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ROSÂNGELA DA SILVA QUINTELA

LUGAR DE JOIAS, MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: O POLO JOALHEIRO DE BELÉM


E PERSONAGENS NO TEMPO PRESENTE
(Um estudo sobre sociabilidades do fazer joias artesanais no espaço São
José Liberto, em Belém do Pará, Amazônia, Brasil)

BELÉM
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA

LUGAR DE JOIAS, MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: O POLO JOALHEIRO DE BELÉM


E PERSONAGENS NO TEMPO PRESENTE

ROSÂNGELA DA SILVA QUINTELA

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação de História da Amazônia da
Faculdade de História da Universidade Federal
do Pará, para obtenção do título de doutora
em História.

ORIENTADORA: CRISTINA DONZA CANCELA

BELÉM
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA

LUGAR DE JOIAS, MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: O POLO JOALHEIRO DE BELÉM E


PERSONAGENS NO TEMPO PRESENTE

ROSÂNGELA DA SILVA QUINTELA

BANCA EXAMINADORA
CRISTINA DONZA CANCELA – (ORIENTADORA) PPHIST
LUIS ALBERTO ALVES – EXAMINADOR EXTERNO FLUP/UNIVERSIDADE DO PORTO
ERNANI PINHEIRO CHAVES – EXAMINADOR EXTERNO PPGF/UFPA
ANTONIO OTAVIANO V. JUNIOR – EXAMINADOR INTERNO PPHIST/UFPA
FRANCIANE GAMA LACERDA – EXAMINADORA INTERNA PPHIST/UFPA

BELÉM
2016
Ao Alves, meu eterno companheiro de
amor de corpo e alma.
Ao José Virgílio, meu filho, o sentido de
tudo.
AGRADECIMENTOS
Gratidão pulsa em mim pelo afeto, conhecimento, atenção, cuidado,
dedicação total que recebi antes, durante e para a finalização desse árduo
trabalho, que agora se torna livro, cujo conteúdo publiciza minha Tese de
Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História da
Amazônia, da Universidade Federal do Pará, em 2016.
Alves, meu companheiro das noites de lua cheia e dos dias ensolarados,
assim como das tempestades, do tempo de chorar e de sorrir, obrigada por todas
as atitudes de parceria. A cada dia amo mais você e tenho a certeza de que és
o amor de minha vida.
José Virgílio, meu filho incondicionalmente amado, agradeço pela
completa felicidade que me proporciona desde que soube que estavas em meu
ventre e pela compreensão da minha falta de atenção a você durante a
elaboração desse trabalho e pelos beijinhos de estímulo no meu rosto e um
abraço apertado, quando estava prestes a desabar de cansaço e tensão.
Marcela, gratidão, és muito especial em nossas vidas. Temos um pacto
de solidariedade e compartilhamentos para toda vida.
Orientadora Professora Cristina Cancela, minha eterna gratidão pelo
apoio na elaboração dessa empreitada acadêmica, orientando de forma gentil e
competente, sem você esse fim agora não aconteceria, mas antes de tudo muito
obrigada por acreditar na tese ainda quando era um projeto.
Todas as professoras e todos os professores, que tive o privilégio de
assistir suas aulas no doutorado, recebam meu singelo agradecimento pelo
compartilhar de conhecimentos.
Professores Otaviano Vieira Junior, Professora Franciane Lacerda,
Professor Luís Alves e Professor Ernani Chaves recebam meu imenso
agradecimento por aceitarem o convite para compor a banca de avaliação do
referido trabalho.
Professor Ernani Chaves e Professora Jane Beltrão, um obrigado muito
especial por suas presenças nas várias fases de minha vida acadêmica.
Rosa Helena Nascimento Neves, Diretora Executiva do Espaço São José
Liberto, grata por você permitir acesso aos arquivos fundamentais para a
composição deste trabalho.
Interlocutoras e Interlocutores da pesquisa de campo e das entrevistas,
sem vocês a tese não se tornaria real. Minha eterna gratidão por me permitirem
adentrar na vida de vocês.
Minha família, meu porto seguro, obrigada por todo amor que recebi nesse
momento crucial de minha vida.
Sumário
Introdução: Porta de entrada para os mundos do Polo Joalheiro do Pará – Rastros para
adentrar num labirinto reluzente 8

Capítulo 1: Joias de Memórias: um caleidoscópio de vidas e contextos no Polo Joalheiro


de Belém do Pará 28
1.1. Contextos da Composição do Polo Joalheiro de Belém do Pará 32
1.2. Entrelaçamentos de Trajetórias Individuais e Coletivas na História do Polo
Joalheiro de Belém do Pará 43
1.3.O Polo Joalheiro no Cenário Institucional 48
1.4. O Polo Joalheiro no Espaço São Jose Liberto, O Lócus da Pesquisa. 72
1.5. A “Joia do Pará” do Polo Joalheiro 83

Capítulo 2: Mestres Ourives no tempo de lembrar o vivido 91


2.1. João Sales, o Mestre Ourives Narrador 104
2.2. Paulo Tavares, o Professor Pardal, de um ourives de bancada a um
pesquisador andarilho 126

Capítulo 3: As ourives/Designers entre memórias, criações e um querer fazer


joias 151
3.1. Ivete do Rio Negro, a costureira que virou designer/ourives 152
3.2. Camilla Amaral, a ourives designer com uma veia artística de herança 164
3.3. Lídia Abrahim, a designer ourives encantada pela arte do saber e fazer 179
manual
3.4. Selma Montenegro, a designer ourives que se realiza no fazer arte 193
3.5. Marcilene Rodrigues, a psicóloga apaixonada pelas artes manuais 203

Capítulo 4: Protagonistas do Polo Joalheiro do Pará: redes sociais visíveis e


invisíveis, além das vitrines 215
4.1. Protagonistas do mundo das joias antes e depois do Polo Joalheiro 220
4.2. As mulheres das joias: entrelaçamentos de vivências 234
4.2.1. Design de Joia Celeste Heitmann 239
4.2.2. Design de Joia Rosângela Gouvêa 243
4.2.3. Design de Joia Helena Bezerra 248
4.2.4. Design de Joia Mônica Matos 252
4.3. Ourives e designers de joias: emaranhados de encontros
e desencontros. 259
4.4. Rede familiar, de parentesco, de compadrio no fazer joias 269

Capítulo 5: As multifaces do Polo Joalheiro no tempo anterior, atual e nas


brumas do futuro, um mosaico de ideias e ações 279
5.1. As várias Ações, os vários Projetos do Polo Joalheiro, tecendo vidas,
arranhando e fabricando sonhos 280
5.2. As joias do Polo no tempo do agora e no devir 318

Conclusão: Considerações de um fim que é um recomeço 342


Referências 347
8

INTRODUÇÃO
Porta de entrada para os mundos do Polo Joalheiro do Pará – Rastros
para adentrar num labirinto reluzente
Faço joia para apreciar e homenagear a beleza da
natureza. Ela me fascina porque tem sempre uma
coisa inédita, igual a joia artesanal, é peça única. [...]
fazer joia para mim é questão de vida ou morte. [..]
eu me sinto vivo. Eu penso e faço. Determino
tamanho, medida. Penso, crio, produzo e faço
ferramentas para fazer a peça e faço o cronograma
do trabalho de quanto tempo eu vou levar para fazê-
la. Faço molde, rabisco e o piloto. Sem fazer o molde
e o piloto faz perder metal e até a peça.
(Mestre ourives/joalheiro Paulo Tavares)

A joalheria nos remete a mundos de trabalho, a formas de ser, pensar, e


viver, ao se tratar do agregar atividades de criar, fazer e comercializar joias, que
acompanha, de modo, geral, a composição da própria história social e cultural
realizadas pelos humanos. Nesses termos, segundo Gola, a joia [..] “É moeda
universal que não perde seu valor material, é documento que resiste ao tempo,
é patrimônio impregnado de sentimentos e de história”1
Desse modo, a história, independentemente de diferenças étnicas,
geográficas, topográficas, simbólicas ou quaisquer outras, foi e continua a ser
marcada pela produção de artefatos que têm a finalidade de adornar, agradar e
seduzir, e, entre estes, encontram-se as joias.
Por isso, a joia, como criação e (re)produção humana, pode ser
considerada agregadora de muitos aspectos ao mesmo tempo, é, nesse sentido,
signo, bem material e arte, com vínculo com os desejos latentes e realizações
de necessidades dos seus criadores, produtores, comerciantes e usuários.
Aqui o entendimento de joia, grosso modo, se remete a defini-la como um
artefato de ornamentação corporal feito pela manipulação e transformação do
metal ouro ou prata em formas de anéis, pulseiras, colares, pingentes, brincos,
entre outras, com a cravação2 de gemas minerais ou vegetais.

1 GOLA, Eliana. A joia: história e design. São Paulo: SENAC São Paulo, 2008, p. 15.
2 Técnica da joalheria para incrustar gemas em joias. Ou seja, é arte de unir gemas e metais num
formato de joia. É um processo manual. CURSO DE JOALHERIA BÁSICA. Escola de Formação
Profissional em Joalheria RAHMA: Gemas e Joias, Belém, 2005 (apostilha impressa). PEIXE,
Patrícia. Cravação e Joalheria Artesanal. Disponível em:
http://www.joiabr.com.br/joiamix/0408.html. Acessado em 22/05/2013. PINTO, Rosângela
9

Nesse mundo, o fazer joia artesanal é uma das mais antigas formas de
usar as mãos para criar algo que pode significar muitas coisas para os seres
humanos. Sendo assim, o fazer, criar e o uso de joias vem atravessando tempos
e lugares, agregando aspectos socioculturais, econômicos, simbólicos, desse
modo, delineando histórias.
Quem sabe fazer joias manualmente é chamado de ourives de joalheria.
O termo ourives, segundo Charles Codina, deriva do termo latino aurifaber, que
se refere ao artesão que manipula ouro e qualquer outro metal, utilizando
diversas técnicas, sendo a tradução literal do termo “fazedor de objetos de
metal”.3
Ou seja, a ourivesaria é a arte de trabalhar com metais preciosos, como a
prata e o ouro, na fabricação de joias e ornamentos. É considerada uma das
artes de fazer mais antiga. Foram encontrados sítios arqueológicos no mar Egeu,
datados em torno de 2500 a. C., nos quais foram encontradas joias feitas de
ouro. No Egito antigo já se produzia joias, utensílios e ornamentos com muitos
detalhes, utilizando esses materiais. O profissional que realiza este tipo de
trabalho é denominado de ourives. Cabe ressaltar que esta atividade é, em sua
natureza, uma atividade de cunho artesanal.4
A joalheria é considerada o ramo da ourivesaria que trabalha somente
com metais considerados nobres,5 ouro ou prata, para a confecção de joias. A
Joalheria artesanal no Brasil se configura com base no legado que recebe de
Portugal, da Itália e demais países Europeus. Segundo Julieta Pedrosa, no
período colonial:
[...] as joias aqui usadas por homens e mulheres eram muito
raras, mas as poucas que existiam já evidenciavam a moda
vinda de Portugal e de outros países europeus. Não havia,
ainda, uma tradição de ourivesaria no país: as raras peças
vinham de fora. As joias femininas, com o abandono dos
complicados penteados medievais e dos novos ares

Gouvêa. Relatório de Execução Técnica do Curso Fundamentos de Joalheria para o Igama.


Belém, 2010.
3 CODINA, C.A. A Ourivesaria. Lisboa, Portugal: Editora Estampa, 2002.
4 Idem.
5 São aqueles classificados como resistentes à corrosão, à oxidação, aos ácidos e sais. São

raros na natureza e permanecem sempre puros, ao contrário da maior parte dos chamados
metais vis, como ferro, níquel, chumbo e zinco. Os metais nobres não devem ser confundidos
com os metais preciosos, embora muitos metais nobres sejam preciosos. CURSO DE
JOALHERIA BÁSICA. Escola de Formação Profissional em Joalheria Rahma: Gemas e Joias,
Belém, 2005 (apostilha impressa). Essa escola funciona no Esjl. BRANCANTE, Maria Helena.
Os Ourives: na História de São Paulo. São Paulo: Árvore da Terra, 1999.
10

renascentistas, tornaram-se mais leves: fivelas para sapatos,


anéis e brincos – curtos, no início do século XVI, e depois mais
longos - eram os preferidos. Os cabelos eram presos e
trançados com pérolas ou pequenos adornos em ouro ou pedras
preciosas e usava-se a ferronière, broche adornando a testa e
preso à cabeça por uma fita. 6

Portanto, por sua condição histórica como colônia de Portugal, o Brasil


traz em sua bagagem cultural as influências europeias no seu modo de fazer e
pensar. Contudo, também recebe influência cultural dos africanos, que para cá
foram trazidos na condição de escravos, e dos indígenas, nativos da terra.
Toda essa diversidade cultural compôs e compõe a história da joalheria
brasileira, formando um caleidoscópio cultural, por isso multi e intercultural, na
produção de nossa joalheria, que vem buscando, ao mesmo tempo, firmar uma
identidade brasileira ou identidades brasileiras, quando são levadas em
consideração as particularidades regionais e locais – Estados, cidades, grupos
e indivíduos, assim como os lugares de criação, produção e comercialização,
como o Polo Joalheiro do Pará.
A história da joalheria brasileira, segundo Julieta Pedrosa,7 inicia com a
transferência da sede da Monarquia Portuguesa para o Brasil, especificamente
para o Rio de Janeiro, sede da Colônia, em janeiro de 1808, tendo o Príncipe
Regente D. João trazido toda a sua Corte e vários artistas e artífices, incluindo
renomados ourives de Portugal.
Fato esse que contribuiu definitivamente para o Rio de Janeiro se tornar
tradicionalmente um lugar que concentra os mais respeitáveis, em termos de
qualidade e comercialização, polos joalheiros do Brasil a nível nacional e
internacional.8
De acordo com Gola,9 os oficiais e mestres ourives, de diferentes culturas,
que migraram para o Brasil no Período Colonial, introduziram na fabricação de
suas peças materiais autóctones, fazendo com que as joias brasileiras se
diferenciassem mais das estrangeiras.

6 PEDROSA, Julieta. História da Joalheria. Disponível em:


http://www.joiabr.com.br/artigos/hist.html. Acessado em: 11/12/2012.
7 Idem.
8 SOARES, Maria Regina Machado. A joia do Rio: de ofício secreto a design contemporâneo.

Rio de Janeiro: Senac, 2011.


9 GOLA, Eliana. A Joia: história e design. São Paulo: Editora Senac, 2008.
11

No Século XVII, os ourives ainda migravam para cá. Contudo, a maioria


dos artesãos era composta de escravos, mulatos e índios, pois aprendiam esse
ofício com muita facilidade e muitos tornavam-se artistas, sendo
significativamente responsáveis pela superação paulatina da prática comum de
copiar uma peça, mesmo que, muitas vezes, sob a tutela dos mestres ourives
portugueses. Esses artesãos buscavam novas inspirações para criar e produzir
suas peças, a fim de acentuar a diferença entre as joias brasileiras e as joias
francesas ou portuguesas.10
Esse contexto histórico se manifesta nos dias atuais numa recorrente,
mas não linear, busca de construção de identidades nacionais, locais, em grupo
ou individual, em termos de querer se destacar por uma digital criativa/inovadora
no mundo, em termos de expressões de artesania,11 sendo isso um anseio
constante da parte dos artífices designers de joias que estão dispostos a ir além
da cultura da cópia, apostando assim numa linguagem artística imbricada com a
artesanal.
O fazer joias artesanais em Belém têm uma trajetória histórica marcada
por acontecimentos de antes e depois da implantação oficial do Programa de
Desenvolvimento do Setor de Gemas e Joias do Pará, em 1998, por parte do
poder executivo estadual. Este programa faz parte de uma política pública, com
o objetivo de elaboração de diagnóstico e implementação das diretrizes para o
desenvolvimento do setor joalheiro, a fim de organizar e fortalecer a cadeia
produtiva de gemas12 e metais preciosos no Estado do Pará, por meio da criação
de um polo joalheiro, nos moldes daqueles que tradicionalmente já gozavam de
reconhecimento nacional e internacional pelo que fazem. Propondo assim para
o setor joalheiro uma “invenção das tradições” 13 ou uma inversão.

10 Idem.
11 Trabalhos Manuais, que caracterizam a diversidade da produção artesanal. Uma arte popular
centrada na figura do artista/artesão, com a produção de peças únicas e/ou séries limitadas, fruto
da criação individual, em que o artesão são aqueles detentores de conhecimento técnico sobre
materiais, ferramentas e processos de sua especialidade, dominando todo o processo produtivo,
conforme consta no PROGRAMA DE ARTESANATO DO SEBRAE. Belém, 2004.
12Uma gema é um mineral, rocha (como a lápis-lazúli) ou material petrificado que, quando

lapidado ou polido, é colecionável ou usável para adorno pessoal em joalheria. Outros são
orgânicos, como o âmbar (resina de árvore fossilizada) e o azeviche (uma forma de carvão),
segundo o dicionário de Geociências disponível em:
www.dicionario.pro.br/dicionario/index.php/Gema. Acessado em 15/05/2011
13 HOBSBAWM, Eric J. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Funarte, 1987.
12

Não foi por acaso, portanto, que profissionais do Rio de Janeiro que atuam
no setor joalheiro, por exemplo, foram e são contratados para prestar serviços
de consultorias e ministrar curso de qualificação técnica.
Segundo relatos daqueles que atuavam no ofício de ourives/joalheiros
antes da criação do Programa Polo Joalheiro, em 1998, eles eram perseguidos
pela polícia. O ourives/joalheiro Paulo Tavares, um dos principais interlocutores
da referida pesquisa, relata que:
[...] a gente trabalhava sob pressão. Pra funcionar aqui o ourives
pagava uma taxa, na verdade foi confundido o ourives com
comprador de ouro, a polícia fechou o cerco, era tratado como
receptor. A partir da hora que tu passava a lidar com joia, tu
pagava uma taxa por semana. pra delegacia no comércio.

Nesse depoimento, ficou evidente que os ourives, de modo geral, atuavam


num contexto em que o lícito e ilícito se misturavam, em que a polícia via com
muita desconfiança o ofício de ourives, a ponto de não diferenciar quem era de
fato o que fazia joias e os receptadores de ouro e joias roubados.
Paulo Tavares e outros sujeitos da pesquisa, como João Sales, afirmaram
que com o Programa Polo Joalheiro, aos poucos, os ourives/joalheiros, de modo
geral, conseguiram ser respeitados, porque gerou condições institucionais para
a diminuição da informalidade e, consequentemente, a legalização do ofício,
principalmente para aquele que fabrica joia e/ou é microempresário que integra
o Polo Joalheiro em evidência aqui.
Essa situação aparece também nas experiências dos ourives/joalheiros
do Brasil Colônia e na Europa medieval, como demonstrou o estudo de Bracante,
14 no que diz respeito ao controle rígido do ofício do ourives, por parte das
instituições governamentais.
Segundo Gola,15 a Organização do ofício de ourives no Brasil Colonial
apresenta semelhanças com a organização desse ofício em Portugal. Tanto lá
como aqui, os ourives eram obrigados a criar uma marca (punção) para
identificar suas peças e registrá-la oficialmente, e não podiam vendê-las sem
essa identificação. Os ourives daqui burlavam constantemente essa
obrigatoriedade pela distância da metrópole, o que dificultava um controle rígido

14 BRANCANTE, Maria Helena. Os Ourives na História de São Paulo. São Paulo: Árvore da
Terra, 1999. Prólogo.
15 GOLA, Eliana. A Joia: história e design. São Paulo: Editora Senac, 2008.
13

por parte desta. Desse modo, foi atribuído um caráter clandestino ao ofício de
ourives no Brasil, o que, dificulta, até atualmente, a identificação desses artesãos
e de suas oficinas (ou de seus ateliês) em todo Brasil.
Nesse contexto, o setor joalheiro é compreendido como um conjunto de
atividades que devem se articular, envolvendo desde os insumos e matérias
primas até a transformação destas últimas, os processos de criação e fabricação
do produto, que é a joia, até a sua distribuição e comercialização.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), até chegar ao consumidor, as joias percorrem um longo caminho, que,
muitas vezes, começa no garimpo; outras, na produção dos metais usados. De
qualquer forma, são resultados de uma cadeia produtiva cheia de etapas e estão
ligadas a um setor constituído por micro e pequenas empresas – 93% do total –
que empregam 500 mil pessoas em todo território brasileiro.16

No que diz respeito às matérias primas das joias referentes ao ouro e às


gemas, o Pará representa, segundo dados do Instituto Brasileiro de Gemas e
Metais Preciosos, percentualmente, enquanto fornecedor do ouro no Brasil,
36,9%, ficando somente atrás de Minas Gerais, que está entre os 48,0%. No total
mundial representa 1,9%. 17
Segundo o Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (Ibgm):

O Estado do Pará abriga a província mineral mais representativa do


país. O território paraense possui a maior jazida de ferro do mundo,
80% das reservas de bauxita do Brasil. É, também, o maior produtor
de ouro, com reservas estimadas em 300 toneladas. Seu mapa
gemológico registra 256 ocorrências de diamantes, água marinha,
ametista, berilo, calcedônia, citrino, cristal de rocha, fluorita, granada,
malaquita, opala, quartzo, rutilo, turmalina, topázio, entre outras. 18

Foi nesse cenário que o Programa de Desenvolvimento do Setor de


Gemas e Joias ou Polo Joalheiro do Pará foi criado pelo Governo Estadual, que,
segundo fontes oficiais, pretendia dessa forma agregar valor à produção mineral,
que historicamente vinha sendo comercializada em estado bruto.

16 SEGUNDO O SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO À MICRO E PEQUENAS EMPRESAS.


Indústria de Joias. Lapidando a Imagem da Joia brasileira, em pdf. Disponível em:
www.Sebrae.com.br. Acessado em janeiro de 2013.
17 Segundo OLIVEIRA, M. L. (2007) Sumário Mineral Brasileiro 2006. DNPM/MME, p88-89.

Arquivo digital, consultado no endereço: http://www.dnpm.gov.br. Acessado em maio de 2011.


18 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEMAS E METAIS PRECIOSOS. Políticas e Ações para a

Cadeia Produtiva de Gemas e Joias / Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos.;


Hécliton Santini Henriques, Marcelo Monteiro Soares (coordenadores.). – Brasília: Brisa, 2005
14

A gestão do Programa, de 1998 a 2003, foi de responsabilidade das


Secretarias de Governo. A partir de 2004 passou a ser gerenciado pelo terceiro
setor, por meio de uma Organização Social – OS, a qual assina com o Governo
do Estado, por meio das Secretarias, um contrato de gestão, formalizando assim
um sistema de parceria, que deve ser renovado a cada quatro anos e prestar
conta por semestre.
O programa foi criado para também combater a informalidade na
produção e na comercialização das joias artesanais. Para tanto foram adotadas
medidas institucionais de curadoria e suporte laboratorial para permitir análises
de autenticidade e controle de qualidade do produto. Esse é o contexto a que
pertence o Polo Joalheiro/Espaço São José Liberto, o lócus, e, ao mesmo tempo,
o objeto dessa pesquisa, em conjunto com as trajetórias de alguns dos seus
sujeitos participantes.
A primeira OS a assumir a gestão do referido programa/projeto/polo
joalheiro e do espaço São José Liberto foi a Associação São José Liberto (SJL).
Mas com a mudança de governo em 2007, assumiu a gestão o Instituto de
Gemas e Joias da Amazônia (IGAMA), que permanece até os dias atuais (2016).
Um dos desafios deste é conseguir driblar as descontinuidades da gestão
estadual, diante das mudanças de governo, e sobreviver num mar de incertezas,
quando isso ocorre. Atualmente tem como objetivo principal fomentar a
organização e integração dos elos da cadeia produtiva do setor joalheiro, se
configurando em arranjo produtivo local.
O IGAMA vem gerenciando o referido polo a partir de três eixos de
atuação: 1- capacitação, gestão e inovação tecnológica; 2- criação, produção e
comercialização de gemas e joias; e 3- promoção e manutenção do Espaço
cultural, comercial e turístico São José Liberto.
Como lócus da pesquisa é configurado aqui como um complexo de
concepções e ações voltadas para o mundo das joias, como também um palco
de relações e experiências transversais geracionais, de gênero, de produção
familiar, de tipos de saberes, as quais vistas como componentes de um mosaico
de versões, trajetórias individuais e coletivas, que delineia uma história
sociocultural, numa perspectiva de debater conceitual e metodologicamente a
história do tempo presente, além do entrelaçamento entre memória e
15

esquecimento no uso de fontes orais e escritas e, mais ainda, na escrita da tese


como empreitada acadêmica no campo da disciplina história.
Trata-se, portanto, de um estudo sobre a história e memória do
Programa/Projeto Polo Joalheiro de Belém do Pará, incluindo nesse estudo,
especificamente, a trajetória de dois mestres ourives/joalheiros, Paulo Tavares
e João Sales e cinco ourives/designers, Ivete Negrão, Camilla Amaral, Selma
Montenegro, Lídia Abrahim e Marcilene Rodrigues.
Como também a rede de relações sociais visíveis e invisíveis, composta
por meio das experiências de alguns atores que representam os segmentos
sociais vinculados ao polo em destaque, os dos designers, ourives/joalheiros,
microempresários, lapidários, cravadores, por um lado, e gestores, funcionários,
consultores, por outro lado.
A escolha dos sujeitos da pesquisa se deu em função destes se
vincularem, de algum modo, aos processos de criação e fabricação de joias
artesanais, foco principal deste estudo.
O problema consiste em compreender a formação do projeto de
implementação do Polo, a constituição do espaço São José Liberto a partir da
perspectiva de seus diversos atores: mestres, administradores, ourives,
lapidadores de diversas gerações e gênero. E, ainda, perceber a trajetória
desses sujeitos em sua multiplicidade de experiências cujo marcador comum é
a sociabilidade construída no espaço São José Liberto. Uma sociabilidade
marcada por alianças, laços de solidariedade, troca de saberes, mas também
tensões e conflitos que vão desde o fazer das peças, às concepções do produto,
do uso do espaço e da continuidade do Programa.
Percebemos com o desenvolvimento da pesquisa e o tempo de trabalho
no programa, que um dos pontos de preocupação e tensão presente na fala dos
diversos interlocutores que entrevistamos formal, ou informalmente, passa pela
pergunta se a joia artesanal pode de fato inscrever uma história como um
caminho viável para o Polo e seus sujeitos participantes galgarem um
reconhecimento no setor joalheiro, em termos de qualidade técnica do produto,
design de inovação e sobrevivência mercadológica, local, nacional e
internacional. Ou seja, se essa joia pode sobreviver à força agressiva e
hegemônica das joias industriais, representada pelas marcas de joias nacionais
16

e multinacionais. Será que como “Davi”, as joias artesanais, vencem as


“gigantes”?
Esta principal questão pode ser desmembrada em outros
questionamentos mais específicos. Será que o Polo e seus sujeitos conseguem
sobreviver mercadologicamente enquanto um arranjo produtivo local na trilha da
economia criativa, moda e design? Consegue atingir novos patamares de
qualidade, criatividade e comercialização como território criativo? Contribuem ou
atrapalham o alcance de resultados animadores os conflitos entre os segmentos
sociais e indivíduos num cotidiano vivenciado no Polo? Em seus 18 anos de
existência quais frutos já podem ser colhidos e quais obstáculos precisam ser
ainda enfrentados e superados? Essas são questões que apareceram em boa
parte dos discursos.
A importância deste estudo pode ser justificada pela inexistência de
trabalhos na história belenense, sobre o artesanato, os ourives e o espaço do
São José Liberto e do Programa. O registro de experiências temporais, sociais
e culturais tão ricas realizados nesta pesquisa, evidencia a diversidade de ser e
viver, assim como de traços multi e transculturais que perpassam os atores, suas
trajetórias e concepções de trabalho, uso do espaço e do saber fazer artesanal.
Nesse sentido, acredito poder contribuir para a ampliação do conhecer do
universo pesquisado.
Outro motivo para a produção da tese é pautado na percepção de que é
imprescindível a sistematização, articulação e difusão de informações, de
saberes e conhecimentos para aglutinar esforços coletivos de superação de
dificuldades no contexto vivenciado, pois, caso contrário, a fragmentação e a
desarticulação dessas experiências podem potencializar atitudes mais
autoritárias, individualistas e ressentidas, por falta de respeito pelas diferentes
formas de pensar e agir.
Ao trazer à tona o discurso de atores tão diversos, suas trajetórias e
concepções, assim como, discutir a implementação do Programa de Joias no
espaço do São José Liberto, permite realizar reflexões que podem ajudar a
construir referências para prognósticos, com a consciência de ser apenas um
percurso realizado, entre tantos outros possíveis de serem elaborados. De todo
modo, já se tem a vantagem de sistematização de informações dessa realidade
pesquisada, que servirá, é o que espero, a tantos outros estudos sobre o setor
17

joalheiro. Contudo, escrevi todo este trabalho com uma ideia subjacente, de que
uma pesquisa sobre qualquer assunto não acaba, mas é abandonada ou
continuada.
O objetivo principal é analisar os discursos e as práticas, em sua
multiplicidade no cenário do Polo Joalheiro e dos seus segmentos sociais, ou
seja, a trajetória, o saber fazer, a sociabilidade, tensões conflitos entre os atores,
mestres, homens e mulheres, mestres e alunos (as), artesãos, administração, e
a memória de implementação do programa.
A temática estudada não está distante de minha própria experiência
profissional e pessoal. Em setembro de 2007, fui convidada pela diretora
executiva do IGAMA para ministrar uma oficina sobre as lendas amazônicas,
para servir de inspiração para a criação da coleção de joias da IV Pará Expojoias
– Amazônia Design, única feira de joias da Região Norte, que ocorre desde 2004,
no Polo Joalheiro do ESJL. O Polo Joalheiro, como já foi dito antes, é um
codinome do Programa de Desenvolvimento do Setor de Gemas e Joias do Pará.

Em 2008, adentrei novamente no Espaço São José Liberto para prestar


um serviço de consultoria antropológica e nesse mesmo ano assumi a
coordenação do Núcleo de Desenvolvimento Tecnológico e Organizacional –
NDTO, função na qual permaneci até dezembro de 2010.
Nessa função, percebi a falta de registros das concepções e ações que
recheiam e constroem o cotidiano do Polo joalheiro, de forma sistemática e
analítica, capaz de delinear entendimentos sobre a complexidade da rede de
relações sociais e interpessoais por dentro da cadeia produtiva e do âmbito
institucional. Acredito que essa situação também fez emergir o meu interesse em
pesquisar o “mundo do trabalho” dos e das participantes do Polo Joalheiro, a fim
de elaborar um registro histórico.
A empreitada de desenvolver a referida pesquisa, teve como ”pontapé”
inicial a apresentação de um pré-projeto com a temática exposta aqui , a fim de
submetê-lo ao processo de seleção de doutorado do Programa de Pós-
Graduação em História da Amazônia (PPHIST), do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, da UFPA, em junho de 2011, e, ao conseguir a aprovação,
iniciei o percurso de formação teórica e produção historiográfica, interrompido
em todo o ano de 2012, porque fui acometida por um grave problema de saúde,
18

mas que foi superado, o que permitiu o meu retorno a esse percurso em 2013
em diante.

A partir de agosto de 2011, comecei a cursar, a disciplina Tópicos em


Trabalho, Cultura e Etnicidade, cujo conteúdo, ministrado pelo Prof. Dr. Antônio
Otaviano Vieira Junior, foi sobre a Micro-História, o que me inspirou a usá-la
como um dos recursos metodológicos para o desenvolvimento do trabalho em
questão, pois as leituras sobre Micro-História, assim como as aulas permitiram
entender que a redução de escalas não é o que caracteriza de fato o trabalho do
historiador que segue essa corrente historiográfica, mas é o “jogo de escala”
entre o micro e o macro, entre o particular e o coletivo, sendo que esse jogo só
pode ser evidenciado na construção da narrativa histórica do trabalho
desenvolvido.
A utilização da narrativa para escrever a história permite que o resultado
possa ser lido não só pelo público especializado, mas também pelo grande
público leitor. Nesse sentido, optei por desenvolver o meu trabalho utilizando
essa maneira de escrever a História, por entender que o ofício do historiador
deve levá-lo a interagir, além das fronteiras acadêmicas, contribuindo para uma
melhor compreensão do universo estudado, inclusive por aqueles que não fazem
parte dele, haja vista que tenho a pretensão de apresentá-lo aos gestores,
consultores, funcionários e segmentos sociais da cadeia produtiva, ou seja, aos
participantes do Polo, como forma de um “prestação de conta”, de um
agradecimento pela contribuição recebida sem medidas por todos.
Optei também pela Micro-História porque propõe metodologicamente a
construção da teoria a partir da investigação empírica, ou seja, não é a teoria
que se impõe ao objeto, mas é construída no diálogo do historiador com as
evidências que reúne na sua pesquisa. Nesse sentido, utilizei o método indiciário
(referência) por me permitir observar elementos que numa perspectiva mais
ampla passariam despercebidos. Assim, acredito que esse método possibilitou-
me entender as dinâmicas particulares e coletivas daqueles que têm suas vidas
vinculadas ao lócus da pesquisa. Por exemplo, as relações de vizinhança, de
parentesco, entre outras.
19

Fiz uso de vários estudos de Thompson, por considerar que ele valoriza
também a investigação empírica, as experiências populares, levando em
consideração os aspectos culturais e os trabalhadores na relação capital e
trabalho, analisando questões de conflitos sociais, econômicos e culturais,
verticais e horizontais.
Outra ferramenta teórico-metodológica fundamental para a elaboração
desse trabalho em geral foi a História Oral. A história oral foi utilizada, a partir do
estudo, da análise e da discussão de diversos autores da história e das ciências
sociais, em que me esforcei para construir um fio lógico entre memória,
esquecimento, história e fontes orais.
Optei, como parâmetro de análise, pela obra História e Memória, de
Jacques Le Goff, por abordar problemas referentes aos estudos históricos, que
avalio serem pertinentes e, em alguns aspectos, serviram de reflexão e
inspiração para a escrita deste livro, por isso mostro alguns destes aspectos a
seguir.
O autor demonstra que Heródoto, historiador grego, considerado o “pai da
história”, no século V. a.C,, produziu uma história-relato, história testemunho.
Assim, a história, segundo o autor, começou como uma narração daquilo que foi
vivido e sentido pelo historiador. Demonstra que esse tipo de história jamais
deixou de estar presente no desenvolvimento da teoria histórica, mesmo
recebendo críticas daqueles que defendem a explicação no lugar da narração.
Desse modo, vem ocorrendo uma produção da história, denominada por alguns
historiadores contemporâneos de história do tempo presente. Sigo aqui as
orientações desta abordagem.
Contudo, o autor mostra que os historiadores ultrapassaram as limitações
da transmissão oral do passado pelo testemunho, por meio da constituição de
bibliotecas e de arquivos, em que as fontes documentais escritas passaram a
fundamentar noções de defesa de uma histórica científica, baseada em métodos
científicos, em sentido técnico. Tal noção recebeu, conforme discute Le Goff,
críticas pelo questionamento do fato histórico não ser um objeto dado e acabado,
por resultar de uma construção do historiador. Também demonstra que o
documento não é um material bruto, objetivo e neutro, mas que exprime as
relações socioculturais da sociedade a que pertence. Reconhece Le Goff que
esta discussão teórico-metodológica está presente também nas obras de Michel
20

Foucault, que faço referência a suas ideias quando abordo os micropoderes


presentes nas relações sociais vivenciadas no Polo.
Afirma Foucault que, a maioria dos historiadores do século XX, é
defensora de uma história-problema, como Lucien Febvre. Mas não de um
retorno da história como um mero relato, ou seja, da confusão entre história e
fontes históricas, sejam orais ou escritas. Procurei não fazer tal confusão.
Considera, ainda, que a tomada de consciência da construção do histórico
foi muito importante para a produção de novos modelos de estudos históricos.
Contudo, alerta que tal postura não deve desencadear um ceticismo em relação
à objetividade histórica e nem o historiador deve abandonar a noção de verdade
histórica, mas sim problematizá-la. Michel de Certeau também comunga com
esse pressuposto, por isso suas ideias foram referenciadas em várias partes do
trabalho.
Todavia, deixa claro que o historiador deve entender que a história
também é uma prática social, como também concebe Certeau. Ambos os autores
são defensores de uma história social, capaz de reconhecer a existência do
simbólico no contexto de toda realidade histórica, assim como confrontar as
representações históricas com as realidades que elas representam e que o
historiador apreende mediante outros documentos e métodos. Nessa trilha lógica
analisei as fontes orais e escritas utilizadas na pesquisa.
Le Goff demonstra que no século XX os historiadores foram além do
modelo mensurável de tempo histórico e admitiram a importância dos dados da
filosofia, da ciência, da experiência individual e coletiva, assim como a noção de
duração, de tempo vivido, múltiplos e relativos, subjetivos ou simbólicos.
Portanto, atualmente, fala-se do tempo da memória, “que atravessa a história e
a alimenta”. É essa noção que norteia toda a argumentação analítica deste
trabalho.
Sobre a oposição - ou o diálogo – entre presente/passado (e/ou passado
presente), o autor afirma que os historiadores não podem fugir da oposição
passado/presente, por ser vital para a conscientização do problema da
temporalidade histórica. Nessa discussão, o autor assume a posição de que “o
interesse do passado está em esclarecer o presente”, em que o passado é
estudado com base no presente, indicando o método regressivo de Marc Bloch.
21

Foi essa direção que sigo quando demonstrei e analisei as experiências


temporais dos sujeitos da pesquisa.
Afirma que Marc Bloch não aceitava a definição “a história é a ciência do
passado” e defendia que se definisse história como “a ciência dos homens no
tempo”, fundamentando essa definição em três características da história: o seu
caráter humano, por isso a história é a história social, ou seja, é a história das
sociedades humanas ou grupos organizados (acréscimo de Febvre).e as
relações entre o passado e o presente, argumentando que a história não só deve
buscar compreender “o presente pelo passado”, mas também compreender o
“passado pelo presente”. Para Le Goff, “O passado é uma construção e uma
reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa
da história”. Segui essa orientação.
Levando em consideração tais questões, busquei verificar os sentidos do
passado e do presente nessa perspectiva de valoração dos interlocutores da
pesquisa: como julgam o passado e o presente, assim com o futuro, ou seja,
como expressam “o sentimento de tempo”, quando principalmente rememoram
suas infâncias, relacionando-as com suas escolhas e trajetórias profissionais ou
de ofício.
Ao abordar as relações entre memória e história, propõe uma interação
entre memória coletiva e memória individual. Contudo, Le Goff se remete nesta
obra mais à memória coletiva, mas antes define memória como a capacidade
humana de conservar certas informações, ou seja, representa um conjunto de
funções psíquicas que o homem pode utilizar para acessar informações ou
impressões passadas, ou que ele as apresente como passadas. Nesse sentido,
entendo memória como a capacidade que os humanos têm de armazenar
aspectos de suas vivências e pensamentos, organizados, a partir das suas
trajetórias individuais e coletivas, aspectos esses que se expressam sempre em
seus conteúdos socioculturais e subjetivações.
Le Goff chama atenção para as manipulações conscientes e
inconscientes, que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição e a censura
exercem sobre a memória individual. Do mesmo modo, a memória coletiva
expressa relações sociais, inclusive relações de poder. Afirma que: “O estudo da
memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo
e da história, relativamente aos quais a memória está ora em retraimento, ora
22

em transbordamento”, o que indica que também os silêncios, os esquecimentos


são importantes nos estudos que envolvem memória individual e/ou coletiva,
pois estes são reveladores de mecanismos de manipulação da memória coletiva.
Concordo com o autor, mas também entendo que isso também se estende à
memória individual, em termos dos depoimentos, relatos e informações colhidos
durante uma pesquisa, por meio de fontes oral, escrita e visual.
No universo estudado dos (das) ourives/joalheiro (a), enquanto categoria
social, pode se afirmar que existe uma intensa cultura oral, pois tradicionalmente
são pessoas, em sua maioria, que não cursaram o ensino superior formal,
diferente dos e das designers, que, em sua maioria, estão ligados a essa
realidade. Por isso, existem poucos registros dessa natureza sobre eles. Sendo
assim, o uso das fontes orais foi de fundamental importância para incluir as
experiências e pontos de vistas deles na pesquisa.
Atualmente, já há ourives com formação no ensino superior, mas ainda
são exceções. E, geralmente, optam por estudar design, com especialização em
design de joia e de moda.
As memórias coletivas aqui registradas são mais de caráter institucional
e técnico-científico, por isso usei bastante fontes documentais escritas nos itens
do trabalho que estão mais voltados para registrar e analisar as experiências
desse tipo.
Nesse contexto, verifiquei três movimentos principais que acompanham
as trajetórias profissionais ou de ofício dos interlocutores e das interlocutoras da
pesquisa: do artesanato em geral para a ourivesaria/joalheria, do design de joia
para a ourivesaria/joalheira, e da ourivesaria/joalheria para o design de joia.
Todavia, têm aqueles e aquelas que se tornaram designer/ourives e exercem por
se tornarem aptos a desempenhar tanto em atividades de fabricação de joia
quanto de design de joia.
A aprendizagem do ofício de ourives ainda se dá por via oral e por ver
fazer nas oficinas. Com os cursos de ourivesaria ofertados por instituições e pelo
programa é que foram produzidos materiais escritos e audiovisuais. Há, portanto,
uma transmissão de saber oral e ver fazer, no sentindo de que “é fazendo, que
se aprende e apreende”. Sendo assim, há uma dificuldade latente ou mesmo
uma rejeição pela transmissão de conhecimento teórico, seja pela oralidade, seja
pelo documento escrito.
23

Segundo Le Goff, cabe aos profissionais que estudam a memória coletiva


ter como meta principal a democratização dessa memória, diante das relações
de poder inerentes aos contextos socioculturais, em que essas são produzidas.
Por isso afirma que: “A memória, onde cresce a história, que por sua vez a
alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos
trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a
servidão dos homens”. Segui aqui essa postura ética acadêmica.
Pretendi por essas vias produzir uma escrita da história, que, de modo
geral, pudesse possibilitar a compreensão das experiências de trabalho do setor
joalheiro, em suas formas e seus sentidos históricos atribuídos por esses sujeitos
às suas práticas nesse universo.
Além disso, pretendi também verificar a pluralidade das práticas e dos
discursos do trabalho dos ourives no processo de fabricação das joias
artesanais; analisar as questões de gênero no contexto pesquisado;
compreender a importância do trabalho familiar no contexto estudado; identificar
as diferenças e aproximações entre o trabalho pensado como artesanal (autoral,
em pequena escala, autônomo) e o trabalho capitalista (impessoal, em grande
escala, assalariado), e a forma como esses sujeitos transitam e flexibilizam
essas representações e as práticas a elas associadas.
Assim, escolhi abordagens teórico-metodológicas capazes de inspirar e
oferecer bases para a construção de um olhar acadêmico atento às
particularidades e à diversidade de suas trajetórias de vida, permitindo, assim,
perceber que os ourives, embora inseridos na dinâmica da sociedade capitalista,
continuam a preservar um saber popular transmitido oralmente por gerações e
obtido por meio da prática cotidiana do trabalho, realizado em oficinas, na
maioria dos casos, domésticas, o que torna a família partícipe do ofício de forma
direta ou indireta.
Nesse aspecto, percebi que há uma realidade complexa, multi e
transcultural, em que diversos tipos de saberes ora se combinam ora entram em
conflito. Além disso, também entendi que as ações e atividades desenvolvidas
no Polo estão associadas a planos, programas e projetos institucionais que
agregam diversas parcerias a nível local, regional, nacional e internacional.
24

As fontes históricas utilizadas foram: entrevistas gravadas, conversas,


observação participante, documentos oficiais, fotografias, reportagens
impressas e mídia eletrônica. Por esses caminhos teci um registro da rede
sociocultural e das trajetórias individuais de alguns dos participantes do Polo
Joalheiro do Pará, assim a história e memória desse lócus, como já afirmara
antes.
Em outubro de 2011, iniciei a pesquisa de campo. Voltei a frequentar o
ESJL um pouco temerosa sobre como se daria esse retorno, como seria recebida
pelos participantes do programa em destaque, como seria vista exercendo o
novo status social de pesquisadora, compreenderiam? Confundiriam? Eu
conseguiria o distanciamento salutar para o desenvolvimento da pesquisa
proposta? Havia uma inquietação latente provocada por tais questões. Tomara
que sim, pois não medi esforços para tanto.
Entrevistei ao todo 14 pessoas, entre ourives, designers, consultores,
antigos funcionários, e gestores. Realizei toda essa empreitada acadêmica
considerando os ensinamentos das aulas do doutorado e dos autores estudados,
considerando a discussão epistemológica e de paradigmas da trajetória da
produção do conhecimento da história social e cultural, assim como da história
do presente e da história oral. Também levei em consideração a postura
metodológica dialogal e interdisciplinar entre teorias e abordagens
metodológicas no contexto do paradigma da hermenêutica, sem deixar de estar
atenta para as incongruências e rupturas entre elas.
Investiguei os processos de atuação dos ourives no setor joalheiro no
tempo presente e do próprio polo, a fim de compreender os limites, avanços do
próprio setor e da política pública voltada para este, como também identificar
quais rumos este vem tomando para superação de seus gargalos.
A escolha das categorias sociais como participantes da pesquisa deu-se
em função da importância dessas na cadeia produtiva das joias artesanais e no
setor joalheiro. Dei destaque para as atividades de ourivesaria/joalheria, por
considerar o saber fazer joias uma atuação decisiva para a continuação do setor
joalheiro artesanal, sem esse saber é o fim desse tipo de joias. Sendo assim, as
joias que fazem artesanalmente em suas bancadas e oficinas são produtos que
garantem a continuidade da existência do setor diante da situação de que muitos
ourives vêm abandonando os seus ofícios para sobreviver de outras formas ou
25

deixando o fazer artesanal para comercializar joias industrializadas. É também


uma reação a uma tendência geral do setor joalheiro de valorizar mais o trabalho
do designer, que assina as peças, visto que nos catálogos de joias, em sua
maioria, não se faz referência à autoria de quem fez as peças, o ourives.
O trabalho dos ourives divide-se, principalmente, nas seguintes etapas:
fundir – tornar o metal líquido sob alta temperatura para ligar este primeiro a
outros metais, por exemplo, fundir o ouro com a prata; laminar – reduzir a
lâminas, chapar a liga metálica já em estado sólido produzida pela ação de
fundir; soldar – ligar, unir, prender com a solda, por exemplo, solda de prata que
se efetua com a liga feita com a prata, zinco e cobre; recozer – cozer novamente
o metal para garantir sua maleabilidade; trefilar – fabricação dos fios de metal
necessários para a composição das joias; e limar – polir as superfícies metálicas
já definidas em forma de joias, como, por exemplo, um anel, um colar. Ou seja,
exige habilidades complexas e especializadas que não podem ser
menosprezadas.
Nesse sentido, a revista eletrônica Blooming19 afirma:

Assim como outras técnicas artísticas, o trabalho da ourivesaria


é realizado em etapas. Tudo começa com o designer da peça
que é o que dá a direção dos trabalhos e o entendimento entre
quem desenha a peça e quem vai produzi-la é essencial para
garantir que a fabricação da joia siga a ideia original. O primeiro
passo do trabalho do ourives é o derreter a pepita de ouro e
condensá-la em um bloco de ouro, e a partir disso trabalha como
um escultor. A etapa seguinte é a martelagem, onde o ourives
usa um martelo para talhar o bloco de ouro, até obter a forma
desejada. Em seguida ele faz um refinamento da martelagem
que é a modelagem da peça, onde usa ferramentas com alto
grau de precisão. Depois disso é feito o refinamento da peça,
que é onde a joia é modelada e aprimorada, passando pelo
polimento, dependendo do trabalho é feita a cravação de pedras
e diamantação, passos que agregam valor à peça.

Mas, apesar desse destaque, de maneira nenhuma quero transmitir


qualquer sentido de desvalorização das outras categorias, por isso pesquisei
sobre a relação entre categorias que compõem a cadeia produtiva de criação,

19 Disponível em: http://blooming.plex.com.br/2010/11/10/ourivesaria-a-arte-de-eternizar-


momentos. Acessado em maio de 2011.
26

fabricação e comercialização dessas joias, as quais, além da dos ourives, são


as dos lapidários, dos designers e dos comerciantes, que também são
participantes fundamentais do programa. Assim, verifiquei como os sujeitos da
pesquisa vêm traçando suas trajetórias de trabalho no setor da joalheria, ou seja,
na arte de fazer joias artesanalmente.

Nessa perspectiva, esta tese foi organizada em cinco capítulos, além


desta introdução e a conclusão, conforme apresento adiante:
No primeiro capítulo teci a história do Polo Joalheiro de Belém do Pará,
de forma que os esforços foram para contemplar e entrelaçar versões diferentes
sobre seu processo de constituição, por parte de diversos protagonistas que
vivenciaram este contexto. São versões rememoradas por ourives, profissionais
liberais e governamentais, constituindo assim diferentes versões dessa história.
Por isso denominei “joias de memórias”, no sentido de que por meio de
comparação, compilação e análise de memórias expressas por fontes orais,
escritas e audiovisuais esta história foi emergindo, a partir de múltiplas
interpretações.
No segundo capítulo, foi montado um “quebra cabeça” das trajetórias de
vida de dois mestres ourives, Paulo Tavares e João Sales, desde a infância até
os dias atuais, buscando um entendimento sobre como foi possível e porque se
tornaram detentores desse saber especializado e quais mudanças ocorreram no
exercício de ourives enquanto ingressos do polo, relacionando isso com a
produção de joias artesanais na Região Norte, no Estado do Pará, na Metrópole
de Belém e com a transversalidade do trabalho familiar, das experiências de
transmissão de um ofício de pai para filhos, pontuando os rumos individuais de
tais trajetórias e associando tudo isso com suas produções artesanais, ou seja,
suas joias.
No terceiro capítulo, apresento um estudo sobre a atuação de cinco
mulheres, Ivete Negrão, Camilla Amaral, Selma Montenegro, Lídia Abrahim e
Marcilene Rodrigues em um universo tradicionalmente masculino, a ourivesaria,
e de como vêm delineando suas histórias como ourives/designers no setor
joalheiro, configurando assim uma história social de mulheres no mundo do
trabalho, perpassada pelas discussões sobre a história da mulher e questões de
gênero na literatura acadêmica, tanto por sua relevância pioneira, como pelas
27

contribuições recentes acerca da temática abordada. Pude observar as


aproximações, mas também as diferenças entre a trajetória dessas mulheres
entre si, e delas em relação aos homens ourives, não apenas pelas diferenças
de gênero, mas também de outros marcadores sociais, como de geração e
formação educacional.
No quarto capítulo, configuro a rede de sociabilidade dos protagonistas
vinculados ao Polo Joalheiro, com a intenção de mostrar quem são como
indivíduos e segmentos sociais do setor joalheiro, assim como delinear as
relações interpessoais e de grupo visíveis e invisíveis, em termos de seu pensar
e agir nesse universo.
Desse modo, tento mostrar um além do mundo das joias de luxo, da
passarela e exposição, dos catálogos, das notícias na mídia, em que chamo aqui
de vitrines, que é composto pelo trabalho familiar, cotidianos marcados por
dificuldades de sustento financeiro, de falta de matérias primas, de anseios e
dificuldades de se firmar no ofício de ourives ou na profissão de design. É um
mundo, portanto, nessa perspectiva, marcado por relações de disputa por
espaços de reconhecimento, por diversidade de modos de vida, com diferentes
status sociais e econômicos.
No quinto e último capítulo escrevi sobre as multifaces do Polo Joalheiro
de Belém do Pará, com a pretensão de compor uma versão de história
sociocultural e econômica da joalheria no tempo presente,
Nessas perspectivas, apresento o Polo Joalheiro materializado no Espaço
São José Liberto, desde 2002, por meio de diversas ações e atividades, tendo
por base concepções de gestão governamental, por um lado, e dinâmicas
provocadas pelos seus participantes e parcerias institucionais, por outro lado,
configurando-se assim em pluralidades de ideias e ações, experiências e
concepções. Trata-se de práticas produtivas de criação e fabricação, que
fortalecem os modus operandi artesanais, mas que não deixam de dialogar com
as formas mercadológicas do mundo capitalista, no aspecto de marketing e
comercialização das joias do Polo.
28

1. Joias de Memórias: um caleidoscópio de vidas e contextos


no Polo Joalheiro de Belém do Pará

Um acontecimento vivido é finito, ou pelo


menos encerrado na esfera do vivido, ao passo
que o acontecimento lembrado é sem limites,
porque é apenas uma chave para tudo que
veio antes e depois. (Walter Benjamin)

Segundo Reis,20 o desafio historiográfico é enfrentar as permanentes


questões epistemológicas envolvidas com o ofício dos historiadores, entre
tantas, estão as que se referem ao estudo do passado, em que ele coloca em
evidência as implicações que estão ligadas a uma pesquisa histórica. Desse
modo, lança, entre outros, os seguintes questionamentos: é possível fazer uma
abordagem do passado de forma objetiva? Se for possível, quais os limites?
Ele adverte que não há consenso e nem respostas definitivas, mas
necessárias reflexões, em que se deve assumir e informar os riscos de escolher
caminhos teóricos e metodológicos. Assim, escolhe o caminho reflexivo da
hermenêutica de Schleiermacher e Dilthey, para propor um diálogo interpretativo
entre o presente e o passado. Nesse sentido afirma:
[...] O historiador não está condenado a registrar fatos, a
constatá-los. Ele raciocina sobre eles, busca sua inteligibilidade,
atribuindo-lhes sentido, pensando as possibilidades objetivas e
os seus desdobramentos. Afinal, pensar não é registrar, mas
considerar caminhos possíveis, alternativas. [...] É preciso
construir um juízo histórico, atribuir um sentido aos fatos. 21

Por isso, afirma que o historiador não deve medir esforços para se
legitimar na luta contra fábulas, lendas, mitos e falsos testemunhos. Portanto,
deve [...] “representar adequadamente o real, realizando as seguintes operações
cognitivas: registro, memorização, revivência, reconstituição, reconstrução,
interpretação, compreensão, descrição, quantificação, narração, análise,
síntese”.22
Desse modo, pondera sobre a capacidade da história de revelar as raízes
temporais de tudo, as quais são tão caleidoscópicas quanto as dela e que
mudam tão frequentemente quanto ela. Tal visão pode ser referência para

20REIS, José Carlos Reis. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
21Ibidem, p. 26.
22Ibidem, p. 17.
29

qualquer realidade pesquisada e analisada, visto que, metaforicamente, sinaliza


para a contingência desses procedimentos lógicos e contextuais, nos quais as
circunstâncias da área de conhecimento, dos crivos feitos pelas vivências e
experiências coletivas e individuais do todos os envolvidos na relação
pesquisadora e pesquisados.
Outro nó górdio do desafio historiográfico é a abordagem da relação entre
memória e história. Le Goff23 afirma que a memória, primeiramente, deve ser
conceituada como um conjunto de funções neurológicas e psíquicas, capaz de
fazer com que o ser humano retenha informações sobre tudo que faz parte de
sua existência, construindo ou reconstruindo, desse modo, um passado distante
ou recente.
Um dos aspectos problematizados da memória é seu eterno companheiro,
o esquecimento, evidenciando, dessa maneira, um jogo dialético entre o ato de
lembrar e de esquecer, jogo esse sempre presente nos processos de
rememoração e nas lembranças de alguém. Sobre o esquecimento, Ricoeur 24
tece a seguinte consideração:
[...] De fato, o esquecimento continua a ser a inquietante ameaça
que se delineia no plano de fundo da fenomenologia da memória
e da epistemologia da história. [...] De início e maciçamente, é
como dano à confiabilidade da memória que o esquecimento é
sentido. Sob esse aspecto, a própria memória se define, pelo
menos numa primeira instância, como luta contra o
esquecimento. Heródoto ambicionava preservar do
esquecimento a glória dos gregos e dos bárbaros. E nosso
famoso dever de memória enuncia-se como uma exortação a
não esquecer. Porém, ao mesmo tempo e, no mesmo
movimento espontâneo, afastamos o espectro de uma memória
que nada esqueceria. Consideramo-la até mesmo monstruosa.
[...] O esquecimento não seria, portanto, sob todos os aspectos,
o inimigo da memória.

Para Ricoeur, a memória e a historiografia têm um mesmo objetivo: vencer


o esquecimento. Nesse sentido, a reunião das duas, segundo ele, produz o
“milagre do reconhecimento”. Assim, a memória é a ausência presentificada,
enquanto o esquecimento é a ausência não presentificada. Por isso, a

23LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
24RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas. Editora da UNICAMP,
2007, p. 424.
30

epistemologia da história está baseada em uma ontologia histórica: a condição


humana é essencialmente histórica.
Aqui compartilho com o pensamento de Ricoeur e de Le Goff25, sobre o
entendimento de que os silêncios, os esquecimentos são importantes nos
estudos que envolvem memória individual e/ou coletiva, pois estes são
reveladores de resistências a traumas ou mecanismos de manipulação da
memória coletiva. Ou por outra, de hierarquias móveis que estabelecemos com
o conhecimento, entre práticas, nomes e representações que consideramos
importantes e são constantemente lembradas, eventualmente lembradas, ou
simplesmente não mencionadas. Ao mesmo tempo, lembradas para quem?
Quem são os meus interlocutores? Em que contexto ou situação se acredita que
algo deve ser rememorado, destacado, enunciado? Com que propósito,
estratégia?
Outro dilema, referente à manifestação da memória é a possibilidade
desta ser atravessada pelo silêncio, consciente ou inconsciente, referente a
algum acontecimento, que pode ser motivado por precaução e medo das
informações, das versões sobre os acontecimentos ocasionarem perseguições
e conflitos por interesses pessoais, por tabus, como também por não querer se
relembrar de experiências que causaram mal-estar. É importante que esse
cenário seja levado em consideração nos estudos sobre memória.
Os autores em destaque chamam a atenção para as manipulações
conscientes e inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição,
a censura exercem sobre a memória individual e para a ocorrência da memória
coletiva expressar relações sociais, inclusive relações de poder.
Todavia, Le Goff considera que o estudo da memória social é um dos
meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, já que,
relativamente, a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento. A
relação entre memória e história é problematizada em Le Goff26, que, ao
analisar essa relação, admite que a cronologia é o fio condutor da história e o
instrumento principal da cronologia é o calendário, que é o quadro temporal do
funcionamento da sociedade, pois é a maneira como os humanos organizaram
o tempo natural, composto pelos movimentos naturais da lua ou do sol, do ciclo

25LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
26LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
31

das estações, da alternância do dia e da noite, chegando a elaborações mais


sofisticadas, como a hora e semana, as quais já passam a ser expressões
culturais e não naturais. Portanto, o calendário é o produto e expressão da
história, pois serviu de base para a organização histórica do tempo, em termos
de “periodização”, que são unidades iguais, mensuráveis, de tempo: dia de vinte
e quatro horas, século etc. Com base nessa noção de tempo mensurável e na
definição de pontos de partidas, como, por exemplo, a fundação das cidades,
foram elaboradas teorias de progresso, como o evolucionismo, duramente
criticado nos tempos atuais.
Demonstra também que, no século XX, os historiadores foram além desse
modelo mensurável de tempo histórico e admitiram a importância dos dados da
filosofia, da ciência, da experiência individual e coletiva, assim como a noção de
duração, de tempo vivido, múltiplos e relativos, subjetivos ou simbólicos.
Portanto, atualmente, fala-se do “tempo da memória”, “que atravessa a história
e a alimenta”.27
É levando em consideração essa discussão sobre a imbricação entre o
tempo histórico e o tempo da memória, que me lanço no desafio de escrever a
história ou as histórias do Polo Joalheiro do Pará e de pessoas que construíram
suas trajetórias a partir dele, ou vivenciaram naquele espaço experiências
importantes na construção de si e de sua formação enquanto artesãs, compondo
suas histórias de vida e a própria história do Polo, sempre revisitada a partir de
suas experiências e memórias.
A produção de joias em Belém, no Polo Joalheiro, como qualquer
fenômeno histórico, em seu alcance sociocultural, político e econômico, está
inclusa num cenário que vem se constituindo no tempo e no espaço, pela
atuação de diversos segmentos sociais, vinculados a uma realidade macro e, ao
mesmo tempo, a uma realidade micro, incluindo as trajetórias individuais, além
dos grupos sociais.

27 Ibidem, p..439.
32

1.1. CONTEXTOS DA COMPOSIÇÃO DO POLO JOALHEIRO DE BELÉM DO


PARÁ

O Pará é caracterizado como rico em “reservas de ouro, prata, ferro,


manganês, bauxita, caulim, cassiterita, calcário e mais de 50 variedades de
gemas de cristal de rocha, como ametista, opala, citrino e outras, tendo 14 minas
em atividade, o que representa 76% das exportações estaduais, alcançando a
marca de US$ 1,7 bilhão/ano”.28

O Polo Joalheiro surgiu por um conjunto de fatores mundiais e


institucionais, de reivindicações dos movimentos e organizações sociais, como
da atuação de pessoas vinculadas ao mundo dos fazedores de joias. Entre
tantos aspectos propulsores de sua criação estão as dificuldades e
reivindicações dos ourives, também garimpeiros, das cidades de Itaituba e
Marabá, respectivamente situadas na região sudoeste e sudeste do Pará. Essas
reivindicações ocorreram diante do auge da crise do garimpo na década de 1990,
motivada pelas restrições ambientais para a ocupação da Amazônia, pois
obrigaram o fechamento da maioria dos garimpos de ouro nos moldes de Serra
Pelada, isto é, aqueles com garimpeiros autônomos.29 Segundo Assis30:
A região sudeste do Pará esteve sempre ligada a grandes
conflitos fundiários, seja em função de seu potencial natural de
produtos florestais extrativos, produção mineral ou a
agropecuária. A violência que os tem acompanhado tem sido
característica marcante da região. Desde o seu processo inicial
de povoamento por populações não indígenas se estabeleceu
uma incessante disputa pelos seus diferentes recursos. A
presença de agricultores entre os muitos grupos que se
deslocaram para a região foi sempre marcante. Em épocas
remotas, esses agricultores se dedicaram à coleta de produtos
florestais como o caucho e a castanha, à caça de animais
selvagens para venda de peles, ao garimpo, à implantação de
pastagens para grandes fazendeiros e à produção de culturas
alimentares. De uma maneira ou de outra participaram
ativamente da construção social, econômica e política da região.

28“JOALHERIA NO PARÁ: A CULTURA REGIONAL GRAVADA NAS PEÇAS”. CABRAL,


Silvaneide Guedes. IN: HISTÓRIAS DE SUCESSO: EXPERIÊNCIAS EMPREENDEDORAS.
DUARTE, Renato Barbosa de Araújo. Brasília: Sebrae, 2004.
29 Documento digitalizado da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo: Geografia > Brasil >
humana > População, 2004.
30 ASSIS, William Santos de. A Construção da Representação dos Trabalhadores Rurais no
Sudeste Paraense. Tese de doutorado – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto
de Ciências Humanas e Sociais, 2007. (Introdução).
33

A atividade de garimpo, ou seja, a corrida pelo ouro, sempre está envolta


em problemas sociais e ambientais, por ser realizada por meio da exploração
dos recursos naturais do planeta que habitamos. Nesse caso, trata-se da
garimpagem do minério de ouro e de diamante. De acordo com as afirmações
de Pignatti,31 “nos anos de 1980/1990 houve uma grande expansão dessa
atividade na região Amazônica, devido principalmente ao elevado preço do
ouro”. [...]. Isso gerou uma forte degradação ambiental, o que ocasionou
protestos de Organizações Não Governamentais (ONGs) e fez com que o
Governo Federal, por meio do Ministério de Minas e Energia, organizasse uma
legislação ambiental, em que ficava determinado o licenciamento obrigatório
para toda atividade de mineração junto ao órgão estadual ou federal.
Havia, portanto, uma pressão internacional em relação às questões
ambientais, impulsionando a mídia a retratar, entre outras coisas referentes a
essas questões, a vida nos garimpos. O ponto de culminância disso tudo foi a
realização da Conferência Eco-92, no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de
1992. Ou seja, a realização de uma Conferência das Nações Unidas (ONU)
sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (também conhecida como Cúpula da
Terra ou Eco-92), que reuniu 108 chefes de Estado, com a finalidade de criação
de pactos mundiais para a preservação dos recursos naturais da Terra.32
Essa conferência já foi o desdobramento da conferência ambiental
realizada em Estocolmo, em 1972, também organizada pela ONU. Tal evento
teve como resultado a elaboração do relatório "Nosso Futuro Comum", das
Nações Unidas, apresentado oficialmente em 1987, em que foi lançado o
conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo a Agence France-Presse
(AFP):
O desenvolvimento sustentável abrange os aspectos econômico
(crescimento do Terceiro Mundo), social (integração e solidariedade
entre os Hemisférios Norte e Sul) e ambiental (preservação dos bens
mundiais de todos e regeneração dos recursos naturais). Além disso,
se preocupa com os problemas em longo prazo, enquanto o atual
modelo de desenvolvimento fundado em uma lógica puramente
econômica se centra no "aqui e agora". O termo foi utilizado pela
primeira vez em 1980 por um organismo privado de pesquisa, a Aliança
Mundial para a Natureza (UICN). Em 1987, o conceito apareceu em

31PIGNATTI, Marta. A Questão do Garimpo. In: ___________. As ONGs e a Política


ambiental nos anos 90: um olhar sobre Mato Grosso. São Paulo: Annablume/Selo Universitário,
2005, p. 119.
32Saiba o que foi a Eco-92. Jornal Folha de S. Paulo. Disponível em: http://www1.folha.
uol.com.br /folha / especial/2002/riomais10/. Acessado em 22 de janeiro de 2014.
34

um informe realizado pela ex-ministra norueguesa Gro Harlem


Brundtland para a ONU (Organização das Nações Unidas), no qual se
dizia que um desenvolvimento é duradouro quando "responde às
necessidades do presente sem colocar em perigo as capacidades das
gerações futuras para fazer o mesmo "A formulação do conceito de
desenvolvimento sustentável implicava o reconhecimento de que as
forças de mercado abandonadas à sua livre dinâmica não garantiam a
não-destruição dos recursos naturais e do ambiente", afirma o
economista e consultor ambiental espanhol Antxon Olabe. 33

Na Eco-92, foi formulada a “Agenda 21”, um documento com 2.500


recomendações para implantar a sustentabilidade no planeta. Entre as intenções
desse documento está a “Declaração de princípios sobre florestas: garante aos
Estados o direito soberano de aproveitar suas florestas de modo sustentável, de
acordo com suas necessidades de desenvolvimento”.34
Após 10 anos da Eco-92, foi realizada a Rio +10, ou seja, a Conferência
das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável,
constituindo-se no segundo encontro da ONU, que reuniu cerca de 100 chefes
de Estado e mais de 15 mil representantes da sociedade civil e de organizações
não-governamentais (ONGs). Ocorreu entre 26 de agosto e 4 de setembro de
2002, em Johannesburgo (África do Sul), a fim de avaliar o progresso feito na
década transcorrida desde a Eco-92, na questão ambiental e discutir
mecanismos de implementação da Agenda 21, como uma ação global.35
O Governo brasileiro, representado pelo então Presidente Collor de Mello,
resolveu, por meio de um decreto, fechar todos os garimpos a céu aberto, no
mesmo ano da realização da Eco-92, como uma resposta às pressões desse
cenário mundial. Isso gerou um furacão social no Estado do Pará,
metaforicamente pode se falar que foi repassada uma “batata quente” para o
Governo Estadual, diante da corrida do ouro que vinha ocorrendo nesse referido
Estado, de modo acirrado desde os anos de1980. O garimpo mais conhecido
mundialmente foi o de Serra Pelada que: 36
[...] é uma região localizada no sudeste do Estado do Pará. Na
década de 1980, essa área foi invadida por milhares de pessoas
em busca do enriquecimento rápido através do ouro. Em razão

33Disponível em: http://www.afp.com/pt/home/. Acessado em 22 de janeiro de 2014.


34Saiba o que foi a Eco-92. Jornal Folha de S. Paulo. Disponível em: http://www1.folha.
uol.com.br /folha / especial/2002/riomais10/. Acessado em 22 de janeiro de 2014.
35Idem.
36JORGE JOÂO, X.S.; NEVES, A. P.: LEAL, J.W.L. Ouro de Serra Pelada- Aspectos da
Geologia e Garimpagem. In: Anais do I Simpósio de Geologia da Amazônia. Belém, Pará –
Sociedade Brasileira de Geologia, 1982, p. 52-60.
35

da grande concentração de garimpeiros, a região atraiu também


lavradores, médicos, motoristas, padres, engenheiros, entre
outros.

Esse garimpo ficou conhecido pelas imagens de milhares de homens


enlameados, cavando a terra em busca de ouro, que ganhou o mundo, entre
outros meios, pela lente do fotógrafo Sebastião Salgado.37 A seguir, uma foto
do Garimpo de Serra Pelada por Sebastião Salgado:38

Figura 1: “Formigueiro Humano”


Fonte: Foto de Sebastião Salgado. Disponível em:
http://tecnicoemineracao.com.br/serra-pelada-de-sebastiao-salgado/. Acessado
em 10.06.2014.

Na fotografia de Sebastião Salgado transborda uma memória no sentido


de denunciar a ausência de dignidade humana, configurando o uso social e
historiográfico da fotografia. Segundo Kossoy, a fotografia é sem dúvida uma
testemunha do tempo, pois acredita que:

37 ALECRIM, Michel. CADERNO CULTURA: Serra Pelada em São Paulo. N° Edição: 2291 11.
out.2013-20:55. Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/329134_ Acesso em
22.01.2014.
38. Durante a ditadura, Sebastião Salgado foi para a França onde fez doutorado em economia e
sua esposa se tornou arquiteta. Trabalhou dois anos para um banco de investimentos. Fez
muitas viagens e trabalhou em projetos de desenvolvimento financeiro e econômico na África
com o Banco Mundial. Foi quando a fotografia surgiu em sua vida. Sebastião Salgado abandonou
tudo que o fazia e tornou-se um fotógrafo. Muitos o consideravam um fotojornalista, um fotógrafo
antropologista ou um fotógrafo ativista. Mas ele fez muito mais do que isso. Colocou a fotografia
como sua vida e passou a realizar projetos de longo prazo e de grande impacto. A força das
fotografias produzidas por Sebastião Salgado em meados da década de 1980 sobre o garimpo
em Serra Pelada, no Pará, ainda ecoa pelo mundo. Disponível em:
http://www.osensato.com.br/sebastiao-salgado-um-brasileiro-que-tem-inspirado-o-
mundo.
36

Toda imagem fotográfica tem atrás de si uma história. Se,


enquanto documento, ela é fixação da memória e, neste sentido
nos mostra como eram os objetos, os rostos, as ruas, o mundo,
ao mesmo tempo, enquanto representação, ela nos faz imaginar
os segredos implícitos, os segredos que escondem, o não
manifesto, a emoção e a ideologia do fotógrafo. 39

Como também informa e gera uma rememoração sobre a realidade


vivenciada por muitas pessoas na área de garimpo no Estado do Pará na década
de 1980, como já foi dito antes.
Nesse cenário, Itaituba, com uma área de 62.380,8 km² (equivalente a
três vezes o Estado de Sergipe/NE/Brasil), por estar situada em zona de garimpo
do Vale do rio Tapajós, na planície Amazônica, na região Oeste do estado do
Pará, à margem esquerda do Rio Tapajós,40 imprime sua importância na história
da implantação do Polo Joalheiro do Pará, compondo assim um contexto que
deu origem a uma política de Estado voltada para a sua construção.
O mapa a seguir informa visualmente a localização geográfica de Itaituba,
permitindo, também, a localização de outras áreas aqui destacadas, a fim de
promover o discernimento da localização da divisão por região do território do
Estado do Pará.

39 KOSSOY, Boris. O Relógio de Hiroshima: reflexões sobre os diálogos e silêncios das


imagens. Revista Brasileira de História, vol.25, nº 49, p.41.
40INSTITUTO BRASILEIRODEGEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (Ibge). Cidades. Disponível em:
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=150360&search=para|itaituba,
acessado em14 de março de 2014.
37

Itaita

Figura 2: Mapa físico e político do Pará


Fonte: http://www.achetudoeregiao.com.br/pa/parainterior.htm.
Com mais detalhes, a localização geográfica do Pará no mapa a seguir:

Figura 3: Mapa do Pará mais detalhado


Fonte: Exército Brasileiro. Disponível em: www.geoportal.eb.mil.br.

Nesse cenário, surgiu a Companhia de Mineração do Pará – Paraminérios


–, como órgão estatal, para administrar os recursos minerais, por meio do
Programa Especial de Mineração do Estado do Pará. Uma das ações iniciais foi
38

a realização do curso de Artesanato Mineral do Pará, em setembro de 1991, em


Belém. 41 De acordo com Nunes:42

O curso foi promovido através de convênio de cooperação


firmado entre a Escola Técnica Federal do Pará – ETFPa e a
Paraminérios. O convênio previa que a ETFPa participaria
cedendo espaços físicos para montagem do Laboratório de
Artesanato Mineral e de Lapidação de Gemas (mineral
conhecido como pedra preciosa), fornecimento de água, energia
elétrica, telefone e manutenção das máquinas, em contrapartida,
a Paraminérios forneceria as máquinas de artesanato e
lapidação, os insumos e os instrutores.
Os cursos de Artesanato e Lapidação tiveram início em
setembro de 1991 se estendendo até março de 1992, com carga
horária de 460 horas, e foram realizados nos referidos
laboratórios instalados no bloco de salas do curso de Mineração
da ETFPa. O curso de Lapidação foi realizado pela manhã e o
de artesanato mineral à tarde. Foram aceitos participantes
vindos de outros municípios do Estado por indicação e com
subsídio das prefeituras locais a convite da Paraminérios, e a
exigência era a participação nos dois cursos. Dos municípios
convidados, dois enviaram representantes, Oriximiná e
Curionópolis, este último, na época, um grande produtor de ouro.

41NUNES, José Tadeu de Brito. Elementos da Biodiversidade Amazônica no Pensar-fazer


dos joalheiros de Belém: a vivência como educação. Dissertação de Mestrado em Educação
– Universidade do Estado do Pará, Belém, 2013.
42 Ibidem. p. 15. José Tadeu Nunes fez parte deste curso e depois se tornou técnico da
Associação São José Liberto, gestora a partir de 2004 do Polo Joalheiro, realizando atividade de
capacitação técnica e curadoria.
39

O Programa Especial de Mineração do Estado do Pará vai ser somente


oficializado com a promulgação da lei complementar nº 018, de 24 de janeiro de
1994.43
A condição da região Amazônica acompanha os desdobramentos do
advento da Revolução Industrial, em que ocasionou novas políticas econômicas
internacionais e uma acirrada disputa por mercados, pois, nesse contexto, a
América Latina, a Ásia e a África despontaram como potenciais fornecedores de
matéria-prima e consumidores de produtos industrializados, por serem territórios
coloniais das potências europeias Segundo Hobsbawm, 44
O mercado externo desenvolveu-se em grande parte devido à grande
marinha inglesa que com o aval do governo realizava a destruição dos
concorrentes além da conquista de novos mercados consumidores,
fazendo desenvolver um comércio internacional, onde a Grã-Bretanha
exportava produtos industrializados e importava matérias-primas e
alimentos. Desenvolvendo uma relação de interdependência de outros
países com a Grã-Bretanha.

Ao mesmo tempo em que segue uma trajetória convencionalmente


denominada de “modernidade”, a qual segundo Michelazzo,45 pautado na
análise do pensamento de Heidegger, pode ser caracterizada por três
fenômenos operantes de forma intensa, desde seu início. Um destes é a
devastação da terra, o qual nos interessa aqui. Este autor explica que, desde
que a terra é tomada como um fundo de reserva, ou seja, como um grande
reservatório de matéria prima, os humanos, se achando donos soberanos dela,
vêm empreendendo desde o início da Revolução Industrial e com violência cada
vez maior o saque à natureza. “E isto com um único propósito: alimentar o
gigantesco mecanismo da produção e consumo da sociedade moderna e
industrial”.46
Por outro lado, segundo o Projeto Político Pedagógico do Curso de
Licenciatura em História, da Faculdade de História, da Universidade Federal do
Pará (Ufpa), aprovado em 2011:

43 Disponível em: http://www.ambienteterra.com.br/paginas/legislacaoparaense/leisestaduais.


Acessado em 20/05/2015.
44HOBSBAWM, Eric. Da Revolução Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1969.
45MICHELAZZO, José Carlos. Do um como princípio ao dois como unidade: Heidegger e a
reconstrução ontológica do real. São Paulo: FADESP, 1999.
46Ibidem, p. 163.
40

A Amazônia é conhecida e reconhecida pela natureza que a


caracteriza, ou seja, “a Amazônia é comumente vista como livre
de recursos humanos. As considerações que lhe são dirigidas,
as representações de que é objeto, via de regra, têm na natureza
– na flora, na fauna e na bacia fluvial – o tema constante. A
paisagem humana é obliterada em favor de paisagem natural,
como se a região fosse isenta de cultura, de história, como se
livre fosse da interferência humana.
Essa construção imagética sobre a região é antiga, pois data das
formulações iniciais construídas pelos colonizadores. Foi
enriquecida ao longo dos séculos por viajantes e agentes
administrativos e reiterada por políticas públicas que consideram
a região uma tabula rasa na qual podem edificar projetos de
intervenção na natureza como se ela fosse intocada e como se
sobre ela não repousassem anos de investimento das
sociedades que habitam a região.

Mais ainda por uma ótica mais detalhada num tabuleiro do jogo de escala
entre o micro e o macro,47 a modernidade na Amazônia vem se configurando
como uma realidade de violência, ceifando vidas humanas. Hardman48, neste
sentido, apresenta uma outra face da modernidade em relação à ocupação da
Amazônia, ao que ele denomina de “ocupação da selva”, mostrando um lado
obscuro que vem se manifestando nas experiências temporais de um passado
longínquo ou do momento presente.
A modernidade, conceito fundamental no processo de desenvolvimento e
expansão do capitalismo, constitui- se em um instrumento da retórica do
progresso usada para demarcar a ruptura com o período histórico anterior, ou
seja, o medieval. Desse modo, o referido conceito passou a dividir eras
históricas, a partir da criação de pares antitéticos: antigo X moderno; atraso X
avanço, atribuindo à história um sentido linear, ou seja, antidialético.
Não podemos esquecer a importância atribuída ao conceito de
modernidade pela historiografia que analisa a trajetória da sociedade ocidental
a partir do século XI. Tal historiografia elegeu um modelo de desenvolvimento
histórico capitalista, o da Europa Ocidental e, principalmente, o inglês, e passou
a operar análises comparativas entre os países das várias regiões do Globo.

47REVEL, Jacques. Jogos de Escala. Rio de Janeiro: FGV, 1998.VAINFAS, Ronaldo. Micro-
História: Os protagonistas anônimos da História. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
48 HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
41

Segundo Pereira49, o trabalho de Hardman tem uma importância crucial


para o despertar de um traçado moderno na Amazônia, ou seja, “na selva”, em
que protagonistas anônimos de toda parte do planeta se misturam e formam [...]
“um exército de nômades, que encontramos vagando errante ao longo do
território devido ao esgotamento dos veios nos garimpos,” gerando,
consequentemente, [...]“ a expropriação violenta da terra sofrida pelos
camponeses e a trine desagregação cultural - etnocídio empreendido contra as
comunidades indígenas que habitam a região.”
Nesses termos, esse modo de pensar faz eco à afirmação de Marshall
Berman,50 quando diz que "Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que
promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e
transformação das coisas em redor e, ao mesmo tempo, ameaça destruir tudo o
que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos".
Resultado de uma prática agressiva e avessa a uma condição humana
digna, inicialmente circunscrita aos países europeus industrializados, sendo que
estes se atiram além de suas fronteiras territoriais, quando enfrentam a escassez
de matéria prima, com toda voracidade às florestas do “terceiro mundo”, cujos
países, além de serem transformados em fornecedores de matéria prima,
servem também de consumidores dos seus produtos manufaturados. Este ciclo
vem se repetindo até os dias atuais na extração de qualquer matéria-prima.
Desse modo, está inclusa nesse cenário a extração de minérios na Amazônia.
51
Mesmo correndo o risco de uma generalização imprópria em relação à
ocupação da Amazônia, e especificamente do Pará, não se pode negar a
presença de tais desdobramentos, apesar das particularidades e
descontinuidades em relação aos outros estados brasileiros e países, quanto à
ocupação territorial. Tais desdobramentos podem ser justificados,
resumidamente, pelo processo de ocupação vinculado aos de devastação da
Floresta Amazônica brasileira.

49 PEREIRA, Walmir da Silva. A outra face da Modernidade: A obscuridade do Projeto


Moderno. https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/download/.PDF.
50 BERMAN, Marshall. Tudo que é solido desmancha no ar. Companhia das Letras, 1986.
51I MICHELAZZO, José Carlos. Do um como princípio aos dois como unidade: Heidegger e
a reconstrução ontológica do real. São Paulo: FADESP, 1999.
42

Para Hébette,52 a importância da Região Norte para o Brasil foi


impulsionada significativamente pelo desenvolvimento progressivo do parque
industrial do Sul e Centro-Sul, diante do cenário internacional da Segunda
Guerra Mundial, pois, nos anos que se seguiram das décadas de 1950 e 1960,
se definiram as bases do “modelo” de uma industrialização brasileira atrelada às
economias das grandes potências ocidentais. Assim, este autor afirma: “Coube
ao Governo Kubitschek (1955– 60) atender essas necessidades e desencadear
o processo de integração efetiva da Amazônia à economia nacional dominante”.
Se o lucro impulsiona o capital, a necessidade impulsiona a migração de
pessoas de um lugar para outro, em busca de realizar o sonho de uma vida
melhor do que vivenciavam. Por isso, ainda segundo Hébette,53 [...] “Toda a
Amazônia tornou-se um imenso campo de tensões entre classes em torno de
seus recursos: terra, madeira, minério, uso da água” [...]. Configurando assim um
jogo de interesses entre segmentos sociais e anseios individuais.
Sendo assim, a vida das populações da região Amazônica, marcada pela
vivência em torno dos fluxos migratórios, foi sempre caracterizada por condições
socioeconômicas de ausência de emprego e renda, assim como mínimas
condições de saúde, de educação e de moradia, não sendo exceção a vida
daquelas populações que vivem em torno dos projetos de extração mineral.
Nesse sentido, vêm acumulando experiências diante dos impactos econômico-
territorial, assim como diante dos processos de ocupação da referida região.
Segundo Borges, [...] “Os projetos minerais exercem neste contexto um papel de
influência sobre o perfil socioeconômico dos municípios da região”.54
Entre as cidades envolvidas nesse perfil estão Marabá e Itaituba, as quais
são cidades marcantes na vida de alguns protagonistas desta pesquisa,
por serem migrantes que se estabeleceram por um tempo em tais cidades.
Na pesquisa realizada, em 2004, pelo Instituto Acertar,55 contratado pelo
Governo Estadual para traçar um perfil dos produtores de joias do Pará, os dados

52I HÉBETTE, Jean. O Grande Carajás: um novo momento da história moderna da


Amazônia Paraense. In: CASTRO, Edna e HÉBETTE, Jean (Org.). Na Trilha dos Grandes
Projetos. Modernização e Conflitos na Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 1989, p.8.
53Ibidem, p.10.
54Borges, Fabrini Quadros. Análise dos Impactos Socioeconômicos dos Royalties
Minerais do Projeto Carajás no Município de Parauapebas no Estado do Pará. Clube de
autores, editora virtual, 2009.
55A Acertar é uma empresa com atuação na região Norte do Brasil voltada para a área de
pesquisa e consultoria. Há mais de uma década em atividade, pautada dentro dos princípios
43

indicaram que, dos 218 pesquisados, 29 eram de Itaituba, 26 de Parauapebas,


14 da Floresta do Araguaia e 14 de Marabá. Estas são cidades que estão
vinculadas às áreas de garimpo.
Desse modo, quis tornar claro que a questão da exploração mineral, das
preocupações com o meio ambiente e as políticas de estado sobre o meio
ambiente, marcadas pela pressão internacional em defesa da Amazônia, por
meio das conferências ambientais, assim como as experiências migratórias para
os garimpos, compuseram um contexto entrelaçado que possibilitou a abertura
do polo joalheiro.

1.2. ENTRELAÇAMENTOS DE TRAJETÓRIAS INDIVIDUAIS E COLETIVAS


NA HISTÓRIA DO POLO JOALHEIRO DE BELÉM DO PARÁ

Como Itaituba participou dessa história é o que demonstro daqui por


diante. Torna-se uma cidade de referência por meio de várias trajetórias de
vidas, que se cruzaram em seu solo, as quais trazem intrinsecamente as
condições específicas das vivências dos protagonistas dessas trajetórias,
configurando, assim, por meio de seus testemunhos orais, “uma multiplicidade
de histórias dentro da história”, como argumenta Alberti56, que afirma que a
história oral permite ampliar o leque de interpretações do passado, por tornar
acessível um caminho para o estudo dos modos como pessoas e grupos
vivenciaram e elaboraram suas experiências.
Alberti considera que a história oral é um caminho metodológico que
possibilita conhecer e registrar múltiplas possibilidades de vivências e sentidos
de grupos sociais, independentemente de suas estratificações sociais, como
também reconhecer as múltiplas influências a que estão submetidos os
diferentes grupos no mundo contemporâneo globalizado. Nesse sentido, afirma
que: [...]“Uma das principais riquezas da História Oral está em permitir o estudo
das formas como as pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências,

éticos e profissionais, cumprindo com a sua missão de desenvolver soluções eficientes através
de informações seguras, alinhadas com as necessidades das organizações governamentais e
não governamentais, de empresas dos mais variados segmentos de atuação, partidos políticos
e profissionais liberais. Segundo o seu site oficial: http://www.acertarcoop.com.br/o_instituto.asp.
56 ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes
Históricas. São Paulo: contexto, 2011.
44

incluindo situações de aprendizados e decisões estratégicas” Ou seja, permite


[...] “entender como pessoas e grupos experimentaram o passado”[...], tornando
possível [...] questionar interpretações generalizantes de determinados
acontecimentos e conjunturas.57 É por compartilhar dessas ideias que aderimos
aqui ao uso da referida metodologia e das fontes orais. Desse modo, continuo
escrevendo a história do Polo Joalheiro do Pará.
A família Sales de ourives é uma protagonista desse enredo histórico, por,
na época em destaque, final da década de1990, alguns de seus membros
morarem nessa cidade do ouro e ter uma renda gerada pela prática do ofício da
ourivesaria, com a especialidade de fazer joias. Conta o ourives João Sales que,
em 1997, foi passar as férias com a família em Itaituba, pois já morava em Belém,
quando foi informado, por seus irmãos, que ainda moravam lá, do movimento
dos ourives para reivindicar do Governo Estadual mais apoio para o setor
joalheiro. Participou das reuniões com os membros do Governo para organizar
um Polo Joalheiro do Pará, que ia ser instalado em Itaituba, mas acabou sendo
instalado em Belém. Assim começa sua história e de seus irmãos, Veridiano e
Tiago, com o lócus da pesquisa.58
O pai deles, Pedro Sales, foi homenageado como um ourives de
destaque, por conta de ser um transmissor do ofício para seus filhos, por meio
de participação no vídeo oficial que foi exibido durante a inauguração do espaço
São Jose Liberto, em 2002, que passou a abrigar o Polo Joalheiro em destaque.
Segundo João Sales:

Aí a gente foi aprendendo naturalmente, ele sempre trabalhou


próximo de casa ou dentro de casa, eu tenho uma foto de 1973...
Essa foto e daqui da frente do mercado brilhante... Essa foto e
dessa época, em 73 eu tinhas uns 9 anos, eu tou lixando uma
aliança pra ele, que era pela tarde, de ficava com ele pela oficina,
brincava, perdia as ferramentas dele, ficava um irmão meu, um
menor, olhando ele fazer, a gente sempre olhava eles fazendo
as coisas, a gente morava em cima e ele trabalha em baixo,
ficava um ou outro, nós éramos muita gente, enfim, assim, a
gente foi aprendendo a fazer. 59

57Ibidem, p. 165.
58Entrevista concedida para a pesquisa em: 15 de março de 2013, em sua casa/oficina/loja.
59 Idem.
45

Figura 4:Patriarca da Família Sales de Ourives


Fonte: Vídeo produzido pela Secretaria Executiva do Trabalho e Promoção social/
Seteps do Estado do Pará e parcerias.

