TCC - Luiz Felipe Oliveira PDF
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INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
CURSO DE BACHARELADO EM GEOGRAFIA
NITERÓI, RJ
MAIO / 2019
LUIZ FELIPE DE OLIVEIRA GONÇALVES
NITERÓI, RJ
MAIO / 2019
LUIZ FELIPE DE OLIVEIRA GONÇALVES
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Profª. Dra. Ester Limonad
Universidade Federal Fluminense
____________________________________________________________
Profª. Dra. Ana Claudia Carvalho Giordani
Universidade Federal Fluminense
___________________________________________________________
Prof. Me. João Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro
Universidade Federal Fluminense
_________________________________________________________
Profª. Ma. Patrícia Moreira Mendonça e Silva
Universidade Federal Fluminense
NITERÓI, RJ
MAIO / 2019
AGRADECIMENTOS
Fazer qualquer tipo de agradecimento é uma tarefa difícil, porém gratificante. Faço essa
afirmação porque é nesse momento que temos a oportunidade de reconhecer aqueles que nos
ajudaram na caminhada e que contribuíram para tornar possível que eu chegasse até aqui.
Aos professores João Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro, Ana Claudia Carvalho
Giordani e Patrícia Moreira Mendonça e Silva por participarem desse momento significativo. E
a todos os professores e funcionários do curso de Geografia da UFF
Com um enorme carinho, aos meus pais Leila e Luiz Carlos por toda motivação, dedicação
e esforço ao longo da minha trajetória. Essa realização também é de vocês!
Ao meu filho querido, Leonardo Moreno, por toda a felicidade que trouxe para minha vida.
À minha esposa, Ana Cláudia Lima, por todo incentivo e apoio de sempre.
Aos meus colegas de turma, que durante todo o curso compartilharam seus conhecimentos
e experiências. Em especial, agradeço Lucas Rodrigues Dias, Luisa Schneider, André Ricardo,
Marcos Damásio, Rafael Bastos, Juliana Munhoz e Pedro Barreto.
Palavras – Chave: Espaço urbano, moradia, segregação socioespacial, Cabo Frio, plano diretor.
ABSTRACT
Nowadays, the urban organization of Brazil prevails in the demographic growth of small and
medium-sized cities at a faster rate than in the metropolises. This phenomenon promotes a
reproduction of previously existing forms and contents in the largest urban agglomerations, and
there is also the appropriation of new spaces by the already consolidated modeling agents. The
enactment of the Federal Constitution of 1988 had an important role in the change of paradigms
in relation to the right to housing, since it represented a considerable advance in the
consolidation of demands presented by different segments of society through the Urban Reform
movement. In this sense, a process of socio-spatial segregation that involves mechanisms of
economic revitalization through the reproduction of housing destined to the higher-income
classes has been taking place in recent years in the municipality of Cabo Frio (RJ). As a result
of this reproduction, the accentuated growth of the already established closed condominiums is
evident, accompanied by the process of urban restructuring that has taken place since then.
Thus, the present work expresses in its chapters the importance of understanding the concepts
that involve the production of the city and the forms present in the urban landscape, considering
how each modeling agent acts in the course of time and space according to their interests , as
well as contextualizes the spatial-urban formation and the transformations that have occurred
over time that have led a small town to become one of the main cities of its region and the
interior of the state of Rio de Janeiro, besides analyzing the housing reality, problematizing the
difficulties presented for the implementation of the master plan and other instruments foreseen
in the City Statute, noting that there is a long way to go for its implementation. The municipality
has widely lagged urban legislation. In view of this, many are the impasses that hamper the
development of urban politics in the space of cabo-friense, so the need to revise its master plan
in front of the challenges facing the urbanization reproduced as a business.
Key - Words: Urban space, home, Cabo Frio, socio-spatial segregation, Cabo Frio, master plan.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FOTOS
Foto 1 Bairro da Passagem...........................................................................................................32
Foto 2 Morro da Guia...................................................................................................................33
Foto 3 Ponte Feliciano Sodré construída sobre o Canal do Itajurú................................................33
Foto 4 Limpeza de peixes na década de 1950...............................................................................35
Foto 5 Trabalhador na Salinas da [Sal Cisne S. A.: vista panorâmica da cidade], década
de 1960.........................................................................................................................................35
Foto 6 Companhia Nacional de Álcalis, década de 1960..............................................................38
Foto 7 Avião Antonov desembarcando carga no Aeroporto Internacional de Cabo Frio..............47
Fotos 8 e 9 Moradias na rua Samuel Bessa no bairro Jacaré e do bairro Monte
Alegre, respectivamente..............................................................................................................56
Fotos 10 e 11 Moradias no bairro Itajurú, vista do Morro da Guia e rua do bairro
Manoel Corrêa, respectivamente.................................................................................................56
FIGURA
Figura 1 Bispo Dom Paulo em visita à Cabo Frio.........................................................................52
MAPAS
Mapa 1 Município de Cabo Frio no Brasil e no estado do Rio de Janeiro (2019)..........................29
Mapa 2 Divisão distrital do município de Cabo Frio...................................................................30
Mapa 3 A cidade de Cabo Frio apontada na megarregião RJ-SP.................................................50
Mapa 4 Cabo Frio distrito sede e seus bairros..............................................................................53
Mapa 5 Tamoios 2º distrito e seus bairros....................................................................................54
Mapa 6 Municípios da OMPETRO..............................................................................................61
CARTOGRAMA
Cartograma 1 Regiões de influência das cidades, 2007................................................................46
LISTA DE SIGLAS
AICF Aeroporto Internacional de Cabo Frio
APA Área de Proteção Ambiental
APP Área de Proteção Permanente
ASAERLA Associação dos Arquitetos e Engenheiros da Região dos Lagos
CSN Companhia Siderúrgica Nacional
CNA Companhia Nacional de Álcalis
FGV Fundação Getúlio Vargas
FNM Fábrica Nacional de Motores
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INS Instituto Nacional do Sal
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OMPETRO Organização dos Municípios Produtores de Petróleo
PEHIS Plano Estadual de Habitação de Interesse Social
PIB Produto Interno Bruto
PLHIS Plano Local de Habitação de Interesse Social
PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida
REGIC Região de Influência das Cidades
ZEIS Zonas Especiais de Interesse
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................11
Capítulo 1 - Espaço urbano: produção de moradias e o processo de segregação
socioespacial.............................................................................................................................14
1.1 Agentes produtores do espaço urbano.................................................................................15
1.2 Segregação socioespacial: alguns apontamentos................................................................ 16
1.3 Das perspectivas de reforma urbana no Brasil a promulgação da Constituição de 1988: um
(re) pensar a cidade....................................................................................................................18
1.4 Da cidade produzida como lugar da vida para a cidade produzida sob a égide do
capital........................................................................................................................................22
Capítulo 2 - Antecedentes históricos e aspectos atuais do município de Cabo Frio:
de uma pequena cidade à centro regional das Baixadas Litorâneas..................................28
2.1 A cidade de Cabo Frio e a formação de seus primeiros núcleos
Urbanos.....................................................................................................................................31
2.2 A pesca e o sal como atividades econômicas pioneiras.......................................................34
2.3 A cidade da pesca e do sal conhece a indústria: a Companhia Nacional de Álcalis (CNA)
como agente de produção do espaço..........................................................................................36
2.4 Cabo Frio: espaço em transformação e sua inserção na rede urbana, de polo salineiro a
cidade de turismo-veraneio........................................................................................................40
Capítulo 3 - A urbanização como negócio e a expansão periférica: desafios do crescimento
urbano de Cabo Frio................................................................................................................51
3.1 Cabo Frio hoje: a cidade, o turismo e a “era” do petróleo.....................................................60
3.2 A urbanização como negócio e o plano diretor municipal: limites e
possibilidades............................................................................................................................67
Considerações finais................................................................................................................75
Referências...............................................................................................................................79
11
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo apresentar como o processo de segregação
socioespacial se reproduz na cidade de Cabo Frio, a partir da década de 90, seguindo um modelo
de produção de moradias já adotado na metrópole carioca. Como fruto dessa reprodução torna-
se perceptível o acentuado crescimento dos já consagrados condomínios fechados, bem como a
construção de bairros planejados em eixos de expansão urbana. A cidade como palco de uma
produção de moradias que carrega na sua essência uma segregação residencial notável na
apropriação de parcelas do espaço urbano1 por meio das ações dos agentes produtores
hegemônicos, configurando-se como um centro dinâmico que possibilita a expansão do ramo
imobiliário, uma vez que este organiza constantemente os processos ligados a reestruturação
urbana no município, com foco no setor de moradias para atender quem pode pagar altos valores
por elas, vide a grande especulação imobiliária marcante na cidade. De forma concomitante seu
espaço urbano apresenta uma forte expansão nas áreas periféricas do município incrementado
pelo rápido crescimento populacional.
