberta de
carvalhos, montando acampamento e cavando. Uma maldita
escavação sem fim.

Meu pai sempre me disse que eu era uma garota


aventureira. Sete anos após sua morte, ele me presenteia com a
aventura de uma vida.

O mapa nos conduziu para o interior da floresta e parou


em uma reentrância natural no solo. A escavação é
necessária. Talvez eu esperasse isso. Mas não tinha percebido o
quão fundo teríamos que escavar o chão da floresta.

Minha tripulação de 120 homens trabalha em turnos do


nascer ao pôr do sol, revezando-se na pá de terra e observando o
navio. O ar vibra de excitação a cada dia que passa à medida que
cavamos através de camadas de areia, lodo, argila e anos de

PAM GODWIN
folhagens crescidas. Com a promessa de riqueza tão próxima, há
poucas reclamações e muitos sorrisos.

“Estão lá.” Priest para no fundo do buraco de seis metros,


tão profundo quanto largo, e balança uma picareta na camada de
pedras. “Posso sentir isso.”

A dúzia de piratas ao redor dele balança a cabeça e


continua cavando.

“Você disse isso há uma semana.” Caminho ao longo do


topo do buraco em direção a Ashley e Jobah, onde eles estão
consertando uma pilha de pás quebradas. “Posso assumir aqui
se você precisar de uma pausa.”

Jobah assente, enxugando gotas de suor da testa. Passo a


ele uma bexiga d'água e me ajoelho ao lado de Ashley, entrando
no conserto.

“O que você acha que atraiu Edric Sharp para esta


ilha?” Olhos azuis encontram os meus, cintilam à luz do sol
manchada.

“Eu não sei.”

Este é um lugar antigo, rico em história de povos indígenas


há muito desaparecidos. Pedregulhos enormes marcam a terra
com símbolos de adoração religiosa, e trincheiras na terra
indicam rastros desgastados de humanos de outra época. Quem
veio e saiu daqui? Como meu pai soube disso? Ele havia
tropeçado na ilha durante suas viagens? Talvez essas respostas
estivessem em sua carta.

Um dedo acaricia minha bochecha, me tira dos meus


pensamentos. Olho para cima para encontrar Ashley esfregando
uma mancha de sujeira do meu rosto.

Atrevo-me a dizer que sua emancipação da nobreza inglesa


lhe convém. Ele sempre se portará com o porte de um senhor,

PAM GODWIN
mas sua postura perdeu a incômoda rigidez. Desde que deixou a
Inglaterra, ele se move livre e naturalmente em sua pele.

“Eu bati em alguma coisa!” Priest berra do fundo do


poço. “Bennett, traga seu traseiro aqui.”

Eu já estou me movendo, caio no aterro e rasgo minha calça


na minha pressa. No final, tropeço na direção de Priest e me
ajoelho perto de sua picareta.

“Isso é madeira.” Arranco a sujeira e a argila e corro minhas


mãos sobre a superfície de madeira abaixo. “Feito pelo
homem. Algum tipo de escotilha. Jogue-me um machado!”

Três horas depois, quebramos uma fortificação de madeira


que se estende por quase dois metros de largura e quase um
metro de profundidade. Quando o resto da madeira é arrancado,
todos se reúnem em volta, respiram fundo, o próprio ar em
silêncio e espera.

Eu esperava descer a uma caverna semelhante a um


palácio real que transbordava de baús de tesouro, prata
entalhada, joias de ouro, bugigangas, porcelana chinesa, marfim,
tecidos ricos e pinturas raras. Todos nós antecipamos isso.

Mas, em vez disso, descobrimos uma cova rasa revestida


com dezenas de sacos idênticos do mesmo tamanho e
formato. Sacos de sementes? Balas? Ou algo muito maior?

Ninguém se move quando deslizo para dentro do buraco e


abro uma das sacolas.

“Dobrões de ouro.” Meus pulmões se chocam, meu coração


sorri. Corro para o próximo saco. “Moedas de prata.”

Priest e Ashley pulam, ajudam-me a abrir bolsa após


bolsa. Elas estão todas cheias de moedas, pedras preciosas e
pérolas. O valor é insondável.

PAM GODWIN
Em uma gargalhada, eu me viro para Priest, me jogo em
seus braços e fecho nossas bocas.

Meu pai não apenas me deixou tesouro suficiente para


tornar cada homem a bordo do Jade rico além da
aposentadoria. Ele passou pela árdua tarefa de converter seus
despojos em uma moeda que fosse ideal para fácil transporte,
dividida entre a tripulação e usada como troca em propriedades
e mercadorias. Ele tinha pensado em tudo.

