TESE ROSÂNGELA - Revisão Final PDF
TESE ROSÂNGELA - Revisão Final PDF
TESE ROSÂNGELA - Revisão Final PDF
BELÉM
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA
BELÉM
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA
BANCA EXAMINADORA
CRISTINA DONZA CANCELA – (ORIENTADORA) PPHIST
LUIS ALBERTO ALVES – EXAMINADOR EXTERNO FLUP/UNIVERSIDADE DO PORTO
ERNANI PINHEIRO CHAVES – EXAMINADOR EXTERNO PPGF/UFPA
ANTONIO OTAVIANO V. JUNIOR – EXAMINADOR INTERNO PPHIST/UFPA
FRANCIANE GAMA LACERDA – EXAMINADORA INTERNA PPHIST/UFPA
BELÉM
2016
Ao Alves, meu eterno companheiro de
amor de corpo e alma.
Ao José Virgílio, meu filho, o sentido de
tudo.
AGRADECIMENTOS
Gratidão pulsa em mim pelo afeto, conhecimento, atenção, cuidado,
dedicação total que recebi antes, durante e para a finalização desse árduo
trabalho, que agora se torna livro, cujo conteúdo publiciza minha Tese de
Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História da
Amazônia, da Universidade Federal do Pará, em 2016.
Alves, meu companheiro das noites de lua cheia e dos dias ensolarados,
assim como das tempestades, do tempo de chorar e de sorrir, obrigada por todas
as atitudes de parceria. A cada dia amo mais você e tenho a certeza de que és
o amor de minha vida.
José Virgílio, meu filho incondicionalmente amado, agradeço pela
completa felicidade que me proporciona desde que soube que estavas em meu
ventre e pela compreensão da minha falta de atenção a você durante a
elaboração desse trabalho e pelos beijinhos de estímulo no meu rosto e um
abraço apertado, quando estava prestes a desabar de cansaço e tensão.
Marcela, gratidão, és muito especial em nossas vidas. Temos um pacto
de solidariedade e compartilhamentos para toda vida.
Orientadora Professora Cristina Cancela, minha eterna gratidão pelo
apoio na elaboração dessa empreitada acadêmica, orientando de forma gentil e
competente, sem você esse fim agora não aconteceria, mas antes de tudo muito
obrigada por acreditar na tese ainda quando era um projeto.
Todas as professoras e todos os professores, que tive o privilégio de
assistir suas aulas no doutorado, recebam meu singelo agradecimento pelo
compartilhar de conhecimentos.
Professores Otaviano Vieira Junior, Professora Franciane Lacerda,
Professor Luís Alves e Professor Ernani Chaves recebam meu imenso
agradecimento por aceitarem o convite para compor a banca de avaliação do
referido trabalho.
Professor Ernani Chaves e Professora Jane Beltrão, um obrigado muito
especial por suas presenças nas várias fases de minha vida acadêmica.
Rosa Helena Nascimento Neves, Diretora Executiva do Espaço São José
Liberto, grata por você permitir acesso aos arquivos fundamentais para a
composição deste trabalho.
Interlocutoras e Interlocutores da pesquisa de campo e das entrevistas,
sem vocês a tese não se tornaria real. Minha eterna gratidão por me permitirem
adentrar na vida de vocês.
Minha família, meu porto seguro, obrigada por todo amor que recebi nesse
momento crucial de minha vida.
Sumário
Introdução: Porta de entrada para os mundos do Polo Joalheiro do Pará – Rastros para
adentrar num labirinto reluzente 8
INTRODUÇÃO
Porta de entrada para os mundos do Polo Joalheiro do Pará – Rastros
para adentrar num labirinto reluzente
Faço joia para apreciar e homenagear a beleza da
natureza. Ela me fascina porque tem sempre uma
coisa inédita, igual a joia artesanal, é peça única. [...]
fazer joia para mim é questão de vida ou morte. [..]
eu me sinto vivo. Eu penso e faço. Determino
tamanho, medida. Penso, crio, produzo e faço
ferramentas para fazer a peça e faço o cronograma
do trabalho de quanto tempo eu vou levar para fazê-
la. Faço molde, rabisco e o piloto. Sem fazer o molde
e o piloto faz perder metal e até a peça.
(Mestre ourives/joalheiro Paulo Tavares)
1 GOLA, Eliana. A joia: história e design. São Paulo: SENAC São Paulo, 2008, p. 15.
2 Técnica da joalheria para incrustar gemas em joias. Ou seja, é arte de unir gemas e metais num
formato de joia. É um processo manual. CURSO DE JOALHERIA BÁSICA. Escola de Formação
Profissional em Joalheria RAHMA: Gemas e Joias, Belém, 2005 (apostilha impressa). PEIXE,
Patrícia. Cravação e Joalheria Artesanal. Disponível em:
http://www.joiabr.com.br/joiamix/0408.html. Acessado em 22/05/2013. PINTO, Rosângela
9
Nesse mundo, o fazer joia artesanal é uma das mais antigas formas de
usar as mãos para criar algo que pode significar muitas coisas para os seres
humanos. Sendo assim, o fazer, criar e o uso de joias vem atravessando tempos
e lugares, agregando aspectos socioculturais, econômicos, simbólicos, desse
modo, delineando histórias.
Quem sabe fazer joias manualmente é chamado de ourives de joalheria.
O termo ourives, segundo Charles Codina, deriva do termo latino aurifaber, que
se refere ao artesão que manipula ouro e qualquer outro metal, utilizando
diversas técnicas, sendo a tradução literal do termo “fazedor de objetos de
metal”.3
Ou seja, a ourivesaria é a arte de trabalhar com metais preciosos, como a
prata e o ouro, na fabricação de joias e ornamentos. É considerada uma das
artes de fazer mais antiga. Foram encontrados sítios arqueológicos no mar Egeu,
datados em torno de 2500 a. C., nos quais foram encontradas joias feitas de
ouro. No Egito antigo já se produzia joias, utensílios e ornamentos com muitos
detalhes, utilizando esses materiais. O profissional que realiza este tipo de
trabalho é denominado de ourives. Cabe ressaltar que esta atividade é, em sua
natureza, uma atividade de cunho artesanal.4
A joalheria é considerada o ramo da ourivesaria que trabalha somente
com metais considerados nobres,5 ouro ou prata, para a confecção de joias. A
Joalheria artesanal no Brasil se configura com base no legado que recebe de
Portugal, da Itália e demais países Europeus. Segundo Julieta Pedrosa, no
período colonial:
[...] as joias aqui usadas por homens e mulheres eram muito
raras, mas as poucas que existiam já evidenciavam a moda
vinda de Portugal e de outros países europeus. Não havia,
ainda, uma tradição de ourivesaria no país: as raras peças
vinham de fora. As joias femininas, com o abandono dos
complicados penteados medievais e dos novos ares
raros na natureza e permanecem sempre puros, ao contrário da maior parte dos chamados
metais vis, como ferro, níquel, chumbo e zinco. Os metais nobres não devem ser confundidos
com os metais preciosos, embora muitos metais nobres sejam preciosos. CURSO DE
JOALHERIA BÁSICA. Escola de Formação Profissional em Joalheria Rahma: Gemas e Joias,
Belém, 2005 (apostilha impressa). Essa escola funciona no Esjl. BRANCANTE, Maria Helena.
Os Ourives: na História de São Paulo. São Paulo: Árvore da Terra, 1999.
10
10 Idem.
11 Trabalhos Manuais, que caracterizam a diversidade da produção artesanal. Uma arte popular
centrada na figura do artista/artesão, com a produção de peças únicas e/ou séries limitadas, fruto
da criação individual, em que o artesão são aqueles detentores de conhecimento técnico sobre
materiais, ferramentas e processos de sua especialidade, dominando todo o processo produtivo,
conforme consta no PROGRAMA DE ARTESANATO DO SEBRAE. Belém, 2004.
12Uma gema é um mineral, rocha (como a lápis-lazúli) ou material petrificado que, quando
lapidado ou polido, é colecionável ou usável para adorno pessoal em joalheria. Outros são
orgânicos, como o âmbar (resina de árvore fossilizada) e o azeviche (uma forma de carvão),
segundo o dicionário de Geociências disponível em:
www.dicionario.pro.br/dicionario/index.php/Gema. Acessado em 15/05/2011
13 HOBSBAWM, Eric J. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Funarte, 1987.
12
Não foi por acaso, portanto, que profissionais do Rio de Janeiro que atuam
no setor joalheiro, por exemplo, foram e são contratados para prestar serviços
de consultorias e ministrar curso de qualificação técnica.
Segundo relatos daqueles que atuavam no ofício de ourives/joalheiros
antes da criação do Programa Polo Joalheiro, em 1998, eles eram perseguidos
pela polícia. O ourives/joalheiro Paulo Tavares, um dos principais interlocutores
da referida pesquisa, relata que:
[...] a gente trabalhava sob pressão. Pra funcionar aqui o ourives
pagava uma taxa, na verdade foi confundido o ourives com
comprador de ouro, a polícia fechou o cerco, era tratado como
receptor. A partir da hora que tu passava a lidar com joia, tu
pagava uma taxa por semana. pra delegacia no comércio.
14 BRANCANTE, Maria Helena. Os Ourives na História de São Paulo. São Paulo: Árvore da
Terra, 1999. Prólogo.
15 GOLA, Eliana. A Joia: história e design. São Paulo: Editora Senac, 2008.
13
por parte desta. Desse modo, foi atribuído um caráter clandestino ao ofício de
ourives no Brasil, o que, dificulta, até atualmente, a identificação desses artesãos
e de suas oficinas (ou de seus ateliês) em todo Brasil.
Nesse contexto, o setor joalheiro é compreendido como um conjunto de
atividades que devem se articular, envolvendo desde os insumos e matérias
primas até a transformação destas últimas, os processos de criação e fabricação
do produto, que é a joia, até a sua distribuição e comercialização.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), até chegar ao consumidor, as joias percorrem um longo caminho, que,
muitas vezes, começa no garimpo; outras, na produção dos metais usados. De
qualquer forma, são resultados de uma cadeia produtiva cheia de etapas e estão
ligadas a um setor constituído por micro e pequenas empresas – 93% do total –
que empregam 500 mil pessoas em todo território brasileiro.16
joalheiro. Contudo, escrevi todo este trabalho com uma ideia subjacente, de que
uma pesquisa sobre qualquer assunto não acaba, mas é abandonada ou
continuada.
O objetivo principal é analisar os discursos e as práticas, em sua
multiplicidade no cenário do Polo Joalheiro e dos seus segmentos sociais, ou
seja, a trajetória, o saber fazer, a sociabilidade, tensões conflitos entre os atores,
mestres, homens e mulheres, mestres e alunos (as), artesãos, administração, e
a memória de implementação do programa.
A temática estudada não está distante de minha própria experiência
profissional e pessoal. Em setembro de 2007, fui convidada pela diretora
executiva do IGAMA para ministrar uma oficina sobre as lendas amazônicas,
para servir de inspiração para a criação da coleção de joias da IV Pará Expojoias
– Amazônia Design, única feira de joias da Região Norte, que ocorre desde 2004,
no Polo Joalheiro do ESJL. O Polo Joalheiro, como já foi dito antes, é um
codinome do Programa de Desenvolvimento do Setor de Gemas e Joias do Pará.
mas que foi superado, o que permitiu o meu retorno a esse percurso em 2013
em diante.
Fiz uso de vários estudos de Thompson, por considerar que ele valoriza
também a investigação empírica, as experiências populares, levando em
consideração os aspectos culturais e os trabalhadores na relação capital e
trabalho, analisando questões de conflitos sociais, econômicos e culturais,
verticais e horizontais.
Outra ferramenta teórico-metodológica fundamental para a elaboração
desse trabalho em geral foi a História Oral. A história oral foi utilizada, a partir do
estudo, da análise e da discussão de diversos autores da história e das ciências
sociais, em que me esforcei para construir um fio lógico entre memória,
esquecimento, história e fontes orais.
Optei, como parâmetro de análise, pela obra História e Memória, de
Jacques Le Goff, por abordar problemas referentes aos estudos históricos, que
avalio serem pertinentes e, em alguns aspectos, serviram de reflexão e
inspiração para a escrita deste livro, por isso mostro alguns destes aspectos a
seguir.
O autor demonstra que Heródoto, historiador grego, considerado o “pai da
história”, no século V. a.C,, produziu uma história-relato, história testemunho.
Assim, a história, segundo o autor, começou como uma narração daquilo que foi
vivido e sentido pelo historiador. Demonstra que esse tipo de história jamais
deixou de estar presente no desenvolvimento da teoria histórica, mesmo
recebendo críticas daqueles que defendem a explicação no lugar da narração.
Desse modo, vem ocorrendo uma produção da história, denominada por alguns
historiadores contemporâneos de história do tempo presente. Sigo aqui as
orientações desta abordagem.
Contudo, o autor mostra que os historiadores ultrapassaram as limitações
da transmissão oral do passado pelo testemunho, por meio da constituição de
bibliotecas e de arquivos, em que as fontes documentais escritas passaram a
fundamentar noções de defesa de uma histórica científica, baseada em métodos
científicos, em sentido técnico. Tal noção recebeu, conforme discute Le Goff,
críticas pelo questionamento do fato histórico não ser um objeto dado e acabado,
por resultar de uma construção do historiador. Também demonstra que o
documento não é um material bruto, objetivo e neutro, mas que exprime as
relações socioculturais da sociedade a que pertence. Reconhece Le Goff que
esta discussão teórico-metodológica está presente também nas obras de Michel
20
Por isso, afirma que o historiador não deve medir esforços para se
legitimar na luta contra fábulas, lendas, mitos e falsos testemunhos. Portanto,
deve [...] “representar adequadamente o real, realizando as seguintes operações
cognitivas: registro, memorização, revivência, reconstituição, reconstrução,
interpretação, compreensão, descrição, quantificação, narração, análise,
síntese”.22
Desse modo, pondera sobre a capacidade da história de revelar as raízes
temporais de tudo, as quais são tão caleidoscópicas quanto as dela e que
mudam tão frequentemente quanto ela. Tal visão pode ser referência para
20REIS, José Carlos Reis. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
21Ibidem, p. 26.
22Ibidem, p. 17.
29
23LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
24RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas. Editora da UNICAMP,
2007, p. 424.
30
25LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
26LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
31
27 Ibidem, p..439.
32
37 ALECRIM, Michel. CADERNO CULTURA: Serra Pelada em São Paulo. N° Edição: 2291 11.
out.2013-20:55. Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/329134_ Acesso em
22.01.2014.
38. Durante a ditadura, Sebastião Salgado foi para a França onde fez doutorado em economia e
sua esposa se tornou arquiteta. Trabalhou dois anos para um banco de investimentos. Fez
muitas viagens e trabalhou em projetos de desenvolvimento financeiro e econômico na África
com o Banco Mundial. Foi quando a fotografia surgiu em sua vida. Sebastião Salgado abandonou
tudo que o fazia e tornou-se um fotógrafo. Muitos o consideravam um fotojornalista, um fotógrafo
antropologista ou um fotógrafo ativista. Mas ele fez muito mais do que isso. Colocou a fotografia
como sua vida e passou a realizar projetos de longo prazo e de grande impacto. A força das
fotografias produzidas por Sebastião Salgado em meados da década de 1980 sobre o garimpo
em Serra Pelada, no Pará, ainda ecoa pelo mundo. Disponível em:
http://www.osensato.com.br/sebastiao-salgado-um-brasileiro-que-tem-inspirado-o-
mundo.
36
Itaita
Mais ainda por uma ótica mais detalhada num tabuleiro do jogo de escala
entre o micro e o macro,47 a modernidade na Amazônia vem se configurando
como uma realidade de violência, ceifando vidas humanas. Hardman48, neste
sentido, apresenta uma outra face da modernidade em relação à ocupação da
Amazônia, ao que ele denomina de “ocupação da selva”, mostrando um lado
obscuro que vem se manifestando nas experiências temporais de um passado
longínquo ou do momento presente.
A modernidade, conceito fundamental no processo de desenvolvimento e
expansão do capitalismo, constitui- se em um instrumento da retórica do
progresso usada para demarcar a ruptura com o período histórico anterior, ou
seja, o medieval. Desse modo, o referido conceito passou a dividir eras
históricas, a partir da criação de pares antitéticos: antigo X moderno; atraso X
avanço, atribuindo à história um sentido linear, ou seja, antidialético.
Não podemos esquecer a importância atribuída ao conceito de
modernidade pela historiografia que analisa a trajetória da sociedade ocidental
a partir do século XI. Tal historiografia elegeu um modelo de desenvolvimento
histórico capitalista, o da Europa Ocidental e, principalmente, o inglês, e passou
a operar análises comparativas entre os países das várias regiões do Globo.
47REVEL, Jacques. Jogos de Escala. Rio de Janeiro: FGV, 1998.VAINFAS, Ronaldo. Micro-
História: Os protagonistas anônimos da História. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
48 HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
41
éticos e profissionais, cumprindo com a sua missão de desenvolver soluções eficientes através
de informações seguras, alinhadas com as necessidades das organizações governamentais e
não governamentais, de empresas dos mais variados segmentos de atuação, partidos políticos
e profissionais liberais. Segundo o seu site oficial: http://www.acertarcoop.com.br/o_instituto.asp.
56 ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes
Históricas. São Paulo: contexto, 2011.
44
57Ibidem, p. 165.
58Entrevista concedida para a pesquisa em: 15 de março de 2013, em sua casa/oficina/loja.
59 Idem.
45
Segundo João Sales, seu pai, Pedro Sales, os levou para Itaituba, em
1979:
“[...] eu tinha uns 16 anos, na época, meu irmão tinha 17 pra 18,
olha a gente vai pra Itaituba, claro que era meio arriscado, ele
tinha noção dos problemas que a gente podia enfrentar lá em
Itaituba.”60
[...] quando a gente entrou lá, o papai sempre estava
aconselhando a gente: - olha, eu não quero saber de nenhuma
confusão, na verdade a gente nunca foi, mas tinha uma
preocupação maior por ser um lugar mais violento, então quando
chegamos em Itaituba, logo quando a gente chegou lá, mataram
oito pessoas numa noite, em uma festa de rodeio, aquilo fez com
que a gente não saísse de casa, a gente tinha medo de andar
na rua, quando dava o horário, tava todo mundo em casa.61
Assim, em Itaituba, João Sales vivenciou sua fase etária juvenil e se casou
com vinte e um anos com Etel, sua namorada de 17 anos, no ano de 1985. Em
1995, decidiu vir para Belém, por causa das dificuldades financeiras que estava
enfrentando, ocasionadas pelo refluxo da febre do ouro e da decisão do Governo
de Fernando Collor de Melo em confiscar o dinheiro da poupança, fazendo com
que os garimpeiros não tivessem mais como investir na extração de ouro, o que
escasseou a matéria prima em Itaituba, afetando diretamente os ourives.62
60 Idem.
61 Idem.
62Idem.
46
63Idem.
64BOSI, Éclea. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz; Editora
da Universidade de São Paulo, 1987, p. 49.
47
66Ibidem, p. 160.
67BENJAMIN, Walter. Teses Sobre o Conceito de História. In: ______. Obras Escolhidas, v. I,
Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 226.
68SEDLMAYER, Sabrina e GINZBURG, Jaime (org.). Apresentação: A Fala do Indizível. In:
_________. Walter Benjamim. Rastro, Aura e História. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
49
70Ibidem.
71Idem.
53
72Com a fotografia estampada do ourives de Belém, que participou desse início da implantação
do Programa, Argemiro Muniz e faz parte ainda hoje do referido programa.
73 Ibidem, p. 214-215.
54
que é fácil, mas não é. O pessoal fala: o que vou fazer lá? Não bicho! Tem isso,
tem aquilo, até que a pessoa se interessa pelo o assunto e vai. Se a pessoa
convidar logo, a pessoa não vai logo [...]”.74
Essa resistência foi relatada também por Ana Catarina Peixoto Brito, na
época, 1998, diretora da Universidade do Trabalho da Secretária do Trabalho e
Promoção Social do Estado, cujo governador era Almir Gabriel; por meio de uma
entrevista, em que narrou sua versão da história do Programa de
Desenvolvimento do Setor de Gemas e Joias do Pará.75
Ela era responsável pelo planejamento e execução de ações de
qualificação, acompanhou todo o processo de implantação do programa e, em
2002, assumiu a direção executiva do Polo Joalheiro do Pará e do Espaço São
José Liberto (ESJL), o qual se tornou, a partir desse ano, o lugar de
comercialização das joias do referido polo. Sobre o processo de implantação do
citado programa, ela relatou que:
Com seu testemunho, fica claro que houve uma metamorfose da ideia
primária que surgiu em Itaituba, com um foco local, resultado da organização
social dos ourives e da atuação da Prefeitura e foi ampliada para um plano mais
estadual, em que este olhar institucional buscou apoio e referência em
experiências de outros Estados. É o que afirma Ana Catarina a seguir:
Contudo, como foi informado antes, houve desconfiança por parte dos
ourives. Sobre este aspecto Ana Catarina afirma que:77
76Ibidem.
77Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria
Estadual de Cultura.
58
80GOLA, Eliana. A Joia: história e design. São Paulo: Editora Senac, 2008.
81Segunda sessão de entrevista com Paulo Tavares em 12/12/2012, em sua casa/oficina.
60
Mas foi o Nivaldo que não era ourives, é gemólogo, foi ele que
começou a mexer com esse tipo de coisa. Ele era da Pará
Minério. O Nivaldo, filho do dono da sociedade São Brás. Ele foi
o principal responsável pelo início de tudo. Então esses foram
os fundadores do programa, nós montamos uma associação que
não chegou a ser legalizada, chamada de Ajepa, também foi
presidente o Josué. Era a Associação dos Joalheiros do Estado
do Pará... Aí era o Josué Calado o presidente, Marcelo era o
secretário, eu era o tesoureiro, cada um tinha uma função dentro
da associação, nós montamos uma espécie de diretoria,
Figura 9: Visita Técnica nas oficinas de produção de Joias dos Sales em Itaituba
Fonte: fotografia do arquivo pessoal de João Sales, tirada em 1998.
Essa resistência dos joalheiros à solicitação de não mais copiar, mas sim
criar uma joia com a identidade do Pará, a partir de uma visão institucional, foi
verbalizada por Veridiano Sales: “[...] Foi difícil convencer as pessoas que já
faziam joias durante anos de que precisavam mudar seu jeito de trabalhar”.86
Por esse fio condutor, entendo que o poder estatal investe para a criação
de uma nova forma de fazer joia. Mas encontra resistências por parte de muitos
fazedores de joias, que não viam de forma positiva tal intervenção, pois
acreditavam que o seu modo tradicional de fazer joia era o mais correto. Isso
gerou a saída de muitos ourives do Polo Joalheiro.
87Idem.
88Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria
Estadual de Cultura.
65
[...] fazia parte dessa ação criar uma coleção dentro desse
conceito de uma joia do Pará, pra que a gente possa fazer o
lançamento do programa apresentando essa coleção como
entrada, fizemos isso e ok. A coleção tinha que ter a nossa
O olhar o institucional para promover tudo isso optou como estratégia pela
contratação de consultores de fora, de reconhecimento na área da joalheria no
âmbito nacional e internacional, a fim de promover qualificação profissional e
técnica.
Como já foi dito antes por vários interlocutores da pesquisa, tais propostas
institucionais não agradaram a todos os produtores de joias envolvidos no
processo de implantação do Polo em destaque.
Para Foucault não existe dissociação entre saber e ciência, assim como
entre poder e conhecimento, por conceber que a relação entre saber e poder
tem potencial para a construção de discursos que engendram amarras invisíveis
do poder entre diferentes grupos e atores sociais, os quais ressoam nas suas
práticas sociais. 101
101 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, São Paulo, 2004. PRADO,
Braian (et.al.). Os conceitos de saber, poder e discurso ideológico analisados segundo a
teoria de Michel Foucault. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação
da Universidade Estadual de Santa Cruz. Ano 4 - Edição 3– março-maio de 2011.
72
102PÉLBAR, Peter Pal. Do livro como experiência à vida como experimentação. Disponível em:
http://revistacult.uol.com.br/home/2014/09/do-livro-como-experiencia-a-vida-como-
experimentacao/. Acesso em 12 de dezembro de 2015.
103 Pinto, Luciano Rocha. A História como Jogo: Contribuições de Michel Foucault para o
Ensino da História. História & Ensino, Londrina, v. 17, n. 1, p. 149-165, jan./jun. 2011. Disponível
em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/histensino/article/viewFile/11255/10025. Acesso
em: 20/12/2015.
73
104 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História.
São Paulo, n.10, 28, dez., 1993, p. 12-13.
105Uma pequena igreja ou capela, normalmente localizada fora das povoações ou em lugares
isolados.
106 COELHO, Watrin Alan (Coord.). São José Liberto, Joias e Artesanatos do Pará:
pesquisa histórica do Presídio São José. Belém, 2002. (arquivo da Secult)
107 MAROJA, Ana Paula. O Espaço São José (Belém-Pa): Liberto dos grilhões da lei e preso
às imagens do tempo. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Educação
74
Ana Catarina relata ainda que o Polo Joalheiro estava a toda velocidade
desenvolvendo um conjunto de atividades para a criação da segunda coleção
“Joias do Pará” para ser apresentada na inauguração, o que ocorreu de fato,
como narra a seguir:
Não se pode negar que a instalação do Polo no ESJL o fez criar raízes
pela possibilidade de se desenvolver e conseguir garantir sua existência até os
dias atuais, mesmo num cenário dinâmico de disputas, rompimentos,
persistências no âmbito interpessoal, coletivo, privado e institucional.
Nesse entrecruzamento entre Polo Joalheiro e o ESJL pode ser delineado
um lócus contendo uma dimensão multifocal de memórias com potencialidade
de composição de relações sociais e interpessoais, tornando-o assim um “lugar
de memória de si e dos outros”,112 capaz de trazer para si diversas faces, já
que é um complexo de realização de atividades voltadas, ao mesmo tempo, para
o turismo, museologia, comercialização de produtos artesanais, eventos, design,
produção e comercialização de joias.
111 Idem.
112 Britto, Rosangela M. de e Silveira, Flávio Leonel da. Paisagens de Si e dos Outros: Museu
Da Ufpa enquanto Paisagens Ressignificadas. Disponível em:
www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/cpcr/rosangela_britto.pdf. SILVEIRA, Flávio Abreu da. A
paisagem como fenômeno complexo, reflexões sobre um tema interdisciplinar. In:______;
CANCELA, Cristina Donza (Org.). Paisagem e Cultura: Dinâmicas do patrimônio e da memória
na atualidade. Belém: EDUFPA, 2009.
113SANTOS, M. Sociedade e Espaço: a formação social como teoria e como método. In:
________. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2005.
77
118 Sobre esse assunto ler: MIRANDA, Cybelle Salvador. Cidade Velha e Feliz Lusitânia:
cenários do Patrimônio Cultural em Belém. Orientadora, Jane Felipe Beltrão. Tese
(Doutorado) Universidade Federal do Pará, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa
de Pós-graduação em Ciências Sociais, Belém, 2006.
79
Figura 13: Lojas de comercialização de joias/Loja Una, que reúne a produção daqueles
produtores ou designers de joias que não possuem loja própria
Fonte: Igama/Arquivo
119 ALBERTI, Verena. Histórias dentro de histórias. In: PINSKY, Carla Bassanezi (et.al.).
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2011.
82
120 A cartilha foi elabora por uma agência de design gráfico, contratada pela Associação São
José Liberto.
83
José Tadeu de Brito Nunes, conforme citado por Ana Catarina, foi um dos
primeiros a ser capacitado para atuar como designer de joias no Polo Joalheiro.
Fez assim uma longa trajetória de atuação nesse sentido, somente se afastando
disso em 2009, quando passou num concurso público da Secretaria Estadual de
Educação (Seduc), para o cargo de professor. Mas sua ligação com setor de
joalheria continuou, haja vista que, em 2013, defende sua dissertação de
mestrado intitulada “Elementos da biodiversidade Amazônica no pensar-fazer de
joalheiros de Belém: a vivência como educação”. 121, em que trata da
aprendizagem sobre a biodiversidade amazônica pelos artesãos joalheiros do
Programa Polo Joalheiro, durante o pensar fazer de suas joias, a partir das
qualificações. Faz uma reflexão sobre seu papel de instrutor/educador e dos
processos de aprendizagem condensados nas “joias do Pará.” Desse modo,
relatou sua trajetória profissional no Polo Joalheiro:
Rosângela Gouvêa Pinto, outro nome citado por Ana Catarina entre
aqueles que foram os primeiros capacitados como designer de joia, continua até
hoje como consultora de design de joia do Polo Joalheiro. É responsável pela
formação de diversos designers de joia pela Universidade Estadual do Pará,
desde sua inserção nessa instituição como professora e como coordenadora do
curso design de produto.
122 PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor de Gemas e Joias no Município
de Belém – Pará. Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Gestão dos
87
Helena Nascimento Neves, Rosângela da Silva Quintela, Rosângela Gouvêa Pinto e Anna
Cristina Resque Meirelles, organizadoras. Belém: Paka-Tatu, 2011. (p. 11- 30).
128 Posições relatadas durante conferências realizadas nos citados Workshops.
129 Esse fragmento textual faz parte do artigo “Um Design Inovador nas Joias do Pará”, de minha
autoria, publicado em: Joias do Pará: design, experimentação e inovação tecnológica nos modos
de fazer. Rosa Helena Nascimento Neves, Rosângela da Silva Quintela, Rosângela Gouvêa
Pinto e Anna Cristina Resque Meirelles, organizadoras. Belém: Paka-Tatu, 2011. p. 99 – 105.
90
130LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres. São Paulo: Nova
Cultura, 2005.
131DUARTE JÚNIOR, João-Francisco. O Que é Realidade. Coleção Primeiros Passos.
Editora Brasiliense. São Paulo, 1994.
132DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral e narrativa: tempo, memórias e
identidades. Revista HISTÓRIA ORAL, 6, 2003, p. 1– 2. VI Encontro Nacional de História Oral
(ABHO) – Conferência de Abertura.
92
Por ser o tempo assim, ainda segundo a mesma autora, são os humanos
que constroem as visões e representações das experiências temporais que
marcaram suas vidas. Portanto, constroem histórias de vida no tempo e por meio
do tempo, ou seja, compõe uma historicidade.
Nesse sentido, ainda segundo Delgado,133
133Ibidem, p. 2.
134 COSTA, Cléria Botelho da. A escuta do outro: os dilemas da interpretação. In: História
Oral: Ética e história oral. Disponível em: revistahistoriaoral.org.br. História Oral – Órgão oficial
da Associação Brasileira de História Oral, Rio de Janeiro, ABHO, v. 17, n. 2, jul./dez. 2014. O
presente dossiê foi organizado por Méri Frotscher e Lucia Grinberg.
93
fonte oral. [...] “como o pesquisador pode fazer o trabalho interpretativo sem
sufocar a voz do narrador? Como trabalhar a polifonia de vozes – narrador e
pesquisador – na sua interpretação?” Assim, a autora indica frestas para nos
auxiliar a refletir sobre as fontes orais aqui utilizadas, ou seja, as narrativas dos
e das ourives protagonistas do referido trabalho. Uma destas frestas foi destacar
a seguinte percepção resultante de sua pesquisa em história oral.
Por esta trilha, entendo que [...] “A história é objeto de uma construção
cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de
139 MEINERZ, Andréia. Concepção de experiência em Walter Benjamin. Porto Alegre, 2008.
Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em Filosofia, p. 229.
140 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamim ou a história aberta. In: BENJAMIN,
Walter. Obras escolhidas: magia, técnica e política. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 19.
141 Idem.
142 SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. p.39-62.
95
143 BURKE, Peter. (Org.). Abertura: A nova história, seu Passado e seu futuro. In:
___________. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. P18.
144LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
96
145 MULLER, Helena Isabel. “História do Tempo Presente: Algumas Reflexões”. In: Pôrto Jr,
Gilson (Org.). História do tempo presente. Bauru: Edusc, 2007.
146Pôrto Jr, Gilson (Org.). Prefácio. In: _____________. História do tempo presente. Bauru:
Edusc, 2007.
147MULLER, Helena Isabel. “História do Tempo Presente: Algumas Reflexões”. In: Pôrto Jr,
Gilson (Org.). História do tempo presente. Bauru: Edusc, 2007.
148Duas instituições vêm trabalhando com a noção de história do tempo presente. São elas o
Institut d’Histoire Du Temps Présent (IHTP), criado na França nos anos 70, o qual agrega
historiadores, em sua maioria, dedicados a estudar a história francesa do pós-guerra; o Institute
of Comtemporary British History, vinculado à University of London, que vem organizando
97
conferências e seminários sobre a história britânica do século XX, em especial pós Segunda
Guerra Mundial. Idem, p.19.
149 Idem, p.18-19.
150 Idem, p. 24.
151SELIGMANN-SILVA, Márcio.Walter Benjamin: O legado e a ‘cultura da memória’ na
América Latina. Jornal da Unicamp. Campinas, 2 a 8 de agosto de 2010. Disponível em:
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2010/ju469pdf/Pag0607.pdf. Acessado
em agosto de 2014. Entrevista.
152 Idem, p. 7.
98
153Walter Benjamin - Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre
literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet e Prefácio de Jeanne
Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, Vol. 1, p. 222-232.
154 ALVES, Luís Alberto Marques. O tempo presente na História da Educação. Texto
apresentado no IV Encontro de História da Educação, no Instituto de Educação na Universidade
Lisboa, em 16-17 de julho de 2015, p.13.
99
155 REIS, Jose Carlos. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 20.
156 DURKHEIM, Émile. Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais, n.1. São Paulo:
Ática, 1988.
157 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Da utilidade e desvantagem da história para a vida.
Tradução de Marco Antônio Casanova: Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2003.
158 ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
100
159TUAN, Y. Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1982.
160ALBERTI, Verena. “Fontes Orais – Histórias dentro da História”. In: PINSKY, Carla
Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2011, p. 155-202.
161 Ibidem, idem.
162LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992, p. 9.
101
166 Idem, p. 2.
167 ORLANDI, Eni Puccineli. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso.
Campinas: Pontes, 1996.
168 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Cia da Letras, 2007.
169 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. “Historiografia, diversidade e história oral:
questões metodológicas”. In: LAVERDI, R. et. al. História, diversidade, desigualdade. Santa
Catarina: UFSC; Recife: UFPE, 2011.
103
[...] O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos
cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois
existe uma opressão do presente. Todo dia pela manhã, aquilo
que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de
viver, ou de viver nesta outra condição, com esta fadiga, com
este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a
partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos,
quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este
“mundo memória”, segundo a expressão de Péguy. É um mundo
que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos
lugares de infância, memórias do corpo, dos gestos da infância,
dos prazeres.
intransponíveis para realização das entrevistas, por parte deles e delas. Fui
recebida sempre com muito carinho, atenção e disposição para conceder as
entrevistas. Avalio que o fato de eu já ser uma pessoa conhecida no universo
pesquisado174facilitou o trabalho de campo.
Prossigo nessa aventura do escrever história, contando e expondo relatos
de preciosas histórias de vida que colhi, apoiando-me nas veredas teórico-
metodológicas expostas até aqui.
174 Lembro que fui coordenadora do São Jose Liberto e consultora durante o período de 2008
até 2010.
175 ROSA, Guimarães. Grande sertão: Veredas. Disponível em: www.blam.com.br. Acessado
em: 03.09.2013.
176 BENJAMIN, Walter. “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.” In:
_____. Obras Escolhidas - magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986,
p. 197-198.
105
João Sales sabe narrar sobre sua vida, ou seja, intercambiar suas
experiências como o mestre que ora é viajante e ora aprendiz sedentário,
segundo ainda Benjamim:177
Assim ele contou sua trajetória de vida, por meio de entrevista, realizada
dia 20 de dezembro de 2012, em sua oficina/casa/loja, oscilando entre ser
migrante e ser um trabalhador sedentário em sua oficina, como também foi
aprendiz de seu pai e depois se tornou mestre na arte de fazer joia.
Como João Sales disse: [...] (seu pai) “chegou no Pará. Ele veio pra ser
agricultor, isso em Capanema, vendeu a casa que tinha lá no Ceará, e veio
comprar um terreno aqui no Pará e trabalhar na agricultura”. Como tantos, seu
pai veio com a família, fugindo da conhecida seca que assola alguns lugares da
região Nordeste, em busca de uma vida melhor. Isso é recorrente no Estado do
Pará, desde o período denominado pelos historiadores que estudam a Amazônia
de período “da economia da Borracha”. Segundo Cancela, “Os períodos de
estiagem nos estados do Nordeste tornaram-se marcadores de fluxo de
No decorrer desta entrevista, pergunto a João Sales: seu pai foi ourives?
Ele respondeu enfaticamente: “sim! foi ourives!” Pergunto mais uma vez: e seu
avô? Ele respondeu: foi ferreiro! [...] “papai era ferreiro, aprendeu com o meu
avô”. Não precisou interromper a entrevista para indagá-lo mais. Por iniciativa
própria começou a rememorar e, ao mesmo tempo, relatar como a família Sales
entrou na ourivesaria/joalheria na nova vida em Capanema.
189 CANCELA, Cristina Donza. Casamento e Família em uma Capital Amazônica (Belém
1870–1920). Belém: Editora Açaí, 2011, p.72.
190 LACERDA, Franciane Gama. Migrantes Cearenses no Pará: faces da sobrevivência
(1889–1916). Tese de Doutorado do Programa de Pós-graduação de História Social da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2006.
Consultei também seu texto: Entre o sertão e a floresta: natureza, cultura e experiências
sociais de migrantes cearenses na Amazônia (1889-1916). Revista Brasileira de História. São
Paulo, v.26, nº 51, p. 197–225, 2006.
191 Segunda entrevista concedida para a pesquisa em sua casa/oficina/loja, em 2012.
109
e ele foi dizendo isso aqui é pra puxar o ouro, isso aqui é chapa
e tal, e como o papai era ferreiro, ele já tinha uma noção de
formar, de vê a matéria e formar alguma coisa.
– Segunda feira ele pediu 20 gramas de ouro para o meu tio. –
Mas Pedro tu vai jogar isso fora! – Vou não! Pode deixar que eu
vou fazer uma peça! Ele passou todo dia lá, derretendo,
laminando, errando e voltando, fazendo. Quando foi de tarde, ele
tinha quase uma aliança feita. No outro dia, olha eu quero fazer
uma outra aliança! Aí ele foi fazendo de novo. Só que cada dia
que ele ia fazendo ficava mais rápido do que o dia anterior.
Quando foi lá pra quarta feira, – olha eu quero ficar na oficina!
Vou trabalhar com joias! O irmão dele: – tu é doido! –Não! Pode
deixar que eu vou fazer!
– Primeiro trabalho que ele pegou de um cliente que foi na oficina
dele, foi uma medalhinha, daquelas que tem ouro envolta dela,
bem fininha, de santinha. Tinha quebrado assim na lateral, e
aquilo é muito complicado pra soldar. Aí a pessoa chegou e
perguntou se consertava. – conserto! Ele não ia pegar e mandar
a pessoa esperar pra ele fazer, ele disse olha pegue só amanhã
à tarde. Quando a pessoa saiu, ele fechou a oficina, olhou para
peça e ia ver como era que consertava aquilo sem quebrar a
louça, por que era de louça e ia quebrar. Ele molhou um pano,
segurou a peça com o pano molhado. Naquela época o maçarico
era assoprando na boca, tinha que ter um caninho, que levava o
ar até o fogo de álcool pra depois usar na peça. Soldou a peça
e deu acabamento. Ele era muito bom de limar, por conta do
trabalho de ferreiro. Essa parte de limar e formar uma peça ele
era craque. Ele deu acabamento, abriu a oficina de novo.
Quando a pessoa chegou, disse: –olha eu fui em todas as
oficinas de Capanema. (E na época tinha muito ourives lá,
porque era a saída dos garimpeiros. Tudo passava por
Capanema pra ir pro Nordeste e tal. Já tinha a corrida do ouro
no Pará) e ninguém fez, agora eu sei que tem ouvires aqui em
Capanema! Foi o primeiro trabalho que o papai fez de joias. Ele
segurou a medalha com o pano molhado pra não quebrar a louça
e soldou a peça.
– Foi isso que ajudou muito ele, essa formação de ferreiro, papai
dizia que o ferreiro era mãe das profissões, quem aprende
trabalhar como ferreiro, ele pode ser qualquer coisa, eu acho que
todas as profissões que você a aprende tem a noção das outras,
você não sabe, mas você tem noção, isso facilita qualquer tipo
de trabalho que você irá fazer, tanto faz ser ferreiro, carpinteiro.
Por exemplo, nós ourives temos que ter uma noção muito grande
de formar uma peça, isso lhe dá outras ideias que geralmente
funcionam.