Conforme Santos (1998), a questão habitacional deixou de ser privilégio das
grandes metrópoles, tendo em vista a partir dos anos 1990, as cidades de médio e pequeno porte
passam a ser um importante campo de discussão política e de aplicação de instrumentos da
habitação no formato descentralizado, consolidado a partir da constituição de 1988. Como
resultado da mudança de paradigmas proporcionado pelo movimento de reforma urbana
vivenciado no Brasil que se baseava no rompimento com uma vigente estrutura urbana desigual
e, sobretudo, hegemônica no país. Como aponta Villaça (2012), não só a desigualdade
socioeconômica, mas a desigualdade de poder político é fundamental para explicar a pobreza e a
injustiça social nas cidades brasileiras.
Nesse contexto, conforme Rodrigues (2003, p. 11), “[...] é sempre preciso morar,
pois não é possível viver sem ocupar espaço”. E, para Carlos (2013, p. 50), “através da moradia,
o cidadão se situa no mundo”. Nesse sentido, a questão da habitação cada vez mais vem sendo
um campo de análise de autores de diferentes áreas do conhecimento. A relevância de se
problematizar o direito à moradia evidencia o quanto essa questão envolve disputas de diferentes
atores sociais que produzem o espaço urbano da cidade capitalista.
1
A crescente ocupação irregular do espaço urbano nas cidades possui significativa dimensão socioeconômica e
espacial (terra-localização), em que representa os problemas de acesso à moradia via mercado formal (VILLAÇA,
2012). O que demonstra o quanto é marcante a participação do setor imobiliário no tocante ao uso e ocupação do
solo (BARBOSA; COSTA, 2012).
12
Em grande parte das cidades brasileiras, o que se observa são altos índices de
desigualdade social, forte concentração de renda e uma enorme pobreza urbana. Com isso, a
população mais pobre, sem alternativas habitacionais, vê como “opção” a ocupação de terras
irregulares, em que se originam loteamentos clandestinos, ocupações e favelas. A propósito, a
terra urbana com o mínimo de infraestrutura que possua, alcança preços altos quando comparada
ao poder de compra de grande parte da população (RODRIGUES, 2003; DAMIANI, 2009).
Como ilustração dessa questão, há o fato do município ter contado com grande
prosperidade econômica nos últimos anos, mas apresentar problemas sociais alarmantes. Em sua
pesquisa, Gonçalves (2008) apontou a importância dos recursos provenientes dos royalties do
petróleo para a economia do município. Em 2013, Cabo Frio recebeu a quantia de
R$292.232.851,77, com receitas próximas a R$ 400 milhões por ano. No entanto, o que tem se
revelado no cotidiano cabo-friense são os contrastes e as desigualdades que acabam por
demonstrar que os investimentos não atendem os anseios da população e nem de um
planejamento urbano que dê conta do crescimento da cidade.
Com relação à base metodológica que direcionou o plano de trabalho, foi realizada
pesquisa documental e bibliográfica, explorando tanto fontes primárias quanto secundárias,
respectivamente. Tais como: gravação de entrevista, busca e interpretação de dados estatísticos,
fotografias das áreas de estudo, leitura e análise de documentos, revisão de literatura,
levantamento de informações em sites de notícias, elaboração de mapas. Como base teórico-
conceitual, adotamos os seguintes conceitos, a saber: produção do espaço urbano e os seus
agentes modeladores; segregação socioespacial; urbanização como negócio e suas implicações
13
habitação, saneamento básico, lazer, educação, saúde e desemprego estão presentes em grande
parte delas.
2
O incorporador é definido juridicamente pela Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, da seguinte forma: “Artigo
29 – Considera-se incorporador a pessoa jurídica ou física, comerciante ou não, que embora não efetuando a
construção, compromissa e efetiva a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a
unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob o regime de condominial, ou que
meramente aceite proposta para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e
responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega a curto prazo, preço e determinadas condições das obras
concluídas.”
3
A Importância de esclarecer o papel da Escola de Chicago neste trabalho é porque a mesma inaugura uma reflexão
inédita ao tomar a cidade como seu objeto privilegiado de investigação, tratando-a como variável isolada, o que
17
Robert Park que desenvolvia pesquisas utilizando a cidade de Chicago como laboratório, sua
análise buscou aprofundar estudos nesse sistema de reflexão com o objetivo de evidenciar como
os diferentes grupos sociais organizam e participam do funcionamento da sociedade, porém não
deixam de lado as suas particularidades. Nesse contexto, pode-se constatar que o surgimento de
espaços de dominação dos diferentes grupos sociais é alimentado pelo alto índice de desigualdade
econômica existente no espaço urbano, por isso cada vez mais notamos áreas que predominam
processos voltados para uma forte homogeneização social.
A segregação socioespacial apresenta-se em níveis e ritmos distintos, uma vez que
o capital só consegue atingir os seus meios de lucratividade a partir das regras ditadas pelo
mercado, isto é, a expansão do sistema só pode realizar-se quando o espaço se torna produtivo,
por isso faz-se necessário pensar o uso do solo urbano vinculando-o a teoria do valor de uso e
valor de troca. Segundo Castells (1978) a organização das localidades ocupadas por residências
se desenvolve seguindo leis gerais da distribuição dos produtos, nesse sentido, a produção e a
compra da moradia no sistema capitalista está atrelada a capacidade e a condição social dos
indivíduos. Sendo assim:
a segregação revela o movimento de passagem da cidade produzida
enquanto lugar da vida para a cidade reproduzida sob os objetivos da
realização do processo de valorização – momento em que o uso vira troca.
Significa o modo como a propriedade se realiza em nossa sociedade,
construindo uma cidade de acessos desiguais aos lugares de realização da
vida numa sociedade de classes onde os homens se situam dentro dela e
no espaço de forma diferenciada e desigual (CARLOS, 2006, p.49).
em si não constituiria um mérito, mas o que renderia à Escola os créditos da criação da Sociologia Urbana como
disciplina especializada. A validade dessa reverência é discutível. A teoria de Robert Park, ilustre representante da
Escola, sobre a ecologia humana e as áreas naturais pressupõe uma analogia entre o mundo vegetal e animal, de
um lado, e o mundo dos homens, de outro. A cidade é apreendida por meio de um referencial de análise analógico
que tem por base a ecologia animal, daí identificar a Escola de Chicago como Escola Ecológica.
