Quem Ensina Na Creche Análise Dos Projetos Políticos Pedagógicos Dos Cursos de Pedagogia Da Unesp 2018.
Quem Ensina Na Creche Análise Dos Projetos Políticos Pedagógicos Dos Cursos de Pedagogia Da Unesp 2018.
Quem Ensina Na Creche Análise Dos Projetos Políticos Pedagógicos Dos Cursos de Pedagogia Da Unesp 2018.
ARARAQUARA – S.P
2018
1
ARARAQUARA – S.P.
2018
Telles, Mirela Francelina Medeiros
Quem ensina na creche? Análise dos Projetos
Políticos Pedagógicos dos Cursos de Pedagogia da Unesp
/ Mirela Francelina Medeiros Telles — 2018
179 f.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, sem ela e toda sua história eu não teria chegado até aqui.
Ao meu marido Ronaldo, sem o qual eu não teria conseguido, sua presença em todos os
momentos foi alento e ânimo.
À nossa filha Maria Alice, quando me faltava forças era o olhar amoroso dela que me
encorajava.
À Amine, colega de turma que se transformou em uma grande amiga, com a qual
compartilhei angústias e alegrias.
A todos, que de alguma forma estiverem presentes e tornaram essa jornada possível.
5
RESUMO
Esta pesquisa é um estudo sobre a condição profissional dos professores que atuam em creche.
Teve por objetivo identificar nos projetos políticos pedagógicos dos cursos de Pedagogia de
Universidades Públicas do Estado de São Paulo, propostas para a formação do professor para
atuar na creche, considerando a contribuição para o desenvolvimento da profissionalização
desta categoria de docentes. Realizou-se uma investigação qualitativa dos projetos políticos
pedagógicos dos cursos presenciais de Pedagogia na Universidade Estadual Paulista oferecidos
em seis campi: Bauru, Araraquara, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio
Preto. Adota-se como referência teórica a pedagogia histórico-crítica e a vertente histórico-
cultural da psicologia para significar a função da educação escolar e abordar os processos de
ensino-aprendizagem que caracterizam o trabalho do professor na creche, bem como o contexto
histórico em que ele ocorre. Os documentos selecionados foram analisados utilizando-se como
instrumento metodológico a análise de conteúdo. Foram analisados nos conteúdos dos
documentos a denominação do profissional formado pelo curso, a finalidade da ação do
professor com os alunos, a referência às etapas da Educação Básica e a definição de escola. Por
meio de tal análise foi possível constatar que os percursos curriculares foram elaborados
considerando a constituição profissional do professor dentro da sua função precípua de ensinar
em qualquer modalidade da educação básica e assim assumindo, para além das condições
desfavoráveis, que quem ensina na creche é o professor. Apesar desse movimento favorável
para a profissionalização, a natureza da docência do professor na creche ainda carece de maiores
definições.
ABSTRACT
This research is a study about the professionalization of teachers who work in daycare. The
purpose of this study was to identify pedagogical political projects of the Pedagogy of Public
Universities of the State of São Paulo, proposals for the training of teachers to work in the day
care center, considering the contribution to the development of the professionalization of this
category of teachers. A qualitative investigation of the political pedagogical projects of the
Pedagogy courses at the State University of São Paulo was offered in six campuses: Bauru,
Araraquara, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro and São José do Rio Preto. It adopts as a
theoretical reference the historical-critical pedagogy and the historical-cultural aspect of
psychology to signify the function of school education and to approach the teaching-learning
processes that characterize the work of the teacher in the day-care center, as well as the
historical context in which it occurs. The selected documents were analyzed using content
analysis as a methodological tool. The contents of the documents were analyzed by the name
of the professional formed by the course, the purpose of the teacher's action with the students,
the reference to the stages of Basic Education and the definition of a school. Through this
analysis it was possible to verify that the curricular routes were elaborated considering the
professional constitution of the teacher within its primary function of teaching in any modality
of the basic education and thus assuming, in addition to the unfavorable conditions, that the one
who teaches in the day care is the teacher. Despite this favorable movement for
professionalization, the nature of teacher teaching in day care still lacks further definition.
Keywords: Education. Teacher training. Course of Pedagogy. Political Pedagogical Project. Nursery.
Professionalism.
8
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12
5 METODOLOGIA.................................................................................................................. 71
1 INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema de pesquisa teve origem nas indagações a respeito do valor
profissional dos docentes, motivado pela minha própria carreira no magistério. A esse respeito,
fica evidente que mesmo essa desvalorização da profissão docente não atinge a todos os
professores da mesma maneira.
Há o segmento dos professores que atuam com educação infantil que na sua categoria,
ainda lutam por se afirmarem em sua identidade de professores. Existe uma tendência que
quanto menor a criança, menor o reconhecimento da necessidade de um atendimento escolar
especializado para a mesma. Assim os profissionais que atuam com ela ainda carecem do
reconhecimento social do seu trabalho como professores.
Dessa forma pensar o sentido profissional da docência na creche tornou-se relevante.
Em um primeiro considerei que essa falta de reconhecimento social da profissão fosse
decorrente da ideia de que para atuar com crianças pequenas, no caso, menores de três anos,
não fossem necessários conhecimentos educacionais escolares especializados.
Assim, à medida que analisasse como o curso de Pedagogia trata a formação para esse
segmento desmistificaria essa concepção. Estabeleci como metodologia a análise dos Projetos
Políticos Pedagógicos dos cursos de Pedagogia das Universidades Júlio de Mesquita Filho para
identificar nesses documentos, as propostas para a formação do professor para atuar na creche,
considerando a contribuição para o desenvolvimento da profissionalização desta categoria de
docentes. Nessa análise pretendia não só identificar esse perfil profissional como também
problematizá-lo no que e em que se diferia do perfil para atuar nos outros segmentos habilitados
para docência do curso de Pedagogia, a saber: Educação Infantil, entendida como creche e pré-
escola e Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Avançando no levantamento bibliográfico selecionei uma literatura especializada na
questão da profissionalização docente e pude estabelecer outras relações que não só as com o
conteúdo da formação inicial. Ao tratar profissionalização, no sentido dado por Enguita (1991),
das características utilizadas para se configurar um trabalho como profissão, fui levada a pensar
a profissionalização considerando as condições históricas-sociais em que o exercício do ofício
se desenvolve.
Para explicar essas condições de trabalho tornou-se então necessário recorrer à
concepções pedagógicas que o explicassem e configurassem. A análise se pautou nas
concepções pedagógicas hegemônicas, decorrentes da pedagogia do aprender a aprender
(DUARTE, 2001), que alinhadas aos ideários do neoliberalismo, compõem o contexto
13
para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) na identidade do curso, bem como as relações entre
formação inicial e a profissionalização dos professores.
Na quarta seção apresentamos a descrição dos projetos pedagógicos dos cursos de
Pedagogia das Universidades Estaduais Paulistas (UNESP), com base nos eixos: denominação
do profissional formado pelo curso de pedagogia, finalidade da ação do professor com os
alunos, denominação da organização da educação básica e definição de escola. A análise dos
resultados revelou que o curso de pedagogia enfrenta muitos impasses quanto a sua identidade
e finalidade profissionalizante, pois, embora as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso
de pedagogia (BRASIL, 2006) o compreenda como uma licenciatura, há controvérsias sobre a
formação do pedagogo tendo a docência como base de todos os perfis formados pelo curso.
A amplitude de margem de atuação do pedagogo e a limitação da sua formação pelo
viés da docência impacta negativamente na formação profissional dos professores, que corre o
risco de se tornar aligeirada. No entanto, mesmo com as imprecisões conceituais sobre ação
docente nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006), os cursos analisados
apresentaram percursos formativos para abarcar a formação de professores para atuar na
educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental de maneira integrada, abordando a
especificidade da atuação para creche na perspectiva de adequar os conteúdos e processos de
ensino à essa modalidade institucional.
Adotando o ensino como característica das diferentes etapas da educação básica os
cursos demonstram uma aproximação com a perspectiva histórico cultural e histórico-crítica1
quanto à centralidade da ação docente nos processos escolares de ensino-aprendizagem,
compreendendo a creche como instituição escolar para a qual o perfil de professor também é
necessário e possível.
Enquanto professora, essa temática ganha relevância à medida que me possibilita
evidenciar a especificidade do trabalho dos professores desde o início do processo de
escolarização das crianças. Pertencente a esta categoria profissional, não é possível exercer meu
ofício sem considerar as condições em que meus pares trabalham. A educação das crianças
menores de três ficou por muitos anos negligenciada, sem receber o tratamento devido frente à
importância de garantir experiências de acesso às produções culturais do gênero humano desde
o início da escolaridade. Defender esse posicionamento adquire relevância social ao evidenciar
1
Os termos histórico-cultural e histórico-crítica são usados em sentidos diferentes, o primeiro para indicar os
pressupostos da psicologia histórico-cultural e o segundo como menção aos princípios da pedagogia histórico-
crítica. Ambas perspectivas se coadunam no sentido de evidenciar o papel único do professor no ensino das
crianças na escola, dentro de uma perspectiva de humanização e valorização do saber elaborado.
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o caráter insubstituível do trabalho do professor nesse processo. Esperamos com essa pesquisa
agregar elementos aos estudos sobre o papel da educação escolar para crianças menores de três
anos e a forma como ela vem sendo desenvolvida, contribuindo para que a evidência dessa
temática nas pesquisas concorra para elevação da condição profissional dos professores,
mediante a consideração da sua situação na elaboração de políticas públicas para a formação e
carreira dos docentes.
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Quanto a esse fato é importante ponderar sobre as possíveis condições de trabalho que
se encontram esses profissionais que possuem formação de professores, mas não desfrutam de
uma carreira como tal, pois não há estrutura para isso, sendo possível levantar os seguintes
questionamentos: se funções de assistentes e monitores desempenhadas por professores não
podem ser consideradas como profissões do magistério, estas estão sendo desenvolvidas à
margem dos processos escolares? Qual finalidade educativa da prática desses profissionais? O
seu relacionamento com as crianças se dá com qual objetivo? Há um currículo para o
desenvolvimento desse trabalho? Qual a natureza desse trabalho? Nas creches em que há
somente esse tipo de função, há também professores trabalhando como professores?
A questão da formação também foi mencionada no Parecer nº CNE/CBE 24/2007
(BRASIL, 2008), pela Professora Juçara Maria Dutra Vieira, Presidente CNTE na época,
destacando a necessidade de formação profissional por acreditar ser fundamental pensar na
formação ao caracterizar os profissionais da educação, não apenas a inicial mas, também, a
permanente e continuada.
Sobre a formação o documento também suscita questões pertinentes considerando a
situação profissional de alguns professores que trabalham em creches: sendo o professor
habilitado pela formação inicial, mas que não trabalha como tal, à que processos formativos
está submetido no trabalho? Em que consiste a sua prática? Como pode partir dela para realizar
reflexões pensando no seu desenvolvimento profissional?
Tais indagações suscitadas pela condição em que atuam os profissionais na creche com
crianças menores de três anos confirma a precariedade com a qual esse trabalho vem sendo
realizado, considerando que deveria ser um trabalho com caráter escolar assim como o
preconizado para as outras etapas da educação básica. Tal precariedade chega ao ponto de ser
previsto no Parecer nº CNE/CBE 24/2007 (BRASIL, 2008, p.10) a possibilidade de, em caráter
excepcional:
[...] na etapa de Creche da Educação Infantil, podem ser docentes os
profissionais que recebem autorização do órgão competente de cada sistema
de ensino para exercer a docência, em caráter precário e provisório, na falta
daqueles devidamente habilitados para tanto, apesar dos avanços na direção
da universalização da formação de professores.
e se torna específico em relação ao que os outros profissionais que trabalham na creche podem
desenvolver?
À que se considerar que muito embora existam sujeitos com formação adequada para
atuar como professores trabalhando na creche isso não significa que o trabalho desenvolvido
seja de um professor. É fundamental a delimitação quanto ao que é o trabalho desenvolvido por
um professor na creche e isso é pensar na sua condição profissional.
O Parecer CNE/CEB nº 21/2008 (BRASIL, 2009) confirma a realidade da
ambuiguidade da situação profissional de muitos professores que trabalham em creches. Este
Parecer foi expedido com relatório para responder a consulta feita pela Professora Maria do
Pilar Lacerda Almeida e Silva, Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, à
época, solicitando esclarecimentos sobre profissionais de Educação Infantil que atuam em redes
municipais de ensino. Consta que a Coordenação Geral de Educação Infantil estava recebendo
consultas, dentre as quais uma específica da Prof. Iara Bernardi, representante do MEC em São
Paulo, o que levou a Professora Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva solicitar parecer
jurídico da Diretoria de Orientações Curriculares para Educação Básica.
A questão que gerou a consulta necessitava de orientação jurídica, pois envolvia a
situação de professores em diferentes munícipios que desempenhavam a função de professores,
mas “[..] não fizeram concurso para esse cargo, mas para cargos como “monitor”, “auxiliar”,
“recreacionista”, “educador” e outros.” (BRASIL, 2009, p. 1). Em alguns casos, os profissionais
nessa situação, conseguiram por meio de lei municipal, serem incluídos na carreira do
magistério passando a ter os mesmos direitos e condições do cargo de professor, no entanto, os
municípios posteriormente tiveram que rever essa situação por força de decisão judicial.
A Coordenação Geral de Educação Infantil, entendeu que essa situação não se
caracterizava como desvio de função, argumentando que seria uma “[...] subdivisão ou
ressurgimento de uma divisão, no âmbito do desempenho da função docente” (BRASIL, 2009,
p. 1), no entanto solicitou do Conselho um parecer jurídico para melhor orientar os municípios.
Esse fato, que ocorreu em 2009, é representativo da tendência de precarização e
desvalorização do trabalho docente pelos órgãos competentes. Aceitar e mesmo viabilizar,
professores trabalhando em outros cargos, como os já mencionados, é naturalizar o desempenho
da profissão sob condições de trabalho e planos de carreira distintos dos habilitados pela
formação. Considerar a função de “monitor”, “auxiliar”, “recreacionista”, “educador” e outros
como uma nova divisão ou uma subdivisão do desempenho da função docente tem implicações
a longo prazo, para a formação de professores, que assumirá outra configuração e
conhecimentos para habilitar para essas “divisões da função docente” e mesmo para os planos
23
de carreira como a questão da remuneração. Mais uma vez constata-se a diminuição das
exigências profissionais para o trabalho na Educação Infantil, pode-se contratar um professor
mas ele não precisa trabalhar como professor. Em qual outra etapa da Educação Escolar isso
seria admissível?
A análise do mérito foi relatada por Cesar Callegari, que inicia o relatório citando as
conclusões sobre o entendimento de profissionais do magistério que foram relatadas no Parecer
CNE/CBE nº 24/2007 (BRASIL, 2008). Se reporta à Emenda Constitucional (EC) nº 53/2006,
que deu nova redação aos artigos 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal (CF),
e ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), destacando o artigo
206 da Constituição Federal de 1988:
O artigo 206 da CF elenca, em oito incisos, os princípios com base nos quais
deve ser ministrado o ensino, sendo o V (com redação dada pela EC nº 53):
valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,
planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de
provas e títulos, aos das redes públicas (gn); (BRASIL, 2009, p.2, grifo do
autor)
Ademais, o relator Cesar Callegari lembra que esse entendimento se deu exclusivamente
para efeito da remuneração do FUNDEB. Para o caso em questão, concorda que não há
ilegalidade nas denominações sob as quais os professores trabalham, seja auxiliar, monitor e
etc, desde de que eles estejam enquadrados nessas condições de formação, ingresso e carreira,
mas recomenda que quando atendidas essas condições do magistério da Educação Básica, todos
estejam sob a denominação de Professores.
Faz menção do caráter excepcional, precário e provisório com o qual se admitiu, no
Parecer CNE/CEB nº 24/2007, que fossem considerados docentes, para efeito da destinação de
recursos nos termos do artigo 22 da Lei nº 11.494/2007, os profissionais não habilitados, porém
autorizados a exercer a docência pelo órgão competente do respectivo sistema de ensino.
Retomando a consulta do Parecer CNE/CEB nº 21/2008 (BRASIL, 2009), atenta para
falta de detalhe da situação vivida pelos municípios, mas que, ao que tudo indica:
[...] por lei municipal, incluíram na carreira do magistério (com
denominações diversas da de professor), profissionais não habilitados para o
magistério e/ou habilitados, mas não concursados, os quais teriam passado a
ter os mesmos direitos e condições do ocupante regular de cargo de professor.
(BRASIL, 2009, p.4).
magistério, mas sem se enquadrar no seu plano de carreira. Mesmo sem reconhecer a ilegalidade
de professores que desempenham o trabalho da docência sob denominações de cargos que não
a de professores, o relator em questão se manifesta:
De outro lado, a existência de profissionais que atuam na Educação Infantil
com a formação pedagógica adequada, mas que não integram regularmente a
carreira de magistério, acarreta seu enfraquecimento e sua desvalorização,
além de desatender à Constituição e aos preceitos legais. Sua integração na
carreira deve, portanto, vir a ser regularmente possibilitada. Cabe, nesse
sentido, insistir para que os órgãos executivos dos diversos sistemas de
ensinos promovam a realização de concursos públicos para possibilitar acesso
à carreira do magistério aos que já trabalham com crianças, mas ainda não
podem integrá-la. E cabe, igualmente, enfatizar a necessidade de investir na
sempre necessária formação permanente de todos os profissionais da
educação. (BRASIL, 2009, p.5).
2
Fonte dos dados: www.inep.gov.br
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até seis crianças, até oito crianças dos doze aos vinte e quatro meses, dez
crianças de dois a três anos; quinze crianças de três a quatro anos; vinte
crianças de quatro a cinco anos; vinte e cinco crianças de cinco anos em diante.
Caso se decida por agrupamento de idades mistas, aconselha-se não haver
mais que quinze crianças de zero a três anos por grupo na creche e vinte e
cinco crianças de quatro a cinco anos por grupo na pré-escola, ainda com ajuda
em determinadas situações. (SÃO PAULO, 1999, p.5).
Desta indicação acima, entende-se que o responsável pela turma é o professor e que o
profissional auxiliar não é professor. Sobre a atuação dos professores, quanto menor a criança,
menor também a turma sob a responsabilidade de cada professor, sendo que, até três anos, idade
abrangida pela creche, as turmas não devem passar de dez crianças e quando essas tiverem
menos de um ano, as turmas devem ser de até seis crianças por adulto.
Assim, quanto menores as crianças, maior a quantidade de professores necessários, o
que seria um fator para que os sistemas de ensino, a fim de diminuir os investimentos
financeiros, contratem professores de formação para atuar em funções não correspondentes à
ela enquanto carreira, mas desempenhando as atividades correspondentes a função docente.
A indicação também abre margem para acreditar que há profissionais atuando com as
crianças de zero a seis anos de idade que não possuem formação para docência. Esses são
referidos como educadores e o relato faz ressalva da necessidade de promover para eles a
formação adequada, atendendo os dispositivos legais.
Nesse sentido, os dados do INEP fornecem um panorama da amplitude que consiste o
atendimento das crianças em creche como também da demanda de profissionais para tal
trabalho e as pesquisas como a de Kramer e Nunes (2007) ajudam a entender e qualificar esse
universo. As referidas autoras realizaram a pesquisa com as secretarias municipais do Rio de
Janeiro com foco na educação infantil.
Os resultados demonstraram algumas condições de trabalho desqualificadoras da
profissão docente. Exemplo disso é o fato de que poucas secretarias tinham propostas
pedagógicas sistematizadas por escrito (KRAMER; NUNES, 2007). Portanto, existem docentes
e não docentes trabalhando nas creches com crianças menores de três anos sem finalidades
educacionais estabelecidas, não pelas Secretarias Municipais de Educação. Soma-se a isso o
fato da maioria, dos 54 munícipios que responderam o questionário da pesquisa realizada por
Kramer e Nunes (2007), desconhecer a quantidade de crianças de 0 a 6 anos residentes nos
munícipios.
