5-As Ciencias Humanas

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Filosofia e Ciências

Material Teórico
As Ciências Humanas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Americo Soares da Silva

Revisão Textual:
Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos
As Ciências Humanas

• As Ciências Humanas

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Apresentar uma síntese da discussão filosófica em torno das ciências
humanas, como caracterizá-las, a maneira como a teoria interage
com a prática.

ORIENTAÇÕES
Nesta unidade, você conhecerá alguns aspectos dos saberes que vieram a
ser agrupados sob a bandeira de “Ciência Humana”; uma análise da sua
distinção em relação aos chamados saberes teóricos e como as ciências
humanas assumem um duplo papel de teoria e prática.

Recomendo a você, estudante, dividir seus estudos em etapas: primeiro,


faça uma leitura atenta do texto. Nesse momento, não é tão importante
fazer marcações; busque uma compreensão de conjunto. Em um segundo
momento, retorne ao texto, mas, dessa vez, você já conhece o final da
história, não é mesmo? Então, ao retornar, você o fará com um olhar de
investigador(a); busque pelos pontos principais: quem são os personagens
mais relevantes dessa “história”? Que ideias cada um deles defendia? Por
quê? Outras questões são colocadas ao longo do texto para sua reflexão?
Quais são elas?

Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais intera-
tivo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as atividades
de Avaliação e uma Atividade Reflexiva. Cada material disponibilizado é mais
um elemento para seu aprendizado.
UNIDADE As Ciências Humanas

Contextualização
Leia o texto extraído dos parâmetros curriculares nacionais para ensino médio em relação à
Explor

área de Ciências Humanas e suas Tecnologias a seguir.


Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino médio.
https://goo.gl/sIBgNH

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“O que significa uma ciência do humano?”

Essa certamente é a pergunta fundamental para um leitor afeito à Filosofia,


quando o tema apresentado trata das “Ciências Humanas”.

Qual o objeto próprio às ciências humanas? O que justifica a existência das


mesmas enquanto um saber distinto das outras áreas já conhecidas?

Podemos preliminarmente considerar que não se trata de um olhar restrito


unicamente à dimensão física do humano: a respiração, o fluxo sanguíneo, a
resistência dos músculos e dos ossos; todo esse viés já encontrou guarida no campo
biológico e na medicina, ambos já como parte das ciências da natureza.

As dimensões sobre as quais nossa inteligência se debruça vão além das


relações de causa e efeito dos chamados fenômenos naturais. Essa diferenciação já
começara a se delinear no pensamento grego com Aristóteles ao diferenciar ramos
(ou campos) sobre os quais a ciência se debruça:
Aristóteles distinguiu as ciências em três grandes ramos: a) ciências
teoréticas, isto é, ciências que buscam o saber em si mesmo; b) ciências
práticas, isto é, ciências que buscam o saber pra através dele, alcançar a
perfeição moral; c) ciências poéticas ou produtivas, vale dizer, ciências
que buscam o saber em função do fazer, isto é, com o objetivo de produzir
determinados objetos. (REALE & ANTISERI, 2002, p. 178)

Depreende-se da separação aristotélica que a física e a matemática são


facilmente articuladas às ciências teoréticas, mas, cada qual com seu próprio objeto
de estudo teria pouco, ou quase nada, a oferecer em termos de explicação para
os fenômenos que são parte da dimensão do humano, à medida que a sociedade
humana se tornava cada vez mais complexa, quando pensamos formas de convívio
(ética e política), a maneira como se cria e se distribui riqueza (economia) e mesmo
quando nos voltamos sobre nós mesmos para entender o comportamento dos
indivíduos nas suas relações com os outros e consigo mesmo (psicologia). Todos
esses fenômenos são mais bem articulados, em termos aristotélicos, como ciências
práticas e produtivas (note-se que as ciências produtivas, contemporaneamente,
tendem a ser enquadradas por alguns autores como técnica).

