Cartografi A Da Vulnerabilidade Socioambiental

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Cartografia da vulnerabilidade socioambiental:

convergências e divergências a partir de algumas


experiências em Portugal e no Brasil

DOI: 10.7213/urbe.7783 "ISSN 2175-3369


Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Cartography of the socio-environmental vulnerability: convergences
and differences from some experiences in Portugal and Brazil

Maria Isabel Castreghini Freitas[a], Lúcio Cunha[b]

[a]
Engenheira cartógrafa, professora do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento (IGCE) da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), Rio Claro, SP - Brasil, e-mail: [email protected]
[b]
Geógrafo, professor catedrático do Departamento de Geografia e Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do
Território (CEGOT) da Universidade de Coimbra (UC), Coimbra - Portugal, e-mail: [email protected]

Resumo
Com este estudo, buscamos contextualizar o tema vulnerabilidade socioambiental no cenário mundial, des-
tacando similaridades e discrepâncias nas suas concepções em Portugal e no Brasil. Na literatura que trata
de vulnerabilidade já está consagrada a contribuição das Geotecnologias e do seu potencial para a modela-
gem de aspectos físicos e socioeconômicos, para a prevenção, mitigação e enfrentamento de manifestações
de riscos, sejam eles naturais, tecnológicos ou mistos. Este artigo tem como objetivo discutir os referenciais
metodológicos dos estudos de vulnerabilidade, bem como os resultados de aplicação na modelagem de
dados socioeconômicos e ambientais no contexto da região Centro de Portugal e do estado de São Paulo,
Brasil. A metodologia para a análise da vulnerabilidade dessas regiões baseou-se na avaliação quantitativa
da capacidade de resistência e de resiliência de populações e de territórios. Os resultados apresentam-se
coerentes com as realidades socioambientais das áreas de estudo e refletem a complexidade quando do
enfrentamento e recuperação de situações de riscos para o caso de populações e territórios menos providos
de condições econômicas e de infraestruturas urbanas, seja no Brasil ou em Portugal.

Palavras-chave: Vulnerabilidade socioambiental. Cartografia. Metodologia quantitativa. Portugal. Brasil.

Abstract
In this study we intent to contextualize the topic environmental vulnerability on the world stage, highlighting
similarities and differences in their conceptions in Portugal and Brazil. In the literature about the vulnerabil-
ity is already established the contribution of Geotechnologies, especially the Systems of Remote Sensing and
Orbital Imaging as well as Geographic Information Systems (GIS) and its potential for modelling physical and
socioeconomic aspects for the prevention, mitigation and facing risk manifestations, whether natural, tech-
nological or mixed. This paper aims to discuss the methodological framework of vulnerability studies and the

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results of application in the modelling of socioeconomic and environmental data in the context of the Region
Centre of Portugal and the State of Sao Paulo, Brazil. The methodology for analysing the vulnerability of these
regions was based on quantitative studies of the capacity of resistance and resilience of populations and ter-
ritories. The results were consistent with the socio-environmental realities of the study areas and reϔlect the
complexity of facing and recovery of risk situations in case of territories and populations under low economic
conditions and urban infrastructure, whether in Brazil and Portugal.

Keywords: Socio-environmental vulnerability. Cartography. Quantitative methodology. Portugal. Brazil.

Vulnerabilidade socioambiental: - o aumento da escala das ações e financia-


conceitos fundamentais e principais mentos para o investimento na redução dos
diretrizes metodológicas riscos;
- a constituição de um sistema de estratégias
O aumento progressivo da população urbana, o de suporte ao governo e a organizações da so-
consequente aumento dos diferentes tipos de riscos ciedade civil, com capacidade regional, para
urbanos (naturais, tecnológicos ou mistos) e a dete- coordenação e suporte a eventos de risco.
rioração dos ecossistemas tornam imprescindível o
traçado de ações integradas, envolvendo governo e Tais orientações têm como referência o Quadro
parceiros locais, para definir políticas que transfor- de Ações de Hyogo (HFA)1, que definiu 5 ações prio-
mem o conhecimento já consolidado em ações con- ritárias com vistas à prevenção de riscos, conforme
cretas, em larga escala, que resultem em benefícios a UN-ISDR (2005). Dentre estas, merece destaque a
para toda a sociedade. ação prioritária 4, que indica a urgência de reduzir
Nesse sentido, a United Nations – International os riscos relacionados às mudanças das condições
Strategy For Disaster Reduction (UN-ISDR, 2009) socioeconômicas e ambientais, que são as bases
destaca algumas necessidades urgentes que devem para o mapeamento da vulnerabilidade. Como as
nortear as políticas dos países no que concerne a questões relacionadas com os riscos estão na pauta
riscos naturais e tecnológicos: de discussões dos principais organismos interna-
cionais, fica difícil para os governos e os diferentes
- a harmonização urgente da redução de riscos estratos de nossa sociedade ficarem alheios aos
de desastres e a adaptação às mudanças cli- problemas relacionados com as manifestações de
máticas no contexto da redução da pobreza e eventos perigosos.
do desenvolvimento sustentável; O conceito de vulnerabilidade é absolutamente
- a redução dos riscos para comunidades lo- indissociável do conceito de risco (REBELO, 2010).
cais, por meio de parcerias colaborativas ba- Dito de outra forma, para que se possa falar de ris-
seadas no reconhecimento da dependência co é necessário que haja também vulnerabilidade,
mútua do governo central e local e dos atores ou seja, que os processos eventualmente perigosos
da sociedade civil; (sismos, inundações, incêndios, por exemplo) afe-
- a transformação de ações isoladas e de pro- tem, direta ou indiretamente, individual ou coleti-
jetos-piloto em implementações plenas em vamente, o ser humano, na sua saúde, nos seus bens
segurança, saúde e educação e planos de ação ou nos modos de funcionamento das instituições
concretos para escolas e hospitais seguros, em que se enquadram, na economia, na sociedade e
para atendimento a eventos relacionados na cultura. Para alguns autores, o conceito de vulne-
com desastres; rabilidade deve estender-se também aos elementos

¹ Hyogo Framework for Action (2005-2015) é um plano de 10 anos para tornar o mundo mais seguro contra riscos naturais, que foi
aprovado por 168 Estados-Membros das Nações Unidas, em 2005, na Conferência Mundial de Redução de Desastres que ocorreu
em Kobe, Hyogo – Japão.

