A Escuta Analítica Como Instumento de Resacae y Mantenimineto Del Lazo Social
A Escuta Analítica Como Instumento de Resacae y Mantenimineto Del Lazo Social
A Escuta Analítica Como Instumento de Resacae y Mantenimineto Del Lazo Social
2020v11n3suplp45
RESUMO
O presente trabalho é fruto do projeto “Jovens em situação de vulnerabilidade
social: entre o trauma e o reconhecimento” desenvolvido com bolsa de iniciação
científica concedida pela FAPERJ. Ao longo do trabalho, observamos que a
emergência de pequenos testemunhos mobilizava os participantes. Embora a
narrativa fosse de uma experiência dolorosa, o posterior acolhimento atuava como
potencializador de vínculos sociais. Nesse sentido, propomos examinar a função
clínica do testemunho para a atuação dos analistas em contextos de precarização,
onde há o enfraquecimento dos laços discursivos. Para isso, partimos da premissa
que a vivência em condições precárias é potencialmente traumática e excludente,
ainda que haja um esforço psíquico de reduzir a importância dessas situações,
banalizando o sofrimento oriundo da violência simbólica a que estão submetidos.
Nossa aposta é que a escuta analítica pode operar como um instrumento de
cuidado, tendo na coletividade a força para o resgate e manutenção do laço social.
This paper is result of a research developed with a scientific initiation grant from
FAPERJ. Throughout the work, we observed that the emergence of small
testimonies mobilized the participants. Although the narrative was of a painful
experience, the subsequent reception acted as a potentializer of social bonds. In
this sense, we propose to examine the clinical function of testimony for the
performance of analysts in precarious contexts, where there is a weakening of
discourse bonds. For this, we start from the premise that living in precarious
conditions is potentially traumatic and excluding, even though there is a
psychological effort to reduce the importance of these situations, trivializing the
suffering resulting from the symbolic violence to which they are subjected. Our
belief is that analytical listening can operate as a potential care instrument, having
in the collectivity the strength to rescue and maintain the social bond.
INTRODUÇÃO
A ATUAÇÃO DO PSICANALISTA EM CONDIÇÕES
PRECÁRIAS
Butler (2018) desloca tais termos para o campo da vida e propõe uma gradação de
sentidos referente aos vocábulos precariedade, condição precária e precarização.
Sobre a precariedade, a autora a entende como uma condição existencial para
todos os humanos, considerando o nascimento como um momento no qual o bebê
não cumpre as mínimas exigências para sua sobrevivência. Ou seja, há uma
precariedade natural, traço da condição humana, que faz com que o recém-nascido
dependa de uma rede de semelhantes que o ampare e o suporte.
Não se pode ainda deixar que considerar que o analista, para além de sua função
estabelecida na relação transferencial, é também um sujeito que faz parte da cena
social. Logo, está também submetido à trama citada e às relações de poder
regentes da sociedade. Essa compreensão pauta a defesa de Wikinski (2019) pela
É importante ressaltar que, apesar das diferenças apontadas, Rosa (2002) não se
refere à criação de novas teorias, mas sim “à construção de uma escuta clínica que
leve em conta a especificidade de tais pessoas e situações” (p.149). No defendido
por ela, os psicanalistas devem estar capacitados para o reconhecimento das sutis
malhas de dominação que acabam por enredar os sujeitos. Somente com essa
Em sua reflexão sobre os impactos subjetivos das tais situações, Dejours (2000)
questiona de que forma é possível ao sujeito tolerar o intolerável. Isto é, como se
torna admissível suportar o sofrimento oriundo das situações de injustiças sociais
e, enquanto resposta, encontra a negação da dor como estratégia defesa psíquica.
Nessa concepção, a dissociação entre a injustiça a ele infligida e o seu afeto
resultante leva o sujeito a tomar uma postura de resignação, já que esse seria então
“um fenômeno sistêmico, econômico, sobre o qual não se poderia exercer
nenhuma influência” (p.20). Porém, é valido destacar que esse autor enfatiza que a
naturalização resultante da disputa entre sofrimento e luta contra o mesmo
sentimento não deve ser vista como ausência desse. Pelo contrário, o autor propõe
a ideia de “normalidade sofrente” (p. 36) para nomear a tentativa de manutenção
do equilíbrio psíquico, tornando o sujeito insensível ao que gera sofrimento a ele.
Outro conceito necessário para a nossa argumentação é o trauma, que para Freud
(1920/1996), faz referência a uma situação que o sujeito experimenta como
ameaçadora à sua vida, sendo traumático um acontecimento com tamanho
impacto capaz de provocar um rompimento na vida do sujeito, não possibilitando
a ele qualquer reação e extrapolando a sua possibilidade de elaboração psíquica.
Ou, nas palavras de Laplanche e Pontalis (2001, p. 522), “o traumatismo caracteriza-
se por um afluxo de excitações que é excessivo em relação à tolerância do sujeito
e à sua capacidade de dominar e de elaborar psiquicamente essas excitações”.