Olhando mais para o itinerário histórico, a busca e o acúmulo de novos


conhecimentos que já haviam levado a uma progressiva autonomia das ciências
teoréticas em relação à especulação filosófica – apesar de que de acordo com o
pensamento de Thomas Kuhn essas ciências voltam a flertar com seus fundamentos
filosóficos quando diante de uma crise paradigmática – também, em um movimento
análogo, promoveu resultado semelhante nos outros saberes (práticos e produtivos).
E apesar de já encontrarmos teorizações econômicas interessantes com François
Quesnay, que em 1758 elaborou um modelo conhecido como Tabela Econômica,
passando por uma das obras fundamentais da área, como a Riqueza das nações,

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de Adam Smith, foi somente no século XIX e no século XX que as ciências humanas
ganharam força a ponto de serem postuladas como autônomas em relação à
especulação filosófica. Nesse contexto, podemos incluir tanto a proposição de uma
“física social” por Auguste Comte (mais tarde rebatizada como sociologia), como
os trabalhos de Edward Tylor, Alfred Kroeber, Émile Durkheim, Max Weber, Karl
Marx, Sigmund Freud, B. F. Skinner e uma longa lista de pensadores notáveis que
contribuíram para circunscrever diferentes aspectos nos fenômenos humanos.

Antes de avançarmos, é interessante retomarmos o próprio Aristóteles na sua


justificativa da cisão entre agir e produzir:
Na classe do variável incluem-se tanto coisas produzidas como
coisas praticadas. Há uma diferença entre produzir e agir [...]; de
sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da capacidade
raciocinada de produzir. Daí também, o não se incluírem uma
na outra, porque nem agir é produzir, nem produzir é agir. [...]
(ARISTÓTELES, 1984, p. 143 [1140a].)

Figura 1 - Aristóteles
Fonte: Wikimedia Commons

Essa separação atendia à especulação do pensador estagirita, que estava se


debruçando sobre o problema da ética. Poderíamos, como síntese, dizer que a
intencionalidade do “agir” (político e ético) seria diferente do “produzir” enquanto
intenção de se criar algo. Por exemplo, estabelecer uma lei pode ter uma dimensão
de repercussões para a sociedade incrivelmente maior que a ação produtora de um
artesão solitário ao criar uma cadeira. Para o pensamento aristotélico, a intenção
da produção do artesão se esgota quando o objeto está concluído. Sem dúvida, dito
dessa forma, são maneiras distintas de se mobilizar a racionalidade. Todavia, para
parâmetros contemporâneos a discussão da responsabilidade sobre as intenções
daquilo que a tecnologia atual pode produzir borra essa fronteira. Os fóruns de
discussão em torno da Bioética e da Sustentabilidade certamente têm muito a dizer
sobre isso. Mas reservaremos esse debate para outro momento. Por ora, é suficiente

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a clareza de que ao contrário das ciências tidas como teoréticas, os saberes voltados
para o agir e o produzir humanos carregam intencionalidade, não é possível agir
e/ou produzir sem intenção.

Aqui cabe a menção ao filósofo alemão Wilhelm Dilthey, cujo posicionamento


sobre essa temática separou de um lado um bloco das ciências que buscam a
compreensão da vida e de outro aquelas que buscam explicar fenômenos da
natureza (conf. ARANHA & MARTINS, 2009).

As ciências tidas como ciências naturais buscam explicar o nexo causal dos
fenômenos, os quais inclusive correspondem a acontecimentos que independem da
vontade direta ou da intencionalidade do seu observador. Por exemplo, se aquecida
a uma temperatura determinada (causa) a água irá ferver (efeito); atendidas essas
condições (o aquecimento), esse fenômeno não deixa da acontecer apenas porque
o observador assim o deseja.

Quando lidamos com aquilo que Dilthey nomeou de ciências do espírito1 (ciências
humanas), a busca passa a ser pela compreensão do fenômeno, ou seja, apreender
a rede de intenções que se articulam para a manifestação daquele fenômeno.

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Iremos seguir de agora em diante a sugestão do tradutor Marco Antônio Casanova, que
Explor

sinaliza com o uso do termo “ciências humanas” para aproveitar o uso corrente na língua
portuguesa, apesar de o termo original usado por Dilthey ser Geisteswissenschaften, que
numa tradução mais literal seria “ciência do espírito”.

Aqui se deve ter um cuidado especial; a presença de intencionalidades nos


fenômenos estudados pelas ciências humanas não impede um estudo objetivo
dos mesmos. Não se trata de cair em um relativismo grosseiro, ou em uma
interpretação enviesada e superficial do conceito de ideologia, o que levaria a
uma tola caça às “bruxas do interesse” como forma de depreciação seletiva deste
ou daquele resultado apontado em áreas como a antropologia, a psicologia,
sociologia ou economia.

