(20230223-PT) Visão 1564

A NEWSMAGAZINE MAIS LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.
PT
NATUREZA POLÍTICA
A FAUNA FRANCISCO
ENCANTADA ASSIS
DO GERÊS E MARQUES
MENDES
OPINIÃO PEDEM
A BUSCA DA DIÁLOGO
IDENTIDADE, AO CENTRO
N.º 1564 . 23/2 A 1/3/2023
SEGUNDO
YUVAL NOAH
HARARI
LONDRES
Preço €8 426
médio de
venda por
m2 BRUXELAS BARCELONA
€3 869 €6 251
PORTO
€2 753
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€13 352 MADRID
€5 037
LISBOA
€4 715
ESTUDO COMPARATIVO COM AS PRINCIPAIS CIDADES
PREÇO DAS CASAS

EM PORTUGAL
AO NÍVEL DA EUROPA
Lisboa é mais cara do que Roma e Bruxelas. Um apartamento
no Porto custa tanto como em Dublin
O ARRENDAMENTO COMPULSIVO DE CASAS DEVOLUTAS É CONSTITUCIONAL?
A opinião dos constitucionalistas João Miranda (sim) e Paulo Otero (não)
VISÃO
23 FEVEREIRO 2023 --- Nº 1564
ENTREVISTA
Joana Brandão ...............10
RADAR
A semana
em 7 pontos
Estado a mais, eficiência
a menos ............................. 14
Holofote
Carlos Cortes, o novo
VISÃO SETE
bastonário ........................ 16
Parque de Serralves
Raio-X celebra 100 anos ........... 82
Companhias petrolíferas
Patrick Deville: O
faturam como nunca ... 17
fantasma do futuro...... 92
Periscópio
38 Graus Studio: Verão o
Habitação: Bem me quer,
ano inteiro ...................... 97
mal me quer .................... 19
Kaigi, o novo japonês do
Próximos capítulos
Porto ................................. 99
O poder da Nigéria ...... 20
Televisão: o regresso de
Fotos com História
“The Mandalorian” ... 100
Olof Palme, crime sem O “exército-sombra” do ex-juiz negacionista ..... 38
castigo............................... 23 Lidera um movimento seguido por vários tipos de extremistas. Casa das Arribas: Raul
Autoridades vigiam as suas ramificações internacionais e ligações Lino à beira-mar ........ 102
Transições
João Salgueiro, um dos perigosas. O que anda a fazer Rui Fonseca e Castro, o ex-juiz
últimos senadores........ 24 negacionista? OPINIÃO
Dulce Maria Cardoso
Na primeira pessoa
“Ali, não somos só Mariana Mortágua, a hora da “ministra” . . . . . . . . . . . . . . 30 Imortal ................................6
guardas” ........................... 26 Com a saída de Catarina Martins, a estrutura do Bloco de Esquerda Rui Tavares Guedes
movimenta-se para eleger Mariana Mortágua. A hora é da mulher que, Regresso do Estado à
Imagens um dia, Francisco Louçã apontou como futura ministra das Finanças casa de partida..................8
Riso e lágrimas .............. 28
Pedro Marques Lopes
Os moderados Assis e Marques Mendes . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 4 A “Cosa” deles ................. 18
FOCAR “Faz falta mais diálogo, mais ambição e mais competência”, concordam
Prigozhin: Marioneta ou estas figuras políticas do PS e do PSD. Francisco Assis e Marques Mendes Bernardo Pires de
ameaça?............................ 70 estiveram à conversa na conferência anual da Exame Lima
Novos tempos?.............. 22
Adeus cargo, olá
competências .................. 74 A vida secreta dos animais do Gerês ...................... 50 Yuval Noah Harari
Quase um milhão de imagens e mais de 14 mil observações depois, os A busca perigosa da
Vaguear faz bem ............78
primeiros resultados de um estudo de monitorização a longo prazo dos identidade ....................... 76
mamíferos no Parque Nacional da Peneda-Gerês trazem várias surpresas Filipe Luís
O partido Peter Pan e o
Interdita a reprodução,
mesmo parcial, de textos,
Imobiliário: Somos dos mais caros da Europa?. . . 5 6 capitão Gancho .............80
fotografias ou ilustrações É comum dizer-se que, ao nível de preços, Lisboa e Porto ainda têm Joana Marques
sob quaisquer meios, muito que evoluir. Mas, no valor das casas, Lisboa já é mais cara do Fogos habitacionais para
e para quaisquer fins,
inclusive comerciais. que Bruxelas e Roma; o Porto está ao nível de Dublin. Dossier VISÃO apagar ............................. 106
Imobiliário
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ONLINE Adão Carvalho Bruno de Carvalho Matos Luís Delgado
BOLSA IMOBILIÁRIO LINHAS DIREITAS
Últimos DE ESPECIALISTAS A ocorrência de um sismo Biden no sítio certo!
artigos Dar voz às vítimas catastrófico equiparável ao
no site da de abusos sexuais de 1755 é provável, só não se
VISÃO sabe quando
23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 3

---------- L I N H A D I R E TA
– CORREIO D O LEI TOR
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ANTEVISÃO
VISÃO SETE
VISÃO PLUS A VISÃO mostra
VISÃO VERDE imagens diferentes das
pessoas mais velhas,
que não são apenas
as que aparecem
a jogar cartas nos
O (alto) preço a pagar Nas bancas
lares ou nos jardins.
Na aposentação, há
por uma casa europeia mais tempo para a
vida pessoal, para
T
o apoio familiar e
em sido o tema da semana e andam aqui muitas para a participação
paixões à mistura. A habitação, que tinha tudo socialmente útil.
para ser algo tão básico como “todos precisamos – Luís Noronha S. Miguel, Açores
de um teto senão não conseguimos viver de
forma digna”, nada tem de simples e acaba por levantar SEENAGERS
questões ideológicas que há muito não se viam. Vem daí Dei comigo a pensar que
o PREC para acabar com a propriedade privada, por um estou muito contente por não
lado; ali estão os proprietários sovinas do grande capital, fazer parte desses “antive-
ANIMAÇÃO
que querem as casas só para eles, mesmo que estejam lhos”. Daqui a quatro meses,
EM PORTUGAL
ao abandono. E nesta polarização perde-se muito foco 68 anos continuam a ser um
Um século de história
– além de, e sobretudo, grande parte da eficácia para estímulo para não parar. O
resolver problemas. ritmo intenso de trabalho que
A contribuição que aqui lhe trazemos, caro leitor, é me imponho, conjugado com
a informação mais aprofundada, para lá destas paixões os tempos de lazer, é sobeja
da espuma dos dias que se espraia nas redes sociais. razão de satisfação.
Um trabalho meticuloso de análise de dados, no nosso – Carlos Peixoto
caderno de imobiliário, sempre presente na última INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
semana do mês, mostra-nos como estão os preços da A Inteligência Artificial [V1562]
habitação em mais de três dezenas de cidades europeias. liberta os humanos de tarefas
Falamos de valores de compra e de arrendamento. funcionais! E liberta-os de
Percebemos, assim, que Lisboa e Porto ainda não estão decidir, criar e recriar?... O
nos níveis estratosféricos de uma Paris ou de uma grande e visionário Stephen
Londres, valha-nos isso, mas há surpresas. Lisboa já é INIMIGOS DA SAÚDE Hawking alertou para o pos-
mais cara do que Bruxelas e Roma, em construção nova. Como combatê-los sível monstro por detrás da
Porto está ao nível de Dublin, por exemplo. Escusado maravilha!
será dizer que continuamos a não ter os salários destes – António Dias Lisboa
países. --------
Mas talvez o dado mais perturbador seja o do top 10 Contactos
das cidades cujo nível de preços na habitação se encontra [email protected]
As cartas devem ter um máximo
mais afastado do nível do próprio país. E, aí, na Europa, de 60 palavras e conter nome,
não há como bater Lisboa. Custa muito menos a um morada e telefone. A revista
habitante de Manchester mudar-se para Londres do que reserva-se o direito
um de Coimbra ir viver para a capital. O Porto também de selecionar os trechos que
está neste embaraçoso ranking. considerar mais importantes.
Outro aspeto muito interessante deste nosso caderno Morada
imobiliário é a comparação de preços que fazemos, CORREIO: Rua da Fonte da
INÊS MENESES
bairro a bairro, entre as duas principais cidades A fabulosa Caspolima – Quinta da Fonte,
portuguesas e espanholas. Vamos dissecar Lisboa, Porto, perguntadora
Edifício Fernão Magalhães, 8,
Madrid e Barcelona e perceber que, talvez, ali ao lado, 2770-190 Paço de Arcos
não se esteja assim tão mal. Talvez. [email protected]
4 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