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mesológicos ou ambientais (água, ar, florestas, por consideram vulnerabilidade como o conjunto das
exemplo), ou seja, a um conjunto de elementos que, características de uma pessoa ou grupo, em termos
apesar de exteriores ao ser humano, em muito con- de sua capacidade de antecipar, enfrentar, resistir e
tribuem para a sua qualidade de vida. se recuperar do impacto de um fenômeno perigo-
O conceito de vulnerabilidade socioambiental, so. Os autores consideram que este conceito envol-
mais utilizado no Brasil do que em Portugal, aplica- ve uma combinação de fatores que determinam o
-se exatamente a esta vulnerabilidade de sentido modo e o grau em que a vida e o sustento dos indiví-
muito amplo e que, na acepção de S. Cutter (2011, duos são colocados em perigo por um evento iden-
p. 60), corresponde ao “potencial para a perda”. tificável da natureza ou da sociedade.
Segundo a autora, a vulnerabilidade inclui tanto os Na perspectiva de Cutter (1996), a vulnerabili-
“elementos de exposição ao risco” como os “fatores dade corresponde a um conceito complexo, sob o
de propensão às circunstâncias que aumentam ou qual advêm dimensões sociais, econômicas, polí-
reduzem as capacidades da população, das infraes- ticas e culturais, cuja definição tem sido abordada
truturas ou dos sistemas físicos para responder e se também em perspectivas epistemológicas muito
recuperar de ameaças ambientais”. diversas na ecologia política, ecologia humana,
Cutter, Boruff e Shirley (2003), tomando por ciências físicas e análise espacial. Em recente tra-
base as reflexões de diversos autores, consideram balho, Cutter (2011) se refere à necessidade de
que as pesquisas em vulnerabilidade podem ter uma abordagem integradora e interdisciplinar
três abordagens fundamentais: a da identificação para o estudo da vulnerabilidade social e/ou so-
das condições que tornam pessoas e lugares vulne- cioambiental e essa necessidade decorre, sobre-
ráveis aos eventos naturais perigosos; aquelas que tudo, da complexidade das interações entre os
consideram a vulnerabilidade como condição so- sistemas naturais, sociais, econômicos e culturais
cial, ou seja, uma medida da resistência ou resiliên- em jogo. A autora elege, também, como princípio
cia2 às catástrofes naturais, e aquelas que integram fundamental do que chama a “ciência da vulne-
o potencial de exposição e a resiliência social num rabilidade”, o “requisito do conhecimento geoes-
dado local ou região. pacial da investigação, com base nos locais [...]
Todos os desastres são locais e as respostas tam-
There are three main tenets in vulnerability re- bém o são” (CUTTER, 2011, p. 61). É também a
search: the identification conditions that make importância da escala local que coloca os aglome-
people or places vulnerable to extreme natural rados populacionais e, em particular, as cidades,
events, an exposure model (Burton, Kates, and apesar das suas diferenciações e mesmo das suas
White, 1993; Anderson, 2000); the assumption contradições internas, como objetos particulares
that vulnerability is a social condition, a measu- do estudo das vulnerabilidades.
re of societal resistance or resilience to hazards Apesar deste entendimento, o estudo da vulnera-
(Blaikie et al., 1994; Hewitt, 1997); and the inte- bilidade, considerada como um produto da exposição
gration of potential exposures and societal resi- aos processos perigosos e dos fatores de predisposi-
lience with a specific focus on particular places ção (a vulnerabilidade social, em sentido restrito),
or regions (Kasperson, Kasperson, and Turner, pode e tem sido realizado em diferentes escalas, que
1995; Cutter, Mitchell, and Scott, 2000) (CUTTER; vão do nacional ao local, passando pelo regional. Em
BORUFF; SHIRLEY, 2003, p. 243-244). todas as escalas, a cartografia dos resultados é funda-
mental, até para que se possa juntar à cartografia dos
Na busca por uma definição de vulnerabilidade processos perigosos (suscetibilidade e perigosidade3)
merecem destaque Blaikie et al. (1994), os quais para se atingir uma verdadeira cartografia de risco.

² Conceito originário da Física que diz respeito à propriedade de alguns materiais em acumular energia quando submetidos a es-
tresse sem que ocorra sua ruptura. No contexto desses estudos, conforme Marandola Jr. e Hogan (2005, p. 32-33), se reporta “a
capacidade individual e dos sistemas sociais para absorver os efeitos das flutuações ambientais extremas”.
³ Perigosidade é um termo adotado em Portugal para indicar a possibilidade (ou probabilidade) de acontecer um evento perigoso.
Similar à periculosidade.

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E, quer na cartografia da perigosidade, quer na da vul- considerando as dimensões sociais, econômicas,


