DEPOI
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DEPOI
09/03/2023
Número: 0600814-85.2022.6.00.0000
Classe: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL
Órgão julgador colegiado: Colegiado do Tribunal Superior Eleitoral
Órgão julgador: Corregedor-Geral Eleitoral Ministro Benedito Gonçalves
Última distribuição : 19/08/2022
Valor da causa: R$ 0,00
Assuntos: Cargo - Presidente da República, Cargo - Vice-Presidente da República, Abuso - De
Poder Político/Autoridade, Abuso - Uso Indevido de Meio de Comunicação Social
Objeto do processo: Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta pelo PARTIDO
DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) - Nacional contra JAIR MESSIAS BOLSONARO, candidato a
Presidente da República, e WALTER SOUZA BRAGA NETTO, candidato a Vice-Presidente da
República, sob a seguinte alegação:
- o Senhor Jair Messias Bolsonaro se reuniu no dia 18 de julho de 2022 com embaixadores de
países estrangeiros residentes no Brasil para falar sobre as eleições deste ano, sobre o Supremo
Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, soerguendo protótipos profanadores da
integridade do processo eleitoral e das instituições da República, especificamente o TSE e seus
Ministros e criando uma ambiência propícia para a propagação de toda sorte de desordem
informacional ao asseverar, por diversas vezes, que o sistema eletrônico de votação é receptivo a
fraudes e invasões, disseminando fake news e ataques à Justiça Eleitoral como parte de sua
estratégia de campanha. A reunião foi transmitida pela TV Brasil Distribuição e o vídeo do encontro
foi veiculado, na íntegra, através das redes sociais do Senhor Jair Messias Bolsonaro,
especialmente no Instagram (@jairmessiasbolsonaro) e no Facebook, tendo milhares de
visualizações e comentários.
Requer-se, na presente, a concessão de medida liminar inaudita altera pars para determinar que os
Investigados e a empresa provedora e controladora do Instagram e do Facebook, promovam a
imediata retirada da postagem objeto desta AIJE, que se encontra albergada nos seguintes links: <
https://web.facebook.com/jairmessias.bolsonaro/videos/615113366527954> e <
https://www.instagram.com/p/CgKoLgNo5um/> , sob pena de imputação em crime de
desobediência e multa a ser arbitrada por Vossa Excelência, dobrando-se a cada reincidência, nos
termos do art. 22, inciso I, b, da LC nº 64/90;
Ainda nessa extensão, que seja determinada a remoção dos vídeos que reproduzem o discurso sob
análise nesta AIJE, que também podem ser encontrados nos seguintes links:
https://tvbrasil.ebc.com.br/distribuicao/conteudos/61505121;
https://tvbrasil.ebc.com.br/distribuicao/conteudos/61505121;
https://tvbrasil.ebc.com.br/distribuicao/conteudos/61505443;
https://www.youtube.com/watch?v=BbYrF1ui-7Q&t=922s; nos termos do art. 22, inciso I, b, da LC nº
64/90.
Segredo de Justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Advogados
PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT) -
NACIONAL (REPRESENTANTE)
ANA CAROLINE ALVES LEITAO (ADVOGADO)
MARA DE FATIMA HOFANS (ADVOGADO)
MARCOS RIBEIRO DE RIBEIRO (ADVOGADO)
ALISSON EMMANUEL DE OLIVEIRA LUCENA (ADVOGADO)
EZIKELLY SILVA BARROS (ADVOGADO)
WALBER DE MOURA AGRA (ADVOGADO)
WALTER SOUZA BRAGA NETTO (REPRESENTADO)
ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO (ADVOGADO)
MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO
(ADVOGADO)
MARINA ALMEIDA MORAIS (ADVOGADO)
EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO (ADVOGADO)
TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (ADVOGADO)
JAIR MESSIAS BOLSONARO (REPRESENTADO)
ADEMAR APARECIDO DA COSTA FILHO (ADVOGADO)
MARINA FURLAN RIBEIRO BARBOSA NETTO
(ADVOGADO)
MARINA ALMEIDA MORAIS (ADVOGADO)
EDUARDO AUGUSTO VIEIRA DE CARVALHO (ADVOGADO)
TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (ADVOGADO)
Outros participantes
Procurador Geral Eleitoral (FISCAL DA LEI)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
158764809 09/03/2023 Decisão Decisão
11:27
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Versam os autos da presente AIJE – ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido Democrático Trabalhista
contra Jair Messias Bolsonaro, então candidato à reeleição para o cargo de Presidente da República, e
Walter Souza Braga Neto, candidato a Vice-Presidente da República – sobre suposta prática de abuso de
poder político e de uso indevido dos meios de comunicação, decorrente de alegado desvio de finalidade de
reunião havida no Palácio do Planalto no dia 18/07/2022, na qual o primeiro réu, no exercício do cargo de
Presidente da República, teria se utilizado de encontro com embaixadores de países estrangeiros para atacar
a integridade do processo eleitoral, especialmente disseminando “desordem informacional” relativa ao
sistema eletrônico de votação.