Meu barulhento bando de alcatrões do mar clamam pelas


moedas, uivam de alegria e cantam sobre a terra que comprarão
nas colônias e todo o rum que derramarão em suas goelas.

Priest me beija com entusiasmo, satura meus lábios com o


gosto salgado do suor e do mar. “Seu pai era um gênio.”

“Ele era tão altruísta e corajoso, você teria adorado ele.”

“Bennett, venha aqui.” Ashley está no meio do tesouro,


segura uma caixa rasa do comprimento de seu braço. “Isso estava
embaixo dos sacos.”

Minha pulsação martela enquanto escorrego dos braços de


Priest e vou até lá.

“Já passamos por tudo.” Ashley me entrega o objeto de


madeira, seu sorriso repleto de antecipação. “Há apenas um
desses.”

Largo a caixa, minhas mãos tremem quando abro a


tampa. Parece razoavelmente hermética, protegida dos
elementos. De dentro, retiro um pacote largo e plano embrulhado
em couro. As bordas parecem uma moldura gravada.

Demora uma eternidade para desembrulhar, meus dedos


rasgam camadas de tecido protetor e peles duras. Por fim, limpo
as coberturas e me vejo olhando para dois rostos familiares.

PAM GODWIN
“Deus me confunde de corpo e alma.” Caio de joelhos,
minha mão treme muito violentamente para tocar a tela. “Eu não
acredito nisso.”

O retrato a óleo borra por trás de um brilho de lágrimas


ardentes. Priest e Ashley seguram a pintura enquanto eu enxugo
meu rosto e enxugo a umidade dos meus olhos. Então mergulho
na imagem com meu coração na garganta.

Uma jovem Lady Abigail Leighton empoleirada em um


banco que é totalmente elaborado para seus arredores de
floresta. Edric Sharp encosta-se a uma árvore ao lado dela,
vestindo uma camisa esvoaçante de seda, botas de cano alto e
um cutelo que brilha ao sol. A seus pés está um cão de caça
adormecido.

“Estou usando essas botas.” Priest se agacha ao meu lado,


sua mão acaricia meu cabelo.

Engasgo, balanço a cabeça, derramando lágrimas.

O vestido da minha mãe possuía os tons de lavanda e


babados delicados que ela preferia. Onde ela era pintada de
pálida e ágil, meu pai tinha a pele sardenta e o corpo musculoso
de um irlandês marítimo. Ele parecia tão jovem. Tão apaixonado.

Seu rosto se inclina para baixo, sorrindo para minha mãe


como se totalmente distraído por ela, a presença do pintor
esquecida. A pose da minha mãe no banco é relaxada, mas
imponente, os olhos apontados para o colo.

“Olhe para isso, Bennett.” Ashley paira do meu outro lado,


seu dedo aponta para o local que acabei de descobrir.

As mãos da minha mãe cercam uma pequena


protuberância em seu colo, o tecido do seu vestido esticando-se
sobre a redondeza por baixo. Ninguém notaria esse detalhe de
relance, mas está lá, declarando o ano em que foi pintado.

PAM GODWIN
“Não sei como ou por que isso foi criado”, falo. “Mas ela está
grávida de mim, e eu reconheço essas árvores como do mesmo
tipo que cercam a propriedade em Charleston.”

A tristeza é a razão pela qual meu peito está muito


apertado. Mas a alegria também contribui para isso. Meu pai não
tinha apenas me dado uma memória que não se apagará. Ele me
deu um vislumbre de algo que foi escondido de mim durante toda
a minha vida. Nunca vi meus pais juntos. Até agora.

Choro. Como eu não poderia? As emoções que carreguei


por tanto tempo estão esperando por este momento. A conexão
que tive com meu pai por meio da bússola atingiu seu apogeu. A
perda e o desejo abriram suas asas e eu preciso deixá-los
sair. Deixar ir.

Priest estende a mão para mim, o toque mais leve, e estou


desfeita. Meus soluços silenciosos aumentam como
punhos. Inclino-me para ele, e ele está aqui, curva-se ao meu
redor, atraído por sua necessidade de cuidar de mim.

Ashley fica a poucos metros de distância, orienta a


tripulação enquanto carrega o tesouro. Mas seu olhar fica em
mim, me ama sem palavras, sem toque, procura meus olhos com
um olhar que prontamente me dará qualquer coisa, se eu pedir.