Numa parada para ele tomar um fôlego, pergunto: – e quando foi que ele
fez a primeira peça? Você sabe? Ele respondeu: – “Eu não sei lhe informar. Eu
só sei dizer que o papai dizia assim:– se você trouxer pra mim fazer, se eu vê
110
uma peça igual, eu faço outra. Ele sempre dizia, qualquer peça faço! Fora o
desafio que ele tinha de como fazer, ele também fazia a ferramenta dele.
Sem dúvida, a proximidade e convivência com o pai fez com que ele se
tornasse um mestre ourives, aquele que ensina outros a fazer joias. Mas ele,
antes de tudo, se tornou também um mestre na arte de narrar sua trajetória como
ourives, pois conduziu seu relato como uma linearidade coerente de uma trama
épica, em que o ontem, agora e o depois se entrelaçaram, conquistando respeito
e atenção de quem o escuta, como se já tivesse um roteiro prontinho para contar
e rememorar sua trajetória de vida. Segundo João Sales, aprendeu contar tudo
isso com seu pai, que ficava na oficina contando para ele e seus irmãos como
foi sua vida. Neste sentido, consigo identificar uma aproximação com o que foi
explicitado por Walter Benjamim sobre o “contador de histórias” (Erzähler).
Ele distingue o narrador sedentário, que é fixado a um lugar e conhece
todas as tradições, do narrador estrangeiro, aquele que traz, de longínquos
lugares, as histórias insólitas. Para ele, estes dois tipos de narradores se
entrecruzaram na Idade Média, em função do próprio modo de circulação de
pessoas nas cidades medievais. O saber das longínquas terras – recolhido pelo
viajante ou marujo – fundia-se com o saber tradicional do homem sedentário no
âmbito do trabalho corporativo medieval, dando origem ao que Benjamin chama
de “extensão real do reino narrativo” 192
Deste modo, o narrador tradicional – em toda a sua heterogeneidade
constitutiva – não é mais que as combinações resultantes da fusão ocorrida entre
o saber do homem sedentário e o do homem estrangeiro, diferentes em tudo
exceto na capacidade de transmitir a experiência. Segundo Benjamin, um
narrador, um contador de histórias, frequentemente insere em seus contos – sem
consciência de que o faz – um conhecimento que pode ser útil ao ouvinte no
futuro. Às vezes sob a forma de um ensinamento moral, às vezes como uma
sugestão prática ou um conselho, a narração não se furta a transmitir um valor
de orgulho no que faz, a fim de convencer a continuação de um ofício entre
gerações. 193
192 BENJAMIN, Walter. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:
____________. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1986.
193 Ibidem.
111
“nunca deixar de ser o que é”, mesmo galgando degraus econômicos diferentes
de seu pai.
Segundo Lima e Carvalho:195
A abordagem semiológica coloca em outros termos aquilo que a
própria sociedade identifica como prova, verdade, testemunho.
A fotografia passa a ser compreendida não como verdade, mas
como marca, isto é, índice. O índice é um tipo de signo que se
define como vestígio do objeto que lá esteve – o referente. A
preocupação com a construção de sentidos, ou, nos termos de
John Tagg, de práticas de significações, colocou a fotografia em
um novo patamar documental, reconhecendo nela uma
capacidade constitutiva das categorias, estruturas e práticas
sociais.
Falar de seu pai fez João Sales lembrar que tem uma fotografia bem
antiga. Ele criança na oficina com o pai e um dos seus irmãos, aprendendo a
fazer joia. Foi buscar a foto para eu vê-la. Esse olhar a foto juntos é um momento
de emoção, de olhos mareados, provocado por suas recordações, as quais o
fazem transbordar de orgulho e afeto por alguém muito importante em sua vida,
mas que me informa que não está mais entre nós materialmente. Seu pai faleceu
em 2007, em Belém. O pai morava com ele até o ocorrido.
Eis a estimada foto vestígio, que traz em si mesma a potencialidade que
o lança imediatamente a redemoinho de emoções via uma memória afetiva: Ela
pode ser considerada um fragmento do passado, um rastro, um vestígio de
lembrança e uma rememoração.
195 LIMA, Solange Ferraz e CARVALHO, Vânia Carneiro de. Usos sociais e historiográficos.
In: PINSKY, Carla Bassanezi (et.al.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2012.
114
Figura 25: João Sales na oficina do Pai dele, em Belém, no ano de 1973.
Fonte: Arquivo Pessoal de João Sales.
João Sales demonstra estar muito feliz em contar sua história de vida, por
meio das aventuras migratórias do pai. Não esconde seu orgulho pela figura
paterna. Está recordando, escavando seu passado, ao mesmo tempo, que está
recontando o que seu pai lhe contou, muitas vezes, quando aprendia com ele a
fazer joia.
Walter Benjamim,196 fala da memória como um meio para escavar e
recordar o passado, pois:
196 BENJAMIM, Walter. “Escavando e Recordando”. In: ____________. Obras Escolhidas II:
rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 239-240.
115
João Sales, quando relembra sua infância, parece, sem saber, que segue
os caminhos propostos por Walter Benjamim na citação anterior, quando me
permitiu conhecer sua trajetória entrelaçada com a de seu pai no mundo da
ourivesaria, mais especificamente no mundo do fazer joias artesanais.
Conta a sua trajetória, a de seu pai e irmãos, em tom épico, em que seu
pai é configurado como um herói, destemido, que enfrenta as adversidades da
vida sem medo. É, segundo João Sales, a lição de vida que ele deixou para ele
e seus irmãos. Ao mesmo tempo, o desafio de se tornar ourives quando narra:
“Quando a pessoa (cliente) chegou, disse: – olha eu fui em todas as oficinas de
Capanema[...]e ninguém fez, agora eu sei que tem ouvires aqui em Capanema!”
Portugal197 afirma que para Benjamin a memória interessa na medida
197 PORTUGAL, Ana Maria. O Tesouro das Lembranças, Vestígios. In: SEDLMAYER,
Sabrina e GINZBURG, Jaime (Org.). Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2012, p. 195-196.
116
198 CHAVES, Ernani. No Limiar do Moderno. Estudo sobre Friedrich Nietzsche e Walter
Benjamin. Belém: Paka-Tatu, 2003.
199 GAGNEBIN, Jeanne-Marie. História e narração em Walter Benjamin. São
Paulo/Campinas: Perspectiva/Ed. Da Unicamp/FAPESP, 1994, p. 209 -211.
117
Ele faz uma pausa em sua fala nesse momento para me mostrar a joia
que fez inspirada na recordação da imagem da canoa com vela, que fazia parte
da paisagem do lugar que morava quando era criança. Eis a joia vela, que,
segundo o mesmo, também é uma santa. Faz ela em prata ou em ouro, usa
técnicas simples ou mais sofisticadas, mistura metal com material natural, como,
por exemplo, os “coquinhos” da pupunha.
A sua narração continua ao responder à questão que lhe faço: - faz tempo
que o senhor faz esse pingente? Ele respondeu: - Faz tempo...desde 2003. [...]
e continuou a narrar sobre a sua vinda para o Pará, sua trajetória de migrante,
do pai ferreiro que se tornou ourives/joalheiro.
Mas antes de ir para Itaituba, João foi para Belém, com seu pai, sua mãe
e seu irmão mais velho, Bartolomeu, pois seu pai estava muito doente e
precisava fazer um tratamento médico urgente. 201
Esse momento foi muito difícil para eles. Seu pai mesmo doente teve que
continuar a trabalhar para o sustento deles e para isso teve que ir sem eles para
Pernambuco, Maranhão e voltar para Capanema, como diz em sua narrativa
abaixo, e o mais difícil para ele, ficar incapacitado para consertar ou fazer joias.
[...] isso doía muito, e os médicos não sabiam por que ele tinha
aquilo, não dava outros problemas enfim... Só sei que na época
os médicos disseram que se durasse dois anos era muito, ai
imaginem o cara que na época tinha o que quarenta, trinta e
pouco?[...] então assim ele ficou meio desesperado, assim como
qualquer um ficaria, e a gente estudava no SESI203.. Eu cansei
de vim chorando de lá, pra casa, achando que o papai tava morto
quando eu achasse ou chegasse? em casa. Era uma coisa doida
pra a gente, não era fácil, e nessa época a gente parou de mexer
com joias. Em 73 pra 74, a gente passou 74, 75 e 76 sem mexer
com joias Papai foi fazer outros tipos de trabalho, como por
exemplo, foi tomar conta de plantação de parente lá em
Pernambuco. Passou um período pra lá. Depois foi tomar conta
de roça de arroz no Maranhão. Era uma usina, mas tinha lá uma
roça da pessoa. Ele tinha que trabalhar na usina e na roça pra
mandar arroz pra cá. Era do Zedoca. De lá ele foi tomar conta
de uma fazenda da mesma pessoa, aqui, em Capanema de
novo, quando foi em 76, ele disse não, não dá, por que tinha o
problema que a gente não tava estudando. [...]
[...] aí quando foi 79, sei lá? Eu tinha uns 16 anos, na época.
Meu irmão tinha 17 pra 18. Ele disse pra gente: olha a gente vai
pra Itaituba. Claro que é meio arriscado! Ele tinha noção dos
problemas que a gente podia enfrentar lá em Itaituba, porque
não era um lugar na frente da Vigia. Na Vigia a gente não via
uma pessoa sem moto durante o tempo todo que a gente viveu
lá. A gente ia pra um lugar que era meio difícil, naquela época,
era muita morte pra lá. Tinha gente que matava as outras
pessoas, era uma loucura. Eu me lembro que a gente viajou
daqui. Belém. Veio da Vigia pra cá de ônibus, daqui pra
Santarém de barco. Passamos 2 meses mais ou menos em
Santarém, a gente tem parente lá, irmãos dele que moram lá,
pra poder entrar em Itaituba. Quando a gente entrou lá, o papai
sempre estava aconselhando a gente: olha eu não quero saber
de nenhuma confusão! Na verdade a gente nunca foi disso, mas
tinha uma preocupação maior por ser um lugar mais violento.
Nessas idas e vindas, a família do Sr. Pedrinho, como era conhecido o pai
de João Sales, cresceu. Ficou uma família com noves filhos. Uma família de
ourives joalheiros.205
Mais uma pausa, para olharmos novamente a foto dele na oficina, com o
pai e um dos seus irmãos, aprendendo a fazer joia. Esse olhar a foto é outro
momento de emoção, de memória afetiva.
Segundo Thomson, 206 a memória resulta de uma composição, em que
as lembranças dos interlocutores da pesquisa são reformuladas de acordo com
as situações vivenciadas, permeadas de sentidos que entrelaçam vidas passada
e presente, de acordo com o intercâmbio entre suas trajetórias individuais e
sociais. Neste sentido, as experiências de João Sales e sua família de origem
podem ser contextualizadas num contexto mais amplo das experiências de
migração do Nordeste para a Amazônia do Pará, onde os deslocamentos eram
intensos como ele destacou em sua narrativa: “Saímos de Capanema em 68 e
205 Ibidem.
206THOMSON, Alistair. Recompondo a memória; questões sobre a relação entre História
Oral e as memórias. In: Revista Projeto História. São Paulo, v. 15, abril de 1997, 51-84.
122
207 Idem, p. 57
208 DELGADO, Luicilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
209 LEÃO, Dione do Socorro de Souza. “O Porto em narrativas: experiências de
trabalhadores, moradores e frequentadores da área portuária de Breves-Pa (1940-1980)”.
123
João Sales, com vinte e um anos, casou com Telvia, sua namorada de 17
anos de idade, no ano de 1985, em Itaituba, onde passou a maior parte de sua
adolescência e juventude. Eles fizeram neste ano, 2015, 30 anos de casados.
Segundo Eckert,212
Em 1995, decidiu vir para Belém, por causa das dificuldades financeiras
que estava enfrentado em Itaituba: “Nessa época de 96 e 95 [...] tava todo mundo
quebrado não tinha serviço, antes era muito e agora era pouco, a gente começou
a conversar e em 95 vim pra cá, aqui em passei uns apertos danados.”213
Ele veio para Belém, primeiro sozinho, depois trouxe a esposa e suas três
filhas. Assim ele conta sua própria aventura de viver nessa época:
Disney, criado por Carl Barks. Sempre ao lado de seu pequeno companheiro Lampadinha. É um
inventor genial que vive criando aparelhos e engenhocas que dão origem a grandes aventuras
da Família Pato. A popularidade do Prof. Pardal é tão grande que, na realidade, seu nome
acabou se tornando adjetivo para quem também costuma inventar coisas inusitadas. Disponível
em: http://www.disneypedia.com.br/personagens/prof-pardal/, acessado em 12/01/2010.
127
224 Entrevista com Rosângela Novaes, em maio de 2015, em seu local de trabalho atualmente,
a Universidade Estadual do Pará, onde exerce o cargo de Professora e coordenadora do curso
de Design de Produto. Hoje presta serviço de consultoria em design de Joia no Polo Joalheiro.
225NUNES, José Tadeu de Brito. Elementos da Biodiversidade Amazônica no Pensar-Fazer
de Joalheiros de Belém: a vivência como educação. Dissertação apresentada como requisito
para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade do Estado do Pará. Belém,2013.
128
226 Sua pesquisa está pautada para ser apresentada no programa Eco Record de Belém, o qual
é um boletim informativo sobre como é possível uma vida mais sustentável. Também está
postada no portal de notícias do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos, Infojoia.
129
produtos para que seja garantida sua autoria nestes feitos. Eu faço parte desta
empreitada.
232 JURANDIR, Dalcídio. Chove nos Campos de Cachoeira. Belém: Cejup/Secult, 1997.
______. Marajó. Rio de Janeiro: José Olímpio,1947.
233 VIDAL, Elizabeth de Lemos. Memória e Identidade em Marajó, de Dalcídio Jurandir.
Revista em Tese. Belo Horizonte, v. 6, ago. 2003, p. 85-92.
234 JURANDIR, Dalcídio. Chove nos Campos de Cachoeira. Belém: Cejup/Secult, 1997, p.
17.
235 Atualmente Espaço São José Liberto, onde abriga o Polo Joalheiro, lócus de referência
desta pesquisa.
132
fascismo publicamente. 236 Lembro que hoje esse espaço foi transformando no
Espaço São José Liberto, onde foi instalado o Polo Joalheiro, o qual é o lugar de
referência de trabalho de Paulo Tavares. Portanto, suas vidas se entrecruzam,
de algum modo, num mesmo espaço, por meio de experiências em épocas
diferentes.
A trajetória de Paulo Tavares continua a ser contada entre o ontem e o
hoje. Quando completou 12 anos de idade, o pároco de Ponta de Pedras o levou,
junto com irmão mais velho, para morar no seminário, pois sua mãe queria que
eles fossem padres. Morando lá, passou a receber treinamento na oficina de
marcenaria, mas não gostava do que estava fazendo, “não se identificou”, fato
que relatou para o pároco e este resolveu então colocá-lo na oficina de
artesanato de cerâmica e, segundo ele, “foi tudo de bom”. Passava o dia todo e,
muitas vezes, dormia na oficina para fazer objetos de cerâmica que criava; numa
dessas vezes, dormiu dentro do forno e se espantou pela manhã com o instrutor
acendendo o forno. Por sorte, conseguiu sair correndo, evitando que se
queimasse. Levou um baita de um susto e ainda foi punido.
Aos 15 anos, resolveu vir para Belém. Veio para o seminário, mas já sabia
que não queria seguir a vida sacerdotal, só não sabia o que iria fazer. Conheceu,
por intermédio de um de seus colegas seminaristas, o Sr. Joel, que era ourives
e tinha uma oficina no Jurunas. Segundo seu relato, foi conhecer a referida
oficina e se encantou com o que viu, passando então a frequentá-la. Seis meses
depois, abandonou o seminário para morar na oficina, tornando-se, a partir de
então, ourives.
O trabalho de ourives vingou e alugou uma casa no mesmo bairro da
oficina e, dois anos depois, trouxe a família toda para morar com ele. Seu pai se
empregou como vigilante em uma escola pública, sendo assassinado por
assaltantes, após cinco anos de serviço. Nessa ocasião, Paulo Tavares estava
morando, por dois meses, em Brasília, por ter sido convidado para trabalhar
numa empresa de ourivesaria. Estava se preparando financeiramente para levar
a família. Mas teve, por esse ocorrido, de mudar seus planos. Veio embora e
tornou-se o principal responsável pelo provimento da família.
236 JURANDIR, Dalcídio. Chove nos Campos de Cachoeira. Belém: Cejup/Secult, 1997, p.
291.
133
Quando seus pais e irmão vieram também para Belém e fixaram moradia
na cidade. Ele afirma que:
[...] a gente vendeu nossa casa e nossas terras, que era muito
grande. Faz muito tempo que eu não volto lá, mas todo ano
planejo ir, mas ainda não deu. A gente pescava todo mundo
junto, fazia tudo junto, uma família muito unida, até hoje. Tinha
uma época que os lagos secavam e a gente tinha facilidade de
pegar tudo...pegava muito peixe, como não tinha geladeira,
salgava o peixe e guardava para quando não tinha muito. A partir
do mês, quando começa o mês de janeiro começa a Piracema,
quando terminava tinha a safra do açaí, a gente pegava e vendia
barato...a gente vivia conforme as coisas da natureza...Hoje em
dia muita gente não respeita a natureza, mas é preciso respeitar.
[...]
Essa sua fala me remete à obra do Bachelard, quando ele fala da memória
da infância sempre romantizada nas narrativas, no seguinte trecho:
Mas a terra natal é menos uma extensão que uma matéria; é um
granito ou uma terra, um vento ou uma seca, uma água ou uma
luz. É nela que materializamos os nossos devaneios; é por ela
239 BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São
Paulo, Martins Fontes, 1997, p. 09.
240 Seu corte para extração de tintura para confecção de tecidos, para a elite europeia, foi a
primeira atividade econômica dos portugueses, no século XVI, quando iniciaram a colonização
do nosso país. Como consequência dessa super exploração, até hoje, ela se encontra em perigo
de extinção. SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015.
136
241IBGM é uma entidade nacional de direito privado, sem fins lucrativos, criada em 1977 com o
objetivo de representar toda a cadeia produtiva do Setor de Gemas, Joias e Bijuterias e Relógios.
Sediada em Brasília/DF, conta com escritório em São Paulo/SP e uma equipe de cerca de 30
colaboradores e consultores. http://www.ibgm.com.br/.
137
À base de vitória-régia
Quando perguntei a ele como se define pelo que faz, respondeu: - “sou
hoje um pesquisador que não tem sossego, sem estudo, que aprende no livro da
natureza. É na natureza que busco respostas para as minhas dúvidas, para as
minhas noites sem dormir”.
Paulo confessou que sofre de insônia, pois vive num “rio nervoso de
ideias”, já teve e continua a ter muitos problemas de saúde por conta disso. Há
oitos anos atrás, ele sofreu um aneurisma, que afetou sua memória, a qual vem
recuperando cada vez mais. Tal ocorrência fez com que Paulo Tavares perdesse
muitos dados e resultados de suas pesquisas, pois nada foi escrito sobre isso,
por estar ligado a um contexto de tradição oral, que não tem o hábito e nem a
habilidade necessária para produzir registros escritos. Também se define como
um “sonhador” de dias melhores para todos.
245 http://novo.infojoia.com.br/noticias/interna/14277/Metal-Morfose.
246 GRUZINSKI, Serge. As quatro partes do Mundo: Histórias de uma mundialização.
Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: EDUSP, 2014.
247 Central de notícias do Portal do Governo do Estado.
http://www.pa.gov.br/noticia_interna.asp? Entrevista de Paulo Tavares realizada em 18/07/2012.
144
248Paulo Tavares assina esta exposição com Mônica Matos, produtora, ourives e responsável
principal pelo designer das peças. Ela e Paulo são sócios de uma pequena empresa de
comercialização das joias, em que ela assume tal tarefa, enquanto Paulo se dedica as suas
pesquisas e invenções.
249 Declaração feita na reportagem postada na Agência de Notícia do Pará.
http://www.pa.gov.br/noticia_interna.asp?id_ver=103872.
250http://joalheriadearte.com.br/noticias/n030606a.html.
145
viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas
ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente
sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com
muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo de
errante, que tenha alegria na mudança e na passagem. Sem
dúvida esse homem conhecerá noites ruins, [...] Isso bem pode
acontecer ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as
venturosas manhãs de outras paragens e outros dias, quando já
no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de musas
passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no
equilíbrio de sua alma matutina, em quieto passeio entre as
árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente coisas
boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em
casa na montanha, na floresta, na solidão, e que, como ele, em
sua maneira ora feliz ora meditativa, são andarilhos e filósofos.
Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é
possível que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do
sino, tenha um semblante assim puro, assim tão luminoso, tão
sereno-transfigurado: – eles buscam a filosofia da manhã “.