Para as autoras, esse desconhecimento afeta o delineamento de políticas públicas
municipais para educação infantil. Demonstra também que não há um estudo da realidade
29
municipal quanto essa esfera para implementar propostas pedagógicas, enquanto Secretaria
Municipal. Esses fatores enfraquecem o sistema de ensino, enfraquecendo também o trabalho
educativo realizado sob essas condições.
Há também a discrepância na relação densidade demográfica e taxas de atendimento de
crianças menores de 6 anos, entre os munícipios, sendo que, municípios com alto índice de
atendimento são os que possuem menor população de crianças de zero a seis anos de idade
paralelo ao baixo acesso à educação infantil nos municípios com maior densidade demográfica,
em especial na Região Metropolitana (KRAMER; NUNES, 2007).
Considera-se assim que a destinação e uso de verbas para manter esses sistemas
municipais também se dá de forma insatisfatória devido essas lacunas e discrepâncias na
delimitação de uma política educacional para educação infantil no Estado, que na época tinha
91 municípios. Sobre esse quesito, não foram relatados na pesquisa (KRAMER; NUNES, 2007)
repasses de recursos do governo estadual nem federal, não havendo também, segundo respostas
ao questionário, outras fontes de recursos, dispondo os municípios apenas de verbas do próprio
orçamento.
Não existia na maioria dos munícipios, preparação prévia do professor para atuar e
ingressar no trabalho com as crianças, sendo que só três municípios faziam concursos para o
cargo de professor e só metade afirmaram ter plano de carreira. Com esses resultados Kramer
e Nunes (2007, p.429) afirmam a urgência de:
[..] políticas públicas de formação – direito de todos os profissionais – que
assegurem condições dignas para o trabalho com as crianças e sejam
formuladas e executadas por diferentes instâncias do Estado (federal, estadual
e municípios), incluindo diretrizes e estratégias de formação (prévia ou
continuada), formas de ingresso no sistema de ensino e planos de carreira que
incorporem, nos salários, os níveis crescentes de escolaridade dos
profissionais.
a formação de professores, que segundo Kramer e Nunes (2007, p. 436), se dava de forma
esporádica e descontínua, sob um modelo que separava teoria e prática, “[...] sendo o professor
concebido como um sujeito tutelado nas práticas de formação que a ele se destinam”. Nota-se
aqui que a prática de formação, nessas condições, não agregava ao desenvolvimento
profissional dos professores.
Quando se fala em formação é importante ter em mente essas condições objetivas de
trabalho dos professores, para não incorrer o risco de, ao ressaltar a importância da mesma para
melhorar os processos educativos, não penalizar o profissional ou imprimir sobre ele,
responsabilidades pelas quais ele não tem domínio de ação. Nem todas as condições do
exercício profissional dos professores na creche são de responsabilidade ou decorrentes do seu
trabalho, mas fica evidente que todas elas influenciam nele. A esse respeito, Martins (2010a,
p.14), considera:
[...] a formação de qualquer profissional, aqui em especial a de professores,
como uma trajetória de formação de indivíduos, intencionalmente planejada,
para efetivação de determinada prática social.
Assim sendo, nenhuma formação pode ser analisada senão na complexa trama
social da qual faz parte. Ao assumirmos a referida prática como objeto de
análise, observando que não estamos nos referindo à “prática” de sujeitos
isolados, mas à prática do conjunto dos homens num dado momento histórico,
deparamos com uma tensão crucial: a contradição entre o dever ser da referida
formação e as possibilidades concretas de sua efetivação. Portanto, a
materialização do referido dever ser não pode prescindir da luta pela
superação das condições que lhe impõe obstáculos.
É importante refletir até que ponto os professores não estão bem preparados para exercer
sua função e quando eles não podem contar com uma estrutura de trabalho que favoreça a sua
ação. Sobre isso, Kramer e Nunes (2007) ponderam que não se pode imputar a responsabilidade
unicamente aos docentes, pelos fracassos da escola, estes são decorrentes também de fatores
ligados à política educacional (salário, formação, acompanhamento do trabalho, coordenação,
infra-estrutura e serviços, etc.). Entende-se que as políticas educacionais criam condições,
favoráveis ou não, para o desenvolvimento profissional dos professores, segundo Martins
(2010b, p.13) a relação entre a pessoa e qualidade de suas condições de existência ganham
destaque pois, essas condições, por um lado guardam as possibilidades para sua realização e
por outro, em condições de alienação, determinam seu obliteramento.
Para uma análise que não seja reducionista e nem tendenciosa, se é que isso é possível,
deve-se considerar o que o professor precisa para o seu trabalho e em que condições esse
trabalho é desenvolvido.
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termo “meninas”, enquanto construção social e resultado de diferentes relações sociais situadas
no tempo e no espaço, do mesmo modo que atua na formação da personalidade dessas
professoras, como explica Martins (2010b, p.8):
Sendo expressão objetiva de relações sociais, o indivíduo se realiza
inevitavelmente unido aos outros indivíduos, organizando historicamente, por
meio do trabalho, as formas dessa união. Portanto, as múltiplas possibilidades
do processo de personalização se realizam na constante autorealização do
indivíduo ante a estrutura histórico social que o sustenta.
Assim, esse termo, como também todas as outras formas de se referir as professoras,
informalmente e até mesmo nos processos formais de ingresso na educação infantil, como nome
de cargos que não fazem referência ao que os sujeitos se formaram para ser, professores,
possuem implicações para a profissionalização, por serem sínteses de diferentes relações que
não se constituíram apenas “nos estreitos limites do entorno social imediato”, mas fazem parte
das mediações políticas e econômicas que sustentam a construção da vida pessoal, entendida
como tendo uma natureza histórico social (MARTINS, 2010b, p.6).
Portanto, não se tratam apenas de termos, mas de expressões de determinadas relações
sociais que são também incorporadas pelos professores e afetam sua maneira de perceber a
realidade, ou seja, de tanto participarem de situações em que seu trabalho de professor não é
assumido, pode ser que os professores, que atuam em tais condições, também deixem de intervir
nessa realidade como professores. É fato que a personalidade dos professores não se forma
apenas a partir dessas formas de ser percebido no seu espaço de trabalho, mas também não se
pode negar as implicações destas para os sujeitos.
Existir cargos, que não sejam de professores para educação infantil, exercidos por
professores, faz pensar em qual o motivo de ser tão difícil aceitar o ingresso de professores,
como professores para atuar nesse segmento. O que significa ser professor e por que a sua
função não é compatível com a creche a ponto de existirem outras denominações de cargo para
atuar com as crianças nessa etapa da infância? Seria por que nessa fase as crianças precisam de
cuidados que não demandam em outras fases ou por acreditar que o professor é desnecessário
por não ser possível desenvolver atividades de ensino com elas?
Pensar na situação profissional do professor na creche, sem penalizá-lo por isso, implica
em se pensar qual a função social da creche? Ela é ou não o espaço em que as crianças iniciam
seu processo de escolarização? Pensar na profissionalização do professor para a creche sem
considerar essa questão central, incorre no preconizado por Martins (2010b, p.14), quando da
análise sobre as novas referências que destacam como figura central do cenário educacional a
formação pessoal particular do professor:
33
pequena infância proletária em creches coexistiu com a criação de jardins de infância. Mantidos
pela iniciativa privada, os jardins de infância destinavam-se à educação das crianças de elite.
Como essas não necessitavam de cuidados, uma vez que suas mães não precisavam trabalhar,
tinham seu desenvolvimento estimulado.
Pasqualini (2010) destaca que a finalidade da creche possui estreita relação com o tipo
de profissional requerido para atuar nessa instituição. Por ter um caráter assistencialista e
tutelar, com o intuito de cuidar das crianças para liberar as mulheres para serem mão de obra,
o trabalho nas creches não prescindia de uma formação profissional específica. O trabalho era
realizado por mulheres por se acreditar que possuíam naturalmente habilidades maternais, o
que era suficiente para assegurar a alimentação, higiene e segurança das crianças.
Arce (2001), revela que o mito da maternidade está presente na constituição histórica
da imagem do profissional da Educação Infantil. Kuhlmann Jr. (2000) percebe essa associação
entre as ações de cuidado na educação infantil às qualidades maternas como fator de
desprestígio profissional. Já Arce (2001) questiona a naturalidade com que é aceita que a quase
totalidade de cargos de professor na Educação Infantil sejam ocupados por mulheres. Buscando
explicações sobre o fenômeno de femilização no magistério, a autora percebe que os papeis
sociais atribuídos às mulheres e crianças foram transferidos para a prática educativa.
Assim, tanto o processo de institucionalização do atendimento à infância, quanto o
profissionalismo da categoria de trabalhadores desse segmento foram se constituindo sob o
binômio cuidar/educar, sendo a creche espaço de assistência e a pré-escola/jardins de infância,
de ensino. A divisão de trabalho entre professores e auxiliares também se deu em decorrência
do preconceito quanto ao trabalho manual de cuidados, sendo que, segundo Kuhlmann Jr.
(2000) a presença de certos serviços assistencialistas na creche era vistos pelos professores
como uma ameaça ao caráter educacional das instituições.
É nesse sentido que discutir a profissionalização da docência na creche torna-se
relevante, uma vez que a própria trajetória da institucionalização do ensino, nessa etapa da
educação, colaborou para construir a imagem de um trabalho que não necessita de
conhecimentos específicos e não enquadra a prática da atividade profissional enquanto ato
educativo sistematizado.
A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, atendendo crianças de zero
a três anos em creches e de 4 a 5 anos em pré-escolas. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9394/96, estabelece equidade entre essas duas instituições, apenas diferenciadas pela
obrigatoriedade, que só se aplica à pré-escola (BRASIL, 2010).
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Sendo assim, o trabalho educativo com as crianças na creche deve ser realizado por
docentes devidamente habilitados, como para qualquer outra modalidade da Educação Escolar.
No entanto, os professores que lecionam nesse segmento ainda possuem um status profissional
diferente dos pares. O processo histórico de institucionalização da creche, saindo da esfera do
assistencialismo para a educação escolar não foi suficiente para promover alterações na
condição profissional dos professores que atuam nesse segmento. É necessário, portanto
entender o que é o trabalho do professor e em que medida o processo de profissionalização ou
desprofissionalização afeta essa categoria.
Compartilha-se do entendimento de Ferreira (2011, p. 121) para a qual o professor é um
trabalhador e não um prático, o que implica que [...] os sujeitos se tornem trabalhadores por
complexos processos de inserção em sua profissão antes e, principalmente, ao trabalharem na
escola, em seus grupos de pertença. Essa concepção sobre a natureza da profissão docente é
importante pois revela que ser profissional está para além de dominar os aspectos práticos da
atuação do professor, a prática é uma dimensão importante desse trabalho, mas não o define.
Logo, ser professor na creche, e reivindicar um status de profissional, implica muito mais do
que apenas dominar a prática.
A situação ocupacional dos docentes de acordo com Enguita (1991), está em um lugar
intermediário e instável entre a profissionalização e a proletarização:
Entre as formas inequívocas de profissionalização e proletarização debate-se
uma variada coleção de grupos ocupacionais que compartilham características
de ambos os extremos. Constituem o que no jargão sociológico se designa
como semiprofissões, geralmente constituídas por grupos de assalariados,
amiúde parte de burocracia públicas, cujo nível de formação é similar ao dos
profissionais liberais. Grupos que estão submetidos à autoridade de seus
empregadores mas que lutam por manter ou ampliar sua autonomia no
processo de trabalho e suas vantagens relativas à distribuição da renda, ao
poder e ao prestígio. Um destes grupos é o constituído pelos docentes. (1991,
p. 43).
Para explicar o que seria uma profissão, Enguita (1991), faz uma explanação de cinco
características utilizadas para defini-la e analisa em que medida elas se aplicam à categoria de
professores. Discorrendo sobre as cinco características, a competência, vocação, licença,
independência e auto-regulamentação, o autor conclui que a categoria compartilha traços
próprios dos grupos profissionais com outras características da classe operária, uma vez que as
características analisadas se aplicam de forma restrita ao ofício docente.
Sobre a competência, Enguita (1991) acredita que oficialmente, o professor que leciona
nos primeiros anos da Educação Básica tem uma competência reconhecida, mas alguns fatores
a prejudicam: é considerado como um técnico e não como docente, quando possui uma
36
educação superior curta, oposta à universitária; tem seu trabalho julgado por pessoas que não
fazem parte de seu grupo profissional e falta o reconhecimento da especificidade do saber desta
categoria, carecendo de jargões próprios à área.
A vocação é a segunda característica analisada pelo autor. No caso dos professores ele
é visto, como de alguém que renunciou à ambição econômica em favor de uma vocação social.
Mas há também a visão que ele só desempenha esse ofício pois não soube ou não conseguiu
coisa melhor. Nas duas formas há uma desvalorização do trabalho do professor, no primeiro
caso acreditando que possui uma vocação social e assim não precisa de uma retribuição
financeira, já que deve contentar-se com satisfação de realiza-lo, e no segundo caso que essa
vocação só virou trabalho pois não conseguiu outro melhor. Fica claro a concepção de que o
trabalho de professor é menos valorizado do que outros.
A licença, como característica de uma profissão diz respeito a demarcação do campo de
trabalho, no caso do professor, na análise de Enguita (1991), esse campo é parcialmente
demarcado, pois, embora legalmente só ele possa avaliar e certificar o conhecimento dos alunos,
não lhe é outorgado a exclusividade da capacidade de ensinar. Há liberdade para o ensino
informal, paralelo ao regular. No mesmo sentido, a autonomia, no caso do trabalho do professor,
também é parcial. Isso porque a quase totalidade dos docentes é assalariada, assim o seu público
não se encontra em relação de total dependência ao seu trabalho como no caso de clientes e
advogados. Mas, pensando na gestão da escola os docentes tem competências exclusivas,
formalmente asseguradas pela garantia de uma maioria segura nos órgãos colegiados e
submetidos a autoridades que, em geral, são também docentes, ainda que seja reconhecida e
outorgada a possibilidade de pais e alunos participarem na gestão da escola.
Como última característica analisada, a auto-regulamentação, Enguita (1991), pondera
que a falta um código de ética ou deontológico para a categoria influencia para que essa
característica seja completamente atribuída ao seu trabalho. Ainda que existam organizações
profissionais (associações), estas são muito menos relevantes que as sindicais.
Por essa presença parcial das características que definem uma profissão, que Enguita
(1991), observa que a categoria de professores está submetida a processos com tendências a
proletarização, que segundo ele é “[...] o processo pelo qual um grupo de trabalhadores perde,
mais ou menos sucessivamente, o controle sobre os meios de produção, o objetivo de seu
trabalho e a organização de sua atividade.” (p. 46). Pode-se entender que esse processo de
proletarização é um meio de desqualificação profissional.
O autor ressalta que tal processo não se dá de forma linear e é vivenciado de forma,
tempos e com resultados diferentes entre as categorias de trabalhadores. Analisando como esse
37
Analisar o trabalho do professor na creche tendo como eixo central a prática pedagógica
leva a evidenciar as concepções pedagógicas em que a mesma tem origem. Compreender as
concepções pedagógicas significa pensar as diferentes maneiras pelas quais a educação é
compreendida, teorizada e praticada (SAVIANI, 2005).
A ideia de focar os processos escolares no aprender e na criança tem suas raízes dentro
da concepção pedagógica denominada nova ou moderna (SAVIANI, 2005). Essa concepção
surgiu no Brasil como crítica à concepção tradicional, reconhecida dessa forma justamente pelo
39
Essa tendência é criticada por centrar seus processos no aluno e no seu aprendizado
individual, baseando-se na concepção de aprendizagem de Piaget, em que o conhecimento é
concebido como produto de atividades ou experiências realizadas por um sujeito individual que
constrói uma representação da realidade que fica privada e interna (SAVIANI, 2005).
40
A relação teoria e prática fundamental nas discussões sobre profissionalização, por dois
motivos. Primeiro por mudar drasticamente a forma do trabalho do professor dependendo da
concepção que se adota: se a prática se subordina à teoria ou vice e versa. Segundo, por fomentar
políticas públicas para formação dos professores, se concretizando na elaboração de diretrizes
para os cursos de pedagogia, consequentemente influenciando na configuração dos projetos
políticos pedagógicos das universidades e por fim delimitando o perfil profissional do professor
que atuará na creche.
Neste quadro de descaracterização do trabalho do professor que concorre para sua
desqualificação profissional se faz necessário para os professores que atuarão na creche que já
tem seu perfil profissional carente de reconhecimento social, uma concepção pedagógica que
se mostre como alternativa para, ao afirmar a natureza do seu trabalho como específico do
campo da educação escolar, evidencie a especificidade da sua atuação enquanto professor de
crianças menores de três anos.
Surge assim, a perspectiva do ensino, também na creche, sob os pressupostos da
especificidade da prática docente na transmissão de saberes sistematizados objetivando a
impressão do gênero humano nos indivíduos, mediante processos escolares, desde o ingresso
da criança na Educação Básica (MARTINS, 2010; ARCE, 2010; FACCI, 2007) como
possibilidade mais favorável aos processos de profissionalização dos docentes na creche,
viabilizando a constituição de referências que demarquem o seu trabalho de professor diante da
especificidade do ensino com crianças menores de três anos.
41
Duarte (2001) considera as pedagogias do aprender a aprender como uma ampla rede
educacional contemporânea em que estão envolvidas, por compartilhar elos ideários, a
pedagogia das competências, o construtivismo, a Escola Nova e os estudos na linha do professor
reflexivo. Um desses elos é justamente a noção de competência aplicada à resolução de
problemas, ao aprender fazendo. Para Arce (2007) nesta concepção a ideia do professor que
ensina torna-se obsoleta.
Atualmente, a ideia do aprender a aprender é considerada por Arce e Duarte (2001)
como a interface do neoliberalismo e do pós-modernismo com as políticas educacionais,
42
especialmente, as políticas de formação de professores, assim, embora esse ideário tenha suas
raízes no movimento da Escola Nova, não há um anacronismo entre eles já que as pedagogias
hegemônicas na atualidade assumem uma identidade dentro do universo ideológico
contemporâneo (DUARTE, 2010).
Os autores elucidam como as políticas neoliberais no campo educacional atuam como
fator de descaracterização do professor como profissional. Arce (2001) explica que esse modelo
neoliberal só frutificou três décadas após 1940 defendendo o capital baseado na liberdade do
indivíduo. O individualismo é ponto central nesse modelo e se justifica por conceber que não é
passível ao homem conhecer a totalidade da sua realidade, apenas sofrendo os efeitos da sua
ação imediata. Dessa forma, não é possível a sociedade atingir o bem comum, já que cada
indivíduo age cerceado pelo que lhe é mais imediato e que, portanto, dentro dessa acepção, lhe
é compreensível.
Nessa política, a educação estabelece uma relação direta com a sociedade, favorecendo
o desenvolvimento econômico ao preparar indivíduos aptos a concorrer por um emprego no
mercado de trabalho. As teorias crítico-reprodutivistas concebiam que a escola favorecia ao
desenvolvimento do capitalismo ao preparar a mão de obra qualificada, assim serviam aos
interesses da classe dominante favorecendo a produção da mais valia, contribuindo para
reforçar as relações de dominação (SAVIANI, 2005). Nesse modelo a escola preparava para o
emprego.
Na atualidade, como consequência da crise da década de 70 que encerrou a “era de ouro”
do capitalismo (SAVIANI, 2005, p. 21), a educação é vista com a função de fornecer ao
indivíduo condições de empregabilidade, já que o emprego, nesse arranjo econômico do
neoliberalismo não é garantido para todos, pois há a perspectiva do crescimento excludente.