Chorar à vista da minha tripulação não é o ideal, mas


ninguém olha ou sussurra. Eles continuam seu trabalho em um
silêncio incomum. Um sinal de respeito. Eles entendem.

Com o olhar de Ashley estendendo-se para mim e a


respiração de Priest em minha bochecha, minhas lágrimas
desaparecem tão rapidamente quanto surgiram. A tristeza dá
lugar à tranquilidade, pois não tem arrependimentos, nem
dúvidas. Pela primeira vez na vida, me sinto completa.

PAM GODWIN
Limpo-me, empacoto a pintura preciosa e sigo meus
homens para casa, para o Jade e qualquer aventura que nos
espera.

Uma semana depois, sento-me atrás da mesa na minha


cabine, converso com Ashley e Jobah. Eles se curvam sobre uma
série de gráficos, traçam nosso curso. Priest e Reynolds estão
sentados à mesa, esparramados e relaxados, bebem mais do que
sua cota de rum.

Estamos indo para o sul, de volta às Índias


Ocidentais. Então o quê? Estamos tentando resolver isso.

Ashley foi direto sobre sua desaprovação em piratear os


navios do rei. Sim, há outras embarcações dignas de saque, mas
ele levantou algumas questões ponderadas. Cada homem da
minha equipe agora é rico além de suas posses. Por que
pilhar? Se não atacarmos, o que acontecerá? Para onde
iremos? O que nós queremos?

A resposta à última pergunta é fácil.

“Queremos aventura.” Pego uma luneta de latão e


distraidamente giro sobre a mesa. “Precisamos do prêmio.”

“Qual prêmio?” Ashley cruza os braços sobre o peito.

“Qualquer prêmio. Quanto mais difícil for o ataque e maior


o perigo, melhor será a recompensa.”

Reynolds grita um urra da mesa e ergue sua garrafa de


rum.

“Você quer um desafio? Muito bem.” Ashley troca um olhar


com Jobah.

Então ele apresenta uma proposta que faz meu sangue


chiar e gelar de uma vez.

PAM GODWIN
Priest e Reynolds se endireitam, suas expressões tão
incertas e irritadas quanto meus pensamentos.

O que Ashley propôs mudará nosso propósito, nosso


negócio. Mas não nossos corações. Não, nossos corações já estão
nesta luta, e o meu troveja para mergulhar.

Olho para Priest e pego o sorriso curvando-se atrás da


borda do seu copo de rum.

“Tudo certo.” Sorrio. “Ponha isso para a tripulação para


uma votação.”

PAM GODWIN
CINQUENTA E SEIS

Março de 1722
São Cristóvão, Colônia das Ilhas Leeward

São Cristóvão. Para qualquer um que se instale aqui, é


uma ilha deslumbrante de beleza e oportunidade. Para qualquer
pessoa, exceto os escravos africanos que foram barbaramente
embarcados e forçados a trabalhar nos campos de cana-de-
açúcar.

Então tem eu, a filha bastarda de sangue nobre, disposta a


liderar um bando de rufiões navegantes em uma guerra contra
aqueles mais malvados do que eu.

“Baterias de estibordo, mirem na vela principal!” Minha


respiração falha quando pulo na amurada e seguro a luneta
contra o olho.

A quinze metros de distância, armas de ferro projetam-se


da proa do navio negreiro, soltam fumaça e puxam para dentro
para recarregar.

“Mirem bem alto, artilheiros!” Minha mão aperta em torno


da luneta, meu coração bate forte. “Se bater na barriga dele, vou
agarrá-lo pelo pau e pendurá-lo na amurada!”

PAM GODWIN
Estamos aqui pela preciosa carga em seu porão. Se
perdermos essas vidas inocentes, não serei capaz de me perdoar.

Um estalo de tiro de canhão irrompe


de estibordo do Jade. A rajada de tiros sibila através das ondas
turbulentas e a vela principal do navio negreiro explode em
chamas.

Sim! O cheiro metálico de pólvora queima o ar. A alguns


metros de distância, Priest chama minha atenção por trás do
focinho de bronze fumegante de uma arma. Ele segura um pavio
aceso e me lança um de seus sorrisos malandros, flertando com
o ritmo do meu coração. Homem cruelmente bonito.

Sorrio para a fumaça sufocante. “Jobah, traga-o! Força de


estibordo! Mantenha-o o mais apertado que puder.”

Meu timoneiro grunhe e se esforça contra a cana do leme,


usa todas as suas forças para girar o braço.