F
Figura 37: Paulo Tavares e Mônica Matos na Exposição “Digitais da Amazônia”
Fonte: http://www.infojoia.com.br/news_portal/noticia_12900. Reportagem posta em 24
de julho de 2012.
Figura 38: Peça pingente Curuatá feito em bronze. Criação Mônica Matos, com
gema vegetal feita de Açaí, criada por Paulo Tavares. 256Fez parte de uma
exposição na cidade de Roma, na Itália, em fevereiro de 2013.
Fonte: http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2012/11/designers-do-polo.
O Curuatá seria:
256Curuatá é o Invólucro que protege os frutos das palmeiras e também serve de recipiente para
os índios e ribeirinhos, que colocam dentro deles os frutos coletados na floresta.
http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2012/11/designers-do-polo.
149
Pinsky diz que: “uma das propostas da História preocupadas com gênero
é entender a importância, os significados e a atuação das relações e
representações de gênero no passado, suas mudanças e permanências dentro
dos processos históricos e suas influências nesses mesmos processos”261
Nesse aspecto, as ourives/designers aqui em destaque vivenciaram, de
alguma maneira, relações de gênero e trabalho, como as entrevistas anteriores
indicam, pois, tradicionalmente, o ofício de ourives é considerado um trabalho
masculino. Contudo, construíram uma história de mulheres no mundo das joias
no Polo de superação, em alguns casos, dessa discriminação. Ou de
reconhecimento profissional, driblando essas relações. .
Essas mulheres ourives são representadas aqui por Ivete Negrão, Camilla
Amaral, Lídia Abrahim, Selma Montenegro e Marcilene Rodrigues., por terem
uma trajetória no Polo como ourives/designers. Adiante mostro e analiso essas
trajetórias.
260 RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. Cadernos Pagu (11) 1998: p.
90. Disponível em: file:///C:/Downloads/cadpagu_1998_11_8_RAGO.pdf. Acessado em 10 de
junho de 2012.
261 PINKY, Carla. Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, Florianópolis,
17(1): 159-189, janeiro-abril/2009, p. 162.
262Concedida no dia 30/08/2012, no Espaço São José Liberto, p 105.
153
Sua infância, como a de João Sales, foi marcada pela intensa relação
afetiva com seu Pai:
Pois somente vai encontrar a mãe quando fez 15 anos de idade: “Minha
mãe foi morar em Juruti no Pará, só fui conhecer ela realmente com 15 anos de
idade”. Apesar dos conselhos do “pai moderno”: [...] “eu casei e vim morar pra
Belém.” Disse-me nesta entrevista que casou com 17 anos. O casamento trouxe
a possibilidade de reencontrar com a mãe. [...], “Mas como é o destino de Deus...
quando casei, ela veio morar comigo e me ajudou a criar minhas filhas e não
saiu mais de perto de mim.”
Como Paulo Tavares, a floresta foi seu habitat na infância: “O rio, a mata,
a natureza são muito importantes pra mim, estão sempre em minhas lembranças
e na criação de minhas joias.”
A trajetória dos e das ourives em destaque até aqui tem em comum suas
trajetórias de vida entrelaçadas com a Amazônia como espaço geográfico, mas
que, por outro lado, aparece como um lugar simbólico, no sentido de significados
de várias “Amazônias”. Uma da floresta, por Paulo Tavares, do Marajó, em que
a floresta vira um mar de rio em determinadas épocas do ano. A da floresta de
Ivete, que é mata fechada da beira do rio Negro, e a do garimpo de João Sales.
154
263NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto
História. São Paulo, v. 10, p. 15, 1993.
264 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
265 HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: a modernidade na selva. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
155
O Polo Joalheiro tem uma linha de joias com este material, feita por seus
vários ourives e designers.
Nesse contexto surgiu uma pergunta: “Como a Amazônia vai aparecer nas
representações dos migrantes nordestinos que vão estabelecer o diálogo entre
as imagens trazidas das paisagens dos estados do nordeste com aquelas
experenciadas no universo do deslocamento para a Amazônia?
Lacerda268 trata da migração nordestina ao Pará, entre 1889 e 1916,
mesmo assim contribui para entendermos como a seca do sertão cearense está
entrelaçada com a floresta e o rio no Pará, por meio das trajetórias dos sujeitos
envolvidos no processo migratório de várias épocas. Nesse processo, incluo a
trajetória de vida de João Sales, exposta anteriormente. Nesse sentido, Lacerda
aborda a natureza cearense e a natureza amazônica, em termos das
representações contidas na tradição oral, ou seja, nas “Histórias fabulosas que
ouvimos na infância”.
Desse modo, a mesma autora demonstra que as representações sobre a
Amazônia nesse contexto de migração se voltam ora para um espaço de floresta,
266 JURANDIR, Dalcídio. Marajó. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, 2008.
267 Conhecido como anel de tucum, uma palmeira nativa da Amazônia, que dá frutos
chamados de Tucumã. Hoje é bastante comercializado.
268 LACERDA, Franciane Gama. Migrantes Cearenses no Pará: faces da sobrevivência
(1889/1916). Belém: Editora Açaí, 2010.
156
de abundância de água por conta dos rios e animais, ora como um lugar perigoso
para adquirir doenças. Também, como o Pará é visto pelos migrantes cearenses
como um lugar da fartura, onde há um futuro de prosperar na vida.
O rio aparece como um elo que une os três relatos orais apresentados até
aqui. João Sales, Paulo Tavares e Ivete destacam como a infância deles na
beira do rio inspirou atualmente a criação e produção de suas joias.
Por meio do rememorar suas infâncias e relacioná-las com o criar e fazer
de suas joias, eles se remetem a um jogo entre tempo e memória. De acordo
com Delgado, 269
Assim, a designer ourives Ivete narra sua trajetória de vida, com destaque
para o fato de como o designer de joias entrou em sua vida:
Nesse caso, o passado não se apresenta tal como ele foi, mas sempre
como algo novo que rompe a barreira do esquecimento para se tornar presente
no ato de lembrar, o qual é sempre permeado de sentidos (que pertencem ao
âmbito particular, individual, de modo revelador de experiências agradáveis ou
desagradáveis) e significados (que pertencem ao âmbito social e cultural, de
modo descontinuo).273
Por essas veredas revela
GINZBURG, Jaime (Orgs.). Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2012.
273CHAVES, Ernani. Sexo e Morte na Infância Berlinense, de Walter Benjamin. In:
SELIGMANN–SILVA, Márcio (org.). Leituras de Walter Benjamin. São Paulo: FAPESP,
Annablume, 1999.
158
274 SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de Memórias em Terras de História: problemáticas
atuais. In: BRESCIANI, Stella e NAXARA, Márcia (Orgs.). Memória e (Res) sentimento:
indagações sobre questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp, 2004.
159
Como foi visto, a sua infância foi vivida às margens do rio Negro, entre o
carinho de seu pai e peraltices, uma delas era brincar de fazer joia. A brincadeira
virou alimento de sua alma na vida adulta. Isso pode ser verificado por sua
dedicação cotidiana em ser designer e ourives, pois, segundo ela, nunca vai
desistir dessa sua dupla atuação profissional no setor joalheiro. Nas imagens
adiante, pode ser vista praticando suas duas paixões profissionais, criar e fazer
joias:
Sua trajetória como ourives é mais uma, entre tantas, das histórias das
mulheres, mas, apesar das especificidades, sua história de vida encontra eco
com a história daquelas que somente foram buscar sua realização profissional
quando seus filhos se tornaram adultos, ou seja, quando ficaram mais livres dos
afazeres domésticos e de suas responsabilidades como mães. Faz parte
também da condição social das que, mesmo sendo “dona de casa”, sempre
contribuíram com a renda familiar, no seu caso, como costureira.
Mary Del Priori278 afirma que, no Século XX, de modo geral, as mulheres
ganham visibilidade, provocada por publicações escritas por elas mesmas, sobre
o seu cotidiano e as práticas femininas. Todavia, para alcançar essa situação,
muitas mulheres tiveram que ser corajosas desbravadoras para ocupar lugares
sociais, que foram, durante muito tempo, privilégios somente dos homens e
devotar suas vidas a remar contra a invisibilidade das mulheres nos registros
escrito públicos.
Por isso não se pode falar da história das mulheres sem fazer destaque à
historiadora Michelle Perrot, por ser uma das pioneiras na construção dessa
história, a partir de 1973, quando elaborou e ministrou o curso “As mulheres têm
uma história?”, em conjunto com Pauline Schmitt-Pantel e Fabienne Bock.
Rachel Soihet demonstra detalhadamente esse seu percurso no texto intitulado
278DEL PRIORE, Mary (Org.). Apresentação. In:_________. História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: Contexto, 1997.
163
279 SOIHET, Rachel. Michelle Perrot. In: LOPES, Marcos Antônio; MUNHOZ, Sidnei J.
(Orgs). Historiadores de nosso tempo. São Paulo: Alameda, 2010, p. 193-212.
280 PEDRO, Joana Maria. Um diálogo sobre mulheres e história. Revista Eletrônica Ponto de
Vista. Estudos Feministas, Florianópolis, 11(2): 360, julho-dezembro/2003.
281 BASSANEZI, Carla. Mulheres dos Anos Dourados. In: DEL PRIORE, Mary (Org.).
História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 609.
164
É uma mulher, entre muitas mulheres, que vem escrevendo uma história
das mulheres, sem se impor dicotomias, mas conciliando seus vários papéis
sociais, de mãe, esposa e profissional bem sucedida e realizada, apesar das
permanentes dificuldades cotidianas que vivencia. Nesse sentido, Ivete Negrão
está muito próxima da “mulher, mulheres” de Lygia Fagundes Telles282, a saber:
3.2. Camilla Amaral, a ourives designer com uma veia artística de herança
Camilla Amaral narrou sua trajetória de ourives, artesã, designer de joia e
empresária, em seu lar, onde mora com seu marido, duas filhas, sua mãe e avó,
no dia 10 de março de 2013. Morava também com o avô, mas este já não
pertence ao mundo dos vivos. Passamos uma agradável tarde juntas. Entre
goles de café e o degustar de um delicioso bolo de chocolate, ela fez o relato
que exponho a seguir:
Camilla concilia as três coisas (dona de casa, esposa e artesã), ela não
tem uma trajetória tão distante de Ivete, mesmo sendo de gerações diferentes.
A imagem dos anos dourados e trabalhadora estão imbricadas.
282 TELLES, Lygia Fagundes. Mulher, Mulheres. DEL PRIORE, Mary (Org.). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p.672.
165
Puxando outro fio de sua memória narrou mais sobre sua trajetória de
vida:
[...] O meu bisavô não era daqui..., mas ele vendia e comprava
mercadoria. Ele era do Rio. Ele fazia esse intercâmbio: Rio de
Janeiro, Belém e Ilha do Marajó. Ele foi trocando mercadoria por
pedaço de terra. Ele tinha um pedaço imenso do Marajó, depois
ele dividiu entre os filhos, então meu avô ficou com uma parte.
Eu cresci por lá e aqui.
Afirma que sua veia artística foi uma herança de seu avô:
sentando numa cadeira na universidade! Vou ser reconhecida pelo meu talento,
meu brilho e pela marca de minhas peças.”288
Ivete passou por isso também e, por esse motivo, foi buscar, segundo ela,
este estudo de faculdade tão importante para ter um reconhecimento naquilo que
se faz. Isso se tomou uma experiência tão relevante que gerou e vem gerando
um movimento no Polo de Joalheiro de mulheres que, depois de muitos anos
sem estudar (6 mulheres e nenhum homem, nessa situação), fizeram ou estão
fazendo o ensino superior em instituições particulares ou públicas,
predominantemente nas áreas de designer e moda.
Nessa discussão entre saberes técnicos e artes de fazer, enquanto
habilidades de criação, inovação e autenticidade, Benjamim deixou sua marca
clássica ao expor suas ideias sobre a tensão existente entre a reprodução serial
da obra de arte e sua autenticidade:289
Assim, cada obra, peça feita no Polo Joalheiro, agrega em si tais tensões
e se torna um meio de escrever a trajetória de vida daqueles e daquelas que
pertencem ao seu universo.
Desse modo, Camilla conta como entrou para o Polo Joalheiro:
290LIMA, Beth e LIMA, Valfrido. Em Nome do autor: artistas, artesãos do Brasil. São Paulo:
Proposta Editorial, 2008. Patrocinado pelo Ministério da Cultura. Disponível em:
http://artedobrasil.com.br/para.html. Acessado em 20 de fevereiro de 2016.
170
pedia pro Naldo cravar, ficava sempre uma aliança com uma
pedrinha e sempre tem um amigo que quer, um parente, aí eu
saí vendendo. Quando chegou na parte do solitário, a última
parte do curso, eu fiz seis solitários. Eu fazia e vendia. Um dos
solitários que vendi foi pra minha madrinha. Eu fiz uma peça,
apesar de ser simples, simples entre aspas. Tu sabes aqueles
anéis que tem três alianças entrelaçadas, ela tem todo o um
cálculo que tem que fazer pra ela dá no teu dedo. O comum era
fazer as alianças finas e eu queria fazer grossa. O Naldo falou: -
olha tu vais apanhar pra fazer essas alianças. Eu respondi: eu
vou conseguir, tu vais ver e ela vai caber nesse meu dedo aqui
que eu quero usar. Eu consegui de primeira...fiz durante o curso,
porque como eu aprendia a fazer as coisas rápidas e aprendi a
fazer coisas extras. Eu fiz um cálculo lá e fiz. Deu certo e dei de
presente pra minha sogra. Foi importante pra mim o meu
instrutor elogiar que as minhas peças eram perfeitas. Era muito
gratificante pra mim. Eu fiz uma peça que uma aliança boleada
em cima, dá muito trabalho para fazer, mas eu fiz e ficou
perfeitinha...e eu fiz uns traços marajoara. Eu dei essa peça pra
minha Vó. Eu aprendi muito mais que o curso normal me
oferecia.
Camilla é uma das poucas pessoas que participam do Polo Joalheiro que
transita com muita habilidade na cadeia produtiva da joalheria como criadora da
ideia da joia, de sua produção artesanal na bancada e comercialização da
mesma. Ela é o faz tudo na realização de seu ofício.
O Marajó mais uma vez aparece em seus relatos sobre as inspirações de
sua criação.
299 V Pará Expojoia Amazônia Design: A Poesia das Águas Amazônica. Belém: IGAMA,
Sedect, Sema e Sebrae-Pa, 2008, p. 12. (Catálogo de Joia). Fotografia: Leg.
300 CANCELA, Cristina Donza. Casamento e Família em uma Capital Amazônica (Belém
1870-1920). Belém: Editora Açaí, 2011.
178
3.3. Lídia Abrahim, a designer ourives encantada pela arte do saber e fazer
manual
Lídia Abrahim é uma designer que se tornou ourives para poder ter mais
controle do processo produtivo de suas criações e, consequentemente, dar mais
qualidade a estas, pois suas joias condensam a sua necessidade de se
expressar artisticamente. Todavia, segundo ela, “com o pé no chão”. Por isso,
investe também na produção de joias comerciais, que vende na loja Una e
também por conta própria. Apresento-a também em fotografia:
301 MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho. Bauru:
Edusc, 2002, p. 26.
302 Idem, ibidem, p. 28.
180
Mas a paixão pelo que fazia quando criança foi tomando novas
proporções. Do trabalho manual foi para o artesanato. Essa sua dedicação foi
desaguando em uma busca para uma profissionalização:
Foi assim que não parou de criar e fazer joias. Contudo, procurou sempre
conciliar sua atuação na joalheria com outros trabalhos artesanais.
Por outro lado, foi tentando iniciar sua participação no Polo Joalheiro:
Mas conta que ainda não foi dessa vez: “Mas nessa oficina eu desenhei
só embalagem, não deixaram eu desenhar joia. Mas eu fiquei em contato com
eles. Os meus desenhos pro João Sales só foram acontecer depois.” Ou seja,
não conseguiu se integrar ao Polo Joalheiro logo, porque foi dito a ela que ainda
não estava em condição profissional para tanto e os cursos que estavam
acontecendo pelo Polo eram muitos fechados. Isso a fez decidir pela busca de
uma formação na joalheria fora de Belém.
Diz que somente tempo depois fez de fato um curso ofertado pelo Polo
Joalheiro: “Eu só fui fazer um curso de joalheria no Polo em 2010, com o Paulo
e o Fábio. E depois eu fiz cravação básica com o Tiago Sales.” Começou então
sua atuação como ourives e designer no Polo Joalheiro e seus desafios não
foram poucos, como relatou a seguir:
No caso do João Sales não, porque era ele que fazia as peças
e a gente dialogava e resolvia os impasses e chegávamos às
soluções. Eu percebia que eu trocava muito informação e
aprendia muito, até novas técnicas nessa parceria. Eu aprendi
muita coisa com o Tiago Sales de cravação, de articulação, do
efeito que faria nas joias, de ergonomia, em termos de conforto
da joia. Eu aprendi muita coisa com os Sales, de liga, muita
coisa...mesmo. Eu me coloquei na posição de aprendiz. Por um
lado, se eu já dominava o processo de criação interessante pra
eles e por outro eu sentava na bancada como uma ourives
184
Como sua inquietude não tem limite foi alçar novamente novos voos:
Por outro lado, Lídia Abrahim também verbaliza que sua diferença em
relação a outras adolescentes de sua época está em gostar de trabalhos
manuais considerados trabalho de mulher, enquanto suas colegas repelem
esses trabalhos, o que não a impediu de adentrar no universo dos ourives,
considerado tradicionalmente “lugar de homem”.
305 Ibidem.
306 ALBERTI, Verena. Introdução. In: ___________. Ouvir Contar: Textos em História Oral.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
307 Ibidem, idem, p. 9 -10.
308 Ibidem, idem, p. 10.
187
309 Ibidem.
310REVEL, Jacques. Micro-história, macro-história: o que as variações de escala ajudam
a pensar em um mundo globalizado. Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris,
Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010.
188
Lídia Abrahim vem fazendo sua história com fatos que contribuíram e vêm
contribuindo para fortalecer a própria história social da joia do Polo Joalheiro
para além de nossa fronteira regional. Um grande marco nessa sua trajetória foi
conseguir ser selecionada no renomado concurso de design de joia, em 2010,
promovido pela AngloGold Ashanti, maior produtora de ouro do País e uma das
Garota de ouro
A edição 2012 do concurso de design de joias AuDITIONS Brasil ganha uma nova musa.
A escolhida é Tais Araújo.
Da redação - A atriz Taís Araújo é a nova golden girl do AuDITIONS Brasil, a versão
nacional do maior concurso de design de joias em ouro do mundo, que este ano tem o
tema Brasilidade. Ela substitui a modelo Luiza Brunet, que ocupou o posto na edição
anterior da competição.
Dona de uma beleza tipicamente brasileira,
representante do mosaico de raças e culturas
que caracterizam nosso país, a atriz será a
imagem do AuDITIONS Brasil em 2012 e 2013,
quando participará, como Golden Girl, de fotos,
desfiles e eventos para divulgar o concurso,
promovido pela AngloGold Ashanti, maior
produtora de ouro do País e uma das maiores
do mundo.
Tais Araújo é carioca, formada em jornalismo.
Além de novelas, já fez teatro, cinema e atuou
como apresentadora do programa Superbonita,
do canal GNT. Atualmente está em cena como
Penha, uma das personagens principais da
novela Cheias de Charme, da TV Globo. Taís,
aliás, foi a primeira protagonista negra de uma
novela brasileira, quando fez o papel de Xica da
Silva, na extinta TV Manchete.
“Eu já acompanho a AngloGold faz um tempo.
Vi as campanhas, vi as meninas fazendo,
sempre achei lindo. Então é uma honra, um prazer estar nessa campanha pelos próximos
dois anos”, declarou a atriz, que já havia sido sondada para ser a golden girl em 2004, mas
não pode aceitar por conta de sua agenda. Na época, a escolhida foi Janaína Lince.
“Quando escuto falar em brasilidade, me vem uma enxurrada de cultura brasileira,
obviamente. Nossa música, nossa comida, nosso povo, nossa gente… Eu espero que os
designers se inspirem muito e possam reunir tudo isso e dar uma cara de Brasil de verdade
à coleção. A gente tem uma cultura riquíssima, vasta. Tem muita coisa para
aproveitar”, acrescenta Tais.
190
Figura 196: Tais Araújo veste a joia "Festival", design de Imara Angélica Macêdo Duarte
(finalista em 2008) e os anéis "Prece" - design de Lidia Mara Pereira Abrahim, finalista
em 2010. Fotos: Robert Schwenck / Make: Wilson Eliodório.