Diferente da configuração do modelo do capitalismo anterior que investia no emprego pleno
para garantir o desenvolvimento econômico, nesse novo modelo é passível que uma parcela da
população não se beneficie do progresso econômico.
Neste quadro as desigualdades surgem como algo natural e o Estado perde sua
capacidade de abarcar a totalidade, abrindo possibilidades para ação de micropoderes que
fornecem aos indivíduos as máximas condições de perseguirem seus próprios interesses. Essa
é uma situação de individualismo, de desigualdades naturalizadas e de ação do homem limitada
à sua realidade imediata.
Esses fatores não só naturalizam a organização social dividida em classes que desfrutam
diferentemente dos bens materiais e imateriais produzidos pela humanidade, como traz em seu
bojo os mecanismos para manutenção desse modelo, uma vez que os homens estão cada vez
43
O segundo, em relação direta com o primeiro, é ser mais importante adquirir o método
científico do que o próprio conhecimento científico já existente e esse método, por sua vez, só
pode ser adquirido por meio da atividade autônoma.
O terceiro posicionamento valorativo envolve a funcionalidade da educação na
atividade da criança, sendo assim seus próprios interesses e necessidade os motores do seu
processo de construção do conhecimento. Como quarto posicionamento valorativo tem-se a
necessidade da educação acompanhar o rápido processo de transformação da sociedade e a
consequente provisoriedade do conhecimento.
Uma concepção desta não serve aos propósitos de profissionalização dos docentes, já
que seu verdadeiro núcleo fundamental, concluído por Duarte (2001) é a adaptação dos sujeitos.
Sob o discurso da criatividade reside o propósito de educar as novas gerações para que não
alterem as condições de vida, mas sim, desenvolvam estratégias para conviver com elas. Na
educação sob esses parâmetros, cabe aos educadores, segundo o autor, conhecer a realidade
para abstrair dela as competências a serem ensinadas pensando na adaptabilidade dos sujeitos
e não uma análise crítica que leve à transformação social.
Uma pedagogia, de caráter adaptativo não se configura como uma possibilidade de
mudança de um quadro de proletarização em que os docentes já estão inseridos. O lema do
aprender a aprender serve ao propósito de reinventar o trabalho para se adequar as condições já
existentes, assim estarão realizando uma produção ideológica de uma status ocupacional já
existente, apenas revestido de um discurso pedagógico da área educacional.
Esse status, construído historicamente corresponde ao paradigma não profissional do
professor. Entende-se ser necessário aos docentes que atuarão na creche, justamente o resgate
da essência do seu trabalho, de modo à não entrar em modismos que apenas corroboram para
sua desprofissionalização.
O caráter regulador do Estado dentro do regime capitalista dos últimos tempos, atinge
os docentes ao enfatizar o individualismo dos processos educativos e a responsabilização
individual, promovendo o afastamento deles de sua condição enquanto categoria profissional,
como coletivo. Este fenômeno, é, de acordo com Freitas (2003), outro fator dentro da lógica
das competências que não favorece à profissionalização dos professores.
Essa análise respalda a afirmação de que o ideário neoliberal presente nas políticas
educacionais na forma da pedagogia do aprender a aprender e do professor como prático-
reflexivo, não contribui para a profissionalização da categoria de docentes que lecionam em
creches. Segundo Freitas (2003), a lógica das competências atua no sentido de colocar em
46
Na prática o que temos nesse quadro de um Estado regulador são os professores, a todo
momento, tendo que provar suas competências individuais para se manterem no trabalho e
assim como poderão, sem ainda contar com uma formação de “natureza histórica-social”
(FREITAS, 2003) firmar-se como coletivo para elevar a condição de sua categoria à
profissionais da educação, superando a alienação do cotidiano?
Importante salientar que reconhecer que os professores já estão habilitados à exercerem
sua profissão quando são certificados para isso, não quer dizer que não seja importante
continuarem se aprimorando. É fato que todo profissional necessita sempre elevar seu nível de
conhecimento, o que se critica, na lógica das competências, é usar desse argumento para
desqualificar o trabalhador e controlar seu trabalho.
Sobre esse aparente discurso de melhoria profissional que, na verdade, possui como base
justamente a ideia contraria, temos a análise de Contreras (2012) na qual evidencia como o
discurso sobre profissionalismo pode ser usado com diferentes finalidades.
De acordo com autor, o discurso sobre o profissionalismo é usado para o controle dos
professores quando o seu trabalho passa a ser desenvolvido pela racionalização do ensino. Esse
processo de racionalização do ensino é o mesmo pelo qual está submetida a classe trabalhadora
dentro da lógica do modo de produção capitalista. Dessa forma, o trabalho do professor é
reduzido ao desempenho de tarefas isoladas e rotineiras, tarefas sob as quais não tem poder de
decisão e não participa da elaboração. Há uma divisão do trabalho entre os que elaboram e os
que executam. Neste processo ocorre a desvalorização do trabalho do professor que deixa de
adquirir conhecimentos relativos ao planejamento da sua ação.
A hierarquização de funções dentro da escola e a redução do currículo em elementos
mínimos de realização são mecanismos de controle do trabalho do professor. Segundo
Contreras (2012), a profissionalização, neste contexto, seria um autoengano, uma vez que o
trabalho do professor é desvalorizado para em seguida ser valorizado mediante a aquisição de
novas competências técnicas que possibilitem manutenção da racionalização do ensino.
Assim os professores acham que estão adquirindo conhecimentos que concorrem para
o seu profissionalismo, quando na verdade estão adquirindo mais responsabilidades técnicas,
47
para apenas executar tarefas pensadas exteriormente, elaboradas à margem de suas aspirações
educativas. Assim a “ideologia do profissionalismo acaba se transformando em uma forma de
controle” (CONTRERAS, 2012, p. 46).
O autor relaciona essa forma de conceber o profissionalismo com a proletarização do
trabalho do professor, fenômeno em que eles perdem as qualidades e as condições de trabalho
que concorrem para a construção do status de profissionais. Essa proletarização e consequente
falsa ideia de profissionalismo se dá pelos processos de racionalização do ensino.
Os processos de racionalização do ensino, tiveram início no Brasil com a implementação
da concepção produtivista na educação. Essa concepção teve sua predominância a partir de
1969 e foi implementada, no sistema escolar por meio de decretos e leis durante o golpe militar
em de 1964. Essa tendência educacional é atualmente dominante no Brasil e se manifesta pelos
princípios de racionalidade e produtividade tendo como corolários a não duplicação de meios
para fins idênticos e a busca do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio (SAVIANI,
2005, p. 19).
Essa busca pela alta produtividade com baixos investimentos preconizada pelo atual
modelo econômico baseado no neoliberalismo se estende para o trabalho do professor. Exemplo
dessa influência é a visão de professor que trabalha se dedicando devotamente aos alunos
mesmo em condições adversas, com estrutura precária, sem materiais de trabalho e formação
adequada, vinculadas pela mídia, como o programa da Rede Globo em 1999 que trazia a história
de vida de professores considerados modelo (ARCE, 2010).
Ao vincular essa imagem de professor como modelo, reforçou-se como características
principais do trabalho do professor ser um missionário que trabalha incansavelmente para
educar os mais pobres e não a visão de um profissional qualificado que precisa de um ambiente
equipado para realizar seu trabalho (ARCE, 2010). A influência do neoliberalismo nessa
concepção de trabalho docente é problematizada por Arce (2010, p. 57),
No entanto, essa imagem do professor, integrante de uma comunidade, que dá
aulas em locais improvisados, é tão pobre quanto a imagem de que seus alunos
jamais terão chances (assim como ele não teve) de alterar sua condição social,
é uma imagem que aparece como algo natural e saudável. Quem sabe se toda
a comunidade se esforçar, essa situação não possa ser mudada? Entretanto, a
prova mais cabal de que esforço individual ou mesmo comunitário por si só
não alterará a vida dos indivíduos é a própria vida dos professores
apresentados como exemplos e as precárias condições nas quais trabalham.
Dentro dessa valorização do pragmatismo e negação dos conteúdos, por impor aos
alunos conceitos que estão fora do seu mundo, o professor não é caracterizado como aquele que
ensina, pois a ele cabe apenas ajudar o aluno a construir seu próprio conhecimento. Pensando
na relação professor/aluno dentro dessa ótica, o significado se der criança é ter direitos, ser um
consumidor em potencial e direcionar sua própria educação (ARCE, 2010).
Assim, a máxima expressão das ideias neoliberais e do pós-modernismo na educação,
se dá pelo construtivismo, que tomado como orientação pedagógica, coloca a educação com a
função de desenvolver nos indivíduos a capacidade adaptativa para que todos possam
sobreviver (ARCE, 2010).
A ideia de profissão docente gestada sobre a concepção nova ou moderna e nas suas
manifestações atuais no construtivismo, pedagogia das competências e professor reflexivo, não
são propícias à alterar o modelo profissional em que o professor de creche se encontra inserido.
Essa realidade, de desprofissionalização, é uma construção histórica e social que não
poderá ser alterada somente com a tomada de consciência dos professores, pois depende de
49
Para Arce e Martins (2007) superar o modelo anti-escolar é o desafio atual da educação
infantil, após ter ultrapassado o caráter assistencialista à que esteve subjulgada no processo
histórico de institucionalização.
Há nessa proposta de conceber a creche como espaço escolar a configuração do papel
do professor como aquele que ensina. A perspectiva do professor que ensina, é um apelo à
superação do espontaneísmo nas práticas de educação infantil, de conceber que se é possível a
aprendizagem de saberes clássicos por crianças no início de sua escolarização, logo é
imprescindível a ação direta do professor mediante o ensino. É ele que, intencionalmente,
planeja sua ação pedagógica assim, a diretividade é elemento central do seu trabalho o que se
choca com a ideia de concebe-lo como mero mediador ou parceiro mais experiente.
51
O profissional que atuará na creche, segundo os requisitos descritos por Arce (2001)
compreendem o que Ferreira (2011) entende como trabalhador autônomo. Para autora o
trabalhador autônomo é tomado no sentido de propor seu projeto pedagógico em consonância
com a sua realidade e seus colegas. Segundo ela, a noção de competência está tão atrelada aos
discursos que chegam a contribuir para que se construa condições sócio-políticas relativas ao
trabalho, assim, se torna imprescindível “[...] revelar a necessidade de superação do trabalho
rotineiro, marcado por tempos e etapas, abrindo espaço para o aprender ininterrupto do trabalho
e da profissão, em contínuo processo de renovação” (FERREIRA, 2011, p. 126).
A noção de competência para Ferreira (2011) se caracteriza por ser demasiada e
concretamente praticada e evidenciada, os sujeitos são associados às suas potencialidades
aplicadas em uma vivencia, no real. Sobre essa exacerbação da prática, Ramos (2002, p. 401)
observa a noção de competência aplicada a de qualificação. A autora caracteriza a qualificação
por meio de 3 dimensões de acordo com Schwartz (1995), que são a conceitual, social e
experimental:
A primeira define-a como função do registro de conceitos teóricos e
formalizados, associando-a aos títulos e diplomas. A segunda coloca a
qualificação no âmbito das relações sociais que se estabelecem entre
conteúdos das atividades e classificações hierárquicas, bem como ao conjunto
de regras e direitos relativos ao exercício profissional construídos
coletivamente. Por fim, a terceira dimensão está relacionada ao conteúdo real
do trabalho, em que se inscrevem não somente os conceitos, mas o conjunto
de saberes postos em jogo quando da realização do trabalho.
p. 405), como: “[...] costume e da tradição socialmente construídos, do prestígio social das
profissões, do nível de organização coletiva de uma categoria, das regras e disputas
corporativas, das disputas internas a categorias e entre trabalhadores de uma mesma categoria,
entre outras”. Isso explica porque os docentes, devidamente habilitados como tal, ainda não
possuem esse reconhecimento na esfera profissional do trabalho na creche.
Ramos (2002) observa que desde as mudanças tecnológicas e organizacionais do
trabalho nos países com capitalismo avançado a partir de meados da década de 80, a noção de
qualificação tem sido tencionada pela competência pelo enfraquecimento das dimensões
conceitual e social em benefício da experimental, o que demonstra um determinismo
tecnológico. A dimensão conceitual é enfraquecida pela relevância que os saberes tácitos e
sociais adquirem sob os formais. A dimensão experimental se sobressai no contexto em que as
potencialidades individuais se sobrepõem às negociações coletivas, as relações sociais se
pautam cada vez menos por parâmetros coletivos e políticos, para se orientarem por parâmetros
individuais e técnicos.
Esse caráter experimental é próprio da noção de competência, que como explica Ramos
(2002), tem suas raízes na psicologia e chama a atenção para os atributos subjetivos mobilizados
no trabalho, sob a forma de capacidades cognitivas, socioafetivas e psicomotoras. A autora
explica os limites de uma educação profissional que tenha suas formas de conhecimento a partir
da prática. Explica que ainda que a educação profissional seja de natureza prática não significa
que a ação deva ter preeminência sobre os conceitos.
De acordo com Ramos (2002) dentro de uma concepção neopragmática é o pensamento
reflexivo que leva a construção do conhecimento, que adquire um caráter subjetivo,
instrumental e espontaneísta, adquirindo validade somente quando surgem como respostas à
problemas práticos. Utilizando a teoria de Vygotsky sobre os conceitos científicos, a autora
refuta essa concepção, demonstrando suas limitações para formação do sujeito, uma vez que
são os conceitos científicos que permitem a superação do senso comum e que não podem ser
apreendidos na superficialidade dos fenômenos na sua forma aparente cotidiana. Destaca os
conceitos científicos como condição sine qua non do agir competente.
Com essa perspectiva a autora problematiza a centralidade do saber fazer na noção de
competência atual e reafirma a importância da escola propiciar aos alunos a socialização das
formas mais elaboradas do saber objetivo. Quanto a formação profissional, conclui que os
processos de trabalho compõem uma totalidade histórica é mais complexa do que a soma das
atividades que a constituem, e, portanto, para compreendê-los ao ponto de dominá-los e
transformá-los exigem a apropriação dos conceitos científicos que os estruturam.
53
Assim, adotando uma perspectiva totalizante dos processos de trabalho nos quais se
encontram hoje os professores que lecionam em creches, não basta dizer que lhes falta
conhecimentos técnico especializado para elevar seu status ocupacional e que isso seria sanado
aumentado a carga horária de prática nesse segmento nos cursos de formação de professores,
mas sim considerar que, enquanto trabalhadores são sujeitos na realidade, construindo relações
complexas e contraditórias de trabalho.
Justifica-se então, inserir a discussão sobre a profissionalização dos professores que
trabalham em creche dentro do movimento maior de conceber a creche enquanto espaço de
educação formal em que a criança inicia seu processo de escolarização. Há que se entender o
trabalho do professor na creche dentro de um movimento histórico, de relações sociais e
políticas concretas.
No campo da educação infantil, Saviani (2012), reconhece que há uma ambiguidade no
reconhecimento de um currículo para essa etapa de educação, seja pela ideia de que ele não
passa de uma listagem de disciplina e temas, por não o considerar necessário frente a ênfase no
lúdico e no cuidado ou mesmo o inverso, atestando a necessidade de um currículo que prepare
para o ensino fundamental e que portanto, lhe seja similar.
A autora problematiza o fato de se tratar educação infantil e educação escolar como
situações distintas. Atribui a tradição da educação brasileira de reconhecer o início da
escolarização a partir dos 7 anos, com o ensino da leitura, escrita e cálculo, o motivo desse
apartamento. Saviani (2012) percebe ainda que a resistência em atribuir à educação infantil
desde a creche, o caráter de educação e assim se desvencilhar da dimensão assistencial atribuída
historicamente, se origina por dois motivos. O primeiro seria pela incompreensão ou
subestimação do papel mediador da escola no desenvolvimento dos processos de apropriação
sistematizada dos múltiplos elementos culturais. A visão estereotipada da escola, amorfa e sem
vida seria o outro motivo.
A oposição ao ensino na educação infantil é vista por Barbosa (2012) como resultante
de uma perspectiva pedagógica que, orientada pelo critério de idade ou por etapas do
desenvolvimento, coloca-o como condicionante das opções curriculares, decorrendo disso a
compreensão da noção de sociabilidade independente da mediação do conhecimento. Barbosa
(2012, p. 109) identifica nessa matriz chamada de psicológica pragmática “[..] a origem
filosófica em teóricos do pragmatismo que evidenciam o aspecto ativo das aprendizagens e
educação como instrumento de adaptação”.
A educação escolar, é entendida por Savani (2012) como uma esfera especial da
atividade humana que tem sua especificidade na socialização do conhecimento sistematizado e
54
necessários para o aprendizado da leitura, escrita, cálculo e etc., não surgem espontaneamente
e desenvolvem-se no processo de formação, do nascimento até toda a escolaridade.
Barbosa (2012) observa não ser necessário esperar um determinado momento do
desenvolvimento para se iniciar os processos formais de escolaridade uma vez que o processo
educacional, na visão defendida pelas autoras, segue o princípio que entende a educação como
promotora da humanidade nos indivíduos e assim cabe ao ensino possibilitar um repertório de
conhecimentos que servirão de base para as aquisições cognitivas e fundamentos para suas
atividades intelectuais.
A negação do ensino como atividade eficiente para garantir tal acesso pelas crianças na
creche é fruto da matriz psicológica pragmática que está presente em diferentes discursos e
documentos que regulamentam a educação para infância, de acordo com Barbosa (2012). A
apropriação dos bens culturais das crianças pelo ensino significa conceber as relações de
conhecimentos, saberes e técnicas culturais que viabilizam o desenvolvimento. Por isso essa
vertente é oposta à abordagem naturalista de desenvolvimento.
Um modelo de educação pautado pelos princípios de que a criança avança nos seus
níveis de conhecimento a partir da relação sistemática com saberes científicos e socialmente
relevantes implica em um trabalho escolar em que a atividade das crianças ocorre por
intermédio da ação do ensino do professor. A ação do professor é imprescindível para alterar o
curso do desenvolvimento já alcançado pelas crianças (BARBOSA, 2012).
Essa ação do professor é diferente da realizada dentro de uma perspectiva genético-
funcional. Nessa perspectiva, Barbosa (2012, p. 125) explica que,
“[...] o desenvolvimento é fruto de uma progressiva evolução mental que
caminha no sentido da adaptação mental e do equilíbrio das estruturas
cognitivas individuais que buscam um estado constante de harmonia com as
solicitações do meio externo. Por esse princípio as relações sociais e os
elementos que as condicionam são pensados dentro dessa perspectiva, não no
sentido de identificar o que elas acrescentam ao desenvolvimento, mas
somente do que elas solicitam ao processo de adaptação.
Nesse sentido, o meio externo será sempre configurado de forma a ficar passível de
compreensão dentro de um nível de desenvolvimento já atingido pelos indivíduos. O papel do
professor nesse modelo fica em segundo plano e o que tem principal relevância é a ação da
criança que estabelecerá relações dentro das possibilidades viabilizadas pelo seu nível de
desenvolvimento, “[...] é como se admitíssemos que o simples contato das crianças com os
fenômenos ou objetos culturais fosse suficiente para lhes garantir a aquisição dos instrumentos
56
A discussão sobre a formação inicial dos professores não é recente, de acordo com
Kishimoto (1999) o surgimento do curso de Pedagogia data dos anos 30 e há poucas
informações sobre isso e menos ainda sobre a formação de profissionais para Educação Infantil.
Febrônio (2011) lembra que não foi sempre que o curso de Pedagogia habilitou os profissionais
para atuarem na Educação Infantil, pois tinha a tradição de formar o formador ou Pedagogo.