Aponta-se que o vídeo foi amplamente divulgado nas redes sociais do candidato à reeleição, potencializando
Rememoro que, ao final da fase postulatória, proferiu-se decisão de saneamento e organização do processo
(ID 15848796), na qual se indicou como pontos incontroversos: a) a realização do evento em que o então
Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, dirigiu-se a embaixadores de países estrangeiros para
apresentar sua visão sobre o sistema eletrônico de votação brasileiro; b) o teor do discurso proferido; c) a
transmissão do evento pela TV Brasil e pelas redes sociais do primeiro representado.
Pontuou-se, em seguida, que as partes controvertem sobre o alegado desvio de finalidade e sobre a
gravidade de eventual conduta irregular, tanto sob a ótica qualitativa (reprovabilidade da conduta) quanto
sobre a ótica quantitativa (repercussão no contexto eleitoral).
Os réus formularam pedido de reconsideração que, após oitiva da parte contrária, foi indeferido. A decisão
foi referendada pelo Plenário do TSE, à unanimidade, em sessão de 14/02/2023. Importante destacar que, na
ocasião, também se convalidou a orientação proposta por este Relator, relativa ao tratamento de situações
similares, conforme itens 15 e 16 da ementa (ID 158704139):
15. Tendo em vista o prestígio à celeridade, à economia processual e à boa-fé objetiva, entendo prudente
que, especificamente no que diz respeito às AIJEs relativas às eleições presidenciais de 2022, seja
fixado um parâmetro seguro e objetivo que dispense, a cada fato ou documento específico, uma nova
decisão interlocutória que revolva todos os fundamentos ora expostos.
No ínterim que se seguiu à decisão de saneamento, foram realizadas audiências para a oitiva das
testemunhas da defesa: a) em 19/12/2022, sendo ouvido o então Ministro das Relações Exteriores, Carlos
Alberto França (ata e termo de depoimento: IDs 158533126 e 158532126); b) em 08/02/2023 (ata: ID
158628231), quando foram ouvidos Ciro Nogueira Lima Filho, ex-Ministro da Casa Civil e atualmente
Senador da República (termo de depoimento: ID 158629232) e Flávio Augusto Viana Rocha, ex-Secretário
Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (termo de depoimento: ID 158628233).
Com a finalidade de preservar, no que cabe ao juízo, a incomunicabilidade das testemunhas, reservou-se
para momento oportuno, posterior à conclusão da produção de prova oral, a juntada da transcrição dos
depoimentos.
Consta da ata da segunda audiência acima mencionada requerimento dos advogados dos réus para que, em
razão do fato superveniente admitido, o ato designado fosse cancelado, a fim de que pudessem arrolar novas
testemunhas, e que não fosse declarado o encerramento da fase instrutória. Não vislumbrando óbice à oitiva
das testemunhas já arroladas, o juiz instrutor prosseguiu com a audiência, assinalando que os demais
requerimentos seriam apreciados pelo relator, por escaparem aos limites da delegação de poderes firmada na
Portaria CGE nº 10/2022. Transcrevo o trecho pertinente (ID 158628231):
“Aberta a audiência, o Dr. Eduardo Augusto Vieira de Carvalho requereu cancelamento da audiência a fim
de poder arrolar testemunhas para se contrapor a fatos supervenientes descritos na decisão de 7.2.23, e que
não fosse declarado o encerramento da fase instrutória. Pelo advogado dos requeridos foi enfatizado que
não se trata de impugnação à delimitação da causa de pedir, mas sim à oportunidade de produção de prova
quanto à situação fática de documento juntado aos autos. Dr. Walber [advogado do autor] manifestou-se
contrário ao pleito, assim como o representante do Ministério Público. Indeferido o pedido de
cancelamento pelo Dr. Marco Antônio, o magistrado informou que os limites da delegação recebida não
abrangiam o exame de requerimento de prova complementar e a declaração do encerramento da instrução,
que serão apreciados pelo Ministro Corregedor."