AUTOBIOGRAFIA
NÃO AUTORIZADA
Imortal
Dulce
Maria
E
Cardoso ntro no carro, arranco como se
estivesse a fugir. Não levo nada
comigo, mas tenho a certeza de
que se me abeirasse de um balcão
de embarque do aeroporto, de
um terminal de comboios ou de autocarros
de longo curso, ficaria retida por excesso
de bagagem: levo-me. Não é possível seguir
viagem com este peso que desabou sobre
mim. Quando fico fechada por um tal céu
de tempestade, as pernas inquietas e as cri-
ses de pânico insistem em querer levar-me
— Escritora
daqui. Contudo, não tenho como partir. En-
tro no carro, arranco apressada. Sozinha.
É o carro quem me conduz, se bem que
eu já saiba para onde me leva. Ao mar do
Guincho. Aí, mesmo que aquietados, ar e era prazerosa. Nos seus últimos anos, ele
mar nunca enganam, a paz é só um balanço mudou. Todos aqueles que nascem têm
sonso entre o arrepio das guerras. Estacio- dupla cidadania, no reino dos sãos e no
nada de frente para o horizonte, continuo reino dos doentes, escreveu Susan Son-
ao volante. Pouco tempo depois, a porta do tag. O mais assustador é que não somos os
outro lado abre-se. Ele senta-se no lugar do mesmos num reino e no outro. O meu pai
morto. doente foi substancialmente diferente do
‒ Não tem piada. meu pai saudável. O meu pai saudável não
‒ O que é que não tem piada? permitia que eu me abraçasse a ele. Dupla
Não sei se dissemos isto logo que ele cidadania. Dupla, não, tripla. Todos aqueles
entrou, se apenas o pensámos, qual de nós que nascem têm tripla cidadania, digo eu.
disse o quê, não sei a que nos referíamos. Porque há também o reino dos mortos. De
‒ Precisava tanto de voltar a ver-te. Não onde, afinal, podemos voltar. São os outros
ando bem. que nos inventam dúplices. Tríplices. Cada
Encosto-me a ele. Reconheço, refletido um de nós é sempre o mesmo. Ou vai sendo
no para-brisas, o abraço que damos numa sempre outro e mais outro, centúplice.
das últimas fotografias que tenho do meu ‒ Às vezes, a consciência da inutilidade
pai. de tudo isto torna-se tão aguda que parece
‒ O que é que se passa, Dulcinha? impossível avançar sem ser trespassada.
Nessa fotografia estamos abraçados no ‒ Brutidades.
sofá, ainda vestidos com os casacos da rua, Era o que o meu pai dizia quando não
o casaco azul-escuro dele e o meu azul-pe- concordava. Para além dele, nunca ouvi
tróleo. O meu pai parece muito mais velho ninguém dizer tal palavra. Li-a no dicioná-
O meu pai do que era, a bengala na mão esquerda, os rio, quando quis confirmar a sua inexistên-
doente foi olhos claros assustados com o abismo que
a passagem do tempo cavava, veloz, à sua
cia, julgando-a um testemunho da pouca
instrução do meu pai. Aqui fica a palavra,
substancial- frente. Eu aninhada nele, como se fosse agora: brutidades.
mente dife- possível tirar a fotografia certa na ida- ‒ Às vezes apetece-me desistir.
de errada. Em criança, nunca tive o corpo Vencer na vida. O meu pai estava con-
rente do meu do meu pai assim tão confortavelmente vencido de que se nasce para vencer na
pai saudável. próximo do meu. A sua ideia de serieda- vida, Tens de vencer na vida, repetia-me
ILUSTRAÇÃO DE SUSA MONTEIRO
O meu pai de sempre lhe exigiu uma compostura que

censurava manifestações de afeto, garga-
amiúde. O meu pai venceu na vida. Apesar
de tudo. Conseguiu moldar a sua existência
saudável não lhadas, hesitações, medos, falhanços. Mas à sua vontade ou vice-versa. E nisso foi fe-
permitia que chamava-me Bebé. E, mais tarde, Dulcinha. liz. Gostou de viver. Apesar de tudo. É fácil
‒ O que se passa, Dulcinha? amar vencedores. De forma absoluta ou à
eu me abra- O meu pai não tinha um feitio fá- sua maneira, o meu pai venceu. Ainda que
çasse a ele cil. A nossa convivência nem sempre me muitas, terríficas, vezes tenha sido derrota-

do. As suas derrotas em nada beliscaram o melhanças que nos separaram. O amor do
meu amor. ‒ Mesmo esta nossa conversa: não sei se
‒ Desistir do quê? De quem? faz sentido, se vale a pena continuar. meu pai
‒ É isso, é precisamente isso que me ‒ Não sabes se vale a pena continuares é imortal.
segura: o ridículo de não saber responder a esta nossa conversa? Sou apenas o que es-
essas perguntas. creves, não sou o teu pai.
Consegue
Nascido numa aldeia transmontana de ‒ Não me magoes, ando triste. E não é limpar-me
uma família entregue à pobreza, à falta de verdade o que dizes, és o meu pai. Se sobra das vilezas do
instrução, à violência, o meu pai conseguiu só isto, a culpa é da imperfeição destes
descobrir nele o desejo e a força para criar instrumentozinhos que temos para tratar o mundo. Re-
uma família protegida desses e doutros amor. Culpa minha, também. gresso a casa.
males. Foi o primeiro feminista que conhe- ‒ Referes-te às palavras escritas? O amor
ci, ao dizer-me, ainda eu não tinha entra- não é mais do que uma construção da me-
À vida
do para a escola, que eu tinha de estudar mória.
porque não podia depender de um homem ‒ Refiro-me às palavras ditas, também.
nem de ninguém. Também foi o primei- Não me fales como se não fosses tu, não
ro machista que conheci, ao impor-me o deixes que o meu pai vá embora de ti, não
comportamento que considerava que uma me deixes a falar sozinha.
rapariga deve ter. Com revolta e mágoa, não ‒ Brutidades.
deixei de o amar nas suas torpezas e ambi- De repente, caminhamos os dois à bei-
guidades. ra-mar.
E depois houve a doença dele, as doenças ‒ Não tem piada.
dele. Sei agora que passei pelas doenças do ‒ O que é que não tem piada?
meu pai com a insensatez de quem deci- ‒ Teres morrido.
de avançar descalço pela areia, quando não ‒ Pelo menos agora podemos caminhar
se avista mar e tudo é já só deserto. Nunca assim, juntos.
aceitei que o meu pai estava a morrer. ‒ Pois é, não gostavas de andar na areia
‒ A morte é injusta. por causa do teu joelho avariado. Mas vi-
O homem forte, corajoso, voluntario- nhas quase todos os dias ver o mar. A volta
so, que toda a vida conheci, não podia ser que aqui me trouxe é a tua volta, a volta do
aquele doente que mirrava como um balão Guincho.
esquecido no salão da festa de aniversário Rasteiras, as ondas engolem as pegadas
de uma criança. do meu pai. A maré está a subir. Mais umas
‒ Por causa disso a vida devia dispensar ondas e também as minhas desaparecerão.
injustiças. O amor do meu pai é imortal. Consegue
Quando morreu, o meu pai tinha 73 anos limpar-me das vilezas do mundo. Regresso
e eu 37. Os números parecem brincar com a casa. À vida. Continuo, ainda.
os avessos que nos uniram ou com as se- [email protected]

