E-Book Questões Raciais - Educação, Perspectivas, Diálogos e Desafios
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E-Book Questões Raciais - Educação, Perspectivas, Diálogos e Desafios
QUESTÕES RACIAIS
Educação, Perspectivas,
Diálogos e Desafios
2022
© Dos organizadores - 2022
Esta obra é uma produção independente dos organizadores. A exatidão das informações,
opiniões e conceitos emitidos, bem como da procedência das tabelas, quadros, mapas e
fotografias é de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es).
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www.editoraschreiben.com
APRESENTAÇÃO........................................................................................9
Manuel Alves de Sousa Junior
Tauã Lima Verdan Rangel
PREFÁCIO..................................................................................................12
Manuel Alves de Sousa Junior
As imagens que ilustram a capa deste livro são obras de arte do francês
Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Esteve no Brasil de 1816 a 1831 e foi um gran-
de artista do Brasil Joanino e do Primeiro Reinado. Artista reconhecido e pre-
miado na Europa, foi contratado pela coroa portuguesa e, com outros artistas,
deu origem à chamada Missão Artística Francesa no Brasil. Um dos objetivos
dos artistas era fundar a Escola Real de Artes e Ofícios, mas como o contexto
político estava conturbado com a morte de D. Maria I (1816), revoluções em
Pernambuco (1817), Bahia (1821/1823), Pará (1821), dentre outras, além da si-
tuação instável na Europa, o projeto foi sendo adiado, e só em 1826 foi fundada
a Academia Imperial de Belas Artes, Debret atuou como professor até 1831.
Enquanto isso, os artistas franceses desenvolveram outros trabalhos para a Corte
Portuguesa. Debret pintou vários quadros de Dom João VI e, posteriormente,
também, de Dom Pedro I.
Seu livro intitulado Voyage pittoresque et historique au Brésil (Viagem pitores-
ca e histórica ao Brasil), publicado em Paris, de 1834 a 1839, foi “o mais famoso
de todos os livros ilustrados por estrangeiros a respeito do Brasil” (BANDEIRA;
LAGO, 2020, p. 55). Foram 8 anos de trabalho até a publicação do livro, que con-
tou com centenas de imagens representativas do Brasil. Foram quadros à óleo,
aquarelas, esboços diversos a lápis, tinta ou aquarela e gravuras em litografia.
Debret deu atenção especial às três principais classes presentes no Império:
os negros, os indígenas e os colonizadores portugueses, bem como seus costumes
sociais no Rio de Janeiro, então capital do Império. É através desses registros,
e outras missões semelhantes, que a historiografia obteve as melhores fontes de
conhecimento para um melhor entendimento do Brasil da época.
Quando trazemos esses conhecimentos para o campo das questões raciais,
não é diferente. As imagens trazem o cotidiano de negros e indígenas no Brasil
Império e, desse modo, podemos conhecer muito da história destes grupos no
Brasil e, por consequência, a construção das relações de poder, de exploração e
de papeis sociais desempenhados pelos mais diversos segmentos.
Este livro traz 40 capítulos de autores que discorrem sobre os mais va-
riados temas ligados às questões raciais, como, por exemplo, desde a análise de
obras de arte como Harry Potter até as Teorias Raciais do século XIX, como a
eugenia, passando pela legislação de cotas raciais. Nesse sentido, o livro foi divi-
dido em duas unidades.
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REFERÊNCIA
BANDEIRA, Júlio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil: obra comple-
ta. 6. ed. Rio de Janeiro: Capivara, 2020. 720 p.
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PREFÁCIO
O tema desta obra - Questões raciais - é cada dia mais necessário para ser
debatido em todos os ambientes possíveis e imagináveis, visto que nosso país é
atravessado por um racismo estrutural que percorre e atua em todos os lugares,
em todas as classes sociais, em cada esquina do Brasil.
Próximo da data limite de fechamento dos capítulos desta obra, a mídia
noticiou mais um caso de violência contra negros no país: A morte do congolês
Moïse Mugenyi Kabagambe de 24 anos. Ele foi em um quiosque na praia da
Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, cobrar o pagamento em atraso de dias traba-
lhados no local e foi espancado até a morte por alguns homens. Moïse fugiu de
conflitos armados na República Democrática do Congo em 2011. Mais um caso
de racismo e violência contra pretos e pobres que vai entrar para as estatísticas.
Será que se fosse um jovem branco, o desfecho seria o mesmo? Fica a reflexão!
Os agressores, também negros, ajudam a refletir o racismo estrutural do nosso
país.
Moïse era preto, pobre e migrante. Para a estadunidense Judith Butler, são
condições que fazem com que sua vida seja enlutável, ou seja, não seja digna de
luto, digna de uma comoção nacional. O filósofo francês, Michel Foucault, nos
seus estudos sobre biopolítica, trouxe a máxima do biopoder que é “Fazer viver
e Deixar morrer”. Não precisa muito esforço para entender que Moïse se encon-
trava no “Deixar morrer”. Achille Mbembe, a partir dos estudos de biopolítica de
Foucault, cunhou o conceito necropolítica que trouxe o “Fazer morrer”, o fazer
morrer de uns em detrimento de outros, o fazer morrer de uns para o bem viver
de outros. Todos os conceitos destes teóricos dialogam com o racismo e a rotina
diária de pretos e pobres do Brasil.
Quando pensamos nos povos indígenas não é muito diferente, principal-
mente, em tempos de negacionismo e de retrocessos na legislação e proteção dos
povos originários e suas terras. Atualmente são pouco mais de 800 mil brasileiros
indígenas que resistem e buscam protagonismo na sociedade, mesmo com per-
seguições e genocídios que ocorrem em atritos com garimpeiros, madeireiros e
fazendeiros desde o tempo que estas terras ainda nem eram chamadas de Brasil.
O agro é pop, o agro é tech, o agro é tudo! (contém ironia!)
Moïse não foi o primeiro e não será o último. Na mesma semana da morte
do congolês, Durval foi assassinato com tiros, ao chegar em sua casa, em São
Gonçalo, no Rio de Janeiro, após um vizinho, sargento da Marinha do Brasil,
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supor que era um ladrão. Eles se juntam à menina Ágatha Félix, na zona norte
também do Rio de Janeiro; ao menino Miguel Silva em Recife; ao menino João
Pedro, em São Gonçalo/RJ; ao indígena Galdino Santos (pataxó-hã-hã-hãe) em
Brasília; à vereadora Mariele Franco, no Rio de Janeiro; e a centenas de outros
corpos invisíveis e enlutáveis que sofrem violências e são mortos todos os dias
em cada canto do nosso Brasil. Por isso, estes temas precisam ser debatidos e
divulgados em todos os espaços, seja na academia, na militância, na rua, na chu-
va, na fazenda ou numa casinha de sapê, como disse Hyldon de Souza Silva, na
composição imortalizada na voz de Paula Toller da banda Kid Abelha.
Esta obra está repleta de textos que levam à interlocução das questões ra-
ciais com as mais diversas áreas do conhecimento como eugenia e teorias raciais,
arte, literatura, esportes, educação, história, literatura, meio ambiente, resistên-
cia entre outras. Entendemos que a educação é um dos pilares fundamentais para
galgarmos algum dia a verdadeira (e ainda utópica) democracia racial em detri-
mento da fantasiosa democracia racial cunhada por Gilberto Freyre no clássico
Casa Grande & Senzala de 1933.
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Unidade i
EDUCAÇÃO E SUAS
PERSPECTIVAS
“A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É
A CARNE NEGRA”: COMO RESSIGNIFICAR A
CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DE ALUNAS/OS
NEGRAS/OS, NO ESPAÇO ESCOLAR, POR MEIO DE
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DECOLONIAIS?
Adejan Santos Dias Batista1
Érica Santos Dias Batista2
Luan Menezes dos Santos3
INTRODUÇÃO/CONTEXTUALIZAÇÃO
MÉTODO/METODOLOGIA
A fim de atender aos objetivos propostos, o relato de experiência, a par-
tir do aporte metodológico, se fundamentou numa abordagem qualitativa, uma
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REVISÃO DE LITERATURA
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de então, o desfecho do trabalho culminou-se com a ressignifi-
cação das práticas pedagógicas decoloniais, as quais não ficaram circunscritas
a tematizações e teorizações sobre racismo estrutural, institucional, individual,
mas, a partir da prática de tais conceitos, foi possível descortinar os olhares para
a desconstrução de práticas coloniais e, acima de tudo, protagonizar o aluno
negro enquanto importante em sua construção identitária; valorização e reco-
nhecimento da sua ancestralidade negra, com visibilidade não apenas no âmbito
educacional, mas social também, enquanto sujeito histórico construído de sabe-
res e vivências culturais na sociedade.
Portanto, o relato de experiência, através de cada etapa que foi construída,
o seu resultado mostrou o quanto é possível acreditar em intervenções e repara-
ções sociais, quando se protagoniza aquele(a) que está marginalizado(a), social
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REFERÊNCIAS
CANDAU, V. M. Escola e cultura(s) - As tensões entre universalidade e mul-
ticulturalismo. Texto apresentado na Reunião da Anped Sudeste, 2007. Versão
digital, 2009.
FARIA, Ana Lúcia Goulart de; FINCO, Daniela (orgs). Sociologia da Infância
no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª edição. Rio de
Janeiro: Editora DP&A, 2006.
LUDKE, Menga; ANDRÉ, M. E. D. Pesquisa em educação: abordagens qua-
litativas. São Paulo: EPU, 1986.
MINAYO, M.C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa. São
Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1995.
MUNANGA, Kabengele (org.). Estratégias e políticas de combate à discrimi-
nação racial. São Paulo: EDUSP, 1996.
PERES, R. S.; SANTOS, M. A. Considerações gerais e orientações práticas
acerca do emprego de estudos de caso na pesquisa científica em Psicologia. In-
terações, v. X, n. 20, p. 109-126, jul./dez. 2005.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y clasificación social. Bogotá:
Pontificia Universidad Javeriana / Siglo del Hombre, 2007, p. 93-126.
REZENDE, Tânia Ferreira; LIMA, Hildomar José de. Base Nacional Comum
Curricular: diretrizes para a sustentação da colonialidade da linguagem. São
Paulo: Pontes, no prelo, 2019.
SILVA, Paulo V. B; ROSEMBERG, Fúlvia. Brasil: Lugares de negros e brancos
na mídia. In: Teu Van Djjk. (org.). Racismo e disclurso na América Latina.
São Paulo: Contexto, 2008, p.73 - 119.
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COMPOSIÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCACIONAIS
NO BRASIL COLÔNIA, IMPÉRIO E REPÚBLICA:
DIFERENTES MOLDES, ESPAÇOS E TEMPOS DE
CONSTITUIR ENSINO E APRENDIZAGEM
Silas Lacerda dos Santos1
Lizete Caires Barros Martins2
INTRODUÇÃO
No Brasil, costumam dizer que para o escravo são necessários três PPP, a
saber, pau, pão e pano. E, posto que comecem mal, principiando pelo casti-
go que é o pau, contudo, prouvera a Deus que tão abundante fosse o comer
e o vestir como muitas vezes é o castigo, dado por qualquer causa pouco
provada, ou levantada; e com instrumentos de muito rigor, ainda quando
os crimes são certos, de que se não usa com os brutos animais, fazendo
algum senhor mais caso de um cavalo que de meia dúzia de escravos, pois
o cavalo é servido, e tem quem lhe busque capim, tem pano para o suor, e
sela e freio dourado [...] (ANTONIL, 2011, p. 108).
3 Ordem religiosa católica romana fundada por Santo Inácio de Loyola. Começou com um
grupo de missionários dedicados à educação e a trabalhos de caridade, em 1534. A Com-
panhia de Jesus foi aprovada oficialmente pelo Papa Paulo III, em 27 de setembro de 1540.
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Brasil ficou desassistida do ensino educacional formal. Por Saviani (2010), com-
preende-se que é possível perceber que o início da educação brasileira é marcado,
principalmente, pela colonização, enquanto exploração da terra, aculturação,
enquanto submissão forçada dos índios à cultura europeia e catequização dos
indígenas na fé cristã católica.
A partir de Barroso (2019) compreendemos que é possível refletir sobre o
quanto os brancos, portugueses, filhos da elite, eram alvos de uma educação for-
mal, longa, diversificada e preparatória para o poder e/ou para a vida eclesiástica.
Essa educação era ministrada nos colégios, nos seminários e na Universidade de
Coimbra. Baseava-se em gramática, filosofia, humanidades e artes, e completava
o estudo de cânones e da teologia. Outros portugueses, pertencentes aos segmen-
tos das classes populares, tinham acesso apenas aos rudimentos escolares: isto
é, ler, escrever e contar. Para os indígenas e mestiços, a educação era ministrada
nas missões, nos engenhos e nas igrejas. A estes ensinava-se, precariamente, o ca-
tecismo preparatório para o batismo, para a vida cristã, além de ofícios e tarefas
servis que, naquele tempo, por serem consideradas desonrosas, não podiam ser
executadas pelos brancos.
E como ficou a educação escolar dos africanos escravizados e seus des-
cendentes no Brasil colônia? Segundo Casimiro (2007), os colonizadores desen-
volveram pedagogias para atender a educação e a evangelização dos escravos.
Sobretudo, propuseram campanhas pela humanização da escravidão e partici-
param da elaboração de leis canônicas. Em meados do século XVI, debates acir-
rados, liderados por teólogos, aconteciam nos círculos religiosos e universidades
ibéricas, visando garantir tanto a evangelização dos escravos negros, como as
normas que deveriam direcionar o seu trato pelos patrões. As instruções esco-
lares aos africanos escravizados e seus descendentes aconteciam nos colégios,
missões e senzalas. No entanto, o sistema não alcançava a todos, muitos grupos
de colonos, escravizados, ex-escravos, indígenas e seus descendentes não tinham
a oportunidades de receber educação formal, até porque a colônia portuguesa
na América era de grandes proporções territoriais e os missionários jesuítas não
abarcavam todo o território.
Muitos desses indivíduos eram considerados “desqualificados”, nesse gru-
po estavam: escravos domésticos, órfãos, crianças abandonadas, filhos ilegítimos
(inclusive filhos de padres), mestiços, negros alforriados etc., ficando excluídos
desse sistema de ensino. O que restava aos “sobrantes sociais” era trabalhar como
aprendizes de oficiais mecânicos e no comércio, no caso das mulheres, muitas
aprendiam ofícios domésticos e engrossavam os exércitos de doceiras, lavadeiras
e quitandeiras que perambulavam pelas cidades da Colônia, conforme Casimiro
(2007). O ensino secundário não era permitido para índios e negros.
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contemporaneidade. Fica evidente que esse processo educacional formal não foi
ofertado de forma equitativa e sequer contemplou a todos. Os colonizadores não
envolveram os indígenas no processo de colonização, ambos os povos não foram
contemplados de forma incisiva no processo educacional. Os indígenas foram
motivo de preocupação por parte dos jesuítas, como um meio de catequizá-los,
os padres ministravam de forma básica a cultura europeia e letrada a algumas
etnias aldeadas, catequização essa que também fazia parte do processo de colo-
nização europeia para os povos do Novo Mundo.
Esse processo de oferta da educação formal vigorou e de forma desigual.
Negros e indígenas foram prejudicados com relação a falta de inclusão no pro-
cesso de construção de uma sociedade letrada, ficando assim, sem garantias de
inclusão no projeto de nação gestado pela visão eurocêntrica da história. Embora
grupos indígenas tenham lutado pela obtenção de seus direitos, em razão da
catequização católica, porém, a forma de incluí-los também os prejudicou, uma
vez que eles teriam que negar sua própria cultura e adquirir a cultura do colo-
nizador. Os dois grupos são alvos de discriminação racial. Segundo o Banco
Inter-Americano de Desenvolvimento e a Cealc, ambos são vítimas de “exclu-
são social”, “entendida como a impossibilidade de um grupo social participar
plenamente das esferas social, política, cultural e econômica da sociedade”
(HOOKER, 2006, p. 02).
Desse modo, vê-se que a situação de desigualdade, com relação aos ne-
gros e indígenas no processo de inclusão no sistema educacional, foi tema da
constituinte de 1987, ficando garantida a inclusão na Constituição Brasileira de
1988 e sendo regularizada nas Leis posteriores da década de 1990 e início do
século XXI: Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e
as 10.639/03 e Lei 11. 645/08, garantindo a inclusão do ensino da cultura afro-
-brasileira nas modalidades de ensino no país. Ainda temos muito que avançar e
conquistar no âmbito das ações reparativas, fazer valer direitos de grupos étnicos.
REFERÊNCIAS
ABREU, D. C. L. A escolarização dos negeros e suas fontes de pesquisa. In:
Revista Histedbr, versão online, Campinas, n.42, p. 235-248, jun. 2011. Dis-
ponível em https://www.researchgate.net/publication/312868270_A_esco-
larizacao_dos_negros_e_suas_fontes_de_pesquisa/fulltext/5891f45992851c-
da256a1303/A-escolarizacao-dos-negros-e-suas-fontes-de-pesquisa.pdf. Acesso
em: 10 out. 2021.
ANTONIL, A. J. Cultura e opulência do Brasil: por suas drogas e minas. 3.
Ed. Belo Horizonte: Itatiaia/Edusp, 2011. (Coleção Reconquista do Brasil).
Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObra-
Form.do?select_action=&co_obra=1737. Acesso em: 12 out. 2021.
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HISTÓRIA DA ÁFRICA
ALÉM DOS LIMITES DA IMAGINAÇÃO
Patrícia da Silva Soares1
INTRODUÇÃO
Do mesmo modo, Danielle Bastos Lopes (2014) também faz uma análise
do material didático de História da África no Brasil, que pode ser um instrumen-
to de grande importância para a construção do conhecimento e na elaboração de
referências sobre a África, os africanos e os afrodescendentes. Lopes Analisa que
permanecem nos livros didáticos o “congelamento das culturas”, a permanência
de concepções de sociedades “atrasadas” e “primitivas”. Para Henrique Cunha
Júnior (2008), o elemento básico para Introdução à História Africana não está
na história africana, mas na desconstrução e eliminação de alguns elementos
básicos das ideologias racistas brasileiras, já que o cotidiano brasileiro é povoado
de símbolos de negros selvagens e escravos amarrados, que processam e adminis-
tram o escravismo mental e realizam a tarefa de feitores invisíveis, a chicotear a
menor rebeldia do imaginar diferente. Para Cunha Júnior (2008, s.p.), são cinco
os pontos importantes a serem desconstruídos na imaginação dos brasileiros so-
bre a África:
1. A África não é uma selva tropical.
2. A África não é mais distante que os outros continentes.
3. As populações Africanas não são isoladas e perdidas na selva.
4. O europeu não chegou um dia na África trazendo civilização.
5. A África tem história e também tinha escrita (CUNHA JUNIOR, 2008,
s.p.).
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QUESTÕES RACIAIS
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Porém, a luta dos ativistas negros desse período reconhecia que não basta-
va punir os crimes de racismo e preconceito racial. Era preciso ir além e adotar
políticas públicas para a diminuição das desigualdades raciais. Eles entenderam
que a inclusão da história e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica
significava o reconhecimento do negro pela sociedade e, consequentemente, sua
inclusão social, de forma mais justa e igualitária.
No documento final da Convenção Nacional do Negro pela Constituinte,
realizada em Brasília, em 1986, seus 186 participantes, compostos por “represen-
tantes de 63 Entidades, compreendendo Entidades Negras, Sindicatos, Partidos
Políticos e Grupos Sociais, de 16 Estados da Federação”, reivindicavam no que
diz respeito à educação e a cultura:
VI- Sobre Educação:
1- “O processo educacional respeitará todos os aspectos da cultura brasilei-
ra. É obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I, II e III graus, do
ensino da história da África e da História do Negro no Brasil”; [...]
3- “A elaboração dos currículos escolares será, necessariamente, submetida
à aprovação de representantes das comunidades locais”; [...]
5- Que seja alterada a redação do § 8º do artigo 153 da Constituição
Federal, ficando com a seguinte redação: “A publicação de livros, jornais
e periódicos não dependem de licença da autoridade. Fica proibida a pro-
paganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião,
de raça, de cor ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à
moral e aos bons costumes”
VII- Sobre a Cultura:
3- “Que seja declarado Feriado Nacional, o dia 20 de novembro, data da
morte de Zumbi, o último líder do Quilombo dos Palmares, como Dia
Nacional da Consciência Negra”; [...]
4- “Que seja efetivado o reconhecimento expresso do caráter multirracial
da Cultura Brasileira”; (BRASÍLIA, 1986, p. 3-5).
Essa luta vai levar à sanção da Lei 10639 em 2003, pelo Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, quando foram criadas políticas de promoção à igualdade
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racial. Uma das políticas públicas para a promoção da igualdade racial foi o
desenvolvimento das ações afirmativas, como o sistema de cotas para o ensino
superior e cargos nas empresas estatais (RABELO, 2015).
Pensando nisso, por que trabalhar História da África na Educação Básica?
Para Santos (2005), historicamente, o sistema de ensino brasileiro não é só eu-
rocentrista, como também desqualifica o continente africano e inferioriza racial-
mente os negros, produz e reproduz a discriminação racial contra os africanos e
seus descendentes. O estudo de História da África é fundamental para o estabe-
lecimento de sentido das “experiências vivenciadas pelas comunidades afro-bra-
sileiras, além de proporcionar importante contribuição na discussão das questões
de natureza étnico-raciais como racismo e a discriminação racial” (SOARES,
2019, p.27). Segundo Nascimento:
O sistema educacional é usado como aparelhamento de controle nesta es-
trutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro
– elementar, secundário, universitário – o elenco das matérias ensinadas,
como se se executasse [...] constitui um ritual da formalidade e da ostenta-
ção da Europa, e, mais recentemente, dos Estados Unidos. Se consciência
é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte ina-
lienável da consciência brasileira? Onde e quando a história da África, o
desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as características, do seu
povo, foram ou são ensinadas nas escolas brasileiras? Quando há alguma
referência ao africano ou negro, é no sentido do afastamento e da alienação
da identidade negra. Tampouco na universidade brasileira o mundo negro-
-africano tem acesso. O modelo europeu ou norte-americano se repete, e as
populações afro-brasileiras são tangidas para longe do chão universitário
como gado leproso. Falar em identidade negra numa universidade do país
é o mesmo que provocar todas as iras do inferno, e constitui um difícil desa-
fio aos raros universitários afro-brasileiros (NASCIMENTO, 1978, p. 95).
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método de educar:
- uma situação problema dentro de um contexto de experiência que ser-
virá de estímulo;
- a posse de conhecimentos informativos para agir dentro da situação;
- a ocorrência de sugestões, que o aluno mesmo deverá desenvolver de
forma ordenada;
- a oportunidade de aplicar as ideias surgidas, comprovando seu valor e
descobrindo o seu significado.
Com base nas premissas discutidas e nas etapas propostas por Dewey, foi
desenvolvida um método de História da África, que também pode ser trabalhada
para a produção de material didático de outros povos “estigmatizados e estereo-
tipados aos olhos da nossa cultura como indígenas, ciganos, muçulmanos etc”
(SOARES, 2019, p. 22). O objetivo principal é a desconstrução das imagens sobre
o continente africano e seus povos ao longo da história.
Para tanto, este trabalho, metodologicamente, conta com cinco passos:
problematização do real, com uma questão motivadora do estudo da temática;
sondagem do conhecimento do aluno sobre a temática a ser trabalhada; trabalho
com a representação que a sociedade que está sendo analisada tem de si mesma;
interpretação de textos e fontes históricas; avaliação das novas representações
forjadas pelos alunos, sobre a sociedade analisada.
A partir deste método, foi construído o material didático “História da
África: além dos limites da Imaginação”, que propõe aos alunos algumas proble-
máticas sobre História, diversidade, África etc. O material pode ser acessado em
sua integra no apêndice 3 da dissertação “África, um Novo Olhar: o ensino de
História da África na Educação Básica” (SOARES, 2017)4, entre as páginas 148
a 199. O material é composto por textos e atividades para que o professor busque
apoio na elaboração de suas aulas, seguindo uma dinâmica, com começo, meio
e fim, porém o professor pode selecionar apenas os textos e atividades que serão
úteis na elaboração de seus planos de aula e para seus alunos. A seguir, apresen-
taremos as etapas do método e as atividades propostas.
1- PROBLEMATIZAÇÃO DO REAL
fechadas, com afirmações sobre o continente africano, em que o aluno deve res-
ponder: concordo, discordo, indeciso. O professor também pode propor que o
aluno aplique o questionário com outras pessoas de diferentes idades. Ao final, é
proposta a tabulação dos dados dos questionários da turma e a transformação em
tabelas para a visualização da imagem da África a ser trabalhada e desconstruída
durante as aulas
5- AVALIAÇÃO FINAL
CONCLUINDO
REFERÊNCIAS
BARCA, Isabel. Aula Oficina: do projeto à avaliação. In: BARCA, Isabel
(org.). Para uma educação histórica de qualidade: atas da quarta jornada de
educação histórica. Braga: Uniminho, 2004. p. 131-144.
BARCA, Isabel. A Educação Histórica numa Sociedade Aberta. In: Currículo
Sem Fronteiras, Portugal, v. 7, n. 1, p. 5-9, jan.-jun. 2007. Semestral. Disponí-
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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54
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
55
O ENSINO DE HISTÓRIA PAUTADO NA
CULTURA AFROBRASILEIRA
Jackson Adair Gonçalves1
INTRODUÇÃO
1 Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Professor da Rede Esta-
dual do Rio Grande do Sul. Email: [email protected].
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Plus Size Brasil, sua meta é cada vez mais dialogar seja em entrevistas para a
mídia, seja com professores, alunos e comunidade, sobre a valorização do negro
na modernidade e que a descriminação é crime e deve ser denunciada.
CONCLUSÃO
O ensino religioso tem tomado muitas vezes proporções erradas nos edu-
candários enquanto disciplina do saber, visto que, o docente não tem uma pre-
paração necessária para atuar neste campo, seja por não ter formação na área de
ensino religioso, ou por muitas vezes tentar pregar uma doutrina religiosa em sua
classe.
Denota-se que muitos docentes da área, não pensam na formação sólida
do estudante, mas sim apenas em passar um texto qualquer e ganhar seu dinhei-
ro no final do mês. Para isso, busca-se profissionais capacitados, e que o setor
pedagógico das escolas deem atenção às atividades desempenhadas por seus do-
centes, visando verificar se realmente as temáticas e planos de aula estejam sendo
desenvolvidos da forma correta.
O ensino religioso é muito mais que uma disciplina, busca formar no alu-
no seu caráter de respeito frente às diferentes manifestações religiosas, e levar ao
aluno conhecimento prévio sobre historicidade, espiritualidade e saber frente às
diferentes manifestações culturais religiosas.
A umbanda, religião de matriz africana, tem sido destaque no Rio Grande
do Sul pela devoção em Iemanjá, orixá que tem suas festividades no mesmo dia
que Nossa Senhora dos Navegantes. Denota-se que também é uma religião his-
tórica, que tem suas raízes fixadas nos terreiros e casas, principalmente de Porto
Alegre, e que foi trazida por escravos no período colonial no Brasil.
A fé e devoção é nítida em todos os festejos, sejam eles na Umbanda ou
no Catolicismo, porém os traços da historicidade religiosa sobrevive aos séculos,
passando de geração para geração, e os cultos sendo um portal com a espirituali-
dade, emanando luz e prosperidade aos seus devotos e fiéis.
Já a disciplina de história necessita fazer esse resgate histórico da cultura
afrobrasileira, tendo em vista a obrigatoriedade através das leis 10.639/2003 e
11.645/2008, tanta cultura herdada pela cultura negra que muitos alunos não co-
nhecem, tantos monumentos no próprio Estado do Rio Grande do Sul, na Bahia,
Salvador, Rio de Janeiro que são marcas do legado afrodescendentes que não são
debatidos em aula. É notório a falta de atualização por parte dos docentes e da
inclusão por mais que seja lei nos currículos educacionais.
REFERÊNCIAS
BEZERRA, Juliana. Sincretismo. Toda Matéria, 2020. Disponível em: ht-
64
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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O BRINCAR DO QUINTAL E DO TERREIRO:
POSSIBILIDADES DA BNCC NA EDUCAÇÃO
PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Débora Magalhães de Souza França1
INTRODUÇÃO
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Podemos encontrar neste campo diversas formas de interação que nos pos-
sibilite conhecer a diversidade do continente africano, desmistificando a teoria de
unidade sociocultural e econômica. Nossa intenção é de que as crianças tenham
acesso à variedade de espécimes que habitam o continente, aprendam através dos
búzios e das sementes conhecimentos matemáticos e brinquem com a geometria
dos tecidos africanos. São inúmeras as possibilidades, dentre as quais destaca-
mos a aquisição de conhecimentos matemáticos utilizando grãos de alimentos de
origem africana, búzios, pedras etc.; conhecimento da fauna e da flora de países
africanos, suas belezas naturais e recursos e a percepção de diferenças culturais,
sociais e físicas entre os diversos países africanos, desmistificando a ideia de uni-
dade territorial e cultural.
Precisamos ressaltar que as propostas aqui apresentadas não se tratam de
receitas prontas, mas sim possibilidades que podem se adequar a cada realidade.
Sua implementação perpassa por uma série de fatores para além do interesse do
professor, embora consideremos este como principal vetor para que a educação
antirracista ocorra de fato. A criação e manutenção de um acervo bibliográfico,
visual, audiovisual, artístico etc. na escola em que a educação infantil ocorre é de
suma importância para a facilitação do trabalho docente. O apoio da comunida-
de escolar na preparação do espaço, na abordagem da temática e conscientização
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QUESTÕES RACIAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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76
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
77
PELO FIM DO RACISMO NEGRO E INDÍGENA:
POSSÍVEIS ABORDAGENS A PARTIR DA BNCC
Gustavo dos Santos Souza1
Daniele Gonçalves Colman2
INTRODUÇÃO
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
ótica para mudar alguns paradigmas, mudar nossas abordagens, que aqui se re-
ferem às formas de falar, lembrando que a fala não se dá só oralmente, o corpo e
as ações também falam, muitas vezes mais que a forma verbal.
Os povos indígenas não podem mais ficar folclorizados apenas quando
falamos de “Descobrimentos do Brasil” e depois desaparecerem da História e do
planeta. Os negros não podem mais estarem atrelados apenas aos conteúdos de
Brasil Colonial e a escravidão, aparecer depois com a abolição da escravidão e
na mágica do monoculturalismo desaparecerem também. Eis que as normas da
BNCC têm para o ensino de História levantado muitas competências que obri-
gam os currículos trazerem nos conteúdos as questões étnico-raciais, culturais,
saberes indígenas, saberes e cultura afrodescendente e, por algumas vezes, rela-
cionar com a África para além dos conteúdos citados.
Para o primeiro ano do Ensino Fundamental em uma das competências
se lê, “(EF01HI04) Identificar as diferenças entre os variados ambientes em que
vive (doméstico, escolar e da comunidade), reconhecendo as especificidades dos
hábitos e das regras que os regem” (BRASIL, 2018). Para além do ambiente
em que ela vive, existe a possibilidade de trazer outras realidades como, acam-
pamentos, aldeias urbanas e rurais, quilombos e favelas, ou seja, mostrar para
as crianças que existem formas outras de estar e viver no mundo, isso pensan-
do também em realidades outras escolares e comunitárias. Para o segundo ano,
existe a oportunidade de trazer outras formas de compreender o tempo e ainda
explorar as formas como outras culturas como, indígenas e africanos medem e
mediam o tempo. Na competência se lê “(EF02HI06) Identificar e organizar,
temporalmente, fatos da vida cotidiana, usando noções relacionadas ao tempo
(antes, durante, ao mesmo tempo e depois)” (BRASIL, 2018). Algo a se pensar a
partir disso é o próprio significado de tempo para outras culturas, ver que a nossa
forma de lidar com o tempo cronológico não é universal.