Fonte: http://www.joiabr.com.br/noticias/n120512a.html.
Já foram três designers do Polo Joalheiro que conseguiram estar entre os
projetos de joias selecionados neste concurso. Clara Amorim foi a primeira que
conseguiu:
313Ibidem.
314Ibidem.
192
315 Idem.
316ANGLOGOLD Ashanti. Disponível em: http://www.bdlive.co.za/business/
mining/2016/04/08/ anglogold-calls-for-obuasi-action. Acessado em 16/04/2016.
193
Depois de Macapá, a vida lhe trouxe para Belém, onde continuou a investir
em sua formação de artesania artística:
Mais uma menina do interior que vai para a capital. No seu caso, muito
criança ainda para estudar, mas o lugar da memória da infância das palhas,
fibras e sementes vem à tona e agrega valores de querer a natureza em suas
peças. Segundo seus relatos, primeiramente, meio sem se dar conta, mas depois
reconhecendo a necessidade de preservação dessa natureza.
Como Ivete e Paulo, Selma descobre que o lugar da infância traz conteúdo
para subsidiar sua participação no movimento político e social ecológico que vem
se espalhando pelo mundo já algum tempo. Nesse caso relacionado à Amazônia
em tal contexto. Num movimento de descobertas de si e do mundo que o cercam.
Mas qual Amazônia? Eis a questão. Para eles, a Amazônia dos metais, das
gemas, dos rios, da fauna e da flora. A Amazônia que requer sustentabilidade.
Eles vêm participando de fóruns de debates sobre esse tema.
Segundo o relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD) das Nações Unidas, conhecido sob o título “Nosso
Futuro Comum”, apresentado em 1988, o desenvolvimento sustentável, um dos
eixos da política pública vinculada ao Polo Joalheiro, pode ser compreendido
como:
[...] mas eu tenho esse lado do desenho, que é mais forte do que
qualquer outra coisa em mim e da criatividade também que é
forte, juntando os dois, comecei a desenhar joia, sem saber
ainda desenhar. Sabe quando tu faz uma coisa e tu te encanta.
Poxa! Com é se faz mesmo uma joia? Comecei a me perguntar
sobre isso. Comecei a desenhas sem saber a técnica de como
fazer isso no papel de modo apropriado. Eu fica visualizando em
minha cabeça e depois desenhava. Imaginava e desenhava
assim... aleatoriamente... Desenhava muita geometria, que é
uma coisa muito forte em meu desenho, mais pro lado do
contemporâneo. Então eu decidi, quero trabalhar com joia. Aí eu
comecei a bisbilhotar ...Foi quando eu conheci uma pessoa que
me dizia: não tem que só querer fazer...tem que fazer. Foi
quando ela viu na televisão, na RBA, uma propaganda do curso
da Rosângela Gouveia de design básico pra joalheria. Sabe que
a pessoa fez? Anotou o telefone tudinho e me ligou, falou e me
convenceu a ir lá, no CCBEU. Foi o primeiro curso que fiz na
área de joia. Foi antes do Polo ir pro São José liberto. Foi através
da Rosângela que eu comecei. Tinha que comprar um material
e pagar um valor. Fiz o curso. Conheci ela e gostei muito dela.
Ela é professora mesmo, quando ela vê o talento do aluno, ela
ajuda.
Enfrentou, segundo seu relato, que teve, como Ivete e Lívia, dificuldades
para conseguir ser aceita como membro do Polo Joalheiro.
Não parou de sonhar e realizar. Sempre buscou alcançar novos voos, por
meio de seus próprios méritos, de forma solitária. É sempre muita discreta em
seu jeito de ser e realizar seus projetos.
Eu fui atrás de um caminho...não sei se vai ser em Belém, eu
pensava.... mas eu vou ser isso. Qual foi o caminho...foi eu ter
minha loja (no Polo) e explorar meus projetos, porque Belém se
for viver de projeto de joia...eu tava lascada...Em 2007, eu
consegui então minha loja. A questão é tá te olho nas
oportunidades sempre. Eu abri a minha loja sem dinheiro
nenhum, mas eu tinha tanta certeza do que eu queria...que abri
e tá dando certo.
Considera que já obteve muitas conquistas, mas sempre quer ir mais além:
199
Quis contar com mais detalhe como foi sua entrada no Polo Joalheiro:
321Grifo nosso, com base no artigo: Criatividade, design e inovação. Disponível em:
www.designbrasil.org.br/portal/artigos. Acessado em março/2010.
201
322 QUINTELA, Rosângela. Um design Inovador nas Joias do Pará. In: Joias do Pará: design,
experimentação e inovação tecnológica nos modos de fazer. Rosa Helena Nascimento Neves,
Rosângela da Silva Quintela, Rosângela Gouvêa Pinto e Anna Cristina Resque Meirelles,
organizadoras. Belém: Paka-Tatu, 2011. (p. 99 - 105)
202
italiano Stefano Ricci, a joia deve e pode ser uma obra de arte, mas para isso
deve se libertar da imagem de ser apenas um objeto de consumo, ou seja, deve
ser mantida a liberdade expressiva da arte.323 Critica, assim, a joia
contemporânea, por considerar que esta perdeu a prerrogativa citada antes, por
corresponder somente aos apelos do mercado joalheiro, nos moldes do sistema
capitalista. Nesse sentido, considera que somente se reconsiderando o que foi
a joia no passado é que esta pode retomar sua interação com arte.
Desse modo, mostra que existe na obra de arte uma forma, um modo de
fazer manual, impossível de ser reproduzido pela máquina, que é responsável
pela produção em série, pois essa forma de produção retira a criação humana
individual de cena, a experiência única, que, o mesmo autor, denomina de “aura”.
Ele conceitua aura da seguinte maneira: “É uma figura singular, composta de
elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por
mais perto que ela esteja”. 325
Eliana Gola define a joia como uma obra de arte, a joia criativa, que
apresenta as seguintes características: inovação, técnica, estética e impacto
visual. Por isso, ela diz que nem todas as joias podem ser qualificadas como
obras de arte.326
327MATOS, Maria Izilda e BORELLI, Andrea. Trabalho. In: PINSKY, Carla Bassanezi e
PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p.12.
328 BOSI, Écléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz;
Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
204
das condições e posições subjetivas do sujeito.” 329 Noemi Jaff afirma que: “O
passado só se reconhece no presente. Ele só existe no presente, pelas
lembranças de quem os rememora. O passado está inevitavelmente ligado às
pessoas, à linguagem, à sua narração, à sua compreensão por quem o recupera,
seja por lembrança, seja por objetos que vêm dele.”330
Fala de sua árvore genealógica, pois tem muita importância para ela:
Conta como seu tataravô veio de Portugal para o Brasil.
O tataravô de meu pai veio pra cá, para o Brasil. Ele veio pro
interior do Pará. Aconteceu um episódio em família e ele veio
fugido pra cá, pro Pará. Ele não queria casar e fugiu do
casamento. É eu que faço a árvore genealógica da família. Ele
veio cedo pra cá. Seu Antônio Torres Bastos foi o primeiro a vir
pra cá. Depois vieram seus irmãos. Eram três irmãos. Aconteceu
dele. se interessar por uma nobre na época. Não sei o que
aconteceu lá, mas foi uma confusão, que queriam que ele
casasse e ele fugiu do casamento. Quando chegou no Brasil, ele
foi pro interior do interior de Cametá, para um sítio chamado
Mutuacá, para se esconder mesmo! E se encantou com uma
cametaense chamada Catarina, nativa mesmo de lá, do interior,
minha tataravó! Quando ele chegou lá, logo depois ele já foi
329 MORAES, Maria Lygia Quartim de. O que é possível lembrar? Cadernos Pagu (40),
janeiro-junho de 2013, p. 141-167.
330 JAFFE, Noemi. O que os cegos estão sonhando? Com o diário de Lili Jaffe (1944-1945).
São Paulo, Editora 34, 2012, p. 204.
205
Continua a narrar sobre sua família, sendo que sempre faz questão de
enfatizar que saber sua história familiar foi sempre importante para ela. Por isso,
sempre pesquisou sobre isso. Assim, fez questão de contar as aventuras de seu
avô.
Eu vim pra Belém com doze anos. Eu vim porque a minha irmã
mais velha precisava estudar e eu tinha que vir com ela. Então
aproveitei pra fazer companhia pra ela e fora também que a
cidade era muito violenta na época, era zona de muita violência
mesmo. Papai chegou aqui e comprou uma casinha. Somos
quatro mulheres e um homem. Sou a segunda.
Uma lembrança que veio agora! A gente tinha muito contato com
garimpeiros. Eles iam fazer negócios com meu pai. Era até
errado, mas na época a gente não sabia, éramos crianças, a
gente batia o dedinho escondido nos pacotes, caia e espalhava
207
O trecho do romance:
É por ser neto do retrato que sou periodicamente atuado pela
necessidade de ir a São Luiz do Maranhão. Essa sempre
procrastinada viagem, se eu não a faço com o corpo, realizo em
imaginação. Desde menino, quando, de tanto ouvir falar em
Ceará e Maranhão, eu enchia cadernos e cadernos do desenho
de navios inverossímeis, onde havia um exagero de âncoras
pendentes, gáveas em cada metro de mastro, mastros sem
331 ARAÚJO, Bárbara Del Rio. A dimensão das imagens na narrativa de Baú de Ossos, primeiro
livro de memórias de Pedro Nava. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/poslit/08/0barbara.pdf. Acessado em 18/08/2013.
332 ARIGUCCI JR. Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiência, p. 78 apud
ARAÚJO, Bárbara Del Rio. A dimensão das imagens na narrativa de Baú de Ossos, primeiro
livro de memórias de Pedro Nava. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/poslit/08/0barbara.pdf. Acessado em 18/08/2013.
210
333NAVA, Pedro. Baú de ossos: memórias. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974, p. 67.
334 Entrevista gravada, concedida em 15 de fevereiro de 2013.
335 CASEY, J. The History of the Family. Oxford, 1989, p. 14. BURKE, Peter. História social
e teoria social. São Paulo: UNESP, 2002, p. 80.
211
Entre a joia artesanal, a joia como obra de arte, essas mulheres designers
ourives, aqui retratadas e descritas, dedicam a sua vida à joalheria de Belém do
Pará, da Amazônia, da Região Norte, do Brasil, do mundo.
341 CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo
(orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
216
342 Idem.
343 REIS, José Carlos Reis. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010, p. 93.
344 BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002, p.31 .
345 MENDONÇA, Nadir Domingues. Uma questão de interdisciplinaridade o uso dos
conceitos. Petrópolis: Vozes, 1985.
217
346 BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002, p. 47.
347 BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002, p.31–32.
348 SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo Ática, 1983, p. 168.
218
349 REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: _________. REVEL, Jacques
(org.). Jogos de escala. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998.
350 CERUTTI, Simona. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim
no século XVII. In. REVEL, Jacques. Jogos de escalas. A experiência da microanálise. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 1998.
351 LEVI, Giovanni. Antes da ‘revolução’ do consumo. . In. REVEL, Jacques. Jogos de
escalas. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998, p.205..
352 CHARTIER, Roger. À beira da falésia. A história entre certezas e inquietudes. Porto
Alegre: Edurgs, 2002.
353DILLMANN, Mauro. Micro-história. Disponível em:http: //notassobrehistoria.blogspot.
com.br/2010/10/micro-historia-reducao-da-escala-na.html. Acessado em 20/12/2013.
219
356 GUIMARÃES, José Ribeiro Soares. Perfil do Trabalho Decente no Brasil: um olhar
sobre as Unidades da Federação. Brasília: OIT, 2012. 400 p.
357 Idem, ibidem, p. 5.
358 Pesquisa do Instituto Acerta, 2004.
221
Por exemplo, há uma família extensa de ourives joalheiros que mora numa
mesma rua, de um conjunto, somando cinco casas, em que as casas têm as
bancadas de joias e em uma destas funciona uma oficina de joias bem equipada,
em que os membros da família transitam, estabelecendo assim, relações de
vizinhança e de produção familiar. A dinâmica, quando ocorrem conflitos de
interesses financeiros, caracteriza-se por seus membros montarem sua oficina
independente, mas sem romper totalmente com o ourives mais velho da família,
considerando o mestre ourives, que tem um importante papel de mediar estes
conflitos. Há uma rede de trocas de serviços e matéria prima, em que pode
ocorrer escambo ou divisão dos lucros das vendas. Pode haver conflitos, mas a
tendência é retornar à rede.
QUADRO 1
PARTICIPANTES DO PROGRAMA QUE SE RECADASTRARAM EM 2011
16 23 39
359Impresso e cedido à pesquisa em 14/02/2012. Informo que esse cadastro não agrega todos
os participantes, pois alguns não se preocupam em se recadastrar, não dão importância a isso,
mesmo continuando no Programa.
224
QUADRO 2
PARTICIPANTES QUANTO À ESCOLARIDADE
Escolaridade
Total Geral 16 23
360 Depoimentos em entrevistas realizadas no Polo, em 2013. Não as identifico para evitar
situação constrangedora.
226
sobre tal ocorrido: “demos a volta por cima! Hoje ninguém pode nos impedir que
participemos de nada no Polo”!
QUADRO 3
PARTICIPANTES QUANTO À NATURALIDADE
Naturalidade Total
Estado / Cidade
Pará / Belém 21
Pará / Abaetetuba 1
Pará / Castanhal 1
Pará /Óbidos 1
Pará / Marabá 1
Pará / Itaituba 1
Pará / Primavera 1
Amazonas / Manaus 2
Rondônia 1
Piauí / Parnaíba 1
Ceará 1
Lisboa 1
Pinzio 1
Total geral 39
QUADRO 4
PARTICIPANTES QUANTO À NACIONALIDADE
Nacionalidade361 Total
Brasileira 37
Portuguesa 2
Total Geral 39
como trocas de modos de vida, de pensar e fazer, isto é, trocas culturais, com a
possibilidade de serem associadas, modificadas pelas particularidades locais,
sejam elas semelhantes ou não as particularidades originais, e podem acabar
voltando ao ponto de origem, influenciando a cultura da qual saiu, por conta de
seus novos atributos, inseridos pela cultura que a recebeu.
367Colhidos em entrevistas em suas casas-oficinas, foram três, um ourives e duas ourives, abril
de 2013. Uma das ourives disse-me que não gosta de falar dessas coisas. Por essa opção de
anonimato não os nomeiam.
230
Somam-se a esse total de sete, mais dez ourives masculinos e mais três
femininas, totalizando assim mais treze ourives que estão fora do cadastro de
2011, mas que aparecem em outros cadastros anteriores e posteriores como
participantes, que continuam atuantes no universo pesquisado.368
renda. Por conta disso, muitos avaliam que é melhor não fazer parte oficialmente
do Programa, mas participar no anonimato, pois, segundo eles, dá orgulho de
fazer uma peça para o Polo, pois vai ser vista em exposições por aí, por muitas
pessoas.
A identificação dos participantes por sua ocupação não pode ser feita de
forma estática, pois uma mesma pessoa atua em várias ocupações ao mesmo
tempo, delineando assim uma complexa rede de relações de trabalho no Polo
Joalheiro, em que as condições socioeconômicas variam muito. Têm ourives que
atuam somente em sua bancada fazendo suas joias. Têm ourives que fazem
joias, mas são também microempresários, por ter uma loja de venda de joias
arrendada no Esjl. Têm designers que são também ourives e outros/outras que
são somente designers. Aqueles/as que desenham suas joias sem ser designers
formados na academia e sem ser ourives.
369 Evitei aqui identificar nomes por assumir pactos éticos de ditos que não pode ser associados
aos que disseram, para não gerar constrangimentos em suas relações interpessoais e
institucionais.
232
Joalheiro possibilita viver isso, de criar minhas joias quando é possível, quando
consigo driblar minha falta de tempo.” Disse-me uma das professoras.373
Nesse sentido, fiz opção em seguir pela trilha de Paul Ricoeur, por afirmar
que narrar é contar o vivido, é colocá-lo em uma temporalidade e, assim,
humanizar o tempo, alinhar os personagens, tecer uma intriga; é, ainda,
373 Conversas informais no Espaço São José Liberto, durante a Exposição de Joias de Nazaré
de 2014.
374 Isso ocorreu quando lhe telefonei para solicitar uma entrevista e fui verificar com outras
pessoas mais antigas no Polo o que ocorrera, porque ele me falou isso, dessa forma. Foi que
elas me contaram um ocorrido, que de fato isso aconteceu com alguns produtores, quando houve
mudança de governo. Alguns não receberem pela venda de suas joias porque no inventário
realizado nessa transição não conseguiram comprovar a entrada e saída dessas joias que
reivindicavam pagamento. Também contaram, com a insistente solicitação de não serem
identificados, que o dinheiro dos produtores da loja Una foi utilizado para outro fim pela gestão
anterior do São Jose Liberto. Assim como muitos funcionários não receberam seus direitos
trabalhistas quando demitidos, por conta de mudança de gestão. Quase todos entraram com
processos na justiça do trabalho para receber esses direito e tempo depois os bens dos principais
gestores foram embargados para serem leiloados e vendidos para sanar essa dívida trabalhista.
234
Contudo, sem deixar de ater para o fato de que “o passado pode ser
construído segundo as necessidades do presente e que, portanto, pode-se fazer
uso político do passado”,377 assim como também em prol de interesses
individuais.
375RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 63.
376COSTA, Cléria Botelho da. A escuta do outro: os dilemas da interpretação. Dossiê.
Disponível em: www.revista.historiaoral.org.br, v. 17, n. 2, 2014. Acessado em: 04/04/2016.
377 FERREIRA, Marieta de Moraes. História oral, comemorações e ética. Projeto História.
Ética e História oral, São Paulo, nº 15, p.157-164, abr. 1997.Trabalho apresentado
originalmente no encontro "Ética e História Oral", [1995: São Paulo], em convênio com Programa
de História Oral da PUC-SP, Centro Cultural do Banco do Brasil e Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil. São Paulo, 16-21 out. 1995.Disponivel em:
www.programadehistóriaoraldapuc-sp.com.br. Acessado em abril de 2016.
235
378 Conversas informais no São José Liberto, tomando um cafezinho, as quais eu anotei no
meu diário de campo, de 2014 a 2016.
379SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A Emergência da Pesquisa da História das
Mulheres e das Relações de Gênero. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, nº 54,
p. 281-300, 2007, p. 296.
236
380 Entrevista em grupo, mais um bate papo, durante um evento no Polo Joalheiro, em março
de 2014.
381 Já mostrei mais detalhadamente a trajetória de algumas dessas mulheres no terceiro
capítulo, com destaque para as ourives. Aqui a ênfase foi dada nas realizações no Polo Joalheiro.
382 MATOS, Maria Izilda e BORELLI, Andrea. Trabalho: Espaço Feminino no Mercado
Produtivo. In: Pinsky, Carla B. e Pedro, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil. São
Paulo: contexto, 2013. p.146.
383 Disse-me uma delas, durante uma entrevista em sua casa-oficina, em junho de 2014.
237
Há ainda as mulheres que são solteiras, sem filhos, com mais tempo para
si e suas realizações profissionais. Mas, como qualquer situação, tem suas
particularidades, pois há aquelas que, apesar desse estado civil e sem filhos,
são as responsáveis principais pelos proventos da família e declararam que se
sentem sobrecarregadas de responsabilidades: [...] “gostaria de ter mais tempo
para me dedicar a minha arte de criar joias, mas tenho que correr atrás para
pagar as contas”. 385
Nesse sentido, as mulheres aqui são vistas a partir da categoria analítica
de gênero, no sentido de agregar concepções de masculino e feminino presentes
e atuantes no processo histórico, assim como no social e cultural, indo de
encontro à concepção determinista da condição de sexo biológico. 386
A pretensão desse item é fazer um exercício analítico das questões de
gênero, partindo das experiências cotidianas, dos detalhes da micro-história, do
mundo particular da joalheria de algumas protagonistas do Polo Joalheiro, mas
sem compactuar com “antigas oposições binárias”.
Para tanto, considero que a história é feita por sujeitos, e estes possuem
crenças, sistemas de valores, mitos e formas de organização social, política,
econômica e cultural. Conforme Edward Thompson: “[...] qualquer futuro feito
pelos homens e mulheres não se baseia apenas na ‘ciência’ ou nas
determinações da necessidade, mas também numa escolha de valores e nas
lutas para tornar efetivas essas escolhas”.387
Segundo Falcão,
384 MATOS, Maria Izilda e BORELLI, Andrea. Trabalho: Espaço Feminino no Mercado
Produtivo. In: PINSKY, Carla B. e Pedro, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: contexto, 2013. p.146.