E D I TO R I A L
Regresso do Estado à casa

de partida
O
Rui problema da falta de habitação, a Se olharmos com um mínimo de atenção,
Tavares preços suportáveis pelas famílias,
nunca será resolvido pelo mer-
percebe-se que o pacote de apoio à habitação
apresentado na última semana por António
Guedes cado imobiliário. A solução para Costa não tem, propriamente, uma inovação
essa crise gritante é da compe- genial, daquelas capazes de fazer com que o
tência do Estado, a quem cabe a obrigação de resto do mundo olhasse para nós com espanto
garantir o direito à habitação para todos. Esta e curiosidade. Apesar do alarido e de diversas
não é, ressalve-se, uma afirmação de cariz indignações, as medidas previstas no progra-
ideológico. Trata-se somente da constatação ma Mais Habitação, das mais aplaudidas às
de uma realidade, cada vez mais transver- mais polémicas, são apenas uma espécie de
sal e crescente nos países desenvolvidos. Em resumo de tudo aquilo que já está a ser tenta-
toda a Europa assiste-se, nos últimos anos, ao do por essa Europa fora ou, em alguns casos
regresso cada vez maior do papel do Estado, excecionais, estão em vigor há anos. A grande
quer através dos governos centrais quer dos diferença é que há demasiado tempo que não
locais, na regulação e controlo do mercado se fazia nada em Portugal e agora parece que
— Diretor-executivo
de habitação. E isso ocorre, em simultâneo, o plano é o de querer fazer tudo de uma vez
tanto nos países com governos socialistas ou – felizmente, a discussão pública que agora
social-democratas, como nos conservado- se iniciou vai permitir tornar as opções mais
res, democrata-cristãos ou até onde qualquer claras, atirar algumas medidas para o caixote
um deles está em coligação com os liberais – do lixo e quantificar o verdadeiro alcance de
como acontece, no último caso, na Alemanha, todas as outras.
onde o executivo “arco-íris” de Berlim (socia- Como acontece com cada vez maior fre-
listas, liberais e Verdes) pretende construir 400 quência nestes tempos de crescente polariza-
mil casas até 2026, num projeto de 14,5 mil ção, corre-se o risco de o debate ficar centrado
milhões de euros, como forma de tentar mini- nos pormenores ou nas propostas que, pelos
mizar o problema. seus contornos, mais estimulam o debate
Na Europa, tanto nos governos de esquerda ideológico, por configurarem maiores dúvidas
como nos de direita, percebe-se que cresce a na relação entre o Estado e a propriedade
necessidade de intervir mais diretamente no privada. É o caso da ideia do arrendamen-
mercado da habitação. E o que isto significa, to compulsivo de casas vazias, proposto pelo
na prática, é o assumir de um erro generaliza- Governo e que tanta celeuma tem causado.
do e cujos custos estão agora a ser pagos pelas Mais uma vez, no entanto, não se trata de
gerações mais jovens, que se veem impedi- uma ideia inovadora: não só já foi tentada
das de alcançar o direito básico à habitação: a em Lisboa, sem êxito, como está em vigor
convicção de que o mercado iria resolver tudo, na Dinamarca – onde, ao fim de apenas seis
e que o Estado só teria de se preocupar com as semanas, os proprietários têm de comunicar à
casas para os mais desfavorecidos ou carencia- autarquia que a sua casa está vazia e, portan-
dos. Não foi isso que aconteceu. E os resulta- to, disponível para arrendar – e também faz
dos estão à vista: atualmente, na maior parte parte das medidas atualmente em estudo pelo
As medidas das principais cidades europeias, tornou-se governo irlandês, tantas vezes elogiado como
quase impossível o acesso à habitação por par- um arauto do liberalismo, mas que tem a sua
previstas no te das gerações mais jovens, de classe média sobrevivência em risco, nas próximas eleições,
programa e em início de vida profissional. Não é só em por causa precisamente da crise na habitação,
Mais Lisboa ou no Porto que soam os alarmes – eles
ecoam também, e por vezes de forma ainda
entre os jovens.
Não adianta discutir se há muito ou pouco
Habitação mais sonora e com medidas mais radicais, em Estado nesta questão. É preciso ter a humilda-
são apenas Amesterdão, Berlim, Copenhaga ou Dublin. E, de de reconhecer que o problema só se resolve
cada vez mais, é dado o exemplo de Viena, a através da intervenção do Estado – de prefe-
uma espécie capital austríaca considerada nos estudos mais rência em colaboração com o resto da socieda-
de resumo de recentes como a melhor cidade para se viver de, estimulando parcerias com o setor privado,
tudo aquilo e onde 80% dos seus 1,7 milhões de habitan-
tes residem em casas arrendadas, a preços
mas definindo também regras rígidas – dra-
conianas, caso seja necessário – para impedir
que já está a controlados e que não ultrapassam os 25% do os abusos e a ganância desenfreada. Para haver
ser tentado rendimento de cada família. E onde, eliminado mais casas, é necessário que o Estado regresse
o estigma da “habitação social”, o governo local à casa... de partida: com regras, planos e estí-
por essa e as cooperativas de habitação são os maiores mulos. E depois, a partir, daí, deixar a socieda-
Europa fora senhorios. de funcionar e organizar-se. [email protected]

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Joana Brandão Diretora nacional da Portugal com ACNUR
É importante abrir as
fronteiras da Europa. Os
refugiados não escolhem fugir.
Querem trabalhar, querem um
futuro e têm o mesmo valor que
nós. Não podemos querer viver
em condomínios fechados
— P O R R U I AN T U N ES T E X TO E LU Í S BARR A FOTO
J
Joana Brandão, 45 anos, foi escolhida
pelo Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (ACNUR),
com sede em Genebra, Suíça, para
liderar a estratégia de comunicação e
de angariação de fundos em Portu-
gal. Depois de 17 anos de experiência
que não conseguem dormir. São si-
tuações gravíssimas. Há pessoas que
ficaram sem janelas, outras vivem em
abrigos frágeis e temporários.
Qual tem sido a ação do ACNUR
no terreno?
O ACNUR está na Ucrânia desde
1994. Porque os conflitos não surgi-
ram agora, embora não tivessem esta
dimensão. Há mais de 100 funcio-
nários no país. No escritório de Kiev,
também existe uma cave, um abrigo
onde se trabalha quando soam os
alarmes de ataques aéreos. O ACNUR
atua não só a nível de emergência, ou
seja, a salvar vidas e a dar bens essen-
ciais às pessoas no momento em que
soluções de habitação para quem re-
gressou e para quem ficou com a casa
danificada.
Que bens materiais fazem mais
falta neste momento?
Mais do que bens, precisamos de
dinheiro. É preciso assumir isto. É
importantíssimo para o ACNUR ter
apoio financeiro. No ano passado,
atingimos um número recorde de
pessoas forçadas a fugir. Falamos de
uma em cada 77 pessoas. O ACNUR
precisa de parceiros para conseguir
responder a tantas pessoas. Portan-
to, é essencial que possam confiar no
ACNUR para dar essa resposta no
local. Na Ucrânia, é agora necessá-
acumulada, em funções idênticas, nas as emergências surgem, como está a rio colocar janelas, reparar telhados,
ONG Aldeias de Crianças SOS e Am- acontecer, também, na Turquia e na disponibilizar geradores em cida-
nistia Internacional, estreou-se em Síria, na sequência do terramoto. O des onde as pessoas passam frio.
2021 no novo cargo, enquadrado na ACNUR consegue montar uma res- Num primeiro momento, instância,
estratégia global do ACNUR para dar posta em 72 horas e apoiar cerca de falamos sempre em itens básicos de
a conhecer as missões da organização 600 mil pessoas. Assim o fez na atual socorro, como água, cobertores ou
no mundo. Avançou com o registo le- operação na Ucrânia e nos países vi- roupa quente, mas a felicidade que
gal, formou equipa e, em novembro, a zinhos, juntamente com outros par- uma janela traz a uma família, quan-
Portugal com ACNUR – uma réplica ceiros. Até hoje, o ACNUR já ajudou do a temperatura marca menos 20
de organizações já estabelecidas em 11 4,3 milhões de pessoas. graus, é total.
países – passou a contar com o esta- A missão na Ucrânia está mais Perante a maior vaga de refugiados
tuto de utilidade pública, fundamen- vocacionada para a ajuda cirúrgica, desde a II Guerra Mundial, uma só
tal para conceder benefícios fiscais do bem de primeira necessidade, organização não consegue acudir
aos doadores da causa. Natural de ou prolongada no tempo? a todos. Como se escolhe a quem
Santarém e formada em Psicologia, Falamos de ajuda monetária, por ajudar?
Joana diz ter-se “ligado ao mundo” exemplo, que é algo que muitas vezes Um dos critérios é a vulnerabilida-
em voluntariados em Cabo Verde e na se esquece e que é essencial. As pes- de das pessoas. Na perspetiva do
Argentina. Um mundo que, na última soas ficaram sem nada e precisam de ACNUR, é atuar junto das pessoas
década, duplicou o número de re- dinheiro para ir a um supermercado, deslocadas e refugiadas, mas num
fugiados. É disso que falamos, agora para pagarem despesas básicas, para momento de guerra tem muito que
que se completa um ano da guerra na conseguirem refazer a vida. Falamos ver com a resposta que é montada de
Ucrânia, responsável por oito milhões sobretudo de abrigo, numa primeira imediato com as autoridades, quando
desses refugiados, além de mais 5,3 instância, de cobertores, colchões, é possível, e com as ONG e outros
milhões de deslocados internos. roupa de inverno, comida, cuidados parceiros. É uma ajuda não discri-
Na Ucrânia, os refugiados repre- de saúde, apoio legal e psicossocial. minatória, na tentativa de ajudar o
sentam 30% dos habitantes, antes Mas também se trabalha muito em maior número de pessoas.
de 24 de fevereiro de 2022, sendo soluções duradouras. O plano para A Europa respondeu bem
que muitos já conseguiram regres- este ano já está definido e a ser pre- às necessidades humanitárias?
sar. Qual é o ponto de situação ao parado com o governo, assim como Por um lado, sim. É importante ver
fim de um ano de conflito? há programas de acompanhamento que os países se mobilizaram rapi-
É chocante. Falamos de um país que aos refugiados que fugiram para ou- damente e que as pessoas também
tinha 43 milhões de habitantes e nes- tros países. Existe um esforço de arti- quiseram ajudar. Do nosso lado, a
te momento tem 35 milhões. Metade culação muito grande com os gover- generosidade das pessoas e das em-
destes, 17,6 milhões, precisa de ajuda nos para sensibilizar os atores locais presas foi incrível. Se era possível ter
urgente, incluindo cerca de 4,4 mi- e nacionais para acolher pessoas e sido feito mais, quer na Ucrânia quer
lhões de pessoas que entretanto re- proporcionar-lhes oportunidades de noutras emergências, às vezes mais
gressaram. Uma das grandes preocu- integração a nível social e económico. invisíveis, é sempre. Porque existe al-
pações do ACNUR, neste momento, Se ainda há respostas de emergência, gum ódio e xenofobia que bloqueiam
é o frio. Estas pessoas enfrentam não é porque infelizmente todos os dias um pouco estes processos de inte-
só a subida dos preços, mas também há bombardeamentos e novas zonas gração. Mas, para esta emergência,
muitos cortes de eletricidade. Duran- a serem bombardeadas. houve uma abertura muito grande na
te o dia, podem ter temperaturas de O que envolve de novo o plano para Europa.
menos 20 graus e, quando há falhas 2023? A ativação da diretiva europeia
de energia, numa hora a casa fica Uma das ações planeadas, em parda proteção temporária atenuou
completamente congelada. Há relatos ceria com o governo da Ucrânia, as consequências para estes
de crianças com as pernas a gelar e chama-se Home. O objetivo é criar refugiados?