Podemos, então, retornar a Dilthey e o mapeamento dos enunciados próprios


às ciências humanas.
As ciências humanas, tal como são e atuam, por força da razão própria à
coisa que estava em ação em sua história (não como desejam os ousados
arquitetos que querem construí-las novamente), articulam em si três
classes de enunciados. Os primeiros deles enunciam algo real, que é dado
na percepção; eles contêm o componente histórico do conhecimento. Os
outros desenvolvem o comportamento uniforme de conteúdos parciais
dessa realidade efetiva, que são isolados por abstração: eles formam o
componente teórico. Os últimos expressam juízos de valor e prescrevem
regras: neles temos os componentes práticos das ciências humanas.
(DILTHEY, 2010, p. 40).

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Figura 2 - Wilhelm Dilthey


Fonte: Wikimedia Commons

É precisamente nesse aspecto prático, juntamente com a dimensão


compreensiva, que se articula a condição normativa que dá um traço marcante
para as ciências humanas.

Isso nos conduz à ousada proposta do professor Hilton Japiassu, em seu O mito
da neutralidade científica:
As ciências humanas, tais como elas existem, em suas condições reais
de realização, apresentam-se como técnicas de intervenção na realidade,
participando ao mesmo tempo do descritivo e do normativo: são
praxeologias. A análise epistemológica não tem o direito de dissociar,
no domínio das disciplinas humanas, uma teoria científica de uma técnica
de aplicação, pois não somente se dão sentido uma à outra, mas também
determinam-se reciprocamente.

E ainda:
Num sentido bastante lato, o termo praxeologia pode ser entendido
como conjunto dos equipamentos técnico-metodológicos fornecidos
sobretudo pelas ciências humanas, tendo em vista intervir e transformar
os horizontes do agir humano e de seus comportamentos sociais.
(JAPIASSU, 1975, p. 50 – 51.)

O desafio muda de eixo; não se trata, pois, de interrogar as ciências humanas


sobre sua legitimidade – ter ou não direito – de empreender transformações
no mundo humano (intervir), mas se elas de fato conseguem empreender essa
intervenção e, mais do que isso, questionar eticamente o caminho seguido e a
finalidade dessa compreensão-intervenção (idem).

Olhando mais de perto a ordem praxeológica, como faz Japiassu (conf.


JAPIASSU, 1975), algumas características das ciências humanas, enquanto
praxeologia, merecerem ser assinaladas:

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1. O ser humano passa a ser objetivado (visado, estudado) como ator dos seus
próprios comportamentos.
2. As diferentes ciências humanas, na medida em que elaboram modelos
teóricos visando não apenas a compreensão, mas, além disso, até mesmo
a antecipação de comportamentos, podem – e o têm feito – realizar
aconselhamento científico. Nas mais diferentes esferas, governos, empresas,
organizações diversas no mundo acadêmico ou no chamado terceiro setor.
3. Na condição praxeológica, as ciências humanas dissociariam a finalidade
de execução da finalidade de intenção ou destino (conf. JAPIASSU,
1975. p. 58). Na verdade, voltar-se-iam principalmente para primeira,
buscando um aprimoramento constante da capacidade da realização dos
fins a serem alcançados.

O segundo e o terceiro tópicos precisam de uma explanação um pouco mais


longa; dadas as próprias características das ciências humanas, como reconhecido
por diferentes autores como o próprio Thomas Kuhn, essas ciências não possuem
um paradigma dominante nem no conjunto de ciências que estudam o humano, e,
muitas vezes, nem mesmo em campo específico (na psicologia ou na economia,
por exemplo).

Essa condição multiparadigmática gera conflitos de interpretações curiosos,


entre eles o de se pressupor – uma possibilidade paradigmática entre outras – que
o papel das ciências humanas não poderia se separar de uma responsabilidade
ética de denunciar ações e estratagemas das estruturas de opressão política,
econômicas e sociais nas suas mais diversas formas e fontes. Por trás dessa linha de
argumentação, há a inegável contribuição do pensamento de Karl Marx, inclusive
por sua condição multidisciplinar ao envolver análise e crítica socioeconômica com
projeto político; nunca é demais lembrar que foi de Marx a cobrança aos filósofos
que estariam preocupados demais em entender o mundo quando deveriam tentar
transformá-lo. Esse escopo permitiria uma tranquila adesão aos itens 1 e 2 da
condição praxeológica como sugerida por Japiassu, mas levaria, poderia levar, a
uma interpretação que rejeitasse o item 3 por considerar que esse tipo de ação
contribuiria com “mecanismos de opressão e controle”.