Segundo João Sales, seu pai, Pedro Sales, os levou para Itaituba, em
1979:
“[...] eu tinha uns 16 anos, na época, meu irmão tinha 17 pra 18,
olha a gente vai pra Itaituba, claro que era meio arriscado, ele
tinha noção dos problemas que a gente podia enfrentar lá em
Itaituba.”60
[...] quando a gente entrou lá, o papai sempre estava
aconselhando a gente: - olha, eu não quero saber de nenhuma
confusão, na verdade a gente nunca foi, mas tinha uma
preocupação maior por ser um lugar mais violento, então quando
chegamos em Itaituba, logo quando a gente chegou lá, mataram
oito pessoas numa noite, em uma festa de rodeio, aquilo fez com
que a gente não saísse de casa, a gente tinha medo de andar
na rua, quando dava o horário, tava todo mundo em casa.61

Assim, em Itaituba, João Sales vivenciou sua fase etária juvenil e se casou
com vinte e um anos com Etel, sua namorada de 17 anos, no ano de 1985. Em
1995, decidiu vir para Belém, por causa das dificuldades financeiras que estava
enfrentando, ocasionadas pelo refluxo da febre do ouro e da decisão do Governo
de Fernando Collor de Melo em confiscar o dinheiro da poupança, fazendo com
que os garimpeiros não tivessem mais como investir na extração de ouro, o que
escasseou a matéria prima em Itaituba, afetando diretamente os ourives.62

60 Idem.
61 Idem.
62Idem.
46

João Sales relata:

[...] de 91 a 95, tava todo mundo quebrado...não tinha


serviço...decidi vim pra Belém...vim primeiro só...passei aqui um
sufoco danado...passei três meses aqui e voltei...peguei um
gado e troquei numa oficina, que não tinha mais...tinha vendido.
Aí eu vim com a oficina pra cá, com um mês aqui a Etel veio.63

Relendo Bosi,64 deparei-me com suas considerações sobre aqueles que


narram sua história de vida:

O narrador está presente ao lado do ouvinte. Suas mãos,


experimentadas no trabalho, fazem gestos que sustentam a história,
que dão asas aos fatos principais pela sua voz. Tira segredos e lições
que estavam dentro das coisas [...] A arte de narrar é uma relação
alma, olho e mão: assim transforma o narrador sua matéria, a vida
humana. [...] O narrador é um mestre do ofício que conhece seu mister:
ele tem o dom do conselho. A ele foi dado abranger uma vida inteira.
Seu talento de narrar lhe vem da experiência; sua lição, ele extraiu da
própria dor; sua dignidade é a contá-la até o fim, sem medo. Uma
atmosfera sagrada circunda o narrador.

Ao reler esse trecho, veio a imagem do mestre ourives João Sales


narrando sua trajetória de vida e de sua família com orgulho e emoção, na
destacada participação no início da implantação do referido Polo Joalheiro. Este
fato proporcionou que a produção familiar ocorresse novamente em Belém, pois
eles montaram novamente uma oficina da família para produzir joias juntos.
Como ficou registrado na imagem a seguir

63Idem.
64BOSI, Éclea. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz; Editora
da Universidade de São Paulo, 1987, p. 49.
47

Figura 5 :A família Sales fazendo joias


Fonte: Vídeo produzido pela Secretaria Executiva do Trabalho e Promoção social/
Seteps do Estado do Pará e parcerias. Estão na foto Thiago Sales, Pedro Sales e João
Sales.

Contudo, pontuo a necessidade de se fazer as devidas ponderações a


essa atmosfera destacada por Bosi, por levar em conta as considerações de Hall
sobre a história oral como uma metodologia de pesquisa, que emergiu com força
nos meios acadêmicos na década de 1970, associada às posturas políticas que
acreditavam fazer uma contra história, como se fosse um meio pronto em si
mesmo para se conseguir alcançar tal propósito. Ele avalia esse momento como
“os riscos da inocência”. 65
Reconhece que houve amadurecimento metodológico de superação
desta concepção nos anos de 1990, época desta sua declaração, em que há o
reconhecimento sobre a história oral de não ser uma história espontânea e uma
experiência vivida sem condicionamentos ideológicos, temporais, espaciais e
socioculturais. Mas ainda problematiza o fato de:

[...] ignorar o fato de que a memória é sempre uma reelaboração,


socialmente determinada, e que a história oral corre o risco de fazer
um uso extremamente inocente dos relatos por ela produzidos. Seria
lamentável perder de vista certas características mais úteis da História
como disciplina: sua sensibilidade para as múltiplas determinações,
suas preocupações com a contextualização e com as mudanças no
decorrer do tempo. Afinal, os historiadores devem ser – embora nem
sempre sejam – os últimos a tratar tudo como contemporâneo,

65 HALL, Michael. História Oral: os riscos da inocência In: DEPARTAMENTO DO


PATRIMÔNIO HISTÓRIA DE SÃO PAULO. Direito à Memória. São Paulo: DPH, 1992.
48

simplesmente porque, com a história oral participamos diretamente na


produção de alguns dos nossos próprios documentos.66

A tentativa de ir além dessa inocência posta por Hall é uma pretensão


aqui, sem deixar de também considerar a possibilidade de demonstrar que,
segundo Bosi, o tempo da memória somente se concretiza quando os indivíduos
encontram resistência em um espaço que habitou com a existência sofrida do
trabalho.
Nesse sentido, percebo que viver e ver se confundem nas lembranças de
cada um, pois o tempo de lembrar aqui por meio da narração revela a imbricação
com a memória do trabalho, do sentido e prática de ofícios, trazendo por isso
uma atmosfera épica, a qual foi fundada em Walter Benjamim, demonstrada na
seguinte afirmação: “O narrador conta o que ele extraiu da experiência – sua
própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiências
daqueles que ouvem a sua história.” Para Benjamim, a distinção entre narrador
e o romancista é que este último se isolou de si mesmo.67
Com tal argumentação, Benjamim questiona como interpretar o passado?
Responde que seja possível apenas por meio de rastros, em que aponta para
uma presença e ausência de algo, pois argumenta na perspectiva de que é
impossível narrar o passado tal como ocorreu. Seguindo essa orientação, chego
à conclusão de que o historiador deve buscar os rastros, os vestígios para
elaborar, de modo reflexivo, uma interpretação, sempre fragmentada, de um
acontecimento do passado.68 Com tal meta no pensamento, continuo a expor e
analisar estes rastros de formação do Polo Joalheiro.

1.3. O POLO JOALHEIRO NO CENÁRIO INSTITUCIONAL

Veridiano Sales estava envolvido com o movimento dos ourives em


Itaituba. A reportagem do Jornal Liberal, de 2 de fevereiro de 2000, noticia, por
meio de seu depoimento, que a Cooperativa dos Joalheiros de Itaituba
(Cooperjan) foi criada oficialmente em novembro do ano de 1999, com a

66Ibidem, p. 160.
67BENJAMIN, Walter. Teses Sobre o Conceito de História. In: ______. Obras Escolhidas, v. I,
Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 226.
68SEDLMAYER, Sabrina e GINZBURG, Jaime (org.). Apresentação: A Fala do Indizível. In:
_________. Walter Benjamim. Rastro, Aura e História. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
49

finalidade de conseguir crédito bancário para a categoria. Ele assume a


presidência. A criação da cooperativa foi também em função da necessidade de
uma organização jurídica para receber verbas públicas do Governo, já que, em
1998, começaram os contatos entre o Governo Estadual, a Prefeitura Municipal
de Itaituba e o movimento reivindicatório dos garimpeiros, em conjunto com os
que faziam joias, em torno da implantação do Polo Joalheiro do Pará.
Também nesta reportagem consta a informação de que, já em 2000, a
Coorpejan conseguiu financiamento do Programa de Crédito Produtivo69 de
R$20.000,00, para capital de giro e equipamentos para fomentar o setor de
produção de joias. A referida cooperativa anunciou nessa mesma reportagem
que apresentou outro projeto de financiamento para o Fundo de
Desenvolvimento do Estado (FDE), do Banpará, estimado em R$130.000,00, a
fim de serem também investidos em capital de giro e equipamentos.
Veridiano ainda afirma que “precisamos melhorar ainda mais a qualidade
das nossas peças e reduzir custos, o que pode resultar em redução de preços”.
Ressalta que a cooperativa tinha recebido encomendas e no final do ano
passado (1999) produziu 200 anéis de formatura em ouro de 18 quilates.
Todavia, ele diz num tom de insatisfação que “Se tivéssemos mais equipamentos
e capital teríamos produzido dois mil anéis”. No final de sua entrevista, afirma a
importância da cooperativa para ele: “Em cooperativa ficamos mais fortes e isso
dá segurança aos clientes e aos próprios financiadores”. Para integrarem o
referido programa de crédito, dez cooperados foram fiadores uns dos outros no
financiamento proposto. Apresento a referida reportagem a seguir, com sua foto
em destaque.

69 Linha de crédito vinculada ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –


BNDES do Ministério do Trabalho e Emprego. do Governo Federal.
50

Figura 6: Reportagem sobre a Cooperativa de Joalheiros de Itaituba


Fonte: O Jornal O Liberal, 27 de fevereiro de 2002.

Uma reportagem do Jornal A Província do Pará, em 3 de setembro de


1999, dá destaque a implantação do Polo Joalheiro no Pará. Esta notícia
informava que estava em processo de implantação o Projeto Polo Joalheiro
desenvolvido pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/Pa)
e órgãos do governo estadual, Secretaria de Trabalho e Promoção Social
(Seteps) e Secretaria Executiva de Indústria, Comércio e Mineração (Seicom).
Informava ainda que o projeto estava há um ano e quatro meses em
andamento e sua realização ocorreria em Itaituba, Marabá e Belém, cujo objetivo
principal era “verticalizar a produção mineral do Estado, produzindo joias com
padrão de comercialização internacional”. Além disso, mostrava a fala do
consultor do Sebrae/PA, Mario Sérgio Azevedo, sobre as perspectivas do projeto
e o seu atual andamento: “Antes os ourives do Estado trabalhavam sozinhos e
ficaram muito desconfiados quando começamos a falar em cooperativismo,
agora eles já se conscientizaram da importância de se unir para melhorar a
qualidade do produto”. A reportagem em ênfase foi posta na figura 7, adiante.
51

Figura 7: A Implantação do Polo Joalheiro do Pará


Fonte: Jornal A Província do Pará, em 3 de setembro de 1999.

Segundo a mesma reportagem, o projeto começou com uma iniciativa da


Seteps que, por meio de seu Plano de Educação Profissional, incluiu o setor
joalheiro na proposta ampla de desenvolvimento do potencial regional do
Governo Estadual, buscando construir parcerias entre instituições para a
implantação do Polo Joalheiro Paraense.
Essa destacada visualização midiática da implantação deste referido
projeto pode ser associada ao cenário nacional, em que a integração da
Amazônia e, por consequência, do Pará, vinha sendo tratada como uma política
pública nacional desde os anos de 1930, e, na década de 1960, volta à
intervenção estatal com toda a força, por conta, entre outras coisas, da extração
dos minérios em seu solo, a qual se intensificou pelas descobertas em grande
proporção de cassiterita na região do Velho Guilherme e ouro e estanho em Rio
Maria e em Itaituba.
52

Considerando a aplicação da análise do discurso, mais uma vez, as


reportagens demonstram que o Governo estava se esforçando para responder
às reivindicações dos produtores de joias e o depoimento de Veridiano Sales, na
referida reportagem, manifesta um sentido de concordância ao que o Governo
Estadual estava fazendo.
Contudo, com já foi demonstrado anteriormente, na década de 1990, as
regiões de garimpo sofrem uma intensa crise, o que gera muitas consequências
socioculturais, sendo a falta de emprego formal ou de outras fontes de renda,
algumas das mais significativas. Os joalheiros de Itaituba são atingidos por tudo
isso.70
Nesse vendaval de acontecimentos, houve a pressão por parte dos
produtores de joias, o que impulsionou o então secretário de mineração do
governo municipal de Itaituba, José Luís Bastos, a apresentar à Seteps, na
gestão de Socorro Gabriel, uma proposta de criação de uma escola de joalheria
no município.71
Isso tudo fomentou a ocorrência de reuniões, em 1997, entre instituições
e joalheiros, para a criação de uma rede de parcerias, a fim de gerar uma ação
integrada, que foi materializada na elaboração do Programa de Desenvolvimento
do Setor de Gemas e Joias do Pará, recebendo o codinome de Polo Joalheiro,
cuja coordenação foi assumida pelo Sebrae/Pa, pela Seteps e pela Seicom, que
iniciaram a execução de um plano piloto em Itaituba, Marabá e Belém, em 1998,
composto por um conjunto de ações distribuídas em sete etapas de atividades.
A primeira foi a realização de um diagnóstico do setor. A segunda foi a
execução de cursos de joalheria e design de joias. A terceira etapa fomentou a
criação de cooperativas. A quarta foi a implantação do Laboratório de Gemas e
Metais Preciosos, a fim de produzir a certificação da matéria prima. A quinta criou
um centro de informações, que, inicialmente, funcionou na sede do Sebrae/Pa.
A sexta foi dar apoio para pesquisas e fomento à produção de gemas e joias. A
etapa final seria uma culminância de resultados dessas ações, por meio de um
seminário de lançamento do Programa, já com a demonstração de resultados.

70Ibidem.
71Idem.
53

Dados referidos na figura 8, reportagem do Jornal A Província, em 03 de


setembro de 1999:72:

Figura 8: Programa de Desenvolvimento do Setor de Gemas e Joias do


Pará
Fonte: Jornal A Província, em 03 de setembro de 1999

Nesse contexto de entrelaçamentos de vivências e concepções, pelo lado


dos produtores de joias de Itaituba, os quais se intitulavam joalheiros, houve
desconfianças sobre essas práticas institucionais. Sobre isso, Veridiano Sales
diz que produtores de Itaituba não acreditavam que fosse um programa sério.
“Para irem às reuniões, eu ia de casa em casa, na minha bicicleta, para chamar,
já que eles confiavam em mim [...]”.73
Essas atitudes de desconfiança e resistência foram relatadas por outros
participantes do processo de criação do referido Programa. Segundo João Sales:
“[...] chamar as pessoas para as reuniões, sensibilizar para participar, ir, parece

72Com a fotografia estampada do ourives de Belém, que participou desse início da implantação
do Programa, Argemiro Muniz e faz parte ainda hoje do referido programa.
73 Ibidem, p. 214-215.
54

que é fácil, mas não é. O pessoal fala: o que vou fazer lá? Não bicho! Tem isso,
tem aquilo, até que a pessoa se interessa pelo o assunto e vai. Se a pessoa
convidar logo, a pessoa não vai logo [...]”.74

Essa resistência foi relatada também por Ana Catarina Peixoto Brito, na
época, 1998, diretora da Universidade do Trabalho da Secretária do Trabalho e
Promoção Social do Estado, cujo governador era Almir Gabriel; por meio de uma
entrevista, em que narrou sua versão da história do Programa de
Desenvolvimento do Setor de Gemas e Joias do Pará.75
Ela era responsável pelo planejamento e execução de ações de
qualificação, acompanhou todo o processo de implantação do programa e, em
2002, assumiu a direção executiva do Polo Joalheiro do Pará e do Espaço São
José Liberto (ESJL), o qual se tornou, a partir desse ano, o lugar de
comercialização das joias do referido polo. Sobre o processo de implantação do
citado programa, ela relatou que:

Começou essa discussão na secretária do trabalho e promoção


social em 1998, provocado por uma visita de José Luís Bastos,
na época ele era secretário de mineração, eu creio, na prefeitura
de Itaituba... Então o geólogo nos procurou com o intuito de...
Na verdade ele abordou a doutora Socorro Gabriel que na época
era secretária do trabalho, e a Suleima Pegado que era adjunta,
elas estavam em Itaituba em uma missão da secretaria, e ele
falou que tinha uma proposta, uma ideia, um projeto de fazer
uma escola de ourivesaria em Itaituba, considerando a vocação
do município de produção de ouro lá, então ele gostaria de fazer
uma escola, e que tinha uma promessa de doação de
equipamento de uma pessoa que era de Itaituba, que tinha feito
curso em São Paulo, enfim... Então nesse rumo elas disseram
que ele fosse até Belém conversar sobre um projeto mais
concreto e assim ele fez...

Por essa sua versão institucional começou o processo de implantação do


Polo Joalheiro:

E então tentamos em uma primeira reunião... Ele apresentou a


ideia da escola lá e queria o nosso apoio, na época eu era
diretora da universidade do trabalho, portanto a diretoria da
STPS que cuidavam da capacitação, e aí eu participei dessa
reunião e fiquei... Bom, logo nessa reunião se discutiu da
necessidade dada o peso dessa vocação do estado do Pará

74 Entrevista concedida para a pesquisa em: 15 de março de 2013, em sua casa/oficina/loja.


75 Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria
Estadual de Cultura.
55

nessa área, não só o ouro de Itaituba, mas as gemas de outras


regiões, da área de Marabá, enfim, e se perdurava uma ação
mais ampla, até que pudesse sustentar a própria escola. E a
partir desse momento começou uma discussão de começar uma
cadeia produtiva e não pontualmente uma escola.

Com seu testemunho, fica claro que houve uma metamorfose da ideia
primária que surgiu em Itaituba, com um foco local, resultado da organização
social dos ourives e da atuação da Prefeitura e foi ampliada para um plano mais
estadual, em que este olhar institucional buscou apoio e referência em
experiências de outros Estados. É o que afirma Ana Catarina a seguir:

E a partir daí então fomos buscar o IBGM que é o órgão que


congrega toda essa discussão em torno da produção joalheira
do país... Numa conversa com o IBGM, eles nos falaram do
projeto em Milarge, do movimento da cadeia produtiva feito pelo
Distrito Federal, então nos visitamos, Dona Socorro, Suleima,
eu, Bastos, nem sei se ele foi nessa viagem, mas enfim, o projeto
de lá funcionava. Tinha um centro de distribuição comercial. Eles
tinham um museu, um pequeno museu de gemas, que tinha uma
pequena produção e comercialização da produção na torre de lá
de Brasília. E o IBGM nos deu o contato com o Alide, que era
coordenador desse programa, o Alide nos recebeu. O Alide,
Dalude também um geólogo, gemólogo, ele nos recebeu lá e nos
apresentou todo o projeto. E era um projeto bem estruturado,
então nós definimos fazer um contrato com o Alide de
consultoria, pra ele nos assessorar no Polo joalheiro daqui...

Assim começou a organização do Polo Joalheiro, com consultoria de


Brasília, parcerias institucionais nacionais e locais, conforme continua a ser
narrada por Ana Catarina.

[...] Aqui nos reuníamos começando o nosso trabalho reunindo


todos os órgãos públicos, da esfera estadual e federal e outras
organizações do setor produtivo que tivessem relação com o
setor. Tivemos uma ampla reunião, foi no SEBRAE. Nessa
primeira reunião, trouxemos o consultor de Brasília para
apresentar e o José Luís que era... não vou me lembrar a função
dele nesse projeto em Brasília... Ah já sei! Ele era o diretor do
SEBRAE de Brasília que dava o apoio ao projeto do APL, do
Arranjo Produtivo Local de gemas e joias de Brasília. Então veio
ele, tivemos um grande apoio do SEBRAE aqui, e da SECOM
naturalmente, então se constituiu uma comissão de
coordenação desse projeto, quais foram os três órgãos,
SETEPS, SECOM e SEBRAE.
Então nos três começamos a coordenar isso, mas o conjunto de
organização era bem mais amplo... Nessa primeira reunião, a
56

SECOM fez uma explanação do que ela já tinha trabalhado, o


que era o potencial do estado, o plano do setor mineral daquela
época, colocou todo cenário de potencial do instrumento do APL,
e o José Luís do SEBRAE, juntamente com o Alide,
apresentaram a experiência de Brasília [...]
E todos os órgãos presentes apresentaram aquilo que poderiam
contribuir, atuar, no desenvolvimento de setor, ali nós tínhamos
a PARATUR, com a área de turismo, enfim... Tinha o DMPM,
tinha a Muiraquitã, a Secretária do meio ambiente. Tinha o
SENAI com a área de formação. SEBRAE na área gerencial,
organizacional.

O setor produtivo de Belém foi envolvido nesse processo institucional de


implantação do polo Joalheiro por meio de ações de incentivos ao fortalecimento
da Associação dos Joalheiros do Estado do Pará (AJEPA). Segundo Ana
Catarina:

Tinha o setor produtivo. Já havia aqui (em Belém) um embrião


de organização que andava sempre com grande dificuldade. Era
na época presidida pelo seu Josué Calado e tinha como vice-
presidente, o Marcelo da Ourogema, Marcelo Monteiro. [...] A
Associação dos Joalheiros do Estado do Pará (AJEPA)
funcionava com o apoio da Associação Comercial. Era um bom
grupo, um grupo bem expressivo, bem interessante.

Ainda em sua versão:

Foram todos os joalheiros da AJEPA, alguns lapidários que a


gente conhecia, como a Leila Salame, da área da Lapidação,
que desde dessa época já veio participar nesse primeiro grupo
de joalheiros no Programa. Tinha o Marcelo, o Seu Josué, o
Paulo Coitinho.

Segundo ainda Ana Catarina, houve uma tentativa de incluir nesse


processo o macro setor empresarial de Belém: “[...] Seu Fábio, da Fábio Joias,
a gente trouxe também, mas não se identificou no programa e acabou se
afastando”.
A tentativa era agregar setores governamentais e não governamentais.
Como também as Associações de Joalheiros de Itaituba e Marabá. A ideia
institucional era fazer todos trabalharem conjuntamente. Pretensão narrada por
Ana Catarina:

[...] então nós tivemos antes até mesmo dessa reunião de


Belém, nós fomos visitar Itaituba Eu não vou me lembrar com
precisão onde a gente reuniu por primeiro, uma reunião que a
gente fez em Belém apresentando ideias e convidando essas
57

organizações a comprarem a ideia e trabalhar conjuntamente. A


mesma mobilização que a gente fez aqui pra apresentar o
programa pros órgãos, prováveis parceiros a gente fez em
Itaituba [...] e a gente identificou com eles dois polos, o polo
Itaituba para trabalhar com o ouro e o polo Marabá para trabalhar
gemas. Então tinha o CEFET (nessa época era a Escola
Técnica) ... foi um parceiro forte no início do programa. Eles já
tinham lá um laboratório mineral, uma ação desenvolvida em
relação a lapidação. Eu não sei se eles já tinham feito um curso
de lapidação, mas eles tinham uma estrutura mínima e
profissionais com o potencial para desenvolver essa atividade.
Eles vieram com muita determinação para o Programa também,
acho que era o Carlos Cristinos no CEFET na época. Bom, então
tivemos essa reunião criada em Belém, depois Itaituba, depois
Marabá. Em Itaituba a mesma coisa, reunimos com a prefeitura,
com a secretaria de mineração, as secretarias locais, de meio
ambiente, com a associação de ourives, a Caixa Econômica, as
agências... A gente chamou também o Banco do Brasil,
Banpará. Com todos eles a gente reuniu, e teve a aceitação de
todos em Belém.76

Contudo, como foi informado antes, houve desconfiança por parte dos
ourives. Sobre este aspecto Ana Catarina afirma que:77

[...] em Itaituba os ourives ficaram meio desconfiados né, aí que


a gente foi conhecer o Veridiano Sales, lá eles tinham uma
associação, eu acho que depois o próprio programa começou a
formação da cooperativa... então todos ficaram meio assim, né,
porque o ouro sempre foi uma atividade conturbada, muito
conturbada... Então de repente o Estado chega querendo se
meter nesse meio, então gerou assim uma certa desconfiança,
o que que o Estado quer? No mínimo cobrar imposto (risos) é o
que logo se pensa.
Então a primeira reunião teve logo um pé atrás do segmento
produtivo, mas a Prefeitura estava muito aberta e muito
determinada a trabalhar essa questão. Lá havia duas
associações, um dos garimpeiros e tinha associação dos
joalheiros, enfim, todos vieram. Foi uma reunião bastante grande
ali, eu acho com 50, 60 pessoas, interessante mesmo [...]

A equipe do Governo, além de realizar reuniões, visitou algumas oficinas


de joias em Itaituba, que denominou de unidades produtivas. Segundo ainda Ana
Catarina:

[...] além da reunião, nos visitamos as unidades produtivas para


compreender melhor como as coisas aconteciam, como é que
eles trabalhavam, eu lembro bem, tenho fotos disso, mas eu não

76Ibidem.
77Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria
Estadual de Cultura.
58

vou saber por onde anda, mas... fotos da Dona Socorro


visitando, essa é uma foto clássica pra mim, dela visitando a
oficina do Veridiano. Numa mesinha assim com uma lâmpada
dessas amarelas. Essas lampadazinhas, incandescente, como
fio, a lâmpada perdurada num fio, aqueles fios elétricos mesmo,
que vem tudo gambiarra pendurado em cima da mesa e ele
trabalhando, ele tava fazendo...quando a gente entrou lá, ele
tava fazendo uma corrente, um cordão de ouro, ele tinha um
cabinho de ferro e um fio de ouro que ele enrolava e fazia um
por um aqueles aros, numa salinha escura com aquela lâmpada
amarela em cima. A gente ficou imaginando como é que este
menino consegue enxergar o que ele tá fazendo, uma corrente
fininha de ouro, fazendo aro um por um, gente do céu!... Foi
assim que a gente conheceu o Veridiano, trabalhando, eu fiquei
impressionada, ficamos todos, dele produzindo aquela corrente
de ouro, aqueles arrozinhos, aquelas argolinhas, uma por uma,
um trabalho minúsculo naquele espaço escuro. Enfim, nós
fomos super bem recebidos lá por ele, e é assim, notamos um
pré-disposição, uma vontade de acreditar em alguma coisa que
pudesse melhorar. E a partir daí então o Alide que era o
consultor, coordenou um processo de planejamentos [...]
Fomos a Marabá, o CEFET tinha lá um embrião de uma escola
também, montada, que podia dar suporte ao desenvolvimento
de lapidários e tudo, de gemólogos... Fizemos a mesma reunião
em Marabá, também com uma boa aceitação, aí voltamos e
fomos trabalhar na construção de um campo de ação [...]

Encontrei outro motivo para essa desconfiança no relato do ourives Paulo


Tavares78. Ele afirma que, antes da criação do Programa, os ourives eram
perseguidos pelas autoridades policiais:

[...] a gente trabalhava sob pressão. Pra funcionar aqui o ourives


pagava uma taxa, na verdade foi confundido o ourives com
comprador de ouro, a polícia fechou o cerco, era tratado como
receptor. Foi que houve a separação, esse aqui é ourives, esse
aqui é comprador de ouro [...] ouro roubado. Era muito compra
de ouro. [...] era a febre do ouro, então era difícil saber quem era
ourives, quem era comprador de ouro, porque o próprio
comprador de joias colocava a placa lá: conserta-se joia, fabrica-
se joia, porque a própria pessoa que levava o ouro, também
mandava fazer joia, então confundia quem era o ourives, quem
era o comprador de ouro. A partir da hora que tu passava a lidar
com joia, tu pagava uma taxa por semana...pra delegacia no
comércio...tu tinhas que pagar aquela taxa...direto pra
delegacia...eu acho que era até ilegal, mas os investigadores
iam lá toda semana (na oficina de joia receber)...não era para o
Estado...era direto pra delegacia....79

78Ourives que participou desde o início da implantação do Programa em destaque, em Belém.


79 Entrevista realizada em 15 de fevereiro 2012, na casa/oficina do entrevistado.
59

Nesse depoimento, fica evidente que os ourives, de modo geral, atuavam


num contexto em que o lícito e ilícito se misturavam. Consequentemente, a
polícia via com muita desconfiança o ofício de ourives, a ponto de não diferenciar
quem era de fato o fabricador de joias e os receptadores de ouro e joias
roubados. Essa vivência dos ourives entre o lícito e o ilícito carrega consigo uma
tradição. Segundo Gola,80 um caráter clandestino foi atribuído ao ofício de
ourives desde o Brasil Colônia, o qual reflete até os dias atuais na dificuldade de
identificação desses artesãos e de suas oficinas (ou de seus ateliês) em todo
Brasil.
Segundo afirmação de Paulo Tavares, com a criação do Programa Polo
Joalheiro, isso ficou pra trás, pois o ourives participante do programa passou a
ser respeitado e legalizou seu ofício, principalmente como aquele que fabrica joia
e/ou como micro empresário. Paulo Tavares relata sua versão sobre a
implantação do referido programa:81

A gente tava com a associação formada aqui em Belém, na


verdade tava informal, formando um corpo de uma associação,
ela tinha diretoria, então que aconteceu o contato com a Pará
Minério no final do mandato do Almir Gabriel, primeiro mandato
dele... Foi como surgiu o programa, porque que aconteceu que
a doutora Socorro Gabriel foi para Itaituba e conheceu a família
Sales. Até porque a gente nem se conhecia, João Sales morava
na Marambaia, vindo de Itaituba [...] O Veridiano ficou em
Itaituba. A doutora Socorro Gabriel chegou em Itaituba, e ele
encontrou ela falando dos problemas dos ourives, era uma
reunião que ela ia fazer lá. Ele chegou e falou pra ela, que ela
precisava olhar para o trabalho dos ourives, e ela se interessou
por isso e visitou as oficinas, quando ela chegou aqui em Belém,
ela passou isso para o Almir Gabriel, aí foi que ele mandou
conhecer o movimento aqui. Almir Gabriel mandou para o
presidente da associação da AJEPA uma carta convidando a
gente para participar de uma reunião pra formação de um
programa, chamado polo joalheiro, aí a gente foi pra lá.

Nessa mesma entrevista, Paulo Tavares informou sobre quais ourives de


Belém participaram desse processo de implantação do Polo Joalheiro e sobre a
formação da Ajepa, em que fica ressaltada a participação de diversas famílias
de ourives, inclusive a dele própria:

80GOLA, Eliana. A Joia: história e design. São Paulo: Editora Senac, 2008.
81Segunda sessão de entrevista com Paulo Tavares em 12/12/2012, em sua casa/oficina.
60

O Marcelo, o Hamilton, já falecido e o Mauricio, pessoas que eu


tava sempre junto. A diretoria foi formada por eu, Paulo Tavares,
Josué Calado, Antônio Tavares, João Tavares, que são os meus
irmãos. O Marcelo Monteiro da Ourogema, Mauricio Monteiro,
irmão do Marcelo e Hamilton Monteiro, irmão do Marcelo. Os
irmãos do Marcelo fundaram, mas saíram. O Luís Sergio e nós
formamos a associação.

Todavia, afirma que a ideia inicial para a formação da Associação veio de


um técnico da Pará Minério:

Mas foi o Nivaldo que não era ourives, é gemólogo, foi ele que
começou a mexer com esse tipo de coisa. Ele era da Pará
Minério. O Nivaldo, filho do dono da sociedade São Brás. Ele foi
o principal responsável pelo início de tudo. Então esses foram
os fundadores do programa, nós montamos uma associação que
não chegou a ser legalizada, chamada de Ajepa, também foi
presidente o Josué. Era a Associação dos Joalheiros do Estado
do Pará... Aí era o Josué Calado o presidente, Marcelo era o
secretário, eu era o tesoureiro, cada um tinha uma função dentro
da associação, nós montamos uma espécie de diretoria,

Relatou também como iniciou as tentativas de interação entre a


Associação dos Joalheiros de Itaituba e a de Belém.

[..] foi assim que iniciou nossa conversa com Veridiano, lá em


Itaituba, assim foi surgindo o programa. Foram várias reuniões.
Foi aí que a gente veio a conhecer a família Sales, já moravam
uma parte aqui em Belém, quer dizer conhecer assim, João
Sales, Tiago Sales... E o Veridiano. Só que o Veridiano
trabalhava em Itaituba, quando iniciou o programa, então em
Itaituba montaram logo a cooperativa, na qual o Veridiano era o
presidente. Aí veio a proposta da gente montar uma cooperativa
em Belém. Entrou o João Sales aqui e o Veridiano continuou em
Itaituba. Entrou também Tiago Sales, o Claudionor, que tem uma
família de ourives também lá em Marambaia, que abandonaram
o programa depois. E a gente, a família Tavares. Nós tivemos
uma reunião com o Governador, e ele prometeu o programa Polo
Joalheiro, mas teria que ser formada a cooperativa.

Nesses termos, o relato de Paulo Tavares a seguir deixa margem para se


compreender que as duas associações em destaque se tornaram legais também
em função da implantação do Programa e não somente pela iniciativa dos
próprios produtores de joias. Houve, portanto, uma cobrança por parte do poder
estatal para isso ocorrer.
61

[...] a cooperativa de Itaituba foi formada no mesmo dia, foram


batendo de porta em porta, convidando os ourives. Daqui
demorou pra ser formada, em Itaituba eles saíram na frente, aqui
demorou pra formação da cooperativa, foi aí que já estava no
final do Mandato do Almir Gabriel, ele prometeu que se ele se
elegesse ia formar, não ficou um negócio bem concreto logo. [...]
Quer dizer ele teve o pedido para Itaituba, específico para
Itaituba, mas como já existia um movimento aqui, alguém já tinha
falado pro Almir Gabriel, então provavelmente a Socorro Gabriel
veio de lá, com a intenção de colocar alguma coisa em Itaituba,
quando chegou aqui e falou pro Almir Gabriel... Ele já sabia que
já tinha um movimento aqui, para a legalização dos ourives [...]

Mas, por outro lado, havia a necessidade dos próprios ourives se


organizarem, por conta da pressão que sofriam por parte da polícia, como relatou
Paulo Tavares anteriormente.
João Sales narrou adiante sobre a criação da Associação em Itaituba,
entrelaçando esse fato com a própria implantação do Polo Joalheiro:82

Em julho de 97... o que aconteceu, nos colocamos uns 30 ou 34


ourives em uma reunião, que era uma coisa absurda, que
ninguém conseguia juntar nem 5 e nem 6, era um sacrifício juntar
meia dúzia de ourives em uma reunião, mas nós conseguimos
colocar 30 e pouco ourives, inclusive foi o pessoal do Rio do
Ouro que não ia para a reunião, e outras pessoas também, aí foi
o começo do polo joalheiro, o polo joalheiro em Itaituba, qual foi
a discussão que houve, as ideias né, cada um foi colocando as
dificuldades, e depois das dificuldade, a questão do garimpo que
tinha diminuído do ouro, essas questão locais e a gente
começou a discutir no que fazer pra melhorar, entre o que fazer
pra melhorar ficou da gente fazer uma escola de joalheria em
Itaituba, pra melhorar a qualidade das joias para atender os
mercados de Manaus, Santarém, Belém, como era a ideia inicial.
Na festa de Parintins, festa do Boi, festa do Sairé, em Santarém
e de Nazaré em Belém. Essa era ideia de uma vitrine itinerante...
Por exemplo, a gente não ia ter condições de ter um local, um
espaço aqui em Belém com joias, as festas seriam como
referencias, a gente começou a vê que tinha mais gente [...]

Discutiram nessa reunião com os técnicos do governo sobre como


melhorar a qualidade da produção de joias. Segundo João Sales:83

[...] nessa reunião nós discutimos a qualidade das joias, pra


melhorar a qualidade de joias em Itaituba, porque lá nos
fazíamos joias mais grossas, o pessoal daqui de Belém usa mais

82Entrevista concedida para a pesquisa em: 15 de março de 2013, em sua casa/oficina/loja.


83Idem.
62

finas, com menos ouro, mais fina em tudo, no acabamento como


também na quantidade de ouro, e a gente sempre se
enquadrava nesse padrão de tá fazendo joias pra pessoas que
são assalariadas, vamos dizer assim... Lá, o cara era garimpeiro
ele chegava com 10 com 20 e 50 gramas, quer dizer a joia lá era
essa, e pra cá já era outro tipo de joias [...]

Segundo depoimento de Ana Catarina,84várias visitas técnicas foram


realizadas, para conquistar a confiança dos ourives nas unidades de produção
de joia em Itaituba, Marabá e Belém. Uma delas foi registrada em fotografia por
João Sales, que demonstrou em toda pesquisa ter a preocupação de registro da
participação da família nessa trajetória histórica, por sentir orgulho disso, como
demonstra a figura a seguir.

Figura 9: Visita Técnica nas oficinas de produção de Joias dos Sales em Itaituba
Fonte: fotografia do arquivo pessoal de João Sales, tirada em 1998.

A foto registra a presença de Ana Catarina, Socorro Gabriel, na época


secretaria da Seteps, como já foi dito antes, e João Sales, entre outras pessoas.
Essas visitas técnicas, conforme relatou Ana Catarina e João Sales, eram para
selar um pacto de ação entre governo estadual, municipal, diversas outras
parcerias institucionais e produtores de joias.

84Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria


Estadual de Cultura.
63

Assim, as ações foram ocorrendo em meio a diversidades de sentidos, de


interesse e intencionalidade. De um lado, estavam os ourives que não aceitavam
mudar os seus jeitos de fazer joia, por isso entraram em conflito com as
orientações dos técnicos institucionais, que não aceitavam a prática dos ourives
de copiar joias de revistas do setor joalheiro, conforme foi constatado na
pesquisa realizada pelo Ibgm, em que os dados indicam que, em 85 ourivesarias
e 18 joalherias dos três municípios, Belém, Itaituba e Marabá, totalizando 92,7%
da amostra pesquisada, a atitude comum era a cópia e não criação própria de
joias.85

Essa resistência dos joalheiros à solicitação de não mais copiar, mas sim
criar uma joia com a identidade do Pará, a partir de uma visão institucional, foi
verbalizada por Veridiano Sales: “[...] Foi difícil convencer as pessoas que já
faziam joias durante anos de que precisavam mudar seu jeito de trabalhar”.86

Tal resistência foi um impasse para o desenvolvimento do Polo Joalheiro,


pois as esferas estatais e suas parcerias institucionais estabeleceram como
principal diretriz do programa a criação de joias com a cara do Pará, e, portanto,
inibir a atitude dos ourives de copiar joias. Além de estabelecer um padrão de
qualidade compatível com as exigências do mercado.

Com base nesse ponto de vista institucional, foi planejado possibilitar a


criação de peças com identidade regional, baseadas nas referências culturais
amazônicas. Para tanto, foi realizada uma oficina em 1999, com uma designer
do Rio de Janeiro, Irina Aragão, em que foram agregados aos metais preciosos,
materiais orgânicos de origem vegetal e animal, como sementes, fibras, entre
outros, assim como também gemas regionais. Foi um caminho inicial para criar
um design para uma Joia do Pará, com seu próprio estilo.

Desse modo, é idealizada, entre acertos, disputas, limites, divergências,


superações, negociações, e percalços, a pretensa Joia do Pará, em que estava
sendo visualizada institucionalmente uma joia com uma identidade regional, a

85 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEMAS E METAIS PRECIOSOS (Ibgm). Disponível em:


< http://www. Ibgm.com.br.>. Acessado em: 10/07/2012.
86“JOALHERIA NO PARÁ: A CULTURA REGIONAL GRAVADA NAS PEÇAS”, op.cit. p. 214-
215.
64

fim de conseguir reconhecimento entre consumidores locais, nacionais e


internacionais.

Por esse fio condutor, entendo que o poder estatal investe para a criação
de uma nova forma de fazer joia. Mas encontra resistências por parte de muitos
fazedores de joias, que não viam de forma positiva tal intervenção, pois
acreditavam que o seu modo tradicional de fazer joia era o mais correto. Isso
gerou a saída de muitos ourives do Polo Joalheiro.

A qualificação técnica tornou-se o “carro chefe” do Programa e, a partir de


1998, foram realizados vários cursos dessa natureza, envolvendo, mais ou
menos, cem pessoas, vinculadas à cadeia produtiva do setor joalheiro, composta
por ourives, lapidários, designers e artesãos.87 As ações de capacitação foram
realizadas pela rede de parcerias institucionais do setor, composta durante o
processo de implantação do Programa.

Segundo o relato de Ana Catarina, enfim:

O programa foi lançado, se não falha a memória, novembro de


99, o ano com certeza foi 99, o mês que eu acho que foi
novembro... Então a gente queria produzir essa primeira coleção
de joias pra lançar o programa com essa coisa concreta, dando
pra ele essa materialidade. [...] É essa joia que a gente quer
fazer aqui no Pará, então nessas reuniões de planejamento se
discutiu algumas diretrizes fortes para o programa... a primeira
conclusão é que o mercado de joias nacional, mundial é um
mercado...nenhum mercado é fácil. Há concorrência,
competição, enfim, é tudo bem difícil entrar, mas o de joias é
mais difícil ainda. É um mercado que trabalha muito com
confiabilidade. Trabalha com a questão da marca, que é muito
forte nesse mercado, então construir uma marca exige muito
fôlego, exige esforço, então como é que o Estado do Pará sem
tradição vai entrar nesse mercado. [...] O primeiro consenso é
que a gente vai entrar nesse mercado exatamente com aquilo
que nos diferencia. A gente não pode entrar no mercado fazendo
o que todo mundo faz, não posso querer competir com as
grandes marcas, Amsterdam Sauer, com H. Stern, Tiffany e
Vivara, imitando elas. Eu tenho que entrar no mercado com uma
joia que todo mundo olhe e diga, essa joia é a joia do Pará, uma
joia com identidade própria, então esse foi o primeiro consenso
[...]88

87Idem.
88Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria
Estadual de Cultura.
65

Nesse sentido, o investimento do Governo nessa “Joia do Pará” foi uma


maneira de modificar como os joalheiros atuavam em Belém, Itaituba e Marabá.
Como mostra o relato de Ana Catarina a seguir:

[...] na época quando a gente fez essa primeira visita em geral


tanto nas ourivesarias tanto daqui de Belém, quanto de Itaituba,
quanto de Marabá a gente viu foi basicamente isso, as pessoas
produziam nas oficinas, sobreviviam muito mais com o conserto
de joias, de joia por encomenda, anéis de formatura, aliança de
casamento, essas coisas assim bem pontuais, e o design era
algo que não existia, então não tinha uma produção própria.
Então não tinha uma joia nossa, com uma assinatura, então
vamos criar essa grife, joia do Pará. Vamos criar uma joia com a
identidade nossa pra gente ter o mínimo de diferencial pra
competir, e assim a gente fez.

O ourives Paulo Tavares também comenta sobre essa atitude de mudar


o modo de fazer joias: 89

[...] (Antes do Programa) Era trabalho de encomenda.... a


pessoa gostava, encomendava, mas pedia para dizer que era de
fora (e vendia como joia da Itália), que era de fora tinha valor e
as daqui não. Um ponto positivo do Programa que valorizou o
trabalho...pois só tinha valor o que era de fora... (a joia da Itália
e antiga) .... aí passaram a encomendar e comprar...já tinha
valor” (a joia do Polo joalheiro) [...]

A primeira ação de criação de uma coleção de joias nos moldes


planejados pela Seteps e parcerias, ou seja, com designer e agregando nossas
referências culturais foi apresentada em Belém, Itaituba e Marabá em fevereiro
de 2002. Segundo a reportagem no Jornal Liberal, de 27 de fevereiro de 2002,
com a chamada “Temática regional inspira produção de peças”,90 a coleção foi
composta de 35 conjuntos de peças inéditas e teve a participação de dezoito
ourives.

Ana Catarina relata como isso ocorreu:

[...] fazia parte dessa ação criar uma coleção dentro desse
conceito de uma joia do Pará, pra que a gente possa fazer o
lançamento do programa apresentando essa coleção como
entrada, fizemos isso e ok. A coleção tinha que ter a nossa

89Entrevista gravada, concedida em 12/12/2012, em sua casa/oficina.


90Verificar figura 6.
66

identidade, a identidade amazônica, então ela seria inspirada


nas nossas referências culturais, então ainda nessa época da
primeira coleção, a gente falou pra eles no uso de outros
materiais, o que se chama de gema orgânica, mas eles tiveram
também muita dificuldade, e ainda trouxeram a casca de coco,
se vocês forem olhar essa primeira coleção tá no museu, foi
adquirida pelo Estado, e foi pro museu. Basicamente, o coco foi
a única gema orgânica que a gente conseguiu agregar nessa
primeira coleção ainda de forma muito tímida, mas a inspiração
da identidade amazônica já veio claramente nessas peças.

O primeiro curso de design de joias ocorreu em junho de 1999, em Belém,


ministrado pela consultora carioca Irina Aragão, no Hotel Murubira, em
Mosqueiro.

Mas, segundo Ana Catarina, surgiu a necessidade de criar oportunidades


para a formação de designer de joias da terra, pois ainda não havia.

Então nós tivemos uma oficina de design, e fomos buscar outras


pessoas que tivessem atuação nessa área da criação, para que
eles pudessem conceber os projetos e aí o CEFET entrou
fortemente nisso, porque quando a gente começou a discutir isso
o Carlos Cristino, rapidamente mobilizou e mandou dois
profissionais deste centro se capacitar no Rio de Janeiro em
desenhos de joias, que eram a Rosângela Gouveia e o Tadeu,
os dois foram pelo CEFET e quando eles voltaram do Rio, a
gente fez a oficina de design de joias [...]91

Logo depois foram ofertados outros cursos de capacitação, como, por


exemplo, o de modelagem em cera.92 Como os cursos de capacitação se
concentraram em Belém, vários ourives e outros profissionais da joalheria se
mudaram para Belém.

Entre tantos, vieram os irmãos Sales, Veridiano, João e Tiago, de Itaituba;


Ramirez Garcia e Leila Salame, de Marabá. Ramirez contou essa aventura
assim: “Eu arrumei minhas coisas e saí de casa. Deixei tudo para trás, família,
amigos, e vim para Belém. [...] Eu fiz todos os cursos necessários para melhorar
o meu trabalho. Não sei como estaria hoje se não tivesse feito”.93 Ele é dono da
escola de ourivesaria Rahma, instalada no espaço São José Liberto.

91Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria


Estadual de Cultura.
92Segundo reportagem sobre o Programa na Província do Pará, em 3 de novembro de 1999.
Verificar figura sete.
93JOALHERIA NO PARÁ: A CULTURA REGIONAL GRAVADA NAS PEÇAS”, op.cit. p. 215.
67

Leila Salame possui uma loja de gemas e lapidação no mesmo espaço.


Faz lapidação autoral, inclusive sua arte foi registrada no Manual de Lapidação
Diferenciada do designer de gemas e joias de autoria de Adriano Mol,94 que
disse: “as gemas lapidadas de Leila Salame são belíssimas e exemplo das novas
abordagens dos produtos em joalheria, ao se inserirem num contexto global, mas
carregadas de simbologia e aspectos da identidade regional.” 95

Leila Salame se tornou a lapidária mais atuante no Programa. Ela fez o


Curso de Lapidação no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet),
atualmente Instituto Federal do Pará (Ifpa). Ela se dedica há 20 anos a esse
ofício artesanal. Trabalha em sua oficina, comercializa suas gemas, ministra
cursos e atua como consultora no Igama. É reconhecida na região e
nacionalmente por seu trabalho de lapidação artística com destaque para a sua
técnica de reprodução do grafismo marajoara.

Sobre seu trabalho, ela afirma que:

[...] Para ser um bom lapidário, é necessário paciência,


dedicação, relação de admiração, respeito e conhecimento da
gema a ser trabalhada. Ao olhar para a gema bruta, deve-se
estabelecer uma cumplicidade com as formas que a mesma
apresenta, só assim é possível determinar o tipo de facetas a
serem talhadas, dando-lhes a maior beleza.96

A lapidação artesanal de reprodução do grafismo marajoara de Leila


Salame é demonstrada na foto a seguir:

94 MOL, Adriano. Manual de Lapidação Diferenciada de Gemas. IBGM. Brasília: Editora


Athalaia, 2009.
95Depoimento disponível em:
http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2009/09/lapidacao-autoral-originalidade-
das.html. O professor Adriano Mol é coordenador do Laboratório de Design de Lapidação do
Centro de Estudos em Design de Gemas e Joias – Cedgem, de Minas Gerais.
96Relato exposto no texto: MAIA, Raimunda F. da Silva e MEIRELLES, Anna Cristina Resque
denominado de “A arte, o encanto e a trajetória de uma lapidária”. In: Joias do Pará: design,
experimentação e inovação tecnológica nos modos de fazer. Rosa Helena Nascimento Neves,
Rosângela da Silva Quintela, Rosângela Gouvêa Pinto e Anna Cristina Resque Meirelles,
organizadoras. Belém: Paka-Tatu, 2011. (p. 107- 110)
68

Figura 10: Lapidação artesanal e artística de Leila Salame


Fonte: Foto de Ocione Garçom/Acervo (IGAMA)

Le Goff define documento-monumento como aquele com característica a


intencionalidade, uma vez que é construído para perpetuar a recordação num
emaranhado de relações socioculturais, econômicas e políticas inerentes ao
resultado de sua produção. Nesse sentido, as entrevistas, os jornais, as imagens
e vídeo aqui referidos serviram de fontes para compor uma história multifacetada
do Polo Joalheiro do Pará, pois foram consideradas “documento-monumentos”.
Desse modo, inspirada em Le Goff, contraponho-me à posição metodológica
positivista, que considera a supremacia do documento escrito, por ser visto como
imparcial e objetivo, quando comparado a qualquer outro meio de coleta de
dados, como a fonte oral, considerada por esta via metodológica subjetiva e
parcial.97

Segundo Alberti,98a ideia de “documento-monumento” traz como


característica principal a intencionalidade que resulta das relações de força
existentes nas sociedades que o produziram. Nesse caso, os relatos expostos
aqui expressam, ao mesmo tempo, convergências e divergência sobre o assunto
tratado, em que direta ou indiretamente produziram diversos sentidos de

97LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: _______________. História e Memória.


Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
98ALBERTI, Verena. História dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes
Históricas. São Paulo: Contexto, 2011.
69

disputas de interesses e realizações de projetos pessoais e coletivos, o que


acarretaram a permanência ou não dos e das participantes no Polo Joalheiro.

Múltiplos aspectos foram envolvidos nessa ocorrência. Entre tantos, está,


principalmente, o conflito entre o saber fazer dos ourives e o saber intelectual
dos técnicos institucionais.

O saber dos ourives joalheiros é um saber tradicional trasmitido,


pricipalmente, pela oralidade e “ver fazer” manualmente. É um fazer artesanal
que resulta de diversos saberes, pois a fabricação de joias envolve vários/as
outros saberes, com diversas habibilidades e talentos também manuais. Desse
modo, ao ofício de ourives, somam-se o ofício de lapidário e de cravador.
Segundo Melo,99 as instituições públicas e de cientistas do Brasil,
estabeleceram parcerias para desenvolver políticas públicas para o setor
artesanal, a partir da década de 1980, pautadas na concepção de que artesanato
seria um conjunto de atividades que envolviam a confecção de objetos com fins
utilitários. E que esse desejo surgiu do querer saber “sobre o que se fazia nos
quintais das casas”.
Ou seja, artesanato passou a designar uma produção anônima, coletiva,
familiar, manual, estando ausente o caráter criativo. A repetição das mesmas
formas em diversos produtos caracterizaria este ofício. Esta atividade estaria
presente entre as camadas mais vulneráveis social e economicamente da
população e expressaria o saber tradicional da “cultura popular”, manifestação
considerada como mais autêntica da “identidade nacional”. Essa concepção foi
um dos faróis de orientação da implantação do Polo Joalheiro como um
desdobramento de poltica pública estadual.
Além da tentativa de implantação dessa concepção de artesanato, por
meio de uma política pública de incentivo à implantação do Polo Joalheiro, havia
também a intenção de qualificar a produção de joia no Pará, por meio da inserção
de um design amazônico pautado numa concepção de inovação, visando a

99MELO, Rosilene Alves de Melo. Artes de Juazeiro: Imagens e Criação no Centro de


Cultura Popular Mestre Noza. Artigo apresentado no X Encontro de História Oral:
Testemunhos: História e Política l. Recife, 26 a 30 de abril de 2010. Universidade Federal de
Pernambuco (Ufpe). Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
70

expansão de comercialização dessa joia para âmbito estadual, nacional e


internacional.

O olhar o institucional para promover tudo isso optou como estratégia pela
contratação de consultores de fora, de reconhecimento na área da joalheria no
âmbito nacional e internacional, a fim de promover qualificação profissional e
técnica.

Como já foi dito antes por vários interlocutores da pesquisa, tais propostas
institucionais não agradaram a todos os produtores de joias envolvidos no
processo de implantação do Polo em destaque.

Vários desdobramentos foram emergindo desse conflito. Muitos


produtores resistiram a essa proposta de inovação e qualificação a ponto de
optarem por desistirem de fazer parte do Polo Joalheiro. Outros perceberem tais
propostas como uma oportunidade de “ouro” para promover uma metamorfose
em suas vidas, no sentido de buscar novas possibilidades de gerar uma renda
melhor para sua sobrevivência e novas realizações profissionais e pessoais,
para si e para seus familiares.

Por outro lado, a coexistência de diversas instituições governamentais ou


não envolvidas nesse processo fez com que surgisse múltipla possibilidade de
atuação do Polo Joalheiro, esta endossada por diversas perspectivas, que ora
convergiam ora divergiam, gerando assim, cooperações e parcerias, por um lado
e disputas, por outro lado. Ou seja, podem ser identificadas relações de poder
ou “jogos de poder”. Segundo Foucault,

[...]se tentarmos construir uma teoria do poder, será necessário


sempre descrevê-lo como algo que emerge num determinado
lugar e num tempo dado. [...] Portanto, não existe ‘o Poder’, o
que existe são relações de poder, isto é, formas díspares,
heterogêneas, em constante transformação. O poder não é um
objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal,
constituída historicamente100

100MACHADO, Roberto. “Por uma Genealogia do Poder”. In: FOUCAULT, Michel.


Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. X.
71

Nesse contexto de “jogos de poder”, analiso que houve conflitos entre


saber e conhecimento, ou seja, entre saber tradicional dos produtores de joias e
conhecimento técnico e científico institucional.

Para Foucault não existe dissociação entre saber e ciência, assim como
entre poder e conhecimento, por conceber que a relação entre saber e poder
tem potencial para a construção de discursos que engendram amarras invisíveis
do poder entre diferentes grupos e atores sociais, os quais ressoam nas suas
práticas sociais. 101

Segundo este autor existe uma relação íntima entre o conhecimento e o


poder dentro da coletividade. Segundo o filósofo, o discurso que ordena a
sociedade é sempre o discurso daquele que detém o saber. Além disso, ele
identifica o sujeito como aquele que está sempre determinado pelas ideias
emanadas pelos que se consideram detentores da verdade.

Portanto, o processo de constituição do Polo joalheiro não foge desse


percurso de disputa entre saber, conhecimento e poder. Nessa disputa, o
discurso técnico - científico vem se constituindo como detentor desse poder
hegemonicamente no “mundo moderno”. Contudo, os produtores de joia não
acataram este fato de forma passiva. Eles resistiram à desvalorização de seu
saber tradicional, ora se negando a se submeter a essa hegemonia ora
negociando, a partir de seus interesses coletivos ou individuais, de modo a
desistir ou permanecer no contexto da joalheria.

Mas, ao mesmo tempo, tem que ser levado em consideração aspectos da


vivência dos gestores e técnicos da esfera institucional, pois também são
pessoas que foram marcadas por essas relações e, por isso, tem aqueles que
seguem outros rumos na vida, às vezes por opção própria, por novas
oportunidades profissionais ou até mesmo por decepções. Mas tem aqueles que
se comprometeram e continuam a se comprometer de alguma forma, cada vez
mais, com o setor.

101 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, São Paulo, 2004. PRADO,
Braian (et.al.). Os conceitos de saber, poder e discurso ideológico analisados segundo a
teoria de Michel Foucault. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação
da Universidade Estadual de Santa Cruz. Ano 4 - Edição 3– março-maio de 2011.
72

Por esses enredos, o processo de implantação do Polo Joalheiro foi


acontecendo multifacetado em arranjos e desarranjos coletivos e individuais,
institucional ou não, de modo sempre dinâmico entre rompimentos e elos, que
por esse aspecto, denominei tal processo de constituição caleidoscópica. Por
outro lado, pode ser considerado tal processo de implantação uma experiência,
na perspectiva de Foucault, uma transformação dos sujeitos. “Precisamente uma
concepção de experiência como uma metamorfose, uma transformação na
relação com as coisas, com os outros, consigo mesmo.” 102 Com suas próprias
verdades, ou com aquela estabelecidas, pois por esse prisma a desconstrução
de si mesma segue com a experimentação sem ponto final na vida.

Pinto,103 inspirado no pensamento de Foucault, trata a história como um


“jogo de poder”, por isso argumenta que se deve problematizar a história oficial,
que é constituída por fatos marcados tanto pelas táticas e estratégias dos
processos de hierarquização centrada nas ações governamentais, políticas e
econômicas, a fim de fazer emergir outros diversos núcleos de poder pautados
nas experiências simples do cotidiano, assim como suas ressignificações. Nesse
sentido, afirma que Foucault propõe outro modo de abordagem da história e, por
isso, faz emergir outro modo de pensar a história, por meio de aplicação de outro
método de abordagem dos objetos estudado, tornando assim possível outro jeito
de pensar e de olhar os fatos históricos. Ainda por essas veredas do pensar, vou
adentrar no lócus da pesquisa a seguir.

1.4. O POLO JOALHEIRO NO ESPAÇO SÃO JOSE LIBERTO, O LÓCUS DA


PESQUISA.

O “lugar” da pesquisa, o Polo Joalheiro no Espaço São José Liberto. O


foco deste trabalho são as histórias do Polo, mas quando se trata do lócus da
pesquisa, a história do São José Liberto está entrelaçada como as histórias do
Polo desde a inauguração deste “lugar”, que passa a ser repertório de vivências

102PÉLBAR, Peter Pal. Do livro como experiência à vida como experimentação. Disponível em:
http://revistacult.uol.com.br/home/2014/09/do-livro-como-experiencia-a-vida-como-
experimentacao/. Acesso em 12 de dezembro de 2015.
103 Pinto, Luciano Rocha. A História como Jogo: Contribuições de Michel Foucault para o
Ensino da História. História & Ensino, Londrina, v. 17, n. 1, p. 149-165, jan./jun. 2011. Disponível
em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/histensino/article/viewFile/11255/10025. Acesso
em: 20/12/2015.
73

que se transformam em múltiplas experiências de estranhamentos e


familiaridades, de produção de significados e ressignificados coletivos e
individuais, tornando-se assim um “lugar de memória”, segundo Pierre Nora, que
afirma:104

Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. [...] São os


rituais de uma sociedade sem ritual; sacralizações passageiras
numa sociedade que dessacraliza; fidelidades particulares de
uma sociedade que aplaina os particularismos; diferenciações
efetivas numa sociedade que nivela por princípio; sinais de
reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade
que só tende a reconhecer indivíduos iguais e idênticos.

Esse “lugar de memória” tem sua própria história. Em 15 de maio de 1697,


falece o 13º Capitão-mor do Pará, Hilário de Souza de Azevedo e deixa em
testamento para os frades Franciscanos da Província de Nossa Senhora da
Piedade, ordem fundada em Portugal, em 1500, entre outras terras, um terreno
nos arredores de Belém, onde estava construída uma ermida105. Deixa dito que
se deveria construir neste terreno uma enfermaria que atendesse aos doentes
provenientes do sertão e que sua viúva, D. Marianna de Siqueira, deveria mantê-
la. Em 1749, os missionários demoliram essa ermida e iniciaram a construção
de um convento, denominando-o de São José. 106

Depois de abrigar uma olaria, quartel, depósito de pólvora, hospital,


cadeia pública e presídio, em outubro de 2002, foi inaugurado o Espaço São
José Liberto (ESJL), onde o Polo foi instalado, a fim de centralizar as suas ações
de capacitação e comercialização.

Havia uma antiga reivindicação dos moradores dos arredores do presídio


de retirada deste para outro local, pois viviam com medo das rebeliões e fugas
dos internos. Em fevereiro de 2000, segundo a reportagem de O Liberal
(11.02.2000) houve a transferência de 293 presos, para o Presídio Estadual
Metropolitano, no município de Marituba.107

104 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História.
São Paulo, n.10, 28, dez., 1993, p. 12-13.
105Uma pequena igreja ou capela, normalmente localizada fora das povoações ou em lugares
isolados.
106 COELHO, Watrin Alan (Coord.). São José Liberto, Joias e Artesanatos do Pará:
pesquisa histórica do Presídio São José. Belém, 2002. (arquivo da Secult)
107 MAROJA, Ana Paula. O Espaço São José (Belém-Pa): Liberto dos grilhões da lei e preso
às imagens do tempo. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Educação
74

Em 2001, iniciaram as obras para a construção do São José Liberto,


coordenada pela Secretaria Executiva de Cultura (Secult). O prédio então passa
por uma intensa revitalização e foi inaugurado em 11de outubro de 2002. Ana
Catarina conta esse episódio como protagonista que vivenciou tal momento: “Foi
inaugurado mesmo em 2002. Paulo Chaves (Secretário da Secult, nessa época)
cedeu o prédio. Ele fez o projeto, a gente conversou junto com ele, ajustando as
necessidades, dele com as da equipe dele. Tudo foi se ajustando. E em outubro
de 2002 a gente inaugurou o São José.”108 O antes e depois do prédio podem
ser verificados por meio da figura 12.

Figura 11: O Antes e depois da revitalização da ESJL


Fonte: Arquivo SECULT /Arquivo IGAMA.

Ana Catarina relata ainda que o Polo Joalheiro estava a toda velocidade
desenvolvendo um conjunto de atividades para a criação da segunda coleção
“Joias do Pará” para ser apresentada na inauguração, o que ocorreu de fato,
como narra a seguir:

Nesse meio tempo, antes disso, a gente já trabalhou uma


segunda coleção de joia para apresentar na inauguração, então
produzimos essa segunda coleção, sempre reunindo os ourives,
apresentando os desenhos a cada ourives, a cada empresa, que

Artística – Habilitação em Desenho, do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, da Universidade


da Amazônia, Belém, 2002.
108Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na Secretaria
Estadual de Cultura.
75

ia escolhendo aquele desenho que tinha mais afinidade e


comprava os desenhos para produzir a joia. Então a gente fez a
segunda coleção e outros ourives foram se juntando e o
programa foi caminhando.109

A primeira coleção de joia foi realizada para a oficialização do Polo


Joalheiro, antes da existência do Esj. Ana Catarina relatou que fazia para si e
para o Governo a seguinte pergunta:[...] fazia parte dessa ação criar uma coleção
dentro desse conceito de uma joia do Pará, pra que a gente pudesse fazer o
lançamento do programa, apresentando essa coleção como entrada. Fizemos
isso e ok a coleção, mas eu vou colocar essa coleção onde? 110
Obteve uma resposta de maneira mais definitiva para tal pergunta com a
inauguração do ESJL, em que assumiu também o cargo de diretora executiva
deste espaço, já que antes da existência do mesmo, estava tentando resolver
essa questão de diversas formas: “Começamos a levar para as feiras, desde o
princípio, para as feiras nacionais, para apresentar o programa nas feiras
nacionais.”
Foi criada também uma loja na Estação das Docas, para servir de apoio
à comercialização das joias produzidas pelo Polo. Ana Catarina narra esse fato:

[...] após o lançamento do programa, nós abrimos


imediatamente, na Estação das Docas uma loja, e ao inaugurar
a gente já ficava tentando resolver aquela lacuna. Todo mundo
vai produzir, mas vai comercializar aonde? Isoladamente? Cada
um com sua oficina? A maioria deles não tinha nem loja. Só
tinham a sua oficina e recebiam as pessoas na sua oficina, como
a gente ainda vê. Raro é quem tem loja fora do São Jose Liberto.
Hoje já pode ter, mas na época era dentro da oficina. Então a
ideia era que a gente concentrasse essa produção pra dar
visibilidade. Então a gente batalhou muito essa loja na Estação
das Docas, uma loja de artesanato, e, lá, eles montarem uma
vitrine exclusivamente pra nós, pro Programa de Gemas e Joias
[...] a gente ficava provocando para que os produtores gerassem
aqueles desenhos pra colocar lá, a joia do Pará, nada disso é
fácil. Tudo contado assim é inacreditável! O próprio Governador
me disse que quando eu falei pra ele que ia lançar o programa
em seis meses, conceber, produzir, uma coleção de joias em
seis meses, lançar o programa, não acreditava nisso. [...] No dia
do lançamento, ao final do lançamento, ele veio e me deu
parabéns pra mim e pra toda a equipe. Por todo o trabalho que

109Entrevista concedida em 14 de agosto de 2013, no local de seu trabalho atual, na


Secretaria Estadual de Cultura.
110Idem.
76

foi feito. Bom! O programa tá aí, você tá vendo os resultados


hoje. 111

Não se pode negar que a instalação do Polo no ESJL o fez criar raízes
pela possibilidade de se desenvolver e conseguir garantir sua existência até os
dias atuais, mesmo num cenário dinâmico de disputas, rompimentos,
persistências no âmbito interpessoal, coletivo, privado e institucional.
Nesse entrecruzamento entre Polo Joalheiro e o ESJL pode ser delineado
um lócus contendo uma dimensão multifocal de memórias com potencialidade
de composição de relações sociais e interpessoais, tornando-o assim um “lugar
de memória de si e dos outros”,112 capaz de trazer para si diversas faces, já
que é um complexo de realização de atividades voltadas, ao mesmo tempo, para
o turismo, museologia, comercialização de produtos artesanais, eventos, design,
produção e comercialização de joias.

É composto também por uma gama de práticas socioculturais, em que,


consequentemente, o torna um “território criativo”, por denominação institucional,
que ora se configura em consensos ora dissensos, em termos de significados de
pertencimento.

Ou seja, parto, primeiramente, da compreensão de Santos,113 para


considerar o ESJL como um território, já que para este autor o espaço não é
apenas uma delimitação geográfica, mas um espaço ocupado, que precisa ser
compreendido com relação àqueles que o habitam. A localização dos homens e
das atividades e das coisas precisa ser compreendida a partir das formas de
produção e dos elementos internos do espaço, como a organização social e
material.
O mesmo autor propõe como categoria de análise a Formação Econômica
e Social (FES), que diz respeito “à evolução diferencial das sociedades, no seu

111 Idem.
112 Britto, Rosangela M. de e Silveira, Flávio Leonel da. Paisagens de Si e dos Outros: Museu
Da Ufpa enquanto Paisagens Ressignificadas. Disponível em:
www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/cpcr/rosangela_britto.pdf. SILVEIRA, Flávio Abreu da. A
paisagem como fenômeno complexo, reflexões sobre um tema interdisciplinar. In:______;
CANCELA, Cristina Donza (Org.). Paisagem e Cultura: Dinâmicas do patrimônio e da memória
na atualidade. Belém: EDUFPA, 2009.
113SANTOS, M. Sociedade e Espaço: a formação social como teoria e como método. In:
________. Da totalidade ao lugar. São Paulo: Edusp, 2005.
77

quadro próprio e em relação com as forças externas de onde mais


frequentemente lhes provem o impulso”114
A FES expressa a relação entre as esferas econômica, política, social e
cultural de uma sociedade, num movimento dinâmico entre a unidade e
totalidade geográficas e as continuidades e descontinuidades do seu tempo
histórico.
Por conseguinte, conceituo “território criativo” como uma abordagem de
desenvolvimento que contemple aspectos das formações econômicas, sociais e
simbólicas de um determinado espaço, com potencial para auxiliar o
planejamento de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano que
integre: inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural.115
Além disso, considero que ele funciona como espaço discursivo, em que
às noções de espaço-tempo e memória se interpõem e criam uma zona de
intercessão dialógica, tensional, criativa entre temas, questões e procedimentos.
Por outro prisma, considero o ESJL uma paisagem e, ao mesmo tempo,
um patrimônio, por compartilhar da ideia de “paisagens” como zonas de
interseção e intercâmbio de saberes e fazeres116 e de “lugar de memória”,117
por conseguinte, como um lócus privilegiado de produção e de ordenação de
sentidos, vinculado ao jogo sutil de memórias, vivências e experiências, uma vez
que toda paisagem implica a presença de uma dimensão sensível e emocional
por parte do humano.
Entre essas vias e concepções, o ESJL adquiriu um formato ímpar na
paisagem de Belém como patrimônio histórico, em comparação com outros
projetos arquitetônicos revitalizados pelo Governo Estadual, antes e depois de

114 Idem, p.22.


115CLOSS, Lisiane Quadrado (et.al.). Das Cidades aos Territórios Criativos: um Debate a
Partir das Contribuições de Milton Santos. XXXIII Encontro da Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Administração (Anpad). Disponível em
http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2014_EnANPAD_APB2151.pdf. Acessado em
14.01.2015.
116 Britto, Rosangela M. de e Silveira, Flávio Leonel da. Paisagens de Si e dos Outros: Museu
Da Ufpa enquanto Paisagens Ressignificadas. Disponivel em:
www.anpap.org.br/anais/2011/pdf/cpcr/rosangela_britto.pdf. SILVEIRA, Flávio Abreu da. A
paisagem como fenômeno complexo, reflexões sobre um tema interdisciplinar. In:______;
CANCELA, Cristina Donza (Org.). Paisagem e Cultura: Dinâmicas do patrimônio e da memória
na atualidade. Belém: EDUFPA, 2009.
117 NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História.
São Paulo, n.10, 28, dez., 1993.
78

sua criação.118 Por conta de todos estes aspectos desenvolvidos, considerei


necessário apresentar o lócus da pesquisa resumidamente aqui, na escrita e nas
imagens a seguir:

Figura 12: Espaço São José Liberto – “lugar de memória”


Fonte: Arquivo do Igama

Um espaço com muitos lugares de memória. O Polo Joalheiro é composto


por seis lojas de joias, duas ilhas com serviços especializados em ourivesaria e
lapidação, uma escola de ourivesaria, o Museu de Gemas do Pará, o Jardim da
Liberdade e laboratório gemológico; abriga também a Casa do Artesão, o
Memorial da Cela, a Capela São José, o anfiteatro Coliseu das Artes, um espaço
gourmet, auditório, mezanino e salas onde fica o corpo técnico-administrativo. O
ESJL em imagem:

118 Sobre esse assunto ler: MIRANDA, Cybelle Salvador. Cidade Velha e Feliz Lusitânia:
cenários do Patrimônio Cultural em Belém. Orientadora, Jane Felipe Beltrão. Tese
(Doutorado) Universidade Federal do Pará, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa
de Pós-graduação em Ciências Sociais, Belém, 2006.
79

Figura 13: Lojas de comercialização de joias/Loja Una, que reúne a produção daqueles
produtores ou designers de joias que não possuem loja própria
Fonte: Igama/Arquivo

Figura 14: Ilha de Lapidação e de venda gemas/ Escola Rhama de Joalheria


Fonte: Igama/Arquivo

Figura 15: Museu de Gemas do Pará


Fonte: Igama/Arquivo

Figura 16: Jardim da Liberdade / Salas do Igama no andar de cima


Fonte: Igama/Arquivo
80

Figura 17: Laboratório Gemológico


Fonte: Igama/Arquivo

Figura 18: A Casa do Sertão


Fonte: Igama/Arquivo

Figura 19: O Memorial da Cela/ O anfiteatro Coliseu das Artes


Fonte: Igama/Arquivo
81

Figura 20: Capela São José


Fonte: Igama/Arquivo

Figura:21: Espaço gourmet


Fonte: Igama/Arquivo

Figura 22: Auditório/Mezanino


Fonte: Igama/Arquivo

O ESJL é uma paisagem, um patrimônio histórico. Um lugar de disputas,


negociações, realizações de sonhos e projetos de vida, desencantos, encontros
e desencontros, um território criativo, um mundo de trabalho. Ou seja, um lugar
de “histórias dentro de histórias”, parafraseando Verena Alberti. 119

119 ALBERTI, Verena. Histórias dentro de histórias. In: PINSKY, Carla Bassanezi (et.al.).
Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2011.
82

Uma das ações planejadas e realizadas pelo Programa, depois de sua


instalação no ESJL, foi a realização de um diagnóstico do setor joalheiro, em
2004, sendo uma ação da Associação São José Liberto, em que foram
contabilizados dados sobre o setor. Estes dados foram apresentados na forma
de uma cartilha intitulada “O Pará é Joia: pesquisa com produtores de Joias do
Estado do Pará”.
A referida associação contratou o Instituto de Pesquisas Acertar, como já
informei antes. Segundo a introdução da cartilha, foi dado ênfase na coleta de
informações sobre o perfil do segmento produtivo do setor joalheiro. A pesquisa
foi realizada em Belém, Itaituba, Parauapebas, Floresta do Araguaia, Abaetetuba
e Marabá, a fim de se conhecer o setor em diferentes regiões do Pará.
O principal objetivo da pesquisa foi gerar um banco de dados do setor
joalheiro para planejamento e realização de ações por parte do Governo
Estadual. Assim foi construído um perfil sociodemográfico dos entrevistados. A
pesquisa foi realizada no período de 13 de fevereiro a 15 de março de 2004, por
meio de questionários, como informa a cartilha120.

Figura 23: Apresentação do perfil sócio-demográfico na Cartilha


Fonte: Documento/Associação São José Liberto

120 A cartilha foi elabora por uma agência de design gráfico, contratada pela Associação São
José Liberto.
83

A pesquisa realizada pelo Instituto Acertar traçou um perfil de produtores


de joias, por meio de aplicação de questionários a 218 pesquisados. Belém
concentrou o maior número de produtores, 130. Em Itaituba foram 29,
Parauapebas 26, Floresta do Araguaia 14, Marabá 11 e Abaetetuba 8. Estes
dados indicam um dos motivos para Belém ser escolhida para sediar o Polo
Joalheiro e ser um lugar de referência de produção de joias: a concentração do
maior número de produtores interessados em participar do Polo Joalheiro. Deste
modo, se justificava a criação de um polo joalheiro em Belém, a partir de 1997,
e sua instalação no Espaço São José Liberto, em 2002.
Em 2003, Simão Jatene assumiu o Governo Estadual. Fez uma reforma
governamental e é nesse momento que surge a Associação São José Liberto,
como órgão administrativo do espaço com o mesmo nome. Em 2007, houve
mudança novamente de governo. Ana Julia Carepa assumiu como governadora.
Em 2011, assume novamente o governo estadual, Simão Jatene, reeleito para
um novo mandato, mantendo-se como governador até os dias atuais (2016).
O Programa Polo Joalheiro vem sendo mantido como uma política
pública, mesmo num cenário de mudanças de gestão política estatal, sem deixar
de estar implicado em disputas internas e externas, de forma assimétrica e, ao
mesmo tempo, simétrica.

1.5. A “JOIA DO PARÁ” DO POLO JOALHEIRO

Um desafio estava posto por uma das justificativas institucionais para a


instalação do Polo Joalheiro. Como produzir uma joia que tivesse identidade
própria? Que não fosse uma cópia? Como fazer uma “joia do Pará”?

Por essa visão institucional, havia uma necessidade de inserir o design de


joias na cadeia produtiva de joias artesanais do Polo Joalheiro. No entanto, não
existiam designers de joias nativos. Diante disso, foram realizados cursos de
capacitação para formar esse segmento, como relata Ana Catarina:

Que não existia na época, ninguém desenhava joia, os ourives


faziam alguma coisa, basicamente muito copiado das revistas,
dos catálogos de outras empresas, e aí pontualmente eles
inventavam alguma coisa, mas desenhar, conceber projetos de
joia não existia. Então a partir dessa oficina eles geraram os
projetos. Depois o próprio CEFET, representado pelo Tadeu e a
84

Rosângela, ministraram várias oficinas de desenho mesmo, pra


desenvolver a habilidade de desenhar as joias, e também a
pintura de joias por que depois tinha o trato, depois tinha que
colorir, enfim tudo isso foi desenvolvido. Foram disponibilizadas
todas essas ações inteiramente gratuitas, pra todo mundo, nesta
primeira oficina [...]

Em outra ponta da cadeia produtiva, foi feito investimento para


capacitação dos ourives, segundo ainda Ana Catarina:

[...] trouxemos um ourives muito bom! Maravilhoso! Do Rio de


Janeiro, Aderbal .... Ele passou um mês inteiro aqui, não tinha
onde fazer essa oficina, por que não tinha nenhuma escola,
então como é que a gente vai fazer uma oficina se não tem
banca de ourivesaria pros alunos, mas os nossos parceiros
estavam absolutamente comprometidos, então o SENAI fez um
projeto pro SENAI nacional e conseguiu um recurso, então
enquanto a gente tava andando com criação e design, o SENAI
estava batalhando pra comprar, ele comprou essas bancas,
conseguiu recurso com o SENAI nacional, adquiriu, montou um
laboratório de ourivesaria, ali na unidade deles da Mauriti, e com
o laboratório montado a gente trouxe o Aderbal, e fez a primeira
oficina, um longo curso de 30 dias. [...] devia ter uma turma de
doze a quinze ourives, nós abrimos vagas pra Itaituba, Belém e
Marabá. Itaituba mandou Veridiano Sales e mais um outro, acho
que era um outro, João, que não era o irmão dele, e mais o João,
irmão dele, que morava aqui, em Belém...veio com os ourives
daqui... E de Marabá só veio o Ramires. Ramires veio desde
dessa primeira turma. Veio participar dessa primeira turma pelo
município de Marabá... Então, Ramires tem uma história muito
legal pra contar, quebrou a perna nas vésperas da viagem,
quase não vem, eu disse vem, veio, enfim, veio com a perna
engessada mesmo, participou. O Aderbal ficou aqui esses 30
dias acompanhando, eles trabalhavam direto, direto, direto. Foi
uma jornada muito difícil, fazendo as peças da coleção, desde a
liga. O Aderbal padronizou a liga... Isso aconteceu no primeiro
semestre de noventa e nove. Então o Aderbal padronizou,
estabeleceu uma liga padrão, essa é a liga que vocês devem
usar sempre, os percentuais dos tempos de hoje, de cobre, de
prata, tudo direitinho, [...]

Desse modo, foram realizados os procedimentos para a fabricação da


primeira coleção de “joias do Pará”. Ana Catarina relata tal feito:

Bom, feita a coleção, concebidos os desenhos, saiu então à


primeira coleção, criou-se uma logomarca para o programa,
aquele muiraquitãzinho. [..]desde daí tudo começou, por
enquanto esse curso era basicamente de instrução artesanal, e
eles então conseguiram finalizar, produziram as peças, quase
85

todas foram produzidas, distribuíram os projetos entre eles, cada


um escolheu o projeto que queria fazer e tal, depois algumas
empresas compraram esses projetos dos designers pra poder
ter o direito de ficar reproduzindo depois. [...] Paulo Coutinho,
comprou uns, JR que era de Abaetetuba também, apesar dele
não estar dentro dos três municípios, mas ele tomou
conhecimento do programa, por que ele era da associação
comercial [...] Ele tomou conhecimento, foi como joalheiro, e ele
veio, a gente visitou ele em Abaetetuba também, e ele então
participou dessa primeira rodada, e ai comprou também os
desenhos [...] enfim, o fato é que a coleção foi produzida, a gente
fez o lançamento do programa, com um desfile maravilhoso, que
ficou na história, ali na igreja de Santo Alexandre.[...].. foi muito
legal. Geramos um folder onde essas peças, podiam ser vistas
com mais detalhes e lançamos o Programa.

José Tadeu de Brito Nunes, conforme citado por Ana Catarina, foi um dos
primeiros a ser capacitado para atuar como designer de joias no Polo Joalheiro.
Fez assim uma longa trajetória de atuação nesse sentido, somente se afastando
disso em 2009, quando passou num concurso público da Secretaria Estadual de
Educação (Seduc), para o cargo de professor. Mas sua ligação com setor de
joalheria continuou, haja vista que, em 2013, defende sua dissertação de
mestrado intitulada “Elementos da biodiversidade Amazônica no pensar-fazer de
joalheiros de Belém: a vivência como educação”. 121, em que trata da
aprendizagem sobre a biodiversidade amazônica pelos artesãos joalheiros do
Programa Polo Joalheiro, durante o pensar fazer de suas joias, a partir das
qualificações. Faz uma reflexão sobre seu papel de instrutor/educador e dos
processos de aprendizagem condensados nas “joias do Pará.” Desse modo,
relatou sua trajetória profissional no Polo Joalheiro:

Neste mesmo período (1998), continuava trabalhando no


Laboratório de Artesanato Mineral da ETFPa juntamente com a
professora Rosângela Gouvêa, e motivado pelo Programa do
Polo Joalheiro, fomos convidados pela ETFPa através do
coordenador do laboratório para participar de dois cursos, um de
Design de Joias e outro de Modelagem de Joias em Cera, na
cidade do Rio de Janeiro. Os cursos foram realizados no Ateliê
Espaço Expressão da designer Andréia Nicácio, os quais foram
elaborados exclusivamente para atender as necessidades de
formação em design de joias da ETFPa e do Programa Polo

121NUNES, José Tadeu de Brito. Elementos da biodiversidade Amazônica no pensar-fazer


de joalheiros de Belém: a vivência como educação. Dissertação de Mestrado em Educação.
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2013.
86

Joalheiro. A realização dos cursos se deu no período de 04 de


janeiro a 11 fevereiro de 1999 No curso de design foram tratados
conteúdos como a história da joia, representação da joia e das
gemas através do desenho técnico, processos de produção
industrial e artesanal da joalheria, confecção de ligas metálicas,
técnicas de criação, tendências da joia, desenho de observação,
pintura de desenho de joias e das gemas, além da realização de
visitas técnicas a diversas joalherias e a H. Stern, empresa
brasileira de produção de joias e gemas. A partir destes cursos
recebi as primeiras informações sobre a produção de joias,
conteúdo até então desconhecido para mim.

Também relatou o que ocorreu após a realização dos citados cursos:

Após nosso retorno da qualificação, iniciamos a estruturação e


execução de dois cursos para serem realizados em Belém, o de
Criação e Desenho de Joias e o de Modelagem de Joias em
Cera, os cursos deveriam formar profissionais para atuarem
como criadores desenhistas de joias e modelistas em cera.
Durante os cursos me encarreguei do conteúdo técnico do
desenho e das outras técnicas de produção e a professora
Rosângela Gouvêa o conteúdo teórico. Participaram joalheiros,
artistas plásticos, artesãos, professores e designers gráficos.
O curso de Criação e Desenho de Joias foi desenvolvido em
duas etapas, a primeira teve como caráter a formação técnica,
momento em que os participantes receberam embasamento
aprendendo a criar através de técnicas e representar
tecnicamente suas criações, e a segunda, a participação em um
workshop realizado na ilha do Mosqueiro, Região Metropolitana
de Belém. Assim, aprenderam a materializar suas ideias através
do desenho técnico, da pintura de gemas e joias com a
representação dos diversos tipos de ouro usando tinta guache e
técnicas específicas de pintura, aprenderam também a construir
a descrição das joias e do seu processo criativo através do
Memorial Descritivo. Estes e outros itens foram trabalhados com
os participantes.

Rosângela Gouvêa Pinto, outro nome citado por Ana Catarina entre
aqueles que foram os primeiros capacitados como designer de joia, continua até
hoje como consultora de design de joia do Polo Joalheiro. É responsável pela
formação de diversos designers de joia pela Universidade Estadual do Pará,
desde sua inserção nessa instituição como professora e como coordenadora do
curso design de produto.

Em 2012, ela defendeu sua dissertação de mestrado intitulada “O Estado


da Arte do Setor de Gemas e Joias no Município de Belém – Pará” 122, onde,

122 PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor de Gemas e Joias no Município
de Belém – Pará. Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Gestão dos
87

entre outras coisas, analisou o processo de inserção de um novo profissional no


estado do Pará, que é o designer de joias, em que demonstra que por meio do
Programa Polo Joalheiro: “[...] profissionais também migraram para joalheria.
Deste modo, também pesquisou o estabelecimento de espaços e características
do campo do design, para joia paraense, promovendo discussões acerca dos
seus conceitos no contexto do desenvolvimento local.”

A mesma designer define a joia do Pará: “podemos caracterizar a joia


paraense como um objeto que nasceu nas mãos de artesãos, portanto objeto da
artesania, com um forte conteúdo estético voltado à temática regional local.”
Coloca como marco inicial do Programa Polo Joalheiro o lançamento da primeira
coleção de joias do Pará, em 2001, demonstrando que mobilizou designers e
profissionais de modelagem, ourivesaria, lapidação, cravação, e gravação, que
participaram de cursos de aprimoramento técnico. Foram confeccionados
brincos, anéis, e colares, valorizando a fauna e flora, lendas e outros temas
amazônicos. 123 Reconhece também que lançamento dessa coleção deu
visibilidade aos produtores na mídia, marcando a trajetória da produção joalheira
no Pará.

Deu-se, assim, segundo ela, o lançamento oficial do programa para a


sociedade. Foi confeccionado também o primeiro catálogo de joias do Pará, para
fins de registro e comercialização, cujo texto foi intitulado “Da Amazônia para o
Mundo” por ser referente à concepção temática da coleção.
Por esses procedimentos institucionais e inserções de novos
profissionais, foi impresso o designer de joia no Programa Polo Joalheiro.
Segundo ainda Pinto:124

A coesão conceitual provavelmente é o que mais une as peças


da 1ª Coleção de Joias do Pará-Amazônia-Brasil, além, é claro,
da matéria-prima. Como um salto inicial em direção à luz, os
artistas forjaram o canal para diferentes visões da arte da
joalheria amazônica. Os símbolos amazônicos permeiam cada
joia e nelas se inscreve a diferença deste acervo.
Por mais que, por ser a primeira produção organizada, ainda não
traga a maturidade no conjunto, as criações são de um reluzente

Recursos Naturais e Desenvolvimento Local – PPGEDAM. Linha de Pesquisa: Uso e


Aproveitamento dos Recursos Naturais. Universidade Federal do Pará. Belém, 2012.
123Idem, p. 31.
124Ibidem, p 31 e 32.
88

bom gosto, tateando pela difícil tarefa de expressar os ícones


regionais por uma linguagem completamente universal. Na
gênese do processo de fabricação já estava esse Norte, mas
dificilmente artistas amazônidas conseguiriam se libertar da
carga arquetípica das imagens amazônicas. E não há nada de
errado nesta condição cultural.