Simplifica a integração das pes- Mais do que Os programas do ACNUR em África,
soas, acelera os processos. Falamos de uma maneira geral, estão subfi-
sobretudo de mulheres e crianças. bens, precisamos nanciados. Os campos de refugiados
80% das pessoas forçadas a fugir de dinheiro estão lá, tanto que, em média, uma
no mundo são mulheres e crianças. pessoa vive neles durante 17 anos. A
A prioridade é voltarem para casa, na Ucrânia. habitação, a água, a educação, a vida
mas entretanto precisam de um A felicidade de milhões de pessoas depende do
sítio onde viver, de voltar a colocar ACNUR, e é preciso centrar o foco
os filhos na escola, de encontrar um que uma janela nesses países mais esquecidos. Estão
emprego. traz a uma longe e têm menos impacto, mas são
Como avalia a resposta de Portugal? pessoas como nós.
Portugal acompanha as necessida- família, quando Qual a sua opinião sobre a forma
des identificadas pelo ACNUR para a a temperatura como a Europa lida com os refu-
integração dos refugiados. Recebeu giados que tentam atravessar o
mais de 50 mil pessoas da Ucrânia, marca menos Mediterrâneo?
conhecemos várias que colocaram 20 graus, é total’’ É importante abrir as fronteiras, para
as crianças na escola e conseguiram as pessoas entrarem. Cada vez há
restabelecer a sua vida profissio- menos fronteiras, estamos todos a
nal. Sabemos que pode ser sempre viver em todo o lado, seja porque so-
melhor, mas neste caso houve uma mos migrantes, seja porque fugimos.
abertura positiva. lições que aprendemos no passado, já Os refugiados não escolhem fugir.
Antes da guerra, Portugal tinha devia ser um lugar melhor. Mas sem Querem trabalhar, querem um futu-
acolhido apenas 0,1% do total de 2,7 dúvida que para estas pessoas é um ro e têm o mesmo valor que nós. Não
milhões de refugiados na Europa. lugar pior. E não podemos esquecer a podemos querer viver em condomí-
É pouco? questão climática. nios fechados.
Na minha perspetiva, é pouco, e por Até ao fim do século XXI, as esti- Há lugar para toda a gente
isso é que é preciso sensibilizar e mativas apontam para mais 250 a que queira vir para a Europa?
pedir às pessoas que se coloquem 400 milhões de deslocados, só por Idealmente, deve haver oportunida-
no lugar do outro. Por isso é que é causa da subida do nível do mar. des por todo o mundo. Deve haver
preciso ensinar a uma criança o que Sim, e podemos acrescentar outras conforto e estabilidade económica e
é um refugiado e o direito humano consequências das alterações climá- social em todos os continentes. Não
ao asilo. É este o caminho para um ticas, como incêndios, tempestades, têm de ser condições iguais às da Eu-
dia conseguirmos ter políticas mais falta de água. Em 2021, fugiram 21 ropa, mas podem ser ótimas.
inclusivas, e é nesse sentido que tra- milhões de pessoas só por causa do Venezuela e Palestina são duas zo-
balhamos. clima. Na Somália e no Quénia, onde nas com crises de refugiados anti-
O que está a querer dizer é que, se o ACNUR tem acampamentos, há gas. Que comentário lhe merecem?
a sociedade assim o exigir, as deci- populações que deixaram de ter água A única coisa que queria dizer é que,
sões políticas irão nessa direção? para regar ou para os animais. São tal como existe a emergência da
Completamente. As autoridades pessoas que têm de pegar nos filhos e Ucrânia, existem essas emergências,
representam a sociedade. Hoje te- fugir, muitas vezes a pé, porque não e não são menos importantes. Se o
mos redes sociais que alimentam há condições básicas para viver. Não nosso papel também é o de mobilizar
os discursos de ódio e não ajudam é por haver um conflito, nem por donativos, as pessoas não se devem
à inclusão das pessoas. A xenofobia serem perseguidas, nem por qualquer esquecer que também podem fazer a
é uma ameaça, mas acredito que, ao ameaça política; é porque o clima diferença na Venezuela e na Palestina.
fornecermos informação credível, não permite a sobrevivência. E isto é Para onde vai o dinheiro
adequada às várias faixas etárias, assustador. dos donativos em Portugal?
podemos construir um olhar mais Sempre houve movimentos de pes- Todos os donativos que seguem para
empático e levar a uma reflexão de soas em busca de terra fértil, mas o ACNUR em Genebra são alocados à
que isto também nos pode acontecer hoje é quase consensual que o nos- missão definida pelos doadores, por
a nós. Estamos todos em pé de igual- so modo de vida está a contribuir exemplo, para a emergência da Ucrâ-
dade nesta matéria. para o aumento da temperatura do nia ou para o terramoto da Turquia e
Nos últimos 10 anos, o número de planeta e a agravar as condições de da Síria.
deslocados e refugiados duplicou, vida em certas regiões. Qual o papel do Portugal
de 51 milhões para 103 milhões, no Na última cimeira do clima, o al- com ACNUR?
fim do primeiro semestre de 2022… to-comissário do ACNUR, Filippo Somos um parceiro intermédio,
... E depois de junho, só nas tem- Grandi, chamou a atenção para o digamos assim, porque doando
pestades do Paquistão deslocaram- facto de que as pessoas que menos em Portugal as pessoas recebem
-se mais oito milhões de pessoas. contribuem para a crise climática se- informação em português e podem
Portanto, quando saírem os dados de rem as mais afetadas. Falta uma visão deduzir fiscalmente nos seus im-
dezembro, serão muitos mais. política global para os próximos 50 postos. Somos a agência das Nações
O mundo está a ficar um lugar ou 100 anos. Unidas para os refugiados, e quem
pior? África continua a ser um continen- puder deve ajudar de forma regular
Não quero acreditar nisso. Com as te esquecido? ou pontual. [email protected]

