Apego e Parentalidade Sob o Enfoque Transcultural

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Apego e parentalidade sob o enfoque transcultural: uma

revisão da literatura

Attachment behavioral and parenting definitions, based on a


cross-cultural approach: a review of the literature

Apego y parentalidad desde el enfoque transcultural: una


ISSN 0124-0137
revisión de la literatura
EISSN 2027-212X

Ana Paula Sesti Becker - Mauro Luis Vieira - Maria Aparecida Crepaldi
ARTÍCULO DE Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil
REVISIÓN
Copyright © 2019
by Psicogente
Resumo
Objetivo: Analisar sistematicamente a produção científica acerca do apego e a parentalidade sob o enfoque
transcultural.
Correspondencia de
autores: Método: Realizou-se o levantamento de produções indexadas, a partir de buscas em bases de dados
[email protected] nacionais –Scielo Brasil– e CAPES –Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior–; e
[email protected] internacionais –PsycINFO–, mediante os seguintes descritores: Apego OR Bowlby AND parentalidade OR
[email protected] “relação parental”; Attachment OR Bowlby AND Parenting OR Parenthood; e por fim, Apego OR Bowlby
AND Parentalidad OR “Relaciones parentales”. Foram considerados os estudos nos idiomas português,
inglês e espanhol, entre o período de 2013 a outubro de 2017. Após a definição dos critérios de inclusão,
os cinco artigos retidos foram analisados com base nos aspectos metodológicos (dados da amostra, tipo de
Recibido: 04-04-18 abordagem, tipo de estudo e técnica de coleta de dados), e posteriormente, foram submetidos a análise
Aceptado: 08-04-19 semântica, da qual derivou-se duas categorias temáticas: 1) Fatores que influenciam a formação do apego
Publicado: 01-07-19 e a parentalidade e 2) Apego e relações parentais.
Resultados: Apontaram-se lacunas existentes no que se refere à produção científica especificamente ao
tema elencado; tendo em vista a diversidade de estudos que englobam os sistemas de apego e temas
transversais, como apego e desenvolvimento infantil, apego e psicopatologia, apego e maternidade, entre
outros. Além disso, não foram encontrados estudos nacionais sobre a temática, assim como pesquisas
transculturais a respeito. Em relação ao delineamento dos estudos encontrados, todos caracterizam-se
pelo enfoque quantitativo e estudos longitudinais do tipo prospectivos - follow-up. As técnicas de coleta de
dados que mais se sobressaíram foram a Entrevista de Apego Adulto (AAI), seguida da Situação Estranha
em pesquisas com amostras infantis.
Conclusão: Destaca-se que a Teoria do Apego necessita estar aberta para a revisão e a consideração das
dimensões relacionadas à cultura. Isso implica ajustá-la à diferentes contextos culturais, históricos e sociais.
Sugere-se, portanto, o incremento de novos estudos que contemplem a formação do apego, os quais
venham disseminar intervenções parentais positivas para o ciclo de vida pessoal e familiar dos sujeitos.

Palavras-chave: apego, parentalidade, psicologia transcultural.

Abstract
Objective: This paper aims to analyze systematically the scientific production related to attachment behav-
ioral and parenting based on a cross-cultural approach.
Method: A survey of indexed productions based on national databases such as: Scielo Brasil and CAPES
–Coordination of Improvement of Higher Level Personnel–; and international –PsycINFO–, using the
following descriptors: Apego OR Bowlby AND parenting OR “parental relationship”; Attachment OR Bowlby
AND Parenting OR Parenthood; and finally, Apego OR Bowlby AND Parentality OR “Parental relationships”

Cómo citar este artículo (APA):


Sesti Becker, A. P., Vieira, M. L,. & Aparecida Crepaldi, M. (2019). Apego e parentalidade sob o enfoque transcultural: uma revisão da literatura. Psicogente
22(42), 1-25. https://doi.org/10.17081/psico.22.42.3507

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Ana Paula Sesti Becker - Mauro Luis Vieira - Maria Aparecida Crepaldi

was performed. Studies translated into Portuguese, English and Spanish between 2013 and October 2017
were considered. After defining the inclusion criteria, the five retained articles were analyzed based on the
methodological aspects (sample data, type of approach, type of study and data collection technique), and
afterwards, they were submitted to semantic analysis, from which we derived two thematic categories:
1) Factors that influence the formation of attachment and parenting, and 2) Attachment and parental
relationships.
Results: Gaps corresponding to the scientific production according to the topics suggested were identified;
identifying the diversity of studies related to attachment behavioral systems and cross-cutting themes,
such as: child attachment behavioral and development, attachment behavioral and psychopathology,
attachment behavioral and motherhood, among others, were taken into account. In addition, there is
no national studies based on these topics, as well as cross-cultural surveys. A quantitative approach and
prospective longitudinal studies (follow-up) were conducted in these studies. In order to collect the data,
Adult Attachment Interview (AAI) followed by The Strange Situation Survey used with children sampled,
were highlighted.
Conclusion: It should be noted that the Theory of Attachment needs to be open to the review and consid-
eration of dimensions related to culture. This implies adjusting it to different cultural, historical and
social contexts. It is suggested, therefore, the increase of new studies that contemplate the formation of
attachment, which will disseminate positive parental interventions for the individuals’ personal and family
life cycle.

Keywords: attachment, parenting, cross-cultural, phychology

Resumen
Objetivo: Analizar sistemáticamente la producción científica acerca del apego y la parentalidad bajo el
enfoque transcultural.
Método: Se realizó el levantamiento de producciones indexadas a partir de búsquedas en bases de datos
nacionales –Scielo Brasil– y CAPES –Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior–; e
internacionales –PsycINFO–, mediante los siguientes descriptores: Apego OR Bowlby AND parentalidad OR
“relación parental”. Y por último, Apego OR Bowlby AND Parentalidad OR “Relaciones parentales”. Se consi-
deraron los estudios en portugués, inglés y español, entre el período de 2013 a octubre de 2017. Después
de la definición de los criterios de inclusión, los cinco artículos retenidos se analizaron sobre la base de los
aspectos metodológicos (datos de la muestra, tipo de enfoque, tipo de estudio y técnica de recolección
de datos), y posteriormente se sometieron al análisis semántico; se derivaron dos categorías temáticas:
1) Factores que influencian la formación del apego y la parentalidad, y 2) Apego y relaciones parentales.
Resultados: Se señalaron las lagunas existentes en lo que se refiere a la producción científica específica-
mente al tema enumerado, identificando la diversidad de estudios que engloban los sistemas de apego y
temas transversales, como apego y desarrollo infantil, apego y psicopatología, apego y maternidad, entre
otros. Además, no se encontraron estudios nacionales sobre la temática, así como investigaciones transcul-
turales al respecto. En relación al delineamiento de los estudios encontrados, todos se caracterizan por el
enfoque cuantitativo y estudios longitudinales del tipo prospectivo follow-up. Las técnicas de recolección
de datos que más sobresalieron fueron la Entrevista de Apego Adulto (AAI), seguida de la Situación Extraña
en investigaciones con muestras infantiles.
Conclusión: Se destaca que la Teoría del Apego necesita estar abierta para la revisión y la consideración de
las dimensiones relacionadas a la cultura. Esto implica ajustarla a diferentes contextos culturales, históricos
y sociales. Se sugiere, por lo tanto, el incremento de nuevos estudios que contemplen la formación del
apego, los cuales vengan a diseminar intervenciones parentales positivas para el ciclo de vida personal y
familiar de los sujetos.