Essa inserção do designer de joia no Polo Joalheiro não se deu de modo


tranquilo, pois foi marcada por um contexto de conflitos causados por disputas
de saberes entre este segmento profissional e o segmento dos ourives, que
desembocaram em diversos desdobramentos até os dias atuais. Entre tantos,
destaco que alguns designers de joias viraram também ourives e vice-versa.
O objetivo inicial do programa foi fomentar, como foi dito antes, novas
práticas no modo de fazer joia local, com base também na criação e inovação
tecnológica. O texto de Cláudio Franchi, consultor italiano que ministrou um
curso de ourivesaria, 125 refere-se à inovação tecnológica, por um lado, como
algo que permitiu o desenvolvimento da civilização e, por outro lado, como uma
ameaça de regressão, ao invés de progresso, diante da velocidade que impõe
na mudança de hábitos humanos.
Para o mestre ourives italiano, deve-se entender o uso da inovação
tecnológica no setor das joias da seguinte maneira: “A utilização
desproporcionada das tecnologias (refere-se à Itália e a outros países europeus)
gerou a saturação no setor dos produtos preciosos e o achatamento do nível da
qualidade das joias”.126 É por esse fio lógico que direcionou sua consultoria no
Polo Joalheiro, em parceria com o arquiteto e designer italiano Stefano Ricci, por
meio da realização de três Workshops Internacionais de Design e Ourivesaria,
por três anos consecutivos: 2008, 2009 e 2010, organizados pela gestão dessa
época do Polo Joalheiro, tendo à frente a Diretora Executiva, Rosa Helena
Nascimento Neves, que continua nessa função até os dias atuais.
Para o designer italiano Stefano Ricci,127 o Polo Joalheiro do Estado do
Pará tem potencial e possibilidade de contribuir para o desenvolvimento do setor

125FRANCHI, Cláudio. “Sociologia, Identidade, Senso da História e Mercado para o


Desenvolvimento do Design da Joia no Pará”. In: Joias do Pará: design, experimentação e
inovação tecnológica nos modos de fazer. Rosa Helena Nascimento Neves, Rosângela da Silva
Quintela, Rosângela Gouvêa Pinto e Anna Cristina Resque Meirelles, organizadoras. Belém:
Paka-Tatu, 2011. (p. 35- 59).
126 Idem, p. 37.
127 RICCI, Stefano. “A Cultura de Projeto para uma Criatividade Consciente, Livre e Poética”.
In: Joias do Pará: design, experimentação e inovação tecnológica nos modos de fazer. Rosa
89

joalheiro no Brasil e de modo particular no Pará, por se configurar como uma


experiência única no mundo, em que o artesanal ainda não está totalmente
descartado. Ele e Cláudio Franchi militam para que a joalheria artesanal e a joia
como objeto de arte sobrevivam no mundo contemporâneo. Com esse intuito,
eles atuam como profissionais nos diversos setores da joalheria mundial, além
do Brasil, como o da Rússia, da China, entre outros países.128. Eles valorizam
a necessidade de coexistência do antigo com o moderno e a integração entre os
dois conceitos, que constituem uma unidade contraditória.
Todavia, em 2006, já foi possível colher um fruto dessa trajetória de
implantação e fortalecimento do Programa. A designer de joia Selma
Montenegro, membro deste a partir de 2000, participou do XII Prêmio Ibgm de
Design de Joias – Destinos do Brasil, um concurso de nível nacional, com ampla
divulgação internacional, promovido pelo Instituto Brasileiro de Gemas e Metais
Preciosos, em parceria com o Ministério do Turismo e que acontece de dois em
dois anos, com o colar inspirado no açaí, intitulado Fruto da Terra, sendo
classificado entre os melhores do Brasil, na categoria Norte. Foi a única designer
do norte/nordeste e a primeira do norte a ser selecionada. A premiação foi
divulgada em 33 países, além de vários estados do Brasil. Por essa via, a joia
do Pará, pela primeira vez, obteve visibilidade nacional e internacional. 129
A partir daí, uma nova história no mundo das joias em Belém do Pará vai
se delinear, sempre repleta de diversos anseios e incertezas, em que os
interesses individuais coletivos, às vezes vão convergir e outras vezes não,
assim como o institucional ora vai ser visto como um aliado e outras vezes como
um empecilho, gerando assim contradições, conflitos, mediações, compondo um
cenário de quereres, fazeres e criações, em que ourives/joalheiros, designers de
joias, micro-empresários-comerciantes de joias, lapidários e cravadores
constroem suas trajetórias como categorias sociais e sujeitos, de modo a
tecerem histórias sociais e culturais vinculadas aos mundos da joalheria
artesanal, numa dinâmica de ações e atividades proporcionadas por políticas

Helena Nascimento Neves, Rosângela da Silva Quintela, Rosângela Gouvêa Pinto e Anna
Cristina Resque Meirelles, organizadoras. Belém: Paka-Tatu, 2011. (p. 11- 30).
128 Posições relatadas durante conferências realizadas nos citados Workshops.
129 Esse fragmento textual faz parte do artigo “Um Design Inovador nas Joias do Pará”, de minha
autoria, publicado em: Joias do Pará: design, experimentação e inovação tecnológica nos modos
de fazer. Rosa Helena Nascimento Neves, Rosângela da Silva Quintela, Rosângela Gouvêa
Pinto e Anna Cristina Resque Meirelles, organizadoras. Belém: Paka-Tatu, 2011. p. 99 – 105.
90

públicas, as quais são voltadas para a capacitação, produção e comercialização


do setor joalheiro em Belém do Pará.
Nesse percurso, uns ficaram outros saíram, outros retornam e outros não.
É nessa dinâmica, que o Programa/Projeto/Polo Joalheiro vai sobrevivendo com
alguns “arranhões”, mas com vitalidade, até agora, de fazer o presente ocorrer
e o devir se tornar possível.
91

2. Mestres Ourives no tempo de lembrar o vivido

Essa lembrança que nos vem às vezes...


folha súbita
que tomba abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida
que nem se possa saber mais de quem!
Mario Quintana

O tempo é um conceito fundamental para a História. É óbvia tal afirmação,


mas como afirmou a escritora Clarice Lispector “O óbvio é a verdade mais difícil
de enxergar”.130 Duarte Júnior131 diz que quando se trata um conceito como
óbvio poucas vezes se considera necessário problematizá-lo. Como ele e
Clarice, considero o óbvio o mais difícil de ser percebido e pensado.

Delgado132 afirma “o tempo é o elemento fundamental ao estudo da


história [... [apesar de aparentemente abstrato, o tempo é uma vivência
concreta e se apresenta como categoria central da dinâmica da História.” A
referida autora define que

O tempo é um movimento de múltiplas faces, características e


ritmos, que inserido à vida humana, implica em durações,
rupturas, convenções, representações coletivas,
simultaneidades, continuidades, descontinuidades e sensações
(a demora, a lentidão a rapidez). É um processo em eterno curso
e em permanente devir. Orienta perspectivas e visões sobre o
passado, avaliações sobre o presente e projeções sobre o
futuro.

130LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres. São Paulo: Nova
Cultura, 2005.
131DUARTE JÚNIOR, João-Francisco. O Que é Realidade. Coleção Primeiros Passos.
Editora Brasiliense. São Paulo, 1994.
132DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral e narrativa: tempo, memórias e
identidades. Revista HISTÓRIA ORAL, 6, 2003, p. 1– 2. VI Encontro Nacional de História Oral
(ABHO) – Conferência de Abertura.
92

Por ser o tempo assim, ainda segundo a mesma autora, são os humanos
que constroem as visões e representações das experiências temporais que
marcaram suas vidas. Portanto, constroem histórias de vida no tempo e por meio
do tempo, ou seja, compõe uma historicidade.
Nesse sentido, ainda segundo Delgado,133

Tempo, memória, espaço e história caminham juntos. Inúmeras


vezes, através de uma relação tensa de busca de apropriação e
reconstrução da memória pela história. A relação tencionada
acontece, por exemplo, quando se recompõem lembranças, ou
se realizam pesquisas sobre guerras, vida cotidiana,
movimentos étnicos, atividades culturais, conflitos ideológicos,
embates políticos, lutas pelo poder. Sem qualquer poder de
alteração do que passou, o tempo, entretanto, atua modificando
ou reafirmando o significado do passado. Sem qualquer
previsibilidade do que virá a ser, o tempo, todavia, projeta
utopias e desenha com as cores do presente, tonalizadas pelas
cores do passado, as possibilidades do futuro almejado.

Desse modo, os sujeitos da pesquisa são considerados sujeitos da


História da joalheria do Pará, da Amazônia, do mundo, e de sua temporalidade,
em que produziram acontecimentos e provocaram mudanças, ou impediram de
concretizarem-nas. Como também construíram referências ou destruíram-nas.
Portanto, nesta parte do trabalho apresento as trajetórias de vida de dois
personagens dessa trilha histórica. Duas pessoas que têm como ofício o fazer
joia e que têm suas vidas entrelaçadas como o Programa Polo Joalheiro do Pará.
Foram escolhidas também por outros motivos, a saber: a participação na criação
e solidificação do Polo, representando a atuação de uma primeira geração de
ourives no referido universo, os mestres ourives João Sales e Paulo Tavares,
mais ainda por pertencerem a uma família extensa de ourives, com trajetórias
bastante diferentes.
A trilha continua com o esmiuçar de suas trajetórias de vida. Mas antes
exponho minhas veredas metodológicas e teóricas para a construção deste
pedaço do trabalho. Início com Costa134 por fazer as perguntas que
acompanham aqueles que optam pelo adentrar na areia movediça do uso da

133Ibidem, p. 2.
134 COSTA, Cléria Botelho da. A escuta do outro: os dilemas da interpretação. In: História
Oral: Ética e história oral. Disponível em: revistahistoriaoral.org.br. História Oral – Órgão oficial
da Associação Brasileira de História Oral, Rio de Janeiro, ABHO, v. 17, n. 2, jul./dez. 2014. O
presente dossiê foi organizado por Méri Frotscher e Lucia Grinberg.
93

fonte oral. [...] “como o pesquisador pode fazer o trabalho interpretativo sem
sufocar a voz do narrador? Como trabalhar a polifonia de vozes – narrador e
pesquisador – na sua interpretação?” Assim, a autora indica frestas para nos
auxiliar a refletir sobre as fontes orais aqui utilizadas, ou seja, as narrativas dos
e das ourives protagonistas do referido trabalho. Uma destas frestas foi destacar
a seguinte percepção resultante de sua pesquisa em história oral.

Durante o processo de análise das narrativas coletadas nesta


pesquisa, pude perceber que, ao adentrar a interpretação, eu
fazia uma viagem dialógica pelo cotidiano do mundo afetivo,
social e cultural do outro – o narrador. A partir dessa observação,
construí o argumento que fundamenta este texto: o de que nessa
viagem dialógica propiciada pela interpretação, a subjetividade
do pesquisador e a do narrador debatem, gerando um conflito
de interpretações. 135

Como enfrentar este desafio? Inspiro-me, como a autora, na “teoria da


narrativa” de Ricoeur, apresentada em sua clássica obra Tempo e Narrativa,
lançada, pela primeira vez, na década de 1980136, onde fez surgir a inquietude
na historiografia até então produzida, por meio da expressão: “toda história é
narrativa”. Inquietude esta posta por Barros137 como um necessário retorno ao
vivido e à valorização da ação humana. Costa138 reafirma esta ideia quando diz:

Na trilha de Paul Ricoeur, [...] narrar é contar o vivido, é colocá-


lo em uma temporalidade e, assim, humanizar o tempo, alinhar
os personagens, tecer uma intriga; é, ai ainda, transgredir o
discurso oficial em busca da criação; é, sobretudo, aliar o tempo
vivido ao tempo ficcionado [...]não deve ser entendido como
mera repetição de outrora, mas também como recriação prenhe
de esperanças em um tempo que por vir.

Por esta trilha, entendo que [...] “A história é objeto de uma construção
cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de

135 Ibidem, p. 48.


136 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo: Papirus, 1994.
137 BARROS, José D’Assunção. Paul Ricoeur e a Narrativa Histórica. In: História, imagem e
narrativas, N. 12, abril/2011 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br. Acesso em
21.03. 2014.
138 COSTA, Cléria Botelho da. A escuta do outro: os dilemas da interpretação. In: História
Oral: Ética e história oral. Disponível em: revistahistoriaoral.org.br. História Oral – Órgão oficial
da Associação Brasileira de História Oral, Rio de Janeiro, ABHO, v. 17, n. 2, jul./dez. 2014. O
presente dossiê foi organizado por Méri Frotscher e Lucia Grinberg, p. 49.
94

‘agoras’”.139 Portanto, por estas vias descampadas que apresento aqui um


percurso histórico das experiências de ourives que estão vinculados até os dias
atuais, 2016, ao Polo Joalheiro, instalado no espaço São José Liberto.

Assim, a experiência dos e das ourives é tratada a partir da definição da


linguagem corrente, que encontrei em Gagnebin,140

[...] enquanto ato ou efeito de experimentar, significa prática de


vida indicando o fato de suportar ou sofrer algo, como quando
se diz que se experimenta uma dor ou uma alegria. Por outro
lado, experiência é um indicador de competência social ou
técnica, no sentido de se possuir habilidade, perícia ou prática,
adquiridas com o exercício constante de uma profissão, de arte
ou de um ofício.

Gagnebin também considera que a problematização do conceito de


experiência acompanha todo o percurso dos escritos de Benjamin. 141, que,
neste sentido, considera que esta deixa “rastros” e “pegadas” capazes de levar
em consideração os sofrimentos acumulados e de dar uma nova face às
esperanças frustradas, ou seja, “de fundar um outro conceito de tempo, ‘tempo
de agora’ (‘Jetztzeit’)” [...], pois afirma que [...] “em lugar de apontar para uma
‘imagem eterna do passado, como o historicismo, ou dentro de uma teoria do
progresso, para a de futuros que cantam, o historiador deve construir uma
‘experiência’ (‘Erfahrung’) com o passado. Isso significa pensar uma experiência
repleta de significados coletivos e tradicionais, que pode passar de geração à
geração, promovendo assim uma valorização do oficio de ourives à geração
futura, contrapondo-se a “Erlebnis”, experiência vivida, característica de um
indivíduo moderno solitário, em que o que é antigo assume o valor de
desqualificado e ultrapassado.
Nos escritos de Thompson142 também encontrei a importância da
experiência como multiplicidade de vivências de trabalhadores, o que denominou

139 MEINERZ, Andréia. Concepção de experiência em Walter Benjamin. Porto Alegre, 2008.
Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em Filosofia, p. 229.
140 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamim ou a história aberta. In: BENJAMIN,
Walter. Obras escolhidas: magia, técnica e política. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 19.
141 Idem.
142 SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. p.39-62.
95

de história “vista de baixo”, em que ele assume a posição teórico– metodológica


de que a história deve ser contada, não somente levando em consideração os
“grandes fatos” da história oficial e seus heróis, como da elite, mas, sobretudo,
pela vivência dos fatos ocorridos com pessoas que fazem parte de segmentos
sociais que geralmente não despertam interesses para tal registro, em nosso
caso, os artesãos. Este fato foi confirmado quanto ao segmento social de
artesãos de joias do lócus da pesquisa, o Polo Joalheiro. Uma das queixas ou
expressões de surpresas que mais ouvi durante as entrevistas foi que seria a
primeira vez que eles estavam sendo requisitados para contar sobre como fazem
joias.
Em 1966, esta nova abordagem da história começou a vir à tona com mais
fervor em decorrência de um artigo publicado por Edward Thompson sobre “The
History from Below”, em The Times Literary Supplement. Este artigo veio a
expandir os estudos da história para aqueles cujas experiências haviam sido até
então negligenciadas pela historiografia tradicional. O movimento da história
vista de baixo também reflete uma nova determinação para considerar mais
seriamente as versões das pessoas comuns sobre seu próprio passado do que
costumavam fazer os historiadores tradicionais. 143
Começo a adentrar nas memórias aqui narradas, fazendo recorte pelo
relacionado com o tempo de infância e o tempo de trabalho, vinculando tais
memórias aos seus cotidianos entrelaçados, configurando um jogo de
temporalidades, inspirada em Le Goff144, quando afirma que os historiadores
não podem fugir da oposição passado/presente, por ser vital para se pensar o
problema da temporalidade histórica. Ele esclarece que a psicologia e a
linguística contribuíram para um novo entendimento da oposição
presente/passado, por considerá-la não como um dado natural, mas como uma
construção, em que é impossível o sujeito estudar o passado desvencilhado do
tempo em que vive. Consequentemente, isso fez com que caísse por terra a
crença de que seria possível estudar o passado sem interferência do presente,
como pensava Michelet (história romântica) e Ranke (história positivista). Neste
sentido, o autor defende que o interesse em investigar o passado está em

143 BURKE, Peter. (Org.). Abertura: A nova história, seu Passado e seu futuro. In:
___________. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. P18.
144LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
96

esclarecer o presente e que somente é possível estudar o passado com base no


presente. Apoio-me nessa sua posição teórico-metodológica para desenvolver o
item do trabalho em destaque.

Especificamente faço uma apropriação do termo “história do tempo


presente”,145 por auxiliar-me aqui a transformar o tempo numa categoria
analítica, matéria prima do fazer história, seja voltada para um passado distante,
seja para um passado mais próximo.
O tempo, segundo Gilson Pôrto Jr,146 é definido, geralmente, por um
lado, como “um período que vai de um acontecimento anterior até um posterior”,
e por outro, como uma “mudança contínua”, transformando o hoje no ontem, o
presente no passado.
Segundo Helena Isabel Muller,147 o pensamento contemporâneo
vinculado à história do tempo presente rompe com a visão defendida por alguns
historiadores de que o passado é objeto de estudo da história e o presente das
ciências sociais. Então, o que delimitaria a fronteira entre essas áreas de
conhecimento? Entendo que as escolhas teóricas e metodológicas, a maneira
como os dados da pesquisa são coletados, tratados e analisados, assim como o
estilo que prevalece no escrever acadêmico, garantem que cada área mantenha
suas particularidades, evitando assim a perda de suas identidades, que, por sua
vez, estão sempre sendo problematizadas e, consequentemente, reconstruídas,
a partir de seus próprios paradoxos.
A autora em destaque apresenta as duas principais tendências da
historiografia que usa e analisa a categoria do tempo presente em suas
produções acadêmicas. A primeira tendência agrega historiadores, em sua
maioria, de origem europeia, que define o século XX, mais especificamente a
Segunda Guerra Mundial, como um marco de distinção temporal entre o passado
e o presente na pesquisa histórica.148 A segunda tendência é composta por

145 MULLER, Helena Isabel. “História do Tempo Presente: Algumas Reflexões”. In: Pôrto Jr,
Gilson (Org.). História do tempo presente. Bauru: Edusc, 2007.
146Pôrto Jr, Gilson (Org.). Prefácio. In: _____________. História do tempo presente. Bauru:
Edusc, 2007.
147MULLER, Helena Isabel. “História do Tempo Presente: Algumas Reflexões”. In: Pôrto Jr,
Gilson (Org.). História do tempo presente. Bauru: Edusc, 2007.
148Duas instituições vêm trabalhando com a noção de história do tempo presente. São elas o
Institut d’Histoire Du Temps Présent (IHTP), criado na França nos anos 70, o qual agrega
historiadores, em sua maioria, dedicados a estudar a história francesa do pós-guerra; o Institute
of Comtemporary British History, vinculado à University of London, que vem organizando
97

historiadores que não elegem, necessariamente, o passado e o presente como


divisória para a escolha de seus objetos de pesquisa, por considerarem que
“essa escolha está informada pelo objeto em si, e a construção de sua
temporalidade será tarefa precípua do historiador”.149
Diante do exposto, como se pode definir, grosso modo, a História do
Tempo Presente? Uma disciplina da história, uma teoria da história e uma prática
historiográfica que se propõe a pensar o tempo presente, em que o historiador é
testemunha viva dos acontecimentos que estuda, ou seja, o historiador é
contemporâneo dos acontecimentos que pesquisa, o período estudado não está
encerrado e este é o elo entre o período descrito e a escrita da história. Segundo
Helena Isabel Muller,150 a história do presente é: “[...] um estudo da história dos
homens e mulheres que se dá em um passado sem fronteiras, construção de um
corpo teórico apreendido por um historiador que é, ele mesmo, uma testemunha
da história da humanidade enquanto presente, passado e futuro”.
Segundo Seligmann-Silva,151 Benjamin foi autor de uma das críticas mais
bem elaboradas ao historicismo, ou seja, ao modo de se pensar e escrever a
história nos moldes do positivismo do século 19. Este modelo de história também
era conservador do ponto de vista político, já que privilegiava os documentos
criados pelo Estado. Ele afirma que Benjamin tanto negava a possibilidade de
uma escrita da história “tal como de fato aconteceu” (o credo positivista), como
também para ele a memória deveria ser revalorizada como meio de nos
relacionarmos com o passado.

Afirma que [..] “O registro da memória é mais aberto, voltado para os


vencidos, aceita os testemunhos e as imagens – e não só a escrita burocrática
– e não se apega a uma pseudo imparcialidade. Benjamin percebeu que não
existe neutralidade no conhecimento, ele sempre é embate de interesses.”152

conferências e seminários sobre a história britânica do século XX, em especial pós Segunda
Guerra Mundial. Idem, p.19.
149 Idem, p.18-19.
150 Idem, p. 24.
151SELIGMANN-SILVA, Márcio.Walter Benjamin: O legado e a ‘cultura da memória’ na
América Latina. Jornal da Unicamp. Campinas, 2 a 8 de agosto de 2010. Disponível em:
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2010/ju469pdf/Pag0607.pdf. Acessado
em agosto de 2014. Entrevista.
152 Idem, p. 7.
98

Sendo assim, ele também afirma: “Articular historicamente o passado não


significa conhecê-lo como ele de fato foi". 153
Contudo, Alves154 argumenta

[...] Mas essa impossibilidade, não nos deve ilibar de uma


postura crítica que evite o seu uso por quem se julga com
legitimidade para usar esse passado. O sentido crítico, deve-nos
permitir uma postura permanente de inconformismo para evitar
que até a esperança do futuro possa ser hipotecada pelo “uso
dos mortos”. ...E este inimigo não tem cessado de vencer, logo
há que ter atenção às suas vitórias e a melhor forma será
aceitarmos o repto da nossa intervenção, ponderadamente
científica, no presente.

Compartilho das orientações dessas abordagens historiográficas, no


sentido de considerar o estudo do passado não como um fim em si mesmo, mas
como um caminho para compreender mais sobre o presente dos e das ourives
do Polo Joalheiro de Belém do Pará, de forma a conduzir as reflexões para que
talvez possam indicar pistas para um reconhecimento da importância que têm
na produção de joias artesanais no Estado do Para, na Amazônia brasileira. E
com isso, quem sabe, sacudi-los para que possam sair de suas “zonas de
conforto” para serem mais ativos na busca de soluções de problemas que
vivenciam no seu dia a dia, pois acredito que saber de si como pessoa interligada
com o social, cultural e econômico pode proporcionar algumas vezes um
revigoramento de querer continuar ser ou ser diferente diante das incertezas e
insatisfações cotidianas. E, com isso, vislumbrarem a exploração de novos
horizontes de satisfação para si, para seu segmento social e para o Polo
Joalheiro no São José Liberto.
Por estas vias, argumento em defesa da particularidade do trabalho
histórico em desenvolvimento, que é tratar a experiência temporal de forma
imbricada entre o passado, presente e futuro do público pesquisado, sendo que
este é composto por homens e mulheres que vivem suas experiências no tempo
presente aqui demarcado. Assim, exponho estas experiências e me arrisco a

153Walter Benjamin - Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre
literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet e Prefácio de Jeanne
Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, Vol. 1, p. 222-232.
154 ALVES, Luís Alberto Marques. O tempo presente na História da Educação. Texto
apresentado no IV Encontro de História da Educação, no Instituto de Educação na Universidade
Lisboa, em 16-17 de julho de 2015, p.13.
99

interpretá-las, de modo a estabelecer uma relação de diálogo entre presente e


passado: “os vivos do presente interpretam e dialogam como os vivos do
passado”.155
O tempo é uma das experiências humanas mais comuns, coercitivas e
universais e, simultaneamente, uma das mais abstratas, simbólicas e subjetivas.
É tanto um fato social, segundo a definição de Durkheim,156 por se impor à
vontade individual e ser um fator regulador, imperativo das relações entre os
indivíduos que compõem uma sociedade, um grupo, impondo regras e
parâmetros para os relacionamentos humanos, como um fenômeno cultural, por
ser parâmetro para o estabelecimento de modos de agir e pensar, os quais
sedimentam costumes e hábitos que servem para identificar um conjunto de
pessoas que compartilham esses modos, assim como agrega significados
sociais e individuais.
Como também é um fato histórico, por ser utilizado como um marco divisor
das experiências humanas entre o que já ocorreu, o que está ocorrendo e o que
ainda vai ocorrer, e como um marco de identificação das permanências e
mudanças que atingem tais experiências.
Segundo Nietzsche,157

Certamente precisamos da história, mas não como o passeante


mimado no jardim do saber, por mais que este olhe certamente
com desprezo para as nossas carências e penúrias rudes e sem
graça. Isto significa: precisamos dela para a vida e para a ação,
não para o abandono confortável da vida ou da ação ou mesmo
para o embelezamento da vida egoísta e da ação covarde e
ruim. Somente na medida em que a história serve à vida
queremos servi-la.

Norbert Elias,158 em seu estudo sobre o que ele denominou de


mecanismos instauradores do processo civilizador, destacou o tempo como um
dos marcadores mais estruturantes de aprendizagem no curso das civilizações,
por gerar inúmeras convenções sociais, difíceis de sofrerem mudança.

155 REIS, Jose Carlos. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 20.
156 DURKHEIM, Émile. Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais, n.1. São Paulo:
Ática, 1988.
157 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Da utilidade e desvantagem da história para a vida.
Tradução de Marco Antônio Casanova: Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2003.
158 ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
100

Por outro lado, Y Fun Tuan,159 em seu estudo sobre como se dá a


construção da percepção do espaço e do tempo, demonstrou que a dimensão
temporal flui como uma potência fundamental para que a experiência do lugar
se revista de afetividade, ao mesmo tempo, que os lugares estão repletos de
significados afetivos conferidos ao tempo e à memória. Isso tudo está presente
nas experiências temporais, que são expressas nas diferenças entre o lugar
social e a vivência; e, por isso, são vinculadas a uma mediação histórica, cultural
e psicológica. Isso significa que tais experiências são frutos de um processo
histórico de construção, nesse sentido adquirem funções específicas e se
modificam nas sociedades, como também se apresentam repletas de
significações subjetivas.
É, portanto, nesse cenário de compreensões que irão ser analisadas as
experiências temporais dos protagonistas da pesquisa. Para tanto, utilizo aqui a
história oral, entendida, segundo Verena Alberti,160 como:

[...] uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes


para o estudo da história contemporânea surgida em meados do
século XX, após a invenção do gravador a fita (em 1948). Ela
consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos
que participaram, ou testemunharam, acontecimentos e
conjunturas do passado e do presente. Tais entrevistas são
produzidas no contexto de projetos de pesquisa, que
determinaram quantas e quais pessoas entrevistar, o que e
como perguntar, bem como que destino será dado ao material
produzido.

As fontes orais são geradas com base na estratégia de ouvir relatos de


pessoas testemunhas de acontecimentos ou conjunturas, a fim da produção de
um registro escrito. Tal procedimento foi utilizado desde a Antiguidade, por
historiadores, os quais escreveram sobre acontecimentos de sua época,
exemplos disso foram: Heródoto, Tucídides e Políbio. 161
Segundo Le Goff,162 a história por meio de relatos, de narração, daqueles
que viram e sentiram um acontecimento. Portanto, [...] “Este aspecto da história-

159TUAN, Y. Fu. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1982.
160ALBERTI, Verena. “Fontes Orais – Histórias dentro da História”. In: PINSKY, Carla
Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2011, p. 155-202.
161 Ibidem, idem.
162LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992, p. 9.
101

relato, da história-testemunho, jamais deixou de estar presente no


desenvolvimento da ciência histórica.” [...]
Todavia, a história oral vem se desenvolvendo, no Brasil e em outros
países, num campo minado de críticas. Há aqueles historiadores que
argumentam sobre a não existência da história oral, considerando somente as
fontes orais, por exemplo, a historiadora Danièle Voldedman, do IHTP,
compartilha dessa opinião.163 Também há aqueles que a criticam por colocar a
explicação no lugar da narração, como mostra Le Goff,164 polêmica essa que
está vinculada ao debate sobre a história ser um conhecimento científico ou
fictício, muito próximo da literatura, que utiliza livremente a imaginação criativa.
Essas críticas se estendem a trabalhos que somente apresentam relatos, em
detrimento de análise histórica.
Mas, apesar desse cenário crítico opositor, a história oral vem, cada vez
mais, se fortalecendo, haja vista a crescente atuação das associações e de
grupos de história oral, criados tanto em território nacional como internacionais,
que promovem frequentes conferências para debater e apresentar trabalhos
nessa linha de pesquisa.
Faço aqui, portanto, eco às considerações que definem a história oral
como uma importante metodologia de pesquisa, capaz de tornar possível o
registro histórico por meio de fontes orais, ampliando, assim, o leque de
possibilidades de pesquisar sobre o que ainda não foi pesquisado e nem
documentado como uma produção pautada na área de conhecimento histórico,
como é o caso das trajetórias dos e das ourives do Polo Joalheiro, sem deixar
de fazer reflexões sobre seus limites e desafios, presentes, de modo particular,
em qualquer caminho metodológico que se faz opção.
Regina Beatriz Guimarães Neto165 tece considerações sobre problemas
metodológicos no âmbito dessa prática de pesquisa, assumindo, assim,
posições de superação. Pontua também as seguintes questões.

163 VOLDEMAN, Danièle (Org.). La Bouche de La Vérité? La recherche historique et les


sources orales. Cahiers de l’IHTP, n.21, p. 8, nov. 1992.
164LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1992.
165 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. “Historiografia, diversidade e história oral:
questões metodológicas”. In: LAVERDI, R. et. al. História, diversidade, desigualdade. Santa
Catarina: UFSC; Recife: UFPE, 2011.
102

Não se deve [...] “contrapor escritura versus oralidade” 166, como se


fossem duas realidades distintas e distantes, porque ambas operam com os
mesmos códigos de referência cultural, devem ser respeitadas em suas
peculiaridades e, por conta dessas particularidades, podem ser usadas de forma
complementar em um determinado trabalho.
As fontes orais e escritas se interpenetram, pois vai haver sempre traços
de oralidade na escrita e vice-versa. As fontes escritas podem servir de base
para a construção de relatos orais, assim como as fontes orais podem ser
fundamentais para a construção de registros escritos, sendo que tanto uma como
a outra podem ser lidas como um texto, onde se inscrevem normas e regras,
como também subjetividades, elementos estes de composição de discursos.
Discurso é entendido aqui, a partir da conceituação de Eni Puccinelli
Orlandi167 e Michel Foucault168, como um conjunto de sentidos articulados e
construídos na interação entre indivíduos, por meio de linguagens verbais e não
verbais, em que o dito ou não dito estão vinculados sempre a um contexto
sociocultural, histórico e demarcados por relações de poder, por essa dada
condição podem ser analisados, sendo essa a base da metodologia da análise
do discurso, que também servirá de instrumento metodológico para analisar os
relatos/discursos expostos nesse item e nos demais itens, da mesma maneira
será feita em relação às outras fontes presentes na tese.
Deve ser superada a noção de que a história oral “ressuscita vozes”, pois
ninguém está autorizado a falar pelo outro ou “salva” (resgata) o tempo passado
em si mesmo, por este ser sempre uma reconstrução com base no tempo
presente. Desse modo, os relatos orais devem ser analisados levando-se em
conta as suas condições de produção, os meios de circulação e apropriações,
mais ainda os interesses envolvidos por parte do entrevistador e do
entrevistado.169
Utilizando-me desses caminhos metodológicos (história oral e análise do
discurso) e levando em conta as citadas reflexões, apresento e analiso as

166 Idem, p. 2.
167 ORLANDI, Eni Puccineli. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso.
Campinas: Pontes, 1996.
168 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Cia da Letras, 2007.
169 GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. “Historiografia, diversidade e história oral:
questões metodológicas”. In: LAVERDI, R. et. al. História, diversidade, desigualdade. Santa
Catarina: UFSC; Recife: UFPE, 2011.
103

entrevistas gravadas com os/as ourives, dando ênfase ao tempo da infância e


ao processo do se tornar ourives, de modo a compor suas trajetórias de vida e
verificar a influência desses aspectos na esfera de seus cotidianos.
O cotidiano de ourives é pensado aqui segundo Paul Leuilliot (apud Michel
de Certeau):170

[...] O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos
cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois
existe uma opressão do presente. Todo dia pela manhã, aquilo
que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de
viver, ou de viver nesta outra condição, com esta fadiga, com
este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a
partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos,
quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este
“mundo memória”, segundo a expressão de Péguy. É um mundo
que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos
lugares de infância, memórias do corpo, dos gestos da infância,
dos prazeres.

As memórias de ourives aqui mostradas são situadas no entrecruzar dos


modos de ser do indivíduo e da sua realidade sociocultural e histórica. Ou seja,
tento mostrar uma memória pessoal, que é, ao mesmo tempo, social, familiar e
grupal e que está vinculada a experiências temporais, que se entrelaçam na
construção de um passado, presente e futuro. Dessa maneira, foi dada ênfase
no que foi lembrado e selecionado para contar e registrar suas trajetórias de vida,
no contexto do saber fazer joia.171 Essa forma de proceder tem como pano de
fundo a intenção de se desviar de um dilema paralisante, concordando com a
advertência feita por Paul Ricoeur172, expressa por meio da seguinte pergunta:
a memória é primordialmente pessoal ou coletiva?
Para fazer a abordagem dos interlocutores e das interlocutoras durante
as entrevistas, inspirei-me, mais uma vez, em Ecléa Bosi173. Tentei criar um
clima de confiança durante as sessões, expondo de forma muito sincera os
objetivos do trabalho e do que se tratava. Felizmente, não encontrei barreiras

170 CERTEAU, Michel de et.al. “O Bairro”. In: ____________. A Invenção do Cotidiano 2:


morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 31.
171 Procedimento metodológico inspirado em: BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade:
lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz; Editora da Universidade de São Paulo,
1987.
172 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas. Editora da
UNICAMP, 2007.
173 BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz;
Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
104

intransponíveis para realização das entrevistas, por parte deles e delas. Fui
recebida sempre com muito carinho, atenção e disposição para conceder as
entrevistas. Avalio que o fato de eu já ser uma pessoa conhecida no universo
pesquisado174facilitou o trabalho de campo.
Prossigo nessa aventura do escrever história, contando e expondo relatos
de preciosas histórias de vida que colhi, apoiando-me nas veredas teórico-
metodológicas expostas até aqui.

2.1. JOÃO SALES, O MESTRE OURIVES NARRADOR

Guimarães Rosa compartilha com seus leitores que: “Contar é muito


difícil! Não pelos anos que se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas
passadas – de fazerem balancê, de se remexerem dos lugares. O que falei foi
exato? Foi. Mas terá sido? Acho que não. São tantas horas de pessoas, tantas
coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado”.175 É com essa inspiração que
vou apresentar aqui a trajetória de vida do mestre ourives João Sales.

João Sales é um narrador, que conseguiu com maestria intercambiar


suas experiências comigo, no momento da entrevista, nos moldes que se
aproxima da figura do narrador problematizado por Walter Benjamin176, o qual
tece sobre a arte de narrar a seguinte consideração:

[...] Uma experiência quase cotidiana nos impõe a exigência


dessa distância e desse ângulo de observação. É a experiência
de que a arte de narrar está em via de extinção. São cada vez
mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando
se pede a grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se
generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade
que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de
intercambiar experiências.

174 Lembro que fui coordenadora do São Jose Liberto e consultora durante o período de 2008
até 2010.
175 ROSA, Guimarães. Grande sertão: Veredas. Disponível em: www.blam.com.br. Acessado
em: 03.09.2013.
176 BENJAMIN, Walter. “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.” In:
_____. Obras Escolhidas - magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986,
p. 197-198.
105

João Sales sabe narrar sobre sua vida, ou seja, intercambiar suas
experiências como o mestre que ora é viajante e ora aprendiz sedentário,
segundo ainda Benjamim:177

O mestre sedentário e os aprendizes migrantes trabalhavam


juntos na oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante
antes de fixar em sua pátria ou no estrangeiro. Se os
camponeses e marujos foram os primeiros mestres da arte de
narrar, foram os artífices que a aperfeiçoaram. No sistema
corporativo associava-se o saber das terras distantes, trazidos
para casa pelos migrantes, com o saber do passado, recolhido
pelo trabalhador sedentário. Hobsbawm178 em “Sapateiros
Politizados”

Assim ele contou sua trajetória de vida, por meio de entrevista, realizada
dia 20 de dezembro de 2012, em sua oficina/casa/loja, oscilando entre ser
migrante e ser um trabalhador sedentário em sua oficina, como também foi
aprendiz de seu pai e depois se tornou mestre na arte de fazer joia.

“Eu sou João Sales, 55 anos, casado, nasci no Estado do Ceará,


vim com dois anos para Capanema com meu pai.” [...]a gente
não veio sendo ourives do Ceará, muita gente pensa quando vê
um ourives cearense, logo pensa que veio do Ceará trabalhar
com joias, por que tem o pessoal lá, de Juazeiro do Norte que
tinha muito ourives, sempre foi assim naquela região então
quando a pessoa disse que era Cearense e é ourives, já veio de
lá daquele grupo de ourives de Juazeiro, só que não é nossa
história, nossa história é um pouco diferente.

De fato, existe esta tradição em Juazeiro do Norte. Segundo Melo, 179

Artífices do ouro foram atraídos para Juazeiro ao final do século


XIX. Surgiram as primeiras ourivesarias dedicadas à confecção
de medalhas para rituais de devoção, além de correntes, brincos
e anéis. No século XX esta atividade se difundiu e dezenas de
pequenas ourivesarias foram criadas nos quintais das
residências, quando se desenvolveu uma atividade que ficou
conhecida como a “arte do ouro de Juazeiro”.

177 Ibidem, p. 199.


178HOBSBAWM, Eric J. Sapateiros Politizados. In: __________. Mundos do Trabalho. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
179 MELO, Rosilene Alves de. Artes de Juazeiro: imagens e criação no centro de cultura
popular mestre Noza. Revista do X Encontro Nacional de História Oral – Testemunhos: História
e Política. Recife. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, 26 a 30 de abril de 2010. Também verificar em RIBEIRO, Berta G. et al. 1983. O
artesão tradicional e seu papel na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: FUNARTE.
106

Quando me permitiu uma pausa na sua contagem, perguntei: por que


vieram para Capanema? João Sales respondeu: [...] “ele veio pra ser agricultor,
isso em Capanema, vendeu a casa que tinha lá, e veio comprar um terreno aqui
no Pará. Trabalhar na agricultura. [...] Chegamos em 65...”. Contudo, pela idade
que diz ter, 55 anos, foi em 1959. Neste sentido seu contar pode ser
contextualizado de duas formas. A primeira seria uma reflexão sobre a memória
relacionada com a lembrança e o esquecimento. E a segunda sobre o fluxo
migratório para a Amazônia no final da década de 1950 e início de1960.
Carvalho, em sua tese de mestrado,180 faz uma reflexão sobre o que ele
denomina de “o constante jogo de forças que habitam a memória, a saber: a
‘lembrança’ e o ‘esquecimento’”, com base no pensamento de Nietzsche. Para
Carvalho, a memória é uma faculdade seletiva e, portanto, redutora da realidade,
donde se conclui que o trabalho dela é lembrança, mas, ao mesmo tempo,
esquecimento. Chega a esta conclusão pela incapacidade do ser humano
recuperar a totalidade dos fatos históricos, por isso, afirma que “o olhar
retrospectivo não pode olhar sem esquecer.” Neste sentido, dar ênfase num
“jogo de memória”, entre lembrar e esquecer. Este jogo pode ser observado na
narrativa de João Sales quanto às datas mencionadas.
Também Reis181 demonstra em sua obra aqui referida que Paul
Ricoeur182 teoriza sobre a “dialética do reconhecimento”, com base no método
fenomenológico de Husserl,183 postulando que “o fenômeno é o que parece e
não se mostra (fenomenológico) e exige interpretação (hermenêutica)”.184 Com
base neste percurso lógico, Reis afirma que para o ser historiador o que
interessa é uma memória singular, que constitui a trajetória de uma identidade
pessoal ou de um grupo: “a minha/nossa memória, as minhas/nossas

180 CARVALHO, Manoel Jarbas Vasconcelos. O Agôn das Forças: Lembrança e


Esquecimento no Primeiro Nietzsche. Dissertação apresentada ao curso de mestrado
acadêmico em Filosofia do Centro de Humanidades, da Universidade Estadual do Ceará. Defesa
em: 30 / 03 / 2009.
181 REIS, José Carlos. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
182 RICOEUR, Paul. Percurso do Reconhecimento. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
GUBERT, Paulo Gilberto. Paul Ricoeur e o Problema do Reconhecimento. Revista Sapere
Aude – Belo Horizonte, v.4 - n.8, p.266-283 – 2º sem. 2013. 266.
183HUSSERL, Edmund. A Ideia da Fenomenologia. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições
70, 1990. GALEFFI, Dante Augusto. O Que é Isto — A Fenomenologia de Husserl? Revista
Ideação Feira de Santana, n.5, p.13-36, jan./jun. 2000.
184 REIS, José Carlos. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p.31.
107

lembranças, as minhas/nossas experiências vividas” 185, porque, segundo este


mesmo autor: [...] O problema da história aparece para a consciência quando ela
se depara com outra consciência, o outro. A intencionalidade da consciência em
direção à história toma como objeto de interpretação a experiência vivida
intersubjetiva e compartilhada. A compreensão de si torna-se uma compreensão
histórica de si.186
Com relação à segunda perspectiva de contextualização posta
anteriormente, pode ser referida ao fluxo migratório para o Pará, para a
Amazônia, no período que ele diz vir com o pai do Estado do Ceará. Ao chegar
no Pará deslocou-se para o município de Capanema, localizado a 160 km de
Belém, pela Br. 316, em direção a São Luís, a Nordeste do Pará. Capanema já
era um munícipio à época visto que teve existência jurídica desde 05 de
novembro de 1910, por meio da Lei nº1164. 187 Segundo Sousa: 188

As décadas de 40, 60,80, do Século XX foram um período de


riqueza para o Município de Capanema, foram uma espécie de
Ciclo Têxtil, nosso ciclo de ouro trazido com o cultivo da malva e
da juta, a malva trouxe tanto que se dizia ‘banhar o cavalo de
cerveja’”. O Cultivo da Malva era o ”ouro” dos agricultores porque
tinha mercado certo e eles podiam plantar junto com feijão no
mesmo roçado, pois a terra fica adubada com as folhas
apodrecidas da malva [...]

Como João Sales disse: [...] (seu pai) “chegou no Pará. Ele veio pra ser
agricultor, isso em Capanema, vendeu a casa que tinha lá no Ceará, e veio
comprar um terreno aqui no Pará e trabalhar na agricultura”. Como tantos, seu
pai veio com a família, fugindo da conhecida seca que assola alguns lugares da
região Nordeste, em busca de uma vida melhor. Isso é recorrente no Estado do
Pará, desde o período denominado pelos historiadores que estudam a Amazônia
de período “da economia da Borracha”. Segundo Cancela, “Os períodos de
estiagem nos estados do Nordeste tornaram-se marcadores de fluxo de

185 Ibidem, p. 32.


186 Idem, p. 30.
187 Sousa, Terezinha de Jesus. Capanema: minha terra, nossa gente e sua história.
Capanema: Gráfica Vale, 2010.
188 Ibidem, p. 62.
108

população para a Amazônia. A expectativa de oportunidade de trabalho e


enriquecimento era alimentada pela expansão gomífera.”189
Na tese de Lacerda,190 este tema é detalhadamente desenvolvido, onde
ela afirma que se trata de uma temática ampla e sempre presente na
historiografia, por conta da constante vinda de migrantes de diversos lugares da
Região Nordeste para a Região Norte.
Neste contexto, a família de João Sales, entre tantas, é protagonista do
fluxo migratório que ocorreu na Região Amazônica no período final da década
de 1950 e inicial da década de 1960. Contudo, Capanema foi apenas um dos
locais de morada, pois com seu pai, morou em vários lugares do Pará.

[...] fomos pra Itaituba. [...]saímos da região de Belém, e fomos


pra Itaituba em 79... Viemos pra Belém... A gente ficou em
Capanema até o final de...não sei bem. Chegamos em 65 e em
68 fomos para Belém, quando foi em 69, 70 foi pra Vigia e voltou
pra Belém de novo, entendeu? Depois que ele passou mais
tempo na Vigia.191

No decorrer desta entrevista, pergunto a João Sales: seu pai foi ourives?
Ele respondeu enfaticamente: “sim! foi ourives!” Pergunto mais uma vez: e seu
avô? Ele respondeu: foi ferreiro! [...] “papai era ferreiro, aprendeu com o meu
avô”. Não precisou interromper a entrevista para indagá-lo mais. Por iniciativa
própria começou a rememorar e, ao mesmo tempo, relatar como a família Sales
entrou na ourivesaria/joalheria na nova vida em Capanema.

–[...] quando ele chegou em Capanema tinha um tio que vendia


joias, e esse tio tinha uma oficina com alguns ourives
trabalhando com eles, como teve um problema lá com os ourives
ele fechou, então tinha ferramentas lá enferrujadas, então ele
convidou o papai pra ir num domingo lá pra juntar as peças,
passar óleo nas coisa e tal, aí o papai gostou das ferramentas e
perguntou como que trabalhava com aquele negócio, o que
aquele equipamento fazia, essas coisas, o que o laminador fazia,

189 CANCELA, Cristina Donza. Casamento e Família em uma Capital Amazônica (Belém
1870–1920). Belém: Editora Açaí, 2011, p.72.
190 LACERDA, Franciane Gama. Migrantes Cearenses no Pará: faces da sobrevivência
(1889–1916). Tese de Doutorado do Programa de Pós-graduação de História Social da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2006.
Consultei também seu texto: Entre o sertão e a floresta: natureza, cultura e experiências
sociais de migrantes cearenses na Amazônia (1889-1916). Revista Brasileira de História. São
Paulo, v.26, nº 51, p. 197–225, 2006.
191 Segunda entrevista concedida para a pesquisa em sua casa/oficina/loja, em 2012.
109

e ele foi dizendo isso aqui é pra puxar o ouro, isso aqui é chapa
e tal, e como o papai era ferreiro, ele já tinha uma noção de
formar, de vê a matéria e formar alguma coisa.
– Segunda feira ele pediu 20 gramas de ouro para o meu tio. –
Mas Pedro tu vai jogar isso fora! – Vou não! Pode deixar que eu
vou fazer uma peça! Ele passou todo dia lá, derretendo,
laminando, errando e voltando, fazendo. Quando foi de tarde, ele
tinha quase uma aliança feita. No outro dia, olha eu quero fazer
uma outra aliança! Aí ele foi fazendo de novo. Só que cada dia
que ele ia fazendo ficava mais rápido do que o dia anterior.
Quando foi lá pra quarta feira, – olha eu quero ficar na oficina!
Vou trabalhar com joias! O irmão dele: – tu é doido! –Não! Pode
deixar que eu vou fazer!
– Primeiro trabalho que ele pegou de um cliente que foi na oficina
dele, foi uma medalhinha, daquelas que tem ouro envolta dela,
bem fininha, de santinha. Tinha quebrado assim na lateral, e
aquilo é muito complicado pra soldar. Aí a pessoa chegou e
perguntou se consertava. – conserto! Ele não ia pegar e mandar
a pessoa esperar pra ele fazer, ele disse olha pegue só amanhã
à tarde. Quando a pessoa saiu, ele fechou a oficina, olhou para
peça e ia ver como era que consertava aquilo sem quebrar a
louça, por que era de louça e ia quebrar. Ele molhou um pano,
segurou a peça com o pano molhado. Naquela época o maçarico
era assoprando na boca, tinha que ter um caninho, que levava o
ar até o fogo de álcool pra depois usar na peça. Soldou a peça
e deu acabamento. Ele era muito bom de limar, por conta do
trabalho de ferreiro. Essa parte de limar e formar uma peça ele
era craque. Ele deu acabamento, abriu a oficina de novo.
Quando a pessoa chegou, disse: –olha eu fui em todas as
oficinas de Capanema. (E na época tinha muito ourives lá,
porque era a saída dos garimpeiros. Tudo passava por
Capanema pra ir pro Nordeste e tal. Já tinha a corrida do ouro
no Pará) e ninguém fez, agora eu sei que tem ouvires aqui em
Capanema! Foi o primeiro trabalho que o papai fez de joias. Ele
segurou a medalha com o pano molhado pra não quebrar a louça
e soldou a peça.
– Foi isso que ajudou muito ele, essa formação de ferreiro, papai
dizia que o ferreiro era mãe das profissões, quem aprende
trabalhar como ferreiro, ele pode ser qualquer coisa, eu acho que
todas as profissões que você a aprende tem a noção das outras,
você não sabe, mas você tem noção, isso facilita qualquer tipo
de trabalho que você irá fazer, tanto faz ser ferreiro, carpinteiro.
Por exemplo, nós ourives temos que ter uma noção muito grande
de formar uma peça, isso lhe dá outras ideias que geralmente
funcionam.

Numa parada para ele tomar um fôlego, pergunto: – e quando foi que ele
fez a primeira peça? Você sabe? Ele respondeu: – “Eu não sei lhe informar. Eu
só sei dizer que o papai dizia assim:– se você trouxer pra mim fazer, se eu vê
110

uma peça igual, eu faço outra. Ele sempre dizia, qualquer peça faço! Fora o
desafio que ele tinha de como fazer, ele também fazia a ferramenta dele.

Sem dúvida, a proximidade e convivência com o pai fez com que ele se
tornasse um mestre ourives, aquele que ensina outros a fazer joias. Mas ele,
antes de tudo, se tornou também um mestre na arte de narrar sua trajetória como
ourives, pois conduziu seu relato como uma linearidade coerente de uma trama
épica, em que o ontem, agora e o depois se entrelaçaram, conquistando respeito
e atenção de quem o escuta, como se já tivesse um roteiro prontinho para contar
e rememorar sua trajetória de vida. Segundo João Sales, aprendeu contar tudo
isso com seu pai, que ficava na oficina contando para ele e seus irmãos como
foi sua vida. Neste sentido, consigo identificar uma aproximação com o que foi
explicitado por Walter Benjamim sobre o “contador de histórias” (Erzähler).
Ele distingue o narrador sedentário, que é fixado a um lugar e conhece
todas as tradições, do narrador estrangeiro, aquele que traz, de longínquos
lugares, as histórias insólitas. Para ele, estes dois tipos de narradores se
entrecruzaram na Idade Média, em função do próprio modo de circulação de
pessoas nas cidades medievais. O saber das longínquas terras – recolhido pelo
viajante ou marujo – fundia-se com o saber tradicional do homem sedentário no
âmbito do trabalho corporativo medieval, dando origem ao que Benjamin chama
de “extensão real do reino narrativo” 192
Deste modo, o narrador tradicional – em toda a sua heterogeneidade
constitutiva – não é mais que as combinações resultantes da fusão ocorrida entre
o saber do homem sedentário e o do homem estrangeiro, diferentes em tudo
exceto na capacidade de transmitir a experiência. Segundo Benjamin, um
narrador, um contador de histórias, frequentemente insere em seus contos – sem
consciência de que o faz – um conhecimento que pode ser útil ao ouvinte no
futuro. Às vezes sob a forma de um ensinamento moral, às vezes como uma
sugestão prática ou um conselho, a narração não se furta a transmitir um valor
de orgulho no que faz, a fim de convencer a continuação de um ofício entre
gerações. 193

192 BENJAMIN, Walter. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:
____________. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1986.
193 Ibidem.
111

Por conhecer o ambiente de algumas oficinas dos ourives, onde se dá a


relação entre mestres e aprendizes, foi possível visualizar o que foi explicitado
por este autor. A oficina dos ourives é um lugar de troca, de compartilhar saberes
do fazer joias, como também de circulação de informações em geral, incluindo a
narração de acontecimentos cotidianos. É um lugar, portanto, em que as
experiências são intercambiadas, de diversos modos, pelos quais,
consequentemente, podem gerar situações, por um lado, favoráveis para
fortalecer laços familiares, de amizade e profissionais; por outro lado, é lugar de
acirrados conflitos que podem levar a desagregação entre os que convivem na
oficina, que, geralmente, localiza-se no mesmo espaço de moradia, configurando
assim uma oficina/casa. Este intercambiar, essa realidade vivenciada, no caso
de João Sales, foi muito bem narrada em nossos três encontros, realizados em
sua oficina/casa/loja, durante 2012, em que sempre estava bem disposto a
continuar a narrar sua trajetória de vida como ourives.
Ao narrar como começou na ourivesaria como aprendiz de seu pai, que
lhe ensinou a arte de fazer com as mãos, João Sales produziu entrelaçamentos
com a memória afetiva de sua infância, de seu crescer como adulto, no sentido
de fazer brotar um valor essencial que seu pai tem em sua vida, a admiração
pelo que ele foi e lhe ensinou na vida. Em todo momento em seu contar como
aprendeu ser ourives com o seu pai, este valor fica cada vez mais latente. Neste
sentido, volto a Benjamim para entender que [...] “A experiência que passa de
pessoa a pessoa é a fonte que recorreram todos os narradores”194
Apresento João Sales, em sua bancada de fazer joia, na foto a seguir,
tirada por mim, no nosso primeiro encontro para a entrevista, em 20 de dezembro
de 2012. Nesse momento, passei o dia todo com ele e sua família - esposa, três
filhas, um netinho e uma netinha. Sua família de agora.

194 Ibidem, p. 199.


112

Figura 24: João Sales em sua bancada, na sua oficina/casa/loja.


Fonte: Arquivo do trabalho de campo /2012.

Por que apresentei João Sales nesta foto anterior? Com a


intencionalidade de ampliar referências daqueles que muitas vezes passam
despercebidos em relação ao que fazem em forma de ofício. Aqui a referência
social é o que é um ourives? O que fazem? Como vivem? Como aprenderam a
fazer o que fazem? Uma simples imagem pode suscitar muitas perguntas e
quebrar estereótipos. Assim, ao mesmo tempo, pode auxiliar o texto escrito a
ampliar um leque de informações sobre o assunto tratado ou pode gerar
independente do texto escrito, sua própria gama de sentidos.
Depende de quem olha ou para que finalidade olhe. No meu olhar, na
minha percepção, sua postura sentada em sua mesa traduz seu orgulho em
posar para mim enquanto aquele que conseguiu sair de uma condição
econômica de pobreza que o acompanhou em sua trajetória de migrante, para
uma situação de mestre ourives e micro empresário, ao conseguir montar sua
loja que vende as joias produzidas em sua oficina, na qual emprega outros
ourives. Pois fez questão da foto ser tirada em sua loja e não em qualquer outro
lugar da casa/oficina/loja. Mas, ao mesmo tempo, faz questão de manter sua
bancada de ourives, indicando que ainda tenta, apesar do pouco tempo que tem
atualmente para isso, sentar para fazer uma joia ou mesmo consertar, segundo
ele, com a mesma habilidade que seu pai tinha e assim continuar fazendo joia,
apesar de sua ascensão econômica. Isso significa para ele continuar a ser o
artífice que o une a seu mestre ourives pai, que segundo ele, lhe ensinou a
113

“nunca deixar de ser o que é”, mesmo galgando degraus econômicos diferentes
de seu pai.
Segundo Lima e Carvalho:195
A abordagem semiológica coloca em outros termos aquilo que a
própria sociedade identifica como prova, verdade, testemunho.
A fotografia passa a ser compreendida não como verdade, mas
como marca, isto é, índice. O índice é um tipo de signo que se
define como vestígio do objeto que lá esteve – o referente. A
preocupação com a construção de sentidos, ou, nos termos de
John Tagg, de práticas de significações, colocou a fotografia em
um novo patamar documental, reconhecendo nela uma
capacidade constitutiva das categorias, estruturas e práticas
sociais.

Falar de seu pai fez João Sales lembrar que tem uma fotografia bem
antiga. Ele criança na oficina com o pai e um dos seus irmãos, aprendendo a
fazer joia. Foi buscar a foto para eu vê-la. Esse olhar a foto juntos é um momento
de emoção, de olhos mareados, provocado por suas recordações, as quais o
fazem transbordar de orgulho e afeto por alguém muito importante em sua vida,
mas que me informa que não está mais entre nós materialmente. Seu pai faleceu
em 2007, em Belém. O pai morava com ele até o ocorrido.
Eis a estimada foto vestígio, que traz em si mesma a potencialidade que
o lança imediatamente a redemoinho de emoções via uma memória afetiva: Ela
pode ser considerada um fragmento do passado, um rastro, um vestígio de
lembrança e uma rememoração.

195 LIMA, Solange Ferraz e CARVALHO, Vânia Carneiro de. Usos sociais e historiográficos.
In: PINSKY, Carla Bassanezi (et.al.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2012.
114

Figura 25: João Sales na oficina do Pai dele, em Belém, no ano de 1973.
Fonte: Arquivo Pessoal de João Sales.

João Sales demonstra estar muito feliz em contar sua história de vida, por
meio das aventuras migratórias do pai. Não esconde seu orgulho pela figura
paterna. Está recordando, escavando seu passado, ao mesmo tempo, que está
recontando o que seu pai lhe contou, muitas vezes, quando aprendia com ele a
fazer joia.
Walter Benjamim,196 fala da memória como um meio para escavar e
recordar o passado, pois:

[...] É um meio onde se deu a vivência, assim como o solo é o


meio no qual as antigas cidades estão soterradas. Quem
pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir
como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer
voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a
terra, revolvê-lo como se revolve o solo. Pois os “fatos” nada são
além de camadas que apenas à exploração mais cuidadosa
entregam aquilo que recompensa a escavação. [...] uma
verdadeira lembrança deve, portanto, ao mesmo tempo,
fornecer a imagem daquele que se lembra, assim como um bom
relatório arqueológico deve não apenas indicar as camadas das
quais se originam seus achados, mas também, antes tudo,
aquelas outras que foram atravessadas anteriormente.

196 BENJAMIM, Walter. “Escavando e Recordando”. In: ____________. Obras Escolhidas II:
rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 239-240.
115

João Sales, quando relembra sua infância, parece, sem saber, que segue
os caminhos propostos por Walter Benjamim na citação anterior, quando me
permitiu conhecer sua trajetória entrelaçada com a de seu pai no mundo da
ourivesaria, mais especificamente no mundo do fazer joias artesanais.
Conta a sua trajetória, a de seu pai e irmãos, em tom épico, em que seu
pai é configurado como um herói, destemido, que enfrenta as adversidades da
vida sem medo. É, segundo João Sales, a lição de vida que ele deixou para ele
e seus irmãos. Ao mesmo tempo, o desafio de se tornar ourives quando narra:
“Quando a pessoa (cliente) chegou, disse: – olha eu fui em todas as oficinas de
Capanema[...]e ninguém fez, agora eu sei que tem ouvires aqui em Capanema!”
Portugal197 afirma que para Benjamin a memória interessa na medida

[...] em que pode dizer algo da escritura do mundo, do mundo


das coisas, através de seu rastro. No ensaio “O narrador” ele
distingue, não muito claramente, memória (Gedächtnis),
lembranças (Erinnerung) e rememoração (Eingedenken). [...] A
memória, musa da narrativa, tida como sedimentação e
conservação do curso das coisas, permite a poesia épica, por
um lado, a apropriação e transmissão de experiências e, por
outro, resignar-se com o desaparecimento das coisas, com o
poder da morte. É breve e se consagra a muitos fatos difusos,
fundada na lembrança (Erinnerung) enquanto cadeia da
tradição, que passa de geração em geração. [...]Eingedenken –
a rememoração – é uma forma de relacionar o passado com o
presente. [...] É o presente ressignificando o passado.

Entendo que Benjamim, no texto “O narrador”, valoriza a memória capaz


de transmitir um conhecimento adquirido por meio da experiência que se
acumula no fazer algo e é compartilhado e transmitido, fazendo com que os
indivíduos se integrem a uma comunidade, a um segmento social, valorizado por
Benjamim pelo seu caráter coletivo, por ser capaz de produzir a sedimentação
de um saber e fazer na sociedade, contrapondo-se assim a vivência do indivíduo
isolado, automatizado que tem que assimilar uma função às pressas, produzindo
efeitos imediatos, descartáveis e esquecidos a qualquer momento.

197 PORTUGAL, Ana Maria. O Tesouro das Lembranças, Vestígios. In: SEDLMAYER,
Sabrina e GINZBURG, Jaime (Org.). Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2012, p. 195-196.
116

No percurso reflexivo de Chaves198 descobri que Benjamin trata de um


tema tão antigo que é a importância da narração para a constituição do sujeito
de modo singular. Segundo este autor, com base na leitura e reflexão do livro
História e narração em Walter Benjamin, de Jeanne-Marie Gagnebin199,
Benjamin mostra que o movimento da narração é interpelado, arrastado,
interrompido pelo “refluxo do esquecimento”, em que o esquecimento não deve
ser visto apenas como “falha” de memória, mas também “como atividade que
apaga, renuncia, recorta, opõe ao infinito da memória a finitude necessária da
morte e a inscreve no âmago da narração.”
Faço um paralelo deste modo de pensar com a forma de João Sales narrar
sua trajetória de vida com um explicito sentimento de orgulho pelo pai, assim sua
narrativa o constrói como sujeito que superou a extrema pobreza, marca social
das famílias migrantes do Ceará que vieram para o Pará fugindo da seca que
assola comumente muitas regiões deste primeiro citado Estado. O “refluxo do
esquecimento” fez João Sales transformar sua condição indigna socialmente em
uma história de dignidade que perpassa pelo trabalho de ourives cujo início é
contado como orgulho: “Aí ele foi fazendo de novo. Só que cada dia que ele ia
fazendo ficava mais rápido do que o dia anterior. Quando foi lá pra quarta feira,
– olha eu quero ficar na oficina! Vou trabalhar com joias!” uma história de
dignidade e desafio que recebeu de seu pai e o faz querer repassar por este viés
mais adiante.
Nestes termos, as duas fotografias, tiradas em períodos e
intencionalidades bastante diferentes, podem servir aqui para um mesmo fim,
intensificar de modo comparativo a ressignificação de sua vida, no sentido de
demonstrar com orgulho a superação de sua desprivilegiada situação
socioeconômica na infância com o que conseguiu conquistar atualmente como
adulto. Significado que pode ser mais uma vez provocado a seguir, mas não
aprisionado.

198 CHAVES, Ernani. No Limiar do Moderno. Estudo sobre Friedrich Nietzsche e Walter
Benjamin. Belém: Paka-Tatu, 2003.
199 GAGNEBIN, Jeanne-Marie. História e narração em Walter Benjamin. São
Paulo/Campinas: Perspectiva/Ed. Da Unicamp/FAPESP, 1994, p. 209 -211.
117

Figura 26: João Sales na oficina de Pai e na sua hoje.


Fonte: Arquivo Pessoal de João Sales.

Com o sentimento de orgulho pelo seu pai e por si mesmo, sentado em


sua bancada, continuou a narrar suas lembranças do tempo de infância
entrelaçadas com o fazer joia. Entre muitas pontas, um fio lógico puxa outro,
lembrou que

[...] quando era meio criança, eu ficava olhando para aquela


câmera200, que parecia que ia afundar, tinha uns oito anos de
idade na época, ficava olhando, torcendo para a câmera chegar
até o mercado, para deixar o peixe, só que a maresia era
grande...aí quando comecei com desenho de joia...um dia eu me
lembrei daquela imagem...aí só aparece a vela...olha!

Ele faz uma pausa em sua fala nesse momento para me mostrar a joia
que fez inspirada na recordação da imagem da canoa com vela, que fazia parte
da paisagem do lugar que morava quando era criança. Eis a joia vela, que,
segundo o mesmo, também é uma santa. Faz ela em prata ou em ouro, usa
técnicas simples ou mais sofisticadas, mistura metal com material natural, como,
por exemplo, os “coquinhos” da pupunha.

200 Barco com vela.


118

Figura 27: Pingente vela/santa em prata


Fonte: Arquivo da pesquisa de campo/2012

Figura 28: Pingente vela/santa em ouro


Fonte: Catálogo de Joias de Nazaré: A Fé no Tempo do Polo
Joalheiro/IGAMA/São Jose Liberto

A sua narração continua ao responder à questão que lhe faço: - faz tempo
que o senhor faz esse pingente? Ele respondeu: - Faz tempo...desde 2003. [...]
e continuou a narrar sobre a sua vinda para o Pará, sua trajetória de migrante,
do pai ferreiro que se tornou ourives/joalheiro.

Como ourives, no Pará, ele nunca trabalhou com outra coisa,


depois que ele chegou aqui e viu a oficina de joias ele não fez
outra coisa, só foi trabalhar com as joias.
[...] o papai dizia assim: - se você trouxer pra mim fazer, se eu
vê uma peça igual eu faço outra. Ele sempre dizia, qualquer
peça, fora o desafio que ele tinha de como fazer, de fazer a
ferramenta dele, até 80, 79 quando nós fomos pata Itaituba.
119

Mas antes de ir para Itaituba, João foi para Belém, com seu pai, sua mãe
e seu irmão mais velho, Bartolomeu, pois seu pai estava muito doente e
precisava fazer um tratamento médico urgente. 201

[..] primeiro tem umas coisas que é interessante colocar, aqui em


70... Quando a gente morava em frente do mercado Brilhante, o
papai foi desenganado de medico, os médicos disseram pra ele
que se ele durasse dois anos era muito, isso em 73, por conta
do problema que ele tinha, era problema dos rins...

Segundo o depoimento de João Sales, seu pai já veio de Fortaleza com


um sério problema de saúde, por causa de um acidente de trabalho que sofreu
lá.

[...] era cobrador de ônibus em Fortaleza, na empresa Muribeca,


papai não era uma pessoa que fazia só uma função, ele nunca
foi de prezar e fazer só uma coisa... Então num Domingo lá, o
Caetano precisou da ajuda de alguém pra desmontar uma parte
do carro, pra tirar o freio de mola, do ônibus que ele trabalhava
pra poder funcionar, e ele tava lá. Aí o pessoal da gerência pediu
pra ele ir lá. Ele foi, ele sempre foi assim, precisou, ele tava lá
ajudando. Nessas ajudas, quando ele tirou o freio de mola e o
ônibus caiu em cima dele. Ele tava acocado e o ônibus apertou,
aquela coisa né. Aquela coisa de ônibus, bem embaixo do motor.
O macaco arriou e achatou ele. Desse problema ele ficou com
um caroço entre o rim e essa parte do corpo dele. Só que no dia
que ele foi no médico. Ele disse: não! não tou sentindo nada não!
Ele achou que tava tudo certo, só escureceu a vista dele. Não
fizeram nenhum exame, o que deveria ser feito. Aí deu um
problema que apareceu um carocinho de 4 centímetros entre o
rim e parte de dentro do corpo dele.202

Esse momento foi muito difícil para eles. Seu pai mesmo doente teve que
continuar a trabalhar para o sustento deles e para isso teve que ir sem eles para
Pernambuco, Maranhão e voltar para Capanema, como diz em sua narrativa
abaixo, e o mais difícil para ele, ficar incapacitado para consertar ou fazer joias.

[...] isso doía muito, e os médicos não sabiam por que ele tinha
aquilo, não dava outros problemas enfim... Só sei que na época
os médicos disseram que se durasse dois anos era muito, ai
imaginem o cara que na época tinha o que quarenta, trinta e
pouco?[...] então assim ele ficou meio desesperado, assim como
qualquer um ficaria, e a gente estudava no SESI203.. Eu cansei

201 Primeira entrevista gravada em 2012.


202 Ibidem.
203O Serviço Social da Indústria (SESI).
120

de vim chorando de lá, pra casa, achando que o papai tava morto
quando eu achasse ou chegasse? em casa. Era uma coisa doida
pra a gente, não era fácil, e nessa época a gente parou de mexer
com joias. Em 73 pra 74, a gente passou 74, 75 e 76 sem mexer
com joias Papai foi fazer outros tipos de trabalho, como por
exemplo, foi tomar conta de plantação de parente lá em
Pernambuco. Passou um período pra lá. Depois foi tomar conta
de roça de arroz no Maranhão. Era uma usina, mas tinha lá uma
roça da pessoa. Ele tinha que trabalhar na usina e na roça pra
mandar arroz pra cá. Era do Zedoca. De lá ele foi tomar conta
de uma fazenda da mesma pessoa, aqui, em Capanema de
novo, quando foi em 76, ele disse não, não dá, por que tinha o
problema que a gente não tava estudando. [...]

Seu pai resolveu levar a família para Vigia

Então a gente ficou um período afastado do ramo das joias. Aí


ele volta pra Vigia. Ele volta praticamente pra ensinar a gente a
trabalhar com joias. Meu irmão mais velho tinha 14 anos e eu
13. E ele já tava fazendo umas coisas, que ele sempre fez
mesmo, mas não aguentava trabalhar por muito tempo que as
costas dele doíam e saia, ai gente começou a fazer joias de
verdade para garantir se sustentar e ajudar ele.

Em Vigia permaneceram morando aproximadamente uns quatro anos. Foi


quando seu pai resolveu ir com toda a família para Itaituba.204

[...] aí quando foi 79, sei lá? Eu tinha uns 16 anos, na época.
Meu irmão tinha 17 pra 18. Ele disse pra gente: olha a gente vai
pra Itaituba. Claro que é meio arriscado! Ele tinha noção dos
problemas que a gente podia enfrentar lá em Itaituba, porque
não era um lugar na frente da Vigia. Na Vigia a gente não via
uma pessoa sem moto durante o tempo todo que a gente viveu
lá. A gente ia pra um lugar que era meio difícil, naquela época,
era muita morte pra lá. Tinha gente que matava as outras
pessoas, era uma loucura. Eu me lembro que a gente viajou
daqui. Belém. Veio da Vigia pra cá de ônibus, daqui pra
Santarém de barco. Passamos 2 meses mais ou menos em
Santarém, a gente tem parente lá, irmãos dele que moram lá,
pra poder entrar em Itaituba. Quando a gente entrou lá, o papai
sempre estava aconselhando a gente: olha eu não quero saber
de nenhuma confusão! Na verdade a gente nunca foi disso, mas
tinha uma preocupação maior por ser um lugar mais violento.

204 Primeira entrevista gravada em 2012, em sua casa/ oficina/ loja.


121

Nessas idas e vindas, a família do Sr. Pedrinho, como era conhecido o pai
de João Sales, cresceu. Ficou uma família com noves filhos. Uma família de
ourives joalheiros.205

[...] sou o segundo filho, tem o mais velho, o Bartolomeu. Ele


mora em Roraima. Somos ao todo nove irmãos. Todos são
ourives, tem alguns que parou, por conta do trabalho que tá
fazendo hoje, mas todos sabe fazer joia.
[...] a gente foi aprendendo naturalmente com ele. Eu tenho uma
foto, de 73, em Belém. A oficina ficava no entroncamento, em
frente do Mercadinho Brilhante. Ela tá meio gasta, mas dá pra
vê [...] essa foto eu tô lixando uma aliança com ele. Eu estudava
à tarde e de manhã eu ficava na oficina com ele. Ficava por
ali...brincava. Tá eu e um irmão meu, menor.
[...] São oito homens e uma mulher. [...] Minha irmão não
trabalha com joia, mas ele tem noção, já fez peça e tudo, mas
ele não seguiu.
Dos ourives hoje que estão trabalhando com joia, tem eu,
Veridiano, Abrahão. O Bartolomeu não trabalha mais
diretamente com joia, mas, em Roraima, quando quer fazer joia,
faz. Ele vendeu a oficina dele. Mas vai nas oficinas dos amigos
dele e faz as peças dele. Tem o Tiago, que é mais cravador e
escultor.
Tem também o Jó, que é economista, mas que ainda é craque
em fazer joia. Outro que é craque em criar e fazer joia é o
Paulinho, diretor dos Correios. Era craque, parou desde que ele
foi ser carteiro, desde 92,93, que ele fez concurso e passou. Ele
trabalhava com o Tiago. Jó e Paulinho se formaram.

Mais uma pausa, para olharmos novamente a foto dele na oficina, com o
pai e um dos seus irmãos, aprendendo a fazer joia. Esse olhar a foto é outro
momento de emoção, de memória afetiva.
Segundo Thomson, 206 a memória resulta de uma composição, em que
as lembranças dos interlocutores da pesquisa são reformuladas de acordo com
as situações vivenciadas, permeadas de sentidos que entrelaçam vidas passada
e presente, de acordo com o intercâmbio entre suas trajetórias individuais e
sociais. Neste sentido, as experiências de João Sales e sua família de origem
podem ser contextualizadas num contexto mais amplo das experiências de
migração do Nordeste para a Amazônia do Pará, onde os deslocamentos eram
intensos como ele destacou em sua narrativa: “Saímos de Capanema em 68 e

205 Ibidem.
206THOMSON, Alistair. Recompondo a memória; questões sobre a relação entre História
Oral e as memórias. In: Revista Projeto História. São Paulo, v. 15, abril de 1997, 51-84.
122

chegamos em Capanema em 65, saímos de lá pra Belém. Em 69 ele foi pra


Vigia.” Em 70, ele voltou pra Belém de novo, depois que ele passou mais tempo
na Vigia. Assim como os constantes deslocamentos de sua família somam-se
tantas outras experiências de famílias neste cenário, protagonistas, além das
estatísticas, com potencialidade de provocar reconstruções, descontinuações e
transformações constantes, por meio de experiências lembradas em torno de um
continuo jogo entre o passado e o presente, fazendo assim brotar reflexões em
torno das semelhanças e diferenças entre si e em torno da construção de
alteridade e de segmento sociocultural e econômico. Isso é possível de ocorrer
porque:

O Processo de recordar é uma das principias formas de nos


identificarmos quando narramos uma história. Ao narrar uma
história, identificamos o que pensamos que éramos no passado,
que pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de
ser. As histórias que relembramos não são representações
exatas de nosso passado, mas trazem aspectos desse passado
e os moldam para que se ajustem as nossas identidades e
aspirações atuais. 207

Desse modo a história oral é aqui vista como um procedimento para


pensar os sentidos das narrativas orais dos interlocutores da pesquisa, em que
a memória assumiu a função de fazer emergir um cabedal infinito de múltiplas
variáveis, temporais, individuais coletivas, que dialogaram entre si, revelando
lembranças, ora com conteúdos explícitos, ora velados, ou mesmo ocultados,
seja pela necessidade de proteção consciente ou inconsciente própria da
condição humana, seja pelo anseio de recriação e ressignificação de si.208

Neste horizonte, João Sales continua a narrar sua trajetória de vida, de


forma, agora, mais desvencilhada da trajetória de seu pai, sem perder essa sua
raiz, em que sua constituição ou reconstituição como ourives está vinculada a
um conjunto de experiências socioculturais e econômicas mescladas pela
presença da realidade rural e urbana nessa trajetória.209.

207 Idem, p. 57
208 DELGADO, Luicilia de Almeida Neves. História oral: memória, tempo, identidades. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
209 LEÃO, Dione do Socorro de Souza. “O Porto em narrativas: experiências de
trabalhadores, moradores e frequentadores da área portuária de Breves-Pa (1940-1980)”.
123

João Sales, com vinte e um anos, casou com Telvia, sua namorada de 17
anos de idade, no ano de 1985, em Itaituba, onde passou a maior parte de sua
adolescência e juventude. Eles fizeram neste ano, 2015, 30 anos de casados.

Figura 29: João Sales e Telvia em Itaituba 1984.


Fonte: Arquivo pessoal de João Sales.

Fala desta foto com um entusiasmo juvenil, em que a paisagem e eles se


completam num voo da memória, a partir das lembranças dele, que pipocam
entre o deslocamento e a reconciliação com sua trajetória de vida. Ele diz: “minha
companheira da vida inteira que vivi. Passamos coisas ruins, muito ruins, mas
ficamos juntos” [...]. 210 Encontro neste seu voo uma atividade criadora
essencialmente humana, em que transparece uma evocação por um estado
psíquico (stimmung), que, segundo Simmel,211 articula percepção e afeição,
que se separam e se reaproximam-se associam e se dissociam, nesse caso,
diante uma fotografia que retrata um não qualquer lugar, uma não qualquer
paisagem, composta por ele e sua esposa, retratando assim um importante
pedaço da sua vida em Itaituba.

Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação em História social da Amazônia.


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Pará. Belém, 2014.
SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu da& CANCELA, Cristina Donza, (orgs). Paisagem e cultura:
Dinâmicas do patrimônio e da memória na atualidade. Belém: EDUFPA, 2009
210Primeira entrevista gravada em 2012, em sua casa/ oficina/ loja.
211SIMMEL, Georg. A Filosofia da paisagem. Política e trabalho, n.12, setembro, 1996, p.05-
09. (Tradução: Simone Carneiro Maldonado).
124

Segundo Eckert,212

Pierre Sansot, um filósofo francês, intitulou de Variations


Paysagères o estudo que faz sobre as experiências humanas
com a paisagem enquanto um sistema de troca entre o mundo
sensível e o mundo das significações (Sansot, 1983: 24). Seja
no enraizamento a um lugar de pertencimento seja no
deslocamento pela diversidade de lugares vividos, importa-nos
como a experiência humana ofereceu-se aos sentidos, ao olhar,
à escuta, ao cheiro, ao gosto. Nesses jogos perceptivos, são
colocadas em destaque as formas sensíveis que movem os
habitantes em suas lógicas de viver os espaços e tempos
culturais. A paisagem é em Sansot essa experiência humana
plural e descontínua onde os sujeitos em suas biografias
relacionam imagens motivadas pelo saber e pelo imaginário. A
paisagem estará lá onde a vida pulsa na qualidade de estar no
mundo social, na percepção daquele que a consente na
imaginação. O que está em jogo é um reencontro após o
deslocamento entre aquele que sente e o sensível, [...] que na
sua ressonância narrativa dilata a percepção agora em uma
paisagem narrada a qual faz vibrar as formas sensíveis.

Em 1995, decidiu vir para Belém, por causa das dificuldades financeiras
que estava enfrentado em Itaituba: “Nessa época de 96 e 95 [...] tava todo mundo
quebrado não tinha serviço, antes era muito e agora era pouco, a gente começou
a conversar e em 95 vim pra cá, aqui em passei uns apertos danados.”213
Ele veio para Belém, primeiro sozinho, depois trouxe a esposa e suas três
filhas. Assim ele conta sua própria aventura de viver nessa época:

[...] de 91 a 95, tava todo mundo quebrado...não tinha serviço...decidi


vim pra Belém...vim primeiro só...passei aqui um sufoco
danado...passei três meses aqui e voltei...peguei um gado e troquei
numa oficina. Aí, eu vim com a oficina pra cá.... com um mês aqui a
Etel veio. Na época eu não tinha como comprar uma casa em Belém e
lá ninguém tava comprando casa nenhuma, aí, enfim, quando a gente
veio pra cá eu fui morar numa invasão, passei um ano morando
debaixo de um plástico...lá perto da SEDUC, moramos praticamente
num barraco de plástico. A Etel ficou doente lá, mas ficou boa...enfim.
Quando foi final de 1996, eu consegui esse pedaço de terra onde fica
essa loja agora, montei minha oficina [...]então vendi minha casinha lá
e comprei uma aqui do lado, na época, minha oficina. Em 12 de janeiro
de 2007, eu me mudei pra cá e construir tudo isso hoje. 214

212 ECKERT, Cornelia. As variações “paisageiras” na cidade e os jogos da memória. In:


SILVEIRA, Flávio Leonel Abreu da & CANCELA, Cristina Donza, (orgs). Paisagem e cultura:
Dinâmicas do patrimônio e da memória na atualidade. Belém: EDUFPA, 2009, p. 94.
213 Segunda entrevista gravada em 2012, em sua casa/ oficina/ loja.
214 Segunda entrevista gravada em 2012, em sua casa/ oficina/ loja.
125

Segundo Nunes,215 a narrativa possui três faces interligadas, o da


história, relacionada ao conteúdo; o do discurso, relacionada com o meio de
transmissão; e o da narração, relacionada ao ato de narrar. Nesse sentido o
tempo real e o tempo imaginário estão interligados.
Segundo Walter Benjamin, 216 o ato de contar histórias sempre se utiliza
do tempo, ainda que não se narre a temporalidade. Reforçando esta ideia
Ricouer217 afirma que, ao contar suas histórias, “os homens articulam suas
experiências do tempo”. Neste contexto, Nunes,218 mais uma vez, afirma que
haverá sempre uma contradição a ser analisada, porque toda narrativa precisará
de um ou vários tempos, uma vez que o tempo na narrativa pode ser
apresentado de forma implícita, em que ocorrerá uma reconstrução ou (des)
construção de um fato histórico no tempo presente, por meio do processo de
Anamnesis, ou seja, uma recordação do passado recriada, em que presente e
passado se misturam, numa perspectiva sincrônica e, ao mesmo tempo, se junta
numa linha do tempo diacrônica.
Segundo Fraga,219 este aspecto produz outra sinuca de bico no plano
histórico e do ponto de vista da narração atual. O tempo pode ser caracterizado
na ordem anacrônica em virtude de haver uma discrepância entre a ordem da
história e a ordem que está sendo narrada.
Mas a volta ao passado, principiada pela memória, de certo modo,
sustenta como artifício primordial o que se pode dizer superação dos tempos.
Dir-se-ia que a escrita deste trabalho então pode proporcionar um encontro dos
tempos, em que o leitor pode conviver mais de perto com a questão da
liminaridade entre passado e presente, ou seja, um entrelugar, segundo o termo

215NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 1988.


216 BENJAMIN, Walter. “O narrador”. In: _____. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural,
1983 (Os pensadores).
217 RICOUER, Paul. Tempo e narrativa. Trad. Constança Marcondes Cesar (Tomo I), Marina
Appenzeller (Tomo II) e Roberto Leal Ferreira (Tomo III). Campinas, SP: Papirus, 1994, 1995,
1997, p. 16.
218NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
219FRAGA, Rosidelma P. Uma Narrativa Histórica e Dialógica no Romance Memorial do
Convento de José Saramago. Itinerarius Reflectionis. Revista Eletrônica de Pedagogia do
Campus Jatai UFG, v. 7, jul./dez de 2009.
126

empregado por Turner,220 em que não representa um estado de exceção, mas


o estado comum da vivência humana em meio às teias de significados que o
humano cria para o seu próprio enredamento, como afirmaram Weber221 e
Geertz,222, em suas respectivas obras, quando definem cultura como um
mundo simbólico, como uma teia de significados criada pelos humanos, mas
capaz de envolvê-los. João Sales narrando sua trajetória de vida, diz: “[...]. Em
12 de janeiro de 2007, eu me mudei pra cá e construir tudo isso hoje”, em seu
relato anterior.
Em março de 2013, durante a terceira sessão de entrevista, fui informada,
por ele mesmo, que iria, junto com a esposa Etel, viajar para as Guianas, para
uma área de garimpo, para aventurar-se lá por um ano, pois não sabe ficar muito
tempo parado no mesmo lugar, como seu pai. As três filhas iam cuidar da casa
e dos negócios. Assim o fez. Inicia assim uma nova aventura de vida. Contudo,
vamos ficar por aqui, por ora, em relação a sua experiência no tempo como
mestre ourives.

2.2. Paulo Tavares, o Professor Pardal, de um ourives de bancada a um


pesquisador andarilho

Apresento agora a trajetória de vida de um ourives, denominado, por seus


pares e técnicos que convivem com ele, no Polo Joalheiro, de Professor
Pardal223, devido ser um pesquisador e inventor na área da ourivesaria, além
de ser um mestre ourives, por ensinar o ofício de fazer joias por mais de duas
décadas, inclusive têm ourives que foram seus aprendizes e atualmente se
destacam no Polo Joalheiro por suas atuações profissionais e lhe prestam
reconhecimento.
Mestre ourives Paulo Tavares foi o primeiro entrevistado nessa
empreitada para a elaboração desta tese. Decidi começar por ele pela

220TURNER, Victor. Dramas, campos e metáforas. Ação simbólica na sociedade humana.


Niterói, RJ: Eduff, 2008.
221WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira,
1996.
222GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Zahar. Rio de Janeiro, 1973, p. 15.
223Professor Pardal (Gyro Gearloose, no original) é um famoso personagem dos quadrinhos

Disney, criado por Carl Barks. Sempre ao lado de seu pequeno companheiro Lampadinha. É um
inventor genial que vive criando aparelhos e engenhocas que dão origem a grandes aventuras
da Família Pato. A popularidade do Prof. Pardal é tão grande que, na realidade, seu nome
acabou se tornando adjetivo para quem também costuma inventar coisas inusitadas. Disponível
em: http://www.disneypedia.com.br/personagens/prof-pardal/, acessado em 12/01/2010.
127

proximidade profissional que construímos durante minha atuação como


coordenadora do Núcleo Tecnológico de Desenvolvimento Organizacional
(Ntdo) do Igama. E, ainda, por considerá-lo uma pessoa que conquistou respeito
profissional entre aqueles que estão envolvidos com o setor joalheiro no Pará, e,
por conta disso, é formadora de opinião e de polêmicas entre seus pares, como
também por ser um dos fundadores do referido programa.

Segundo o relato de Rosângela Novaes,224 que participou como técnica


da fundação do Polo Joalheiro, o Paulo foi um achado para valorização da
joalheria artesanal paraense:

O Paulo na verdade foi uma descoberta, no nosso dia a dia,


nosso que eu digo foi de todos nós envolvidos. Nós percebemos
que ele era um ourives especial, no sentido de ser especial
porque ele é um mestre. Eu não gosto desse termo autodidata,
mas eu acho que é o único que tem, né! Um mestre porque ele
é pesquisador em ourivesaria. Ele não é aquele que faz a coisa
mecanicamente, digamos assim. Ele procura saber a origem das
coisas pra poder fazer melhor. Então a gente foi descobrindo aos
poucos isso no Polo e ele nunca fez propositalmente para
reconhecimento. Nós é que fomos percebendo. Inclusive a
primeira gestão do Polo, que a partir daí, através principalmente
da consultora carioca e ourives Corina Seiferie. Ela despertou
isso, e eu percebi que a partir das observações dela, ele
precisava ser convidado pra dar aula. Foi uma pessoa de fora
que fez com que ele fosse reconhecido. Eu estava presente
nesse momento. Corina percebeu, ela reconheceu nele isso, um
potencial muito grande. Paulo é um técnico, no sentido da
pesquisa, de materiais. Ele vem sendo fundamental para a
valorização da joia artesanal do Pará, do Polo mesmo.

Também Nunes225 se reporta a importância da atuação de Paulo Tavares no


Polo Joalheiro:

Paulo Tavares está no Programa desde sua implantação e


quando ingressou já dominava a joalheria, mesmo antes do

224 Entrevista com Rosângela Novaes, em maio de 2015, em seu local de trabalho atualmente,
a Universidade Estadual do Pará, onde exerce o cargo de Professora e coordenadora do curso
de Design de Produto. Hoje presta serviço de consultoria em design de Joia no Polo Joalheiro.
225NUNES, José Tadeu de Brito. Elementos da Biodiversidade Amazônica no Pensar-Fazer
de Joalheiros de Belém: a vivência como educação. Dissertação apresentada como requisito
para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade do Estado do Pará. Belém,2013.
128

Programa ter início. Conceituado no mercado e profundamente


conhecedor não só da joalheria, mas também da ourivesaria.
Pesquisador da produção de joias realiza pesquisa em química,
metalurgia de metais nobres usados na ourivesaria, pesquisa a
extração de pigmentos naturais retirados de plantas amazônicas
e os processos de produção de joalheria identificando e criando
novas técnicas de trabalho. Tem sido requisitado no mercado
local para confeccionar e restaurar peças antigas,
principalmente sacras. Por várias vezes, ministrou cursos e
palestras nas diversas áreas de suas pesquisas, além de prestar
serviço como consultor técnico durante a primeira administração
do Programa realizada pela Associação São José Liberto, e
agora também, presta consultoria ao Instituto de Gemas e Joias
da Amazônia - Igama, que está à frente do Programa. Atua
também como consultor junto a produtores particulares no
auxílio a produção e na melhoria da qualidade das joias.

É inventor de ferramentas e equipamentos com a finalidade de facilitar o


seu trabalho e de seus pares. Dedica-se com muito afinco a pesquisas empíricas
sobre melhoramento de ligas metálicas de prata e inovações tecnológicas.
Atualmente, vem se destacando no setor joalheiro, em âmbito local e
nacional,226 por sua invenção de gemas orgânicas vegetais, produzidas com a
resina e o pigmento extraídos de plantas, flores e frutos, que são descartados
espontaneamente pela natureza ou pelos humanos. Coleta a matéria prima para
esse fim em florestas, nos sítios de sua família, nas feiras, nas praças, assim
como de suas experimentações botânicas realizadas em seu quintal, inclusive
vem investido na plantação de vegetais em risco de extinção, como, por
exemplo, o Pau Brasil.

Esse mestre ourives, por meio de suas pesquisas, vem acumulando


conhecimentos na área de química, botânica, engenharia mecânica, gemologia
e ergometria, de forma autodidata e por contato com profissionais dessas áreas,
sem ter cursado o ensino superior. Esses conhecimentos são expressos
oralmente ou em suas invenções. Mas atualmente também por profissionais
parceiros que compartilham a necessidade de registrar suas pesquisas e

226 Sua pesquisa está pautada para ser apresentada no programa Eco Record de Belém, o qual
é um boletim informativo sobre como é possível uma vida mais sustentável. Também está
postada no portal de notícias do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos, Infojoia.
129

produtos para que seja garantida sua autoria nestes feitos. Eu faço parte desta
empreitada.

A vida de Paulo Tavares como mestre ourives, pesquisador e inventor


incentiva o debate referente ao trabalho intelectual e manual; debate este
bastante presente na convivência entre vários profissionais que compõem o
universo da joalheria, especificando aqui a relação entre os designers e os que
fazem as joias no Polo Joalheiro. 227

Mas antes de tudo, apresento Paulo Tavares, assumindo a incapacidade


de tratá-lo como uma “coisa”, objetivamente nos moldes do positivismo, mas me
esforçando para ir além de uma exagerada subjetividade, em termos de permear
a escrita sobre ele de confetes e serpentinas, com um compromisso em não
desconsiderar a historiografia, diante de uma relevante relação profissional e de
amizade que existe entre nós, antes mesmo da tese, construída desde minha
atuação profissional no Polo Joalheiro. É claro que não escrevo com toda esta
sinceridade sem temores e inquietudes metodológicos. Assumo assim uma
posição de discussão entre o dizível e o indizível na pesquisa, a fim de promover
uma reflexão e não de escamotear ou negar este nó górdio deste item em
composição.

Chartier,228 afirma que a proximidade entre pesquisado e pesquisador,


longe de ser um inconveniente, permite um melhor entendimento da realidade
estudada:

[...] o historiador do tempo presente é contemporâneo de seu


objeto e, portanto, partilha com aqueles cuja história ele narra as
mesmas categorias essenciais, as mesmas referências
fundamentais. Ele é, pois, o único que pode superar a
descontinuidade fundamental que costuma existir entre o
aparato intelectual, afetivo e psíquico do historiador e o dos
homens e mulheres cuja história ele escreve. [...] Para o
historiador do tempo presente, parece infinitamente menor a
distância entre a compreensão que ele tem de si mesmo e a dos
atores históricos, modestos ou ilustres, cujas maneiras de sentir
e de pensar ele reconstrói.