Já para Kishimoto (1999) as discussões sobre a falta de identidade do curso, que ocorrem
desde a década de 60, ocorrem por desconhecer suas raízes voltadas para formação docente, na
sua criação na década de 30 já havia um modelo pedagógico e institucional que integrava
bacharelado e licenciatura. A identidade do curso, na visão da autora é exatamente formar
professores paralelamente à outras funções do campo pedagógico.
Para a autora, na década de 90 a discussão era a respeito da natureza do curso, “se deve
formar especialistas ou professores, ou seja, se a pedagogia tem afinidades com ciências da
educação e, portanto, restringe-se ao aprofundamento de estudos na área ou se envolve também
questões de formação docente” (KISHIMOTO, 1999, p.65).
Essa problemática sobre a identidade do curso de Pedagogia, se é uma formação de
professores ou especialistas em Educação, ganhou novos contornos com a publicação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, instituídas pela Resolução do
Conselho Nacional de Educação, nº. 01, de 15 de maio de 2006, e identificadas nos Pareceres
CNE/CP nº. 5/2005 e nº. 3/2006 (CRUZ E AROSA).
Cruz e Arosa (2014) descreveram que o processo de elaboração das Diretrizes foi
marcado por muitas discussões durante um longo e difícil período. Este processo envolveu a
criação de Comissões de Especialistas de Ensino (CEE) para elaboração das diretrizes
curriculares dos cursos representados que posteriormente seriam analisadas pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE). A CEE de Pedagogia (CEEP) foi composta em 1998 e
recomposta em 2000. De acordo com os autores as Diretrizes surgiram como resposta à
necessidade de reorganizar o sistema de ensino em todos os níveis após a LDB 9394/96.
Uma das principais características desse documento é firmar a Pedagogia como uma
licenciatura e colocar a docência como a base da formação. Essa abordagem para o curso gerou
muitas críticas, ainda durante a sua elaboração:
[...] reduziu o curso de Pedagogia ao que se pretendeu estabelecer para o curso
Normal Superior; desconsiderou o curso de Pedagogia como o espaço
60
entre tantos outros, ao exercerem suas atividades estariam exercendo a docência” (LIBÂNEO,
2006, p. 845).
O autor faz várias considerações a respeito das Diretrizes, que não se pretende esgotar
neste trabalho, no entanto ele cita três consequências das imprevisões conceituais presentes no
texto que podem afetar diretamente as discussões sobre a formação inicial de professores para
o trabalho na Educação Infantil.
Segundo o autor, ao não diferenciar as atribuições profissionais do especialista em
educação e as do professor, as diretrizes podem promover: “a) sobrecarga disciplinar no
currículo para cobrir todas as tarefas previstas para o professor; b) ausência de conteúdos
específicos das disciplinas do currículo do ensino fundamental” (LIBÂNEO, 2006, p. 861). Se
os conteúdos relacionados à atuação do professor na creche já são preteridos nos currículos dos
cursos de Pedagogia, com a adição de mais funções para o professor não haverá tempo hábil
para formá-lo para desempenhar todas as funções previstas para o curso, o que aumentará a
precariedade da formação do mesmo.
Outra consequência são as “perdas que sofrerão as escolas sem a formação específica
de administradores escolares, coordenadores pedagógicos, psicopedagogos no curso de
pedagogia” (LIBÂNEO, 2006, p.861). Para as creches que ainda estão em processo de
constituição e afirmação de sua identidade educativa, é fundamental possuir gestores que
organizem e viabilizem o trabalho docente conforme as recentes referências que articulam as
ações de cuidar e educar.
Sem a presença destes especialistas em educação na escola, corre-se o risco de continuar
reproduzindo a visão dicotômica entre essas duas esferas, com professores trabalhando com
ideias pré-concebidas sobre o trabalho com crianças menores de três anos, sem a oportunidade
de rever conceitos ou mesmo de contar com uma estrutura de formação na instituição que
viabilize a produção de novos saberes por meio do estudo coletivo entre os docentes.
E por fim na “secundarização da organização e gestão nas escolas em decorrência da
destinação do curso de pedagogia exclusivamente para a formação de professores” (LIBÂNEO,
2006, p. 863), o autor ressalta que o trabalho de organização e gestão das escolas é fundamental
para realizar os objetivos da escola.
Para alterar a situação das creches, é necessário também, um profissional com sólida
formação pedagógica, que conheça o processo histórico e os fatores econômicos, políticos,
sociais e culturais que resultaram na atual configuração do atendimento educacional para
crianças menores de três anos. Assim, compreende-se a formação, no sentindo proposto por
Martins (2010a, p.10), “[...] como uma trajetória de formação de indivíduos, intencionalmente
62
planejada, para a efetivação de determinada prática social.” Sendo essa prática historicamente
situada estabelece-se, segundo a autora, uma tensão entre o dever ser da formação e as
possibilidades concretas para sua efetivação, assim à que se lutar para superação das condições
que colocam obstáculos para esse dever ser.
É preciso então considerar que há, uma via de mão dupla na relação entre formação e
trabalho, sob a formação se depositam expectativas de formar um profissional que seja capaz
de atuar com propriedade ao mesmo tempo que, quanto piores as condições de trabalho que um
profissional encontrará, maior a tendência de considerar que não é necessária uma boa
formação.
A longo prazo, os sujeitos poderão deixar de procurar uma formação consistente,
tendendo a realizar formações rápidas e aligeiradas já que a perspectiva de trabalho é precária
em relação às condições de exercício da função e carreira. O contrário também ocorre, quando
as condições de formação não concorrem para o pleno desenvolvimento do indivíduo, esta
converte o trabalho
Assim, formação e trabalho, trabalho e formação são duas esferas, com suas condições
particulares, que atuam de forma dialética na constituição do valor profissional do trabalho do
professor. Quando essas condições não são as ideais para o seu desenvolvimento se estabelece
a necessidade de superá-las.
É, portanto, viável e necessário a análise das condições sob as quais ocorre a formação
de professores. No que tange a formação para atuar nas creches, dentro de um quadro de
discussão maior sobre a generalidade do trabalho do professor, ainda há controvérsias e
imprecisões sobre a especificidade da docência com crianças menores de três anos, como se
pode verificar nos textos legais.
Na Deliberação CEE 126/2014 (SÃO PAULO, 2014) que altera dispositivos da
Deliberação 111/2012, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo, no título I delibera que
a educação básica, para fins de formação docente, será dividida em educação infantil, anos
iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental e ensino médio. Entende-se
deste item que para atuar em qualquer um dos níveis mencionados da educação básica é
necessário uma formação na docência.
No entanto, no capítulo I da referida deliberação, que dispõe sobre a formação docente,
é acrescentado um parágrafo único em que consta que a formação de professores para creches,
para a educação especial e para profissionais não docentes para as creches serão objeto de
regulamentações próprias.
63
Esse item foi amplamente discutido e contestado pelas Universidades Públicas Paulistas
que produziram uma carta durante o Fórum das Universidades Públicas no Estado de SP – Em
defesa da Educação Pública, enviada ao Conselho Estadual de Educação. Na carta foi
questionado o estabelecimento de uma regulamentação especial para a formação de professores
para as creches por sugerir que essa formação não seria feita no âmbito dos cursos de Pedagogia.
Esse possível apartamento da formação docente dos cursos de Pedagogia poderia
comprometer as conquistas históricas do direito adquirido do ingresso de todas as crianças,
desde o nascimento, ao sistema educativo, ao comprometer a qualidade da formação recebida
pelos futuros professores.
Também é questionado na carta, a concepção de formação subjacente. De acordo com
o documento há uma perspectiva fragmentada e dualista da formação do profissional de
educação, que pode ser realizada em Cursos Normais Superiores e Cursos de Pedagogia. Esse
dualismo é decorrente do estabelecimento de uma carga horária para o Curso Normal Superior
inferior ao curso de Pedagogia. Nessa mesma linha, questiona-se a supressão da educação das
crianças menores de três anos da deliberação, o que expressaria uma concepção restritiva à
atuação do pedagogo e do professor, contrariando as deliberações nacionais.
Essa deliberação não foi revogada e ainda vigora, sendo mais recentemente utilizada
para a deliberação CEE 154/2017 (SÃO PAULO, 2017), que dispõe sobre alteração da
Deliberação CEE 111/2012. Nesta, o Conselho Estadual de Educação (CEE) de São Paulo, no
uso de suas atribuições, em conformidade com o disposto no inciso XIX do artigo 2º, da Lei
Estadual 10.403/1971, com fundamento no inciso V, art. 10 e inciso II, art. 52 da Lei 9394/96,
e considerando as disposições da Resolução CNE/CP 02/2015 - Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a formação continuada, e na
Indicação CEE 160/2017, delibera a nova redação da deliberação CEE 111/2012.
A nova redação, suscitada principalmente pela publicação da Resolução CNE/CP
02/2015 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e para a
formação continuada, tem gerado amplas discussões por setores da área, dentre eles, a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação- Anped, por acreditar que
promove retrocesso nas conquistas sobre a formação de professores. O Conselho Estadual de
Educação (CEE) de São Paulo tem publicado uma série de deliberações com vistas a
regulamentar os processos de formação de professores, a saber:
A Deliberação CEE 111/2012 alterada posteriormente pela Deliberação CEE
126/2014 e Deliberação CEE 132/2015, estabeleceu as Diretrizes Curriculares
Complementares à Formação de Professores para Educação Básica oferecida
pelas IES vinculadas ao Sistema Estadual. Esta Deliberação está apoiada e
64
fundamentada pela Indicação CEE 127/14 que tem como objetivo priorizar e
propor conhecimentos que potencializem as competências necessárias à
prática da docência e à gestão do ensino. (SÃO PAULO, 2017, p.1).
Neste artigo, que faz parte do Capítulo I da formação docente para a educação infantil
e anos iniciais do ensino fundamental, ao se referir especificamente sobre a pré-escola e não
usar o termo educação infantil, que abarcaria as duas modalidades em que essa é desenvolvida,
creche e pré-escola, é um indicativo que a natureza do trabalho do professor na creche ainda é
objeto de falta de consenso e explicitações.
A supressão da creche nesse artigo pode levar ao entendimento que para atuar nessa
modalidade o professor não precisa de “[...] competências voltadas para a prática da docência
e da gestão do ensino [..]”. Como esse artigo exclui a creche e em todos os outros não há
menção específica à ela e a referência se faz utilizando o termo educação infantil, fica a dúvida
65
se a formação para o professor da creche não faz jus a esses conhecimentos educacionais,
pedagógicos e didáticos necessários para a prática da docência e da gestão do ensino, ou se
necessita de conhecimentos diferenciados, estes também não estão previstos na deliberação.
Sabendo que a formação é um processo intencional e planejado com vistas à uma
determinada pratica social (MARTINS, 2010a), a omissão sobre os conhecimentos necessários
para o professor atuar na creche, via a menção apenas da pré-escola, remete a consideração
sobre o valor da educação escolar para crianças menores de três anos, uma vez que, assim como
observa Martins (2010a,) há uma relação entre a formação para determinado tipo de trabalho e
os resultados esperados dele, que são expressões das demandas hegemônicas da sociedade,
sendo necessária a análise dos condicionantes dessa relação.
Assim, a formação para o trabalho de professor na creche deveria estar pautada no
resultado que se pretende da educação escolar e por conseguinte da ação do professor nos
sujeitos em formação, no caso, as crianças menores de três anos. Fica, portanto, em aberto o
questionamento: professor na creche para quê? Como deve ser direcionada a sua formação? A
omissão dessa finalidade para a formação remete a dois entendimentos: que o objetivo para essa
etapa da educação escolar é o mesmo estabelecido para as outras ou revela o caráter marginal
com que a educação escolar de crianças menores de três anos tem sido tratada pelas políticas
públicas, incluindo-se a de formação de professores.
Nesse sentido, se a inclusão das creches no sistema educativo se configura como um
avanço, a tendência da exclusão da formação para a creche ou a falta de especificações para a
mesma no curso de Pedagogia representaria um retrocesso com consequências negativas para a
profissionalização dos professores, podendo reforçar a tendência de acreditar que essa etapa
não possui sua especificidade enquanto educação escolar com seu papel imprescindível na
aquisição de bens culturais elaborados que permitam o máximo desenvolvimento humano e que
assim pode ser desempenhado por qualquer profissional. Kuhlmann Jr. (2007, p. 55) destaca a
implicação social da inclusão da creche no sistema educacional:
A vinculação de creches e pré-escolas ao nosso sistema educacional representa
uma conquista do ponto de vista da superação de uma situação administrativa
que mantinha um segmento de instituições educacionais para os pobres,
segregado do ensino regular, com todo o peso dos preconceitos relacionados
a isso.
ensino, como se fosse possível dirigir alguma ação às crianças em instituições formais, sem que
exista um projeto educativo, mesmo que os profissionais não tenham consciência que estejam
colocando em prática um determinado tipo de formação.
É neste aspecto que a formação inicial pode contribuir para que a defesa do
profissionalismo pelos professores que lecionam em creche resulte na valorização e
reconhecimento do seu trabalho. Desenvolver um trabalho sem referências teóricas, sem
finalidades condizentes com um projeto educativo que considere a creche como um espaço de
início da educação escolar pode ajudar na manutenção das condições desiguais do exercício da
profissão nesta etapa, como esclarece Enguita (1991, p.59):
O professor que prefere trabalhar somente o mínimo se adapta normalmente a
uma espécie de “acordo brezhnieviano” que consiste em conformar-se com
receber pouco em troca de não dar mais. Com este comportamento degrada a
imagem de sua categoria e cerceia as oportunidades daqueles que trabalham
mais duramente de receber uma recompensa adequada. Quando estes últimos
explodem justamente por não ver reconhecido o valor do seu trabalho, então
se invoca a bandeira do igualitarismo e da solidariedade do setor e consegue
ser aceito, porque sua participação é necessária numa confrontação, e pela
solidariedade efetiva daqueles aos quais não deu mostras de tal no trabalho
cotidiano.
Nesse sentido, a formação docente não é abordada como fator que explica as condições
profissionais dos professores que lecionam em creche, e nem como meio exclusivo de alteração
dessas condições, pois, como afirma Hypólito (1991), uma análise desse tipo acarretaria uma
interpretação economicista e determinista da escola e da formação. Sabendo da importância da
formação inicial como promotora de condições históricas para a manutenção ou superação de
modelos de organização da educação se faz necessário a explicitação das concepções
pedagógicas que norteiam o trabalho educativo e assim incidem sobre a formação de
professores, podendo ser consideradas também como um dos determinantes que atuam na
relação de formação para um trabalho e os resultados esperados desse.
Autores como, Martins (2007, 2010a), Duarte (2001, 2005, 2010), Arce (2001, 2002,
2010), Facci (2010), Ferreira (2011), Freitas (2003), observam a influência da lógica mercantil
na educação, se manifestando nesse campo pelos ideários neotecnicistas e neoconstrutivismo,
que são desdobramentos da pedagogia moderna ou nova com características do atual modelo
econômico. Segundo Martins (2010a), os mesmos processos instaurados para prática docente
se manifestam na sua formação. Essa lógica de formação diz respeito ao ideário do aprender
68
que se apresenta na formação docente com a preponderância do saber fazer sob os outros
saberes.
Ferreira (2011) refuta as perspectivas que adotam o trabalho do professor apenas como
prática, argumentando que os processos educativos profissionais dos professores necessitam
muito mais do que formação continuada, mas a inserção nos complexos processos da profissão.
Assim a autora considera que a aplicação dos princípios das pedagogias do aprender a aprender
(DUARTE, 2001) à formação nas licenciaturas e nas chamadas formações continuadas, como
oportunidades de preparação para a profissão reduzem o trabalho do professor a um prático. Ao
tratar prática e trabalho como sinônimos, quando não o são já que são duas abordagens
diferenciadas do fazer humano, Ferreira (2011) acredita que está, pelo menos no discurso,
contribuindo para minimização do trabalho do professor.
No interior dessas pedagogias contemporâneas há uma descaracterização do papel do
professor. Essa descaracterização é decorrente dos princípios destas pedagogias. Duarte (2010)
elenca os princípios das pedagogias hegemônicas: falta de uma perspectiva de superação da
sociedade capitalista e concepção idealista entre educação e sociedade, negação da perspectiva
de totalidade e consequente visão relativista do conhecimento e da cultura, cotidiano do aluno
como referência central das atividades escolares e consequente visão utilitarista e pragmática
do conhecimento e por fim e também decorrente dos demais princípios a supervalorização do
conhecimento tático.
Para o autor, em última instância, esses princípios levam a uma falta de definição do
que deve ser ensinado para os alunos na escola, impactando diretamente na definição do
currículo. Nesse sentido o professor tem seu trabalho reduzido a "[...] um organizador de
atividades que promovam o que alguns chamam de negociação de significados construídos no
cotidiano dos alunos [...]" (DUARTE, 2010, p. 38). Nesse sentido, sem finalidades para
educação escolar esvazia-se também as finalidades para o trabalho do professor afetando todo
seu processo de formação.
Assim, persiste o questionamento: quando não se assume e se explicita um objetivo
próprio para a educação escolar para as crianças da creche está se assumindo os objetivos
estabelecidos para a educação básica como todo ou continua-se reproduzindo a marginalização
desta etapa no sistema escolar mediante a falta de delimitação da especificidade da educação
escolar para as crianças menores de três anos? Quais são as implicações disso para o trabalho e
formação dos professores?
O problema sobre a formação inicial dos professores para o exercício da docência na
creche e sua relação com o desenvolvimento do profissionalismo desta categoria, será apreciado
69
5 METODOLOGIA
5.1.1-Pré-análise:
Após a identificação dos materiais disponíveis para consulta no site, foi solicitado aos
coordenadores dos cursos que não apresentavam o PPP que enviassem via e-mail.
Para exploração dos documentos selecionados, realizou-se a leitura de cada PPP para
conhecer seu formato e depois foi realizado a comparação entre eles levantando os tópicos
comuns e específicos a cada curso.
74
Para essa primeira leitura dos PPPs, algumas questões nortearam a busca de informações
sobre a formação de professores para creche: qual o perfil profissional estabelecido para o
professor que atuará na creche? Esse perfil se difere do estabelecido para a educação escolar
em geral? No que se baseia essa diferenciação? Quando se trata de educação infantil é fornecida
a mesma atenção para creche e pré-escola? se não é, há motivos explicitados para isso?
As questões iniciais e referenciais teóricos orientaram o estudo aprofundado do corpus
de documentos (TRIVIÑOS, 1987). De acordo com Minayo (2001) a exploração consiste na
operação de codificação, que é uma transformação, seguindo regras especificadas dos dados de
um texto, procurando agrupá-los em unidades que permitam uma representação do conteúdo
desse texto.
Considerando que a pesquisa teve por objetivo identificar e analisar as propostas de
formação do professor para atuar na creche, pensando na contribuição para o desenvolvimento
da profissionalização desta categoria de docentes, tornou-se interesse destacar como os PPPs
definem: 1) perfil profissional formado pelo curso de pedagogia, 2) o perfil profissional do
professor, considerando-se apenas o que caracteriza sua ação com os alunos no espaço escolar,
3) a definição e reconhecimento dos níveis de escolarização da educação básica e por fim 4) a
própria definição da finalidade da escola. Esses se constituíram nos eixos de análise.
A leitura dos PPPs foi realizada com base na codificação trabalhada pela análise
temática tradicional, recortando o texto em unidades de registro, escolhendo as regras de
contagem e realizando a classificação e agregação dos dados mediante o estabelecimento das
categorias teóricas ou empíricas (MINAYO, 2001).
Recortando o conteúdo dos PPPs, orientado pelas categorias, foi possível ter um
panorama do que se considera o trabalho do professor para atuar na creche em relação ao que é
considerado como trabalho do professor na educação escolar.