nerabilidade, as geotecnologias e, particularmente, os políticas e culturais que, via de regra, fazem parte
Sistemas de Informação Geográfica (SIG) são funda- dos principais objetos de estudo da Geografia.
mentais, não apenas como importantes instrumentos Tendo em vista a avaliação da propensão ao ris-
de produção cartográfica, mas, sobretudo, por sua ca- co, ou seja, a vulnerabilidade social, Cutter, Boruff e
pacidade de cruzamento da informação e de modela- Shirley (2003) propõem um modelo de construção de
gem dos diferentes componentes do risco. um índice que agrega ou sintetiza a informação rele-
No âmbito da Geografia, muitos são os trabalhos vante sobre as características que podem influenciá-
que visam à modelagem de fenômenos relativos à -la (dados demográficos, como a idade e sexo, a exis-
sociedade e ao ambiente por meio das geotecnolo- tência de população com necessidades educativas
gias. De acordo com Marandola Jr. e Hogan (2004), especiais, o letramento, a cultura, a economia). Trata-
os primeiros trabalhos geográficos com essa abor- se do SoVI™, que se obtém após análise fatorial por
dagem surgiram nos anos de 1980, pautados nos fe- componentes principais de um conjunto de variáveis
nômenos naturais que causavam danos e expunham censitárias, na escala do município, tidas como repre-
as populações ao perigo. sentativas das características anteriormente referidas.
O modelo foi aplicado e reaplicado nos EUA, usando
Os “natural hazards”, ou perigos naturais, têm censos atuais e antigos, fazendo uso de diferentes
exigido grande esforço e apreensão por parte de escalas de análise, como municípios, unidades censi-
pesquisadores envolvidos com ações de planeja- tárias, unidades territoriais, sendo também adapta-
mento e gestão e com a relação do homem com do para países como Noruega e Vietnã, entre outros.
seu ambiente. [...] O prognóstico da probabilida- A autora ilustra os resultados alcançados para os EUA,
de de aqueles fenômenos [riscos naturais]4 ocor- tomando por base dados do censo de 2000, no qual o
rerem era fundamental naquele contexto. Nesse nível mais baixo de vulnerabilidade social aparece na
sentido, os geógrafos desenvolveram largamente zona costeira oriental, de Washington D.C. até Nova
o que chamavam de risk assessment (avaliação York, incluindo Boston. O mesmo acontece nos muni-
do risco): avaliação do risco de ocorrer um perigo cípios da costa da Califórnia, áreas consideradas ricas
[um acidente ou catástrofe]5 em determinado lo- e sem níveis extremos de população envelhecida e/ou
cal (MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2004, p. 31). feminina. Os níveis mais altos de vulnerabilidade so-
cial ganham expressão, por exemplo, ao longo do rio
Nesse contexto, começa a ganhar maior expressão Mississipi, região tradicionalmente pobre e com popu-
esse tipo de pesquisa envolvendo riscos naturais, for- lação predominantemente afro-americana, com pou-
necendo subsídios para a introdução, no meio cientí- ca oferta de emprego e baixos níveis de escolaridade.
fico, do conceito de vulnerabilidade. Segundo os au- A autora conclui o estudo afirmando que:
tores, a vulnerabilidade começa a surgir “como ideia
subjacente à noção de capacidade de resposta” de um A ciência da vulnerabilidade fornece a base para
ambiente ou uma população aos processos perigosos a construção de métricas para a vulnerabilidade,
(MARANDOLA Jr.; HOGAN, 2004, p. 32). que incluem o cálculo de índices para a medição
Já o uso de programas computacionais estatís- da vulnerabilidade social, assim como modelos
ticos independentes (ou associados a Sistemas de geoespaciais para a intersecção dos processos so-
Informação Geográfica) para estudos de vulnerabi- ciais e físicos (CUTTER, 2011, p. 66).
lidade surge a partir dos finais da década de 1980
e na década de 1990, com destaque para Blaikie et Esta metodologia foi seguida e utilizada também
al. (1994) e para Cutter (1996), que se dedicaram em Portugal, no âmbito do projeto “Vulnerabilidade
ao estudo da vulnerabilidade por meio da análi- Social, Estratégias de Planeamento: uma abordagem
se fatorial de diferentes variáveis e indicadores, integrada”, desenvolvido no Centro de Estudos Sociais

⁴ Comentário nosso.
⁵ Comentário nosso.

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da Universidade de Coimbra, tendo permitido uma a cultura. [...] Se se pretende promover a mudança,
síntese das principais características, com uma leitura é mais provável que ela seja bem-sucedida se for
em diferentes escalas das condições de vulnerabilida- compatível com a cultura predominante, ao pas-
de social a processos perigosos (CUNHA et al., 2010; so que se for contra ela é provável que o processo
CUNHA, LEAL, 2012; MENDES et al., 2009, 2011). adaptativo seja bloqueado por razões aparente-
Muitos são os estudos que cuidam da integração de mente ilógicas (ALEXANDER, 2011, p. 17).
dados geoespaciais com dados socioeconômicos, prin-
cipalmente dados quantitativos, relativos à economia, Pelas bases conceituais aqui apresentadas, ob-
à sociedade e à demografia, para a obtenção de resul- servamos que os caminhos para a análise da vul-
tados relativos à avaliação da vulnerabilidade. Nesses nerabilidade passam por diferentes componentes
casos, deve-se ter em conta a complexidade ou, por quantitativos e qualitativos, que se complementam
outro lado, o caráter redutor que tais dados quantita- e que não podem ser desprezados. Conhecer o con-
tivos encerram, pois um desafio constante dos pesqui- texto em que se insere o grupo social envolvido, em
sadores para garantir a pertinência dos parâmetros termos socioeconômicos e ambientais, é o ponto
quantitativos passa pela inclusão ou pelo cruzamento de partida para os estudos de vulnerabilidade, nos
destes com dados qualitativos, oriundos de consulta quais devem ser também incorporadas a cultura e
às populações e aos atores das comunidades envolvi- a percepção da sociedade envolvida, para que seja
das, bem como de observações de campo. possível alguma precisão no mapeamento da vulne-
A experiência de Alexander (2011) atrela a vul- rabilidade e dos riscos. Só assim será possível nos
nerabilidade a uma dialética entre os fatores que aproximarmos do indicado pelas Nações Unidas
aumentam os riscos e aqueles que os diminuem para o enfrentamento, com qualidade, dos riscos de
(chamados de fatores de atenuação), bem como a desastres, no sentido de minimizar as perdas e os
percepção da população e de agentes envolvidos. danos à sociedade, à economia e ao ambiente.

Esta dialética é ainda influenciada pela percepção


do risco, que tanto pode aumentar como dimi- Cartografia das vulnerabilidades
nuir a vulnerabilidade, dependendo do seu nível socioambientais em países lusófonos: principais
de relevância ou de exatidão. Por isso, em termos influências e estudos para Brasil e Portugal
esquemáticos: Vulnerabilidade total aos desastres
= Processos de amplificação do risco – Processos Na perspectiva deste artigo serão abordados
de atenuação do risco ± Fatores de percepção do estudos atuais de vulnerabilidade nos países lusó-
risco (ALEXANDER, 2011, p. 14). fonos, apoiados, prioritariamente, em trabalhos de-
senvolvidos no Brasil e em Portugal.
Por se tratar de um tema tão complexo, a cultura é Adotando os princípios metodológicos de Cutter
difícil de se medir e abarca fenômenos diversos, transfor- (1996, 2003, 2011) e visando apresentar um índice
ma e é transformada de acordo com as diferentes escalas de vulnerabilidade social aos processos naturais e tec-
territoriais e ambientes de convívio na sociedade. nológicos perigosos para Portugal, baseado na capa-
cidade de resistência e de resiliência de populações e
[...] a cultura sofre um processo constante de me- de território, apresentamos os estudos de Mendes
tamorfose à medida que se adapta às alterações et al. (2009) e Cunha et al. (2011), que realizaram
de circunstâncias do mundo moderno e ao modo uma avaliação prévia da vulnerabilidade social para
como somos capazes de o interpretar. Por conse- os concelhos6 de Portugal e uma avaliação na escala
guinte, existem poucas formas confiáveis de medir da freguesia7 em sete concelhos da Região Centro

⁶ Concelho: nomenclatura adotada em Portugal para a subdivisão do território sob administração de um presidente da câmara
e das restantes entidades autárquicas; divisão administrativa imediatamente inferior à categoria de distrito; município (PORTO
EDITORA, 2008).
⁷ Freguesia: nomenclatura adotada em Portugal para a subdivisão de um concelho, que constitui a menor entidade administrativa
(PORTO EDITORA, 2008).