Palabras clave: apego, parentalidad, psicología transcultural.

1. INTRODUÇÃO
Desde o início das postulações da Teoria do Apego, diversas investigações
têm sido levantadas dentro das temáticas que norteiam a Psicologia do
Desenvolvimento (Pontes, Silva, Garotti & Magalhães, 2007), além de conso-
lidar-se como uma teoria clássica que traz importantes contribuições sobre a

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vinculação e afetividade humana (Melchiori & Dessen, 2008; Pereira, Ferreira,


& Paredes, 2012). Destaca-se a ênfase atribuída aos aspectos teóricos do
apego, os quais suscitam diferentes perspectivas de bases biológicas e cultu-
ralistas, como também confere um aporte para o manejo clínico, educacional
e diversos programas de intervenção (Bowlby, 1988; Byng-Hall, 1995; Pontes
et al., 2007; Bolsoni-Silva, Rodrigues, Abramides & Souza, 2007; Cia, Pamplin
& Williams, 2008; Murta, Rodrigues, Rosa & Paulo, 2011).

Embora a Teoria do Apego ainda seja recente, torna-se necessário delimitar


os pontos fundamentais que legitimam sua origem e, posteriormente, as
investigações contemporâneas que trazem novos olhares e questionamentos
à teoria. Como aspectos fundamentais, pode-se dizer que o conceito de
sensibilidade materna para o desenvolvimento dos padrões de apego e a
transgeracionalidade da díade mãe-bebê, ainda permanece central nessa
vertente teórica (Melchiori, & Dessen, 2008).

Todavia, com o avanço do conhecimento na área e com base nas mudanças


socioculturais, especialmente a partir da década de 1980, derivaram-se
temáticas contemporâneas embasadas pela teoria sob diferentes enfoques,
tais como: apego na adolescência e fase adulta (Johnson & Whifen, 2012);
apego e envolvimento paterno (Scola & Vauclair, 2010; Newland & Coyl,
2010; Backes, 2018); apego e vínculos conjugais (Cowan & Cowan, 2016;
Juric, 2009; Hazan & Shaver, 1994); apego e luto (Parkes, 2009; Hauser,
2007); apego e a relação professor-aluno (Reio Jr., Marcus & Sanders-Reio,
2009), entre outros.

De forma breve, oportuniza-se resgatar alguns eixos centrais que norteiam a


epistemologia referida e, posteriormente, tecer algumas reflexões quanto ao
apego e parentalidade sob a perspectiva transcultural, seguido da discussão
de uma revisão de literatura sistemática com base na temática.

1.1. Teoria do Apego e a parentalidade


John Bowlby (1907-1991), médico Psiquiatra e Psicanalista britânico, foi o
precursor da Teoria do Apego, em meados da segunda metade do século
XX. A premissa fundamental que sustenta sua teoria, baseia-se na concepção
de que os seres humanos apresentam uma inclinação natural primária para
construir vínculos afetivos. Isso pode ser explicado pela condição de extrema
vulnerabilidade fisiológica que os bebês apresentam quando vêm ao mundo,
de modo que dependam de alguém que lhes garantam os cuidados básicos
para a sua sobrevivência. Segundo Bowlby (1988), o apego é um tipo de
vínculo afetivo biologicamente inato entre os seres humanos que visa à

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busca pela proximidade com outro indivíduo – figura ou objeto de apego,


identificado como alguém disponível que oferece respostas e proporciona
um sentimento de segurança, sendo considerado como mais preparado para
lidar com o mundo.

Logo, o pressuposto básico da teoria é norteado pela qualidade da interação


entre a criança e o cuidador primário. Nos anos iniciais de vida, a recipro-
cidade dos pais para atender às necessidades do filho deve favorecer o
desenvolvimento de um senso de segurança, uma condição de bem-estar
e confiança que servirá como base para a exploração do ambiente e do
conhecimento, assim como do rendimento acadêmico (Gomes & Bosa, 2010;
Schmidt & Argimon, 2009; Meza, Salazar & Berrío, 2018). Arcón e Sánchez
(2018) complementam que uma dinâmica relacional positiva entre pais e
filhos caracteriza um dos fatores de proteção importantes para o desenvolvi-
mento psicoafetivo das crianças.

Portanto, é nessa fase que se desenvolve o que Bowlby denominou como


“modelo funcional do eu” ou mais recentemente por “representações
mentais” e “script de apego”, termos atualizados por alguns pesquisadores
contemporâneos (Crowell & Treboux, 2001; Waters & Waters, 2006; Byng-Hall,
1995), por contemplar as representações internas da pessoa a respeito do
mundo, as quais permitem incluir expectativas, crenças e imagens mentais
sobre diversos aspectos da vida.

À medida que tais representações são desenvolvidas na criança, esta ao se


tornar adulta, estabelecerá novas relações tendo por base o modelo formado
em suas primeiras vinculações afetivas; deste modo, as diversas funções da
vida adulta desempenhadas na vida conjugal, profissional e parental, serão
influenciadas pelo apego estabelecido com a família de origem (Nascimento,
& Coelho, 2006; Bolze, 2016; Backes, 2018; Carter & McGoldrick, 1995;
McGoldrick & Ashton, 2016).

No estudo realizado por Murta e cols (2011), o qual descreve uma avaliação
de necessidades para o desenvolvimento de um programa de transição para
a parentalidade, verificou-se a importância de investigar a experiência de
apego do casal com seus progenitores em relação aos cuidados com seus
filhos recém-nascidos. Como resultado foi apontado que os membros do casal
que vivenciaram práticas parentais coercitivas na infância e apego inseguro
podem apresentar maiores fatores de risco para a relação pais-bebê. Frente
a isso, foram discutidas possíveis temáticas para comporem a elaboração de
programas preventivos, entre elas, a relação entre o apego com a família de
origem e a parentalidade, a qual pode ser definida como transição respon-

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sável por transformar o casal em pais, provocando mudanças mais profundas


nas relações conjugais e na família extensa (Macarini, Crepaldi & Vieira, 2016).