A diversidade étnica e racial é algo presente em todo o território brasi-
leiro, não há cidade ou estado que se isente disso. O que ocorre é a invisibili-
zação dessa diversidade, algo que a BNCC na competência (EF03HI01) para
o terceiro ano não deixa escapar, “Identificar os grupos populacionais que for-
mam a cidade, o município e a região, as relações estabelecidas entre eles e os
eventos que marcam a formação da cidade, como fenômenos migratórios (vida
rural/vida urbana), desmatamentos, estabelecimento de grandes empresas etc”
(BRASIL, 2018). Outra oportunidade em levantar uma abordagem quanto aos
diferentes sujeitos e culturas presentes nesses contextos, bem como o papel
deles na construção da cidade e o lugar que ocupam na sociedade. Evitando
comparações depreciativas ainda é possível, “(EF03HI03) Identificar pontos de
vista em relação a eventos significativos do local em que vive, aspectos relacio-
nados a condições sociais e à presença de diferentes grupos sociais e culturais,
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que a Base Nacional Comum Curricular nos apresenta bre-
chas decoloniais (WALSH, 2009) pelas quais conseguimos trabalhar com assun-
tos que promovem a desconstrução de concepções equivocadas, produzidas his-
toricamente, sobre negros e indígenas. Possibilita, ainda, significativas mudanças
na perspectiva de análise da sociedade, visto tamanha atuação de movimentos
indígenas e negros na contemporaneidade, fazendo emergir questionamentos
sobre as atuais estruturas socioeconômicas e culturais, ainda atravessadas pela
escravidão do período colonial.
Através deste, esperamos contribuir, ainda de que forma inacabada, para
a problematização da educação no que se refere ao trabalho com questões en-
volvendo as temáticas negras e indígenas, reconhecendo a importância da parti-
cipação dos múltiplos povos na formação de nossa sociedade e, principalmente,
apoiando-se na educação como uma forma de ressignificar a histórica subalter-
nização direcionada a estes povos por meio do colonialismo e, posteriormente,
a colonialidade.
Com isso, a escrita desse artigo tem a expectativa de criar visibilidade para
futuros debates e colaborar para a circulação de informações a respeito das habi-
lidades e competências presentes na BNCC que permitem um maior envolvimen-
to da comunidade escolar com temáticas importantes referentes às populações
negras e aos povos indígenas.
Sendo assim, não esperamos concluir de maneira concreta esse estudo,
86
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
REFERÊNCIAS
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88
TEORIA ANTIRRACISTA CRÍTICA
PARA DESCOLONIZAÇÃO DO ENSINO
DA HISTÓRIA INDÍGENA
Ana Catarina Zema1
Peterson Mendes Martins2
INTRODUÇÃO
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3 George Jerry Sefa Dei é chefe Adumakwaahene da cidade de Asokore, no Gana, e profes-
sor de Educação Antirracista no Ontario Institute for Studies in Education (OISE), da Universi-
dade de Toronto. Como tal, foi merecedor de vários prêmios pelo seu importante trabalho.
O professor Dei tem se dedicado não apenas aos estudos sobre raça e racismo na Educação,
mas tem se interessado também pelo pensamento indígena e anticolonial e mostrado como
estes pensamentos podem contribuir para a construção de novas possibilidades pedagógi-
cas.
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QUESTÕES RACIAIS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
no presente e você não tem futuro, por que você precisaria da terra?
A crítica indígena à história ocidental sustenta que tal história é um “proje-
to modernista que se desenvolveu paralelamente às crenças imperialistas sobre o
Outro”. A história se constrói em torno de um conjunto interconectado de ideias.
Ela destaca dez: 1) A história é totalizante; 2) A história é universal; 3) A histó-
ria é uma grande cronologia; 4) A história é equivalente ao desenvolvimento; 5)
A história tem a ver com a autorealização do sujeito humano; 6) Os relatos da
história se podem contar em uma narrativa coerente; 7) A história é uma disci-
plina inocente; 8) A história se constrói sobre categorias binárias e; 9) A história
é patriarcal (2016, p. 57-59). A descolonização do ensino da história indígena
começaria pela revisão e desconstrução dessas ideias.
A descolonização do ensino e da escrita da história indígena depende de
uma revisão crítica de conceitos centrais, a começar pelas ideias de espaço e
tempo, da forma como foram hegemonicamente definidos pela racionalidade
moderna – estrutura de saber que legitima a expansão do projeto civilizacional
moderno ocidental no mundo. Depende, também, de uma compreensão da ora-
lidade e do papel das tradições orais na produção do conhecimento indígena.
Assim, a prática da história oral se apresenta como fundamental para o desen-
volvimento de uma educação antirracista. Sobre a prática da história oral, Smith
explica que a “arte de contar histórias” é “parte integral de toda investigação
indígena” (SMITH, 2016, p. 194). Os testemunhos indígenas são vivos e “cada
história individual é poderosa” e contribui para uma história coletiva (SMITH,
2016, p. 194). As narrativas indígenas sobre o passado são formas de “transmitir
as crenças e os valores” de um povo, “esperando que as novas gerações os apre-
ciem e continuem transmitindo a história” (SMITH, 2016, p. 194-195). É uma
maneira de “conectar o passado com o futuro, uma geração com a outra, a terra
com a gente e a gente com a história” (Smith, 2016, p. 195). As narrativas indíge-
nas são também compreendidas como “uma obra que educa o coração, a mente,
o corpo e o espírito” (SMITH, 2016, p. 195).
A compreensão da oralidade e do papel das tradições orais nos coloca a
necessidade de aprendermos a ouvir e a integrar a versão indígena da história.
Nesse sentido, a participação das organizações indígenas é fundamental na esco-
lha e na definição dos conteúdos, assim como sua colaboração na criação de ma-
terial didático e para a formação de professores. Os conteúdos da história indí-
gena não deveriam ser pensados apenas em termos de conhecimentos, deveriam
ser tratados em uma abordagem mais íntima, pois existem sensibilidades a serem
descobertas e uma visão de mundo mais holística a ser integrada. Deveríamos,
assim, tentar fazer refletir nas nossas práticas pedagógicas valores particularmen-
te significativos para os povos indígenas como reciprocidade, interdependência,
compartilhamento, respeito à natureza, consciência das consequências de nossos
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atos. Um tal enriquecimento dos cursos escolares teria não apenas como efeito
combater os racismos e preconceitos, mas permitiria também aos milhares de
crianças e jovens indígenas que hoje frequentam as escolas e universidades bra-
sileiras serem reconhecidos e terem fortalecido o orgulho de seu povo e de sua
cultura.
São muitos os caminhos para pensarmos a descolonização do ensino da
história indígena. Aqui destacamos apenas alguns, como a importância da his-
tória oral e da participação e parceria com os povos indígenas na construção
de boas práticas pedagógicas na escola, assim como na revisão dos conteúdos
curriculares. Também chamamos a atenção para o perigo de uma compreensão
da história eurocêntrica e a necessidade de desconstrução de suas ideias funda-
doras. Seria, ainda, preciso discutir os usos de alguns conceitos, palavras, ca-
tegorias, mapas e conteúdos, utilizados recorrentemente nas aulas de história,
para pensarmos em estratégias de revisão com vista a uma descolonização dessa
disciplina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
descolonizar seu próprio discurso e suas práticas. Elas são válidas, também, por-
que nos levam a refletir sobre como lutar contra o racismo por meio do ensino
da história indígena. Acreditamos que a luta contra o racismo deve ser um dos
principais objetivos do ensino da história indígena. Para isso, é preciso mudar a
mentalidade e avançar na construção de um programa escolar que não apenas
questione os processos de dominação da cultura eurocentrada, mas que favoreça
a compreensão dos processos de construção e produção do racismo e de cons-
cientização e responsabilização da sociedade como um todo.
Seguindo as proposições da TARC, o ensino da história indígena deveria
incluir uma reflexão sobre os processos de construção dos racismos. É preciso ex-
plicar aos jovens que o racismo não é o resultado de um confronto entre pessoas
de cor de pele diferentes, mas o produto de uma construção política e econômica.
É preciso ensinar a perceber o conjunto de elementos que contribui, ainda hoje,
para a formação de opiniões e preconceitos raciais a fim de afastá-los do sistema
educativo. É preciso preparar os futuros professores de história a desenvolver
uma abordagem crítica das representações tendenciosas, dos conceitos e noções
inadequadas por meio das quais a história indígena é ensinada. Uma das primei-
ras tarefas que o professor de história deve ser capaz de cumprir é questionar os
seus próprios preconceitos e racismos.
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(O rganizadores )
100
EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES RACIAIS:
REFLEXÕES SOBRE AÇÃO DE GESTORES
E PROFESSORES ACERCA DAS
QUESTÕES RACIAIS NA ESCOLA
Malsete Arestides Santana1
Nilvaci Leite de Magalhães Moreira2
Rosana Fátima de Arruda3
INTRODUÇÃO
Para a educação das relações raciais não basta ter uma gestão com lide-
rança e professores fazendo trabalhos esporádicos, esta deve contribuir signifi-
cativamente para a promoção da igualdade racial, tendo como um dos meios
para essa ação o conhecimento do racismo educacional que, conforme discutido,
é institucionalizado. Por isso, aparece escondido sob o manto de democracia
racial, ou seja, na sociedade brasileira, há dificuldade para reconhecer as ações
racistas devido à forma difusa com que ele ocorre e permeia as relações sociais.
Uma educação antirracista respeita as diferenças raciais no discurso e na práti-
ca, discute as desigualdades na sociedade e busca combater estereótipos e ideias
pré-concebidas, o que visa erradicar o preconceito e a discriminação racial, pois
valoriza a igualdade de tratamento nas relações e possibilita uma vivência positi-
va entre todos (CAVALLEIRO, 2000).
A formação do profissional para uma educação antirracista possibilita
compreender a diversidade racial e torna o educador mais apto a lidar com a
temática, possibilitando que os estudantes construam comportamentos mais re-
ceptivos às diferenças. Para Cavalleiro (2000), o professor informado sobre as
questões raciais pode contribuir para tornar a escola um espaço de respeito a di-
versidades, e possibilita que alunos de grupos estigmatizados racialmente possam
METODOLOGIA
REVISÃO DA LITERATURA
Como pode-se ver, é preciso pensar nas ações escolares, entre elas, as dos
gestores, como uma articulação consciente entre ações, que se realizam no coti-
diano da instituição escolar e o seu significado político e social. Para Luck (2008
p. 46), “o conceito de gestão está associado à mobilização de talentos e esforços
coletivamente organizados, à ação construtiva conjunta de seus componentes,
pelo trabalho associado, mediante reciprocidade que cria um “todo” orientado
por uma vontade coletiva”. Nesse mesmo pensamento, para os teóricos Gadotti e
Romão (2004), a gestão escolar contribui para a democratização das relações no
ambiente das escolas, em que todos os sujeitos dessa relação (alunos, pais, pro-
fessores, funcionários, diretores e comunidade) buscam uma convivência harmô-
nica e um crescimento grupal, agindo como agentes de modificação na própria
escola e na comunidade.
Desse modo, as ações dos gestores e professores no espaço escolar deve
oferecer subsídios para um diálogo a respeito da realidade plural, de forma parti-
cipativa, atenta à diversidade presente na escola, que trabalhe na perspectiva in-
clusiva, combatendo as desigualdades, ações que esteja associada a um contexto
de transformação e cidadania.
Neste sentido, faz parte das ações de gestores e professores participarem da
construção de uma proposta curricular que contemple as questões raciais, assim
como corroborar para que essa proposta seja colocada em prática. Todavia, alguns
gestores e os outros profissionais da educação têm se mostrado indiferentes em
relação ao desempenho de seu papel diante das diferentes evidências de discri-
minação racial no processo educativo. Talvez, isso ocorra pela falta de preparo
desses profissionais da educação para lidar com as situações de racismo no coti-
diano escolar. Assim, faz-se necessário sua participação nos cursos de formação
na perspectiva antirracista, para que adquiram suporte teórico que possibilite a
diminuição de índices expressivos de desigualdades raciais na educação brasileira.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
espécie humana, tornando o educador mais apto a lidar com a temática, possibi-
litando que os alunos construam comportamentos mais receptivos às diferenças.
Ainda para Pinto (2000), o professor informado sobre as questões raciais pode
contribuir para tornar a escola um espaço de respeito a diversidades, e possibilita
que alunos de grupos estigmatizados racialmente possam usufruir de elementos
que contribuam para a autoestima deles. Para Cavalleiro (2000), uma educação
antirracista respeita as diferenças raciais no discurso e na prática, discute as de-
sigualdades na sociedade e busca combater estereótipos e ideias pré-concebidas,
o que visa erradicar o preconceito e a discriminação racial, valorizando a igual-
dade de tratamento nas relações e possibilita uma vivência positiva entre todos.
De acordo com a pesquisa de dissertação de mestrado realizada por Santana
(2012), muitos gestores ainda resistem em admitir que nas escolas onde gerenciam
exista discriminação. Atribui a discriminação racial como bullying, modismo, mini-
mizando as consequências das práticas racistas no trabalho com os alunos.
[…] aqui não há racismo, discriminação não. Eu não vejo. Aqui a comunidade é
composta de negros, a maioria dos alunos são negros. (Diretora B). “o preconceito
aqui é contra os deficientes, mas com o negro não.” (DIRETORA ESCOLA B).
[...] aqui na minha escola não há discriminação, as brigas são por outro motivo, mas
não vejo discriminação pela cor não. Hoje é mais o bullying, virou modismo, é o que
nós temos visto frequentemente na mídia e isto tem refletido no comportamento dos
alunos na escola. (DIRETORA ESCOLA A).
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(O rganizadores )
[…] aqui, os professores têm resistência em trabalhar sobre isso, não tem interesse
pelos materiais, principalmente os enviados pelo MEC e os do projeto da cor da cul-
tura. Quando eles vão falar sobre a questão racial, fala somente superficial. As datas
passam batidas, como se não fosse importante. (PROFESSORA MARINA).
[...] Naquele primeiro momento, a percepção que a gente tinha é trabalhar essas ques-
tões por que era uma imposição da Lei. Hoje eu penso assim, a lei está aí tem que ser
trabalhada, mas hoje não é mais a questão da Lei em si. Mas os próprios valores que
nós temos que desenvolver uns para com os outros (CAMÉLIA. ENTREVISTA.
CUIABÁ, 23/05/2014).
Como pode-se observar, embora a lei 10.639 traga em seu bojo, a obrigato-
riedade em relação a mudança de postura dos docentes e reestruturação do cur-
rículo escolar que contemplem o reconhecimento e a valorização do negro desde
sua promulgação em 2003, ainda precisamos avançar e muito nessa questão. Vale
destacar que, a educação antirracista deve levar a escola e a sociedade a não se
calar diante das situações de racismo, fazer da escola e da sociedade um lugar de
respeito às diferenças, às diversidades.
Nesse sentido, falar de gestão antirracista requer que os gestores sejam
preparados para reconhecer a existência do racismo na sociedade brasileira; im-
plementar a Lei nº 10639/03 para a construção positiva, valorizar e reconhecer
a identidade dos afro-brasileiros; considerar a diversidade e a pluralidade cultu-
ral da sociedade brasileira; ter comprometimento ético com relação à questão
racial; realizar estudos e reflexões aprofundadas acerca das questões raciais na
sociedade brasileira; combater estereótipos e ideias pré-concebidas visando er-
radicar o preconceito e a discriminação racial; contemplar na matriz curricular
as Diretrizes que aborda a educação das relações raciais; promover diálogos nos
conflitos raciais com todos os envolvidos; contextualizar os conflitos raciais e
ampliar as discussões; ver os conflitos raciais numa possibilidade educativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
106
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
REFERÊNCIAS
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108
A POPULAÇÃO NEGRA NO LIVRO DIDÁTICO
NO ESTADO DO MARANHÃO
NA CONTEMPORANEIDADE
Marcos José Soares de Sousa1
Caroline Bandeira de Sousa2
Elivelton Costa Oliveira3
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
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São Luís foi: História Sociedade e Cidadania do autor Alfredo Boulos Junior
da editora FTD. Na cidade de Imperatriz o livro adotado foi Estudar História:
da origem do homem era digital da autora Patricia Ramos Braick da editora
Moderna. Ambos utilizados no triênio 2017, 2018, 2019.
112
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
REFERÊNCIAS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à lava jato. Rio de Janeiro:
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UMA EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA,
O SUBDIAGNÓSTICO DE AUTISTAS NEGROS:
UMA RELAÇÃO ENTRE RACISMO E CAPACITISMO
Amanda Santiago Souza Melo1
Robson Batista Moraes2
INTRODUÇÃO
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A HISTÓRIA DO TEA
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
A DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
sociais, discursos e crenças que permeiam o senso comum e, por vezes, até a
ciência.
A partir do exposto acima, sabemos que as condições históricas da socie-
dade ocidental possibilitaram à medicina exercer o poder e a tarefa de legislar
sobre a vida do outro, principalmente das pessoas com deficiência. Assim, o dis-
curso aplicado pela medicina a qualquer pessoa baseia-se na ideia de invariância
biológica do homem e invariância das relações sociais (ILLICH, 1973).
O processo de medicalização da sociedade constitui uma ferramenta de
controle social do estado e da medicina. Nessa perspectiva, as pessoas com defi-
ciências são vistas como meros corpos, assim como as questões sociais e huma-
nas são transformadas em biológicas (RAAD; TUNES, 2011).
Contudo, aquele que foge a dita norma, a pessoa negra com deficiência,
geralmente, é limada pela medicina, pois até o diagnóstico de TEA é negado.
Para que haja a compreensão da relação entre deficiência, racismo e capacitismo,
nas próximas linhas, é preciso que haja uma discussão da constituição do racis-
mo na sociedade, a relação entre racismo e capacitismo e o impacto de ambos na
vida das pessoas com deficiência e autistas.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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METODOLOGIA
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
chamam de retardado”.
O aluno 02 foi um adolescente de 15 anos, pardo, periférico, gêmeo de ou-
tro adolescente que estudava pela manhã na mesma escola, no 2º ano do ensino
médio. Mora com a mãe e há anos não vê o pai. Ele relatou que sempre teve uns
comportamentos diferentes como o balançar o corpo para frente e para trás, não
conseguia fazer amigos e sempre era apontado pelos colegas como esquisito. Em
uma de suas falas ele disse “Pobre, negro e estudante atrasado, só pode viver
dopado”.
O aluno 03 foi uma adolescente de 18 anos, do gênero feminino, negra,
periférica, filha caçula de uma família de 4 irmãs, mora com os pais. Ela relata
que sempre foi considerada a “ovelha negra” da família por ser diferente das
demais irmãs, por ter dificuldade para aprender, até que foi transferida do turno
matutino para o noturno. A aluna 03 diz que toma remédios para depressão e
ansiedade, mas que ninguém quis se aprofundar para entendê-la. Nas palavras
dela, “Nem na doença preta e pobre tem paz”, em outro momento ela diz, “é difícil
ter médico, professora e quando acho um, eles só fazem me deixar lerda, tomo os remé-
dios e só tenho vontade de dormir” e ainda afirma, “As pessoas me chamam de idiota,
dizem que sou maluca, que tenho retardo mental”.
Como é possível perceber, ambos os alunos relataram para a professora
que passam por constrangimentos, bullying, por situações de racismo e capa-
citismo. Tanto os alunos 01, 02 como a aluna 03 fazem referência as questões
étnico-raciais, quanto às situações capacitistas. Dessa forma, expressões como
“não é fácil ser depressivo/negro/retardado /atrasado; pobre/negro/atrasado, pre-
ta/pobre/idiota/maluca/retardada mental” aparecem em seus relatos e fazem re-
ferência às categorias analisadas nessa pesquisa, racismo e capacitismo.
Além disso, como pessoa autista que também teve o diagnóstico negado
por muitos anos, sendo silenciada, perdendo direitos essenciais como o pleno
desenvolvimento de pessoa e cidadã, a professora de português percebeu nes-
ses três alunos sinais e sintomas do TEA, principalmente no que diz respeito à
sintomatologia básica dessa condição do neurodesenvolvimento, nas áreas da
linguagem, do comportamento e da cognição. Sendo assim, convidou a direção
escolar para uma reunião e falou de suas suspeitas. A professora e direção de-
cidiram solicitar aos pais dos estudantes que comparecessem à escola para uma
reunião. Foi aconselhado que os pais, mais uma vez, buscassem suporte médico,
para que seus filhos fossem avaliados e, em caso de confirmação do autismo,
fossem encaminhados para terapias multidisciplinares que potencializariam suas
habilidades, assim como os ajudariam a superar as dificuldades, permitindo que
vivessem com equidade de oportunidades na sociedade, sobretudo, na escola.
A instituição escolar entrou em contato com a unidade de saúde da famí-
lia do bairro ao entorno da escola e solicitou que os responsáveis pela unidade
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se nos relatos dos alunos e nas experiências em sala de aula narra-
das no texto, a importância das escolas terem um olhar sensível aos possíveis alu-
nos autistas, e, sobretudo, da relevância da formação especializada do professor
que, por sua vez, tenha traquejo para lidar e identificar por meio de observações
em sala, as dificuldades de aprendizagem dos alunos. Além disso, verifica-se a
dedicação em tentar identificar os possíveis casos de TEA, e, posteriormente, a
intervenção por meio de comunicação aos responsáveis e o direcionamento deles
a profissionais da saúde.
É revelado através dos comentários dos alunos que ambos relacionam as
questões sociais, no caso, o racismo ao capacitismo. Essa intersecção acontece,
mesmo que, no momento, eles não saibam, oficialmente, que são autistas. Assim,
compreende-se que os dados apontam para possibilidades de associação entre ra-
cismo e capacitismo, demonstrando que as múltiplas vulnerabilidades atingiram
aos estudantes participantes desse estudo.
Desse modo, é importante que a escola, como ambiente de educação e de
cidadania, construa um olhar mais atento para as relações sociais que acontecem
nesse espaço, valorizando a vida, como também as diferenças, pois o racismo e
o capacitismo acontecem de forma concomitante, demonstrando que o último
é estrutural assim como o primeiro. Assim, são produções dessa sociedade e
do espaço escolar. Portanto, através dessa pesquisa esperamos não só contribuir
com as investigações na área, mas, sobretudo, desejamos engajar debates sobre
as desigualdades, que no caso das pessoas autistas, são potencializadas quando
somadas a questão racial.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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135
REFLEXÕES SOBRE A TRAJETÓRIA FORMATIVA
DOCENTE E O LUGAR DA INTERCULTURALIDADE:
APRENDIZAGENS E DESAPRENDIZAGENS
Andrea Lugo Nectoux1
INTRODUÇÃO
Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde.
Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
modo a servir, à sua medida, para a criação das condições conforme as quais a
equidade real seja possível: uma efetiva descolonização. Por isso o multicultu-
ralismo que embasa meu trabalho privilegia a insurgência das epistemologias e
cosmovisões subalternas e o diálogo entre aqueles que programaticamente não
foram escutados, ou seja, não tiveram suas vozes reconhecidas pelo referencial
dominante, as existências subalternizadas pelo projeto da modernidade ociden-
tal. A aposta é que a abertura do horizonte monocultural do projeto ocidental
às ideias da subalternidade insurgente possa transformar o mundo no sentido de
uma radical democracia.
Dessa forma, o ensino da Filosofia Africana, em uma perspectiva decolo-
nial, parece-me capaz de levantar questionamentos a respeito dos valores colo-
niais, de modo a desestabilizar sua hegemonia em nossas consciências. É sabido
que as transformações não se fazem somente de críticas, mas elas são imprescin-
díveis na construção de qualquer mudança.
Penso que o ensino de filosofias africanas é capaz de oferecer instrumentos
conceituais e existenciais para problematizarmos e repensarmos a nós mesmos,
nossas identidades e as relações étnico-raciais no âmbito da colonialidade, sobre-
tudo em nosso país.
Apesar de toda a diversidade do pensamento africanos, tendo esses ob-
jetivos em mente, podemos destacar alguns ricos elementos estruturantes que
subjazem às particularidades e que contrastam de tal forma com a concepção
ocidental que torna incontornável sua reconsideração crítica e sua relativização.
Reverter o epistemicídio (SANTOS, 2010) que o pensamento africano sofreu
através da exposição de sua riqueza silenciada, encoberta ou resistente, presente
de forma mais ou menos evidente em práticas, valores e cosmovisão que compar-
tilhamos (uma vez que a cultura brasileira é, em grande medida, afrodiaspórica),
além de atuar na direção da reparação de uma injustiça epistêmica, carrega o
potencial de operar o agenciamento dos sujeitos aviltados pela ordem colonial.
Penso que o ensino de Filosofia Africana pode, em alguma medida, con-
tribuir na restituição de parte da herança de pensamento negada, ou seja, restituir
o devido lugar do pensamento africano e afrodiaspórico e de seus produtores
no universo das grandes experiências de pensamento – e dessa forma contribuir
para a reversão do vil efeito de desqualificação ontológica promovida pela lógica
colonial (NOGUERA, 2014). O contato com o pensamento africano pode ser
capaz de nos proporcionar acesso a outro tipo de experiência e compreensão de
mundo, que extrapolam o esquema da racionalidade ocidental, marcada pelo
reducionismo, dualismo e fragmentação analítica, e intrinsecamente vinculada a
um projeto de poder que opera sobre as bases do racismo.
A Filosofia Africana apresenta característica singulares e potentes para
alicerçar modos outros de vida. Aponto como fundamental a percepção de que
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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147
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E AS LEIS 10.639/03 E
11.645/08: POTENCIALIDADES E DESAFIOS
NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Thays Leal Silva1
INTRODUÇÃO
As relações raciais e o racismo são questões que têm ganhado cada vez
mais visibilidade, relevância e espaço no debate público brasileiro, sobretudo
a partir do início deste milênio, em função da crescente implantação de ações
afirmativas. Um importante marco nessa direção foi a promulgação da Lei
10.639/03, que modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira em todo o
currículo da Educação Básica, seguida pela Lei 11.645/08 que introduziu tam-
bém a História e Cultura Indígena.
Nesse contexto, no presente artigo apresentamos algumas reflexões sobre
as relações étnico-raciais no Brasil e suas reverberações no campo da educação
escolar. Para tanto, discutiremos brevemente os conceitos de raça, etnia e racis-
mo, problematizando os mitos referentes às relações raciais e a discussão en-
tre a marginalização e o racismo, focando na luta da população afro-brasileira.
Evidenciaremos ainda, o caminho histórico das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que
rompem com o posicionamento político e ideológico, que nega a história do pon-
to de vista do colonizado, e oportunizam a compreensão da diversidade cultural
brasileira.
Entendendo que a escola é um campo de notável influência na formação
dos sujeitos para as relações sociais, buscamos refletir sobre a prática de uma
educação antirracista, que possibilite a construção do conhecimento, jogando luz
sobre saberes e vozes encobertas pelo modelo cultural, social e epistemológico
ocidental moderno – colonial. Pois, a partir da inserção da história e cultura dos
povos indígenas e afro-brasileiro no currículo e no fazer pedagógico escolar é
possível a criação de um novo saber, um saber que reproduza de forma igualitária
as histórias e culturas dos povos formadores da nação brasileira.
1 Mestra em Educação Básica (Colégio Pedro II). Graduada em Licenciatura plena em His-
tória (UGB). Graduada em Psicologia (UFF). Professora de História na Prefeitura Munici-
pal de Resende/RJ. E-mail: [email protected]
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Silva (2020) destaca que para a teoria social contemporânea, raça e etnia
não podem ser considerados construtos culturais fixos ou definitivos por estarem
sujeitas a um constante processo de transformação. Uma vez que a diferença e a
identidade fazem parte de um processo relacional de mútua dependência, sendo
assim, a diversidade cultural é um processo histórico e discursivo de construção
da diferença.
Entendemos que a soma dos conceitos raça e etnia possibilita explicitar a
dimensão cultural (linguagem, tradições, ancestralidade) e a racial (característi-
cas físicas) de um povo. Assim, estes dois termos são considerados pertencentes
um ao outro e por conta da dificuldade de distinção, grande parte da literatura os
usa de forma equivalente. Nesse sentido, de acordo com Oliveira (2006), o uso da
expressão “étnico/racial” tem o intuito de abranger as considerações para além
do aparente, uma vez que sujeitos aparentemente brancos podem ter ancestrais
negros. Assim, o emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para
apontar que as tensas relações ocasionadas pela diferença na cor da pele e traços
fisionômicos, também ocorrem devido à raiz cultural, que difere em visão de
mundo, valores e princípios de outros povos e raças.
Para dialogar sobre as relações étnico-raciais no Brasil focaremos na luta
das populações afrodiaspóricas e negra brasileira, desta forma, discutiremos o
racismo e a discriminação que a população negra sofre. Pois, embora, a maior
parte da população brasileira seja composta de negros, ainda persiste em nosso
país um imaginário étnico-racial que privilegia e valoriza principalmente as raí-
zes europeias, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a
africana, a asiática. O que perpetua ideologias, desigualdades e discriminação
racial (BRASIL, 2004b).
A construção da identidade negra acontece na conexão de classe, gênero e
raça, questões permeadas pelo racismo e desigualdade social. Para Nilma Gomes
(2010, p. 98), essa “identidade construída pelos negros brasileiros (pretos e par-
dos) se dá não apenas por oposição ao branco, mas também pela negociação,
pelo conflito e pelo diálogo com este e outros grupos étnico-raciais.” Segundo
Munanga e Gomes,
o racismo é um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes,
do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial ob-
servável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo de cabelo, formato
do olho, etc. Ele é resultado da crença de que existem raças ou tipos huma-
nos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira.
Exemplo disso são as teorias raciais que serviram para justificar a escravi-
dão no XIX, a exclusão dos negros e a discriminação racial (MUNANGA;
GOMES, 2016, p. 179).
Segundo Teixeira (2006), existe um “ideal de ego do branco”, que foi cons-
truído com base no determinismo da elite e se perpetua hoje nas escolas através
dos livros didáticos e dos conteúdos que marginalizam a história negra e indí-
gena, focando majoritariamente na história dos brancos europeus. Isso acontece
por conta do epistemicídio, que:
É o fenômeno que ocorre pelo rebaixamento da autoestima que o racismo
e a discriminação provocam no cotidiano escolar; pela negação aos negros
da condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, ne-
gação ou ocultamente das contribuições de continente africano e da diás-
pora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do
embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar
(CARNEIRO, 2005 apud RIBEIRO, 2019, p. 63)
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Após cinco anos a Lei 10.639 foi atualizada para a Lei 11.645, de 10 de
março de 2008, que acrescentou a obrigatoriedade da temática História e Cultura
Indígena nos currículos oficiais da rede de ensino, alterando artigo 26-A da LDB
para:
Art. 1º O art. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a
vigorar com a seguinte redação:
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3 Teorias de aculturação, muito presentes no Brasil até 1970, consideravam que a assimi-
lação de indígenas à elementos da sociedade brasileira transformavam o índio em um ser
aculturado, ou seja, alguém que deixou de ser índio e atingiu outro status.
4 Movimentos indígenas se referem àqueles cujos protagonistas são os próprios índios. Já os
movimentos indigenistas são formados pelos apoiadores dos índios, que podem ser intelec-
tuais ou ativistas.
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povos, como a Lei 11.645, fruto de lutas iniciadas no período colonial e presentes
até hoje. Apesar de críticas à maneira como a lei foi apresentada em 2008, como
a ausência de professores, indígenas e especialistas no processo que acarretou
sua promulgação, o texto conduziu avanços na discussão e inserção da cultura
indígena nas escolas.
A Lei acrescenta a relevância do estudo dos povos indígenas brasileiros
nas escolas e possibilita a mobilização em torno das questões veladas das práticas
sociais e educacionais no nosso país. Desta forma, tal Lei traz possibilidades de
conflitos, confrontos e negociações epistêmicas, colocando em evidência a visibi-
lidade de outras lógicas históricas, diferentes da lógica dominante eurocêntrica,
além de pôr em debate a descolonização epistêmica (OLIVEIRA, 2010).
Giovani Silva e Anna Costa (2018) destacam que há muito a ser pesqui-
sado e publicado sobre os povos indígenas ancestrais e atuais, principalmente na
área dos livros didáticos, para que a temática se insira nas escolas desvincula-
da de estereótipos e preconceitos alimentados por séculos dos, até pouco tempo
atrás, chamados “povos primitivos” ou “povos sem história”. Para que então,
os indígenas deixem ser considerados coadjuvantes da chegada dos europeus,
e depois apagados dos livros, dos currículos e das aulas, para serem lembrados
apenas no dia 19 de abril. Sobre isso, as autoras questionam: “Como combater
o preconceito e a discriminação a partir desse cenário de silêncio e apagamento
da diversidade na história brasileira? Os professores de quaisquer disciplinas têm
muito a ganhar se se dispuserem a aprender com a diversidade etnocultural do
país” (SILVA; COSTA, 2018, p. 96).