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Portuguesa. A Figura 1 apresenta as relações en- p. 68), que entende o conceito de vulnerabilidade
tre risco e vulnerabilidade social, que são a base social associado ao “nível de resiliência ou resistên-
para o desenvolvimento da metodologia proposta cia dos indivíduos e comunidades quando expostos
pelos autores. a processos ou eventos danosos”, desdobra-se em
Como se pode observar pela Figura 1, a perigo- duas componentes: a criticidade e a capacidade
sidade ou probabilidade de ocorrência de eventos de suporte. A primeira corresponde ao “conjunto
perigosos pode ser mapeada tendo em conta o fator de características individuais e comportamentais
tempo, por meio do acompanhamento dos eventos que podem contribuir para a ruptura do sistema”
passados e presentes, bem como da probabilidade (MENDES et al., 2009, p. 69), e a segunda diz respei-
da sua repetição no futuro e, também, considerando to “ao conjunto de infraestruturas territoriais que
o fator espaço, ou seja, a suscetibilidade do territó- permite à comunidade reagir em caso de desastre”
rio para a sua distribuição. O mapeamento da pe- (MENDES et al., 2009, p. 70).
rigosidade pode ser feito por meio da produção de A análise dos mapas apresentados para o conjunto
mapas temáticos que integrem a susceptibilidade e do país aponta, claramente, para valores de criticidade
a probabilidade de ocorrência de eventos perigosos, e de capacidade de suporte que, genericamente, são
composta basicamente por mapas físicos, incluindo pouco correlacionáveis entre si. Ainda assim, sua lei-
a delimitação das áreas de diferentes abrangências tura ressalta claramente a importância das principais
dos fenômenos em estudo, tendo em conta sua geo- regiões metropolitanas do país (Lisboa e Porto), que
logia, geomorfologia, declividade, hidrografia, cli- apresentam valores de criticidade mais baixos e capa-
ma, uso da terra, dentre outros. cidade de suporte mais elevada, logo valores de vul-
Já a vulnerabilidade (em sentido amplo) decorre nerabilidade social mais baixos. No mesmo sentido,
de estudos da vulnerabilidade social ou socioam- podem-se ler os valores dos concelhos que integram
biental que se apoiam em análises e metodologias as principais cidades médias do país (Braga, Coimbra,
estatísticas de dados censitários e no estudo da dis- Santarém, Évora, Beja e Faro, por exemplo). No extre-
tribuição da população e dos bens materiais expos- mo oposto, ou seja, os concelhos que, por terem níveis
tos aos eventos perigosos. Para que se efetive o ma- de criticidade mais elevada e níveis de capacidade de
peamento e a análise dos riscos, torna-se necessária suporte mais baixa, apontam para índices de mais ele-
a combinação dos mapeamentos de perigosidade e vada vulnerabilidade social, são em regra aqueles do
de vulnerabilidade. interior mais rural, particularmente do norte do país.
Para além de uma análise multiescalar, o proje- Na análise feita em nível do concelho, ou seja, com
to desenvolvido em Coimbra (MENDES et al., 2009, desagregação no nível das freguesias, ressalta-se a

Figura 1 - Vulnerabilidade e risco


Fonte: Adaptado de CUNHA et al., 2011.

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enorme heterogeneidade interna dos municípios. Uma recente experiência (CUNHA et al., 2010)
A análise foi feita para apenas sete concelhos da realizada num pequeno município português
região e, por exemplo, no caso de Coimbra, o mapa (Torres Novas) permitiu aplicar essa metodologia
de criticidade ressalta a elevada criticidade das fre- com sucesso e diferenciar os tipos de riscos naturais
guesias do Centro Histórico. O mapa da Capacidade do espaço urbano do Município, em regra com valo-
de Suporte, por sua vez, ressalta a baixa capacidade res de vulnerabilidade social mais baixos do que nos
das freguesias periurbanas e rurais. Isso se traduz, espaços rurais, particularmente os pequenos aglo-
no mapa final, em valores de vulnerabilidade social merados, nos quais o envelhecimento da população,
que se destacam, claramente, em valores mais ele- a menor capacidade econômica e as más condições
vados em freguesias urbanas do Centro Histórico das edificações são responsáveis, entre outros fato-
e da periferia e valores mais baixos nas freguesias res, por elevados valores de vulnerabilidade social.
urbanas mais ricas, com melhores infraestruturas e Dentre os autores que têm se dedicado a estudos
de maior procura por parte da população. de vulnerabilidade no território brasileiro, encon-
Para além das questões de escala, outra questão tram-se Garcia e Matos (2007), que avaliaram as con-
se coloca quando se passa da escala nacional para a dições de vida das famílias brasileiras e realizaram
escala municipal e tem a ver com o tipo de unidades o mapeamento da sua distribuição espacial, tendo
administrativas ou cartográficas que podem ser uti- como base os microdados do Censo Demográfico de
lizadas. Nos estudos em escala nacional, a utilização 2000. O estudo permitiu a construção de um indi-
dos concelhos como unidades administrativas de cador de vulnerabilidade social das famílias, deno-
referência parece não oferecer dúvidas, já que es- minado Índice de Vulnerabilidade Municipal (IVM),
tes correspondem a unidades territoriais que, em- que leva em consideração informações sobre o grau
bora naturalmente diversas, apresentam estruturas de inserção educacional, o grau de inserção eco-
semelhantes e permitem comparações com lógicas nômica local e o grau de inserção habitacional. Os
territoriais, econômicas e socioculturais, logo de resultados alcançados e as comparações efetuadas
vulnerabilidade (CUNHA et al., 2010); no entanto, a com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
descida em nível local, ou seja, no interior dos con- mostraram-se convincentes e validaram o indicador
celhos, levanta outros tipos de problemas. adotado, o qual se revelou robusto e capaz de apon-
Por um lado, existe uma enorme diversidade tar diferenças intermunicipais e intramunicipais no
no número e na tipologia das freguesias em cada tocante à vulnerabilidade social.
concelho. Em alguns deles o número de fregue- O estudo levou os autores a concluir que o ín-
sias é tão baixo que não permite comparações dice adotado é sensível às condições de vida e de
significativas em nível de concelho. Noutros, o desenvolvimento das localidades e regiões, o que
número é demasiado elevado e os contrastes se lhe confere a característica de indicador socioes-
tornam complexos. Por outro lado, com as fregue- pacial. As representações cartográficas temáticas
sias não se atinge o nível de discriminação terri- foram utilizadas para ilustrar a vulnerabilidade
torial conseguido com os mapas de suscetibilida- social em escala nacional (municípios do Brasil)
de/perigosidade, baseados em dados dos fatores e municipal (bairros que compõem a Região
de perigosidade trabalhados em escala do pixel Metropolitana de Belo Horizonte – MG). Em nível
definido para o projeto cartográfico. Isso porque, nacional, os resultados alcançados pelos autores
quando se pretende maior nível de pormenor tra- apontam alta vulnerabilidade em cerca de 35%
tando a informação em nível da seção ou da sub- dos municípios brasileiros, com destaque para
seção estatística, deparamo-nos com o fato de es- municípios da Região Nordeste, bem como da
sas unidades não apresentarem qualquer tipo de Região Norte, embora apareçam também municí-
coerência territorial com lógica de planejamento. pios com alta incidência de população vulnerável
Assim, torna-se necessário criar novas unidades em áreas rurais do nordeste do estado de Minas
territoriais, com coerência e homogeneidade in- Gerais, além de outras no interior dos estados do
ternas, mas que permitam utilizar os dados esta- Paraná e de Santa Catarina. Os autores destacam,
tísticos em nível das unidades de maior detalhe e ainda, a existência de áreas rurais pouco vulne-
pormenor, ou seja, da subseção estatística. ráveis no eixo que liga São Paulo a Brasília, bem

