Conceitos e Referências em Plantas Medicinais - Contribuição À Implantação Da Fitoterapia No SUS PDF

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Brazilian Journal of Health Review 21552

ISSN: 2595-6825

Conceitos e referências em plantas medicinais: contribuição à


implantação da fitoterapia no SUS

Concepts and references in medicinal plants: contribution to the


implantation of phytotherapy in SUS

DOI:10.34119/bjhrv4n5-241

Recebimento dos originais: 05/09/2021


Aceitação para publicação: 11/10/2021

Sílvia Beatriz Costa Czermainski


Farmacêutica
Mestre em Ciências Farmacêuticas – Sanitarista - Consultora
Rua Abram Goldsztein, 250/202-6, Jardim Carvalho - Porto Alegre - RS
E-mail: [email protected]

Roger Remy Dresch


Farmacêutico
Doutor em Ciências Farmacêuticas - Consultor
Rua Prof. Cristiano Fischer, 320/207 – Petrópolis - Porto Alegre - RS
E-mail: [email protected]

Ângela Sperry
Farmacêutica
Mestre em Ciências Farmacêuticas - Consultora
Rua Dr. Barros Cassal, 602/11 – Floresta - Porto Alegre - RS
E-mail: [email protected]

RESUMO
Este trabalho busca nivelar o conhecimento dos conceitos, políticas públicas existentes
em Fitoterapia, suas diretrizes, legislação e estratégias que necessitam ser compreendidas
por gestores e por profissionais de saúde para uma efetiva implantação no SUS. Aborda
ainda o contexto histórico e o aspecto intersetorial dessa terapêutica. Pretende contribuir
para o processo de decisão sobre a sua implantação, compondo a pauta sobre a
complexidade da Fitoterapia, suas possibilidades, diferentes abordagens e insumos
terapêuticos. A revitalização das práticas médicas antigas é uma tendência, uma vez que
permitem respostas alternativas aos problemas gerados pela especialização excessiva da
medicina convencional ocidental, sendo a Fitoterapia a prática integrativa mais difundida
na Atenção Primária. Há de se buscar ambiente adequado para conferir e garantir ao
conhecimento tradicional o seu reconhecimento formal e sua utilização nos serviços de
saúde. A busca pela maior aproximação das práticas de saúde com a natureza, e que os
recursos terapêuticos sejam naturais e processados o menos possível, são valores da
humanização do serviço e dos processos de trabalho. É preciso discutir com as equipes
de saúde o respeito ao conhecimento tradicional/popular, desconstruindo e reconstruindo
referências cristalizadas pelo conhecimento científico e seu predomínio na formação da
legislação em saúde.

Palavras-chave: Fitoterapia, Plantas Medicinais, Práticas Integrativas, Sistema Único de


Saúde, Saúde Pública.

Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v.4, n.5, p. 21552-21568 sep./oct. 2021
Brazilian Journal of Health Review 21553
ISSN: 2595-6825

ABSTRACT
This work intends to level the knowledge of the concepts, existing public policies in
Phytotherapy, its guidelines, legislation and strategies that need to be understood by
managers and health professionals for an effective implantation in SUS. It also
approaches the historical context and the intersectorial aspect of this therapy. It intends
to contribute to the decision process on its implantation, composing the agenda about the
complexity of Phytotherapy, its possibilities, different approaches and therapeutic inputs.
The revitalization of old medical practices is a trend, since they allow alternative
responses to the problems generated by the excessive specialization of western
conventional medicine, with Phytotherapy being the most widespread integrative practice
in Primary Care. An adequate environment must be sought to confer and ensure to the
traditional knowledge its formal recognition and its use in health services. The search for
a closer approximation between health practices with nature, and that therapeutic
resources are natural and it processed as little as possible, are values of the humanization
of the service and of the work processes. It is necessary to dialogue with the health
professionals the respect for traditional/ popular knowledge, deconstructing and
reconstructing references crystallized by scientific knowledge and its predominance in
the formation of health legislation.

Key-words: Phytotherapy, Medicinal Plants, Integrative Practices, Unified Health


System, Public Health.