18
A realidade urbana, por exemplo, hoje nos coloca diante de uma crise
que é real, logo, prática decorrente do aprofundamento das contradições
do processo de realização da acumulação em escala ampliada,
sinalizada pelo aprofundamento dos processos de segregação urbana
[...] Esse é, a meu ver, o significado e a potência do “social” e, nessa
dimensão, permite compreender o acesso diferenciado das classes
sociais ao espaço.
De acordo com Lima (2012), torna-se necessário enfatizar, antes de tudo, o quanto
conservador foi o processo de modernização econômica que o Brasil se enveredou a partir dos
anos 1930, compondo um cenário extremamente contraditório: de um lado, o país alcançava, já
nos anos 1970, a posição de sétima economia do mundo e, de outro, viam-se condições sociais
caóticas em função do não cumprimento da agenda de reformas sociais mais urgentes4. Questões
sociais estruturais foram simplesmente ignoradas pelos sucessivos governos, bem como
dificultadas por interesses contrários que partiam das elites do país.
Grostein (1987) aponta para o caráter dual do processo de urbanização das cidades
brasileiras. Primeiramente apresenta a cidade “formal” como a porção do território que se
concentram a aplicação das leis, sendo palco dos direitos e deveres, da infraestrutura urbana e
onde se encontram a maioria dos investimentos públicos e privados, a cidade “legal”. Em
seguida, a parcela “informal” de território onde vive à população de menor poder aquisitivo,
marcada pela precariedade habitacional e urbana suas principais características, a cidade “ilegal”.
Sendo esta última resultante e reveladora do padrão de urbanização no Brasil: extremamente
desigual e socialmente injusto.
Na década de 1950, já se notavam problemas envolvendo a produção do espaço
urbano no país, com destaque para à escassez de moradia. No governo do presidente João Goulart
(1961-1964) foi apresentado um projeto de reforma urbana considerado por muitos autores um
marco histórico em torno dos debates sobre o tema, dado o seu viés progressista. No que diz
respeito a reforma urbana, essa expressão já era comumente propagada pelos órgãos planejadores
do estado brasileiro, antes mesmo dos anos 1960.
Entretanto, diferente do que ocorreu com o movimento de reforma agrária que tinha
uma identidade vinculada aos movimentos sociais, a reforma urbana foi apropriada a serviço de
intervenções públicas arbitrárias, uma expressão utilizada para “maquiar” o seu verdadeiro
conteúdo excludente5, vide a Reforma Pereira Passos no início do século passado no Rio de
Janeiro (SOUZA, 2006).
Em 1963, foi realizado o Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, que
teve lugar na cidade de Petrópolis (RJ). O que se via nesse contexto era uma sociedade civil
4
“As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades brasileiras entre o final do século XIX e início do século
XX, lançaram as bases de um urbanismo moderno “à moda” da periferia. Realizavam-se obras de saneamento básico
para eliminação de epidemias, ao mesmo tempo que se promovia o embelezamento paisagístico eram implantadas
as bases legais para um mercado imobiliário de corte capitalista. A população excluída desse processo era expulsa
para os morros e franjas da cidade. Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife, São Paulo e
especialmente o Rio de Janeiro são cidades que passaram por mudanças que conjugaram saneamento ambiental,
embelezamento e segregação territorial, nesse período” (Maricato, 2013, p. 17).
20
demonstrando mobilização frente aos grandes debates de reformas sociais nacionais que se
colocavam, tais como: agrária, da saúde, da educação, da cultura, entre outras. A discussão girava
em torno da elaboração de ações políticas que pudessem adequar o uso dos recursos nacionais
em compatibilidade com as demandas sociais. Conforme Maricato (2013, p. 97):
destaque e repercussão que a luta pela reforma agrária alcançou em uma país onde a maior parte
da população ainda vivia campo, bem como o papel fundamental das ligas camponesas e sua
articulação em território nacional (SOUZA, 2006). De acordo ainda com Souza (2006, p. 112-
113), sobre o ideário progressista de reforma urbana, ela deve ser:
uma reforma social estrutural, com uma muito forte e evidente dimensão
espacial, tendo por objetivo melhorar a qualidade de vida da população,
especialmente sua parcela mais pobre, e elevar o nível de justiça social.
Enquanto uma simples reforma urbanística costuma estar atrelada a um
entendimento estreito do que seja o desenvolvimento urbano, pode-se
dizer que o objetivo geral da reforma urbana, em seu sentido mais
recente, é o de promover um desenvolvimento urbano autêntico.
implementação dos mecanismos previstos em lei, pode-se dizer que a aprovação do Estatuto da
Cidade foi um importante passo alcançado para se repensar o urbano e promover uma ampla
reflexão sobre as diretrizes da produção do espaço nas diversas cidades brasileiras, servindo de
ferramenta para aplicação dos instrumentos jurídico-urbanísticos presentes no estatuto, podendo
inibir o injusto acesso ao solo urbano pela população de menor renda e democratizar o direito à
moradia. Nesse contexto,
em que pese a abordagem holística composta por diferentes aspectos, o
tema central do Estatuto da Cidade é a função social da propriedade.
Em síntese, a lei pretende definir como regular a propriedade urbana de
modo que os negócios que a envolvem não constituam obstáculo ao
direito à moradia para a maior parte da população, visando, com isso,
combater a segregação, a exclusão territorial, a cidade desumana,
desigual e ambientalmente predatória. O EC trata, portanto de uma
utopia universal: o controle da propriedade fundiária urbana e a gestão
democrática das cidades para que todos tenham o direito à moradia e à
cidade (MARICATO, p. 7, 2010).
1.4 Da cidade produzida como lugar da vida para a cidade produzida sob a
égide do capital
A terra é um bem não-produzido que, portanto, não tem valor, mas que
adquire um preço. Ora, um bem não-produzido não pode ter seu preço
regulado pela lei da oferta e da procura, pois não há lei regulando a sua
oferta. É a procura que suscita o preço da terra e não o encontro no
mercado de “produtores” e compradores de solo. Mas aqui é necessário
24
5
No que diz respeito as condições de habitabilidade e seus efeitos nas condições de vida de expressivos contingentes
populacionais pobremente urbanizados, que vivem precariamente nas longínquas periferias, é discutido na
perspectiva da urbanização crítica, na análise de Amélia Damiani. Em sua tese, “A cidade (des)ordenada: concepção
e cotidiano do Conjunto Habitacional Itaquera I, de 1993. A autora aprofunda esse tema.
25
Com isso, é necessário trazer à luz as relações que coexistem entre a atuação dos
agentes produtores do espaço urbano, no que diz respeito ao níveis de segregação socioespacial,
como aponta Fernandes (2007, p. 20), “[...] mercados de terras especulativos, sistemas políticos
clientelistas e regimes jurídicos elitistas não têm oferecido condições suficientes, adequadas e
acessíveis à terra urbana e moradia para grupos sociais mais pobres, assim provocando a
ocupação irregular e inadequada do meio ambiente urbano”. Pode-se então acrescentar que diante
da dinâmica do mercado de terras e toda a especulação que o cerca, que a desigualdade
socioespacial tem se aprofundado pela incorporação do espaço urbano como negócio, sendo uma
extensão do mundo da mercadoria.
condições mínimas de vida nessa mesma localidade. Assim, automaticamente, como reflexo
dessa questão paradoxal, onde os moradores locais são os principais atores que reivindicam
melhor infraestrutura, mas os benefícios de valorização da terra acabam sendo apropriados de
forma seletiva.