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como na região norte do estado do Rio Grande do de densidade, para mostrar a distribuição espa-
Sul (GARCIA; MATOS, 2007). cial das áreas de vulnerabilidade socioambiental.
Outro exemplo de pesquisa brasileira, agora na Dentre os resultados apresentados por meio de re-
escala local/regional, fez uso de geoprocessamen- presentações cartográficas, estão aqueles indicando
to em estudo de vulnerabilidade para a metrópole as condições de saneamento básico dos municípios
paulistana e foi realizado por Alves (2006), sendo do litoral paulista: adequadas com respeito ao aces-
que nele a categoria vulnerabilidade socioambien- so à rede de água e à coleta de resíduos sólidos (pre-
tal foi estudada por meio de indicadores sociais e domínio de mais de 80% de atendimento de água e
ambientais, na escala mais desagregada possível, ou coleta de resíduos sólidos), mas com problemas re-
seja, a dos setores censitários. Em sua metodologia lacionados ao esgoto (predomínio de valores abaixo
de trabalho propôs uma tipologia simples, em que de 50% de atendimento pela rede geral de esgotos).
os setores censitários do município de São Paulo Quanto à escolaridade, os autores observaram
são classificados em quatro categorias de vulne- que ocorre maior proporção de pessoas com 4 a 10
rabilidade, resultantes da combinação das duas di- anos de escolaridade (49,6%), em relação ao total
mensões – risco ambiental (proximidade dos cursos de pessoas responsáveis pelos domicílios, no con-
d’água) e degradação ambiental (baixa cobertura junto do litoral paulista. Quanto à renda, com exce-
de esgoto). O autor realizou a análise utilizando a ção do município de Santos, a maior parte dos mu-
escala do município e outra mais detalhada, consi- nicípios concentra pelo menos mais do que 30% de
derando um setor da Zona Leste da cidade de São pessoas com renda igual ou inferior a dois salários
Paulo. Dentre os resultados apresentados destaca- mínimos. O mapa de distribuição da vulnerabilida-
-se o fato de, dentro do grupo de alta vulnerabilida- de aponta áreas de risco de deslizamento, as quais
de, aparecerem diferenças significativas nas condi- estão associadas a um perfil socioeconômico de
ções socioeconômicas e demográficas relacionadas baixa renda e com baixo nível de escolaridade. No
às diversas categorias de vulnerabilidade socioam- entanto, algumas dessas áreas são caracterizadas
biental. Em alguns casos, a vulnerabilidade social por um perfil de setores com média ou alta renda e
é agravada por situações de risco e de degradação elevado grau de escolaridade como, por exemplo, as
ambiental, com condições socioeconômicas signifi- localizadas no município de Ilhabela. Nesse sentido,
cativamente piores, além de maior concentração de advertem os autores:
crianças e jovens, do que aquelas com menor grau
de vulnerabilidade ambiental. O autor detectou, Assim, esses resultados sugerem que uma parcela
ainda, áreas críticas, nas quais há forte concentra- significativa da população residente nos municí-
ção de problemas e riscos sociais e ambientais, com pios do litoral paulista, seja ela de baixa, média ou
maiores níveis de população pobre e com privação alta renda, está em situação de alta ou muito alta
social, tendo, portanto, menor capacidade de reação vulnerabilidade socioambiental, ainda que com
às manifestações de risco. graus diferenciados de susceptibilidade e expo-
Também nessa escala de análise, o trabalho de sição ao risco ambiental (FONSECA ALVES et al.,
Fonseca Alves et al. (2010) trata da aplicação de 2010, p. 18).
um modelo de vulnerabilidade socioambiental, no
contexto das mudanças climáticas, para municípios Tal consideração aponta para uma questão
do litoral paulista. O trabalho apresenta resultados fundamental, quando se abordam aspectos asso-
relativos à vulnerabilidade socioambiental, consi- ciados à vulnerabilidade e riscos socioambientais
derando variáveis socioeconômicas associadas com na faixa litorânea: diante da complexidade da
os setores censitários de renda, escolaridade, aten- urbanização das cidades brasileiras, em especial
dimento pela rede de esgotos, rede de água e coleta na faixa litorânea, mas não exclusivamente, cujas
de resíduos sólidos, o chamado Índice Paulista de construções habitacionais e de veraneio chegam
Vulnerabilidade Social (IPVS), e variáveis ambien- muitas vezes antes da infraestrutura básica, é co-
tais relativas à altimetria e à declividade. Nele foi mum se encontrarem residências instaladas em
usado o modelo de estimativa Kernel, técnica de áreas muitas vezes impróprias. Nesses casos, pre-
análise espacial baseada na criação de superfícies dominam instalações habitacionais em vertentes