385 Entrevista no São José Liberto, em setembro de 2015.
386 PINSKY, Carla B. Estudos de Gênero e História Social. Estudos Feministas, Florianópolis,
17(1), janeiro-abril/2009, p. 296.
387 THOMPSON, Edward P. A Miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 212.
238
388 Falcão, Jairo Luiz Fleck. Trabalhadores do porto de Porto Alegre: costumes e
experiências. Dossiê - Os trabalhadores: experiências, cotidiano e identidades. Revista
Brasileira de História & Ciências Sociais. Vol. 3 Nº 6, Dezembro de 2011, p.43.
389LIMA, João Gabriel e BAPTISTA, Luís Antônio. Itinerário do Conceito de Experiência na
Obra De Walter Benjamin. Revista de Filosofia Princípios. Natal (RN), v. 20, n. 33.
Janeiro/Junho de 2013, p. 449-484, p. 451.
390RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Edita: CNT-Compostela,
Agosto de 2012. Disponível em: www.cntgaliza.org. Acessado em maio de 2016, p.18. .
239
Mostro a seguir alguns feitos dessas mulheres sujeitos dessa história aqui
escrita, por meio de suas falas e imagens; imbricados com suas vivências e com
suas redes relações no mundo das joias do Polo Joalheiro.
391 Entrevista via rede social em maio de 2016, pois por conta de sua agenda de trabalho,
várias vezes tivemos que adiar o nosso encontro para realizar a entrevista gravada.
392 Disponível em: http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2014/02/celeste-heitmann-
comemora-30-anos-de.html. Acessado em junho de 2016.
240
declarou que: “Tinha uma grande vontade de aprender mais, de estar no meio
de gente jovem que trouxesse uma nova linguagem”. 393 Mesmo já com um
extenso portfólio. Segundo o mesmo blog:
393 Idem.
394 Idem.
395 Entrevista via rede social em maio de 2016, pois por conta de sua agenda de trabalho, várias
vezes tivemos que adiar o nosso encontro para realizar a entrevista gravada.
241
Suas Joias refletem, segundo ela, sua fé, sua emoção, sua história de
vida:
396 Informação registrada em sua página pessoal e comercial Celeste Heitmann no facebook.
243
399 Entrevista com Rosângela Novaes, em maio de 2015, no local de trabalho, onde exerce o
cargo de Professora e coordenadora do curso de Desenho Industrial da Universidade Estadual
do Pará, mas ainda é consultora e instrutora do Polo Joalheiro.
245
[...] tem essa questão, eu como designer, não vou dizer que eu
sou frustrada, não, por que foi uma opção, eu optei pela
formação e não pela a criação técnica, uma opção meio que fui
conduzida a isso, porque não tinha ninguém pra formar. Eu fui a
primeira da equipe que fiz a especialização, e até hoje acho que
continua sendo eu, a única que tem especialização, acadêmica,
não que não tenham profissionais que tenham alcançado um
grau muito bom dentro de joias, mas acadêmica só eu tenho.400
400 Idem.
401 PINTO, Rosângela Gouvêa. Joia Paraense: Pesquisas Desenvolvidas pelo Curso de
Design do Centro de Ciências Naturais e Tecnologia da Universidade do Estado do Pará –
Uepa. In: NEVES, Rosa Helena Nascimento (et. al.). Joias do Pará: Design, Experimentações e
Inovação Tecnológica nos Modos de Fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011. 83-93.
246
Segundo Rosângela,
Constatação disso foi que ela e uma de suas alunas receberam uma
premiação, como pode ser visto na reportagem a seguir:
6 de janeiro de 2015
Alunas da Uepa são classificadas no maior concurso de design de joias em ouro do mundo
6 de janeiro de 2015
Isabella Brito, Thaise Farias, Hanna Rezende e Yasmim Campelo tiveram seus trabalhos selecionados
na etapa classificatória do AuDITIONS Brasil
Quatro alunas do curso de Bacharelado em Design da Universidade do Estado do Pará (Uepa) tiveram
seus projetos selecionados na etapa classificatória da 11° edição do AuDITIONS Brasil 2014/2015 – o
maior concurso de design de joias em ouro do mundo, promovido pela mineradora de ouro AngloGold
Ashanti. Os trabalhos das universitárias ficaram entre os 100 melhores do mundo, nesta temporada. A
lista “Top 100” foi divulgada no dia 1º de dezembro. O tema desta edição do concurso é
“Recombinações” e trata de ideias, elementos ou conceitos que se juntam para criar um terceiro
completamente novo. O conceito é de perpetuação da lógica da inovação, tão característica de nosso
tempo. Em todo o Brasil, 905 projetos foram enviados de todas as regiões. O Pará teve 46 inscrições.
Sob a coordenação da professora, designer de joias e chefe do Departamento de Design Industrial,
Rosângela Gouvêa Pinto, as universitárias Isabella Brito, Hanna Rezende, Yasmin Campelo e Thaise
Farias criaram seus projetos e passaram por uma preparação especial para participar do concurso.
“Tudo começou com um planejamento da minha disciplina, Projeto de Produtos 3, com a expertise em
design de joias. Então, no primeiro momento trabalhamos com toda a base conceitual da joalheira, das
joias, do design e depois, a entrada no concurso. Um dos requisitos de avaliação da disciplina seria a
inscrição no concurso. Mandamos 35 projetos e estes quatro ficaram entre os finalistas. Essa indicação
é muito importante, principalmente por estarmos falando de alunas do segundo ano. Elas estão no meio
do curso e já obtiveram êxito, conseguiram se destacar”, ressalta Rosângela Gouvêa Pinto.
A universitária Isabella Brito, de 19 anos, conta que a experiência tem sido especial. A jovem enviou
duas peças para a organização do evento e teve uma selecionada. Entretanto, na hora da inscrição, por
um erro de digitação, a jovem acabou se inscrevendo na categoria de profissional de designers. O talento
prevaleceu diante da inexperiência. “Nem sei dizer qual a peça que foi escolhida. Mas para que
chegasse até ela, pesquisei muito. Toda semana mostrava uma ideia nova à professora. Jurava que
estava me inscrevendo na categoria Revelação, mas por algum erro na hora de eu clicar no sistema,
acabei me inscrevendo na categoria Designer. Me inscrevi enganada e fui classificada no meio dos
profissionais. Isso é muito bom, né?! Já estou bem feliz de estar selecionada entre as 80 designers da
categoria”, explica Isabella.
Thaise Farias, de 22 anos, é outra aluna que impressiona pela desenvoltura em concursos. No semestre
passado ela obteve o terceiro lugar no concurso nacional Estampa Brasil, de designer de superfícies.
Neste semestre, a acadêmica do 3° ano e monitora emplaca uma nova indicação nacional em concursos,
por sua criação agora na área de joias. “O tema deste ano foi muito bom e ao mesmo tempo muito
aberto. Recombinações é recombinar o que? Não é só escolher um material e costurar com o outro, por
aí fica a coisa sem conceito. Então tivemos que trabalhar muito essa questão. No meu caso é uma
vestimenta inspirada no crinoline, que era usada antigamente para dar suporte nos vestidos e dava
ênfase à silhueta feminina, mas utilizando a estética com o amazônico, com a cestaria. Um tema
complicado”, conta Thaise.
Yasmin Campelo, de 20 anos, foi outra que teve sua produção selecionada pelo AuDITIONS Brasil, na
categoria Revelação. “Entre os vários projetos que fiz, escolhemos um inspirado nos vitrais, que tinha
maior possibilidade de ser selecionado, feito em ouro com resina sintética. O conceito é de uma peça,
uma vestimenta que foi feita para usar nas costas, que reflete hoje a mulher moderna e o seu cotidiano.
Então, são vários fragmentos que representam as atividades da mulher contemporânea”, explica
Yasmin.
Para Hanna de Rezende, também aluna da Uepa, a classificação foi uma agradável surpresa. “Fui pega
desprevenida com a seleção da minha peça. É um colar, inspirado na lenda da Cobra Grande, com
vários pingentes de ouro e o encoxado da Amazônia dentro. Tive que elaborar a peça pensando nas
questões técnicas, como o sombreamento e o tamanho. Se eu conseguir ser escolhida será um sonho,
de poder ver mesmo a peça sair do papel. Contudo, estar entre os 100 selecionados já é uma grande
conquista”, diz a universitária.
Segundo a chefe de departamento de Design Industrial, da UEPA, Rosângela Gouvêa, o Pará assume
cada vez mais um papel de destaque nos ramos de joalheria e design. “Com a criação do curso e o
investimento tanto da própria instituição quanto do Polo Joalheiro pudemos nos inserir no processo de
qualificação, nas exposições e agora os alunos contam com um local para experimentação de mercado.
Eles fazem estágios, participam dos eventos e isso tem incentivado muita gente a buscar essa área”,
ressalta.
Um Cenário promissor – A designer de joias Brenda Lopes, integrante do Programa Polo Joalheiro do
Pará, também foi uma das selecionadas entre os 100 melhores trabalhos no AuDITIONS Brasil
2014/2015. “A peça selecionada foi colar o ´Ligação Eterna´. Uma peça que combina ouro e drusas de
ametista. A inspiração veio da combinação de dois temas: moda e joias. É uma conexão entre os dois
universos”, explica.
Brenda se formou em 2012 e tem participado de workshops e mostras, como a exposição “Joias de
Nazaré 2014” e a mostra da “Coleção de Acessórios de Moda 2014”, inspirada na cultura alimentar
amazônica e lançada no mês de maio, ambas promovidas pelo Polo Joalheiro. “Entrei no Programa do
Polo Joalheiro em 2013, depois da avaliação do meu portfólio, e tem sido muito importante. O Pará é
rico em minerais e este programa veio para impulsionar o setor, que tem um mercado em franca
expansão”, afirma.
Ana Paula Bezerra
Secretaria de Estado de Comunicação
http://paramais.com.br/alunas-da-uepa-sao-classificadas-no-maior-concurso-de-design-de-joias-em-
ouro-do-mundo/.
403 Entrevista realizada em 16 junho de 2016, via facebook, por conta de sua agenda sempre
lotada de compromissos profissionais para realizarmos a entrevista presencial.
249
Um pedaço de papel que vale muito em sua história, segundo ela mesma.
Fez o curso em 2004/2005, mas se dedicou depois mais a sua função de
empresária, na gestão de sua loja no São José Liberto, pois diversas vezes,
quando iniciou no Polo suas peças não passaram na curadoria404 da instituição.
Mas não desistiu, diz ela:
[...] cavei outros caminhos, montei uma loja de joias no Espaço São
José Liberto e consegui mais autonomia. Contratei a designer Lívia
Abrahim. Assim estabelecemos uma longa parceria e consegui
aprovação para vender as joias em minha loja. Virei empresária. Mas
depois não quis ser somente isso. Então fui estudar para me tornar
uma designer de joia reconhecida e hoje crio as joias pra minha loja e
pra exposições. Hoje estou conseguindo esse reconhecimento aos
poucos. Estou a mil por hora nesse caminho.405
.
Em 2004, concluiu seu curso de Graduação em Tecnologia em Design de
Moda e atualmente está fazendo uma especialização nessa mesma área.
Assim, vem construindo sua atuação como designer de joia
404 Uma equipe de profissionais faz a avalição das peças para controle de qualidade dessas
para a comercialização no Polo Joalheiro, o que é uma constante fonte de conflito entre a esfera
administrativa do Polo e seus participantes.
405 Entrevista realizada em 16 junho de 2016, via facebook, por conta de sua agenda sempre
lotada de compromissos profissionais para realizarmos a entrevista presencial.
250
Uma marca social que agrupa essas mulheres é fazer parte de uma
história não apenas no setor joalheiro, mas no ensino acadêmico também de
maneira imbricada com tal setor, visto que, segundo Lopes: “As mulheres no
Brasil só foram autorizadas a frequentar um curso superior no ano de 1879
quando a elas fora concedido o direito de frequentarem o ensino universitário por
Dom Pedro II, então Imperador do Brasil.”406
Nesse sentido, o acesso ao mundo acadêmico foi sempre um lugar de
superação de papeis sociais, de alguma maneira, tradicionais vinculados à
imagem, representações socioculturais e simbólicas do universo feminino
presentes na sociedade brasileira, em contrapartida ao universo masculino, por
406 LOPES, Flávia Augusta Santos de Melo. Gênero e Ciência – presença feminina na
academia: qual o lugar da mulher com deficiência? 18º Encontro Redor: perspectivas
feministas de gênero – desafios no campo da Militância e das Práticas. Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Recife, 24 a 27 de novembro de 2014, p. 175.
251
isso uma questão de gênero. Com isso a trajetória de muitas mulheres nessa
realidade, vem se transformando.
Com base nos estudos de Lopes, a presença feminina no ensino
universitário,
407 Idem.
408RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Edita: CNT-Compostela,
agosto de 2012. Disponível em: www.cntgaliza.org. Acessado em maio de 2016, p.46.
252
vestem blusa roxa e saem à luta, aquelas que se expõem mais ou menos,
aquelas que entram no “esquema”, aquelas que são patroas e as que são
empregadas etc.
Ainda, segundo ele, na escola, não é diferente. Não basta lhes dizer que,
por serem mulheres, enfrentarão mais dificuldades. Quer pelo enfrentamento,
quer pelo desconhecimento, elas podem muito bem seguir com seu sonho,
esforçar-se na escola e obter excelentes resultados acadêmicos, superando,
inclusive, seus colegas do sexo masculino é necessária essa disputa? Como
mesurar se alguém supera outrem? Os homens podem ser aliados e não apenas
opositores. Outras mulheres podem ser opositoras e não aliadas. Há diversos
outros marcadores sociais a serem cruzados (raça e classe). Não acho
interessante uma análise que coloque “o sexo masculino” em oposição
generalizada às mulheres, pois não dão conta da diversidade de feminilidades e
masculinidades nas experiências cotidianas. Em termos de representação
conceitual, tudo bem, mas nas práticas, acho muito generalizante, um lugar
comum– é essa, pois, a realidade do sistema educacional brasileiro e de muitos
outros países. Além disso, lembremos que aquilo que chamamos de “indivíduos”,
na sociedade, são na realidade “sujeitos”, tendo alguma autonomia para tocar
sua própria vida, com sua agência, para além dos tais limites estruturais. 409
-- Selecione a Editoria
Stefano Ricci desembarcou em Belém na última quinta-feira (4) trazendo na bagagem uma
coleção exclusiva de joias em homenagem a maior e mais esperada festa religiosa do povo
paraense: o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
Stefano foi convidado pela Companhia Amazônica (produtora cultural paraense) a compor,
juntamente com a renomada artesã paraense, Mônica Matos, a exposição denominada "Aurora".
Esperada por estudantes de designer e amantes de gemas, a exposição contará com 12 peças
dispostas em sete vitrines na praça de entrada do Parque Shopping, na Rodovia Augusto
Montenegro.
As joias são produzidas em prata, com cravações de gemas preciosas - como as safiras
multicoloridas (perigotos, quartzos e turmalina), e ficarão expostas até o dia 30 de outubro.
A ideia da exposição surgiu em 2010 durante uma visita de Stefano ao Brasil, onde sofreu um
acidente e com sua recuperação decidiu homenagear a padroeira dos paraenses, trazendo para
Belém uma coleção exclusiva.
RECONHECIMENTO
Stefano Ricci é Arquiteto e Designer atuando por mais de 35 anos no setor de luxo, em particular,
para marcas como Bulgari, Asprey, Breguet, Carl F. Bucherer, Chopard, Christofle, Cleto Munari,
Gucci, Kristall Smolensk Diamonds, Piaget, Rolex, Sciara, Seiko e Swarovski.
Ele trabalha para várias joalherias Russas e tem espaço permanente no Museu Hermitage.
Possui título de Doutor e é professor do mestrado em "Princípios de Arquitetura e Joia" na
Universidade "La Sapienza", em Roma.
Mônica Matos faz parte do Programa de Gemas e Joias do Governo do Estado do Pará e trabalha
com o pesquisador e ourives Paulo Tavares que desenvolveu a técnica de extração de
pigmentos, criando as "gemas vegetais". Esta técnica consiste em estabilizar pigmentos naturais
256
Serviço
"Aurora"
Local:
Parque Shopping –
Figura 64 :Curuatá
Fonte: http://monicamatosjoias.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html.
410http://monicamatosjoias.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html.
411 http://simplesmentelu.blogs.sapo.pt/2012/11/ , www.infojoia.com.br e
258
415 MATOS, Maria Izilda S. de Matos. Outras Histórias: as mulheres e estudos dos gêneros
‐ percursos e possibilidades. SAMARA, Eni de Mesquita (et.al.). Gênero em debate: trajetória
e perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997, p.108.
260
416 Observações feitas com base em minha vivência em cargo de gestão no Polo. Ressalto mais
uma vez que os interlocutores não podem ser identificados nesse item, por se tratar de ditos que
podem gerar situações constrangedoras para eles e elas.
261
A história como prática discursiva pode ser entendida a partir dos escritos
de Foucault, por centrar seus estudos no que ele denominou de discurso real,
pronunciado como materialidade, pois discurso para ele é:
417 CERTEAU, Michel de. A Escrita na História. Rio de Janeiro: Forenses, 2011, p.6.
418FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2009, p. 132-133.
262
Ou seja, discurso é uma prática que constrói seu sentido nas relações
estabelecidas de poder. Esta prática discursiva Foucault define como um
“conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no
espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social,
econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função
enunciativa”420
Tal função é considerada por Foucault aquela que gera repetição, por isso
institucionaliza e gera estruturas de poder. Com base nessas ideias, define os
saberes com discursos que encontram suas regras de formação nos mais
variados campos das ações humanas. Segundo Machado, “os saberes são, em
muitos momentos, independentes das ciências, já que encontram suas regras
de formação nos mais variados campos discursivos; entretanto todas as ciências
se localizam em campos do saber.”421
Mas a pretensão era não mais somente fazer cópia de joias, mas fazer
uma joia com uma marca própria. Foi então pensado institucionalmente a
inclusão do design de joia. Mas esse momento não se deu de forma tranquila.
Segundo outro ourives dessa época:
425 GOLA, Eliana. A Joia – História e Design. São Paulo: Editora Senac, 2008, p. 22.
426 Depoimento de ourives em entrevista gravada no dia 12/12/2012, em sua oficina de joia.
265
R – Quando o Programa surgiu era uma concepção de trabalho era de homem? (do
ourives)
– Quando aparece o designer... o designer foi chamado a
participar, os arquitetos, como foi o caso do..., várias
pessoas...não lembro os nomes, mas o era um deles. No
primeiro catálogo tem os que participaram. Isso criou uma
confusão muito grande.... porque o ourives faria a parte
mecânica...eles mesmos se intitularam mesmo nós somos da
classe superior...por terem ensino superior...os ourives foram
considerados analfabetos. Isso gerou uma grande mágoa dos
ourives com os designers. 427
A questão que ficou posta foi: qual a função de cada um? Quem é mais
importante no processo de fabricação da joia do Pará artesanal? É trabalho do
ourives ou do designer? Isso configura uma disputa de poder no campo de uma
427 Depoimento colhido numa conversa com um grupo de ourives mais antigos do Polo,
gravado, mas eu tive de fazer a promessa
de não divulgar nomes, em maio de 2014.
428 Idem.
429 Idem.
266
prática social e discursiva, como mostrei anteriormente por meio das ideias de
Certeau e Foucault. Foi tão acirrado este conflito que o Sebrae teve que fazer
uma intervenção institucional. Um ourives conta como foi isso:
Declarou ainda:
431 Idem.
268
Essa fala mostra outra situação de conflito latente no Polo, que ocorre
entre o grupo de designer formado em curso de graduação e os que não são
formados, mas desenham joias, denominados institucionalmente como criadores
de joias, mas muitos não aceitam não ser chamados de designer. Tem também
ourives que cria e faz suas peças, por conta disso acham dispensável o trabalho
do designer.
Nesse contexto, aparecem as relações, as práticas de poder, que são
pensadas aqui com base no que Foucault escreveu em sua obra a Microfísica
do poder.434, por explicitar que são nas práticas cotidianas que essas relações
de poder ocorrem e estão em todos os lugares onde haja mais de um indivíduo
Segundo Ebling,
436 EBLING, Luís Augusto e VARGAS, Jonas Moreira. Elites regionais, guerra e compadrio:
a família Ribeiro de Almeida e suas redes de relações. Rio de Janeiro. Revista Topoi vol.15,
no. 29. Julho/Dezembro, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php. Acessado em:
janeiro de 2016, p.6.