Sem dúvida, há uma responsabilidade legítima nesse tipo de esforço das


ciências humanas, todavia, e isso é cobrado de todo aquele que quiser ousar pensar
filosoficamente, é preciso olhar para as demais formas paradigmáticas das ciências
humanas, formas essas que terminam privilegiando a finalidade de execução, a
meta a ser atingida, mais do que os demais elementos.

É uma temeridade intelectual descartar ou subestimar, nas ciências humanas, um


escopo de pesquisa apenas porque o mesmo não atende às expectativas de foro
íntimo do pesquisador. Não gostar não significa que não está lá.

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Pensemos nas Teorias da Administração, enquanto ciências humanas – muitas


vezes classificadas como “ciências humanas aplicadas” – carregam consigo
todos os componentes da praxeologia, pois são descritivas e normativas, levam
em consideração que seu objeto também inclui o humano, que é sujeito de suas
ações; como também, utilizando-se de alianças estratégicas com outras áreas
do conhecimento humano, tal como a psicologia, buscam criar condições que
maximizem os resultados; buscam que a execução das tarefas pelos funcionários de
uma organização seja sempre a melhor possível. Para tanto, áreas funcionais, como a
de recursos humanos, buscam permanentemente melhorar e aperfeiçoar a chamada
“gestão de pessoas”; Assim sendo, é necessário planejamento, racionalização para
definir, ou melhor, fornecer o devido aconselhamento científico, sobre ações,
práticas convívio (normas) que auxiliem a extrair o máximo de resultados. E esse
aconselhamento fica à disposição dos tomadores de decisão, seja nas organizações
privadas, seja na administração pública.

Fonte: iStock / Getty Images

O que dizer então do Marketing? Enquanto uma das áreas funcionais das
empresas modernas é “responsável por administrar as relações da empresa com
o mercado” (conf. MAXIMIANO, 2000, p. 240), esse tipo de mediação produz
conhecimento, tanto através de publicações, como em teses acadêmicas, além
de expertise para os profissionais do ramo, e dessa maneira assume a condição
de modelo de intervenção ao orientar as ações da empresa com a finalidade de
melhorar ao máximo as relações com o mercado, o que se traduziria em ganhos
de imagem e de vendas.

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Em uma linha de atuação diferente, a psicanálise
também produz um conhecimento que pode ser
classificado como praxeológico, afinal constrói
um modelo teórico que busca auxiliar na
compreensão da vida anímica, compreensão
esta que se originou por um longo processo de
questionamento clínico do então jovem médico
neurologista Sigmund Freud. No final do
século XIX, ele se deparou com sintomas cujas
enfermidades não podiam ser localizadas no corpo
físico, então começou gradualmente a construir
não apenas um modelo abstrato para entender
aquele fenômeno, mas, também, uma prática
clínica que auxiliasse e orientasse o paciente em
um processo de autoconhecimento, levando este a
uma “reconciliação” consigo mesmo ao desarticular
Figura 3 - Sigmund Freud seus conflitos interiores que até o momento eram
Fonte: Wikimedia Commons a fonte dos sintomas e do sofrimento psíquico.

Está presente aqui – como em diferentes ramos da psicologia – ao mesmo


tempo, o paciente na condição de vítima do seu sofrimento e de agente de sua
cura, pois o diagnóstico (modelo teórico) utilizado pelo terapeuta auxilia a mapear
a fonte do mal-estar do paciente (nos sentimentos, nas relações interpessoais etc.),
cabendo, em seguida, o aconselhamento terapêutico, que não deixa de ser uma
forma de intervenção (normatização) cuja finalidade é restaurar o seu o bem-estar.
Se a finalidade última das diferentes práticas clínicas é resgatar o paciente do seu
sofrimento psíquico, os diferentes paradigmas discutem (e continuarão discutindo)
qual o meio (clínico) que dará o melhor resultado; entendendo-se “melhor” tanto
como mais breve (sem alongar o tratamento desnecessariamente), como o mais
profundo e duradouro (um ganho na qualidade de vivência que o paciente não
venha a perder com o tempo, ou seja, não recaia no estágio de sofrimento anterior).

Por fim, outra ciência humana que cumpre os requisitos para a condição
praxeológica é a economia.

Como bem nos lembra Japiassu (conf. JAPIASSU, p. 61, 1975), as leis
econômicas “não são nem psicológicas nem tampouco não-psicológicas”. Ou seja,
elas não são apenas produto das escolhas dos sujeitos e, portanto, mais fortemente
subjetivas e variáveis, como não são exatamente uma força natural, algo similar
àquelas relações investigadas pela física que buscam se posicionar como a-históricas
e completamente exteriores, independentes da vontade individual – sempre
lembrando que mesmo para as ciências naturais essa situação de estar “fora da
história ou de suas influências” é vista como problemática para alguns pensadores
–; de qualquer forma, essa dimensão “natural” não se encaixa completamente ao
saber econômico.