1 INTRODUÇÃO
A inserção da Fitoterapia no SUS é objetivo de duas políticas públicas formuladas
em 2006, em momento de respostas à agenda por políticas públicas e sociais, num clima
de reivindicação popular por essa terapêutica, prática no cuidado em saúde. As diretrizes
da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, PNPMF (BRASIL, 2006a), e
da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, PNPIC (BRASIL,
2006b), representam a conquista da agenda governamental pela Fitoterapia e também das
propostas acadêmicas e de organizações internacionais de saúde pela sua introdução nos
sistemas de saúde.
A institucionalização da Fitoterapia como política pública também vem sendo
acompanhada por estados e municípios em todo o país, como no Rio Grande do Sul, onde
é instituída por lei (RIO GRANDE DO SUL, 2006) e que derivou Nota Técnica de
orientação aos municípios para sua inserção na Rede de Atenção à Saúde (RIO GRANDE
DO SUL, 2020).
Essas políticas envolvem desafios os mais diversos, as quais retratam em suas
diretrizes a complexidade das questões que envolvem a Fitoterapia. Desde a preservação
das espécies medicinais e da cultura em torno do seu uso até a inovação farmacêutica, um
conjunto de valores, campos de conhecimento, atores e relações diversas permeiam seus

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objetivos e estratégias. Na base desses desafios estão a resistência dos saberes e a


persistência pela valorização de práticas tradicionais e populares no sistema de saúde.
A Fitoterapia contribui, tanto quanto outras práticas integrativas, para o
enfrentamento da mudança de modelo e das práticas convencionais de atenção à saúde e
referências terapêuticas prevalentes. Seja pelo uso de produtos naturais em um sistema
com domínio de produtos sintéticos, seja pela ampla aceitação popular especialmente nas
comunidades distantes dos grandes centros urbanos e mais próximos da natureza, ou
ainda pelo cooperativismo existente no cultivo da planta medicinal, na contramão da alta
competição existente no setor farmacêutico.
Há um conjunto de questões que ensejam reflexões despojadas dos paradigmas
das práticas convencionais e que podem ser significativas para as decisões técnicas e de
gestão dos sistemas e serviços de saúde quanto à introdução de antigas práticas de saúde.
Este ensaio busca contribuir nesse sentido, e na reflexão e apropriação de referências
significativas para a formulação de políticas de saúde municipais, principalmente, em
seus valores e diretrizes, em especial as políticas de assistência farmacêutica.
Como um ensaio, apresenta uma revisão das referências institucionais em
Fitoterapia, discute e reflete sobre essas e sobre os conceitos e campos de conhecimento
que envolve, sem a pretensão de esgotar o tema e mesmo a revisão, pela dinâmica dessas
referências, especialmente da legislação. Essa revisão também se estendeu às políticas
que a instituíram, a partir da visão dos autores na experiência na coordenação da política
estadual do Rio Grande do Sul.
O cenário definido por essas políticas que propõem a Fitoterapia implica em uma
diversidade de referências, conceitos e estratégias que necessitam ser delimitados,
portanto, para gestores, profissionais de saúde e usuários da Fitoterapia no SUS,
motivando o presente ensaio que objetiva contribuir para a inserção da Fitoterapia no
SUS.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE PLANTAS MEDICINAIS


A PNPMF decorreu de um processo histórico de demandas populares pela
mudança de modelo de atenção. As conferências de saúde constantemente apresentam
recomendações, discursos e queixas dos usuários sobre a necessidade de mudança, mais
precisamente reivindicando humanização e integralidade na assistência assim como
maior naturalidade dos procedimentos e produtos terapêuticos. Além disso, indicaram a

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superação da medicalização excessiva, não racional, o uso extensivo de equipamentos, o