Nesse sentido, e verificando que todos os PPPs apresentavam conteúdos sobre
concepções quanto formação profissional, trabalho do professor especificamente com os alunos
no espaço escolar, concepção do que compreende o processo educacional em cada etapa da
educação básica e definição do papel da escola. Definiu-se então quatro eixos:
A- Denominação do profissional formado pelo curso de pedagogia
B- Finalidade da ação do professor com os alunos
C- Referência às etapas da Educação Básica
D- Definição de escola
Esses eixos permitiram analisar os PPPs segundo o objetivo de pesquisa, sendo que não
se pretendeu com elas problematizar toda a formação de professores nos cursos de pedagogia e
75
A partir da leitura dos documentos, foi possível depreender informações que permitiram
identificar como se constituem e se manifestam os significados e sentidos da docência na
creche, nas propostas de formação inicial, em relação ao estabelecido para a educação escolar
como um todo.
Os resultados são apresentados por uma descrição do conteúdo do curso norteado pelos
eixos de análise. A apresentação é feita por curso e depois são comparados os conteúdos,
destacando o que foi recorrente em todos e específico em cada um, sobre a formação dos
professores para atuação na creche, com base em referenciais teóricos sobre o assunto no curso
de pedagogia, a perspectiva histórico-cultural de educação escolar,
A análise evidenciou em que medida o que se colocava no PPP sobre perfis
profissionais, educação escolar, ação do professor e finalidades de cada nível da educação
escolar se aplicou à creche e o que houve necessidade de ser diferenciando, explicitando a
natureza dessa diferenciação.
Essa análise seguiu o proposto de Trivinõs (1987) procurando desvendar o conteúdo
latente, indo além das conclusões apoiadas em dados quantitativos com base nos conteúdos
manifestos. É a análise dos conteúdos latentes que supera a simples denuncia de realidades
negativas para o indivíduo e a sociedade e possibilita a descoberta de ideologias, tendências e
etc. dos fenômenos sociais.
Sabendo da complexidade da formação de professores dentro do curso de Pedagogia,
justamente pela ampla margem de perfis profissionais que seu processo formativo abarca, frente
o tempo insuficiente de formação para isso, quatro anos, para não citar outros entraves, a
presente investigação revelou e destacou um aspecto dessa formação, que é a preparação dos
profissionais da educação para o trabalho docente na creche, revelando as premissas que
constituem a concepção deste trabalho, sem esquecer da amplitude profissional e formativa em
que esse perfil está inserido.
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Mesmo com a tônica nos processos formativos para a docência, o curso não possuía
condições estruturais na época (restrições orçamentárias), de atender à formação para educação
infantil, mesmo reconhecendo sua importância e demanda, focou apenas a formação de
professores para os anos iniciais do ensino fundamental e para alunos com necessidades
especiais. Esse formato foi viabilizado pelo sólido embasamento em ensino, pesquisa e extensão
adquiridos ao longo dos anos pela instituição, sendo que a incorporação da formação para
educação infantil ocorreu apenas na reestruturação curricular implementada em 2007.
Após esses processos de reestruturação a proposta formativa do PPP assume o curso de
Pedagogia como formação de professores para os anos iniciais do ensino fundamental;
formação de professores para a educação infantil; a formação de profissionais para o exercício
de funções de apoio escolar (gestão, planejamento e coordenação de sistemas, unidades, e
experiências educacionais escolares), e oferecimento de formação complementar para formação
de professores em Educação Especial.
Diante destas diferentes modalidades de trabalho docente abarcadas pela graduação em
pedagogia, que podem acarretar em uma generalidade e em decorrência, um campo abrangente
de formação, o curso em questão oferece possibilidades de “flexibilização do currículo cursado
e a possibilidade de formação minimamente diferenciada” (ARARAQUARA, 2006, p.22). Essa
flexibilização e diferenciação é viabilizada pelo oferecimento de disciplinas optativas para
aprofundamento dos conhecimentos em temas específicos das disciplinas obrigatórias.
O curso conta também com um núcleo de estudos integradores que oferece
possibilidades de formação em atividades extracurriculares como, grupos de pesquisa,
participação em atividades científicos-culturais, estágios realizados por meio de convênios e
um centro de pesquisa da infância e da adolescência.
Sobre às referências feitas no documento aos perfis à que se dirige a formação
profissional, notou-se a presença de variadas formas de denominação, utilizadas em diferentes
contextos com uma presença marcante da referência à educação escolarizada como fator
determinante na caracterização desses perfis. Há uma vinculação entre a formação profissional
e às “demandas próprias do ensino escolarizado com todas as suas características e
dificuldades.” (ARARAQUARA, 2006, p. 9).
Como justificativa dos diferentes perfis profissionais é feito referência também ao
aumento da complexidade do trabalho docente, sendo esse trabalho entendido não apenas como
a transmissão de conhecimentos e docência e essa complexidade decorrente das novas
exigências colocadas para o trabalho do professor:
79
educacional. Como explicitado várias vezes no documento, este campo é amplo e, portanto, a
formação também deve ser abrangente. Nota-se a preocupação de equiparar os alunos do curso
de pedagogia com “elementos de sólida fundamentação teórica” (ARARAQUARA, 2006,
p.44), possibilitando seu desenvolvimento intelectual que inclua “dimensões históricas,
filosóficas, psicológicas, políticas, sociológicas e didático-pedagógicas” (ARARAQUARA,
2006, p.44).
Se a formação do pedagogo adquire um caráter amplo, dada sua margem de atuação, a
formação para os perfis específicos da docência, professor para o Ensino Fundamental e
Educação infantil, também se compreende dentro de um contínuo, pois em vários momentos
do documento esses perfis são citados juntos, denotando que a especificidade do trabalho
docente se aplica à qualquer margem de atuação na educação básica.
Essa abordagem dos termos, só não se aplica quando se menciona, especificamente, o
profissional para atuar na educação infantil, que por várias vezes é mencionado com “educador
infantil”, ou “professor/educador”. Essas denominações demonstram uma referência às ações
de cuidar e educar, que se estabelecem como próprias da etapa da educação infantil.
Neste ponto, aparecem algumas diferenciações considerando as etapas da educação
básica que trazem implicações na forma de conceber o profissional da educação que atuará na
creche. É possível perceber no documento uma diferenciação na forma de concebê-lo guiada,
em grande medida, pela noção de especificidade do desenvolvimento humano nessa fase, ainda
que se admita a necessidade de conhecimentos teóricos-metodológicos junto aos saberes sobre
a natureza e desenvolvimento da criança.
No que se refere à formação para atuar como “educador infantil” o projeto do curso de
Araraquara também apresenta um diferencial quanto à realização dos estágios na educação
infantil, no entanto considera a prática importante para formação do professor para qualquer
instância da atuação docente. No PPP do curso, o termo prática aparece relacionado às situações
reais de exercício profissional, sendo considerada como fonte de conhecimento experiencial,
sem desarticulá-lo do conhecimento conceitual. É explicitado que ao considerar a prática como
dimensão relevante do conhecimento pretende-se que o curso promova a articulação entre a
reflexão e exercício da atividade profissional.
Tal articulação é promovida mediante o desenvolvimento de projetos específicos e
simulações didáticas, com base em situações-problemas pautados na realidade escolar e no uso
de laboratórios didáticos, acervo especializado e outros recursos disponíveis na Universidade.
Os Estágios Curriculares Supervisionados são considerados como oportunidade imprescindível
para o contato direto com situações profissionais.
81
O programa conta com uma proposta diferenciada para o Estágio na Educação Infantil,
os Estágios Curriculares de Educação Infantil, vinculados às disciplinas Educação Infantil 1:
Creche e Educação Infantil e 2: Pré-Escolas. O documento atesta que essas disciplinas são de
Caráter obrigatório e com carga horária de 60 horas cada uma deverão ter a
cada uma delas vinculada uma carga de cem (100) horas de Estágio
Supervisionado, totalizando duzentas (200) horas a serem cumpridas enquanto
laboratório privilegiado de profissionalidade do professor/educador (a), sob a
orientação e acompanhamento responsável do professor das respectivas
disciplinas. (ARARAQUARA, 2006, p.20, grifo nosso).
A formação com base na docência fica clara no documento do curso. No item intitulado
de perfil esperado do futuro pedagogo, está explicitado que o curso de pedagogia formará um
professor. O projeto do curso também faz menção à formação do pedagogo e do profissional da
educação, diferenciando esses perfis em seus objetivos. Os perfis utilizados ficam em
profissional da educação, profissional, pedagogo, professor e com apenas uma ocorrência,
educador.
Não há distinção nem especificação da formação para atuação na Educação Infantil, os
perfis profissionais estão articulados e imbricados nessa formatação de curso, sendo que a
função do magistério se aplica para o exercício do professor no ensino fundamental e na
educação infantil.
Para o profissional da educação espera-se o domínio da prática de ensino e do processo
educativo em geral. Essa estrutura de curso remete-se ao preconizado por Severino (2006), que
entende que a formação profissional para os diferentes perfis no curso de Pedagogia (Educação
Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Gestão em espaços escolares ou não) deve se
integrar a estrutura complexa da tríplice dimensão intrinsicamente articulada de: docência,
gestão e conhecimento.
Este projeto, embora não faça referências explícitas as condições de formação e trabalho
para o perfil profissional de atuação para creche, contextualiza o projeto formativo em uma
realidade que se aplica a todos os professores, partindo da necessidade da aquisição de
conhecimentos sólidos para se atingir graus de compreensão mais elevados sobre a realidade.
Tal aquisição por parte dos pedagogos é considerada como condição para atuação na
realidade e assim, propõe a formação de um profissional da educação dentro de uma perspectiva
de articulação entre os perfis de professor para educação infantil, ensino fundamental e para o
trabalho relacionado a gestão. Assume como premissa desse enfoque a superação das condições
de trabalho alienantes, que são aquelas que afastam os sujeitos dos produtos do seu trabalho, o
87
que impacta positivamente para todos os níveis de atuação dos professores, uma vez que
considera seu exercício dentro de uma articulação.
Observa-se pelos objetivos que a gestão educacional é articulada à docência na
Educação Infantil e Ensino Fundamental, sendo o ensino uma das formas de atuação e de
desenvolvimento de processos educacionais, junto ao planejamento, organização, gestão,
avaliação e pesquisa.
Da mesma maneira coloca o domínio do conteúdo a ser socializado, seus significados
em diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar, como responsabilidade na Educação
Infantil e no Ensino Fundamental.
O documento do curso de Bauru coloca a prática pedagógica como núcleo articulador e
criou a disciplina práxis como forma de agregar todos os conhecimentos estudados ao longo do
ano letivo. A perspectiva de ação docente para transformação social também é finalidade do
processo de ação-reflexão-ação, como forma de intervir na realidade.
Como não há referência a perfis específicos da docência diferenciado para uma ou outra
etapa da Educação Básica, entende-se a docência, a atividade do ensino e o papel da escola na
humanização dos sujeitos também como premissas para a educação infantil. Gatti, Barretto e
André (2011), são citados para explicitar o papel do ensino pelo professor e pela escola,
situando a formação inicial como base para o exercício da prática educativa e também para o
desenvolvimento da profissionalidade e profissionalização do professor.
Infere-se uma perspectiva unificadora e articuladora entre a educação infantil e o ensino
fundamental, pela delimitação do papel do professor, da escola e do ensino, que segundo o
documento se aplicam à educação básica e portanto, perpassam todas as etapas que a compõem
e são objeto de trabalho do professor formado pelo curso de pedagogia.
Devido esse tratamento o documento não menciona as compreensões específicas sobre
cada etapa da educação básica. Também é possível identificar a perspectiva unificadora pela
denominação de algumas disciplinas: Estágio Curricular de Prática de Ensino na Educação
Infantil, Arte na Educação Infantil Arte na Educação Infantil, Matemática na Educação Infantil,
Natureza e Sociedade na Educação Infantil, Expressão Oral e Escrita na Educação Infantil,
Organização do trabalho Pedagógico na Educação Infantil, Expressão Oral e Escrita na
Educação Infantil. As disciplinas destinadas para o ensino fundamental também são
denominadas de prática de ensino. O conteúdo do PPP e a denominação das disciplinas não
revela se há alguma abordagem específica para a creche.
Percebe-se que o curso foi estruturado pensando na formação condizente com a
concepção de educação/escola adotada, concebendo o conhecimento historicamente elaborado
88
a formação de docentes para atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental e na Gestão Educacional, dentro de uma perspectiva inclusiva.
A formação profissional do pedagogo é contextualizada dentro do desenvolvimento
histórico dos cursos de pedagogia. Esses cursos tiveram seu início formando apenas o pedagogo
que era considerado um técnico, a formação dos professores era separada, nos cursos normais
superiores.
A formação dentro dos próprios cursos de pedagogia ocorria com a separação dos perfis
de pedagogo e professor, dentro do modelo 3+1, com 3 anos de formação dos bacharéis e 1 ano
para formação em Didática e Prática de Ensino. Após diferentes determinações legais o curso
caracterizou-se como uma licenciatura por habilitar para o exercício do magistério no curso
normal e no primário. A incorporação do magistério para o primário decorreu do entendimento
de que, o profissional que faz a formação do professor primário possui os conhecimentos
necessários para ser professor primário.
Na descrição dos determinantes na configuração da formação de professores, o PPP
estabelece uma relação com o contexto sócio histórico brasileiro, situando a inclusão da
formação para pré-escola. Aponta que demandas sociais, advindas do processo de
redemocratização do ensino na década de 1980, implicaram na incorporação da formação para
a educação pré-escolar como resposta à necessidade de formação docente para atendimento às
crianças das mães trabalhadoras.
No entanto, o estabelecimento de objetivos educacionais só foi acentuado com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/96, até então prevalecia o caráter
assistencial das creches com a prioridade de cuidar das crianças. Neste momento de ampliação
da margem de atuação do professor, surgem campos de atuação do pedagogo fora do espaço
escolar.
O documento aponta que resolução n. 1, de 15 de maio de 2006, do Conselho Nacional
de Educação – CNE, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Pedagogia, incorporou em parte a tendência histórica de formação do pedagogo, já que
reconheceu o alargamento do seu campo de atuação, mas priorizou a docência na educação
infantil e séries iniciais do ensino fundamental, portanto não se trata mais da formação de um
técnico desvencilhado da docência.
O PPP faz então uma crítica aos impactos das diretrizes na formação do pedagogo pelas
Universidades, percebendo que poderá levar a um esvaziamento da formação para a pesquisa,
na medida em que, estabelecendo esse perfil profissional do pedagogo, que tem um campo
alargado de atuação, mas com enfoque na docência para a educação infantil e o ensino
91
sobre o conteúdo dos incisos II e VI do artigo referenciado pelo PPP, pois abre margem para se
pensar em possíveis convergências ou divergências sobre a concepção manifestada na proposta
formativa do curso e a da Diretriz Curricular Nacional (BRASIL, 2006) sobre ação educativa
na educação infantil e ensino fundamental. O mencionado artigo estabelece objetivos para
prática do pedagogo, tanto relacionados à docência quanto às outras margens possíveis de sua
atuação, destaca-se assim, para efeitos de problematização os incisos:
II - compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a
contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física,
psicológica, intelectual, social;[...]
VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia,
Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes
fases do desenvolvimento humano;[...] (MARÍLIA, 2006, p. 11/12, apud,
BRASIL, 2006).
Ao optar por esse formato curricular de transferência das mesmas disciplinas que
anteriormente eram adotadas para formação dos professores para os anos iniciais do ensino
fundamental para a educação infantil e manter as mesmas noções de conteúdos a serem
ensinados, considerando “o prisma da educação de crianças de zero a cinco anos” e o “prisma
da educação de crianças dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental” (MARÍLIA, 2006, p.11), o
PPP demonstra partir de uma concepção de trabalho na creche que concebe que os conteúdos
perpassam as fases de escolaridade das crianças, dando a ideia de um processo contínuo e
ininterrupto de educação.
Quando se considera “o prisma” da educação de crianças menores de três anos ou o das
crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, remete a consideração de que os conteúdos
adquirem características na educação básica, considerando o momento da atividade escolar em
que os alunos terão acesso à eles.
Depreende-se, então, que não há diferenciação no conteúdo conforme a etapa do
desenvolvimento infantil, cronologicamente falando, mas se considera diferenças no tratamento
dado a esse conteúdo conforme o segmento da educação básica em que a criança se encontra.
Portanto, não se estabelece uma idade e assim se pensa no conteúdo, mas sim o conteúdo é
selecionado via outros parâmetros e se pensa no tratamento que precisa ser dado à ele para que
se torne acessível às crianças.
O núcleo básico do curso que compreende os estudos de fundamentos da educação,
teorias, conteúdos, metodologias e práticas de ensino, é coerente com um perfil profissional
docente de pedagogo para atuar de forma integrada na educação infantil ou nos anos iniciais do
ensino fundamental, com práticas de ensino coerentes com o conteúdo trabalhado e a
perspectiva escolar da educação básica (crianças menores ou maiores de cinco anos).
As disciplinas denominadas de Estrutura e Funcionamento do Ensino: Política
Educacional, Jogos Teatrais na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, Psicobiologia do
Desenvolvimento Infantil, evidenciam que um mesmo conteúdo é abordado sob o prisma da
educação infantil e do ensino fundamental.
Embora o documento do curso não faça considerações a respeito da creche, fazendo
referência a educação infantil como um todo, na sua grade curricular constam disciplinas
intituladas de: Fundamentos da Educação Infantil, Currículo, Metodologia e Prática do
Trabalho Pedagógico com Crianças de 0 a 3 anos e Currículo, Metodologia e Prática do
95
Trabalho Pedagógico com Crianças de 4 a 5 anos (essas duas últimas dentro do aprofundamento
em educação infantil).
Mesmo sem encontrar referências explicitas sobre o a definição de escola adotada pelo
documento, subentende-se sua compreensão relacionada ao campo da educação escolar, pois as
“[...]diretrizes curriculares que atribuem a todo pedagogo a função de ministrar aulas tanto nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental como na Educação Infantil[...]” (p.11). O espaço em que
esses pedagogos atuarão ministrando aulas na educação básica é a escola.
pedagogo na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental e para formação do
pedagogo para atividades de gestão educacional.
A relação entre escola e sociedade foi considerada como fator determinante do perfil
profissional adotado pelo curso. Há o entendimento que o ensino é necessário para a
democratização do acesso aos conhecimentos, sendo que essa democratização se faz
imprescindível na sociedade atual para viabilizar melhores condições de vida. O termo
“profissional da educação” é utilizado como caracterização da profissão do pedagogo.
Nesse sentido o pedagogo assume o papel de “[...] profissional capaz de ensinar [...]”
(PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p. 13), considerando que esse perfil é necessário para o
pedagogo cumprir o papel de “[...] democratizar o acesso aos conhecimentos visando, entre
outros objetivos, à promoção da melhoria nas condições de vida das pessoas [...]”
(PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p. 13), como forma de enfretamento do desafio imposto à
escola de incorporar grupos sociais que tradicionalmente foram excluídos dos processos de
escolarização.
Na constituição desse perfil de profissional da educação almejado pelo curso, o processo
formativo se desenvolve com a centralidade do estatuto da cientificidade da pedagogia como
eixo norteador, a articulação orgânica entre teoria-prática, favorecendo a criação de reais
situações de aprendizagem, o aprofundamento de estudos em temática educacional de interesse,
despertando o gosto pela pesquisa científica e oportunizando o contato com a cultura local como
contribuição para inserção e promoção de uma educação que vá ao encontro de uma formação
atualizada e ampla que tenha efeitos sobre as práticas docentes (PRESIDENTE PRUDENTE,
2015).
O objeto de trabalho do pedagogo “[...] centra-se nos processos de ensino e de
aprendizagem relacionados à educação escolar[...]” (PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.11).