Sob este panorama, torna-se oportuno considerar os padrões relacionais de


apego vivenciados na infância e os reflexos deste processo para a vida adulta,
especialmente em como ele ocorre na vivência da parentalidade. Observa-se,
no entanto, que a transmissão de tais padrões de apego não pode ser adotada
como uma perspectiva linear, determinista e rígida, sem uma possibilidade
de mudança e flexibilidade. O que os estudos contemporâneos indicam é
que existe uma relação entre tais fatores, o que não significa classificar como
uma relação de causa e efeito (Falcke, Wagner, & Mosmann, 2008; Cowan &
Cowan, 2016; Semensato & Bosa, 2013).

1.2. Apego e o enfoque transcultural


Até aqui pretendeu-se contextualizar de qual lugar epistemológico os autores
partiram para situar a problemática do fenômeno; na sequência, os questio-
namentos que se fazem serão colocados no sentido de ampliar a discussão
e implicação teórica ao considerar a função da cultura e a perspectiva
transcultural no desenvolvimento da teoria do apego e sua interface com a
parentalidade.

Ao se pensar sobre a cultura e as derivações de sua função, Nathan (1986) a


define como um reservatório de significados aos quais o ser humano busca
para dar sentido as suas experiências. Dessa forma, a cultura pode operar
como um “envelope”, propiciando segurança ao delimitar as referências de
valores, códigos e crenças em que o sujeito se constituiu e está inserido; além
de assumir um papel fundamental na estruturação, manutenção e transfor-
mações de sua identidade (Moro & Lachad, 2008; Martins-Borges & Pocreau,
2009).

Em vista disto, ressalta-se que o desafio da produção científica ao gerar novos


pressupostos e teorias, esteja pautado no reconhecimento da alteridade
entre os grupos sociais, acrescido do marco histórico e dos elementos da
cultura que o permeiam. Assim, através da adoção de duas estratégias de
investigação – a êmica e a ética, é que estão ancoradas as proposições da
Psicologia transcultural (Dantas, 2012; Ueno, 2008; Ferreira, Assmar &
Souto, 2002). Na abordagem êmica procura-se analisar e compreender os
comportamentos intrínsecos a contextos culturais específicos; enquanto que
na vertente ética, privilegia-se a busca pela universalidade do fenômeno, e
dessa forma, as teorias derivadas em um determinado contexto cultural são
testadas em outros contextos (Dantas, 2012; Paiva, 2004; Berry, 1989).

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Pautada nesses princípios, a Psicologia transcultural lança um olhar que


permite desenvolver teorias e métodos em determinados contextos culturais
e transpõe para outros, tendo o cuidado de adaptá-los às idiossincrasias de
cada grupo cultural (Ferreira, et al., 2002). Os estudos transculturais, então,
surgiram a fim de generalizar a outras culturas os achados psicológicos
oriundos de pesquisas realizadas na cultura norte-americana, através de
estudos comparativos entre diferentes países e grupos culturais. Todavia, ao
buscarem encontrar fenômenos universais, depararam-se com as diferenças
intrínsecas ao contexto cultural específico; que para tanto, sua finalidade
passou a constituir-se também, a compreensão do modo pelo qual as
diferenças potenciais entre culturas interferem na conduta humana (Berry,
Poortinga, Segall & Dasen, 1992; Ferreira, et al., 2002).

Diante de tais fundamentos, são lançadas as seguintes indagações: a Teoria


do apego pode ser utilizada em diferentes contextos culturais? Os padrões
relacionais de apego, sobretudo no subsistema parental, são generalizáveis
a diferentes culturas? Ou ainda, a sensibilidade materna da teoria do apego
está centrada em um modelo de cuidado universal?

Respostas a tais questionamentos, não se constituem uma simples tarefa de


se executar, tendo em vista correntes teóricas consolidadas que se posicionam
com diferentes argumentos acerca da teoria do apego e da perspectiva trans-
cultural. O intento nesse ínterim, não é de apontar conclusões ou soluções
pontuais; pelo contrário, mas o de incitar provocações teóricas que possam
amplificar os constructos que já foram apresentados.

Ribas e Moura (2004) ao propor um ensaio teórico em apontar embates


entre apego e cultura, destacaram pontos reflexivos que podem revisitar os
fundamentos clássicos, pelos quais a teoria se constituiu e indicar diferentes
olhares que permitem discutir o fenômeno. Nesse sentido, alguns autores
(Van Ijzendoorn & Sagi, 2004; Posada et al., 2002; Bretherton, 1992) ressaltam
que as pesquisas realizadas por Ainsworth em Uganda, poderiam validar a
universalidade da teoria do apego em termos transculturais, ao propor os
diferentes estilos de apego entre participantes de culturas diversas. Todavia,
tal argumento é bastante criticado por demais pesquisadores (Rothbaum
Weisz, Pott, Miyake & Morelli, 2000; Agishtein & Brumbaugh, 2013) que
afirmam sobre a aplicabilidade da teoria, sendo mais presente em populações
ocidentais, especialmente em camadas de classe média e branca. Acerca
disto, Fracasso, Lamb, Scholmerich e Leyendecker (1997) advertem quanto
ao cuidado em legitimar os padrões de apego a um viés etnocêntrico incor-

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porando as tendências “universais ou normativas” quando replicadas em


outros contextos culturais que não sejam ocidentais.

As críticas mais veiculadas à teoria do apego em diferentes culturas estão


pautadas na divergência étnica entre os comportamentos de apego, tais como
a noção da base segura, competência social e sensibilidade materna (Ribas,
& Moura, 2004). Isto, porque, há diferentes sistemas de cuidado implicados
nas relações afetivas, especialmente nas práticas parentais (Agishtein &
Brumbaugh, 2013; McGoldrick & Ashton, 2016; Carter & McGoldrick, 1995).

Como exemplo, estudos de Rothbaum et al. (2000) indicam que o cuidado


sensitivo e responsivo proposto por Ainsworth (1989) reflete o valor da
autonomia da criança, esperado para o seu desenvolvimento na cultura
ocidental. Ou seja, espera-se que o adulto aceite o bebê como uma pessoa
autônoma e evite impor as suas vontades, a fim de promover o senso de
autoeficácia na criança (Ribas, & Moura, 2004). Em contraposição, a parenta-
lidade na cultura japonesa pode ser manifesta pelo exercício da disciplina e o
quanto a criança responde de forma obediente, seguindo as recomendações
dadas pela família, com vistas à manutenção das heranças familiares e o
respeito às hierarquias presentes (Kikuchi, 2012; Carter & McGoldrick, 1995).
Outro aspecto comum é a noção da competência social, que conforme a teoria
do apego deve-se levar em conta fatores como a exploração, autonomia,
manifestação espontânea do afeto e sociabilidade com as pessoas. Ao adotar
esse conceito na cultura japonesa, o apego seguro não levaria em conta a
sociabilidade com estranhos, uma vez que a sociabilidade não seria uma
expressão de competência social nesta cultura (Ribas & Moura, 2004).