biologicismo na determinação da doença e o tecnicismo nos tratamentos.
As políticas de plantas medicinais também se originaram da agenda de
profissionais e agentes públicos de saúde, da agricultura, do meio ambiente, educação e
outras, por maior valorização da pesquisa e das possibilidades da biodiversidade nacional
para novos medicamentos. Ainda, contemplaram uma forte questão política e econômica,
que é a busca pela redução da dependência externa em fármacos, entre outras questões
que estão na base da agenda por mudança nas práticas de saúde.
Essa confluência de interesses legítimos e de visões estratégicas para uma nova
assistência à saúde motivou, em síntese, a formulação da PNPMF, cujo eixo principal de
inserção da Fitoterapia no SUS, entre as diretrizes da política, acompanhava a PNPIC e
era realidade em muitos municípios no país, conforme consta do seu texto.
Corroboram para esse objetivo as conclusões de MACHADO et al. (2012) que
avaliaram que há uma receptividade positiva ao uso terapêutico de plantas medicinais por
parte dos profissionais. É importante que os gestores de serviços de saúde não fiquem
alheios à necessidade de capacitação dos trabalhadores do SUS e coordenadores de
unidades de saúde em Fitoterapia, o que pode ser ofertado inclusive na modalidade de
tele-educação (DRAMOS et al., 2019). SAMPAIO e colaboradores (2013) também
demonstraram haver deficiência no conhecimento da Fitoterapia, bem como sobre as
políticas públicas que se referem a elas; em seu estudo constataram haver falta de
valorização pelos gestores e estrutura de referência, e que os profissionais encontram
barreiras que impossibilitam o emprego de outras racionalidades médicas, terapias e
práticas, como é o caso da Fitoterapia.
Especialmente no ambiente da Atenção Primária em Saúde o uso de plantas
medicinais e fitoterápicos se ajusta ao tipo de cuidado em saúde, favorável ao diálogo
respeitoso e mutuamente enriquecedor entre saberes, técnicas, tradições e racionalidades
diversas em saúde, leigas e especializadas (ANTONIO et al., 2013).
Há de se considerar aqui a Fitoterapia no contexto de medicinas tradicionais, como
a indígena, a chinesa, a ayurvédica, racionalidades médicas que se utilizam das plantas
medicinais no seu contexto cultural, na sua cosmologia, no seu entendimento da fisiologia
e anatomia humanas e nos seus sistemas diagnósticos e terapêuticos. Nessas medicinas a
dimensão espiritual, energética, é contemplada na abordagem terapêutica, diferentemente
da Biomedicina que aborda a plantas apenas em seus constituintes químicos.

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A contribuição de Francisco José de Abreu Matos1 dá-se nesse sentido, como um


marco histórico do desenvolvimento da Fitoterapia no estado do Ceará, com a criação das
Farmácias Vivas, organizado sob a influência da Organização Mundial de Saúde, que
buscou conhecer as plantas mais usadas na medicina popular do Nordeste brasileiro, sua
comprovação científica e garantia de acesso e uso correto (BANDEIRA, 2015).
É possível que não necessariamente esta realidade, qual seja a do incremento da
Fitoterapia em sistemas municipais de saúde, seja um resultado direto das ações da
PNPMF. Há uma diversidade de experiências municipais as quais derivam de situações
típicas, bem definidas, empreendidas por atores locais, num fluxo político favorável para
iniciativas e atividades com plantas medicinais, em dado momento do cenário municipal,
que ocorreram antes da existência de uma política nacional ou estadual. ANTONIO e
colaboradores (2013) efetuaram metaestudo sobre as experiências de Fitoterapia na APS
que resultou em apenas vinte e quatro experiências analisadas e disponíveis na literatura
científica, levantando hipóteses gerais de que possa haver sub-registro e/ou pouco
interesse acadêmico sobre o tema.
A PNPMF, por suas ações no âmbito nacional, como a revisão, adequação e
formulação de novas regras para a área ou campo das plantas medicinais, financiamento
de projetos e eventos, estimulou e criou condições para ações locais, mesmo sem
envolver, diretamente, recursos financeiros. São exemplos as ações de secretarias
estaduais e municipais de saúde, de agricultura, da extensão rural, de universidades,
centros de pesquisa e entidades religiosas e sindicais, organizações populares e ONGs no
apoio a agricultores, escolas e famílias no uso e cultivo de plantas medicinais.
Essas ações são comuns e mesmo sem estarem diretamente vinculadas às ações
da PNPMF são sintonizadas ao clima crescentemente favorável existente nos serviços de
saúde locais, desencadeado pela PNPMF, pelo estímulo à inserção da Fitoterapia.
Percebe-se, preliminarmente, que essas ações ainda necessitam se adequar a
conceitos e referências específicas das políticas de Fitoterapia, o que se observa nos
discursos contidos em apresentações em eventos, leis municipais, projetos e em ações
concretas desenvolvidas, já que, inúmeras vezes, os conceitos e ações propostas não
correspondem aos das políticas para Fitoterapia; assim como em outras políticas que
dialogam com a PNPMF, como a PNPIC, a qual se vincula pela presença da Fitoterapia,
e na Política Nacional de Educação Popular em Saúde.

1Farmacêutico e professor da Universidade Federal do Ceará, criador do modelo Farmácia


Viva.