Outro processo muito típico na atualidade envolve principalmente as ações do
Estado. Vejamos que o Estado deixando de promover melhores investimentos em infraestrutura
necessária para a população, não investe corretamente nessas áreas, isso faz com que as pessoas
que ali habitam se movimentem consideravelmente para outros lugares para recomeçarem a
produção social da cidade novamente, ficando à mercê de novos mecanismos que geram
segregação no espaço urbano.
Cabo Frio é a sétima cidade mais antiga do Brasil e, hoje, constitui o principal
município da microrregião dos Lagos. Localizado na região das Baixadas Litorâneas do estado
do Rio de Janeiro, esse município possui uma área com um pouco mais de 410,6 km², situado na
Latitude 22°52’44’’S e Longitude 42°01’08’’W (Mapa 1). Tem como limite territorial os
municípios de Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Casimiro de Abreu e São Pedro
da Aldeia e a, Leste, o Oceano Atlântico
29
Sua área urbana conta com mais de sessenta bairros, distribuídos territorialmente
em dois distritos: Cabo Frio distrito-sede e Tamoios (Mapa 2), além das macrozonas urbanas
criadas no plano diretor.
De um modo geral, a história urbana de Cabo Frio pode ser periodizada em três
momentos, dos quais trataremos adiante:
A fundação da Vila de Cabo Frio deu-se no século XVII, no ano de 1615, para
atender a interesses de ordem militar que acompanharam o processo de ocupação do litoral
brasileiro, vinculada à proteção da costa e exploração econômica do pau-brasil, posteriormente
apresentando uma forte relação com os ciclos econômicos do país. Esse olhar para a então vila
se deve, em parte, à interdição de exploração de sal pela Coroa Portuguesa durante o período
colonial, a fim de garantir o seu monopólio da extração e comércio de sal em outras partes,
bem como sua exportação. Há de se observar que tal produto era extremamente valioso e
chegava, inclusive, a servir de moeda corrente. Nesse sentido, Lamego observa, no que
concerne à interdição da extração de sal, que
Frio com seu sal, não lhes permitem que se abaixem para arrecadá-los
(1946, p. 17, grifo nosso).
Sendo assim, na sua ocupação não havia preocupação com o desenvolvimento local
da região, tendo em vista que, historicamente, foi entendida como uma área de passagem
(MARAFON, 2005). Não obstante, o primeiro núcleo de povoamento, foi batizado como
Passagem.
Foto 1: Bairro da Passagem, 1915. Ao fundo, Igreja de São Benedito, construída para permitir
aos negros o acesso a um templo católico.
Fonte: Acervo Fotográfico Wolney Teixeira
Foto 2: Conjunto arquitetônico Nossa Senhora dos Anjos e Capela Nossa Senhora da Guia,
no topo do morro de mesmo nome, 1940.
Fonte: Acervo Fotográfico de Márcio Werneck
Foto 3: Ponte Feliciano Sodré construída sobre o Canal do Itajurú, inaugurada em 1926.
Fonte: Acervo Fotográfico do IBGE.
34
Foto 5: Trabalhador na Salinas da [Sal Cisne S. A.: vista panorâmica da cidade], década de 1960
Fonte: Acervo Fotográfico do IBGE.
especialmente em Cabo Frio, não se identifica nenhuma ação do governo municipal, que
visasse expandir ou mesmo preservar o que existia desta atividade na região.
Sendo assim, conforme aponta Moura (2012, p. 45-46), “A nova e marcante crise
do sal deixou imensas áreas improdutivas a beira de Lagunas e próximas a praias, que foram,
paulatinamente, sendo adquiridas por médios e grandes empreendedores do ramo imobiliário.
O aproveitamento de salinas em declínio prossegue pelos anos 80”.
A rigor, a crise na atividade salineira sal provoca uma intensa transformação na ocupação e
uso do solo em Cabo Frio e áreas de seu entorno. No entanto,
A despeito das sérias dificuldades postas para a exploração de sal, até a década de
1970 esse produto ainda respondia pela maior parte das atividades da região das Baixadas
Litorâneas. Nessa fase de transição do sal para turismo, percebe-se que essas atividades
aparecem como incompatíveis no território municipal, pois importantes áreas de salinas à beira
mar e a beira da lagoa de Araruama passaram a ser disputadas pela atividade turística e de
segunda-residência. E, por conseguinte, pela crescente exploração do setor imobiliário. Assim,
no momento em que o turismo começa a se consolidar como uma atividade ligada ao sol, à
praia, ao lazer e à diversão, o sal e a pesca fizeram um percurso inverso, rumo ao declínio
(CHRISTOVÃO, 2011).
como objetivo produzir soda cáustica e barrilha, ambas para serem utilizadas como matéria-
prima em outras indústrias.
No que concerne a história nacional, a instalação da respectiva indústria seguiu a
ideologia de cunho nacional-desenvolvimentista juntamente com outras empresas estatais que
foram implantadas no mesmo período, a partir das políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento do setor industrial brasileiro (PEREIRA, 2010).
Entre as estatais criadas nesse período, destacam-se a Fábrica Nacional de Motores (FNM), a
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia de mineração Vale do Rio Doce.
Nesse contexto, pode-se considerar que, além de modificar as relações de trabalho
e de produção do espaço geográfico em questão, a criação da CNA contribuiu para o
desenvolvimento do parque industrial brasileiro.
Em 1958, um importante passo foi dado para o desenvolvimento da estatal, quando
o presidente Juscelino Kubitschek, inaugurou a primeira etapa da empresa: o Grupo da Cal.
Diante disso, a fábrica alcança o número de três mil trabalhadores. A produção de cal não dura
pouco tempo, uma vez que o calcário, matéria-prima indispensável para o cal, seria totalmente
utilizado na produção de barrilha. Portanto, a indústria só foi definitivamente instalada em
1960, viabilizada pelo Plano de Metas do governo JK.
A implementação da Companhia Nacional de Álcalis (Foto 6) foi difícil, pois
envolveu diferentes interesses internos e externos. No contexto nacional, sabe-se que a escolha
da localização da fábrica não foi uma tarefa simples, considerando que a intenção inicial
demonstrada pelo governo em construir a Companhia Nacional de Álcalis em Arraial do Cabo
desencadeou o descontentamento de grupos de salinocultores do Nordeste.
Em contrapartida, os produtores do Nordeste argumentavam que os custos para a
produção da barrilha no litoral fluminense, utilizando o sal, seriam muito maiores, do que com
o sal-gema, encontrado em abundância no litoral nordestino. As disputas entre grupos políticos
do Centro-Sul e do Nordeste se intensificaram a partir de propostas antagônicas que defendiam
a localização onde a fábrica seria instalada.
Na esfera internacional, principalmente, os norte-americanos mostravam-se
contrários à instalação de uma indústria estatal brasileira de base para a produção de barrilha.
Isso pode ser explicado pelo grau de dependência de importação desse produto apresentado
pelo Brasil diante das empresas norte-americanas. Por conta disso, as indústrias internacionais
temiam que o Brasil deixasse de importar (PEREIRA, 2010).
No que tange o capital investido para a construção e funcionamento da estatal,
aparecem como financiadores, primeiramente, o Banco do Brasil que repassou para o Instituto
38
Nacional do Sal (INS) em forma de empréstimo grande parte do capital empregado no projeto
e posteriormente o antigo BNDE, este último foi fundamental para a viabilização do projeto
original da fábrica.