227Vou tratar desta relação mais detalhadamente no terceiro capítulo.


228CHARTIER, R. A visão do historiador modernista. In: FERREIRA, M. e AMADO, J.
(orgs.) Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundaçào Getúlio Vargas,
1996, p. 216.
130

Joutard229 afirma que a partir do momento em que cada um explicite


claramente seus pressupostos, seus objetivos e seu método, sem que ninguém
esteja convencido de que o seu é o único método que chega à verdade, será
possível um diálogo entre diversas maneiras de se fazer um trabalho acadêmico
pelas trilhas da história oral, pois para ele não existe uma única maneira certa
de fazê-lo.

Tal afirmação é fortalecida por Thomson230:

Em alguns contextos, uma identificação como membro do grupo


(insider) pode ser pré-requisito para uma entrevista bem-
sucedida. Belinda Bozzoli, historiadora e socióloga sul-africana,
descobriu que as anciãs da aldeia de Phokeng sentiam-se mais
confortáveis e se abriam mais quando entrevistadas por uma
assistente de pesquisa, Mmantho Nkotsoe, porque ela era " 'uma
menina de Mabeskraal', a aldeia próxima". 'Assim, o que poderia
parecer uma deficiência de Mmantho para os positivistas (seu
envolvimento subjetivo com as vidas das informantes e a
percepção que estas tinham dela como uma pessoa com
significado particular em suas vidas)", escreve Bozzoli, "provou-
se sua maior vantagem."

Em nosso primeiro encontro para tratar da pesquisa, em 20 de novembro


de 2011, no Espaço São Jose Liberto, não gravei a entrevista, pois queria,
primeiramente, nesse momento, garantir, entre pesquisadora e pesquisado, um
clima de confiabilidade, a fim de convencê-lo a participar de forma bastante
interativa com a pesquisa em questão. Ainda bem que consegui o que almejava
como pesquisadora, por meio dessa forma de abordagem.231 Registrei essa

229JOUTARD, Philippe. DESAFIOS À HISTÓRIA ORAL DO SÉCULO XXI. In:ALBERTI, V.,


FERNANDES, TM., and FERREIRA, MM., orgs. História oral: desafios para o século XXI [online].
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. 204p. ISBN 85-85676-84-1. Available from SciELO Books
<http://books.scielo.org>.
230THOMSON, Alistair. AOS CINQUENTA ANOS: UMA PERSPECTIVA INTERNACIONAL DA
HISTÓRIA ORAL. In:ALBERTI, V., FERNANDES, TM., and FERREIRA, MM., orgs. História oral:
desafios para o século XXI [online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. 204p. ISBN 85-85676-
84-1. Available from SciELO Books http://books.scielo.org, p. 38.
231 A sua receptividade em participar da pesquisa foi facilitada também por conta de eu já ter
escrito, em forma de artigo intitulado A fabricação de Gemas Orgânicas da Floresta, sobre sua
experiência profissional, o qual foi publicado no livro Joias do Pará: design, experimentação e
inovação tecnológica nos modos de fazer. Rosa Helena Nascimento Neves, Rosângela da
Silva Quintela, Rosângela Gouvêa Pinto e Anna Cristina Resque Meirelles (organizadoras).
Belém: Paka-Tatu, 2011.
131

nossa primeira conversa, mais ou menos, informal em meu diário de campo, da


seguinte maneira:

Paulo Tavares nasceu num lugarejo chamado de Ipauaçu, em 1951,


localizado bem mata adentro, na divisa entre Cachoeira do Arari e Ponta de
Pedra, na Ilha do Marajó. Morava numa casa humilde, com seus pais, quatro
irmãs e quatro irmãos, que ficava em cima de um antigo cemitério indígena,
assim contavam pra ele. É o quinto filho dessa família grande. Viveu sua infância
na floresta, no rio, suas brincadeiras eram com bonecos e carros imaginados,
feitos de lascas e pedaços de madeira ou de barro. Mexia com sementes, das
quais montava cordões, fazia também anel do coco do tucumã, uma fruta comum
dessa região.
Essas recordações de Paulo Tavares sobre o lugar de sua infância fez-
me reler Dalcídio Jurandir, autor marajoara renomado, para conhecer mais sobre
o contexto sociocultural, geográfico e histórico de tal lugar. Com essa intenção li
novamente os seus romances, Chove nos Campos de Cachoeira e Marajó. 232,
pois, segundo, Elizabeth de Lemos Vidal,233 nesses romances é revelada, por
meio da voz de narradores anônimos, a memória coletiva da Ilha de Marajó,
sendo que esta dá destaque mais ao segundo romance.
Desse modo, a seguinte passagem de Chove nos Campos de
Cachoeira234: [...] “Alfredo gostava das grandes chuvas. Podia ter medo, mas
era enorme a sensação de ouvir, uma noite, o ronco dum jacaré debaixo da casa.
As montarias andavam pelos campos. Didico ia com seu pequeno barco do
Roldão, na lagoinha atrás da casa do Dr. Alberto.”, lembra o menino Paulo
Tavares, com base em seus relatos sobre sua infância.
O curioso é que, sem intenção, descobri que Dalcídio Jurandir foi preso
político na Cadeia de São José, em 1936,235 durante dois meses, por suas
ideias esquerdistas e em 1937, durante quatro meses, por fazer oposição ao

232 JURANDIR, Dalcídio. Chove nos Campos de Cachoeira. Belém: Cejup/Secult, 1997.
______. Marajó. Rio de Janeiro: José Olímpio,1947.
233 VIDAL, Elizabeth de Lemos. Memória e Identidade em Marajó, de Dalcídio Jurandir.
Revista em Tese. Belo Horizonte, v. 6, ago. 2003, p. 85-92.
234 JURANDIR, Dalcídio. Chove nos Campos de Cachoeira. Belém: Cejup/Secult, 1997, p.
17.
235 Atualmente Espaço São José Liberto, onde abriga o Polo Joalheiro, lócus de referência
desta pesquisa.
132

fascismo publicamente. 236 Lembro que hoje esse espaço foi transformando no
Espaço São José Liberto, onde foi instalado o Polo Joalheiro, o qual é o lugar de
referência de trabalho de Paulo Tavares. Portanto, suas vidas se entrecruzam,
de algum modo, num mesmo espaço, por meio de experiências em épocas
diferentes.
A trajetória de Paulo Tavares continua a ser contada entre o ontem e o
hoje. Quando completou 12 anos de idade, o pároco de Ponta de Pedras o levou,
junto com irmão mais velho, para morar no seminário, pois sua mãe queria que
eles fossem padres. Morando lá, passou a receber treinamento na oficina de
marcenaria, mas não gostava do que estava fazendo, “não se identificou”, fato
que relatou para o pároco e este resolveu então colocá-lo na oficina de
artesanato de cerâmica e, segundo ele, “foi tudo de bom”. Passava o dia todo e,
muitas vezes, dormia na oficina para fazer objetos de cerâmica que criava; numa
dessas vezes, dormiu dentro do forno e se espantou pela manhã com o instrutor
acendendo o forno. Por sorte, conseguiu sair correndo, evitando que se
queimasse. Levou um baita de um susto e ainda foi punido.
Aos 15 anos, resolveu vir para Belém. Veio para o seminário, mas já sabia
que não queria seguir a vida sacerdotal, só não sabia o que iria fazer. Conheceu,
por intermédio de um de seus colegas seminaristas, o Sr. Joel, que era ourives
e tinha uma oficina no Jurunas. Segundo seu relato, foi conhecer a referida
oficina e se encantou com o que viu, passando então a frequentá-la. Seis meses
depois, abandonou o seminário para morar na oficina, tornando-se, a partir de
então, ourives.
O trabalho de ourives vingou e alugou uma casa no mesmo bairro da
oficina e, dois anos depois, trouxe a família toda para morar com ele. Seu pai se
empregou como vigilante em uma escola pública, sendo assassinado por
assaltantes, após cinco anos de serviço. Nessa ocasião, Paulo Tavares estava
morando, por dois meses, em Brasília, por ter sido convidado para trabalhar
numa empresa de ourivesaria. Estava se preparando financeiramente para levar
a família. Mas teve, por esse ocorrido, de mudar seus planos. Veio embora e
tornou-se o principal responsável pelo provimento da família.

236 JURANDIR, Dalcídio. Chove nos Campos de Cachoeira. Belém: Cejup/Secult, 1997, p.
291.
133

Montou uma oficina de ourivesaria em sua casa e começou a trabalhar


muito, tendo seus três irmãos aprendido o ofício com ele. Todos eles
constituíram suas próprias famílias e tornaram-se independentes
financeiramente, trabalhando como ourives. Moram, atualmente, todos
próximos, numa mesma rua, no Conjunto Maguari,237 em suas casas coladas
umas nas outras, muro com muro. Paulo mora com sua mãe, duas irmãs e três
sobrinhos. Hoje, 2015, tem a idade de 64 anos.
Na segunda entrevista com ele, em 12 de dezembro de 2012, em sua
oficina, retomei a conversa sobre o lugar onde nasceu, já que no nosso primeiro
encontro não gravei o seu relato sobre o tempo de sua infância. Ele me conta
sobre isso de novo assim: “Nasci em Ipauçu, uma localidade do Marajó, no
Município de Ponta de Pedras, em 51. Nessa região não tem luz elétrica...não
evoluiu...é muito longe, fica oito horas de Ponta de Pedra, só se vai ou vem de
barco, só embarcações pequenas.”
Nesta mesma entrevista, ele diz que se considera um menino que veio da
floresta e que até hoje este menino vive em seu modo de vida, em suas joias,
em suas pesquisas.
Ao descrever seu lugar de nascimento e de convivência na sua infância
Paulo Tavares destaca ora a “não evolução” deste lugar ora a preservação de
suas raízes como pertencente a um povoamento tradicional na Amazônia, o qual
pode ser caracterizado pela predominância dos modos de subsistência pelo uso
de recursos naturais que a Floresta oferece. Indica quanto a não evolução do
lugar a não chegada de processos de urbanização, como a energia elétrica. Mas,
ao mesmo tempo, seu apego à floresta por uma perspectiva de sustentabilidade,
em termo de preservação destes recursos naturais, como a fauna, a flora, os
rios, ou seja, o eco sistema.
No relatório do INCRA de 2010, aparece o Furo de Ipauçu, o qual faz parte
do recurso hídrico da Ilha Setubal, localizada no município de Ponta de Pedras-
PA, na Mesorregião do Marajó e Microrregião Geográfica Ararí- que é composta
pelos municípios de Cachoeira do Ararí, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras,
Salvaterra, Santa Cruz do Ararí e Soure. E o relatório afirma que o acesso a esta
ilha somente é possível via fluvial, sendo utilizados vários tipos de embarcações,

237Fica no Bairro de Coqueiro em Belém.


134

como: Barcos, Rabetas e, principalmente, “Popopôs”, quer dizer barcos


pequenos com motor. 238

Paulo Tavares narra sua vinda para Belém de Ipauçu, da seguinte


maneira:

[...] vim de lá pra Belém ...é muito perigoso...você atravessa a


baia toda em uma embarcação pequena. Lá eu ficava na
floresta...continua uma comunidade lá.... Fica na beira do rio, na
divisa entre Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras, de um lado
ficava Cachoeira do outro Ponta de Pedras. A gente ficava a
mercê da natureza, pescava, caçava. Meu pai é de lá, meu avô,
minha mãe, todo mundo nasceu lá. Somos descendentes dos
espanhóis. Lá tinha, tem, muita fazenda, mas a gente morava
em terra livre. Não tinha aí nada de muita demarcação...não se
sabia onde começa uma terra e acabava a outra...era um espaço
livre a gente não via um fim...imagina isso pra um menino...era
um lugar maravilhoso de se viver.

Quando seus pais e irmão vieram também para Belém e fixaram moradia
na cidade. Ele afirma que:

[...] a gente vendeu nossa casa e nossas terras, que era muito
grande. Faz muito tempo que eu não volto lá, mas todo ano
planejo ir, mas ainda não deu. A gente pescava todo mundo
junto, fazia tudo junto, uma família muito unida, até hoje. Tinha
uma época que os lagos secavam e a gente tinha facilidade de
pegar tudo...pegava muito peixe, como não tinha geladeira,
salgava o peixe e guardava para quando não tinha muito. A partir
do mês, quando começa o mês de janeiro começa a Piracema,
quando terminava tinha a safra do açaí, a gente pegava e vendia
barato...a gente vivia conforme as coisas da natureza...Hoje em
dia muita gente não respeita a natureza, mas é preciso respeitar.
[...]

Essa sua fala me remete à obra do Bachelard, quando ele fala da memória
da infância sempre romantizada nas narrativas, no seguinte trecho:
Mas a terra natal é menos uma extensão que uma matéria; é um
granito ou uma terra, um vento ou uma seca, uma água ou uma
luz. É nela que materializamos os nossos devaneios; é por ela

238Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Relatório inédito de


levantamento da Ilha Setubal, município de Ponta de Pedras. Nº119. 2010. Apud TAVARES,
Karlla Zilda Vieira e CHAVES, Tahnity Haarad Moura. Uso Dos Recursos Naturais e
Associativismo No Pae Ilha Setubal, Município De Ponta De Pedras-Arquipélago do Marajó/Pará.
Monografia apresentada a Coordenadoria do Curso de Agronomia e ao Instituto de Ciências
Agrárias da Universidade Federal Rural da Amazônia. Belém, 2014.
135

que nosso sonho adquire sua exata substância [...]. Sonhando


perto do rio, consagrei minha imaginação à água, à água verde
e clara, à água que enverdece os prados. Não posso sentar
perto de um riacho sem cair num devaneio profundo, sem rever
a minha ventura... Não é preciso que seja o riacho da nossa
casa, a água da nossa casa. A água anônima sabe todos os
segredos. A mesma lembrança sai de todas as fontes.239

Paulo Tavares não voltou mais fisicamente a Ipauçu, como relatou


anteriormente, mas continua neste lugar por meio de sua memória e de suas
criações, sejam joias, gemas orgânicas ou incrustação com pigmentação natural.
Além de sua pesquisa botânica para reflorestamento, como por exemplo de
muda do Pau Brasil240
Ele e seus três irmãos hoje (2013) são ourives, mas foi ele quem aprendeu
a fazer joia por primeiro. Trabalhou em várias oficinas até montar a sua. Seus
irmãos foram aprendendo em sua oficina e depois estes seguiram a profissão
mais independente, montando as suas próprias oficinas.
Todos atuam como ourives no Polo Joalheiro, exceto o irmão mais velho,
que, segundo Paulo Tavares, não gosta de se envolver com nada do Polo.
Somente, de vez em quando, faz uma joia para outros irmãos que têm uma
oficina de joias no Espaço São José Liberto por encomendas e expõem suas
próprias peças para comercialização na loja coletiva de joias desse espaço,
denominada de Una.
Paulo Tavares já colhe hoje reconhecimentos sobre seu trabalho, além do
ofício de ourives. Pois vem, aproximadamente há trinta anos, se dedicando com
afinco à pesquisa de técnicas, materiais feitos com a manipulação de recursos
naturais, com a finalidade de inovar e dá mais qualidade às peças produzida no
Polo, assim como tornar o processo produtivo das joias menos maléfico a seus
pares e ao meio ambiente. Além disso, inventa ferramentas para facilitar o
processo produtivo do setor joalheiro. São inúmeros os resultados dessa sua
apaixonada saga de dedicação ao setor joalheiro.

239 BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São
Paulo, Martins Fontes, 1997, p. 09.
240 Seu corte para extração de tintura para confecção de tecidos, para a elite europeia, foi a

primeira atividade econômica dos portugueses, no século XVI, quando iniciaram a colonização
do nosso país. Como consequência dessa super exploração, até hoje, ela se encontra em perigo
de extinção. SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São
Paulo: Companhia das Letras, 2015.
136

Tais resultados já foram noticiados em diversos canais de comunicação


de massa, já foram feitos e apresentados na televisão documentários sobre sua
atuação no referido setor em programas de conteúdos ecológicos e produzidos
pelo Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas do Pará (Sebrae Pará).
Assim como já foi convidado para conceder inúmeras entrevistas. Entre estas
apresento, resumidamente, aqui, uma que foi noticiada, em 09 de Janeiro de
2009, pelo portal de notícias do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos
(Ibgm)241, denominado de Infojoia, da central de inovação tecnológica, cujo
título foi “O Professor Pardal da Joalheria”, a fim de demonstrar sua faceta de
pesquisador e inventor. A seguir imagens e trechos dessa entrevista:

Figura 30: Paulo Tavares, em 2009.


Fonte: Arquivo do Portal Infojoia/Ibgm

Entre suas diversas pesquisas, está o Caimbé, árvore da qual


extrai pigmentos e abrasivos, que estão sendo testados em
polimentos de joias. (trecho da referida entrevista)

241IBGM é uma entidade nacional de direito privado, sem fins lucrativos, criada em 1977 com o
objetivo de representar toda a cadeia produtiva do Setor de Gemas, Joias e Bijuterias e Relógios.
Sediada em Brasília/DF, conta com escritório em São Paulo/SP e uma equipe de cerca de 30
colaboradores e consultores. http://www.ibgm.com.br/.
137

Figura 31: Caimbé: corte da madeira e etapa da extração de pigmento

Fonte: Arquivo do Portal Infojoia/Ibgm

À base de vitória-régia

Figura 32: Rubi Vegetal


Fonte: Arquivo do Portal Infojoia/Ibgm

Sua mais recente invenção é um polímero, feito à base do silício


presente nas folhas da mais emblemática planta amazonense: a
vitória-régia. Dessas folhas, ele extrai um aglutinante que, por
processamento térmico, se transforma num polímero, tem
estrutura cristalina. Ao agregar cor a este polímero, temos o que
Paulo batizou de rubi vegetal, citrino vegetal e turmalina vegetal,
etc. “Extrai o que tem de mineral no reino vegetal”, comenta
Paulo Tavares., que também alerta: “Como material de
experimentação aproveito folhas que são naturalmente
desprezadas pela vitória-régia. Da mesma forma, recolho as
cascas que as árvores naturalmente soltam, assim como só uso
folhas, frutos e sementes que caem ao solo”, os quais s
transforma em corantes 100% orgânicos. O vermelho do rubi
vegetal vem do urucum, que em tupi-guarani quer dizer “pau
vermelho”. (trecho da referida entrevista)
138

Figura 33: O amarelado do citrino vegetal advém do tucupi, pigmento


extraído da raiz da mandioca e largamente utilizado na culinária
paraense.
Fonte: Arquivo do Portal Infojoia/Ibgm

Também se dedica a pesquisas empíricas sobre melhoramento de ligas


metálicas de prata e inovações tecnológicas. Desse modo, Paulo Tavares, por
meio de suas pesquisas, vem acumulando conhecimentos na área de química,
botânica, engenharia mecânica, gemologia e ergonomia, de forma autodidata e
por contato com profissionais dessas áreas. Esses conhecimentos servem de
base para os cursos de capacitação que ministra pelo Instituto de Gemas e Joias
da Amazônia (Igama) ou para suas invenções.

Antônio Gramsci242 afirma que não há atividade humana da qual se


possa excluir toda intervenção intelectual, pois para ele, é impossível separar o
fazer do pensar. Paulo Tavares pode ser considerado um intelectual no contexto
dos ourives, em comparação com aqueles que somente ficam nas bancadas.
Contudo, mesmo os que ficam na bancada são intelectuais nessa perspectiva
de Gramsci (mesa adaptada com ferramentas e equipamentos necessários para
a realização dos serviços de ourivesaria). No entanto, Paulo Tavares afirma que
quando se depara com a cultura acadêmica, é questionado por profissionais
desse metiê, sobre a validação científica de suas pesquisas, gerando nele
sentimentos de ressentimento e desconfiança.

242 GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4ª Ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1982. p.7.
139

Aqueles que convivem de perto com este mestre e pesquisador da área


da joalheria e ourivesaria sabem que tem um espírito solidário e é com satisfação
que compartilha seus conhecimentos, pois não mede esforços para auxiliar seus
pares, mas é exigente e, muitas vezes, intransigente, na defesa da qualidade
dos produtos que são comercializados no Espaço São José Liberto (Esjl).
Quando atuava como consultor do Igama, ficava indignado com aqueles que não
levavam a sério o compromisso com essa qualidade. Por isso, foi considerado,
por alguns outros participantes do programa, um “chato, metido a saber das
coisas”. Mas geralmente é respeitado como aquele que ajuda a todos.

Quando perguntei a ele como se define pelo que faz, respondeu: - “sou
hoje um pesquisador que não tem sossego, sem estudo, que aprende no livro da
natureza. É na natureza que busco respostas para as minhas dúvidas, para as
minhas noites sem dormir”.

Paulo confessou que sofre de insônia, pois vive num “rio nervoso de
ideias”, já teve e continua a ter muitos problemas de saúde por conta disso. Há
oitos anos atrás, ele sofreu um aneurisma, que afetou sua memória, a qual vem
recuperando cada vez mais. Tal ocorrência fez com que Paulo Tavares perdesse
muitos dados e resultados de suas pesquisas, pois nada foi escrito sobre isso,
por estar ligado a um contexto de tradição oral, que não tem o hábito e nem a
habilidade necessária para produzir registros escritos. Também se define como
um “sonhador” de dias melhores para todos.

Declarou que sempre foi um militante em defesa da Natureza, o que hoje


é chamado de responsabilidade ambiental ou ética de sustentabilidade. Sempre
se sentiu como se nunca tivesse saído da floresta. Tem certeza que não
conseguiria viver numa cidade grande, como São Paulo. Contou que já teve
oportunidade para trabalhar nesta cidade, mas não aceitou, por conta de ser
apegado às suas raízes.

As leituras sobre a Micro-História, principalmente, a da obra O Queijo e


os Vermes, de Carlos Ginzburg,243 suscitou a consciência da referência da
excepcionalidade da vida do pesquisado em relação aos seus pares e, ao

243 GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro


perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
140

mesmo tempo, de sua integração no ofício de ourives, partilhando um saber


tradicional a respeito do mesmo. Desse modo, identifiquei semelhanças entre a
trajetória de vida de Paulo Tavares com a de Menocchio, o moleiro que é o
personagem principal da citada obra de Ginzburg.

Nesses termos, destaco aqui o termo “circularidade”, utilizado por


Ginzburg na obra em evidência. Este autor mostra que o referido termo foi criado
por Mikhail Bakthin, para expressar a ideia de que existe circularidade cultural
entre as classes populares e as classes eruditas, ou seja, (...) “um
relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de baixo
para cima, bem como de cima para baixo”.244 Sua intenção ao usar tal conceito
foi demonstrar que se opõe aos intelectuais que defendem a ideia da existência
de separação radical entre as duas culturas.

A Micro-História propõe metodologicamente a construção da teoria por


dentro da investigação empírica, ou seja, não é a teoria que deve se impor ao
objeto, mas deve ser construída no diálogo do historiador com as evidências que
reúne na sua pesquisa. Nesse aspecto, a utilização do método indiciário pelo
historiador, lhe permite observar elementos que, numa perspectiva mais ampla,
passariam despercebidos. Assim, acredito que o método indiciário poder ser,
entre outros, útil para entender as particularidades do modo de vida dos ourives,
como, por exemplo, a de Paulo Tavares.

Nesse caso, constato uma experiência de circularidade cultural, pois sua


trajetória de vida demonstra ser ele, ao mesmo tempo, portador de uma cultura
artesanal tradicional e oral, comum aos outros ourives, e de conhecimentos da
cultura mais acadêmica, obtidos de forma autodidata e reelaborados em seus
significados, a partir de sua própria tradição cultural, por meio de contatos com
profissionais de diversas áreas de conhecimento no Polo Joalheiro em destaque,
por meio de consultorias e cursos de qualificação profissional.

Sua inquietude de pesquisador e sua sede de conhecimento lhe


permitiram ir além do fazer joias, tornando-o, o que é hoje, um produtor de saber
do fazer joia, um criador de novos instrumentos de trabalho e de técnicas de
inovação tecnológica para o setor joalheiro, com base na ética da

244 Idem, p. 10.


141

sustentabilidade social e ecológica. Atualmente, senta em sua bancada mais


para demonstração de como fazer, quando ministra seus cursos de qualificação
pelo Igama ou por conta própria, em sua casa/oficina, como mostra a foto a
seguir:

Figura 34: Curso de Qualificação em acabamento de joia.


Fonte: Arquivo da Pesquisa de Campo, dezembro de 2012.

Atualmente, tornou-se um personagem chave para agregar ourives e


designers em torno de projetos coletivos de produção e exposição de joias com
a marca da valorização da sustentabilidade da biodiversidade da Amazônia, em
que ele afirma, em várias entrevistas, que esta sustentabilidade deve se estender
ao mundo e não ficar somente aqui. Pretende assim transcender a experiência
para além do local, no sentido de somar as experiências daqui com as outras
espalhadas no mundo. Foi o que afirmou durante sua participação no Programa
Sem Censura da TV e Portal Cultura de Belém, no dia 15 de dezembro de 2014,
por ocasião da Exposição Metal-Morfose: A Transformação da Matéria — no
Coliseu das Artes, no Espaço São José Liberto, no Pará.
142

Figura 35: Participação de Paulo Tavares no Programa Sem Censura da TV


Cultura/Pará.
FONTE:www.portalcultura.com.br.

Na exposição em destaque, Paulo Tavares mostrou as joias criadas por


meio da reciclagem de metais e com a inovação tecnológica que vem sendo
desenvolvida já há décadas também por ele, a qual denominou de incrustação
paraense, em que a esmaltação industrial vem sendo substituída por resíduos
da lapidação de gemas minerais ou de produtos orgânicos.

Desse modo, a referida exposição intencionalmente expressou o


compromisso com a sustentabilidade da biodiversidade do planeta, na tentativa
de evitar que estes resíduos fossem lançados no ambiente, consequentemente,
contribuindo para o equilíbrio do ecossistema ambiental. Embora tal
compromisso constituísse uma matriz do trabalho de Paulo Tavares, ele está
afinado com a mentalidade atual, que valoriza as preocupações ecológicas. O
discurso da sustentabilidade de Tavares está vinculado às preocupações e
decisões que emergiram nos congressos da Eco92, tratados por mim no início
deste trabalho, e se constitui em uma maneira de ganhar espaço, já que o
referido discurso, longe de ser inocente ou puro, tem grande valor em termos de
saber e de comércio.

Paulo Tavares assinou a coordenação técnica desta Exposição. Segundo


a reportagem da Infojoia do dia 09 de dezembro de 2014, esta foi composta por:
143

Ao todo, 44 joias, que trazem elementos da fauna e flora, foram criadas


artesanalmente pelos designers Lídia Abrahim, Mônica Matos,
Marcilene Rodrigues, Nilma Arraes e Argemiro Muñoz, com produção
e ourivesaria de Ednaldo Pereira, Paulo Tavares, Amajoia, Amazon Art,
Yemara, Silabrasila, Joiartmiro, Moa-Arãn e Mônica Matos Joias da
Amazônia.245

Figura 36: Banner da Exposição de Joias Metal-morfose.


Fonte: Arquivo do IGAMA

Percebo que estes projetos de sustentabilidade na criação da Joia do Pará


transmitem uma concepção de mundialização, conforme define Gruzinski246, na
admissão de que o global pode fundir-se no local, por meio de intercâmbios de
experiências de mestiçagem que superem o etnocentrismo, ou melhor, o
eurocentrismo. Assim Gruzinski faz a seguinte pergunta: Um índio pode ser
moderno? E eu faço a seguinte pergunta: um nativo do Marajó, mestiço de
branco com índio, ligado as raízes indígenas, pode ser um protagonista do
movimento mundial em prol da sustentabilidade do planeta, daqui de Belém?
Paulo Tavares concedeu para a Agência Pará de Notícias247 o seguinte
depoimento: “Cheguei a conviver como os índios, com os costumes deles. Os
galhos, as cores e tudo o que eu queria como brinquedo, como barquinhos, eu
retirava da natureza”.

245 http://novo.infojoia.com.br/noticias/interna/14277/Metal-Morfose.
246 GRUZINSKI, Serge. As quatro partes do Mundo: Histórias de uma mundialização.
Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: EDUSP, 2014.
247 Central de notícias do Portal do Governo do Estado.
http://www.pa.gov.br/noticia_interna.asp? Entrevista de Paulo Tavares realizada em 18/07/2012.
144

Uma resposta eu encontrei, para a pergunta que fiz anteriormente, no


depoimento dado pelo renomado designer de joia italiano, Stefano Ricci, para a
mesma agência, também em 18 de julho de 2012, sobre a coleção de joias
“Digitais da Amazônia”, 248 nesta época professor do Curso de Mestrado
"Product Design for Rapid Manufacturing - Wearable Luxuries", da Universidade
La Sapienza, de Roma (Itália), em que afirmou que a referida coleção tem o foco
na iconografia da região. Assim declara:

Estou particularmente feliz por constatar na coleção a evolução


do tema e da metodologia que eu introduzi. Mônica Matos, com
a ajuda do sábio mestre ourives Paulo Tavares, soube infundir
na matéria, que dá forma às joias, os valores intangíveis - em
especial da poesia - o que torna a coleção elegante e atemporal,
adaptada também ao público internacional. 249

Stefano Ricci refere-se aos Workshops Internacionais de Design e


Ourivesaria, organizados pelo Polo Joalheiro, em três anos seguidos, 2008, 2009
e 2010, em períodos de duas a três semanas, em que ministrou a formação em
design de joias, junto com o ourives da mesma nacionalidade Claudio Franchi.
Em seu depoimento fica visível um “eu introduzi” o tema e a metodologia
de fazer joias com a iconografia da Amazônia e um elogio ao mestre ourives
Paulo Tavares, o sábio. Configurando assim uma experiência de mundialização,
em que um etnocentrismo briga com uma valorização de miscigenação.
No portal Joia Br250 encontrei uma notícia intitulada joias e artesanato do
Pará participam de três eventos de moda e turismo, datada em 3 de junho de
2006, em que faz o seguinte destaque:

Da redação - Com boas perspectivas de negócios, produtores


de joias e artesãos ligados ao Espaço São José Liberto - Polo
Joalheiro participam em junho de três grandes eventos ligados à
moda e à promoção do turismo. O Salão do Turismo, o Fashion
Business e a Feira Internacional de Turismo da Amazônia (FITA)
terão estandes com as joias e o artesanato do Pará.

248Paulo Tavares assina esta exposição com Mônica Matos, produtora, ourives e responsável
principal pelo designer das peças. Ela e Paulo são sócios de uma pequena empresa de
comercialização das joias, em que ela assume tal tarefa, enquanto Paulo se dedica as suas
pesquisas e invenções.
249 Declaração feita na reportagem postada na Agência de Notícia do Pará.
http://www.pa.gov.br/noticia_interna.asp?id_ver=103872.
250http://joalheriadearte.com.br/noticias/n030606a.html.
145

Na Casa do Pará, no Pavilhão Verde do Salão do Turismo - que


acontece até o dia 6 de junho na capital paulista, cerca de 150
peças da joalheria produzida por profissionais do Polo Joalheiro
estão expostas, compondo o ambiente decorado com a temática
do carimbó.
De São Paulo, as joias paraenses seguem para o Rio de Janeiro,
onde de 7 a 10 de junho participarão, na Marina da Glória, do
Fashion Business, evento paralelo ao Fashion Rio.
Também serão apresentadas ao público do Fashion Business as
joias produzidas com resina de chocolate e prata, da coleção
“Chocolate: Prazeres da Vida”, desenvolvida pelo ourives Paulo
Tavares e pela designer Cláudia Schneider.

Tal notícia mostra uma trajetória de Paulo Tavares enquanto mestre,


pesquisador e criador de joias. Ele pretende ganhar o mundo daqui mesmo ou
que o mundo o inclua, por sua criação e inovação de joias artesanais daqui,
numa Amazônia vista como mundo e indo assim além de uma visão local.
Nesse sentido, Paulo Tavares se compõe por dois principais indícios
demonstrados, a meu ver, por Gruzinski sobre a colonização do imaginário e
outro por Nietzsche sobre a superação de si mesmo. Questiona Gruzinski251:

Como, de modo geral, indivíduos e grupos, constroem e vivem


sua relação com o real numa sociedade abalada por uma
dominação externa sem precedentes? Ou seja, num contexto
marcado pelo contexto histórico-cultural da colonização das
Américas. “

Este autor pretende ir além de uma visão eurocêntrica e do ponto de vista


dos “vencidos”: [...] Não para saciar uma sede de exotismo e arcaísmo [...] mas
para compreender melhor o que pode ter significado a expansão do Ocidente
moderno na América.252 Em termos de demonstrar como a criação cultural cabe
tanto aos indivíduos quanto aos grupos, que se constituem e movimentam em
um mundo mesclado de modos e técnicas de expressão, memórias, percepções
do tempo e do espaço e imaginários pelo vão e vêm entre traços dos
colonizadores e dos colonizados.

251GRUZINSKI, Serge. A Colonização do Imaginário. Sociedades indígenas e


ocidentalização no México espanhol. Séculos XVI-XVII. São Paulo: Companhia das Letras,
2003, p.10.
252Ibidem, p. 13.
146

Quando se trata de Amazônia, Pará, Marajó, Belém, partimos do mundo


colonizado mesclado com o mundo dos colonizadores europeus. Qual a
dinâmica então desse mundo mesclado no mundo de Paulo Tavares, no mundo
dos ourives do Polo Joalheiro do Pará? Pergunta inspirada nas considerações
de Gruzinski.
Entendo que a ressignificação dos ourives pode se dar nesse contexto de
forma individual ou como categoria social, em termos de buscar uma reafirmação
de uma identidade de ourives de joias artesanais, diante da constante ameaça
de desaparecer na predominância de joias industriais no mercado multinacional,
em que alguns destes se reconstroem incansavelmente, como no caso de Paulo
Tavares.
E quando isso não ocorre há a desistência do ofício de ourives de joias
artesanais, em que deixam de exercer este ofício para fazer outras atividades de
subsistência. Até o momento a estratégia dos não desistentes e de se fortalecer
com um estilo próprio de fazer e criar joias e realizar exposições em grupo em
Feiras de joias locais, nacionais e internacionais. Sendo que Paulo Tavares é
uma referência agregadora de diversos grupos.
No pensamento de Nietzsche sobre o “superar a si mesmo”, no sentido
de ser um “andarilho” na vida. Ser andarilho para ele é um “espírito livre” que
sempre busca se reelaborar sem nunca colocar-se um ponto final, mas somente
pontos em seguidas. Um sempre reelaborar-se no tempo e no espaço. Um estar
sempre em movimento. Vejo Paulo Tavares como um andarilho, segundo
Nietzsche,253 por estar sempre metamorfoseando suas criações, em sua arte
de fazer joias. A última exposição chamada metal– moforse, explicada antes,
serve muito bem de exemplo.
Talvez a sua liberdade em relação à razão acadêmica tenha lhe dado asas
para criar, fazer uma joia arte, como ele mesmo denomina o que faz, pois
conseguiu ir além das amarras científicas, tornando-se um pesquisador e criador
autodidata. Pois segundo Nietzsche, 254

Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não


pode se sentir mais que um andarilho sobre a Terra – e não um

253NIETZSCHE, Friedrich. Livro Humano, demasiado humano – Um livro para Espíritos


Livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
254Ibidem, p. 638.
147

viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas
ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente
sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com
muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo de
errante, que tenha alegria na mudança e na passagem. Sem
dúvida esse homem conhecerá noites ruins, [...] Isso bem pode
acontecer ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as
venturosas manhãs de outras paragens e outros dias, quando já
no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de musas
passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no
equilíbrio de sua alma matutina, em quieto passeio entre as
árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente coisas
boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em
casa na montanha, na floresta, na solidão, e que, como ele, em
sua maneira ora feliz ora meditativa, são andarilhos e filósofos.
Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é
possível que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do
sino, tenha um semblante assim puro, assim tão luminoso, tão
sereno-transfigurado: – eles buscam a filosofia da manhã “.

Segue mestre Paulo Tavares com olhos de artista ourives. O Infojoia, o


portal de notícias do IBGM,255 fez uma reportagem sobre a Exposição “As
digitais da Amazônia”, presentes em joias sustentáveis, em que escreve:

A coleção de joias sustentáveis e encantadoras, este em


exposição no Espaço São José Liberto e está em plena
expansão. Outras peças, cujos embriões estão guardados na
natureza, estão esperando apenas serem descobertas pela
sensibilidade e criatividade de Paulo Tavares e Mônica Matos.

255http://www.infojoia.com.br/news_portal/noticia_12900. Reportagem posta em 24 de julho de


2012. Mônica Matos é criadora de joias que tem uma parceria com Paulo em diversos projetos
para o Polo Joalheiro e também de caráter particular.
148

F
Figura 37: Paulo Tavares e Mônica Matos na Exposição “Digitais da Amazônia”
Fonte: http://www.infojoia.com.br/news_portal/noticia_12900. Reportagem posta em 24
de julho de 2012.

A exposição “metal– morforse” foi o desdobramento desta exposição.


Assim mestre ourives Paulo Tavares segue em seu “rio nervoso de ideias”. Eis
uma de suas criações:

Figura 38: Peça pingente Curuatá feito em bronze. Criação Mônica Matos, com
gema vegetal feita de Açaí, criada por Paulo Tavares. 256Fez parte de uma
exposição na cidade de Roma, na Itália, em fevereiro de 2013.
Fonte: http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2012/11/designers-do-polo.

O Curuatá seria:

256Curuatá é o Invólucro que protege os frutos das palmeiras e também serve de recipiente para
os índios e ribeirinhos, que colocam dentro deles os frutos coletados na floresta.
http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2012/11/designers-do-polo.
149

Figura 39: Curuatá com caroços de açaí.


Fonte: http://monicamatosjoias.blogspot.com.br/

Num exercício de comparação entre os mestres ourives João Sales e


Paulo Tavares em termos de projeção de realização pessoal e coletiva enquanto
ourives de joias é nítido que o primeiro mestre atualmente decidiu-se por investir
na sustentabilidade econômica de sua família nuclear e ampla, buscando
permanecer na esfera da joalheria paraense, mais independente do Polo
Joalheiro, optando assim ir para a área de garimpo no Suriname,257 onde já se
encontra estabelecido com um de seus irmãos, o qual o chamou para ir para lá
para fortalecer a produção de joia da oficina dele, propondo uma sociedade.
O segundo mestre vem atualmente investindo em realização de projetos
coletivos familiares e com os segmentos sociais da cadeia produtiva de joias do
Polo Joalheiro, como, por exemplo, outros ourives e designers, por meio de
realização de oficinas de qualificação técnica e exposições de joias
potencializando assim sua parceria com a gestão administrativa do referido Polo,
lembrando que este funciona no Espaço José Liberto. Mas Paulo Tavares realiza
suas atividades na maioria das vezes em sua casa–oficina, que vem se tornando
outro ponto de reunião dos atores que atuam na produção de joias artesanais.
Neste espaço, as pessoas podem participar de cursos de
aperfeiçoamento técnico, de planejamento e execução de projetos com ênfase
atualmente em sustentabilidade social e ambiental. Este foi o caso da realização

257 Suriname, ou, raramente, Surinão, oficialmente chamado de República do Suriname, é um


país do norte da América do Sul, limitado a norte pelo oceano Atlântico, a leste pela Guiana
Francesa, a sul pelo Brasil e a oeste pela Guiana. Fonte:
www.suapesquisa.com/paises/suriname/
150

da Exposição de Joias Metal-morfose antes explanada e da oficina de tratamento


de resíduos de metais utilizados na fabricação de joias, realizada, em várias
etapas de 2013, 2014 e 2015, para sua retirada do meio ambiente e reutilização.
Esta sua forma de atuação vem ressoando em uma imagem midiática, numa
constância em torno de suas criações e realizações como respeitável ourives.
Embora os dois personagens trabalhados neste capítulo compartilhem do
mesmo ofício, o de ourives, suas histórias de vida e de trabalho são diferentes,
como já mostrado acima. João Sales, oriundo do Nordeste, começou como
aprendiz do pai, enquanto Paulo Tavares, nascido e criado no Marajó, tornou-se
ourives também como aprendiz de uma oficina em Belém, para onde veio para
cursar o seminário e tornar-se padre, projeto logo abandonado, ao entrar em
contato com o mundo do trabalho artesanal na oficina próxima ao seminário.
O contato com a floresta na ilha do Marajó influenciou profundamente a
trajetória de Tavares como ourives, levando-o a se tornar um pesquisador da
natureza, cujo resultado foi a transformação de matérias orgânicas – folhas,
sementes, paus – em gemas, que passaram a constituir suas joias. Já João
Sales, apesar de usar gemas orgânicas que não produz, prioriza em seus
trabalhos gemas minerais, o que resulta de sua vivência nas minas de Itaituba.
Ao ingressarem no programa do Polo Joalheiro, ambos realizaram cursos
de capacitação ministrados por mestres ourives e designers de joias, que lhes
permitiram aprimorar seu trabalho e se transformar, também, em mestres
ourives. Nesta condição, tornaram-se instrutores de iniciantes da arte da
ourivesaria no Polo Joalheiro, transmitindo suas experiências no ofício às novas
gerações.
151

3. As ourives/designers entre memórias, criações e um


querer fazer joias

No mais profundo de si mesmo, o


nosso ser rebela-se em absoluto
contra todos os limites. Os limites
físicos são-nos tão insuportáveis
quanto os limites do que nos é
psiquicamente possível: não fazem
verdadeiramente parte de nós.
Circunscrevem-nos mais
estreitamente do que desejaríamos.
Lou Andréas-Salomé

Apresento mulheres com suas histórias e memórias em um universo


tradicionalmente masculino, a ourivesaria. Ao perguntar ao ourives Paulo
Tavares se era comum mulheres ourives, este respondeu: “Antes do Programa
surgir, não, eu não conhecia, era realmente uma concepção que o trabalho era
de homem [...]”.258
Perguntei a ourives e designer de joia Maria Ivete Negrão, se ela sofreu
discriminação, por parte dos colegas ourives, por ser uma ourives. Ela
respondeu: [...] “achavam que era o campo para não pisar... ainda tem isso, mas
agora há troca. Nem todos, mas alguns não aceitam ainda.”
A história das mulheres, de acordo com Perrot,259 foi consolidando-se
em um campo de pesquisas, que foi transformando seus objetos, seus métodos
e concepções, assim tornando a mulher definitivamente um sujeito da história,
em que foi delineando uma historiografia demarcada por várias etapas.
Primeiramente, foram destacadas as figuras femininas, enfatizando a opressão
e a vitimização. A seguir a questão do corpo feminino e suas representações
sociais e culturais. Então, chegando às mulheres como agentes responsáveis
pelos seus destinos individuais e coletivos, sobre suas capacidades de
resistência e de transformação.
Contudo, como afirma Rago,

Da história das mulheres passamos repentinamente a falar na


categoria do gênero, entre as décadas de 1980 e 1990. Uma
imensa literatura abriu-se, então, para nós: as pós-

258 Entrevista gravada, concedida em 12/12/2012, em sua casa/oficina.


259PERROT, Michelle. Dossiê: História das Mulheres no Ocidente. Escrever uma história
das mulheres Relato de uma experiência. Cadernos Pagu (4), 1995
152

estruturalistas, com Derrida e Foucault à frente, dissolvendo os


sujeitos e apontando para a dimensão relacional da nova
categoria [...]260

Pinsky diz que: “uma das propostas da História preocupadas com gênero
é entender a importância, os significados e a atuação das relações e
representações de gênero no passado, suas mudanças e permanências dentro
dos processos históricos e suas influências nesses mesmos processos”261
Nesse aspecto, as ourives/designers aqui em destaque vivenciaram, de
alguma maneira, relações de gênero e trabalho, como as entrevistas anteriores
indicam, pois, tradicionalmente, o ofício de ourives é considerado um trabalho
masculino. Contudo, construíram uma história de mulheres no mundo das joias
no Polo de superação, em alguns casos, dessa discriminação. Ou de
reconhecimento profissional, driblando essas relações. .
Essas mulheres ourives são representadas aqui por Ivete Negrão, Camilla
Amaral, Lídia Abrahim, Selma Montenegro e Marcilene Rodrigues., por terem
uma trajetória no Polo como ourives/designers. Adiante mostro e analiso essas
trajetórias.

3.1. Ivete do Rio Negro, a costureira que virou designer ourives

A designer e ourives Ivete Negrão nasceu e cresceu às margens do rio


Negro, nos arredores de Manaus, em 1962. Em entrevista262 Ivete Negrão
narrou sua trajetória de vida às margens deste rio:

Eu sou amazonense, mas meu pai e minha mãe são paraenses.


Minha infância foi numa fazenda. Eu não tive muita vivência não.
Eu casei com dezessete anos, mas esses dezessete anos foram
bem vividos. Meu pai foi muito dedicado. Ele se separou muito
cedo de minha mãe... eu tinha quatro anos... foi pai e mãe e tudo,
deu oportunidade e conforto, ele deu tudo pra mim e meus
irmãos.

260 RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. Cadernos Pagu (11) 1998: p.
90. Disponível em: file:///C:/Downloads/cadpagu_1998_11_8_RAGO.pdf. Acessado em 10 de
junho de 2012.
261 PINKY, Carla. Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, Florianópolis,
17(1): 159-189, janeiro-abril/2009, p. 162.
262Concedida no dia 30/08/2012, no Espaço São José Liberto, p 105.
153

Sua infância, como a de João Sales, foi marcada pela intensa relação
afetiva com seu Pai:

Ele dizia: - “minha filha vai estudar, se formar”, ele pensava


assim, ele era bem moderno. [...] Meu pai era muito amoroso,
me chamava só de filhinha, não me chamava pelo nome.
Quando chegava do trabalho, levava a gente pra passear de
canoa no rio Negro, em frente de Manaus e assistir o sol se por.
A gente voltava pra casa muito feliz. São cinco filhos, quatro
mulheres e um homem.

Mas também marcada pelas relações com as mulheres da família de seu


pai, por conta da ausência de sua mãe, nesse momento de sua vida:

[...] Minha vó e minha tia moravam com a gente na fazenda.


Minha vó era maravilhosa, mas minha tia era muito severa, era
igual uma madrasta, mas eu não tenho trauma disso não!

Pois somente vai encontrar a mãe quando fez 15 anos de idade: “Minha
mãe foi morar em Juruti no Pará, só fui conhecer ela realmente com 15 anos de
idade”. Apesar dos conselhos do “pai moderno”: [...] “eu casei e vim morar pra
Belém.” Disse-me nesta entrevista que casou com 17 anos. O casamento trouxe
a possibilidade de reencontrar com a mãe. [...], “Mas como é o destino de Deus...
quando casei, ela veio morar comigo e me ajudou a criar minhas filhas e não
saiu mais de perto de mim.”
Como Paulo Tavares, a floresta foi seu habitat na infância: “O rio, a mata,
a natureza são muito importantes pra mim, estão sempre em minhas lembranças
e na criação de minhas joias.”
A trajetória dos e das ourives em destaque até aqui tem em comum suas
trajetórias de vida entrelaçadas com a Amazônia como espaço geográfico, mas
que, por outro lado, aparece como um lugar simbólico, no sentido de significados
de várias “Amazônias”. Uma da floresta, por Paulo Tavares, do Marajó, em que
a floresta vira um mar de rio em determinadas épocas do ano. A da floresta de
Ivete, que é mata fechada da beira do rio Negro, e a do garimpo de João Sales.
154

A Amazônia, portanto, aparece como um “lugar da memória”. Segundo


Nora,263

Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um


depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o
investe de aura simbólica. Mesmo um lugar puramente
funcional, como um manual de aula, um testamento, uma
associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for
objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o
extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo tempo, um
corte material de uma unidade temporal e serve,
periodicamente, a um lembrete concentrado de lembrar. Os três
aspectos coexistem sempre (...). É material por seu conteúdo
demográfico; funcional por hipótese, pois garante ao mesmo
tempo a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas
simbólica por definição visto que caracteriza por um
acontecimento ou uma experiência vivida por pequeno número,
uma maioria que deles não participou.

A Amazônia, portanto, é percebida como um lugar da memória, ao mesmo


tempo, particular e coletiva, por estar envolta de significados múltiplos, que vêm
sendo construídos numa historiografia sobre a mesma, entre experiências e
mitos.
Desde a visão da Amazônia como paraíso, representada por colonos,
viajantes, missionários da igreja, que a imaginavam como o Éden, conforme
escreveu Holanda, em 1958.264 Até como Hardman265 a demonstrou em seu
trabalho, por meio de uma visão crítica, imersa na era contraditória do progresso
técnico que demarca o período da modernidade, em que demonstra como a
Amazônia foi palco de grandes obras, como construção de ferrovias, sendo
expressão de ideologias progressistas internacionais, atraindo trabalhadores de
várias regiões do Brasil e de outros países

Amazônia das águas de Dalcídio Jurandir, narrada em seu romance


Marajó, publicado pela primeira vez em 1947, mas fontes bibliográficas afirmam
que começou ser escrito em 1933 e foi concluído em 1939 na vila de Salvaterra,

263NORA, Pierre. Entre história e memória: a problemática dos lugares. Revista Projeto
História. São Paulo, v. 10, p. 15, 1993.
264 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no
descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
265 HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: a modernidade na selva. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
155

na própria Ilha do Marajó.266 Neste romance, faz destaque às frequentes


enchentes desta região, que é o lugar onde nasceu. Fala também das
brincadeiras de sua infância, entre tantas, há uma em comum que aparece nas
memórias narradas por Paulo Tavares e Ivete, enquanto crianças da floresta, a
qual era fazer anel do caroço de tucumã.267

Figura 40: Anel de Tucum.


Fonte: Arquivo do Google.

O Polo Joalheiro tem uma linha de joias com este material, feita por seus
vários ourives e designers.
Nesse contexto surgiu uma pergunta: “Como a Amazônia vai aparecer nas
representações dos migrantes nordestinos que vão estabelecer o diálogo entre
as imagens trazidas das paisagens dos estados do nordeste com aquelas
experenciadas no universo do deslocamento para a Amazônia?
Lacerda268 trata da migração nordestina ao Pará, entre 1889 e 1916,
mesmo assim contribui para entendermos como a seca do sertão cearense está
entrelaçada com a floresta e o rio no Pará, por meio das trajetórias dos sujeitos
envolvidos no processo migratório de várias épocas. Nesse processo, incluo a
trajetória de vida de João Sales, exposta anteriormente. Nesse sentido, Lacerda
aborda a natureza cearense e a natureza amazônica, em termos das
representações contidas na tradição oral, ou seja, nas “Histórias fabulosas que
ouvimos na infância”.
Desse modo, a mesma autora demonstra que as representações sobre a
Amazônia nesse contexto de migração se voltam ora para um espaço de floresta,

266 JURANDIR, Dalcídio. Marajó. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, 2008.
267 Conhecido como anel de tucum, uma palmeira nativa da Amazônia, que dá frutos
chamados de Tucumã. Hoje é bastante comercializado.
268 LACERDA, Franciane Gama. Migrantes Cearenses no Pará: faces da sobrevivência
(1889/1916). Belém: Editora Açaí, 2010.
156

de abundância de água por conta dos rios e animais, ora como um lugar perigoso
para adquirir doenças. Também, como o Pará é visto pelos migrantes cearenses
como um lugar da fartura, onde há um futuro de prosperar na vida.
O rio aparece como um elo que une os três relatos orais apresentados até
aqui. João Sales, Paulo Tavares e Ivete destacam como a infância deles na
beira do rio inspirou atualmente a criação e produção de suas joias.
Por meio do rememorar suas infâncias e relacioná-las com o criar e fazer
de suas joias, eles se remetem a um jogo entre tempo e memória. De acordo
com Delgado, 269

Tempo e memória, portanto, constituem-se em elementos de um


único processo, são pontes de ligação, elos de corrente, que
integram as múltiplas extensões da própria temporalidade em
movimento. A memória por sua vez, como forma de
conhecimento e como experiência, é um caminho possível para
que sujeitos percorram a temporalidade de suas vidas.

Assim, a designer ourives Ivete narra sua trajetória de vida, com destaque
para o fato de como o designer de joias entrou em sua vida:

Quando eu tava fazendo o curso (em 2010) com o Stefano


(Designer Italiano),270 ele me perguntou: - “o que te levou a
desenhar joia?” Eu respondi: desde criança eu ficava
maravilhada com o anel colorido que vinha com o bombom e eu
desmontava os terços de minha vó para fazer colar de cristal pra
mim, ela me brigava, mas não tinha jeito, eu sempre fazia isso.

Faz referência a sua infância, seu passado, para falar de si mesma em


seu presente. Benjamim afirma que “[...] Para que um fragmento do passado seja
tocado pela atualidade não pode haver qualquer continuidade entre eles.”271 Ou
seja, ela deixa rastros de lembranças para serem seguidos como um tesouro
guardado numa velha caixa de brinquedos, que trazem um sentido de reinvenção
de si em seu mundo como designer de joia e ourives.272,

269DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História oral e narrativa: tempo, memórias e


identidades. Revista HISTÓRIA ORAL, 6, 2003, p. 2. VI Encontro Nacional de História Oral
(ABHO) – Conferência de Abertura.
270 Refere-se a sua participação no Workshop Internacional de Design e Ourivesaria realizado
pelo Igama. (como informei antes, coordenado pelo designer italiano Stefano Ricci).
271 BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p.7.
272BENJAMIN, Walter. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Obras
Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
PORTUGAL, Ana Maria. O Tesouro das Lembranças. Vestígios. In: SEDLMAYER, Sabrina e
157

Nesse caso, o passado não se apresenta tal como ele foi, mas sempre
como algo novo que rompe a barreira do esquecimento para se tornar presente
no ato de lembrar, o qual é sempre permeado de sentidos (que pertencem ao
âmbito particular, individual, de modo revelador de experiências agradáveis ou
desagradáveis) e significados (que pertencem ao âmbito social e cultural, de
modo descontinuo).273
Por essas veredas revela

Eu era dona de casa e costureira. Em 2002, minha filha mais


velha estava fazendo um curso no Cefet (antiga Escola Técnica
e atual Instituto Federal do Pará). Um dia ela chegou em casa e
me disse: mãe, lá no Cefet tem curso para desenhar joia, a
senhora deveria fazer, a senhora sempre quis. Ela me deu maior
força e eu fui. Meu marido também me apoiou. Fui assim
aprendendo a desenhar.

Relatou também como chegou ao Polo Joalheiro para aprender ofício de


ourivesaria em joalheria:

Em 2006, vim para a Escola Rahma para aprender a fazer joia,


eu queria mais conhecimento. Eu me considero uma ourives e
uma designer de joia, que está sempre buscando aprender mais.
Foi difícil ser aceita no programa, só entrei oficialmente em 2007.
Mesmo não sendo fácil, não quero desistir, quero continuar
seguindo esse caminho. Os ourives achavam que era campo
minado para não pisar. Ainda tem isso, mas tem aqueles que já
aceitam a gente.

A Escola Rhama é uma escola particular de ourivesaria em joalheria que


funciona no Espaço São José. Ela, portanto, investiu em seu aprendizado, para
se tornar por primeiro uma designer de joias e depois uma ourives. Tudo isso
com o propósito de ingressar no Polo Joalheiro.
Em sua fala: “Foi difícil ser aceita no programa, só entrei oficialmente em
2007”, fica claro um desabafo, indício de uma mágoa por sofrer exclusão e
depois de satisfação por conseguir ser incluída. Foi uma luta que travou em sua
vida e saiu vitoriosa. Mas pontua também que tem um devir: “Mesmo não sendo

GINZBURG, Jaime (Orgs.). Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2012.
273CHAVES, Ernani. Sexo e Morte na Infância Berlinense, de Walter Benjamin. In:
SELIGMANN–SILVA, Márcio (org.). Leituras de Walter Benjamin. São Paulo: FAPESP,
Annablume, 1999.
158

fácil, não quero desistir, quero continuar seguindo esse caminho.” A


permanência em ser uma ourives e designer de joia esbarra em desafios, mas
pretende seguir em frente. Ela afirma que desistir não está em seus planos.
Ao falar de sua experiência de exclusão e inclusão no Polo Joalheiro faz
uma pegada que pode se encaminhar para a discussão entre história, memória
e ressentimento, mesmo sendo uma viagem insegura pelas estradas das
moradas de certezas positivistas do conhecimento acadêmico, em que as
emoções, os sentimentos são desprezados. De acordo com Seixas274, tal
discussão foi desconsiderada comumente na historiografia, mas não se pode
negar as implicações entre rememorar fatos e esquecimento, num contexto de
exclusão de pessoas do lugar de uma memória oficial, em que deixam
“cicatrizes” sociais e individuais nas trajetórias vivenciadas, que se manifestam
em brumas de mágoas. Contudo, no caso de Ivete tal (res)sentimento de
exclusão a fez seguir em frente e não desistir de seu projeto de vida. para
conquistar sua inclusão no Polo Joalheiro.
Mesmo que, segundo Ivete: “Os ourives achavam que era campo minado
para não pisar. Ainda tem isso, mas tem aqueles que já aceitam a gente.”
Aparece na experiência narrada por Ivete um indicativo de questão de gênero,
pois tradicionalmente quando se fala e se pensa em ourives no Pará há fortes
indícios de composição de território masculino, começando de forma mais
generalista pelo próprio termo “ourives” em português.
Ou seja, o ofício de ourives tradicionalmente é tido como trabalho
masculino, tanto que o próprio termo é classificado como substantivo masculino
nos dicionários. Portanto, causou estranheza mulheres ourives que ingressaram
no Polo. Essa estranheza em relação à atuação de mulheres na ourivesaria foi
pontuada por Paulo Tavares e por Ivete Negrão em relatos anteriores. Por isso
considerei pertinente dar destaque aqui a mulheres que vão para bancada fazer
joias.
Comumente, nos mundos do trabalho de Joias, em Belém, as mulheres
predominam como vendedoras de joias, administradoras de negócios e, depois

274 SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de Memórias em Terras de História: problemáticas
atuais. In: BRESCIANI, Stella e NAXARA, Márcia (Orgs.). Memória e (Res) sentimento:
indagações sobre questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp, 2004.
159

da Implantação do Polo joalheiro, também como profissionais atuantes no design


de joias, o qual segundo Pinto é:275

[...] área em que o profissional designer, que se dedica a


concepção, planejamento e execução dos projetos de joias,
inclusive podendo projetar estratégias de inserção desses
produtos no mercado, trabalhando também com material gráfico
e vitrines de joalherias e exposições.

Já é um conhecimento acadêmico recorrente nas ciências humanas de


que as representações socioculturais vinculadas às atividades manuais e
intelectuais, como também às profissões são demarcadas por imagens e
discursos que definem uma divisão entre pertencimentos do universo masculino
e do universo feminino. Ou seja, são noções de masculino e feminino elaboradas
historicamente, com base nas experiências humanas em sociedade, em que a
divisão social das práticas e relações de trabalho são articulada com as
dimensões simbólicas, enquanto significados sociais.276
Contudo, as múltiplas experiências individuais, socioculturais e históricas
vêm dando movimento a tudo isso, nessa lida da vida, segundo a experiência de
Ivete Negrão, “hoje há troca. Os ourives do Polo aceitam mais, os do comércio
não muito.”
Nesse cenário, Ivete vai se metamorfoseando de dona de casa, costureira
em designer de joia e ourives. Fazendo, portanto, uma trajetória de vida que sai
de casa para ir para mais além de si e construir mais uma entre tantas outras
histórias de mulheres.
Então, como profissional na área da joalheria artesanal, mostra de onde
vêm suas inspirações de criação.

A fonte de inspiração para as minhas criações é a natureza e a


religião. Às vezes, não vem nada no workshop de criação do
Igama, e quando estou deitada vem a inspiração e corro para
copiar. Minha primeira ideia para criar uma joia veio de um garfo
com o cabo de plástico quebrado, em que aproveitou o inox para

275PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor de Gemas e Joias no Município


de Belém – Pará. Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Gestão dos
Recursos Naturais e Desenvolvimento Local – PPGEDAM. Linha de Pesquisa: Uso e
Aproveitamento dos Recursos Naturais. Belém, 2012, p. 50.
276 FONTES, Edilza. “Mulheres na Padaria dá Problema de Amores”. In: _________ O Pão
Nosso de Cada Dia: trabalhadores, indústria da panificação e a legislação trabalhista em Belém
(1940–1954). Belém: Paka–Tatu, 2002. LOBO, Elizabeth Souza. A Classe Operária Tem Dois
Sexos. São Paulo: Brasiliense, 1991.
160

fazer uma imagem de nossa senhora e depois fiz essa imagem


em prata e ouro. Esse processo criativo é um mundo a parte, de
criação, foge do cotidiano, do comum. Uma criação minha que
gosto muito é a peça que denominei de sedução, que é um boto
de um lado e o corpo feminino do outro.

Desse modo, foi construindo sua reputação profissional:

Fui conseguindo respeito. Não foi e nem é fácil. Tenho muitos


relacionamentos. Com a maioria me dou bem e isso gera ciúme
e inimizades. O mundo da joia e muito competitivo. Não dá ainda
para ter uma estabilidade financeira, mas estou conseguindo
quase isso. Eu não estou aventurando, pois sei que vou
conseguir. Eu voltei a estudar, estou terminando meu curso
superior em designer de moda (terminou em junho de 2013). É
muito bom sentir que minhas filhas e meu marido têm muito
orgulho do que faço hoje. Sou uma mulher de cinquenta e um
anos com muita energia para viver, ainda tenho muita coisa para
fazer.

As peças de Ivete já compuseram coleções do Polo Joalheiro que foram


expostas, pelo Igama, em capitais do Brasil e de outros países. Tem muito
orgulho de sua arte de fazer joia “ganhar o mundo”. Exemplo disso foi a exibição
da coleção “Universo do Lugar” no Espaço Brasil, durante a conferência da ONU
no México, em 26 de novembro de 2010, depois de fazer um tour por São Paulo
e Seul, capital da Coreia do Sul. Esta Coleção foi lançada em dezembro de 2009,
durante a feira de joia da VI Pará Expojoia Amazônia Design, por meio de desfile
no Esjl e catálogo de joia impresso. Essa feira ocorre todos os anos no referido
espaço, desde 2004. 277

Ivete Negrão participou desta Exposição com a seguinte peça intitulada


“sabor encanto”:

277 Relatório técnico do Igama de 2009 -2010.


161

Figura 41: “Sabor Encanto”, design de Ivete Negrão.


Fonte: Acervo do Igama.

Como foi visto, a sua infância foi vivida às margens do rio Negro, entre o
carinho de seu pai e peraltices, uma delas era brincar de fazer joia. A brincadeira
virou alimento de sua alma na vida adulta. Isso pode ser verificado por sua
dedicação cotidiana em ser designer e ourives, pois, segundo ela, nunca vai
desistir dessa sua dupla atuação profissional no setor joalheiro. Nas imagens
adiante, pode ser vista praticando suas duas paixões profissionais, criar e fazer
joias:

Figura 42: Respectivamente a designer e a ourives.


Fonte: Acervo do Igama

É uma das pessoas que mais participa das diversas atividades


organizadas pelo Igama, vinculadas ao Programa em destaque. Faz parte da loja
Una. Mostro a seguir mais dois conjuntos de joias, frutos dessa ativa participação
no setor joalheiro. São peças que compuseram a coleção “O Luxo da Cultura e
da Natureza Amazônica”, da VII Pará Expojoia Amazônia Design, realizada em
dezembro de 2010.
162

Figura 43: Cobra Grande Boiúna/ Muiraquitã Floral


Fonte: Catálogo da VII Pará Expojoia Amazônia Design, 2010-2011.
Fotografia: Ocione Garçon

Sua trajetória como ourives é mais uma, entre tantas, das histórias das
mulheres, mas, apesar das especificidades, sua história de vida encontra eco
com a história daquelas que somente foram buscar sua realização profissional
quando seus filhos se tornaram adultos, ou seja, quando ficaram mais livres dos
afazeres domésticos e de suas responsabilidades como mães. Faz parte
também da condição social das que, mesmo sendo “dona de casa”, sempre
contribuíram com a renda familiar, no seu caso, como costureira.
Mary Del Priori278 afirma que, no Século XX, de modo geral, as mulheres
ganham visibilidade, provocada por publicações escritas por elas mesmas, sobre
o seu cotidiano e as práticas femininas. Todavia, para alcançar essa situação,
muitas mulheres tiveram que ser corajosas desbravadoras para ocupar lugares
sociais, que foram, durante muito tempo, privilégios somente dos homens e
devotar suas vidas a remar contra a invisibilidade das mulheres nos registros
escrito públicos.
Por isso não se pode falar da história das mulheres sem fazer destaque à
historiadora Michelle Perrot, por ser uma das pioneiras na construção dessa
história, a partir de 1973, quando elaborou e ministrou o curso “As mulheres têm
uma história?”, em conjunto com Pauline Schmitt-Pantel e Fabienne Bock.
Rachel Soihet demonstra detalhadamente esse seu percurso no texto intitulado

278DEL PRIORE, Mary (Org.). Apresentação. In:_________. História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: Contexto, 1997.
163

Michelle Perrot, publicado no livro Historiadores de nosso tempo.279 Nesse


sentido, ela afirma que:

[...] mulheres, de diversas classes e gerações, em distintos


espaços e tempos, no campo e na cidade, nos séculos XIX e XX,
tornaram-se foco da abordagem de uma das mais consagradas
historiadoras da atualidade, e acessível no Brasil. [...] Esta partiu
de uma história de mulheres vítimas – na qual se sucederam
“mulheres espancadas, enganadas, humilhadas, violentadas,
sub-remuneradas, abandonadas, loucas, enfermas...” – para se
chegar a uma história das mulheres ativas, nas múltiplas
interações que provocam a mudança. [...]

Michelle Perrot contribuiu de forma decisiva para promover o recuo da


ausência de estudos sobre as experiências das mulheres no campo da História,
o que ela denominou de “silêncios da História”. Sua influência intelectual no
Brasil é inegável nesse campo de conhecimento, quando se trata de pesquisa
sobre mulheres e gênero. Segundo Joana Maria Pedro,280 ela é a grande
mestra da História das Mulheres.
Nesse trilhar histórico, incluo a trajetória de Ivete Negrão, destacando o
entrelaçamento entre mulher e trabalho, pois, de “dona de casa” e costureira,
tornou-se ourives e designer. Como pode ser visualizado em seu relato citado
anteriormente, sua trajetória particular esteve ligada ao modelo dos anos 50 de
ser mulher, em que: [...] “Ser mãe, ser esposa e dona de casa era considerado
destino natural das mulheres. Na ideologia dos Anos Dourados, maternidade e,
casamento e dedicação ao lar faziam parte da essência feminina; sem história,
sem possibilidade de contestação.” 281.
Todavia, ela nasceu nos anos 60, casou, por opção sua, no final dos anos
70, vivenciou as décadas de 80 e 90, do século XX, sendo períodos marcados
pela emancipação feminina. Nesse caso, a particularidade de sua experiência
está em que somente no século XXI, a partir de 2002, quando ingressou no
Cefet, foi além desse modelo dos Anos Dourados. Hoje (2013), ela diz, “consigo
ser feliz em casa e realizando meu trabalho”.

279 SOIHET, Rachel. Michelle Perrot. In: LOPES, Marcos Antônio; MUNHOZ, Sidnei J.
(Orgs). Historiadores de nosso tempo. São Paulo: Alameda, 2010, p. 193-212.
280 PEDRO, Joana Maria. Um diálogo sobre mulheres e história. Revista Eletrônica Ponto de
Vista. Estudos Feministas, Florianópolis, 11(2): 360, julho-dezembro/2003.
281 BASSANEZI, Carla. Mulheres dos Anos Dourados. In: DEL PRIORE, Mary (Org.).
História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p. 609.
164

É uma mulher, entre muitas mulheres, que vem escrevendo uma história
das mulheres, sem se impor dicotomias, mas conciliando seus vários papéis
sociais, de mãe, esposa e profissional bem sucedida e realizada, apesar das
permanentes dificuldades cotidianas que vivencia. Nesse sentido, Ivete Negrão
está muito próxima da “mulher, mulheres” de Lygia Fagundes Telles282, a saber:

A difícil Revolução da Mulher sem agressividade, ela que foi tão


agredida. Uma Revolução sem imitar a linha machista na
ansiosa vontade de afirmação e de poder, mas uma com maior
generosidade, digamos. Respeitando a si mesma e nesse
respeito o respeito pelo próximo, o que quer dizer amor. [...] Sim,
é preciso paciência. E vontade fortalecida para melhorar a si
mesmo, o único caminho para melhorar a sociedade. Melhorar o
País. [...]

Assim, Ivete Negrão atravessou o rio Negro para Belém. Nesse


atravessar, de menina virou a mulher ourives e designer de joia do Polo
Joalheiro. Voltou a estudar e formou-se na Faculdade em Moda e segue fazendo
sua história e das mulheres.

3.2. Camilla Amaral, a ourives designer com uma veia artística de herança
Camilla Amaral narrou sua trajetória de ourives, artesã, designer de joia e
empresária, em seu lar, onde mora com seu marido, duas filhas, sua mãe e avó,
no dia 10 de março de 2013. Morava também com o avô, mas este já não
pertence ao mundo dos vivos. Passamos uma agradável tarde juntas. Entre
goles de café e o degustar de um delicioso bolo de chocolate, ela fez o relato
que exponho a seguir:

Camilla concilia as três coisas (dona de casa, esposa e artesã), ela não
tem uma trajetória tão distante de Ivete, mesmo sendo de gerações diferentes.
A imagem dos anos dourados e trabalhadora estão imbricadas.

Eu estou há uns sete anos no Polo. Sou Camilla Amaral, estou


com 33 anos, sou ourives há uns sete anos...esse ano (2013)
faço oito anos. Tenho até medo de fazer os cálculos e me sentir
velha. Assim...eu comecei lá...como eu trabalhava com
artesanato e a minha filha era pequenininha...eu digo...bom!

282 TELLES, Lygia Fagundes. Mulher, Mulheres. DEL PRIORE, Mary (Org.). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. p.672.
165

Com artesanato eu trabalhava muito...Como na minha época de


adolescente eu viajava muito para fazer cursos de artesanatos
diferentes que não tinham aqui e eu gostava muito de trabalhar
com papel. Então aprendi técnicas e técnicas. Quando eu morei
em Londres, eu aprendi Kile, que são papeizinhos enrolados. Eu
fui fazer intercâmbio e aproveitei para fazer esses cursos. Eu
morei lá por seis meses. Eu ia passar três meses, mas com dois
meses meu dinheiro acabou, então...fui trabalhar...aí fiquei três
meses. Eu tinha 21 anos.

O artesanato aparece quase sempre nos depoimentos das interlocutoras


com um meio de gerar uma renda voltada para garantir uma autonomia
financeira. Nesse sentido Camilla afirma:

Eu sempre fui muito virada...ah! eu não tenho dinheiro, eu


sempre tenho...isso me faz ir sempre atrás. Eu sou totalmente
consumista. Eu quero aquele negócio, então eu vou
trabalhar...batalhar pra comprar. A minha mãe nessa época
morava na fazenda, no Marajó, onde nem energia tinha. Sou de
Belém...minha mãe também, mas ela tava tomando conta da
minha avó lá. Meu avô também é daqui...

Puxando outro fio de sua memória narrou mais sobre sua trajetória de
vida:

[...] O meu bisavô não era daqui..., mas ele vendia e comprava
mercadoria. Ele era do Rio. Ele fazia esse intercâmbio: Rio de
Janeiro, Belém e Ilha do Marajó. Ele foi trocando mercadoria por
pedaço de terra. Ele tinha um pedaço imenso do Marajó, depois
ele dividiu entre os filhos, então meu avô ficou com uma parte.
Eu cresci por lá e aqui.

Afirma que sua veia artística foi uma herança de seu avô:

Eu e minha mãe puxamos essa veia artística do meu avô. Eu


digo: se ele fosse vivo, hoje, ele ia ser meu parceiro de trabalho.
Eu sempre gostei dessa parte manual. Meu avô era pecuarista
e tomava conta da fazenda, mas tinha uma veia artística.
Quando quebrava uma faca da cozinha, ele ia e pegava meus
166

brinquedos de plástico. Tinha todo um processo pra abrir o


plástico, pra deixar no fogo, pra deixar o plástico retinho. Ele
colocava um em cima do outro, pinava tudo, furava, lixava e fazia
um novo cabo pra faca. Ele comprava aquelas folhas de couro e
fazia a bainha da faca, toda costurada a mão. Eu cresci vendo
ele fazer isso. Eu procurava os pedaços dos meus brinquedos e
tava tudo lá. Tinha cabo de faca rosa...lilás, porque ele pegava
os pedaços de meus brinquedos. Ele ferrava pedaço de metal.
Aqui na sala tinha uma mesa redonda lá no canto, que era a
oficina dele. Ele tinha tudo ali. Ele tinha pedaços de madeira que
ele ia juntando, aí ele fazia faqueiro, tudo. Ele fazia desde a
caixa. Tudo forrado, na tampa ele fazia as iniciais dele, tudo de
madeira. A coisa mais linda e eu gostava muito disso. Até a parte
elétrica. Ah! Vamos trocar os bocais de luz! Eu troco, desligo só
de ver ele fazer. Eu gostava muito de vê ele fazendo tudo isso.
A ourivesaria tem tudo isso. Eu trabalhava com o artesanato,
fazia quadrinho pra parede de quarto de criança, cartão de datas
comemorativas, vendia pra Visão, pra lojas de flores, mas eu
trabalhava muito e ganhava pouco.

No relato anterior, Camilla faz referência ao artesanato, arte e o trabalho


manual. O entrelaçamento destes termos sempre gera discussões polifônicas.
Por isso, aqui vamos tomar como referência o documento oficial elaborado pelo
Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), em que apresenta uma base
conceitual do artesanato brasileiro. Este documento define e diferencia
artesanato, arte e trabalho manual. 283
O Artesanato é definido com uma atividade que:

Compreende toda a produção resultante da transformação de


matérias-primas, com predominância manual, por indivíduo que
detenha o domínio integral de uma ou mais técnicas, aliando
criatividade, habilidade e valor cultural (possui valor simbólico e
identidade cultural), podendo no processo de sua atividade
ocorrer o auxílio limitado de máquinas, ferramentas, artefatos e
utensílios.284

A arte não pode ser repetitiva em sua produção como o artesanato. O


artista deve imprimir uma marca própria em sua criação. Nesse sentido, [...] “A
obra de arte é peça única que pode, em algumas situações, ser tomada como
referência e ser reproduzida como artesanato.” 285

283 PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO. Base Conceitual do Artesanato


Brasileiro. Ministério do Desenvolvimento Industrial e Comércio Exterior. Ministério da Cultura.
Brasília, 2012.
284Idem, ibidem, p. 12.
285 Idem, ibidem, p.13.
167

O trabalho manual é diferenciando do artesanato e da arte. Desse modo,


definido da seguinte maneira:

Apesar de exigir destreza e habilidade, a matéria-prima não


passa por transformação. Em geral são utilizados moldes pré-
definidos e materiais industrializados. As técnicas são
aprendidas em cursos rápidos oferecidos por entidades
assistenciais ou fabricantes de linhas, tintas e insumos.
Normalmente é uma ocupação secundária, realizada no
intervalo das tarefas domésticas ou como passatempo. Em
alguns casos, configura-se como produção terceirizada de
grandes comerciantes de peças acabadas que utilizam
aplicações de rendas e bordados como elemento de
diferenciação comercial. 286

Contudo, essas divisões e conceituações geraram polêmicas e


divergências. Segundo Nery, 287

Aquilo que se apresenta como formalismo, determinado por uma


intenção de melhor organização dos trabalhos (o esforço em
definir noções-chave), é diminuído quanto às suas
consequências e esquecido quanto às tensões que podem
caracterizar o seu fazer.

De fato, essas tensões entre o que definiria ser artesanato, trabalho


manual e arte estão presentes no Polo Joalheiro, em relação ao fazer joias e
respigam inclusive nas relações entre os sujeitos que fazem parte deste
universo, gerando atritos ou agregações em torno das definições oficiais ou
autodefinições, as quais se vinculam a participação ou não em projetos coletivos
institucionais, assim como em projetos particulares em grupo ou individual.
Camilla faz parte disso como ourives e criadora de joias, que não tem o
curso superior de designer, esse fato faz com que muitas vezes vivencie a tensão
presente entre ser considerada ou não uma designer de joias. Mas ela afirma
que ninguém vai impedir de fazer suas criações e de buscar reconhecimento por
isso: [...] “sou sim”! Vou sempre lutar por esse reconhecimento mesmo não

286Idem, ibidem, p.14.


287NERY, Maria Salete de Souza. A decepção de Tinker Bell e a luta das classificações: o
artesanato, o Governo Federal e o Sebrae. Revista Ciências Sociais Unisinos.50(3):293-302,
setembro/dezembro 2014© 2014 by Unisinos - dois: 10.4013/csu.2014.50.3.11, p. 294.
168

sentando numa cadeira na universidade! Vou ser reconhecida pelo meu talento,
meu brilho e pela marca de minhas peças.”288
Ivete passou por isso também e, por esse motivo, foi buscar, segundo ela,
este estudo de faculdade tão importante para ter um reconhecimento naquilo que
se faz. Isso se tomou uma experiência tão relevante que gerou e vem gerando
um movimento no Polo de Joalheiro de mulheres que, depois de muitos anos
sem estudar (6 mulheres e nenhum homem, nessa situação), fizeram ou estão
fazendo o ensino superior em instituições particulares ou públicas,
predominantemente nas áreas de designer e moda.
Nessa discussão entre saberes técnicos e artes de fazer, enquanto
habilidades de criação, inovação e autenticidade, Benjamim deixou sua marca
clássica ao expor suas ideias sobre a tensão existente entre a reprodução serial
da obra de arte e sua autenticidade:289

Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os


homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Em
contraste, a reprodução técnica da obra arte representa um processo
novo, que se vem desenvolvendo na história intermitentemente,
através de saltos separados por longos intervalos, mas com
intensidade crescente. [...] Mesmo na reprodução mais perfeita, um
elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência
única, e somente nela, que se desdobra a história da obra [...]”

Assim, cada obra, peça feita no Polo Joalheiro, agrega em si tais tensões
e se torna um meio de escrever a trajetória de vida daqueles e daquelas que
pertencem ao seu universo.
Desse modo, Camilla conta como entrou para o Polo Joalheiro:

A minha mãe, lá da fazenda, ligou e disse: Camilla eu tô lendo


aqui no jornal...lá é tão entocado, que ela lia um jornal de um
mês atrás...até classificado ela lia lá. Eu tô lendo que tem um
curso no Polo Joalheiro de ourivesaria, que aprende a fazer joia.
Dá uma liga pra lá minha filha, que de repente é interessante...E
a minha filinha pequeninha..., mas liguei...e fui lá...era caro! Não
é um curso barato. Aí eu liguei e disse: - mãe, olha é caro. Ela
disse: não, minha filha o que você achou? Eu disse: - eu achei
interessante. Mãe então disse: - vá lá e faça. Isso é o início de
tudo. Ainda atrasou e eu ligava, super ansiosa e perguntava: não
vai começar? Era uma ansiedade...enfim...quando eu comecei

288 Entrevista em sua casa, em 10 de março de 2013.


289BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In:
_________. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: editora brasiliense, 1986, p.166 - 167.
169

a fazer o curso (na Rahma, escola de joalheria instalada no


Esjl)...era tudo que eu amava...cada calo na minha mãe...cada
dedo que eu queimava era uma comemoração...ficava uma
bolha, mas eu achava ótimo...encontrei o que queria fazer. Fazia
um ano...ano e meio que eu tinha chegado de Londres.

Uma metamorfose ocorreu em sua vida, segundo ela: Entrou para a


Rahma, a Escola de ourivesaria do Espaço São José Liberto.

Nesse meio tempo casei e engravidei e minha filha era


pequeninha..., mas comecei a fazer o curso. Minha mãe pagava
a babá, que ficava o período certinho do meu curso...eu ia lá
fazia o curso e voltava correndo. Com uns quinze dias de curso,
tudo que o Naldo (o instrutor ourives) mandava, eu fazia
duplicado. Se era pra fazer uma aliança, eu fazia duas. O Naldo
me dizia: - Camilla é pra fazer uma pra vocês aprenderem. Mas
eu dizia: - posso de perguntar uma coisa? Posso fazer duas? Ele
respondia, se não atrapalhar o teu cronograma, pode. Na minha
turma...tinham dez bancadas...tinham cinco mulheres..., mas só
ficou eu no Polo.

Camilla Amaral sempre se identificou com esse mundo da arte de fazer


com mãos, o artesanato, uma arte primaria de fazer emergir a criatividade
humana, de transformar qualquer coisa em resposta às necessidades e
vontades de usar e querer ter. Tasso da Silveira, o poeta modernista, disse: "Das
grandes explosões interiores, gênese das grandes criações". Esse é um caminho
com muitas direções do ser humano. Uns com a capacidade para copiar uns dos
outros e assim delineando diferentes formas de fazer, e outros fazendo o que
ninguém consegue fazer igual.

No livro intitulado Em nome do Autor: artistas artesãos do Brasil, em que


é apresentado um acervo artesanal do Brasil, por região, encontra-se a seguinte
afirmação sobre o artesanato da Região Norte: [...]“é um breve testemunho da
nossa brasilidade, engrandecida pela genialidade desses artesãos que, mesmo
sob condições adversas de vida, fazem desse fazer um rito de liberdade.”290

Uma forma comum de artesanato são as bijuterias. Pode se afirmar ser


uma tradição do fazer artesanal no universo feminino? A bijuteria é um
artesanato? Por que não é Joia? Na fala seguinte, Camilla relata que todas as

290LIMA, Beth e LIMA, Valfrido. Em Nome do autor: artistas, artesãos do Brasil. São Paulo:
Proposta Editorial, 2008. Patrocinado pelo Ministério da Cultura. Disponível em:
http://artedobrasil.com.br/para.html. Acessado em 20 de fevereiro de 2016.
170

cinco mulheres que estavam fazendo o curso de ourivesaria faziam bijuterias e


a diferença entre bijuteria e joia.

Muitas eram assim: eu faço bijuterias, o que ela fazia na bijuteria,


ela queria fazer na joia, mas não é assim simples e a gente
desprende muito tempo ali...então não é igual bijuteria que tu
montas e tá lindo maravilhoso. Existe também as joias montadas
de prata. Tu compra tudo separadinho e monta, mas tu não vai
pra bancada, não é uma joia artesanal...é uma joia de
montagem, é uma outra categoria, então a maioria largou.

A história da bijuteria está entrelaçada com a história das joias. Segundo


o livro de Judith Miller, intitulado Costume Jewelry,291 a palavra Bijuteria vem
do francês Bijouterie, que quer dizer joia. Mas, a bijuteria, como um artefato de
valor monetário mais barato que a joia, surgiu em 1929, durante a grande
depressão norte-americana.

Foi, segundo esta mesma autora, Coco Chanel responsável por


popularizar a bijuteria como imitação das joias, considerando essas últimas, as
que são feitas com metais e gemas naturais raros, portanto, sendo, por essa
característica, considerados preciosos pelo mercado consumidor e, por esse
motivo, agregam em si um valor financeiro alto para serem comprados. Nesse
sentido, a bijuteria trocou os metais e gemas preciosos por materiais de valor
monetário de mercado mais baixo por sua artificialidade. Por exemplo, a pérola
orgânica foi trocada pela sintética.

No entanto, a mesma autora demonstra que as bijuterias alcançaram


outro patamar, o de expressão artística no mundo da moda, agregando a elas
um valor artístico, um designer. Mas, ao mesmo tempo, conquistou o universo
feminino em sua diversidade e popularidade. Basta olhar para as mulheres, de
modo geral, para perceber seu intenso uso.

No dicionário de língua portuguesa, as bijuterias são definidas como:


“Obra de certo valor executada com esmero e perfeição, própria para enfeites e
ornatos. Joias como broches, brincos, anéis etc., de imitação, feitas de ligas de
metais que imitam ouro ou prata e com pedras semipreciosas.”. E as joias são

291MILLER, Judith. Costume Jewelry. Collector’s Guide. Editora: DK, 2013.


171

definidas como: “Objeto de adorno, de matéria preciosa ou imitante. Artefato de


grande valor artístico. Coisa ou pessoa a que se dá grande estima.”292

O movimento entre fazer bijuteria e joias artesanais é comum no Espaço


São José Liberto, no que diz respeito às artesãs, num limiar tênue entre essas
duas formas de criar e fazer peças.

Segundo Pinto, “A Joia sendo um objeto de adorno ou ornamentação que


serve para embelezar o corpo humano pode ser produzida de forma artesanal,
chamada assim de “joia feita à mão”, de artesania293 O Ministério da Cultura
(MinC), em conjunto como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC), definiram como artesanato brasileiro:294

Atividade que compreende toda a produção resultante da


transformação de matérias-primas, com predominância manual,
por indivíduo que detenha o domínio integral de uma ou mais
técnicas, aliando criatividade, habilidade e valor cultural (possui
valor simbólico e identidade cultural), podendo no processo de
sua atividade ocorrer o auxílio limitado de máquinas,
ferramentas, artefatos e utensílios.

Camilla Amaral sempre procurou, segundo ela mesma, expandir suas


experiências de “fazer com as mãos”. Ir, como já foi dito antes, para a Escola de
Ourivesaria Rahma foi ver uma reviravolta nesse sentido. Tal experiência foi
muito intensa para ela.

Eu conheci a Ivete lá, mas ela foi da turma depois da minha.


Tudo pra mim era maravilhoso. E tudo que faço, eu procuro fazer
o mais perfeito possível, porque eu adoro ouvir elogios, como:
olha, o mais bonito foi da Camilla. Eu gosto de caprichar. Eu
gosto de fazer bem feito. Quando a gente chegou numa certa
fase do curso, eu já estava vendendo as minhas peças. Eu ficava
depois da aula, pedia para o Naldo cravar uma pedra. Eu fazia
aliança chata, aí eu comprava a pedra da Leila (a lapidária) e

292Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/.


Acesso em 24 de fevereiro de 2016.
293PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor de Gemas e Joias no Município
de Belém – Pará. Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Gestão dos
Recursos Naturais e Desenvolvimento Local – PPGEDAM. Linha de Pesquisa: Uso e
Aproveitamento dos Recursos Naturais. Belém, 2012, p.20.
294MINISTÉRIO DA CULTURA (MinC). 2011. Plano da Secretaria da Economia Criativa:
políticas, diretrizes e ações: 2011-2014. Disponível em:
http://pt.slideshare.net/mobile/Startupi/plano-20112014-da-secretaria-da-economia-criativa-
ministerioda-cultura. Acesso em: 06/09/2014. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO,
INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR (MIDIC). 2010. Base Conceitual do Artesanato
Brasileiro. Diário Oficial da União, n. 192, Seção 1, 06/10/2010, p. 100-102.
172

pedia pro Naldo cravar, ficava sempre uma aliança com uma
pedrinha e sempre tem um amigo que quer, um parente, aí eu
saí vendendo. Quando chegou na parte do solitário, a última
parte do curso, eu fiz seis solitários. Eu fazia e vendia. Um dos
solitários que vendi foi pra minha madrinha. Eu fiz uma peça,
apesar de ser simples, simples entre aspas. Tu sabes aqueles
anéis que tem três alianças entrelaçadas, ela tem todo o um
cálculo que tem que fazer pra ela dá no teu dedo. O comum era
fazer as alianças finas e eu queria fazer grossa. O Naldo falou: -
olha tu vais apanhar pra fazer essas alianças. Eu respondi: eu
vou conseguir, tu vais ver e ela vai caber nesse meu dedo aqui
que eu quero usar. Eu consegui de primeira...fiz durante o curso,
porque como eu aprendia a fazer as coisas rápidas e aprendi a
fazer coisas extras. Eu fiz um cálculo lá e fiz. Deu certo e dei de
presente pra minha sogra. Foi importante pra mim o meu
instrutor elogiar que as minhas peças eram perfeitas. Era muito
gratificante pra mim. Eu fiz uma peça que uma aliança boleada
em cima, dá muito trabalho para fazer, mas eu fiz e ficou
perfeitinha...e eu fiz uns traços marajoara. Eu dei essa peça pra
minha Vó. Eu aprendi muito mais que o curso normal me
oferecia.

Na relação de aprendizagem entre ela e seu instrutor Naldo, fica exposto


um sentido de independência de querer saber e, ao mesmo tempo, de querer a
aprovação e elogio do instrutor, num molho de pretensão de querer ser a melhor
no que faz, expondo assim questões envolvidas na transmissão de
conhecimento prático. Conforme Gherardi295, “o conhecimento, portanto, não é
um ativo que pertence a uma comunidade [ou a certos indivíduos], mas é sim
uma atividade –um ‘saber’–, que a prática em si constitui (‘saber-na-prática’)”,
em que envolve uma diversidade de motivos pessoais e incorporação de
significados sociais e históricos.
Esse conhecimento não pode ser depurado e separado das práticas
sociais e transmitido de modo mecânico. Tampouco existe em estado acabado.
Em vez disso, este é dinâmico, caracterizado enquanto saber a prática ou
conhecimento prático, em que está continuamente sendo exercido, reproduzido,
refinado e transformado com base em entendimentos tacitamente
compartilhados em uma comunidade de praticantes, entre aprendizes e
instrutores.