Como sabemos, a Lei 11.645 não faz referência apenas ao ensino da his-
tória e cultura dos indígenas, mas também dos africanos e afrodescendentes, te-
máticas tão necessárias em uma educação ainda marcada pelo preconceito en-
raizado contra os indígenas e negros, muitas vezes limitados pela História como
selvagens e escravizados. Assim, a Lei apresenta várias possibilidades para en-
sinar o respeito a presença da diversidade cultural e étnico-racial, seja indígena,
negra ou migrante. Ensinar que essa diversidade é um patrimônio nacional e
deve ser preservado e valorizado é uma responsabilidade educacional e social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualda-
de nos descaracteriza”.
Entender e ressignificar as relações raciais no Brasil demanda buscar os
variados aspectos desse fenômeno tão complexo, em que se entrelaçam questões
epistemológicas, éticas, políticas, estéticas, linguísticas, sociológicas, históricas,
geográficas, etc. Logo, compreendemos que qualquer abordagem desse tema que
o restrinja a um só desses aspectos, fatalmente o simplificaria de modo impró-
prio e o mutilaria como objeto de análise. Além de tentar abranger a mais ampla
gama possível de saberes, a educação antirracista deve buscar abranger a maior
gama de olhares e vozes. Assim, a voz do aluno, a voz do negro, a voz do mar-
ginalizado, – perspectivas nem sempre identificadas como legítimas no caminho
do conhecimento, tal como se dá na modernidade – podem encontrar espaço
para diálogo na escola.
A temática das relações étnico-raciais e do ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena ainda têm muitos lugares para alcançar, principal-
mente no que tange às relações sociais. Para que possamos incluir e levar novos
olhares às demandas coletivas, é importante que a história contada pela ótica
europeia seja revista e repensada, dando lugar à verdadeira história do negro e
do indígena. Nesse sentido, as Leis 10.639 e 11.645 representam mais um passo
nas políticas de ações afirmativas e de reparação para a educação básica, por
possibilitarem a realização de debates antirracistas no país, bem como, a concre-
tização do ensino da história dos povos indígenas e afro-brasileiro nos currículos
e espaços escolares.
Apontamos que um ensino que valoriza as várias existências étnico-raciais
é benéfico para toda a sociedade, pois possibilita a compreensão do outro nas
suas idiossincrasias, combatendo os preconceitos, transformando o perverso sis-
tema racial e englobando toda a sociedade brasileira. Dessa forma, acreditamos
que a prática da educação antirracista, embora desafiadora em uma sociedade
colonial e racista, é um caminho que oportuniza o relato do sujeito subalterni-
zado, a problematização dos mitos referentes às relações raciais e a discussão da
relação entre marginalização e racismo. Isso significa construir um conhecimen-
to jogando luz sobre saberes e vozes encobertas pelo modelo cultural, social e
epistemológico ocidental moderno – colonial.
As Leis 10.639 e 11.645 rompem com o posicionamento político e ideo-
lógico que nega o outro, que nega a história do ponto de vista do coloniza-
do, trazendo a possibilidade de compreensão da diversidade étnica brasileira.
Compreensão que não é automática, pois como afirma Fonseca (2012 apud
BRITO, 2017), os esforços com palestras, cursos de formação e seminários sobre
o assunto são pequenos e não atingem satisfatoriamente as escolas brasileiras e o
meio acadêmico, por isso, é preciso lutar para que as leis alcancem a sala de aula
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n.10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temá-
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Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC/
SEF, 2004b.
BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a lei n. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, modificada pela lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currícu-
lo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 mar.
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Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 2.ed. Petrópo-
lis: Vozes, 2008. p. 13-37
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EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:
O DISCURSO DA INCLUSÃO E A
MARGINALIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA
Domingos Dutra dos Santos1
Guilherme Aguiar Gomes2
Wraydson Silva Sousa3
INTRODUÇÃO
Partindo das temáticas previstas na Lei Federal 10.639/2003, que nos di-
reciona ao ensino e inclusão do estudo da História e Cultura Afro-brasileira,
este trabalho investiga as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História da Cultura Afro-brasileira e
Africana. Objetiva-se fazer uma análise da relação entre Educação e as Relações
Étnico-raciais com foco no discurso da inclusão e da marginalização da popula-
ção negra.
Em princípio, precisamos demarcar que no Brasil a análise da relação en-
tre as políticas públicas sociais e a questão étnico-racial foi limitada, de um lado,
por desentendimentos das especificidades das relações raciais, e, de outro lado,
por uma iniciativa explícita da maioria das políticas governamentais e de parte
da intelectualidade de ocultar e descaracterizar o problema racial brasileiro. Dito
isto, pensar as políticas sociais e a constituição da sociedade brasileira em sua
conexão com as relações étnico- raciais e, por conseguinte, a pobreza e a desi-
gualdade social, não são possíveis sem levar em conta as raízes escravistas de
quase quatro séculos em nossa formação e as implicações do desenvolvimento
capitalista em nosso país.
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É inserido neste tipo de raciocínio que Caio Prado Jr. ao discutir o objetivo
de Portugal com a colonização do Brasil traz esta afirmação:
No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a coloniza-
ção dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais
completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela,
destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em pro-
veito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização
tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos
fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolu-
ção históricas dos trópicos americanos (PRADO JUNIOR., 1965, p. 25,
destaque nosso).
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Não é por acaso que nas palavras de Florestan Fernandes, a burguesia bra-
sileira ao construir neste país um capitalismo dependente foi incapaz de conciliar
desenvolvimento econômico, soberania nacional e democracia. Em Florestan
Fernandes é possível apreender como a burguesia nacional nasceu sob a depen-
dência do capitalismo internacional. Percebemos, como nesse período de tran-
sição entre a Monarquia e a República, entre a ordem escravista e o capitalismo
dependente, a ratificação de uma estrutura oligárquica e latifundiária que co-
nectava claramente a função agro-exportadora do capitalismo nacional, frente à
ordem econômica mundial (SAMPAIO JUNIOR, 1999; FERNANDES, 1976).
Contudo, o fim da escravidão em 1888 e, por conseguinte da Monarquia,
e o inicio da República geraram uma série de instabilidades e incertezas sobre o
futuro do Brasil. A partir desse contexto, pensar o que seria o Brasil e quais polí-
ticas e ações deveriam ser tomadas para incorporar o país na rota do progresso e
do desenvolvimento tomaram proeminência nas discussões políticas e acadêmi-
cas que, até a primeira metade do século XX, demarcaram um ethos social para
o Brasil e sua população caracterizada pelas relações entre grupos étnico-raciais
diferenciados e miscigenados.
No pós-abolição a argumentação primeira é que a população negra não
se adaptaria sem controle, coerção e disciplina. Os intelectuais e adeptos dessas
argumentações se valiam de teorias raciais, supostamente científicas, produzi-
das na Europa que tiveram grande impacto nos centros de pesquisa, academia
e institutos que pensavam o território brasileiro. Entre as produções baseadas
no determinismo racial, que tiveram ressonância no Brasil, destacamos as de
Gobineau em 1853 e Le Bom no ano de 1894 que apontavam a miscigenação
com um problema civilizacional, enalteciam o que qualificam de tipos puros e,
com efeito, entendiam a miscigenação como um meio de degeneração. Tendo
grande assentimento entre os anos de 1870 e 1930 associavam as características
fenotípicas da população e do indivíduo à sua capacidade moral e intelectual,
utilizando-se de fundamentos biológicos (SCHWARCZ, 1993).
Essas teorias baseadas no determinismo racial alegavam que havia uma
diferença substancial entre as raças e que a superioridade da raça branca dava-
-se em virtude de sua maior inclinação à civilização do que a população negra.
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Todavia, hoje sabemos que esse tipo de análise deve ser relativizada e que
a população negra no Brasil, desde o começo da escravização, possuía uma sé-
rie de profissões e graus variados de educação. Trabalhavam em muitos setores
da produção e, portanto, em muitas ocasiões tinham as condições técnicas para
assumir postos de trabalhos depois da abolição oficial em 1888. E mesmo tendo
conhecimento que muitos negros não sabiam operar máquinas, os imigrantes
europeus, também, em seu conjunto não tinha essa habilidade.
Nessa direção, se faz necessário pensar a especificidade do racismo em
nosso território e de como a população negra foi incorporada nesse projeto de
formação da sociedade brasileira, pautada em um ideal de desenvolvimento, ci-
vilização e progresso.
[...] os projetos nacionais no Brasil desde a implantação da primeira repú-
blica caminharam no sentido de institucionalizar o racismo, tornando-o
parte do imaginário nacional. Ou seja, o Brasil é um típico exemplo de
como o racismo converte-se em tecnologia de poder e modo de internalizar
as contradições (ALMEIDA, 2018, p. 67. destaque do autor).
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ENSINO DE HISTÓRIA E AS RELAÇÕES ÉTNICO-
RACIAIS: SABERES E FAZERES NA ESCOLA
QUILOMBOLA MARIA ELOISA BATISTA
Rafaela Matos de Santana Cruz 1
Letícia Fumiko Kudo2
INTRODUÇÃO
4 Criado por Paulo Freire, em São Paulo, na gestão de Luiza Erundina, o projeto MOVA-
-Brasil procura seguir um caminho educativo que proporcione aos educandos envolvidos
irem além do domínio da leitura e escrita. (SILVA, 2017, p. 86)
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Enfatizamos que esta pesquisa não teve pretensão apenas investigar o ensi-
no de história que é desenvolvido dentro de uma escola quilombola, mas apren-
der com os sujeitos da comunidade, no seu cotidiano escolar, os significados do
fazer/ensinar história, das suas vivências e, consequentemente, o processo de
construção da identidade. Nesse sentido, será pertinente estabelecer diálogos,
potencializar a voz das crianças para que rememorem experiências vividas, nar-
rem seu cotidiano e possibilitem a compreensão da identidade na sua fluidez e
dinamicidade.
Os PCN dos anos iniciais da educação básica ainda contam com uma
divisão por dois ciclos, além de eixos temáticos de orientação de conteúdos pro-
gramáticos. Essa divisão estabelece o que as crianças precisam aprender durante
essas duas etapas de aprendizagem escolar. Os conteúdos ligam-se aos saberes e
fazeres desenvolvidos nos espaços de convívio das crianças.
Mesmo com alguns ajustes já sendo realizados e algumas políticas públicas
sendo efetivadas, em 2003 foi criada a Lei nº 10.6398, de 09 de janeiro de 2009,
6 BRASIL. Presidência da República. Lei nº9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabe-
lece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 20 de
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outubro 2020
7 Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história,
geografia/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 166p.
8 BRASIL, Lei 10.639/03 de 09/01/2003. Altera os artigos 26 e 79 da Lei 9.394/96 de Dire-
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tem que seguir uma organização voltada à “memória coletiva; das línguas re-
miniscentes; dos marcos civilizatório; das práticas culturais; dos acervos de re-
pertórios orais; dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam
o patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país” (BRASIL,
2012, p. 3).
Esse olhar específico para a educação escolar quilombola potencializa a
escola como lugar de reafirmação das identidades da comunidade, visto que,
entre todos os conflitos e contradições próprios da construção de identidades,
um quilombo se faz quilombo sobrevivendo como tal pela força das identidades
que nele existe.
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elites brancas, nada mais foi que uma estratégia de esconder e deixar harmonioso
os reais problemas enfrentados pelo país, como o vigente sistema escravocrata,
que assim, iria sustentar a mesma ordem e hierarquia como se fosse algo natural.
O que vemos hoje é reflexo desse passado, de um país que na sua estrutura, de-
senvolveu uma cultura racista, que inferioriza e massacra os corpos e as mentes
dos povos negros. Assim, Nascimento (1980, p. 69) em seus escritos mostra que
“Os brancos têm sido os únicos a ditar arbitrariamente o sentido do Cristianismo,
da Justiça, da Beleza, da Cultura, da Civilização, da Democracia, e isto desde o
início da colonização até os dias presentes”.
Em confluência a este pensamento, lembramos a crítica profunda que o
educador Paulo Freire (2000) faz ao sistema de educação brasileiro, indicando
ser este um sistema colonial, de uma sociedade dependente, que fomenta a cultu-
ra do silêncio, para que este se reproduza entre nós, fazendo de nosso povo seres
menos, que não reconhece a força e potência de nossa cultura, de nosso povo,
que não pensa nossa realidade a partir dela mesma, dos problemas e questões
existenciais e sociais, mas sim através de moldes pré-existentes e herdados da
colônia.
É preciso, portanto, quebrar com essa cultura do silêncio, pensar o diálogo
e a educação de forma recíproca, amorosa e profundamente horizontal. Buscar
produzir um saber coletivo, pois a comunicação é a busca da significação, da
interação de sujeitos iguais, sem hierarquia de poderes, saberes e seres. Dizer a
palavra é um direito humano, e não de uns e outros! Nisso se faz a ação cultural,
a pedagogia da liberdade, da ação, do amor, da luta! (FREIRE, 1987).
Desse modo, na trajetória da pesquisa sobre o ensino de história dentro
de uma escola quilombola, fazer uso de uma escuta sensível lança possibilidades
para ouvir vozes “outras” – que contam suas próprias experiências e história,
contidas no chão de uma escola quilombola, – e traduz a compreensão de que “a
história regional traz à tona as experiências dos grupos dominados e dos projetos
que foram destruídos pelos dominantes”, como defende Paim em diálogo com
Thompson (2005, p. 177).
Lembrando Thompson (1981) “o objeto do conhecimento histórico é a
história “real”, cujas evidências devem ser necessariamente incompletas e im-
perfeitas” (THOMPSON, 1981, p. 50). A história não precisa ser linear para ser
entendida, tampouco bela, com final feliz, metricamente perfeita, nisso consiste
os contos, os poemas. A história real “não só é mais rica, mais viva e mais como-
vente, mas também mais verdadeira [...]” (THOMPSON, 1992, p.137).
A história não é uma fábrica para a manutenção da Grande Teoria, como
um Concorde do ar global; também não é uma linha de montagem para a
produção em série de pequenas teorias. Tampouco é uma gigantesca esta-
ção experimental na qual as teorias de manutenção estrangeiras possam
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Partindo dessa história que é problematizadora, que não tem como função
a preservação de verdades universalizantes, mas sim de pensar e ler o presente,
é que esta pesquisa faz uso de epistemologias que pensam com, e assim, pos-
sibilitam reescrever histórias de sujeitos inferiorizados e marginalizados histo-
ricamente. Sabe-se que “a colonização junto com a colonialidade aconteceu e
deixou resquícios, pois estas são construídas da modernidade, e não derivada”
(MIGNOLO, 2005, p. 75). Portanto, é necessário traçar diferentes possibilidades
de descortinar a colonialidade, nas esferas do Ser, do Saber e do Poder.
A autora Almeida (2019, p. 20), em diálogo com Maldonado-Torres (2007)
e Quijano (2005), afirma que:
[...] a colonialidade perpassa todos os âmbitos da existência e pode ser
compreendida em diferentes dimensões. Por exemplo, a “colonialidade do
ser” é exercida a partir do processo de hierarquização e da desumanização,
pautada no eurocentrismo, elegendo sujeitos inferiores e superiores, pondo
em dúvida o valor humano, a capacidade de raciocínio e cognição dos su-
jeitos colonizados (MALDONADO-TORRES, 2007). Noutra dimensão,
pertinente para o pensamento decolonial, a “colonialidade do saber” se
exercita pela imposição do padrão de pensamento e produção do conheci-
mento, essencialmente europeu, como universal e legítimo, subalternizan-
do outras racionalidades e perspectivas epistemológicas, acadêmicas e, de
modo geral, excluindo outros saberes que não sejam europeus.
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(O rganizadores )
Nos territórios colonizados a resistência fora possível uma vez que houve
a criação de estratégias de sobrevivência do ser-saber que abriram fissuras nas ló-
gicas do colonialismo. Hoje há uma continuidade dessas práticas que Catherine
Walsh denomina de Pedagogia Decolonial. Esta pode ser entendida “[...] como
práticas insurgentes que fraturam a modernidade/colonialidade e tornam possí-
vel outras maneiras de ser, estar, pensar, saber, sentir, existir e viver” (WALSH,
2013, p. 27).
Imersa na etnografia no ato de “escutar, vivenciar e compreender o pensa-
mento africano recriado na diáspora”, Machado (2013, p. 21) legitima a escola
como “lugar onde todas as vozes podem ser ouvidas, onde tudo é juntado e tem
significado incluindo uma perspectiva de reconfigurar o processo educativo de
sujeitos autônomos, coletivos e solidários a partir da cultura local”. Nisto consis-
te o urgente e importante papel que a escola ocupa, principalmente uma escola
quilombola, como local para estabelecer diálogos que possam soltar vozes e rees-
crever histórias. Pois,
sem dúvida, nesse diálogo com as comunidades negras precisamos estar
preparados, ou melhor, em constante preparo. Os detentores dos patrimô-
nios negros são sujeitos políticos, protagonistas da história do Brasil, guar-
diões de memórias e narradores de histórias pouco divulgadas, mesmo que
não tenham tido acesso à educação formal, mesmo que não tenham reco-
nhecimento social e formação escolar/acadêmica. Estarão sempre, como
nós, escrevendo e reescrevendo histórias e novas estratégias de vida e de
luta (ABREU, 2019, p. 33-34).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABREU, Martha; MATTOS, Hebe; GRINBER, Keila. História pública, ensino
de história e educação antirracista. In: Revista História Hoje, São Paulo, v. 8,
nº 15, p. 17, 2019.
ALMEIDA, Mirianne Santos de. Entre gritos e silêncios: ecos de uma peda-
gogia de (re) existência com meninas quilombolas. Aracaju: UNIT, 2019. 165 f.
Tese (Doutorado em Educação). Universidade Tiradentes, 2019.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar.
Campinas: Papirus, 1995.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Tradução Myriam Ávila et al. Belo Hori-
zonte: Editora UFMG, 1998.
EVARISTO, Conceição. Poemas de recordação e outros movimentos. Rio de
Janeiro: Malê, 2017.
FONSECA, Selva Guimarães. História local e fontes orais: uma reflexão sobre
saberes e práticas de ensino de História. In: Rev. História Oral, v. 9, n. 1, p.
125-141, jan.-jun, 2006.
FONSECA, Selva; SILVA, Marcos. Ensino de História hoje: errâncias, conquis-
tas e perdas. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, nº 60, p. 13-33
- 2010
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escri-
197
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(O rganizadores )
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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A (DES)EDUCAÇÃO DOS NEGROS E NEGRAS: POR
UMA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
NO CURRÍCULO ESCOLAR
Tatiana Marques da Silva Parenti Filha1
Graziela Oliveira Neto da Rosa2
INTRODUÇÃO
O cotidiano escolar nos últimos dez anos tem sido um lugar paradoxal
para nós, mulheres, cidadãs e professoras atuantes da educação pública, identi-
ficadas e defensoras da educação inclusiva, emancipadora e libertadora, em que
a sala de aula é um território político, de tecer sonhos e realidades (FREIRE,
2010). Nesta reflexão discorremos sobre nossas experiências e inquietações em
torno da Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER). Para Grada Kilomba
(2019), o racismo cotidiano reflete em vocabulários, discursos, imagens, gestos,
ações e olhares que colocam o sujeito negro como a personificação dos aspectos
reprimidos na sociedade branca, a “Outridade”, que recria esse projeto de silen-
ciamento, controlando a possibilidade de o sujeito negro ser escutado e fazer
parte da humanidade.
A partir de nossas experiências como docentes/gestoras e de nossos es-
tudos acadêmicos, indicamos que as leis 10.639/03 e 11.645/08, que tratam do
ensino da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) e
o Plano Nacional de implementação da ERER, não estão sendo respeitadas/
implementadas no cotidiano escolar. Problematizamos essa indicação a partir
da inação da gestão pública que, ao longo dos anos, contribui no fortalecimen-
to do racismo cotidiano no espaço escolar. Conforme Maria Aparecida Bento
(2014), este silêncio em torno das políticas públicas afirmativas, possibilitam o
1 Tatiana Marques da Silva Parenti Filha- Filósofa; Pedagoga; especialista em Gestão Esco-
lar; Supervisão Escolar e Culturas Juvenis; Mestre e Doutora em Educação. Coordenadora
da Assessoria escolar SMED-SL.
2 Graziela Oliveira Neto da Rosa – Pedagoga, especialista em Gestão Escolar e Mestre em
Educação. Professora da rede municipal de Esteio. Atual presidenta do Sindicato dos Ser-
vidores do município de Esteio. Membro do movimento negro de Esteio, membro do Mo-
vimento Negro Unificado - RS e Membro do Grupo Interinstitucional GT 26-A do TCE/
RS.
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
não prestar contas, compensar ou indenizar os negros. Por essa razão, que elas
por vezes são taxadas de protecionistas.
O Estado, sobretudo nos últimos quatro anos, dá pouca relevância à pauta
racial, o que reitera a sistemática de discriminação, que tem a raça como funda-
mento, se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que cul-
minam em desvantagens ou privilégios, chamada por Silvio de Almeida (2018)
de racismo estrutural. Em decorrência de tal realidade, muitas vezes, quem acaba
assumindo a responsabilidade de trazer a pauta da educação antirracista e/ou
quebrando a lógica da invisibilidade de tais demandas, são professoras/es ne-
gras/os e/ou professoras/res militantes da luta antirracista.
A maioria das instituições segue mantendo o mesmo currículo da escola
colonizadora e embranquecida, com práticas que ignoram os impactos do racis-
mo estrutural no cotidiano da escola e na sociedade como um todo. Os dados re-
ferentes aos índices de analfabetismo, de evasão/reprovação/abandono escolar,
de distorção idade/ano, posicionam os estudantes pretos e pardos no topo desses
indicadores. Devemos ter ciência de que o sistema de colonização está enraizado
em nossa cultura, e é necessário muita reflexão, debate e diálogo para que, aos
poucos, possamos nos enxergar hora como colonizador, ora como colonizado,
para ressignificar nossa prática docente, currículo escolar e construir uma socie-
dade igualitária. Conforme Fanon (2008), é o colonizador que fez o colonizado,
mas é o colonizado que faz a descolonização. Esse poder colonizador que está
em plena atividade é o que ocupa os espaços concretos de dominação. A escola
é um desses locais que precisa sofrer uma ruptura desse sistêmico processo e ser
descolonizada.
A educação, ao longo dos anos, vem ofertando aos povos indígenas e ne-
gros o lugar da insignificância, passando boa parte de sua trajetória escolar sendo
convencidos da sua inferioridade. Para Woodson (2021), a ideia de inferioridade
transpassa o negro em quase todas as aulas de que participa e em quase todos
os livros que estuda. O racismo estrutural, exercitado em diversas instituições
sociais consolida, concretiza as ideias da vida social que tem em si o racismo or-
gânico. Dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque a sociedade
é racista (ALMEIDA, 2018). A qualidade das instituições educacionais é afetada
profundamente pelo racismo, prejudicando a trajetória escolar e comprometendo
a garantia do direito à educação de estudantes do nosso país. Enfrentá-lo é um
desafio da sociedade brasileira.
A instituição escola, em geral, tem trabalhado numa lógica de produção
de indivíduos aptos a se adaptar à realidade social, que é desigual, excludente e
discriminatória. Reside aí o paradoxo profissional a que nos referimos no início
desta reflexão. Somos mulheres professoras, uma preta e uma branca, militantes
de um mundo mais justo, plural e igualitário, onde a escola ocupa um lugar
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3 Escrevivência - Busca falar com a escrita, um dos símbolos de resistência e uma forma
prática de vencer a dor. Que articula três termos - escrever, ver e viver -, é um elemento
permanente no percurso investigativo, que possibilita um profundo mergulho no plano da
experiência.
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QUESTÕES RACIAIS
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também daqueles que ainda estão realizando a sua trajetória escolar e escu-
tar, atentamente, o que eles têm a nos dizer (GOMES, 2003, p. 174).
Ser igual às colegas da escola era abandonar minhas tranças, meu cabelo
crespo, rejeitar meu corpo, passar por momentos de negar minha pele e, inclusi-
ve, minhas origens. Era não comentar sobre as rodas de saravá, era aceitar convi-
tes para grupos de jovens da igreja católica, pois isso fazia com que eu estivesse
próxima de ser aceita. Creio que passamos parte de nossas vidas nos adequando
ao modo ocidental de viver. Ou nos adaptamos a esses modos ou a sobrevivência
se torna difícil. O mundo representado na escola e fora dela é dos brancos, no
qual as culturas europeias são um ideal a ser seguido. Conforme Gomes (2003),
precisamos construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, his-
toricamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso
negar-se a si mesmo. Outro ponto importante a relatar é o sentimento de invisi-
bilidade e abandono por parte dos professores, na dissertação de mestrado, Rosa
(2021), relata uma dessas lembranças:
Uma das diversas lembranças escolares foi na quinta série, assim como
outros colegas, eu tinha algumas dificuldades para me adaptar com nove
professores. Um distanciamento real mudou completamente as relações
entre professores e alunos. Visivelmente nós, alunas e alunos negros, sen-
tíamos um tratamento hierárquico na sala, pois os colegas brancos tinham
visibilidade, reconhecimento e elogios. Exemplo disso foi uma das expe-
riências negativas que vivi quando fui reprovada e repeti o ano: uma das
professoras não me deixava participar das aulas e proibia responder seus
questionamentos. Ela dizia que o fato de ser repetente, não me autorizava
a responder, pois já sabia os conteúdos. Em uma das aulas expositivas, ela
me mandou calar a boca e baixar o braço, me ridicularizando na frente dos
colegas, situação que não era recorrente com as crianças brancas (ROSA,
2021, p. 76-77).
204
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
tendo em vista que pouco, ou nada, se falava de raça, etnia, racismo, diferenças,
desigualdades...
Quando cresci e reencontrei minhas colegas negras, e tivemos a oportuni-
dade de relembrar de nossas experiências escolares, infância, brincadeiras, é que
fui percebendo que estudávamos juntas, mas não vivíamos as mesmas coisas.
Uma delas, em nossos encontros de adultas, sempre comenta sobre o meu jeito
forte e intenso de abraçar, de que eu sempre a abracei assim, e ela se sente criança
quando nos abraçamos. E eu nunca entendia o que isso significava de fato, até o
dia em que fui até a casa dela entregar o livro que publiquei, oriundo da minha
tese de doutorado. Ela estava feliz e nervosa, também não estranhei, tendo em
vista que sempre que nos encontramos nos emocionamos. Umas horas depois
desse encontro, ela me enviou uma mensagem relatando o que esse encontro ti-
nha significado pra ela. Ela contou que quando estudávamos juntas, na segunda
série do ensino fundamental, ela não tinha banheiro em casa e que agora, mesmo
morando no mesmo lugar, ela havia construído dois banheiros na casa dela, com
o salário de professora que ganhava, após passar muita dificuldade para cursar
uma graduação e se formar. Esse relato fez muita coisa fazer sentido pra mim, eu
nunca a tinha visto como alguém diferente e muito menos inferior a mim.
Conversamos sobre situações tristes e difíceis que ela vivera na escola e na
vida, e que ainda vive situações de desrespeito e humilhação. Fiquei pensando no
significado e na invisibilidade da negritude pra mim. Se por um lado, eu nunca a
tratei com diferença e desrespeito, também não tinha noção do que ela e outros
colegas viviam, porque nunca debatemos isso em sala de aula? Por que as situa-
ções que ela vivia não eram vistas ou pautadas? Meyer (2006) argumenta que o
currículo escolar é “um artefato social e cultural, que precisa ser compreendido e
discutido, considerando-se suas determinações históricas, sociais e linguísticas”,
pois, através dele, identidades são forjadas. Tal questão me fez refletir sobre o
papel da escola na construção e/ou reprodução do racismo, que também pode
ser vista pela perspectiva de (des)educação dos negros e negras.
Contudo, é importante destacar que a instituição escola é uma das insti-
tuições sociais que educam e que “as instituições não são fontes ou essências,
e não possuem nem essência nem interioridade. Elas são práticas, mecanismos
operatórios que não explicam o poder, pois que supõem os seus relacionamentos
e contentam-se em ‘fixá-los’, segundo uma função reprodutora e não produtora”
(DELEUZE, 1987, p. 105-106). Sendo assim, é preciso atentar para os sujeitos,
as práticas e os processos educativos. O que não pautamos, o que não falamos,
não problematizamos também educa, tanto ou com mais intensidade do que o
que explicitamos.
Práticas atentas à diversidade, pluralidade e inclusão sempre pautaram
minha ação docente, tendo em vista que os estudos de gênero, sexualidade,
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4 Diversidade étnico-racial é uma temática que trabalho ao longo do ano, mas costumo cha-
mar outras pessoas, geralmente negras, para conversarem com os estudantes nesse período.
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QUESTÕES RACIAIS
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currículos escolares, muitas vezes, invisibilizam todos os sujeitos negros que nela
transitam, isso quando não os marginalizam, inferiorizam e/ou ignoram que
suas vivências podem contribuir para que (re) pensemos o currículo. Selecionei
essas vivências por acreditar que ambas indicam, por perspectivas diferentes,
consequência de um currículo que invisibiliza e silencia as questões raciais no
contexto escolar.
ENEGRECENDO A ESCOLA
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG):
Letramento, 2018.
BENTO, Maria Aparecida Silva. Branqueamento e branquitude no Brasil. In:
CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva (Orgs). Psicologia social do
racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. 6. ed. Petrópo-
lis: Vozes, 2014.
DELEUZE, Gilles. Foucault. Lisboa, Vega, 1987.
EVARISTO, Conceição. A Escrevivência e seus subtextos. In: DUARTE, Cons-
tância Lima. NUNES, Isabella Rosado. Escrevivência: a escrita de nós: refle-
xões sobre a obra de Conceição Evaristo. ilustrações Goya Lopes. 1. ed. Rio de
Janeiro: Mina Comunicação e Arte, 2020.
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PELE PRETA:
O ESTIGMA PARA A CONCRETIZAÇÃO
DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO
Braulio Brasil de Almeida1
Luciana de Oliveira Fumian Brasil2
Carolina Esposte Campos3
INTRODUÇÃO
1 Mestre em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória (2017). Graduado em
Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES (2006). Graduado em Teologia
pela Faculdade Unida de Vitória (2017). Pós-Graduado em Direito Público com ênfase em
Direito Administrativo pela Universidade Potiguar-RN (2007). Pós-Graduado em Ciências
Penais pela Universidade Anhanguera-UNIDERP-MS (2011). Pós-Graduado em Direito
Constitucional com formação para o Magistério Superior pela Universidade Anhanguera-
-UNIDERP (2011). Servidor Efetivo do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.
Professor da Faculdade Metropolitana São Carlos - FAMESC. E-mail: brauliobrasilalmei-
[email protected]
2 Graduada em Farmácia pela Universidade Nova Iguaçu (2007), Mestrado em Saúde da
Família pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Especialização em Farmacologia Clí-
nica pelo Instituto Ethos Farma - ES e Especialização em Saúde da Família pela Faculdade
Redentor - RJ. Exerce função de Farmacêutica no Serviço de Home Care Home Star. Do-
cente na Universidade Iguaçu - RJ e da Faculdade Metropolitana São Carlos - RJ. E-mail:
[email protected]
3 Bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC (2021). Auxi-
liar Operacional da Orbenk Administração e Serviços Ltda – atuando junto ao Ministério
Público do Estado do Espírito Santo – Promotoria de Justiça de Bom Jesus do Norte.
E-mail: [email protected]
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METODOLOGIA
DESENVOLVIMENTO
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trazida pelo café. Havia na época um temor ao ver se desenvolver no Sul uma na-
ção branca, enquanto a mestiçagem campeava no Norte (GUIMARÃES, 2004).