Registra-se por fim que houve desistência da oitiva da testemunha de defesa João Henrique Freitas (ID
158626938).
Feito esse breve relato dos eventos transcorridos durante a fase instrutória, cumpre examinar a
necessidade de eventuais diligências complementares, posteriores à audiência.
Nos termos dos incisos VI e IX do art. 22 da LC nº 64/1990, cabe ao relator da AIJE assegurar, de ofício ou
a requerimento das partes, o esgotamento da instrução probatória, mediante requisições, oitivas e outras
providências que atendam ao interesse público na elucidação de possíveis práticas abusivas. In verbis:
[...]
VII - no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou
testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;
VIII - quando qualquer documento necessário à formação da prova se achar em poder de terceiro,
inclusive estabelecimento de crédito, oficial ou privado, o Corregedor poderá, ainda, no mesmo prazo,
ordenar o respectivo depósito ou requisitar cópias;
IX - se o terceiro, sem justa causa, não exibir o documento, ou não comparecer a juízo, o Juiz poderá
expedir contra ele mandado de prisão e instaurar processo por crime de desobediência;
Essa atividade possui caráter complementar e exige rigorosa avaliação quanto à utilidade processual das
diligências, de modo a que, em prestígio à celeridade, a fase instrutória se prolongue somente pelo tempo
necessário a produzir elementos aptos a elucidar pontos fáticos e jurídicos que constituam objeto de
controvérsia relevante.
Ademais, quanto à possibilidade da atuação de ofício, deve-se ter em vista que o art. 23 da LC 64/90, impõe
que sejam considerados, para o deslinde dessa ação, "fatos públicos e notórios, [...] atentando para
circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o
interesse público de lisura eleitoral". Esse dispositivo, conforme assentado no julgamento da ADI 1082 (Rel.
Min. Marco Aurélio, DJe de 30.10.2014), tem sua constitucionalidade vinculada à necessária garantia do
contraditório e ao adequado exercício do dever de fundamentação, de modo que, sendo os fatos e
circunstâncias relevantes trazidos aos autos pelo magistrado, é indispensável conceder às partes
oportunidade para se pronunciar a respeito.
[...] para garantir a imparcialidade do Estado e o direito das partes ao devido processo legal, mais segura do
que a proibição rígida de produção de provas pelo magistrado é a intransigência concernente à
necessidade de fundamentação de todas as decisões judiciais, de acordo com o estado do processo,
bem como a abertura de oportunidade para as partes contraditarem os elementos obtidos a partir da
iniciativa estatal. São a indispensabilidade de motivação e submissão ao contraditório, nesse caso, os
fatores a afastarem o risco de parcialidade e a viabilizarem o controle, a conduzir a eventual reforma ou à
detecção de nulidade do ato judicial.
Adotadas essas balizas, é possível, no caso em análise, extrair do discurso proferido por Jair Messias
Bolsonaro em 18/07/2022 e das circunstâncias da realização e da divulgação do evento, o referencial para
avaliar quais diligências são efetivamente relevantes ao deslinde do feito.
Extrai-se do vídeo do evento, juntado aos autos (ID 157957944), que as críticas dirigidas contra o sistema
eletrônico de votação tiveram como fio condutor a reiterada referência a Inquérito no qual a Polícia
Federal teria concluído que hackers tiveram acesso a “diversos códigos-fonte” e teriam sido capazes
de “alterar nomes de candidatos, tirar voto de um, transferir para outro”. Transcrevo trecho, contínuo,
em que fica nítida a evocação do episódio como suposta comprovação de que votos teriam sido adulterados
nas Eleições 2018, e que poderiam voltar a sê-lo em 2022:
“Sou capitão do exército brasileiro, fiquei 15 anos no exército, fui vereador no Rio de Janeiro por 2 anos e
28 anos dentro da Câmara dos Deputados. Conheço muito bem nosso sistema. Conheço muito bem a
política brasileira. Fiz uma campanha sem recurso, mas que começou 4 anos antes do pleito, depois da
reeleição da senhora Dilma Rousseff. E, andando pelo Brasil sozinho, 3 anos sozinho andando pelo
Brasil, juntando multidões, fiz a minha campanha.