Pereira (2010) em seus estudos sobre a Companhia também destaca que após a
escolha do litoral fluminense para a construção desta, revela-se como preocupação imediata a
necessidade de encontrar fontes de energia para o processo de produção. A princípio, cogita-
se a plantação de eucaliptos ao redor da Laguna de Araruama para serem utilizados como
carvão vegetal. Alternativa esta que foi deixada de lado, já que não foi considerada viável
naquele contexto. Com isso, o óleo diesel é escolhido para impulsionar os motores da fábrica.
Vale salientar que a instalação da fábrica enfrentou uma série de obstáculos. Tais como:
produção local de sal considerada insuficiente e a dependência do sal nordestino de alto custo
que encarecia o preço da barrilha, agravado pelo transporte marítimo. Assim como outros
problemas que contribuíram para tornar a barrilha brasileira menos competitiva no mercado
mundial.
A saber, cabe salientar que antes da Companhia, a região era marcada pela
população tradicional desde a época da colônia, que tinha sua base econômica voltada para as
atividades pesqueiras. Em uma vida pacata, onde a previsão do tempo dos saberes tradicionais
que moviam a força de trabalho - puramente física, esta população viu as transformações que
o espaço sofreu nos anos da construção até o funcionamento da referida fábrica. Na fase de
construção da CNA, inúmeros trabalhadores de outros Estados e cidades vizinhas em busca de
trabalho chegaram à Cabo Frio.
Segundo Pereira (2010), a fase da construção é marcada pela passagem de uma vida
“rústica’’ para vida uma “moderna’’. Esta fase inicia o processo de adensamento populacional.
No auge de seu funcionamento, entre as décadas de 1960 e 1980, foi marcante investimentos
públicos na infraestrutura urbana, como saneamento básico, água canalizada, benfeitorias
públicas, como vias e praças. A fundação de novos bairros e vilas de operários.
Outrora, a implementação da CNA contribuiu para que o então distrito de Arraial do
Cabo se tornasse um dos símbolos da modernidade nacional e se consolidasse como um dos
pilares do desenvolvimento da industrialização brasileira. A fábrica serviu de atrativo para um
grande fluxo de mão de obra de cidades vizinhas, como de outros estados brasileiros. Esse
crescimento populacional foi rápido e desordenado. O impacto é claramente visível na
paisagem do espaço urbano da cidade e na composição da população até os dias de hoje.
Na década de 1980, a abertura de mercado para a importação de barrilha provocou o declínio
da Companhia. Após sua privatização em 1992, já pertencente ao município de Arraial do Cabo
– distrito de Cabo Frio emancipado em 1985 - a CNA iniciou seu gradual declínio, que
culminou em sua doação aos funcionários, em 2004. Com a “doação” da empresa aos
funcionários, ela passa a ser chamada de Nova Álcalis, e o que já era confuso em nível de
estrutura de gestão, passa a ser algo quase que incompreensível, tendo no comando da
Companhia funcionários antigos e representantes sindicais.
Devido aos problemas de gestão apresentados, a empresa paralisa suas operações em
2006. Do ano de 2007 até 2016, a Companhia viveu um momento de desestruturação total,
gerida por sindicato de trabalhadores, organizou-se uma cooperativa. No entanto, essas
tentativas mostraram-se ineficazes para reerguer o empreendimento, resultando em falência no
40
ano de 2016 (G1 – Região dos Lagos, 2017). A situação atual do sítio fabril se caracteriza por
prédios vazios e os principais equipamentos sucateados e corroídos pela falta de manutenção.
Em suma, após a desativação da exploração de sal, Cabo Frio passou a apresentar
uma incipiente dinâmica econômica e produtiva, transformando-se em um local atrativo para
demandas de turismo-veraneio da região metropolitana do Rio de Janeiro e de outras regiões
do estado, centralizando grande parte dos fluxos migratórios da região dos Lagos.
É a partir dos anos 1960 que o município de Cabo Frio ganha maior impulso e passa
por uma maior fragmentação de seu território. Nesse último período, os vetores principais de
seu crescimento – que contribuíram para aumentar o crescimento populacional e a
diversificação das atividades econômicas - foram a construção da ponte Rio – Niterói,
concluída em 1974) e a pavimentação da BR-101, em meados da década de 1970, conectada a
RJ-106 e RJ-124, melhorando o acesso à região e a sua articulação com a região metropolitana.
Por conseguinte:
As rodovias abertas nas décadas de 1970/80 articularam a região
metropolitana ao interior, desencadearam o desenvolvimento de
atividades de turismo e veraneio em diversas áreas do atual estado, e
interferiram com os padrões de urbanização-distribuição da população e
das atividades produtivas (LIMONAD, 1996, p. 145-146).
diferentes nos demais municípios que formam a região das Baixadas Litorâneas. Nesse
processo, as terras mais próximas das praias foram facilmente compradas de pescadores e
salineiros, os quais consideravam esses terrenos improdutivos. Em consequência, a orla
litorânea foi loteada e parcelada para a construção de casas de veraneio. Esse processo
provocou uma gradativa diminuição das atividades primárias, historicamente praticadas na
região (MARAFON, 2005). Com isso, Christovão (2011, p. 12), ressalta que “O turismo se
apresenta como algo novo, moderno, uma atividade que rompe com o passado e na qual o
aspecto antigo da cidade, seus espaços de sociabilidade e de produção da riqueza até então, não
atendem às novas necessidades. O turismo representa o moderno em oposição à pesca e às
salinas, que representam o antigo.
Considerando os lugares da urbanização7 conforme a contribuição de Limonad (1996)
acerca dos processos atuais de urbanização no interior fluminense à luz da compreensão da
urbanização enquanto um fator crucial para a estruturação do território, pode-se ressaltar que
a região das Baixadas Litorâneas apresenta um padrão de urbanização ligado ao turismo e as
residências de veraneio, se destacando com o maior crescimento demográfico do interior do
estado por meio de um significativo adensamento urbano e forte dinâmica populacional,
transformando vertiginosamente o espaço urbano da supracitada região, em especial de Cabo
Frio. Nesse contexto:
Dessa forma, fica evidente a influência direta dos diferentes agentes modeladores do
espaço urbano, com destaque para o papel do Estado, bem como elementos que apontam para
um padrão de urbanização que carrega a reprodução de desigualdades e aumento da
segregação socioespacial no contexto das rápidas transformações espaciais, econômicas e
7
Ver: LlMONAD, Ester. Os lugares da Urbanização - o caso do interior fluminense. Tese de Doutorado.
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, 1996.
42
5,00
4,00
3,00
Taxa (%)
Metropolitana
Médio Paraíba
Centro-Sul
2,00
Noroeste
Serrana
Norte
1,00
0,00
Fonte: CIDE – Extraído de MARAFON, Gláucio J. [et al.]. Regiões de Governo do Estado do Rio de Janeiro:
Uma Contribuição Geográfica. Rio de Janeiro, Gramma, 2005. Reelaborado pelo autor.
Desse modo, como aponta Marafon (2005), o que se viu foi uma intensa expansão
do tecido urbano, uma vez que o setor de construção civil ganhou dinamismo a partir da
construção de diversos condomínios particulares, estes enclaves se apresentando como uma
nova forma de expressão da moradia no litoral fluminense, loteando áreas próximas às praias.
Como vimos, com a crise do sal, as antigas salinas dão lugar a construções de clubes náuticos,
residências e equipamentos urbanos de lazer direcionados a atender demandas que são postas
a partir do aumento dos fluxos turísticos para o município desde então.