Após longas décadas de exploração e trabalhos forçados, ocorreu a proi-
bição do tráfico de escravos, fato que deu início a uma abolição lenta, gradual e
controlada da escravidão que resultou num processo brutal de exclusão e geno-
cídio contra os negros e seus descendentes. Em seguida, foram editadas a Lei do
Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários. A primeira libertava os filhos de escravos
nascidos a partir daquela data. Contudo, na prática, foi uma forma de tirar a
responsabilidade dos senhores de escravos sobre as crianças que nasciam na sen-
zala. Acrescente-se a isto a inexistência de qualquer tipo de política social que
atendesse as demandas daquelas crianças. Data daí a marginalização de crianças
e adolescentes negros que hoje são chamados de “menores”. Já a segunda lei
libertava os escravos com mais de 60 anos de idade. Todavia, tal lei era quase que
inócua, pois eram raros os escravos que chegavam àquela idade. Outrossim, vale
destacar que a lei libertava, porém não garantia nenhum tipo de assistência que
atendesse esta demanda social (OLIVEIRA, 2000).
Neste sentido, é imperioso frisar que o período de exploração da mão-de-
-obra escrava totalizou três séculos, tendo chegado ao fim em 1888, com a conhe-
cida Lei Áurea. Sendo assim, é difícil pensar que 300 anos da história do Brasil,
marcados pela exploração, tortura, e massacre da população negra, seriam supe-
rados da noite para o dia, com a abolição da escravidão no país. O que se perce-
be, porém, é a ocorrência de uma abolição inconclusa, uma vez que os negros,
que passaram a ser cidadãos livres, foram lançados à própria sorte na sociedade
brasileira. Não lhes foi garantido o mínimo para a subsistência, como emprego,
alimento e moradia. Aqueles que antes tinham o que comer, onde dormir, apesar
dos trabalhos forçados e dos castigos constantes, se viram sem qualquer perspec-
tiva de manutenção da própria existência (OLIVEIRA, 2000).
Após a abolição da escravidão, o preconceito mudou de conteúdo e de
funções sociais:
“Com a desagregação da ordem servil, que naturalmente antecedeu, como
processo, à abolição, foi-se constituindo, pouco a pouco, o problema negro, e
com ele intensificando-se o preconceito com novo conteúdo. Nesse proces-
so, o “preconceito de cor ou de raça” transparece nitidamente na qualidade
de representação social que toma arbitrariamente a cor ou outros atributos
raciais distinguíveis, reais ou imaginários, como fonte para a seleção de
qualidades estereotipáveis. De um momento para outro, o negro – que fora
sustentáculo exclusivo do trabalho na escravidão – passa a ser representado
como ocioso, por ser negro, e assim por diante (CARDOSO, 2003 apud
SILVA; TOBIAS, 2016, p. 184).”
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
exclusão, entra a ação do Movimento Negro com sua pauta reivindicatória, que,
no cenário político-institucional do Brasil, atualmente, apresenta-se como um
dos principais movimentos sociais. Pauta-se o movimento na demonstração das
falhas e incoerências do nosso sistema democrático, o qual é marcado por idios-
sincrasias sociais maculadas pelo racismo estrutural e institucional presentes no
país (SANTOS, 2008 apud BARROS; MARTINS, 2019).
E é nesse cenário que entra o estigma da pele preta como obstáculo à
concretização do direito à educação, ou seja, as segregações acima mencionadas
culminaram com a desigualdade educacional entre brancos e pretos, de modo
que estes, em comparação com aqueles, são tolhidos do direito à humanização,
haja vista que a educação é um componente essencial à formação completa do
indivíduo. Nesse sentido, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua – PNAD Educação, de 2019, feita pelo IBGE, cerca de
71,7% dos jovens fora da escola são negros, e apenas 27,3% destes são brancos.
Segundo o mesmo estudo, a desigualdade de acesso à educação também é nítida
nos índices de analfabetismo. Em 2019, 3,6% das pessoas brancas de 15 anos ou
mais eram analfabetas, enquanto entre as pessoas negras esse percentual chegava
a 8,9% (INSTITUTO UNIBANCO, 2020, online).
Impende ser destacado, ainda, que além do acesso à educação a desi-
gualdade racial afeta, sobremaneira, o próprio direito à aprendizagem, pois,
segundo estudo realizado pela Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no
Debate Educacional), através da obtenção de dados do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb), em todos os Estados da Federação, seja no 5º ou 9º ano,
na totalidade das disciplinas analisadas (matemática e língua portuguesa), exis-
tem significativas e marcantes diferenças entre o percentual dos estudantes pre-
tos e brancos que atingem os adequados índices de aprendizagem (INSTITUTO
UNIBANCO, 2020, online).
Como já esposado outrora, tais discriminações são derivadas da própria
história da sociedade brasileira, pois o Brasil foi a última nação ocidental a abo-
lir a escravidão, não criando, consequentemente, condições dignas de inserção
do povo negro na sociedade. Com isso, encontra-se arraigado na subjetividade
e no inconsciente dos indivíduos e das próprias instituições os preconceitos di-
recionados à população preta, os quais são perceptíveis nas atitudes discrimi-
natórias observáveis e mensuráveis, como é o caso da educação (INSTITUTO
UNIBANCO, 2020, online).
Analisadas as diversas variantes, percebe-se que a desigualdade racial
no acesso à educação é altamente complexa, demandado o enfrentamento de
muitos desafios. Nesse prisma, alguns caminhos podem ser identificados como
ações a diminuir tais discrepâncias. Prima facie, deve ser adotado um diálogo
voltado cada dia mais para a valorização da cultura negra. Seguindo essa trilha,
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QUESTÕES RACIAIS
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indivíduo para o agir crítico na sociedade, na sua construção como cidadão do-
tado de capacidades cognitivas, culminando, inexoravelmente, na preservação
da plena democracia, a qual não existe diante de restrições impostas pela cor da
pele.
Como seres inacabados que somos, devemos, a todo custo, militar em prol
de uma educação antirracista, baseando nossas ações, e, inegavelmente, as ações
do Estado, através do diálogo e da construção de alternativas voltadas para o me-
lhor equilíbrio da sociedade. Esse, inclusive, é o ensinamento do saudoso mestre
Paulo Freire:
Não mais educador do educando, não mais educando do educador, mas
educador-educando com educando-educador. Desta maneira, o educador
já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando que, ao ser educado também educa. (FREIRE,
2005, p. 78-79).
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
223
RESPONSABILIDADE SOCIAL DA UNIVERSIDADE
COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A CIDADANIA
Neuza Maria de Siqueira Nunes1
Juliana da Silva Gomes2
Artur de Siqueira Nunes Reis3
INTRODUÇÃO
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E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
pela educação formal como também pela educação não formal, ofertada através
de projetos sociais extensionistas, atuando com desempenho capaz de transfor-
mar a realidade social em prol de uma sociedade com mais justiça e igualdade.
Gohn (2006 apud Vercelli, 2010, p. 130) define educação formal como a que é
regulamentada conforme as diretrizes nacionais, com os conteúdos preestabele-
cidos cujo objetivo está em transmitir o conhecimento sistematizado e desenvol-
ver habilidades e competências, almejando uma aprendizagem efetiva para que o
indivíduo consiga certificado para continuar a estudar em outro grau de ensino.
Para a autora, educação não formal:
É um processo que envolve seis dimensões:
1- aprendizagem política, que envolve a consciência política dos cidadãos;
2- capacitação para o trabalho desenvolvendo as habilidades e competên-
cias necessárias para atuar no mercado;
3- aprendizagem de práticas com objetivo comunitário, isto é, envolve pro-
blemas do cotidiano;
4- aprendizagem de conteúdos desenvolvidos pela educação formal, porém
em espaços diferenciados que levam o indivíduo a compreender o que se
passa ao seu redor e, com isso, fazer uma leitura do mundo;
5- educação na e pela mídia que pouca atenção recebe por parte dos edu-
cadores e;
6- educação para arte de bem viver, relacionados à boa alimentação, ao es-
porte, à saúde de forma geral a fim de evitar e/ou aprender a conviver com
o estresse. (GOHN, 2006 apud VERCELLI, 2010, p.130-131)
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que o mundo tenha no futuro um meio ambiente melhor. Para tanto, a universi-
dade deve estar pautada no desenvolvimento de competências para a formação
do capital humano tendo em vista promover o crescimento econômico, justiça
social e cidadania.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
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da sociedade.
Outro elemento que agrega competência a responsabilidade social da uni-
versidade é o capital humano. O aumento do conhecimento, baseado na produ-
ção e no gerenciamento da informação, constitui uma das premissas do capital
humano. A responsabilidade social da universidade contribui para o desenvolvi-
mento do capital humano, ampliando competências e capacidades. Por conse-
guinte, a universidade além da propagação do compromisso ético e moral, deve
oportunizar a transformação social, a consciência crítica, a valorização humana
e a interação entre universidade e sociedade.
REFERÊNCIAS
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234
OS ESTUDOS CRÍTICOS DA BRANQUITUDE E A
POLÍTICA DE COTAS RACIAIS NO BRASIL1
Marisa Fernanda da Silva Bueno2
INTRODUÇÃO
3 O conjunto de leis que prescrevia a obrigatoriedade da segregação racial no sul dos Estados
Unidos era informalmente chamado de Jim Crow Laws (1876-1965), um regime extrema-
mente demarcador de diferenças raciais. O Movimento dos Direitos Civis derrubou o Jim
Crow (a segregação institucional) somente em 1965.
236
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
CRT E A EDUCAÇÃO
Após o ano de 1995, as pesquisas dos Estudos Raciais Críticos são direcio-
nadas para a área da Educação: a proposta é analisar a categoria racial e as suas
implicações na aprendizagem e na falta de acesso da população afrodescendente
à educação formal. Viviane Weschenfelder (2018) cita o artigo Toward a Critical
Race Theory of education (Rumo a uma Teoria Racial Crítica na educação), de
1995, como o marco desse movimento intelectual. Os autores do referido artigo,
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5 A Lei Federal n. 12.711, de 2012, estabelece as condições para ingresso pelo sistema de re-
servas de vagas nas universidades federais e nos institutos federais, seguindo a mesma lógi-
ca: “As instituições federais de ensino técnico de nível médio reservarão, em cada concurso
seletivo para ingresso em cada curso, por turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de
suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental em escolas
públicas”.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
ser reservadas para estudantes cujas famílias tenham renda igual ou inferior a 1,5
salário mínimo (um salário mínimo e meio) per capita. Parte delas é destinada
para candidatos que se declararem pretos, pardos ou indígenas, em proporção,
no mínimo, igual à de pretos, pardos e indígenas da população de cada Estado,
conforme censo do IBGE. A outra parte é reservada para pessoas que estudaram
todo o ensino médio na rede pública e com renda familiar bruta superior a 1,5
salário mínimo per capita. Dessas vagas, reserva-se, no mínimo, o número pro-
porcional à soma de pretos, pardos e indígenas, conforme os dados do IBGE, de
acordo com cada unidade da Federação.
Um dos objetivos da Lei de Cotas é promover mudança nos discursos so-
bre o lugar do negro na sociedade brasileira e reconfigurar a universidade pública
brasileira, marcada até o ano de 2012 pelo exclusivismo da elite branca. Para
que o texto da Lei fosse considerado legítimo foi preciso abandonar critérios
clássicos do Direito Constitucional, como é o caso da igualdade formal, criticada
pela CRT.
O princípio da igualdade formal foi constituído e gestado em função da
ambiência promovida pelas Revoluções Francesa (1789) e Norte-Americana
(1776), pois foi necessário estabelecer um princípio que garantisse a igualdade
perante a lei para abolir os privilégios do antigo regime, que tinha base na linha-
gem e na hierarquia das castas sociais. Joaquim Barbosa Gomes (2003, p. 18)
explica que “essa clássica concepção de igualdade jurídica, meramente formal,
firmou-se como ideia-chave do constitucionalismo que floresceu no século XIX
e prosseguiu sua trajetória triunfante por boa parte do século XX”. Entretanto,
com as complexidades sociais e avanços das sociedades, esse princípio precisou
de novas interpretações, com o fim de não perpetuar as desigualdades existentes
na nova sociedade que se apresentava, principalmente em função da emergência
das pautas identitárias.
Nesse sentido, foi preciso adequar o princípio da igualdade a uma nova
postura interpretativa, que se constituiu no constitucionalismo contemporâneo.
É nessa ótica de análise que se coloca a posição de Luiz Fux, para quem o di-
reito deve ser dinâmico e atuante com o intuito de estabelecer a igualdade de
oportunidades:
A mera proclamação normativa da igualdade não tem qualquer valor sem
a sua implementação fática. Com o tempo, percebeu-se que a Constituição
não poderia mais ser um conjunto de promessas inconsequentes, sendo
imperiosa a sua efetividade social. A transformação da igualdade formal,
de cunho liberal clássico, em uma igualdade material, partiu de uma neces-
sidade ética. (FUX, 2012, p. 109).
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REFLEXÕES FINAIS
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UM PASSO A MAIS: PENSAR O IMPLEMENTO
DA POLÍTICA DE COTAS NO ÂMBITO DOS
CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE
FLUMINENSE NO PERÍODO DE 2020-2021, A
PARTIR DE UMA ABORDAGEM QUALITATIVA
Douglas Souza Guedes1
Tauã Lima Verdan Rangel2
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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receber menos capital, seja ele qual for. Nesse sentido, uma vez que um estado é
indiferente às diferenças e trata de forma igual os desiguais, os fatores desigual-
dade e iniquidade não são superados (AZEVEDO, 2013, p. 140).
Rawls parte da premissa que as partes envolvidas no sistema de cooperação
social (maneira com que as instituições políticas e sociais interagem) acei-
tam os princípios de justiça, para assim, julgar a eficiência das organiza-
ções, tanto sociais quanto econômicas. No seu entendimento, os princípios
primordiais de justiça constituem o objeto de um acordo original em uma
situação adequadamente definida. Segundo Rawls, a ideia intuitiva de jus-
tiça como equidade considera que as pessoas, por serem racionais, aceitam
a posição original (original position) de igualdade para se associarem, a fim
de promoverem interesses próprios. Para ele, ao se assumir a posição ori-
ginal, imediatamente atinge-se um consenso do que é justo, pois estariam
pressupostos aí princípios primordiais. Trata-se de um conceito hipotético,
voltado a obter um consenso entre indivíduos ideais que exercem funções
representativas. Tal consenso concerne à delimitação de termos equitati-
vos de cooperação social, cujo fim deve ser o de reger a sociedade da qual
esses indivíduos farão parte como cidadãos. A capacidade desses cidadãos
entenderem, aplicarem e atuarem conforme uma concepção pública de jus-
tiça, está implícita no exercício deles de pensamento, do qual, por sua vez,
deriva o senso de justiça (QUINTANILHA, 2010, p. 36-37).
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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das vagas para estudantes negros e indígenas, 12% para aqueles oriundos da rede
pública ou privada de ensino superior e 6% para pessoas com deficiência, filhos
de policiais, bombeiros e inspetores penitenciários mortos ou incapacitados em
razão do serviço, observação que é seguida “a risca” pelos editais dos Programas
de Pós-Graduação da UENF.
Observa-se, então, que os comandos legais supracitados produzem efeitos
práticos que podem ser observados do processo de seleção para os cursos de pós-
-graduação da UENF e de outras universidades do país. Tal previsão represen-
te um avanço significativo no combate ao fenômeno da desigualdade (sob suas
mais diversas faces). No caso específico da UENF, parcela das vagas é reservada
a estudantes cotistas, conforme estabelecido na legislação nacional e estadual, e
salientado por diversos editais da instituição.
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caoelinguagem2020-1_270920190826.pdf. Acesso em 13 mar. 2022.
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Universidade Estadual do Norte Fluminense
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UENF. Programa de Pós Graduação em Biotecnologia Vegetal. 2020. Disponí-
vel em: https://pgbv.uenf.br/wp-content/uploads/2020/04/Edital-de-Sele%-
C3%A7%C3%A3o-2020-.1-2.pdf. Acesso em 13 mar. 2022.
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Universidade Estadual do Norte Fluminense
“Darcy Ribeiro”: Edital entre mares para Processo Seletivo de Mestrado. Pro-
grama de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais. 2020. Disponível
em: https://uenf.br/posgraduacao/ecologia-recursosnaturais/wp-content/
uploads/sites/7/2021/02/EDITAL-PPGERN-2020.2-FINAL.pdf. Acesso em
13 mar. 2022.
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Universidade Estadual do Norte Fluminense
“Darcy Ribeiro”: Edital para processo seletivo: Mestrado e Doutorado. Pro-
grama de Pós Graduação em Ciência Animal. 2021. Disponível em: https://
uenf.br/posgraduacao/ciencia-animal/wp-content/uploads/sites/5/2020/11/
Edital-2021.1-versao-final-1.pdf. Acesso em 13 mar. 2022.
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Universidade Estadual do Norte Fluminen-
se “Darcy Ribeiro”: Edital: Processo Seletivo. Programa de Pós Graduação
em Sociologia Política. 2020. Disponível em: https://uenf.br/posgraduacao/
sociologia-politica/wp-content/uploads/sites/9/2019/10/Edital-de-Sele%-
C3%A7%C3%A3o-Mestrado-e-Doutorado-2020-12.0.pdf. Acesso em 13 mar.
2022.
259
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
Art. 2º (VETADO).
Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art.
1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, par-
dos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em pro-
porção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, par-
dos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação
onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409,
de 2016).
Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios
estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completa-
das por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas
públicas.
260
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Art. 7º No prazo de dez anos a contar da data de publicação desta Lei, será pro-
movida a revisão do programa especial para o acesso às instituições de educação
superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência,
bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em esco-
las públicas. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016).
DILMA ROUSSEFF
Aloizio Mercadante
Miriam Belchior
Luís Inácio Lucena Adams
Luiza Helena de Bairros
Gilberto Carvalho
261
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
Art. 1º - Fica instituído o sistema de cotas para ingresso nos cursos de pós-gra-
duação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de espe-
cialização, aperfeiçoamento e outros instituídos no âmbito das universidades
públicas do Estado do Rio de Janeiro, adotado com a finalidade de assegurar
gratuitamente aos graduados o aprimoramento, qualificação e a especialização
profissional, desde que carentes, e atendidas às seguintes condições:
II – 12% (doze por cento) para graduados da rede pública e privada de ensino
superior;
III – 6% (seis por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação
em vigor, filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de
segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do
serviço.
§1º Entende-se por estudante carente graduado da rede privada de ensino supe-
rior, aquele que, para sua formação, foi beneficiário de bolsa de estudo do Fundo
de Financiamento Estudantil – FIES, do Programa Universidade para Todos –
PROUNI ou qualquer outro tipo de incentivo do governo;
§2º Por estudante carente graduado da rede de ensino público superior entende-
-se como sendo aquele assim definido pela universidade pública estadual, que
deverá levar em consideração o nível sócio econômico do candidato e disciplinar
como se fará a prova dessa condição, valendo-se, para tanto, dos indicadores
sócio econômicos utilizados por órgãos públicos oficiais.
Art. 3º - Fica limitado a 30% (trinta por cento), o total de número de vagas exis-
tentes em cada um dos cursos elencados no caput e na forma dos incisos I, II e
III do artigo 1º (nova redação dada pela Lei nº 6959/2015).
Art. 4º - Fica mantido o procedimento de declaração pessoal para fins de afirma-
ção de pertencimento à raça negra, devendo a administração universitária adotar
as medidas disciplinares adequadas nos casos de falsidade.
Art. 5º - As disposições desta Lei aplicam-se, no que for cabível, a todas as insti-
tuições públicas de ensino superior, mantidas e administradas pelo Governo do
Estado do Rio de Janeiro.
Art. 7º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta de do-
tações orçamentárias próprias.
263
A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI DE COTAS NA
REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL,
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Maurício Sousa Matos1
Tatyanne Gomes Marques2
INTRODUÇÃO
3 Ver Caires e Oliveira (2016) no livro intitulado “Educação Profissional brasileira: da colô-
nia ao PNE 2014-2024.”
4 Entende-se a politecnia ou a educação politécnica como aquela que associa teoria e prá-
tica numa formação intelectual, manual e corporal que favoreça o pleno desenvolvimento
humano e, assim, possibilite ao sujeito reflexão crítica para superar a alienação decorrente
da repetição sistemática do trabalho simples, forma que não implica construção de co-
nhecimento profícuo para o trabalhador (MANACORDA, 2000 apud BRAZOROTTO,
VENCO, 2021, p. 100).
265
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
em: http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/209-564834057/61581-plataforma-abriga-
ra-dados-sobre-a-educacao-profissional-no-brasil. Acesso em 16 jun. 2021.
6 Silva (2018, p. 65,66) demonstra em mapa a evolução espacial da Rede Federal de Edu-
cação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil por fase de expansão até 2016 e em
tabela a evolução da Rede Federal por Unidade da Federação entre 2003 e 2016.
267
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
beneficiada quando observada a expansão dos IFs por estado, a exemplo do esta-
do de São Paulo que passou de 3 unidades para 43 unidades, em decorrência de
sua dinâmica econômica e social de alta densidade populacional, maior concen-
tração comercial, industrial e influência política nacionalmente (SILVA, 2018).
As regiões Norte e Centro-Oeste concentram os menores números de cam-
pi dos IFs. Com destaque para a região Norte que até 2005 não detinha nenhu-
ma unidade da Rede Federal nos estados do Acre e do Amapá. Os estados de
Rondônia, Roraima e Tocantins possuíam apenas uma unidade cada (LEMOS,
2020). A região Norte passou de 15 unidades em 2005 para 66 na última fase
da expansão, e a região Centro-Oeste passou de 11 unidades em 2002 para 66
unidades em 2014, o que representou um aumento de 392,3% no número de
unidades da Rede Federal (LEMOS, 2020). Portanto, as regiões Norte e Centro-
Oeste acumulam um crescimento significativo com relação ao passado recente
da Rede Federal, mesmo distante quantitativamente da região Sul, por exemplo.
Esse processo de expansão compõe a própria gênese da RFEPCT, que
teve de forma central a tarefa de contribuir com o desenvolvimento local e regio-
nal num processo de interiorização de suas unidades (PACHECO, 2011). Essa
expansão, que extrapola as capitais ou grandes centros urbanos, tem na Rede
Federal o potencial de se capilarizar no território nacional e alcançar lugares an-
tes desamparados, o que “se traduz num maior acesso das populações às políticas
públicas educacionais voltadas à educação profissional de base técnica e tecnoló-
gica de nível médio e superior, bem como às licenciaturas” (LEMOS, 2020, p. 7).
14 Alteração realizada pela Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, com a reserva de vagas
para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições
federais de ensino.
271
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
272
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Legenda: RI: Renda Inferior (1,5 salário mínimo); PPI: Preto/Pardo/Indígena; RS: Renda
Superior (1,5 salário mínimo); PcD: (Pessoa com deficiência).
Fonte: Plataforma Nilo Peçanha (2020).
273
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(O rganizadores )
Quadro 1: Distribuição das vagas do ensino médio integrado na Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica, no ano de 2019
274
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Legenda: AC: Ampla concorrência; RI: Renda Inferior (1,5 salário mínimo); PPI: Preto/
Pardo/Indígena; RS: Renda Superior (1,5 salário mínimo); PcD: (Pessoa com deficiência).
Fonte: Plataforma Nilo Peçanha (2020).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de ní-
vel médio, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30
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2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em 18 abr. 2021.
277
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
PAIVA, Liz Denize Carvalho; SOUZA, Nádia Maria Pereira de; OTRANTO,
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PACHECO, Eliezer Moreira. Os institutos federais: uma revolução na educa-
ção profissional e tecnológica. Natal: Editora do IFRN, 2010.
PACHECO, Eliezer. Institutos Federais: uma revolução na educação profissio-
nal e tecnológica. In: PACHECO, Eliezer. (Org.). Institutos Federais: uma re-
volução na educação profissional e tecnológica. Brasília: Fundação Santillana,
2011. São Paulo: Moderna, 2011, p.13-32.
PACHECO, Eliezer Moreira. Bases para uma Política Nacional de EPT. 2008.
Disponível em. http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/artigos. Acesso
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POZZER, Márcio Rogério Olivato; NEUHOLD, Roberta dos Reis . A educa-
ção profissional no Brasil: a Rede Federal de Educação Profissional, Científica
e Tecnológica (1909-2018). In: NEUHOLD, Roberta dos Reis; POZZER, Már-
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América Latina e os dez anos dos Institutos Federais (2008-2018). 1 ed. Ma-
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TURMENA, Leandro; AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. A expansão da Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: os Institutos Federais
em questão. In: Revista Diálogo Educacional, v. 17, n. 54, 2017, p. 1067-1084.
279
MENINAS NA CIÊNCIA: INICIAÇÃO CIENTÍFICA E
LITERATURA NEGRA NO IFMA (2018-2021)
Francisca Márcia Costa de Souza1
INTRODUÇÃO
FIGURA 01: Ato simbólico, em nome da vereadora Marielle Franco, contra a atitude dos
candidatos do Partido Social Liberal (PSL), Daniel Silveira e Rodrigo Amorim.
281
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
polarização política, que encontraram terreno fértil nas mídias sociais, buscamos
abarcar essas questões do ponto de vista do recorte da raça, classe e gênero, pro-
videnciando reflexões a partir da nossa escrevivência com escritoras negras, que,
aliás, paira um grande silêncio sobre elas na escola (DAVIS, 2016; FEDERICI,
2017). Isso oportunizou experiências cientificas em ambientes de educação formal
e não-formal, no âmbito de ciclos de pesquisas institucionalizadas em programas
de bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica do IFMA, articulando relações
com o campo da decolonialidade do saber (QUIJANO, 2005), além das transforma-
ções recentes na luta das mulheres e seus limites históricos (PERROT, 2017).
Utilizamos o método indiciário (GINZBURG, 1989), numa abordagem
microscópica, e a descrição densa (GEERTZ, 1989), método de observação e
imersão por dentro do universo estudado. Visando a compreensão e interpreta-
ção dos fenômenos sociais, através da escrita etnográfica, do percurso formativo
de meninas na iniciação científica, perscrutando camadas de sentidos elabora-
dos por elas em torno do universo da pesquisa, evidenciando os desafios e as
possibilidades de fazer ciência feminista (PEIRANO, 1995; OLIVEIRA, 2000).
Os registros de vivência na ciência de meninas foram capturados em diversos
momentos formativos, as fotografias em questão não possuem direitos autorais.
A fotografia não é um mero registro espontâneo do real, mas uma técnica de
construção de narrativas visuais e de sentido, cuja abordagem é da fotoetnogra-
fia, o que pressupõe o mapeamento de significados, o estudo das interações e a
interferência das pesquisadoras no campo do observado (ACHUTTI, 2004). Na
figura 02, temos as meninas realizando a leitura coletiva de obras literárias. As
estudantes são todas cursantes do ensino médio integrado ao técnico à época:
FONTE: A autora
282
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
FONTE: A autora.
283
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
METODOLOGIA
Esta investigação tem como sujeito social meninas na ciência, jovens pes-
quisadores, cuja faixa etária é entre 14 e 19 anos, estudantes de cursos técnicos
integrados ao ensino médio, que participaram do programa de bolsa de iniciação
científica, tecnológica e inovação do IFMA, no Campus Buriticupu, entre 2015 e
2021. Com este recorte temporal, é possível realizar uma investigação situada no
tempo presente, possibilitando estudar acontecimentos políticos e sociais recen-
tes ou distâncias temporais em curso (DELGADO; FERREIRA, 2014).
Neste aspecto, as pesquisas aqui analizadas, refletem esse tempo recente
ou tempo contemporâneo tanto na escolha dos objetos de pesquisa, contempla-
dos nos projetos de iniciação científica, quanto na abordagem teórico-metodo-
lógica dessas investigações. A nossa intenção foi traçar o percurso de iniciação
científica que explora diferentes perspectivas das meninas na ciência. A inquieta-
ção parte dos acontecimentos do passado que, historicamente, têm excluído, si-
lenciado e rebaixados meninas nas carreiras acadêmicas e científica que insistem
no presente. Assim, como meninas veem a ciência? Quais os desafios epistemoló-
gicos da ciência feminista a partir da iniciação científica para meninas enquanto
problema social?
284
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
2 Neste estudo, todas as imagens utilizadas não violam o direito de uso de imagens, obser-
vando a Constituição Federal, artigo 5, inciso X.
285
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
A sujeita que recorda não a faz sozinha, pois a lembrança individual an-
cora-se na memória comunitária. A memória social é contituída por lugares, ca-
lendários e eventos, mas também é atravessada por esquecimento. Para Lucília
Delgado e Marieta Ferreira (2014), a relação da memória com a história é proble-
mática porque se dá pela construção do esquecimento. Norra (1993) afirmou que
as sociedades estão condenadas ao esquecimento e a memória é suspeita para
história. O nascimento dos lugares de memória existe porque as lembranças não
são vividas verdadeiramente, restando o sentimento que a memória não expontâ-
nea (NORA, 1993). Além do esquecimento, a memória é constituída de silêncio.
O silêncio sobre o passado é uma forma de resistência porque não leva ao esque-
cimento, transmitindo paciente e cuidadosamente as lembranças em redes dissi-
dentes de amigos e familiares, em uma constante troca entre o vivido e o aprendido
(POLLAK, 1989). Para reter e reforçar cuidadosamente as memórias dissiden-
tes da iniciação científica para meninas, a recordadora precisa considerar esses
pressupostos teóricos-metodológicos para trabalhá-las, à medida que revisitamos
fotografias, atas, relatórios, projetos de pesquisa, textos acadêmicos, anotações e
rabiscos no caderno de campo, notícias publicadas em sites, encontros, reuniões,
pesquisa de campo, seminários, orientações online, juntamente com profissionais
de outras áreas do conhecimento que cooperaram com as pesquias em questão:
O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material
fornecido pela história. Esse material pode sem dúvida ser interpretado
e combinado a um sem-número de referências associadas; guiado pela
preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de
modificá-Ias, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em fun-
ção dos combates do presente e do futuro (POLLAK, 1989, p. 9-10).
286
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Por fim, fazemos usos dos materiais produzidos para divulgação científica na
nossa rede social “meninas_na_ciencia_ifma” e dos registros das interações com
os seguidores do instagram.
Na textualização do passado recente sobre experiências de jovens pesqui-
sadoras, a memória (olhar e ouvir) adensaria o repertório de interpretações (es-
crita) dos fatos trazidos do trabalho de campo. Cabendo uma questão: “o que
acontece com a realidade observada no campo quando ela é embarcada para
fora?” (OLIVEIRA, 2000, p. 27). A rigor, a ideia é saber olhar, ouvir e escrever
no sentido de pensar o que é importante no texto etnográfico ao inscrever obser-
vações trazidas de campo (OLIVEIRA, 2000).
287
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(O rganizadores )
288
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
escrita como uma forma de denominar as formas de poder que engendram sile-
ciamentos, relegando expressivamente negros e pardos à condição de exóticos ou
não humanos. Ela, tensionando a relação entre raça, gênero e ciência no esforço
intelectual de descolonizar a escrita “eu me torno a oposição absoluta do que o
projeto colonial predeterminou” (KILOMBA, 2016, p. 28). É preciso traçar uma
alternariva política ao conhecimento insubmisso (EVARISTO, 2016).
Neste sentido, ao tratar de suas escrevivências, Kilomba (2016) aceita se
contar. Nos espaços de trocas de vivências, a poética afro-feminista também se
faz pela literatura. Como podemos observar no ato de se autonomear da per-
sonsagem Natalina Soledad, que se desfaz do nome antigo, negando o nome
de batismo, registrado em cartório. A partir dessa ato, ela começa a narrar sua
história em contraposição à masculinidade tóxima e destrutiva do seu pai que
considerava seu nascimento uma fraqueijada3:
Natalina Soledad, tendo nascido mulher, a sétima, depois dos seis filhos
homens, não foi bem recebida pelo para e não encontrou acolhida no colo
da mãe. O homem garboso de sua masculinidade, que, a meu ver, ficava
comprovada a cada filho homem nascido, ficou decepcionado quando lhe
deram a notícia de que o seu sétimo rebento era uma menina. Como po-
dia ser? – pensava ele – de sua rija vara só saía varão! Estaria falhando?
(EVARISTO, 2016, p. 19).
3 Neste ponto, a ficção se confunde com realidade brasileira, borrando a fronteira entre
imaginação e a história, revelando o abismo atual em que o país se encontra.
