A Identidade Civilizacional Europeia 1-2
A Identidade Civilizacional Europeia 1-2
A Identidade Civilizacional Europeia 1-2
Apesar dos esforços da Igreja, especialmente intensos desde os finais do Império Romano, no
sentido do estabelecimento da unidade dos cristãos em torno de uma monarquia cristã universal, a
verdade é que, nos finais da Época Medieval, essas tentativas caminhavam rapidamente para o
fracasso perante a emergência de uma multiplicidade de poderes políticos e religiosos.
A guerra constituiu outro factor de impacto no aprofundamento da crise. E não pelo número de
mortes que directamente ela provocava, uma vez que as técnicas militares eram relativamente
rudimentares. Mas, sobretudo, devido às pesadas implicações que ela tinha para o povo: aumento
de impostos, abandono forçado dos campos para combater, confiscação de bens para alimentar
prioritariamente o exército, destruição de colheitas pelos inimigos. Ao longo do século XIV, um
conflito envolveu boa parte da Europa: a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra, para a
qual Portugal se viu arrastado devido à política de alianças, tendo ocorrido três guerras (Guerras
Fernandinas) contra Castela, tremendamente desastrosas.
A instabilidade política e social motivou as populações a abandonarem os campos, procurando as
cidades mais protegidas pelas suas muralhas. Em consequência, verificou-se uma crescente escassez
de mão-de-obra para os trabalhos agrícolas, fazendo diminuir a produção e obrigando à reconversão
das terras em pastagens. Os que ficaram exigiram melhores salários. No seu conjunto, estes factores
agravaram a situação dos senhores, afectados pela diminuição das rendas, pela quebra da produção
e pelo aumento dos salários dos camponeses.
Daí que os senhores e os reis tentassem resolver a situação através da publicação de leis sobre o
trabalho. Portugal constitui um exemplo. Em 1349, D. Afonso IV, perante as queixas dos
proprietários segundo as quais os camponeses se recusavam a trabalhar no campo ou quando o
faziam exigiam elevados salários, obrigou ao trabalho agrícola todos os que antes da Peste Negra a
ele estavam afectos e permitiu às autoridades municipais a fixação dos salários. Não tendo a
situação sido resolvida, anos mais tarde, D. Fernando publicou a Lei das Sesmarias pela qual
procurava obrigar possuidores de terras a cultivarem-nas, os antigos trabalhadores rurais a voltarem
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ao campo, fixava os salários a pagar e proibia a criação de gado, com excepção dos animais
necessários ao cultivo das terras.
A crise fez-se igualmente sentir na actividade industrial. Nos meados do século XIV, a crise de mão
de-obra permitiu aos artesãos reivindicarem aumentos salariais, no que foram contrariados pelas
autoridades públicas, que, tal como no campo, procuraram fixar os salários, tarefa em que foram
ajudados pela pressão resultante da chegada de populações camponesas. Por outro lado, os preços
dos produtos da indústria, apesar da significativa contracção dos negócios, não registaram o mesmo
comportamento dos produtos agrícolas, pelo que a crise neste sector foi relativamente menos grave.
A situação descrita teve influência sobre o comportamento dos preços, da moeda e da actividade
comercial. Os preços, especialmente os dos cereais, passado o curto período a seguir à má colheita,
tenderam a descer devido à forte diminuição da população. Os salários, em contrapartida,
registaram uma subida em virtude da rarefacção da mão-de-obra, o que contribuiu para uma ligeira
melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Face à escassez de moeda, necessária para pagar salários elevados ou reunir recursos para pagar
despesas de guerra, os reis procederam a desvalorizações monetárias. Com elas, procuravam
aumentar a moeda em circulação, reduzir o peso das dívidas ou pagar salários. Daí que os mais
afectados fossem os trabalhadores, que viam, de facto, os seus salários reais diminuírem; os ban
queiros que assistiam à baixa dos seus créditos e os titulares de rendimentos fixos, que a inflação
rapidamente desactualizava.
A actividade comercial foi a menos afectada pela crise, muito embora alguns efeitos ainda se tenham
feito sentir. Particularmente importante foi o declínio das feiras da Champanha, afectadas pela
insegurança resultante da Guerra dos Cem Anos e pelo agravamento dos impostos sobre as
mercadorias.
Apesar de inicialmente muito atingidas pela crise, a vida das cidades rapidamente recuperou o seu
dinamismo. O crescimento urbano retomou-se, fruto da afluência de populações camponesas. As
actividades reactivaram-se ou reconverteram-se. As cidades flamengas, privadas das lãs inglesas, em
consequência da Guerra dos Cem Anos, encontraram a alternativa em Espanha (com o carneiro
merino) e aperfeiçoaram a produção. As cidades italianas, além de controlarem o comércio oriental
de produtos de luxo, desenvolveram ainda as indústrias de tecidos de seda e algodão. As cidades do
Sul da Alemanha, beneficiaram com a crise das feiras da Champanha, constituindo-se em elemento
de ligação entre o Norte da Itália e as cidades do Norte da Europa. Aqui, as cidades da Hansa
conheceram o seu apogeu, controlando o comércio no Báltico. Entretanto, na Península Ibérica, a
par do florescimento da indústria de lanifícios, Portugal e Castela ensaiavam as primeiras tentativas
de expansão marítima.
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