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EM PARCERIA COM:
RR A DA R
7PONTOS
DA SEMANA
Estado a mais, eficiência a menos
S
ó não vê quem não quer ver. O diag-
nóstico está feito e deu capa da VISÃO
em dezembro: existe uma grave crise
de habitação em Portugal. Em seis
anos, o custo das casas subiu mais
de 80%. Como contamos nesta semana, Lisboa
lidera o ranking das dez cidades europeias mais
caras em relação à média do seu país. Portugal
é, na Europa, uma das regiões em que o valor
do arrendamento mais aumentou desde 2015.
40% dos agregados habitacionais pagam rendas
entre €650 e €1 000 por mês. Cenário agravado
pelo facto de termos um dos mais baixos par-
ques públicos de habitação da Europa: apenas
2% do total, longe dos 5% que o Governo traçou
como meta para final desta legislatura e ainda
mais longe dos 8% da média europeia.
pagamento dos juros de crédito à habitação
das famílias com taxas de esforço elevadas e a
limitação das rendas para novos contratos, por
exemplo. Mas, no curto prazo, o pacote tem
mais de foguetório e de intenções do que de
medidas com efeito rápido na vida das pessoas.
E levanta inúmeras questões de princípio que
não são despiciendas.
Primeiro problema: há Estado a mais neste
plano (é senhorio, fiador, credor, intermediário,
cobrador, construtor), coisa que, imagine-se,
até Mariana Mortágua sublinhou. E muitas
destas medidas são de aplicação complexa e
exigem uma máquina pública eficiente, para
identificar, avaliar, processar e despachar as
situações previstas, com agilidade e sem fa-
vorecimentos, além de uma boa articulação
Tudo isto são tendências que já se agravam há entre as autarquias e as instituições nacionais.
vários anos: não só o mercado sozinho não se Com o histórico que conhecemos, tudo coisas
ajustou, nem se autorregulou, como a situação difíceis de acreditar...
se tem deteriorado. A oferta continuou baixa Segundo problema: há ideias questionáveis, que
(nos últimos cinco anos, por cada dez casas abrem ruturas profundas na sociedade portu-
vendidas construiu-se apenas uma), e a procu- guesa. A polémica medida do arrendamento
ra alta nas grandes cidades (com a ajuda extra coercivo das casas devolutas é o exemplo mais
dos alojamentos locais, vistos Gold e nómadas flagrante. Levanta questões de constitucionali-
digitais). Tudo isto se traduz num esforço sig- dade, e a doutrina divide-se nas respostas, mui-
nificativo para as famílias – e não apenas as to conforme a sua orientação ideológica de base:
M A FA L D A A N J O S *
mais carenciadas –, agravado pela inflação e o há quem sublinhe que a lei já prevê situações
aumento das taxas de juro, que contribuíram em que o direito de propriedade cede perante
para o desbaste das suas economias (taxa de o fim social da habitação, ou do interesse co-
poupança em mínimos históricos). letivo em certas situações, e há quem veja uma
Perante este cenário, é evidente que ao Gover- intromissão desproporcional e abusiva num
no cabia agir. É o clássico caso de uma falha dos mais estruturantes direitos fundamentais
de mercado em que uma intervenção estatal é (ver Frente a frente, pág. 66).
justificada – falha, aliás, que não é só nossa e Para mim, a maior dúvida é, além de consti-
que levou muitos outros países a fazer o mes- tucional, sobretudo de ordem política. É uma
mo, perante problemas semelhantes. A questão incongruência gritante ver um Estado – que
é que o mercado é intrincado e não se presta desvalorizou o problema, deixou crescer o
a soluções fáceis, indolores e muito menos de monstro, não construiu parque público durante
efeito imediato. E quando existem dois direitos anos e nem sequer sabe que propriedades tem
em conflito, que têm de ser articulados – o da a seu cargo ou consegue fazer o devido uso das
propriedade privada e o da habitação, ambos muitas centenas de imóveis que tutela – vir
consagrados na Constituição –, estamos tam- tentar colmatar, agora, a situação com recurso a
bém perante um clássico terreno fértil para bens dos privados. Se não consegue gerir o seu
profundo confronto ideológico. património, como vamos acreditar que gerirá
O programa apresentado por António Costa e melhor o alheio? Mais: esta medida tem uma
pelos ministros da Habitação e das Finanças, carga intrusiva que atenta contra a confiança no
que estará por um mês em consulta pública, Estado e que deixa marcas aos agentes priva-
tem pelo menos a benesse de querer ir à pro- dos. De aplicação dificílima, é sobretudo uma
cura de respostas para os problemas concretos, hostilização infrutífera e um erro estratégico:
*Diretora com um pacote de medidas abrangentes. Há dá argumentos para a polarização, divide mais
[email protected] soluções interessantes e imediatas: o apoio ao do que resolve. Vale a pena insistir nisto?

15 620
NÚMERO
Vistos Gold atribuídos no País a nacionais das 30
jurisdições com maior risco de branqueamento de capitais
Desde 2012, mais de 29 mil pessoas obtiveram autorização de residência
em Portugal ao abrigo dos Vistos Gold. Como divulgou o Público,
grande parte provinha de países de risco, como China, Vietname,
Paquistão e Camboja.
REDES
IGREJA CATÓLICA
Zuckerberg
O silêncio dos pouco copia Musk
inocentes Depois de o Twitter ter lançado o
Depois do anúncio das conclusões do relatório
serviço pago de verificação de con-
sobre os abusos sexuais na Igreja Católica,
tas, desvirtuando o conceito original
entre os fiéis há dor, consternação e até de relevância na atribuição do selo
vigílias de oração, marcadas para “mostrar azul, o Facebook e o Instagram co-
vergonha e pedir perdão”. Mas, no essencial, municaram que iriam fazer o mesmo.
não existiram desenvolvimentos significativos A casa-mãe Meta, detida por Mark
após as revelações-choque. Há mais de 100 Zuckerberg, anunciou que está a
membros da Igreja, incluindo padres, que ainda preparar um pacote semelhante
se encontram no ativo e cujos crimes terão para as duas redes sociais, que vai
prescrito, e há bispos que não quiseram saber. custar cerca de €11 por mês. Come-
“Temos imensos casos em que o bispo não ligou çará a ser implementado na Austrá-
nenhuma”, disse Daniel Sampaio, membro da lia e na Nova Zelândia, e só depois
comissão independente, à VISÃO. Acabar com de testado é que se expandirá a
este clima de ocultação, com o silêncio cúmplice outros países. Uma forma de contor-
e com o encobrimento é fulcral para a instituição nar a queda acentuada no número
reconquistar a confiança dos portugueses. de utilizadores e de receitas.
FRASE
“Espero
que dê aos
mais novos
PARTIDOS
De nome
algumas de imposto
a líder do Bloco?
ideias!” Mariana Mortágua vai candida-
DAVID HOCKNEY tar-se à sucessão do Bloco de
Aos 85 anos, o pintor Esquerda, que irá a votos no fim
continua em grande de maio. Tem vantagens e desvan-
GUERRA tagens: é combativa, sobejamen-
forma e acaba de
te conhecida dos portugueses,
Eu sou um ucraniano inaugurar um dos
seus projetos mais possui competências económicas
“Histórica. Oportuna. Corajosa.” É assim que o ambiciosos: uma grande e políticas, reconhecidas desde a
Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky clas- exposição imersiva. São comissão de inquérito ao BES, em
cerca de 250 obras que se notabilizou publicamente, e
sificou a visita-surpresa de Joe Biden a Kiev,
de Hockney – umas tem capacidade de criar polariza-
nas vésperas em que se assinala um ano do
conhecidas, outras feitas ção – há quem a ame e há quem
início da guerra. Foi a primeira vez que o Presi-
especialmente para esta a deteste (vejam-se as reações ao
dente norte-americano se deslocou ao país, um famoso “imposto Mortágua”), o que,
ato simbólico que mostra o compromisso dos exposição tecnológica
–, abrangendo a sua neste momento, pode ser bom para
Estados Unidos da América com a luta contra a o partido. Mas, por outro lado, fal-
Rússia – e que faz lembrar a ida de Kennedy a carreira excecional com
mais de seis décadas. tam-lhe empatia e jeito para a rua,
Berlim, em plena Guerra Fria, em 1963, quando características que Catarina Martins
pronunciou a célebre frase “ich bin ein Berli- tinha. O desafio é recuperar o
ner”. Durante a visita de Biden, foi anunciado terreno perdido pelo BE nas últimas
um novo pacote de apoio à Ucrânia no valor de legislativas, depois do trauma da
€470 milhões. Geringonça.