Demais resultados empíricos (Posada et al., 2002) que avaliaram os cuidados


maternos e o apego seguro entre duas cidades de países diferentes: Denver
(Colorado/EUA) e Bogotá (Colômbia), apontaram que nas duas amostras
de díades mãe-bebê, o apego seguro obteve a maior prevalência quando
comparado ao tipo de apego inseguro (ansioso e evitativo). Entretanto, a
demonstração do apego seguro apresentou-se de forma distinta entre as duas
culturas: as mães colombianas expressaram maior interação com os filhos
através de brincadeiras e concentraram-se em organizar um ambiente estimu-
lante para seus bebês; enquanto que para as mães americanas, emergiu maior
interação face a face e toque físico em seus bebês. Tais achados surpreenderam
os pesquisadores, tendo em vista a concepção de que a cultura latina é descrita
como sendo mais sociocêntrica, afetuosa e interdependente (Quezado, Costa,
Peñaloza, Matos & Ferraz, 2015; Leyendecker & Lamb, 1999). Todavia, os
autores salientam a importância de replicar tais dados em amostras maiores,

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além de considerarem que as normas de educação infantil que afetam o apego


estão sob a influência da cultura.

Diante do exposto, divergentes perspectivas são discutidas acerca da impli-


cação da teoria do apego em contextos culturais distintos, para tanto, pode-se
pensar em um amadurecimento teórico capaz de integrar as dimensões
psicossociais ao estabelecer padrões de apego universais que contemple
adequadamente as manifestações específicas de cada cultura; o que possi-
bilita argumentar que a presença do apego seguro, por exemplo, não significa
que as crianças necessitem se comportar da mesma maneira em todas as
culturas (Chao, 2001; Agishtein & Brumbaugh, 2013; Ribas & Moura, 2004).
Com base em tais reflexões, apresenta-se como objetivo deste artigo, analisar
criticamente o perfil de estudos nacionais e internacionais acerca do apego e
a parentalidade sob o enfoque transcultural.

2. MÉTODO
2.1. Delineamento
Realizou-se a revisão de literatura do tipo sistemática para investigação biblio-
gráfica. Conforme Sampaio e Mancini (2007) esse tipo de investigação visa
promover uma estratégia de intervenção específica, mediante a aplicação
de métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese
da informação selecionada. Ou seja, prima-se por uma técnica robusta e
detalhada de avaliação que possa resumir e salientar os principais pontos
da literatura investigada, por meio de critérios definidos anteriormente.
As revisões sistemáticas são particularmente úteis para integrar as infor-
mações de um conjunto de estudos realizados separadamente sobre deter-
minada intervenção, as quais podem apresentar resultados conflitantes e/ou
coincidentes, bem como identificar temáticas que necessitam de evidência,
auxiliando na orientação para investigações futuras.

2.2. Procedimentos
A revisão de literatura compreendeu as seguintes fases de elaboração: 1)
Definição dos descritores e bases de dados para a revisão sistemática; 2)
levantamento da produção científica em bancos de dados por meio de descri-
tores preestabelecidos; 3) leitura dos títulos e dos resumos vinculados aos
objetivos do estudo; 4) seleção dos artigos focados na temática, na íntegra; e,
por fim, 5) categorização metodológica e de conteúdo das produções.

O levantamento de dados delineou-se nas seguintes bases de dados


nacionais: Scielo e CAPES-Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

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Nível Superior a base de dados internacional consultada foi a PsycINFO, de


acesso restrito. Salienta-se que o acesso a base de dados Scielo ocorreu pela
Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia Brasil (BVS-Psi); enquanto que a
consulta à PsycINFO se deu pelo Portal de Periódicos CAPES/MEC.

Para a definição dos descritores optou-se pela busca na seção de terminologia


em Psicologia da BVS-Psi (DeCs); enquanto que em estudos internacionais,
verificou-se as palavras-chave utilizadas. Para tanto, foram considerados os
estudos nos idiomas português, inglês e espanhol, entre o período de 2013
a outubro de 2017. Delimitou-se esse intervalo de tempo por contemplar
o estado da arte mais recente sobre o fenômeno do apego e da parenta-
lidade; além disso, as bases selecionadas constituem-se fontes significativas
de coleta de dados em âmbito nacional e internacional, tendo em vista que a
PsycINFO é sediada pela American Psychological Association (APA) e caracte-
riza-se por ser uma ampla base de dados em Psicologia, Educação, Psiquiatria
e Ciências Sociais, vastamente utilizada em todo o mundo.

Os critérios de inclusão adotados foram: artigos empíricos entre o período


de data estabelecido, com base na temática e idioma apontados; sendo
excluídos os tipos de estudo em formato de capítulo de livro, livro, teses e
dissertações, estudos de revisão e meta-análises. Para tal, foram escolhidos
artigos indexados, os quais são submetidos a produções que passam por
processo de avaliação por pares, sob controle de qualidade rigoroso. Após
tais delineamentos e, com base nos descritores preestabelecidos, a combi-
nação de estratégias de busca foram as seguintes: Apego OR Bowlby AND
parentalidade OR “relação parental”; Attachment OR Bowlby AND Parenting
OR Parenthood; e por fim, Apego OR Bowlby AND Parentalidad OR “relaciones
parentales”.

2.3. Análise de Dados


Após a definição dos descritores e levantamento nas bases de dados,
emergiram um total de 109 artigos, os quais foram exportados para o software
organizador de referências Mendeley. Posteriormente, foram excluídos
estudos duplicados e que não apresentaram o texto na íntegra, restando
o total de 95 trabalhos. Destes, apenas cinco estudos foram retidos; tendo
em vista que a finalidade se pautou em investigar a influência da formação
do apego do subsistema parental (pai e mãe) estabelecida com a família de
origem e a parentalidade atual que vivencia com os filhos. Desse modo, foram
excluídos estudos sobre o tipo de apego infantil e práticas parentais, apego e
psicopatologia, artigos teóricos e de revisão, ensaios clínicos e estudos psico-
métricos sobre instrumentos que avaliem o apego.

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Na sequência, foram analisados, com base em critérios metodológicos e


temáticos, os cinco artigos que estavam diretamente relacionados ao objetivo
da revisão sistemática; os quais foram examinados na íntegra.

2.4. Conflitos de interesse


Os autores não apresentam nenhum tipo de conflitos de interesse acerca da
produção realizada.