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3 OS TERMOS E CONCEITOS ENVOLVENDO PLANTAS MEDICINAIS


Nos debates em eventos, em publicações populares e institucionais e também em
artigos científicos, se observam algumas distorções em relação aos conceitos
estabelecidos na legislação. Seja no entendimento da população em geral ou por
profissionais de saúde, que não dão conta de acompanhar a dinâmica da legislação e
alterações que introduzem, seja nos conceitos. Nesse sentido, as definições são
necessárias para nivelar o entendimento. Devido à necessidade de caracterizar os
possíveis produtos derivados de plantas medicinais, bem como a legislação específica
para o registro, produção e comercialização de cada um desses, é necessária a apropriação
de conceitos a fim de facilitar o diálogo entre os atores e objetivos.
Essas definições nem sempre são absorvidas de imediato, ou mesmo substituem
termos arraigados como a palavra “chá”, por exemplo, para referir às plantas medicinais
em geral; também para preparações gerais por infusão ou por decocção. Assim como o
termo “fitoterápico” para essas mesmas plantas; este é consagrado na cultura
farmacêutica, e também na cultura popular, com origem na cultura grega, a milenar
prática do uso das plantas na terapêutica. O termo “Fitoterapia” deriva do grego phyton
que significa “vegetal” e de therapeia, "tratamento".
Inicialmente, a própria definição de “planta medicinal” deve ser afirmada.
Conforme referida na PNPMF a partir da definição da Organização Mundial da Saúde, é
a espécie vegetal, cultivada ou não, que é utilizada com propósitos terapêuticos. É comum
referi-las como “ervas medicinais”, principalmente no sul do país, onde as espécies
nativas mais utilizadas pela população são de pequeno porte (plantas medicinais
herbáceas, trepadeiras, subarbustos e arbustos) (RIO GRANDE DO SUL, 2017). Há
setores que as classificam entre outros conceitos, como o de “plantas bioativas”, que as
incluem, mas que não é conceito no âmbito da saúde e da assistência farmacêutica. O
conceito de plantas medicinais é contemplado também pela OMS que assim as refere em
sua estratégia para a Medicina Tradicional (OMS, 2013) (“plantas medicinales” em
espanhol, “medicinal plants” em inglês).
As plantas medicinais podem ser utilizadas em formas específicas, como “planta
fresca” que é aquela coletada/colhida para utilização imediata; “planta seca”, que foi
precedida de uma operação de secagem para utilização; e ainda há derivados como os
extratos, tinturas, quando são submetidas à maceração, e extratos secos, quando
submetidas à extração com operações e processos específicos.

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É comum fazerem referência às plantas medicinais no meio popular, como as


“ervas” ou os “chás”, de forma genérica. Também se observa a denominação de “plantas
fitoterápicas”, comumente, para as plantas medicinais - o que é uma redundância ao
considerar-se que o prefixo “fito” já implica em vegetal - e não é uma expressão existente
na legislação.
Nivelar o conhecimento dos conceitos, sobre as políticas públicas existentes e suas
diretrizes, e a legislação básica, deve ser um primeiro item nas ações de capacitação de
profissionais e para projetos de inserção da Fitoterapia nos serviços. Esses, no seu dia a
dia, proporcionarão ampliar o conjunto de informações da equipe e adequação do discurso
em grupos, em projetos e, inclusive, a orientação de agentes comunitários e da própria
população.
Também facilita a identificação das reivindicações dos usuários pela Fitoterapia,
pois é comum a interpretação de que essas sejam pela introdução da Fitoterapia baseada
na utilização do medicamento fitoterápico como recurso terapêutico. O medicamento
fitoterápico é incluído nas possibilidades de financiamento da Assistência Farmacêutica
em seu componente básico (BRASIL, 2013a).
Entretanto, é possível que a reivindicação pela Fitoterapia com uso de plantas
medicinais de forma tradicional seja a prevalente, a considerar o discurso de atores de
organizações populares presentes nos fóruns de participação e controle social do SUS.
CZERMAINSKI (2009) destaca que é importante definir-se qual Fitoterapia é proposta
para o SUS, pois as “propostas de inserção vindas das organizações populares não são as
mesmas das originárias de setores farmacêuticos” e, acrescenta-se, de outros
profissionais, pelo tipo de abordagem, de produtos, etc. O que é corroborado por FONTE
e colaboradores (2005), em debate sobre a complexidade em torno do uso de plantas
medicinais e fitoterápicos, que observa diferentes olhares, entendimentos, interesses e
concepções. A autora avalia que a cadeia produtiva de plantas medicinais caracteriza-se
como multiprofissional e que há diferenças de olhares, interesses e entendimentos [...],
entre os atores e a realidade percebida no tocante aos seus modos de visão diante da
atividade profissional e do contexto onde estão inseridos.
A droga vegetal é referendada em Resolução da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, ANVISA (BRASIL, 2014) – a qual estabelece para o termo “fitoterápico” as
categorias “medicamento fitoterápico” e “produto tradicional fitoterápico” – com a
denominação de “chá medicinal” para as plantas medicinais sob a forma de droga vegetal
com fins medicinais.