R ---------- H O LO FOT E
Carlos Cortes
O novo bastonário dos médicos
Modernizar Sob
Promete Patologista clínico investigação
mudanças na Carlos Cortes
Ordem dos de Coimbra deixa tem um inqué-
Médicos a partir presidência da Secção rito aberto no
de 14 de março Departamento
(quando toma Regional do Centro da de Investigação
Eleição
posse), com uma Ordem dos Médicos e Ação Penal
Medicina
forte aposta na (DIAP) de Lisboa
Foi uma corrida desburocratização e assume o lugar de por alegadamen- Nasceu em Lisboa,
renhida e pouco e na bastonário. Foi eleito te ter assinado há 53 anos, mas
participada (ape- modernização quatro contratos trocou a capital
nas um terço dos dos serviços. com 57% dos votos irregulares com por Coimbra
médicos inscritos Quer ainda criar a empresa First quando optou
— P O R R I TA R ATO N U N E S
votou) e, no final, a Academia Five Consulting, pela Medicina.
57% escolheram OM, um centro durante o tempo Depois de ter
a prata da casa. de formação em que esteve à cumprido o
Carlos Cortes para médicos, frente da Secção serviço militar
– que sucede a e reforçar o Regional do Cen- nos Açores,
Miguel Guimarães Gabinete Nacional tro. Segundo o especializou-se,
no cargo desde de Apoio ao semanário Expres- em 2006, em
2017 – foi eleito, Médico. Até 2025, so – que revelou Patologia Clínica
na semana pas- a sua atenção está esta informação e escolheu a
sada, bastonário virada para ser há um mês –, os Microbiologia
dos médicos, mas “um bastonário contratos, cele- Médica como
já integrava o or- de proximidade e brados por ajuste subespecialidade.
ganismo. Presidia de intervenção” e direto entre 2020 Exerceu sempre
a Secção Regional “um provedor do e 2021, envolvem atividade no SNS
do Centro desde doente”. a prestação de e hoje é diretor
2014, o colégio de serviços de asses- do Serviço de
subespecialidade soria no valor de Patologia Clínica
de Microbiologia €332 mil. do Centro
Médica e é mem- Hospitalar do
bro do Conselho Médio Tejo (que
Nacional. No Cen- inclui as unidades
tro, criou um gabi- de Abrantes,
nete de apoio aos Tomar e Torres
especialistas com Novas), onde
burnoutt ou vítimas trabalha desde
de violência física 2011.
e psicológica.

R ---------- R A I O -X
Petrolíferas somam e seguem

O mundo sofre uma crise energética e um aumento do preço
dos combustíveis, mas as Big Oil registam os maiores lucros de sempre
— POR MANUEL BARROS MOURA
Todas as Big Oil, como são conhecidas as principais

companhias petrolíferas mundiais, têm registado, neste
início de ano, resultados extraordinários. A ExxonMobil,
por exemplo, reportou, em 2022, o maior lucro de sempre 881
de uma petrolífera ocidental. A Shell anunciou os maiores
*
457
S
ganhos em 115 anos de história da empresa, enquanto
E EURO
a Chevron, a TotalEnergies e a BP estabeleceram também
novos recordes. Por surgir na sequência do aumento
dos preços dos combustíveis, em virtude da guerra Galp
ES D
na Ucrânia, esta escalada nos ganhos das petrolíferas
HÕ
tem obrigado as autoridades políticas, nomeadamente
IL
nos EUA e na UE, a responder com a imposição de taxas M
sobre estes lucros extraordinários EM
LUCROS RECORDE PORTUGAL SEGUE A ONDA

VALORES EM MILHARES DE MILHÕES DE EUROS* No caso da Galp, apesar de os valores serem
bastante menos impressionantes, os lucros
também quase que duplicaram de 2021 para 2022
55,3
37,3 34,1 33,9
25,9
21,5 18,1 14,6 16,9
12
2021 2022
FONTE Energy Monitor

*Valores reportados pelas empresas nos seus relatórios de contas
PREÇOS EM ALTA
“Esta ganância grotesca está
VALORES EM DÓLARES POR BARRIL 16 fev 2023 a punir as pessoas mais pobres
DE CRUDE (BRENT)
84,643 e vulneráveis, enquanto destrói
120 a nossa única casa”
RÚSSIA CONCENTRA
TROPAS NA FRONTEIRA ANTÓNIO GUTERRES
COM A UCRÂNIA
4 jan 2016
37,088 Já em agosto de 2022, quando os lucros
combinados das Big Oil ultrapassavam
os 100 mil milhões de dólares, o secretário-geral
40 das Nações Unidas considerava “imoral”
INÍCIO DA PANDEMIA TROPAS RUSSAS as empresas de petróleo e de gás estarem,
(COVID-19) INVADEM A UCRÂNIA durante uma crise energética, com resultados
0 financeiros recorde e exortava todos os governos
a tributar os respetivos “lucros extraordinários”
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
FONTE Trading Economics RL/AR

POLITICAMENTE
CORRETO
A “Cosa” deles
N
ão sei o que me revolve mais Não duvido nem por um instante de que
as entranhas: se as declarações a maioria dos servidores da Igreja se sente
muito arrependidas e muito pias enojada quando ouve os relatos de abusos,
Pedro e santas da hierarquia da Igreja mas também não tenho a mais pequena dú-
Marques Católica, sabendo nós que esta
protegeu ativamente abusadores e, no fundo,
vida de que preferiu que estes permaneces-
sem escondidos.
Lopes promoveu crimes hediondos, se os elogios Mais do que a natureza endémica dos
de muitos, nomeadamente de altas figuras do abusos dentro da Igreja, mais do que as
Estado, por a mesma Igreja ter decidido levar consequências perversas da sua fobia sexual,
a cabo a investigação sobre abusos sexuais. e de esta ter sido um ótimo porto de acolhi-
Começo pelos elogios. Soam a assobio mento para a impunidade de abusadores, fica
para o lado, a um “vamos ver se ninguém mais uma vez evidente o que a Igreja pensa
percebe que fomos cúmplices, durante ge- sobre ela própria: que não tem de dar contas
rações e gerações, destes e de outros crimes de nada a ninguém – o que é normal numa
praticados pela Igreja”. É verdade que alguns instituição cuja razão de existir é representar
abusos sexuais a menores não tinham a san- Deus na terra.
ção social que, nas últimas décadas, passaram Todas as intromissões de leis humanas
a ter. Mas não só o Estado não quis olhar para ou, melhor, feitas fora da Igreja mas que lhe
— Analista político
o que se passava na Igreja, quando já eram possam dizer respeito (no limite, todas) serão
crimes muito penalizados socialmente (e sempre vistas como intromissões insuportá-
alguns sempre o foram e as autoridades olha- veis. Ontem, agora e sempre.
vam para o lado), como também foi o mesmo Tudo o que foi revelado foi contra a vonta-
Estado que optou por deixar a Igreja viver de da Igreja. Todos os privilégios e alcavalas
sob as próprias regras, desprezando o poder que lhe foram retirados, foram-lhe retira-
político (democrático ou não). dos à força, não foi por finalmente a Igre-
Se toda a gente suspeitava do que se pas- ja aceder ao sempre ignorado e mentiroso
sava, por que diabo não temos conhecimento brocado sobre Deus e César. Toda a influên-
de investigações das polícias e do Ministério cia sobre a vida das pessoas e comunidades,
Público? que resultava em leis (direitos das mulheres,
As relações de muitos séculos entre Igreja dos homossexuais, da moral sexual, aborto,
e Estado foram o que foram, e não sou his- divórcio, etc.) que tinha, só com muita luta
toriador nem tenho a ousadia de fazer um lhe foi tirada. Não foi reflexão interna, ou o
balanço que me diga se beneficiaram ou se súbito ataque de humanidade ou uma melhor
prejudicaram mais os homens, as mulheres leitura dos livros sagrados, o que fez com que
ou a comunidade. Sei que somos todos filhos a Igreja andasse com esta cruz às costas, foi a
dos valores que a Igreja nos inculcou e que coragem dos abusados, a decência de ativis-
a nossa comunidade é também fruto dessa tas, a força de alguns Estados.
relação. O arrependimento da Igreja e, sobretudo,
Também não ignoro que as revoluções são a vontade de mudar estão bem expressos nas
momentos, mas as mentalidades, os hábitos, concordatas assinadas já no tempo do Papa
as relações fáticas de poder permaneceram Francisco. Através de um trabalho de inves-
inalteradas durante muito tempo. Portan- tigação da Fernanda Câncio, no DN, ficámos
O suposto ar- to, sei que a efetiva rutura, que o 25 de Abril a saber que nelas está claramente exibida a
provocou entre Estado e Igreja, só há relati- vontade de ocultar os crimes nos países onde
rependimento vamente pouco tempo começou a produzir estes ainda não foram expostos.
da Igreja é de efeitos relevantes, mas, então, por que razão A Igreja tem um lugar ímpar na História
uma hipocri- o Estado continuou a proteger a Igreja? A
conceder-lhe privilégios incompreensíveis
da nossa civilização; queiramos ou não, cren-
tes e não crentes, somos todos, em alguma
sia sem fim. num Estado laico? medida, filhos dela. Continua solidamente
Afinal, ela O suposto arrependimento da Igreja é de instalada no nosso meio por razões bem hu-
uma hipocrisia sem fim. Afinal, ela quer o manas (ensino, saúde), embora a sua influên-
quer o quê? quê? Que acreditemos que tem mesmo muita cia espiritual tenha vindo a diluir-se como
Que acredite- pena por aquilo que aconteceu? Quer que nunca.
mos que tem acreditemos que aqueles bispos e padres não
sabiam o que se passava? Quantos daqueles
O que julgo saber é que as instituições
duram enquanto as pessoas confiarem nelas
mesmo muita não encobriram os colegas? Se não todos, e que recuperar a confiança na Igreja exigirá
pena por com certeza muitos. Era e é a cultura da ins- um milagre nunca registado nem nos livros
tituição, era e é suposto esconder tudo. sagrados. Tudo acaba, e dois mil anos são
aquilo que O ar triste e sério da hierarquia não é de menos de um segundo na História do mun-
aconteceu? arrependimento, é de derrota. do. [email protected]