289
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
RESULTADOS E DISCUSSÃO
290
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Feminismo e empoderamento:
a construção político-literária
Edital prpgi nº 04/2019 Eduarda F. Fontinele
do coletivo “a escrita insubmis-
- Pibic ensino médio Layla Camile C. Lopes
sa de mulheres negras no Bra-
2019/2020. Thays Millena C. Alves
sil” do Ifma campus Buriticupu
(2019).
Lidiana N. de Souza
Amor, solidão e revolução: po-
Edital Prpgi nº 02/2020 Jessica Silva de Sousa
liticas arrebatadoras para meni-
- Pibic ensino médio Laisla Vieira dos Santos
nas negras de escolas públicas
2020/2021. Thays Millena C. Alves
de Buriticupu – MA.
Ester S. de Sousa
FIGURA 04: Participação das meninas no Dia Internacional de greve e luta das mulheres –
08 de março de 2020
Fonte: A autora.
disso, o fato de terem contraído a COVID-19, dificultou nosso acesso a elas, pois
se fecharam no ambiente familiar. Apenas recentemente conseguimos rearticu-
lar o coletivo, realizando a nossa primeira reunião com uma das participantes do
terceiro ciclo que permaneceu fazendo seus estudos, inclusive conseguiu ingres-
sar no ensino superior na mesma instituição.
Ao considerar o potencial dessa narrativa, restituímos a visão de meninas
sobre a ciência, recuperando possíveis ângulos do cotidiano da iniciação cien-
tífica já vivido. Sobre imagens, não podemos esquecer que antes do registro,
exista a articulação dos retratados, de modo evidenciar seu melhor ângulo. Em
se tratando da fotógrafa, seu olhar também é calibrado. Em ambos os casos,
é um exercício de memória e abstração e da “ordem do mostrar” e “não do
demonstrar, numa construção de sentido organizada e intencional (ACHUTTI,
2004). Assim, escrevemos com a câmera e inscrevemos nossas impressões sobre
o mundo:
FONTE: A autora.
293
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(O rganizadores )
internacional.
A aprendizagem em pesquisa é uma conquista diária, constituída de pe-
quenos avanços e pensada de maneira sistemática, integral e interdisciplinar. Ao
buscar formas amplas e inclusivas de aprendizagens, buscamos a consistência e
a originalidade singular própria do entalhe do artista quando encontra a maté-
ria-prima a ser esculpida, numa relação tempo-memória. Esculpir jovens pesqui-
sadores é um conjunto de procedimentos éticos em tempos de reprodutividade
técnica das coisas, numa atitude que valoriza a memória, a oralidade e a expe-
riência-narrativa partilhada entre mestre e aprendiz. Cada gesto impresso na
matéria a ser entalhada significa aprendizagens em pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
294
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
REFERÊNCIAS
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gia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo Editorial: Palma-
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recada R$ 28 mil. Rio de Janeiro: publicado em 04 out. 2018. Disponível em:
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panha-porplacas-de- marielle-ja-arrecada-r-28-mil. Acesso em 25 mar. 2019.
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BIROLI, Flávia. Gênero e desiguldade. Limites da democracia no Brasil. São
295
M anuel A lves de S ousa J unior | T auã L ima V erdan R angel
(O rganizadores )
296
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
297
OS DIÁRIOS DE LEITURA COMO INSTRUMENTO
PARA O LETRAMENTO ANTIRRACISTA:
DIALOGIA E SUBJETIVIDADE
Bruna Carolini Barbosa1
INTRODUÇÃO
que estão distantes em relação ao tempo e espaço são capazes de revelar relações
dialógicas e de sentido (BAKHTIN, 2012), neste caso, sobre o lugar social ocupa-
do pelos corpos negros. As análises e discussões apontam para a potencialidade
dos diários de leitura como estratégia didática para o letramento antirracista.
Inicialmente, estabeleço, brevemente, o perfil metodológico deste trabalho.
Em seguida, apresento as bases teóricas que orientam a pesquisa. Por fim, descre-
vo, discuto e analiso os dados.
METODOLOGIA
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REVISÃO DE LITERATURA
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quem lê percebe com tristeza que, mesmo tendo sido escrito na década de 1950, este
livro não perde sua atualidade [...] o mais impressionante é que esse livro não foge da
atual situação que muitas famílias negras e periféricas passam e como essas famílias lutam
para ter seu sustento a cada dia. [...] A cada página que eu lia, eu me emocionava. Me
emocionava ainda mais quando Carolina relatava que estava com fome e que não tinham
comida para os filhos. Isso me lembra da minha família. Minha avó também era negra e
teve 7 filhos [...] minha avó sofreu bastante nesse aspecto. Pois ela deixava de comer para
deixar para os filhos. Então, Carolina me lembrou muito minha avó.
Fonte: diário de leitura da participante da pesquisa
Lélia fala sobre a dificuldade em ler a obra devido a sua temática – fome,
pobreza. Expressa a tristeza e o impacto que sentiu e que, mesmo não tendo pas-
sado por igual situação, não pôde deixar de pensar sobre a atualidade da obra:
Uma obra de difícil leitura talvez seja mais uma obra real que se passa o dia a dia da
pobreza. Me senti triste ao ler essa obra, o ano passado eu li, esse ano reler essa obra foi
ainda mais impactante, porque vi coisas que não tinha visto antes, momentos da Carolina
expressões dela a voz gritante que recorria dentro dela que ela expressava de uma maneira
tão linda com as palavras dela, com o suor ela falava de tudo e todos, da montanha russa de
sentimentos, dela sendo a personagem principal (juntamente com a fome) e com a luta para
conquistar o pão. Eu nunca passei fome nem nada semelhante mas ler sobre isso sobre esse
peso da fome amarela, fez ver como muitas das vezes sou egoísta e não penso na realidade
em si, esse diário vai de 1955 a 1958, mas lendo ele nos vemos como a sociedade vem sendo
espremida nos dias de hoje, principalmente a sociedade pobre e negra.
Fonte: diário de leitura da participante da pesquisa
Angela conta sobre a emoção e indignação ao ler a obra, bem sobre como,
até então, não havia parado para pensar sobre as condições precárias nas quais
vivem as pessoas como a autora. De modo mais generalista, afirma que Carolina
Maria de Jesus representa todas as mulheres negras periféricas:
No livro a autora descreve com clareza a vida dela como uma mulher periférica e também
as dificuldades das outras pessoas. Essa obra me causou tanta emoção, quanto me deixou
indignada com a situação pelo fato de eu nunca ter parado para pensar muito bem em que
condições vivem essas pessoas [...] Nesta obra notei também que além de ser a história de
uma mulher negra com uma vida difícil, mas representa todas as mulheres periféricas, e
levanta a questão da extrema pobreza e criminalidade das favelas.
Fonte: diário de leitura da participante da pesquisa
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2021.
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Unidade II
DIÁLOGOS, DESAFIOS E
SUAS PERSPECTIVAS
PRIMÓRDIOS E BASES DA ESCRAVIDÃO NEGRA
NO OCIDENTE: POVOAMENTO DA TERRA,
IGREJA CATÓLICA E PORTUGAL
Manuel Alves de Sousa Junior1
INTRODUÇÃO
Existem várias hipóteses para a chegada dos humanos às terras que hoje
chamamos de América. Existe a suspeita que ocorreram diversas migrações em
momentos diferentes e não apenas uma única diáspora, além de movimenta-
ção humana para a América2 desde 100 mil anos atrás. A hipótese mais aceita
e atualmente comprovada, relata que ocorreu a cerca de 16-15 mil anos atrás,
quando os humanos pré-históricos teriam atravessado os cerca de 80 quilôme-
tros do Estreito de Bering entre os atuais Rússia e Alaska (Estados Unidos da
América) e, a partir daí, conquistando toda a América. Antes disso, existiam
grandes blocos de gelo bloqueando a passagem de humanos e grandes animais, e
com o fim da última Era Glacial, cerca de 18 mil anos atrás, começou o aqueci-
mento global, com o derretimento das grandes geleiras, sendo possível explorar
um novo local. Também existem hipóteses plausíveis de que alguns povos te-
riam atravessado o oceano migrando através das ilhas da Oceania pelo Oceano
Pacífico, como pode ser observado na figura 1 (HARARI, 2016):
2 Cumpre salientar que nesse período não podemos chamar as referidas terras de América,
o que seria um anacronismo. Do mesmo modo, outros territórios ainda não eram renome-
ados com as configurações atuais, porém, chamaremos com os nomes da geopolítica atual
para facilitar o entendimento do leitor.
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Nero determinou a perseguição e morte aos cristãos. Em torno do ano 200, o nú-
mero de cristãos era grande, mas ainda praticando os rituais na clandestinidade,
visto que a Roma antiga era politeísta e não admitia uma religião baseada em um
único Deus. No ano 313, o Imperador Constantino acabou com a perseguição
aos cristãos. Ele próprio se converteu ao cristianismo e a religião passou a ter
mais liberdade. Em 325, mais de 300 bispos reunidos fixaram a data da Páscoa,
o domingo como dia de descanso dos cristãos, dando início às leis canônicas e
formulando a organização católica, além de iniciar as construções das primeiras
igrejas. Em 380, o Imperador Teodósio tornou o catolicismo como uma religião
oficial do Império Romano. Em 476, o Império Romano do Ocidente sucumbiu
diante das invasões bárbaras e, com o início da Idade Média, a Igreja e os novos
Estados formados passaram a ter estreita relação entre si, o que fortaleceu cada
vez mais a Igreja Católica ao longo dos quase mil anos do período medieval
(BLAINEY, 2012).
No final do medievo e início da Idade Moderna, com o início da escravi-
dão negra no ocidente, a Igreja emitiu diversos documentos papais que legitima-
vam o novo regime escravista. Com o passar dos anos, diversos papas passaram
a condenar a escravidão. Os estudos dizem que a Igreja não teve escravos, apesar
de atuar em diversos estados que possuíam negros cativos, produzir documentos
que apoiavam a escravidão e atuar ativamente no batismo de escravizados, para
tentar amenizar as mazelas da mudança de vida de homens e mulheres arranca-
dos de suas comunidades em África.
Na Idade Média, a cartografia de Ptolomeu relegou à África e aos seus
habitantes as piores regiões do planeta, ratificado posteriormente pela teoria ca-
mita. Numa espécie de mitologia bíblica, onde reinou a ideia de que Noé, o res-
ponsável pela arca que salvou os animais no dilúvio, povoou o mundo com seus
filhos. Jafé, o primogênito, povoou a Europa com seus descendentes, os filhos de
Sem povoaram a Ásia, e mais ao sul, tomando como referencial a Europa, lógi-
co, ficava “o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes descendentes
de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé” (NORONHA, 2000, p. 681).
Cam foi amaldiçoado por flagrar o pai, Noé, bêbado e nu, após a come-
moração do sucesso com a sua arca no dilúvio. Pinar (2008, p. 16) afirma que
podem existir duas explicações para a punição e maldição sofrida por Cam e
seus descendentes “... ou Cam violou a antiga proibição israelita contra olhar
para o corpo do pai. A segunda resposta é que Cam violou seu pai sexualmen-
te.”. Assim, os seus descendentes deveriam ser punidos e se tornar escravos dos
descendentes dos seus irmãos. Os devotos dessa teoria camita tiveram problemas
com a conquista da América, já que Noé não tinha mais filho que pudesse ter
povoado o Novo Mundo. Michelangelo, ao representar o livro de Gênesis da
Bíblia no teto da Capela Sistina, pintado como afresco de 1508 a 1512, colocou 9
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FIGURA 02: Representação da Embriaguez de Noé no teto da Capela Sistina pintado por
Michelangelo
Sousa Junior e Sobral (2021) afirmam que, por intermédio do afresco ci-
tado, a Igreja ajudou a legitimar a escravidão negra no ocidente em um tempo
em que novas terras eram “descobertas” e precisavam de mão de obra para o
trabalho. Nessa época, as lavouras de cana de açúcar já estavam veementes nas
ilhas atlânticas portuguesas. Ao analisar a figura 2, os autores refletem sobre o
agricultor na imagem e
percebe-se que trata-se de um lavrador, o que pode significar que o artista
estava associando o pecado de Cam a sua futura destinação, qual seja, o
trabalho pesado, exaustivo, como condenação pelo erro cometido. Outro
detalhe que não passa despercebido é que a composição aponta majorita-
riamente para esse indivíduo, os braços de dois dos personagens da cena
apontam para a direção do lavrador. Parece, enfim, que a mensagem é de
que Cam, o filho negro, traidor, violador das tradições e costumes, e toda
a sua descendência, merece ser relegada à submissão e ao trabalho manual
de lavrar a terra (SOUSA JUNIOR; SOBRAL, 2021, p. 404).
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ALGUMAS REFLEXÕES
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REFERÊNCIAS
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PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO MÉDICO,
RAÇA E DOENÇAS NO NORDESTE ESCRAVISTA
Bárbara Barbosa dos Santos 1
1 Doutoranda no programa de história das ciências e saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PP-
GHCS/COC/FIOCRUZ). Bolsista CAPES. [email protected].
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5 As edições dos Annaes da Medicina Pernambucana (1842 a 1844) podem ser acessados
pelo site da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, disponível no seguinte endereço:
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=819166&pasta=ano%20184&pes-
q=&pagfis=35
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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KARASCH, Mary. A vida dos Escravos no Rio de Janeiro (1808 – 1850). São
331
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BIO-PERSPECTIVAS (1938):
EDUCAÇÃO EUGÊNICA DURANTE O
DECLÍNIO DA EUGENIA NO BRASIL
Manuel Alves de Sousa Junior1
Angelo Tenfen Nicoladeli2
INTRODUÇÃO
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de outros, e, desse modo, flertou com diversas outras ciências para ajudar nessa
legitimação.
O melhoramento humano era uma das medidas eugênicas, atuando “sobre-
tudo nas ações de cunho repressivo, às populações pobres, aos enfermos, negros
e mulatos, indivíduos com deficiências físicas, doentes mentais, imigrantes de na-
cionalidades consideradas inferiores, viciados e infratores” (BONFIM, 2017, p.
89). Genética, anatomia, fisiologia, psicologia, antropometria, história, geologia,
arqueologia, etnologia, geografia, antropologia, direito, estatística, política, eco-
nomia, biografia, educação, economia, sociologia, religião, genealogia, psiquia-
tria, cirurgia e testes mentais, foram algumas das outras áreas, além da biologia,
que a eugenia buscou referências, como evidencia uma imagem do 2° Congresso
Internacional de Eugenia em New York, que ocorreu em setembro de 1921 simul-
taneamente com a Segunda Exposição Internacional de Eugenia (Figura 01):
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EDUCAÇÃO EUGÊNICA
Uma das formas que a eugenia utilizava para propagar os seus ideais era
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3 Ficam evidentes nas citações diretas erros ortográficos, acentuações inexistentes no acordo
ortográfico dos países de língua portuguesa atual e outras formas de grafia presentes na
obra original, hoje considerada uma fonte histórica primária.
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em seus livros para tentar produzir uma verdade, ainda que a eugenia já estivesse
em declínio no fim dos anos 1930. O autor ainda afirma que o discurso carrega
um teor de verdade, ou do que já foi verdade há pouco tempo, tentando “pro-
duzir efeitos de poder estatuindo regras para o governo das pessoas, dividindo-
-as, examinando-as, adestrando-as, sujeitando-as.” (CANDIOTTO, 2006, p. 70).
Candiotto (2006, p. 71) ainda fala em uma desvinculação do “entendimento da
verdade como extensão e difusão do poder, permanecendo entre eles um jogo
irredutível em termos de articulação e de resistência”. Foucault (2013) defen-
dia que existem dois tipos de história sobre a verdade: uma interna, formal; e
outra exterior, ligada ao fazer da história. Era assim que os eugenistas tentavam
difundir os seus princípios, através da credibilidade que os discursos científicos
possuíam já naquela época.
Quando pensamos em produção de verdades, também podemos pensar
na condução de condutas, outro tema abordado por Foucault em suas obras. O
teórico fala que
esta palavra – “conduta” – se refere a duas coisas. A conduta é, de fato, a
atividade que consiste em conduzir, a condução, se vocês quiserem, mas é
também a maneira como uma pessoa se conduz, a maneira como se deixa
conduzir, a maneira como é conduzida e como, afinal de contas, ela se
comporta sob o efeito de uma conduta que seria ato de conduta ou de con-
dução (FOUCAULT, 2008, p. 255).
elevar o nível da medianidade, afim de que mais alto se torne o nível dos
bons, dos muito bons e dos ótimos, enquanto mais raros se apresentem os
maus, os muito maus e péssimos (KEHL, 1938, p. 109).
Este trecho dialoga com Foucault, quando o filósofo francês fala sobre
biopolítica onde afirma
quanto mais as espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais
os indivíduos anormais forem eliminados, menos degenerados haverá em
relação à espécie, mais eu - não enquanto indivíduo, mas enquanto espé-
cie - viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei, mais poderei proliferar’
(FOUCAULT, 2005, p. 305).
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despeito dos esforços religiosos, educativos e punitivos” (p. 158) que se sobrepõe
à piedade e ao altruísmo como uma sobreposição anti-natural, anti-social e anti-
-humano ocorrem
por culpa do artificialismo reinante nos agrupamentos humanos. Como
todos têm o mesmo direito à vida, os fracos, os débeis mentais, os dege-
nerados, vivem, procriam, multiplicam-se sob a proteção de favores que,
muitas vezes, são negados aos fortes, aos inteligentes - em suma, aos ver-
dadeiros esteios de perpetuação melhorada da espécie. Da seleção negativa
resulta que a maldade se multiplica na proporção da inferioridade física, da
fraqueza mental e da decadência moral, enquanto as qualidades ótimas se
reduzem, nas mesmas proporções (KEHL, 1938, p. 158-159).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ADAMS, Mark B. Toward a Comparative History. In: ADAMS, Mark B. (ed).
344
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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QUESTÕES RACIAIS NO BRASIL:
UMA ANÁLISE DOS TERMOS DISCRIMINAÇÃO,
PRECONCEITO E RACISMO
Daniel Bergue Pinheiro Conceição1
Márcia Cristina Gomes2
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
Realizar uma pesquisa social não é uma tarefa fácil. Conforme Onofre
(2014), em seu estudo no campo das questões raciais no Brasil, para se alcançar
sucesso na pesquisa, o\a pesquisador\a precisa ficar atento aos procedimentos
essenciais para um bom estudo.
Conforme o supracitado autor:
Na pesquisa, alguns requisitos são imprescindíveis para sua efetivação. O
êxito do estudo depende de como o pesquisador encara sua investigação a
partir dos questionamentos que surgem e também da relação que estabe-
lece com a realidade empírica. O pesquisador precisa ser curioso, indagar,
relacionar os achados do campo com a teoria, confrontar seu saber com as
novas proposições que vai elaborando com base no diálogo entre teoria e
campo empírico (ONOFRE, 2014, p. 108-109).
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DESENVOLVIMENTO
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que, consequentemente, impede esse sujeito de ter acesso a uma possível abertura
para entendimento maior e mais aprofundado da questão, o que, segundo esta in-
vestigadora brasileira, poderia levar o indivíduo a reavaliar seu modo de pensar.
Gomes (2005) relata que a atitude preconceituosa não nasce com o indiví-
duo. Ela é construída dentro da sociedade. Ou seja, não se nasce preconceituoso,
torna-se e aprende-se em sociedade a ter preconceito, dado que todo o sujeito
cumpre uma longa trajetória de socialização, sendo esta iniciada no ambiente
familiar, transcorrendo pela vizinhança, escola e outros espaços coletivos.
Trazendo as ideias trabalhadas para os dias atuais, nota-se que o racismo
não desapareceu. Hoje, ele apresenta-se de duas formas: individualmente e ins-
titucionalmente. Ambas estão integradas na sociedade brasileira. No primeiro
caso, Anchieta (2008) afirma que o racismo apresenta-se através de atos discrimi-
natórios praticados por indivíduos contra indivíduos, podendo ainda atingir altos
níveis de violência tais como agressões, destruição de bens e assassinatos. Na
segunda forma, as práticas discriminatórias são sistemáticas e fomentadas pelo
Estado e apresentam-se implicitamente ou não. Conforme considera Borges, que:
Elas se manifestam sob a forma de segregação no espaço urbano parti-
cularmente na escola e no mercado de trabalho. Manifestam-se também
em manuais escolares, livros, filmes e novelas de televisão que retratam de
maneira inadequada as minorias étnicas ou os grupos raciais menospreza-
dos. Sem dúvida, os mais terríveis atos de racismos institucionalizado são
a perseguição sistemática e o extermínio físico (genocídio, ‘limpeza étnica’
e tortura) (BORGES, 2002 apud ANCHIETA, 2008 p. 39).
3 O entendimento acerca da democracia racial nos concede fazer um delineamento não so-
mente como mito, ou seja, como construção cultural, mas também como colaboração,
aceitação ou acordo político, uma ideologia condescendida implicitamente para explicar a
relação dos\as negros\as na sociedade de classes do Brasil. (GUIMARAES, 2006).
Abdias do Nascimento em O Genocídio do Negro Brasileiro, critica os efeitos causados
pela ideologia da democracia racial colocada sobre toda sociedade maiormente a popula-
ção afro-brasileira. Segundo o autor, a democracia racial foi idealizada por Gilberto Freyre
fundador do chamado Luso-tropicalismo, que idealizou um Brasil sem raças e problemas
raciais. Esta expressão se apoiou com as chamadas ciências históricas. (NASCIMENTO,
1980).
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4 Domingues (2007) aponta que o movimento negro organizado começou 1930, por meio
da Frente Negra Brasileira sendo retomado décadas depois, com o Movimento Negro Uni-
ficado, no final dos anos 1970. Mediante esse fato se percebe que o movimento negro con-
temporâneo acumula experiência de gerações, sendo herdeiro de uma memória de luta que
atravessou praticamente todo o período republicano.
O movimento negro se construiu com dinamismo, por vezes reelaborado devido à cada
conjuntura histórica. As pautas de luta do movimento negro partiam da integração do
negro na sociedade, bem como da erradicação do racismo na sociedade brasileira.
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Desta forma, tais expressões revelam teores racistas que permeiam as rela-
ções sociais, uma vez que este conteúdo é reforçado e reproduzido no inconscien-
te da população brasileira, impregnado em todos os espaços coletivos. Conforme
Coqueiro (2008), os termos relacionados a/o negro/a:
[...] Vem carregado de conotação negativa. Denegrir significa tornar ne-
gro, logo, o termo negro sugere que isso é ruim. [...] estes nos mostram
problemas, expressões que se incorporam no cotidiano das sociedades, que
naturalizam o que não deve ser naturalizado, banalizam situações que não
devem ser banalizadas, inferiorizam pessoas e os lugares que estas ocupam
nos grupos sociais (COQUEIRO, 2008, p. 22).
Visto que tal música não expõe uma letra simples, pelo contrário, apresen-
ta-se de forma muito complexa. Entende-se que o compositor, ao se referir me-
taforicamente na primeira estrofe, que o elevador é quase um templo, ele retrata
o impedimento e restrição para o uso do elevador, como se ele fosse sagrado,
afirmando que o racismo existe.
Por conseguinte, Aragão (1992) traz a seguinte reflexão: o sujeito negro/a
ao ceder a vez, ou melhor, ao desistir de usar o elevador social, estaria deixando
de lado sua vitória já conquistada graças à luta e resistência de seus antepassa-
dos; sustentando ao mesmo tempo que o negro da atualidade tem uma responsa-
bilidade histórica de luta e resistência.
Outro ensinamento que o compositor traz é o branqueamento do/a ne-
gro/a como uma forma de desvalorizá-lo/a e diminuí-lo/a ao mesmo, pois o au-
tor explana que por fora, ou melhor, a aparência do/a negro/a é “ruim”, todavia,
por dentro é uma “boa” pessoa. Neste sentido, é observado, como bem colocado
na letra supracitada, o preconceito velado, o qual por sua vez não ajuda a popu-
lação negra, pelo contrário, preconceituosamente apaga a identidade racial dos/
as negros/as brasileiros/as.
Ainda trabalhando sobre a identidade do\a negro\a, ressaltamos que essa
cruzou a cultura, o corpo, a religião. Logo, caso o sujeito não se compreenda
como negro\a, isso impede a construção da sua identidade. Esta, quando re-
lacionada às particularidades fenotípicas e físicas do\a negro\a, torna-se um
processo doloroso, já que o sujeito está indo contra um padrão estabelecido de
acordo com a ideologia da classe dominante. Por isso, é imprescindível trabalhar
a identidade para que os\as negros\as reconheçam-se como negros\as.
Nota-se ainda a valorização da memória coletiva, tal como o reconheci-
mento cultural que influenciou na formação do povo brasileiro, a qual carrega
consigo influências de vocábulos originários da população negra como também
as vestimentas, culinária e a musicalidade.
Vale ressaltar a imensa importância e contribuição de todos os termos e
pontos abordados, pois definir-se terminologias como discriminação e preconcei-
to, torna possível a compreensão do atual cenário social em que vivemos. Assim,
as exemplificações corroboram para a afirmação de que o racismo não desapare-
ceu, apenas encontra-se disfarçado em um discurso à brasileira, o qual contribui
para a existência de desigualdades sociais e educacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Brasil é falar que muito ainda precisa ser feito para a superação das desigualda-
des, bem como para a garantia e efetivação de direitos sociais e educacionais. É
preciso rever as gritantes desigualdades que se encontram enraizadas na socieda-
de contemporânea, a qual convive com os frutos de um processo segregador, que
por muito tempo deixou a população negra à margem dos direitos básicos para
sua sustentação e existência.
Para a problematização e reflexão dos termos aqui trabalhados sugerimos
que os\as professores e professoras trabalhem no espaço educacional formal com
os\as estudantes a história real da população negra brasileira, não colocando-os/
as em uma posição de subalternidade, e sim como protagonistas de sua história.
Com o aprofundamento da pesquisa bibliográfica e documental foi possí-
vel perceber e constatar que as dificuldades para a população negra são históricas
e apresentam-se em todos os setores da sociedade. Mesmo diante de leis que
amparam essa população, com vistas à redução das desigualdades, o preconceito
e a discriminação ainda convivem de forma mascarada em meio à sociedade.
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RACISMO ESTRUTURAL, FAVELIZAÇÃO
E MEIO AMBIENTE: A PRIVAÇÃO DO ACESSO
AO MEIO AMBIENTE URBANO ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO E A FRAGILIZAÇÃO DO
MOSAICO DA CIDADE1
Welington Cipriano da Silva2
Tauã Lima Verdan Rangel3
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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QUESTÕES RACIAIS
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século XXI, a partir das cidades, continuará sendo os locais da nova configu-
ração econômica e financeira na era pós-industrial (GONÇALVES, 2017). De
acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
em 2015, a maior parte da população brasileira, 84,72%, vive em áreas urbanas
(IBGE, 2015). Já 15,28% dos brasileiros vivem em áreas rurais e o processo de
urbanização teve início na década de 1930, com destaque para a década de 1960
avança e transforma o país territorialmente, socioeconomicamente, culturalmen-
te é ambiental (FERNANDES, 2002 apud GONÇALVES, 2017).
No que se refere à ausência de planejamento urbano, denota-se o agrava-
mento da injustiça ambiental e do perfil populacional afetado. Logo, é possível
listar as deficiências na estrutura dos serviços de saneamento básico, acesso à saú-
de e educação, bem como serviços de transporte etc. Além disso, há problemas
gerados devido ao comprometimento ambiental que esse padrão de urbanização
impõe, o que diminui, ainda mais, a qualidade de vida dos residentes em áreas
urbanas, especialmente residentes nas metrópoles brasileiras (GONÇALVES,
2017).
A partir da declaração ratificada na Conferência de Estocolmo, de 1972, o
Brasil ressaltou a importância do tema, com o expresso reconhecimento do aces-
so ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na redação do artigo 225 da
Constituição Cidadã, içando-o ao status de direito fundamental (NASCIMENTO,
2021). Sendo, portanto, a temática de suma importância para o atual quadro
jurídico de proteção do meio ambiente, podendo citar a Lei nº 6.938/81, que
instituiu a Política Estadual de Meio Ambiente (PNMA). Ademais, ainda como
desdobramento da temática no plano legal, podem-se citar a Lei nº 7.347/85,
que trata das competências do Ministério Público para a propositura de ação
civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente e a Lei
nº 9.605/98, que definiu e puniu as condutas criminosas contra o meio ambiente
(NASCIMENTO, 2021).
Dentre as autoridades públicas responsáveis por atuar em prol da proteção,
preservação e conservação do meio ambiente, destaca-se a atuação do Ministério
Público, pois é aquele que verifica e fiscaliza. Contudo, aqui, é relacionado ao
fato dele receber as manifestações de interesse local e ambiental, tomando as
medidas e providências necessárias para minimização daquele problema (SILVA
NETO; SILVA, 2009). Ocorre que, muito vezes, quando essa demanda chega
até as outras autoridades públicas, em razão da burocracia, há uma demora que
prejudica mais ainda aquele problema, fazendo com que medidas mais amplas e,
por vezes, incapazes de solucionar a questão sejam tomadas tardiamente (SILVA
NETO; SILVA, 2009).
A Lei nº 6.938/81 introduziu, em seu artigo 3º, inciso I, o conceito de
meio ambiente como sendo um conjunto de condições, leis, influências e
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Direitos Humanos) para que essas pessoas conquistem e exerçam seus direitos,
em particular no que diz respeito à participação efetiva nos espaços democráti-
cos, ao acesso ao mercado formal de trabalho e à participação nos espaços geren-
ciais do setor privado empresarial.
Em temas voltados para a saúde e para a educação de alta qualidade,
acesso à moradia digna, bem como acesso efetivo à justiça, a CIDH (Comissão
Interamericana de Direitos Humanos) observou, com particular, preocupação
a violência sistêmica perpetrada por funcionários do Estado. Para tanto, conce-
de-se especial atenção para aqueles vinculados a instituições policiais e sistemas
de justiça baseados em padrões de perfil racial para criminalizar e punir afrodes-
cendentes (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
2021).
Dessa forma, a distribuição da morte como uma ação organizada do po-
der estatal, topografias militarizadas nas quais gerações começaram a se sociali-
zar por meio da experiência do sepultamento precoce de seus pares. O vocabu-
lário de homicídios e massacres, na formação da experiência de negros, desde a
infância, em territórios de guerra, e a necropolítica que dirigem um conjunto de
categorias e empreendimento racializados e racistas. Assim sendo, tal contexto
é o que define o programa político que percorre narrativas televisivas, espalha o
medo da comercialização da paz social e faz parte de um amplo leque de ativi-
dades legitimadas pela ideia de guerra, incluindo contra outras populações, sob
outro espectro de guerra, os chamados efeitos colaterais (OLIVEIRA; RIBEIRO,
2018, p. 37-40).
Em igual sentido, a seletividade da política de drogas proibitivas é um
exemplo de instrumento de sustentação do conjunto de injustiças que resultam
de um regime perverso regido por uma economia de violência que continua fun-
cionando. Os homicídios, no Brasil, nos últimos quinze anos, registraram um
aumento mais do que os mesmos crimes nos oito países sul-americanos somados
e mesmo todos os assassinatos registrados no mesmo período nos 28 países da
União Europeia(GEPeSP). Cerca de 56% de todos os assassinatos dizem res-
peito a jovens com menos de 29 anos, 71% dos quais são negros (OLIVEIRA;
RIBEIRO, 2018 p. 37-40).
Além disso, não existe um sistema de produção de dados seguros sobre as
circunstâncias dessas mortes, as condições de avaliação da ocultação das mor-
tes por homicídio e a quantidade delas em decorrência de ação policial dire-
ta ou indireta. Os resultados da luta contra o crime organizado e o tráfico de
drogas criminalizam, ainda mais, as relações sociais em territórios “periféricos”
inteiros, em que as forças de segurança atuam de forma mais ostensiva, utilizan-
do principalmente a violência. Além da corrupção flagrante de seus agentes, o
que cria um sentimento de insegurança na sociedade no geral, a par de que a
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QUESTÕES RACIAIS
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qualquer momento por um motivo alheio poderá ter a sua existência ameaçada
(OLIVEIRA; RIBEIRO, 2018, p. 37-40).