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Nessa Resolução a denominação de “fitoterápico” para produto tradicional


elaborado a partir de uma espécie vegetal medicinal ou com mais plantas e/ou extratos,
com formulações tradicionais ou de uso popular, deve ser entendida como uma
incorporação à legislação que decorreu do processo de implementação da PNPMF,
enfatizando a visão desse processo como uma construção social e a valorização do saber
tradicional e popular. Anteriormente, o termo era restrito a medicamentos à base de
extratos de plantas medicinais, o que confundia a interlocução entre profissionais e
usuários de plantas medicinais conforme uso popular, pois o “fitoterápico” a que se
referiam tinha significados diversos: os primeiros como medicamentos e os segundos
como preparações artesanais com plantas medicinais ou mesmo os chás medicinais.
Avalia-se que a norma pacificou a confusão que por vezes ainda se estabelece na
utilização do termo “fitoterápico” – embora o tenha transformado de substantivo a
adjetivo – e em que pese que o termo simples “fitoterápico” esteja presente no glossário
da norma a fim de generalizar e remeter para as categorias acima referidas.
Assim, depreende-se que o uso de planta medicinal in natura ou como droga
vegetal é a que representa essa aspiração dos usuários e não, de fato, o medicamento
fitoterápico. A “droga vegetal” como produto tradicional fitoterápico, expressão definida
e integrada ao glossário da Fitoterapia e à legislação (BRASIL, 2014), é a “planta
medicinal processada, embalada, notificada e ou com registro simplificado na agência
regulatória”.
Sobre o termo “chá”, ainda muito utilizado de forma genérica pela população,
conforme estabelecido no âmbito da legislação de alimentos (BRASIL, 2005) “é o
produto constituído de uma ou mais partes de espécie(s) vegetal (is) inteira(s),
fragmentada(s) ou moída(s), com ou sem fermentação, tostada(s) ou não, adicionado de
aroma e ou especiaria para conferir aroma e ou sabor.” O chá medicinal, segundo proposto
na RDC 26 de 13 de maio de 2014 (BRASIL, 2014) passou a ser, então, um conceito
farmacêutico na medida em que é um insumo terapêutico que exige operações e processos
farmacêuticos. Ainda, quando o regramento sanitário permitir, conforme a planta
medicinal, o chá medicinal pode ser também considerado um produto tradicional
fitoterápico.
Conforme estabelecido nessa RDC chá medicinal é a “droga vegetal com fins
medicinais a ser preparada por meio de infusão, decocção ou maceração em água pelo
consumidor”; e droga vegetal, na mesma resolução, é a “planta medicinal, ou suas partes,
que contenham as substâncias responsáveis pela ação terapêutica, após processos de

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coleta/colheita, estabilização, quando aplicável, e secagem, podendo estar na forma


íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada”.
Na reflexão anteriormente esboçada de que a planta medicinal in natura, ou como
droga vegetal, é o que representa essa aspiração dos usuários, há um “feeling” simbólico
que decorre da observação e que suscita uma pequena hipótese, qual seja a de que a
população rejeita a palavra “droga”, na expressão “droga vegetal”, e assim, a designação
de chá medicinal satisfaz a singeleza da cultura do chá curativo e confortador.
Entretanto, na cultura farmacêutica, em que a palavra droga é bem constituída,
parece que a designação de droga vegetal ao produto das operações do processamento da
planta à embalagem, em uma linha de produção, é mais adequada. Até porque nesse
âmbito, esse produto pode ser fornecido para manipulação e, nesse sentido, atua como
matéria-prima para tinturas, por exemplo. Ora, a droga vegetal pode ser utilizada como
matéria-prima para produção industrial, para a manipulação magistral e ainda ser utilizada
diretamente como produto acabado.
Reflete-se também sobre a pertinência de designar como “droga vegetal” o
produto no âmbito de estabelecimentos de produção e de distribuição e reservar a
expressão “chá medicinal” para o âmbito da farmácia, para a dispensação e atenção
farmacêutica, constituindo-se aqui uma proposta de ajuste na legislação.
A definição antes referida de chá medicinal traz a ação do consumidor, qual seja
a sua autonomia no preparo, o que se dá em momento posterior à dispensação. Propõe-se
que no ambiente da farmácia ou da drogaria, haja afirmação e prevalência da
denominação de “chá medicinal” ao de “droga vegetal”, da oferta do produto ao ato da
dispensação e da atenção farmacêutica. Assim é destacado seu fim medicinal. Ou seja, a
droga vegetal seria o chá medicinal quando a granel, antes do fracionamento e embalagem
individualizada para dispensação para o consumidor/usuário a partir da qual,
efetivamente, torna-se o chá medicinal, com ação terapêutica constante da embalagem.
Cabe lembrar que as ervanarias, que são estabelecimentos previstos na Lei 5.991
de 17 de dezembro de 1973, que trata dos estabelecimentos farmacêuticos, também são
locais de dispensação de plantas medicinais, que começam a ser relembrados. Em grandes
centros comerciais surgem casas de chás, com caráter associativo e alimentício e não com
finalidade medicinal, que evidenciam uma possível tendência à ressignificação da planta
medicinal e, assim, o resgate da ervanaria.
No âmbito da Atenção Primária, profissionais de saúde capacitados em Fitoterapia
podem indicar plantas medicinais frescas ou como chá medicinal. A edição do Memento

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Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2016) proporcionou um suporte


fundamental a essas indicações. A Fitoterapia não é uma especialidade médica, e os seus
recursos terapêuticos – chá medicinal e medicamento fitoterápico – são isentos de
prescrição na maioria desses, e assim passíveis de indicação por qualquer profissional de
saúde habilitado.
A revitalização das práticas médicas antigas é uma tendência, uma vez que
permitem respostas alternativas aos problemas gerados pela especialização excessiva da
medicina convencional ocidental, sendo a Fitoterapia a prática integrativa mais difundida
na Atenção Primária.
A busca pela maior aproximação das práticas de saúde com a natureza, e que os
recursos terapêuticos sejam naturais e processados o menos possível, são valores da
humanização do serviço e dos processos de trabalho. É preciso discutir com as equipes
de saúde o respeito ao conhecimento tradicional/popular, desconstruindo e reconstruindo
referências cristalizadas pelo conhecimento científico e seu predomínio na formação da
legislação em saúde. De fato essa compreensão amplia as possibilidades e o próprio
conhecimento, que se soma, se complementa e se amplia. Há critérios para utilização de
plantas medicinais de forma tradicional, os quais estão também contidos na RDC 26/2014
(BRASIL, 2014) e no Memento Fitoterápico (BRASIL, 2016).
A troca de saberes e uma maior base de informações ampliam o conhecimento e
é fundamental para conferir a eficácia e a segurança de uso desses recursos. Pode-se assim
caracterizar que o uso correto é dado pela soma de conhecimentos da tradição e da ciência,
ou seja, por evidências científicas e pela tradicionalidade.
Pressupõe o reconhecimento mútuo e respeito a esses conhecimentos, sem
preconceitos e despojados do poder acadêmico, historicamente hegemônico, advindo de
um lado, da elitização profissional e acadêmica e, de outro, como reação a este;
acrescente-se que é possível que essa reação tenha origem numa saturação das pessoas à
baixa resolutividade de medicamentos para doenças graves, pelo difícil acesso
generalizado a medicamentos, aos efeitos adversos, ao tecnicismo de profissionais e seus
valores distanciados da humanização que os usuários reivindicam.
Cabe aqui também o registro de que a palavra “tradicional”, associado à medicina,
muitas vezes é referido pelos técnicos e gestores, para a medicina “convencional”,
prevalente no sistema de saúde. O adjetivo ou caracterização como “tradicional” se refere
ao termo da Antropologia, qual seja do sentido autóctone, étnico, nacional, local. Assim,
é adequado para as formulações e modos de uso das plantas medicinais praticados pela