3. RESULTADOS
Os cinco artigos analisados nesta revisão sistemática apresentam caráter
internacional, todos escritos na língua inglesa (ver Tabela 1). São estudos
que, em sua maioria, foram desenvolvidos na América do Norte, mais especi-
ficamente no Canadá e nos Estados Unidos; emergindo ainda, parcerias entre
pesquisadores do Vietnã e da Inglaterra (Rempel, Kuch, Rempel & Vui, 2017;
Ensink, Normandin, Plamondon, Berthelot & Fonagy, 2016).

Durante o processo de refinamento das buscas realizadas, convém esclarecer


que emergiram estudos nacionais concernentes à Teoria do apego, todavia,
não foram integrados no corpus da análise, por não se constituírem o foco
central de investigação. Salienta-se, portanto, que nenhum estudo nacional,
entre o período e as bases estabelecidas, foi encontrado contemplando a
temática sobre a formação do apego dos pais na infância e seu reflexo sobre
a parentalidade.

Tabela 1.
Nome dos autores/ano, periódico, instituição e país de artigos publicados acerca do
apego e parentalidade

AUTORES/ANO PERIÓDICO INSTITUIÇÃO PAÍS


Brock University
1. Rempel, Kuch, Rempel, St. Jerome’s University
Developmental Psychology Canadá e Vietnã
& Vui (2017) Hanoi National University of Education
Hanoi School of Public Health
2. Bailey, Redden, Peder- Canadian Journal of Behavioural University of Guelph
Canadá
son, & Moran (2016) Science Western University
3. Ensink, Normandin, Université Laval
Canadian Journal of Behavioural Canadá e
Plamondon, Fonagy & Université du Québec à Trois-Rivières
Science Inglaterra
Berthelot (2016) University College London
Université Laval
4. Madigan, Plamondon, University of Calgary
Canadian Journal of Behavioural
Vaillancourt, McKibbon, University of Toronto Canadá
Science
& Benoit (2016) Hospital for Sick Children
King’s College London
5. Szepsenwol, Simpson,
Journal of Personality and Social University of Minnesota
Griskevicius, & Raby EUA
Psychology University of Delaware
(2015)

10 Psicogente, 22(42); 1-25. Julio-Diciembre, 2019. https://doi.org/10.17081/psico.22.42.3507


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Quanto ao periódico que mais publicou sobre o tema, evidenciou-se o Canadian


Journal of Behavioural Science, com três publicações acerca dos padrões trans-
geracionais do apego e a influência sobre a parentalidade/ transição para a
parentalidade (Bailey, et al., 2016; Ensink et al., 2016; Madigan, et al., 2016).

No que se refere à origem dos estudos realizados, aponta-se que o Canadá


obteve maior evidência que os demais citados, como os Estados Unidos,
Inglaterra e Vietnã. Todavia, esse é um dado específico, tendo em vista o
recorte pontual que se buscou desmembrar dentro do universo existente da
Teoria do apego ao delimitar o apego e a parentalidade dos últimos cinco anos.

Na sequência, foram analisadas as características metodológicas dos artigos


obtidos (ver Tabela 2), no que se refere aos dados de amostra, delineamento,
tipo de estudo e técnica de coleta de dados, além de serem descritos os objetivos
adotados para cada pesquisa. Em relação ao delineamento dos estudos encon-
trados, todos caracterizam-se pelo enfoque quantitativo. Verificou-se que
dentre os cinco artigos retidos, três apresentaram como participantes mães
e bebês, os quais foram denominados como díades mãe-bebê (Bailey et al.,
2016; Ensink et al., 2016; Madigan et al., 2016). Nestes, a média de idade
materna ficou aproximadamente na faixa dos 30 anos, com exceção do estudo
de Madigan et al. (2016), por ter investigado mães adolescentes. No estudo
de Szepsenwol, et al. (2015) os autores enfatizaram a diferença entre modos
de cuidado parental entre mães e pais, compondo parte da amostra, 194 pais
(homens), além das mães que participaram do estudo. Semelhantemente,
na pesquisa de Rempel et al. (2017) foram investigados casais, cuja ênfase
pautou-se também, na perspectiva da mãe e do pai sobre a formação do apego
e a implicação sobre a parentalidade.

Quanto à temporalidade dos estudos analisados, constaram somente pesquisas


longitudinais; as quais se derivaram em longitudinais do tipo prospectivos -
follow-up, que possibilitam acompanhar o fenômeno ao longo do tempo
(sentido futuro). As técnicas de coleta de dados mais referidas nos artigos
analisados, foram a Entrevista de Apego Adulto (AAI), seguida da Situação
Estranha em pesquisas com amostras infantis. A Entrevista de Apego Adulto
ou também denominada como Escala de Estilo de Relacionamento – EER), na
versão traduzida, foi criada por Collins e Read (1990), os quais se utilizaram de
três fatores para classificar o estilo de apego nos três tipos: seguro, inseguro
evitador e inseguro ansioso. Tais fatores são explicados pelos itens de proxi-
midade (grau de conforto com a proximidade e intimidade), confiança (grau de

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confiança e disponibilidade dos outros) e ansiedade (grau de ansiedade e medo


de ser abandonado ou de não ser amado). Já a Situação Estranha, proposta por
Ainsworth (1967) trata-se de um procedimento experimental que consiste em
situações de ausência entre a díade mãe-bebê (de 12 a 18 meses) e posterior
reencontro entre eles. Destaca-se que tal experimento objetivou comprovar a
universalidade do comportamento de apego infantil frente à sinais de perigo; o
que desencadeou diversos questionamentos, críticas e resultados importantes
para a evolução da Teoria do Apego (van Ijzendoorn & Sagi, 2004; Posada et al.,
2002; Bretherton, 1992).

Tabela 2.
Características metodológicas dos artigos analisados

AUTORES
OBJETIVOS AMOSTRA DELINEAMENTO TIPO DE ESTUDO TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
(ANO)
Escalas:
- Entrevista;
Examinar o impacto - Father–infant relationship attitudes
das relações positivas Scale;
1. Rempel, Kuch, da parentalidade sobre - Father-Infant
802 casais
Rempel & Vui o desenvolvimento Quantitativo Longitudinal Interaction Scale;
heterossexuais
(2017) infantil, considerando - Self-report postnatal paternal–infant
a formação do apego attachment
entre pais e filhos. Scale;
- Developmental Milestones Checklist
II
- Roteiro de observação:
66 díades
Verificar se as dificul- Maternal Behaviour Q-sor;
mãe-bebê,
2. Bailey, Redden, dades relacionais entre Strange
cujos filhos
Pederson & mãe e filho estariam Quantitativo Longitudinal Situation Procedure;
nasceram sem
Moran (2016) relacionadas ao tipo de Escalas:
complicações
apego inseguro. Maternal self-report measures;
médicas
The Depression Anxiety Stress Scales;
Codificação do roteiro de Entrevista:
Analisar como se
Reflective Functioning (RF) code of AAI
constrói o apego entre 88 díades
- Adult Attachment Interview;
3. Ensink, Nor- mães-bebês, após o (mãe-bebê),
Experimento
mandin, Plamon- décimo sexto mês de cujas mães
Quantitativo Longitudinal SS Procedure
don, Fonagy & nascimento da criança, foram vítimas
Infant attachment security and
Berthelot (2016) cujas progenitoras fo- de maltrato
organization;
ram vítimas de maltrato infantil.
Experimento
na infância.
The Sensitivity Scale
Codificação da entrevista de apego:
Verificar as relações
Adult Attachment Interview;
entre a classificação
4. Madigan, Questionário CTQ – subescala da
de perdas e trauma
Plamondon, Emotional Abuse, Physical Abuse,
não resolvidas durante 55 adolescen-
Vaillancourt, Mc- Quantitativo Longitudinal Sexual Abuse, Physical
a transição para a tes grávidas
Kibbon & Benoit Neglect, and Emotional Neglect;
parentalidade, em uma
(2016) Questionário A-DES – Self-report of
amostra de mães ado-
normal and pathological dissociative
lescentes de alto risco.
experiences in adolescents;