295Gherardi, S. (2009). Practice? It ́s a matter of taste. Management Learning, 40(5), 535-


550.doi: 10.1177/1350507609340812.Disponível em:
https://translate.googleusercontent.com/translate_c?depth=1&hl=ptBR&prev=search&rurl=transl
ate.google.com.br&sl=en&u=http://mlq.sagepub.com/content/40/5/535.abstract&usg=ALkJrhiO
WyOrnFt8t2QCUJMbe3fLSxC5AA Acesso em 02/04/2016, p. 121.
173

Ou seja, a transmissão de um saber fazer artesanal é fruto de uma


intencionalidade incorporada, a partir das vivências associadas a questões de
gênero, etnia e trajetória de vida. Por isso envolve questões mais complexas do
que a simples disposição ou interesse para ensinar ou aprender uma prática.296
No depoimento de Camilla Amaral, a transmissão do conhecimento
prático do fazer joia apresenta uma “intencionalidade incorporada” de questões
de gênero, quando relata que: [...] “O Naldo falou: - olha tu vai apanhar pra fazer
essas alianças! Eu respondi: eu vou conseguir, tu vais ver e ela vai caber nesse
meu dedo aqui, que eu quero usar.” O instrutor diz para a aprendiz que é difícil
ela conseguir e ela reage a isso sendo perseverante e transbordando de
autoconfiança.
Também fica a “intenção incorporada” de conseguir um oficio que possa
gerar um meio de sustento financeiro e, ao mesmo tempo, uma aprovação das
mulheres mais velhas em idade que têm destaque em suas vidas: “dei de
presente pra minha sogra” [...] “Eu dei essa peça pra minha Vó”.
E agora? É a pergunta que se fez? Como iria continuar seu projeto de
ser uma ourives?

Terminou o curso e eu desesperada. O que vou fazer agora?


Porque todo o material é caro. Aí eu consegui comprar a
bancada, com as peças que eu ia vendendo. Eu tenho até hoje
minha bancada. Quando chegou o Natal, eu sai pedindo pra
minha madrinha, para minha mãe, pra todo mundo ferramenta.
Eu pedi motor de suspensão pra minha madrinha, um maçarico
pra minha mãe, joga de lima pra minha Vó. Eram os meus
presentes de Natal. Aí eu comecei a fazer parte da peça lá na
Rahma e vinha terminar a peça aqui. Ai eu vendi mais umas
pecinhas e comprei o motor de polimento, um martelo. Eu
vendendo e ia comprando. Assim fui comprando tudo que eu
precisava.

Como ourives, sempre procurou se aprimorar.

Eu precisei fazer o curso de joalheria avançada. Eu pedi pra


minha mãe e ela pagou pra mim e fui fazer. Só que o Ramirez
(dono da Escola Rahma) mudou a oficina dele para a Almirante
Barroso e só tinha a tarde. Caramba! Como é que eu vou fazer
a tarde...Minha mãe falou: - filha! Dê um jeito e vá! Eu pegava
um ônibus...um trânsito horroroso demorava muito a

296 FIGUEIREDO, Marina Dantas e CAVEDON, Neusa Rolita. Transmissão do Conhecimento


Prático com a Intencionalidade Incorporada: etnografia numa doceria artesanal. Disponível
em: http//www.anpad.org.br/rac. Acesso em 04.04.2016.
174

chegar...que dava vontade de dormir..., mas foram dois meses,


eu ia pra lá todos os dias e o Naldo continuou a ser meu instrutor.
Quando chegou no final do curso, ia ter a Expojoia (Feira de joia
que ocorria todo final de ano no Esjl) e eu mirabolei fazer uma
peça...foi a segunda Expojoia. Eu participei da Expojoia pela
Rahma. Ai o Naldo falou: - Camilla a gente colocou a tua peça
na vitrine e já foi vendida. [...] Assim foi...faz dali faz aqui e pede
uma coisa aqui e outra dali. Não tinha lugar aqui pra colocar
minha bancada. Minha Vô encrencou e ai a Adriana (colega do
curso) me ofereceu um espaço pra colocar minha bancada.
Coloquei lá, mas não deu certo...E agora? Pedi um botijão de
gás emprestado e luta daqui e dali...o orgulho zero né...meu
orgulho foi lá pro chinelo...porque eu pedia as coisas, eu não
sabia fazer tudo e minha mãe me ensinou assim...nunca diga
não para o cliente...não decepcione...se você vê que é possível
fazer...se coce atrás e faça, nunca desista, porque capaz você
é. Então, eu tinha na minha cabeça. Eu passei por cada apuro
nessa história...porque o cliente chegava comigo e dizia: - tu
fazes isso? E eu: - faço sim. Gente, como é que eu vou fazer
isso! Eu corria lá com o Naldo. Me ajuda a fazer, pelo amor de
Deus! E assim fui aprendendo a fazer muita coisa. [...] Eu gosto
muito de trabalhar com as gemas e gosto muito dos enrolados.
Do serrado fininho, das coisas delicadas mesmo. Quem me
chamou atenção pra isso foram as vendedoras da Loja Una:
Camilla tuas peças são umas delicadezas. Os clientes adoram!
[...]

Camilla é uma das poucas pessoas que participam do Polo Joalheiro que
transita com muita habilidade na cadeia produtiva da joalheria como criadora da
ideia da joia, de sua produção artesanal na bancada e comercialização da
mesma. Ela é o faz tudo na realização de seu ofício.
O Marajó mais uma vez aparece em seus relatos sobre as inspirações de
sua criação.

Sou urbana, mas eu tenho todo um histórico, uma raiz no Marajó.


Eu fui muito pra lá, pra fazenda do meu Avô. Eu passava todas
as férias lá. Eu misturo tudo com o urbano que vivi e vivo. Na
fazenda de meu Avô tem sítio arqueológico e eu ia catar lá
coisas indígenas com as pessoas do Museu arqueológico do
Marajó. Eu vivi tudo isso. Eu cresci nesse meio.

As representações do Marajó da infância de Paulo Tavares são diferentes


das representações de Camilla Amaral, já que era apenas o lugar de passar suas
férias, enquanto para Paulo Tavares era sua moradia. Mas para ambos é um
lugar de memórias.
175

Bachelard297 compreende a infância como um processo que:

[..] é mais que a soma de nossas lembranças. Para compreender


o nosso apego ao mundo, cumpre juntar a cada arquétipo uma
infância, a nossa infância. Não podemos amar a água, amar o
fogo, amar a árvore, sem colocar nelas um amor, uma amizade
que remonta a nossa infância [...]. Todas essas belezas do
mundo, quando as amamos agora no canto dos poetas, nós
amamos numa infância redescoberta, numa infância reanimada
a partir dessa infância que está latente em cada um de nós.

Por isso, a infância que está em nós, segundo Figueiredo e Rigo,298, é


uma consciência de si que é também:

A consciência do mundo, que viabiliza a consciência de mim,


inviabiliza a imutabilidade do mundo. Consciência do mundo e a
consciência de mim me fazem um ser não apenas no mundo,
mas com o mundo e com os outros. Um ser capaz de intervir no
mundo e não só de a ele se adaptar. É neste sentido que
mulheres e homens interferem no mundo, enquanto os outros
animais apenas mexem nele. É por isso que não apenas temos
histórias, mas fazemos a história que igualmente nos faz e que
nos torna, portanto, históricos.

Desse modo, as infâncias reanimadas de Ivete, Camilla, assim como de


João Sales e Paulo Tavares estão impressas em seus ofícios de fazedores de
joias, agregando assim identidades de si e de segmentos socioculturais.
Camilla conta a mistura que faz do lugar de sua infância e é seu dia a dia,
desafiador e movimentado como ourives e designer de joia:

O meu dia a dia de produção. Eu crio coisas práticas, femininas,


pra mulher moderna, que trabalha, é mãe, esposa, urbana. Mas
de vez em quando eu paro e coloco essas influências do Marajó.
Minhas peças não deixam de ser urbanas, mas coloco traços
indígenas, um quadrado com um círculo, uma figura geométrica
meio misturada. Hoje eu pretendo fazer gestão
empresarial...porque estou caminhando para ser empresária...,
mas nunca vou deixar de produzir minhas peças.

297BACHELARD, G. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.120.


298 FIGUEIREDO, Márcio Xavier Bonorino e RIGO, Luiz Carlos. Memórias das Infâncias no
Processo de Formação das Educadoras. Revista Pensar a Prática. v. 11, n. 3, 2008.
176

Com mensagens de muita disposição, afirma como pretende continuar


essa sua trajetória:

Quando eu vejo uma peça pronta eu sinto muito prazer e eu


jamais vou trabalhar com uma coisa que não sinta prazer. Hoje
essa história de gestão empresarial está me dando muito prazer
e estou procurando conciliar minha satisfação profissional com
o lado prático, com a conquista minha independência financeira.
Por isso o quiosque no Shopping é minha prioridade agora, de
vê o que está faltando, de melhorias para as funcionárias e de
vê como se pode vender mais. Mas eu continuo fazendo minhas
peças e vou continuar fazendo.

Cruzando sua experiência urbana em Belém, de viajante em São Paulo e


Londres, e de sua infância no Marajó, vem se firmando enquanto ourives, artesã,
designer de joia e empresária. Ainda não cursou faculdade, pois desistiu por
conta da maternidade e do casamento, por sua opção, mas agora está fazendo
planos para cursar Gestão Empresarial. Antes pensava em fazer um curso de
designer, mas suas aspirações profissionais mudaram, segundo ela. Hoje quer
conciliar a de ourives, designer de joia com a de empresária, pois, avalia, que
somente fazendo e criando joia não conseguirá sua independência financeira,
que é o seu principal objetivo atualmente. Mas quer conciliar para não prejudicar
seu lado mãe e esposa. É difícil, mas ela acredita que a mulher moderna
consegue, muitas vêm conseguindo, apesar de precisarem “matar um leão por
dia”.

A seguir, apresento em fotografia de Camilla Amaral, em uma de suas


exposições temáticas de joia, “A Encantadora”, que costuma fazer no Polo
Joalheiro, frequentemente.
177

Figura 44: Exposição “Encantadora” de 28/04 a 16/05/2010


Fonte: Acervo do Igama / Relatório Fapespa, 2009-2010.

Conforme seu relato exposto anteriormente, Camilla Amaral apresenta


uma trajetória, como já foi dito, imbricada também com a história do Marajó,
como a de Paulo Tavares, mas por vias e significados diferentes. Seu bisavô era
comerciante, vendia produtos pelos rios e trocava por terras. Seu avô, a partir da
herança de terra recebida de seu pai, tornou-se pecuarista. Compreendendo,
assim, a trajetória de quatro gerações, incluindo a de sua mãe.
Essa mistura de urbano e rural, capital e interior do Pará, da Amazônia,
assim como viajante do mundo, apresenta-se na seguinte peça de Camilla,
denominada de “Balanço das Águas”:

Figura 45: Joia “Balanço das Águas”


Fonte: Catálogo da V Pará Expojoia Amazônia
Design/Igama299

Camilla pertence a uma família tradicional de Belém de comerciante e


pecuarista, que perdeu poder financeiro, principalmente, na terceira geração,
contando a partir da de seu bisavô. Como mostra Cancela, a maioria dos
fazendeiros da Ilha do Marajó pertencia a famílias tradicionais da cidade. 300

299 V Pará Expojoia Amazônia Design: A Poesia das Águas Amazônica. Belém: IGAMA,
Sedect, Sema e Sebrae-Pa, 2008, p. 12. (Catálogo de Joia). Fotografia: Leg.
300 CANCELA, Cristina Donza. Casamento e Família em uma Capital Amazônica (Belém
1870-1920). Belém: Editora Açaí, 2011.
178

Camilla investiu muito de sua energia profissional na gerência de um


quiosque de comercialização de joias, num Shopping de Belém, tentando
conciliar com sua atuação no Polo Joalheiro, como ourives e designer de joia,
buscando assim sua autonomia profissional e financeira. Mas por causa da crise
atual, teve que desistir de tal empreendimento.

É de uma geração da década de 80. Com uma condição econômica para


cursar o ensino superior, mas, por opção, não segue esse caminho, de tantas
outras mulheres de sua geração. Decide por casar e ter suas filhas, tentando
conciliar com a busca de sua autonomia profissional e financeira. Aproximando-
se, em alguns aspectos, da trajetória de Ivete. Todavia, apesar de mais jovem
na idade, começa por primeiro a ser ourives e entrar nesse universo considerado
domínio técnico dos homens. Pergunto a ela: você sofreu discriminação ou sofre
discriminação como ourives? Ela me respondeu: “nunca me preocupei com isso,
por isso não sei te responder. Mas jamais iria permitir que alguém me
atrapalhasse no meu querer ser.”

A partir das trajetórias de Ivete Negrão e Camilla Amaral, considero que a


História das mulheres deve ser composta por registros de experiências vividas
por mulheres, em que sejam destacadas as suas individualidades, as suas
particularidades, por não corresponderem automaticamente com uma realidade
macro de uma dada sociedade, seja nos aspectos temporais e/ou socioculturais.
Tento assim ir além de uma visão generalista e estereotipada, com base numa
divisão maniqueísta entre submissas e emancipadas, assim como entre público
e privado. Perseguindo assim o intenso dinamismo da vida cotidiana dos e das
interlocutoras da pesquisa.

Por exemplo, Camilla Amaral esteve na presidência da Ajepa e deixou.


Esteve na coordenação do grupo Elos, compostos por oito expositores (as) da
loja uma do Esjl. O grupo alugou um quiosque para comercializar joias num
Shopping da cidade, mas depois o grupo se desfez. Quais os motivos desses
acontecimentos? Vários, entre estes estão, segundo a própria, conflitos no grupo
e na vida conjugal. Nesse momento, quer se dedicar mais à família e aos seus
empreendimentos de produção e comercialização de joias sozinha.
179

O entendimento de Maria Izilda Santos de Matos contribui para uma


compreensão sobre esse cotidiano de Camilla, a saber:

[...] As abordagens que incorporam a análise do cotidiano têm


revelado todo um universo de tensões e movimento com uma
potencialidade de confrontos, deixando entrever um mundo
onde se multiplicam formas peculiares de resistência/luta,
integração/diferenciação, permanência/transformação, onde a
mudança não está excluída, mas sim vivenciada de diferentes
formas. [...]301

Esta autora mostra, por meio de suas pesquisas, que a diversidade de


temas pesquisados nessa linha foi integrada a renovações de cunhos temáticos
e metodológicos, com o intuito de contribuir para redefinir e ampliar os estudos
históricos, em que:

[...] O personagem histórico universal cede lugar a pluralidade


de protagonistas, e o método único e racional do conhecimento
histórico foi substituído pela multiplicidade de histórias. [...] Essa
produção tem revelado os limites da utilização de certas
categorias descontextualizadas, sinalizando a necessidade de
estudos específicos que evitem tendências a generalizações e
premissas preestabelecidas, bem como observem a
heterogeneidade das experiências, incorporando toda a
complexidade do processo histórico, o que implica aceitar as
mudanças e as descontinuidades históricas. 302

3.3. Lídia Abrahim, a designer ourives encantada pela arte do saber e fazer
manual
Lídia Abrahim é uma designer que se tornou ourives para poder ter mais
controle do processo produtivo de suas criações e, consequentemente, dar mais
qualidade a estas, pois suas joias condensam a sua necessidade de se
expressar artisticamente. Todavia, segundo ela, “com o pé no chão”. Por isso,
investe também na produção de joias comerciais, que vende na loja Una e
também por conta própria. Apresento-a também em fotografia:

301 MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho. Bauru:
Edusc, 2002, p. 26.
302 Idem, ibidem, p. 28.
180

Figura 46: Lídia Abrahim


Fonte: Relatório Fapespa, 2009-2010.

É também consultora do Sebrae e tem uma parceria empresarial com uma


importante comerciante de Belém, na área da joalheria. É uma jovem de 30 anos
de idade, solteira, que mora com sua mãe. Sempre buscou garantir sua
autonomia financeira conciliada com sua realização profissional. Concedeu-me,
em sua casa, numa tarde, em 15 de março de 2013, a entrevista gravada que
exponho trechos a seguir, iniciando pela revisitação de sua infância.:

Meu nome é Lídia Mara Figueira. Várias vezes fiquei refletindo


sobre como cheguei no hoje, analisando desde minha época de
infância. Como o processo criativo foi alimentado desde a
infância? Assim... minha mãe por formação é arquiteta...desde
criança, ela trabalhou em casa, tendo escritório. E ela é do
tempo que os projetos eram feitos à mão, na prancheta
mesmo...com nanquim, tinta guache, ou seja, tinha um fazer
manual que me encantava. Eu ficava debaixo da prancheta dela,
vendo, ela fazer tudo isso. Essa parte artística também dos
projetos. De certa forma eu tive contato com isso, desde
criancinha, desde os quatro anos de idade. Eu brincava com a
prancheta dela, com as cores, as réguas. Eu brincava com tudo
isso. Em paralelo, com essa influência de minha mãe. Por
incrível que pareça, eu tive muita influência de meu pai. Ele é
biomédico. É o seguinte: meu pai trabalhou no laboratório da
Ufpa. Na época que eu era criança, ele era chamado para uma
parceria da Funai com a Ufpa pra ir para as tribos indígenas. E
lá, ele permutava com os índios e trazia muito artefato indígena,
ganhava, trocava. Então a minha infância era também brincando
com essa indumentária, com esses objetos indígenas em minha
casa...com plumária. Lógico que não é adequado, mas...ele
trazia pra casa e eu brincava com todo o material amazônico
desde criança. Então hoje quando penso: porque dessa minha
paixão por isso tudo. Eu sou urbana. Minha família sempre
morou na cidade de Belém. Eu não tive muito contato com
floresta, rio e tal. Mas o contato com isso me fez ser assim.
Desde criança eu fui apurando também minha habilidade
manual. Além de minha percepção e criatividade foi sendo
desenvolvida por essas influências.
181

A dedicação as manualidades começou quando:

Eu comecei a participar.na minha escola de um curso de papel


cartão, papel marché, todos voltados pra educação artística, que
ninguém gostava, mas eu adorava. Eu era muito apaixonada por
isso. Aí eu comecei a fazer e hoje, eu penso: isso foi o início de
tudo, porque esses cursos me colocaram em contato com as
minhas habilidades manuais. Foi ali que comecei a fazer bijuteria
na época, a montar bijuteria, a trabalhar com as primeiras
ferramentas de arte manual. Lógico, além de bordar, costurar,
que na época as crianças, as pré-adolescentes não gostavam
de fazer isso e eu adorava, por ter essa paixão pelo fazer
artesanal. Quando comecei a fazer bijuteria eu tinha nove anos
de idade. Eu nas lojas de bijuterias sozinha, com 12 anos. Eu
comprava o material e ferramentas que eu queria. Comprava
revista na época e começa a montar. Primeiro pra mim e dava
de presentes para amigas, quando vi, já tava fazendo pra
vender.

Mas a paixão pelo que fazia quando criança foi tomando novas
proporções. Do trabalho manual foi para o artesanato. Essa sua dedicação foi
desaguando em uma busca para uma profissionalização:

[..] aí comecei a vê o que eu queria fazer de universidade. Foi


quando encontrei o curso de design da Uepa. Era o terceiro ano
do curso. Ele tinha acabado de ser fundado. Ainda estava dando
os primeiros passos. Eu me lembro que antes de entrar na
universidade e já cursando os primeiros anos, eu pensava
assim: - poxa! a única coisa que eu gostaria de fazer
era...desenhar joia, mas não existia aqui nada. Eu nem sabia o
que era ourives...era uma realidade muito distante do que
vivia...do que eu presenciava aqui em Belém. Aí eu fiz o curso
da Uepa e lá pelo terceiro ano...foi que inseriram a disciplina de
joia. Eu, desde o primeiro ano, já queria uma prática de trabalho
e corri atrás. Consegui um estágio de criação de bijuteria...aí
comecei a atuar como designer de produto. Ainda tava
iniciando...essa história do Polo, a gente só ouvia falar...muito
de longe...Quando a Rosângela Gouveia (designer de joia e
professora do curso de design da Uepa) entrou no curso, foi
quando ela levou esse universo de joia lá pro curso. Até então
eu só ouvia falar...era 2000. Eu fiquei muito satisfeita quando ela
entrou, porque eu não tinha essa informação. Ela foi uma
abertura de porta pra eu perceber que poderia atuar nisso.

Foi assim que não parou de criar e fazer joias. Contudo, procurou sempre
conciliar sua atuação na joalheria com outros trabalhos artesanais.

[...] Continuei a fazer bijuteria pra Ecojoia...quando explodiu no


mundo e no Brasil a biojoia...ali foi minha grande escola. Eu digo
que para eu trabalhar com joia como eu trabalho hoje, eu tinha
182

que passar por essa empresa de biojoia, porque obtive muitas


outras informações...de processos, de materiais. Estou falando
de 2002. Até esse momento era um termo usando para bijuteria
com sementes e outras matérias naturais, não era joia. Era até
então um termo inadequado, mas ali foi uma grande uma escola.

Por outro lado, foi tentando iniciar sua participação no Polo Joalheiro:

Em paralelo comecei a observar o programa se erguendo...tanto


que, 2001, eu participei na condição de estagiária. Foi meu
primeiro contato. Foi convite do professor Fonseca, na época,
ele era responsável pelo Programa Paraense de Design. Eu era
monitora dele e ele me colocou nessa oficina que teve: “arte da
terra”. Foi uma oficina, um dos primeiros encontros que reuniu
os designers com os ourives pra misturar as técnicas. Foi na
Fiepa. [...] Os Sales, na verdade, foi a primeira empresa de joia
que eu desenhei. Depois desse contato nessa oficina, eu
comecei a olhar! bom! Já existe essa possibilidade de trabalhar
com joias.

Mas conta que ainda não foi dessa vez: “Mas nessa oficina eu desenhei
só embalagem, não deixaram eu desenhar joia. Mas eu fiquei em contato com
eles. Os meus desenhos pro João Sales só foram acontecer depois.” Ou seja,
não conseguiu se integrar ao Polo Joalheiro logo, porque foi dito a ela que ainda
não estava em condição profissional para tanto e os cursos que estavam
acontecendo pelo Polo eram muitos fechados. Isso a fez decidir pela busca de
uma formação na joalheria fora de Belém.

[...] Como os cursos era fechados....eu fui, em 2003, pro Rio de


Janeiro e lá eu fiz o curso de ourivesaria no Senai de lá, no ateliê
particular da Paula Mourão. Foi lá que conheci o Caio Mourão,
grande artejoalheiro brasileiro, que foi quem me abriu os olhos
nessa área. Assim minha formação iniciou fora porque eu não
tive acesso aqui aos cursos.

Relatou que aproveitou para investir numa formação bem diversificada na


área da joalheria, tornando-se assim um designer ourives que faz arte joia.

Lá, paralelo, eu fiz curso de modelagem de cera, curso de


desenho. Fiz curso de ourivesaria no Senai e no ateliê particular.
Eu sou uma designer ourives, que sento numa bancada. O meu
perfil é fazer uma arte joia. Eu não gosto de fazer joia comercial
de jeito nenhum. Quando é joia comercial, eu desenho e passo
pra outro ourives fazer. No Rio de Janeiro é que tive toda essa
formação.
183

Plantou e colheu uma volta, em que conseguiria ser integrada ao Polo


Joalheiro, realizando assim o propósito que colocou para si de forma intensa.

Quando eu voltei e que me senti preparada. Foi aí que a


Rosângela começou a me inserir mais nos Workshops de joias
do Polo Joalheiro. Foi ela que me inseriu no meio mesmo. Eu
sou uma das primeiras crias da Rosângela. Quando eu voltei pra
cá e meu primeiro contato foi com o João Sales. Aí eu vi que
existia uma diferença muito grande de como era feito no Rio de
Janeiro e de como era feito aqui. Até hoje a gente vê bastante
isso.

Diz que somente tempo depois fez de fato um curso ofertado pelo Polo
Joalheiro: “Eu só fui fazer um curso de joalheria no Polo em 2010, com o Paulo
e o Fábio. E depois eu fiz cravação básica com o Tiago Sales.” Começou então
sua atuação como ourives e designer no Polo Joalheiro e seus desafios não
foram poucos, como relatou a seguir:

Agora sim, quando eu voltei do Rio de Janeiro, eu comecei a


desenhar para as empresas do Polo. Como sempre gostei de
bastante diálogo pra pessoas que eu tô desenhando, eu passei
adotar o diálogo não só com a pessoa empresária, mas com o
ourives que está confeccionando. Foi quando percebi resistência
por parte dos empresários de deixarem eu entrar nas suas
oficinas. Parecia que tinha grandes segredos industriais lá. Eu
comecei a desenhar para vários empresários e fui percebendo
que quando eu não trocava ideias com o ourives, os protótipos
que ele fazia ficavam absurdamente diferentes e mal resolvidos
daquilo que era meu desenho, não correspondia.

Lídia expõe a vivência de um conflito que acompanha, muitas vezes, a


relação entre os designers de joias e os ourives no Polo Joalheiro. É corriqueiro,
mas também atualmente já se observa parcerias que superaram as facetas mais
acirradas de tais conflitos. Inclusive, ela foi uma das primeiras designers com
formação universitária a conseguir sucessivas parcerias bem sucedidas.

No caso do João Sales não, porque era ele que fazia as peças
e a gente dialogava e resolvia os impasses e chegávamos às
soluções. Eu percebia que eu trocava muito informação e
aprendia muito, até novas técnicas nessa parceria. Eu aprendi
muita coisa com o Tiago Sales de cravação, de articulação, do
efeito que faria nas joias, de ergonomia, em termos de conforto
da joia. Eu aprendi muita coisa com os Sales, de liga, muita
coisa...mesmo. Eu me coloquei na posição de aprendiz. Por um
lado, se eu já dominava o processo de criação interessante pra
eles e por outro eu sentava na bancada como uma ourives
184

aprendiz que ia aprendendo muito com eles. É muito necessário


que o designer interaja como o ourives pra dar certo. Quando
isso não ocorre, não tem jeito, vai ter problema para os dois
lados. Assim, eu passei a ter a prática também de ourives.

Como sua inquietude não tem limite foi alçar novamente novos voos:

Eu fui pra São Paulo em 2010 e fiz mais um curso de ourivesaria.


Eu queria melhorar, sempre eu quero melhorar cada vez mais.
Em São Paulo, eu adquirir outras técnicas de ourivesaria que a
gente não tinha aqui. Eu quero seguir uma linha de joia mais
autoral, denominada de artejoalheria, porque você cria e faz, ou
seja, você atua realmente como uma designer ourives. É nisso
que eu quero investir cada vez mais, porque na artejoalheria. Eu
não tenho compromisso com uma joia comercial. É uma
expressão artística mesmo. Mas vez ou outra eu tenha que
sentar na bancada pra consertar uma joia de um cliente, fazer
um polimento, alguma coisa das joias que eu comercializo. Mas
de ourivesaria, o que eu gosto mesmo é dessa parte de
expressar a minha criatividade.

Sua história planejada e realizada na artejoalheria nunca foi interrompida


desde que decidiu ser ourives designer: Mas labutou muito para conseguir se
sentir respeitada no Polo Joalheiro, enquanto uma profissional de destaque.

Eu tenho oficina agora aqui em casa para poder investir melhor


nesse meu projeto. [...] Eu somente me senti aceita no Polo, em
2005, na exposição do Círio de Nazaré, quando lancei pela
primeira vez minha linha autoral. Não! Foi antes. Em 2004, teve
uma exposição em Itaituba e Parauapebas organizada pelo Polo
e teve um concurso para escolher os melhores projetos e muitos
projetos meus foram escolhidos. Foi aí que me senti fazendo
realmente parte. Eu era ainda estagiária, mas senti que meu
trabalho já era valorizado, que tinha reconhecimento mesmo.
Daí em diante eu não parei mais de fazer joias pro Polo. Mas só
foi em 2005 que entrei no Catálogo da Expojoia. Um dos
reconhecimentos que eu gostei mais foi ter sucesso de venda,
em que tem um produto que vende e o cliente fica satisfeito. O
reconhecimento de premiação é o reconhecimento da tua
criatividade, então isso também é muito gostoso.
O mais importante foi a premiação da Golden, em 2010, porque
foi uma joia que....era um momento que eu tava vivendo...eu
participei com a joia que falava de mim, de minha cidade...eu
denominei de prece...o anel prece...uma joia religiosa...que faz
parte da raiz paraense, pois o paraense tem muita fé. Foi essa
minha inspiração e deu certo. Venho atuando e pretendo
continuar atuar, como consultora do Sebrae, em designer
sustentável.
185

Lídia Abrahim contou sua trajetória, referendando o entrelaçamento de


sua vida com seu trabalho, evidenciando assim suas experiências cotidianas no
setor joalheiro. Segundo Montenegro,303 um fato comum na aplicação da
história oral é a evidência de que, muitos entrevistados, têm muita facilidade de
expor sobre a relação entre sua vida e seu trabalho. Essa recorrência pode ser
observada no relato dessa designer ourives e em todas as outras entrevistas até
aqui apresentadas. Por isso não enfrentei dificuldades em colher esses
depoimentos até o momento da pesquisa. Todos os interlocutores e as
interlocutoras se mostraram muito disponíveis ao me conceder tais entrevistas.

Lídia Abrahim é uma jovem solteira, independente financeiramente, mas


que mora com a mãe, por opção e não pensa nesse momento em casamento e
nem em ter filhos. Seu objetivo principal é continuar a investir em sua realização
profissional. Contudo, sua fala demarcou que se viu destoar das adolescentes
de sua época por não apreciarem atividades manuais, enquanto ela sempre
gostou disso. Portanto, é focada em seu trabalho como designer e ourives.

Segundo Blanca Montevechio,304 a liberação da mulher não seguiu um


caminho de progresso gradual e crescente, pois as subjetividades, de modo
geral, sempre podem ser descobertas ora destoantes ora condizentes com os
modelos históricos e socioculturais a que estão inseridas.

A trajetória de Lídia Abrahim pode servir para exemplificar essa


concepção citada antes, já que seu relato demonstra que ela corresponde a um
modelo de mulher contemporânea, a qual, segundo a mesma autora, faz parte
de uma modernidade que fez da racionalidade o princípio de sua organização,
proporcionando uma verdadeira mutação cultural concomitante com mudanças
na estruturação psíquica do ser humano, pautada na busca de conquistas
individuais, em que de certa forma fez muitas mulheres romperem com o “ideal
maternal” constituinte e obrigatório da “condição feminina na sociedade

303 MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e memória – a cultura popular


revisitada. São Paulo: Contexto, 1992.
304 MONTEVECHIO, Blanca. A condição feminina na sociedade burguesa. In: ALIZADE,
Alcira Mariam (Org.). Cenários Femininos: diálogos e controvérsias. Rio de Janeiro: Imago
Ed., 2002.
186

burguesa.”,305 em que a mulher é tida como centro da família nuclear e do lar,


dependente financeiramente de um marido.

Por outro lado, Lídia Abrahim também verbaliza que sua diferença em
relação a outras adolescentes de sua época está em gostar de trabalhos
manuais considerados trabalho de mulher, enquanto suas colegas repelem
esses trabalhos, o que não a impediu de adentrar no universo dos ourives,
considerado tradicionalmente “lugar de homem”.

No tempo presente, as experiências coexistem numa condição de


diversidade e estas são atravessadas pelos cotidianos vivenciados por
negociações e conflitos, por estranhamentos e tolerâncias, por superação e
retomada de modelos de comportamento anteriores ao contemporâneo. Assim,
segundo Verena Alberti,306 é impossível uma unidade do eu nas sociedades
contemporâneas.

Nesse sentido, concordo com Verena Alberti quando afirma que:

[...] a história oral tem o grande mérito de permitir que os


fenômenos subjetivos se tornem inteligíveis – isto é, que se
reconheça, neles, um estatuto tão concreto e capaz de incidir
sobre a realidade quanto qualquer outro fato. Representações
são tão reais quanto meios de transporte ou técnicas agrícolas,
por exemplo. Quando um entrevistado nos deixa entrever
determinadas representações características de sua geração,
de sua formação, de sua comunidade etc., elas devem ser
tomadas como fatos, e não como “construções” desprovidas de
relação com a realidade. É claro que a análise desses fatos não
é simples, devendo-se levar em conta a relação de entrevista,
as intenções do entrevistado e as opiniões de outras fontes
(inclusive entrevistas). Antes de tudo, é preciso saber “ouvir
contar”: apurar o ouvido e reconhecer esses fatos, que muitas
vezes podem passar despercebidos. 307

A mesma autora mostra que o sucesso atual da história oral é resultado,


em certo aspecto, de sua vinculação a dois paradigmas da modernidade: “o
modo de pensar hermenêutico e a ideia do indivíduo como valor.”308 Explica
que a postura envolvida com a história oral é hermeneuta, interpretação do vivido

305 Ibidem.
306 ALBERTI, Verena. Introdução. In: ___________. Ouvir Contar: Textos em História Oral.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
307 Ibidem, idem, p. 9 -10.
308 Ibidem, idem, p. 10.
187

relatado pelos entrevistados conforme este próprio o concebe, pois só é possível


ter acesso ao vivido por meio do concebido. Assim como mostra que a história
oral está centrada no indivíduo, na experiência individual, em uma realidade
capaz de mostrar, ao mesmo tempo, dimensões particulares e universais de um
determinado contexto histórico e sociocultural, a partir de um jogo de escala
entre a micro e a macro da realidade posta em questão, como bem fez Carlo
Ginzburg, em seu livro “O Queijo e os Vermes”309

Todavia, segundo Revel, uma das primeiras obras que pertenceu ao


gênero considerado micro-história, e do qual poderíamos até dizer que é
inventora, foi o livro de um historiador mexicano, Luís González y Gonzáles,
Pueblo en vilo: micro-história de San José de Gracia, publicado em 1968.310,
que tratou sobre uma comunidade aldeana do México central ao longo de quatro
séculos, levado acabo com a convicção de que esse tipo de abordagem seria
suscetível de restituir uma parte ignorada ou escondida da existência social.

Desse modo, considero que o relato de Lídia Abrahim sobre o seu


cotidiano permite que sejam pontuadas as várias dimensões do seu vivido de
forma relacional, a saber: infância, vida profissional, adolescência, vida adulta,
sua condição feminina e rupturas culturais provocadas pelas mudanças
subjetivas das mulheres no mundo contemporâneo; dando destaque aqui, é
claro, para seu desempenho profissional na joalheria. A seguir mostro uma peça
dela, em seus dois momentos, projetada e finalizada:

309 Ibidem.
310REVEL, Jacques. Micro-história, macro-história: o que as variações de escala ajudam
a pensar em um mundo globalizado. Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris,
Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010.
188

Figura 47: Criação e confecção de Lídia Abrahim.


Fonte: Relatório Igama/Fapespa, 2009-2010.

Esse raciocínio estende-se ao “ouvir contar”, referendado por Verena


Alberti e exposto anteriormente, a todas as outras trajetórias femininas que foram
e irão ser aqui apresentadas, sendo complementado pelo comentário poético de
Stetina Trani de Meneses e Dacorso311 sobre a mulher contemporânea:

Muitas vezes o dia a dia é implacável na apresentação de suas


faltas e dificuldades. Não é possível disfarçar, mas faz-se mister
resolver. Este ofício de ser mulher requer cuidar de tudo que
nossa mulherice exige. Estamos aprendendo a reconhecer que
é assim... Além do óbvio que se fala desse gênero: mãe e
parceira... somos tantas que às vezes, rimos sós diante do
matreiro das diversidades. O nosso excesso espalhafatoso,
barulhento, simples, silenciosos, escorregadio, gentil, jeito de
ser possibilita o encanto a nossa volta, apostando sempre no
que vira. Tantas coisas a se fazer. São vidas dentro de vida
vivida por quem?

Lídia Abrahim vem fazendo sua história com fatos que contribuíram e vêm
contribuindo para fortalecer a própria história social da joia do Polo Joalheiro
para além de nossa fronteira regional. Um grande marco nessa sua trajetória foi
conseguir ser selecionada no renomado concurso de design de joia, em 2010,
promovido pela AngloGold Ashanti, maior produtora de ouro do País e uma das

311DACORSO, Stetina. Trani de Meneses e. Arte Contemporânea: A Mulher nos Poemas de


Elisa Lucinda. Disponível. Disponível em: http://www.cbp.org.br/rev29133.htm. Acesso em
5/09/2013.
189

maiores do mundo. Nessa área é considerado o concurso mais importante em


termos de reconhecimento profissional, conforme mostra a reportagem a seguir:

Garota de ouro

Joia br - 12 de maio de 2012

A edição 2012 do concurso de design de joias AuDITIONS Brasil ganha uma nova musa.
A escolhida é Tais Araújo.
Da redação - A atriz Taís Araújo é a nova golden girl do AuDITIONS Brasil, a versão
nacional do maior concurso de design de joias em ouro do mundo, que este ano tem o
tema Brasilidade. Ela substitui a modelo Luiza Brunet, que ocupou o posto na edição
anterior da competição.
Dona de uma beleza tipicamente brasileira,
representante do mosaico de raças e culturas
que caracterizam nosso país, a atriz será a
imagem do AuDITIONS Brasil em 2012 e 2013,
quando participará, como Golden Girl, de fotos,
desfiles e eventos para divulgar o concurso,
promovido pela AngloGold Ashanti, maior
produtora de ouro do País e uma das maiores
do mundo.
Tais Araújo é carioca, formada em jornalismo.
Além de novelas, já fez teatro, cinema e atuou
como apresentadora do programa Superbonita,
do canal GNT. Atualmente está em cena como
Penha, uma das personagens principais da
novela Cheias de Charme, da TV Globo. Taís,
aliás, foi a primeira protagonista negra de uma
novela brasileira, quando fez o papel de Xica da
Silva, na extinta TV Manchete.
“Eu já acompanho a AngloGold faz um tempo.
Vi as campanhas, vi as meninas fazendo,
sempre achei lindo. Então é uma honra, um prazer estar nessa campanha pelos próximos
dois anos”, declarou a atriz, que já havia sido sondada para ser a golden girl em 2004, mas
não pode aceitar por conta de sua agenda. Na época, a escolhida foi Janaína Lince.
“Quando escuto falar em brasilidade, me vem uma enxurrada de cultura brasileira,
obviamente. Nossa música, nossa comida, nosso povo, nossa gente… Eu espero que os
designers se inspirem muito e possam reunir tudo isso e dar uma cara de Brasil de verdade
à coleção. A gente tem uma cultura riquíssima, vasta. Tem muita coisa para
aproveitar”, acrescenta Tais.
190

Figura 196: Tais Araújo veste a joia "Festival", design de Imara Angélica Macêdo Duarte
(finalista em 2008) e os anéis "Prece" - design de Lidia Mara Pereira Abrahim, finalista
em 2010. Fotos: Robert Schwenck / Make: Wilson Eliodório.
Fonte: http://www.joiabr.com.br/noticias/n120512a.html.
Já foram três designers do Polo Joalheiro que conseguiram estar entre os
projetos de joias selecionados neste concurso. Clara Amorim foi a primeira que
conseguiu:

Clara Amorim foi a primeira designer paraense finalista do


concurso, nos anos de 2006 e 2007. Única representante do
Norte e Nordeste, ela criou o broche em ouro branco “Fogo sob
Gelo”, apresentado pela modelo Isabella Fiorentino, a golden girl
da referida edição, cujo tema era “Calor Glacial”. A peça móvel
mostra cristais de gelo, quando está fechada, e revela o sol,
quando aberta, representando sentimentos humanos e
antagonismos da vida, como razão e emoção, quente e frio,
feminino e masculino.312

312Reportagem de Ascom/IGAMA com informações do AUDITIONS Brasil. Disponível em:


http://www.saojoseliberto.com.br/paginas/noticias/258.
191

Depois foi a vez de Lidia Abrahim:


Já a designer Lídia Abrahim criou, em 2010, o anel “Prece”, que,
segundo ela, retrata o poder da fé para a transformação humana.
Com a peça, apresentada pela Golden Girl Luiza Brunet, a
designer foi a única representante do Pará na edição passada
do Auditions Brasil (2010/2012), que teve como tema
“Sincronicidade: valores humanos através do tempo”.313

E por último Selma Montenegro:

As 18 joias finalistas destacaram a riqueza natural e cultural do


povo brasileiro e a atriz Taís Araújo foi a Golden Girl 2012,
embaixadora do certame nos anos 2012/2013. Ela usou uma das
18 joias selecionadas, o colar “Açaí”, criação da designer
paraense Selma Montenegro, que integra o Programa Polo
Joalheiro do Pará e foi a única representante da Região Norte
no concurso que teve a “Brasilidade” como tema.
Foi com o projeto do colar “Açaí”, desenvolvido pela escola de
ourivesaria Rahma, que funciona no São José Liberto, que a
designer Selma Montenegro foi selecionada entre mais de 1.386
inscritos de todo o país. Com 400 gramas de ouro, oferecido pela
mineradora para cada finalista, caroço de arumã e outros
materiais característicos da região serviram como matéria-prima
para a peça. Na ocasião, a designer também lançou uma
coleção de joias inspiradas no “Açaí” e comercializadas na loja
que mantém no Espaço São José Liberto.314

Estas seleções contribuíram para que fosse realizada em 2013 a


exposição da AngloGold Ashanti AuDITIONS no Polo Joalheiro/Esjl, alcançando,
assim, visibilidade midiática nacional e internacional:
Em Belém, a exposição foi uma realização da AngloGold Ashanti
AuDITIONS, por meio da Lei Rouanet, do Ministério da Cultura
(MinC), com apoio da Secretaria de Estado de Indústria,
Comércio e Mineração (Seicom), do Instituto de Gemas e Joias
da Amazônia (IGAMA) e do Sindicato das Indústrias Minerais do
Estado do Pará (Simineral), com produção executiva de Heloisa
Couto Produções e Eventos.

O evento é realizado de dois em dois anos no Brasil, China e


África do Sul e propõe temas para a criação de joias originais
que acabam traduzindo muito da cultura local de cada país onde
acontece. A iniciativa contribui mundialmente para o
desenvolvimento e rejuvenescimento do setor joalheiro, principal

313Ibidem.
314Ibidem.
192

destino do ouro, estabelecendo tendências e incentivando o uso


de novas tecnologias. Também mostra comprometimento com
todas as etapas da cadeia produtiva do ouro e evidencia o
caminho percorrido pelo metal para além dos portões das
refinarias.
No Brasil, o concurso aborda questões relevantes, como o
consumo responsável, a sustentabilidade, a preservação da
cultura e a identidade nacional, além de projetar o país como
criador e exportador de profissionais de alta capacidade técnica
na área. Além disso, é uma verdadeira vitrine para o mundo,
revelando a excelência dos designers brasileiros e permitindo
que o país obtenha cada vez mais reconhecimento e projeção
internacional na área de design de joias. Já foram selecionadas
no concurso três designers paraenses integrantes do Programa
Polo Joalheiro do Pará: Selma Montenegro, Clara Amorim e
Lídia Abrahim. A seleção das designers coloca as profissionais
paraenses no seleto grupo de criadores do setor joalheiro
nacional. 315

A AngloGold Ashanti é a terceira maior empresa de mineração de ouro do


mundo. Com sede em Joanesburgo, África do Sul, tal empresa tem uma carteira
globalmente diversificada, de classe mundial de operações e projetos. Ela tem
17 minas de ouro em 9 países, bem como diversos programas de exploração em
ambas as regiões produtoras de ouro estabelecidos e novos do mundo. Portanto,
o concurso produzido por ela, está implicando em diversos contextos
contraditórios. De um lado envolvida com a valorização de profissionais da
joalheria, com um discurso de sustentabilidade, vinculada a um marketing de
empresa com responsabilidade socioambiental e, por outro, envolvida com
sérios problemas de ordem humanitária e ambiental, que a própria atividade de
exploração de minérios está sempre implicada. 316
Mas não se pode negar, apesar desses cenários de contradições, que o
concurso do qual estamos falamos se tornou um divisor de águas na vida das
profissionais aqui em destaque, entre o antes e depois que foram selecionadas,
em termos de reconhecimento profissional na área do designer de joias.

315 Idem.
316ANGLOGOLD Ashanti. Disponível em: http://www.bdlive.co.za/business/
mining/2016/04/08/ anglogold-calls-for-obuasi-action. Acessado em 16/04/2016.
193

Segundo Matos e Boreli, 317 atualmente as mulheres ampliaram sua


presença no mundo do trabalhando, tanto no âmbito formal e como no informal,
saindo das sombras para ocupar diversos campos profissionais. Mesmo que,
paradoxalmente, ainda há um expressivo número de mulheres que continuam
em ocupações de menor remuneração e persistam dificuldades de inserção em
determinadas especialidades ou funções, bem como desigualdades salariais e
múltiplos obstáculos à promoção em carreiras tradicionalmente consideradas
“masculinas”.
Nesses cenários, continua a ser escrita, desenhada e anunciada a história
das mulheres ourives designers do Polo Joalheiro. Mais uma dessas histórias
vai ser destaque a seguir.

3.4. Selma Montenegro, a designer ourives que se realiza no fazer arte

Selma Montenegro relatou sua trajetória de designer ourives em sua casa,


entre o entardecer e o anoitecer. Foram quatro horas de entrevista gravada,
nessa primeira sessão, em 20 de março de 2013. Bem menina veio de Afuá,
arquipélago de Marajó, para Macapá e depois estabeleceu moradia em Belém.
Eis o seu contar adiante sobre essa sua trajetória:

Eu comecei com artesanato. desde cedo, quando eu era criança


veio o desenho. Eu vim muito pequena de Afuá para Macapá.
Eu quase não conheço lá. Eu morei muito tempo em Macapá.
Cheguei em Belém, em 1990. Eu comecei mesmo com o
desenho, não foi com outra coisa, desde criança. Tem uma
história que as professoras mandavam eu desenhar, aí eu me
esforçava, porque era uma coisa que era minha mesmo. Eu
chegava e elas diziam que não era nada disso que tinham
pedido. Elas riam muito disso.

Como Ivete, Camilla e Lídia, Selma Montenegro veio do artesanato para


a joalheria artesanal. Selma Esteve sempre ligada a esse mundo da artesania.
Como ela mesma disse:

317MATOS, Maria Izilda Santos de e BORELI, Andrea. Trabalho: espaço feminino no


mercado produtivo. In: PINSKY, Carla Bassanezi, e PEDRO, Joana Maria. Nova História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013, p.146.
194

Eu não dava muito importância a esse meu gostar, a esse querer


criar e não copiar, mas depois eu fui vendo que era isso que eu
queria mesmo. Em 85, eu fui pra uma escola de Arte, em
Macapá e fiquei até 90, quando eu vim pra Belém e aqui fiquei.
Eu fiquei lá durante cinco anos. É uma escola que tem já uns
trinta anos. Muita gente não conhece. Nessa escola você
aprende desenho, pintura e escultura e também história da arte.
É uma escola mantida pelo Governo. É tipo o Polo, sabia! O
professor de história da arte era famoso e nem era brasileiro. Os
que davam aula de pintura, desenho e escultura eram artistas
famosos de lá. Que faziam sucesso no exterior, mas não eram
muito conhecidos no Brasil. Eliselton Cunha, até esqueci os
nomes deles. Tu podias escolher o que querias focar. Eu escolhi
desenho.

Sua Trajetória de vida reforça a ideia de que:

O artesanato é uma das mais ricas formas de expressão da


cultura e do poder criativo de um povo. Na maioria das vezes, é
a representação da história de sua comunidade e a reafirmação
da sua autoestima. Nos últimos tempos, tem-se agregado a esse
caráter cultural o viés econômico, com impacto crescente na
inclusão social, geração de trabalho e renda e potencialização
de vocações regionais.318

Depois de Macapá, a vida lhe trouxe para Belém, onde continuou a investir
em sua formação de artesania artística:

E fiz muitas oficinas, depois que cheguei aqui em Belém. Fiz


muitas oficinas no Curro Velho (Instituição pública de Belém que
oferece cursos de artesanatos e artes grátis a população de
baixa renda), na casa da Linguagem (Instituição Pública de
Belém que oferece cursos e atividades grátis nessa área). Eu fiz
todo tipo de desenho. Quem me colocou nessa escola foi meu
tio, que é ligado nessas coisas. Geralmente as pessoas dizem:
- isso não dá dinheiro! Às vezes, a família não dá muito cartaz
pra isso não. Olha que meu tio! Ele de Macapá! olha! que ele é
engenheiro agrônomo. Só que ele tem no sangue. Ele decora a
casa dele... ele pinta.... ele faz desenhos, enfim...ele é ligado a
arte. Ele ainda mora em Macapá.

Decidiu, quase que inevitavelmente, fazer educação artística:

318PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO. CONCEITO BASE CONCEITUAL DO


ARTESANATO BRAILEIRO. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Exterior.
Brasília, 2012.
195

Passei um tempo aqui. Aí eu fui pra Unama, pra educação


artística, que agora é artes visuais. Parei na Unama e já fui pra
Federal. Mas eu tinha que ganhar o meu dinheiro, antes disso,
eu não tinha muita coisa definida. Aí eu comecei a montar biju.
Sabe aquelas lojas que vendem tudo pra montar biju. Fui lá
comprei material e comecei a montar biju, mas eu comecei já a
colocar material daqui uma madeira, uma semente. Eu comecei
a diferenciar, entendeu! A não fazer aquele biju comum. Eu
comecei a ver que era coisa que eu conhecia de quando eu era
criança, aquelas sementes, aquelas palhas, aquelas fibras. Eu
sempre gostei disso. Eu nunca fui de dizer: - ah! Isso é do
interior, só porque eu tô na cidade. Sempre gostei de onde vim,
sempre dei valor. Afuá fica perto de Breves, fica mais perto de
Macapá do que de Belém, mas pertence ao Pará.

Mais uma menina do interior que vai para a capital. No seu caso, muito
criança ainda para estudar, mas o lugar da memória da infância das palhas,
fibras e sementes vem à tona e agrega valores de querer a natureza em suas
peças. Segundo seus relatos, primeiramente, meio sem se dar conta, mas depois
reconhecendo a necessidade de preservação dessa natureza.
Como Ivete e Paulo, Selma descobre que o lugar da infância traz conteúdo
para subsidiar sua participação no movimento político e social ecológico que vem
se espalhando pelo mundo já algum tempo. Nesse caso relacionado à Amazônia
em tal contexto. Num movimento de descobertas de si e do mundo que o cercam.
Mas qual Amazônia? Eis a questão. Para eles, a Amazônia dos metais, das
gemas, dos rios, da fauna e da flora. A Amazônia que requer sustentabilidade.
Eles vêm participando de fóruns de debates sobre esse tema.
Segundo o relatório da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD) das Nações Unidas, conhecido sob o título “Nosso
Futuro Comum”, apresentado em 1988, o desenvolvimento sustentável, um dos
eixos da política pública vinculada ao Polo Joalheiro, pode ser compreendido
como:

[...] um processo de transformação no qual a exploração dos


recursos, a direção dos investimentos, a orientação do
desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se
harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de
atender as necessidades e aspirações humanas. [...] que todos
tenham atendidas as suas necessidades básicas e lhes sejam
proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a
uma vida melhor. [...] a promoção de valores que mantenham os
196

padrões de consumo dentro do limite das possibilidades


ecológicas a que todos podem, de modo razoável, aspirar. 319

Num discurso que posta uma visão de mundo, uma concepção de


si, mas também estratégias de negócios e de eco ao apelo institucional,
em termos de preservação da natureza e desenvolvimento, a
rememoração da infância se interliga a produção de joias no Polo
Joalheiro.
Segundo Nunes, 320

Ao longo desses mais de quatorze anos de existência, o


Programa de Gemas e Joias do Pará, vêm buscando na cultura
amazônica e sua biodiversidade, referenciais para incorporarem
suas joias. A inspiração e a utilização das possibilidades que a
Amazônia oferece no processo de criação e materialização das
joias surge como política de valorização dos elementos da
biodiversidade, da cultura, e do povo amazônida. Portanto, a joia
se torna portadora de uma mensagem, cujo apelo é para que se
perceba a natureza para além de sua potencialidade econômica,
expressando a cultura de um povo e de uma região no seu modo
de ser e pensar, transformando [...]

Por essas vias, Selma Montenegro chegou no Polo Joalheiro, mais


precisamente primeiro no Programa desenvolvido pelo Governo, na parte de
artesanatos:

Eu comecei a observar que tinha o Polo, mas eu não enxerguei


logo a parte das joias. O que me chamou atenção lá foi o
artesanato, não foi a joia de início. Eu comecei a observar que
as pessoas davam valor a esses materiais. Principalmente as
pessoas de fora, elas gostam de material alternativo, da
Amazônia. Eu comecei a valorizar esse material também, por ser
muito importante para nós. Me incomodava muito vê esses
materiais sendo jogados no lixo. Eu comecei a fazer artesanato,
lá. [...]

Foi do artesanato para a Joia e nunca mais saiu desse ramo:

319 Apud CARVALHO, Horácio Martins de Carvalho. Padrões de Sustentabilidade: uma


medida para o desenvolvimento sustentável. In: D’Incao, Maria Ângela e SILVEIRA, Isolda
Maciel da. A Amazônia e a crise de modernização. Belém: Museu Emílio Goeldi, 1994, p.364.
320NUNES, Jose Tadeu Brito. Elementos da Biodiversidade Amazônica no Pensar-fazer dos
joalheiros de Belém: a vivência como educação. Dissertação do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade do Estado do Pará. Belém, 2013, p.22.
197

[...] mas eu tenho esse lado do desenho, que é mais forte do que
qualquer outra coisa em mim e da criatividade também que é
forte, juntando os dois, comecei a desenhar joia, sem saber
ainda desenhar. Sabe quando tu faz uma coisa e tu te encanta.
Poxa! Com é se faz mesmo uma joia? Comecei a me perguntar
sobre isso. Comecei a desenhas sem saber a técnica de como
fazer isso no papel de modo apropriado. Eu fica visualizando em
minha cabeça e depois desenhava. Imaginava e desenhava
assim... aleatoriamente... Desenhava muita geometria, que é
uma coisa muito forte em meu desenho, mais pro lado do
contemporâneo. Então eu decidi, quero trabalhar com joia. Aí eu
comecei a bisbilhotar ...Foi quando eu conheci uma pessoa que
me dizia: não tem que só querer fazer...tem que fazer. Foi
quando ela viu na televisão, na RBA, uma propaganda do curso
da Rosângela Gouveia de design básico pra joalheria. Sabe que
a pessoa fez? Anotou o telefone tudinho e me ligou, falou e me
convenceu a ir lá, no CCBEU. Foi o primeiro curso que fiz na
área de joia. Foi antes do Polo ir pro São José liberto. Foi através
da Rosângela que eu comecei. Tinha que comprar um material
e pagar um valor. Fiz o curso. Conheci ela e gostei muito dela.
Ela é professora mesmo, quando ela vê o talento do aluno, ela
ajuda.

Enfrentou, segundo seu relato, que teve, como Ivete e Lívia, dificuldades
para conseguir ser aceita como membro do Polo Joalheiro.

Aí começou ser o Polo no São José Liberto, mas só era uma


panelinha que entrava lá. Só era uns fulanos e acabou-se a
história...Eram ele que escolhiam. Não interessava se tinha
talento ou não. Eu fiquei perturbando ela. Eu sempre pedia pra
ela me colocar nos cursos que estavam aliados ao programa. Eu
nem sei como consegui entrar...era fechadíssimo. Só que eu não
queria entrar de qualquer jeito, eu queria entrar e fui fazer tudo
que tinha que fazer para saber sobre a cadeia produtiva da joia.

Investiu muito nesse projeto de participar no Polo Joalheiro, em que não


esqueceu a primeira joia que fez:

Fiz assim o curso de ourives, de lapidação. Foi aí que eu conheci


o João Sales no Senai. Ele é um excelente instrutor de
ourivesaria. Ele e a Rosângela Gouveia... nunca esqueço deles.
Eu perturbava ele, depois eu perturbava ela. Eu chegava no
curso e dizia: - olha! Eu fiz isso, fiz aquilo. Eu sempre fui uma
aluna muito interessada e eles viam isso e me apoiaram. Eu fiz
198

joia no curso dele, eu cerrava e ele elogiava minha habilidade.


Eu fiz todas as joias que tinha que fazer no curso e depois
comecei fazer as joias criadas por mim, que tavam na minha
cabeça. Eu realmente descobri o que eu queria fazer. A primeira
peça que eu fiz, eu nunca esqueço de minha emoção. Foi um
anel com chapa que eu virei pra um lado, virei pro outro, soldei
e cravei uma pedra, pra mim ficou lindo, maravilhoso. Eu fiz ele
me dá essa peça, eu perturbei até ele me dá, porque não podia
levar as joias que a gente fazia no curso, tinha que deixar lá.

Assim começou sua aventura no mundo da joalheria e nunca mais parou


de buscar capacitação e reconhecimento profissional.

Fiz outras joias e fiz uma primeira exposição de joia no Sesc e


vendi tudo. Depois eu contei pra ele e ele ria muito...Dai...eu não
me conformei. Eu fui lá pro Cefet. Fiz um tipo de vestibular e não
passei..., mas depois me ligaram de lá e disseram que eu fui a
primeira da repescagem e só tinha uma vaga para ser
preenchida. Foi assim que fiz o curso básico de design de
desenho de joia. Ai eu comecei a me destacar e falei pros
professores que eu tinha passado na repescagem e eles não
acreditavam. Aconteceu que todos os trabalhos que eu fazia, eu
tirava uma nota alta, porque eu gostava muito de fazer e eu já
conhecia as matérias relacionadas a desenhos, as técnicas de
desenho. Sabe o que aconteceu? Fizeram uma seleção pra
fazer o estágio lá, pelo Governo Federal. O estágio era
obrigatório pra todo mundo que fazia o curso, mas onde fazer
estágio em design de joia? Era muito complicado conseguir um
lugar. O Governo Federal ofereceu só três bolsas de estágio lá
mesmo, para três turmas com quase cem alunos. Fizeram a
seleção e uma vaga foi minha..., mas sabe o que é que eu me
esforço...eu sei o que eu quero e entendo o que eu faço.

Não parou de sonhar e realizar. Sempre buscou alcançar novos voos, por
meio de seus próprios méritos, de forma solitária. É sempre muita discreta em
seu jeito de ser e realizar seus projetos.
Eu fui atrás de um caminho...não sei se vai ser em Belém, eu
pensava.... mas eu vou ser isso. Qual foi o caminho...foi eu ter
minha loja (no Polo) e explorar meus projetos, porque Belém se
for viver de projeto de joia...eu tava lascada...Em 2007, eu
consegui então minha loja. A questão é tá te olho nas
oportunidades sempre. Eu abri a minha loja sem dinheiro
nenhum, mas eu tinha tanta certeza do que eu queria...que abri
e tá dando certo.

Considera que já obteve muitas conquistas, mas sempre quer ir mais além:
199

Hoje estou ampliando os meus projetos em nível nacional. Hoje


eu estou no grupo do concurso do Ashanti (Concurso nacional
da AngloGold, com repercussão internacional) um dos membros
montou um grupo (a nível nacional). A gente tá com um projeto
agora apoiado pela Anglo Gold, que é para divulgar mais o
trabalho da gente, só tá nesse grupo quem tá no prêmio nacional
de 2012. Ninguém me dava muito valor lá. Mas os prêmios
nacionais e internacionais foram forçando a me respeitarem.

Quis contar com mais detalhe como foi sua entrada no Polo Joalheiro:

Ah! Deixa te contar com eu entrei no Polo mesmo. Eu tenho uma


peça que o nome dela é Inajá, foi com o desenho dessa peça
que eu entrei lá. Inajá é uma fruta e eu criei um colar em prata
com o caroço do Inajá. Eu coloquei essa peça num dos primeiros
catálogos do Polo. Eu levei pra lá... Foi a Rosângela que me fez
levar pra lá esse desenho. Eu lembro que eu estava muito
nervosa quando mostrei o desenho lá. Praticamente eu recebi
um não (da diretoria do Esjl, na época, 2005,). Mas Rosângela
conseguiu que saísse no Catálogo e foi um grande sucesso.
Vendeu rápido e até hoje eu tenho um lá, na vitrine de minha
loja. Eu tenho um colar e um brinco dele. Eu já vendi vários
deles...todas as joias nessa linha que faço vendem rápido. E um
sucesso de venda. E agora eu conquistei meu espaço, sem ser
arrogante...

Conseguiu resolver o conflito recorrente entre designer e ourives,


estabelecendo uma parceria com um ourives, que é um dos filhos de um mestre
ourives fundador do Polo Joalheiro, que deixou de ser participante. O filho
continuou, mas o pai não.

Eu consegui uma parceria com o ourives Onésio, que tá dando


certo. Eu entendo de ourivesaria e ele entende de desenho, isso
faz com que nos comuniquemos muito no processo produtivo.
Eu só penso em continuar, melhorar, realizar novos projetos
naquilo que faço.

Apresento Selma Montenegro também em fotografia:


200

Figura 49: Selma Montenegro


Fonte: Agência Pará de Notícias

Selma Montenegro já coleciona vários prêmios locais e nacionais. É uma


das profissionais mais premiadas do Polo. Assim como Lídia Abrahim, já
conseguiu ser finalista das edições do Concurso Nacional de Joia, promovido
por AngloGold, como já foi dito antes.

Selma Montenegro e Lídia Abrahim, apesar das suas peculiaridades na


trajetória profissional, têm muito em comum. Por exemplo, elas vêm se
destacando a nível nacional no setor joalheiro por investirem em um design
inovador, ou seja, aquele que traduz um processo de criação de produtos,
perceptíveis em diversos aspectos, como uma nova função, um novo apelo
estético, melhoria na maneira de produção, benefício sustentável ao meio
ambiente, associado às necessidades do consumidor ou do mercado.321

São mulheres solteiras, independentes, que recusaram o não como


resposta inicial ao reconhecimento de seus trabalhos e foram à luta. Por isso,
atualmente, elas colhem os frutos dessa dedicação total à vida profissional.
Investem na artejoalheria, ou seja, na joia como obra de arte e artesanal, ao
mesmo tempo, são mulheres de negócios que produzem joias comerciais, que
são sucesso de vendas, o que significa ser sucesso de venda? Elas são as que
mais vendem no polo? É bom situar pra não ficar um discurso com tom
propagandístico. São mulheres multifacetadas no mundo do trabalho,
contemporâneas, atuando como: designer, ourives, empresárias e artesãs, entre

321Grifo nosso, com base no artigo: Criatividade, design e inovação. Disponível em:
www.designbrasil.org.br/portal/artigos. Acessado em março/2010.
201

outras coisas. Estão em plena fase de reconhecimento profissional, comprovada


pelas premiações que estão conquistando.
Selma Montenegro participou do I Prêmio em Design de Joias do Pará,
em 2008, promovido pelo Sebrae- Pa e Igama, com o colar intitulado “A dança
das cores”, inspirado no tema “Carimbó”, conquistando o segundo lugar na
categoria profissional. Assim como, em maio de 2010, foi agraciada com o
prêmio de nível estadual “Mulher Padrão 2010”, promovido pelo Conselho
Estadual de Profissionais do Estado do Pará, premiação que recebeu como
reconhecimento da seriedade de seu trabalho como designer de joia.322

Desse modo, vem conseguindo também ser valorizada em sua região, no


lugar de sua moradia. Mostro a seguir sua peça selecionada no Concurso
Nacional de Joia, promovido por AngloGold de joias.

Figura 50: Colar fruto da terra, Açaí.


Foto: XIII Prêmio IBGM 2006.

Ela e Lídia Abrahim acentuam em suas falas a pretensão de investir na


joia como obra de arte. O que seria essa joia? Segundo o designer de joia

322 QUINTELA, Rosângela. Um design Inovador nas Joias do Pará. In: Joias do Pará: design,
experimentação e inovação tecnológica nos modos de fazer. Rosa Helena Nascimento Neves,
Rosângela da Silva Quintela, Rosângela Gouvêa Pinto e Anna Cristina Resque Meirelles,
organizadoras. Belém: Paka-Tatu, 2011. (p. 99 - 105)
202

italiano Stefano Ricci, a joia deve e pode ser uma obra de arte, mas para isso
deve se libertar da imagem de ser apenas um objeto de consumo, ou seja, deve
ser mantida a liberdade expressiva da arte.323 Critica, assim, a joia
contemporânea, por considerar que esta perdeu a prerrogativa citada antes, por
corresponder somente aos apelos do mercado joalheiro, nos moldes do sistema
capitalista. Nesse sentido, considera que somente se reconsiderando o que foi
a joia no passado é que esta pode retomar sua interação com arte.

Walter Benjamin afirma que o modo de produção capitalista, que é a


produção serial, afeta o fazer da obra de arte, por retirar dela sua principal
característica, que é sua existência única, que gera base para sua autenticidade,
que, segundo ele, é “aquele objeto, sempre igual e idêntico a si mesmo”.324

Desse modo, mostra que existe na obra de arte uma forma, um modo de
fazer manual, impossível de ser reproduzido pela máquina, que é responsável
pela produção em série, pois essa forma de produção retira a criação humana
individual de cena, a experiência única, que, o mesmo autor, denomina de “aura”.
Ele conceitua aura da seguinte maneira: “É uma figura singular, composta de
elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por
mais perto que ela esteja”. 325

Eliana Gola define a joia como uma obra de arte, a joia criativa, que
apresenta as seguintes características: inovação, técnica, estética e impacto
visual. Por isso, ela diz que nem todas as joias podem ser qualificadas como
obras de arte.326

Sendo assim, todas as protagonistas aqui em destaque buscam não


perder sua “aura” em sua atuação como designer ourives. Mas, ao mesmo

323 RICCI, Stefano. Conferência no Simpósio Internacional Técnico Científico do Setor


Joalheiro: Diálogo entre arte, Design de joias e Patrimônio Histórico cultural. Teatro Maria Sylvia
Nunes, em 24/08/2011. Disponível em:
http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2009/08/joia-como-obra-de-arte-e-tema-de.html.
Acessado em 10/04/2013.
324 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica: primeira
versão. In: ________. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo:
Brasiliense, 1986. p. 165-170.
325 Idem, ibidem p. 170.
326GOLA, Eliana. Histórias da Joia: entendo a joia como objeto de arte. Infojoia – portal de
notícias do Ibgm. Disponível em: http://www.infojoia.com.br/news_portal/noticia_4385. Acessado
em: 12/09/2013. GOLA, Eliana. A joia: história e design. São Paulo: SENAC São Paulo, 2008.
203

tempo, não deixam de atuar como “mulheres de negócios”. É possível conciliar


a criação artística, artesanal, ou seja, o fazer da joia criativa, com as exigências
de um mercado consumidor capitalista? Para elas sim, apesar das contradições
e dos desafios. Isso é o pano de fundo do movimento da vida profissional delas,
formando assim um perfil de mulheres que vêm construindo seu lugar no mundo
do trabalho, sem deixar de lado seus anseios, inquietudes individuais. Desse
ponto de vista, são mulheres que concentram seus esforços para construir sua
autonomia no mundo.

Assim, as trajetórias de Ivete, Camilla, Lídia e Selma compõem, em


facetas particulares e coletivas, as histórias das mulheres contemporâneas nos
mundos do trabalho, as quais vêm sendo demarcadas por necessidades
variadas, em que, como categoria social, a mulher assume diversas “funções
produtivas”, de modo que, segundo Matos e Borelli, abraçaram habilmente as
possibilidades existentes:

[...] ocupando brechas no mundo trabalho ou tomando para si


postos e colocações antes vetados ou inacessíveis. Nesse
processo, foram mais facilmente incorporadas ao mercado
laboral quando assumiram ocupações para as quais eram
consideradas hábeis ou vocacionais (fiar, tecer, costurar, cuidar,
servir) e enfrentaram mais dificuldades quando foi necessário
superar os preconceitos existentes, sobretudo nos setores mais
conservadores, tidos como mais tradicionalmente masculinos.
327

Vou apresentar, a seguir, a trajetória de mais uma dessas mulheres, para


as quais estar nas sombras da vida não é seu perfil.

3. 5. Marcilene Rodrigues, a psicóloga apaixonada pelas artes manuais.


Rememorar acontecimentos em nossa vida traz à tona muitas lembranças
que atraem outras lembranças, já nos ensinou Éclea Bosi328. Mas, o que é
possível lembrar? É pergunta chave do texto de Maria Lygia Quartim de Moraes,
que responde da seguinte maneira: [...] “o que é possível lembrar depende muito

327MATOS, Maria Izilda e BORELLI, Andrea. Trabalho. In: PINSKY, Carla Bassanezi e
PEDRO, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p.12.
328 BOSI, Écléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz;
Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
204

das condições e posições subjetivas do sujeito.” 329 Noemi Jaff afirma que: “O
passado só se reconhece no presente. Ele só existe no presente, pelas
lembranças de quem os rememora. O passado está inevitavelmente ligado às
pessoas, à linguagem, à sua narração, à sua compreensão por quem o recupera,
seja por lembrança, seja por objetos que vêm dele.”330

Marcilene Rodrigues rememora acontecimentos que vão além de sua


própria trajetória, entrelaçando sua vida com a de seu tataravô, avô e de seu pai,
chegando até seu tio gemólogo, o qual é a personagem principal no caminhar
dela de se tornar design ourives. Ela concedeu essa entrevista em 15 de
fevereiro de 2013, em sua casa, onde passamos um dia juntas. Apresento em
seguida partes de sua rememoração, iniciando com sua trajetória familiar.

Nasci em Itaituba, na Vila Nova ou Vila Caçula. Uma das duas.


Agora em não me lembro. Eu nasci em casa, com parteira. Eu
tenho 37 anos. Minha família é de Cametá. Eu sou de
descendência portuguesa por parte de pai e indígena por parte
da mãe.

Fala de sua árvore genealógica, pois tem muita importância para ela:
Conta como seu tataravô veio de Portugal para o Brasil.

O tataravô de meu pai veio pra cá, para o Brasil. Ele veio pro
interior do Pará. Aconteceu um episódio em família e ele veio
fugido pra cá, pro Pará. Ele não queria casar e fugiu do
casamento. É eu que faço a árvore genealógica da família. Ele
veio cedo pra cá. Seu Antônio Torres Bastos foi o primeiro a vir
pra cá. Depois vieram seus irmãos. Eram três irmãos. Aconteceu
dele. se interessar por uma nobre na época. Não sei o que
aconteceu lá, mas foi uma confusão, que queriam que ele
casasse e ele fugiu do casamento. Quando chegou no Brasil, ele
foi pro interior do interior de Cametá, para um sítio chamado
Mutuacá, para se esconder mesmo! E se encantou com uma
cametaense chamada Catarina, nativa mesmo de lá, do interior,
minha tataravó! Quando ele chegou lá, logo depois ele já foi

329 MORAES, Maria Lygia Quartim de. O que é possível lembrar? Cadernos Pagu (40),
janeiro-junho de 2013, p. 141-167.
330 JAFFE, Noemi. O que os cegos estão sonhando? Com o diário de Lili Jaffe (1944-1945).
São Paulo, Editora 34, 2012, p. 204.
205

casando com a Catarina. Foi assim... olhar e se apaixonar e eu


a quero como esposa e casar. E daí foi tendo as gerações.

Continua a narrar sobre sua família, sendo que sempre faz questão de
enfatizar que saber sua história familiar foi sempre importante para ela. Por isso,
sempre pesquisou sobre isso. Assim, fez questão de contar as aventuras de seu
avô.

Toda a nossa família é de Cametá. Nossa família é gigantesca


por parte de mãe e pai. O meu avô só com a minha avó teve
nove filhos. Meu avô era viajante, ele vendia nos barcos então
ele teve muitos outros filhos em cada lugarzinho, lugarejo que
ele passava. Ontem mesmo, eu conversando com a minha mãe,
ela me disse que descobriu um tio que morava em Mocajuba e
conheço cada vez mais irmãos do meu pai. Até preguntei pra
ela: - mãe tu tem certeza que é irmão do meu pai? Ela
respondeu: - filha, é idêntico ao teu pai, só é mais escuro...deve
ter ficado lindo essa mistura...eu adoro essa cor! O Meu avô por
parte mãe e mais escuro que você (eu, Rosângela), linda essa
cor né. Por parte de pai é transparente que nem uma água
(refere-se a sua cor de pele, que é bem branca).

Ao contar sobre sua dinâmica familiar, Marcilene deu destaque à


composição familiar paterna, delineando a trajetória de seu pai.

Meu pai nasceu em Cametá da esposa de meu avô. Quando ele


ia encontrando os filhos pedia que desse pra ele. Ele levava pra
vovó cuidar. E ela aceitava. Aliás, tinha que aceitar. Ela foi criada
para isso, os que eu conheci foi os que viveram lá. Os outros,
que são aproximadamente uns quarenta, de vez quando se
descobre mais. Meu avô morava em Mutuacá e meus tios.
Quando eles cresceram e casaram e que vieram pra Belém e
meu pai casou e foi pra Itaituba. Aí começaram a se dividir.
Foram dois irmãos para Itaituba, outros pra Cametá e a maioria
pra Belém. Esses da família nuclear, os outros se espalharam.

Aí começa a narrar sobre seu enredo de vida e de como tomou


conhecimento do Polo Joalheiro, ainda criança.

A gente chegou em Itaituba e era a febre do ouro. Era muito forte


mesmo. Meu pai foi trabalhar com madeira, vender madeira, a
206

cidade estava em construção. Nós conhecemos os Sales lá! Eu


era criança e já ouvia falar por intermédio de um dos irmãos de
meu pai, gemólogo, que trabalhava na Prefeitura, José Luiz
Bastos. Foi que eu ouvir falar pela primeira vez no Polo
Joalheiro, não no Polo, mas o que mais na frente se tornaria o
Polo, ainda criança. Eu lembro que ele contava as histórias de
uma forma tão gostosa, que prendia minha atenção de criança,
que ficava escutando. Eu gostava de escutar, prendia mesmo
minha atenção. Ele comentava com a gente que tinham sido feito
reuniões em Itaituba. Eu escutava essas histórias desde criança
sobre os Sales e meu tio contando as histórias, quando ele
chegava das reuniões, ele contava as reuniões, falava a
respeito, de forma generalizada e aquilo ficava na minha
memória. O meu tio, irmão caçula do meu pai, Zé Luiz, fez parte
da história da criação do Polo. Eu me lembro dessas conversas
contando como os Sales participaram da criação do que é hoje
o Polo.

Então veio de Itaituba para Belém

Eu vim pra Belém com doze anos. Eu vim porque a minha irmã
mais velha precisava estudar e eu tinha que vir com ela. Então
aproveitei pra fazer companhia pra ela e fora também que a
cidade era muito violenta na época, era zona de muita violência
mesmo. Papai chegou aqui e comprou uma casinha. Somos
quatro mulheres e um homem. Sou a segunda.

Falou de sua paixão pelas artes manuais

Eu sempre fui apaixonada pelas artes manuais, a ponto de pegar


as coisas de mamãe e tentar modificar. Mamãe sempre foi a
minha maior vítima. Eu pegava o sapato dela, rasgava pra
modificar alguma coisa. As saias delas viravam vestido pra mim.
Quando eu vim pra cá, pra não ficar sem fazer nada, mamãe me
colocou pra fazer um curso de bijuterias com minhas primas por
parte de meu pai. Aí comecei a fazer, aprendi e foi uma coisa
gostosa. Fiquei encantada e passei a fazer bijuteria.

Mas quando criança brincava com ouro.

Uma lembrança que veio agora! A gente tinha muito contato com
garimpeiros. Eles iam fazer negócios com meu pai. Era até
errado, mas na época a gente não sabia, éramos crianças, a
gente batia o dedinho escondido nos pacotes, caia e espalhava
207

e a gente juntava (pedacinhos de ouro bruto). Era coisa de


criança, brincadeira, papai vinha depois, recolhia e ia vender.
(risos).

Fase adulta, responsabilidades, fez faculdades, transitando entre a


psicologia, o designer e as artes manuais.

Então eu vim pra cá, fiz faculdade, fiz o curso de psicologia na


Ufpa, entrei em 92 e me formei. Nisso em que eu me formei, em
paralelo, fiz curso de design na Unama. Gostei muito e me
encantei. Era design de interiores, era uma parte da arquitetura.
Foi um curso muito bom. Tem muita coisa na arquitetura que
você pode extrair. Aprendi muita coisa, que agreguei com a
psicologia. Foi um tempo que mesmo trabalhando com a
psicologia, eu sempre trabalhei com artesanato na parte de
bijuteria e eu queria melhorar nisso.

Sua entrada no Polo Joalheiro foi de caso pensado e planejado, com o


apoio de tio gemólogo.

Ai que começou a questão do Polo. O titio já me ajudou horrores.


Ele me dava os livros, me dava material pra ler. Ele dizia: - você
que fazer, faz. Vai te agregar muito conhecimento. Quando eu
disse vou fazer o curso (de ourivesaria). Eu me lembro, muito
bem, ele me deu um vidrinho com 200 gramas de prata pra
ajudar. Toma de presente pra ti, quando tu fizeres uma peça bem
bacana, tu me devolves numa peça pra eu dá de presente pra
minha esposa.

Mais uma cria da Escola Rahma de Ourivesaria, reconhecendo o valor


dos mestres ourives Paulo Tavares e Fábio Alves, anteriormente também
reconhece a contribuição do mestre ourives João Sales, cujas trajetórias foram
destacadas no segundo capítulo.

Eu fiz o curso de ourivesaria em joalheria em 2007 na Escola


Rahma. Ele me disse: se quiseres fazer o curso, no Polo, na
Escola Rahma tem. Vai lá e pega as informações direitinho e vai!
Que tu vais gostar. Eu fiz o curso com o Paulo e o Fábio. E eu
digo: respeito muito! Eu aprendi muito com eles e até hoje eu
vou lá com o Paulo quando tenho dúvidas. Paulo me socorre!
208

Ele (o mestre Paulo Tavares) tem um coração deste tamanho.


Parece coração de mãe, acolhe todo mundo.
Quando eu entrei lá (no Polo) eu fui com a intenção de agregar
metal as minhas peças. Eu fui com a cabeça de bijuteria, mas
depois, eu me apaixonei pelas joias e não parei mais de fazer.
Eu fui pra Escola Rahma pra aprender, foi quando conheci o
Paulo. Nossa! O Paulo é de uma generosidade tamanha. Ele
tava até se recuperando daquele aneurisma que ele teve, eu
aprendi muita coisa. Eu ainda tava clinicando e fugia pra aula.

Investiu muito para se tornar uma designer ourives do Polo Joalheiro.

Foi o período que viajei. Eu queria encontrar alguma coisa


diferente daqui. Conhecer algumas coisas fora do Brasil.
Quando eu voltei pro Brasil foi que eu disse: dá para fazer. Fui
pra Lisboa fazer algumas pesquisas. Fui no Museu do Ouro, fui
nas oficinas. Fui em 2008, passei quatro meses lá. [..] No mesmo
ano, eu fui assistir (no Polo) um Workshop como ouvinte, porque
já estava fechado que iria participar por ter poucas vagas, já
tinha os designers certos pra fazer. Fiquei assistindo como
ouvinte e não como participante. [...] Eu queria assistir, quando
tinha palestra eu ficava lá escutando, embora ainda não tivesse
participando (do Programa). Coincidentemente, eu conversei
rápido com o Tadeu (designer, consultor, na época, do Igama) e
ele disse: - cria pra vê se dá em alguma coisa. Aí eu fui tentando,
tentando e as minhas coisas eram muito simples, porque eu só
podia criar o que eu pudesse fazer, pois na época eu não podia
contar com ninguém e tinham as dificuldades pra encontrar
ourives pra fazer as peças...eu não podia chegar e dizer...tu vais
fazer pra mim ou então dá pra tu fazeres pra mim? Porque não
tinha vaga, tava todo mundo certinho para fazer.

Marcilene relata o importante encontro com a lapidária Leila Salame.

[...]Foi ai que eu já conhecia a Leila (Lapidária do Programa) e


gente, por coincidência, ficou mais unida e ela falou que tinha
vontade de fazer uma exposição sobre os grafismos e eu fiquei
encantada com a história...que contar uma história...conta com
carinho...com orgulho...porque eu sou da região tapajônica...sou
encantada com os grafismos ...aí Leila sentou pra conversar
comigo e eu disse: Leila show de bola...nossa! quando eu olhei
o trabalho ...não dá pra descrever o trabalho, a delicadeza com
ela fez isso (as suas gemas com grafismo). Assim, ela jogou a
ideia. Então eu fui ao Marajó fazer a pesquisa e em cima da
pesquisa a gente vê o que dá pra fazer. Nós dividimos o que
cada uma ia fazer. Ela criava as gemas e eu as peças. [...] Em
209

cima das gemas dela e que eu fazia a criação. Fizemos então a


exposição Lapidando o Olhar. A primeira exposição oficial do
Polo que eu participei foi em 2008, a do Círio, as joias do Círio
de Nazaré. [...] Assim fazendo uma triagem daquilo que deu
certo e do que não deu certo, melhorar e expandir, mas de forma
artesanal. [...] Eu amo essa parte artesanal, mas não é só disse
que eu gosto, eu gosto de curso profissionalizante, que tem
muita coisa a agregar. Tenho vontade de firmar o nome por meio
de um trabalho de marketing, mais organizado. Tudo isso tem
primeiro que ir pro papel, pra depois ser colocado em prática,
quero ampliar (a comercialização das peças), mas de modo
artesanal. Eu deixei mais a psicologia pra fazer e criar mais joias.
Eu quero fazer joia artesanal. [...] joia pra mim é uma obra de
arte.

Ouvir o relato de Marcilene Rodrigues me fez lembrar o brilhante romance


“Baú de Ossos”, de Pedro Nava. Aqui ficou claro que a ligação dos eventos da
memória foi sua. É a memória dela ressignificando a sua memória como
pesquisadora. O teu lugar de sujeito da pesquisa fazendo a ligação entre esses
eventos. Segundo Bárbara Del Rio Araújo,331 o romance “Baú de Ossos”
possibilita a transposição do universo individual para a história social, a partir do
uso da memória como instrumento de construção da narrativa das imagens do
sujeito, de seus familiares e da sociedade brasileira, em que a matéria
composicional é as memórias do escritor, vividas em Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Ceará. Essa proposição é ratificada pela autora com a citação a seguir:
“faz do chão da memória o espaço mais amplo e complexo das relações sociais
e históricas”. 332

O trecho do romance:
É por ser neto do retrato que sou periodicamente atuado pela
necessidade de ir a São Luiz do Maranhão. Essa sempre
procrastinada viagem, se eu não a faço com o corpo, realizo em
imaginação. Desde menino, quando, de tanto ouvir falar em
Ceará e Maranhão, eu enchia cadernos e cadernos do desenho
de navios inverossímeis, onde havia um exagero de âncoras
pendentes, gáveas em cada metro de mastro, mastros sem

331 ARAÚJO, Bárbara Del Rio. A dimensão das imagens na narrativa de Baú de Ossos, primeiro
livro de memórias de Pedro Nava. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/poslit/08/0barbara.pdf. Acessado em 18/08/2013.
332 ARIGUCCI JR. Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e experiência, p. 78 apud
ARAÚJO, Bárbara Del Rio. A dimensão das imagens na narrativa de Baú de Ossos, primeiro
livro de memórias de Pedro Nava. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/poslit/08/0barbara.pdf. Acessado em 18/08/2013.
210

conta e as chaminés deitando uma fumaceira de erupção


vulcânica.333

Traduz um sentimento parecido com o relato de Marcilene Rodrigues


sobre a trajetória de seu tataravô e sua viagem para Lisboa, terra natal desse
seu ancestral:
O bisavô de meu pai veio pra cá, para o Brasil.. [...] Eu ficava
imaginando como era a vida dele lá, em Lisboa. Em 2008, fui
para lá e conheci o lugar que ele nasceu, sentei no banco que
ele sentou, porque me disseram que era muito antigo, foi tudo
muito encantador. 334

O sentido de família que emerge em seus depoimentos vai além de laços


biológicos de sangue, tem uma família no sentido de ser, entre outras coisas,
uma “comunidade moral”, ou seja, um grupo com o qual os membros identificam
sua importância em suas trajetórias de vida e mantêm um envolvimento
emocional. 335
Marcilene Rodrigues, trazendo na bagagem a importância que dá a sua
trajetória familiar, entrou no Polo em 2008, por meio da participação na
Exposição Joias de Nazaré. Desde então, vem conseguindo um rápido
reconhecimento interno de seu trabalho. É uma das participantes do Programa
que mais investe na fabricação de joias artesanais. Sua meta agora é ir mais
além. É percorrer as vias do reconhecimento nacional e internacional, o que já
está acontecendo, pelo viés de conexão de sua origem luso-brasileira como
inspiração criativa de suas peças. Fazendo assim parte de um segmento social
no Polo Joalheiro, que investe nas joias artesanais como obra de arte, como joia
conceito, com essa marca multicultural.

Consolidou sua participação no Polo com a exposição, em 2011, como já


foi dito antes, Lapidando o Olhar, mas que mostro também em imagem a seguir:

333NAVA, Pedro. Baú de ossos: memórias. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974, p. 67.
334 Entrevista gravada, concedida em 15 de fevereiro de 2013.
335 CASEY, J. The History of the Family. Oxford, 1989, p. 14. BURKE, Peter. História social
e teoria social. São Paulo: UNESP, 2002, p. 80.
211

Figura 51: Convite da Exposição Lapidando o Olhar


Fonte: Arquivo do Igama

Essa exposição resultou da parceria de Marcilene Rodrigues com a


lapidária Leila Salame, como foi relatado antes, em que a inspiração foi o
arquipélago do Marajó, sendo que algumas gemas foram lapidadas com os
grafismos marajoaras, que é marca exclusiva da renomada lapidária do Polo.
Apresento Marcilene também em fotografia a seguir:

Figura 53: Marcilene Rodrigues - Foto: Sebastião Marinho


Fonte: http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br
212

Entre a joia artesanal, a joia como obra de arte, essas mulheres designers
ourives, aqui retratadas e descritas, dedicam a sua vida à joalheria de Belém do
Pará, da Amazônia, da Região Norte, do Brasil, do mundo.

No campo profissional, pesquisas constatam que no Brasil, no século XX,


as mulheres ingressaram cada vez mais no mercado de trabalho. Segundo
Elisiana Renata Probst:

A história da mulher no mercado de trabalho, no Brasil, está


sendo escrita com base, fundamentalmente, em dois quesitos: a
queda da taxa de fecundidade e o aumento no nível de instrução
da população feminina. Estes fatores vêm acompanhando,
passo a passo, a crescente inserção da mulher no mercado e a
elevação de sua renda. A analista do Departamento de
Rendimento do IBGE Vandeli Guerra defende que a velocidade
com que isto se dá não é o mais relevante. O que estamos
constatando é uma quebra de tabus em segmentos que não
empregavam mulheres. 336

É claro que suas conquistas profissionais são sempre acompanhadas de


desafios a serem vencidos. Por exemplo:

Normalmente, além de cumprir suas tarefas na empresa, ela


precisa cuidar dos afazeres domésticos. Isso acontece em
quase 90% dos casos. Em uma década, o número de mulheres
responsáveis pelos domicílios brasileiros aumentou de 18,1%
para 24,9%, segundo os dados da pesquisa “Perfil das Mulheres
Responsáveis pelos Domicílios no Brasil”, desenvolvida pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).337

Contudo, de maneira irreversível, elas colhem os frutos de sua dedicação


em atividades econômicas, pois:

Pouco a pouco as mulheres vão ampliando seu espaço na


economia nacional. O fenômeno ainda é lento, mas constante e
progressivo. Em 1973, apenas 30,9% da População
Economicamente Ativa (PEA) do Brasil era do sexo. Segundo os
dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD),
em 1999, elas já representavam 41,4% do total da força de
trabalho. Um exército de aproximadamente 33 milhões.338

Desse modo, as mulheres vêm, cada vez mais, aumentando seus


rendimentos, seja abrindo seus próprios negócios, seja realizando mais de um

336PROBST, Elisiana Renata. A Evolução da Mulher no Mercado de Trabalho. Instituto


Catarinense de Pós-Graduação – ICPG. Disponível em:
http://www.posuniasselvi.com.br/artigos/rev02-05.pdf. Acessado em 17/09/2013, p. 6.
337Idem, Ibidem, p.5.
338 Idem.
213

trabalho remunerado, mas em relação à situação das mulheres da Região Norte,


o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou os resultados
a seguir:

O rendimento masculino foi sempre superior ao feminino, porém


as taxas de crescimento do rendimento feminino eram sempre
superiores às masculinas, em todo o País, para as pessoas com
só um trabalho ou com dois trabalhos ou mais. A única exceção
ocorreu para a população feminina da Região Norte urbana com
dois trabalhos ou mais, cujo rendimento cresceu 26,5%
entre1992 e 1997, enquanto a taxa de crescimento da população
masculina correspondente era de 63,9%.339 e os dados de
2000? Que são a ´época da tua pesquisa? das entrevistas? Em
que as ourives estão atuando?