Com base nessa centralidade aborda-se a prática pedagógica como componente curricular
privilegiado na proposta de formação. As Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006) e
a Resolução nº2 do Conselho Nacional (BRASIL, 2015) são citadas como aporte legal em que
se baseia o perfil profissional proposto pelo curso.
A formação do pedagogo é realizada para docência na educação infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental, bem como para as atividades de gestão educacional. O objetivo
do curso para formação do pedagogo explicita um perfil e uma atuação bem específica, “[...]
formar o Professor polivalente, com domínio do processo de ensino-aprendizagem para
Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e em atividades de Gestão
97
Nesse sentido, o papel do professor na formação dos alunos envolve a relação entre
ensino e o desenvolvimento dos processos de aprendizagem. Essa aprendizagem deve ser
possibilitada aos sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano nas etapas e
modalidades da educação básica.
O professor deve dominar os conteúdos e as abordagens teórico-metodológicas,
adequando-os às diferentes fases do desenvolvimento humano. Esse perfil implica que sua ação
também compreenda a elaboração e desenvolvimento do currículo, cabendo a ele “[...] planejar
e executar currículos e programas de ensino e/ou atividades para a Educação Infantil e os Anos
Iniciais do ensino fundamental[...]” (PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.15).
É esperado também que o professor adquira uma atitude estética, propiciada na
formação por meio das AACCs. Essas atividades no currículo do curso visam propiciar que os
alunos do curso de pedagogia aprendam a fruir das obras artístico-culturais e assim incorporar
os “[...] estudos culturais e visuais/estéticos e o conhecimento das artes nas propostas
educativas” (PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.27).
Para tanto é destacada a ação do professor como mediador, “[...] professor possa
desempenhar seu papel neste contexto é desejável e necessário que possa mediar no âmbito do
processo educativo o imbricamento entre tempo/cultura/arte[...]” (PRESIDENTE PRUDENTE,
2015, p.25).
No que se refere a formação do curso para docência, o acompanhamento do “exercício
da docência” e as “vivências de experiências de ensino”, na educação infantil e no ensino
fundamental, são possibilitados pelo estágio curricular obrigatório. Esse estágio segue as
diretrizes do Art. 7º do Conselho Estadual de Educação a partir da Deliberação n. 126/2014.
A menção a “profissão docente” aparece no objetivo estabelecido pelo curso para o
estágio curricular supervisionado, “[....] articular teoria e prática oportunizando a aprendizagem
da profissão docente[...]” (PRESIDENTE PRUDENTE, p.39). Nesse contexto a docência é
abordada como uma profissão, que possui uma maneira própria de se exercer. O ensino pode
ser compreendido como modo de exercício da docência.
Nota-se ainda que a “gestão do ensino” e “docência” são abordados como atividades
separadas no estágio para fins de celebração do convênio pela faculdade com as instituições de
educação básica “[...]que tenham convênio celebrado com a FCT/Unesp no Estágio de
docência, gestão de ensino e gestão escolar na Educação Básica [...]” (p. 37).
Assim, o curso apresenta objetivos específicos para atuação do pedagogo na docência,
nessas duas instâncias, de forma integrada, estabelecendo finalidades e meios comuns para as
100
duas. A matriz curricular do curso destinará uma carga horária total de 3.615 horas para
“formação da docência da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental”
(PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.18).
A docência é compreendida perpassando toda a educação básica. Nas etapas previstas
para atuação do pedagogo como professor, destaca-se a utilização do termo, “Pedagogia para a
educação da infância - de 0 a 12 anos” (PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.11) remete a
consideração de um processo escolar contínuo, bem como de uma compreensão de concepção
de infância que não se restringe em etapas.
Esse termo foi utilizado no documento demonstrando a necessidade da formação
teórica-prática ocorrer articulada à profissionalização do licenciando em “Pedagogia para a
Educação da Infância – de 0 a 12 anos”. Esse entendimento converge para o que estabelece a
resolução nº 2/2015 (BRASIL, 2015, art.8 apud PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.15),
citada pelo documento que prevê um pedagogo que possua uma “concepção ampla e
contextualizada do ensino”, demonstrando reconhecimento que essa esfera incide sobre sua
profissionalização.
O PPP determina a docência como base da formação do pedagogo, e seguindo a
legislação já mencionada, estabelece uma estrutura curricular para contemplar suas áreas de
atuação, entendidas como a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Assim,
apresenta uma proposta de estágio curricular supervisionado que “aborda a formação do
professor para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental” (PRESIDENTE
PRUDENTE, 2015, p.39).
A proposta de estágio é composta por 8 disciplinas, que abordam a educação infantil,
separando creche e pré-escola, com as disciplinas: Estágio na Educação Infantil: Aprendizagem
da docência e gestão do ensino na creche, Estágio na Educação Infantil: Aprendizagem da
docência e gestão do ensino na pré-escola, Estágio Supervisionado de Educação Infantil
(creche) e Estágio Supervisionado de Educação Infantil (pré-escola).
De acordo com o documento as disciplinas intituladas de “Aprendizagem da docência e
gestão do ensino”, são referentes a estudos, orientações e leituras referentes ao estágio e as
outras referem-se ao desenvolvido diretamente nas instituições.
O PPP considera importante salientar a justificativa para ter separado a creche e pré-
escola no estágio de educação infantil. Vitória (2014, p. 288) citada por Presidente Prudente
(2015, p. 40), assevera ser importante o conhecimento da realidade da creche pelos formandos,
pois,
101
escola de Educação Infantil e Anos Iniciais do ensino fundamental como organização complexa
que tem a função de promover a educação para e na cidadania” (PRESIDENTE PRUDENTE,
2015, p.11).
Essas duas instâncias também aparecem no PPP como espaço escolar, sendo o local de
atuação das funções habilitadas pela gestão educacional “[...]formação para a gestão
educacional, com foco no espaço escolar, com principal objetivo de formar para funções que
atuarão direta ou indiretamente na escola de Educação Básica[...]” (PRESIDENTE
PRUDENTE, 2015, p.22).
No uso dos termos fica estabelecida a escola como espaço escolar, uma vez que a gestão
educacional pode se dar em outras instituições com “[...] uma carga horária menor, discussões
sobre a gestão educacional em espaços não escolares [...]” (PRESIDENTE PRUDENTE, 2015,
p.22).
Nessa formação proposta pelo PPP da FCT/Unesp a escola de educação infantil é
também espaço de pesquisa, “[...] análises críticas e aplicação de resultados de investigações
[...]” (PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.11). Quando se trata da formação do pedagogo para
atuação nas atividades de gestão educacional o tratamento dado as etapas escolares é escolas de
educação básica. É ressaltado no projeto que as atividades docentes, priorizadas pelo curso nos
quatro primeiros anos de formação, também compreendem conteúdos de gestão educacional,
com focos relacionados à escola e à sala de aula.
103
O Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Unesp de Rio Claro foi criado em 1989.
A proposta de reformulação do curso considerou a necessidade de adequar os diferentes níveis
e modalidades de ensino decorrentes do estabelecimento da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional nº 9.394/96. Especificamente sobre os cursos de Pedagogia e seu papel na
formação de professores as exigências são referentes ao conjunto de normas em que deverá se
pautar e as alterações no exercício profissional do futuro pedagogo que passou a ter novos
modelos de contratação e perfil exigidos.
Quanto ao perfil profissional do pedagogo formado, os cursos de pedagogia não mais
precisaram oferecer uma habilitação específica para a função de especialista da educação. Essa
mudança impacta na natureza dos cursos de pedagogia que deixam de oferecer uma formação
de caráter tecnicista para uma formação de caráter mais geral, marcada pela articulação entre
teoria e prática. Essa formação visa um profissional capacitado a exercer diferentes funções na
educação básica.
As novas exigências quanto ao exercício profissional impactaram nos critérios para
acesso e ocupação de cargos, sendo o exercício da docência pré-requisito para o ingresso em
algumas funções do quadro de magistério do Estado de São Paulo. Antes esse pré-requisito
eram as antigas habilitações do curso de pedagogia.
A ampliação da escolarização na educação básica é mencionada como fator positivo ao
colocar em evidencia o debate sobre a formação de professores para esse nível, considerando a
necessidade da melhoria da educação básica para atender as necessidades do mundo
contemporâneo.
Com base nessas considerações a proposta de formação do curso afirma a Pedagogia
como,
[...] espaço privilegiado de formação dos professores da educação infantil e
dos anos iniciais do ensino fundamental, eixo da formação do pedagogo para
atuar nas demais funções de ensino, pois a docência é a mediação para as
demais atividades que envolvem o ato educativo intencional. (RIO CLARO,
2017).
da educação básica, esse perfil só pode ser constituído mediante uma formação integral, que
possibilite “[...] romper com o pressuposto de formação profissional pautado na fragmentação
do trabalho pedagógico [...]” (RIO CLARO, 2017 p.22). Esses profissionais da educação
precisam ser formados com compromisso social e ético, que implica “[...] procurar colaborar
para a superação das injustiças sociais, da discriminação e da exclusão, buscando construir uma
sociedade mais solidária, justa e humana [...]” (RIO CLARO, 2017, p.5).
A tônica do projeto formativo está na constituição do profissional que tem “[...] a
docência como a base da formação deste curso e entendendo que ela confere sentido e
organicidade aos diferentes âmbitos do trabalho pedagógico e às tarefas de suporte pedagógico
e de gestão dos diferentes espaços educacionais [...]” (RIO CLARO, 2017, p.22).
No curso, a prática é um dos princípios norteadores que tem função específica na
formação do profissional e é abordada na sua relação com a teoria. No projeto adota-se um
conceito de prática como “[...] mediadora do fazer humano e, por isso, concreta e histórica”
(RIO CLARO, 2017, p.8). Para promover a articulação entre teoria e prática o projeto formativo
privilegia “[...] um estudo rigoroso dos Fundamentos da Educação e um exercício incessante de
busca de compreensão das práticas educacionais” (RIO CLARO, 2017, p.9).
A prática como componente curricular, distribuída ao longo do ano em algumas
disciplinas, tem por objetivo a formação de um profissional com reflexão crítica, que
compreenda a educação brasileira por meio “ [...] da interação e da teorização sobre as práticas
que consubstanciam nossa cultura escolar e nossa tradição educacional” (RIO CLARO, 2017,
p.10). Os Projetores Integradores (PIs) materializariam a prática, nesses conformes. Seria
desenvolvido por um conjunto de disciplinas que, por sua natureza, favorecem a relação teoria
e prática.
A postura investigativa é também almejada no perfil profissional e, segundo o projeto,
é necessária dada a própria natureza do fenômeno educativo que “[...] se apresenta em situações
diferenciadas impondo constantes e novos desafios [...]” (p.16). Espera-se então que um
profissional, formado por universidades públicas, seja capaz de agir na realidade educacional e
social, mediante sua compreensão e o domínio de instrumentos teóricos e práticos. Com a
formação de uma consciência crítica é dotado a esse profissional a possibilidade de “[...]
interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade” (RIO CLARO,
2017, p.5).
A referência ao termo “professor” e também “educador” é realizada no sentido de
formação de professores, indicando o que é esperado dessa. Propondo um projeto formativo
que não separe o trabalho educativo entre as funções de elaborar e executar, acredita estar
106
contribuindo para uma formação integral de professores, “[...] por meio de uma visão ampla do
processo [...]” (RIO CLARO, p.30). O espaço privilegiado de formação de professores da
educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental é o curso de pedagogia, sendo que
essa formação é o eixo para formação do pedagogo para as demais “funções de ensino” (RIO
CLARO, 2017, p.5).
A interação entre futuros professores e aqueles em exercício, no contexto escolar, é
considerado favorável para constituição docente, pois evidencia projetos formativos. A
formação de professores é pensada pelo curso mediante a integração da prática curricular, com
o estágio supervisionado e com as atividades de trabalho acadêmico, que concorrem
conjuntamente para a formação da identidade do professor.
O termo “pedagogo” é usado nas situações em que se faz referência aos processos pelos
quais será possibilitado uma formação de caráter geral e ampla, contemplando as diferentes
margens de atuação que lhe são possíveis. A formação de professores é considerada
fundamental para uma formação de qualidade do pedagogo.
A formação do pedagogo objetiva processos que lhe possibilitem uma apreensão da
realidade educacional. Para tanto o pedagogo precisa de propostas formativas que viabilize a
“[...] interação com a organização e a cultura institucional da escola, dos sistemas de ensino e
demais espaços destinados à oferta da educação básica [...]” (RIO CLARO, 2017, p.12). Na
formação do pedagogo o estágio é o componente curricular pelo qual ele vivenciará o cotidiano
do trabalho escolar no que se refere à docência e à gestão, refletindo sobre as práticas e sobre
as teorias que lhes são subjacentes.
Embora tenha esse caráter geral, a formação do pedagogo também prevê atividades nas
quais ele possa desenvolver temas de interesse e aprofundamentos por meio de disciplinas
optativas e obrigatórias de aprofundamento. O PPP prevê conteúdos voltados às áreas de
atuação profissional priorizadas pelo curso, pensando na diversificação da formação do
pedagogo.
Assim, o curso de pedagogia se compromete com a formação de licenciados, adotando
a docência como base obrigatória de sua formação e identidade profissional. Nesse sentido, o
documento aborda o exercício da docência como requisito tanto para atuação dos professores
já formados, em qualquer área abarcada pelo exercício profissional do pedagogo, como também
base da formação do professor para atuação no efetivo exercício da docência na educação
infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental como docente. Além do efetivo exercício da
docência ela é entendida como “[...] a mediação para as demais atividades que envolvem o ato
educativo intencional [...]” (RIO CLARO, 2017, p.5). Nota-se então que a docência é
107
compreendida tanto do ponto de vista do seu exercício por docentes, como mediação de outras
atividades da esfera educacional intencional.
A natureza do trabalho docente com sua “[...] função na construção e reconstrução do
conhecimento socialmente acumulado [...]” (RIO CLARO, 2017, p,16), é citado uma vez no
documento, como justificativa para a inserção da postura investigativa na conduta dos futuros
profissionais. No projeto, práticas investigativas são incentivadas e se materializam com a
exigência do trabalho de conclusão de curso e da participação em eventos de natureza cientifica
e/ou cultural, contabilizadas na forma de Atividades acadêmico-científico-culturais.
No documento, a educação básica é entendida como um dos níveis de ensino em que
estrutura a educação e também como modalidade de atuação para o exercício profissional.
Enquanto modalidade para o exercício profissional, a educação básica é referida como
constituída de vários âmbitos.
A educação básica é citada fazendo referência à “escolarização básica” que, com sua
ampliação suscitou discussões sobre a formação de professores para atender às necessidades do
mundo contemporâneo, relacionadas à esse nível de ensino.
A menção a “educação escolar básica”, se dá como indicativo do campo de atuação em
que o profissional poderá exercer as funções de “[...] docência, suporte pedagógico e de gestão
[...]” (RIO CLARO, 2017, p.23). Desse modo, não aparece vinculado à esses termos um perfil
profissional específico, apresentando a denominação de “diversas esferas de atuação
profissional” (RIO CLARO, 2017, p.23).
A diferenciação, enquanto referência à educação infantil e anos inicias do ensino
fundamental, pode ser observada nas indicações do estágio supervisionado, que se desenvolve
nas disciplinas de Estágio Supervisionado de Prática de Ensino nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e Estágio Supervisionado de Prática de Ensino na Educação Infantil.
Nas disciplinas em que ocorrem os projetos integrados também há especificação de
etapa da denominação de duas disciplinas: Educação de 0 a 2 anos e Educação de 3 a 5 anos.
De acordo com o PPP os projetos integradores favorecem a formação dos futuros pedagogos
pois poderão desenvolver projetos temáticos para
“[...]interagirem com a organização e a cultura institucional da escola, dos
sistemas de ensino e demais espaços destinados à oferta da educação básica,
a partir de uma perspectiva interdisciplinar e coletiva para apreensão, mesmo
que provisória, da realidade educacional em foco.” (RIO CLARO, 2017,
p.12).
Nesse sentido, a escola é mencionada como “espaço escolar”, em que se destaca por ser
o local que propiciará o contato direto com a esfera educacional, permitindo problematizações
108
O curso de Pedagogia do IBILCE/Unesp teve seu início em 1957 e durou até 1979,
quando foi extinto, na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto.
Em 2001 foi apresentada uma proposta para criação do curso no então Instituto de Biociências,
Letras e Ciências Exatas (IBILCE) - Câmpus de São José do Rio Preto/Unesp. Em 2006 passou
por uma reestruturação para se adequar as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Pedagogia (BRASIL, 2006). Alterações na grade curricular foram realizadas em 2008, em
atendimento à resposta sobre o processo de reestruturação, que o aprovava, mas delimitava
algumas mudanças necessárias.
Sua proposta de criação crítica as orientações utilitaristas que influenciaram a política
educacional brasileira na em meados da década de 1990, tendo como base o discurso da
eficiência, da racionalidade e flexibilidade do sistema educacional. Tal orientação teve
repercussões nos cursos de pedagogia que já eram oferecidos e os que viriam a ser, com a
desvinculação da formação docente da de especialistas. O curso normal superior foi criado
representando um aligeiramento na formação de professores, comprometendo a formação geral
do futuro professor.
O documento considera que esse movimento contribuiu para a rediscussão da natureza
dos cursos de pedagogia, reconhecendo que o formato em habilitações também não se mostrava
como garantia de uma boa formação profissional. Nesse contexto, apresenta a proposta de
criação do curso,
[...]cujas bases se estruturam numa proposta inovadora que prevê, para o
aluno, uma sólida formação teórica e pedagógica, unidade entre teoria e
prática, compromisso social e ético, trabalho coletivo e articulação entre a
formação inicial e a continuada. (S.J. RIO PRETO, 2001, p.3).
Neste momento também se faz a referência à “escola” e não aos termos mais recorrente,
como instituições e/ou unidades educacionais. Em algumas disciplinas, principalmente as de
estágio, aparecem uma referência ao nível de ensino, como: Organização e gestão da Educação
Infantil, Estágio curricular supervisionado: organização e gestão da Educação Infantil, Teoria
e prática da Educação Infantil, Estágio curricular supervisionado: trabalho pedagógico na
Educação Infantil, Organização e gestão do Ensino Fundamental (anos iniciais), Estágio
curricular supervisionado: organização e gestão do Ensino Fundamental (anos iniciais) e
Estágio curricular supervisionado: trabalho pedagógico nos anos iniciais do Ensino
Fundamental I.
Verifica-se na denominação das disciplinas do estágio uma diferenciação quanto a
atuação na educação infantil, uma vez que há estágio de organização e gestão e de trabalho
pedagógico.
Fica evidente que o curso conseguiu elaborar uma proposta visando a superação do seu
caráter fragmentado no formato das habilitações. Resta saber o quanto o conteúdo, e não a
forma dessas, foi mantido na formação, considerando as diferentes possibilidades de atuação
profissional do pedagogo.
113
A identidade assumida por cada curso na construção do PPP e como resposta aos
diferentes desafios da trajetória histórica de formulação de diretrizes nacionais para formação
de professores no curso de pedagogia, é decorrente da própria história de formação em seu
interior, com as especificidades que cada um assumia na formação dos pedagogos, com seu
formato curricular que implicava em diferentes habilitações com focos diferenciados, alguns
para educação especial, outros para gestão e outros ainda, para a docência.
As disputas entre as diferentes concepções sobre a identidade e a organização dos cursos
de pedagogia, só vieram se consolidar em proposta nacional pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o curso de pedagogia (BRASIL, 2006) após 10 anos da promulgação da
LDB/96. Segundo Scheibe (2007), esses embates tinham por um lado a concepção neoliberal
desenvolvida na América Latina, expressas nas reformas educacionais durante a década de 1990
e o pensamento social crítico dos movimentos organizados pelos educadores.