“D'Arcy e Saunders!” Giro, examino a briga de piratas


berrando e gritando enquanto voam para as velas. “Leve suas
bundas para o leme e ajude Jobah com o leme. Animados agora,
rapazes! Jogue seu peso nisso. Não podemos embarcar nesse
navio daqui!”

Corro pelo convés superior e salto para a amurada de


bombordo, grito ordens enquanto Jade dobra com força e corta
em direção ao inimigo. A mudança de direção não só nos
aproxima apenas do navio inimigo. Também balança nossas
armas mais pesadas e damos dois tiros para atingir os traficantes
de escravos.

“Tripulações de armas para bombordo! Prepare essas


baterias!” Giro na amurada e corro para a popa.

E paro, pega por um punho de ferro em volta do meu


tornozelo.

PAM GODWIN
Ashley olha para mim, as duas mãos presas como algemas
na minha bota. Mãos capazes. Forte e viril. Amo a maneira
dominante como ele me toca, a maneira como olha para mim.

O cálculo por trás desses olhos azuis brilhantes


determinou meu destino e o de cada homem neste navio.

Afinal, foi ideia dele.

Sua proposta de sitiar as rotas de comércio de escravos foi


recebida com um rugido unânime
de Iêê da tripulação do Jade. Os homens estão ligados a essa
causa desde o dia em que acidentalmente invadimos o navio que
escravizou Jobah.

Mas somos apenas uma tripulação. Lutar contra uma ilha


inteira e os navios que a cercam era uma tarefa impossível.

Até Ashley.

Com sua experiência naval em tempos de guerra como


Comodoro, ele sabe como ferir o inimigo sem sermos mortos no
processo. Não seremos capazes de impedir a importação de
escravos, mas com seu profundo conhecimento, podemos salvar
mais do que apenas alguns.

Passamos os últimos seis meses nos preparando para isso,


juntando mais armas, armas maiores, recrutando marinheiros
ferozes, explorando os cursos dos navios negreiros e planejando
táticas e manobras contra os traficantes de escravos de São
Cristóvão. Comandei a tripulação, mas Ashley liderou todo o
esforço.

“Desça daí”, ele ordena em seu tom imperioso e aperta meu


tornozelo. “Meu coração não aguenta mais um segundo do seu
ato de equilíbrio.”

“Mas você é tão bom em salvar mulheres que se afogam,


meu senhor.” Enrolo um cotovelo em uma mortalha, chuto

PAM GODWIN
minha perna livre para além da amurada e me inclino sobre as
ondas. “Você pode colocar essa boca bem-educada na minha e
me dar ar?”

“Com prazer. Depois que você descer daí.”

Meu sangue ronrona, mas um beijo terá que esperar. Jade


está terminando sua curva fechada.

“Pronto, Chops!” Pulo para o convés e corro em direção à


tripulação do canhão na proa, paro atrás de Priest. “Carregue
essas armas e saia correndo!”

No convés inferior de armas, Chops ruge de volta,


“Tripulações de armas a postos!”

Priest dispara ao longo do armamento letal no convés


superior. Suas costas sem camisa flexionam e brilham de suor
enquanto se lança no dezoito libras com longo nariz de bronze.

O navio negreiro está diretamente a bombordo do Jade,


perfeitamente na mira dos nossos canhões mais pesados. Mas
também estamos no alcance deles. Através da luneta, avisto
artilheiros inimigos segurando pavios encharcados de salitre, os
fusíveis brilham em brasa. Outros esperam com enchimento,
balas e pólvora, prontos para recarregar assim que as armas
forem disparadas.

Meu estômago endurece quando encho meus pulmões de


ar e grito, “Fogo!”

Ambos os navios disparam ao mesmo tempo. Os disparos


de canhões enegrecem o céu com fumaça e rasgam as velas
dianteiras do Jade.

“Nós fomos atingidos!” Reynolds grita de algum lugar atrás


de mim. “Maldição, Capitã! Perdemos a vela de proa...”

PAM GODWIN
“Jobah!” Minha pulsação dispara nas veias. “Ponha-o um
ponto mais a bombordo. Priest, dê um tiro em seu mastro.”

Se o navio negreiro não bater suas cores no momento em


que a fumaça se dissipar, nós carregaremos com a bala de
corrente e tiraremos seu cordame. A dificuldade está em não
acertar o porão de carga ou os homens escravizados algemados
dentro dele. Se o navio estivesse vazio, nós o teríamos afundado
há uma hora.

“Posso fazer uma sugestão?” A voz aveludada de aço


acaricia minha espinha.