R ---------- P E R I SCÓ P I O
Habitação: bem me quer, mal me quer

As medidas anunciadas pelo Governo vistas por duas perspetivas:
um autarca do PSD e outro do PS. Quem desempata?
“Não podemos “Encaro estas

[os autarcas] admitir medidas com muita
que se entre na gestão naturalidade. (...)
do nosso território sem são muito corretas
nos consultar. Pensamos e muito justas”
que isso é muito grave” EDUARDO VÍTOR
CARLOS MOEDAS RODRIGUES
Presidente da Câmara Presidente da Câmara
Municipal de Lisboa Municipal de Gaia
e da Área Metropolitana
do Porto
INDISCRETOS 15 MINUTOS DE FAMA
Arrendar casas devolutas? Quem não

Está bem, abelha... reconhece?
A imaginação “tuga” não tem limites.
No momento em que Costa anunciava O PCP não gostou que
as medidas para tentar resolver os Marcelo tenha decidido
problemas da Habitação, já corriam, condecorar o seu homólogo
nalgumas redes sociais, certos truques ucraniano, Volodymyr
para contornar as supostas novas Zelensky, com o Grande Colar
regras. E fica-se a saber como fugir O careto improvável... da Ordem da Liberdade,
ao arrendamento forçado de habitações Marcelo Rebelo de Sousa só era esperado numa próxima deslocação a
devolutas. Um proprietário só precisa em Podence, concelho de Macedo de Kiev. Vai daí, os comunistas
de encontrar alguém na mesma Cavaleiros, durante a tarde de sexta- recorrem a termos fortes:
situação, podendo arrendar, um feira, para o início do tradicional “Entrudo “Zelensky reconhecidamente
ao outro, os respetivos imóveis – Chocalheiro” e inauguração de um mural personifica um poder
continuando a casa desocupada. (na foto) com o seu rosto e em sua xenófobo, belicista e
Problema: e o Estado não vai homenagem. Mas irrompeu, de surpresa, pela antidemocrático, rodeado
arrecadar o devido imposto? Resposta: aldeia transmontana, logo na quinta-feira à e sustentado por forças
“Arrendamos por cinco euros”... noite, tendo antes jantado na Taberna dos de cariz fascista e nazi.” O
Bombeiros, em Macedo, quando, no local, sublinhado é nosso. De facto,
Paulo Raimundo e Putin
Próstata de Costa ainda se preparava a festa. Passeou, tirou
estão de acordo, e tanto
selfies, petiscou do fumeiro e provou da
em forma pinga local. E logo se comentou, nas tabernas, no Kremlin como na Soeiro
Foram quase três horas no palanque, que ninguém ficaria surpreendido se, no Pereira Gomes, Zelensky é
a anunciar as novas medidas para Domingo Gordo, o Presidente aparecesse, “reconhecido” como tal...
o setor da Habitação, ao lado do disfarçado, sob as vestes de careto e uma
ministro das Finanças, Fernando máscara tradicional...
Medida, e da ministra da Habitação,
Marina Gonçalves. António Costa,
duramente treinado por dois anos Martelo, a arma política
a anunciar, de pé, as regras para Primeiro, foi o deputado da IL Carlos
combater a Covid-19, nem por uma vez Guimarães Pinto a comentar o símbolo do
se retirou... para ir à casa de banho! PCP: “Os comunistas usam sempre o martelo
Numa sumária investigação, da proibição [e a democracia foice]!” Depois,
o Periscópio apurou que, nestes dias, foi Rui Tavares a queixar-se, no Twitter, de que
o primeiro-ministro evita líquidos antes, uma proposta do Livre foi obliterada “pelo
e só beberrica da garrafa de água martelo pneumático da maioria absoluta”.
disponível no palanque... O martelo é uma arma? — F.L.

19
---------- P R ÓX I M O S CA P Í T U LO S
Eleições
na Nigéria
O grande teste
à maior democracia
de África
— P O R R U I TAVA R E S G U E D E S
O
país mais populo- O retrato económico
so de África, com do país, que enfrenta a sua
a maior economia segunda recessão em ape-
do continente e nas cinco anos, também é
um dos maiores produtores preocupante, como escreve
de petróleo do planeta, vai Ian Bremmer, na Time, a
a eleições, a 25 de feverei- sublinhar o estado frágil em
ro, para escolher um novo que vive a população: “A in-
Presidente. O desfecho dessa flação atingiu 21,5% no final
votação, que pode ser ganha de 2022. A taxa de desem- eleitores escolheram líderes
por um candidato externo prego é de 33% no geral, e de que enfraquecem as insti-
aos partidos que exerceram 42,5% entre os jovens. Cerca tuições democráticas, como
o poder nas últimas déca- de 40% da população vive na Tunísia, enquanto países
das, não será só decisivo abaixo da linha de pobreza, como a Guiné, Mali e Burki-
para os mais de 220 milhões segundo o Banco Mundial, na Faso tiveram mudanças
de nigerianos, que vivem e muitos nigerianos têm inconstitucionais de governo.
tempos difíceis e explosi- falta de acesso à educação As eleições da Nigéria vão
vos, marcados por muita e a infraestruturas básicas, ser observadas de perto, não
insegurança, alta inflação e como eletricidade, seguran- apenas pelos seus vizinhos e
uma grave crise económica. ça, água potável e sanea- grupos de observadores in-
Aquilo que se passar no “Gi- mento.” É neste cenário que, ternacionais mas por aqueles
gante de África”, como o país como escreve Nick Westcott, que ficariam felizes em ver
é conhecido, acabará por ter diretor da Royal African So- a democracia recuar ainda
consequências para o resto ciety, na African Arguments, mais.”
do continente e também as eleições nigerianas terão
para o mundo. São mui- uma importância global: TENSÃO E COMPLEXIDADE
tos os riscos e as incertezas “Serão vistas como um sinal No mínimo, haverá mui-
que rodeiam esta eleição na de que a democracia está a Há três candidatos tos motivos para a tensão
maior democracia de África: avançar ou a recuar. Como a crescer nos próximos dias,
há rumores de um golpe maior democracia de África, com hipóteses tendo em conta o gigantis-
de Estado em preparação, com cerca de 93 milhões de reais entre os mo do país, a sua escassa
muitas informações falsas a
serem difundidas nas redes
potenciais votantes – mesmo
que a taxa de participação
18 concorrentes. experiência democrática e,
finalmente, a complexidade
sociais, diversos relatos de tenha sido, até agora, bem Como o vencedor da votação. Apesar de apenas
violência contra as campa- abaixo de 50% –, a Nigé- precisa de ter mais três candidatos terem hipó-
nhas dos candidatos e ainda ria será encarada como um teses reais de ganhar, os bo-
uma enorme insegurança termómetro para o mundo de 50% e ganhar letins de voto têm 18 nomes
devido às ameaças do gru- em geral.” E explica porquê: em dois terços inscritos. E o vencedor, para
po terrorista Boko Haram,
muito ativo no Norte da
“A democracia tem esta-
do sob ameaça nos últimos
dos 36 estados ser declarado, precisa de ter
mais de 50% dos votos, mas
Nigéria, onde, nos últimos anos. Nos EUA e no Reino da Nigéria, tudo também ganhar em dois
13 anos, já matou mais de Unido, os líderes populistas aponta para uma terços dos 36 estados da
40 mil pessoas e provocou tentaram minar as insti- Nigéria – o que indica que
cerca de 2,2 milhões de des- tuições e desafiar o Estado segunda volta, uma segunda volta será mais
locados. de direito. Em África, os inédita desde 1999 do que provável, embora