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QUESTÕES RACIAIS
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Então, esses serviços essenciais estão em risco, visto que o Estado não os
tornou capazes de desenvolvê-los nessas comunidades. Pelo contrário, os funda-
mentos do movimento, a fim de avaliar se determinados conceitos, após a ade-
quação, podem ajudar a analisar a problemática do ambiente sociopolítico bra-
sileiro, a partir dele, se atentar às peculiaridades (ALMEIDA; PIRES; TOTTI,
2015).
Apesar dos diferentes processos de colonização, é certo que o Brasil estava
sob forte influência política e legal dos Estados Unidos, após a Independência co-
lonial. Sendo assim, os grupos ambientais negros da América do Norte surgiram
das organizações comunitárias já estabelecidas, como a Igreja e outras formas
de associações, voluntários que optaram por enfrentar a discriminação racial e a
injustiça social (ALMEIDA; PIRES; TOTTI, 2015).
Os discursos dos movimentos ecológicos, principalmente norte-america-
nos, mostraram, inicialmente, uma tendência a se concentrar quase que exclusi-
vamente na proteção de espaços naturais e de espécies animais e vegetais. Sem
embargos, o tratamento conferido ao homem foi de um perigoso predador que
deve ser mantido afastado dos recursos ou simplesmente como outra espécie,
desprovida de qualquer tipo. De uma perspectiva diferente, a natureza emerge
como uma questão de boa governança, equação de recursos, em sociedades desi-
guais, grupos racialmente discriminados e populações de baixa renda em suma,
grupos vulneráveis e marginalizados suportam o maior fardo de danos ambien-
tais causados pelo
desenvolvimento (SILVA, 2012).
O desenvolvimento de um crescimento econômico desigual é propício a
problemas ambientais e culturais que afetam diretamente os povos marginaliza-
dos que vivem com a degradação ambiental progressiva em busca de meios de
sobrevivência, bem como as populações tradicionais que prosperam sem opor-
tunidades de emprego. Assim, um modelo que une terra e economia, caracteri-
zadas pelo desenvolvimento de uma monocultura, principalmente de eucalipto,
que requer reservas abundantes de água e nutrientes, causando o esgotamento do
solo (SILVA, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIA
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370
QUESTÕES RACIAIS
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372
DA ELABORAÇÃO SIMBÓLICA À PRÁTICA
DISCRIMINATÓRIA: O RACISMO
INSTITUCIONAL E ESTRUTURAL
Anselma Garcia de Sales1
Airton Pereira Junior2
INTRODUÇÃO
instituição da escravidão negra a partir do século XVI, cujos efeitos ainda se fa-
zem presentes sob o formato de outras formas de subjugação forçadas, represen-
tadas perfeitamente na atualidade pela violência policial, de acordo com o que
a banda O Rappa expressa “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”4.
O RACISMO INSTITUCIONAL
O racismo manifesta-se como um julgamento prévio motivado por uma
visão de mundo coletiva como também na prática discriminatória propria-
mente dita. À primeira forma de manifestação do racismo denominamos pre-
conceito, já a que se refere à ação de segregar é chamada de discriminação
racial (MUNANGA, 2004). No entanto, quando essa prática discriminatória
é exercida por instituições públicas ou privadas a denominamos de racismo
institucional.
Assim, o racismo institucional compreende um sistema de tratamento de-
sigual baseado na raça cuja operação é exercida por organismos públicos e priva-
dos que negligenciam serviços ou impedem o acesso equitativo de determinados
grupos raciais a direitos fundamentais.
O conceito de racismo institucional foi elaborado pelos militantes do
Partido Panteras Negras, Stokely Carmichael e Charles Hamilton, em 1967: “A
falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissio-
nal às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica” (CARMICHAEL;
HAMILTON, 1967, p. 4).
Contudo, o racismo institucional é atestado pelos movimentos sociais, ins-
titutos de pesquisa públicos e privados e órgãos governamentais que produzem
indicadores que apontam disparidades motivadas pela raça constatadas nos seto-
res de saúde, educação, segurança pública, acesso à cultura, saneamento básico,
representatividade política dentre outros.
Há ainda outros fatores, como gênero, classe social e orientação sexual,
por exemplo, que se somam à raça, provocando na dinâmica social outros tipos
de vulnerabilidade. Para essa adição de fatores que atuam juntamente com o ra-
cismo institucional damos o nome de interseccionalidade, conceito proposto pela
intelectual americana Kimberly Creenshaw:
A associação de sistemas múltiplos de subordinação tem sido descrita de
vários modos: discriminação composta, cargas múltiplas, ou como dupla
ou tripla discriminação. A interseccionalidade é uma conceituação do
problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas
da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. Ela trata espe-
cificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão
4 O RAPPA. Todo camburão tem um pouco de navio negreiro. O Rappa. São Paulo. Warner
Music, 1994.
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Figura 1 – Barreiras e mediadores da atenção em saúde para equidade racial e étnica, 2002.
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população negra têm sido alvo do sucateamento mais intenso das políticas so-
ciais, cujos efeitos a atingem sob a forma de desemprego, perda do poder aqui-
sitivo, diminuição da cobertura de saúde por parte do estado, e, sobretudo como
alvo preferencial da violência do estado, tanto sob o formato de encarceramento
quanto pelo seu extermínio.
Figura 2 – Taxas de homicídios de negros e não negros a cada 100 mil habitantes dentro
destes grupos populacionais – Brasil (2007-2017)
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em atingir os corpos negros que não se encontram seguros nem mesmo dentro
de suas próprias residências.
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Nesse sentido, seria impraticável o “racismo reverso”, uma vez que grupos
submetidos à dominação daqueles que detém o poder não possuem condições
objetivas de controlar os sistemas político e econômico que estruturam o racismo.
O racismo é um processo político. Político porque, como processo sistêmico
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QUESTÕES RACIAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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ATLAS DA VIOLÊNCIA 2019. / Organizadores: Instituto de Pesquisa Econô-
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CAVALLEIRO, Eliane. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, pre-
conceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2003.
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QUESTÕES RACIAIS
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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:
PONDERAÇÕES SOBRE IDENTIDADE E
MEMÓRIA DA POPULAÇÃO NEGRA BRASILEIRA
Domingos Dutra dos Santos1
Guilherme Aguiar Gomes2
Wraydson Silva Sousa3
INTRODUÇÃO
Partindo das temáticas previstas na Lei Federal 10.639/2003, que nos di-
reciona ao ensino e inclusão do estudo da História e Cultura Afro-brasileira, este
trabalho investiga a relação entre Educação e Relações Étnico-raciais enfatizan-
do a construção da identidade da população negra. Para isso, tomamos por base
que a Educação e as Relações Étnico-raciais apresentam-se como ações sócio-e-
ducacionais de assistência direto à população afrodescendente, principalmente
por meio da promoção de políticas de ações afirmativas e pedagógicas dentro da
Educação básica.
Diante disto, é importante destacar que o Brasil é um país caracterizado
historicamente pelas relações e tensões entre europeus, africanos, os primeiros
habitantes deste território e os seus descendentes. É uma nação com grandes
recursos naturais, culturais e produção de riqueza, entretanto, essa riqueza não
apenas é insuficientemente distribuída, como também a diferentes grupos são
alocados espaços de discriminação e marginalidade em distintos setores: educa-
ção, saúde, trabalho, habitação, dentre outros, implicando diretamente nos pro-
cessos de construção de identidades coletivas e individuais.
Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, ou aquilo que
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Dessa forma, configurou uma política curricular que toca o âmago do convívio,
trocas e confrontos em que têm-se educado os brasileiros de diferentes origens
étnico-raciais, particularmente descendentes de africanos e de europeus, com ní-
tidas desvantagens para os primeiros (HENRIQUES, 2005, p. 12).
Em 9 de janeiro de 2003, a Lei Federal 10.639, sancionada pelo então
presidente Lula, determinava a inclusão do estudo da “História e Cultura Afro-
Brasileira” nos currículos das redes de ensino brasileiras. No ano seguinte, o
Conselho Nacional de Educação aprovou as “Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana”. Além disso, foram promovidas alterações
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que passou a contar
com mais dois artigos, transcritos a seguir, que impactam direta e indiretamente
o ensino de História.
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino mé-
dio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da História e Cultura
Afro-Brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
Parágrafo 1º - O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá
diversos aspectos da História e da Cultura que caracterizam a formação
da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o
estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos
indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o ín-
dio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições
nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil.
(Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
Parágrafo 2º - Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira
e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o cur-
rículo escolar, em especial nas áreas de educação Artística e de Literatura e
História Brasileiras. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como
‘Dia Nacional da Consciência Negra’. (Incluído pela Lei nº 10.639, de
9.1.2003) (BRASIL, 1996).
Desde o início da vigência da Lei nº 10.639, em 2003, a temática afro-bra-
sileira se tornou obrigatória nos currículos do ensino fundamental e médio. No
entanto, a maioria dos alunos ainda não conhece a contribuição histórico-social
dos descendentes de africanos ao país. A Lei torna obrigatória a inclusão do
ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira nos currículos, deven-
do ser compreendida como uma vitória das lutas históricas empreendidas pelo
Movimento Negro em prol da educação.
Assim, a introdução dos estudos de História da África nos meios acadêmi-
cos e escolares brasileiros não representa apenas um acerto de contas com uma
malfadada consciência europeia acerca da exploração do continente africano nos
últimos séculos. Muito menos para diminuir a culpa dos dominadores por suas
práticas escravistas. O conhecimento da História da África é condição para o
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Nacional de Educação (CNE) ocorreu dia 20 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017, p. 350)
5 A BNCC está respaldada em um conjunto de marcos legais. Um deles é a Constituição
de 1988, que, em seu Artigo 210, já determinava que: “serão fixados conteúdos mínimos
para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos
valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. Outro marco é a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996), que no Inciso IV de seu Artigo 9, afirma
que cabe à União em colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelecer
competências e diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo
a assegurar formação básica comum.
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6 Nesta perspectiva, conforme Faleiros (2009) A análise da política social implica, assim,
metodologicamente a consideração do movimento do capital e, ao mesmo tempo, dos mo-
vimentos sociais concretos que o obrigam a cuidar da saúde, da duração da vida do traba-
lhador, da sua reprodução imediata e a longo prazo. É necessário considerar também as
conjunturas econômicas e os movimentos políticos em que se oferecem alternativas a uma
atuação do Estado.
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(O rganizadores )
capital, também atua na esfera da ação dos movimentos sociais, qual seja: na re-
produção da força de trabalho. As funções do Estado (repressivas, ideológicas e eco-
nômicas) assumem formas institucionais e se materializam em políticas sociais,
expressando as contradições entre Estado e sociedade civil. Assim sendo, as po-
líticas sociais governamentais expressam contradições, pois na media em que as
esferas de poder buscam remediar os problemas oriundos das relações sociais,
também procuram intervir para mitigar as lutas sociais (GORENDER, 1985).
As políticas públicas sociais do Estado, assim sendo, devem ser pensadas
no conjunto do capitalismo, de seu movimento, suas contradições e conjunturas
históricas, bem como das especificidades territoriais. Elas têm ocupado lugar es-
tratégico cuja função, entre outras, tem sido reproduzir as relações sociais e de
produção no capitalismo. No processo de formação dos Estados capitalistas, as
teorias econômicas liberais consideravam o mercado como o espaço de satisfa-
ção das necessidades sociais. Aos que não conseguiam se inserir no mercado de
trabalho e nas relações sociais mercantilizadas restava, de um lado, toda uma le-
gislação repressiva; e, de outro lado, a assistência por meio de caridade, cuja fina-
lidade era tratar a malandragem, a mendicância e vagabundagem. Em oposição
a isso, as lutas e movimentos sociais são, também, responsáveis pelas mudanças
nas condições de vida dos trabalhadores. Portanto:
As políticas sociais conduzidas pelo Estado capitalista representam um re-
sultado da relação e do complexo desenvolvimento das forças produtivas e
das forças sociais. Elas são o resultado da luta de classes e ao mesmo tempo
contribuem para a reprodução das classes sociais.
Esta contradição é dissimulada pelas ideologias humanistas, progressistas
ou liberais, que apresentam estas medidas como instrumentos de igualda-
de social, de melhoramento do bem-estar, de igualdade de oportunidades
(FALEIROS, 2009, p. 46, destaque nosso).
Cabe, nesse sentido, pensar nas funções ideológicas que as políticas so-
ciais imprimem no Estado Capitalista. Uma dessas funções é assinalar o grupo
alvo das políticas sociais pelo critério da anormalidade. Isto é, sugere-se que àque-
les que não conseguem ter uma vida normal garantindo sua existência e bem-
-estar, por meio do trabalho e, inserido nas relações capitalistas, são fracassados
(FALEIROS, 2009). Acaba- se culpando o indivíduo e determinados grupos so-
ciais que se tornam responsáveis pelo seu fracasso socioeconômico. Ao mesmo
tempo em que estigmatiza, escamoteia as condições de exploração e opressão,
bem como o contexto histórico que está por trás da desigualdade que os atinge.
Em se tratando de Brasil, esse tipo de assertiva é bem precisa quando abordamos
a questão racial, como veremos nas páginas a frente. Antes, trataremos das rela-
ções entre capitalismo, questão social e racismo como fatores fundamentais na
determinação das políticas sociais públicas.
Desde o nascimento do Capitalismo que convivemos com a violência, por
396
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
que o Capitalismo é violento. Como disse Marx (2013, p. 821): “[...], lançaram
mão do poder do Estado, da violência concentrada e organizada da sociedade
para impulsionar artificialmente a transformação do modo de produção feudal
em capitalista”. Nesse processo, Marx (2013, p. 829-830) enfatiza: “Se o dinhei-
ro, [...], vem ao mundo com manchas naturais de sangue numa de suas faces, o
capital nasce escorrendo sangue e lama por todos os poros, da cabeça aos pés”.
Numa perspectiva histórica, a escravidão faz parte daquele quadro geral
de tratamento cruel imposto às classes desfavorecidas, das rigorosas leis
feudais e das impiedosas leis dos pobres, e da indiferença com que a classe
capitalista em ascensão estava “começando a calcular a prosperidade em
termos de libras esterlinas e [...] se acostumando com a ideia de sacrificar
a vida humana ao deus do aumento da produção” (WILLIAMS, 2012, p.
32).
Com esse motivo, o capitalismo não apenas impor-se-á como uma forma-
ção socioeconômica de acumulação e reprodução do capital – como demonstrou
Marx (2013) – mas, também, como imposição de um modelo cultural e civiliza-
tório considerado superior. A expansão europeia vai ser apresentada como um
fenômeno que ocorre sobre povos que não tem capacidade para gerir suas rique-
zas e sua vida, como também, regiões pouco povoadas à espera dos europeus.
Cabe, portanto, ratificar que durante vários séculos a Europa empreendeu um
processo de dominação política, econômica e cultural sobre diversas regiões do
mundo. Tanto o colonialismo, a partir do século XV, quanto o imperialismo ou
neocolonialismo do século XIX deixaram marcas profundas que permanecem na
contemporaneidade em continentes como a África, América e Ásia.
Uma dessas marcas que predomina no imaginário das populações é a vi-
são histórica produzida pelos europeus. Segundo Curtin (1982), por exemplo, a
África foi acusada de não possuir uma história original, pois era um continente
habitado por uma raça inferior. Nessa perspectiva, segundo as potências euro-
peias e seus intelectuais, não possuíam e não constituíam uma civilização. O
Imperialismo do século XIX, com efeito, faz parte desse processo de roedura do
continente africano que se inicia no século XV, com o colonialismo e tráfico de
escravizados, e tem como um dos marcos a conferência de Berlim – entre os anos
1884 e 1885 – caracterizada pela partilha da África entre as potências imperialis-
tas europeias e a consequente ocupação militar, política e econômica.
Ironicamente, como denunciou Marx (2013), o início de todo esse pro-
cesso de violência, exploração e opressão – material e simbólica – ocorreria
em nome da extensão da civilização e humanização ao continente africano.
Afirmando que estavam levando o progresso material e espiritual ao povo da
África, bem como lutando pelo fim do tráfico de escravizados, os europeus em-
preenderam toda sorte de controle político e econômico visando à ampliação de
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seus lucros e diminuição das tensões sociais na própria Europa. Como destacou
Eric Hobsbawm:
A partir do momento em que o grande imperialista Cecil Rhodes observou
em 1895 que, para evitar a guerra civil, era preciso se tornar imperialista, a
maioria dos observadores se conscientizou do assim chamado “imperialis-
mo social”, isto é, da tentativa de usar a expansão imperial para diminuir
o descontentamento interno por meio de avanço econômico ou reforma
social, ou de outras maneiras (HOBSBAWM, 1998, p. 105).
A África foi, sem dúvida, o continente mais afetado pelo imperialismo eu-
ropeu e alicerçado na doutrina dos três Cs – Comércio, Cristianismo e Civilização
– a burguesia europeia, com o apoio da Igreja (Católica e Protestante), e dos
Estados Nacionais ocupou direta e indiretamente o continente africano em bus-
ca de riquezas, ostentação e alívio as suas tensões internas. Por esse motivo,
Hobsbawm (1998) afirma da impossibilidade de separar as razões econômicas
para a invasão dos territórios coloniais, da ação política e dos discursos necessá-
rios para a legitimação.
A conquista colonial tornou-se um símbolo do desenvolvimento capitalis-
ta, das potências europeias e de sua riqueza. Seus luxos foram sustentados a base
de muita violência e exploração da África e de seus habitantes. Esse processo, em
essência, pouco diferenciou da época do Colonialismo, como nos alertou Eric
Williams (2012) quando o doce do açúcar nas xícaras de café e chá dos europeus,
bem como o prazer do tabaco, só foi possível graças ao vermelho do sangue afri-
cano, tingindo os oceanos ao redor do mundo, em especial, no Atlântico Negro
por meio de seu símbolo maior: o navio negreiro (GILROY, 2001).
As consequências desse processo foram brutais não apenas para o conti-
nente africano, mas para todos os povos da diáspora. Hobsbawm (1998, p. 110
- 124) destaca alguns desses impactos da expansão capitalista sobre as outras
partes do globo:
I. O impacto econômico do Imperialismo foi significativo, mas, é claro, o
que ele teve de mais significativo foi sua profunda desigualdade;
II. O que o Imperialismo trouxe às elites efetivas ou potenciais do mundo
dependente foi, portanto, essencialmente a ocidentalização;
III. O mais poderoso legado cultural do imperialismo foi uma educação em
moldes ocidentais para minorias de vários tipos;
IV. No século XIX os não-europeus e suas sociedades eram crescente e geral-
mente tratados como inferiores, indesejáveis, fracos e atrasados, ou mesmo
infantis;
V. O exótico se tornou crescentemente parte da educação cotidiana dos eu-
ropeus, como na literatura juvenil, revistas.
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7 Iamamoto (2001) afirma que para entender a questão social é preciso a compreensão das
diferentes formas assumidas pelo mundo do trabalho, em contextos históricos diversos e
perpassados pela luta de classes e projetos políticos societários divergentes. A questão so-
cial, nesse sentido, tem sua gênese vinculada às relações de produção capitalista e a fabrica-
ção da exploração, pobreza e desigualdades sociais na classe trabalhadora.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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405
CULTURA NEGRA, PATRIMÔNIO E RACISMO:
QUILOMBO DA PEDRA DO SAL
Thamires da Costa Silva1
INTRODUÇÃO
Um local central e ícone para a luta quilombola é a Pedra do Sal que foi
o berço do samba carioca e das primeiras escolas de samba carnavalescas da
cidade do Rio de Janeiro. Sambistas como Donga (1890-1974), João da Baiana
(1887-1974), Pixinguinha (1897-1973) e Heitor dos Prazeres (1898-1966) se reu-
niram na Pedra do Sal para compor, ensaiar e promover encontros. Curi e Paiva
(2017, p. 65), apontam que o primeiro registo fonográfico brasileiro, composto
por Donga, em 1908, foi feito na Pedra do Sal, a canção conhecida como “Pelo
telefone”.
A região é fortemente marcada por três elementos. Um deles são as ativi-
dades portuárias. O outro, a presença, desde o século XVIII, de praticantes
de religiões de matriz afro-brasileira, sendo a Pedra do Sal o local onde sur-
giram os primeiros terreiros da cidade. E também pela criação dos primei-
ros ranchos carnavalescos do Rio. Esses eram frequentados por figuras de
expressão nacional do samba, como João da Baiana e Donga (CORRÊA,
2016, p. 02)
dos. Eram utilizados navios conhecidos como tumbeiros (navios negreiros) para o transpor-
te da população negra escravizada.
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receber os negros escravizados vindos da África, que ficou conhecido como Cais
do Valongo.
Estima-se que entraram somente nos anos de 1811 e 1831, pelo Cais
do Valongo, aproximadamente 500 mil a 1 milhão de escravizados (PAULA;
HEREDIA, 2018). De todos os africanos escravizados que entraram no Brasil,
mais da metade ingressou pela cidade do Rio de Janeiro. Consequentemente,
no início do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro era constituída por 60% a
70% de africanos escravizados e libertos (NASCIMENTO et al., 2018). A Pedra
do Sal, que anos mais tarde se tornou um quilombo reconhecido pela Fundação
Palmares, era um espaço de abrigo e resistência para a população negra, tanto es-
cravizada como liberta, um local de moradia, de práticas religiosas, de capoeira,
enfim de cultura negra.
Em 1830, a Pedra do Sal sofreu um corte para que fosse criada a Rua
Nova de São Francisco da Prainha, que anos mais tarde se tornou Rua da Saúde
e, hoje, Rua Sacadura Cabral. Como forma de preservar a memória e identida-
de negra carioca, no ano de 1984, a Pedra do Sal foi tombada provisoriamente
pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC). Essa certificação pre-
liminar foi feita pelo secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, Darcy
Ribeiro. Em 1987, a Pedra do Sal foi tombada definitivamente pelo instituto, com
o auxílio de laudos antropológicos feitos pelo Instituto Histórico e Geográfico do
Rio de Janeiro e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Segundo Corrêa
(2016, p. 02), “pela primeira vez no Brasil, um local conhecido historicamente
como espaço de oferendas aos Orixás foi tombado”.
No ano de 2006, o Quilombo da Pedra do Sal foi reconhecido como tal,
pela Fundação Cultural Palmares, através da Portaria n° 02 de 17 de janeiro
de 2006. Desde 2009, toda segunda-feira, acontecem rodas de samba que unem
moradores e turistas na região. Segundo Curi e Paiva (2017), a população local é
receptiva às rodas de samba que acontecem na região, pois muitos vendem bebi-
das e alimentos durante os shows.
O quilombo da Pedra do Sal emergiu de um contexto de discussão sobre
os significados e os usos do patrimônio histórico e cultural negro inscrito
na zona portuária do Rio de Janeiro e reconhecido oficialmente a partir
do tombamento da Pedra do sal, em 1987, como patrimônio material do
Estado do Rio de Janeiro. Defende a manutenção e o revigoramento de
uma memória afro-brasileira na área, marcada pelo samba, pelo candom-
blé e pelo trabalho negro no porto, e tem como objetivo visibilizar um pa-
trimônio cultural imaterial herdado de seus antepassados escravos e africa-
nos, um dos mais importantes grupos formadores da sociedade e cultura
brasileiras (MATTOS; ABREU, 2010, p. 15).
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O quilombo vai além das delimitações físicas, mas também engloba a me-
mória e história da comunidade quilombola, isso é a história viva e vivenciada
diariamente no território. É muito comum que as comunidades quilombolas se-
jam absorvidas pelas mudanças e crescimento das cidades, o mesmo pode acon-
tecer com os quilombos rurais. No caso do Quilombo da Pedra do Sal, a bata-
lha pela terra com a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência,
não enfraqueceu a luta da comunidade pelo espaço físico de seus ancestrais, isso
significa que nem mesmo as mudanças e pressões urbanas afetam a identidade
quilombola da população:
A quilombagem representava a experiência histórica de tomada de cons-
ciência acerca da luta pelos direitos à liberdade e à igualdade, bem como
a afirmação de um território dominado pelo comunitarismo da negritude,
dada a tradição libertária das populações escravizadas (PEREIRA, 2019,
p. 62)
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Outro dispositivo legal primordial para ressaltar é o artigo 68, dos Atos
das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), promulgado em outubro
de 1988, que diz: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que es-
tejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir lhes os títulos respectivos”. O Decreto 4887, de 20 de novembro
de 2003, que regulamenta os procedimentos para identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de
comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68 da ADCT.
É importante frisar que a autodeterminação é o aspecto principal para de-
finição dos quilombos, de acordo com o Decreto 4887/2003, pois “os grupos
étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica pró-
pria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralida-
de negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida” (BRASIL,
2003). Assim,
a partir da Constituição de 1988 e, sobretudo, do Decreto 4887/2003, ob-
serva-se uma radical ampliação do conceito de quilombo, que deixa de se
restringir aos locais de concentração de escravos fugidos para designar gru-
pos que desenvolvem em territórios próprios práticas de resistência, preser-
vação e reprodução de modos de vida (LOUREIRO, 2014, p. 215).
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5 Trata-se de um órgão colegiado de decisão máxima do IPHAN, criado para avaliar ques-
tões associadas ao patrimônio material e imaterial, como por exemplo decidir pelo tomba-
mento ou registros dos bens.
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Pereira (2019, p. 69) ainda destaca o fato da Constituição Federal não vin-
cular o reconhecimento e a inclusão da territorialidade dos quilombos contempo-
râneos, que o artigo 68 do ADCT faz referência, à patrimonialidade dos antigos
quilombos. O campo da luta pelo o que é ou não considerado patrimônio, ainda
é regido pela forte influência das políticas de tombamento para o patrimônio ma-
terial, o que reflete na pouca quantidade de quilombos acautelados pelo IPHAN.
Pereira (2019, p. 69) aponta a “obsessão do tombamento” que contribui para
“uma cegueira de outras formas de proteção que o próprio sistema jurídico pro-
porciona e a uma centralidade em mãos da entidade federal de proteção, que
acaba sobrecarregada”.
Silveira (1999, p. 89-90) afirma que o racismo europeu ganhou força como
uma teoria durante a construção das organizações científicas. O racismo era uma
forma objetiva de enxergar e encarar o mundo, oficialmente reconhecida, como
parte de “um sistema respeitável de valores que influenciou significativamente
as políticas colocadas em ação pelas classes governantes”. Diversos cientistas e
juristas criaram teorias para justificar a suposta superioridade do homem branco,
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como por exemplo Carolus Lineu6, no livro Systema Naturae (1735) no qual cria
uma divisão entre quatro tipos de raça humana, sendo o homem branco dotado
das melhores característica e o homem negro das piores.
O homem branco foi assim apresentado: “Sangüíneo, ardente; cabelos lou-
ros, abundantes; olhos azuis; leve, fino, engenhoso; usa roupas estreitas;
é regido pelas leis”. Os demais, é claro, ganharam notas mais baixas. O
asiático foi apresentado como melancólico, severo, fastoso e avaro, “regido
pela opinião”. O americano seria vermelho, bilioso, teria cabelos negros,
lisos e abundantes, narinas amplas, queixo quase imberbe; “teimoso, ale-
gre, erra em liberdade; pinta-se de linhas curvas vermelhas; é regido pelos
costumes”. O africano, sempre mais perseguido, teria por sua vez cabe-
los crespos, lábios grossos, pele oleosa e nariz simiesco; seria “indolente,
de costumes dissolutos (...) vagabundo, preguiçoso e negligente (...)regido
pelo arbítrio” (SILVEIRA, 1999, p. 99).
essa suposta democracia racial que Gilberto Freyre defendia em seu livro Casa-
Grande & Senzala (1933), o que ocorreu foi a tentativa de embranquecimento da
população para apagar não só os traços físicos da população negra, mas também
seus hábitos, crenças e histórias:
Devemos compreender “democracia racial” como significando a metáfo-
ra perfeita para designar o racismo estilo brasileiro: não tão óbvio vomo
o racismo nos Estados Unidos e nem legalizado qual o apartheid da
África do Sul, mas institucionalizado de forma eficaz nos níveis oficiais
do governo, assim como difundido e profundamente penetrante no teci-
do social, psicológico, econômico, político e cultural da sociedade de país
(NASCIMENTO, 2016, p. 111).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Editora Jandaíra, 2020.
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2002. Aprova o texto da Convenção no 169 da Organização Internacional do
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QUESTÕES RACIAIS
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POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA:
UMA ARGUIÇÃO BASEADA NA
EXPERIÊNCIA DE UM QUILOMBOLA
Fábio José Brito dos Santos1
INTRODUÇÃO
Com este conceito, temos a clareza de como essas políticas são de grande
essencialidade para a inclusão das minorias oprimidas, que se encontram secu-
larmente longe de acessos básicos educacionais, visto que ocasionado também
por um sistema econômico que não valoriza os mais necessitados, consegue em-
purrar essa parcela valorosa de cidadãos longe dos direitos amparados na cons-
tituição, e regidos pelos documentos oficias como por exemplo a LDB4 (Lei de
Diretrizes e bases das Educação – 1996).
Não se pode deixar de mencionar que muitas visões políticas, de aspec-
tos direitistas e conservadores sempre se puseram divergentes a política de cotas,
tornando-os como antagonistas na luta por um acesso mais cabível e prezando
pela justiça social, como bandeira de luta e sonhos. Essas contradições e confron-
tos com a proposta de estabelecimentos de políticas afirmativas em ingressos de
mestrados e doutorados, consequentemente dificultam uma legislação específica
que estabeleça e determine essas reservas para quilombolas e demais grupos.
Na atualidade temos um projeto de lei na câmara federal que institui as
cotas para esses fins a nível nacional, porém o texto se encontra ainda em trami-
tação, que certamente levará um período ainda extenso para aprovação perma-
nente, no momento temos em vigor apenas uma legislação que estipula cotistas
para cursos de graduação e de ensino técnico de nível médio em instituições
federais.
4 Lei que define e regulariza a organização da educação brasileira com base nos princípios
da constituição federal, conhecida também como lei Darcy Ribeiro.
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O autor cita o espaço ocupado por essas populações, como uma conquista
constante, sendo que as gerações de hoje podem ser resultado de uma dívida
histórica que o Brasil possui com essas comunidades, é fato que nada é suficiente
para mudar a história ou tornar menos sofrida. A discriminação e o preconceito
sofrido não podem ser resumidos apenas como atitudes sociais, mas sim institu-
cionais, quando a nossa presença incomoda ou é rejeitada.
Neves (2010) assegura em seu discurso uma linguagem importante, fazen-
do a seguinte reflexão:
Saber se as cotas são um meio eficaz de combater as desigualdades, ou ao
contrário, se elas apenas vão criar outras, vai se tornar um a questão central
do debate. Um ponto de clivagem será o reconhecimento do preconceito
racial como um elemento gerador ou não das desigualdades, o que poderia
ser sintetizada na seguinte questão: os negros são discriminados por que
são negros ou por que são pobres? (NEVES, 2010, p. 24).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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430
SANGUE RUIM: UMA ANÁLISE
DO PRECONCEITO RACIAL
EM HARRY POTTER
Gabriel Felipe da Silva1
SANGUE RUIM
3 O Quadribol é o esporte mais praticado entre os bruxos. Uma espécie de futebol em que os
bruxos jogam montados em vassouras voadoras.
432
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acham melhores do que todo mundo porque têm o que as pessoas chamam
de sangue puro” (ROWLING, 1998, p. 71).
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mensagem lê em voz alta com o olhar direcionado para Hermione com um tom
de ameaça e deboche. Hermione e seus amigos ficaram desconfiados, e dali em
diante pensaram que o menino da Sonserina seria o herdeiro da câmara e matará
todos os sangues ruins.
Harry, Rony e Mione estavam sozinhos no meio do corredor, e os estudan-
tes que se empurravam para ver a cena macabra se calaram. Então alguém
gritou em meio ao silêncio. – Inimigos do herdeiro, cuidado! Vocês vão ser
os próximos, sangues ruins! Era Draco Malfoy. Ele abrira caminho até a
frente dos alunos, seus olhos frios muito intensos, seu rosto, em geral páli-
do, corara, e ele ria diante do gato pendurado imóvel (ROWLING, 1998,
p. 84).