Viro e olho para os olhos azuis brilhantes. “Certamente,


Lorde Cutler.”

“Manobre para uma posição de barlavento e segure o


indicador meteorológico. Se você se aproximar agressivamente
com o vento, você os cegará com fumaça enquanto remove o
cordame.”

Ele explica rapidamente as vantagens e os riscos de uma


tática que usou em suas batalhas contra os espanhóis.

Minha mente cambaleia com a perfeição absoluta


disso. “Você tem uma habilidade mental natural exaltada, meu
senhor.”

“Obrigado, Capitã.”

“Passe adiante os detalhes da manobra para Jobah, por


favor. E me lembre de agradecê-lo apropriadamente mais
tarde. Com minha boca. De joelhos.”

“Com prazer.” Seu olhar ardente, mergulha para o aumento


acentuado dos meus seios no espartilho.

Nós giramos, nos separamos para preparar a tripulação


para nosso ataque.

PAM GODWIN
A luta passa rápida e perfeitamente. O navio negreiro é
pego por uma espessa corrente de fumaça, sua lona em chamas
e seus artilheiros cegos demais para impedir a abordagem do
Jade.

Quando iço nossa bandeira vermelha com a intenção de


embarcar, minha tripulação já está lançando ganchos de luta e
atacando o navio inimigo. Eu me jogo no meio da multidão,
flanqueada por Priest e Ashley com nossos cutelos levantados.

Os traficantes de escravos resistem com espadas, avançam


contra nós com um choque de aço. O convés estremece sob o
pisar das botas e o cheiro da batalha me envolve. Pólvora,
sangue, suor, morte. Isso me dá um senso de propósito.

A cada golpe do meu cutelo, coloco meu coração nu. Com


cada vida vil que tiro, me sinto repleta.

Sou uma Capitã pirata, uma rainha rebelde do mar, luto


contra as conformidades da sociedade e as leis opressivas do
homem.

Cortando e empurrando, derrubo todos os comerciantes de


escravos em meu caminho. Na minha periferia, Priest e Ashley
mantém um círculo protetor ao meu redor. Não posso culpá-los
por isso. Estou protegendo-os também.

Por fim, os gritos de dor de nossos inimigos


silenciam. Minha tripulação fica em meio aos cadáveres, o peito
arfando e as lâminas pingam sangue. Procuro nos cadáveres e
não encontro nenhum rosto familiar.

“Estamos todos contabilizados?” Eu me curvo na minha


cintura, tento recuperar o fôlego.

“Sim, Capitã.” Jobah enxuga a adaga na calça.

“Para o porão, então! Tire esses homens dos


ferros! Depressa!”

PAM GODWIN
Como se eu pudesse senti-los magicamente, meu olhar
muda para a proa de estibordo. Priest e Ashley se encostam na
amurada, me observam. Ambos trocaram suas camisas por
cortes e hematomas. Músculos em camadas sobre os músculos,
perfeitamente afiados, sob a fuligem e o suor.

A batalha foi boa para eles. Mais do que boa.

Caminho em direção a eles, escolho meu caminho entre os


corpos e evito o fogo baixo de uma vela caída. Alcanço Priest
primeiro, arrasto seu rosto barbudo até o meu e o beijo
avidamente, preciso de sua proximidade. Eu preciso dos dois,
preciso provar sua respiração, sua prova de vida, na minha
língua.

Minha mão encontra a de Ashley ao meu lado e ele nos


puxa para si. Com um aperto no meu cabelo e o outro no pescoço
de Priest, ele nos beija, um após o outro, profundamente,
abertamente, sem vergonha ou receio.

Eu os amo mais porque eles se amam. O que temos é


raro. Somos mágicos. Ninguém entende e nada pode tocá-lo. Eu
protegerei com minha vida.

Por fim, o beijo se transforma em sorrisos pacíficos e


viramos em direção à proa, de frente para a costa de São
Cristóvão à distância.

A cana-de-açúcar se estende para o interior, além da areia,


e em meio a esses campos há homens e mulheres escravizados,
trabalhando seus corpos até os ossos.

“Nós vamos libertá-los.” Ashley me puxa para perto e beija


minha cabeça.

“Eu acredito em você.”

PAM GODWIN
“Nós três juntos, não podemos parar.” Um brilho selvagem
se acende nos olhos de Priest. “Somos uma força extraordinária
de destruição.”

Não posso discordar.

O amor prevalece, não na calma sem vento da vida, mas na


ruína.

PAM GODWIN

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