Cabo Frio desponta como um centro regional integrante da região das Baixadas
Litorâneas do estado do Rio de Janeiro e está entre as cidades brasileiras que apresentam
ascensão em termos de centralidade nas últimas décadas com sua evolução representada nos
quadros 3, 4 e 5. Desempenha papel funcional importante na rede urbana que está inserido,
fundamental em sua hinterlândia, principalmente em razão do comércio e das atividades
relativas ao turismo. Nesse sentido, muito se avançou na ampliação das trocas econômicas e
sociais, incluindo expressivas dinâmicas populacionais que se desdobraram desde então
(FARIAS, 2014; GONÇALVES, 2015).
Fonte: IBGE, Contagem da População 2007; Área territorial oficial. Rio de Janeiro: IBGE, [2007];
IBGE, Regiões de influência das cidades – 2007. Rio de Janeiro. IBGE, 2008.
8
Localizado estrategicamente próximo às regiões petrolíferas mais importantes do País: Bacia de Campos (RJ)
e o norte da Bacia de Santos (SP) e a apenas 7 km de distância do Porto do Forno – Arraial do Cabo, o que
possibilita a integração do modal marítimo. Hoje, o Aeroporto Internacional de Cabo Frio atende a fluxos
globalizados, nacionais e regionais, nas áreas de transporte de cargas e de pessoas, de armazenagem e de
logística. Além de ser um importante gerador de emprego e renda no município e na Região dos Lagos, apresenta
relevância como captador de investimentos para o município, também sendo um dos principais contribuintes de
impostos municipais (CARVALHO, 2014; AICF, 2017).
48
Além disso, como destacado, mesmo não contando com empresas do ramo do
petróleo instaladas em seu território, o município não deixa de ter sua economia influenciada
pela indústria do petróleo, pois além de receber as compensações financeiras oriundas dos
royalties devido à localização geográfica nas proximidades da região da bacia de Campos,
também está inserido na prestação de serviços que envolvem os fluxos de pessoas e cargas que
movimentam a exploração do petróleo direta e/ou indiretamente na região das Baixadas
Litorâneas e do Norte Fluminense do estado. Nesse sentido,
Sendo assim, por ocupar uma posição geográfica estratégica e exercer notável
papel sociopolítico no contexto regional, pode-se – e coloca-se como primordial - pensar Cabo
Frio para além da sua rede urbana.
Deste modo, na perspectiva de refletir sobre a cidade de Cabo Frio e o seu referido
papel na rede urbana, trazemos aqui a fim de contribuir com esse estudo, as reflexões da
pesquisadora Sandra Lencioni sobre metropolização9 e formação da megarregião entre Rio de
Janeiro e São Paulo, visto que o município está inserido na proposta regional apresentada.
Nesse contexto, a título de periodização, o capital industrial está para a lógica
urbana clássica assim como o capital financeiro está para lógica da metropolização. Diante
dessas transformações do espaço urbano ao longo do tempo, mudaram-se também os
referenciais analíticos no estudo urbano, tendo em vista que a metropolização sendo
9
De acordo com a geógrafa Sandra Lencioni (2013) o processo de metropolização do espaço expõe certos aspectos
do processo de urbanização e apresenta novas características. Tais como: variedade de atividades econômicas;
grande intensidade de fluxos de pessoas, mercadorias e capitais; o crescimento das atividades de serviços,
especialmente os superiores; a demanda cada vez maior de trabalho imaterial; a concentração de atividades de
gestão e controle; a maior utilização de tecnologias de informação e comunicação; e indústria da construção; a
produção de um modo de viver e de consumo que se espelha no perfil da metrópole.
49
Como nebulosas urbanas, esses aglomerados apresentam uma forma difusa com
tendência à condensação, mas não se caracterizando como uma condensação absoluta, pois sua
natureza de nebulosa urbana é esgarçada, descontínua e com múltiplas porosidades
(LENCIONI, 2015). Nesse sentido, é importante ressaltar que o município de Cabo Frio, é
50
parte integrante da megarregião proposta pela geógrafa Sandra Lencioni, fazendo parte da
perspectiva de análise da nebulosa urbana em consolidação trabalhada pela respectiva
pesquisadora.
Com isso, é notório que alguns bairros e comunidades mais pobres da cidade
cresceram rapidamente e se expandiram de forma desordenada. O município de Cabo Frio
possui atualmente mais de 60 bairros distribuídos em seus dois distritos (Mapas 4 e 5).
53
07. Célula Mater 20. Parque Riviera 33. Ogiva 46. Reserva do Peró
08. Braga 21. Jardim Excelsior 34. Caminho Verde 47. Caminho de Búzios
09. São Francisco 22. Jardim Caiçara 35. Novo Portinho 48. Colinas do Peró
10. Vila Nova 23. Parque Burle 36. Peró 49. Tangará
11. Algodoal 24. Jardim Olinda 37. Cajueiro 50. Parque Eldorado
12. Centro 25. Perynas 38. Bosque do Peró 51. Chacará do Guriri
13. União 26. Praia do Siqueira 39. Jacaré 52. Dunas do Peró
Fonte: Setor de Geoprocessamento – Secretaria de Fazenda de Cabo Frio, 2019.
Fotos 8 e 9: Moradias na rua Samuel Bessa no bairro Jacaré e do bairro Monte Alegre, respectivamente.
Fonte: Fotos realizadas pelo autor, 2017.
Fotos 10 e 11: Moradias no bairro Itajurú, vista do Morro da Guia e rua do bairro Manoel
Corrêa, respectivamente.
Fonte: Fotos realizadas pelo autor, 2017.
Ressaltamos aqui que alguns bairros periféricos possuem parte de seus territórios
localizados em áreas de preservação ambiental. Como exemplo, ocupações na Área de
Proteção Ambiental (APA) do Morro do Telégrafo e na Área de Preservação Permanente
(APP) do Parque Municipal das Dunas com sobreposição do Parque Estadual da Costa do Sol.
57
Outros estão localizados bem próximos do centro da cidade, inseridos numa lógica de uso e
ocupação do solo urbano muito mais valorizada e, consequentemente, cercada de maior
especulação. Tendo um número considerável de moradores que trabalham no mercado
informal no centro da cidade, principalmente com atividades ligadas à praia. E outros
localizam-se em regiões periféricas do território municipal, em que o metro quadrado é menos
valorizado e para onde encaminha-se a expansão da malha urbana na cidade, em especial,
inseridos na região que mais se cresceu nos últimos anos, a que segue em direção à região do
Grande Jardim Esperança, bairro que lhe dar nome.
ocupados. ocupados.
Fonte:Estimativas Censo IBGE 2010, resultados preliminares do Plano Estadual de Habitação de Interesse Social (PEHIS)
do Rio de Janeiro, 2011.
58
Diante disso, o déficit habitacional em Cabo Frio pode ser analisado tanto na
perspectiva da falta de moradias construídas quanto do significativo número de domicílios
vagos e fechados (ociosos), devido a altíssima especulação imobiliária no preço do solo e do
turismo de 2ª residência, respectivamente.
Embora nos governos do prefeito Marcos da Rocha Mendes ainda tenha-se visto um
embrionário interesse do governo municipal em discutir questões de habitação de interesse
social. O mesmo não se viu no governo de Alair Francisco Corrêa (2013-2016). Neste, sequer
houve desdobramento do PLHIS e proposta de revisão do plano diretor, que completava 10
anos. Apenas foram aprovadas as obras do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) em
2013, posteriormente iniciadas em 2014 e que foram entregues em 2017 e 2018. Todavia, como
resultado de ações, sobretudo, anteriores ao seu governo11. Ao vencer as eleições novamente
11
Empreendimento Monte Carlo. Ao todo, 1.800 unidades já foram sorteadas para pessoas com renda de até R$
1600,00 mensais que tiveram o cadastro aprovado junto à Caixa Econômica Federal. Localizado na Estrada de
Campos Novos, s/nº, Jardim Esperança, o empreendimento deve abrigar cerca de 5.000 pessoas. Os apartamentos
59
em 2016, Marcos da Rocha Mendes teve seu último mandato (2017-2018) interrompido por
questões judiciais e provocando pela primeira vez na história do município, como citato
anteriormente, uma eleição suplementar, que elegeu o atual prefeito Adriano Guilherme de
Teves Moreno, rompendo assim com mais de duas décadas de sucessões entres os ex-prefeitos
no comando do poder executivo da cidade.
têm 45m² com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. A previsão é que cerca de 700 apartamentos
sejam entregues em dezembro deste ano aos sorteados e o restante em fevereiro de 2018, após todos os trâmites
legais (PREFEITURA DE CABO FRIO, 2017).