Ivete Negrão, Camilla Amaral, Lídia Abrahim, Selma Montenegro e


Marcilene Rodrigues, são mulheres que estão entre as 26, 5% da Região Norte,
que apresentam crescimento de seus rendimentos pelo desempenho de seus
vários trabalhos, sem renunciar a sua realização profissional. Assim, apesar de
suas diversidades expostas em seus relatos, essas mulheres encontram-se no
criar e fazer joias, compartilhando também outros aspectos comuns, como, por
exemplo, estarem direta ou indiretamente ligadas aos cenários do interior do
Pará, em que a natureza é a fonte de inspiração mais relevante. Compartilham
essas características também com os mestres ourives antes destacados no
capítulo anterior. A escolha pela temática dos cenários interiores também é uma
questão de mercado, de marcar uma diferença e de estar em sintonia com um
discurso politicamente correto, que abre portas, particularmente, fora do Brasil.
A diversidade presente entre essas mulheres está na ordem da
subjetividade e da sua condição sociocultural e econômica, como pode ser
visualizado em seus relatos, configurando assim a mulher contemporânea em
sua intensa hibridez e multifaces, que saiu das sombras, dos silêncios
codificados nas experiências históricas anteriores, para serem substancialmente
estudadas, cantadas e poetizadas atualmente. É o que afirma Jiménez com
outras palavras:

339 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Estudos e Pesquisas


- Informação Demográfica e Socioeconômica, número 7. Mapa do Mercado de Trabalho no
Brasil. Disponível
em:http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/mapa_mercado_trabalho. Acessado em:
19/09/2013.
214

Nos últimos anos, o interesse em conhecer e reavaliar o papel


que as mulheres desempenham na prática social têm gerado
inumeráveis seminários, pesquisas, publicações e instituições
especializadas. As mulheres têm sido estudadas a partir de
diversas perspectivas e pontos de vista, como as operárias,
donas de casa, sindicalistas, costureiras, domésticas e
profissionais.340

Muitas histórias precisam ainda ser escritas sobre outras mulheres


ourives do Polo Joalheiro, mas essas escritas aqui em suas semelhanças e
diferenças já contribuem para ampliar o leque de experiências da composição
da história social do mundo do trabalho desse segmento sociocultural.

340JIMÉNEZ, Martha Patrícia. Trabalho, Poder e Sexualidade: histórias e valores


femininos. Cadernos Pagu: situando diferenças, nº 5, 1995, p.201.
215

4. Protagonistas do Polo Joalheiro do Pará: redes sociais


visíveis e invisíveis, além das vitrines

As joias com emoção, onde efetivo esse


olhar. O pensamento, geralmente,
voltado para minhas lembranças, cheiros
e saudades ancestrais. O fogo, o metal e
a gema, coadjuvantes, a serviço do
pensamento e de imagens que chegam
e exigem tomar forma. E a joia nasce,
como um parto e suas dores,
geralmente, única, inesquecível para
mim, gestada e concebida nas
inquietações da minha alma. Amada,
desejada, minha, no entanto, não me
pertence. Como um filho...
Rita Bittencourt

Invejo o ourives quando escrevo:


Imito o amor
Com Ele, em ouro, o alto-relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
PROFISSÃO DE FÉ
Olavo Bilac

De acordo com Castro,341 a expressão “história social” é frequentemente


utilizada, ainda hoje, como forma de demarcar o espaço do movimento dos
Annales, como marco, real ou simbólico, de constituição de uma nova história,
em oposição às abordagens ditas rankianas, predominantes entre os
historiadores profissionais até a primeira metade do século XX.
Essa “nova história” foi fruto da revista e do movimento protagonizados
por Bloch e Febvre, na Franca, em 1929 e tornaram-se então a manifestação
mais efetiva e duradoura contra uma historiografia factualista, centrada nas
ideias e decisões de grandes homens, em batalhas e em estratégias
diplomáticas. Contra ela, propunham uma história problema, vinculada num

341 CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo
(orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
216

constante processo de alargamento de objetos e novas perspectivas e


diversidade metodológica. A interdisciplinaridade serviria, desde então, como
base para a formulação de novos problemas, métodos e abordagens da
pesquisa histórica. 342
Segundo Reis,343

A história problema veio reconhecer a impossibilidade de narrar


os fatos históricos “tal como se passaram”. Por ela, o historiador
sabe que escolhe seus objetos no passado e que os interroga
no presente. Ele explicita a sua elaboração conceitual, pois não
pretende se “apagar”, em nome da objetividade. Ao contrário,
exatamente para ser mais objetivo, o historiador “aparece e
confessa” seus pressupostos e conceitos, [...] e, sobretudo, a
partir de que lugar social e institucional ele fala.

Contudo, como demonstra Burke,344 os fundadores e adeptos dessa


abordagem teórico–metodológica foram bastante criticados por se aproximar por
demais da sociologia, antropologia, linguística, geografia, economia, gerando
uma falta de identidade no ofício do historiador. Portanto, ele aconselha que os
historiadores e as historiadoras devam sim navegar no mar revolto da
interdisciplinaridade, mas sem perder sua identidade profissional.
Destaco, nesse percurso reflexivo, a problematização das noções do
“social” nesse debate acadêmico, por considerar as questões pontuadas por
Mendonça345 sobre o uso dos conceitos numa abordagem interdisciplinar em
estudos da área da história. De acordo com essa autora, é necessário possibilitar
ao leitor um entendimento sobre os conceitos utilizados num texto acadêmico,
pois são construções lógicas, estabelecidas a partir de um quadro de referências
teóricas, por isso adquirem seu significado dentro de modelos de pensamento
de acordo com tais referências, o que, consequentemente, gera polissemia.
Nessa direção, o social tratado aqui não é no sentido de Émile Durkheim
e de Maurice Halbwachs, compartilhado pelo historiador Marc Bloch em suas
obras, que prima pela coesão e coerção social, segundo Burke, um “modelo

342 Idem.
343 REIS, José Carlos Reis. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010, p. 93.
344 BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002, p.31 .
345 MENDONÇA, Nadir Domingues. Uma questão de interdisciplinaridade o uso dos
conceitos. Petrópolis: Vozes, 1985.
217

consensual”,346 assim como pela homogeneidade das representações


coletivas, submetendo as vontades individuais ao coletivo, ao grupo, numa
perspectiva de analisar o macro, regular, geral, desconsiderando, desse modo,
a diversidade presente nas experiências coletivas por processos de socialização,
ou seja, aprendizagem das normas e regras estabelecidas numa dada
sociedade. 347
Seguindo uma trilha ao contrário do modelo citado anteriormente, o
sentido do social referendado aqui é o difundido por Georg Simmel, o social de
“sociabilidades” e dos “conflitos” no campo dos “jogos da vida”. Segundo este
autor, somente há sociabilidade quando os atores sociais deixam de lado suas
diferenças e interesses pessoais para vivenciar e realizar ações e atividades em
grupo, com potencialidades de gerar sentimento de satisfação de estar se
relacionando com outras pessoas, pela intenção de concretizar seus interesses
pessoais, por um lado; e, por outro lado, de sentir prazer por estar integrada a
um grupo. Ou seja:

[...] É o estar com um outro, para um outro, contra um outro que,


através do veículo dos impulsos, ou dos propósitos, forma e
desenvolve os conteúdos e os interesses materiais e individuais.
[...] Interesses e necessidades específicas certamente fazem
com que os homens se unam em associações [...] Além de seus
conteúdos específicos, todas estas associações também se
caracterizam, precisamente, por um sentimento, entre seus
membros, de estarem associados, e pela satisfação derivada
disso.348

Portanto, compreendo sociabilidade como um conjunto de relações entre


atores sociais que estabelecem pactos momentâneos de integração social, em
que a qualquer desprazer ou choque de interesses pessoais rompem esses
pactos, gerando assim relações conflituosas. Essas relações compõem a
dinâmica da convivência em coletividade, formando assim, um jogo, segundo
Simmel, de agregação e desagregação, de cooperação ou disputa, o qual
denomina de “jogo da vida”.
Também optei por uma análise relacional entre o micro e o macro do
contexto pesquisado, com base na metodologia de pesquisa da micro-história,

346 BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002, p. 47.
347 BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002, p.31–32.
348 SIMMEL, Georg. Sociologia. São Paulo Ática, 1983, p. 168.
218

por possibilitar uma redução de escala de análise, uma descrição da “realidade


social” mais detalhada e uma maior exploração do objeto de estudo, permitindo,
assim, por um lado, que as experiências individuais e locais ganhem relevo e
relação com o global, com a pretensão de configurar um “jogo de escala”, em
que, segundo Revel,349 é o princípio da variação [de escala] que conta, e não a
escolha de uma determinada escala, de modo que a dimensão ‘micro’ não seja
privilegiada .
Cerutti350 destacou ser a microanálise uma análise processual, que
considera os indivíduos como protagonistas de tal modo a reconstituir uma
vivência ou uma variedade de experiências nos diferentes campos da vida social.
São escolhas dos itinerários individuais, levando em conta as representações
que esses mesmos sujeitos escolhiam e davam a si mesmos.
Giovanni Levi351 destacou que “é por meio de diferenças mínimas nos
comportamentos cotidianos que são construídas a complexidade social, as
diferenciações locais nas quais se enraízam histórias” Desse modo, optou pela
micro-história, por considerar fundamental estudar as situações vividas, redes
de relações, estratégias singulares.
Conforme Chartier,352 existem várias formas de fazer micro-história, mas
em comum todas pretendem reconstruir, a partir de uma situação particular,
normal porque excepcional, a maneira como os indivíduos produzem o mundo
social, por meio de suas alianças e confrontos, através das dependências que
os ligam ou dos conflitos que os opõem.
A micro-história, segundo Dillmann,353 pode ser considerada, em alguns
aspectos, uma reação metodológica ao estilo de história produzida até então:
econômica, marxista e estruturalista. Ela recebeu influência da historiografia
social francesa e do neo-marxismo inglês, indo ao encontro da antropologia,
pensando a cultura e a carga simbólica das práticas e representações sociais.

349 REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: _________. REVEL, Jacques
(org.). Jogos de escala. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998.
350 CERUTTI, Simona. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim
no século XVII. In. REVEL, Jacques. Jogos de escalas. A experiência da microanálise. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 1998.
351 LEVI, Giovanni. Antes da ‘revolução’ do consumo. . In. REVEL, Jacques. Jogos de
escalas. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998, p.205..
352 CHARTIER, Roger. À beira da falésia. A história entre certezas e inquietudes. Porto
Alegre: Edurgs, 2002.
353DILLMANN, Mauro. Micro-história. Disponível em:http: //notassobrehistoria.blogspot.
com.br/2010/10/micro-historia-reducao-da-escala-na.html. Acessado em 20/12/2013.
219

Contudo, segundo Lima,354 esta maneira de produzir estudos na história,


não foi e nem é consenso (aliás, nenhuma maneira foi ou é), sobre o uso que faz
da microanálise histórica. Nesse sentido, a micro-história foi acusada de
fragmentar a pesquisa histórica, não se preocupando com aspectos de maior
amplitude envolvidos na realidade estudada. Por outro lado, segundo o mesmo
autor, não se pode negar sua contribuição para que novos sujeitos e novos
problemas viessem à tona no pesquisar e escrever no campo da história.
Considero pertinente um comentário de Levi em defesa da microanálise:

[...] como um ponto de descoberta do contexto social em que um


fato aparentemente anômalo ou insignificante assume
significado, quando as incoerências ocultas de um sistema
aparentemente unificado são reveladas. A redução da escala é
uma operação experimental justamente devido a esse fato,
porque ele presume que as delineações do contexto e sua
coerência são aparentes, e revela aquelas contradições que só
aparecem quando a escala de referência é alterada. 355

Portanto, pretendo aqui apresentar uma microanálise da dinâmica social


do Polo Joalheiro, mas de modo que não pareça fragmentada, mas articulada
com a complexidade da rede social em que os sujeitos e a instituição estão
inseridos. Por essa trilha, então, vou delinear o Polo Joalheiro nas teias do
coletivo, sem deixar de fora o pessoal, em que vão ser delineadas as vontades
de fazer e criar, como também vivências cotidianas, além das vitrines. Na
tentativa de descortinar algumas dinâmicas próprias da existência atual e
perspectivas futuras dos sujeitos e da instituição.
Nesse sentido, considero que as joias do Polo Joalheiro trazem consigo o
passado que mora em todos e em um, esquecido, despercebido ou lembrado de
diversas formas; o presente vivido no agora do ir ou vir e o futuro convidado para
vir em decisões e conquistas. Para alguns, têm codinome de joias do Pará, para
outros, joias da Amazônia, joias de Belém, configurando nessas diferentes
nomeações disputas coletivas e individuais, sempre numa rede de relações
interpessoais e institucionais, assim como uma complexidade de olhares,
intencionalidades e expectativas.

354 LIMA, Henrique Espada. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
355 LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história”. In: Burke, Peter. A escrita da história. Novas
perspectivas. São Paulo: Unesp, p. 155.
220

É essa teia que pretendo demonstrar e analisar aqui, considerando


olhares diversos, conflitos, agregações e desagregações.

4.1. Protagonistas do mundo das joias antes e depois do Polo Joalheiro


A Organização Internacional do Trabalho (OIT),356 em 1999, formalizou
o conceito de trabalho decente como uma síntese de promover oportunidades
para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade,
em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas. Ainda
segundo esta organização,

O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos


estratégicos da OIT (o respeito aos direitos no trabalho, a promoção do
emprego, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo
social), e condição fundamental para a superação da pobreza, a
redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade
democrática e o desenvolvimento sustentável.357

No Brasil, segundo os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares


(POF) 2008-2009 do IBGE, cerca de 61,0% da renda familiar é proveniente do
trabalho. Isso significa que grande parte dos rendimentos familiares e, por
conseguinte, das condições de vida das pessoas, depende primordialmente dos
rendimentos gerados no mercado de trabalho. Além da remuneração adequada,
o trabalho decente também supõe o acesso aos direitos associados ao trabalho
e à proteção social que, quando combinados com aumentos de produtividade e
igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego, têm o potencial de
diminuir exponencialmente a pobreza extrema e a fome por meio do aumento e
melhor distribuição da renda.
Os dados do Instituto de Pesquisa Acertar mostraram que em Belém, dos
130 produtores de joias entrevistados, 107 (82,3%) foram identificados como do
sexo masculino e 23 (17, 7%) como do sexo feminino. 358 Com base nesses
dados, no contexto da joalheria, as mulheres ourives joalheiras estão em
divergência com as taxas de aumento de participação das mulheres no mercado
de trabalho, segundo os dados expostos a seguir.

356 GUIMARÃES, José Ribeiro Soares. Perfil do Trabalho Decente no Brasil: um olhar
sobre as Unidades da Federação. Brasília: OIT, 2012. 400 p.
357 Idem, ibidem, p. 5.
358 Pesquisa do Instituto Acerta, 2004.
221

As taxas de participação das mulheres no mercado de trabalho vêm


crescendo a um ritmo bastante superior as dos homens, segundo dados da OIT.
A participação feminina no mercado de trabalho, que girava em torno de 57,0%,
em 1992, aumentou para 62,9%, em 2004 e para 64,8%, em 2009. Por outro
lado, a participação masculina declinou, ao passar de cerca de 90,0%, em 1992
para 86,8%, em 2004, mantendo-se praticamente estável em 2009 (86,7%).
Como resultado dessas tendências opostas, diminuiu o diferencial de
participação entre homens e mulheres (de 24,0 pontos percentuais em 2004 para
21,9 pontos percentuais em 2009) e a taxa de participação total apresentou um
pequeno crescimento, ao passar de aproximadamente 73,0%, em 1992 para
74,4%, em 2004 e 75,3%, em 2009. Em decorrência da maior incorporação ao
mercado de trabalho, as mulheres passaram a representar 44,5% da População
Economicamente Ativa (PEA) nacional em 2009, contra 40,0%, em 1992.
Assim, ainda segundo dos dados OIT, o nível de ocupação total evoluiu
de 67,8% para 69,0% entre 2004 e 2009. Mas o ritmo de crescimento foi
diferenciado para homens e mulheres. O crescimento do nível de ocupação das
mulheres (de 55,5% para 57,5%) foi mais intenso do que o da ocupação
masculina (de 80,9% para 81,3%). Em consequência, o diferencial entre os
níveis de ocupação de homens e mulheres reduziu-se 1,6 ponto percentual
nesse período: passou de 25,4 para 23,8 pontos percentuais.
Desse modo, o relatório da OTI tem como meta promover o acesso a um
“Trabalho Decente” no mundo, em que permita às pessoas obter uma quantidade
de bens e serviços por meio de seus rendimentos. Ao mesmo tempo, oferecer a
oportunidade de prover um serviço produtivo à sociedade e expandir habilidades
e talentos. Também proporcionar segurança para tomar decisões que não
tenham impacto negativo sobre o desenvolvimento humano, evitando, por
exemplo, os efeitos do desemprego de homens e mulheres sobre a educação e
alimentação dos filhos ou no estímulo ao trabalho infantil.
O crescimento econômico tem potencial de expandir as capacidades
humanas, mas, para isso, ele deve ser equitativo e aumentar as oportunidades
que permitam às pessoas tomar decisões sobre como viver uma vida que elas
valorizem. Todas as oportunidades que constituem o desenvolvimento humano
são importantes – liberdade para ir e vir e liberdade de expressão, oportunidades
de acesso a serviços básicos de educação e saúde, oportunidades de acesso à
222

moradia digna, com água potável e saneamento, entre outras. Porém, só o


acesso ao Trabalho Decente pode converter o crescimento econômico em
desenvolvimento humano.
Nesse cenário, o Polo Joalheiro vem se firmando, enquanto um programa
de governo, que tenta desenvolver “trabalhos decentes” no mundo da joalheria,
apesar das contradições cotidianas de conflitos e rupturas e das trocas de
governos estaduais. Os produtores de joias afirmam, em sua maioria, que com
o Polo Joalheiro conseguiram mais respeito como ourives, pois antes do Polo,
eles eram confundidos como receptadores de ouro roubado, como demonstrado
no primeiro capítulo.
Também no Polo Joalheiro, apesar ainda de prevalecer ourives homens,
as mulheres vêm construindo suas trajetórias como ourives joalheiras, as quais
são associadas às atividades de design de joias, assim como às atividades de
lapidárias, transformando assim, ao poucos, as relações de gênero nesse
contexto, correspondendo assim ao cenário mais geral no âmbito nacional, em
que, sob a ótica de gênero, observa-se, entre 2004 e 2009, um crescimento um
pouco mais rápido do rendimento médio das mulheres do que o dos homens:
21,6% contra 19,4%, respectivamente, contribuindo para a redução da
disparidade: durante o referido período, evoluiu de 69,4% para 70,7% o
percentual do rendimento recebido pelas mulheres em relação ao auferido pelos
homens, segundo os dados da OIT.

Outro aspecto importante levado em consideração pela OTI é a


conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar, pois está intrinsecamente
relacionada ao conceito de Trabalho Decente, principalmente no que tange à
liberdade, inexistência de discriminação e capacidade de assegurar uma vida
digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho. É uma dimensão central
de uma estratégia de promoção da igualdade de gênero no mundo do trabalho
e exige a articulação de ações nos mais diversos âmbitos - político, social,
governamental, empresarial e individual – que possam conduzir a uma nova
organização do trabalho e da vida familiar.
223

O Polo Joalheiro vem também traçando sua história nessa perspectiva de


seus protagonistas fazerem a conciliação entre vida pessoal, familiar e trabalho.
As oficinas geralmente ficam nas próprias residências ou próximo destas e
envolvem toda a família nas atividades desenvolvidas no ramo da joalheria, na
cadeia produtiva. Mas isso é uma estratégia dos sujeitos/famílias e não da
política institucional do polo.

Por exemplo, há uma família extensa de ourives joalheiros que mora numa
mesma rua, de um conjunto, somando cinco casas, em que as casas têm as
bancadas de joias e em uma destas funciona uma oficina de joias bem equipada,
em que os membros da família transitam, estabelecendo assim, relações de
vizinhança e de produção familiar. A dinâmica, quando ocorrem conflitos de
interesses financeiros, caracteriza-se por seus membros montarem sua oficina
independente, mas sem romper totalmente com o ourives mais velho da família,
considerando o mestre ourives, que tem um importante papel de mediar estes
conflitos. Há uma rede de trocas de serviços e matéria prima, em que pode
ocorrer escambo ou divisão dos lucros das vendas. Pode haver conflitos, mas a
tendência é retornar à rede.

Todo início de ano há recadastramento dos participantes do Programa.


Polo Joalheiro. No cadastro de 2011359, o perfil social dos participantes,
apresentou-se conforme os quadros a seguir:

QUADRO 1
PARTICIPANTES DO PROGRAMA QUE SE RECADASTRARAM EM 2011

Participantes Participantes Femininos Total


Masculinos

16 23 39

Fonte: Cadastro do IGAMA 2011.

Como informa o quadro 1, recadastraram-se 39 pessoas. Deste total, o


público masculino foi minoria e o feminino maioria, em termos de

359Impresso e cedido à pesquisa em 14/02/2012. Informo que esse cadastro não agrega todos
os participantes, pois alguns não se preocupam em se recadastrar, não dão importância a isso,
mesmo continuando no Programa.
224

recadastramento, indicando que as mulheres estão investindo em ampliar suas


participações. Para elas é importante tornar oficial sua integração no Polo
Joalheiro, como um meio de potencializar seu reconhecimento na área da
joalheria.

O perfil dos participantes, quanto à sua ocupação na cadeia produtiva do


setor joalheiro, quanto a sua ocupação na cadeia produtiva, idade, tempo de
atuação no setor joalheiro e atuação no polo em destaque, vai ser mais bem
detalhado a seguir:

A diversidade dos participantes, em termos das atividades que exercem,


da idade e do tempo de atuação no setor joalheiro e no Polo Joalheiro é bem
nítida. Pode ser observado que dos 16 homens que se recadastraram, 6 atuavam
no setor joalheiro antes da inauguração do Polo Joalheiro no Esjl, entre 7 a 38
anos. Os 10 restantes iniciaram suas trajetórias no setor joalheiro no Polo.
No público feminino, somente 3 atuavam antes da inauguração do Polo
no Esjl, entre 7 e 19 anos; os 20 restantes têm sua entrada no setor joalheiro por
meio do Programa Polo Joalheiro.
Portanto, tais dados indicam que o Programa incentivou a entrada de
novas pessoas, principalmente as mulheres, no setor joalheiro e fez diferença na
vida daqueles que já atuavam no referido setor, na busca de um “trabalho
decente”.
A formação e ingresso de designers de joias neste setor foi uma das
principais conquistas do Programa, mesmo com os conflitos que ocorrem entre
essa categoria e os ourives, no que diz respeito à concepção de criação e
produção das peças.
Há uma diversidade também quanto à naturalidade e nacionalidade,
assim como quanto à escolaridade, como demonstram os quadros 2, 3 e 4
respectivamente a seguir:
225

QUADRO 2
PARTICIPANTES QUANTO À ESCOLARIDADE

Escolaridade

Masculino Total Feminino Total

Pós – graduação 4 Pós - graduação 5

Superior completo 4 Superior completo 11

Superior incompleto 3 Superior 4


incompleto

Ensino Médio 3 Ensino Médio 3


Completo / Curso Completo / Curso
técnico técnico

Ensino Médio 1 Ensino Médio 0


incompleto incompleto

Ensino Fundamental Ensino 0


completo Fundamental
0 completo

Ensino Fundamental 1 Ensino 0


incompleto Fundamental
incompleto

Total Geral 16 23

Fonte: Cadastro do Igama, 2011.

A escolaridade é outro fator diverso e gerador de confrontos de interesses


e opiniões na rede social do Polo Joalheiro. Desde sua implantação até hoje,
vem gerando situações de disputas, inclusão ou exclusão de indivíduos ou
grupos em ações, atividades e projetos. No quadro 3 pode ser observado que as
mulheres em sua maioria tem um nível de escolaridade maior em relação aos
homens, confirmando o movimento interno do Polo de mulheres que buscaram
se qualificar no ensino formal de graduação ou pós-graduação.
São mulheres que se sentiram excluídas em atividades de qualificação do
Polo, por não estarem no critério de participação enquanto ourives ou designer
de joias. Isso ocorreu de forma pontual em dois cursos de qualificação com
consultores internacionais, na gestão de 2010, gerando a princípio
ressentimentos, mas depois superação. 360 Voltaram a estudar fazendo cursos,
num nível técnico ou superior, em ourivesaria ou designer. Estas declararam

360 Depoimentos em entrevistas realizadas no Polo, em 2013. Não as identifico para evitar
situação constrangedora.
226

sobre tal ocorrido: “demos a volta por cima! Hoje ninguém pode nos impedir que
participemos de nada no Polo”!
QUADRO 3
PARTICIPANTES QUANTO À NATURALIDADE

Naturalidade Total
Estado / Cidade
Pará / Belém 21

Pará / Abaetetuba 1

Pará / Castanhal 1

Pará / Santo Antônio do Sudoeste 1

Pará /Óbidos 1

Pará / Marabá 1

Pará / Itaituba 1

Pará / Primavera 1

Pará / Oeiras do Pará 1

Pará / Vigia do Pará 1

Amazonas / Manaus 2

Rondônia 1

Rio de Janeiro / Rio de Janeiro 1

Rio de Janeiro / São Gonçalo 1

Piauí / Parnaíba 1

Ceará 1

Lisboa 1

Pinzio 1

Total geral 39

Fonte: Cadastro do Igama, 2011.

O quadro 3 demonstra que alguns participantes do Polo vieram de vários


lugares de origem ou de residência anterior a Belém. Dos 39 recadastrados, 18
vieram de outros lugares e 21 declararam que seu lugar de nascimento é Belém.
227

Do total de39, 30 participantes declararam ser de origem do Estado do Pará,


mas de diversas cidades do interior, confirmando assim que a migração interna
no Estado referente é um fator preponderante entre os participantes do Polo
Joalheiro, como já foi demonstrado anteriormente.
Os demais que declararam ser de origem de outros estados brasileiros,
advêm das Regiões Norte, Sudeste e Nordeste. A presença de pessoas desse
diversos estados e regiões, mesmo que seja por um participante, evidencia que
o Polo Joalheiro é lugar de convivência multicultural. O quadro 4 a seguir reforça
essa caracterização.

QUADRO 4
PARTICIPANTES QUANTO À NACIONALIDADE

Nacionalidade361 Total

Brasileira 37

Portuguesa 2

Total Geral 39

Fonte: Cadastro do Igama, 2011.

Nos quadros 1,2, 3 e 4 pode ser observado um multiculturalismo, no


sentido de delinear um cenário de múltiplas experiências compartilhadas nesse
universo da pesquisa. De modo geral, o multiculturalismo é o reconhecimento da
existência de diversas culturas num mesmo espaço. Entendendo cultura como
modos de vida, de pensar e fazer, não de modo homogêneo e constituído, mas
de modo plural e sempre num movimento de hibridez. 362
A problemática multicultural situa-se justamente no entendimento das
relações que são produzidas por esta diversidade. O multiculturalismo, nesta
perspectiva, se constitui como um dispositivo a partir do qual a alteridade é

361 Há também um participante colombiano, que não consta nesse recadastramento.


362MOZART, Linhares da Silva. História e Interculturalidade: aspectos críticos à educação
e ao multiculturalismo no Brasil, 2004. Disponível em: http://www.ces.uc.pt/ lab2004/
inscricao/ pdfs/ grupodiscussao32/MozartSilva.pdf. Acesso em 22/04/2016. BURKE, Peter. O
que é história cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
228

elevada a paradigma da organização social, colocando em xeque as tradicionais


narrativas propagadoras de identidades homogeneizadoras.

Contudo, segundo ainda Mozart:363

[...] a ênfase na diversidade cultural pode levar, como de fato é


evidenciado, ao entendimento da cultura como algo fixo,
fechado, substancializado. A irredutibilidade da cultura impõe
que se entenda a diferença como absoluta e nestes termos o
relativismo radical pode impedir o reconhecimento das
intertextualidades interculturais. A hybris, ou melhor, o
hibridismo permite vislumbrar não um terceiro momento
(síntese) da relação binária entre duas culturas ou mais, ao
contrário, o hibridismo ao negar o essencialismo permite pensar
a "hibridação" como o terceiro espaço, onde outras posições
podem emergir.

Para Homi Bhabha, "este terceiro espaço desloca as histórias que o


constituem, e gera novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas(...),
gera algo novo e irreconhecível, uma nova área de negociação de sentido e
representação" 364 Ou seja, um terceiro espaço que vá além do
multiculturalismo autoritário, numa perspectiva de verificar uma dinâmica interna
na própria cultura, que seja relacional e dialógica entre culturas, em que a
interculturalidade contorne o imobilismo e a postura contempladora. Nesse
sentido, opere nas inter-relações culturais conforme a dinâmica do hibridismo.
Pois, para este autor, é necessário ir além do modelo universalista ou
relativista. Para tanto, propõe a noção de “tradução cultural”, inspirado no escrito
de Walter Benjamim sobre “o trabalho de tradução e a tarefa do tradutor”365,
porque tal noção é capaz de demonstrar que a articulação de culturas é sempre
possível não por consenso, familiaridade ou similaridade de conteúdo, mas
porque todas as culturas são formadas de símbolos e constituintes de temas, as
quais têm potencialidades de se tornarem práticas interpelantes, ou seja,
híbridas.
Segundo Burke,366 o hibridismo cultural se aproxima da ideia de
circularidade cultural, propagado por Bakhtin e Ginzburg, quando se apresenta

363 Idem, ibidem, p. 5.


364RUTHERFORD, Jonathan. O terceiro Espaço: Uma entrevista com Homi Bhabha. Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Distrito Federal, 1996, p.35-41. Disponível
em:.http://portal. iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat24.pdf Acesso em 23.04.2016.
365 BENJAMIN, Walter. Illuminations. Londres: Fontana, 1982.
366 BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo; Editora Unisinos, 2008.
229

como trocas de modos de vida, de pensar e fazer, isto é, trocas culturais, com a
possibilidade de serem associadas, modificadas pelas particularidades locais,
sejam elas semelhantes ou não as particularidades originais, e podem acabar
voltando ao ponto de origem, influenciando a cultura da qual saiu, por conta de
seus novos atributos, inseridos pela cultura que a recebeu.

Essa noção de hibridismo cultural me auxiliou a pensar as experiências


dos participantes do Polo Joalheiro, em termos das trocas culturais do criar e
fazer joias. As trocas entre os saberes tradicionais da ourivesaria e os saberes
acadêmicos do designer de joia é um exemplo disso, assim como as relações de
gêneros, as geracionais, de tempo de participação, de naturalidade (país, estado
e cidade de origem), de escolaridade entre os vários segmentos da cadeia
produtiva, em termos de sua ocupação (ofício ou profissão). Como também por
vivências distintas pelos cursos que fizeram fora de Belém, ou cursos aqui com
ministrantes de fora, participação em feiras internacionais.

O último levantamento que fiz, até agosto de 2013, confirma


aproximadamente cem pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o Polo,
pois, além dos participantes que se recadastram, há uma rede social de
prestação de serviços vinculados à cadeia produtiva do setor, envolvendo
familiares e profissionais, os quais não são cadastrados no Programa e nem
fazem questão de fazê-lo, por não querer, segundo alguns depoimentos,367 ficar
aparecendo, preferindo, assim, um anonimato. Alguns afirmaram também que
não gostam de participar das atividades propostas pelo IGAMA, preferindo
apenas fazer seus trabalhos. Sempre quem faz tal depoimento são os e as
ourives que atuam nas oficinas, seja como empregados (as) de carteira assinada
(nas oficinas de joias), seja como prestadores (as) autônomos. (as) de serviços.

Os ourives e as ourives protagonistas da história do Polo Joalheiro, como


pode ser constatado no quadro 2, são minoria diante da totalidade dos
participantes atuais do Polo, pois somente três, do total de 16 do público
masculino e quatro, do total de 23 do público feminino, se identificaram como
ourives no recadastramento de 2011, sendo, portanto, do total geral de 39

367Colhidos em entrevistas em suas casas-oficinas, foram três, um ourives e duas ourives, abril
de 2013. Uma das ourives disse-me que não gosta de falar dessas coisas. Por essa opção de
anonimato não os nomeiam.
230

trabalhadores/as, apenas sete se consideraram ourives, mesmo atuando


também em outros segmentos da cadeia produtiva do setor joalheiro. Isso não
significa que existam somente esses e essas ourives no contexto estudado, já
que, como foi dito antes, nem todos/ todas se recadastram a cada ano.

Somam-se a esse total de sete, mais dez ourives masculinos e mais três
femininas, totalizando assim mais treze ourives que estão fora do cadastro de
2011, mas que aparecem em outros cadastros anteriores e posteriores como
participantes, que continuam atuantes no universo pesquisado.368

Além desses, há os/as ourives que são contratados por designers e


comerciantes para fazer peças para serem comercializadas no Esjl e não são
cadastrados no Programa, ficando assim também no anonimato. Até o momento,
identifiquei nessa situação seis ourives masculinos. Desse modo,
resumidamente, posso dizer que há dezenove ourives masculinos e sete
femininas, produzindo peças para o Polo Joalheiro regularmente, por meio de
uma produção formalizada ou não.

Atualmente é comum o dito de que faltam ourives e lapidários cadastrados


no Programa para dar conta do ritmo de produção que exige nas exposições e
datas comemorativas, como Dia das Mães, dos namorados, das joias de Nazaré,
entre outras. Para driblar essa escassez, os designers principalmente que não
são ourives, recorrem aos ourives que não participam do programa. Os que
atuam nas oficinas localizadas no Centro de Belém. são bastante requisitados
nesses casos.

Fiz uma visita em três oficinas desses ourives do comércio, em maio de


2013, para perguntar o porquê de não ingressarem no Programa. Eles
responderam que não se interessam porque têm muita exigência, principalmente
em ter quer participar dos cursos e participar desses cursos atrapalha o trabalho
deles, porque enquanto estão nestes não estão fazendo o trabalho da oficina e,
portanto, não recebem por esses trabalhos. Ou seja, foi assim identificado que
há um desencontro entre a participação dos e das ourives nos cursos de
qualificação ofertados pelo IGAMA e o tempo de produção dos ourives, pois,
como geralmente trabalham por conta própria, se param de produzir não geram

368 Relatório do IGAMA


231

renda. Por conta disso, muitos avaliam que é melhor não fazer parte oficialmente
do Programa, mas participar no anonimato, pois, segundo eles, dá orgulho de
fazer uma peça para o Polo, pois vai ser vista em exposições por aí, por muitas
pessoas.

Nesse cenário, são vivenciadas dinâmicas visíveis e invisíveis pelos e


pelas participantes do Polo Joalheiros, informando, mais uma vez, que dei aqui
destaque aos e às ourives de joia que se propõe fazer joias artesanais no Polo
Joalheiro situado em Belém do Pará, no espaço São José Liberto, em conjunto
com outras importantes ocupações nesse criar e fazer tal produto.369

A referência de comercialização dos produtores de joias que não possuem


pontos próprios comerciais, ou seja, lojas para vender suas peças é a loja Uma,
que funciona no Esjl. Em 2013, essa loja tinha aproximadamente 31expositores,
entre ourives, lapidários e designers, segundo levantamento que fiz,
consolidando assim as experiências individuais e coletivas no Polo Joalheiro. Tal
loja foi criada desde o início do Programa para apoiar os produtores de joias que
não tinham onde comercializar seus produtos.

A identificação dos participantes por sua ocupação não pode ser feita de
forma estática, pois uma mesma pessoa atua em várias ocupações ao mesmo
tempo, delineando assim uma complexa rede de relações de trabalho no Polo
Joalheiro, em que as condições socioeconômicas variam muito. Têm ourives que
atuam somente em sua bancada fazendo suas joias. Têm ourives que fazem
joias, mas são também microempresários, por ter uma loja de venda de joias
arrendada no Esjl. Têm designers que são também ourives e outros/outras que
são somente designers. Aqueles/as que desenham suas joias sem ser designers
formados na academia e sem ser ourives.

Entrar e sair no referido programa, voltar, está mais ou menos presente


nas ações e atividades institucionais cotidianas ou eventuais, são dinâmicas
motivadas por diversos fatores. Pode ser por motivos pessoais, por conflitos ou

369 Evitei aqui identificar nomes por assumir pactos éticos de ditos que não pode ser associados
aos que disseram, para não gerar constrangimentos em suas relações interpessoais e
institucionais.
232

estímulos interpessoais, como de ordem mais de identificação com a gestão


administrativa e institucional, assim como interesses e identificações políticas.

Desse modo, as idas e vindas em termos de participação no Polo


Joalheiro podem ser por mágoas, como por exemplo, o relato de uma ex–
participante, que disse: [...] “eu me afastei porque meu irmão preferiu ficar do
lado da mulher dele, quando eu contei que ela tentou roubar meu projeto de
joia.”370

Outro participante relatou que se afastou mais do Polo porque com a


mudança de governo estadual perdeu muito. Disse isso nesses termos: [...] “com
esse governo eu e minha família não tem mais espaço para realizar nossas
coisas. Agora eu só participo mais das exposições”. 371

Mas a mudança de governo traz outras pessoas de volta, que se


afastaram por contar de não aceitar o governo anterior. Mas existe um grupo de
pessoas, a maioria, que permanece independente dessas mudanças, inclusive
reelaborandos sua rede de relações institucionais, fazendo novas alianças de
apoio aos seus projetos pessoais ou de grupo.

Um participante voltou recentemente a frequentar o Polo Joalheiro, por


conta de sua filha se interessar em fazer designer na Faculdade e querer
desenhar joia. Foi inclusive uma motivação para ele voltar a fazer joia. Ele disse:
[...] “Poxa! Minha filha me fez querer ser novamente ourives. Eu tinha deixado de
fazer joia. Estava fazendo outra coisa. Mas ela fez eu querer voltar pra cá.”372

Há o grupo que vive de outra profissão e faz ou cria joia esporadicamente.


É o caso das professoras e dos professores que criam joias para as exposições
institucionais, como a das joias de Nazaré, que ocorre em outubro, no mês do
Círio de Nazaré. Têm também os arquitetos, entre outras profissões. Ora
participam ora se afastam por conta da falta de tempo por estarem envolvidos
de forma mais sistemática com outras atividades. Ele e elas dizem geralmente
que são ourives ou designers de joias por hobby, por paixão mesmo. [...] “O Polo

370 Entrevista realizada na casa dessa ex-participante, em 14 de março de 2014.


371 Entrevista realizada em sua casa, em outubro de 2014.
372 Entrevista realizada no Espaço São José Liberto, em dezembro de 2015.
233

Joalheiro possibilita viver isso, de criar minhas joias quando é possível, quando
consigo driblar minha falta de tempo.” Disse-me uma das professoras.373

Entre tantas trajetórias, houve aquelas que marcaram de forma tão


negativa seus protagonistas, que estes não querem nem ouvir falar no Polo
Joalheiro. Um desses relatou que saiu para nunca mais voltar porque se sentiu
lesado quando não recebeu o que deveria receber por suas joias por parte dos
que gerenciavam a Loja Una. “Eu nem quero falar sobre isso, de tanta raiva que
sinto até hoje!” Disse-me de modo áspero um desses protagonistas, que se
recusou a dar entrevista gravada.374

Nesse cenário de muitas faces, de diversas experiências, os ditos que não


se pode dizer quem disse são muitos, também os não querer dizer para não se
comprometer. Nesse sentido, os temas estudados no tempo presente estão
implicados em questões éticas, principalmente quando se trata de fontes orais.
Mas, ao mesmo tempo, favorece o reconhecimento de versões não oficiais, por
isso não propagandeadas, mas sim, muitas vezes, escondidas “a sete chaves”.

Outra face da pesquisa no tempo presente é a responsabilidade com os


interlocutores em termos do que foi autorizado e não autorizado a dizer no
trabalho. Como resolver isso é sempre um problema, ocasionando a
necessidade de eu fazer uma opção ética além da metodológica.

Nesse sentido, fiz opção em seguir pela trilha de Paul Ricoeur, por afirmar
que narrar é contar o vivido, é colocá-lo em uma temporalidade e, assim,
humanizar o tempo, alinhar os personagens, tecer uma intriga; é, ainda,

373 Conversas informais no Espaço São José Liberto, durante a Exposição de Joias de Nazaré
de 2014.
374 Isso ocorreu quando lhe telefonei para solicitar uma entrevista e fui verificar com outras
pessoas mais antigas no Polo o que ocorrera, porque ele me falou isso, dessa forma. Foi que
elas me contaram um ocorrido, que de fato isso aconteceu com alguns produtores, quando houve
mudança de governo. Alguns não receberem pela venda de suas joias porque no inventário
realizado nessa transição não conseguiram comprovar a entrada e saída dessas joias que
reivindicavam pagamento. Também contaram, com a insistente solicitação de não serem
identificados, que o dinheiro dos produtores da loja Una foi utilizado para outro fim pela gestão
anterior do São Jose Liberto. Assim como muitos funcionários não receberam seus direitos
trabalhistas quando demitidos, por conta de mudança de gestão. Quase todos entraram com
processos na justiça do trabalho para receber esses direito e tempo depois os bens dos principais
gestores foram embargados para serem leiloados e vendidos para sanar essa dívida trabalhista.
234

transgredir o discurso oficial em busca da criação; é, sobretudo, aliar o tempo


vivido ao tempo ficcionado. 375

Também compartilhei da inquietação de Costa: 376

Outra inquietação que tomou conta de mim foi a de que as


interpretações do pesquisador podem deixar marcas no quadro
emocional do depoente. A narrativa oral é um momento de
grande importância para o narrador, no qual ele reflete, ordena,
“reinventa o ser”, além de atribuir sentidos às suas experiências
cotidianas, que se apresentam emoldurados pela afetividade.

Como lidar com esses entraves e desafios no trabalho acadêmico? Uma


questão posta para mim não somente aqui, mas em toda trajetória da escrita da
tese. Os passos dados, sem uma certeza absoluta, foi fazer dar à subjetividade
um valor positivo, mas, ao mesmo tempo, preservar uma autonomia de
pesquisadora, com base na hermenêutica da interação e do dialógico.

Contudo, sem deixar de ater para o fato de que “o passado pode ser
construído segundo as necessidades do presente e que, portanto, pode-se fazer
uso político do passado”,377 assim como também em prol de interesses
individuais.

4.2. As mulheres das joias: entrelaçamentos de vivências

Desde o início de sua administração institucional, por meio de uma


principal mentora, duas diretoras executivas e coordenações, o Polo Joalheiro
foi se constituíndo pela atuação de mulheres. O gerenciamento das lojas do
Espaço São José Liberto, em sua maioria, é realizado por mulheres, seja um
empreendimento familiar, seja individual. Atualmente, elas estão
substancialmente à frente da comercialização e do designer de joias. Nesse
sentido, vem se tecendo uma história social das mulheres, em que as relações

375RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 63.
376COSTA, Cléria Botelho da. A escuta do outro: os dilemas da interpretação. Dossiê.
Disponível em: www.revista.historiaoral.org.br, v. 17, n. 2, 2014. Acessado em: 04/04/2016.
377 FERREIRA, Marieta de Moraes. História oral, comemorações e ética. Projeto História.
Ética e História oral, São Paulo, nº 15, p.157-164, abr. 1997.Trabalho apresentado
originalmente no encontro "Ética e História Oral", [1995: São Paulo], em convênio com Programa
de História Oral da PUC-SP, Centro Cultural do Banco do Brasil e Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil. São Paulo, 16-21 out. 1995.Disponivel em:
www.programadehistóriaoraldapuc-sp.com.br. Acessado em abril de 2016.
235

de gênero se entrecruzam de diversas maneiras, ocasionando, em algumas


ocasiões, conflitos verticais e horizontais, visíveis e invisíveis.
Desse modo, têm disputas de afeto e profissional. Os grupos se compõem
e decompõem de acordo com essa rede de relações. Há casamentos e
separações. Vidas são modificadas e reconstruídas. Traições e alianças são
feitas, desfeitas e refeitas, numa intensa dinâmica de interesses coletivos e/ou
individuais. Mas quem dá o tom nisso tudo são as mulheres, até mesmo nas
consultorias internas e externas.

[...] “No Polo Joalheiro a mulherada é quem manda mais, se a


minha mulher disser participa dessa exposição, eu participo, se
diz não, então eu não. Nem discuto! Ela que sabe!” [...] “Eu não
suporto quem não é profissional. Ela diz que vai fazer, mas não
faz, me deixou várias vezes na mão, eu não trabalho mais com
ela” [...] “O grupo acabou porque rolou ciúme pesado, quase vai
para vias de fato”. [...] “com os ourives a gente tem que manter
uma postura, se não eles não respeitam, não são todos, mas
tem uns que tem que ter cuidado”![...] “Por isso eu gosto mais de
trabalhar com as colegas.” [...] As meninas são complicadas, me
entendo mais com o sexo oposto para trabalhar!378

Há, portanto, questões de gêneros nas histórias dessas mulheres das


joias, em que as relações se entrecruzam em identificações e estranhamentos,
não de modo dual, mas diverso. Pois, segundo Soihet e Pedro:

Chegamos assim à atualidade, na qual a divergência de


posições, os debates e controvérsias marcam o cenário; quadro
que se nos afigura dos mais promissores, e que coincide com a
diversidade de correntes presentes na historiografia atual.
Diversidade que se manifesta na existência de vertentes que
enxergam a teoria como ferramenta indispensável à construção
do conhecimento histórico sobre as mulheres, até as que
relativizam a sua presença, em nome do caráter fluido, ambíguo,
do tema em foco: as mulheres como seres sociais.379

Nesse labirinto de ideias, eu me inspirei para mostrar como as mulheres


das joias do Polo Joalheiro vêm construindo suas visibilidades profissionais, de
forma solitária ou em grupo. [...] “Eu não confio em ninguém! Por isso gosto de

378 Conversas informais no São José Liberto, tomando um cafezinho, as quais eu anotei no
meu diário de campo, de 2014 a 2016.
379SOIHET, Rachel; PEDRO, Joana Maria. A Emergência da Pesquisa da História das
Mulheres e das Relações de Gênero. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, nº 54,
p. 281-300, 2007, p. 296.
236

trabalhar eu e eu mesma!” [...] “Gosto de trabalhar com o grupo, a gente se


arranha de vez em quando, mas depois fica tudo bem. A gente foi aprendendo a
se respeitar.” 380
Vou a seguir apresentar as práticas de outras protagonistas dessa
história, realizadas com destaque individual ou de grupo, em dizeres e
imagens,381 Entre “sombras e luzes”, segundo Matos e Borelli, quando afirmam
que:

Ao longo deste último século, as mulheres ampliaram sua


presença no mundo do trabalho (formal ou informal) e ocuparam
diversos campos profissionais. Porém, paradoxalmente, a maior
parte das mulheres continua concentrada em ocupações de
menor remuneração, em empregos precários e vulneráveis. [...]
Persistem ainda dificuldades de inserção em determinadas
especialidades ou funções, bem como desigualdades salariais e
múltiplos obstáculos à promoção nas carreiras existentes.382

No Polo joalheiro existem diversas relações de trabalhos, entre as


mulheres, que constituem a maioria das pessoas que atuam no Polo, existem as
relações entre as patroas e empregadas, em condições socioeconômicas bem
diversas. Há aquelas profissionais que conseguiram ser donas do próprio
negócio, ou seja, tornaram-se microempresárias, mas também atuam como
designers, ourives ou lapidárias, assinam suas peças e brilham nas exposições.
Mas há também aquelas que ficam na oficina, na sombra, por trás, muitas vezes
do marido, que aparece mais ou no anonimato de suas funções nas lojas ou
oficinas e, algumas, querem continuar nesse anonimato, preferem as sombras,
ao invés das luzes. [...] “Gosto de ficar no meu canto, fazendo o que gosto, o
acabamento das joias. São elas que têm que brilhar. Não gosto de muita
conversa não!” 383
Soma-se a isso a situação de diversidade, de que algumas, em maioria,
como afirmam Matos e Borelli:

380 Entrevista em grupo, mais um bate papo, durante um evento no Polo Joalheiro, em março
de 2014.
381 Já mostrei mais detalhadamente a trajetória de algumas dessas mulheres no terceiro
capítulo, com destaque para as ourives. Aqui a ênfase foi dada nas realizações no Polo Joalheiro.
382 MATOS, Maria Izilda e BORELLI, Andrea. Trabalho: Espaço Feminino no Mercado
Produtivo. In: Pinsky, Carla B. e Pedro, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil. São
Paulo: contexto, 2013. p.146.
383 Disse-me uma delas, durante uma entrevista em sua casa-oficina, em junho de 2014.
237

Apesar do aumento da contribuição feminina para o orçamento


da família e da constatação da chefia de domicílios encabeçada
por mulheres, nos núcleos familiares, os cuidados dos filhos e
encargos domésticos continuam majoritariamente sob
responsabilidade das mulheres, sobrecarregando seu cotidiano
envolto numa “dupla jornada”. 384

Há ainda as mulheres que são solteiras, sem filhos, com mais tempo para
si e suas realizações profissionais. Mas, como qualquer situação, tem suas
particularidades, pois há aquelas que, apesar desse estado civil e sem filhos,
são as responsáveis principais pelos proventos da família e declararam que se
sentem sobrecarregadas de responsabilidades: [...] “gostaria de ter mais tempo
para me dedicar a minha arte de criar joias, mas tenho que correr atrás para
pagar as contas”. 385
Nesse sentido, as mulheres aqui são vistas a partir da categoria analítica
de gênero, no sentido de agregar concepções de masculino e feminino presentes
e atuantes no processo histórico, assim como no social e cultural, indo de
encontro à concepção determinista da condição de sexo biológico. 386
A pretensão desse item é fazer um exercício analítico das questões de
gênero, partindo das experiências cotidianas, dos detalhes da micro-história, do
mundo particular da joalheria de algumas protagonistas do Polo Joalheiro, mas
sem compactuar com “antigas oposições binárias”.
Para tanto, considero que a história é feita por sujeitos, e estes possuem
crenças, sistemas de valores, mitos e formas de organização social, política,
econômica e cultural. Conforme Edward Thompson: “[...] qualquer futuro feito
pelos homens e mulheres não se baseia apenas na ‘ciência’ ou nas
determinações da necessidade, mas também numa escolha de valores e nas
lutas para tornar efetivas essas escolhas”.387

Segundo Falcão,

384 MATOS, Maria Izilda e BORELLI, Andrea. Trabalho: Espaço Feminino no Mercado
Produtivo. In: PINSKY, Carla B. e Pedro, Joana Maria. Nova História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: contexto, 2013. p.146.
385 Entrevista no São José Liberto, em setembro de 2015.
386 PINSKY, Carla B. Estudos de Gênero e História Social. Estudos Feministas, Florianópolis,
17(1), janeiro-abril/2009, p. 296.
387 THOMPSON, Edward P. A Miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 212.
238

Esses valores ditos por Thompson podem ser traduzidos por


costumes, crenças, ações que não se explicam nem pela
economia e nem pela ciência lógico-matemática, mas pelo que
representa, isto é, o significado dado pelo grupo a tais questões,
situações, eventos e conjunto de crenças e vivências que fazem
parte da tradição, mas que estão em constante mudança.388

Com base também, mais uma vez, na concepção de Benjamin sobre


experiência como vivência, conforme explica o texto de Lima e Baptista:

Ao longo de sua obra, o filósofo alemão Walter Benjamin deu


origem a uma sofisticada teoria da experiência, dialogando, por
um lado, com a teoria do conhecimento –especialmente a
kantiana –e, por outro, com os problemas da ética e da verdade.
Em seus primeiros escritos, considerou a experiência como um
saber mascarado, opressor. Em seguida, após seus estudos da
Crítica da razão pura, entendeu que o conceito kantiano de
experiência era insuficiente para estruturar as diversas
qualidades de experiência. Na década de 30, tempo de suas
obras mais famosas, Benjamin concebeu ainda a experiência
como o conhecimento tradicional, passado de geração em
geração, e que vinha definhando com a modernidade. Por fim,
em 1943, em um ensaio sobre Baudelaire, modernidade, Walter
Benjamin trouxe a experiência mais ao campo da sensibilidade,
nomeando-a não mais como “experiência” (Erfahrung), mas sim
como “vivência” (Erlebnis). 389

Contudo, faço isso comungando com o pensar de Rago, quando afirma


que:

[...] Como também não pode deixar de lado a incorporação da


análise do sujeito mulher como sujeito imerso numa realidade
diferenciada e numa situação relacional diferente da do sujeito
homem, ao menos em várias questões, entre elas o trabalho.
Por isso faz-se fundamental romper essa visão da mulher
historicamente desligada do trabalho, assalariado ou não, para
atingir a completa integração da mulher como sujeito activo em
qualquer processo histórico e para incorporar a visão do
feminino à análise destes processos, assim como de qualquer
análise ou crítica científica.390

388 Falcão, Jairo Luiz Fleck. Trabalhadores do porto de Porto Alegre: costumes e
experiências. Dossiê - Os trabalhadores: experiências, cotidiano e identidades. Revista
Brasileira de História & Ciências Sociais. Vol. 3 Nº 6, Dezembro de 2011, p.43.
389LIMA, João Gabriel e BAPTISTA, Luís Antônio. Itinerário do Conceito de Experiência na
Obra De Walter Benjamin. Revista de Filosofia Princípios. Natal (RN), v. 20, n. 33.
Janeiro/Junho de 2013, p. 449-484, p. 451.
390RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Edita: CNT-Compostela,
Agosto de 2012. Disponível em: www.cntgaliza.org. Acessado em maio de 2016, p.18. .
239

Mostro a seguir alguns feitos dessas mulheres sujeitos dessa história aqui
escrita, por meio de suas falas e imagens; imbricados com suas vivências e com
suas redes relações no mundo das joias do Polo Joalheiro.

4.2.1. Designer de Joia Celeste Heitmann

Início com os feitos de Celeste Heitmann, designer de joia no Polo, que


narrou sua trajetória antes e depois de entrar no Polo, em 2008:

Bem Rosângela fui semi-interna e sempre gostei de desenhar.


Ganhei em primeiro lugar em desenho Artístico e em primeiro
lugar com bolsa de estudos na Escola Técnica. Também
primeiro lugar no Liceu (em Portugal). Já aqui Belém só fui me
dedicar como Artista Plástica em 82, não parando mais. Pintava
telas, porcelana e pintura alemã. 2002 comecei a trabalhar com
a moda em bolsas, até hoje. As joias começaram quando
comecei a usar as pinturas de meus quadros em placas e usar
as mesmas nas bolsas. Foi então que recebi o convite do Prof.
Erivaldo (um dos primeiros designers a se integrar no Polo),que
conhecendo meu trabalho na Moda Pará e já fazendo joias para
apresentar no Fashion Rio, me convidou para participar do
workshop que ele ia dar no Polo e de cara vendi meus projetos.
Continuei a fazer joias e recebi um convite do Governo Francês
para participar de uma exposição em Paris para expor minhas
bolsas e joias. Já na França, a Professora. Rosa Helena (atual
Diretora Executiva do Polo Joalheiro/Espaço São José Liberto)
viu minhas peças expostas e me convidou para participar da Loja
Uma, aí que comecei de fato a participar e não parei mais.391

Em 2014, Celeste comemorou 30 anos de carreira, por isso recebeu


nesse ano várias homenagens, anunciadas por diversas mídias. Entre essas, o
blog oficial do Espaço São José Liberto fez o registro desse acontecimento,392
destacando-a como uma profissional consagrada em âmbito local, nacional e
internacional, pelo que faz.
Ela é uma das designers que investiu recentemente em sua graduação
acadêmica, depois de muitos anos sem estudar. Ela fez o curso de moda e
design, numa faculdade particular de Belém, concluindo em 2011. Sobre isso

391 Entrevista via rede social em maio de 2016, pois por conta de sua agenda de trabalho,
várias vezes tivemos que adiar o nosso encontro para realizar a entrevista gravada.
392 Disponível em: http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/2014/02/celeste-heitmann-
comemora-30-anos-de.html. Acessado em junho de 2016.
240

declarou que: “Tinha uma grande vontade de aprender mais, de estar no meio
de gente jovem que trouxesse uma nova linguagem”. 393 Mesmo já com um
extenso portfólio. Segundo o mesmo blog:

[...] suas criações como design de joia e de moda totalizam 55


exposições individuais e coletivas de caráter local, nacional e
internacional. Das17 individuais, constam “/Raízes Lusitanas,
Coração Paraense/”, em Belém (2001); “/Amazônia/”, em Lisboa
(2002); “/Celeste Heitmann: Arte e Design/”; em Belém (2009) -
exposição de bolsas realizada no Espaço São José Liberto, que
marcou 25 anos de suas criações - e exposição de joias na
França (2010). Entre as exposições coletivas, estão a “/Voz
D’Arte/”, em Lisboa (1999); Casa Cor Pará/Rio e exposição de
bolsas e joias no Copacabana Palace/Rio+20 (2012); além de
diversas edições da Pará Expojoia, Dia dos Namorados, Joias
de Nazaré e outras exposições promovidas pelo Espaço São
José Liberto, dentre outras.394

Foi o desejo de adquirir mais conhecimento teórico que a inquietou e a fez


ingressar, aos 60 anos, na faculdade, depois de 35 anos afastada da academia,
declarou. Ela afirmou também que hoje é uma artista plástica, empresária, dona
de casa, esposa, mãe e avó, com muita vontade ainda de “desbravar o
desconhecido”.
Veio de Portugal para Belém em 1963 e costuma repetir que é
“portuguesa de alma paraense”. Disse que é apaixonada pelo Pará, por isso a
temática regional tem marcado suas criações. Entretanto, narrou também que o
leque de inspiração vai desde a memória afetiva dos azulejos portugueses até a
magia identificada no cenário mítico e natural da Amazônia, passando por
questões voltadas ao meio ambiente. 395 Apresento-a em fotografia e algumas
de suas criações que expressam esses significados destacados pela mesma.

393 Idem.
394 Idem.
395 Entrevista via rede social em maio de 2016, pois por conta de sua agenda de trabalho, várias
vezes tivemos que adiar o nosso encontro para realizar a entrevista gravada.
241

Figura 54: Celeste Heitemann


Fonte: Arquivo pessoal

Suas Joias refletem, segundo ela, sua fé, sua emoção, sua história de
vida:

Figura 55: Joia Nossa Senhora de Nazaré


Fonte: Arquivo pessoal de Celeste/ Enviada por ela
242

Figura 55: Colar Memória Afetiva


Fonte: Rodolfo Oliveira/Agência Pará

Atualmente, além da microempresa homônima que possui, ela também


cria, com exclusividade, bolsas e joias para uma loja de Ipanema (RJ). Desde
2003, quando começou a se voltar mais para o ramo da moda, criou blusas
inspiradas no Círio de Nazaré, sucesso de venda até hoje.
Celeste tem trabalhos nos Estados Unidos, Japão, França, Suíça, Áustria,
Portugal e vários estados do Brasil. A televisão também tem sido vitrine para
suas criações, mostrando, constantemente, colares, bolsas e outras peças em
personagens de programas como, por exemplo, Caminhos do Coração (Rede
Record) e Malhação, América, Páginas da Vida, Sete Pecados e Guerra dos
Sexos (Rede Globo).396

Mesmo com uma trajetória de sucesso profissional, fez questão de


destacar em sua narrativa para a essa pesquisa:

[...] que foi muito importante todo o aprendizado técnico, o


intercâmbio com diferentes gerações durante as aulas na
Faculdade. [...] Foi enriquecedor meus colegas (os outros
alunos) declararem que se orgulhavam de fazer parte de minha
vida. Foi um momento especial minha formatura, com muitas
emoções e lágrimas. Escutar um pouco de minha trajetória de
trabalho, onde acontecia uma festa especial para todos os
formandos e eu sendo destaque profissional de exemplo para
eles, me deixou sem palavras para definir tanta felicidade.

396 Informação registrada em sua página pessoal e comercial Celeste Heitmann no facebook.
243

Nessa sua trajetória, ela se definiu como: “Sou autodidata e, na


adolescência, criava acessórios para uma loja importante no Bairro de Santa
Luzia. Sempre gostei de criar e pintar minhas próprias roupas”.397
Celeste é uma artista atuante nas diversas faces da arte das
manualidades, como designer de joias, moda de bolsas e roupas, assim como
nas artes plásticas, como pintura de quadro e gastronomia. Já escreveu cinco
livros de culinária, em que as rendas foram integralmente revestidas em obras
sociais filantrópicas. Hoje Celeste é uma mulher de 66 anos, como muita vontade
de novas conquistas, segundo ela mesma.
Assim, destoa de uma perspectiva de velhice decadente. Faz parte de
uma categoria social de “velhas” que continua a se dedicar à família, mas que,
depois dos filhos crescidos, foi em busca de resolver seus anseios profissionais.
398

4.2.2. Design de Joia Rosângela Gouvêa


Outra protagonista em destaque aqui é Rosângela Gouvêa, por ter uma
trajetória profissional no Polo Joalheiro como uma das primeiras que atuou como
designer de joia nesse projeto, pois antes não existia esse profissional em
Belém. Ela foi, primeiramente, para o Rio de Janeiro fazer um curso de joia e
depois fez especialização em designer de joia, o primeiro curso foi custeado pela
antiga Escola Técnica e o de especialização por ela mesma. Quando voltou para
Belém passou a atuar nesse ramo profissional e nunca mais saiu.

Ela mesma conta essa trajetória:

Meu nome é Rosangela Gouvêa Pinto, também sou professora,


na área de design, eu vou contar um pouco da minha história,
começando pela minha formação, eu sou chefa de
departamento, fui por quatro anos coordenadora do curso de
design daqui UEPA, SNT, mas atualmente estou como chefa de
departamento de desenho industrial que responde por grande

397 Entrevista via rede social.


398 MOTTA, Alda Britto da. Mulheres Velhas. In: PINSKY, Carla B. e PEDRO, Joana Maria
(Organizadoras). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. 84-104.
244

parte do curso, e tem mais disciplinas vistas em outros cursos,


mas vinculadas ao design. 399

Mas antes disso, como eu afirmara, foi protagonista do início da atuação


dos designers de moda no Polo Joalheiro. Assim começou sua trajetória no Polo:

Eu sou formada em artes, me formei pela UFPA, na época que


o curso era Licenciatura de Educação Artística com habilitação
em Artes Plásticas e nessa época eu já tinha interesse por, não
especificamente pela joia, mas pelo setor que trabalhava com
artesanato, trabalhei com artesanato mineral e trabalhei um
pouquinho com lapidação, isso na antiga escola técnica, então
eu já tinha conhecimento dos materiais utilizados na joalheria,
no caso as gemas, a chamada peças ornamentais e também um
pouco sobre o metal, aí esse interesse foi tendo mais amplitude
quando começou o projeto polo joalheiro, ainda não como a
gente tem hoje, nos dias de hoje, eu acredito que foi em 98 que
antiga escola técnica foi convidada pra fazer parte desse comitê
que estava se formando através de várias instituições. [...] É,
CEFET e atualmente é o IFPA.
[...] a antiga escola técnica através da direção resolveu mandar,
nos mandar eu e o professor Tadeu Nunes, professor Carlos
Cristino na época pra fazermos cursos livres no Rio de Janeiro,
em um ateliê.
[...] e nós fomos pro Rio, inclusive com o professor Cristino fazer
esse curso de design de joias e modelagem de joias em cera,
que foi por onde nós iniciamos na joalheria né... Foi particular,
pago pela escola técnica, num ateliê particular, mas num ateliê
de umas das principais designer de joias do país, Andréa
Nicácio, que já havia ganho prêmios reconhecidos no Brasil, por
exemplo do Ibgm. [...] ela formou muita gente no Rio nessa área
de joias, formação independente no seu ateliê. Depois que foi
surgindo os cursos de design de joias no Rio, inclusive o curso
da Puc, que foi o curso que eu fiz especialização formal,
posteriormente.
[...]quem custeou fui eu mesma e fiquei lá por um ano fazendo a
especialização, foi a primeira turma de especialização de design
de joias. Lá eu realmente aprimorei o que eu já havia aprendido
um ano antes com a professora Andréa Nicácio [...][...] com a
professora Irina, ministramos eu e o professor Tadeu, o curso de
design de joias aqui em Belém, um curso livre. Da primeira turma
têm designers hoje reconhecidos, como o professor Edivaldo
Junior, o professor Misael Lima, e outros que não estão mais
conosco no setor joalheiro, quem permaneceu mesmo foram
eles. Nós formamos essa primeira turma que deu origem a
primeira coleção de joias do Pará.

399 Entrevista com Rosângela Novaes, em maio de 2015, no local de trabalho, onde exerce o
cargo de Professora e coordenadora do curso de Desenho Industrial da Universidade Estadual
do Pará, mas ainda é consultora e instrutora do Polo Joalheiro.
245

Rosângela Gouvêa, a partir de então, não parou mais de atuar


profissionalmente no setor joalheiro, mas não propriamente como criadora de
joias, enveredou para a formação de designers de joias. Como ela mesma
afirma:

[...] tem essa questão, eu como designer, não vou dizer que eu
sou frustrada, não, por que foi uma opção, eu optei pela
formação e não pela a criação técnica, uma opção meio que fui
conduzida a isso, porque não tinha ninguém pra formar. Eu fui a
primeira da equipe que fiz a especialização, e até hoje acho que
continua sendo eu, a única que tem especialização, acadêmica,
não que não tenham profissionais que tenham alcançado um
grau muito bom dentro de joias, mas acadêmica só eu tenho.400

Ela já teceu uma história nesse intenso investimento profissional voltado


para a formação de designers de joias em Belém e mais especificamente para o
Polo Joalheiro, contribuindo assim para um “design de joias amazônico”, o qual
define como aquele que [...] “observa os critérios técnicos do setor joalheiro para
a inserção dos elementos que compõem a cultura material e imaterial local.”401

Iniciou essa formação como professora de design de joia na antiga Escola


Técnica, Cefet e depois na Universidade Estadual do Pará, de maneira mais
sistemática, a partir de 2004, quando se tornou professora efetiva do seu quadro
docente.

400 Idem.
401 PINTO, Rosângela Gouvêa. Joia Paraense: Pesquisas Desenvolvidas pelo Curso de
Design do Centro de Ciências Naturais e Tecnologia da Universidade do Estado do Pará –
Uepa. In: NEVES, Rosa Helena Nascimento (et. al.). Joias do Pará: Design, Experimentações e
Inovação Tecnológica nos Modos de Fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011. 83-93.
246

Figura: Rosângela e suas alunas na Uepa/2014


Fonte: Arquivo Pessoal

Desse modo, sua atuação no Curso de Bacharelado em Design da Uepa,


especificamente na disciplina Projeto de Produto III–Projeto de Joias, vem desde
então despertando interesses de muitos discentes para o setor da joalheria,
potencializando assim a entrada de novos designers de joias no Polo Joalheiro
e o desenvolvimento de trabalhos de conclusão de curso – TCC. Por exemplo,
Lídia Mara Pereira Abrahim (uma das protagonistas da pesquisa) foi uma das
alunas de designer de Rosângela.
Por esse trilhar acadêmico Rosângela Gouvêa já colhe um
reconhecimento no setor joalheiro, além do Polo e da Uepa. É comum ser
convidada para participar de bancas de tcc em outras instituições de ensino
superior quando os temas se referem ao setor de design e joias
Em 2012, ela defendeu sua dissertação de mestrado intitulada
"Caracterização do Estado da Arte do Setor de Gemas e Joias do Município de
Belém-Pará" pelo Programa de Pós-Graduação em Gestão dos Recursos
Naturais e Desenvolvimento Local – Ppgedam, do Núcleo De Meio Ambiente –
Numa, da Universidade Federal do Pará, consolidando também sua contribuição
na produção de conhecimento acadêmico para o setor joalheiro.

Segundo Rosângela,

Design de joias, área em que o profissional designer, que se


dedica a concepção, planejamento e execução dos projetos de
joias, inclusive podendo projetar estratégias de inserção desses
247

produtos no mercado, trabalhando também com material gráfico


e vitrines de joalherias e exposições.402

Constatação disso foi que ela e uma de suas alunas receberam uma
premiação, como pode ser visto na reportagem a seguir:

6 de janeiro de 2015
Alunas da Uepa são classificadas no maior concurso de design de joias em ouro do mundo
6 de janeiro de 2015
Isabella Brito, Thaise Farias, Hanna Rezende e Yasmim Campelo tiveram seus trabalhos selecionados
na etapa classificatória do AuDITIONS Brasil
Quatro alunas do curso de Bacharelado em Design da Universidade do Estado do Pará (Uepa) tiveram
seus projetos selecionados na etapa classificatória da 11° edição do AuDITIONS Brasil 2014/2015 – o
maior concurso de design de joias em ouro do mundo, promovido pela mineradora de ouro AngloGold
Ashanti. Os trabalhos das universitárias ficaram entre os 100 melhores do mundo, nesta temporada. A
lista “Top 100” foi divulgada no dia 1º de dezembro. O tema desta edição do concurso é
“Recombinações” e trata de ideias, elementos ou conceitos que se juntam para criar um terceiro
completamente novo. O conceito é de perpetuação da lógica da inovação, tão característica de nosso
tempo. Em todo o Brasil, 905 projetos foram enviados de todas as regiões. O Pará teve 46 inscrições.
Sob a coordenação da professora, designer de joias e chefe do Departamento de Design Industrial,
Rosângela Gouvêa Pinto, as universitárias Isabella Brito, Hanna Rezende, Yasmin Campelo e Thaise
Farias criaram seus projetos e passaram por uma preparação especial para participar do concurso.
“Tudo começou com um planejamento da minha disciplina, Projeto de Produtos 3, com a expertise em
design de joias. Então, no primeiro momento trabalhamos com toda a base conceitual da joalheira, das
joias, do design e depois, a entrada no concurso. Um dos requisitos de avaliação da disciplina seria a
inscrição no concurso. Mandamos 35 projetos e estes quatro ficaram entre os finalistas. Essa indicação
é muito importante, principalmente por estarmos falando de alunas do segundo ano. Elas estão no meio
do curso e já obtiveram êxito, conseguiram se destacar”, ressalta Rosângela Gouvêa Pinto.
A universitária Isabella Brito, de 19 anos, conta que a experiência tem sido especial. A jovem enviou
duas peças para a organização do evento e teve uma selecionada. Entretanto, na hora da inscrição, por
um erro de digitação, a jovem acabou se inscrevendo na categoria de profissional de designers. O talento
prevaleceu diante da inexperiência. “Nem sei dizer qual a peça que foi escolhida. Mas para que
chegasse até ela, pesquisei muito. Toda semana mostrava uma ideia nova à professora. Jurava que
estava me inscrevendo na categoria Revelação, mas por algum erro na hora de eu clicar no sistema,
acabei me inscrevendo na categoria Designer. Me inscrevi enganada e fui classificada no meio dos
profissionais. Isso é muito bom, né?! Já estou bem feliz de estar selecionada entre as 80 designers da
categoria”, explica Isabella.
Thaise Farias, de 22 anos, é outra aluna que impressiona pela desenvoltura em concursos. No semestre
passado ela obteve o terceiro lugar no concurso nacional Estampa Brasil, de designer de superfícies.
Neste semestre, a acadêmica do 3° ano e monitora emplaca uma nova indicação nacional em concursos,
por sua criação agora na área de joias. “O tema deste ano foi muito bom e ao mesmo tempo muito
aberto. Recombinações é recombinar o que? Não é só escolher um material e costurar com o outro, por
aí fica a coisa sem conceito. Então tivemos que trabalhar muito essa questão. No meu caso é uma
vestimenta inspirada no crinoline, que era usada antigamente para dar suporte nos vestidos e dava
ênfase à silhueta feminina, mas utilizando a estética com o amazônico, com a cestaria. Um tema
complicado”, conta Thaise.
Yasmin Campelo, de 20 anos, foi outra que teve sua produção selecionada pelo AuDITIONS Brasil, na
categoria Revelação. “Entre os vários projetos que fiz, escolhemos um inspirado nos vitrais, que tinha

402 PINTO, Rosângela Gouvêa. Caracterização do Estado da Arte do Setor de Gemas e


Joias do Município de Belém-Pará. Programa de Pós-Graduação em Gestão dos Recursos
Naturais e Desenvolvimento Local – Ppgedam, do Núcleo De Meio Ambiente - Numa da
Universidade Federal do Pará. Belém, 2012.
248

maior possibilidade de ser selecionado, feito em ouro com resina sintética. O conceito é de uma peça,
uma vestimenta que foi feita para usar nas costas, que reflete hoje a mulher moderna e o seu cotidiano.
Então, são vários fragmentos que representam as atividades da mulher contemporânea”, explica
Yasmin.
Para Hanna de Rezende, também aluna da Uepa, a classificação foi uma agradável surpresa. “Fui pega
desprevenida com a seleção da minha peça. É um colar, inspirado na lenda da Cobra Grande, com
vários pingentes de ouro e o encoxado da Amazônia dentro. Tive que elaborar a peça pensando nas
questões técnicas, como o sombreamento e o tamanho. Se eu conseguir ser escolhida será um sonho,
de poder ver mesmo a peça sair do papel. Contudo, estar entre os 100 selecionados já é uma grande
conquista”, diz a universitária.
Segundo a chefe de departamento de Design Industrial, da UEPA, Rosângela Gouvêa, o Pará assume
cada vez mais um papel de destaque nos ramos de joalheria e design. “Com a criação do curso e o
investimento tanto da própria instituição quanto do Polo Joalheiro pudemos nos inserir no processo de
qualificação, nas exposições e agora os alunos contam com um local para experimentação de mercado.
Eles fazem estágios, participam dos eventos e isso tem incentivado muita gente a buscar essa área”,
ressalta.
Um Cenário promissor – A designer de joias Brenda Lopes, integrante do Programa Polo Joalheiro do
Pará, também foi uma das selecionadas entre os 100 melhores trabalhos no AuDITIONS Brasil
2014/2015. “A peça selecionada foi colar o ´Ligação Eterna´. Uma peça que combina ouro e drusas de
ametista. A inspiração veio da combinação de dois temas: moda e joias. É uma conexão entre os dois
universos”, explica.
Brenda se formou em 2012 e tem participado de workshops e mostras, como a exposição “Joias de
Nazaré 2014” e a mostra da “Coleção de Acessórios de Moda 2014”, inspirada na cultura alimentar
amazônica e lançada no mês de maio, ambas promovidas pelo Polo Joalheiro. “Entrei no Programa do
Polo Joalheiro em 2013, depois da avaliação do meu portfólio, e tem sido muito importante. O Pará é
rico em minerais e este programa veio para impulsionar o setor, que tem um mercado em franca
expansão”, afirma.
Ana Paula Bezerra
Secretaria de Estado de Comunicação

http://paramais.com.br/alunas-da-uepa-sao-classificadas-no-maior-concurso-de-design-de-joias-em-
ouro-do-mundo/.

Figura 57: Reportagem sobre Rosângela Gouvêa e suas alunas.

Apesar de ser uma reportagem de uma revista do Governo Local, com


teor propagandístico, mostra um futuro promissor para as designers de joias, em
termos de reconhecimento nacional e internacional.

4.2.3. Design de joia Helena Bezerra


Helena Bezerra é outra mulher protagonista, que resolveu tecer sua
história do design de joia no Polo. Fez curso de ourivesaria pelo Senai. Segundo
ela: “sou a primeira mulher ourives com certificado do Polo”.403 Com orgulho
enviou-me seu certificado, que estampo a seguir:

403 Entrevista realizada em 16 junho de 2016, via facebook, por conta de sua agenda sempre
lotada de compromissos profissionais para realizarmos a entrevista presencial.
249

Figura 58: Certificado do curso de ourivesaria de Helena, 2003/2004


Fonte: Arquivo Pessoal as reproduções de imagem têm que vir com mais qualidade na versão
final.

Um pedaço de papel que vale muito em sua história, segundo ela mesma.
Fez o curso em 2004/2005, mas se dedicou depois mais a sua função de
empresária, na gestão de sua loja no São José Liberto, pois diversas vezes,
quando iniciou no Polo suas peças não passaram na curadoria404 da instituição.
Mas não desistiu, diz ela:

[...] cavei outros caminhos, montei uma loja de joias no Espaço São
José Liberto e consegui mais autonomia. Contratei a designer Lívia
Abrahim. Assim estabelecemos uma longa parceria e consegui
aprovação para vender as joias em minha loja. Virei empresária. Mas
depois não quis ser somente isso. Então fui estudar para me tornar
uma designer de joia reconhecida e hoje crio as joias pra minha loja e
pra exposições. Hoje estou conseguindo esse reconhecimento aos
poucos. Estou a mil por hora nesse caminho.405

.
Em 2004, concluiu seu curso de Graduação em Tecnologia em Design de
Moda e atualmente está fazendo uma especialização nessa mesma área.
Assim, vem construindo sua atuação como designer de joia

404 Uma equipe de profissionais faz a avalição das peças para controle de qualidade dessas
para a comercialização no Polo Joalheiro, o que é uma constante fonte de conflito entre a esfera
administrativa do Polo e seus participantes.
405 Entrevista realizada em 16 junho de 2016, via facebook, por conta de sua agenda sempre
lotada de compromissos profissionais para realizarmos a entrevista presencial.
250

Segundo ela: “ninguém me segura, ninguém me impede de seguir em


frente”. Nesse ano corrente, 2016, lançou uma coleção de joia voltada para
pessoas cadeirantes, intitulada coleção cápsula, projeto que vai ser seu tcc de
especialização, mas que já foi bastante comentada pela mídia local. A seguir
Helena em imagem com uma de suas joias.

Figura 60: Helena Bezerra/Joia de sua autoria: Riqueza de Mãe


Fonte: arquivo pessoal/IGAMA/Divulgação

Uma marca social que agrupa essas mulheres é fazer parte de uma
história não apenas no setor joalheiro, mas no ensino acadêmico também de
maneira imbricada com tal setor, visto que, segundo Lopes: “As mulheres no
Brasil só foram autorizadas a frequentar um curso superior no ano de 1879
quando a elas fora concedido o direito de frequentarem o ensino universitário por
Dom Pedro II, então Imperador do Brasil.”406
Nesse sentido, o acesso ao mundo acadêmico foi sempre um lugar de
superação de papeis sociais, de alguma maneira, tradicionais vinculados à
imagem, representações socioculturais e simbólicas do universo feminino
presentes na sociedade brasileira, em contrapartida ao universo masculino, por

406 LOPES, Flávia Augusta Santos de Melo. Gênero e Ciência – presença feminina na
academia: qual o lugar da mulher com deficiência? 18º Encontro Redor: perspectivas
feministas de gênero – desafios no campo da Militância e das Práticas. Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Recife, 24 a 27 de novembro de 2014, p. 175.
251

isso uma questão de gênero. Com isso a trajetória de muitas mulheres nessa
realidade, vem se transformando.
Com base nos estudos de Lopes, a presença feminina no ensino
universitário,

[...] Até meados da década de 1960 o espaço acadêmico era


ocupado majoritariamente por homens, ou seja, somente 25%
das mulheres conseguiam alcançar a Universidade. Isso se dá
por inúmeros fatores históricos, entre eles o acesso ao mercado
de trabalho, a restrição e áreas do conhecimento, entre outros.
A década de 1970 é um marco na democratização, expansão e
aumento de vagas, inicia - se o processo de alteração entre
quantidades de matrículas de homens e mulheres [...]
atualmente as mulheres ocupam a maior parcela de vagas em
instituições de Ensino Superior, contudo podemos observar que
este fenômeno esbarra na divisão da ciência em áreas do saber
destinadas a homens e a mulheres, o que demonstra visão
machista e androcêntrica.407

Por essa via de reflexão, as mulheres retratadas aqui em grupo ou


individualmente, parafraseando Rago,

Enfim, parece que já não há mais dúvidas de que as mulheres


sabem inovar na reorganização dos espaços físicos, sociais,
culturais e aqui, pode-se complementar, nos intelectuais e
científicos. E o que me parece mais importante, sabem inovar
libertariamente, abrindo o campo das possibilidades
interpretativas, propondo múltiplos temas de investigação,
formulando novas problematizações, incorporando inúmeros
sujeitos sociais, construindo novas formas de pensar e viver.408

Todavia, segundo Bernard Charlot, cabe retomar dois pontos para se


compreender como, apesar dos pesares, as moças foram se escolarizando. Nos
termos do sociólogo francês, é importante distinguir “posição social objetiva” (ser
mulher na sociedade) de “posição social subjetiva” (o que eu, mulher, penso e
faço com isso). Por mais que as mulheres estejam em desvantagem em
inúmeros indicadores – tal como a remuneração no mercado de trabalho,
representação política e índices de violência doméstica – isso, por si só, não
define a experiência de cada mulher. Individualmente, elas vivenciam distintas
feminilidades e se posicionam na sociedade de modos diversos: aquelas que

407 Idem.
408RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Edita: CNT-Compostela,
agosto de 2012. Disponível em: www.cntgaliza.org. Acessado em maio de 2016, p.46.
252

vestem blusa roxa e saem à luta, aquelas que se expõem mais ou menos,
aquelas que entram no “esquema”, aquelas que são patroas e as que são
empregadas etc.
Ainda, segundo ele, na escola, não é diferente. Não basta lhes dizer que,
por serem mulheres, enfrentarão mais dificuldades. Quer pelo enfrentamento,
quer pelo desconhecimento, elas podem muito bem seguir com seu sonho,
esforçar-se na escola e obter excelentes resultados acadêmicos, superando,
inclusive, seus colegas do sexo masculino é necessária essa disputa? Como
mesurar se alguém supera outrem? Os homens podem ser aliados e não apenas
opositores. Outras mulheres podem ser opositoras e não aliadas. Há diversos
outros marcadores sociais a serem cruzados (raça e classe). Não acho
interessante uma análise que coloque “o sexo masculino” em oposição
generalizada às mulheres, pois não dão conta da diversidade de feminilidades e
masculinidades nas experiências cotidianas. Em termos de representação
conceitual, tudo bem, mas nas práticas, acho muito generalizante, um lugar
comum– é essa, pois, a realidade do sistema educacional brasileiro e de muitos
outros países. Além disso, lembremos que aquilo que chamamos de “indivíduos”,
na sociedade, são na realidade “sujeitos”, tendo alguma autonomia para tocar
sua própria vida, com sua agência, para além dos tais limites estruturais. 409

4.2.4. Design de joia Mônica Matos


A última mulher das joias que apresento aqui é Mônica Matos, com um
percurso diferente das outras que destaquei anteriormente no mundo do design
das joias do Polo. Percurso esse que ela mesma narrou, durante entrevista
gravada, em maio de 2015, em sua oficina de trabalho que divide com Paulo
Tavares.

Entrei no Polo como vendedora e um tempo depois, fui trabalhar


como auxiliar da curadoria. Foi quando tive a oportunidade de
fazer um curso de ourivesaria, antes já trabalhava com

409 Entrevista com Bernard Charlot . Desafios da educação na contemporaneidade: reflexões


de um pesquisador. Entrevista concedida a Teresa Cristina Rego e Lucia Emília Nuevo Barreto
Bruno. Universidade de São Paulo, 2009. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.
especial, p. 147-161, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v36nspe/v36nspea12.pdf.
Acessado em 20/01/ 2016.Gênero e educação: uma história desigualdades. Disponível em:
https://ensaiosdegenero.wordpress.com/2014/01/22/genero-e-educacao-uma-historia-de-
desigualdades/. Acessado em 20/01/ 2016.
253

artesanato em alpaca. No período que trabalhei na curadoria,


conheci o Paulo Tavares e com minha saída do Esjl, comecei a
trabalhar com ele, e juntos montamos uma oficina. No início fazia
parte ativa, apenas do processo criativo. Hoje faço parte, não só
da criação, como produção e também trabalho junto às
pesquisas.

Ela e Paulo Tavares tornaram-se oficialmente sócios. Mônica passou a


ser participante do Programa Polo Joalheiro e investir sistematicamente em sua
formação, participando com frequência dos cursos de capacitação ofertados pelo
IGAMA. Sobre tudo isso Mônica afirmou: [...] “tive dois grandes mestres na minha
vida, Paulo Tavares e Stefano Ricci.” [...] “A parceria com Paulo Tavares nunca
foi interrompida e continua cada vez mais fortalecida,” afirma ela. Juntos
lançaram em 2012:

Figura 61: Banner da Exposição “Digitais da Amazônia”


Fonte: http://monicamatosjoias.blogspot.com.br/

Essa exposição foi bem noticiada na imprensa local e nacional, também


em reportagens internacionais, como mostro a seguir:
254

Em parceria com Stefano, lançou uma exposição em outubro do mesmo


ano, 2012. Também bastante noticiada pela imprensa local, nacional e
internacional, como mostra a reportagem a seguir:
255

HomeNotíciasMagazineDesigner italiano expõe joias em Belém

-- Selecione a Editoria

Designer italiano expõe joias em Belém


07/10/2012 - 06:00 - Magazine
Aurora

A diversidade cultural da Amazônia caiu nas graças do maior designer da atualidade

Stefano Ricci desembarcou em Belém na última quinta-feira (4) trazendo na bagagem uma
coleção exclusiva de joias em homenagem a maior e mais esperada festa religiosa do povo
paraense: o Círio de Nossa Senhora de Nazaré.

Stefano foi convidado pela Companhia Amazônica (produtora cultural paraense) a compor,
juntamente com a renomada artesã paraense, Mônica Matos, a exposição denominada "Aurora".
Esperada por estudantes de designer e amantes de gemas, a exposição contará com 12 peças
dispostas em sete vitrines na praça de entrada do Parque Shopping, na Rodovia Augusto
Montenegro.

As joias são produzidas em prata, com cravações de gemas preciosas - como as safiras
multicoloridas (perigotos, quartzos e turmalina), e ficarão expostas até o dia 30 de outubro.

A coleção inédita de joias traz a simbologia do Círio de Nazaré, representando diversos


momentos de nossa festa popular, como a berlinda da santa, os fogos, a corda e outros símbolos
religiosos.

As peças mesclam o desenho da alta joalheria com características da joalheria regional,


misturando gemas como a safira com fibras naturais, tingidas com pigmentos extraídos da nossa
flora pela artesã paraense Monica Matos. A peça que nomeia essa coleção é o broche Aurora,
que será entregue á arquidiocese como presente para Nossa Senhora e poderá ser o broche
que brilhará em Nossa Senhora ano que vem.

A ideia da exposição surgiu em 2010 durante uma visita de Stefano ao Brasil, onde sofreu um
acidente e com sua recuperação decidiu homenagear a padroeira dos paraenses, trazendo para
Belém uma coleção exclusiva.

RECONHECIMENTO

Considerado um dos maiores designers da atualidade, Stefano Ricci é conhecido mundialmente


por desenvolver trabalhos como o desenho da "Cruz de Luz", em parceria com a Swarovsky,
para o Jubileu do ano 2000 em Roma, e por ser autor do famoso Anel do Pescador, usado
atualmente pelo Papa Bento XVI.

Stefano Ricci é Arquiteto e Designer atuando por mais de 35 anos no setor de luxo, em particular,
para marcas como Bulgari, Asprey, Breguet, Carl F. Bucherer, Chopard, Christofle, Cleto Munari,
Gucci, Kristall Smolensk Diamonds, Piaget, Rolex, Sciara, Seiko e Swarovski.

Ele trabalha para várias joalherias Russas e tem espaço permanente no Museu Hermitage.
Possui título de Doutor e é professor do mestrado em "Princípios de Arquitetura e Joia" na
Universidade "La Sapienza", em Roma.

Mônica Matos faz parte do Programa de Gemas e Joias do Governo do Estado do Pará e trabalha
com o pesquisador e ourives Paulo Tavares que desenvolveu a técnica de extração de
pigmentos, criando as "gemas vegetais". Esta técnica consiste em estabilizar pigmentos naturais
256

extraídos de cascas, frutos e sementes e incorporá-los a resina – o que chamou atenção de


Stefano.

A artesã já participou de edições da Pará Expojoias e de feiras em São Paulo apresentando


gemas vegetais. Em Roma, expôs um projeto na galeria Zanon. Atualmente, Mônica participa do
concurso de Bijuxd Aurore, em Roma.