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Cartografia da vulnerabilidade socioambiental 23

com alta declividade, muitas vezes sem cobertu- a maior ou menor resistência e resiliência das co-
ra do solo, em áreas com forte probabilidade de munidades aos desastres naturais.
inundação devido à densa drenagem e à presença
de chuvas torrenciais em certas épocas do ano,
colocando em risco seus moradores, independen- Vulnerabilidade socioambiental de municípios
temente da classe social. selecionados no estado de São Paulo,
O estudo de Almeida (2011) propõe uma Brasil e na Região Centro de Portugal
Geografia dos riscos e das vulnerabilidades,
tendo como base uma ampla discussão teóri- Para a realização de um estudo de caso em es-
ca sobre tais conceitos, com ênfase no ambien- cala regional, considerando as bases metodológi-
te das cidades. Além de discutir os conceitos cas apresentadas anteriormente e sua aplicação às
de risco, perigosidade e vulnerabilidade na his- realidades do Brasil e de Portugal, selecionamos 17
tória recente – a partir da década de 1980 –, o concelhos na Região Centro de Portugal e 20 mu-
autor apresenta os resultados de mensuração nicípios localizados no estado de São Paulo, Brasil.
de vulnerabilidades socioambientais de rios ur- A localização das áreas de estudo é apresentada nas
banos no Brasil, com aplicação na bacia hidro- Figuras 2 e 3, respectivamente.
gráfica do rio Maranguapinho, localizado na Os 17 concelhos de Portugal ocupam uma su-
Região Metropolitana de Fortaleza. Nesse caso, perfície territorial de 4.841 km2 e abrigam um total
o mapa de vulnerabilidade socioambiental resul- de 731.847 habitantes, com populações variando
ta da integração de mapas derivados do Índice de 13.295 habitantes (Mira) a 131.446 habitantes
de Vulnerabilidade Social (IVS) e do Índice de (Coimbra), de acordo com o censo publicado pelo
Vulnerabilidade Físico-Espacial às Inundações INE para 2011.
(IVFI). Tais índices permitiram “a identificação e No Brasil, os 20 municípios paulistas em estudo
localização dos espaços onde ocorre coincidência compõem as regiões metropolitanas de São Paulo
de riscos e vulnerabilidades – sociais e ambien- e de Santos, e regiões administrativas de Sorocaba e
tais – resultando num Índice de Vulnerabilidade Registro. Ocupam uma superfície territorial de 6.774
Socioambiental – IVSA para bacia hidrográfica do km2 e abrigam um total de 1.990.071 habitantes, com
rio Maranguapinho” (ALMEIDA, 2011, p. 95). Por populações variando de 10.303 habitantes (Pedro de
meio desse estudo, o autor pôde observar a for- Toledo) a 596.060 habitantes (Sorocaba), de acordo
mação de grupos homogêneos de vulnerabilida- com o censo publicado pelo IBGE (2012).
de socioambiental, identificando espaços em que Esta pesquisa correspondeu à parte principal
ocorrem vulnerabilidades sociais e ambientais. da atividade de pós-doutorado desenvolvida na
Os resultados dos estudos aqui apresentados Universidade de Coimbra, sob o tema Geotecnologias
apontam para a prevalência de alguma convergên- aplicadas na Análise da Vulnerabilidade Social e
cia teórica entre os estudos de vulnerabilidade so- Ambiental: um estudo metodológico comparativo
cioeconômica e ambiental dos dois países lusófo- entre Portugal e Brasil (FREITAS, 2012), cujos re-
nos. A escala de trabalho, via de regra, parte do geral sultados preliminares foram divulgados em even-
e detalha amostras no particular, tendo as publica- tos científicos em Portugal e no Brasil, como pode
ções transitado entre as escalas nacional, regional e ser verificado nos trabalhos de Ramos et al. (2012);
local, em seus estudos de caso. Independentemente Freitas e Cunha (2012a, b).
das designações formais utilizadas, todos os autores Por meio da análise fatorial relativa à criticidade
estudados concentram-se na definição de índices de e capacidade de suporte, avalia-se a vulnerabilida-
vulnerabilidade levando em conta as condições so- de socioambiental das áreas estudadas, com vistas
ciais, econômicas e ambientais como, por exemplo, a observar o desempenho do modelo no contexto da
habitação, educação, renda, infraestrutura urbana e realidade de cada uma das regiões.
saneamento. De maneira geral, os resultados apre- Para a análise da criticidade, realizamos um le-
sentados salientam a importância desse tipo de vantamento dos dados censitários concernentes
análise para a adequação das políticas públicas e aos aspectos da vida da população, na busca de
para a organização territorial, com vistas a apontar características dos concelhos portugueses e dos

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24 FREITAS, M. I. C.; CUNHA, L.

Figura 2 - Área de estudo referente aos 17 Concelhos da Região Centro de Portugal


Fonte: FREITAS, 2012.

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Figura 3 - Área de estudo no estado de São Paulo, Brasil


Fonte: FREITAS, 2012.

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26 FREITAS, M. I. C.; CUNHA, L.