60
13
Spósito (2004) e Corrêa (2007) fazem referência não apenas ao porte demográfico da cidade, mas também as
suas funções urbanas, a sua localização relativa regional, às interações espaciais das quais participa, à organização
de espaço intra-urbano, à relação da cidade com sua área de influência, seu papel na divisão territorial do trabalho,
entre outras. Nessa perspectiva, Spósito (2007) ressalta que essas cidades são definidas como parte de uma rede
urbana complexa e carregada de especificidade, considerando o tamanho da população residente, disponibilidade,
quantidade e qualidade dos equipamentos coletivos e serviços urbanos, destinados a atender as demandas da
população local e as que se originam externamente.
61
especificação14, mas por não ter sido um condicionante entre os objetivos que nortearam a
pesquisa, problematizar o uso do solo urbano de Cabo Frio nessa perspectiva de classificação
de cidades. Dessa forma, no contexto do mundo globalizado, Spósito (2008, p. 281) destaca
que:
[...] as cidades constituem, cada vez mais, uma ponte entre o global e o
local, em vista das crescentes necessidades de intermediação e da
demanda também crescente de relações. Os sistemas de cidades
constituem uma espécie de geometria variável, levando em conta a
maneira como diferentes aglomerações participam do jogo entre o local e
o global.
Fonte: Sarmento (2012) - Extraído de: “CARVALHO, Renato Cerqueira de. Aeroporto Internacional de Cabo
Frio: globalização, redes e fluxos. Campos dos Goytacazes, RJ, 2014, 127 pp. Dissertação (Mestrado em
Planejamento Regional e Gestão de Cidades) – Programa de Pós-Graduação em Planejamento Regional e Gestão
de Cidades - Universidade Cândido Mendes, Campos dos Goytacazes, RJ, 2014.
14
Reconhece-se a existência de uma ampla literatura acerca das cidades médias mas a discussão da referida
tipologia não será abordada no presente trabalho.
62
Fonte: IETS, com base nos dados dos Estudos Socioeconômicos dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro do
TCE-RJ/2012 e nos dados fornecidos pelo TCM-RJ. Extraído de: “Painel regional: Região dos Lagos /
Observatório Sebrae/RJ. -- Rio de Janeiro: SEBRAE/RJ, 2015”. Adaptado pelo autor.
63
Tratando-se de um período mais recente, dois anos mais tarde, como aponta
Branco (2017), o repasse de royalties para Cabo Frio apresenta aumento. Com isso, o
município recebeu em julho de 2017 a quantia de R$ 9.084.837,44, representando um aumento
de 13% em relação ao mês anterior. O valor é muito maior que o recebido no ano passado, por
exemplo, que foi de pouco mais de R$ 6 milhões.
Outrossim, os municípios do estado do Rio de Janeiro que recebem esses repasses
não têm apresentado, até o momento, um plano de ações efetivas para o desenvolvimento de
atividades substitutivas aos royaties do petróleo, haja vista as sucessivas quedas na arrecadação
nos últimos anos. Para Corrêa (2004, p. 72), “induzir este tipo de consciência nos governos
locais será um desafio, pois o tema sempre foi cercado de atritos entre estes governos e o
governo federal, principalmente quando esbarra no equilíbrio federativo e nas autonomias
estadual e municipal”. No entanto, são municípios que passaram a vivenciar problemas
referentes ao trânsito, a expansão de moradias irregulares, dentre outros, decorrentes de um
crescimento urbano desordenado.
Como constatamos, Cabo Frio passou a ser um atrativo para demandas de pessoas
da metrópole e de outras regiões do estado, com destaque para a região Norte Fluminense.
Pode-se dizer que o desenvolvimento da indústria do petróleo na Bacia de Campos, contribuiu,
também, de maneira significativa para o aumento das receitas municipais através dos altos
repasses de royalties do petróleo, como também para um rápido crescimento populacional e
econômico na região, principalmente em Cabo Frio (Gráfico 2).
65
250.000
TOTAL DA POPULAÇÃO (EM MILHARES) 222.528*
200.000 186.227
150.000
126.828
100.000 84.815
População
50.239
50.000
29.297
16.646
8.816 9.750
0
1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2018
ANO DO CENSO
Fonte: IBGE – Total de população entre os censos (1940 – 2010). Elaborado pelo autor.
*Estimativas da população em 2018. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/cabo-frio/panorama.
Acesso em: 20 de nov. de 2018.
Com uma densidade demográfica de 453,75 hab./km² de acordo com censo do IBGE
(2010), Cabo Frio já apresenta uma das maiores densidades demográficas do interior do estado.
Estimativas realizadas em 2018 apontam também que os números de população total alcançou
a marca de 222.528 habitantes no município, com uma densidade demográfica de 542 hab./km²,
aumentando consideravelmente quando comparada aos números oficiais de 2010. Ainda
conforme dados do IBGE, os setores que mais contribuem para o conjunto do PIB de Cabo
Frio são os representados no gráfico 3.
66
8,22%
29,64%
59,82%
Cabe ressaltar que a cidade conta com pouquíssimas indústrias, nenhuma de grande
porte. Entretanto essa receita expressiva na indústria explica-se em grande parte, pelos recursos
procedentes da exploração do petróleo. Já o setor de serviços vincula-se, principalmente, às
atividades ligadas ao turismo.
15
Cabo Frio como cidade turística exerce atração para volumosos fluxos migratórios em busca de oportunidades
de trabalho. Baseado em Santos (1979), constata-se que grande parcela dessa mão de obra é absorvida por funções
ligadas a atividade turística, tendo em conta que turismo implica em circuitos inferiores da economia. Por isso,
recorremos a Santos por sua obra tratar dos circuitos superiores e inferiores da economia urbana a fim de
ilustrarmos a situação do município em questão. Neste caso, daremos ênfase ao circuito inferior que é composto
por atividades de menor escala, como dos pequenos comerciantes, mascates e vendedores ambulantes, voltados
para o mercado de consumo local, ocupado, principalmente, pela população mais pobre.
67
Dessa forma, o que se pôde observar em anos recentes, como aponta Mendes (2005),
foi a multiplicação de favelas a passos largos em direção à região dos Lagos, na mesma
proporção em que aumenta a população dos municípios que a integram. Como já abordamos,
pessoas atraídas pelo crescimento do turismo e pelos royalties do petróleo. Desse modo,
ocupações irregulares em áreas de preservação ambiental, como também aterramento de
antigas salinas para loteamentos e inúmeras invasões se tornaram comum na região.
Em Cabo Frio, a única favela reconhecida pela prefeitura é a Buraco do Boi, na Praia
do Forte, cartão-postal do município turístico. A comunidade pobre instalou-se por trás dos
prédios da orla, em barracos de alvenaria e madeira, sem água encanada ou sistema de esgoto.