 Serviço

"Aurora"

Lançamento: dia 10/10 (quarta-feira)

Horário: a partir das 20h.

Local:

Parque Shopping –

Rodovia Augusto Montenegro.

Período da Exposição: 10 a 30 de outubro, no horário de 10h às 22h.

Figura 62: Reportagem com Mônica Matos


Fonte:noticias.orm.com.br/noticia.asp?id=612433&|designer+italiano+expõe+joias+em+belém#.
V3qxBxIpox7

Mônica foi também, em novembro de 2012, uma das finalistas do


Concurso Bijoux d’autore 2012, com a peça “O Curuatá”, exposta a seguir:

Figura 63: Colar O Curuatá/Criação de Mônica Matos e gema vegetal de açaí de


Paulo Tavares
Fonte: http://monicamatosjoias.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html
257

O Curuatá, que também é chamado de croatá ou curatá, dependendo da


região amazônica, é o invólucro das flores das palmeiras nativas, como o
açaizeiro, o inajazeiro ou o buritizeiro, e é utilizado por índios e ribeirinhos para
o transporte dos frutos do açaí depois de apanhados, de dentro da floresta até o
seu local de comercialização ou consumo.410 Pode ser visualizado adiante:

Figura 64 :Curuatá
Fonte: http://monicamatosjoias.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html.

Essa peça dela foi selecionada no concurso Internacional realizado na


Itália, exposta em Roma, em fevereiro de 2013, no Museo del Bijou di
Casalmaggiore, cidade da Província de Cremona, no norte da Itália.411

Apresento Mônica Matos em imagem também:

Figura: Mônica Matos


Fonte: Arquivo pessoal

De acordo com as ideias de Rago,


[...] foi-se tornando claro que as mulheres têm leituras do mundo
bastante diferenciadas das dos homens, que agenciam o espaço

410http://monicamatosjoias.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html.
411 http://simplesmentelu.blogs.sapo.pt/2012/11/ , www.infojoia.com.br e
258

de outra maneira, que o recortam a partir de uma perspectiva


particular e que não tínhamos até então instrumentos
conceituais para nos reportarmos a essas diferenciações. Ao
mesmo tempo, parece-me um grande avanço podermos abrir
novos espaços para a emergência de temas não pensados, de
campos não problematizados, de novas formas de construção
das relações sociais não imaginadas pelo universo masculino.
Sem incorrer na ilusão de que as mulheres vêm libertar o mundo,
acredito que a pluralização possibilitada pela negociação entre
os gêneros é fundamental não só para a construção de um novo
pacto ético, mas para a própria construção de um ser humano
menos fragmentado entre um lado supostamente masculino,
ativo e racional e outro feminino, passivo e emocional. A
superação da lógica binária contida na proposta da análise
relacional do gênero, nessa direção, é fundamental para que se
construa um novo olhar aberto às diferenças.412

Nesse sentido, as mulheres das joias, por diferentes e/ou semelhantes,


caminhos vem delineando suas histórias no setor joalheiro, aqui especificamente
no designer de joia, estabelecendo ora relações de cooperação ora de disputa
entre elas, como também entre todos os participantes do Polo. Desse modo, sem
dúvida, as relações socioculturais estabelecidas no Polo refletem, em alguns
aspectos, o que se vivencia numa sociedade em que a sociabilidade é
transpassada por pensamentos e atitudes, que não aceitam a autonomia dos
sujeitos em relação ao seu modo de ser. Vigilância e punição413 ainda são
ações constantes no cotidiano, de forma física ou simbólica, dos que buscam
essa autonomia, principalmente, em sua sexualidade de gênero masculino e/ou
feminino, entendendo isso como vivência e pensar relacional.
Por outros aspectos, as diferenças são aliadas no fortalecimento dessa
busca, aqui especificamente se abordou sobre a atuação e realização
profissional das mulheres, por entender que ainda é necessário fazer o registro
dessas histórias, pois ainda o universo masculino vem levando vantagem nesses
registros, em sua visibilidade nesse campo, basta para isso verificar as
estatísticas das pesquisas sobre tal assunto. E, sem dúvida, no Polo
Joalheiro/Esjl, as mulheres construíram e continuam a construir um
empoderamento social,414 entendido como um processo pelo qual podem

412RAGO, Margareth. Descobrindo historicamente o gênero. Cadernos Pagu (11) 1998:


p.89-98.
413MICHEL, Foucault. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.
414http://www.significados.com.br/empoderamento/.
259

acontecer transformações nas relações sociais, políticas, culturais, econômicas


e de poder, sem deixar para trás suas facetas individuais.
Sendo assim, faço das palavras de Matos, a expressão de meus anseios
nessa empreitada, como pesquisadora:

Os estudos de gênero, porém, não representam opção para o


pesquisador preocupado com um método que pressuponha
equilíbrio, estabilidade e funcionalidade. Tal temática é
extremamente abrangente e impõe dificuldades para definições
precisas. São muitos os obstáculos para os pesquisadores que
se atrevem a enveredar pelos estudos de gêneros ‐campo
minado de incertezas, repletos de controvérsias e
ambiguidades, caminho inóspito para quem procura marcos
teóricos fixos e muito definidos.415

Desse modo, com base nas fontes pesquisadas, nos dados já


demonstrados e analisados no terceiro capítulo e aqui, posso afirmar que, na
trama sociocultural do Polo Joalheiro, o universo masculino ainda impera na
ourivesaria de joalheria e o feminino no design de joia e em cargos
administrativos. Mas não de forma estanque e sim de modo intensamente
dinâmico e diverso, nos seus modos de vida.

4.3. Ourives e designers de joias: emaranhados de encontros e


desencontros.

Pela convivência, por conta da pesquisa, com os e as protagonistas do


Polo pude observar que têm duas dinâmicas comuns para se tornar um ourives
joalheiro: um é pela transmissão tradicional geracional, em que há uma
identificação com o que o pai faz e a outra é para buscar um meio de vida
“decente”, como eles mesmos afirmam, que garanta o sustento da família, em
que há um desejo de “ser dono de seu próprio negócio”, “trabalhar por conta
própria”. Sempre é dito sobre a pretensão de montar suas próprias oficinas,
quando isso ocorre, geralmente, é na própria residência ou próximo desse
domicílio.

415 MATOS, Maria Izilda S. de Matos. Outras Histórias: as mulheres e estudos dos gêneros
‐ percursos e possibilidades. SAMARA, Eni de Mesquita (et.al.). Gênero em debate: trajetória
e perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997, p.108.
260

Antes do Polo, não existia substancialmente o e a designer de joia, foi um


processo de formação e capacitação, possibilitado pela base institucional do
programa Polo Joalheiro que essa atuação profissional foi colhendo
reconhecimento no setor joalheiro de formal local, nacional e internacional e, em
alguns casos, premiações e destaques atualmente.
Mas esse processo também foi marcado por conflitos entre os diversos
segmentos da cadeia produtiva da joalheria. Um dos mais acirrados foi e ainda
é, de modo mais brando, entre ourives e designers de joias. A tal ponto
significativo, que desencadeou um movimento onde os/as designers foram fazer
cursos de ourivesaria/joalheira e ourives foram fazer curso de desenho técnico
ou mesmo de graduação em design e afins, como moda, por exemplo, a fim de
se capacitar para realizar a criação e a confecção de joias de modo mais
independente da cadeia produtiva oficial. 416
A convivência com um público de participantes bem diverso em idade e
tempo de atuação no setor joalheiro, gera troca, transmissão de saberes, mas
também disputas de reconhecimento profissional, choque de modo de criar e
fazer, assim como mágoas por se sentir enganado(a) no trato profissional.
Geralmente as queixas dos mais novos em idade e no setor são que os mais
velhos resistem a mudanças e inovações, querendo sempre fazer de uma
mesma maneira o seu trabalho. Por outro lado, as queixas dos mais velhos são
que os mais jovens acham que sabem mais do que eles, não valorizando a
experiência adquirida com os anos de ofício.
Todavia, existem situações em que os conflitos são superados e parcerias
são consolidadas em uma complexa rede de parcerias de troca de serviços e de
matéria prima quando se trata de produção da joia. As necessidades de garantir
o produto, muitas vezes, fala mais alto, como por exemplo, troca-se serviços de
joalheria pelos projetos de designes ou por gemas, entre outras formas.

Esses encontros e desencontros na joalheria têm como base o próprio


conflito estabelecido historicamente entre o saber tradicional e o saber formal
escolar, técnico e acadêmico, que por conta disso se entrecruzam o tempo todo,

416 Observações feitas com base em minha vivência em cargo de gestão no Polo. Ressalto mais
uma vez que os interlocutores não podem ser identificados nesse item, por se tratar de ditos que
podem gerar situações constrangedoras para eles e elas.
261

promovendo ora desagregação ora agregação na diversidade de experiências


no mundo do trabalho. Nesse caso aqui, no setor joalheiro.

Faz parte também do próprio processo de implantação do Polo Joalheiro,


delineado no primeiro capítulo, em que diversas relações de poder foram
vivenciadas, de modo vertical e horizontal, no que diz respeito ao setor joalheiro.
Aqui pretendo esmiuçar melhor essas relações.

Início sobre o saber tradicional do ofício de ourives transmitindo de


geração a geração nas experiências familiares e de autoridade de saber, os
mestres.

Segundo Certeau, história é uma prática, no sentido de disciplina, que tem


como resultado o discurso, ambos assumem a forma de “produção”, de
“fabricação”. Ela sempre está implicada com tudo que liga uma prática
interpretativa a uma prática social. Sendo assim:

A história oscila entre os dois polos. Por um lado, remete a uma


prática, logo, a uma realidade, por outro, é um discurso fechado,
o texto que organiza e encerra um modo de inteligibilidade, [..]
de acordo com uma sociedade se compreende. 417

A história como prática discursiva pode ser entendida a partir dos escritos
de Foucault, por centrar seus estudos no que ele denominou de discurso real,
pronunciado como materialidade, pois discurso para ele é:

[...] um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem


na mesma formação discursiva; este conjunto é limitado a um
certo número de enunciados, além de ser “histórico – fragmento
de história, unidade e descontinuidade na própria história, que
coloca o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de
suas transformações, dos modos específicos de sua
temporalidade, e não de seu surgimento abrupto em meio às
cumplicidades do tempo. 418

417 CERTEAU, Michel de. A Escrita na História. Rio de Janeiro: Forenses, 2011, p.6.
418FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2009, p. 132-133.
262

De acordo com Giacomoni e Vargas,419 ele inaugura uma nova forma


de fazer história:

[...] que eleva tudo aquilo que as pessoas disseram e dizem ao


estatuto de acontecimento. O que foi dito instaura uma realidade
discursiva; e sendo o ser humano um ser discursivo, criado ele
mesmo pela linguagem. [...] Nesta lógica, os sujeitos e objetos
não existem a priori, são construídos discursivamente sobre o
que se fala sobre eles.

Ainda afirmam que na visão de Foucault:

Os discursos, como dito acima, possuem um suporte histórico e


institucional, que permite ou proíbe sua realização. Um sujeito, quando
ocupa um lugar institucional, faz uso dos enunciados de determinado
campo discursivo segundo os interesses de cada trama momentânea.

Ou seja, discurso é uma prática que constrói seu sentido nas relações
estabelecidas de poder. Esta prática discursiva Foucault define como um
“conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no
espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social,
econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função
enunciativa”420

Tal função é considerada por Foucault aquela que gera repetição, por isso
institucionaliza e gera estruturas de poder. Com base nessas ideias, define os
saberes com discursos que encontram suas regras de formação nos mais
variados campos das ações humanas. Segundo Machado, “os saberes são, em
muitos momentos, independentes das ciências, já que encontram suas regras
de formação nos mais variados campos discursivos; entretanto todas as ciências
se localizam em campos do saber.”421

Foucault define saber como:

419GIACOMONI, Marcello Paniz e VARGAS, Anderson Zalewski. Foucault, a Arqueologia do


Saber e a Formação Discursiva. Veredas on Line – Análise Do Discurso –– Linguística/Ufjf –
Juiz De Fora. 2/2010, p. 119-129. Disponível em:
http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2010/04/artigo-09.pdf.Acessado em maio de 2016.
420 FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009,
p. 133.
421MACHADO, Roberto. Ciência e Saber – A Trajetória da Arqueologia de Foucault. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1981, p. 154.
263

[...] aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que


se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos
diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico;
(...) um saber é, também, o espaço em que o sujeito pode tomar
posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso;
(...) um saber é também o campo de coordenação e de
subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem,
se definem, se aplicam e se transformam; (...) finalmente, um
saber se define por possibilidades de utilização e de apropriação
oferecidas pelo discurso.422

Para Foucault, o saber está intrinsicamente ligado ao poder: “O poder


produz saber [...], não há relação de poder sem constituição correlata de um
campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo
relações de poder”.423
A discussão acima pontuada nos ajuda a entender o conflito entre o saber
da ourivesaria joalheira tradicional e o saber do design de joia acadêmico, como
relações de poder associadas às práticas sociais e discursivas.
Nessa perspectiva, esse conflito aqui é inserido num debate acadêmico
referente ao trabalho intelectual e manual, assim como à cultura popular e
erudita, estendendo-se ao percurso reflexivo sobre saber não acadêmico e
acadêmico.
Quando se trata de definição do que é ourivesaria há uma polêmica entre
os que a praticam: alguns consideram que esta agrega um conjunto de
atividades que tem somente finalidade de transformar os metais nobres, como o
ouro, a prata, a platina, o paládio, o ródio, o rutênio, o irídio e o cobre, em objetos
utilizados pela humanidade; outros consideram que esta é a arte de trabalhar os
metais nobres ou não, considerando-a como um amplo campo de aplicação dos
metais, que agrega praticamente todos os objetos criados pelos humanos. E
ainda há aqueles que posicionam a ourivesaria no contexto das artes plásticas,
como uma arte decorativa. 424

422FOUCAULT, M. A Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013, p.


220.
423FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Editora Loyola, 2010, p.30.
424CURSO DE JOALHERIA BÁSICA. Escola de Formação Profissional em Joalheria Rahma:
Gemas e Joias, Belém, 2005 (apostilha impressa). Essa escola funciona no Esjl. BRANCANTE,
Maria Helena. Os Ourives: na História de São Paulo. São Paulo: Árvore da Terra, 1999.
264

No exercício do ofício de ourives, como já foi dito antes, existem aqueles


que se especializaram em somente fazer joias. Estes atuam especificamente na
joalheria, segundo Eliana Gola:

Historicamente, ao lado de ourivesaria surge a joalheria, são


denominações diferentes, apesar de terem significados bastante
misturados nos dias de hoje. Quando se fala em joalheria o foco
recai sobre a confecção de joias propriamente ditas, utilizando
metais nobres associados ou não a pedras preciosas ou
imitações. Já a ourivesaria está relacionada a um âmbito maior,
o ourives não confecciona apenas joias, mas, também, molda
artisticamente metais preciosos como ouro, prata e platina,
transformando-os em objetos utilitários como baixelas, talheres
e armas. 425

Os primeiros ourives/joalheiros que aceitaram ingressar inicialmente no


Programa de Governo Polo Joalheiro assumiram o compromisso de se qualificar
para melhorar seu modo de fazer joias, no sentido de agregar uma melhor
qualidade de mercado, pois a proposta institucional era fazer uma joia com uma
marca própria do Pará, por isso foi pensada a marca “Joia do Pará”, com o
ingresso do design de joia.
Com isso, buscar reconhecimento dessa joia a nível nacional e
internacional, driblando o fato do estado não ter tradição nesse sentido, como
Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, entre outros. Sobre isso, um desses
primeiros ourives declarou:

– (Antes do Programa) Era trabalho de encomenda [..] a pessoa


gostava, encomendava, mas pedia para dizer que era de fora (e
vendia como joia da Itália), que era de fora tinha valor e as daqui
não. Um ponto positivo do Programa que valorizou o trabalho,
pois só tinha valor o que era de fora. (a joia da Itália e antiga). Aí
passaram a encomendar e comprar, já tinha valor (a joia do Polo
joalheiro). 426

Mas a pretensão era não mais somente fazer cópia de joias, mas fazer
uma joia com uma marca própria. Foi então pensado institucionalmente a
inclusão do design de joia. Mas esse momento não se deu de forma tranquila.
Segundo outro ourives dessa época:

425 GOLA, Eliana. A Joia – História e Design. São Paulo: Editora Senac, 2008, p. 22.
426 Depoimento de ourives em entrevista gravada no dia 12/12/2012, em sua oficina de joia.
265

R – Quando o Programa surgiu era uma concepção de trabalho era de homem? (do
ourives)
– Quando aparece o designer... o designer foi chamado a
participar, os arquitetos, como foi o caso do..., várias
pessoas...não lembro os nomes, mas o era um deles. No
primeiro catálogo tem os que participaram. Isso criou uma
confusão muito grande.... porque o ourives faria a parte
mecânica...eles mesmos se intitularam mesmo nós somos da
classe superior...por terem ensino superior...os ourives foram
considerados analfabetos. Isso gerou uma grande mágoa dos
ourives com os designers. 427

Outro ourives afirma:

Exato...eram arquitetos, os designers como sempre aparecem,


mas...na verdade davam muito valor para a pessoa que criou....o
nome dos ourives ficava lá embaixo, que fazia a finalização da
peça, porque valorizavam muito aquela pessoa que criou....ai
surgiu duas classes...eram duas classes....como se eles
tivessem o pensamento e o ourives só a ação. 428

Conflito relatado por mais um ourives:

Exatamente e se julgando muito superior..., aí o ourives


começou a reagir...considerar que era papel ...dizia: no papel se
faz tudo, eu quero ver tu sentares e fazer (a peça) .... (falou com
muita raiva), aí começou uma grande confusão, quem faz o
que...o marceneiro...faz a ferramenta, o ourives não faz a
ferramenta.....era uma polêmica toda....principalmente em
relação as mulheres (as designers) diziam: mulher não faz
joias!429

Por meio desses depoimentos, fica claro um conflito instalado inicialmente


no Polo entre um saber tradicional manual e transmitindo oralmente e um saber
acadêmico. Mas a conivência começou a ser estabelecida entre esses
profissionais

A questão que ficou posta foi: qual a função de cada um? Quem é mais
importante no processo de fabricação da joia do Pará artesanal? É trabalho do
ourives ou do designer? Isso configura uma disputa de poder no campo de uma

427 Depoimento colhido numa conversa com um grupo de ourives mais antigos do Polo,
gravado, mas eu tive de fazer a promessa
de não divulgar nomes, em maio de 2014.
428 Idem.
429 Idem.
266

prática social e discursiva, como mostrei anteriormente por meio das ideias de
Certeau e Foucault. Foi tão acirrado este conflito que o Sebrae teve que fazer
uma intervenção institucional. Um ourives conta como foi isso:

O designer fazia o desenho e pedia para mim medir.eu falava,


mas não pode, se não, não é a mais aquilo.....colocaram essa
regra e não pode...só peso...isso o ourives deve fazer... era uma
briga...ai o SEBRAE teve que fazer uma reunião e ficou decidido
que o peso era o ourives que definia....era o trabalho do
ourives....o Designer não sabe....e até hoje o designer não sabe.

Explicando esse conflito por minha vivência à frente de um cargo de


gestão, eu ouvi da maioria dos ourives, principalmente, os mais antigos, que os
designers não sabem orientar o trabalho naquilo que querem, somente
desenham, não apresentando de fato um projeto de design de joia, com a
definição clara de medidas e peso e nem sabem orientar o processo de produção
para aquilo que foi desenhado, por isso esses ourives alegam que devem fazer
as definições de peso e medida das joias e não os designers.
Por outro lado, os designers alegam que, quando os ourives fazem tais
definições, modificam seu desenho e querem fazer isso porque não respeitam
as suas criações, chegando até ao roubo de suas ideias, pois, muitas vezes,
compram os projetos deles e não pagam. Ou seja, os ourives fazem as peças
modificando algumas coisas do projeto do designer e diz que não é a peça
projetada.
Uma consultora externa declarou que:

Eu vou colocar duas situações engraçadas, que eu acho


engraçado hoje, na época eu fiquei indignada na
comercialização da primeira coleção de Joias do Pará. [...] a
gente colocou os projetos de joias em exposição, para que os
ourives vissem os projetos né, aí eles queriam de graça, ou seja,
sem custos, ou um valor de 15 reais na época. Eu nunca vou me
esquecer, lá nos anos iniciais quando não tinha o prédio do polo
ainda, ou seja, o profissional designer fez todo um esforço, fez
toda uma pesquisa e seu trabalho não foi valorizado... por parte
deles, mas eles não conseguiram alcançar isso, eles achavam
que era obrigação os designers fornecer os seus projetos ou no
máximo que eles queriam pagar eram 15 reais na época, foi bem
marcante.430

Declarou ainda:

430 Entrevista gravada em maio de 2015, em atual local de trabalho.


267

[...] eu conheço só um caso, não sei se tem outro caso, o dono


de uma marca contratar designs pra a produção, eu conheço e
posso citar aqui, inclusive absorve pessoas formadas pela
faculdade pela universidade pela UEPA, e o que eu sei o dono
da empresa nunca mencionou nesse meio que tenha se
arrependido de ter feito isso, de ter contratado profissionais de
design, muito pelo contrário, acho que a produção dele deu um
diferencial em relação ao mercado. Contratar que eu digo é
assim de ter o profissional todo dia junto com ele, por que eu sei
que existem contratos por trabalho... E muitas vezes se eu te
pago, se eu te pago, tinha muitas situações desse tipo, tipo pago
50%, 20% ou não te pago nada, só depois que eu vender, é meio
complicado, por o outro lado precisa sobreviver também, que é
o design.431

Uma forma de driblar essa desvalorização dos ourives, segundo uma


designer foi:

Ai o que aconteceu pra sobreviver como design, o design


começou a criar os seus projetos e contratar os ourives pra fazer,
pro próprio designer comercializar, o que a gente pode deduzir
ou concluir disso, que as relações de trabalho com esses
profissionais foram se ajustando ao perfil do profissional artesão
ourives, ou seja, o molde foi os ourives pra essa relação e não o
design que já teve que se submeter a isso. Acredito até por conta
da preexistência do ourives. Então quem decidiu a norma de
mercado foi o ourives.

Esse intenso conflito foi mediado e vem sendo pelas instituições


responsáveis pelo gerenciamento do Programa. Ora se acirra, ora eles negociam
entre si. Em alguns casos hoje já se formaram parcerias que superaram tais
conflitos, como por exemplo, as parcerias entre a designer Lídia, Selma
Montenegro e Celeste Heitmann com a maioria dos ourives. Mas a questão de
quem cria de fato a joia ainda é latente de modo às vezes visível ou invisível nas
relações? Pois quem faz está bem definido, são os ourives. Mas quando ele faz,
ele cria também? São as questões que permeiam as vivências no Polo entre
esses profissionais e são responsáveis por uma dinâmica de produção do início
até os dias atuais.
Segundo um consultor interno do Polo,

431 Idem.
268

Atualmente a gestão do programa vem fazendo várias tentativas


de superar esse conflito. O curso com os italianos foi uma
tentativa mais recente. Mas não entra na cabeça deles. Tem a
falta de mão de obra, porque o ourives faz o trabalho que ganha
mais. Aproximou mais, mas ainda há problemas.... quando se
trata de negociações....de pagamentos.....eles deviam trocar
serviços e cada um fazia seu trabalho, vendiam a joia e dividiam
o que ganhassem....ainda é um problema....432

Falou mais ainda que, nesse cenário, ocorreu o seguinte:

[...] o ourives se valorizou no projeto e ele cobra caro e escolhe


o trabalho que ele ganhe mais e isso foi um resultado do
Programa., mas agora falta mão de obra, que é um problema
para os designers, que muitas vezes não consegue ninguém
para fazer suas peças.433

Outro consultor declarou sobre esse conflito:


Seria uma troca de conhecimento, um trabalho em conjunto...,
mas a briga continua quando o designer acha que o ourives não
tem capacidade de criar.... O designer devia fazer dois projetos
e dava um como pagamento para o ourives. [...] Mas tem
designer e designers. Tem o que faz o projeto completo e o que
faz esboço de um desenho. Designer mesmo é aquele que faz o
projeto de designer por completo, com tamanho, peso
proporcional e medida. Atualmente você observa que os
designers estão fazendo curso de ourivesaria e os ourives estão
fazendo curso de desenho e designer de joias.

Essa fala mostra outra situação de conflito latente no Polo, que ocorre
entre o grupo de designer formado em curso de graduação e os que não são
formados, mas desenham joias, denominados institucionalmente como criadores
de joias, mas muitos não aceitam não ser chamados de designer. Tem também
ourives que cria e faz suas peças, por conta disso acham dispensável o trabalho
do designer.
Nesse contexto, aparecem as relações, as práticas de poder, que são
pensadas aqui com base no que Foucault escreveu em sua obra a Microfísica
do poder.434, por explicitar que são nas práticas cotidianas que essas relações
de poder ocorrem e estão em todos os lugares onde haja mais de um indivíduo

432 Relato colhido em entrevista no Polo Joalheiro, em um evento, em fevereiro de 2014.


433 Idem.
434 FOUCAUIT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
269

e onde forem exercidas suscitam sempre resistências dos vários lados


envolvidos.
Para compreender esse cenário aqui exposto, considerei pertinente a
afirmação de Foucault a seguir:

[...] Pois se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse


apenas por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do
recalcamento, à maneira de um grande superego, se apenas se
exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é
forte, é porque produz efeitos positivos a nível do desejo, em
como se começa a conhecer e também a nível do saber. O
poder, longe de impedir o saber, o produz.435

Portanto, Foucault nos alerta para o fato de que sempre devemos


desconstruir saberes que defendem verdades absolutas e tentar descortinar o
existir das relações de poder, em termos de resistências, lutas, embates,
contradições, enfrentamentos, pois somente assim entenderemos a dinâmica
das práticas cotidianas e discursivas, numa perspectiva além da dicotomia falsa
ou verdadeira, certo ou errado, pois se deve compreender as relações de
poder/saber. Isso serve, a meu ver, para compreender as relações vivenciadas
no Polo entre ourives e designers.

4.4. Rede familiar, de parentesco, de compadrio no fazer joias


Para além do espaço São José Liberto, para além das vitrines e
exposições de joias existe uma rede complexa composta por relações familiares,
de compadrio, vizinhança, estabelecida por meio de namoro, casamento,
amizade, consequentemente, ocasionando que uma desavença pessoal pode se
estender a uma desavença entre grupos. “Mexeu com um, mexeu com todos”,
gerando assim agregação e desagregação de grupos de maneira bastante
dinâmica, inclusão ou exclusão de indivíduos, no que diz respeito ao
estabelecimento de relações de reciprocidade e aliança, por um lado, e de
competição e desavença, por outro.

Segundo Ebling,

435 Idem, p. 114.


270

[...] devido ao emaranhado de ligações pessoais, as redes não


apresentam um formato fácil de ser capturado. Para Moutoukias,
essas "cadeias" de relações pessoais estão "incluídas em um
tecido inextrincável e em ocasiões confusas, na qual é difícil
distinguir o alcance e a configuração dos grupos de lealdade".7
Portanto, para que a utilização do método seja proveitosa, a rede
deve apresentar um tamanho manejável, pois a busca de uma
rede muito ampla é algo ideal e sem sentido ou valor heurístico.
Além disso, é o importante que se busque evidenciar a rede
social em seu pleno funcionamento, ou seja, os diferentes
agentes trocando favores e influências diversas com finalidades
objetivas.436

A sociabilidade é tecida por diversidades econômicas, sociais e culturais,


que assim configura diversos “arranjos” de relações interpessoal e social. O
trabalho familiar é um marcador social nessa sociabilidade, pois muitos membros
consanguíneos ou por laços afetivos participam do processo de produção da joia
vinculada ao Polo Joalheiro, distribuídos na cadeia produtiva, que vai desde o
processo criativo, à fabricação e à comercialização.

Geralmente as oficinas de fabricação de joias artesanais são num


compartimento da casa ou próximo desta, como já foi dito antes. Nessas oficinas,
onde o trabalho familiar acontece, trabalham a mãe, o pai, os filhos, filhas,
sobrinhos, sobrinhas, irmãs, irmãos, afilhadas, afilhados, entre outros, por ser a
fabricação de joias uma fonte de trabalho e renda, em que muitos participam
como uma escolha ou conveniência permanente e outros momentaneamente,
enquanto se preparam para outros voos profissionais.

Esse tipo de arranjo produtivo é característico das atividades artesanais,


de acordo com o Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato (Pnda),
do Ministério de Trabalho do Brasil. Nesse sentido, Lemos afirma:

O incentivo à produção artesanal constitui, portanto, uma forma


alternativa de incentivo às economias de base local,
assegurando a preservação da cultura local, bem como a
geração de emprego e renda para inúmeras famílias,
considerando que grande parte dessas pessoas encontra no

436 EBLING, Luís Augusto e VARGAS, Jonas Moreira. Elites regionais, guerra e compadrio:
a família Ribeiro de Almeida e suas redes de relações. Rio de Janeiro. Revista Topoi vol.15,
no. 29. Julho/Dezembro, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php. Acessado em:
janeiro de 2016, p.6.
271

artesanato uma forma de garantira própria sobrevivência e a


manutenção do bem-estar de seus familiares.437

Nessa perspectiva, o cotidiano dessas famílias das joias surge como um


espaço fértil para compreender a dinâmica sociocultural e econômica do
cotidiano dos participantes do Polo Joalheiro, enquanto trama de produção, de
pluralidade de ações e tensões, que refletem uma política de sobrevivência. Um
lugar, enfim, de homens e mulheres comuns, feitos de carne e osso, de erros e
acertos no processo de construção de suas subjetividades imersas nas suas
relações sociais.
Trata-se, portanto, de uma história do cotidiano entrelaçada com a da vida
privada, que está por trás da produção de joias artesanais no Polo Joalheiro.
Segundo Tinoco,

A perspectiva de investigação cientifica de traçar uma História


da Vida Privada ou uma História do Cotidiano, tem se
apresentado principalmente na concepção da Nova História,
com as terceiras e quarta geração da Escola dos Annales,
através de contribuições de Georges Duby e Jacques Le Goff. E
posteriormente a de Roger Chartier e Jacques Revel, a partir da
influência de Michel de Foucault, no que se refere aos
pressupostos teóricos da História Social, e também de Michel de
Certeau com a chamada história do “homem ordinário”.438

Essa historiografia contrapôs a historiografia política e factual feita


predominantemente até o começo do século XX, por esta última somente ter
interesse pelos grandes homens (poderosos, reis e santos, guerreiros e
senhores), em detrimento das mulheres, dos sujeitos comuns das
sociedades.439
Considerando o pensamento de Prost440 quanto à história da vida
privada, vou expor aqui sobre a rede de relações familiares e afins dos

437 LEMOS, Maria Edny Silva, Fortaleza. O Artesanato como Alternativa de Trabalho e
Renda: subsídios para avaliação do programa estadual de desenvolvimento do artesanato
no município de Aquiraz-ce. Dissertação do Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas
Públicas. Universidade Federal do Ceará – UFC. Fortaleza, 2011, p.15.
438 TINOCO, Ismael. A História do Cotidiano: uma análise conceitual. Revista Acadêmica
Historien, ano 5. n. 10. Jan/Jun 2014, p.322. Universidade de Pernambuco. Campus de Petrolina.
Departamento de História. Disponível em: www.revista historien.com.br. Acesso em novembro
de 2014.
439 Idem.
440 PROST, Antoine. Fronteiras e Espaços Privados. In: História da Vida Privada, 5 : Da
Primeira Guerra a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
272

protagonistas da pesquisa, mas somente o que estiver relacionada com a


produção de joias no Polo. Ou seja, o que vai ser mostrado aqui é uma realidade
que transita entre a vida privada e pública entre as casas/oficinas e o Polo
Joalheiro/Esjl, de modo a demonstrar vivências e sentidos no contexto do setor
joalheiro.
Não foi fácil construir a teia de relações nesse sentido, e com certeza
muita coisa ficou sem ser dita, escondida e quando dita sempre com muita
recomendação de cuidados na exposição da vida familiar, da vida interpessoal,
pois isso mexe com “muros de proteção” entre a esfera pessoal e pública, com
aquilo que não quer que se saiba, por medo de julgamento social ou punição
institucional, assim como por medo de constrangimentos. Quando se trata dessa
liminaridade entre o privado e o público, como mostrou em escritos Vicent, o
grande desafio é, por um lado, garantir uma ética de respeito pela vida alheia e,
por outro, driblar o não dito, o escondido importante para a pesquisa em questão.
441
O cotidiano, segundo a perspectiva de Certeau,442 deve ser entendido
como território, como espaço e tempo construído. Ele compartilha com Heller443
a concepção histórica de que o cotidiano é produto de um processo de
socialização, em que a interação do indivíduo ao grupo social ao qual pertence,
é responsável por seus elementos cognitivos, suas convicções, capacidades e
seus comportamentos.
Nesse sentido, mostro o quebra cabeça dos arranjos familiares, de
vizinhança e compadrio nos mundos do trabalho da joalheria do Polo, o qual
estará em evidência daqui em diante.
Uma das famílias com mais membros participantes no Polo é a família
Tavares, que inicia sua trajetória nesse mundo de trabalho das joias com Paulo
Tavares, quando ainda rapaz veio do Marajó para Belém e se tornou ourives.
Sua Trajetória foi mostrada em detalhes no segundo capítulo. A partir de então,
seus irmãos homens foram adentrando no universo da ourivesaria.

441 VINCENT, Gérard. Uma História do Segredo? In: História da Vida Privada, 5 : Da
Primeira Guerra a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
442 CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
V.1.
443 HELLER, Agnes. Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
273

Atualmente, João e Antônio Tavares têm oficina independente, mas


dividem no Esjl uma oficina de consertos e encomendas de joias. Como a
demanda de clientes se tornou alta, eles convidaram, o que consideram irmão
de criação, para integrar a sociedade dessa oficina, Joelson Leão. Cada um
administra independentemente suas oficinas e cumprem escala na oficina do
Polo.444
Quem administra as oficinas de irmãos são suas esposas. Lindalva
Azevedo, esposa de João Tavares faz a gestão geral da oficina do Esjl/Polo
Joalheiro, com discrição, como é sua característica de fazer as coisas, em que
trabalham irmão, irmãs, cunhados e cunhadas dela, como auxiliares de escritório
e ourives. É uma microempresa familiar, os que não têm vínculos consanguíneos
e agregação de parentesco, têm vínculo de amizade por vizinhança e compadrio,
incluindo sobrinhos e sobrinhas, como afilhados e afilhadas. A oficina deles é
uma das primeiras em encomendas e consertos de joias do Esjl/Polo Joalheiro.
Paulo Tavares, o mestre ourives do segundo capítulo, não se envolve com
a oficina do Polo e as oficinas de seus irmãos, por opção pessoal, a não ser na
retaguarda em termos de aplicação de suas pesquisas e consultoria da
qualidade dos produtos e de serviços. A maioria dos membros dessa família
extensa mora na rua de um conjunto, em que as relações de vizinhança são
intensamente presentes na casa/oficina de Paulo Tavares, que mora com a
matriarca da família e duas irmãs, com sobrinhos e sobrinhas.
Segundo depoimento de Paulo, em entrevista gravada, em 2012, em sua
casa/oficina, o mais difícil agora é envolver a “turma mais jovem da família” na
atividade de ourivesaria, porque como a família conseguiu melhores condições
financeiras, e, portanto, os seus sobrinhos e sobrinhas, têm mais chance de fazer
curso de graduação e consideram ser ourives uma atividade que não dá muito
status profissional, consequentemente, preferem seguir outras profissões.
Joelson Leão é considerado um dos melhores ourives do Polo pela equipe
institucional avaliadora das peças e os e as designers de joias. Sempre seu
trabalho de ourives é disputado por esses e essas quando se trata de exposições

444Dados retirados e organizados das fichas de inscrição, cadastro e recadastramento do


IGAMA/Polo Joalheiro, de 2008 a 2011. Observações feitas a partir de minha vivência como
coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento Tecnológico e Organizacional do IGAMA. (Ndto),
nessa mesma época.
274

e desfiles de joias. Todavia, de modo menos visível, está presente o trabalho de


gestão da oficina de joia e o trabalho de ourivesaria, especialmente do
denominado incrustação paraense,445 de sua esposa, Andréia Marques, que
prefere ficar nesse anonimato mesmo.
A parceria entre Paulo Tavares e Mônica Matos, destacada anteriormente,
também faz parte desse empreendimento familiar, pois são sócios na oficina de
joias e na empresa de comercialização, que Mônica administra. Paulo é
considerado pelas filhas biológicas de Mônica o pai delas. Ele declarou em
entrevista gravada que a caçula, de 10 anos, vai, às vezes, para oficina “brincar
de fazer joias”, mas não sabe se isso vai continuar futuramente. Segundo ele,
“ela pode, quem sabe, se tornar uma ourives/designer de joias” famosa.
A família extensa Sales é tradicionalmente ourives, como demostrei na
trajetória de João Sales, no segundo capítulo. O tio paterno foi quem começou
essa história quando veio do Ceará, mas foi seu pai que gerou tal tradição,
quando migrou de lá para Itaituba. No Polo Joalheiro essa tradição está
associada a três irmãos: João, Tiago e Veridiano Sales. Cada um também tem
hoje sua oficina, mas tiveram uma em conjunto com o pai, mas depois de seu
falecimento resolveram criar oficinas independentes. Atualmente, produzem
suas peças com independência, mas trocam serviços e apoio familiar na
produção quando necessário. 446
João Sales se autointitula ourives e microempresário. Até 2012, tinha uma
loja de joias no Esjl, quem tomava conta eram suas três filhas, mas depois uma
casou e teve filho, a outra se formou em matemática e a outra em designer.
Resolveram então se dedicar as suas novas formações profissionais, sem ter
ligação com as joias. Somente uma filha ajuda a cuidar da loja oficina, que fica

445 “pintura” feita no metal, com processo de coloração de pigmentos naturais, como o “urucum”,
por exemplo, criado por Paulo Tavares e aplicado e aprimorado por Joelson e Andréia, mas
atualmente usado por muitos ourives do Polo, depois de que Paulo realizou um curso sobre essa
técnica. O trabalho de Tcc de Lívia Abrahim, a designer em destaque no terceiro capítulo, foi
sobre essa tal técnica. C.f. ABRAHIM, Lídia Mara Pereira. A Técnica da incrustação paraense:
ilustrada através da coleção de joias "Mangueirosas". 2007. 120 f. Trabalho de Conclusão de
Curso. (Graduação em Design) - Universidade do Estado do Pará, Belém, 2007 e COSTA,
Socorro. Incrustação Paraense: Inovação e Aproveitamento. In: NEVES, Rosa Helena
Nascimento (et. al.). Joias do Pará: Design, Experimentações e Inovação Tecnológica nos Modos
de Fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011. 83-93.
446Dados retirados e organizados das fichas de inscrição, cadastro e recadastramento do
IGAMA/Polo Joalheiro, de 2008 a 2011. Observações feitas a partir de minha vivência como
coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento Tecnológico e Organizacional do IGAMA. (NDTO),
nessa mesma época.
275

em frente à sua casa, junto com sua mãe, esposa de João Sales. Tiago Sales
se intitula ourives/cravador, mas é também escultor, e Verediano se intitula
ourives. Trabalham em suas oficinas, sozinhos. Os outros dois irmãos têm outra
profissão, um deles se formou em economia e somente faz joias por hobby. Um
segundo irmão tem uma oficina de joias no Suriname. João Sales passou os
anos de 2012 a 2014 lá, com sua esposa, trabalhando na oficina do irmão e
voltaram agora (2016) e se dedicam na sua oficina/loja. Os três irmãos moram
no bairro da Marambaia de Belém, mantendo relações de vizinhança e
compadrio, o qual é um bairro tradicionalmente de ourives, segundo João Sales,
que falou em entrevista gravada, em 2012, antes de viajar.
Marcelo Monteiro é considerado por seus pares como um dos mais bem
sucedido economicamente microempresário do Esjl/Polo Joalheiro. Tem uma
loja de joia nesse espaço, mas também em diversos shoppings centers de
Belém. Sua oficina/empresa de joia inclui serviços de encomendas de joias, joias
artesanais e joias feitas numa pequena produção em série, com algumas
máquinas industriais do setor joalheiro, o qual se chama processo de fundição.
Sua esposa Mari e seu filho Marcelo Junior o ajudam na gestão desses seus
empreendimentos. A irmã de Mari toma conta, como vendedora, da loja do Esjl.
Mas em sua oficina/empresa possui vários funcionários assalariados. 447
Marcelo Monteiro vem de uma tradicional família de ourives do centro
comercial de Belém, reconhecido pelo setor joalheiro local, como um lugar
também tradicional de ourives. Seu pai foi um reconhecido ourives por seus
pares. Mas Marcelo seguiu sua trajetória nesse setor de modo independente. Ele
se intitula ourives e tem uma antiga amizade com a família Tavares de ourives,
inclusive incluíndo relações de compadrio, ou seja, de padrinhos e afilhados.
Assim tem um “pé” na joia artesanal e na industrial, mas com a preservação de
alguns traços de empresa familiar com trabalho assalariado. 448

447Idem.
448Em joalheria, temos duas fundições diferentes com os mesmos princípios. Uma refere-se à
fusão de ligas e, a outra, à fusão para reprodução em larga escala de produção. Como base para
o molde a ser utilizado temos diversos materiais, variando a peça a ser fundida de grandes
tamanhos até tamanhos diminutos. No caso deste trabalho, estamos nos referindo apenas a
objetos em escala reduzida, para uso em joalheria, empregando metais nobres. FREESZ,
Ronaldo. Fundição versus Fundição. Revista Portal Joia Br. Disponível em:
http://www.joiabr.com.br/artigos/rfreesz02.html. Acesso em julho de 2016.
276

Marcelo e sua família têm uma antiga e forte amizade com Maria Paixão
e sua família, que tem uma loja junta a dele no Esjl. Maria se intitula ourives e
microempresária. Mas o que sustenta a produção de joia de sua loja é a unidade
de joia que sua família possui em Abaetetuba, onde também tem uma loja de
joias e acessórios. Ela está à frente da gestão desses empreendimentos, mas o
trabalho de ourivesaria quem faz e comanda funcionários assalariados na
unidade produtiva de Abaetetuba é seu marido José Raimundo Silva Cardoso,
reconhecido por seus pares locais e de Belém como um ourives tradicional e
competente. O filho deles, Junior, auxilia atualmente na gestão dos
empreendimentos da família.
As famílias extensas envolvidas no setor joalheiro do Polo sãos aquelas
que participaram de seu processo inicial. Atualmente é mais comum entrar
indivíduos ourives ou designers e construir laços de amizade e profissionais no
mesmo. Mas têm laços familiares entre os participantes entre mãe e filha, pai e
filha, tias e tios e seus sobrinhos, por exemplo, nesse sentido, tem a história do
ourives Irlândio Nascimento. Ele se afastou do Programa em 2010 e dessa
atividade, mas voltou a participar do mesmo, por conta de sua filha fazer
graduação e se formar em design e querer atuar como designer de joia no Polo.
Há muitas outras histórias para compreender essa relação familiar e de
compadrio e afinidade entre os ourives que estão envolvidos no Polo joalheiro,
ou estiveram em algum momento. Registrei as relações familiares daqueles que
estão há mais tempo envolvidos na instituição e que têm relações de trabalho no
fazer das joias envolvendo familiares e afins de forma mais densa e reconhecida.
Concluo destacando a história do ourives Ramirez Garcia Gomes, que veio de
Marabá para morar em Belém, para integrar o Polo Joalheiro na ocasião de sua
implantação nessa capital. Foi identificado na pesquisa como de Marabá, mas
na época das entrevistas realizadas pelo Instituto Acertar já morava em Belém.
Em sua trajetória como membro do Polo montou a Escola Rhama de
Joalheria, em 2005. Um Centro particular de capacitação em joalheria básica e
avançada, que funciona no mezanino (Coliseu das Artes) do Esjl:
Ramirez sempre faz questão de repetir sua trajetória de antes e depois do
Polo em sua vida para todos que procuram saber. Conta que estava enfrentando
uma intensa crise financeira em Marabá, por conta do fechamento dos garimpos,
quando participou de uma reunião que tratava da criação do referido Polo. Não
277

teve dúvida, fechou sua oficina e partiu. Veio para Belém e não se arrepende,
apesar das dificuldades que, como todo mundo, enfrenta em seu cotidiano de
ourives e microempresário do setor joalheiro. Para ele, sua maior façanha foi,
sem dúvida, a criação da escola Rahma. Para tanto, segundo ele, contou com o
apoio de diversos profissionais e, na época, da gestão do Esjl e do Governo
Estadual. 449
Ramirez, entre outras coisas, disse que quase fecha sua escola de
ourivesaria, mas seu filho o reanimou para continuar. Ele é quem está à frente
agora da escola, desde 2011, junto com a esposa. Ele faz curso de designer
gráfico e ourivesaria e ela também. Hoje ela é a primeira instrutora mulher da
escola e desenha também joia. Eles se conheceram quando ela fez curso de
ourivesaria na Escola, em 2010. A escola voltou a apresentar joias artesanais
nas exposições e desfiles promovidos pelo IGAMA/Polo Joalheiro.
Del Priore450 que, em seus escritos, esclarece que os historiadores que
têm a família por objeto de estudo vêm percebendo que a vida privada e o
cotidiano familiar são um lugar de produção social das existências, não podendo
ser reduzir apenas um lugar de reprodução e manutenção. Ambos, vida privada
e cotidiano, são, por conseguinte, teatro de um processo portador de
historicidade, num jogo híbrido de manutenção de tradições e inovações nas
várias esferas da vida. Nesse caso, esse jogo acontece na rede de relações
vivenciadas na produção de joias do Polo Joalheiro.
O mundo das joias envolve, portanto, glamour, luxo, passarela, exposição,
catálogos, notícias na mídia, em que chamo aqui de vitrines, mas, por outro lado,
envolve também trabalho familiar, cotidianos marcados por dificuldades de
sustento financeiro, de falta de matérias primas, de anseios e dificuldades de se
firmar no ofício de ourives ou na profissão de design. É um mundo, portanto,
nessa perspectiva, marcado por relações de disputas por espaços de
reconhecimento, por diversidade de modos de vida, com diferentes status sociais
e econômicos.

449Entrevista concedida em sua Escola, em 23 de janeiro de 2016.


450 DEL PRIORI, Mary. História do Cotidiano e da Vida Privada. In: Flamarion, Ciro e Vainfas,
Ronaldo (orgs). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro, Editora
Campos, 1997.
278

Têm aqueles que aparecem comumente na mídia, mas também outros


que vivem no anonimato por opção ou ressentidos com um anonimato nas
oficinas. Podem ser estabelecidas apenas relações de prestação de serviços ou
comerciais, mas também relações de compadrio, vizinhança, amizade, que, em
conjunto com as relações de parentesco, formam uma rede social visível ou
invisível de pactos de convivência, de trocas e alianças.
É um universo multicultural, de hibridismo cultural, composto por uma
diversidade de experiências, pois uns têm formação acadêmica, outros não
concluíram nem o ensino fundamental. Têm aqueles que foram apresentar suas
peças em feiras internacionais e aqueles que nunca saíram de Belém. Um
mosaico de modos de ser composto por diferentes modos de agir e fazer. Um
mundo complexo e cheio de faces.
279

5. As multifaces do Polo Joalheiro no tempo anterior, atual e nas


brumas do futuro, um mosaico de ideias e ações.

O bom historiador escreve do passado,


criticando o presente e projectando o futuro.
Toda a história que vale é do futuro.
Agostinho da Silva
O que põe o mundo em movimento é a
interação das diferenças, suas atrações e
repulsões, a vida é pluralidade, morte é
uniformidade.
Octavio Paz

As multifaces do Polo Joalheiro de Belém do Pará são acompanhadas


aqui pela pretensão de configurar uma história sociocultural e econômica da
joalheria no tempo presente, considerando a seguinte ideia de Reis:

[...] é possível ao mesmo tempo sentir/repercutir o presente e


manter com ele uma relação crítica [...] do sistema, do poder, da
dominação e opressão e pode-se questionar contundentemente
o seu compromisso ético. [...] Penso que a historiografia sempre
está a serviço da vida, depende das injunções do presente na
pesquisa veio se radicalizando desde o século XIX, a partir das
provocações de filósofos como Marx e Nietzsche, que insistiram
sobre a necessidade do conhecimento histórico servir à práxis e
à vida.451

O Polo Joalheiro em tal cenário pode ser considerado uma


(des)continuação de um Programa de Governo, mas sempre em ebulição por
diversos projetos, ações e atividades institucionais, em grupo ou individual, que
já existiram, estão acontecendo, ainda estão em fase de implantação ou são
perspectivas futuras, tendo como base a noção de descontinuidade de
Nietzsche, que de acordo com Barros,

Nietzsche propõe uma historiografia que rompa com a falsa


continuidade histórica produzida pela tradicional noção de um
tempo linear e contínuo impulsionado pelo progresso, e através
do qual as épocas históricas se encadeiam umas às outras
através dos grandes acontecimentos perseguidos pelos
positivistas e historicistas tradicionais. Ao contrário, Nietzsche
propõe ignorar essa falsa continuidade histórica e fazer uma

451REIS, Jose Carlos. Teoria e História: tempo histórico, história do pensamento histórico
ocidental e pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. Apresentação.
280

ligação entre aquilo que importa, nos vários momentos do


passado e no presente.452

Considerei que foi nessa perspectiva que o Polo Joalheiro453 foi se


materializando no Espaço São José Liberto, desde 2002, por meio de diversas
ações e atividades, tendo por base concepções de gestão governamental, por
um lado, e dinâmicas provocadas pelos seus participantes e parcerias
institucionais, por outro lado, configurando-se assim em pluralidades de ideias e
ações, experiências e concepções.

Contudo, considero também pertinente as ideias de Nora,454 quando não


defende que no tempo presente há uma ruptura total do presente para com o
seu passado, mas na verdade há um exame do passado no presente, o passado
sendo revisitado no presente, em que esse exame e essa revisitação acontecem
de acordo com as necessidades do próprio presente dos sujeitos envolvidos.
Assim, demonstro, com base nessas ideias expostas, o entrelaçar do passado,
presente e expectativa de futuro do Polo Joalheiro na perspectiva de seus
protagonistas.

5.1. As várias Ações, os vários Projetos do Polo Joalheiro, tecendo vidas,


arranhando e fabricando sonhos
O Programa do Artesanato Brasileiro (Pab), do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), promoveu o cadastramento dos
artesãos brasileiros. O documento do Ministério da Cultura intitulado “Economia
da Cultura – Um setor estratégico para o país”, redigido por Paula Porta (2008,
p. 3 apud KELLER, 2011), afirma que “A atividade cultural mais presente, nos
municípios brasileiros, é o artesanato (64,3%)”.455 Segundo o Midic: 456

O artesanato é uma das mais ricas formas de expressão da


cultura e do poder criativo de um povo. Na maioria das vezes, é

452
BARROS, José D’Assunção. O Paradigma da Descontinuidade Histórica em Nietzsche–
uma análise da Primeira Parte da 2ª Consideração Intempestiva. Lusíada História n.º 7/2010.
Universidade do Rio de Janeiro, 2011, p.223.
453 No primeiro capítulo foi delineado o contexto inicial do Polo.
454 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São

Paulo, n.10, dez. 1993, p.7-28.1974.


455
KELLER, Paulo Fernandes. Trabalho artesanal em fibra de buriti no Maranhão Cad.
Pesq., São Luís, v. 18, n. 3, set./dez. 2011.
456
PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO. Base Conceitual do Artesanato Brasileiro.
República Federativa do Brasil. Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Brasília, 2012, p. 5.
281

a representação da história de sua comunidade e a reafirmação


da sua autoestima. Nos últimos tempos, tem-se agregado a esse
caráter cultural o viés econômico, com impacto crescente na
inclusão social, geração de trabalho e renda e potencialização
de vocações regionais.

Portanto, define artesanato como: 457

[...] toda a produção resultante da transformação de matérias-


primas, com predominância manual, por indivíduo que detenha
o domínio integral de uma ou mais técnicas, aliando criatividade,
habilidade e valor cultural (possui valor simbólico e identidade
cultural), podendo no processo de sua atividade ocorrer o auxílio
limitado de máquinas, ferramentas, artefatos e utensílios.

Trata-se de uma arte de fazer tradicional e contemporânea ao mesmo


tempo. Segundo Keller, “Trata-se de um trabalho que tem tanto a sua dimensão
criativa e simbólica quanto a sua dimensão econômica e mercantil”.458
Ao se abordar o trabalho artesanal na sociedade atual é instigante que
seja problematizada as ideias de Karl Marx, quanto a sua afirmação universalista
de que a economia e a ideologia capitalista dissociam o saber do fazer, o
trabalho intelectual do manual.459 Nesse sentido, tratou do processo global da
produção capitalista como um crescimento da produção industrial, com uma
produção em larga escala de produtos padronizados, que supre o mercado com
produtos mais baratos, ocasionando assim o declínio das oficinas artesanais.
Sendo assim, o pensamento de Marx, do século XIX, sobre economia
política, sistematizado em seu clássico livro O Capital, livro primeiro, volume I,
em 1847, em que tece uma crítica ao modelo de produção capitalista deve ser
relacionado atenciosamente com as particularidades da sociedade
contemporânea sobre o trabalho artesanal, no sentido de superação de uma
oposição dualista entre produção artesanal e industrial, em que a predominância
do segundo modelo traria o desaparecimento do primeiro.

457 Ibid. p. 14.


458KELLER, Paulo Fernandes. Trabalho artesanal em fibra de buriti no Maranhão Cad.
Pesq., São Luís, v. 18, n. 3, set./dez. 2011, p. 84.
459
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1975. (Livro 01 – O Processo de Produção do Capital, v.1 e 2).
282

Para fazer a problematização desse posicionamento busquei apoio


teórico nos escritos de Alvim (1983, p. 49)460 sobre seu estudo da “arte do ouro”
de Juazeiro do Norte, em que afirma:

A relação do artesanato com a tradição faz com que muitas


vezes grupos sociais que tiram do artesanato seus meios de
existência sejam catalogados como partes de uma sociedade
tradicional que se define por oposição a uma sociedade moderna
[...]. No entanto, ver no artesanato resquícios de uma sociedade
tradicional é esquecê-lo como contemporâneo e minimizá-lo em
sua importância na medida em que é através das chamadas
atividades artesanais que parte significativa da população
sobrevive.

Segundo o Sebrae, [...] “existem no Brasil cerca de 8,5 milhões de


pessoas trabalhando com artesanato. [...] Uma projeção do Instituto Centro de
Capacitação e Apoio ao Empreendedor (Centrocape), revela que esse mercado
movimenta R$ 52 bilhões por ano” [...] 461

O trabalho artesanal, portanto, no Brasil, deve ser considerado como uma


importante referência para o entendimento da realidade social, cultural e
econômica brasileira no tempo e no espaço, em que se inscreve num mosaico
de relações interligadas entre dimensões macros e micros.

Nesse contexto, existem ações e projetos que foram, que estão e que
ainda serão realizados no Polo Joalheiro, com base em concepções e defesas
da joia artesanal. Tal processo foi iniciado, como foi mostrado no primeiro
capítulo, por ação de uma política do Governo de Almir Gabriel, em seu segundo
mandato de 1998 a 2002, em que culminou numa primeira exposição de joia, em
que a marca “Joias do Pará” foi lançada em um evento com desfile para o mundo
ver em 2001462, apesar do todos os obstáculos postos no primeiro e no quarto

460
ALVIM, M.R.B. Artesanato, tradição e mudança social: um estudo a partir da “arte do
ouro” de Juazeiro do Norte. In: RIBEIRO, Berta et al. O artesão tradicional e seu papelna
sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1983.
461PROGRAMA DO ARTESANATO BRASILEIRO (PAB). Notícias da PAB,13ª Edição – abril de

2012.
462 PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor

de Gemas e Joias no município de Belém – Pará. Dissertação apresentada no Programa de


Pós-graduação em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local – PPGEDAM/
UFPA. Belém, 2012.
283

capítulo, oficialmente, em documento escrito, essa criação foi vista dessa


maneira a seguir:

A criação da primeira coleção de joias do Pará, em 2001,


mobilizou designers e profissionais de modelagem, ourivesaria,
lapidação, cravação, e gravação, que participaram de cursos de
aprimoramento técnico. Foram confeccionados brincos, anéis, e
colares, valorizando a fauna e flora, lendas e outros temas
amazônicos. O lançamento da coleção deu visibilidade aos
produtores, marcando a trajetória da produção joalheira no
Pará.463

Ana Catarina, a primeira coordenadora executiva do Polo, declarou que:

A coleção tinha que ter a nossa identidade, a identidade


amazônica, então ela seria inspirada nas nossas referências
culturais, então ainda nessa época da primeira coleção, a gente
falou pra eles no uso de outros materiais, o que se chama de
gema orgânica, mas eles tiveram também muita dificuldade, e
ainda trouxeram a casca de coco, se vocês forem olhar essa
primeira coleção, que tá no museu, foi adquirida pelo Estado, e
foi pro Museu de Gemas e Joias do São José Liberto,
basicamente o coco foi a única gema orgânica que a gente
conseguiu agregar nessa primeira coleção, ainda de forma muito
tímida, mas a inspiração com a identidade amazônica já veio
claramente nessas peças. 464

Segundo Nunes,

Esta coleção foi confeccionada em 1999, lançada em janeiro de


2000 e publicada em catálogo em 2002, sendo resultante do
primeiro curso dado pelo Programa, mencionado na introdução
desse trabalho, foi apresentada inicialmente em projetos com
desenhos pintados a mão com tinta guache e memorial
descritivo para comercialização. 465

Também informou que:

Participaram dessa coleção 65 projetos criados por 15


participantes de diferentes perfis, foram: o artesão ceramista
Álvaro Alberto Santos Teixeira, a artista Ana Cristina R.
Nascimento Barata, o estudante universitário de arte Ângelo

463PARÁ, Secretaria Executiva de Trabalho e Promoção Social do. Primeira coleção de Joias
do Pará: Amazônia - Brasil. Catálogo. Belém, 2002.
464 Entrevista gravada em 2012, em seu local atual de trabalho, Secretaria Estadual da Cultura.
465 NUNES, José Tadeu de Brito. Elementos da Biodiversidade Amazônica no Pensar-Fazer

de Joalheiros de Belém: a vivência como educação. Dissertação apresentada no Programa


de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará. Belém, 2013, p. 60.
284

Sergio Franco de Oliveira, o designer e professor universitário


Erivaldo Araújo Júnior, o joalheiro João Bezerra de Sales, eu
designer e estudante de arte José Tadeu Nunes, a estudante
Milena Machado da Costa, o professor de arte e artista plástico
Misael Orivaldo Rodrigues Lima, o empresário Reinaldo Almada
Glória, a professora de arte e designer Rosângela Gouvêa Pinto,
o técnico em artes gráficas Rubens Pinheiro Cunha, o joalheiro
Tiago Bezerra de Sales, o joalheiro Veridiano Bezerra de Sales,
o professor universitário e artista plástico Mário Barata e a
designer Irina Aragão466

Dos listados acima, que participaram da primeira coleção, quem ainda


permanece com algum vínculo com o Polo são: Erivaldo Araújo Júnior, os irmãos
Sales, Misael Orivaldo Lima Rodrigues e Rosângela Gouvêa Pinto. Mostro em
imagem o primeiro catálogo da primeira coleção “Joias do Pará” a seguir:

466 Idem.
285

Figura: Catálogo da Primeira Coleção de Joias do Pará


Fonte: Acervo do ESJL/Foto Walda Marques.

Também apresento uma das joias dessa coleção:

Figura: Joias do Pará/ Designer Misael Lima


Fonte: Catálogo de Primeira Coleção de Joias do Pará/Acervo do
ESJLq/Foto: Walda Marques.

No final do mandato de Almir Gabriel foi inaugurado, como já mostrei em


detalhes no primeiro capítulo, em 11 de outubro de 2002, o Espaço São José
Liberto,467 que passou a abrigar o Programa/Projeto Polo Joalheiro, provocando
uma reorganização do mesmo.
Essa reorganização foi realizada no Governo de Simão Jatene, de 2003
até 2006, agregando novas concepções e modus operandi. A ênfase anterior foi
dada à execução de programas de fomento a Implantação de Polos Joalheiros
e Programa Estadual de Artesanato pela Seteps. 468

467
Mas também a história do prédio pode ser conhecida nas obras e entrevistas a seguir:
AMORIM, M. A. A Missionação Franciscana no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1622-
1750), Agentes, estruturas e dinâmica. 2011. 802 f. Tese (Doutorado em História) –
Departamento de História, Universidade de Lisboa, Lisboa. 2011. Disponível em:
<http://repositorio.ul.pt/handle/10451/5393> Acesso em: Jan 2014. MAROJA, A. M. O Espaço
286

Associação São José Liberto (ASJL) para administrar tal espaço, como uma
Organização Social Legal. A tramitação, segundo documento oficial, de sua
legalização e qualificação somente se concluiu legalmente em 2003, quando
pode ser assinado e efetivado o seu contrato de gestão financeira e
organizacional, por parte do então Governador do Estado, em 29 de dezembro
de 2003.469
Mas, segundo documento oficial, em janeiro de 2004, a referida associação
ainda não tinha recebido verbas para pagar serviços terceirizados de serviços
gerais, vigilância armada e eletrônica, e de jardinagem, e, consequentemente,
solicitava com urgência verbas para a recontratação de tais serviços. 470
Esses problemas administrativos financeiros foram contornados com a
assinatura de Termo de Convênio com Sebrae/Seicom/Asjl, passando a
Secretária de Industria e Comércio .do Estado (Seicom), órgão principal de apoio
financeiro à associação. Com isso, houve uma mudança de concepção do
Programa Polo Joalheiro. O investimento seria, além da formação
profissionalizante em joia artesanal, para o fortalecimento de toda cadeia
produtiva, visando também a organização de micro empresários no setor
joalheiro, o que desencadeou a organização das lojas de joias no ESJL. 471
Nesse sentido, em 31 de agosto foi apresentado o novo Projeto Polo Joalheiro
do Pará – Produtos e Negócios, com sua vigência de 30 de julho até 30 de
dezembro de 2004.472

São José (Belém-PA), Liberto dos grilhões da lei e preso às imagens do tempo. 2002. 54 f.
Monografia (Graduação em Educação Artística) – Centro de Ciências Exatas e Tecnologia,
Universidade da Amazônia, Belém. 2002. Disponível em:
<http://www.nead.unama.br/bibliotecavirtual/monografias/espaco_sao_jose.pdf> Acesso em:
Jan 2014. NEVES, A. São José Liberto: depoimento. [10 de agosto, 2010]. Belém: TV RBA.
Entrevista concedida a Talita Iketani. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=tkeAcKFeIrk> Acesso em: Jan 2014. CAPIBERIBE, J. São
José Liberto: depoimento. [11 de agosto, 2010]. Belém: TV RBA. Entrevista concedida a Talita
Iketani. Disponível em: Acesso em: Jan 2014.
468 Ofício nº 038/ASJL da Presidente Socorro Gabriel da Associação São José Liberto ao então

Secretário da Seteps, Haroldo T. da Costa, solicitando contratação emergencial de uma empresa


de Vigilância para o ESJL, em 03 de julho de 2003.
469 Ofício nº 001/04 NAF/ASJL da Gerente do Núcleo Administrativo e Financeiro (NAF) da Asjl.
470 Idem.
471 Memorando nº 167/04 NPC/Asjl do Gerente do Núcleo de Projetos e Comercialização

(NPC) para o NAF.


472 Idem.
287

Figura: Memorando apresentando novo projeto Polo Joalheiro


Fonte: Arquivo documental do São José Liberto

Nesse momento, o Sebrae assume o papel de coordenador dessa nova


fase do Projeto Polo Joalheiro, por meio do Programa de Desenvolvimento de
Gemas e Joias, com a responsabilidade de fomentar, monitorar e avaliar o
referido projeto, em parceria com a ASJL, que tem a responsabilidade de
executar as verbas recebidas e administrar o ESJL.473
Nesse projeto, são oficializadas as parcerias institucionais, com definição
de nível de envolvimento e responsabilidade, que são, além do Sebrae,
SEICOM, com apoio financeiro e técnico e responsabilidade de fomento,
captação de parcerias e acompanhamento; SECTAM e SENAI, com apoio
técnico e responsabilidade de desenvolvimento tecnológico; Prefeituras, com
apoio financeiro e logístico e responsabilidade de suporte técnico e viabilização
de ações complementares; assim como a Câmara Setorial de Joias, com apoio
institucional e articulação e interlocução com a classe produtiva; FUNCAP, com
apoio na área de recursos humanos e responsabilidade social, com a
responsabilidade de intermediação de mão de obra para o setor; Banco do
Cidadão, com apoio de acesso ao crédito, com a responsabilidade de liberação
de recursos; UEPA, com apoio técnico e assessoramento profissional; e, por fim,
IBGM, com apoio institucional e captação de parcerias e assessoramento.474

473 Documento digitalizado do Projeto Polo Joalheiro do Pará: Produtos e Negócios, 2004.
474 Idem.
288

O público a ser beneficiado pelo projeto foi composto por ourives,


joalheiros, lapidários e artesãos que trabalham com sementes, produtores de
embalagem, designer de joias e de embalagens, empresários, investidores e
instituições de fomento do setor.475
Fica assim configurada a ampliação do projeto de joias artesanais, como
também o desenvolvimento tecnológico e de mercado, incluindo o setor de
artesanato de embalagem e mineral no seu campo de atuação. Essa mudança
provocou, entre outras coisas, uma acirrada discussão entre os segmentos
envolvidos, se não seria melhor a utilização da marca Joias da Amazônia, ao
invés, de Joias do Pará.
Nessa gestão, que foi até 2006, a marca Joias do Pará foi legitimada, mas
com referência à Amazônia e Brasil. Ainda hoje isso ainda não é consenso entre
os segmentos envolvidos. Adiante vou tratar mais sobre esse assunto. Tal
legitimação foi demarcada melhor na segunda EXPOJOIA Amazônia Design, 476
exposta no catálogo que segue.

Figura: Catálogo da Segunda Expojoa/Colar da designer


NilmaArraes/Foto Walda Marques
Fonte: Arquivo do São José Liberto

Com essa coleção de Joias, incluindo artesanato de embalagem e


mineral, o Programa/Projeto Polo Joalheiro demonstra sua ampliação para além

475 Idem.
476 Lembrando que a Feira de Joias promovida pela Associação São Jose Liberto, de que eu já
falei no primeiro capítulo.
289

de Belém, cujo resultado foi a inclusão de produtores de Parauapebas, Itaituba,


Marabá e Floresta do Araguaia.477

As ações desse novo projeto foram direcionadas para cursos,


consultorias, missões comerciais, seminários e lançamentos de catálogos,
focando capacitação em gestão, segurança no trabalho, fortalecimento do
empreendedorismo, desenvolvimento das relações interpessoais, pesquisa,
desenvolvimento tecnológico, design, qualificação da produção e acesso ao
mercado.478

Por outro lado, agregou também uma nova face, passou a ser considerado
como um arranjo produtivo de Gemas e Joias, que seria composto pelos
munícipios listados anteriormente. 479

Segundo Chaves,

[...] o Brasil, a exemplo, no final da década de 1990 e início de


2000, procurou através da possibilidade do desenvolvimento de
Arranjos Produtivos Locais (doravante APLs) uma nova
alternativa para dinamizar a economia local. Tanto que,
recentemente, os Arranjos Produtivos Locais (APL) vêm
recebendo uma atenção crescente de governos e da iniciativa
privada como uma esperança singular é a eles direcionada:
serem meios estratégicos para o fomento da competitividade e
do desenvolvimento econômico regional brasileiro. Neste ensejo
foram realizadas no início de anos de 2000, mapeamentos de
[potenciais] Arranjos Produtivos em todo o Brasil, por instituições
de pesquisa ligadas a universidades, instituições
governamentais dos Estados da Federação e também pelos
Ministérios do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior
(MDIC) e da Integração Nacional (MI). E como uma política
nacional os APLs passaram a ser instrumentos para o
desenvolvimento regional e integração de diversos agentes:
instituições de pesquisa, agentes de crédito, secretarias
estaduais, dentre outras, visando assim desenvolver as
potencialidades de cada região – o qual foi necessário à criação
dos Grupos Permanentes de Trabalho (GTP/APLs) para
acompanhar as atividades dos APLs e contribuir para a
consolidação dos potenciais arranjos produtivos.480

477 ROTEIRO DO PROJETO. Documento descritivo do Novo Projeto Polo Joalheiro do


Pará Produtos e Negócios, julho/dez de 2004.
478 Idem.
479 Idem.
480 CHAVES, Débora Almeida. O setor de Gemas e Joias de Belém – Um Arranjo Produtivo

Local? Texto apresentado no Encontro de Administração Gestão Estratégica: criatividade e


interatividade, de 23 a 27 de setembro de 2013, p. 2.
290

Chaves também apresenta a seguinte definição de arranjo


produtivo local:

[...] aglomerações de empresas, localizadas em um mesmo


território, que apresentam especialização produtiva e mantêm
vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem
entre si e com outros atores locais, tais como: governo,
associações empresariais, instituições de crédito, ensino e
pesquisa. (MDIC 2011 e SEBRAE, 2011). E complementado por
Costa (2010) como a concentração de quaisquer atividades
similares ou interdependentes no espaço, como não importando
o tamanho das empresas nem sua atividade podendo pertencer
aos setores primário, secundário ou terciário, sendo esta
conformação sócio – econômica e geográfica visa o aumento da
capacidade competitiva através da eficiência coletiva.481

Nessa mesma direção, Almeida afirma que:

A concepção do polo produtivo ou cadeia integrada de gemas e


joias, denominação adotada na primeira fase do programa
estadual, foi enquadrada na ideia de Arranjos Produtivos Locais
(APL), introduzida pelo Fórum Nacional de Competitividade do
setor joalheiro em 2004. 482

Também diz que:

Os Fóruns de Competitividade (2000), espaços coordenados


pelo Ministério do Desenvolvimento e Ministério de Integração,
e os Grupos de Trabalho Permanente para os Arranjos
Produtivos Locais (APLs), instituídos em 2004 pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, iniciaram o
desenho de ações públicas de fomento aos setores que
despontavam como potenciais ao desenvolvimento regional.483

Bernadete Almeida relatou, por meio de entrevista gravada, que:

Entrei no Programa por volta de 2000 para dar apoio técnico


para a pequena produção de joias e artesanatos e linha de.
Crédito, como funcionária da Secretária de Trabalho e
Promoção Social, junto com a Ana Catarina. Demos apoio para

481 Idem, ibidem, p. 5.


482 ALMEIDA, Bernadete de Jesus Barros. Polo setor de Gemas e Joias de Belém – Um
Arranjo Produtivo Local Produtivo de Belém e as Perspectivas de APL em Parauapebas.
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Desenvolvimento e Integração Regional
do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Ufpa. Belém, 2010, p. 7.
483 Idem, ibidem, p.11.
291

a formação de cooperativas. O Programa estava se


desenvolvendo no São Jose Liberto, em uma nova fase.
Trabalhamos nas discussões para se chegar a um melhor
modelo de gestão. Fizemos cadastramento daqueles que
queriam fazer parte do programa, preparamos a Una e as lojas.
Quem era da equipe: eu, Ana Catarina e Odília para o
artesanato, e equipe de técnicos da universidade do trabalho,
em que estava ligada ao Plano de Capacitação da Seteps do
Polo Joalheiro.484

Mas que, depois de muitas reuniões com produtores de joias e de


artesanato, em conjunto com as instituições parceiras, definiu-se que a principal
missão do programa era desenvolver o setor de gemas e joias, e apoiar a
comercialização do artesanato. 485

Por que isso? Fui em busca de respostas para essa questão e os mais
antigos participantes explicaram-me que, no processo de definição de uso do
ESJL, houve disputas entre os produtores de joias e de artesanato, no que diz
respeito a quem seria mais beneficiado por esse programa de governo voltado
para o desenvolvimento das Apls. Nessa disputa, os produtores de joias
conseguiram maior apoio institucional, porque, entre outros fatores, conseguiram
se agrupar e criar a Associação de Joalheiros do Estado do Pará (Ajepa), iniciada
com vinte associados e depois aglutinando mais pessoas. 486

Da mesma forma, estes informaram que o “pessoal do artesanato” não se


unia, “o pessoal de Icoaraci brigava com o pessoal da Praça da República” e
“brigaram com o Sebrae também”. No final, ainda segundo eles, não
conseguiram criar uma única associação. Assim, muita gente “migrou do
artesanato para a joalheria para fazer parte do programa e alguns apenas
aceitaram fazer parte da comercialização”, mas houve aqueles que não ficaram
e disseram “que ali não era o lugar deles”.487
Acredito que essa seja uma das explicações para entender o porquê de
vários participantes, antigos e novos, do programa terem uma trajetória de vir do

484 Entrevista concedida em 10 de novembro de 2015, em seu atual local de trabalho, a Secretaria
de Planejamento do Estado do Pará, coordenadora do setor de promoção social.
485 Idem.
486 Fui perguntando durante vários momentos que os encontrei no ESJL, por meio de conversas

informais, como, por exemplo, um cafezinho na cantina do espaço ou mesmo em intervalos de


um evento no mesmo, em que eu estava participando.
487 Idem.
292

artesanato para a joia artesanal ou passar a atuar nos dois setores. Essa
dinâmica configurou a divisão de uso do espaço até os dias atuais, pois, como
mostrei no primeiro capítulo, o Espaço São José Liberto tem o lugar de
comercialização dos artesanatos e as lojas de joias, assim como a escola de
joalheria, a oficina de joia e auditório e mezanino, onde ocorrem os eventos de
qualificação e aperfeiçoamento, na maioria das vezes, voltados para o setor
joalheiro.
Desse modo, Almeida informou que:
De acordo com os relatórios de gestão de 2006 foram realizadas
45 ações entre palestras, consultorias e cursos de qualificação
profissional nas áreas de design, desenvolvimento tecnológico,
apoio à organização e gestão, e acesso a mercado. No que se
refere ao apoio do Sebrae, foi planejado e orçado o investimento
de R$ 1.556.100,00 para o período de 2005 a 2007, que teriam
como resultados a ampliação do faturamento médio em 10% em
2005; 20% em 2006, e 30% em 2007. Quanto ao número de
pessoas ocupadas nas empresas e unidades produtivas, 5% em
2005; 10% em 2006 e 20% em 2007. Estas ações
fundamentaram a trajetória dos produtores e de agentes
produtivos na linha empresarial e empreendedora, e firmaram o
Sebrae como fomentador da qualificação e inserção no
mercado. Essa linha de atuação veio ao encontro do apoio
destinado pelo Sebrae às micros e pequenas empresas.488

Essa orientação e atuação do programa foram “sacudidas” em 2007,


porque assumiu um novo governo estadual, sob gestão de Ana Julia Carepa,
que governou até 2011. Sai de cena a ASJL e assume o IGAMA. Inicia-se assim
uma “nova gestão”, assumindo a diretoria executiva Rosa Helena Nascimento
Neves, a qual continua nessa gestão até os dias atuais, mesmo com a mudança
de Governo Estadual, em 2012, quando Simão Jatene voltou a assumir tal
gestão. Segundo Rosa Neves,

[...] Tempos diferentes, fazem com que esse Programa venha se


configurando numa política pública diferenciada quando você
pensa este como num desenvolvimento local. Estou
gerenciando o Espaço São Jose Liberto desde 2007. Houve uma
gestão anterior a minha. Meu olhar sobre essa história do
programa é um olhar que leva em consideração que quando foi
pensado o Programa Polo Joalheiro no plano do documento
técnico, e até na elaboração dele, na finalidade politica, o Estado

488ALMEIDA, Bernadete de Jesus Barros. Polo Produtivo de Belém e as Perspectivas de APL


em Parauapebas. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Desenvolvimento e
Integração Regional do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Ufpa. Belém, 2010, p.29.
293

tinha em mente verticalizar o metal precioso e suas gemas [..]


Então, o que eu imagino quando penso nessa finalidade, o que
deveria acontecer automaticamente seria uma produção de joias
com metal ouro e gemas do Estado e também de fora, porque a
joalheria, de modo geral, do mundo, ela usa também gemas que
não são de seus territórios. [...] O programa vem com a ideia
também de organizar a cadeia produtiva do setor de gemas e
joias no Estado do Pará.489

Também diz que:


[...] Então é aí que começa a grande revolução do projeto,
quando se pensa, de que joia vamos falar a partir de agora e que
joias vão surgir a partir de agora, e se passa a fazer joias com
designer. [...] o que fazia até então eram reproduções. Os
ourives faziam as encomendas, eles reproduziam peças de
jornais, de revistas, [...] mas aí é importante falar que já se tinha
o mestre artesão da ourivesaria, essa rede já estava formada,
seja nos garimpos, seja no comércio de Belém. Então já existia
uma tradição das famílias de Belém levarem suas joias para
consertos ou para desmontar e fazer outra joia de acordo com
modelos pré-escolhidos e esse saber dos ourives também foi
determinante para o desenvolvimento do Projeto.490

A atual diretora fala do projeto agora (2016), dizendo que tem como base
para sua gestão a concepção inicial do projeto. Contudo, em sua administração
anterior, entre 2007 e 2011, sob outra gestão estadual, foram feitas algumas
modificações no projeto inicial. Segundo Chagas e Gouvêa,

No ano de 2007, ocorreu uma mudança na administração do


Espaço São José Liberto, passando da ASJL para o Instituto de
Gemas e Joias da Amazônia (IGAMA). Este instituto objetiva
qualificar o setor joalheiro, promovendo cursos de capacitação e
palestras para ourives e designers do programa. Portanto,
dando continuidade às ações já realizadas pela antiga
associação e promovendo novas ações como consultorias em
design, comunicação visual, vitrina, embalagens e gestão
empresarial.491

489 Entrevista com a atual Diretora Executiva Rosa Neves, em maio de 2016, em seu gabinete
no ESJL.
490 Idem.
491 CHAGAS, Clarisse e GOUVÊA, Rosângela. Classificação da joalheria Paraense a partir

dos processos produtivos e inserção da cultura local. Texto apresentado no 9° Congresso


Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, 13 a 16 de outubro de 2011,
p.3.
294

Portanto, desde 05 de março de 2007, o Polo Joalheiro passou a ser


Programa de Desenvolvimento do Setor de Gemas e Metais Preciosos do Estado
do Pará, gerenciado pelo IGAMA, assim como sua principal mantenedora
passou a ser a Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia
(SEDECT)492.
Segundo relatório de gestão do IGAMA de 2007,
Dentre seus objetivos estão promover ações com
potencialidades de produzir melhoramento de qualidade dos
produtos já produzidos e inovações de produto e processos,
assim como subsidiar o processo de certificação para o produto
“Joias do Pará” como estratégia de fortalecimento de
competitividade, por meio da ampliação da capacidade
operacional dos equipamentos laboratoriais, do apoio técnico à
elaboração de projetos de joias com aplicação de ferramentas
adequadas como softwares, dentro de padrões ergonômicos e
de novas tendências, os quais possibilitem agregar as inovações
do setor produtivo à concepção de novos produtos e da
produção de conhecimento técnico-científico especializado e
interdisciplinar para o setor joalheiro.

Essa mudança de gestão provocou situações de conflito entre os


participantes do Programa e entre estes e a nova administração. De acordo com
Almeida, [...] “Nota-se nos produtores certa preocupação com o futuro do
Programa, provocada pela atual conjuntura política.”.493 Isso ocasionou a saída
de alguns e a entrada de outros participantes e funcionários.
O ano de 2007 foi tomado mais por essa reorganização administrativa,
em que houve a posse da diretoria do IGAMA oficialmente em 20 de agosto
desse ano. 494 Na ata da cerimônia dessa posse está dito que:

A nova direção do ESJL assume o desafio de incrementar o


setor produtivo e a comercialização das gemas e joias do Pará,
incentivando o acesso a novas tecnologias que possibilitam o
aumento da produção e o aprimoramento do setor joalheiro local.

Nesta mesma ata, consta que o IGAMA passou a ser administrado por
uma hierárquica estrutura administrativa. Uma estrutura externa, composta por

492 Relatório do IGAMA, 2007.


493 ALMEIDA, Bernadete de Jesus Barros. Polo Produtivo de Belém e as Perspectivas de APL
em Parauapebas. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Desenvolvimento e
Integração Regional do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA. Belém, 2010, p.22.
494 Conforme consta no convite impresso do Governo para o evento de coquetel de solenidade

de posse da diretoria do IGAMA.


295

um conselho administrativo e um conselho fiscal, com um presidente e dez


conselheiros, assumindo a presidência o diretor do Núcleo Interinstitucional da
SEDECT e os conselheiros representantes de vários órgãos, como SECULT,
SEBRAE, AJEPA e do próprio IGAMA. Assim como uma estrutura interna,
composta por uma diretoria executiva, quatro núcleos, o de Planejamento,
Administração e Finanças; de Desenvolvimento Tecnológico e Organizacional;
de Produção e Comercialização e de Promoção, Eventos e Relações Públicas.
Também um presidente.
Todavia, antes disso, o jornal Província do Tapajós, de 17 de maio de
2007, trouxe a notícia, no caderno economia, sobre a realização de um Simpósio
sobre mineração sustentável para região em Itaituba. Lá diz que vai ocorrer
nessa cidade evento promovido pelo Polo Aurífero do Tapajós e os principais
representantes do setor local, estadual e nacional de mineração se farão
presentes em tal evento, como também representantes do setor do Canadá, a
fim de firmarem parcerias.
Ainda nessa mesma notícia, consta que o diretor da SEICOM é também
coordenador geral do ESJL, o Sr. João Carlos Cruz, onde é gerenciado o
Programa de Desenvolvimento do Setor de Gemas e Joias do Estado do Pará.
Este mesmo vai assumir a presidência do Conselho de administração do IGAMA
na posse da nova diretoria, como mostrei antes.
Essa “nova” perspectiva, configurada até aqui, induz a pensar que há uma
retomada da inicial pretensão de implantação do Polo Joalheiro, que era
contribuir para fortalecer o setor de mineração do Estado, em termos da
“verticalização” da matéria prima interna (conforme foi mostrado antes), mas
direcionando isso para ações de fomento tecnológico e científico, com base nos
estudos das universidades federais, em que a UFPA assume um papel
importante de parceria, a fim de desenvolver o fortalecimento do setor de
mineração e melhorar a inserção das joias no mercado. Mais uma face, portanto,
agregada ao Polo Joalheiro. Desse modo, não foi por acaso que quem assumiu
a Presidência do IGAMA, nessa época, foi o professor da referida universidade,
o geólogo Evaldo Raimundo Pinto da Silva.
O SEBRAE, como um dos mais importantes parceiros institucionais do
Polo, também reestrutura o seu projeto de fomento para o setor joalheiro, com a
intenção de solucionar gargalos que ainda dificultam, segundo relatórios do
296

Sebrae, a consolidação do produto joalheiro paraense em outros mercados.


Segundo Marcelo Ribeiro de Araújo, que na época era o Coordenador Estadual
e Regional, e gerente da Unidade de Indústria de tal instituição,

O processo produtivo artesanal encarece o produto final, daí a


necessidade de buscar, por meio de parcerias, recursos para
investir em máquinas e equipamentos que acelerem a produção
das peças, sem descaracterizar a marca “Joias do Pará”. O
acesso às bolsas tecnológicas, vias editais da Financiadora de
Estudo e Projetos (Finep) poderia ser uma das estratégias
adotadas pelo setor para avançar na produção.495

De acordo com o Presidente do Conselho de Administração do IGAMA,


João Carlos Cruz,

[...] o funcionamento de um Telecentro de Informações e


Negócios já instalado no São José Liberto deve se tornar um
instrumento importante nesse novo direcionamento do
Programa, por permitir, entre outras vantagens, que todos os
profissionais envolvidos na cadeia de gemas e joias tenham
contato, via internet de alta velocidade, com o mercado dentro e
fora do Brasil. [...] Entre as metas para os próximos três anos
estão a ampliação do mercado interno com a consolidação com
mais três postos de comercialização, o aumento de 15% na
produção de joias e o fortalecimento da marca Amazônia, como
produto com certificação ambiental.496

Por outro lado, o Presidente do IGAMA frisou que o Núcleo Tecnológico


do IGAMA será fortalecido visando ampliar a qualificação dos profissionais. Ele
considerou positiva a participação na IV Para EXPOJOIA da Empresa Brasileira
de Irradiação, que trabalha com radiação de gemas, ou seja, gemas lapidadas
em laboratórios, com alta tecnologia. Segundo o mesmo, “é uma ótima
oportunidade de conversarmos sobre essa tecnologia, já que nossa região tem
cristais com grande potencial para bombardeamento”. 497
Comparando os três relatos, podem ser pontuadas concepções
diferenciadas sobre o rumo que o Polo Joalheiro deveria seguir nesse momento.