O preconceito com bruxos, que não têm sangue puro, é tão grande que não
basta querer humilhá-los, escravizá-los, o desejo é matá-los. Vemos isso todos os
dias, pessoas sendo mortas por serem gays, por serem negras, por serem muçul-
manas ou por estarem em situação de rua. Existe uma intolerância para deter-
minados grupos sociais e isso pode ser combatido pelos mais variados setores da
sociedade, dentre eles, a escola.
Nesse sentido, o ambiente escolar é uma instituição formada pela cida-
dania, de forma que o preconceito começa a ser combatido nela, ensinando e
mostrando aos estudantes o que é e como lutar. O Brasil, por ser um país multir-
racial, extremamente miscigenado, deveria ter o menor dos índices de preconcei-
to racial, mas isso não acontece. Em uma pesquisa, feita pelo G1, em 2018, que
contou com a participação de 27 países, o Brasil aparece em 07° lugar como o
país mais intolerante, empatado com Estados Unidos da América (EUA) e Reino
da Espanha (ES).
Embora exista uma diversidade cultural gigante, é visível que a escola ain-
da não se sente confiante para lidar com situações de preconceito. É comum que
os indivíduos se deparam com diversas histórias de bullying em seu dia a dia.
Paulatinamente, os números têm reduzido, isso se dá por estarmos numa época
de forte influência digital e vivermos a cultura do cancelamento.
Cancelar uma pessoa virou uma prática usada por muitos nas redes sociais
nos últimos anos, e “cultura do cancelamento” foi eleito como o termo
do ano em 2019 pelo Dicionário Macquarie, que todos os anos seleciona
as palavras e expressões que mais caracterizam o comportamento de um
ser humano. Uma pessoa ser cancelada significa que ela fez ou disse algo
errado, que não é tolerado no mundo de hoje, em que muitas pessoas passa-
ram por essa desconstrução social. Algumas pessoas, no entanto, possuem
vivências diferentes e não conseguiam enxergar seus erros antes de terem
sido rechaçadas na internet, sendo então essa punição uma maneira de
educar (ROSA, 2021, p. 1).
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Sua obra, Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humana (1855), lançou as bases da
teoria arianista (e do Lord das Trevas), que considera a raça branca como a única
pura e superior às demais, tomada como fundamento filosófico pelos nazistas,
adeptos do pangermanismo.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LEI nº 9.394 (BRASIL,
1996), obriga a inclusão do ensino das relações étnico-raciais, ensino da cultura
e história Afro-brasileira, Africana e Indígena, bem como garante igual direito às
histórias e culturas que fazem parte da sociedade brasileira. Essa obrigatoriedade
é uma decisão política, com reflexo pedagógico. Além de garantir o ensino e o
acesso ao tema, é preciso valorizar as mais diversas culturas que compõe nossa
sociedade.
No mundo bruxo, o que temos próximo disso é o Fundo de Apoio à
Liberação dos Elfos (F.A.L.E), que visa garantir direitos básicos aos elfos tais
como salário, descanso, férias, alimentação adequada e sobretudo respeito. Os
elfos são tratados como verdadeiros escravos, totalmente subordinados às famí-
lias que estão ligados, trabalham sem parar e sem qualquer remuneração, além de
serem agredidos fisicamente. Assim como no mundo real, é necessário a criação
de alguma lei que garanta e puna os intolerantes.
Diante da suspeita de Draco ser o herdeiro, Rony e Harry tomam uma
poção para ficarem com a aparência dos amigos de Draco e o preconceito é mais
uma vez visto.
Em atraso, Harry e Rony forçaram uma risada, mas Draco pareceu satis-
feito; talvez Crabbe e Goyle sempre fossem lentos para entender as coisas.
– São Potter, o amigo dos sangues ruins – disse Draco lentamente. – Ele
é outro que não tem espírito de bruxo, ou não andaria por aí com aquela
Granger sangue ruim metida a besta. E tem gente que acha que ele é o her-
deiro de Slytherin! (ROWLING, 1998, p.128).
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Hitler pregava a supremacia ariana e não era sangue puro, não era ariano4, o
mesmo acontece no mundo bruxo, Lord Voldemort que deseja dizimar todos os
“sangues ruins”, era “sangue ruim”.
E, tirando a varinha de Harry do bolso, ele escreveu no ar três palavras cin-
tilantes: TOM SERVOLEO RIDDLE. Em seguida, agitou a varinha uma
vez e as letras do seu nome se rearrumaram: EIS LORD VOLDEMORT.
– Entendeu? Era um nome que eu já estava usando em Hogwarts, só para
os meus amigos mais íntimos, é claro. Você acha que eu ia usar o nome no-
jento do meu pai trouxa para sempre? Eu, em cujas veias corre o sangue do
próprio Salazar Slytherin, pelo lado de minha mãe? Eu, conservar o nome
de um trouxa sujo e comum, que me abandonou mesmo antes de eu nascer,
só porque descobriu que minha mãe era bruxa? Não, Harry, criei para mim
um nome novo, um nome que eu sabia que os bruxos de todo o mundo um
dia teriam medo de pronunciar, quando eu me tornasse o maior bruxo do
mundo (ROWLING, 1998, p.177).
Nesse trecho do livro, vemos que trouxas eram mortos por serem consi-
derados bruxos. Uma infelicidade que matou diversas pessoas por puro precon-
ceito; oriundo da igreja. Qualquer pessoa que vivia à revelia das regras impostas
pela igreja católica, era passível de ser vista como bruxa. Percebe-se que a autora
teve o cuidado de pesquisar o tema e introduzi-lo à obra ficcional de maneira
satírica. Ora, como relatado no livro, um trouxa que captura um bruxo de ver-
dade, não tem poder para matá-lo. Diversos trouxas inocentes foram mortos por
4 Hitler acreditava que os arianos eram um povo de grandes feitos e que foram mortos pelo
reino de Atlântida. Isso é pura fantasia. De fato, os arianos existiram, mas foi um povo
que viveu 3.000 a.C no oriente médio e parte da Índia. São considerados como um povo
pré-histórico por alguns cientistas. A fantasia criada por Hitler de homens fortes, altos, in-
teligentes, brancos, olhos azuis não existe, os arianos foram um grupo linguístico formado
por pessoas com características totalmente diferente dessas, ainda que fossem como Hitler
dizia, obviamente ele não era descendente deles, foi um grupo que existiu na pré-história.
436
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
serem considerados bruxos, haja vista que tinham algum problema de saúde ou
simplesmente questionavam as regras impostas pela igreja.
Na era medieval, houve a chamada a caça às bruxas, quando um dos epi-
sódios mais conhecidos foram os julgamentos ocorridos na cidade de Salem;
uma cidade na costa norte do estado de Massachusetts, localizado nos Estados
Unidos da América. O que a maioria não sabe, é que a caça às bruxas teve pro-
porções muito maiores na Europa medieval. Estima-se que 50 mil pessoas foram
julgadas e condenadas à morte por prática de bruxaria e foram mortas por quem
deveria pregar o amor, respeito e tolerância: Igreja. No século XV foi escrito o
Malleus Maleficarum, mais conhecido como Martelo das Bruxas, uma espécie de
livro que explicava sobre bruxaria. Segundo o manual, uma das características
de uma bruxa era a vontade exacerbado por sexo, o que chamamos hoje de nin-
fomania (EHRENREICH; ENGLISH, 1984 apud NASCIMENTO, 2018).
Isso tudo ocorreu por uma misoginia, em que a igreja criou esse mito por
conta de mulheres que não atendiam as expectativas religiosas ou políticas da épo-
ca. Grande parte das acusações eram contra mulheres viúvas, pobres e sozinhas.
Dado a dificuldade da época, elas faziam remédios com ervas e outros produtos
naturais e isso era visto como uma prática sobrenatural; portanto, abominável.
A intolerância e falta de conhecimento nessa época era tão grande, que mulheres
muito bonitas e que gerassem excitação num poderoso, era considerada bruxa.
Se fosse idosa, feia, bonita demais, deficiente física já era motivo suficiente para
ser considera bruxa. Bruxa, ou tem pacto com o demônio (EHRENREICH;
ENGLISH, 1984 apud NASCIMENTO, 2018).
As bruxas não surgiram espontaneamente, mas foram fruto de uma cam-
panha de terror, realizada pela classe dominante. Poucas dessas mulheres real-
mente pertenciam à bruxaria, porém, criou-se uma histeria generalizada na po-
pulação, de forma que muitas das mulheres acusadas passavam a acreditar que
eram mesmo bruxas e que possuíam um “pacto com o demônio”, como expresso
por Eherenreich e English (1984 apud NASCIMENTO, 2018).
Ao longo da narrativa, temos uma cena em que Malfoy diz para Hermione
não o encostar. “– Quer um, Granger? – Perguntou Malfoy, oferecendo um dis-
tintivo a Hermione. – Tenho um monte. Mas não toque na minha mão agora,
acabei de lavá-la, sabe, e não quero que um sangue ruim a suje.” (ROWLING,
2000, p. 152).
Um caso que aconteceu há cerca de três anos, mas só foi divulgado em
meados de 2020, foi o racismo praticado contra o filho do casal André Marinho e
Drika Marinho. O pai relata que o filho, há cerca de seis meses, encontrava-se de-
sanimado e triste. O genitor imagina que poderia ser algo relacionado a racismo
e bullying. Segundo relatos publicados na página do Facebook de Drika Marinho,
a mãe da criança, no dia 1º de junho de 2021, em uma conversa com o filho, o
menino relata que uma colega da escola o interpelou, porque ele quase encostou
nela dentro do transporte escolar e ela tinha nojo de negros e não aceitaria que
ele encostasse nela, mesmo que isso acontecesse por um balanço do veículo no
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Próximo ao fim da narrativa, o livro traz uma cena em que Draco Malfoy
está prestes a matar o diretor da escola e, como sempre, não deixa passar a opor-
tunidade de ser intolerante.
Tirei também a ideia de envenenar o hidromel da Sangue Ruim da Granger,
ouvi quando ela disse na biblioteca que o Filch não era capaz de reconhecer
poções...
– Por favor, não use essa palavra ofensiva na minha presença – pediu
Dumbledore. Malfoy deu uma gargalhada desagradável.
– O senhor ainda se incomoda que eu esteja dizendo “Sangue Ruim” quan-
do estou prestes a matá-lo? – Incomodo-me (ROWLING, 2005, p. 397).
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QUESTÕES RACIAIS
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QUESTÕES RACIAIS
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“O mundo anda tão intolerante. Ler Harry Potter nos leva ao mundo má-
gico, onde Harry vence o mal sem matar ninguém. Ou seja, podemos me-
lhorar o mundo dando mais soluções do que críticas.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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444
QUESTÕES RACIAIS
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445
PAI JOÃO VAI MORRER:
TRISTEZA E ESCRAVIDÃO NA POESIA
DE JORGE DE LIMA
Livramento Fernanda de Lima Araújo1
Claudenice da Silva Souza2
INTRODUÇÃO
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Como cita o autor, por falta de mão de obra tornou-se necessário, em ple-
no desenvolvimento do país, a busca por auxílio. Para tal, a escravização nasceu
como forma eficiente de sanar o desfalque de trabalhadores presentes nas lavou-
ras e demais lugares que necessitassem.
Os negros compunham a economia da colônia brasileira agindo através de
seus esforços em campos cafeeiros, canaviais e demais ou sendo o próprio produ-
to de comércio. Ao fim, “mais não eram do que simples máquinas ou instrumen-
tos de trabalho” (RODRIGUES, 2010, p. 21), que favoreciam o crescimento de
capital para seus donos através da força bruta que podiam oferecer.
Em um documento da Biblioteca Nacional (1988), há a opinião de André
João Antonil, jesuíta do século XVI aqui do Brasil, sobre a importância dos ne-
gros para a existência dos engenhos: “os escravos são as mãos e os pés do senhor
de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar
a fazenda, nem ter engenho corrente” (p. 9). Ou seja, havia uma consciência
geral da relevância e utilidade do trabalho realizado por eles. É tanto que os
senhores chegavam a usar das escravas como reprodutoras a fim de perpetuar a
mão de obra humana de que dispunham. Nesse sentido, conseguiam a partir de
seu produto usufruir ainda mais e gerar o aumento de trabalhadores escravos.
Sendo assim, podemos afirmar que talvez chegasse uma época em que já não era
mais necessária a compra, pois o produto era feito dentro das senzalas, nos matos
ou em qualquer lugar que fosse. As mulheres negras eram verdadeiras fábricas
humanas.
Como sabemos, serviços domésticos e urbanos, agricultura e ofícios eram
os pontos de trabalhos dos negros, de modo geral. Aqueles que ficavam no cam-
po trabalhavam para aquilo que era o próprio sentido da colonização, de acordo
com o documento da Biblioteca Nacional (1988). Ou seja, a exportação da cana-
-de-açúcar, de produtos como café, fumo, algodão e também, como não poderia
deixar de mencionar, a extração de metais preciosos que, com certeza, dava di-
nheiro aos senhores, enriquecendo-os cada vez mais. Os que eram considerados
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QUESTÕES RACIAIS
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3 Por causa das habitações precárias em que viviam, os negros eram “frequentemente ví-
timas de doenças que se tornavam endêmicas, como a tuberculose, disenteria, tifo, sífilis,
verminose, malária” (BIBLIOTECA NACIONAL, 1988, p. 10).
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QUESTÕES RACIAIS
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que eram considerados meros objetos. Mesmo que não morressem muito cedo,
eles passavam a não ter mais a mesma vitalidade depois de um tempo. Pai João
representa essa realidade, em que já não era possível ter vigor para a vida e ele
havia secado, pois havia sido sugado pelos anos de trabalhos forçados.
No segundo verso, está dito que ele vai morrer, algo esperado diante do
modo desumano como vivia. Ao dizer isso, o eu lírico faz um tipo de previsão na
qual observa seus dias de trabalhos brutos e exaustivos. Isto é, as consequências
para o uso excessivo e abusivo do escravo causaram o desgaste extremo e o leva-
riam à morte iminente. A partir do terceiro verso, é apresentado tudo o que fez
enquanto podia para seus patrões, desde remar em canoas até cavar terras e fazer
“brotar do chão esmeralda”. Assim, pelas ações descritas no poema, Pai João
era tido como uma espécie de faz-tudo4. A definição dicionarizada do termo ci-
tado tem a ver com a existência de múltiplas habilidades. No entanto, chamamos
atenção para o fato de, na realidade escravocrata, não haver a possibilidade de
desenvolvimento ou escolha dessas habilidades, pois os escravos não tinham a
opção de desempenhar ou não determinado labor.
Os escravos trabalhavam em minas na retirada de metais preciosos.
Relembrando a divisão do trabalho demonstrada pelo documento da Biblioteca
Nacional (1988), percebemos que Pai João era escravo do campo e que lá desem-
penhava as mais diversas funções, todas que rendiam lucro para o seu senhor.
Agora, no entanto, estava prestes a morrer sem ser levada em consideração toda
a riqueza que gerou para os outros e nunca para si mesmo. Durante toda a vida,
ele teve utilidade para tudo, menos para ter direito nem mesmo de usufruir eco-
nomicamente de seu trabalho para sobreviver.
Essa realidade era comum aos negros que viviam no Brasil colônia. Dessa
forma, o texto de Jorge de Lima tem um viés fortemente voltado para a socieda-
de, o que nos faz compreender que a poesia possui, além do veio artístico, um ca-
ráter de registro. Assim, vale trazer para a discussão a seguinte reflexão de Bosi:
Ora, o “tempo” a que remete o discurso, o tempo das mediações predicati-
vas, é um tempo originalmente social. Social porque intersubjetivo, social
porque habitado pelas múltiplas relações entre pessoa e pessoa, pessoa e
coisa. E social, em um plano histórico maior, isto é, determinado, de cada
vez, por valores de família, de classe, de status, de partido, de educação, so-
bretudo de educação literária, de gosto. O tempo histórico é sempre plural:
são várias as temporalidades em que vive a consciência do poeta e que, por
certo, atuam eficazmente na rede de conotações do seu discurso (BOSI,
2000, p. 142).
4 De acordo com o dicionário Caldas Aulete (2004, p. 366), Faz-tudo significa: Pessoa que tem
múltiplas habilidades e que pode explorá-las, ou não, profissionalmente.
452
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
falado ou escrito, possui uma ligação estreita com o momento em que se realiza.
Vejamos que Bosi (2000) cita inúmeras vezes o vocábulo “social”, dando ênfase
ao fato de que o que é dito está relacionado com o meio no qual é produzido e
reproduzido. Destarte, o poema de Jorge de Lima é também um discurso social
na medida em que afirma mais uma vez sobre o sofrimento e a objetificação de
um povo. Embora saibamos sobre a escravidão nos livros didáticos e através das
mídias, no poema a questão ganha ainda mais força pela maneira como o poeta
sensibiliza nos sensibiliza enquanto leitores.
Os versos finais da primeira estrofe dizem: “Pai João cavou mais esmeraldas /
Que Pais Leme”. A figura histórica citada foi um grande barão dono de muitas
terras. A alusão significa que, mesmo um homem rico como Pais Leme tendo
obtido ao longo da vida muitas riquezas advindas de pedras preciosas como a
que é citada no texto, não se equipara à quantidade de esmeraldas que foram
mineradas através das mãos do personagem do qual estamos falando. Torna-se
importante pensar que enquanto o negro escravizado dava sua saúde para extrair
minerais valiosos, sem usufruir absolutamente nada de seu trabalho, quem cres-
cia financeiramente era seu dono, sem se preocupar com as consequências de
seus abusos para com seus cativos.
A segunda estrofe fala a respeito da filha de Pai João, nela eu lírico tece o
que seria a breve história da negra sem denominação. O primeiro fato apresenta-
do diz respeito ao seio da filha do escravo, pois ao dizer que eram feitos “turina
para filhos de Ioiô mamar” há a visão animalesca da serventia. Turina é um adje-
tivo que classifica vaca de leite, e a personagem foi utilizada para esse fim, como
um bicho de ordenha para alimentar os filhos de seu dono, o que a fazia perder
gradativamente as próprias forças.
Pelo que foi constatado no poema, houve uma espécie de reaproveitamen-
to5 da escrava, o que nos parece ainda mais cruel: se não serve mais para uma
função, tem de servir para outra. Ao cessar o leite em seu seio materno, ela foi
remanejada para ser engomadeira, até secar também, ou seja, mesmo que esgo-
tadas as suas forças era preciso fazer algo.
No décimo quarto verso, o eu lírico volta a falar do pai da negra. Dessa vez
com uma visão ainda mais atroz da tortura: “A pele de Pai João ficou na ponta
/ Dos chicotes”. Vemos neste verso uma das formas de agressão que os negros
sofriam, que inclusive, explanamos no primeiro tópico deste trabalho, a partir
das contribuições de Mattoso (1990) acerca das punições dadas.
Pai João tinha consciência do quanto é doloroso ter a pele arrancada por
um chicote, assim como sabia o quão terrível era perder a vitalidade na foice e
na enxada. Além de ter sido retirado dele sua pele, foi também afanado de si sua
companheira, como podemos ler nos versos seguintes: “A mulher de Pai João
o branco / A roubou para fazer mucamas”. Nitidamente, o verbo roubar indica
o desrespeito pelo povo negro, mais uma vez tratado como objeto dentro do
poema.
Novamente, chamamos atenção para a escolha lexical no poema: o verbo
fazer indica a forma grotesca para que foi usada, reproduzir mucamas, fazer no-
vas mulheres para serem também usadas, criando, assim, um ciclo infindável de
abuso. Não tinha relevância o fato de ela ser esposa de um outro homem, pois
este era negro e escravo, então isso lhe tirava o direito de ter uma esposa, e ela
de ter um esposo. Como meros produtos de seus proprietários, as mulheres eram
usadas como animais reprodutores, de acordo com o documento da Biblioteca
Nacional (1988).
Encaminhando-se para o final da segunda estrofe, Jorge de Lima aborda
ainda outra problemática a respeito das consequências da escravidão: O sangue
daquele pobre homem se esvaiu no do branco, que era considerado bom. Através
da figura de linguagem comparação, vemos a seguinte analogia: o sangue do pre-
to é comparado ao “torrão de açúcar bruto” e o sangue do branco a uma panela
de leite.
Ou seja, a imagem retrata de modo claro a pequenez do escravo como
sendo jogado na imensidão e poder dos homens brancos. Para corroborar com
a discussão acerca da visão apresentada pelo eu lírico, podemos trazer a contri-
buição de Bosi (2000, p. 136): “As palavras concretas e as figuras têm por destino
vincular estreitamente a poética a um preciso campo de experiências que o texto
vai tematizando à proporção que avança”. Em vista disso, podemos compreen-
der que o poema constrói uma representação simbólica para uma experiência so-
cial claramente comprovada pela história. Assim, essa construção tem o poder de
nos sensibilizar ainda mais tendo em vista a veracidade da criação significativa e
imagética. Atrelado a isso, podemos entender essa relação comparativa enquanto
fato de o negro se extinguir no meio do povo branco enquanto este continua a
sua trajetória escravista. A força do homem negro desmanchou-se, pois sucum-
bira diante dos muitos trabalhos que precisou realizar para dar dinheiro ao seu
senhor.
Os últimos versos agregam um tom ainda mais tristonho ao poema.
Quando é dito que o senhor escravo foi usado como brinquedo pelos filhos do
seu dono, não há como não pensar em sua própria filha. Enquanto estava sendo
sugada e aproveitada até sua última gota de vida – referimo-nos ao fato de que
ela servia de ama de leite, fato exposto no início do poema, Pai João contava aos
filhos de Ioiô belíssimas histórias que davam vontade de chorar. Pai João tinha o
dom de fazer tudo, menos o de fazer as pessoas reconhecerem o seu coração e o
454
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
seu valor como ser humano, assim como aqueles que o maltratavam.
A última estrofe traz uma espécie de aviso a respeito do escravo: “Pai João
vai morrer”. Como é de se esperar por qualquer pessoa que passe por tanto des-
gaste físico e emocional, o pobre senhor não aguentou. Para marcar a sua morte
o céu tingiu-se com sua cor, não havia lua para iluminar, apenas uma estrela que
o representava, como se estampasse eternamente nos olhos de quem a visse sua
marca aqui na terra enquanto escravo, enquanto ser humano escravizado – pri-
mordialmente – por seu semelhante.
Ao chegarmos ao final da leitura do poema, sentimo-nos comovidos pela
triste trajetória do negro Pai João. Ademais, é como se o texto nos despertasse
para o fato de que essa história de vida não pertenceu somente a esse homem
em particular, mas sim a todo um povo do qual foi tirado tudo. É certo que “A
literatura desconcerta, incomoda, desorienta, desnorteia mais que os discursos
filosófico, sociológico ou psicológico porque ela faz apelo às emoções e à em-
patia” (COMPAGNON, 2009, p. 50). Por isso, pelo que vimos, Jorge de Lima
representou, através do personagem, todos aqueles que sofreram de igual modo
nas mãos dos brancos. A partir da voz do eu lírico nos damos conta das cruelda-
des que foram praticadas, e chegamos, de maneira empática, a nos envergonhar
pelas atrocidades cometidas pelos nossos semelhantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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TERREIROS DE CANDOMBLÉ NÀGÓ E A
PRESERVAÇÃO DA LÍNGUA YORÙBÁ:
USOS E DESCRIÇÃO LINGUÍSTICA
Jobson Jorge da Silva1
José Emanuel Sebastião da Silva Pereira2
Àlábíyí Pereira (nome social)
INTRODUÇÃO
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
3 Processo de mistura das línguas e ordenação popular à variante com influências explícitas
das línguas africanas.
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TERMOS
SIGNIFICADO
YORÙBÁ
Ìyálòrìṣà (literalmente, a mãe que cuida dos Òrìṣà, mais conhecida como mãe
Ìyálòrìṣà
de santo).
Abíyán Aquele ou aquela que participa do terreiro, mas não é iniciado ou iniciada.
Àṣèṣè Nome dado ao ritual realizado quando morre um filho ou filha de santo.
Cargo no candomblé, a pessoa com essa função toca os atabaques nos rituais,
Ògá
além de desempenhar outras funções extremamente importantes no terreiro.
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QUESTÕES RACIAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
467
SWING E ARMAS: A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO
EM COAL BLACK AND DE SEBBEN DWARFS (1943)
Inajara Barbosa Paulo1
Esses personagens não só partilham o uso das luvas brancas e sorrisos pin-
tados em realce, eles também compartilham a resistência as regras e conformida-
des e, assim como os menestréis, ele é uma “força rebelde” criada pelas próprias
forças normativas e de dominação que ele resiste (SAMMOND, 2015).
Os estudos sobre animação pouco se aprofundam nesse “problema das
origens” da animação, que é rico em práticas de racismo, misoginia e homofobia,
talvez por receio de que o campo de estudo, relativamente recente, seja legado à
segundo plano, comparando ao status dos de história do cinema, caindo, mais
uma vez, na máxima em relegar a animação como “coisa de criança”. Enquanto
a imagem do negro no cinema é problematizada e recebe uma atenção especial
dos estudiosos da Hollywood clássica, a categoria dos desenhos animadas é igno-
rada ou menosprezada (LINDVALL; FRASER, 1998). A iconografia do negro
nas animações, ou sua representação indireta, talvez deva ao fato que, como o
escritor Peter Noble (1937, p. 26) salientou, “apesar de seu poder de sobrevivên-
cia, os desenhos animados são uma ameaça pequena a cultura negra”.
O humor dos desenhos do início do século também seguia uma tradição
do teatro de variedades, carregado dos “clássicos” arquétipos do negro na men-
talidade estadunidense, como o africano selvagem, o escravo feliz, o músico de
talento natural, o comedor de frango frito ou melancia, a mucama atrevida, o
mentalmente inferior e o supersticioso (LINDVALL; FRASER, 1998).
No manual de técnicas de desenho How to draw funny faces, o autor alega
que:
As pessoas de cor são bons objetos e assunto para desenhos de ação; são co-
mediantes de nascença e muitas vezes assumem atitudes ridículas ou dizem
coisas com a intenção de serem engraçados. O cartunista gosta muito de
brincar com o gosto do homem de cor por roupas chamativas, melancias,
galinha, jogo de dados, medo de fantasmas, etc (MATTHEWS, 1928, p.
26).
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1943, todos os grandes estúdios tinham algum contrato com as forças armadas
para produção de animações, incluindo a Warner Bros. Todo animador do es-
túdio tinha em mãos algum projeto ligado, direta ou indiretamente, ao esforço
de guerra, instruções para uso de armas e tanques a séries como Private SNAFU.
Esta série, feita exclusivamente para o entretenimento dos militares, era caracte-
rizada pelo ritmo frenético das sequências de ação, violência e humor ácido, que
faziam sucesso entre os GIs2 e mostrou que o que fazia sucesso entre as forças
armadas poderia, salvo restrições da censura, ser mimetizado para as salas de
cinema do Home front3. Além do gosto pelo estilo de animação mais acelerada,
os soldados tinham um apreço especial por desenhos com piadas racistas ou
estereótipos raciais. Em comparação ao período antes da guerra, o número de de-
senhos de negros era maior, com “negros preguiçosos” e piccaninnies4 misturados
com “japas” de dentes grandes e nazistas com pescoço de buldogue.
Aparentemente, lutar contra o conceito de “raça superior” dos nazistas fa-
ziam com que piadas sobre a raça negra fossem mais frequentes entre os soldados
(KLEIN, 1993). O autor complementa:
Isto fazia parte de uma catarse explosiva, uma projeção e alívio de algo (...)
de ver as piadas de plantações novamente, ou dos sorridentes zootsuiters.
Muitas das mesmas tensões que tornavam piadas anárquicas engraçadas
para os militares, também faziam dos estereótipos negros um motivo de
riso. Talvez fosse, uma resposta ao crescente número de negros que muda-
ram para as grandes cidades, se tornando uma presença visível, ou a ida de
unidades negras para lutar na Europa (KLEIN, 1993, p. 188).
Um dos mais notáveis desenhos produzidos neste período foi o curta Coal
Black and de sebben dwarfs (1943), da Warner Bros. Para sua paródia com o grande
sucesso do estúdio rival, Branca de neve e os sete anões (1937) da Disney, Bob
Clampett5 trouxe a ideia de fazer uma versão do conto ao estilo swing cartoon,
afinal, o oposto de Snow White seria a Coal Black. Ao invés de uma trilha bucólica
e clássica, o curta seria um espetáculo de jazz. O desenho não tinha a intenção de
ser uma metáfora da vida do negro, somente uma grande anarquia, uma versão
sarcástica e sexualizada do filme da Disney. Uma releitura moderna e vibrante,
onde a história se move e tem suas piadas ditadas pela trilha sonora.
A intenção do diretor é que o curta fosse o mais “autêntico” possível, por
2 G.I, abreviação de Government Issue, General Issue ou Ground Infantry, é um termo utilizado
para se referir aos soldados do exército ou da força aérea dos Estados Unidos, bem como
itens gerais de equipamento.
3 Trad.: Frente doméstica. Definição dada as atividades de produção da população civil em
tempos de guerra.
4 Termo pejorativo usado nos EUA e Canadá para se referir a crianças negras e mestiças.
5 Robert (Bob) Clampett foi um diretor, produtor, compositor e animador, famoso por sua
obra na Warner Bros.
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isso levou seus desenhistas e roteiristas para um clube de música negra em Los
Angeles para que os mesmos observassem a vida noturna (GOLDMARK, 2005).
Uma característica singular desta animação, graças a essa musicalidade
emprestada pelo jazz, é que as falas dos personagens são ritmadas, quase can-
tadas, uma espécie de jive-speak, muitas vezes sendo absorvidas pela trilha sono-
ra, que mescla músicas populares (do catálogo de repertório de direitos autorais
retidos pela Warner Bros.) com músicas do esforço de guerra (GOLDMARK,
2005).
O desenho animado conta com uma junção de vários estereótipos para
compor seu quadro de personagens e, assim, uma representação social do negro
estadunidense. Coal Black and de sebben dwarfs se utiliza da construção imagéti-
ca baseada em arquétipos raciais para assim montar uma representação social
e racial. Ciro Flamarion Cardoso (2000) diz que as representações sociais são
construídas a partir de representações mentais examinadas no nível individual.
Segundo o autor, “as representações mentais constituem a matéria prima das
representações sociais” (CARDOSO, 2000). Esta formulação nos ajuda a com-
preender a importância do senso comum, do cotidiano das pessoas e dos grupos
os quais elas pertencem. O conceito ajuda a entender como os indivíduos em
seus grupos sociais constroem, interpretam configuram e representam o mundo
em que vivem (SANTOS, 2011).
O primeiro estereótipo a ser apresentado nesta animação é a Mammy em-
balando uma criança negra, de costas para a câmera e olhando para lareira, num
cenário barroco similar ao jogo de luz e escuridão do longa do estúdio rival. O
arquétipo da senhora negra, muitas vezes uma senhora idosa ou gorda, neste
desenho aparece como uma senhora corpulenta e trejeitos semelhantes a atriz
Hattie McDaniel6, é quem nos apresenta a história da Coal Black. A Mammy é
o símbolo da escrava doméstica, sábia e conselheira, com amor e zelo mater-
nal pelos filhos de seu senhor, logo recebendo a confiança dos mesmos. Ela é a
personagem que nos introduz a história e nos guia até o castelo da rainha mal-
vada que, segundo a narradora, era tão má quanto era rica e tinha de tudo. Para
ilustrar tanto sua maldade e riqueza, a animação mostra o “estoque” de pneus,
sacos de açúcar e de café que ela tem estocado. Durante os anos de guerra tais
itens controlados pelo racionamento de esforço de guerra, ou por conta de serem
produtos importados ou por prioridade de abastecimento das tropas. Ao manter
um estoque tão grande desses itens, mostra não só a riqueza, como a maldade e
falta de patriotismo da rainha má.
6 A atriz Hattie McDaniel ficou mundialmente famosa pelo papel de Mammy em ... E o
vento levou, em 1939, que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante em 1940.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
7 Alusão ao nome da música Cattanooga Choo-Choo, gravada por Benny Goodman e sua
orquestra em 1941.