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Questionário positive parenting


Identificar como os
orientation;
efeitos de fatores
5. Szepsen- Escala:
ambientais podem 547 pais (194
wol, Simpson, Scale of parental supportive presence;
influenciar sobre a homens e 353 Quantitativo Longitudinal
Griskevicius & Codificação da entrevista de apego:
primeira infância e a mulheres)
Raby (2015) Adult Attachment Interview;
parentalidade na vida
Early-life unpredictability – subescala
adulta.
do inventário: Life Events Inventory

Com base nas análises metodológicas discutidas, definiram-se duas categorias


temáticas que contêm discussões gerais acerca dos objetivos (ver tabela 2)
apresentados nos cinco artigos, a saber: Fatores que influenciam a formação
do apego e a parentalidade e Apego e relações parentais. Tais categorias
serão exibidas e discutidas, a seguir.

3.1. Fatores que influenciam a formação do apego e a parentalidade


Entre os estudos analisados, três referiram-se à fatores de risco vivenciados
na infância com a família de origem e a repercussão de tais vivências para
a vida adulta, especialmente na transição para a parentalidade (Ensink et
al, 2016; Madigan et al., 2016; Szepsenwol, et al., 2015). Os três estudos
apontaram de modo unânime que a ausência ou restrito suporte materno
constituíram-se aspectos presentes na vida dos participantes, os quais por
meio de instrumentos que avaliaram o apego infantil retrospectivo, e com
destaque, à Entrevista de Apego adulto, apresentaram maiores dificuldades
no âmbito de relação parental ao se tornarem pais.

Na pesquisa de Ensink et al. (2016) as 88 díades mãe-bebê, cujas progenitoras


foram vítimas de maltrato na infância, apresentaram maiores associações de
comportamentos parentais negativos, tais como desinteresse e irritabilidade
com os filhos. Sobre isto, Berthelot, et al. (2015) discutem que mães que
sofreram traumas no passado podem estar mais propensas a desenvolver
o tipo de apego desorganizado com seus filhos; o que apareceu em uma
amostra em que todas as mães tiveram histórias de abuso e negligência no
estudo desses autores.

Por sua vez, o trabalho de Szepsenwol et al. (2015) trouxe a discussão sobre
diferentes fatores de risco implicados para a parentalidade, além da dimensão
afetiva nos relacionamentos. Apontou que o baixo nível socioeconômico e
uma rede social significativa frágil também se constituíram aspectos que
contribuíram para o menor envolvimento paterno, estabelecendo relações
com o estilo de apego inseguro e evitador com os filhos. Esta pesquisa
corrobora com as duas anteriores ao destacar que a privação materna na

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infância e relações de baixo suporte parental foram fatores expressivos para


o desenvolvimento pessoal e parental dos participantes.

Em termos gerais, aponta-se que a presente categoria de fatores que


influenciam a formação do apego, levando em consideração a transmissão
intergeracional e a vivência da parentalidade, discute aspectos semelhantes
em diferentes dados amostrais. Nesse sentido, os estudos apresentaram
amostras bem variadas no que tange à etnia e os dados sociodemográficos
de ocupação laboral, arranjo familiar e escolaridade. Foram pesquisados
pais e mães de ascendência africana, americana, portuguesa, hispânica,
canadense e asiática. Apenas o estudo de Ensink et al. (2016) contemplou
uma amostra total de caucasianos, uma vez que a maior parte da composição
étnica Canadense de onde foram coletados os dados, emerge da França.

3.2. Apego e relações parentais


Esta categoria temática contemplou dois artigos (Rempel et al., 2017; Bailey
et al., 2016) que apresentam relatos sobre a vivência da parentalidade, a
partir do tipo de apego estabelecido entre pais (pai/mãe) e filhos. Os resul-
tados apontaram diferentes modos de envolvimento e padrões relacionais
entre os progrenitores e seus filhos. Apontamentos sobre estilos de apego e
contextos que promovem a saúde foram apresentados, conforme se discute,
a seguir.

A pesquisa de Rempel et al. (2017) trouxe importantes contribuições a


respeito do envolvimento paterno, cultura e a promoção do apego na família.
A amostra de 802 casais heterossexuais distribuídos entre um grupo controle
e um grupo experimental, apresentaram perspectivas saudáveis e positivas
da parentalidade. Foram investigados pais e mães Vietnameses, cujo grupo
experimental foi submetido a intervenções de um grupo de pais no período
pré-natal e, posteriormente, foram submetidos a avaliações sobre apego e
envolvimento ao primeiro, quarto e nono mês de nascimento do bebê. A
intervenção possibilitou aos pais, refletirem sobre a sua própria história e
desenvolverem novas reflexões acerca do que é ser pai e mãe; cuidados
parentais e expectativas sobre a transição para a parentalidade. Já o grupo
controle consistiu em uma amostra de 12 casais heterossexuais vietnameses
de uma comunidade próxima à Hanoi. Os resultados demonstraram que,
embora, a história de vida paterna nem sempre pôde alcançar os efeitos
esperados, ao apego com os filhos foi incentivado e os pais puderam ser
encorajados a desenvolver relações positivas com seus filhos, especialmente
na infância.

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Alguns dados culturais interessantes que emergiram na pesquisa de Rempel


et al. (2017), foi o fato de que no grupo experimental, surpreendentemente
nessa cultura, os pais (homens) apresentaram um forte vínculo afetivo com as
filhas meninas; tendo em vista que no Vietnã, ainda na contemporaneidade,
a preferência e o maior envolvimento paterno ocorre com filhos meninos.
É possível refletir que o espaço grupal pode promover trocas saudáveis
entre seus membros quanto aos padrões de enxergar os valores culturais e
também, de poder questioná-los e mostrar-se receptivo às mudanças.