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Fitoterapia Indígena, na Medicina das nações nativas, ainda existentes e que preservaram
seu conhecimento e sua farmacopeia. Também pode referir à Medicina Tradicional
Chinesa, à Medicina Ayurvédica, ou outras ainda, delimitadas por tradição ou nação.
E ainda, há de se ter claro que nem sempre o termo “popular” tem a ver com o uso
tradicional legítimo, mas sim com adaptações ou alterações de uso ou da composição de
misturas de plantas medicinais, utilizadas correntemente em comunidades de acordo com
as tradições dos povos que a constituíram. Além disso, esse conhecimento se mistura a
outros, deformando-o e agregando até nomes fantasia e de marcas de medicamentos a
plantas medicinais, como a adoção de termos com significado na farmacoterapia como
“insulina”, “novalgina”, “hortelã-vick”, etc.
Importante discutir a questão da Farmácia Viva, que é um conceito e uma
categoria de estabelecimento farmacêutico restrito ao âmbito do poder público do SUS.
Baseado na contribuição de José de Abreu Matos, da sua experiência exitosa de
integração entre o conhecimento tradicional e popular e o conhecimento científico,
conforme apresentado em Brasil (BRASIL, 2012), a expressão “Farmácia Viva” passou
a ter um conceito claro, instituído pela Portaria Nº 886 de 20 de Abril de 2010 do
Ministério da Saúde, revogada pela Portaria de Consolidação No 5 de 28 de setembro de
2017(BRASIL, 2017):

Art. 570 § 1º A Farmácia viva, no contexto da Política Nacional de Assistência


Farmacêutica, deverá realizar todas as etapas, desde o cultivo, a coleta, o
processamento, o armazenamento de plantas medicinais, a manipulação e a
dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e
fitoterápicos.

De forma genérica também assim é referida, por vezes, a hortos ou mesmo


iniciativas populares de manipulação artesanal de plantas medicinais, pelo seu significado
simbólico. Porém, “Farmácia Viva” é um conceito, e deve ser entendida nas suas
referências, legislação e valores.
A legislação no estado do Ceará, anterior à legislação nacional, categoriza as
Farmácias Vivas em três tipos definidos por níveis de complexidade na manipulação e
produtos, que atende ao proposto por Francisco Matos. O tipo I desenvolve atividades de
cultivo, a partir da instalação de hortos de plantas medicinais em unidades de Farmácias
Vivas comunitárias e/ou unidades do SUS com dispensação de planta medicinal in natura;
no tipo II, além da forma in natura, são produzidas e dispensadas as plantas medicinais
na forma de chá medicinal, e no tipo III há a preparação de fitoterápicos padronizados”.

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Ou seja, níveis de complexidade que atendem diferentes demandas da comunidade


e atingindo objetivos de Atenção Primária e da dimensão social da integralidade em
saúde.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as formas de uso e produtos de plantas medicinais utilizados na Fitoterapia
dispõem de regramento desde a produção até o consumo. A vigilância deve ser adequada,
qual seja a de não distanciar os conhecimentos, mas que os inclua de forma segura nas
práticas de saúde, com avaliação da segurança e eficácia terapêutica no seu contexto de
uso. Há plantas utilizadas no contexto do uso tradicional que não se adéquam como
recursos terapêuticos às regras da racionalidade médico-farmacêutica nem aos seus
modelos de pesquisa e testes.
A cientificidade se impõe no sistema de saúde, como base para as escolhas
terapêuticas e para os processos de decisão e legislação. Entretanto, como discutido
anteriormente, é importante afirmar o reconhecimento de saberes tradicionais, de base
empírica, que têm ampla garantia de segurança e eficácia comprovadas pela tradição de
uso. É preciso distensionar a utilização desses nas equipes de saúde, incluindo nas práticas
a informação e orientação sobre os critérios para a utilização de plantas medicinais, assim
como suas referências científicas e legislação.
O regramento para plantas medicinais e fitoterápicos, no período pós PNPMF,
avançou no sentido do uso de plantas medicinais (in natura ou como chá medicinal) até
o registro de fitoterápicos com base no uso tradicional, conforme consta na Biblioteca de
Medicamentos/ANVISA (BRASIL, 2021) e nos relatórios da Coordenação da PNPMF
(BRASIL, 2019). Entretanto, cabe ter presente a necessidade de adequação da legislação
a novos conhecimentos que possam surgir da prática do serviço e da pesquisa, e que
mantenha a inclusão do conhecimento tradicional.
A exigência de base científica sempre norteou a incorporação de insumos e
tecnologias nos sistemas de saúde, e, assim, a legislação, os protocolos e as práticas.
Entretanto, há de se discutir também o contexto das práticas tradicionais como o uso para
a dimensão espiritual aceita por muitas racionalidades médicas tradicionais, como, por
exemplo, a indígena brasileira e latino-americana, assim como a chinesa e a indiana,
dentre outras. Isso dificulta a comprovação científica e a adequação de formas de uso,
dose, da formulação, etc., mas que não necessariamente incorram em ausência de eficácia
e segurança. A inserção dessas práticas nas rotinas das equipes de saúde, e por decorrência