A prefeitura diz que está negociando a transferência das famílias, mas quem mora lá não quer
sair do lugar (MENDES, 2005).
O fato é que, apesar da prosperidade financeira proveniente de vultosos recursos que
fizeram parte do orçamento da cidade nos últimos anos, em especial as receitas advindas dos
royalties do petróleo, o que se observa é o aumento da pobreza e favelização. Em compensação,
em razão da crescente expansão periférica da mancha urbana, se coloca a necessidade do
município revisar seu Plano diretor e definir ações que contemplem um desenvolvimento
urbano que atenda as demandas atuais da população cabo-friense, em especial, daqueles que
vivem nos bairros periféricos.
O primeiro Plano diretor de Cabo Frio é instituído pelo prefeito Ivo Saldanha, através
da Lei Municipal 1.123, do dia 10 de dezembro de 1991, um ano depois da aprovação da Lei
Orgânica Municipal. O novo16 plano diretor do munícipio de Cabo Frio foi aprovado através
da Lei Complementar nº 4, em 7 dezembro de 2006, no limite do prazo estabelecido pelo
Estatuto da Cidade. Em entrevista com a arquiteta e urbanista e presidente da Associação de
Arquitetos da Região dos Lagos (ASAERLA), Márcia Cabral (2016), ela revela com relação a
elaboração do plano diretor que:
16
A lei do Plano Diretor aprovado em 2006 pode ser acessada na íntegra por meio do link:
http://webservice.npibrasil.com.br/wportal/arquivo.ashx?id=87d10859-a02d-4dba-b21d-7676155eecde
69
Essa realidade vai ao encontro de uma observação assinalada por Villaça (2012 p.
187) de que “O conceito teórico de Plano diretor inclui o zoneamento como um instrumento
indispensável à sua execução, mas raríssimos são os Planos Diretores que incluíram um
zoneamento minimamente desenvolvido, a ponto de ser autoaplicável, aprovável e aprovado
por lei”. Nesse caminho, Villaça (2012) alerta que um plano diretor que não possua
instrumentos que sejam autoaplicáveis está fadado à inutilidade. Os problemas a serem
atacados em um plano diretor, bem como suas prioridades, são uma questão política, e não
somente técnica.
Não resta dúvida que a nova lei dá condições para a mudança histórica do
direito da propriedade urbana e, portanto, para mudar o rumo do
crescimento das cidades marcado pela desigualdade social como já vimos.
Mas essa condição prevê a aprovação, pelas Câmaras Municipais de um
PD que vá contra os interesses dos proprietários fundiários e daqueles que
lucram com a atividade especulativa imobiliária, que são, em geral,
integrantes dos grupos que controlam o poder local. [...] Aprovar um plano
com essas características já significa um grande desafio. Implementá-lo
depois torna a tarefa mais complexa. O PD pode, dependendo da
correlação de forças local, ficar muito aquém do que permitem os
instrumentos fixados no Estatuto da Cidade (MARICATO, 2013, p. 113).
É, portanto, uma lei17 que pouco corresponde à realidade da produção do espaço urbano
17
Lei nº 116/1979 – Dispõe sobre a Divisão Territorial do Município em áreas e zonas e suas alterações. Link:
http://webservice.npibrasil.com.br/wportal/arquivo.ashx?id=d0ffcb43-53e7-4e83-837e-ad739ab9d217
70
na atualidade no município, da sua ocupação e uso do solo. É, assim, nessa perspectiva, uma
lei aquém dos avanços das últimas décadas referentes aos objetivos do desenvolvimento urbano
traçados pelo Estatuto da Cidade. Há, destarte, em Cabo Frio, um enorme descompasso entre
as definições de ocupação e uso do solo e a aplicação dos instrumentos jurídico-urbanísticos
(PERALTA, 2011).
18
De acordo com o Capítulo III do Estatuto da Cidade que trata da Regularização Fundiária de Assentamentos
Urbanos, em seu artigo 47, inciso V, A Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) é a parcela de área urbana
instituída pelo plano diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à moradia de
população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo.
71
Não à toa, pode-se considerar que é a partir do aumento desse fluxo dinâmico de
mobilidade espacial e de capital, que se acentua o parcelamento e o uso do solo e a intensa
especulação imobiliária na cidade e na região, em especial, no município de Cabo Frio. Assim:
portador da concretização das ações humanas, inerte e que somente dá suporte aos eventos e
práticas exteriores a ele. Sendo simplesmente, o lugar onde acontece os negócios. O
redirecionamento de concepção sobre esse espaço portador de uma materialidade vazia,
acontece quando se passa a reconhecer o espaço como mercadoria, o espaço em si como o
próprio negócio, elemento fundamental para a realização do lucro, considerando nessa
perspectiva, a atividade imobiliária como elemento chave que transforma a produção do espaço
urbano em um negócio bastante rentável, uma importante fonte de acumulação de capitais, a
cidade como negócio.
Bem como aponta VILLAÇA (2012, p. 44), é preciso historicizar a segregação, pois a
Esse descompasso entre o que está previsto na lei e a sua prática mostra que mais
estudos e ações nesse âmbito são necessárias. Nesse sentido, em 2012, a elaboração do Plano
Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) de Cabo Frio, trabalhou sob a ótica de localizar
e identificar de forma mais precisa as condições reais dos assentamentos urbanos que
apresentam características de precariedade, tais como: ocupação de área irregular, crescimento
74
desordenado, carência de serviços públicos básicos. Este trabalho revelou outras áreas que se
encaixam no perfil de assentamentos precários existentes no município mas que não foram
incluídas no plano diretor, retratando a necessidade de discussão e revisão que competem ao
respectivo documento.
19
A equipe da Coordenadoria de Assuntos Fundiários da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade iniciou no
bairro Vila do Sol o cadastramento de moradores da Rua 1 para a regularização fundiária dos imóveis. O bairro
foi o primeiro a receber a ação, que resgata um anseio antigo da população em ter os imóveis regularizados, com
o termo de propriedade definitiva. Os detentores de documentos de posse, transferência ou doação, referentes aos
imóveis entregaram documentação para análise e posteriormente será feito o serviço cartorial visando contemplar
os donos de imóveis com a propriedade definitiva. Essa ação englobará outras localidades do município (CABO
FRIO, 2019).
75
4. Considerações finais
Ao nosso ver, o momento da conclusão representa apenas uma etapa, não significa que
todas as indagações colocadas foram respondidas; pelo contrário, muitas perguntas
permaneceram em aberto, e outras levantadas para futuras investigações.
Fernandes (2007, p. 20), por sua vez, assinala que “[...] mercados de terras
especulativos, sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos elitistas não têm oferecido
condições suficientes, adequadas e acessíveis à terra urbana e moradia para grupos sociais mais
pobres, assim provocando a ocupação irregular e inadequada do meio ambiente urbano”. Dessa
forma, a produção do espaço aparece como produção de mais valia. O consumo passa a ser da
cidade e não somente na cidade.
enorme descompasso entre a lei e sua materialidade no tocante a concretude dos instrumentos
do Estatuto da Cidade. E, por fim, porém não menos interessante, está a importância da
problematização da vontade política no que se refere aos avanços e retrocessos da política
urbana. Essa vontade coloca-se como preponderante na agenda de prioridades de ações dos
governos. Justamente o que pôde ser notado no caso de Cabo Frio.
Assim, em termos da aplicação prática de seu plano diretor, parece-nos que há muitos
desafios e um longo caminho a percorrer, visto que enxergamos no conhecimento geográfico um
rico instrumento de análise das questões sociais e uma excelente ferramenta de intervenção na
realidade.
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