Já no artigo de Bailey et al. (2016) cuja amostra foi composta por 66 díades
mãe-bebê canadenses, apresentou-se outro espectro da vivência da paren-
talidade, a partir das influências recebidas na infância quanto às represen-
tações afetivas. Nessa pesquisa foram evidenciadas dificuldades relacionais
entre o estabelecimento dos vínculos afetivos mãe-bebê. Como esperado,
a sensibilidade materna foi associada a maior proximidade e apego seguro;
todavia, os resultados evidenciaram díades evitativas, caracterizadas pela
incongruência entre o auto-relato materno e o comportamento observado
das mães com seus filhos. Foram apresentados menor envolvimento e sensi-
bilidade materna, cujos bebês demonstraram maior resistência e evitação ao
permanecerem com a mãe no experimento da Situação Estranha realizado.
Denota-se a importância em clarificar aspectos que norteiam a sensibilidade
materna e vislumbrar o constructo através de um enfoque que considere as
diferentes expressões da cultura.

4. DISCUSSÃO
Os artigos retidos para análise apresentam, na íntegra, caráter internacional,
sendo escritos na língua inglesa. Conforme a vasta revisão de literatura siste-
mática proposta por Gomes e Melchiori (2012), a qual contemplou obras
nacionais e internacionais do tipo: artigos indexados, livros, capítulos de
livros, teses, dissertações nos idiomas português, inglês, espanhol, italiano,
francês e alemão, verificou-se que de modo geral, quase todos os trabalhos
obtidos sobre o apego são escritos em inglês. Para tanto, as autoras justi-
ficam que não apenas, em virtude de a língua inglesa ser a língua mãe de
autores concentrados em instituições norte-americanas e inglesas, mas,
especialmente, porque pesquisadores de outras nacionalidades, tais como a
Holanda e Israel, tendem a divulgar seus artigos nesse idioma.

Evidenciou-se que o Canadian Journal of Behavioural Science, foi o periódico


que mais publicou sobre o tema, cujas publicações pautaram-se acerca dos
padrões transgeracionais do apego e a influência sobre a parentalidade/

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transição para a parentalidade (Bailey, et al., 2016; Ensink et al., 2016;


Madigan, et al., 2016). De acordo com a APA (2017), o periódico Canadian
Journal of Behavioural Science apresentou no ano de 2016 uma edição
especial acerca do desenvolvimento da Teoria do apego, o que parece estar
relacionado às três publicações na presente revista consoante à temática.

Na revisão realizada, o país que mais apresentou investigações acerca da


teoria do Apego, nos últimos cinco anos, foi o Canadá. Acerca disto, Gomes e
Melchiori (2012) afirmam que grande parte dos estudiosos sobre a presente
Teoria estão concentrados na América do Norte, seguidamente da Inglaterra.
Por tal motivo, as universidades que mais se sobressaíram nessa revisão
foram universidades canadenses, tais como a Université Laval Université du
Québec à Trois-Rivières e a Brock University.

Os estudos analisados demonstraram diferentes arranjos familiares entre


os participantes. Em vista disto, alguns autores (Matos, Magalhães, Féres-
Carneiro & Machado, 2017; Bueno & Vieira, 2014; Dessen & Ribeiro, 2013;
Bossardi, Gomes, Vieira & Crepaldi, 2013) refletem sobre o maior envolvi-
mento paterno dentro da dinâmica familiar nas últimas décadas, cujos papéis
sociais atribuídos a homens e mulheres estão em constante transformação.
Assim, Bossardi et al. (2013) em uma revisão sistemática, apontam sobre a
crescente produção de estudos científicos que têm contemplado o fenômeno
do envolvimento paterno e, deste modo, indicam pesquisas que têm incluído
a participação de pais (homens) na composição amostral e discussão de seus
estudos.

O delineamento quantitativo foi homogêneo entre todos os estudos encon-


trados. Tais achados também foram encontrados na revisão proposta por
Gomes e Melchiori (2012), cujo predomínio de estudos desenvolvidos
também apresentaram abordagem quantitativa e análises estatísticas.
Embora a maioria das pesquisas deste trabalho, tenham mencionado utili-
zar-se de roteiros de entrevistas semi-estruturadas, as mesmas foram codifi-
cadas por frequência e, na sequência, classificadas em escalas para análises
estatísticas posteriores. De acordo com Sampieri, Collado e Lucio (2013), o
método quantitativo se utiliza da coleta e análise de dados para responder às
questões de pesquisa e testar as hipóteses estabelecidas previamente; desta
forma, com base na medição numérica, contagem e frequentemente pelo
uso de estatística, visa-se estabelecer com exatidão os padrões de comporta-
mento de uma população. Entretanto, seria interessante o desenvolvimento

16 Psicogente, 22(42); 1-25. Julio-Diciembre, 2019. https://doi.org/10.17081/psico.22.42.3507


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de estudos qualitativos e/ou mistos, a fim de integrar diferentes recursos


metodológicos para acessar e vislumbrar o fenômeno investigado em uma
perspectiva mais ampla e profunda dos dados, o que permitiria maior teori-
zação, exploração e diversidade dos achados (Creswell, 2010; Sampieri et al.,
2013).

Em relação à temporalidade dos métodos empregados, todas as pesquisas


caracterizaram-se como longitudinais. Conforme Hochman, Nahas, Oliveira
Filho e Ferreira (2005), pesquisas longitudinais apresentam grandes contri-
buições para o avanço do conhecimento decorrente da possibilidade de
acompanhar as mudanças ocorridas ao longo do tempo; todavia, Araujo
(2016) salienta a dificuldade de se realizarem estudos longitudinais em
âmbito nacional, dado o grande porte e custo elevado, pela variação dos
valores de referência de diferentes países e utilização de diversos métodos de
pesquisa para a implantação de tais projetos. Na revisão realizada, o tempo
de acompanhamento no follow-up variou entre 9 meses e 3 anos e cinco
meses.

Gomes e Melchiori (2012) também constataram na revisão de literatura, que


todos os estudos empíricos realizados sobre o apego utilizaram diferentes
instrumentos, especialmente psicométricos, para analisar as diferentes
variáveis envolvidas. Tal constatação também foi encontrada nessa revisão
sistemática, tendo em vista que nenhum estudo se utilizou de um único
instrumento para análise; pelo contrário, verificou-se em todos os artigos a
utilização de diversas modalidades de avaliação, tais como escalas, questio-
nários, experimentos, roteiro de observação e entrevistas.