Na análise de Scheibe (2007), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Pedagogia (BRASIL, 2006) representa uma solução negociada entre as entidades de educadores
e o Conselho Nacional da Educação. Isso porque as Diretrizes incorporaram algumas das
proposições feitas pela Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia - CEEP e descartou
outras.
Dentre as reivindicações que não foram atendidas pelo Conselho Nacional de Educação,
estava a necessidade, identificada pela CEEP, de se estabelecer uma base nacional curricular
comum para formação dos professores, antes de elaborar diretrizes para os cursos de pedagogia.
Scheibe (2007) também identificou diferenças nas propostas do Conselho Nacional de
Educação e a da CEEP, quanto aos princípios para a estrutura curricular. De acordo com a
autora, as Diretrizes estabelecem princípios mais abrangentes “[...] que permitem todo e
qualquer tipo de configuração curricular, dependendo dos interesses teórico-práticos de cada
instituição” (SCHEIBE, 2007, p.58).
116
de Educação justificou esses princípios com o argumento que os cursos trabalhariam com um
repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos.
De acordo com Scheibe (2007), ao estipular princípios tão abrangentes abre-se
possibilidade para todo e qualquer tipo de configuração curricular, dependendo dos interesses
teórico-práticos de cada instituição. Assim surgem propostas diferenciadas entre os cursos,
mesmo seguindo os núcleos de estudos indicados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2016).
Destaca-se algumas propostas diferenciadas, a “[...] interdisciplinaridade sustentada pela
vertente histórico-social [...]” e “Práxis Pedagógica” (BAURU, 2014, p.18/19), a perspectiva
inclusiva (MARÍLIA, 2006), experiência estética (PRESIDENTE PRUDENTE, 2015), “[...]
estágio na perspectiva do triplo movimento sugerido por SCHON (1990), da reflexão na ação,
da reflexão sobre a ação e da reflexão sobre a reflexão na ação” (RIO CLARO, 2017).
Assim, resguardada a especificidade da licenciatura com percurso próprio, as Diretrizes
(BRASIL, 2006) possibilitam determinadas ênfases no processo formativo de cada curso, “[...]
apontando antes a necessidade de que o professor tenha conhecimentos mais amplos que
abranjam as diferentes culturas, fases de desenvolvimento e níveis de escolaridade [...]”
(KUENZER e RODRIGUES, 2007, p.38).
Kuenzer e Rodrigues (2007), alerta para a consequência dessas “ênfases” reconhecendo
que trazem implicações para a formação docente adotada. Esta corre o risco de ser aligeirada,
frente a ampliação das competências dos licenciados decorrente da redução do campo
epistemológico da Pedagogia, delimitado pelas atuais diretrizes.
Esse aligeiramento é consequência da própria limitação temporal para se formar com
consistência para todos os perfis possíveis; mesmo que esse aprofundamento decorra de uma
opção pessoal do licenciando, ainda assim a carga horária de 100 horas destinada para as
atividades complementares se mostra bem restritiva.
Nesse contexto, cada curso objeto de análise, seguindo as orientações das diretrizes
vigentes, elaborou possibilidades de flexibilização e aprofundamento, seguindo “[...] o
princípio fundante das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em geral:
a diferenciação dos percursos curriculares” (KUENZER; RODRIGUES, 2007, p.38).
Nos PPPs analisados, os cursos fizeram previsão de diferentes formas para tentar
garantir um aprofundamento e/ou a flexibilização, considerando suas histórias institucionais, as
próprias condições materiais e de quadro docente disponíveis.
Alguns oferecem disciplinas optativas (ARARAQUARA, 2006; RIO CLARO, 2017),
núcleo de estudos integradores (ARARAQUARA, 2006), aprofundamento em Educação
121
Citando a docência, ou apenas vinculando a sua atuação à educação infantil e aos anos
iniciais, não fica explícito, na definição do pedagogo, o perfil profissional de professor. Cabe
ainda pensar que se a base da formação do pedagogo é a docência, todo pedagogo é um
professor ou um docente?
Nesse sentido, quando se trata de delimitar o termo “docente” dentro do objetivo ou
proposta de formação dos cursos, apenas dois PPPs usaram essa referência. O emprego do termo
docente ainda suscita duas interpretações diferentes. O uso do termo docente como sinônimo
de professor, “[...] em vista da formação de docentes para atuar na educação infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental e na gestão educacional [...]” (MARÍLIA, 2006, p.10). Entende-
se que docente está no mesmo sentido de professor uma vez que aparece uma separação na
atuação como docente e como gestor, sendo que na atuação docente delimita-se a educação
infantil e os anos iniciais do ensino fundamental.
Usa-se docente também como caracterização da profissão, sem especificar um perfil
“[...] articular teoria e prática oportunizando a aprendizagem da profissão docente [...]”.
(PRESIDENTE PRUDENTE, 2015, p.37).
Pensar na formação do pedagogo e o papel da docência nesse processo, revela que o
trabalho docente não abarca todo o trabalho pedagógico, mas que o pedagogo abarca o docente,
como esclarece Franco, Libâneo e Pimenta (2007, p.75),
Nesse sentido e com base na natureza epistemológica da Pedagogia,
reafirmamos que a docência é uma das modalidades da atividade pedagógica,
o que nos leva a realçar que todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas
nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente.
123
Embora a docência seja colocada como base do curso, da forma como é abordada, não
caracteriza nem o trabalho do professor e nem o pedagogo. Assim, cada PPP se aproximou da
caracterização da formação do professor ao estabelecer a esfera da sua atuação na relação de
ensino-aprendizagem. Mesmo assim, essa definição ainda precisa de maior conceitualização,
uma vez que o objeto de trabalho do pedagogo que atuará na gestão também consiste nos
processos de ensino aprendizagem.
Alguns documentos fazem referências as diretrizes curriculares para definir, a docência
no trabalho do pedagogo ou na formação de professores. O disposto no Art. 5º da Diretriz
Curricular Nacional (BRASIL, 2006), foi referenciado para demonstrar os objetivos
estabelecidos prática do pedagogo, tanto os relacionados à docência quanto às outras margens
possíveis de sua atuação. Destaca-se assim, o conteúdo dos incisos II e VI, que embora não se
delimite no documento legal, como ações específicas à um perfil, serão tomados para análise
no contexto específico do trabalho do professor,
II - compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a
contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física,
psicológica, intelectual, social;[...]
VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia,
Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes
fases do desenvolvimento humano;[...] (MARÍLIA, 2006, p. 11/12, apud,
BRASIL, 2006).
Nesses incisos aparecem os termos, compreender, cuidar, educar e ensinar, que foram
tomados nesse trabalho, como ações específicas do professor, pois supõe-se que para acontecer
necessitam do sujeito para qual se dirige essa ação e assim torna-se atividade do professor na
relação pedagógica direta com o aluno.
Essas diferentes ações suscitam diferentes questionamentos: se se menciona educar e
ensinar em contextos diferentes, se reconhece que são atividades de naturezas diferentes? Se
forem, e se for reservado apenas ao educar para as crianças menores de cinco anos, isso significa
que elas não se beneficiariam da atividade do ensino, ou que a mesma é inadequada à elas?
125
Assim sendo, quem trabalha na creche, o professor ou o educador? Educador, no caso, só educa
ou também ensina? O educador precisa ser um pedagogo? Para quê?
Assim, esses dois incisos permitem diferentes compreensões sobre a educação escolar
no que se refere a delimitação da finalidade para a educação básica como um todo, para a
educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, deixando questões em aberto,
como por exemplo: a compreensão e a educação não são também importantes para o
desenvolvimento de crianças maiores de cinco anos no ensino escolar? Qual a especificidade
da atuação do pedagogo, mediante o exercício da docência, no espaço escolar na compreensão,
educação e cuidado no desenvolvimento das crianças menores de cinco anos, uma vez que essas
ações também podem ser desenvolvidas por outros profissionais em outras instituições também
promovendo o desenvolvimento nas dimensões referidas.
Os princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Licenciatura em
Pedagogia (2006) e que se repetem na Resolução 2/2015 no artigo 2º - § 1º, são utilizados como
parâmetro para elaboração dos objetivos do curso para formação do pedagogo para atuar na
docência da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental,
Compreende-se a docência como ação educativa e como processo pedagógico
intencional e metódico, envolvendo conhecimentos específicos,
interdisciplinares e pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da
formação que se desenvolvem na construção e apropriação dos valores éticos,
linguísticos, estéticos e políticos do conhecimento inerentes à sólida formação
científica e cultural do ensinar/aprender, à socialização e construção de
conhecimentos e sua inovação, em diálogo constante entre diferentes visões
de mundo. § 2º No exercício da docência, a ação do profissional do magistério
da educação básica é permeada por dimensões técnicas, políticas, éticas e
estéticas por meio de sólida formação, envolvendo o domínio e manejo de
conteúdos e metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações,
contribuindo para ampliar a visão e a atuação desse profissional. (BRASIL,
2015, art.2º, §1º e §2º, apud PRESIDENTE PRUDENTE, 2105, p.10/11).
Franco, Libâneo e Pimenta (2017) tecem uma crítica ao texto das diretrizes por suas
imprecisões conceituais, e que embora sejam diretrizes para a pedagogia, apresentam apenas a
definição conceitual de docência, uma vez que os autores defendem a posição de que o campo
da docência não esgota o da pedagogia, essa tomada como ciência. Ao realizar essa inversão,
definem o termo principal, pelo secundário, subordinando o conceito de pedagogia ao de
docência. Isso acarreta consequências tanto para a formação dos professores, como para a
formação dos pedagogos, já que gera uma confusão elementar entre o campo científico e seu
objeto. Sob esses parâmetros a prática profissional do professor pode ser afetada, já que,
[...] é patente a confusão que o texto provoca ao não diferenciar campos
científicos, setores profissionais, áreas de atuação, ou seja, uma mínima
divisão técnica do trabalho necessária em qualquer âmbito científico ou
profissional sem o que a prática profissional pode tornar-se inconsistente e
sem qualidade. (FRANCO; LIBÂNEO; PIMENTA, 2007, p.92).
consensual quanto a natureza escolar da educação infantil, sempre referida junto com os anos
iniciais para fins de caracterização da formação e dos conhecimentos necessários para a mesma.
Para essas duas etapas foi dado o tratamento de “modalidade” ou “nível de atuação do
professor”, como também sua caracterização mediante o ensino, sendo referidas como níveis
de ensino, modalidades de ensino.
Revelou-se assim que não houve necessidade de diferenciação e especificação nos PPPs
por conceber a Educação Infantil como pertencente à Educação Escolar e, assim, a formação
profissional realizada sob as mesmas bases conceituais, “[...] portanto, a escola começa na
educação infantil, e o ensino também” (AZEVEDO; PRADO, 2012, p.49).
A prática do professor para atuar na educação infantil também é concebida dentro dos
mesmos conhecimentos necessários para o professor dos anos iniciais do ensino fundamental.
As diferenciações são mencionadas no sentido de adequar o ensino e suas formas à etapa de
desenvolvimento, o que leva a pensar que está se pensando a educação infantil sobre a tônica
de um “[...] currículo para a educação infantil, ou seja, o encaminhamento do processo de ensino
e aprendizagem das crianças e os conhecimentos a serem priorizados nessa etapa.”
(AZEVEDO; PRADO, 2012). Essa perspectiva, é segundo Azevedo e Prado (2012), diferente
da visão repercutida hegemonicamente na área, que privilegia o desenvolvimento do trabalho
pedagógico a partir dos interesses da criança e pelo “olhar atendo” do professor.
Essa compreensão da necessidade de adequar os conteúdos e as formas de ensiná-lo é,
segundo Saviani (2011, p.65), o problema central da pedagogia na perspectiva histórico-crítica,
Daí surge o problema da transformação do saber elaborado em saber escolar.
Essa transformação é o processo por meio do qual se selecionam, do conjunto
do saber sistematizado, os elementos relevantes para o crescimento intelectual
dos alunos e organizam-se esses elementos numa forma, numa sequência tal
que possibilite a sua assimilação. Assim, a questão central da pedagogia é o
problema das formas, dos processos, dos métodos; certamente, não
considerados em si mesmos, pois as formas só fazem sentido quando
viabilizam o domínio de determinados conteúdos.
Apenas dois PPPs reservaram um espaço para tratar a educação infantil de forma
separada. No projeto em questão a educação infantil é abordada em relação a constituição da
profissionalidade do professor/educador, educador infantil. Nota-se o objetivo de ressaltar a
especificidades dessa etapa e assim conceituar o que é necessário para o profissional que atuará
nela,
[...] é necessário ao profissional que atuará nesta fase da vida do ser humano
saber sobre a natureza e desenvolvimento da criança, os fundamentos teórico-
metodológicos que norteiam esta etapa educacional, a concepção do termo
cuidar-educar nele bem como a integração com o brincar, sem querer esgotar
128
Dois projetos fizeram uma menção separada no documento para a educação infantil. Em
um deles essa distinção foi usada para justificar a natureza do estágio nessa etapa, onde, “[...] o
estagiário se tornaria o profissional assistente nos grupos de crianças pertencentes aos quadros
das instituições de Educação Infantil.” (ARARAQUARA, 2006, p.20). Ainda nessa parte,
apresenta-se uma denominação própria para o professor que atua na educação infantil, como
“educador infantil”, “professor/educador(a)”.
Essa diferenciação leva a considerar a necessidade de agregar o termo educador ao perfil
de professor. Stemmer (2012) revela que o termo educar é utilizado na pedagogia da educação
infantil no lugar de ensinar, pois teria um caráter mais amplo. Analisando o trabalho de Rocha
(1999), que objetivou a análise de pesquisas que tratam da educação infantil para delimitar um
campo específico que denominou inicialmente de pedagogia da educação infantil, Stemmer
(2012, p.26) explica que,
Ensinar estaria ligado diretamente ao processo de ensino-aprendizagem no
contexto escolar e “não deve ganhar uma dimensão maior do que as demais
dimensões envolvidas no processo de constituição do sujeito/criança, nem
reduzir a educação ao ensino”. E defende que isso deveria valer também para
as séries iniciais do ensino fundamental, embora considere o “ensino” o seu
objetivo precípuo.
Quando se trata da educação infantil é preciso ter cuidado para não se abordar e defender
as especificidades dessa etapa da educação básica às custas da descaracterização e esvaziamento
do trabalho do professor. Arce (2004) citada por Stemmer (2012) denomina essa pedagogia de
anti-escolar, e identifica nela um esforço para contrapor uma cultura da infância à educação
escolar, vê ainda nessa pedagogia um movimento no sentido de cortar definitivamente todos os
laços com o ensino e com a figura do professor como alguém que transmite conhecimentos às
crianças.
No que se refere aos sentidos atribuídos à relação pedagógica do professor com os
alunos, há uma diversidade de entendimentos entre os cursos, sendo que somente o documento
acima referido apresentou um papel específico dada a especificidade da fase de
desenvolvimento.
Na identificação dessas ações, foi necessário identificar o que especificamente o
documento apresentava de objetivo para ação do professor, o que muitas vezes não estava
129
explícito, dada a integração de perfis, “[...] o perfil e as competências são de tal modo
abrangentes, que lembram as de um “novo salvador da pátria”, para cuja formação o currículo
proposto é insuficiente [...]” (KUENZER, RODRIGUES, 2007, p.42).
Houve coincidência de finalidade em apenas dois documentos, e em um documento não
foi localizado unidade de registro para este eixo. Assim, foram identificados como ações do
professor na relação com os alunos: o trabalho em sala de aula, a resolução de problemas,
ensino, cuidar e educar, ministrar aula, desenvolver o currículo, mediador, promover a educação
estética, exercer a docência (ocorrência em dois projetos), construção e reconstrução de
conhecimentos, utilizar diferentes linguagens e conhecimentos.
Se essas diferentes formas de se referir ao trabalho educativo do professor na relação
com os alunos carecem de consensos entre os cursos, é significativo, no entanto, que apreensão
do trabalho do professor nesses termos não é diferenciado quanto à etapa escolar, educação
infantil ou anos iniciais do ensino fundamental, pelo menos no interior da formação.
A premissa do processo de ensino-aprendizagem foi destacada na atuação dos
professores, tanto para educação infantil como para os anos iniciais do ensino fundamental,
[...] desafios cotidianos próprios da situação de ensinar e aprender, possibilitando que
o futuro profissional possa transformar seu conhecimento em instrumento a serviço
da aprendizagem dos alunos e de seu próprio avanço e autonomia [...] [...] o futuro
pedagogo deverá ter conhecimentos próprios ao ensino dos anos iniciais do Ensino
Fundamental e da Educação Infantil [...] [...] garantir aos alunos uma base sólida e
homogênea de conhecimentos matizada pelos contextos particulares e específicos de
sua atuação [...] [...] deverá proporcionar ao futuro professor condições de
experimentação e ensaio sobre "como ensinar", isto é, como transformar objetos de
conhecimento em objetos de ensino [...] (ARARAQUARA, 2006, p.10).
[...] planejar e executar currículos e programas de ensino e/ou atividades para a
Educação Infantil e os Anos Iniciais do ensino fundamental [...] (PRESIDENTE
PRUDENTE, 2015, p.15).
Organizar, coordenar e avaliar as diferentes situações de ensino e aprendizagem que
caracterizam a prática docente na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental para as quais está sendo formado. (RIO CLARO, 2017, p.30).
[...] aplicar modos de ensinar diferentes linguagens: Língua Portuguesa, Matemática,
Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e
adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano. [...] utilizar, com
propriedade, instrumentos próprios de conhecimentos pedagógicos e científicos. (S.J.
DO RIO PRETO, p.35).
Houve uma ocorrência sobre a função de ministrar aula, que também remete à uma ação
específica do professor dentro de um processo intencional e sistematizado,
[...]diretrizes curriculares que atribuem a todo pedagogo a função de ministrar aulas
tanto nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental como na Educação Infantil[...].
(MARILIA, 2006, p.11).
Considerando que a forma e o conteúdo são dois aspectos indissociáveis do ato docente
(SAVIANI, 2009, p. 151), verificou-se que os PPPs apresentaram em comum o fato de partirem
130
de uma perspectiva da necessidade de professores na creche, sendo a sua ação delimitada pelo
trabalho de adequar as formas ao conteúdo de acordo com a modalidade institucional. Todos os
projetos apresentaram formas de se referir às etapas da educação básica que confirmam uma
perspectiva integradora da ação docente.
A perspectiva do ensino na creche coaduna-se com a prática do professor que seleciona
os conteúdos e considera as formas de torná-los acessíveis às crianças. Assim, nos projetos fica
explícita uma compreensão de ações escolares também na educação infantil e portanto, na
creche. Abrantes (2013, p.160) esclarece sobre o papel do professor no desenvolvimento de
ações escolares,
[...] torna-se necessário atentar para os conteúdos com os quais as crianças
entrarão em relação durante as atividades objetivadas na educação infantil,
ponderando a necessidade de que as ações escolares se organizem no sentido
de que as crianças, pela mediação do professor, entrem em contato com os
conhecimentos humanos sistematizados, já que o desenvolvimento das
capacidades intelectuais não ocorre sem a apropriação dos saberes históricos.
Nesse sentido, é um avanço que se pense o ensino como atividade do professor também
na educação infantil. Esse avanço se deve ao fato do reconhecimento que as ações escolares
dependem da ação do professor e assim a sua atividade é imprescindível para elaborar e
sistematizar situações de ensino.
Ainda no que se refere à prática do professor, nota-se nos documentos analisados, que
a prática pedagógica é elemento central para delimitar a estrutura do curso, na formação e
articulação dos seus núcleos e dos diferentes perfis profissionais, de professor para educação
infantil e anos iniciais e para a gestão. Essa indicação da centralidade da prática pedagógica na
formação do pedagogo é também decorrente das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de licenciatura em pedagogia (BRASIL, 2006). Todos os cursos apresentaram propostas
de articular a prática pedagógica nas disciplinas e no estágio. Para essas propostas foi
mencionado a necessária articulação entre teoria e prática na formação do professor.