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Analisemos duas leis econômicas, primeiramente:

Lei da utilidade marginal decrescente – essa lei estabelece que “[...] a


intensidade de uma necessidade é satisfeita pelo consumo de bens e serviços,
e desaparece por completo quando o consumo atinge o nível de saturação”
(SANDRONI, 1999, p. 337).

Se pensarmos que a necessidade a ser satisfeita tende a ser a necessidade


de alguém, então caminhamos para a aproximação com o chamado “universo
interior” dos indivíduos, suas necessidades e anseios, que conforme são atendidos
ocasionariam uma redução progressiva da “força” dessa necessidade. Por exemplo,
imaginemos uma situação sobre preço: o primeiro indivíduo se alimentou bem pela
manhã, na verdade comeu um pouco mais do que faz normalmente. No horário
do almoço, sua fome é leve. Na primeira lanchonete, o sanduíche do seu interesse
está com um preço mais alto do que aquilo que ele costuma pagar. Indignado, ele se
recusa a comprar o sanduíche naquele momento e resolve procurar outra lanchonete.

Então imaginemos um segundo sujeito em condições idênticas, mas com


uma diferença importante: ele não se alimentou pela manhã, está em jejum. Ao
chegar à lanchonete, também notará que o preço do sanduíche está acima do
preço normal; mesmo assim, por força da necessidade (fome maior) ele compra
o sanduíche mais caro.

Obviamente que esse exemplo não tem a pretensão de circunscrever todas


as variáveis da realidade; aliás, visando justamente observar uma variável em
particular, desconsiderando oscilações em outras variáveis envolvidas, é que os
economistas usam com frequência em seus manuais a expressão ceteris paribus –
grafada também como caeteris paribus, ou ainda coeteris paribus. Deixando de
lado polêmicas de filologia, a expressão em latim indica para os economistas que
tudo mais permanece constante, ou seja, ao centralizar foco em uma variável,
o economista deixa em suspenso especulações que envolvessem a oscilação das
demais condições. Partindo do exemplo dado, não caberia ficar elucubrando
situações extremas para invalidar o próprio exemplo, algo como: que o primeiro
indivíduo tivesse um compromisso importante em um horário próximo ao do
almoço, o que o impediria de peregrinar em busca de um sanduíche mais barato,
ou supor um preço tão exorbitante que o segundo indivíduo sequer tivesse como
pagar por ele, sendo então obrigado a buscar outro lugar para comer, mesmo
estando faminto, ou finalmente pudesse escolher outra coisa mais barata.

O ponto a ser observado é a tendência do comportamento dos agentes


econômicos, que passariam a buscar com empenho cada vez menor para sanar
uma necessidade, caso essa já tenha sido parcialmente atendida anteriormente, até
o limite de não encontrar utilidade ou não buscar por aquele serviço ou produto
quando se encontrasse em situação de saciedade.

Podemos perfeitamente visualizar as mais diferentes situações – talvez já


tenhamos todos passados por algo semelhante ao longo da vida – cuja dinâmica é
análoga aos exemplos descritos, indo da compra de medicamento para aliviar uma
dor de cabeça até a aquisição (ou não) de uma peça de vestuário.

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Todos esses cenários possíveis envolvem comportamento, escolhas feitas
mediante valorações que os próprios indivíduos atribuem em diferentes níveis
a diferentes coisas; nesse contexto, essa lei econômica conseguiria flertar com
abordagens realizadas pela psicanálise e pela psicologia.

Uma leitura distinta pode ser feita de uma segunda lei econômica, a saber:

Lei dos rendimentos de decrescentes – de acordo com essa lei: “[...] ampliando-
se a quantidade de um fator variável, permanecendo fixa a quantidade dos demais
fatores, a produção, de início, aumentará a taxas crescentes; a seguir, após certa
quantidade utilizada do fator variável, passará a aumentar a taxas decrescentes;
continuando o aumento da utilização do fator variável, a produção decrescerá”
(idem, p. 340).

Temos um contraponto em face da percepção mais “subjetivista” da lei anterior,


visto que nesta a descrição aponta muito mais para elementos e limitações de
natureza “física”.