A categoria temática que contemplou os fatores influenciadores na formação


do apego e a parentalidade, apontou sobre uma variedade de fatores contex-
tuais e culturais, cujas pesquisas foram desenvolvidas sob a ótica da Teoria
do apego. Em conformidade com a discussão inicial desse artigo acerca do
apego sob o enfoque transcultural, os três estudos da presente categoria não
apresentaram dissonâncias teóricas quanto aos tipos de cuidados parentais
e estilos de apego propostos por Ainsworth (1967). Pode-se pensar que,
embora os participantes do estudo tivessem ascendências variadas, as
amostras pesquisadas eram de homens e mulheres que vivem em países
norte-americanos, e, portanto, ocidentais. Desse modo, padrões culturais
muito distintos não foram observados.

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Os estudos foram unânimes em discutir sobre o prejuízo dos fatores de risco


vivenciados pelos progenitores na infância e a repercussão de tais vivências
na vida adulta, especialmente na experiência da parentalidade. Destaca-se
que esses fatores podem interferir ainda, sobre o desenvolvimento infantil,
como as características interpessoais dos pais, tais como grau de depressão,
nível de escolaridade, experiências intergeraionais aprendidas sobre cuidados
parentais, qualidade do relacionamento conjugal e as redes de apoio social.
Não obstante, famílias com ausência de um dos pais ou com padrões abusivos
de relacionamento e/ou abuso de drogas, também se caracterizam como
fatores de risco que dificultam o desenvolvimento da criança (Grunspun,
2008; Portes, Vieira, Crepaldi, Moré & Motta, 2013).

Os resultados encontrados nessa revisão, no que se refere à negligência


materna, mães que foram vítimas de violência na infância, rede social frágil
e baixo nível socioeconômico e de suporte parental, cujos fatores influen-
ciaram na formação do apego e a parentalidade, também foram encontrados,
de forma semelhante, no estudo de Madigan et al. (2016). Ao investigar as
relações entre perdas e traumas de 55 mães adolescentes e a transição para
a parentalidade, verificou-se que desde o pré-natal até os seis e 12 meses
de vida do bebê, essa transição no ciclo vida pessoal e familiar foi marcada
por dificuldades relacionais na díade mãe-filho, tendo em vista que as
memórias traumáticas, especialmente pela perda da figura materna quando
eram crianças/jovens, tornou a maternidade mais difícil de ser vivenciada.
Portanto, verificou-se maiores prevalências de apego inseguro do tipo ansioso
nas mães, especialmente após a parentalidade. No quesito traumático que
emergiu na história de vida das mães adolescentes, faz-se alusão ao abuso de
violência física e sexual (Madigan et al., 2016).

A segunda categoria temática, a qual se tratou do apego e das relações


parentais, emergiram-se diferentes panoramas entre os achados de Rempel
et al. (2017) e Bailey et al. (2016). Com base nos resultados observados, entre
a experiência de fatores positivos e negativos no desenvolvimento do apego
na parentalidade, é importante destacar formas de prevenção à violência no
ambiente familiar e aspectos que promovam o bem-estar relacional entre
seus membros. Frente à tais achados, Altafim (2017) reflete que a realização
de programas de intervenção para pais pode atuar como um mecanismo de
proteção, modificando os efeitos adversos dos fatores de risco que podem
influenciar no desenvolvimento da criança. Além disso, aponta-se a neces-
sidade da verificação de adequação cultural, de programas parentais desen-
volvidos em diferentes países; e, nesse aspecto, cita-se a Teoria do apego,

18 Psicogente, 22(42); 1-25. Julio-Diciembre, 2019. https://doi.org/10.17081/psico.22.42.3507


Ana Paula Sesti Becker - Mauro Luis Vieira - Maria Aparecida Crepaldi

que conforme já argumentado, torna-se fundante apresentar um olhar que


considere as variações culturais quanto ao que se concebe por sistemas de
cuidados parentais e se busque uma perspectiva mais ampliada sobre os
estilos de apego.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo buscou analisar sistematicamente a produção científica acerca do
apego e a parentalidade sob o enfoque transcultural. Para tanto, inicialmente
se propôs a discutir eixos centrais que norteiam a Teoria do apego e, poste-
riormente, relacioná-los com provocações teóricas subjacentes à Psicologia
transcultural e às dimensões psicossociais que envolvem a temática. Por
fim, realizou-se uma revisão de literatura sistemática em bancos de dados
nacionais e internacionais com uma matriz de análise e descritores preesta-
belecidos, os quais foram discutidos com base nas proposições iniciais.

Apontaram-se lacunas existentes no que se refere à produção científica


especificamente ao tema elencado; tendo em vista a diversidade de estudos
que englobam os sistemas de apego e temas transversais, como apego e
desenvolvimento infantil, apego e psicopatologia, apego e maternidade,
entre outros. Todavia, poucos artigos que contemplam o apego e a paren-
talidade em uma perspectiva intergeracional, foram encontrados. Acerca
disto é possível sugerir o incremento de novos estudos que contemplem
tal temática, considerando também a aplicabilidade da teoria à diferentes
contextos culturais, históricos e sociais. Como exemplo, aponta-se a lacuna
na produção científica e empírica do apego e a parentalidade no cenário
latino-americano; o que caracteriza um avanço importante na área.

Além disso, torna-se necessário destacar alguns limites encontrados no


desenvolvimento deste estudo, para tal, menciona-se a restrição das bases
de dados e os descritores estabelecidos. É possível que com a utilização de
diferentes estratégias de busca e a procura por outras bases de dados, novos
resultados sejam obtidos; nesse sentido, sugerem-se revisões que possam
ampliar os idiomas definidos e o intervalo de tempo para os últimos 10 anos,
haja vista a especificidade do tema. Outro limitador encontrado consistiu na
exclusão de outros tipos de obra, como teses e dissertações, monografias,
livros e capítulos de livro, os quais também poderiam agregar informações e
achados importantes sobre a temática.

Salienta-se ainda, acerca da Teoria do apego e suas implicações em


pesquisas; que a mesma deve estar aberta para revisão e a consideração das

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dimensões relacionadas à cultura. Tal posicionamento não significa despren-


der-se da teoria e sua metodologia, mas ajustá-la para outros contextos e
condições culturais. Ademais, na revisão realizada não foram encontrados
estudos transculturais que comparassem diferentes culturas sobre o apego
e a parentalidade numa perspectiva intergeracional do apego; somente
estudos aplicados em populações locais, cujos participantes tinham ascen-
dência de diversas nacionalidades. Por conseguinte, sugere-se o avanço para
as próximas pesquisas na área. Em especial, aponta-se para o incremento de
estudos que promovam reflexos para a prática profissional do psicólogo e o
fomento de programas e políticas públicas destinadas ao contexto nacional,
os quais venham disseminar intervenções parentais positivas para o ciclo de
vida pessoal e familiar dos sujeitos.

Financiamiento: Bolsa de Pesquisa/Doutorado: CAPES

REFERÊNCIAS
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