271
437 LEMOS, Maria Edny Silva, Fortaleza. O Artesanato como Alternativa de Trabalho e
Renda: subsídios para avaliação do programa estadual de desenvolvimento do artesanato
no município de Aquiraz-ce. Dissertação do Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas
Públicas. Universidade Federal do Ceará – UFC. Fortaleza, 2011, p.15.
438 TINOCO, Ismael. A História do Cotidiano: uma análise conceitual. Revista Acadêmica
Historien, ano 5. n. 10. Jan/Jun 2014, p.322. Universidade de Pernambuco. Campus de Petrolina.
Departamento de História. Disponível em: www.revista historien.com.br. Acesso em novembro
de 2014.
439 Idem.
440 PROST, Antoine. Fronteiras e Espaços Privados. In: História da Vida Privada, 5 : Da
Primeira Guerra a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
272
441 VINCENT, Gérard. Uma História do Segredo? In: História da Vida Privada, 5 : Da
Primeira Guerra a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
442 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
V.1.
443 HELLER, Agnes. Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
273
445 “pintura” feita no metal, com processo de coloração de pigmentos naturais, como o “urucum”,
por exemplo, criado por Paulo Tavares e aplicado e aprimorado por Joelson e Andréia, mas
atualmente usado por muitos ourives do Polo, depois de que Paulo realizou um curso sobre essa
técnica. O trabalho de Tcc de Lívia Abrahim, a designer em destaque no terceiro capítulo, foi
sobre essa tal técnica. C.f. ABRAHIM, Lídia Mara Pereira. A Técnica da incrustação paraense:
ilustrada através da coleção de joias "Mangueirosas". 2007. 120 f. Trabalho de Conclusão de
Curso. (Graduação em Design) - Universidade do Estado do Pará, Belém, 2007 e COSTA,
Socorro. Incrustação Paraense: Inovação e Aproveitamento. In: NEVES, Rosa Helena
Nascimento (et. al.). Joias do Pará: Design, Experimentações e Inovação Tecnológica nos Modos
de Fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011. 83-93.
446Dados retirados e organizados das fichas de inscrição, cadastro e recadastramento do
IGAMA/Polo Joalheiro, de 2008 a 2011. Observações feitas a partir de minha vivência como
coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento Tecnológico e Organizacional do IGAMA. (NDTO),
nessa mesma época.
275
em frente à sua casa, junto com sua mãe, esposa de João Sales. Tiago Sales
se intitula ourives/cravador, mas é também escultor, e Verediano se intitula
ourives. Trabalham em suas oficinas, sozinhos. Os outros dois irmãos têm outra
profissão, um deles se formou em economia e somente faz joias por hobby. Um
segundo irmão tem uma oficina de joias no Suriname. João Sales passou os
anos de 2012 a 2014 lá, com sua esposa, trabalhando na oficina do irmão e
voltaram agora (2016) e se dedicam na sua oficina/loja. Os três irmãos moram
no bairro da Marambaia de Belém, mantendo relações de vizinhança e
compadrio, o qual é um bairro tradicionalmente de ourives, segundo João Sales,
que falou em entrevista gravada, em 2012, antes de viajar.
Marcelo Monteiro é considerado por seus pares como um dos mais bem
sucedido economicamente microempresário do Esjl/Polo Joalheiro. Tem uma
loja de joia nesse espaço, mas também em diversos shoppings centers de
Belém. Sua oficina/empresa de joia inclui serviços de encomendas de joias, joias
artesanais e joias feitas numa pequena produção em série, com algumas
máquinas industriais do setor joalheiro, o qual se chama processo de fundição.
Sua esposa Mari e seu filho Marcelo Junior o ajudam na gestão desses seus
empreendimentos. A irmã de Mari toma conta, como vendedora, da loja do Esjl.
Mas em sua oficina/empresa possui vários funcionários assalariados. 447
Marcelo Monteiro vem de uma tradicional família de ourives do centro
comercial de Belém, reconhecido pelo setor joalheiro local, como um lugar
também tradicional de ourives. Seu pai foi um reconhecido ourives por seus
pares. Mas Marcelo seguiu sua trajetória nesse setor de modo independente. Ele
se intitula ourives e tem uma antiga amizade com a família Tavares de ourives,
inclusive incluíndo relações de compadrio, ou seja, de padrinhos e afilhados.
Assim tem um “pé” na joia artesanal e na industrial, mas com a preservação de
alguns traços de empresa familiar com trabalho assalariado. 448
447Idem.
448Em joalheria, temos duas fundições diferentes com os mesmos princípios. Uma refere-se à
fusão de ligas e, a outra, à fusão para reprodução em larga escala de produção. Como base para
o molde a ser utilizado temos diversos materiais, variando a peça a ser fundida de grandes
tamanhos até tamanhos diminutos. No caso deste trabalho, estamos nos referindo apenas a
objetos em escala reduzida, para uso em joalheria, empregando metais nobres. FREESZ,
Ronaldo. Fundição versus Fundição. Revista Portal Joia Br. Disponível em:
http://www.joiabr.com.br/artigos/rfreesz02.html. Acesso em julho de 2016.
276
Marcelo e sua família têm uma antiga e forte amizade com Maria Paixão
e sua família, que tem uma loja junta a dele no Esjl. Maria se intitula ourives e
microempresária. Mas o que sustenta a produção de joia de sua loja é a unidade
de joia que sua família possui em Abaetetuba, onde também tem uma loja de
joias e acessórios. Ela está à frente da gestão desses empreendimentos, mas o
trabalho de ourivesaria quem faz e comanda funcionários assalariados na
unidade produtiva de Abaetetuba é seu marido José Raimundo Silva Cardoso,
reconhecido por seus pares locais e de Belém como um ourives tradicional e
competente. O filho deles, Junior, auxilia atualmente na gestão dos
empreendimentos da família.
As famílias extensas envolvidas no setor joalheiro do Polo sãos aquelas
que participaram de seu processo inicial. Atualmente é mais comum entrar
indivíduos ourives ou designers e construir laços de amizade e profissionais no
mesmo. Mas têm laços familiares entre os participantes entre mãe e filha, pai e
filha, tias e tios e seus sobrinhos, por exemplo, nesse sentido, tem a história do
ourives Irlândio Nascimento. Ele se afastou do Programa em 2010 e dessa
atividade, mas voltou a participar do mesmo, por conta de sua filha fazer
graduação e se formar em design e querer atuar como designer de joia no Polo.
Há muitas outras histórias para compreender essa relação familiar e de
compadrio e afinidade entre os ourives que estão envolvidos no Polo joalheiro,
ou estiveram em algum momento. Registrei as relações familiares daqueles que
estão há mais tempo envolvidos na instituição e que têm relações de trabalho no
fazer das joias envolvendo familiares e afins de forma mais densa e reconhecida.
Concluo destacando a história do ourives Ramirez Garcia Gomes, que veio de
Marabá para morar em Belém, para integrar o Polo Joalheiro na ocasião de sua
implantação nessa capital. Foi identificado na pesquisa como de Marabá, mas
na época das entrevistas realizadas pelo Instituto Acertar já morava em Belém.
Em sua trajetória como membro do Polo montou a Escola Rhama de
Joalheria, em 2005. Um Centro particular de capacitação em joalheria básica e
avançada, que funciona no mezanino (Coliseu das Artes) do Esjl:
Ramirez sempre faz questão de repetir sua trajetória de antes e depois do
Polo em sua vida para todos que procuram saber. Conta que estava enfrentando
uma intensa crise financeira em Marabá, por conta do fechamento dos garimpos,
quando participou de uma reunião que tratava da criação do referido Polo. Não
277
teve dúvida, fechou sua oficina e partiu. Veio para Belém e não se arrepende,
apesar das dificuldades que, como todo mundo, enfrenta em seu cotidiano de
ourives e microempresário do setor joalheiro. Para ele, sua maior façanha foi,
sem dúvida, a criação da escola Rahma. Para tanto, segundo ele, contou com o
apoio de diversos profissionais e, na época, da gestão do Esjl e do Governo
Estadual. 449
Ramirez, entre outras coisas, disse que quase fecha sua escola de
ourivesaria, mas seu filho o reanimou para continuar. Ele é quem está à frente
agora da escola, desde 2011, junto com a esposa. Ele faz curso de designer
gráfico e ourivesaria e ela também. Hoje ela é a primeira instrutora mulher da
escola e desenha também joia. Eles se conheceram quando ela fez curso de
ourivesaria na Escola, em 2010. A escola voltou a apresentar joias artesanais
nas exposições e desfiles promovidos pelo IGAMA/Polo Joalheiro.
Del Priore450 que, em seus escritos, esclarece que os historiadores que
têm a família por objeto de estudo vêm percebendo que a vida privada e o
cotidiano familiar são um lugar de produção social das existências, não podendo
ser reduzir apenas um lugar de reprodução e manutenção. Ambos, vida privada
e cotidiano, são, por conseguinte, teatro de um processo portador de
historicidade, num jogo híbrido de manutenção de tradições e inovações nas
várias esferas da vida. Nesse caso, esse jogo acontece na rede de relações
vivenciadas na produção de joias do Polo Joalheiro.
O mundo das joias envolve, portanto, glamour, luxo, passarela, exposição,
catálogos, notícias na mídia, em que chamo aqui de vitrines, mas, por outro lado,
envolve também trabalho familiar, cotidianos marcados por dificuldades de
sustento financeiro, de falta de matérias primas, de anseios e dificuldades de se
firmar no ofício de ourives ou na profissão de design. É um mundo, portanto,
nessa perspectiva, marcado por relações de disputas por espaços de
reconhecimento, por diversidade de modos de vida, com diferentes status sociais
e econômicos.
451REIS, Jose Carlos. Teoria e História: tempo histórico, história do pensamento histórico
ocidental e pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. Apresentação.
280
452
BARROS, José D’Assunção. O Paradigma da Descontinuidade Histórica em Nietzsche–
uma análise da Primeira Parte da 2ª Consideração Intempestiva. Lusíada História n.º 7/2010.
Universidade do Rio de Janeiro, 2011, p.223.
453 No primeiro capítulo foi delineado o contexto inicial do Polo.
454 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São
Nesse contexto, existem ações e projetos que foram, que estão e que
ainda serão realizados no Polo Joalheiro, com base em concepções e defesas
da joia artesanal. Tal processo foi iniciado, como foi mostrado no primeiro
capítulo, por ação de uma política do Governo de Almir Gabriel, em seu segundo
mandato de 1998 a 2002, em que culminou numa primeira exposição de joia, em
que a marca “Joias do Pará” foi lançada em um evento com desfile para o mundo
ver em 2001462, apesar do todos os obstáculos postos no primeiro e no quarto
460
ALVIM, M.R.B. Artesanato, tradição e mudança social: um estudo a partir da “arte do
ouro” de Juazeiro do Norte. In: RIBEIRO, Berta et al. O artesão tradicional e seu papelna
sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1983.
461PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO (PAB). Notícias da PAB,13ª Edição – abril de
2012.
462 PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor
Segundo Nunes,
463PARÁ, Secretaria Executiva de Trabalho e Promoção Social do. Primeira coleção de Joias
do Pará: Amazônia - Brasil. Catálogo. Belém, 2002.
464 Entrevista gravada em 2012, em seu local atual de trabalho, Secretaria Estadual da Cultura.
465 NUNES, José Tadeu de Brito. Elementos da Biodiversidade Amazônica no Pensar-Fazer
466 Idem.
285
467
Mas também a história do prédio pode ser conhecida nas obras e entrevistas a seguir:
AMORIM, M. A. A Missionação Franciscana no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1622-
1750), Agentes, estruturas e dinâmica. 2011. 802 f. Tese (Doutorado em História) –
Departamento de História, Universidade de Lisboa, Lisboa. 2011. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/handle/10451/5393> Acesso em: Jan 2014. MAROJA, A. M. O Espaço
286
Associação São José Liberto (ASJL) para administrar tal espaço, como uma
Organização Social Legal. A tramitação, segundo documento oficial, de sua
legalização e qualificação somente se concluiu legalmente em 2003, quando
pode ser assinado e efetivado o seu contrato de gestão financeira e
organizacional, por parte do então Governador do Estado, em 29 de dezembro
de 2003.469
Mas, segundo documento oficial, em janeiro de 2004, a referida associação
ainda não tinha recebido verbas para pagar serviços terceirizados de serviços
gerais, vigilância armada e eletrônica, e de jardinagem, e, consequentemente,
solicitava com urgência verbas para a recontratação de tais serviços. 470
Esses problemas administrativos financeiros foram contornados com a
assinatura de Termo de Convênio com Sebrae/Seicom/Asjl, passando a
Secretária de Industria e Comércio .do Estado (Seicom), órgão principal de apoio
financeiro à associação. Com isso, houve uma mudança de concepção do
Programa Polo Joalheiro. O investimento seria, além da formação
profissionalizante em joia artesanal, para o fortalecimento de toda cadeia
produtiva, visando também a organização de micro empresários no setor
joalheiro, o que desencadeou a organização das lojas de joias no ESJL. 471
Nesse sentido, em 31 de agosto foi apresentado o novo Projeto Polo Joalheiro
do Pará – Produtos e Negócios, com sua vigência de 30 de julho até 30 de
dezembro de 2004.472
São José (Belém-PA), Liberto dos grilhões da lei e preso às imagens do tempo. 2002. 54 f.
Monografia (Graduação em Educação Artística) – Centro de Ciências Exatas e Tecnologia,
Universidade da Amazônia, Belém. 2002. Disponível em:
<http://www.nead.unama.br/bibliotecavirtual/monografias/espaco_sao_jose.pdf> Acesso em:
Jan 2014. NEVES, A. São José Liberto: depoimento. [10 de agosto, 2010]. Belém: TV RBA.
Entrevista concedida a Talita Iketani. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=tkeAcKFeIrk> Acesso em: Jan 2014. CAPIBERIBE, J. São
José Liberto: depoimento. [11 de agosto, 2010]. Belém: TV RBA. Entrevista concedida a Talita
Iketani. Disponível em: Acesso em: Jan 2014.
468 Ofício nº 038/ASJL da Presidente Socorro Gabriel da Associação São José Liberto ao então
473 Documento digitalizado do Projeto Polo Joalheiro do Pará: Produtos e Negócios, 2004.
474 Idem.
288
475 Idem.
476 Lembrando que a Feira de Joias promovida pela Associação São Jose Liberto, de que eu já
falei no primeiro capítulo.
289
Por outro lado, agregou também uma nova face, passou a ser considerado
como um arranjo produtivo de Gemas e Joias, que seria composto pelos
munícipios listados anteriormente. 479
Segundo Chaves,
Por que isso? Fui em busca de respostas para essa questão e os mais
antigos participantes explicaram-me que, no processo de definição de uso do
ESJL, houve disputas entre os produtores de joias e de artesanato, no que diz
respeito a quem seria mais beneficiado por esse programa de governo voltado
para o desenvolvimento das Apls. Nessa disputa, os produtores de joias
conseguiram maior apoio institucional, porque, entre outros fatores, conseguiram
se agrupar e criar a Associação de Joalheiros do Estado do Pará (Ajepa), iniciada
com vinte associados e depois aglutinando mais pessoas. 486
484 Entrevista concedida em 10 de novembro de 2015, em seu atual local de trabalho, a Secretaria
de Planejamento do Estado do Pará, coordenadora do setor de promoção social.
485 Idem.
486 Fui perguntando durante vários momentos que os encontrei no ESJL, por meio de conversas
artesanato para a joia artesanal ou passar a atuar nos dois setores. Essa
dinâmica configurou a divisão de uso do espaço até os dias atuais, pois, como
mostrei no primeiro capítulo, o Espaço São José Liberto tem o lugar de
comercialização dos artesanatos e as lojas de joias, assim como a escola de
joalheria, a oficina de joia e auditório e mezanino, onde ocorrem os eventos de
qualificação e aperfeiçoamento, na maioria das vezes, voltados para o setor
joalheiro.
Desse modo, Almeida informou que:
De acordo com os relatórios de gestão de 2006 foram realizadas
45 ações entre palestras, consultorias e cursos de qualificação
profissional nas áreas de design, desenvolvimento tecnológico,
apoio à organização e gestão, e acesso a mercado. No que se
refere ao apoio do Sebrae, foi planejado e orçado o investimento
de R$ 1.556.100,00 para o período de 2005 a 2007, que teriam
como resultados a ampliação do faturamento médio em 10% em
2005; 20% em 2006, e 30% em 2007. Quanto ao número de
pessoas ocupadas nas empresas e unidades produtivas, 5% em
2005; 10% em 2006 e 20% em 2007. Estas ações
fundamentaram a trajetória dos produtores e de agentes
produtivos na linha empresarial e empreendedora, e firmaram o
Sebrae como fomentador da qualificação e inserção no
mercado. Essa linha de atuação veio ao encontro do apoio
destinado pelo Sebrae às micros e pequenas empresas.488
A atual diretora fala do projeto agora (2016), dizendo que tem como base
para sua gestão a concepção inicial do projeto. Contudo, em sua administração
anterior, entre 2007 e 2011, sob outra gestão estadual, foram feitas algumas
modificações no projeto inicial. Segundo Chagas e Gouvêa,
489 Entrevista com a atual Diretora Executiva Rosa Neves, em maio de 2016, em seu gabinete
no ESJL.
490 Idem.
491 CHAGAS, Clarisse e GOUVÊA, Rosângela. Classificação da joalheria Paraense a partir
Nesta mesma ata, consta que o IGAMA passou a ser administrado por
uma hierárquica estrutura administrativa. Uma estrutura externa, composta por
495 Parte do discurso feito por Marcelo Araújo no Encontro do Setor Joalheiro, documentado em
relatório do IGAMA, que ocorreu em 2007, de 28 de novembro a 02 de dezembro, em conjunto
com a IV EXPOJOIA Amazônia Design.
496 Parte do discurso feito por João Carlos da Cruz no Encontro do Setor Joalheiro, documentado
Deveria ser a marca Joias do Pará ou Joias da Amazônia? Joia artesanal, semi-
industrial ou industrial? Voltada para o setor de mineração, ciência e tecnológica
ou negócios e mercado? Perguntas que não deveriam ter respostas excludentes.
Contudo, essas concepções entraram em conflito, somando-se a isso, a
insatisfação de alguns produtores com a atual gestão e relações interpessoais
de disputas e desagregação.
Em meio a tudo isso, foi lançada a IV EXPOJOIA, que marca essa nova
gestão do Polo Joalheiro, que foi bastante noticiada na imprensa local, por meio
de reportagens que mostro adiante.
298
299
503 Idem.
302
504 CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto
Alegre: Ed. Universidade, /UFRGS, 2002, p. 10-11.
505 JUCÁ, Gisafran Nazareno. Seminário da Prainha: limites e possibilidades da “ego-
coloco trechos de um boletim de ocorrência feito por essa equipe, com a data de
28 de dezembro de 2007.
saíram da equipe e deixaram de atuar no Polo Joalheiro, por não concordar com
os “rumos” que estava tomando.
Desse modo, a curadoria, aos poucos, se transformou em um setor de
avaliação das peças e acompanhamento da produção das joias nas unidades
produtivas (nas oficinas de joias), de modo não mais somente punitivo, mas de
superação das deficiências produtivas, por meio de visitações agendadas de um
mestre ourives, Paulo Tavares; um designer de joias, Tadeu Nunes; e um técnico
administrativo do IGAMA, Thiago Gama. Trabalho esse que teve como resultado
o alcance da meta colocada pelo Sebrae, durante acompanhamento avaliativo
do funcionamento do Polo, de melhoria na qualidade do produto, conforme
consta em seu relatório de 2008, resultado de uma pesquisa de campo realizada
por um de seus consultores nas unidades produtivas.
Segundo relatório de uma dessas visitas técnicas, consta que o objetivo
da ação era “atender solicitação do produtor para apresentar técnicas de
preparação de resina, confecção de aplicação de ligas de solda e preparação da
prata,” a metodologia usada era “a contextualização de ação e sua importância
para todos os funcionários da unidade, produtor e Programa. Demonstrar o
desenvolvimento e aplicação das técnicas para os funcionários que a executam.”