495 Parte do discurso feito por Marcelo Araújo no Encontro do Setor Joalheiro, documentado em
relatório do IGAMA, que ocorreu em 2007, de 28 de novembro a 02 de dezembro, em conjunto
com a IV EXPOJOIA Amazônia Design.
496 Parte do discurso feito por João Carlos da Cruz no Encontro do Setor Joalheiro, documentado

em relatório do IGAMA, que ocorreu em 2007, de 28 de novembro a 02 de dezembro, em


conjunto com a IV EXPOJOIA Amazônia Design.
497 Documento da ASCOM/IGAMA com notícias sobre o mesmo Encontro.
297

Deveria ser a marca Joias do Pará ou Joias da Amazônia? Joia artesanal, semi-
industrial ou industrial? Voltada para o setor de mineração, ciência e tecnológica
ou negócios e mercado? Perguntas que não deveriam ter respostas excludentes.
Contudo, essas concepções entraram em conflito, somando-se a isso, a
insatisfação de alguns produtores com a atual gestão e relações interpessoais
de disputas e desagregação.
Em meio a tudo isso, foi lançada a IV EXPOJOIA, que marca essa nova
gestão do Polo Joalheiro, que foi bastante noticiada na imprensa local, por meio
de reportagens que mostro adiante.
298
299

Contudo, segundo a assessoria de Comunicação da época,498 foi mais


difícil fazer noticiar, por parte da imprensa local de maior visibilidade, a
EXPOJOIA, por conta da mudança de governo. Pode ser observado que
noticiaram com menos destaque do que as primeiras EXPOJOIAS ou outras
notícias do Polo Joalheiro, que eram de página inteira, como foram expostas nos
capítulos anteriores.
Por outro viés, o site do Governo do Pará, de 20 de gosto de 2007, traz a
chamada: “IGAMA assume São José Liberto disposto a vencer desafios”, em
que noticia que o secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Maurílio
de Abreu Monteiro, representando, a governadora, Ana Júlia Carepa, assinou o
Termo de Posse, junto com o presidente do IGAMA e a Diretoria Executiva.
Assim afirma que a meta da nova diretoria é [...] “Reforçar a produção de joias e

498Entrevistei os profissionais dessa época, durante vários momentos da referida pesquisa,


quando fui coletar reportagens antigas sobre o Polo Joalheiro.
300

artesanato com identidade regional, fortalecendo parcerias e investindo em


novas tecnologias”. 499
Nesse mesmo documento, a diretora executiva, Rosa Helena Neves, diz:
“Muito já foi feito pelo programa, mas precisamos avançar, potencializando, a
comercialização, principalmente em feiras e outros eventos do setor”.500
Informou também que esse trabalho já estava em andamento, com a
participação do São José Liberto no 2º Salão do Brasil na França, que iria
acontecer na primeira quinzena de setembro, em Paris.
Essa mesma fonte, traz também a declaração de Hildegardo de
Figueiredo Nunes, superintendente do Sebrae – Pa, reafirmando a parceria com
o Polo Joalheiro:

[...] nessa busca incessante pela consolidação de uma indústria


joalheira no Estado do Pará. Uma indústria que preserve suas
características, que valorize o profissional regional, que seja
instrumento não apenas de geração de emprego e renda, mas
principalmente de transformação de uma realidade social ainda
injusta para muitos. É nessa linha de frente que o Sebrae se
posiciona, colocando toda a sua capacidade de trabalho a
serviço da qualificação profissional, do crescimento de novos
negócios, das descobertas de novas possibilidades de
desenvolvimento a partir do que o homem tem mais de precioso:
o seu conhecimento, a sua experiência de vida, a sua sede de
querer aprender sempre mais.501

Todo esse movimento de permanência/mutação eclodiu e se manifestou


na, como já foi dito antes, IV Pará EXPOJOIA Amazônia Design, de 28 de
novembro a 02 de dezembro, acompanhado de uma extensa programação
técnica e cultural, como o IV Encontro do Setor Joalheiro, composto de um
Workshop de tecnologia e Inovação no Setor de Gemas e Joias, uma Rodada
de Negócios, um Workshop de Fotografia de Joias e Gemas, lançamento de
catálogo da feira, apresentação da coleção de joias, desfiles, apresentações
culturais e sorteios de brindes. 502
Nesse evento, foi configurado também o apoio de vários órgãos estatais
federais, com a presença de Claudio Scilar, secretário Nacional de Geologia,

499 Documento impresso do Site do Governo do Pará, Da Redação, Agência Pará de 20 de


agosto de 2007.
500 Idem.
501 Idem.
502 Documento da Assessoria de imprensa do IGAMA, datado em 12 de novembro de 2007.
301

Mineração e Transformação Mineral de Minas e Energia, palestrando sobre


“Política Nacional para o Setor Mineral”, e de Elzevir Azevedo Guerra do
Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), que falou sobre “Fomento do MCT
para o Desenvolvimento de APLs de Base Mineral”. 503
Antes disso, a diretora executiva, Rosa Helena Neves, se reuniu em
Brasília, em 10 de agosto desse mesmo ano em destaque, com o MDIC, IBGM
e representantes do Ministério da Integração, a fim de discutir convênios de
recursos destinados a promoção e divulgação do ESJL. Assim como participou
da 45ª Feira Nacional da Indústria de Joias (Feninjer), a maior feira de joias da
América Latina, em São Paulo, de 4 a 7 de agosto de 2007. Assim foi se
reconfigurando o Polo Joalheiro institucionalmente.
Adentrei nesse mundo de joias, nesse ano também, como ministrante de
uma oficina de imaginário poético sobre a temática da IV EXPOJOIA, “Amazônia,
uma Viagem Mítica: A cultura a “Flor da Pele”, que fazia parte da programação
do IV Encontro do Setor Joalheiro, falado antes. Fui convidada pela Diretora
Executiva, que sabia de minha formação antropológica, pois tínhamos
trabalhado juntas em outras ocasiões, como já informei antes. Nessa época
desconhecia todo esse cenário exposto aqui.
Em 2008, houve uma reestruturação administrativa realizada pelo IGAMA,
com apoio da principal secretaria mantenedora do Polo, a SEDECT, na época,
expressando um novo cenário, em que a atual diretora executiva conseguiu mais
autonomia em sua gestão, em termos de composição da sua equipe. Foi nesse
momento que fui contratada, primeiro como consultora, depois como
coordenadora do Núcleo de Desenvolvimento Técnico e Organizacional do Polo
Joalheiro, iniciando assim minha história mais de perto com esse mundo das
joias. Fiquei nessa função até 2010, quando sai para fazer esse trabalho
acadêmico e porque enfrentava problemas graves de saúde.
Segundo Chartier,

É do crédito concedido (ou recusado) à imagem que uma


comunidade produz de si mesma, portanto de seu “ser
percebido”, que depende a afirmação (ou a negação) de seu ser
social. O porquê da importância da noção de representação, que
permite articular três registros de realidade: por um lado, as

503 Idem.
302

representações coletivas que incorporam nos indivíduos as


divisões do mundo social e organizam os esquemas de
percepção a partir dos quais eles classificam, julgam e agem;
por outro, as formas de estilização da identidade que pretendem
ver reconhecida; enfim, a delegação a representantes (
indivíduos particulares, instituições, instâncias abstratas) da
coerência e da estabilidade da identidade assim afirmada.504

Considerando essa concepção de Chartier, o período de 2008-2010,


também trata de minha história profissional nessa dinâmica social, sendo,
portanto, uma marca subjetiva, por mais que tente driblar nessa fabricação da
história do Polo. Não digo isso de forma tranquila, mais com muitas inquietudes,
inclusive metodológicas. Posso informar isso ou não? Serve a favor ou contra o
trabalho?
Encontro caminhos para refletir sobre tudo que escrevi até aqui, nesse
trabalho505, no texto de Jucá, que afirma:

Em todos nós há resquícios de memória que nos acompanham,


ao longo da vida, fazendo - nos aproximar do que parecia
distante, revelado através de diferentes representações, numa
possível “circularidade”, onde o passado rompe as barreiras do
tempo, pois permanece conectado ao presente, talvez na ânsia
de poder acatar, sem traumas, o indefectível futuro. (Portanto).
[...] A relação entre as práticas sociais e a maneira de concebê-
las, expressa por cada um dos envolvidos nas ações vividas, nos
convence do significado das representações no curso das
experiências históricas.(grifo meu)

Todavia, a indagação e a explicação no verso da capa do livro “Ensaios


de Ego-História”506, sobre a metodologia proposta no mesmo, tem que ser
levadas em conta, por isso mostro a seguir:

Que é ego-história? Não se trata de uma autobiografia


pretensamente literária, nem de uma profissão de fé abstracta,
nem de uma tentativa de psicanálise. O que está em causa é
explicar a sua própria história como se fosse de outrem, tentar
aplicar a si próprio, seguindo o estilo e os métodos que cada um

504 CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto
Alegre: Ed. Universidade, /UFRGS, 2002, p. 10-11.
505 JUCÁ, Gisafran Nazareno. Seminário da Prainha: limites e possibilidades da “ego-

história” como opção metodológica. Disponível em:


http://www.uece.br/mahis/dmdocuments/gisa.pdf. Acessado em: 16 de junho de 2016.
506
CHAUNU, Pierre; DUBY, Georges; LE GOFF; Jacques; NORA, Pierre (et al). Ensaios de
Ego-História. Lisboa/Rio de Janeiro: Edições 70, s.d.
303

escolheu, o olhar frio, englobante e explicativo que tantas vezes


se lançou sobre os outros. Em resumo, tornar clara, como
historiador, a ligação existente entre a história que cada um fez
e a história de que cada um é produto.

Esse, portanto, foi o percurso metodológico que escolhi seguir e vou


continuar a segui-lo, de modo a fazer de minha memória individual, em conjunto
com outras memórias, peças do “quebra-cabeça” que compõem uma memória
social do Polo Joalheiro, ao mesmo tempo que o torna resultado de uma
experiência marcada pela pluralidade e nunca uniformidade.

É com base nessas ideias e encruzilhadas, que detalho brevemente a


gestão de 2008 em diante. Início com a reunião ampliada de planejamento das
ações que ocorreu em janeiro de 2008, no dia 26 de fevereiro, com a participação
de ourives, lapidários, designers, lojistas, funcionários, consultores e diretoria,
ao todo participaram. 43 pessoas507, na qual foi aprovada a agenda de atividade
desse ano em destaque, de forma dialógica e com proposta de pactos
colaborativos.
Mas, por parte dos participantes do Polo, havia um forte clima de
desconfiança e revolta, o qual foi herdado de uma prática da gestão anterior, que
era a atuação da curadoria, composta por vários membros da gestão
administrativa e consultores, em que até 2007 esteve bastante atuante, cuja
função era fiscalizar e avaliar as joias comercializadas no ESJL, a fim de garantir
que a produção artesanal e local fosse mantida, e a compra de joias industriais
fosse impedida.
Nessa equipe tinha um designer, cuja função era verificar se estava sendo
empregado um designer inovador e com traços da cultura local nos trabalhos do
Polo; um mestre ourives e um profissional com formação de pós-graduação na
área da metalurgia, para averiguar a qualidade da fabricação das peças, em
termos da aplicação das técnicas da joalheria artesanal; dois profissionais, um
da lapidação e outro da gemologia, para examinar se as gemas usadas eram
naturais e locais; um profissional pesquisador da área da manipulação de
materiais naturais em produtos; e um técnico-administrativo do IGAMA. A seguir

507Relatório do Encontro de Avaliação das atividades de 2007 e oficina de trabalho: planejando


nossas ações de 2008-2009.
304

coloco trechos de um boletim de ocorrência feito por essa equipe, com a data de
28 de dezembro de 2007.

[...] Ao adentrarem a loja, a...iniciou o trabalho de observação da


peças, quando se deparou com uma medalha de santa com
raios em volta da mesma, logo em seguida o proprietário da loja
recolheu sorrateiramente da vitrine. [...] os curadores
selecionaram e solicitaram seis peças na loja, as quais não
foram entregues pela proprietária, alegando que as mesmas
iriam ser mostradas a uma cliente [...] e ao ser questionada sobre
um broche no formato de rosa vermelha com prováveis
diamantes relatou que o broche não era produzido aqui,
alegando que a curadoria sabia disso. O... questionou do porque
a joia estava na vitrine se não era produção local? A... então
respondeu [...] que todos sabiam que a maioria das peças das
lojas seriam produzidas em outro local e mandou que a curadoria
se preocupasse com as outras lojas e que “se quisessem briga
ela está a fim de briga”.508

Esse clima acirrado de conflito interno, repleto de intrigas e desafetos, foi


um dos principais obstáculos que a gestão do Polo Joalheiro, dessa época, teve
que enfrentar e buscar urgentes meios de resolver. O planejamento coletivo de
2008 foi um dos caminhos escolhido.

Todas as ações e atividades planejadas culminaram na configuração da


Exposição Joias de Nazaré de 2008,509 que teve como tema “A fé no tempo”,
com abertura no dia 2 de outubro desse mesmo ano.

508 Documento boletim de ocorrência de curadoria, Belém 28 de dezembro de 2007. Arquivo


IGAMA.
509 Que ocorre desde a primeira gestão do Polo Joalheiro.
305

Figura: Convite/ Imagem do Acervo do Museu do Círio/Joia Mandala Memórias Divina I da


designer Celeste Heitmann, ourives Joelson Leão e Lapidária Leila Salame/ Foto da joia: Leg.
Fonte: Arquivo do IGAMA.

Houve um Workshop de desenvolvimento de produtos Joias de Nazaré,


em julho de 2008, em que ocorreu uma palestra intitulada “o Iconismo Religioso
nas Artes Plásticas: uma visão semiótica”, proferida pelo professor/escritor/poeta
João de Jesus Paes Loureiro, com oficinas de design ministradas por Rosângela
Gouvêa e Tadeu Nunes, coordenado pelo NDTO, com um público de 13
pessoas, dividido em 11 designers, um produtor e um lojista. 510
Essa exposição teve um total de 48 peças. No catálogo (o primeiro) havia
41 peças novas e 17 antigas. Fato que gerou discordância entre a equipe de
curadoria e NDTO, pela questão de deixar entrar ou não peças antigas no
mesmo.
Decidiu-se por deixar entrar as antigas no catálogo e não na exposição no
ESJL, numa tentativa de negociação e mediação de tal conflito, por parte da
diretoria executiva. Mas isso não foi suficiente, vários membros da curadoria

510 Relatório de atividade de 2008. Arquivo IGAMA.


306

saíram da equipe e deixaram de atuar no Polo Joalheiro, por não concordar com
os “rumos” que estava tomando.
Desse modo, a curadoria, aos poucos, se transformou em um setor de
avaliação das peças e acompanhamento da produção das joias nas unidades
produtivas (nas oficinas de joias), de modo não mais somente punitivo, mas de
superação das deficiências produtivas, por meio de visitações agendadas de um
mestre ourives, Paulo Tavares; um designer de joias, Tadeu Nunes; e um técnico
administrativo do IGAMA, Thiago Gama. Trabalho esse que teve como resultado
o alcance da meta colocada pelo Sebrae, durante acompanhamento avaliativo
do funcionamento do Polo, de melhoria na qualidade do produto, conforme
consta em seu relatório de 2008, resultado de uma pesquisa de campo realizada
por um de seus consultores nas unidades produtivas.
Segundo relatório de uma dessas visitas técnicas, consta que o objetivo
da ação era “atender solicitação do produtor para apresentar técnicas de
preparação de resina, confecção de aplicação de ligas de solda e preparação da
prata,” a metodologia usada era “a contextualização de ação e sua importância
para todos os funcionários da unidade, produtor e Programa. Demonstrar o
desenvolvimento e aplicação das técnicas para os funcionários que a executam.”
Outro resultado dessas visitas foi uma aproximação maior da equipe
técnica do Polo e os produtores. Mas sem deixar de existir aqueles, uma minoria,
que se recusaram a receber a equipe técnica, os quais sempre dispostos a
expressar de alguma maneira que não aceitavam a gestão dessa época. A loja
Una foi a mais assessorada pela visita, por ser gerenciada pelo IGAMA, por isso
tinha condições de um maior controle, por seus expositores dependerem dela
para a comercialização de suas peças, configurando assim uma gestão coletiva,
nos moldes de um Arranjo Produtivo Local (APL), segundo o conceito do MDIC
E SEBRAE:

[...] aglomerações de empresas, localizadas em um mesmo


território, que apresentam especialização produtiva e mantêm
vínculos de articulação, interação, cooperação e aprendizagem
entre si e com outros atores locais, tais como: governo,
307

associações empresariais, instituições de crédito, ensino e


pesquisa. .511

Complementado por Costa,512

[...] como a concentração de quaisquer atividades similares ou


interdependentes no espaço, como não importando o tamanho
das empresas nem sua atividade podendo pertencer aos setores
primário, secundário ou terciário, sendo que esta conformação
sócio – econômica e geográfica visa o aumento da capacidade
competitiva através da eficiência coletiva.

Todavia, essa ideia não é consenso, pois de acordo com Chaves,

O que ficou evidente é que o setor de Gemas e Joias de Belém,


que deveria constituir como importante segmento econômico
mineral do Estado do Pará, o que de fato não é. Apresenta
diversos pontos críticos de produção e organização além do
gargalo tecnológico – acarretando em um baixo beneficiamento
mineral pela produção joalheira - e, consequentemente, afeta
sua comercialização, causando entraves para a geração de
emprego, renda, desenvolvimento de tecnologia e inovação às
MPMEs que constituem esse setor. E embora seja presente uma
política pública: Programa Estadual de Gemas e Joias do Pará
– a mesma ainda não atende as reais necessidades da produção
joalheira do Estado – [como se comprometia a ideia seminal],
visto que grande parte dos produtores ainda é informal, familiar
e de produção artesanal.513

Nas outras lojas, por gozarem de certa autonomia gerencial por contrato
de locação, o controle das peças ficou mais à mercê da adesão ou não de seus
empresários locatários de participarem dessa atividade. Considero que, por
conta do caráter coletivo, a loja Una. seja uma das que consegue uma maior
rentabilidade na venda de seus produtos,514 fazendo com que lojistas
entregassem o ponto, por não conseguirem se sustentar financeiramente, e se
integrassem a mesma.

511 SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS – SEBRAE.


Indústria de joias: lapidando a joia brasileira. Brasília: SEBRAE, 2006.______. Arranjos
Produtivos Locais. Disponível em: www.sebrae.com.br. Acesso 24 de setembro de 2012.
512 COSTA, Eduardo José Monteiro da. Políticas públicas para o desenvolvimento de
arranjos produtivos locais em regiões periféricas: um estudo de caso a partir de
aglomerações produtivas paraenses. Dissertação de Mestrado da UNICAMP. Campinas, SP.
513 CHAVES, Débora Almeida. O setor de Gemas e Joias de Belém – Um Arranjo Produtivo

Local? Texto apresentado no Congresso de Administração da América Latina, que ocorreu de


23 a 27 de setembro de 2013. Disponível em: www.arranjos e polo joalheiro. 1pdf. Acesso em
14 de março de 2014.
514
Relatório do Sebrae – Pa de 2010.
308

Isso tudo pode ser observado como uma dinâmica própria do Polo
Joalheiro/ESJL, que tem em si mesmo a força de se metamorfosear e continuar
a existir, num clima, ao mesmo tempo, de divergências, conspirações e de
alianças de autopreservação entre individualidades e segmentos sociais; assim,
nesse cenário, o Polo vem delineando sua história até os dias atuais.
Segundo os dados do relatório do IGAMA/Sebrae de 2008, a V
EXPOJOIA, realizada em dezembro, alcançou a meta de faturamento de 55%,
ultrapassando, desse modo, os 10% e 20% previstos respectivamente pelo
Sebrae e IGAMA.515 Assim como foi comparado o ano de 2007 com o ano de
2008, como mostram os dados no quadro a seguir:
Quadro comparativo de faturamento da EXPOJOIA
2007 2008 %
R$ 52.000,00 R$100.531, 70 Obteve um aumento de
93% em seu faturamento
de um ano ao outro.
Fonte: Relatório da EXPOJOIA de 2008 das consultoras Bernadete Almeida e Odília Azevedo.

No referido relatório, no de avaliação do IGAMA pela organização da V


EXPOJOIA, em termos de infraestrutura, marketing, programação técnica e
sugestões, foram apresentados os resultados no quadro a seguir:

Quadro de avaliação geral de gestão da V EXPOJOIA


ITEM AVALIAÇÃO %

EXC BOM REG


Nível de Participação 10 80 10 100
Organização do evento 10 70 20 100
Apoio Técnico 10 75 15 100
Fonte: Relatório da EXPOJOIA de 2008 das consultoras Bernadete Almeida e Odília Azevedo.

Desse resultado, a gestão pode constatar que, por um lado, já estava


conseguindo “legitimar” um trabalho perante um grupo de participantes, mas, por

515 Esse Relatório foi em parte subsidiado pelo Relatório setorial da EXPOJOIA de 2008,
realizado pelas consultoras Bernadete Almeida e Odília Azevedo, contratadas pelo Sebrae e
IGAMA para prestação de resultados para a SEDECT e órgãos de estado federais, a fim de
justifica liberação de orçamento para continuação do projeto Polo Joalheiro. Os dados desse
relatório foram coletados por meio de questionários aplicados aos 21 participantes da
EXPOJOIA.
309

outro lado, que era muito difícil agradar e corresponder às expectativas dos
participantes do Polo Joalheiro.
E foi nessa dinâmica que a gestão do IGAMA foi sendo e vem sendo
realizada no ESJL e, especificamente, no que diz respeito ao setor joalheiro
desse referido espaço, que, entre perdas e ganhos, elogios e críticas, disputas
de concepções e ações, vem conseguindo convencer o governo estadual,
federal e parcerias de que valeu e vale a pena dar “continuidade” ao Polo
Joalheiro, enquanto política pública. A prova disso está na permanência do
IGAMA, enquanto Organização Social, frente à gestão ESJL e do Polo Joalheiro,
mesmo com a mudança de governo estadual, que ocorreu, a partir de 2011,
quando Simão Jatene assume a gestão estadual, sendo reeleito em 2014. A
seguir faço alguns destaques da gestão do IGAMA, nesse novo contexto político.
Como não houve mudança brusca de gestão, como a de 2006 para 2007,
como retratei anteriormente, o Polo Joalheiro vivenciou essa passagem de
mudança de governo de modo mais tranquilo, segundo o relato de vários de seus
participantes e técnicos do IGAMA.516
Desse modo, em dezembro de 2011, o Laboratório de Gemologia do ESJL
recebeu 44 equipamentos novos, os quais foram adquiridos com recursos do projeto
“Inovação Tecnológica nos Modos de Fazer das Joias do Pará”, da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Pará (FAPESPA), por meio de um convênio firmado em
2009. Mas foram entregues oficialmente durante o Seminário de Avaliação do
Setor de Gemas e Joias: Desafios e Perspectivas, marcado para a terceira
semana de janeiro de 2012, no auditório do ESJL. 517
A entrega oficial dos novos equipamentos do Laboratório Gemológico do
Polo Joalheiro possibilitou que este, a partir de então, passasse a fazer parte da
rede de laboratórios credenciados pelo Instituto Brasileiro de Gemas e Metais
Preciosos (IBGM), por adquirir a condição tecnológica de avaliar as gemas
minerais utilizadas nas joias do Polo Joalheiro, evitando assim afirmações falsas
sobre a gema mineral, pois já haviam ocorrido denúncias por parte de clientes

516Entrevistas informais, mais conversas que fiz sobre isso no ESJL durante o acontecimento
de alguns eventos em 2013, com integrantes do Polo Joalheiro e técnicos do IGAMA.
517 POLO JOALHEIRO TEM NOVO LABORATÓRIO GEMOLÓGICO. Disponível em

espacosaojoseliberto.blogspot.com.br, dezembro de 2011. Acesso em março de 2013. POLO


JOALHEIRO TEM NOVO LABORATÓRIO GAMOLÓGICO. Disponível em
http://www.infojoia.com.br/news_portal/noticia_11853, em janeiro d 2012. Acesso em março de
2013.
310

de que foram enganados quanto à especificação de gemas em joias que


adquiriram no ESJL. Segundo um cliente, “comprei como gema natural e depois
descobri que não era, era sim de laboratório”.518 Portanto, esses novos
equipamentos podem, no caso de dúvida, certificar a procedência das gemas.
Servem tanto para os clientes como para os produtores, quando estes adquiram
as gemas.
A compra desses equipamentos foi possível pelo recurso financeiro
recebido do Projeto “Inovação Tecnológica nos Modos de Fazer das Joias do
Pará”, que foi submetido à Fundação de Amparo à Pesquisa do Pará (FAPESPA)
pelo NDTO/IGAMA e aprovado, por meio de um convênio firmado em 2009.519
A responsável pelo laboratório é a geoquímica/gemóloga Anna Cristina
Resque Meireles, que também é diretora do Museu de Gemas do Pará, desde
1996, instalado no ESJL. Segundo Rosa Neves, [...] “De posse das referências
repassadas pela gemóloga responsável, a equipe do projeto selecionou os
equipamentos e iniciou o processo de compra, concluído em 2010”.520
Nesse sentido, o controle de qualidade das joias para a comercialização,
por parte da gestão do ESJL/Polo Joalheiro saiu das “mãos” da curadoria e
passou a ser realizado com o acompanhamento técnico e tecnológico. Com a
perspectiva de atingir um dos principais objetivos do Programa/Projeto Polo
Joalheiro:
Dentre seus objetivos estão promover ações com
potencialidades de produzir melhoramento de qualidade dos
produtos já produzidos e inovações de produto e processos,
assim como subsidiar o processo de certificação para o produto
“Joias do Pará” como estratégia de fortalecimento de
competitividade, por meio da ampliação da capacidade
operacional dos equipamentos laboratorial, do apoio técnico à
elaboração de projetos de joias com aplicação de ferramentas
adequadas como softwares, dentro de padrões ergonômicos e
de novas tendências, os quais possibilitem agregar as inovações
do setor produtivo à concepção de novos produtos e da
produção de conhecimento técnico-científico especializado e
interdisciplinar para o setor joalheiro.521

518 Declaração de um cliente num documento de ocorrência do NDTO/IGAMA, datado de


agosto de 2010.
519
Texto jornalístico do www.espacosaojoseliberto.blogspot.com.br, janeiro de 2010.
520 Idem.
521 RELATORIO DO IGAMA PARA A FAPESPA. Prestação de Contas, das atividades de

2009 a 2010, apresentado em fevereiro de 2011.


311

Nesse caminho institucional, a gestão do Polo Joalheiro sempre tem que


enfrentar a necessidade de comprovar sua importância, a fim de convencer seus
mantenedores governamentais e outras parcerias a continuarem a apostar em
sua existência como um Programa/Projeto atrelado a políticas públicas de
âmbito nacional e governamental. Para tanto, precisa conseguir responder às
expectativas postas por estes mantenedores e estas parcerias, que se
modificam, se reconfiguram de acordo com os cenários políticos em hegemonia.
Por outro lado, precisa responder aos anseios dos segmentos sociais que
o compõem, de modo a garantir estabilidade funcional perante as frequentes
manifestações de divergências, promotoras quase sempre de conflitos verticais
e horizontais. Isso pode explicar em parte a coexistência das multifaces do
referido Polo Joalheiro, num intenso movimento de quereres de retornos e de
mutações, ao mesmo tempo.
Nessa direção, este, a partir de 2011 até hoje, por vivenciar, mais uma
vez, uma mudança de Governo Estadual e de diretrizes do Governo Federal, vai
se delineando institucionalmente na perspectiva de configurar uma nova faceta
para si, uma expressão da denominada “economia criativa”, que seria:
[...] a gestão da criatividade para gerar riquezas culturais, sociais
e econômicas, e abrange os ciclos de criação, produção,
distribuição/difusão, consumo/fruição de bens e serviços que
usam a criatividade, a inovação, a cultura e o capital intelectual
como insumo.522

Esse conceito surgiu:


[...] na Austrália, nos anos 1990, mas foi em 2001, na Inglaterra,
que o assunto foi popularizado. Em seu livro The Creative
Economy: How People Make Money From Ideas (Edição
Brasileira: Economia Criativa - Como Ganhar Dinheiro Com
Ideias Criativas (M. Books, 2012), o inglês John Howkins criou o
termo e definiu alguns pilares da nova economia. No Brasil, o
setor começou a ser oficialmente introduzido com a Secretaria
da Economia Criativa, criada em 2011, no âmbito do Ministério
da Cultura.523

Desse modo, o Governo Estadual, em parceria com o Ministério da


Cultura, criou a “Incubadora Pará Criativo”, que promoveu o “Ciclo sobre a

522 INFORMATIVO NOVEMBRO. Revista da Seicom, novembro de 2014, p.8.


523 Idem.
312

Economia Criativa”, de 2014 a 2015, envolvendo vários municípios paraenses,


setores do governo e outras instituições, como o IGAMA, o qual participou como
membro da referida incubadora e também como um dos promotores do citado
evento. 524
Como um “território criativo” que compõe a “Incubadora Pará Criativo”, o
Polo Joalheiro lança, em dezembro de 2015, uma nova linha de produtos,
marcada pelo marketing da sustentabilidade, inovação, qualidade e design. A
técnica inovadora apresentada nesses termos teve como base a reciclagem do
metal. A reportagem a seguir detalha tal lançamento.

Polo Joalheiro do Pará lança coleção de joias com técnica inovadora

Cores dos minerais, grafismo, asas de metal, verão marajoara, sinal de pureza, conexões, celtic
e vestígio são algumas temáticas da nova coleção. Foto: Divulgação/IGAMA

BELÉM - Transformar resíduos em joias com coloração diferenciada, sofisticação e


design arrojado, a partir de técnicas inovadoras de ourivesaria e respeito ao meio
ambiente. Esse é o conceito da nova coleção de joias em ouro e prata lançada pelo
Polo Joalheiro do Pará. “Metal-Morfose: A Transformação da Matéria” está aberta à
visitação pública, no Coliseu das Artes, do Espaço São José Liberto, até 31 de
dezembro, no horário de funcionamento do local.

Resultado de quase uma década de pesquisas realizadas por Paulo Tavares, mestre
ourives e pesquisador, que assina a coordenação técnica da exposição, a iniciativa é

524 Idem.
313

uma promoção do Governo do Pará, via Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e


Mineração (Seicom) e Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (IGAMA), organização
social que gerencia o Programa Polo Joalheiro. A mostra é composta por 44 joias,
criadas por Lídia Abrahim, Mônica Matos, Marcilene Rodrigues, Nilma Arraes e Argemiro
Muñoz, com produção e ourivesaria de Ednaldo Pereira, Paulo Tavares, Amajoia,
AmazonArt, Yemara, Silabrasila, Joiartmiro, Moa-Arãn e Mônica Matos Joias da
Amazônia.

A nova linha de produtos é marcada pela sustentabilidade, inovação, qualidade e design


com identidade cultural. Com preços que variam entre R$ 60,00 e R$ 2.350, 00, os
colares, braceletes, pingentes, prendedores de gravata, brincos e anéis traduzem a
cultura regional, revelando uma alquimia de cores, brilhos e formas. Cores dos minerais,
grafismo, asas de metal, verão marajoara, sinal de pureza, conexões, celtic e vestígio
são algumas temáticas da nova coleção.

São joias artesanais, que trazem elementos da fauna e da flora, passando por
representações da cultura amazônica e do próprio processo de manipulação e coloração
do metal. A matéria prima é de origem mineral e obtida por meio de processo
diferenciado, para formar elementos que geram novas cores. A técnica inovadora tem
como base a reciclagem do metal.

Nova técnica

Para criar a coloração das joias, Paulo Tavares associou à nova tecnologia outra
inovação desenvolvida no âmbito do Programa Polo Joalheiro: a “incrustação
paraense”, também conhecida como incrustação a frio. Com esta técnica, cores
especiais são obtidas em um processo que substitui a esmaltação e utiliza resíduos da
lapidação de gemas minerais ou de produtos orgânicos.

Após desenvolver a nova técnica, Paulo Tavares decidiu preparar a exposição, com o
apoio do IGAMA. O ourives convidou representantes de empresas que participaram do
curso de Metalurgia Básica e empreendedores parceiros, que acreditaram e apoiaram
314

sua experiência desde o início. “Não foi prometido nada para essas empresas, onde eu
entrava para dar dicas de conscientização ambiental e de como cuidar dos resíduos.
Eles confiaram e me entregaram esse material. Nada mais justo do que convidá-los
agora”, conta Paulo.

A ambientação é da designer Bárbara Müller, que utilizou tubos de ensaio e carvão


vegetal (óxido de carbono), além da prata (Ag 950) e do ouro (Au 18k). Também fazem
parte do ambiente da mostra elementos de origem mineral e orgânica, como casca de
ovo, hidróxido de ferro e metassilicato de cobre, usados na composição das cores. A
integração dos elementos com o produto final representa as diversas fases de
composição da matéria prima das joias.

O lançamento da nova coleção ocorreu durante o “III Workshop de Arranjos Produtivos


Locais (APL) de Gemas e Joias”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Gemas e Metais
Preciosos (IBGM) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenos Empresas
(Sebrae), com apoio da Seicom e do IGAMA.

Transformação

Foi na história que envolve a extração do ouro no Pará que a designer Mônica Matos,
da Joias da Amazônia, buscou inspiração para criar as coleções Paredão de Sonhos,
Rastros e Vestígio. O tema foi escolhido pela simbologia forte e amplitude para a
utilização das cores extraídas do metal utilizado - metassilicato de cobre, carbonato de
cobre e hidróxido de metais. Segundo ela, a coloração das joias faz referência às cores
dos locais de garimpo, dos barrancos e do próprio minério ali extraído. “Resolvi também
fazer um ‘link’ com essa questão poética, com os sonhos (dos garimpeiros), da escada
que levava aos sonhos”, explica a designer, que buscou outras referências históricas e
visuais ligadas à atividade, como os rastros e as crateras ou “grandes vácuos”.

Para o ourives Joelson Leão, proprietário da Amajoia, participar do trabalho foi válido.
Segundo ele, não houve dificuldade no manuseio do material. “O efeito é diferenciado.
É um elemento com uma química diferente que, quando entra em contato com outro, a
gente nem sabe que cor vai resultar”, diz ele, que usou tons terrosos nas joias que
produziu para a exposição. Joelson Leão foi responsável pelo aprimoramento da
incrustação paraense, técnica de ourivesaria desenvolvida por Paulo Tavares e
Argemiro Muñoz, pioneiros no Polo Joalheiro do Pará. Ele conseguiu obter um degradê
especial de cores misturando à resina pó de gemas minerais e orgânicas, entre as quais
coral, lápis lazuli, malaquita, turquesa, pirita, casca de ovo e carvão vegetal.

Com incrustação paraense de metassilicato de cobre, carbonato, hidróxido de ferro e


outros metais, a designer Nilma Arraes criou três coleções para a “Metal-Morfose”,
denominadas Asas de Metal, Verão Marajoara e Invernada Marajoara, produzidas pelas
empresas AmazonArt e Amajoias. Ela aprovou o novo material e acredita que o universo
de cores a ser descoberto é grande. Com a simbologia dos ciclos de vida da borboleta,
Nilma expressa a transformação, tanto do metal quanto da região do Marajó. “As joias
falam do Marajó, da seca e da enchente do lugar. E a borboleta é a metamorfose
acontecendo”, explica.

Sustentabilidade

O reaproveitamento de resíduos da produção de joias associado à técnica da


incrustação paraense diferencia a nova linha de produtos do Polo Joalheiro do Pará, um
exemplo do quanto a adoção de práticas sustentáveis é viável e contribui para o
equilíbrio ambiental. Com a proposta de beneficiar o meio ambiente, a pesquisa de
315

Paulo Tavares nasceu da reciclagem de resíduos de algumas unidades produtivas de


joias que participam do Polo Joalheiro. Ao reciclar o metal e gerar novos produtos para
a joalheria, evitando desperdício, o projeto prevê retorno financeiro ao setor e
beneficiamento para a agricultura.

“Todos os resíduos das unidades de produção são coletados, separados e


armazenados para posterior processo de reciclagem. O resíduo da reciclagem também
é reaproveitado, pois é rico em minerais, de acordo com os estudos do mestre ourives.
Foi identificada a oportunidade de transformação dessa sobra em adubos para a
agricultura, como óxido ferroso, óxido de carbono, cobre e outros”, explica Thiago
Albuquerque, coordenador comercial do IGAMA, que acompanhou toda a pesquisa.

Paulo Tavares despertou para essa pesquisa ao observar as manchas coloridas que se
formavam no metal, durante curadorias que prestou ao IGAMA. “Apareciam problemas
em algumas peças, como as manchas, que são comuns na joalheria. Vi que havia
manchas de todas as cores, e logo percebi que a origem delas era a formação de
minerais. Ou seja, um dos grandes problemas que enfrentávamos voltou-se a nosso
favor, com o aproveitamento das cores que provocam essas manchas”, acrescenta. A
partir daí, o desafio foi identificar e separar os elementos químicos causadores das
manchas e extrair matéria prima para diferentes opções de coloração.

Gemas vegetais

Inovação e criatividade têm destacado o trabalho do Polo Joalheiro do Pará, e Paulo


Tavares é o principal representante desses processos inovadores, que têm inspirado
outros profissionais do São José Liberto. Em 2010, o ourives lançou, em parceria com
o IGAMA, as “gemas vegetais”, produtos orgânicos oriundos de resina e pigmentos
naturais retirados de plantas e processados para utilização em joias e adornos regionais.
Com dureza similar à de uma pérola, as gemas vegetais podem ser encontradas nas
cores do chocolate, açaí, pupunha, abacaxi, pimenta e outras espécies regionais.

As joias da coleção “Metal-Morfose: A Transformação da Matéria” revelam, novamente,


o talento do pesquisador, oriundo de Pontas de Pedras, município do Arquipélago do
Marajó, que aos 16 anos iniciou o trabalho na ourivesaria, hoje desenvolvida por outros
membros da família, como o irmão Antônio Tavares, proprietário da Moa-Arãm.

A mostra é resultado das diversas etapas da pesquisa de Paulo Tavares, em que o


primeiro passo é o recolhimento, feito a cada seis meses, em média, do lixo acumulado
nas unidades produtivas. A prática evita que o material nocivo passe pela tubulação da
água para o esgoto ou vá para o solo. As sobras de metal, recolhidas das pias, bancadas
e do chão das oficinas, são separadas em recipientes adequados, trabalho que as
empresas participantes têm feito há cerca de cinco anos. Depois da etapa de separação
dos metais, dependendo da técnica usada, surgem cores variadas, como o óxido de
cobre, em tom avermelhado, e o carbonato de cobre, em tom esverdeado.

Decantação, incineração, imantação e peneiração são outras etapas do processo de


separação da prata e do ouro. Durante a reciclagem para obtenção dos metais nobres
podem ser percebidas impurezas do metal na formação de manchas escuras. O
coordenador Thiago Albuquerque lembra que essa sobra da reciclagem contém ácidos
pesados, que em contato com a natureza causam grande impacto ambiental.

Até essa fase, a prática é comum e feita artesanalmente ou por refinarias. É na etapa
de descarte da sobra da reciclagem do metal que a nova técnica de Paulo Tavares se
destaca. O ourives explica que as soluções coloridas são neutralizadas à acidez e, a
316

partir daí, surgem os minerais com coloração diferenciada. São minerais verdes, azuis,
vermelhos, amarelos e de outras cores, que depois de transformados em pó são usados
na produção das joias, com a técnica da incrustação paraense.

Nuances

As sete empresas participantes receberam de volta o ouro e a prata reciclados, e a


matéria prima utilizada na coloração da peças produzidas para a exposição. Para esta
coleção foram extraídas sete cores, reproduzidas em outras nuances, por meio da
mistura dos minerais extraídos da reciclagem. O maxicolar “Cores dos Minerais”, criado
por Argemiro Muñoz, com ourivesaria e produção da empresa Joiartmiro, avalia Paulo
Tavares, é a joia que mais revela a variedade de tons e cores que pode ser obtida por
meio da nova técnica.

O aproveitamento da sobra do processo é outro ponto positivo da pesquisa de Paulo


Tavares. A água destilada e os sais resultantes das etapas de reciclagem são
devolvidos para as empresas, para serem utilizados nos processos de fabricação das
joias. Além disso, a terra que sobra do processo é transformada em adubo, rico em
minerais.

Evolução

A técnica inovadora e a beleza das joias da exposição foram destacadas por Manuel
Bernardes, representante do Arranjo Produtivo Local (APL) de Belo Horizonte (MG). Ele
conta que tem acompanhando a evolução da joalheria no Pará desde a criação de sua
primeira coleção, baseada nos elementos tradicionais da cultura local. “A joalheria
artesanal paraense vem se libertando e encontrando uma identidade própria. É um
processo muito interessante de se acompanhar, e a evolução tem sido muito rápida.
Está de parabéns!”, frisa Manuel Bernardes.

Sobre a incrustação paraense e a inovação de Paulo Tavares, ele classifica,


simplesmente, “como extraordinárias”. “Não temos essa mesma técnica em Minas
Gerais, porque o Brasil tem muita dificuldade com esmalte. Essa técnica vem substituir
de uma forma muito adequada a questão da esmaltação. O processo é evolutivo e tem
que haver persistência, para que haja uma formação de massa crítica de designers e
ourives. O ESJL é um centro extraordinário, que une a técnica com a cultura e a tradição.
O resultado eu acredito que seja único no Brasil”, afirma.

Um ourives do Piauí, segundo Paulo Tavares, já demonstrou interesse em conhecer


melhor e aplicar a técnica inédita. O desejo do ourives marajoara é espalhar esse
conhecimento “pelo mundo todo”, para que seja amplamente divulgado, em especial
pela sua sustentabilidade.

Pesquisar, criar e transformar a matéria e a realidade, com foco nas questões


ambientais. A mente inventiva de Paulo Tavares já sinaliza projetos inusitados de
joalheria, dando continuidade à “Metal-Morfose”. “Esse é um produto inorgânico, que foi
resgatado para as oficinas em forma de cores. Provavelmente, lançaremos outra
coleção com produtos orgânicos pouco usados no setor joalheiro, também como uma
forma de proteção à natureza. Vamos trabalhar essa coleção de joias com produtos
orgânicos e, depois, pensar em outra, unindo os dois elementos: orgânico e inorgânico”,
adianta o mestre.
Fonte: http://portalamazonia.com/noticias-detalhe/economia/polo-joalheiro-do-para-lanca-
colecao-de-joias-com tecnicainovadora/?cHash=748612c86540f9f4d2afaced386a7542,
dezembro de 2015.
317

São esses os passos do Polo Joalheiro, na sua multiface institucional, que


vêm deixando pegadas estratégicas no presente para que o futuro ocorra no
sentido de beneficiá-lo na sua preservação enquanto parte de uma ou várias
políticas públicas.
Assim percebi, pela pesquisa e vivência com os interlocutores dela, que
há a coexistência de interesses individuais e coletivos, no sentido de
apropriações de discursos institucionais para melhor aceitação de seus produtos
no mercado e reconhecimento profissional, como também a re(construção) de
projetos coletivos e individuais, que visam, por um lado, o fortalecimento do fazer
artesanal das joias, como uma expressão artística com uma identidade local e,
por outro lado, a realização de um empreendimento comercial, nos moldes da
indústria das joias de âmbito nacional e internacional.
Pela parte governamental, o Polo joalheiro é uma vitrine para o mundo,
capaz de atrair investimentos internacionais, pautado no discurso da
sustentabilidade e da responsabilidade social e ambiental, para a realização de
ações intercaladas com as áreas de turismo, indústria e comércio, patrimônio
histórico-cultural, arte artesanal, técnico cientifica.
Contudo, é um lugar também que promove, ao mesmo tempo, a
transmissão de saber tradicional e acadêmico, que ora se complementam, ora
disputam espaços. Um lugar em que se compartilham aspirações individuais,
com estratégias de sobrevivência social, transpassado de relações geracionais
e de gênero, compondo assim uma complexa rede sociocultural, recheada de
memórias, esquecimentos e histórias. Nessa perspectiva, concordo com a
afirmação de Levi a seguir:

Assim, toda ação social é vista como resultado de uma constante


negociação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo,
diante de uma realidade normativa que, embora difusa, não
obstante oferece muitas possibilidades de interpretações e
liberdades pessoais. A questão é, portanto, como definir as
margens – por mais estreitas que possam ser – da liberdade
garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos
sistemas normativos que o governam. [...] Neste tipo de
investigação, o historiador não está simplesmente preocupado
com a interpretação dos significados, mas antes em definir
ambiguidades do mundo simbólico, a pluralidade das possíveis
318

interpretações desse mundo e a luta que ocorre em torno dos


recursos simbólicos e também dos recursos materiais. 525

Desse modo, considero o Polo um lugar onde o social não significa


conformidade, coesão, imobilidade, mas um conjunto de interrelações móveis,
dentro de configurações em constante adaptação de sobrevivência individual e
convivência, num cenário de constantes conflitos.

5.2. As joias do Polo no tempo do agora e no devir

Cópias ou criações? As joias do Polo Joalheiro de Belém do Pará


carregam em si a transformação de metais, gemas e vidas. Num embate se
seriam copias de joias de outros lugares ou criação local, em se tratando do fazer
artesanal ou joias feitas em outros polos joalheiros e vendidas no Polo.
O Polo, enquanto uma criação e resultado de políticas públicas, deve
apresentar uma joia feita artesanalmente, com características de elementos da
cultural local, mas com poder de ser comercializada mundialmente, segundo
documentos oficiais do governo estadual, desde a primeira gestão, em 2002, até
hoje, em 2016.
Num documento oficial do IGAMA, de 2010, consta que a produção deve
ser 100% local e artesanal; ênfase no design regional, considerado aquele que
agrega signos e ícones amazônicos, capazes de expressar a identidade cultural
da região amazônica nas peças criadas, que deve ser de 70%, e o design
universal, considerado aquele que reproduz joias de uso tradicional, considerado
de domínio público, como aliança, anel de formatura, anel solitário, aliança,
pingente de figa, de coração, de trevo, colar de pérolas e anel tipo marquise,
deve ser de 30%. 526
Assim, como somente é permitido o uso de correntaria e fechos não
artesanais, quando servirem como acessórios das peças fabricadas em âmbito
local e artesanalmente. Deve ter design inovador, acabamento, uso de materiais

525
LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. In: BURKE, Peter. A Escrita da História: novas
perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, p.135 –136.
526NORMAS E PROCEDIMENTOS PARA A PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE JOIAS E
GEMAS NO ESPAÇO SÃO JOSE LIBERTO/PROGRAMA DE DESENVOLVOIMENTO DO
SETOR DE GEMAS E METAIS PRECIOSOS DO ESTADO PARÁ, documento IGAMA de 2010.
319

naturais da região (sementes, madeiras, fibras, chifre, couro, osso), incrustação,


polimento, limpeza e cravação de gemas minerais e vegetais.527
Mais ainda, se deve usar 95% de prata pura e 5% de outros metais, como
o cobre, por exemplo, e 75% de ouro puro e 25% de outros metais, garantindo
assim o uso desse metal a partir de 18k. Devem ser usadas gemas naturais e
evitar uso de gemas sintéticas, exceto no caso de encomendas, quando o cliente
prefere, por conta da baixa de preço, mas este sempre deve saber quando
compra uma joia com gema natural ou artificial.528
Em termos de lapidação, as gemas devem ser beneficiadas 50% por meio
da tecnologia local e 50% por meio da tecnologia não disponível no Estado do
Pará, ou seja, em outros Polos nacionais com maior arsenal tecnológico.529
Esses critérios devem, portanto, compor a definição do padrão
institucional das joias do Polo Joalheiro, no que diz respeito à produção e
comercialização, os quais foram definidos por consultores internos e externos
num primeiro momento e colocados para a apreciação e discussão dos
participantes, em uma reunião com todos os segmentos sociais envolvidos, para
então se tornar um documento oficial de referência.
O controle maior desse padrão por parte do IGAMA se dá na loja Una,
como disse antes, por conta de sua gestão ser de responsabilidade do referido
instituto. Nas lojas alugadas, depende muito da concepção ética de cada
empresário(a), quando se trata de respeitar tais normas. O IGAMA tem mais
controle disso no caso de exposições coletivas no ESJL. Geralmente, o lojista
pode ser punido até com a perda de seu contrato de locação quando as
reclamações de clientes são recorrentes quanto à qualidade ou falta de
veracidade de informação em relação às peças ou gemas.
Joias do Pará ou Joias da Amazônia? O processo de denominação ou
marca das joias do Polo vem sendo acompanhado de divergências. Joias do
Pará é o nome/logomarca oficial que, de acordo com as entrevistas e minha
vivência com o lócus da pesquisa, agrada à maioria dos integrantes do Polo.
Joias da Amazônia aparece como marca de algumas exposições individuais,

527 Idem.
528 Idem.
529 Idem.
320

manifestando assim uma discordância em relação à marca das joias produzidas


com o aval do Polo Joalheiro.
Joias do Pará foi também o nome usado pelos empresários lojistas do
ESJL, que fazem parte da ação promovida pelo Sebrae, “Consorcio Joias do
Pará”, criado há cinco anos, a fim de qualificá-los para o comércio eletrônico de
exportação, o qual foi destaque na reportagem a seguir.
321
322
323

Contudo, mesmo usando a mesma marca, na reportagem anterior fica


claramente estampada a cisão entre esse consórcio e a gestão do IGAMA, com
o apoio do Sebrae, em 2014, pois o referido consórcio é composto pela maioria
dos lojistas ESJL e em nenhum momento da reportagem foi citado o IGAMA,
como parceiro ou mesmo o espaço, como lócus dessa ação.
A maioria dos participantes do consórcio Joias do Pará almeja a gestão
do ESJL, por isso não apoia a gestão atual. Tentou conseguir isso várias vezes
nos momentos de mudança de um governo para outro, para isso tentou
revitalizar, em 2012, a Associação dos Joalheiros do Espaço São José Liberto
no Estado Pará (Ajepa), criada em 2007, tentando convencer os demais
integrantes a apoiá-los, mas, segundo depoimentos de vários produtores e
324

designers, o clima de “pé de guerra” ao IGAMA os fez se afastarem da


associação, como também os conflitos entre os membros da diretoria expostos
nas reuniões” [...] “eles não se entendem”, pois [...] “cada um quer que seus
interesses pessoais prevaleçam, não tem espírito nenhum de grupo, de melhoria
para todos, por isso não apoio” 530
Um dos motivos desse clima de divergência entre, principalmente, os
lojistas e a gestão do IGAMA, acredito, que foi potencializado pela atividade de
supervisão das lojas realizada em 2011, em que o resultado foi exposto em um
relatório técnico, que apontava que muitos destes estavam comercializando [...]
“tipo artesanal (qualidade inferior) quanto industrial”,531, assim alguns não
estavam respeitando as regras estabelecidas.
Em outros momentos anteriores, foram realizadas visitas técnicas nas
lojas para supervisionar a qualidade das joias comercializadas e foram
constados muitos problemas, como: peças bastante arranhadas, sem
acabamento, sujas, amassadas, argolas abertas e cravação sem acabamento.
Como o parecer de que algumas lojas estavam comercializando joias industriais
vindas de outras regiões do Brasil.532
Também a escolha do logotipo foi motivo de discordância. Inicialmente o
Muiraquitã533 foi escolhido como símbolo do Polo joalheiro, como a logomarca a
seguir comunica:

530 Entrevistas realizadas em 2014, no ESJL, sobre a atuação da AJEPA.


531RELATÓRIO DE ATIVIDADE DE SUPERVISÃO DAS LOJAS DO ESJL, de 13 de outubro
de 2011.
532RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA, de 05 de junho de 2008.
533 Segunda uma versão de uma das Lendas Amazônicas: há muitos anos na região do Baixo

Amazonas, existia uma tribo composta por mulheres guerreiras chamadas ICAMIABAS, tais
mulheres não tinham marido e não deixavam ninguém se aproximar delas. Uma vez por ano as
ICAMIABAS realizavam uma festa em homenagem a Lua durante a qual recebiam os índios
GUACARIS em suas tabas, com quem se acasalavam. À meia-noite, elas mergulhavam no lago
e iam buscar no fundo a matéria-prima com que moldavam várias formas de animais (sendo a
do Muiraquitã a mais original) que ao saírem da água endureciam. Então, as índias guerreiras
presenteavam com esses objetos aos companheiros com quem haviam feito amor. Em
retribuição, os GUACARIS usavam o presente pendurado no pescoço, enfiados numa trança
feita do cabelo das mulheres, como um amuleto. No ano seguinte, as mulheres que tinham
parido, ficavam com as filhas e entregavam os filhos para os GUACARIS. Nos dias atuais, a
definição mais comum a respeito do Muiraquitã é de que são objetos zoomorfos (que possuem
forma de animais), em geral, sapos e rãs, e ainda servem como amuletos de sorte e fertilização.
Em Belém, até os dias atuais, alguns acreditam que quando uma mulher recebe de presente um
Muiraquitã, significa boa sorte para ela engravidar. RAÍZES ENCANTADAS. Disponível em:
http://raizesencantadas.blogspot.com.br/p/lendas-e-mitos.html. Acesso em março de 2014.
325

Fonte: Pará. Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio


Ambiente. Programa Paraense de Tecnologias Facetas das
Joias/SECTAM.PPTA. --Belém, 2002. 23p. : il. -- (Série Joalheiro, n.1)

Essa escolha foi pautada na ideia de fabricar no Polo Joalheiro uma joia
com identidade amazônica, por haver o entendimento de que:

Toda joia ao ser lançada no mercado traz consigo um tema na


qual foi inspirada, seja ele de caráter cultural ou não. O emprego
de temas culturais, em especial, acrescenta às joias uma
identidade visual, que acaba sendo reconhecida no mercado por
suas características que se diferenciam das outras, assim como
são diferentes nossas impressões digitais. São únicas.534

Desse modo, a escolha do Muiraquitã se justifica por considerá-lo um


ícone de identidade regional, cobiçado pelos mercados nacional e internacional
por sua originalidade, segundo pareceres técnicos. 535 Segundo Meirelles,

Os muiraquitãs, também conhecidos como pedra verde, são


artefatos líticos cuidadosamente esculpidos em várias formas
lembrando os traços batraquianos. É um dos símbolos do
expressivo desenvolvimento da cultura pré-colonial amazônica.
Trata-se de objetos confeccionados em minerais ou rochas de
elevada dureza. O termo muiraquitã foi discutido ainda no século
XIX por Rodrigues (1875) como produto de sua viagem de
exploração à região do Rio Nhamundá. Como o jade é desconhecido na
Amazônia, os muiraquitãs durante muito tempo foram
considerados vestígios de antigas culturas asiáticas.
Ultimamente se tornaram peças muito raras, encontradas em
museus totalmente descontextualizadas, o que dificulta elaborar
com exatidão seu significado e origem.536

534Pará.Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. Programa Paraense de


Tecnologias Facetas das Joias/SECTAM.PPTA. --Belém, 2002. 23p. il. -- (Série Joalheiro, n.1),
p.8.
535 Idem.
536
MEIRELLES, Anna Cristina Resque. Muiraquitã e contas do Tapajós no imaginário
indígena: uma análise químico-mineralógica dos artefatos dos povos pré-históricos da
Amazônia. Tese (Doutorado em Geoquímica e Petrologia) – Programa de Pós-Graduação em
Geologia e Geoquímica, Universidade Federal do Pará, Belém, 2011. Resumo.
326

Por essa escolha institucional, o Muiraquitã se tornou um motivo


recorrente das joias do Polo até os dias atuais, demostrando com isso uma
aceitação, por uma maioria de seus integrantes, como símbolo dessa joia, pois,
de alguma maneira, este artefato faz parte da expressão da cultural simbólica
local. Ocorrendo, nesse sentido, um compartilhar de significados entre gestores
e segmentos sociais do Polo, que, por isso, penso que afirma sua legitimação.
De acordo com Simões,

A encantaria amazônica. A paisagem composta e emoldurada


por rios e florestas significa para o amazônida, não apenas o
espaço de vida e trabalho num cotidiano repetitivo, mas também
o elemento mediador de uma ligação com o maravilhoso e com
o fantástico. Nessa paisagem, homens, animais, seres, rios,
florestas são vistos e observados com a perspectiva de
perscrutação e captação do sentido íntimo das coisas.537

Também Loureiro, como estudioso das lendas amazônicas, as considera


narrativas fantásticas, denominando-as de “encantarias amazônicas”, com
potencial para:

[...] transmitir uma lição, um ensinamento; explicar um fenômeno


ou orientar uma decisão. [...] Essas encantarias são afluentes do
caudaloso rio da cultura popular paraense que é o folclore
caboclo. As encantarias amazônicas são uma zona
transcendente que existe no fundo dos rios. [...] É dessa
dimensão de uma realidade mágica, que emergem para a
superfície dos rios e do devaneio, os botos, as iaras, a boiuna, a
mãe do rio, as entidades do fundo da água e do tempo. [...] Esses
prodígios poetizam os rios, os relatos míticos, o imaginário, a
paisagem – que é a natureza convertida em cultura e
sentimento.538

Como consultor externo do Polo, do início até os dias atuais, ele trouxe
essas considerações para o campo da joelharia do Pará, afirmando que a joia “é
um objeto artístico”, que precisa essencialmente da moldura do corpo humano,
por isso a joia nunca se separa de uma história dos humanos, vistos enquanto

537
SIMÕES, Maria do Perpetuo. Socorro. G. Mito e Rito em Contexto Amazônico In: Cultura e
Biodiversidade entre o rio e a floresta. Editora Belém: Gráfica Universitária - UFPA, 2001, p.3.
538
LOUREIRO, Jesus Paes. A arte como encantaria da linguagem. São Paulo: Escrituras,
2008, p.8.
327

produtores de signos que compõem culturas que formam identidades.539 Por


essa via de argumentação, afirma:

A joia é, portanto, uma forma específica, de arte que adquire


autonomia estética quando integrada ao corpo que a legitima: forma
artística da corporalidade. Nota-se, no entanto, que se há uma
universalidade configurativa da joia como arte inerente ao corpo, que
é o seu lugar, o seu instrumento legitimador como produção de
originalidade está intercorrente no jogo do campo cultural em que é
produzida. É da localidade dessa produção que nasce a sua
originalidade. A universalização dessa particularidade original lhe é
conferida pela técnica e a concepção de criatividade. Pelo design,
portanto.540

Dessa maneira, justifica a importância da criação de um design próprio


das Joias do Pará, que, segundo ele, deve ser a partir de elementos de sua
cultura, de seus materiais, a fim de adquirir força para se tornar uma expressão
simbólica dessa cultura, pois somente dessa forma vai conseguir sua
originalidade, “sua alma”.
Loureiro541 acrescenta ainda que para ser Joias do Pará não basta ter a
“marca Amazônia”, ou seja, não basta ser do Pará ou da Amazônia.

É necessário que [...] existam qualidades artísticas originais


perceptíveis nesse objeto. Seja na parte de invenção no design,
seja na plasticidade dos signos, seja no emprego de imagens
materiais e imateriais usados como intuição criadora, seja nos
próprios materiais de criação. E nisso a história cultural do Pará-
amazônico se constitui num acervo extraordinário. [...] A cultura
paraense-amazônica é produtora de signos. São fatores de
identidades e múltiplas identificações. 542

Loureiro, portanto, é um defensor do projeto Polo Joalheiro em


questão, alegando que a Amazônia tornou-se uma marca mundialmente
reconhecida de agregação de valores e, por ser o Pará Amazônia, há
possibilidades reais mercadológicas das Joias do Pará. Mas isso só se
concretizará se de fato existir uma joia com tal identidade criativa e inovadora
impressa num design paraense e com as qualidades de outras joias artesanais
consagradas por seu sucesso mercadológico.

539 _________. Joias com alma do Pará e coração da Amazônia. Texto digitalizado, s/d.
540 Idem.
541 Idem.
542 Idem.
328

Faço eco a essa sua defesa e digo mais, essa joia somente consegue
ampliar seu campo de consumo e, com isso, furar barreiras comerciais, se não
sucumbir a uma produção industrial apenas com intuito comercial imediato.
Acredito que o caminho é o do fortalecimento da joia artesanal com design de
fato paraense, incluída na esteira da “economia criativa”. Adiante, pode se ler
nas imagens possíveis caminhos para isso, sempre com uma necessidade de
aprimoramentos no fazer e no criar.
329

FIGURAS: Joias Muiraquitãs do Polo Joalheiro


Fonte: IGAMA/ Foto: IGAMA/divulgação.

Mas, como disse anteriormente, a marca do Muiraquitã não é consenso,


devido talvez a uma tendência de não se valorizar os signos culturais locais em
relação ao que vem de fora. Segundo ainda Loureiro,

De modo geral, aqui, lidamos muito mal com o imaginário na


Amazônia e não aproveitamos toda a riqueza que dele pode
advir. Temos a tendência de considerar que os signos culturais,
os signos originais de nossa cultura, as revelações do imaginário
são coisas superadas. São coisas de caboclo, ou índio, isto é,
não podem ser coisas importantes ou de grande significação.
Que valores podem vir de uma beira de rio e da história
indígena? São coisas do passado, coisas superadas, coisas
sem valor cultural ou artístico, reza um preconceito ainda
circulando na sociedade local.543

Há, nessa perspectiva, um discurso recorrente de que o restante do Brasil


não valoriza a Região Norte e também vivências de preconceitos por quem mora
ou já morou em outras regiões, por exemplo. No entanto, percebo no dia a dia
que o próprio nativo, de modo geral, não valoriza também os seus signos
culturais. Isso, no setor joalheiro, pode ser constatado, por meio da realização
de uma pesquisa, encomendada pelo IGAMA, entre usuários de joias em Belém,

543LOUREIRO, João de Jesus Paes. Símbolos e Imagens da Cultura Material e Imaterial no


Processo de Criação da Joia Amazônica. In: NEVES, Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela
da Silva; PINTO, Rosângela Gouvêa e Anna Cristina Resque Meirelles (organizadoras). Joias do
Pará: design, experimentações e inovação tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu,
2011, p. 61.
330

cujo objetivo principal foi detectar os hábitos e avaliar o mercado consumidor de


joias no município de Belém. Foi realizada pelo Instituto de pesquisa Acertar,
com a execução de 651entrevistas, que demonstraram os seguintes
resultados:544

✓ Sobre a marca de joia preferida: 50,8% preferem Romanel, 12,3%


preferem Vivara e 6,2% preferem Polo Joalheiro.
✓ Onde costuma comprar joia: 25,3% Representante, 24,6% Joalheria de
Rua, 21,7% Joalheria de Shopping, 11, 7% Sacoleiro, 8,3% Boutique de
Rua, 2,9% Polo Joalheiro, 2,6% Ourives e 2,9% Outros.

Desse modo, um dos obstáculos a ser vencido pela gestão do ESJL/Polo


Joalheiro é aumentar o consumo de usuários de joias local, ou seja, tem que se
conquistar cada vez mais o consumidor local e tornar o Polo joalheiro mais
conhecido pela população de Belém, pois, segundo a referida pesquisa, 26,0%
dos entrevistados nunca ouviu falar no Polo, 31,6%, ouviu falar somente de
nome, e 42, 4% já esteve lá.
Ainda, segundo a pesquisa, o público que frequenta o ESJL/Polo
Joalheiro, em sua maioria, pertence à classe economicamente identificada como
A e B. Como também a existência de certo preconceito em relação ao referido
espaço, alguns alegaram que não entram lá porque foi um presídio e, por isso,
deve estar cheio de energia “negativa”, além do que foi recorrente, entre as
classes B e C, apontarem o ESJL como um local de elite.
Diante de tais resultados, a gestão do ESJL/Polo Joalheiro/IGAMA vem
realizando ações voltadas para resolver esses gargalos referentes à realidade
mercadológica local. Pois, a joia do Polo geralmente vem sendo bem aceita
nacional e internacionalmente, somente precisa ampliar o espaço de
comercialização. Isto ocorre, principalmente, por meio da participação do Polo
em feiras nacionais e internacionais de Joias, assim como pelo comércio
eletrônico, que vem se intensificando, principalmente, com o retorno da parceria
entre IGAMA e SEBRAE, no primeiro semestre do ano corrente. 545

544 INSTITUTO ACERTAR. Pesquisa com usuários de joias no Município de Belém. Relatório
de Pesquisa. Belém, setembro de 2008.
545 RELATÓRIO DE GESTÃO DO IGAMA, junho de 2016.
331

Mas, antes disso, a gestão do Polo joalheiro investiu e realizou workshops


Internacionais de Design e Ourivesaria por três anos consecutivos, 2008, 2009
e 2010, ministrado pelo Designer italiano Stefano Ricci e pelo crítico de arte e
mestre ourives, também italiano, Claudio Franchi, a fim de investir na
potencialização de um percurso voltado, de forma articulada, para a capacitação,
comercialização e divulgação do ESJL/Polo Joalheiro. 546
No que diz respeito ao “signo” da marca da joia do Polo foi escolhida a
“cobra grande”, por meio de uma pesquisa iconográfica sobre os símbolos
culturais locais, sendo justificada tal opção da seguinte maneira, por Ricci:

Não menos interessante resultou a representação naturalística


da “cobra”, desenvolvida em sugestivas geometrias
“narradoras”, também de grande complexidade e de notável
qualidade de composição, não raramente exaltadas por um
surpreendente e moderníssimo ritmo pulsante, por uma elegante
harmonia, resultado valioso de um complexo pensamento e de
sabedoria artesanal.547

Ele explicou que tal inspiração criadora teve como base as ideias de
Schaan548 sobre a linguagem iconográfica da cerâmica marajoara, particular no
que concerne a “cobra” presente em seus traços em várias formas geométricas,
que a referida autora denomina de “serpente mítica”. De acordo com a imagem
a seguir:

546 RELATÓRIO DE GESTÃO DO IGAMA, 2008, 2009 e 2010.


547 RICCI, Stefano. A Cultura de Projeto para uma Criatividade Consciente, Livre e Poética.
In: NEVES, Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela da Silva; PINTO, Rosângela Gouvêa e Anna
Cristina Resque Meirelles (organizadoras). Joias do Pará: design, experimentações e inovação
tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011, p11.
548 SCHAAN, Denise Pahl. A Linguagem Iconográfica da Cerâmica Marajoara. Dissertação

(Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
PUC/RS, 1996.
332

Figura: A Serpente Mística.


Fonte: SCHAAN, Denise Pahl. A Linguagem Iconográfica da Cerâmica Marajoara.
Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre. PUC/RS, 1996, p.14.

Ricci549 considerou que as cerâmicas apresentam imagens que podem


ser remetidas às artes visuais antigas e, ao mesmo tempo, contemporâneas, que
podem sugerir valores expressivos e simbólicos, universais e locais. Segundo
ele:

Algumas combinações mostram surpreendentes similaridades e


elementos de coincidência com aqueles encontrados na
pesquisa, não obstante a originalidade e a autonomia cultural
(por razões geográficas e temporais) da arte pré-colombiana no
arquipélago do Marajó, justamente considerada entre as mais
interessantes do planeta, além da América Central.550

As joias do Polo ainda carecem de uma logomarca, porque acredito que


a comunicação visual auxilia na sedimentação de valores, conceitos,

549 RICCI, Stefano. A Cultura de Projeto para uma Criatividade Consciente, Livre e Poética.
In: NEVES, Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela da Silva; PINTO, Rosângela Gouvêa e Anna
Cristina Resque Meirelles (organizadoras). Joias do Pará: design, experimentações e inovação
tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011.
550 Ibidem, p. 15.
333

sentimentos, e contribui para agregação de sentidos socioculturais, que podem


contribuir para o fortalecimento de experiências coletivas, freando assim
posturas individualistas. O que ocorre hoje no Polo é que cada empreendimento
de produção, criação e comercialização de joias pode ter sua própria marca
A meu ver, como empreendimentos individuais são benéficos à
diversidade de logotipos, mas como um programa/projeto que faz parte de
políticas públicas pode ser estratégico criar uma identidade visual, em processos
de escolhas coletivas, como, por exemplo, submeter em votação numa reunião
ampliada com os segmentos sociais que compõem a cadeia produtiva das joias,
fazer concurso público aberto a estudantes da área de designe gráfico da rede
pública e privada, ou mesmo fazer parceria com meios de comunicação de
massa, para que o público escolha uma logomarca entre várias previamente
elaboradas e aprovada pelos integrantes do Polo Joalheiro, como forma de
legitimação coletiva, por meio de um “poder simbólico”, nos moldes definidos por
Bourdieu,:551 como um “poder invisível, que só pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que estão sujeitos a esse poder ou mesmo daqueles que
o exercem.”
Ou seja, o poder simbólico é um poder quase invisível, que permite obter
o equivalente daquilo que é obtido pela força física, punitiva ou econômica, e só
se exerce se for reconhecido, o que significa que ele acaba sendo ignorado,
passa despercebido. Assim, o poder simbólico é uma forma irreconhecível e
legitimada. Uma identidade visual em conjunto com um design paraense-
amazônico pode fazer com que o Polo possa vivenciar um “poder simbólico” a
seu favor, no sentido de alcançar uma melhor integração social, sem sacrificar
as aspirações individuais de seus integrantes, além de possibilitar encontros de
interesses entre segmentos sociais e a gestão Polo.
Outro aspecto que pode somar para fortalecer a joia artesanal com
designer com digital do Polo Joalheiro é a potencialização da presença de um
imaginário criativo vinculado a símbolos culturais locais impressos nas joias.
Contudo, fazer uma joia assim não é tarefa simples, requer atuação em
conjunto de vários tipos de habilidades, que parte de um design inovador, ou
seja, aquele que consegue traduzir num só produto funcionalidade ergométrica

551Bourdieu, Pierre. Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 1998, p.7-8.


334

(uma interação entre segurança, conforto, bem estar e praticidade),552 uma


estética em estado de arte sedutora para uso,553 melhoria na maneira de
produção, benefício sustentável ao meio ambiente, com uso de materiais
naturais regionais descartados pela natureza,554 associado com as
necessidades dos usuários e mercadológicas.555
Como envolve um trabalho de ourivesaria/joalheria artesanal com
concepção de obra de arte, no sentido de criar e imprimir uma marca que se
diferencie de todas as outras. Segundo o mestre ourives/joalheiro Paulo
Tavares:

Feito a mão também pode ser uma obra de arte. As obras de


arte são aquelas peças diferenciadas, uma peça artesanal é uma
peça comum, vamos dizer, tu chega com uma encomenda de
uma aliança. Eu já tenho o laminador que agiliza o processo.
Outro vai limar, só que é uma coisa simples e manual. Uma obra
de arte não deixa de ser arte porque é artesanal, porque eu tive
a minha dificuldade para fazer uma peça detalhada, então ela se
torna uma obra de arte artesanal ligada à arte. Na arte não existe
aquela coisa da peça antiga, peça velha. Eu posso pegar uma
peça que tem 10 mil anos e não ser uma peça de arte, uma
aliança quadrada, chata, ela pode ter um milhão de anos e
continua a ser uma peça copiada. Agora tem aquelas peças que
se destacaram porque têm detalhes únicos que se diferenciam,
que são autorais, porque ninguém mais faz. Eu falo para os
ourives criarem qualquer coisa com uma marca própria de
criação e criar sua própria marca de identificação das peças.
Tipo nas minhas eu coloquei com se fosse um olho mágico, pois
quando alguém falar que são minhas, eu posso ter certeza se
são ou não.556

Nesse sentido, os processos de fabricação das Joias do Polo devem


demonstrar traços de inovação tecnológica e artísticos. Como, por exemplo, o

552 FERREIRA, Felipe Braun. Um olhar ergonômico sobre o design de joias. Trabalho de
Conclusão de Curso (Design com habilidade em Design de produto). Universidade do Estado do
Pará. Centro de Ciências Naturais e Tecnologia. Belém, 2008.
553 PINTO, Rosângela Gouvêa. O Estado da Arte do Setor de Gemas e Joias no Município

de Belém – Pará. Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Gestão dos


Recursos Naturais e Desenvolvimento Local – PPGEDAM. Linha de Pesquisa: Uso e
Aproveitamento dos Recursos Naturais. Ufpa, 2012.
554 QUINTELA, Rosângela da Silva. Um Design Inovador nas Joias do Pará. In: NEVES,

Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela da Silva; PINTO, Rosângela Gouvêa e Anna Cristina
Resque Meirelles (organizadoras). Joias do Pará: design, experimentações e inovação
tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011, p. 99.
555
CHAGAS, Fonseca Clarisse e PINTO, Rosângela Gouvêa. Classificação da joalheria
Paraense a partir dos processos produtivos e inserção da cultura local. Texto apresentado
no 9° Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, em 13 a 16
de outubro de 2011.
556 Entrevista gravada em sua oficina/casa em10 de junho de 2013.
335

uso da “incrustação paraense” e uso de gemas naturais com grafismo Marajoara


(lapidação de autoria de Leila Salame, de quem já falei antes), como também
gemas vegetais fabricadas com materiais descartados pela natureza(de Paulo
Tavares, das quais já falei também antes).
A “incrustação paraense” refere-se ao uso de uma técnica de
ourivesaria/joalheria que usa pó feito de diversos materiais orgânicos na “pintura
das joias”. Segundo Paulo Tavares,557 ele aperfeiçoou a técnica comum e
tradicional de incrustação, reaproveitando resíduos de vegetais, como, por
exemplo, do pau amarelo, urucu, folha da mandioca, e passou a ensinar aqueles
que trabalhavam em sua oficina. Joelson Leão trabalhava em sua oficina e
aprendeu então com Paulo Tavares essa técnica, e depois montou sua própria
oficina e passou a usar em suas próprias joias. Joelson hoje é considerado um
dos melhores ourives, pela gestão e por sua clientela interna e externa do Polo.
Segundo Abrahim,558 a técnica da “incrustação paraense” de joias,
denominada assim por ela, foi ensinada, primeiramente, no Polo pela instrutora
Lídia HirokoYugue, quando ministrou o curso intitulado “mosaico de pó de pedra
na joalheria”, em 1999, no início do processo de implantação do
Programa/Projeto Polo Joalheiro. Joelson Leão foi aprimorando o que ela
denominou de “pintura feita no metal”, utilizando pó feito de sementes e caroços
triturados, como, por exemplo, do inajá e tucumã. E depois, a esposa de Joelson,
Andreia Marques, se especializou na técnica e passou a ser responsável em
aplicá-la.
Joelson Leão afirmou que tal técnica é conhecida entre os
ourives/joalheiros como “incrustação a frio” e a usa porque possibilita agregar as
joias figuras da fauna e da flora, sem perder a riqueza do colorido natural das
mesmas.559 A técnica em destaque pode ser vista na peça, com design de Lídia
Abrahim e feita por Joelson Leão, a seguir:

557 Idem.
558 ABRAHIM, Lídia Mara Pereira. A Técnica da incrustação paraense: ilustrada através da
coleção de joias "Mangueirosas". Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Design)
- Universidade do Estado do Pará, Belém, 2007.
559 COSTA, Socorro. Incrustação Paraense: Inovação no Aproveitamento da Gema Orgânica

na Joalheria Artesanal. In: NEVES, Rosa Helena N; QUINTELA, Rosângela da Silva; PINTO,
Rosângela Gouvêa e Anna Cristina Resque Meirelles (organizadoras). Joias do Pará: design,
experimentações e inovação tecnológica nos modos de fazer. Belém: Paka-Tatu, 2011.
336

Figura: Joias da exposição “Encanto Amazônico”


Fonte: O Liberal de 03 de 11 de 2012/ Foto: Camilla Lima

Como pode ser verificado no todo do trabalho, as Joias do Polo já


conseguiram uma respeitabilidade na área da joalheria e uma relativa aceitação
no mercado nacional (vêm sendo expostas nas principais feiras de joias do País)
e internacional (já foram expostas em feiras de joias em Lisboa, Paris, Roma,
Pequim, Tóquio, entre outras).
E o devir de tudo isso? Segundo depoimento da diretoria executiva do
IGAMA, Rosa Helena Nascimento Neves,560 “o caminho a seguir agora é pelo
“Arranjo Produtivo Local de Moda e Design – Polo Metrópole.” Esse projeto foi
formalizado num evento no ESJL, em 03 de fevereiro de 2016.
O referido projeto é fruto de uma parceria do Governo do Pará, por meio
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia
(SEDEME), Núcleo Estadual de Arranjo Produtivo Local (NEAPL)/ PA e Instituto

560 Entrevista gravada no ESJL, em 20 de junho de 2016.


337

de Gemas e Joias da Amazônia (IGAMA), com apoio dos ministérios do


Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Midc) e da Cultura (MinC).
O evento em destaque foi composto por um desfile de moda e a abertura
da exposição “Potências Amazônicas: Biodiversidade e Diversidade Cultural na
Belém 400 Anos”. Segundo Rosa Neves,
O Plano de Desenvolvimento do APL de Moda e Design,
resultado do Edital nº 3/ 2013, promovido pelo Midc e MinC, foi
elaborado por integrantes do coletivo intersetorial, que abrange
o público, o privado e o Terceiro Setor. As áreas de
conhecimento multidisciplinar contam com o apoio de
instituições de educação superior; turismo; tecnologia e
inovação; cultura; economia; movimentos setoriais; associações
e organizações; fomento ao empreendedorismo; capacitação
profissional; economia criativa; bancos; fazenda e tributo;
artesanato e manualidades; moda; design de joias; fornecedores
de matérias primas; meio ambiente; empreendedorismo e
federações.561

Participam desse empreendimento 40 empresas e 30 empreendimentos


informais ingressarão no arranjo. A escolha pela APL é porque vai beneficiar
diversos segmentos sociais do campo das criações culturais e funcionais de
moda e design, de modo a aglutinar parcerias de articulação, interação,
cooperação e aprendizagem, envolvendo, assim, setores do governo,
associações empresas, instituições de crédito, ensino e pesquisa, afirma Rosa
Neves, que acredita que esse é o melhor caminho para fortalecer cada vez mais
o Polo Joalheiro e, assim, garantir a continuação de sua existência.
Esse prosseguir já gerou um fruto, a exposição coletiva de joias
“Potências Amazônicas”, que foi aberta ao público no mesmo evento da
assinatura do plano do arranjo em destaque, acompanhado por um desfile de
joias, em que foram apresentadas nove coleções entrelaçadas com a moda, o
design e as artes plásticas.

561. Arranjo produtivo local de moda e design é formalizado no São José Liberto. Disponível em:
http://www.seplan.pa.gov.br/arranjo-produtivo-local-de-moda-e-design-%C3%A9-formalizado-
no-s%C3%A3o-jos%C3%A9-liberto. Acessado em 02 de agosto de 2016.
338

Figura: Convite da Exposição


Fonte: IGAMA/Divulgação.

Participaram como expositores estudantes de Moda e Design de produto,


31 criadores e designers profissionais, 40 empresas, empreendedores
individuais e microempresas, 70 profissionais prestadores de serviços dos
setores de moda, joias, artesanato, e artes plásticas, cinco curadores, oito
consultores e um coletivo de criadores, bem como a participação especial do
pesquisador e mestre ourives Paulo Tavares. A composição artística e visual da
mostra é da designer Barbara Müller.562

562Arranjoprodutivo local de moda e design é formalizado no São José Liberto. Disponível em:
http://www.seplan.pa.gov.br/arranjo-produtivo-local-de-moda-e-design-%C3%A9-formalizado-
no-s%C3%A3o-jos%C3%A9-liberto. Acessado em 02 de agosto de 2016.
339

Figura: Exposição "Potências Amazônicas". Foto: Leandro


Santana/AIB
Fonte: Agência Pará de Notícias

A “Sinestesia da Floresta”, também já foi outro resultado desse arranjo,


em que apresenta joias criadas de maneira coletiva, por reunir diversos setores
criativos. Segundo Rosa Neves,

[...] essa ação coletiva revela, a partir de seus talentos


individuais e de sua valiosa rede de prestadores de serviços
criativos, possibilidades de promover o desenvolvimento do
setor joalheiro, seguindo percursos dialógicos entre a inovação,
os valores intangíveis da cultura amazônica e do design,
comunicando a invenção inovadora, a diversidade e o
desenvolvimento do setor joalheiro, tendo como referência a
sustentabilidade ambiental, econômica e cultural.
340

Figura: “Exposição Sinestesia da Floresta Foto: Leandro


Santana/AIB
Fonte: IGAMA/Divulgação.

Desse modo, finalizo aqui o percurso dessa pesquisa histórica, expondo


o pensamento de Barros a seguir, por considerar pertinente suas afirmações:

Quando se diz que “a História é o estudo do homem no tempo”,


rompe-se com a ideia de que a História deve examinar apenas
e necessariamente o Passado. O que ela estuda na verdade são
as ações e transformações humanas (ou permanências) que se
desenvolvem ou se estabelecem em um determinado período de
tempo, mais longo ou mais curto. Tem-se aqui o estudo de certos
processos que se referem à vida humana numa diacronia– isto
é, no decurso de uma passagem pelo tempo – ou que se
relacionam de outras maneiras, mas sempre muito
intensamente, com uma ideia de ‘temporalidade’ que se torna
central neste tipo de estudo.

Nesse contexto, entre encontros e desencontros, e múltiplas ideias e


ações, a gestão do Polo Joalheiro e seus integrantes demonstraram que são
possíveis pactos de (re)construções, e, assim, garantir possibilidades de
superações de desafios e de ir em frente, por meio de várias veredas, sem
precisar de slogan de vitimização ou demonização, de forma maniqueísta, mas
sim de reconhecimento de sociabilidades e realizações existenciais, num
permanente devir por experiências temporais recheadas de vivências e
concepções, concomitantemente, socioculturais e individualizadas.

Pois, segundo Certeau,


341

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de


produção socioeconômico, político e cultural. Implica um meio
de elaboração circunscrito por determinações próprias: uma
profissão liberal, um posto de observação ou de ensino, uma
categoria de letrados etc. Ela está submetida a imposições,
ligada a privilégio, enraizada em uma particularidade. 563

Por isso tudo, sempre na escrita da pesquisa há faltas, falhas e limites, o


não dito, o dito, mas este proibido de ser dito. Contudo, foram muitos esforços
para chegar até esses resultados. Por aqui, então, apreensivamente, coloco um
ponto final no desenvolvimento do trabalho.

563 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p..47.
342

Conclusão
Considerações de um fim que é um recomeço

[..] o grande ímã de desejo do artesão de joias –a


criação de objetos que tenham, dentre suas funções,
uma dupla dominância: estética e mercadológica.
São objetos artísticos e, ao mesmo tempo,
mercadoria. Acendem uma vela à gratuidade da
estética e outra ao mercado!
(João de Jesus Paes Loureiro)

Como afirmei na introdução, uma pesquisa sobre qualquer assunto não


acaba, mas é abandonada ou recomeçada. É nesse sentido que exponho as
principais conclusões e reflexões oriundas desse percurso acadêmico feito até
aqui, a fim de organizar, analisar e interpretar resultados de uma pesquisa sobre
a história e memória do Polo Joalheiro de Belém e de alguns de seus sujeitos
participantes, com foco na criação e fabricação de joias artesanais.
Mas, antes, lembro que uma das problemáticas principais que inspirou a
elaboração do referido trabalho, foi querer investigar se essa joia é capaz de
garantir a sobrevivência de seus criadores e fazedores estética e
mercadologicamente e, por extensão, do próprio polo estudado, diante da
hegemonia que as joias industriais possuem quando se trata das duas citadas
dominâncias.
As conclusões e reflexões que emergiram do trabalho dão, ao meu ver,
condições argumentativas de afirmar que sim, que esse é um caminho possível,
ou melhor, que esse é o único caminho que pode quebrar barreiras que
aparecem como instransponíveis, desde que seja de fato uma joia artesanal com
uma digital estética, geográfica e sociocultural reconhecida pelo setor joalheiro,
como, por exemplo, é nossa comida no mundo da gastronomia, capaz de ser
mais latente do que a cultura da cópia que nos acompanha historicamente, como
foi mostrado na introdução do trabalho
Para tanto, tem que ser e não dizer que é, mas não é. Em outras palavras,
os mantenedores, gestores, parceiros e segmentos sociais da cadeia produtiva
do setor joalheiro do Polo têm que acreditar que esse é o caminho e se
comprometer efetivamente com isso. Não basta sonhar com uma “Joia do Pará”,
343

desejar fazê-la, tem que ser feita, mas de forma legitimada por todos os setores
envolvidos e não imposta.
Como afirmou João de Jesus Paes Loureiro, em uma de suas
participações num dos encontros nacionais do setor joalheiro, que ocorreu no
ESJL, “não se pode acender uma vela a Deus e outra ao Diabo”, ou seja, não se
pode dizer que se faz uma joia artesanal e não se faz, ou propor-se a fazer uma
joia com inovação tecnológica sustentável e design inovador a partir da
biodiversidade e da originalidade da cultura Amazônica, e lá no fundo rejeitar,
desprezar essa cultura, assim como esse modo de criar e fazer; ou mesmo ser
indiferente a tudo isso.
Um dos principais empecilhos que têm se enfrentado para esse caminho
dar mais certo é driblar a cultura de considerar o que é bom vem lá de fora.
Portanto, se faz necessário criar estratégias para seduzir mais o público local a
conhecer e apreciar as joias do Polo Joalheiro, mas sem apostar numa
mentalidade regionalista xenofóbica ou reducionista
Além de fortalecer, entre os componentes do Polo Joalheiro, uma visão
de estar no mundo sem se soltar de suas raízes culturais, e que se pode fazer
uso destas como uma estratégia a favor da valorização da produção de joias
locais artesanais.
Considero vantagens materiais e simbólicas ter um polo joalheiro e apoio
governamental que investe no setor joalheiro para se alcançar novos patamares
de valorização dessa joia, mas de nada disso adianta se os próprios segmentos
sociais desse setor não valorizarem essas vantagens e não acreditarem nesse
caminho proposto.
A configuração aqui de uma versão da história sociocultural do Polo
Joalheiro, em conjunto com um delineamento de trajetórias de vida vinculadas
aos mundos da joia artesanal, pode servir para que esses segmentos conheçam,
de forma mais sistematizadas, o que já foi feito e o que ainda pode ser feito em
prol do setor joalheiro.
Como também resultado direto da pesquisa histórica, pude compreender
o Polo Joalheiro como um lugar de memórias repletas de significados
existenciais, manifestos nas múltiplas experiências de sucesso de realizações
pessoais, profissionais e comerciais, no âmbito do criar e fazer joias artesanais,
apesar disso não se dá de forma unânime e nem sem osbstáculos ou desilusões.
344

Nesses termos, espero que a leitura da tese possa servir para incentivar o
aumento de pessoas no querer explorar esse mundo das joias de artesania e
adentrá-lo, promovendo, dessa maneira, uma conquista definitiva, a ponto de
torná-las defensoras desse mundo.
Destaco enquanto um empreendimento que agrega sucesso comercial
com artesania, a Loja Una do ESJL, por apresentar uma dinâmica que consegue,
ao mesmo tempo, juntar interesses diversos individuais e coletivos, e por isso
capaz de gerar resultados que justifiquem a continuação do Polo joalheiro como
uma ação de política pública, já que consegue garantir trabalho e renda para
muitas famílias, com menos poder econômico, ligadas ao setor joalheiro, como
exemplo, para aquela família que depende somente do fazer joia para vender e,
que se não tivesse a referida loja não teria onde vender por um valor de varejo,
consequentemente, teria que vender para lojistas e/ou comerciantes de joias,
que pagam um valor sempre menor de atacado em relação ao de varejo.
Essa loja agrega todos os membros do Polo Joalheiro que não tem lugar
próprio para a comercialização de suas joias artesanais e é administrada pelo
IGAMA. Pelo seu sucesso comercial, comprovado por relatórios financeiros, é
um modelo que vem se mostrando eficiente para fortalecer o Polo Joalheiro com
um território criativo que se destaca com uma possibilidade real de economia
criativa, que vem conseguido, cada vez mais, o tão almejado reconhecimento
estético e mercadológico a nível nacional e internacional.
Destaco também aqui a Escola de Joalheria Rhama, um empreendimento
particular, que funciona no ESJL desde o início do Polo Joalheiro. Ela enfrentou,
em alguns momentos de sua trajetória de atuação, dificuldades para se manter,
mas agora verifiquei sua revitalização, em termos de metodologias de ensino do
saber joalheiro artesanal e que está ativamente participando das ações e
atividades do Polo Joalheiro, o que considero um ganho significativo para o
fortalecimento da produção desse tipo de joia.
Essa nova condição é fruto de uma nova gestão composta pelo filho e
nora do ourives proprietário, provando, assim, que a transmissão geracional e
familiar de um saber fazer às mãos é fundamental para este continuar a existir.
A referida escola é importante para o coletivo do Polo Joalheiro/ESJL, por
possibilitar fazer em conjunto as joias e estar sempre aberta para se fazer
serviços de limpeza e reparos urgentes de joias comercializadas ou que vão para
345

exposições, compondo assim um cotidiano de criação e fabricação das joias


artesanais que agrega num só lugar designers, lapidários, cravadores e
ourives/joalheiros, promovendo, assim, sociabilidades entre os segmentos
sociais do Polo, fortalecendo, desse modo, as próprias ações e atividades
promovidas pela gestão do Polo. Nesse sentido, há uma parceria visível e
“invisível” entre a Escola e o IGAMA, a meu ver, muito benéfica para ambos e
para consolidação da convivência dos segmentos sociais da cadeia produtiva da
joia artesanal.
Demarco como um dos resultados mais relevantes desse estudo, a
configuração de uma dinâmica própria do Polo Joalheiro/ESJL, no sentido de ser
observado que este tem em si mesmo a força de se metamorfosear e continuar
a construir suas experiências temporais, num clima, ao mesmo tempo, de
divergências, conspirações, cisões, reconciliações e de alianças de
autopreservação entre individualidades e segmentos sociais.
Portanto, é nesse cenário que pode continuar construindo sua história no
presente e num devir, enquanto um lugar que faz joia artesanal com agregação
de responsabilidade ambiental e social, por meio da valorização das identidades
culturais locais, da inovação tecnológica, do design em estado de arte, com
potencialidades para geração de renda e trabalho digno, com alcance para
realizações de anseios pessoais e profissionais, sem descartar as ações
coletivas.
Ou seja, trata-se de um lugar, multifacetado, com a coexistência de
transmissão de saber tradicional e acadêmico, que ora se complementam, ora
disputam espaços; aspirações individuais com estratégias de sobrevivência
social, transpassado de relações geracionais e de gênero, de trabalho familiar,
compondo assim uma complexa rede sociocultural, recheada de memórias,
esquecimentos e histórias.
Da mesma forma, é um lugar onde é possível conviver com relações
institucionais, em que muitos gestores, funcionários e consultores não se limitam
a executar suas funções burocráticas, mas se envolvem com o
Programa/Projeto/Polo Joalheiro com “paixão” existencial e profissional, mesmo
pensando e agindo de formas diversas, e, por esses motivos, uns ficam outros
saem ou retornam para esse meio. A comprovação disso está nos inúmeros
346

trabalhos técnico-científicos escritos sobre algum aspecto referente ao Polo em


evidência por estes.
Sobre as joias do Polo, percebi que ainda carecem de uma identidade
imagética, uma logomarca, porque acredito que a comunicação visual auxilia na
sedimentação de valores, conceitos, sentimentos e contribui para agregação de
sentidos socioculturais, que pode contribuir para o fortalecimento de
experiências coletivas, freando assim posturas individualistas. Como também é
necessário dar continuidade às ações e atividades em prol da certificação oficial
brasileira geográfica e cultural das joias, pois tudo isso contribuirá para torná-la
um produto bem mais aceito nos mercados internacionais.
Chamo a atenção para o fato de que, apesar da tese fazer uma defesa da
joia artesanal no Polo Joalheiro, percebi que este é uma experiência temporal,
sociocultural e econômica com muitas particularidades, destoando, por isso, da
maioria dos outros polos do mundo das joias e não se encaixa nos modelos
analíticos estruturais tradicionais representados pela dicotomia artesanal versus
industrial, mas sim nas concepções contemporâneas que tratam organizações
sociais numa perspectivas de concebê-las como expressões de hibridismo
sociocultural e econômica.
Finalizo essa empreitada acadêmica com a inquietação de que faltou
abordar tantas outras coisas referentes ao lócus e assunto pesquisado, mostrar
outras trajetórias de vida e profissionais tão importantes nos mundos das joias
artesanais, quanto as que foram destacadas aqui, consequentemente, a certeza
que fica é que finalizo aqui a tese, por conta de prazos burocráticos, mas a
necessidade e vontade de continuar a escrevê-la e de pesquisar sobre o assunto
abordado continua.
347

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