Um documento menciona inclusive que a interação entre os professores em exercício
com os professores em formação é fundamental para trazer a tona processos formativos não
observáveis de outra forma. Quanto a importância atribuída para a prática pedagógica e o
ambiente como formadores da identidade do professor de educação infantil, Azevedo e Prado
(2012, p.38), observam a influência da formação nos parâmetros do professor reflexivo, pois,
[...] é no ambiente no qual trabalha e mediante a observação das crianças em
sua prática que esse professor terá a oportunidade de construir sua
especificidade docente, a saber: de professor reflexivo, observador e mediador
de diálogos em um espaço de convivência complementar o da família.”
131
Kuenzer (2007) observa nesse tipo de formação um ensino prático reflexivo, baseado
em uma epistemologia da prática que tem no aprender fazendo, na instrução e no diálogo de
reflexão-na-ação entre instrutor e estudante suas principais características. A autora alerta para
o fato que a formação só pela prática não é suficiente,
A pedagogia, assim compreendida, se resume a observar e repetir até
memorizar as “boas práticas” dos trabalhadores mais experientes, bastando
inserir desde logo o futuro docente na situação concreta de trabalho, mesmo
antes que ele se aproprie de categorias teórico-metodológicas que lhe
permitam analisá-la e compreendê-la para poder intervir com competência.
(KUENZER, 2007, p.53).
Do mesmo modo, outro PPP valoriza o estágio na creche e discrimina sua importância
para reforçar a necessidade de um profissional da educação também nesse espaço,
considerando,
necessário ao profissional que atuará nesta fase da vida do ser humano saber
sobre a natureza e desenvolvimento da criança, os fundamentos teórico-
metodológicos que norteiam esta etapa educacional, a concepção do termo
cuidar educar nele bem como a integração com o brincar, sem querer esgotar
todas as possibilidades de perspectivas formativas, mas também sem esquecer
das questões que nem sempre se consideram exigentes de profissional, como
o ato de alimentação, higiene, manutenção de rotinas das crianças pequenas.
(ARARQUARA, 2006, p.21).
Nesse sentido o cuidar também significa ensino, pois o professor cria na criança a sua
“segunda natureza” ao produzir nela a humanidade (ARCE, 2007, p.13). Nessa centralidade da
ação do professor, Arce (2007), entende ocorrer o resgate do professor como intelectual, que
deverá ser alguém com amplo capital cultural e não apenas com disposição para gostar de
crianças.
Dessa forma, a educação infantil tem seu caráter escolar equiparado aos níveis
subsequentes de educação escolar, que darão continuidade à formação iniciada na creche,
dentro de um sistema de educação escolar em que o papel da escola é viabilizar a apropriação
do patrimônio cultural humano.
Embora a perspectiva histórico-cultural e histórico-crítica não sejam assumidas nos
PPPs objeto de análise, entende-se, pelos eixos analisados, que os projetos se aproximam dos
seus pressupostos ao valorizar um percurso diferenciado para a formação de professores dentro
do curso de pedagogia, destacando os conhecimentos teóricos-metodológicos em sua formação
e assumindo uma perspectiva integradora do papel do professor nas diferentes etapas da
educação básica.
A tendência em reconhecer o caráter escolar da creche e por conseguinte pensar a ação
do professor dentro da especificidade da educação escolar, também para essa etapa, se mostra
um avanço nos documentos. Historicamente, essa natureza escolar da creche e da ação do
professor foi se constituindo mediante binômios, como se, admitir o processo de escolarização
se colocasse em oposição à infância e as necessidades das crianças menores de três anos. O
caráter profissional do professor foi-se constituindo em meio esses debates, que foram
necessários para se avançar nas discussões sobre o papel da educação e do professor na creche.
Assim que, a inclusão da creche como modalidade escolar, dentro da educação básica
pela LDB/96, trouxe implicações para o perfil profissional de quem atua com as crianças
menores de três anos, passando a compreender a ação do professor. Segundo Bonetti (2004,
p.93), a constituição histórica do professor de educação infantil foi marcada por diferentes
denominações que eram determinadas,
[...] pela forma de conceber a criança, pelo âmbito das instituições dedicadas
a sua educação e cuidado, pela idade das crianças e também pela formação
desses profissionais. Atualmente pode-se dizer que é uma profissão que se
constitui na fusão ou na busca da superação da dicotomia entre educar e
cuidar, que tem na sua constituição histórica marcas dos profissionais que os
precederam no âmbito da assistência ou da educação.
sistema escolar, que tiveram início pautados nos ideais do Iluminismo e da Revolução Francesa
e nos princípios de difusão e universalização da educação, a educação infantil surge com um
caráter educacional assistencialista. O objetivo dessa etapa era proteger as crianças pobres do
trabalho servil, imposição gerada pelo capitalismo em expansão na época, as crianças
abandonadas e aquelas que a guarda pela instituição de educação infantil era necessária para
que suas mães pudessem trabalhar (STEMMER, 2012).
A diferenciação nos objetivos educacionais da educação infantil em relação aos outros
níveis de ensino já começou, em sua origem, adquirindo “um caráter educativo não escolar,
voltado desde seu princípio para a adaptação e a submissão” (STEMMER, 2012, p.8). A própria
noção de educação das crianças pequenas é permeada de diferentes compreensões. Kuhlmann
Jr., (2004) não observa o caráter assistencial como oposto ao educacional, pelo contrário, o
caráter assistencialista é em si uma proposta educacional. À época a finalidade dessa proposta
era adaptar a criança para viver na sociedade capitalista, por isso, seu processo educativo era
contrário à emancipação, e tinha como finalidade educativa a “pedagogia da submissão”
(KUHLMMANN JR., 2004), que era um projeto educativo estabelecido para os pobres.
A história da institucionalização da educação infantil e do estabelecimento de projetos
educativos para a mesma, passou por diferentes momentos, sendo que uma proposta tentava
superar a outra por sua negação. A análise de Kuhlmann Jr., (2004) da história da educação
infantil brasileira demonstra como as novas concepções educacionais para a educação infantil,
começando do projeto educacional assistencialista, foram se estabelecendo colocando-se uma
relação de oposição com as concepções que as precederam.
Assim, foi-se constituindo historicamente relações de oposição entre,cuidar, brincar,
desenvolvimento intelectual, desenvolvimento integral e ensino. A análise de Kuhlmann Jr.,
(2004) revela que os períodos históricos referentes às concepções educacionais foram se
constituindo em relações de embate entre família e instituição, educação e assistência,
puericultura e higiene, jogos e brincadeiras, desenvolvimento, cognição e recreação.
Como resultado desses embates, é possível se elencar algumas ideias apontadas por
Kuhlmann Jr., (2004) que permeiam o ideário atual sobre uma concepção educacional para
creche, como: o preconceito em relação as ações de cuidado relacionando-as à uma dimensão
doméstica, a crença que a orientação educativa não deve tolher o aspecto criador do
desenvolvimento intelectual e artístico da criança, como se orientação educativa se colocasse
contra a criatividade, a valorização da ação da criança na delimitação dos processos educativos
de tal modo a separar a experiência da criança das raízes históricas, culturais e sociais em que
136
Algumas ideias devem ser superadas quando se trata de reconhecer o caráter escolar da
creche e assim, o professor como aquele que ensina, também na creche. Sobre a centralidade
do professor e do conhecimento nesse processo, Azevedo e Prado (2012, p.34) refutam a
compreensão de que o conhecimento e a ação diretiva do professor se opõem ao direito à
infância das crianças,
137
A polarização da relação entre educar e cuidar também é observada por Kuhlmman Jr.
(2004, p.13), revelando algumas ideias e situações que surgem ao considerar o caráter escolar
da educação infantil, como por exemplo, pensar que as crianças estarão em uma estrutura física
e de organização curricular (conteúdos, avaliação e etc) idêntica ao ensino fundamental.
De uma parte, é de se esperar que determinados conteúdos escolares tornem-
se objeto de preocupação da educação infantil, conforme as crianças vão se
aproximando da idade do ensino fundamental. De outra parte, observa-se que
ainda hoje há crianças pequenas que são submetidas a uma disciplina escolar
arbitrária em que, diferentemente de um compromisso com o conhecimento,
a instituição considera não ser sua função prestar os cuidados necessários e
sim controlar os alunos para que sejam obedientes à autoridade.
Pensar aspectos da educação escolar para as crianças de forma polarizada, como ensino
e criatividade, ação do professor e ação da criança, conteúdo e brincadeira, cuidado e ensino,
ensino e educação, suscitam posicionamentos como o constatado por Azevedo e Prado (2012),
de que,
[...] a instituição de educação infantil não deve adotar um modelo de escola.
Um lugar para brincar não pode ter espaços imobilizadores, padronizados,
devem ser coletivos e compartilhar com as famílias a tarefa de cuidar e educar
crianças ativas e que tem ritmo próprio, o que favorece o diálogo e a
autonomia [...].
Nesse contexto, Facci, Leonardo e Silva (2010, p.224) observam ocorrer o esvaziamento
da função do professor, pois nega-lhe a ele o que lhe é indispensável: “[...] a reflexão crítica
sobre a profissão e a busca de alternativas para a superação das condições objetivas e subjetivas,
profundamente alienantes, que caracterizam boa parte do trabalho docente na atualidade.”
Considerando que todo projeto educacional se configura por ter uma finalidade
estabelecida em relação a formação que pretende desenvolver, o trabalho e a formação do
professor nesses moldes concorre mais para a precarização da profissão e não se ajusta a um
projeto de formação emancipatório, que segundo Kuhlmann (2004) se opõe ao projeto
educacional assistencialista, porque forma os indivíduos não para adaptá-los às condições
desiguais da sociedade, mas pensando na superação da mesma. Nesses termos a desvalorização
da creche como escola pode ser compreendida, como postula Saviani (2011, p.83), numa “[...]
tentativa de desvalorização da escola, cujo objetivo é reduzir o seu impacto em relação às
exigências de transformação da própria sociedade.”
Na perspectiva emancipatória os conhecimentos elaborados são fundamentais na
educação escolar pois,
[...]a escola tem uma função especificamente educativa, propriamente
pedagógica, ligada à questão do conhecimento; é preciso, pois, resgatar a
importância da escola e reorganizar o trabalho educativo, levando em conta o
problema do saber sistematizado, a partir do qual se define a especificidade
da educação escolar. (SAVIANI, 2011, p.84).
Dessa forma, o ensino abarca também o cuidado com as crianças menores de três anos,
não apenas porque são dependentes biologicamente, mas por ser essa a condição da infância
nessa fase que agrega todo seu potencial de humanização, justamente por não nascer com as
características próprias da humanidade histórica que essa criança tem a possibilidade de se
humanizar por meio das relações sociais mediadas pelos objetos da cultura. Instaura-se um
objetivo emancipador também para a educação na creche.
Esse objetivo educacional emancipador se reveste de especificidade quando, se
reconhece o papel único e diretivo do professor nesse processo, sendo que ele é,
[...] portador dos signos que medeiam a relação da criança com o mundo,
tendo a experiência do uso social dos objetos culturais, por meio dos quais
proporciona à criança a vivência de operações que organizam atividades
interpsíquicas. Essas, internalizadas por ele na medida em que também tiver a
experiência individual, permitem-lhe se objetivar naquele objeto da cultura
que lhe foi apresentado. (MARTINS; MARSIGLIA, 2015, p.32).
8 CONCLUSÃO
básica manifestado nos documentos de maneira explícita é uma elaboração importante para
avançar nos estudos sobre o caráter escolar da creche e assim contribuir para que se pense o
trabalho do professor a partir da esfera da educação escolar, desvelando com maiores precisões
o que significa ensinar na creche.
Assim, a creche não recebeu um tratamento específico nos documentos, no entanto, a
educação infantil e o perfil do professor foram tratados em uma perspectiva integradora, sempre
referindo-os dentro de uma perspectiva escolar. Nesse sentido, entende-se que a formação
inicial nesses parâmetros se aproxima aos pressupostos da teoria histórico-cultural e histórico
crítico na medida que não estabelece objetivos diversos para a educação infantil,
compreendendo-a como início da escolarização básica das crianças e estabelecendo o ensino
como margem de atuação do professor para todas as modalidades de atuação.
Isso por si só já é um movimento favorável para profissionalização dos professores da
creche que rompe com a tendência de negar a atividade de ensino, demonstrando entendimento
do papel central e diretivo do professor na creche para promover aprendizagens.
Os estudos revelaram que o formato da formação inicial dos professores no curso de
pedagogia ainda está longe de se chegar em um consenso e que as universidades públicas têm
papel fundamental nessas discussões. Assim, no que é possível às universidades com as
condições que possuem e sob a influência de orientações curriculares que sustentam a dimensão
da epistemologia da prática nos processos formativos, verificou-se que estão tentando pensar
em percursos curriculares que favoreçam a constituição profissional do professor dentro da sua
função precípua de ensinar em qualquer modalidade da educação básica e assim assumindo,
para além das condições desfavoráveis, que quem ensina na creche é o professor.
146
REFERÊNCIAS
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_______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB Nº: 21/2008. Consulta sobre
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& Educação, v. 4, p. 3-21, 1991.
RAMOS, M.N. A educação profissional pela pedagogia das competências e a superfície dos
documentos oficiais. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 401-422,
setembro/2002. Disponível em: http://escoladegestores.mec.gov.br/site/8-
biblioteca/pdf/mn_ramos.pdf. Acesso em: 5 dez. 2017.
RICHARDSON, R. J.e Colaboradores. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas,
2012.
153
SAVIANI, Nereide. Educação Infantil versus educação escolar: implicações de uma (falsa)
oposição. In: ARCE, Alessandra & JACOMELLI, Mara Regina Martins (Org.). Educação
Infantil versus Educação Escolar?: entre a (des)colarização e a precarização do trabalho
pedagógico nas salas de aula. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. p. 53-80.
STEMMER, Márcia Regina Goulart. Educação infantil: gênese e perspectivas. In: ARCE, A.;
JACOMELLI, M. R. M. (Org.). Educação Infantil versus Educação Escolar?: entre a
(des)colarização e a precarização do trabalho pedagógico nas salas de aula. Campinas, SP:
Autores Associados, 2012. p. 5-32.
APÊNDICES
157
D. Definição de escola
Subcategoria Unidade de registro
D.1- Espaço “[...]espaço específico para o ensino, para a aprendizagem e para o
da educação enriquecimento cultural, devendo criar as condições para o
escolarizada desenvolvimento das capacidades a que todos têm direito,
notadamente, aquelas que têm na educação escolarizada seus lócus de
efetivação e aprimoramento.” (p.3)
“Novas tarefas são postas para a escola, não porque seja a única
instância responsável pela educação, mas por ser a instituição que
desenvolve uma prática educativa planejada e sistemática durante um
período contínuo e extenso na vida das pessoas[...] (p.3).
D.2- Espaço e porque mantém-se como referência social da difusão de
de difusão conhecimento, tecnologia e cultura em suas diferentes formas.” (p.3).
bens
culturais.
161
Profissionais X X X X X -
Pedagogo X X X X X X
Professor X X - X X -
Professores para as séries X - - - - -
iniciais
Professores para a X - - - - -
educação infantil
Professores para alunos X - - - - -
com necessidades
especiais
Professores em educação X - - - - -
especial
Licenciado X - - - - -
Educador X X - X X -
Educador infantil X - - - - -
Docente - - X - - -
Professor/polivalente - - - X - -
Pedagogo/professor - - - X - -
polivalente
Gestor Educacional - - - X - -
Licenciados em - - - - X X
Pedagogia
Garantir aprendizagem X - - - - -
Trabalho em sala de X - - - - -
Finalidade da ação do professor com os alunos
aula
Resolução de X - - - - -
problemas
Ensino X - - - - -
Cuidar e educar X - - - - -
Ministrar aula - - X - - -
Desenvolver o - - - X - -
currículo
Mediador - - - X - -
Promover a educação - - - X - -
estética
Exercer a docência - - - X X -
Construção e - - - - X -
reconstrução de
conhecimentos
Utilizar diferentes - - - - - X
linguagens e
conhecimentos.
Níveis da escola X - - - - -
Níveis de atuação X - - - - -
Modalidades X - - - - -
institucionais
Nível de educação X - - - - -
176
Etapas X - - - - -
Etapas de formação X - - - - -
Etapa educacional X - - - - -
Crianças de zero à - - X - - X
cinco anos
Crianças dos Anos - - X - - X
Iniciais do Ensino
Fundamental
Áreas de atuação - - - X - -
Educação da Infância - - - X - -
de 0 a 12 anos
Escola de educação - - - X - -
infantil e anos iniciais
Educação Infantil - - - X X -
Níveis de ensino. - - - - X X
Âmbitos da educação - - - - X -
básica.
Anos Iniciais do - - - - X X
Ensino Fundamental.
Educação escolar - - - - X -
básica
Esferas de atuação - - - - X -
profissional
Modalidades - - - - X -
Níveis do processo - - - - - X
educativo.
Educação básica. - - - - - X
Espaço da educação X - - - - -
escolarizada
Espaço de difusão dos X - - - - -
bens culturais
Espaço de prática - X - - - -
D. Definição de escola
pedagógica
Espaço de - X - - - -
humanização
Organização complexa - - - X - -
de promoção da
educação e cidadania.
Espaço escolar - - - X X -
Lócus de investigação - - - - X -
e formação.
Fonte: Projeto Político Pedagógicos dos cursos de Pedagogia, da UNESP dos câmpus
Araraquara (1), Bauru (2), Marília (3), Presidente Prudente (4), Rio Claro (5), São José do Rio Preto (6).
177
Quadro das categorias com as subcategorias correspondentes referentes ao PPP de Rio Claro.
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
A. Denominação A.1- Profissional da educação
do profissional A.2- Educador
formado pelo curso A.3- Profissional
de pedagogia A.4- Professor
179
A.5- Pedagogo
A.7- Licenciados em pedagogia
B. Finalidade da B.1-exercício da docência
ação do professor B.2- Construção e reconstrução de conhecimentos
como os alunos
C. Denominação da C.1- Níveis de ensino.
organização da C.2- Âmbitos da educação básica.
educação dentro da C.3- Educação infantil
educação básica C.4- Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
C.5- Educação escolar básica
C.6-Esferas de atuação profissional
C.7- Modalidades
D. Definição de D.1- Espaço escolar.
escola D.2- Lócus de investigação e formação.
Fonte: Projeto Político Pedagógico do curso em licenciatura plena em pedagogia do Instituto de
Biociências-Campus de Rio Claro/Unesp (RIO CLARO, 2017).
Quadro das categorias com as subcategorias correspondentes referentes ao PPP de São José do Rio
Preto.
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
A. Denominação A.1- Licenciando em Pedagogia
do profissional A.2- Profissionais da educação
formado pelo curso A.3- Pedagogo
de pedagogia
B. Finalidade da B.1- utilizar diferentes linguagens e conhecimentos.
ação do professor
como os alunos
C. Denominação da C.1- Crianças de 0 a cinco anos.
organização da C.2- Crianças do ensino fundamental.
educação dentro da C.3- Níveis do processo educativo.
educação básica C.4- Educação básica.
C.5- Educação infantil.
C.6- Anos Iniciais.
C.7- Níveis de ensino.
D. Definição de Não foram identificadas unidades de registro.
escola
Fonte: Projeto Político Pedagógico do curso em Pedagogia do Instituto de Biociências,
Letras e Ciências Exatas (IBILCE)- Câmpus de São José do Rio Preto/Unesp. (S.J RIO PRETO,
2017).