Figura 5 - Agricultores
Fonte: iStock/Getty Images

Um exemplo de fácil compreensão (idem, idem), pensando-se produtividade


agrícola: se considerarmos o fator variável a mão de obra e o fator fixo a área a
ser cultivada (quantidade de terra), ao aumentarmos o número de trabalhadores
mantendo a área cultivada teremos um ganho de produção. Porém, chegaremos a
um ponto em que toda a área já está praticamente cultivada e aumentar a quantidade
de trabalhadores não aumenta mais a produção daquela área; pior, um aumento
ainda maior da mão de obra utilizada começa a atrapalhar o processo, pois seriam
tantas as pessoas que elas literalmente começariam a esbarrar umas nas outras, e
ao invés de ajudar, aquelas pessoas em quantidade imensa para executar tarefas
em um espaço determinado passariam a atrapalhar umas as outras, fazendo a
produção cair.

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Essa lei da economia se debruça sobre aspectos práticos-técnicos que não estão
sujeitos aos caprichos do arbítrio; a curva de declínio da produtividade é investigada
com rigor e ferramental matemático, mesmo assim não descrevem fenômenos
de universalidade a-histórica como fenômenos da química ou da física. Novas
tecnologias e técnicas podem alterar o ponto de declínio da produção.

A economia, portanto, requer investigação epistemológica própria dada a forma


como ela se apresenta para a investigação de determinados fenômenos humanos
e enquanto praxeologia.

Outras ciências humanas, a sociologia, a psicologia, a história, antropologia


etc., podem fazer reivindicações análogas. O ponto aqui não é delinear o campo
epistêmico de cada uma delas, mas reconhecer que apesar das diferenças evidentes
entre cada uma, justamente por se debruçarem sobre diferentes aspectos do
fenômeno humano, de uma forma ou de outra estarão presentes tanto como teoria
como techné, ou seja, haverá a intervenção nos fenômenos estudados, algumas
vezes de forma mais direta e incisiva, em outras de forma mais sutil. Sempre
destacando que os diferentes níveis de intervenção e aconselhamento – que podem
assumir inclusive a condição de orientações de performance - não reduz a sua
objetividade e importância enquanto saber.

Por fim, há outras indagações filosóficas a serem feitas, não apenas às ciências
humanas, mas à cientificidade de uma forma geral: “A Razão tornou-se sinônimo
de cientificidade?”. “É a razão na sua forma científica capaz de abarcar a totalidade
da experiência humana?”.

Deixaremos as reflexões sobre essas indagações para uma próxima unidade.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Filosofia da Ciência: Introdução ao Jogo e a Suas Regras
ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo: Edições
Loyola, 2000.

Ciência: Conceito-chave em Filosofia


FRENCH, Steven. Ciência: conceito-chave em Filosofia. Tradução de André Klaudat. Porto
Alegre: Artmed, 2009.

A Filosofia no Século XX
LACOSTE, Jean. A Filosofia no século XX. Tradução de Marina Appenzeller; revisão técnica
de Constança Marcondes Cesar. Campinas: Papirus, 1992.

Filosofia da Ciência e da Tecnologia


MORAIS, Regis de. Filosofia da ciência e da tecnologia. Introdução metodológica e crítica
[livro eletrônico]. Campinas: Papirus 2013

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Referências
ARANHA, M. L. A & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia.
4 ed. São Paulo: Moderna, 2009.

ARAÚJO, Inês Lacerda. Curso de Teoria do Conhecimento e Epistemologia.


Barueri: Minha Editora, 2012.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonell Vallandro e Gerd


Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo: Editor Victor Civita, 1984.
(Coleção Os Pensadores).

DILTHEY, Wilhelm. Introdução às Ciências Humanas: tentativa de uma


fundamentação para o estudo da sociedade e da história; tradução [e prefácio] de
Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

FEIJÓ, Ricardo. Metodologia e Filosofia da Ciência: aplicação na teoria social e


estudo de caso. São Paulo: Atlas, 2003.

JAPIASSU, Hilton. O Mito da Neutralidade Científica. Rio de Janeiro: Imago


Editora, 1975.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz


Vianna Boeira e Nelson Boeira. 10 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.

MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Introdução à Administração. 5 ed. rev. e


ampl. São Paulo: Atlas, 2000.

REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade


Média. 7ª edição. São Paulo: Paulus, 2002.

SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. Organização e


supervisão de Paulo Sandroni. São Paulo: Editora Best Seller, 1999.

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