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das diretrizes das políticas de saúde, é dificultada por não seguirem as referências
convencionais, estabelecidas nos códigos farmacêuticos e não obterem adequação.
Ampliar a informação e a compreensão desses contextos e conceitos é
fundamental. É preciso informar e capacitar desde as possibilidades de uso da planta
fresca (in natura), ou como produto fitoterápico, já incorporado à legislação, assim como
a modalidade da Farmácia Viva. Acrescentem-se as várias regulamentações profissionais
(farmacêuticos, nutricionistas, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,
odontólogos, etc.) que autorizam a prescrição, indicação e orientação sobre o uso de
plantas medicinais na Atenção Primária em Saúde.
Promover esse debate em direção a maior aceitação de práticas e produtos de
eficácia validados pelo uso tradicional implica, afinal, em reconhecer que há outros
conhecimentos tão dignos e valorosos quanto o conhecimento científico; ou seja, há
“conhecimentos” a serem respeitados, e não só o conhecimento científico e sua ampla
comprovação, favorecida pela predominância das linhas de financiamento de pesquisa e
pelo sistema de publicações. Há de se buscar ambiente adequado para conferir e garantir
ao conhecimento tradicional o seu reconhecimento formal e sua utilização nos serviços
de saúde.
A Farmácia Viva, com o estímulo ao uso do chá medicinal, da planta medicinal in
natura e de preparações magistrais com drogas vegetais conforme as origens desse
modelo, é uma experiência exitosa na humanização da atenção, na ampliação da oferta de
opções terapêuticas no cuidado, que deve ser valorizada na sua originalidade, nas suas
referências e valores. Assim como a incorporação desse modelo e dessas tecnologias, com
adequados processos de trabalho e eficiência, promove redução no custeio da Assistência
Farmacêutica, um dado importante para a tomada de decisão e para atender a necessidade
de conferir monitoramento e apoio administrativo aos projetos.
Essa questão implica em se reavaliarem os desdobramentos da instituição da
Farmácia Viva, em relação à sua regulamentação, que a alinhou ao regramento da
Farmácia Magistral. A RDC ANVISA Nº 18 de 2013 (BRASIL, 2013b), que instituiu as
boas práticas de manipulação para Farmácias Vivas, a equiparou à Farmácia Magistral.
Entende-se que essa generalização não considerou a proposta de simplicidade tecnológica
e de Atenção Primária que caracteriza a Farmácia Viva iniciada por Matos.
A norma se equipara ao instituído para farmácias com manipulação em relação às
suas práticas, se diferenciando pela etapa de cultivo e não consolida a proposta de Matos
visto não classificar as Farmácias Vivas até a manipulação para chá medicinal. Assim, a

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legislação vigente da Farmácia Viva dificulta a viabilidade de projetos para sua


implantação pela complexidade e alto custo envolvidos, desmotivando gestores dos
municípios e usuários das comunidades.
A proposta de Matos desenvolveu uma metodologia que leva às comunidades a
preparação de fitoterápicos com dispensação na rede pública de saúde, e a orientação
sobre o uso correto de plantas medicinais cultivadas em hortos medicinais para
preparação de remédios caseiros, para uso familiar.
Finalizando, reafirma-se a legislação do estado do Ceará (CEARÁ, 1999;
CEARÁ, 2009) como um marco a ser expandido ao território nacional, que possibilita
aos usuários o acesso ao uso adequado, seguro e eficaz das plantas medicinais. A PNPIC
(BRASIL, 2012) registra o reconhecimento de que as plantas medicinais fortalecem a
relação dos profissionais de saúde com os usuários do SUS, sendo atividade
multiprofissional e destacam os três tipos de Farmácias Vivas da legislação do Ceará
(CEARÁ, 2009).
Essa experiência deve ser efetivamente estendida na rede de APS, pois se avalia
como sendo a que encerra a totalidade das diretrizes da PNPMF, como popular, científica,
sustentável, ecológica e humanizadora da Assistência Farmacêutica. Nesse sentido,
contribui para uma abordagem holística da Fitoterapia, caracterizando-a como prática
integrativa em saúde.

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