Diante do que foi exposto, defendemos que é papel do analista atuar de forma
que as experiências traumáticas, oriundas das condições precárias, sejam
legitimadas e que, durante o compartilhamento dessas, a sustentação da escuta
analítica opere como instrumento de cuidado e de inclusão social. A aposta dessa
prática é que, em oposição à normalidade sofrente (Dejours, 2000), o grupo
funcione como um ambiente seguro e acolhedor, que legitime e produza sentido
para as vivências dos jovens. A expectativa é que, a partir da escuta ofertada, os
participantes possam se deslocar de uma posição fixada pela condição traumática,
contrapondo-se à naturalização e à invisibilidade características das situações
apresentadas, e que a construção de narrativas em primeira pessoa viabilize a
afetação de sentimentos até então inacessíveis a eles.
Ao relato em primeira pessoa de uma experiência dolorosa, pode ser dado o nome
de testemunho. Embora não haja um conceito unânime entre os teóricos, as
discussões acerca do tema têm crescido nos últimos anos no Brasil, especialmente
no que tange o debate da sua relação com a exclusão social (Ginzburg, 2008). O
testemunho é indicado como uma prática de linguagem que possibilita a
transformação de uma narrativa em teorização viva de um campo. Ou seja, um
relato que potencializa a ressignificação e a transmutação de uma posição
estabelecida pelo traumático (Seligmann-Silva, 2008).
É valido pontuar que o testemunho não é um termo psicanalítico, mas que tem
suas origens na literatura, inaugurada nos estudos dedicados ao Primo Levi
(Ginzburg, 2008). Em seus relatos, Primo Levi une a perplexidade do que foi
vivenciado à necessidade de sua expressão, o que é enfatizado por Seligmann-
Silva (2006) ao defender o testemunho como condição elementar para a
sobrevivência daqueles que vivenciam alguma situação radical de violência. Para o
autor, é a narrativa que permite o estabelecimento de um elo com os outros ou o
início do seu trabalho de religamento ao mundo.
Após dar o testemunho referente a falta de seu pai, a participante afirmou ser
religiosa. Por conta disto, acredita que Deus supre essa falta do pai na Terra e que
a mãe também faz esse papel. Na sequência, outro participante toma a palavra e
diz que perdeu seu pai na adolescência. Tem muitas lembranças boas dele, assim
como seus primos e amigos. Define o pai como uma pessoa muito brincalhona e
querida por todos.
“Hoje sou pai e tento ser para o meu filho o que meu pai foi para
mim. Ele é a minha referência do que desejo ser”.
“Eles me dão amor, carinho e cuidado. Nem sinto falta dos meus
pais de verdade”.
analista a legitimação dos afetos que passam a ser expressos através das palavras.
Assim, o interesse do analista diante do ato testemunhal reside no conteúdo
latente que emerge durante a narrativa que expõe acontecimentos históricos,
econômicos e políticos. Em outras palavras, o analista deve estar atento à
singularidade que se manifesta enquanto o sujeito torna pública a sua experiência.
Dessa forma, cabe ao analista não ouvir simplesmente uma sequência de
acontecimentos, mas ser capaz de escutar o que há por detrás do seu discurso e
qual o efeito do seu relato (Wikinski, 2019; Broide & Broide, 2016).
A visão apresentada dialoga com o defendido por Rosa (2002, 2012), quando
afirma que o analista, perante o testemunho e o resgate da memória, é convocado
a suportar a narrativa e fazer a função de propulsor de ressignificações. Isto é, por
meio da escuta ofertada na presença do analista se torna possível a ultrapassagem
de obstáculos que culminam com o resgate da experiência e o compartilhamento
dessa com o outro. Dessa forma, o analista possibilita a ressignificação do
traumático e a sua escuta se configura como instrumento de cuidado e de
transformação social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que a psicanálise tem muito a contribuir para a prática nas políticas
públicas e também na busca de novas formas de atendimento, especialmente no
âmbito do coletivo. Se entendemos que a condição precária vivida por
determinados grupos não é natural, mas sim fabricada e ainda que essa experiência
gera graves desdobramentos nas estruturas sociais, fazer oposição à sua
manutenção também se torna viável. Isto é, se existiu mecanismos para a sua
criação e há meios para a sua perduração, a sua desconstrução também é possível.
A natural emergência dos testemunhos demonstra que, por mais que se tente
naturalizar, ou banalizar o sofrimento, o desejo e a busca por reconhecimento
operam quando construído um espaço seguro e acolhido, tornando a escuta do
psicanalista um potente instrumento de cuidado e de garantia do laço social.
Portanto, dar espaço para que o sujeito possa falar em nome próprio, sustentar a
escuta durante a narrativa da dor, legimitar o seu sofrimento e estar disposto a
transmitir o outro lado da história, são atribuições do analista na função de
testemunhar. É nesse exercício que está ancorada a estratégia para a
ressignificação do que foi vivido como traumático e para a reinvenção de finais.
REFERÊNCIAS
CONFLITOS DE INTERESSES
FINANCIAMENTO
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
SOBRE OS AUTORES
Maria Manuela Dias Ramos de Macedo é psicóloga pela Universidade Veiga de Almeida, mestranda
em Educação pela Universidade Federal Fluminense e Membro Associado em Formação do Círculo
Psicanalítico do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
https://orcid.org/0000-0003-0476-5951