Tudo que vou falar aqui, está documentado, nada da minha cabeça. O que eu mais quero para o meu
Brasil é que a sua liberdade continue a valer também, obviamente, depois das eleições. O que eu mais
quero, por ocasião das eleições, é a transparência. Porque nós queremos que o ganhador seja aquele
que realmente seja votado. Nós temos um sistema eleitoral que apenas 2 países no mundo usam. No
passado, alguns países tentaram usar, começaram até a usar esse sistema e rapidamente foi
abandonado. Repito, o que nós queremos são eleições limpas, transparentes, onde o eleito realmente
reflita a vontade da sua população.
Teria muita coisa a falar aqui mas eu quero me basear exclusivamente em um inquérito da Polícia
Federal e foi aberto após o 2º turno das eleições de 2018, onde um hacker falou que tinha havido
fraude por ocasião das eleições. Falou que ele tinha invadido, o grupo dele, o TSE. O Tribunal
Superior Eleitoral. Obviamente, quando se fala em manipulação de números após eleições, quem
manipula é quem ganhou. Não seria eu o manipulador. E a Polícia Federal começou, então, a apurar.
Se houve ou não manipulação e de quem seria a responsabilidade.
Então, tudo começa nesta denúncia que foi de conhecimento do Tribunal Superior Eleitoral, onde o
hacker diz, claramente, que ele teve acesso a tudo dentro do TSE. Disse mais: obteve acesso aos
milhares de código-fontes (sic), que teve acesso à senha de um ministro do TSE, bem como de outras
autoridades, várias senhas ele conseguiu. E obviamente, a senhora ministra do TSE na época e
também do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, fez com que o inquérito fosse instalado.
E, uma coisa muito importante, esse inquérito, aberto no mês seguinte do segundo turno (sic) eleições
de 2018, até hoje não foi concluído ainda. Diz aqui o próprio TSE e conclusões da própria Polícia
Federal: ‘O atacante invasor conseguiu copiar toda a base de dados’. Repito, conseguiu a senha de um
ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Também a senha do coordenador de Infraestrutura, Cristiano
Andrade, que é a pessoa de confiança do chefe de TI chamado Giuseppe.
Então, prosseguindo, o invasor teve acesso no TSE a toda a base de dados por 8 meses. É uma coisa
que, com todo o respeito, eu sou o presidente da República do Brasil, eu fico envergonhado de falar isso aí.
O que é comum, né, acontecer em alguns países do mundo, é o chefe do Executivo conspirar para
conseguir uma reeleição. Estamos fazendo exatamente o contrário, porque temos pela frente 3 meses até as
eleições. Mais na frente, tudo que eu falo aqui ou é conclusão da PF ou é diretamente informações
prestadas pelo TSE.
Prossegue: ‘O senhor secretário atesta, categoricamente, que o invasor obteve domínio sobre usuários e
senhas, que permite a alteração de dados de partidos e candidatos. Até mesmo a sua exclusão, no contexto
do processo eleitoral’. Ou seja, esse grupo de invasores puderam até mesmo excluir nomes e, mais,
trocar votos entre candidatos. E o que aconteceu depois de tudo isso? Eu tive acesso a esse inquérito no
ano passado, divulguei, é um inquérito que não tem qualquer classificação sigilosa e, ao divulgar, o
ministro Alexandre de Moraes abre o inquérito para me investigar sobre vazamento. Em depoimento, o
delegado encarregado do inquérito foi bem claro, o inquérito não tinha qualquer classificação sigilosa. Foi
instada a Corregedoria da Polícia Federal, que disse a mesma coisa. E como envolvia um outro deputado,
que teve acesso a esse documento, também, a Procuradoria da Câmara dos Deputados, que o inquérito não
tinha qualquer classificação sigilosa.
O que nós entendemos aqui no Brasil é que, quando se fala em eleições, elas têm que ser totalmente
transparentes, coisa que não aconteceu em 2018. Também, a Polícia Federal, depois que demorou 7
meses para o TSE informar que os Logs já haviam sido apagados, repito, eles poderiam ser fornecidos de
forma espontânea ou através do requerimento, no mesmo dia, ou no dia seguinte.