municípios brasileiros que dessem indicativos de Feitos os cálculos das componentes criticidade e
ruptura do sistema, no caso de eventos perigosos capacidade de suporte, para Portugal e Brasil, foi pos-
associados a riscos naturais ou tecnológicos. sível o cálculo da Vulnerabilidade Socioambiental,
No caso de Portugal foram selecionadas, inicial- tendo em conta a expressão matemática (1):
mente, 108 variáveis. Da execução do modelo de
análise fatorial resultaram 21 variáveis explicativas, VS = C × CS (1)
que foram agregadas em cinco fatores, os quais de-
têm 76% da variância acumulada, considerando-se Sendo: VS = Vulnerabilidade Socioambiental; C =
os 17 concelhos em estudo. As comunalidades das Criticidade; CS = Capacidade de Suporte.
variáveis foram todas superiores a 0,88. Com base nesses elementos, foi possível a elabora-
De posse de tais dados, exportamos para o ção de mapas temáticos e gráficos ilustrativos da vul-
ArcGIS os resultados relativos aos cinco fatores nerabilidade socioambiental e de seus componentes.
mais significativos para cada concelho em estu-
do, realizando sua espacialização tendo como
referência os limites dos concelhos do Atlas do Resultados do estudo das
Ambiente em formato digital. A sua representa- vulnerabilidades no Brasil e em Portugal:
ção temática foi feita por meio da classificação de convergências e divergências
seus resultados, aplicando, numa primeira apro-
ximação, o classificador Natural Breaks (Jenks), Com base no procedimento descrito, foi possível a
seguido de classificação manual. elaboração de tabelas e mapas temáticos ilustrativos
No caso brasileiro, foi adotado um procedimento da vulnerabilidade socioambiental e dos seus compo-
similar, no qual foram selecionadas, inicialmente, 75 nentes para as áreas de estudo em Portugal e no Brasil.
variáveis que, após redução pela análise fatorial, re- No caso de Portugal, os principais fatores relativos
sultaram em 18 variáveis explicativas, agregadas em à criticidade correspondem aos fatores 1 e 2. O fator
cinco fatores que detêm 67% da variância acumulada, 1, relacionado com a economia e as condições de vida
considerando os 20 municípios em estudo. As comu- da população, explica 26% da variância e dá indica-
nalidades das variáveis foram superiores a 0,78. tivo dos concelhos com maior acesso ao crédito para
Em procedimento análogo, realizamos o estudo habitação e ao emprego; o fator 2, que diz respeito à
da capacidade de suporte dos 17 concelhos em estu- população e ao grau de proteção social que aufere, res-
do, levantando os dados censitários que indicassem ponde por 18% da variância total e dá destaque para
o nível de infraestruturas territoriais que permitem as baixas condições de vida e baixa natalidade. O fator
a reação das comunidades em caso de desastre as- 3 (13% da variância) apresenta o baixo poder de com-
sociado a risco natural ou tecnológico. pra da população e o acesso às telecomunicações; já o
Da execução do modelo de análise fatorial resul- fator 4 (10% da variância) indica as transformações
taram 16 variáveis explicativas, dentre as quais foi no meio rural enfatizando as áreas sem uso agrícola.
possível selecionar cinco fatores, que detêm 68% Por fim, o fator 5 (9% da variância) apresenta variável
da variância acumulada, considerando os 17 conce- relacionada à evasão escolar.
lhos em estudo no caso português. As comunalida- Quanto à capacidade de suporte, observamos
des das variáveis foram sempre superiores a 0,83, o que as principais variáveis explicativas do fator
que aponta para o seu contributo significativo para 1, que concentram 20% da variância, estão rela-
a formação dos fatores. cionadas com as condições econômicas; essas va-
No caso do Brasil, foram selecionadas 54 variá- riáveis apontam os conselhos com maior desen-
veis, com redução por análise fatorial para 17 variá- volvimento de acordo com o número de empresas
veis explicativas, agregadas em cinco fatores, que e estabelecimentos bancários, bem como a pro-
detêm 68% da variância acumulada, considerando porção de famílias em alojamentos unifamiliares
os 20 municípios em estudo. As comunalidades das e, em contraponto, os deficit das corporações de
variáveis foram sempre superiores a 0,706, o que bombeiros para o atendimento das demandas re-
aponta, também nesse caso, para um significativo gionais. Os fatores 2, 3, 4 e 5 estão associados, pre-
contributo na formação dos mesmos. dominantemente, às condições dos alojamentos e

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Cartografia da vulnerabilidade socioambiental 27

dos edifícios; o fator 2 (14% da variância) desta- concentra 21% da variância, estão relacionadas com
ca a falta de conservação dos edifícios, o fator 3 as transformações econômicas e habitacionais do
(13%) indica a presença de edifícios vagos e com meio rural para o urbano, dando indicação da dimi-
necessidade de reparação na área urbana, o fator nuição dos investimentos econômicos relacionados
4 (14%) associa-se à baixa quantidade de edifí- com as atividades agropecuárias, associados ao au-
cios novos e o fator 5 (8%) indica a sazonalidade mento da taxa de urbanização das cidades. O fator 2,
no uso de parcela dos alojamentos. que detém 15% da variância, apresenta o aumento
A Figura 4 mostra a representação espacial dos de alojamentos do tipo apartamento e a infraestru-
resultados obtidos no que se refere à vulnerabilida- tura em saúde relacionada à presença de médicos e
de socioambiental dos 17 concelhos de Portugal. dentistas com registro. Os fatores 3, 4 e 5 destacam
Os resultados indicam como principais fatores de variáveis associadas ao desenvolvimento regional,
vulnerabilidade socioambiental as condições relativas à infraestrutura e às condições dos alojamentos; o
ao baixo dinamismo econômico e aos deϔicit demográ- fator 3 (14% da variância) indica o Produto Interno
ficos, principalmente relacionados com a população Bruto associado às indústrias e serviços, e a presen-
infanto-juvenil e com o êxodo rural. Esse é um indica- ça de domicílios com espaço suficiente, inclusive
dor do envelhecimento da população, o que é recor- aqueles denominados domicílios coletivos; o fator 4
rente nos concelhos portugueses, e que se confirma (10%) corresponde à presença de leitos hospitalares
para a área de estudo, sobretudo nos concelhos de e à existência de favelas; e o fator 5 (8%) indica domi-
menor peso urbano. Os valores altos ou muito altos de cílios vagos nas áreas urbanas.
vulnerabilidade aparecem nos concelhos do setor nor- Na Figura 5, apresenta-se a representação espa-
te (Montemor-o-Velho, Soure, Mira e Penacova), com cial dos resultados obtidos no que se refere à vul-
menor desenvolvimento econômico e com condições nerabilidade socioambiental dos 20 municípios do
ambientais e infraestruturas menos desenvolvidas estado de São Paulo.
para enfrentar situações de risco. Também com esse Os resultados indicam como principais fatores
perfil estão alguns concelhos do setor sul da área de de vulnerabilidade socioambiental as condições
estudo, como Alcanena e Porto de Mós. relativas ao menor desenvolvimento econômico e
No caso do Brasil, a análise dos fatores relativos às limitadas condições de infraestruturas e desem-
à criticidade indica que o fator 1, relacionado com a penho ambiental em face de situações de risco. Os
demografia e com o investimento no campo, explica municípios com vulnerabilidade elevada ou muito
22% da variância. Esse fator indica o predomínio da elevada aparecem no interior, na região serrana, de
população jovem nos municípios, por meio de va- economia predominantemente rural, ainda que mi-
riáveis negativas para a população com mais de 65 tigada pela sua associação ao turismo rural, como
anos, associadas com a taxa de natalidade que apare- Ibiúna, Embu-Guaçu, Juquitiba e Piedade.
ce com valores positivos. O fator 2, que responde por O estudo indicou como principais fatores de
16% da variância total, diz respeito à violência urba- vulnerabilidade socioambiental, no contexto por-
na e às condições de saúde, dando destaque para as tuguês, a contração econômica de parte dos con-
ocorrências de furtos consumados, tráfico de drogas, celhos, a baixa natalidade, o envelhecimento da
crimes e mortes pela Síndrome de Imunodeficiência população e da infraestrutura habitacional; parte
Adquirida (SIDA), ou AIDS, como é mais conhecida desses fatores se associa ao abandono do meio
no Brasil. Os fatores 3, 4 e 5 apresentam variáveis rural. No caso brasileiro, os principais fatores de
associadas à condição de vida, educação e demogra- alta vulnerabilidade estão relacionados à econo-
fia, com o fator 3 (14% da variância) sendo expresso mia e às infraestruturas para o enfrentamento
pela presença de crianças e adolescentes, incidência de eventos perigosos. Ambos os resultados dão
de pobreza e evasão escolar, o fator 4 (8%) destaca indicações da preponderância dos fatores eco-
a reprovação escolar e a taxa de natalidade, comple- nômicos e sociais na diferenciação territorial da
mentados pelo fator 5 (7%), que indica a existência vulnerabilidade, distinguindo regiões com dife-
de moradias em áreas de risco. rentes graus de vulnerabilidade socioambiental,
Quanto à capacidade de suporte, observamos que ou seja, com populações e territórios mais ou me-
as principais variáveis explicativas do fator 1, o qual nos providos de condições para o enfrentamento e

urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban Management), v. 5, n. 1, p. 15-31, jan./jun. 2013
28 FREITAS, M. I. C.; CUNHA, L.

Figura 4 - Vulnerabilidade Socioambiental dos 17 concelhos da Região Centro de Portugal


Fonte: FREITAS, 2012.

urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana (Brazilian Journal of Urban Management), v. 5, n. 1, p. 15-31, jan./jun. 2013
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Figura 5 - Vulnerabilidade socioambiental dos 20 municípios do estado de São Paulo


Fonte: FREITAS, 2012.

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30 FREITAS, M. I. C.; CUNHA, L.

recuperação de manifestações de riscos, sejam eles duas áreas que se destacam nos respectivos contextos
naturais, tecnológicos ou mistos. nacionais e estaduais pelo desenvolvimento econômi-
No caso brasileiro, os contrastes sociais, embora co e pela concentração populacional, nas quais obser-
minimizados, em vista da situação econômica favo- vamos também convergências e divergências.
rável da atualidade, ainda se fazem presentes nos Na aplicação do modelo, foi possível observar que
itens relativos à violência, deficiências na educação fatores preponderantes, como a retração econômica
e taxas de pobreza. de Portugal, o envelhecimento da população e a bai-
xa natalidade estiveram presentes como prioritários
na indicação da vulnerabilidade. No caso brasileiro,
Considerações finais os fatores dominantes também se relacionam com a
economia e a população, principalmente os que ex-
Dentre as convergências metodológicas em termos pressam as desigualdades socioeconômicas, alta na-
mundiais, das quais não se distanciam os países lusó- talidade, violência e baixa escolaridade. Em ambas as
fonos em estudo, observamos que a base dos estudos regiões ocorrem o abandono de áreas rurais, a desa-
de vulnerabilidade se apoia em análises quantitativas, celeração da vida no campo e a concentração urba-
com forte ênfase para modelos estatísticos, associados na, dando mostras de que o modelo de sociedade no
a Sistemas de Informação Geográfica. Tendo em consi- qual estamos inseridos faz com que tendências sejam
deração as conhecidas limitações dos métodos quan- mantidas, independentemente dos países e dos con-
titativos, verifica-se hoje uma tendência em inserir, tinentes nos quais desenvolvemos nossas vidas. No
ou pelo menos validar, esses modelos com variáveis estudo de caso, detectamos uma possibilidade de pa-
qualitativas como as relacionadas com a percepção dronização da análise entre os dois países, que poderá
das populações e dos gestores no que se refere à vul- ser assumida em futuras análises de vulnerabilidade e
nerabilidade e aos riscos de desastres; por esta pers- riscos, cujos comportamentos tendem a ser mais facil-
pectiva, parte-se do pressuposto de que a realidade mente mensurados, independentemente do local em
socioeconômica, ambiental e as raízes culturais ditam que estejamos inseridos.
comportamentos diferenciados no enfrentamento de
situações de riscos de desastres.
Outra convergência observada diz respeito ao Referências
uso de diferentes escalas de análise, o que se ob-
serva pela busca, dos autores consultados, de um ALEXANDER, D. Modelos de vulnerabilidade social a de-
contraponto entre o global e o local, refletido nos sastres. Revista Crítica de Ciências Sociais, v. 93, n. 1,
estudos feitos em escalas dos países, das regiões ou p. 9-29, jun. 2011.
até dos municípios, setores censitários, bairros ou
ALMEIDA, L. Q. Por uma ciência dos riscos e vulnerabili-
outras divisões intraurbanas.
dades na geografia. Mercator, v. 10, n. 23, p. 83-99, set./
As divergências residem nos tipos de variáveis
dez. 2011. doi:10.4215/RM2011.1023.0007.
selecionadas e nas metodologias de tratamento, em
termos dos aspectos sociais, ambientais e físicos que ALVES, H. P. F. A. Vulnerabilidade socioambiental na me-
as influenciam. Muitos dos trabalhos buscam reali- trópole paulistana: uma análise sociodemográfica das
zar recortes na grande gama de variáveis disponíveis, situações de sobreposição espacial de problemas e ris-
selecionando-as previamente ou usando algoritmos cos sociais e ambientais. Revista Brasileira de Estudos
que permitam essa seleção através de critérios esta- da População, v. 23, n. 1, p. 43-59, jan./jun. 2006.
tísticos. Seja como for, notamos a não padronização e a doi:10.1590/S0102-30982006000100004.
dificuldade de colocar, sob um único modelo, realida-
BLAIKIE, P. et al. At risk - natural hazards, people’s vul-
des territoriais tão díspares em termos de ambiente,
nerability and disasters. Londres: Routledge, 1994.
economia, sociedade e, mesmo, cultura.
No intuito de aplicar um dos modelos de vulne- CUNHA, L. et al. Vulnerabilidade, riscos naturais e orde-
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