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forças armadas, e enfim os pequenos soldados tem sua chance de entrar em ação.
Mesmo com uma performance jocosa, os anões soldados são uma representação
do estereótipo The bright child, o que inclui crianças negras abaixo dos oito anos,
em sua maioria comediantes, atores ou músicos. Seis dos anões tem suas feições
baseadas em pessoas famosas: os seis primeiros são baseados no pianista e come-
diante Fats Waller, o sexto é uma caricatura do comediante Stepin Fetchit, conhe-
cido em seu período pelos papéis de negros preguiçosos (LINDVALL; FRASER,
1998). Um homem negro pode permanecer dentro desse arquétipo mesmo após
chegar à idade adulta se não for uma ameaça ao Status Quo (PIETERSE, 1992).
Essa imagem é um dos exemplos de negro que são socialmente aceitos e louva-
dos na cultura popular, e ao se colocar como soldados, mesmo que tenham mais
um tom circense do que demonstrar real importância como membros das forças
armadas, os sete anões são os heróis deste curta. Clampett dá aos negros o status
de soldados, mas tira a sua relevância ao coloca-los como um esquadrão preso
em suas barracas (LINDVALL; FRASER, 1998).
Para provar seu valor e protagonismo, a cena final da animação mostra a
So White desfalecida, cercada pelos anões que, como medida extrema, chamam
o príncipe para desperta-la com um beijo. Com a promessa de dar o seu especial
Rosebud10, Chawmin desfere seu beijo na princesa que continua imóvel. Após vá-
rias tentativas que o levam a exaustão, um dos anões resolve ele mesmo beijar So
White, que desperta e o toma em seus braços.
O príncipe não pode ser o protagonista desta história, ele demonstrou co-
vardia em situação de perigo e não demonstra contribuir de forma ativa para o
esforço de guerra. Uma princesa precisa de um herói, e no caso de uma donzela
em perigo em tempos de guerra, este herói está nas forças armadas, pois a “ma-
gia” que salva a So White de seu destino final é um segredo militar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Coal Black and de sebben Dwarfs traz a luz a construção imagética do negro
em uma sociedade em mobilização de guerra, uma pequena amostra de uma
sociedade que, ao mesmo tempo fixa seu papel como mensageira e paladina da
liberdade e igualdade entre os homens, mas que encontra em seu seio, profundas
divisões sociais baseadas no mito racial de superioridade do WASP11. Sua pró-
pria formação e valores morais baseados no princípio de supremacia branca, co-
loca até mesmo os seus inimigos europeus de forma mais elogiosa. A prova disto
é a completa ausência de menção ao nazismo neste curta, pois a miscigenação,
mesmo que seja somente em termos de compartilhar a tela, não era vista com
bons olhos pelo Código Hays12. Colocar em tela pessoas brancas em situação de
inferioridade, mesmo que por conta de sua ideologia, seria algo impensável.
Mesmo com o conhecimento e experiência negativa de construções ima-
géticas e as consequências que elas produzem na sociedade, ainda surgem novos
mitos para definir o outro como inferior e eles são largamente veiculados pela
indústria cinematográfica. E, ao trazer a luz estudos sobre estas animações, po-
demos traçar como o campo de batalha não era resumido somente aos campos
da Europa ou ilhas do Pacífico, mas as salas de cinema e as mentes de cada cida-
dão ou militar, e que mesmo que os inimigos declarados fossem os japoneses e
os nazistas, o negro ainda tinha sua representação mais ofensiva que os demais.
Mesmo que não fosse intenção por parte de Bob Clampett ou de sua equi-
pe trazer uma visão ofensiva do negro, este desenho animado é uma alegoria ao
racismo institucional estadunidense vendido como um produto de consumo pela
cultura de mídia. Para o negro, o campo de batalha não seria somente o front
europeu, africano ou asiático, seria ter a sua representação utilizada de forma
pejorativa para espetacularizar seu cotidiano para as massas brancas.
O campo de batalha não é um lugar físico, é um mundo de representações
onde os negros só são vistos como objetos sexuais, cozinheiras e bufões, fazendo
11 É o acrônimo inglês White, Anglo-Saxon and Protestant usado para designar a parcela da so-
ciedade americana, em sua maioria elite, de ascendência britânica e de religião protestante.
Este grupo é apontado como detentor do domínio histórico sob as instituições financeiras,
acadêmicas, culturais e legais dos EUA.
12 Código Hays ou Motion Picture Production Code foi uma série de normas aplicadas aos filmes
e desenhos animados produzidos entre 1930 e 1968.
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E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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O NOVO NEGRO E O RADICALISMO DO HARLEM:
UMA INTRODUÇÃO A AFRICAN BLOOD
BROTHERHOOD (1919-1924)
Luan Kemieski da Rocha1
INTRODUÇÃO
4 Radical aqui, no sentido de ser uma entidade que buscava mudanças na ordem social a
nível profundo, exigindo o desmantelamento do sistema vigente. Portanto, não acreditavam
em medidas parciais ou reformistas de mudança na ordem. Nesse sentido, o radicalismo
negro é composto por diversas camadas e agentes. Acomodando anticapitalistas como: so-
cialistas, comunistas, praticantes de outras vertentes do marxismo; assim como anticapita-
listas não marxistas, tais quais anarquistas, anarcossindicalistas; variantes do nacionalismo
negro, abolicionismo, garveyismo, pan-africanismo etc. O caso particular da ABB repre-
senta o radicalismo negro marxista, embora ela tenha tido um período de existência relati-
vamente curto (1919-1924), se tornou uma das bases, do desenvolvimento do radicalismo
negro na década de 1930/1940 e o seu ressurgimento dinâmico no Movimento dos Direitos
Civis e Black Power na década de 1960 e 70. O radicalismo negro marxista da ABB busca
trazer no seu programa e em suas ações a ideia de raça e classe através da combinação de
elementos do marxismo com a ideologia da primazia racial enquanto categoria de análise
da situação dos negros (MATTOS, 2018, p. 146), com a intenção de guiar o movimento
libertário negro para a constituição de um Federação Negra global ou à uma revolução
proletária Pan-Africanista.
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no processo.
Outro ponto é a precariedade do trabalhado. Na Jamaica, por exemplo, o
governo colonial, em 1911, deu fim aos concursos públicos, afetando principal-
mente, a população negra de conseguir um emprego. Tais acontecimentos aju-
dariam a radicalização dos indivíduos inseridos dentro da sociedade caribenha.
Além disso, adiciona-se o desemprego e os baixos salários como elementos que
corroboraram com a imigração.
Somando-se a política colonial, a economia em crise e outros fatores que
não são possíveis de se explorar no texto devido a sua extensão, temos a região
geográfica do Caribe, que tem se confrontado com os desafios do meio ambien-
te que incluem erupções vulcânicas, terremotos, secas, tsunamis, furacões7. Os
grandes furacões serviram para estruturar sociedades, e, em grande parte da his-
tória caribenha, isso implicou um impacto em suas principais instituições, escra-
vidão e plantation (SCHWARTZ, 2007, p. 37-38). Os efeitos das catástrofes na-
turais são profundamente mediados por relações sociais, econômicas, políticas8 e
também contribuíram para o êxodo.
Em 1900, os caribenhos começaram a imigrar para os EUA, principalmen-
te Nova York, de maneira mais acentuada, estabelecendo-se em Manhattan e no
Brooklyn. Em 1920, a porcentagem de negros nascidos no Caribe e que viviam
na cidade, atingiu um pico de 33% em relação ao total de negros na megalópole
(MAKALANI, 2011, p. 25).
Nesse contexto, qual era a bagagem teórica-política que esses caribenhos
tinham quando chegaram aos EUA? James coloca diversas características que,
inclusive, ajudaram a ascender uma cultura radical nesses indivíduos. Essas ca-
racterísticas são as políticas anteriores e a experiência organizacional que tive-
ram no Caribe, junto a quebra de uma consciência majoritária9; uma vasta expe-
riência anterior em viagens e na imigração; um status de proteção nos EUA (em
relação aos indivíduos do Caribe Britânico), em que eram vistos como sujeitos
da Coroa Britânica; um menor apego a fé cristã e às igrejas cristãs; e uma relação
educacional geralmente fora do alcance de afro-americanos (JAMES, 2020, p.
52).
7 Alguns exemplos são a erupção do vulcão de Monte Péele na Martinica em 1902 e a erup-
ção do vulcão Soufrière em São Vincente, 1902; o terremoto da Jamaica em 1697; o furacão
de São Calisto II que atingiu as ilhas caribenhas em 1780. Ver: SCHWARTZ, Stuart B. Os
furacões e a formação das sociedades caribenhas. Revista USP. N. 71, p. 28-43, 2007.
8 Os mecanismos à disposição para lidar com suas consequências e, assim, a capacidade de
suportar as forças destrutivas da natureza também são condicionadas pelo poder e recursos
que alguém possui.
9 Consciência majoritária no sentido de que os imigrantes caribenhos estavam acostumados,
pela maior parte do tempo, a viver em um mundo em que eles constituíam a maioria da
população. Quando vieram para os EUA, essa lógica se inverteu, e a interação com a popu-
lação branca - muitas vezes com o racismo - levou alguns deles a atividade política radical.
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10 Any illusions that these soldiers had about their Britishness before going to the “Mother
Country” were quickly dispelled by the headspinning racism meted out to them by white
fellow-British soldiers and officers alike.
11 Ver: SILVA, Matheus Cardoso da. Do antirracismo local ao antifascismo global: A trans-
nacionalização do movimento negro nos EUA entre as duas guerras mundiais. Revista
Eletrônica da ANPHLAC. N. 27, p. 144-184, Ago/Dez. 2019.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Unidos haviam viajado para outros lugares antes de sua chegada. Um número
substancial trabalhou no Canal do Panamá; alguns em plantações de banana
no centro da América; outros em plantações de açúcar em Cuba, Porto Rico
e República Dominicana. Muitos tinham uma experiência internacional ainda
mais ampla, viajando para lugares como Índia e China. Outros viveram por um
tempo na África Ocidental, Oriente Médio e até mesmo na Europa. Serviram
no exército britânico no Egito, Iraque e Palestina durante a Primeira Guerra
Mundial. Garvey, por exemplo, viveu e trabalhou por vários anos na Europa e
América Central antes de viajar para Nova York. Muitos desses caribenhos via-
jados desenvolveram uma perspectiva internacionalista pan-africanista, através
da interação com pessoas negras de diferentes países, através da observação da
condição oprimida comum da humanidade negra ao redor o mundo12 (JAMES,
2020, p. 69).
Outra característica em relação aos caribenhos foi o seu acesso à educa-
ção e a realização educacional. O historiador coloca que, em 1923, 98,6% dos
imigrantes que entraram no país, eram alfabetizados. Em comparação com os
negros dos EUA, entre o período de 1920 e 1930, 27,4% dos afro americanos
eram analfabetos (JAMES, 2020, p. 73). Em conjunto a isso, para o intelectual,
os afro-caribenhos tinham uma paixão cultural pela leitura (a palavra escrita) e
a oralidade (palavra falada). A aprendizagem do livro e a educação em geral,
foram os recursos necessários para a mobilidade social ascendente - a aquisição
de empregos de colarinho branco e entrada nas profissões. O conhecimento era,
em um sentido muito concreto, um capacitor vital para aqueles sem dinheiro13
(JAMES, 2020, p. 73).
Um aspecto final de suma importância para a radicalização dos imigrantes
caribenhos foi a configuração da raça e racismo nos EUA. A presença de negros
com pele clara entre os imigrantes radicais era significativa, o próprio líder da
ABB, Cyril Briggs, se encaixa nessa questão; quando vieram para os EUA, sua
posição social foi categorizada como negro: “a posição intermediária - colorido,
mulato, miscigenado, entre outro - que eles tinham nas ilhas do Caribe foi abo-
lida nos EUA, sendo colocados em uma categoria indiferenciada de “negro”14
12 Vale ressaltar que muitos imigrantes também eram marinheiros e, por conta da natureza de
seu trabalho, experienciaram diversos contextos.
13 Aqui é necessário aprofundarmos em um ponto. Cedric Robinson contrapõem a perspec-
tiva educacional de James, para o escritor de “Black Marxism”, a relação com a educação
no Caribe estava ligada a chave do colonialismo. Enquanto James caracteriza o “amor pela
leitura”, Robinson dá destaque as imposições dos impérios coloniais para a formulação do
radicalismo negro. Para o historiador, os impérios britânicos e franceses, de forma muito
consciente, procuraram nutrir uma classe de funcionários disposta e capaz de governar, in-
fluenciar as relações caribenhas em nome da ordem imperial. A leitura de Robinson precisa
ser levada em conta também quando apresentado essa questão.
14 The intermediary position—colored, mulatto, mixed, or the like—which they held in the
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A FORMAÇÃO DA ABB
17 Uma prática que os negros com características fenotipicamente brancas realizavam nos
Estados Unidos, era o da “passabilidade”. Termo utilizado para descrever uma pessoa de
cor que, para escapar da segregação racial, buscava “passar-se” por branca. Briggs não
optou por esse caminho, pois, segundo Makalani (2011, p. 61) era uma prática incomum
no Caribe, além de que isso proporcionaria um distanciamento de sua mãe a da população
afro-caribenha qual tinha contato no novo país.
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
Briggs teve contato com Harrison no período em que o último estava dei-
xando o Partido Socialista da época19, por volta de 1917. E foi nesse período
também que começou a dialogar com outros radicais que vieram do partido,
como Richard B. Moore, Otto Huiswoud, Grace Campbell, W.A. Domingo, A.
Phillip Randolph, Frank Crosswaith etc20. Em 1918, começa a publicar o jornal
The Crusader, que no futuro viria a ser o principal meio de divulgação da ABB.
O Partido Socialista da época também estava à mercê das próprias con-
tradições da conjuntura, e essas incompatibilidades fizeram com que os seus
integrantes negros a deixassem. Entre elas, estava o racismo dos próprios inte-
grantes e a redução do problema da raça à mera fachada da exploração de classe.
Harrison foi o principal sujeito que desafiou esse reducionismo. Vendo o racismo
como algo enraizado no capitalismo, observou que a exploração de classe e a
raça estavam ligadas de maneira orgânica e extremamente complexa, de modo
que instigou o partido a “levar a sério o problema da linha de cor” e dar aos Afro-
Americanos uma visão de igual importância da raça como da classe. Um movi-
mento da classe trabalhadora liderada por socialistas teria que organizar os traba-
lhadores negros e apoiar explicitamente as lutas afro-americanas (MAKALANI,
2011, p. 33). Apesar dessa disputa, ela não foi o suficiente para mudar as suas
estruturas do partido, sendo assim, esses intelectuais negros buscaram sua saída.
Com isso, os indivíduos buscaram um novo passo e decidiram seu próprio
programa para tratar a opressão racial e a exploração de classe em conjunto. Isso
18 Can America demand that Germany give up her Poles, and Austria her Slavs, while Ame-
rica still holds in the harshest possible modern bonds of moral, intellectual, political and in-
dustrial bondage a nation of over ten million people, who occupy in the majority several of
the Southern States.... With what moral authority or justice can President Wilson demand
that eight million Belgians be freed when for his entire first term and to the present moment
of his second term he has not lifted a finger for justice and liberty for over TEN MILLION
colored people, a nation within a nation, a nationality oppressed and jim-crowed, yet wor-
thy as any other people of a square deal or failing that, a separate political existence.
19 Socialist Party of America (SPA)
20 Todos esses encontraram Harrison em sua formação política e receberam influências
(MAKALANI, 2011, p. 38).
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da ABB não foi diferente. Aliados a uma bagagem teórica de radicalismo junto
a uma militância comunista, os confrontos raciais que eclodiram levaram Cyril
Briggs a organizar a autodefesa negra. O poema de Claude Mckay “If We Must
Die”, representa bem esse sentimento:
If we must die, let it not be like hogs
Hunted and penned in a inglorius spot,
While around us bark the mad and hungry dogs,
Making their mock a tour accursed lot.
If we must die, oh, let us nobly die,
So that our precious blood may not be shed
In vain; then even the monsters we defy
Shall be constrained to honor us, though dead!
Oh, kinsmen! We must meet the common foe;
Though far outnumbered, let us still be brave,
And for their Thousand blows deal one death-blow!
What though before us lies the open grave?
Like men we’ll face the murderous, cowardly pack,
Pressed to the wall, dying, but fighting back!23
(MCKAY, 1919, p. 441).
23 Se temos que morrer, que não seja como porcos/Caçados e acuados em um lugar ingló-
rio/Enquanto a nossa volta latem os cães raivosos e famintos/Zombando de nosso nosso
amaldiçoado destino/Se temos que morrer, oh, que seja de forma gloriosa/Para que não se
derrame nosso precioso sangue/Em vão; assim até mesmo os monstros que desafiamos/
sejam obrigados a honrar-nos se estivermos mortos/Oh, irmãos! Devemos enfrentar nosso
mesmo inimigo!/Apesar de sermos em menor número, sejamos corajosos/E contra seus
mil golpes revidemos com um só mortal!/Que importa se a tumba aberta nos aguarda?/
Enfrentemos como homens a assassina e covarde matilha/E, contra a parede, morramos,
porém lutando. (Tradução nossa)
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a autodefesa armada? Etc. São perguntas que podem ser exploradas em outras
ocasiões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
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493
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494
O DISCURSO DE ÓDIO RACIAL NOS EVENTOS
DESPORTIVOS: UMA ANÁLISE À LUZ DO DIREITO
FUNDAMENTAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Eloy Pereira Lemos Junior1
José Arthur Figueiras Deolino2
INTRODUÇÃO
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
500
QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
O termo popular racismo pode ser denominado como “o sistema que afir-
ma superioridade de um grupo racial sobre os outros, pregando, em particular, o
confinamento dos inferiores numa parte do país (segregação racial)” (SANTOS,
1984, p. 10).
Nos dizeres de Carvalho “racismo consiste na convicção de uma superio-
ridade de uma raça em relação às demais, estando a ela normalmente associados
atitudes e comportamentos preconceituosos e discriminatórios dirigido às raças
consideradas inferiores” (JESUS et al., 2014, p. 38).
Apesar de todo arcabouço protetivo no sistema jurídico nacional e inter-
nacional, percebe-se de forma cristalina discursos de ódio nos estádios futebolís-
ticos, mormente os discursos pejorativos raciais. Frequentemente tem sido noti-
ciado nas mídias e redes sociais, bem como são objeto de demandas judiciais, os
discursos de ódio através de manifestações singulares como, “macaco”, canções
entoadas de cunho discriminatório, até mesmo o lançamento de objetos durante
a partida para desqualificar um grupo racial.
O contexto de um discurso de ódio em um evento desportivo é mais amplo
que alguma desqualificação ou humilhação individualizada. O discurso de ódio
não atinge apenas o atleta, dirigente ou torcedor diretamente, mas fere a digni-
dade de todo um grupo racial, demais profissionais, torcedores, telespectadores,
ocorrendo o fenômeno da vitimização difusa, pois atinge um número imensurá-
vel de pessoas pertencentes àquele grupo.
A Carta Política de 1988 trouxe como objetivo fundamental da República
Federativa do Brasil nos termos do art. 3º, inciso IV a promoção do bem de to-
dos, sem preconceitos de origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. No mesmo contexto, repudia o racismo como um dos princí-
pios os quais regem as relações internacionais da Nação (BRASIL, 1988).
A Constituição Cidadã elegeu nos títulos de direitos e garantias
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REFERÊNCIAS
BENTO, Leonardo Valles. Parâmetros internacionais do direito à liberdade de
expressão. In: RIL Brasília, a.53, n.210, abr.-jun. 2016.
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RELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM, BRANQUITUDE,
RACISMO E EXPLORAÇÃO DE TRABALHADORAS
DOMÉSTICAS NEGRAS E PERIFÉRICAS NO BRASIL:
O CASO MADALENA GORDIANO
Robson Batista Moraes1
Amanda Santiago Souza Melo2
INTRODUÇÃO
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domésticas são homens e mulheres brancas/os de classe média ou alta? Quais fo-
ram as circunstâncias históricas que compeliram as mulheres negras e periféricas
à função de trabalhadoras domésticas? Qual o papel da educação no processo
de emancipação das trabalhadoras domésticas negras? Eis aqui algumas questões
pertinentes a serem problematizadas no decorrer deste texto.
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as oportunidades de acesso não são iguais para todos, o que contribui ativamente
para o aumento das desigualdades sociais e a dominação de um grupo sociorra-
cial sobre o outro.
Portanto, é urgente que os movimentos sociais negros juntamente com
a sociedade civil reivindiquem mais acesso à educação pública, gratuita e de
qualidade à população negra e indígena. Ademais, que cobrem aos governantes
a ampliação de políticas de ações afirmativas – dentre elas, as cotas –, que opor-
tunizem o acesso e a permanência dos negros, negras e indígenas no sistema es-
colar nacional. Posto isso, por via da educação, as populações negras, sobretudo
as mulheres negras e periféricas poderão galgar melhores condições de vida e
dignidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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QUESTÕES RACIAIS
E ducação , P erspectivas , D iálogos e D esafios
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SCHUCMAN, L. V. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”:
523
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(O rganizadores )
524
ERÊ.JPG – INFÂNCIA, NEGRITUDE E
REPRESENTAÇÃO: FOTOGRAFIAS SOBRE
CRIANÇAS NEGRAS NO RECÔNCAVO BAIANO
Fernanda de Souza Santos1
1 Fernanda de Souza Santos. Bacharela em Humanidades (2016) pela UNILAB - São Fran-
cisco do Conde - Ba atualmente graduanda do curso de Licenciatura em História pela
UNILAB, São Francisco do Conde - Ba e Mestranda em História Social pela UFBA, cujas
pesquisas são na área de Teorias Pós-Coloniais e decoloniais no campo de estudo sobre
cultura, identidade e representação e relações raciais no Brasil. Atualmente desenvolve sua
pesquisa de Mestrado pelo PPGH-UFBA sobre a produção e conhecimento de autoria
indígena no contexto da Lei 11.645\08. E-mail: [email protected]
2 O grupo Nyemba realizava pesquisas, estudos e reflexões sobre diferentes processos e expe-
riências sociais vivenciadas em múltiplos contextos no Brasil e no continente africano que
contribuem para apontar proximidades e distanciamentos entre esses diferentes universos,
bem como, que contribuem para construir novas proximidades e dissolver distanciamentos.
3 Conjuntos de imagens que exprime uma mesma ideia em planos separados
4 Hard cut (também chamado de Corte Direto, Corte Seco, Corte Simples, ou ainda Corte
Propriamente Dito).
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5 Aníbal Quijano descreveu sobre a “colonialidade do poder”, o autor buscou retratar his-
toricamente o que isso significou nas relações de superioridade\inferioridade de uma raça
em detrimento da outra. O discurso baseado na diferença, classificou, reduziu e codificou
as identidades sociais individuais nos demais contextos colonizados.
6 As imagens fazem parte do acervo da Cooperativa dos Produtores Orgânicos do Sul da
Bahia (Cabruca).
526
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7 COSTA, Jurandir Freire. Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
(Texto inicialmente publicado como prefácio ao livro “Tornar-se negro”, de Neusa Souza.
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8 Oxum é uma divindade do rio de mesmo nome que corre na Nigéria, em Ijexá e Ijebu.
Oxum é chamada de Íyálóòde (Yalodê), título conferido à pessoa que ocupa o lugar mais
importante entre todas as mulheres da cidade. Além disso, ela é rainha de todos os rios e
exerce seu poder sobre a água doce, sem a qual a vida na terra seria impossível (VERGER,
2002, p. 174).
9 O movimento historiográfico denominado “Nova História” (Nouvelle Histoire), surgiu em
meados do século XX. O termo abrange a tentativa de explicar as formas que a história es-
tava sendo historicizadas, narrada, explicitada no campo de análise e estudo, em contrapar-
tida a estrutura tradicional que centrava o estudo da história somente com fontes escritas.
A nova história vai criar métodos e alternativas para novas descobertas para desenvolver
narrativas plurais dos acontecimentos históricos, políticos, culturais e sociais. Com usos de
diversas fontes para escrita e percepções históricas. A fotografia é um exemplo disso, ela
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serve como fonte de análise, pois é um documento que se aproxima na apresentação das
realidades para narrar um acontecimento. Os pais fundadores desse conceito são os histo-
riadores Lucien Febvre (1870-1956) e Marc Bloch (1886-1944).
BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: ______. A escrita
da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992. p. 7 - 37. Disponível em: https://
etnohistoria.fflch.usp.br/sites/etnohistoria.fflch.usp.br/files/Burke_Nova_Historia.pdf.
Acesso em fev. 2022.
10 Segunda a pesquisadora Maria Feldheus, o “tipo racial, portanto, é uma imagem abstra-
ta que se materializa numa visualidade: a fotografia de tipo racial. Esta, por sua vez, con-
tribui para a naturalização do uso da violência contra os corpos racializados, sendo sua
própria produção um ato de agressão. Disponível em: https://livrosdefotografia.org/arti-
gos/24169/fotografia-tipos-raciais-e-antropologia. Acesso em fev. de 2022.
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INJUSTIÇA HÍDRICA E VULNERABILIDADE SOCIAL:
A PANDEMIA DA COVID-19 NO ÂMBITO DAS
COMUNIDADES MAIS VULNERÁVEIS -
A DIGNIDADE EM VERTIGEM1
Welington Cipriano da Silva2
Anysia Carla Lamão Pessanha3
Tauã Lima Verdan Rangel4
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Falar sobre o ambiente natural é falar sobre o mundo social, o debate am-
biental é necessariamente um debate político, os conflitos ambientais refletem
crises sociais e econômicas, pois não são apenas consequência da chamada natu-
reza descontrolada. Ao contrário, a natureza em geral e os recursos naturais em
particular são desigualmente apropriados, controlados e explorados por diversos
grupos e atores sociais. Da mesma forma, os riscos ambientais não são distribuí-
dos uniformemente ou são compartilhados de forma justa por todos os membros
da população, a poluição não é um problema democrático e a escassez de água é
um problema entre classes.
As crises ambientais não podem ser analisadas separadamente e
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FREIRE, 2015).
A necessidade de compartilhar a água entre todos, além de imprescindí-
vel, está relacionada ao conceito de desenvolvimento sustentável, pois leva em
consideração aspectos de justiça ambiental e social. Nesse caso, seria uma ques-
tão de melhor distribuição de água entre as gerações atuais, ou seja, uma questão
intergeracional de desenvolvimento sustentável. Consequentemente, é importan-
te que a população em dificuldades disponha de água em padrões qualitativos
e quantitativos suficientes para atender às suas necessidades (FRACALANZA;
FREIRE, 2015).
Deve-se notar, portanto, que em situações de escassez é importante que as
populações sejam orientadas e tratadas de forma igualitária para que seu acesso à
água não seja prejudicado, para que não haja conflitos entre os usuários de água
por exemplo, abastecimento industrial e doméstico (FRACALANZA; FREIRE,
2015).
E, ainda, garantir uma distribuição mais justa da água entre a população
de forma mais ampla, sem comprometer o acesso à água das populações de baixa
renda. Nesse caso, o conceito de gestão, mais do que o conceito de gestão, pode
levar em conta aspectos que estão relacionados aos conflitos: ao invés de tentar
eliminá-los, a gestão é buscar a gestão de conflitos, em consonância com o proje-
to coletivo (DINIZ 1999, p. 197 apud FRACALANZA; FREIRE, 2015).
Além da má distribuição que não pode ser aceita como “justificativa” por
sem acesso à água porque há países com menos recursos do que o Brasil que não
conseguem lidar com isso tão frequentemente, luta com problemas de gover-
nança em que o governo está envolvido, iniciativa privada e cidadãos. Cada um
tem sua parcela, maior ou menor, de culpa nas crises de água que ocorreram nos
últimos anos (THEODORO; TYBUSCH, 2017).
Portanto, em combinação, no geral, com mudando o regime de chuvas e
desmatamento, a gestão ineficaz está deslocando o eixo da aparente abundân-
cia de água no país pela falta de acesso quantitativo e qualitativo a ela. Desta
forma, o contexto é complementado, é claro, com variáveis em casos especí-
ficos, crises água no país, cujos efeitos locais muitas vezes irradia para outros
Estados-Membros, e até mesmo realmente, para todo o Brasil (THEODORO;
TYBUSCH, 2017).
No que diz respeito à justiça ambiental, entendida em sentido material,
como acesso a comunidades de vida sustentável (HERVÉ ESPEJO, 2010, p. 11
apud THEODORO; TYBUSCH, 2017) e suas origens sociais, é adequado ex-
plicar que esse movimento, ao contrário do que foi considerado injusto as con-
dições dadas a eles, surgiu em 80 nos Estados Unidos, com ênfase no combate
ao racismo ambiental (THEODORO; TYBUSCH, 2017). Até então, mesmo
sem tal nomenclatura, poderia ser encontrado sustentando outras lutas sociais
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A gestão da água no país tem sido vista historicamente como uma solução
eficaz para o problema da injustiça da água e, para tanto, o Estado e as agências
de cooperação internacional propuseram a concessão de direitos individuais de
propriedade como uma iniciativa capaz de resolver conflitos e guerras pela água.
Por trás dos programas de propriedade (variável simbólica) está a noção de que a
água deve ter um proprietário rastreável para ser trazida ao mercado, água sendo
um bem comerciável. Nesta linha, “o mercado se apresenta como a entidade cer-
ta para regular seu uso eficiente e para que o mercado tenha sucesso, é necessário
estabelecer direitos sobre a água claramente definidos e exigíveis, preferencial-
mente privados e transferíveis” (BOELENS et al., 2011, p. 17 apud CÁCERES;
MAIA-RODRIGUES, 2019).
As formas locais e tradicionais de gestão da água são geralmente vistas
como obstáculos ao uso ‘eficiente’ dos recursos, os direitos coletivos, bem como
os costumes locais relacionados à gestão da água, são considerados ilegais ou
simplesmente ignorados pela legislação que corresponde às categorias dominan-
tes do que é o direito à água e do que a água (in) justiça hídrica. Para muitas
comunidades locais na América Latina, os direitos à água não equivalem a di-
reitos de propriedade, e a justiça hídrica não é necessariamente o que a lei prevê
(CÁCERES; MAIA-RODRIGUES, 2019).
Por muitas décadas, o escopo conceitual do meio ambiente tem sido dis-
cutido, em uma perspectiva limitada, entendeu-se que não integravam o conceito
de meios agentes ambientais não naturais e feitos pelo homem, excluindo o meio
ambiente, ambiente artificial, trabalho e cultura. Por outro lado, doutrina e julga-
mentos superiores, a partir da Constituição de 1988, passaram a considerar esse
conceito “Macro” do meio ambiente. Lei nº 6.938 / 81 no art. 3, e que institui
o meio ambiente como: “o conjunto de condições, leis, influências, alterações e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida
em todas as suas formas” (BRASIL, 1981).
O Ministro Celso de Mello (STF, 1995), durante a votação do mandato
Segurança 22164-SP, definiu o ambiente como:
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Dado que a segregação social é um produto do racismo, ela vem com ela
injustiça social. Existe uma aproximação conceitual entre racismo ambiental e
injustiça ambiental Justiça social, por outro lado, é a busca por um tratamen-
to justo, independentemente de raça, cor, nacionalidade ou renda em relação a
desenvolvimento, implementação e aplicação de políticas, regulamentos e regu-
lamentação ambiental (HERCULANO, 2006 apud ALMEIDA; SALIB, 2018).
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coletivo. Se o espaço urbano foi inventado e criado, mesmo que fosse pelas mãos
de liberais, e, no caso do Brasil, pela elite, o espaço urbano pode ser reimaginado
e transformado. É necessário pensar uma cidade mais inclusiva, mesmo que este-
ja constantemente fragmentada, deve-se colocar na pauta do debate que o direito
à cidade requer esforço coletivo e a formação de direitos políticos coletivos para
que possamos buscar a concretização e implementação de processos e a promo-
ção da democratização dos direitos sociais.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ana Carolina Barros; SALIB, Marta Luiza L.. Racismo Am-
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POSFÁCIO
[...] Mas eu, Senhor!...
Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p’ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão… [...]
Basta, Senhor!
De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p’ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
(Castro Alves, Vozes d’África)
551
SOBRE OS ORGANIZADORES