Então, 7 meses depois, o TSE informou que os Logs tinham sido apagados. E a Polícia Federal
concluiu, pela total falta de colaboração do TSE para com a apuração, do que os hackers tinham
feito ou não por ocasião das eleições de 2018. E repito, até hoje esse inquérito não foi
concluído. Entendo que não poderíamos ter tido eleições em 2020 sem apuração total do que
aconteceu lá dentro. Porque o sistema é completamente vulnerável, segundo o próprio TSE, e
obviamente a conclusão da Polícia Federal.
Observa-se que a fala possui marcadores cronológicos, que conectam passado, momento presente, e
projeções para o futuro: a) a alegada fraude ocorrida em 2018, passando pela advertência de que não
poderia ter havido eleições em 2020 antes da “apuração total” do ocorrido; b) a própria urgência de
endereçar a mensagem aos embaixadores de países estrangeiros, na iminência do período eleitoral de
2022; e, por fim, c) a enfática reivindicação, somente compreensível nesse arco narrativo alarmista, de
que as Eleições 2022 fossem “limpas, transparentes, onde o eleito realmente reflita a vontade da sua
população”.
Questão controversa, admitida ao debate, e que está conectada ao item “c” supra, é se a repercussão
eleitoral do discurso e sua gravidade podem ser evidenciadas pela minuta de decreto de Estado de Defesa
apreendida em 13/01/2023 pela Polícia Federal na residência de Anderson Torres – ex-Ministro da Justiça e
Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro – durante diligência determinada pelo Ministro Alexandre
de Moraes no âmbito do Inquérito nº 4879, que tramita no STF.
Sob outro ângulo – agora, mirando o item “a” supra –, chama a atenção que o Inquérito da Polícia Federal
no qual supostamente se basearia a alegação de fraude nas Eleições 2018 (e de não solução do problema) foi
objeto de live realizada por Jair Messias Bolsonaro no ano de 2021. Esse fato também foi mencionado para
os embaixadores – “Eu tive acesso a esse inquérito no ano passado [2021], e divulguei”, diz.
A transmissão referida ocorreu no dia 29/07/2021, e, nela, o então Presidente da República, usa o
documento para sustentar que houve fraude no sistema eletrônico de votação e interesse do Tribunal
Superior Eleitoral em obstar a auditabilidade. Na ocasião, estavam presentes, e participaram com falas,
Anderson Gustavo Torres, Ministro da Justiça e Segurança Pública, e Eduardo Gomes da Silva,
assessor da Presidência da República.
O fato acima é objeto de apuração no Inquérito Administrativo nº 0600371-71, que tramita sob minha
relatoria. Conforme recente decisão que proferi naquele feito, ao passar os autos em revista, constato que
estão reunidos elementos que podem ter relevância para o deslinde da AIJE, a saber:
a) degravação da live de 29/07/2021 e de entrevista concedida por Jair Messias Bolsonaro ao programa
“Pingos nos is”, da Jovem Pan, em 04/08/2021, e de uma segunda live, veiculada em 12/08/2021, sobre o
tema (transcrições juntadas nos IDs 147980688, 156064688, 156064738 e 156885874);
c) depoimentos prestados por Eduardo Gomes da Silva e Anderson Gustavo Torres na Corregedoria-Geral
Eleitoral (audiência realizada em 12/08/2021, depoimentos juntados nos IDs 149194688, 150457388,
149194038 e 150457338);
d) relatório produzido pela Polícia Federal no Registo Especial nº 2021.0058802 (ID 149637788); e
e) cópias extraídas da Petição 9.842/DF (ID 157315529) e do Inquérito 4.878/DF (IDs 157400756 e
No que diz respeito ao item “b” supra – o momento em que o primeiro investigado se dirigiu aos
embaixadores – há um fato a exigir apuração. Ao final do discurso, Jair Messias Bolsonaro expressamente
afirmou que Carlos Alberto Franco França, então Ministro das Relações Exteriores, iria encaminhar
“extrato” da reunião às Embaixadas, e que disponibilizaria aos interessados, também, a íntegra do Inquérito
da Polícia Federal, verbis:
"Então, o que eu tinha a falar aos senhores era isso. Eu vou pedir ao ministro Carlos França que o
extrato disso chegue na embaixada dos senhores. Quem quiser o processo na íntegra, eu entrego
também. Porque ele não tem qualquer grau de sigilo. Me sinto até envergonhado desse momento, dado
o que está acontecendo em nosso país."