Outro resultado dessas visitas foi uma aproximação maior da equipe
técnica do Polo e os produtores. Mas sem deixar de existir aqueles, uma minoria,
que se recusaram a receber a equipe técnica, os quais sempre dispostos a
expressar de alguma maneira que não aceitavam a gestão dessa época. A loja
Una foi a mais assessorada pela visita, por ser gerenciada pelo IGAMA, por isso
tinha condições de um maior controle, por seus expositores dependerem dela
para a comercialização de suas peças, configurando assim uma gestão coletiva,
nos moldes de um Arranjo Produtivo Local (APL), segundo o conceito do MDIC
E SEBRAE:
Nas outras lojas, por gozarem de certa autonomia gerencial por contrato
de locação, o controle das peças ficou mais à mercê da adesão ou não de seus
empresários locatários de participarem dessa atividade. Considero que, por
conta do caráter coletivo, a loja Una. seja uma das que consegue uma maior
rentabilidade na venda de seus produtos,514 fazendo com que lojistas
entregassem o ponto, por não conseguirem se sustentar financeiramente, e se
integrassem a mesma.
Isso tudo pode ser observado como uma dinâmica própria do Polo
Joalheiro/ESJL, que tem em si mesmo a força de se metamorfosear e continuar
a existir, num clima, ao mesmo tempo, de divergências, conspirações e de
alianças de autopreservação entre individualidades e segmentos sociais; assim,
nesse cenário, o Polo vem delineando sua história até os dias atuais.
Segundo os dados do relatório do IGAMA/Sebrae de 2008, a V
EXPOJOIA, realizada em dezembro, alcançou a meta de faturamento de 55%,
ultrapassando, desse modo, os 10% e 20% previstos respectivamente pelo
Sebrae e IGAMA.515 Assim como foi comparado o ano de 2007 com o ano de
2008, como mostram os dados no quadro a seguir:
Quadro comparativo de faturamento da EXPOJOIA
2007 2008 %
R$ 52.000,00 R$100.531, 70 Obteve um aumento de
93% em seu faturamento
de um ano ao outro.
Fonte: Relatório da EXPOJOIA de 2008 das consultoras Bernadete Almeida e Odília Azevedo.
515 Esse Relatório foi em parte subsidiado pelo Relatório setorial da EXPOJOIA de 2008,
realizado pelas consultoras Bernadete Almeida e Odília Azevedo, contratadas pelo Sebrae e
IGAMA para prestação de resultados para a SEDECT e órgãos de estado federais, a fim de
justifica liberação de orçamento para continuação do projeto Polo Joalheiro. Os dados desse
relatório foram coletados por meio de questionários aplicados aos 21 participantes da
EXPOJOIA.
309
outro lado, que era muito difícil agradar e corresponder às expectativas dos
participantes do Polo Joalheiro.
E foi nessa dinâmica que a gestão do IGAMA foi sendo e vem sendo
realizada no ESJL e, especificamente, no que diz respeito ao setor joalheiro
desse referido espaço, que, entre perdas e ganhos, elogios e críticas, disputas
de concepções e ações, vem conseguindo convencer o governo estadual,
federal e parcerias de que valeu e vale a pena dar “continuidade” ao Polo
Joalheiro, enquanto política pública. A prova disso está na permanência do
IGAMA, enquanto Organização Social, frente à gestão ESJL e do Polo Joalheiro,
mesmo com a mudança de governo estadual, que ocorreu, a partir de 2011,
quando Simão Jatene assume a gestão estadual, sendo reeleito em 2014. A
seguir faço alguns destaques da gestão do IGAMA, nesse novo contexto político.
Como não houve mudança brusca de gestão, como a de 2006 para 2007,
como retratei anteriormente, o Polo Joalheiro vivenciou essa passagem de
mudança de governo de modo mais tranquilo, segundo o relato de vários de seus
participantes e técnicos do IGAMA.516
Desse modo, em dezembro de 2011, o Laboratório de Gemologia do ESJL
recebeu 44 equipamentos novos, os quais foram adquiridos com recursos do projeto
“Inovação Tecnológica nos Modos de Fazer das Joias do Pará”, da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Pará (FAPESPA), por meio de um convênio firmado em
2009. Mas foram entregues oficialmente durante o Seminário de Avaliação do
Setor de Gemas e Joias: Desafios e Perspectivas, marcado para a terceira
semana de janeiro de 2012, no auditório do ESJL. 517
A entrega oficial dos novos equipamentos do Laboratório Gemológico do
Polo Joalheiro possibilitou que este, a partir de então, passasse a fazer parte da
rede de laboratórios credenciados pelo Instituto Brasileiro de Gemas e Metais
Preciosos (IBGM), por adquirir a condição tecnológica de avaliar as gemas
minerais utilizadas nas joias do Polo Joalheiro, evitando assim afirmações falsas
sobre a gema mineral, pois já haviam ocorrido denúncias por parte de clientes
516Entrevistas informais, mais conversas que fiz sobre isso no ESJL durante o acontecimento
de alguns eventos em 2013, com integrantes do Polo Joalheiro e técnicos do IGAMA.
517 POLO JOALHEIRO TEM NOVO LABORATÓRIO GEMOLÓGICO. Disponível em
Cores dos minerais, grafismo, asas de metal, verão marajoara, sinal de pureza, conexões, celtic
e vestígio são algumas temáticas da nova coleção. Foto: Divulgação/IGAMA
Resultado de quase uma década de pesquisas realizadas por Paulo Tavares, mestre
ourives e pesquisador, que assina a coordenação técnica da exposição, a iniciativa é
524 Idem.
313
São joias artesanais, que trazem elementos da fauna e da flora, passando por
representações da cultura amazônica e do próprio processo de manipulação e coloração
do metal. A matéria prima é de origem mineral e obtida por meio de processo
diferenciado, para formar elementos que geram novas cores. A técnica inovadora tem
como base a reciclagem do metal.
Nova técnica
Para criar a coloração das joias, Paulo Tavares associou à nova tecnologia outra
inovação desenvolvida no âmbito do Programa Polo Joalheiro: a “incrustação
paraense”, também conhecida como incrustação a frio. Com esta técnica, cores
especiais são obtidas em um processo que substitui a esmaltação e utiliza resíduos da
lapidação de gemas minerais ou de produtos orgânicos.
Após desenvolver a nova técnica, Paulo Tavares decidiu preparar a exposição, com o
apoio do IGAMA. O ourives convidou representantes de empresas que participaram do
curso de Metalurgia Básica e empreendedores parceiros, que acreditaram e apoiaram
314
sua experiência desde o início. “Não foi prometido nada para essas empresas, onde eu
entrava para dar dicas de conscientização ambiental e de como cuidar dos resíduos.
Eles confiaram e me entregaram esse material. Nada mais justo do que convidá-los
agora”, conta Paulo.
Transformação
Foi na história que envolve a extração do ouro no Pará que a designer Mônica Matos,
da Joias da Amazônia, buscou inspiração para criar as coleções Paredão de Sonhos,
Rastros e Vestígio. O tema foi escolhido pela simbologia forte e amplitude para a
utilização das cores extraídas do metal utilizado - metassilicato de cobre, carbonato de
cobre e hidróxido de metais. Segundo ela, a coloração das joias faz referência às cores
dos locais de garimpo, dos barrancos e do próprio minério ali extraído. “Resolvi também
fazer um ‘link’ com essa questão poética, com os sonhos (dos garimpeiros), da escada
que levava aos sonhos”, explica a designer, que buscou outras referências históricas e
visuais ligadas à atividade, como os rastros e as crateras ou “grandes vácuos”.
Para o ourives Joelson Leão, proprietário da Amajoia, participar do trabalho foi válido.
Segundo ele, não houve dificuldade no manuseio do material. “O efeito é diferenciado.
É um elemento com uma química diferente que, quando entra em contato com outro, a
gente nem sabe que cor vai resultar”, diz ele, que usou tons terrosos nas joias que
produziu para a exposição. Joelson Leão foi responsável pelo aprimoramento da
incrustação paraense, técnica de ourivesaria desenvolvida por Paulo Tavares e
Argemiro Muñoz, pioneiros no Polo Joalheiro do Pará. Ele conseguiu obter um degradê
especial de cores misturando à resina pó de gemas minerais e orgânicas, entre as quais
coral, lápis lazuli, malaquita, turquesa, pirita, casca de ovo e carvão vegetal.
Sustentabilidade
Paulo Tavares despertou para essa pesquisa ao observar as manchas coloridas que se
formavam no metal, durante curadorias que prestou ao IGAMA. “Apareciam problemas
em algumas peças, como as manchas, que são comuns na joalheria. Vi que havia
manchas de todas as cores, e logo percebi que a origem delas era a formação de
minerais. Ou seja, um dos grandes problemas que enfrentávamos voltou-se a nosso
favor, com o aproveitamento das cores que provocam essas manchas”, acrescenta. A
partir daí, o desafio foi identificar e separar os elementos químicos causadores das
manchas e extrair matéria prima para diferentes opções de coloração.
Gemas vegetais
Até essa fase, a prática é comum e feita artesanalmente ou por refinarias. É na etapa
de descarte da sobra da reciclagem do metal que a nova técnica de Paulo Tavares se
destaca. O ourives explica que as soluções coloridas são neutralizadas à acidez e, a
316
partir daí, surgem os minerais com coloração diferenciada. São minerais verdes, azuis,
vermelhos, amarelos e de outras cores, que depois de transformados em pó são usados
na produção das joias, com a técnica da incrustação paraense.
Nuances
Evolução
A técnica inovadora e a beleza das joias da exposição foram destacadas por Manuel
Bernardes, representante do Arranjo Produtivo Local (APL) de Belo Horizonte (MG). Ele
conta que tem acompanhando a evolução da joalheria no Pará desde a criação de sua
primeira coleção, baseada nos elementos tradicionais da cultura local. “A joalheria
artesanal paraense vem se libertando e encontrando uma identidade própria. É um
processo muito interessante de se acompanhar, e a evolução tem sido muito rápida.
Está de parabéns!”, frisa Manuel Bernardes.
525
LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. In: BURKE, Peter. A Escrita da História: novas
perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p.135 –136.
526NORMAS E PROCEDIMENTOS PARA A PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE JOIAS E
GEMAS NO ESPAÇO SÃO JOSE LIBERTO/PROGRAMA DE DESENVOLVOIMENTO DO
SETOR DE GEMAS E METAIS PRECIOSOS DO ESTADO PARÁ, documento IGAMA de 2010.
319
527 Idem.
528 Idem.
529 Idem.
320
Amazonas, existia uma tribo composta por mulheres guerreiras chamadas ICAMIABAS, tais
mulheres não tinham marido e não deixavam ninguém se aproximar delas. Uma vez por ano as
ICAMIABAS realizavam uma festa em homenagem a Lua durante a qual recebiam os índios
GUACARIS em suas tabas, com quem se acasalavam. À meia-noite, elas mergulhavam no lago
e iam buscar no fundo a matéria-prima com que moldavam várias formas de animais (sendo a
do Muiraquitã a mais original) que ao saírem da água endureciam. Então, as índias guerreiras
presenteavam com esses objetos aos companheiros com quem haviam feito amor. Em
retribuição, os GUACARIS usavam o presente pendurado no pescoço, enfiados numa trança
feita do cabelo das mulheres, como um amuleto. No ano seguinte, as mulheres que tinham
parido, ficavam com as filhas e entregavam os filhos para os GUACARIS. Nos dias atuais, a
definição mais comum a respeito do Muiraquitã é de que são objetos zoomorfos (que possuem
forma de animais), em geral, sapos e rãs, e ainda servem como amuletos de sorte e fertilização.
Em Belém, até os dias atuais, alguns acreditam que quando uma mulher recebe de presente um
Muiraquitã, significa boa sorte para ela engravidar. RAÍZES ENCANTADAS. Disponível em:
http://raizesencantadas.blogspot.com.br/p/lendas-e-mitos.html. Acesso em março de 2014.
325
Essa escolha foi pautada na ideia de fabricar no Polo Joalheiro uma joia
com identidade amazônica, por haver o entendimento de que:
Como consultor externo do Polo, do início até os dias atuais, ele trouxe
essas considerações para o campo da joelharia do Pará, afirmando que a joia “é
um objeto artístico”, que precisa essencialmente da moldura do corpo humano,
por isso a joia nunca se separa de uma história dos humanos, vistos enquanto
537
SIMÕES, Maria do Perpetuo. Socorro. G. Mito e Rito em Contexto Amazônico In: Cultura e
Biodiversidade entre o rio e a floresta. Editora Belém: Gráfica Universitária - UFPA, 2001, p.3.
538
LOUREIRO, Jesus Paes. A arte como encantaria da linguagem. São Paulo: Escrituras,
2008, p.8.
327
539 _________. Joias com alma do Pará e coração da Amazônia. Texto digitalizado, s/d.
540 Idem.
541 Idem.
542 Idem.
328
Faço eco a essa sua defesa e digo mais, essa joia somente consegue
ampliar seu campo de consumo e, com isso, furar barreiras comerciais, se não
sucumbir a uma produção industrial apenas com intuito comercial imediato.
Acredito que o caminho é o do fortalecimento da joia artesanal com design de
fato paraense, incluída na esteira da “economia criativa”. Adiante, pode se ler
nas imagens possíveis caminhos para isso, sempre com uma necessidade de
aprimoramentos no fazer e no criar.
329
544 INSTITUTO ACERTAR. Pesquisa com usuários de joias no Município de Belém. Relatório
de Pesquisa. Belém, setembro de 2008.
545 RELATÓRIO DE GESTÃO DO IGAMA, junho de 2016.
331
Ele explicou que tal inspiração criadora teve como base as ideias de
Schaan548 sobre a linguagem iconográfica da cerâmica marajoara, particular no
que concerne a “cobra” presente em seus traços em várias formas geométricas,
que a referida autora denomina de “serpente mítica”. De acordo com a imagem
a seguir:
(Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
PUC/RS, 1996.
332
549 RICCI, Stefano. A Cultura de Projeto para uma Criatividade Consciente, Livre e Poética.
In: NEVES, Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela da Silva; PINTO, Rosângela Gouvêa e Anna
Cristina Resque Meirelles (organizadoras). Joias do Pará: design, experimentações e inovação
tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011.
550 Ibidem, p. 15.
333
552 FERREIRA, Felipe Braun. Um olhar ergonômico sobre o design de joias. Trabalho de
Conclusão de Curso (Design com habilidade em Design de produto). Universidade do Estado do
Pará. Centro de Ciências Naturais e Tecnologia. Belém, 2008.
553 PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor de Gemas e Joias no Município
Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela da Silva; PINTO, Rosângela Gouvêa e Anna Cristina
Resque Meirelles (organizadoras). Joias do Pará: design, experimentações e inovação
tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011, p. 99.
555
CHAGAS, Fonseca Clarisse e PINTO, Rosângela Gouvêa. Classificação da joalheria
Paraense a partir dos processos produtivos e inserção da cultura local. Texto apresentado
no 9° Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, em 13 a 16
de outubro de 2011.
556 Entrevista gravada em sua oficina/casa em10 de junho de 2013.
335
557 Idem.
558 ABRAHIM, Lídia Mara Pereira. A Técnica da incrustação paraense: ilustrada através da
coleção de joias "Mangueirosas". Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Design)
- Universidade do Estado do Pará, Belém, 2007.
559 COSTA, Socorro. Incrustação Paraense: Inovação no Aproveitamento da Gema Orgânica
na Joalheria Artesanal. In: NEVES, Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela da Silva; PINTO,
Rosângela Gouvêa e Anna Cristina Resque Meirelles (organizadoras). Joias do Pará: design,
experimentações e inovação tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011.
336
561. Arranjo produtivo local de moda e design é formalizado no São José Liberto. Disponível em:
http://www.seplan.pa.gov.br/arranjo-produtivo-local-de-moda-e-design-%C3%A9-formalizado-
no-s%C3%A3o-jos%C3%A9-liberto. Acessado em 02 de agosto de 2016.
338
562Arranjoprodutivo local de moda e design é formalizado no São José Liberto. Disponível em:
http://www.seplan.pa.gov.br/arranjo-produtivo-local-de-moda-e-design-%C3%A9-formalizado-
no-s%C3%A3o-jos%C3%A9-liberto. Acessado em 02 de agosto de 2016.
339
563 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p..47.
342
Conclusão
Considerações de um fim que é um recomeço
desejar fazê-la, tem que ser feita, mas de forma legitimada por todos os setores
envolvidos e não imposta.
Como afirmou João de Jesus Paes Loureiro, em uma de suas
participações num dos encontros nacionais do setor joalheiro, que ocorreu no
ESJL, “não se pode acender uma vela a Deus e outra ao Diabo”, ou seja, não se
pode dizer que se faz uma joia artesanal e não se faz, ou propor-se a fazer uma
joia com inovação tecnológica sustentável e design inovador a partir da
biodiversidade e da originalidade da cultura Amazônica, e lá no fundo rejeitar,
desprezar essa cultura, assim como esse modo de criar e fazer; ou mesmo ser
indiferente a tudo isso.
Um dos principais empecilhos que têm se enfrentado para esse caminho
dar mais certo é driblar a cultura de considerar o que é bom vem lá de fora.
Portanto, se faz necessário criar estratégias para seduzir mais o público local a
conhecer e apreciar as joias do Polo Joalheiro, mas sem apostar numa
mentalidade regionalista xenofóbica ou reducionista
Além de fortalecer, entre os componentes do Polo Joalheiro, uma visão
de estar no mundo sem se soltar de suas raízes culturais, e que se pode fazer
uso destas como uma estratégia a favor da valorização da produção de joias
locais artesanais.
Considero vantagens materiais e simbólicas ter um polo joalheiro e apoio
governamental que investe no setor joalheiro para se alcançar novos patamares
de valorização dessa joia, mas de nada disso adianta se os próprios segmentos
sociais desse setor não valorizarem essas vantagens e não acreditarem nesse
caminho proposto.
A configuração aqui de uma versão da história sociocultural do Polo
Joalheiro, em conjunto com um delineamento de trajetórias de vida vinculadas
aos mundos da joia artesanal, pode servir para que esses segmentos conheçam,
de forma mais sistematizadas, o que já foi feito e o que ainda pode ser feito em
prol do setor joalheiro.
Como também resultado direto da pesquisa histórica, pude compreender
o Polo Joalheiro como um lugar de memórias repletas de significados
existenciais, manifestos nas múltiplas experiências de sucesso de realizações
pessoais, profissionais e comerciais, no âmbito do criar e fazer joias artesanais,
apesar disso não se dá de forma unânime e nem sem osbstáculos ou desilusões.
344
Nesses termos, espero que a leitura da tese possa servir para incentivar o
aumento de pessoas no querer explorar esse mundo das joias de artesania e
adentrá-lo, promovendo, dessa maneira, uma conquista definitiva, a ponto de
torná-las defensoras desse mundo.
Destaco enquanto um empreendimento que agrega sucesso comercial
com artesania, a Loja Una do ESJL, por apresentar uma dinâmica que consegue,
ao mesmo tempo, juntar interesses diversos individuais e coletivos, e por isso
capaz de gerar resultados que justifiquem a continuação do Polo joalheiro como
uma ação de política pública, já que consegue garantir trabalho e renda para
muitas famílias, com menos poder econômico, ligadas ao setor joalheiro, como
exemplo, para aquela família que depende somente do fazer joia para vender e,
que se não tivesse a referida loja não teria onde vender por um valor de varejo,
consequentemente, teria que vender para lojistas e/ou comerciantes de joias,
que pagam um valor sempre menor de atacado em relação ao de varejo.
Essa loja agrega todos os membros do Polo Joalheiro que não tem lugar
próprio para a comercialização de suas joias artesanais e é administrada pelo
IGAMA. Pelo seu sucesso comercial, comprovado por relatórios financeiros, é
um modelo que vem se mostrando eficiente para fortalecer o Polo Joalheiro com
um território criativo que se destaca com uma possibilidade real de economia
criativa, que vem conseguido, cada vez mais, o tão almejado reconhecimento
estético e mercadológico a nível nacional e internacional.
Destaco também aqui a Escola de Joalheria Rhama, um empreendimento
particular, que funciona no ESJL desde o início do Polo Joalheiro. Ela enfrentou,
em alguns momentos de sua trajetória de atuação, dificuldades para se manter,
mas agora verifiquei sua revitalização, em termos de metodologias de ensino do
saber joalheiro artesanal e que está ativamente participando das ações e
atividades do Polo Joalheiro, o que considero um ganho significativo para o
fortalecimento da produção desse tipo de joia.
Essa nova condição é fruto de uma nova gestão composta pelo filho e
nora do ourives proprietário, provando, assim, que a transmissão geracional e
familiar de um saber fazer às mãos é fundamental para este continuar a existir.
A referida escola é importante para o coletivo do Polo Joalheiro/ESJL, por
possibilitar fazer em conjunto as joias e estar sempre aberta para se fazer
serviços de limpeza e reparos urgentes de joias comercializadas ou que vão para
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Referências
Bibliografia
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ilustrada através da coleção de joias "Mangueirosas". Trabalho de
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