Carlos Alberto Franco França, ouvido em juízo como testemunha de defesa em 19/12/2022, por sua vez,
declarou que desconhece a remessa de documentos sobre o evento às embaixadas, a partir de seu Ministério,
e que não se recorda de conversa a respeito com chanceler estrangeiro.
Aliás, as três testemunhas de defesa ouvidas, embora arroladas com a justificativa de que diante das suas
“relevantes funções desempenhadas” teriam conhecimento particular sobre a dinâmica do evento, relataram
que, pessoalmente ou por meio dos órgãos sob sua gestão (Casa Civil, Ministério das Relações Exteriores e
Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência), não tiveram envolvimento significativo no
evento e desconheciam o que seria tratado.
Nesse cenário, documentos acaso existentes nos órgãos acima referidos podem vir a elucidar se
contribuíram, ou não, para preparar ou repercutir evento, e, em caso positivo, de que forma atuaram.
Por fim, pertinente que sejam ouvidas, em juízo, pessoas que detêm inequívoco conhecimento dos fatos em
debate, a fim submeter suas versões ao crivo do contraditório, assegurada a arguição pelas partes e pelo
Ministério Público Eleitoral. Nesse particular, e em prestígio à máxima objetividade da instrução, cabível a
inquirição de:
c) Ivo de Carvalho Peixinho e Mateus de Castro Polastro, servidores da Polícia Federal, para
Assim, designo a data de 16 de março de 2023, às 10h00, para realização da audiência de oitiva na
AIJE 0600814-85, no Salão Nobre da Corregedoria-Geral Eleitoral (Sala V-720/722, 7º andar do
Tribunal Superior Eleitoral, situado no Setor de Administração Federal Sul (SAFS), Quadra 7, Lotes
1/2, Brasília/DF - CEP 70095-901).
No caso de Anderson Gustavo Torres, atualmente em prisão provisória por determinação do Min. Alexandre
de Moraes, Relator do Inquérito nº 4879/DF, o depoimento deve ser precedido da autorização de Sua
Excelência, e ser realizado por sistema de videoconferência, no local em que se encontra detido.
Sendo estas as diligências complementares a serem realizadas de ofício, consigno que fica assegurada
às partes e ao Ministério Público Eleitoral a vista dos documentos juntados, os quais abrangerão os
depoimentos das testemunhas ouvidas até o momento. Na oportunidade, a parte ré poderá exercer a
faculdade pela qual protestou em audiência realizada em 08/02/2023, arrolando testemunhas.
Requerimento desta natureza também poderá ser formulado pelo autor.
Adianto que os requerimentos acaso formulados serão analisados de forma rigorosa, somente se
deferindo aqueles que tenham sua pertinência e utilidade objetivamente demonstrada, a partir da
estrita vinculação aos fatos específicos que se pretende provar, e que não estejam cobertos pela
preclusão. Nesse sentido, advirto as partes, desde logo, que, caso evidenciado o caráter protelatório de
qualquer requerimento, inclusive em virtude da abstração ou amplitude da justificativa da prova,
será aplicada multa por litigância de má-fé, em montante proporcional à circunstância concreta.
a.3) depoimentos prestados por Eduardo Gomes da Silva e Anderson Gustavo Torres na
Corregedoria-Geral Eleitoral, em 12/08/2012 (IDs 149194688, 150457388, 149194038 e
150457338);
a.4) relatório produzido pela Polícia Federal no Registo Especial nº 2021.0058802 (ID
149637788); e
a.5) cópias extraídas da Petição 9.842/DF (ID 157315529) e do Inquérito 4.878/DF (IDs
157400756 e 157400757), ambos em trâmite no STF.
Quanto às comunicações determinadas no item “d”, deverão ser feitas pelo meio mais rápido, inclusive
eletrônico, observando-se, em relação aos servidores públicos, o disposto no art. 455, §4º, III, do CPC,
requisitando-se a entrega da intimação às respectivas chefias nos seguintes endereços:
Publique-se. Intimem-se.