Campanha Todos os lugares
são bons para apelar ao voto,
nem que seja um barco na lagoa
da capital, Lagos, com cartazes
do candidato Bola Tinubu
reflexos nas preferências dos

eleitores”, escreve a Deuts-
che Welle, preocupada com
a crescente onda de fake
news, disseminada nas redes
sociais, destinadas a lançar DEMOCRACIA
suspeitas sobre os candi- EM NÚMEROS
datos e o próprio processo
eleitoral. No “Gigante de África”,
Neste contexto, a incer- as eleições exigem uma
teza sobre o resultado das gigantesca mobilização
eleições e, acima de tudo, de meios e de pessoas
sobre o dia seguinte é o que
mais preocupa os analistas. 93,5 milhões
É o caso da investigadora É o maior número de eleitores
nigeriana, radicada na Suí- inscritos de sempre, que
ça, Medinat Malefakis, que vão ser chamados a eleger
sublinha a necessidade de o o Presidente a 25 de fevereiro
resto do mundo seguir com e, duas semanas depois,
atenção o que vai acontecer, a 11 de março, os membros
nos próximos dias, no seu do Parlamento e do Senado.
país: “A Nigéria não é só o Há 18 partidos inscritos, cada
país mais populoso de Áfri- um a apresentar também
ca, é também o sétimo mais um candidato presidencial.
populoso do mundo – e as
projeções dizem que ultra- 10,4 milhões
passará os EUA pouco antes De novos votantes, face
inédita desde 1999. Segun- À partida, o seu prin- de 2050. O mundo não pode às eleições de 2019, o que
do todos os analistas, as cipal opositor seria, ainda ignorar o que está a aconte- é um excelente indicador
eleições vão decidir-se entre para o The New York Times, cer na Nigéria, que tem até sobre o crescimento
três candidatos e… uma “o ex-vice-presidente e a maior economia de África, demográfico do país, com
ausência. “Embora o atual empresário multimilioná- um PIB nominal de mais de 221 milhões de habitantes.
Presidente, Muhammadu rio Atiku Abubakar, de 76 500 mil milhões de dóla- Cerca de 84% dos eleitores
Buhari, não seja candidato, anos, candidato do Partido res e uma economia ainda têm menos de 34 anos.
as eleições tornaram-se um Democrático do Povo, que já a crescer. Para os parceiros
referendo ao seu desem- concorreu cinco vezes à pre- comerciais, nomeadamente 176 606
penho”, lê-se na Inkstick. sidência, desde 1993. Muçul- os EUA, a Índia e o Reino É o número de mesas de
“Em 2015, Buhari chegou ao mano do Norte, ele espera Unido, as coisas que podem voto, onde serão contados
poder, após três tentativas obter muito mais votos lá causar instabilidade na Nigé- os boletins e apurados
fracassadas, com o mandato do que no passado, agora ria, como as eleições, devem os vencedores, entre 18
de acabar com a corrupção, que não precisa de con- ser consideradas relevantes.” candidatos à presidência,
fazer crescer a economia correr contra o seu antigo “Mais de 17 milhões de 1 101 candidatos ao Senado
e lidar com a insegurança. adversário, Buhari, que tinha nigerianos estão espalha- e 3 122 ao Parlamento.
Oito anos depois, muitos seguidores fervorosos na re- dos em diferentes partes
acreditam que a Nigéria gião.” Depois, “entre os dois do mundo. O que ocorre na 1 642 386
está pior.” Buhari diz apoiar grandes favoritos”, segundo Nigéria deve ser importante É o total de pessoas que vão
aquele que, há uns meses, o Jornal de Angola, está o para todos os países onde estar nas mesas de voto, o que
parecia ser o favorito, como candidato do Partido Traba- eles vivam”, sublinha, numa inclui mais de meio milhão de
escreve o The New York lhista, Peter Obi, de 61 anos, entrevista à Swissinfo. Na agentes de segurança. Para a
Times: “Bola Ahmed Tinubu, que tem conseguido reunir African Arguments, Nick operação, serão utilizados mais
70 anos, que, como candida- o apoio dos eleitores mais Westcott acrescenta um de 100 mil automóveis e cerca
to do Congresso de Todos os jovens, graças à mensagem argumento poderoso: “Uma de 4 200 barcos.
Progressistas no poder, tem de que ele “é diferente dos Nigéria democrática, resi-
uma forte máquina polí- seus rivais da velha guarda e liente, próspera e ativa pode 2% do PIB
tica a apoiá-lo. Um astuto quer trazer mudanças reais liderar o continente. Uma É o custo total das eleições
e multimilionário ex-go- para a Nigéria”. Nigéria caótica vai baralhar democráticas na Nigéria.
vernador de Lagos, a maior A verdade, no entanto, é toda a África.” É por isso que Ou seja: cerca de oito mil
cidade da Nigéria, Tinubu é que, na Nigéria, as eleições o mundo precisa de olhar, milhões de euros, o que inclui
um muçulmano do Sudoeste não se resumem apenas à de perto, para o que vai os gastos em campanha
e vangloria-se de ter levado avaliação política dos can- acontecer nas eleições de 25 eleitoral e os 24 dólares pagos
Buhari ao poder, o que o didatos. “A religião, a etnia de fevereiro – e na mais do aos 1,6 milhões de funcionários
afasta de muitos eleitores e a origem desempenham que provável segunda volta. nas mesas de voto.
jovens.” um papel importante e têm [email protected]

P O N TO S
Novos tempos?
CA R D E A I S
U
Bernardo m dos efeitos indiretos da entre Londres e Bruxelas, que não tinha
Pires guerra na Ucrânia tem sido
permitir ao Reino Unido e às
qualquer acomodação política e jurídica ao
independentismo unilateral escocês, cuja
de Lima restantes capitais europeias um expetativa seria sempre pedir a adesão à
novo tempo para se reencon- UE. Significa isso que a unidade do Reino
trarem. Londres tem sido impecável no Unido, via Belfast e Edimburgo, é do inte-
apoio militar, político e financeiro a Kiev, resse da União, contributos que Sunak vê
como notou Rishi Sunak há dias em Muni- como vantajosos em negociação, qualquer
que, o que fez coincidir agendas com Esta- que seja o seu âmbito.
dos-membros e com as instituições euro- Este é também um tempo em que a di-
peias. Esse compromisso britânico tem sido plomacia presencial recuperou o ritmo pré-
ainda importante para motivar os países da -pandémico. O mais correto será dizer que
UE a trabalharem em dois planos com- os contactos, as viagens e os apertos de mão
plementares: por um lado, acompanhan- de oportunidade ganharam um ritmo ainda
do a parada britânica no apoio existencial mais intenso, provando a falência da diplo-
— Analista de política
à Ucrânia; por outro, procurando novos macia por zoom que muitos diziam ser o
internacional
termos na relação bilateral que preservem seu futuro, e a necessidade de cercar diplo-
a cooperação estreita anterior ao Brexit ou maticamente um agressor como a Rússia,
NORTE reinventem os seus termos para o futuro. mostrando-se assim o mérito da progres-
A demissão da PM esco- Portugal é um dos mais interessados nesta siva exclusão de Moscovo. É também neste
cesa reflete o impasse do dupla frente e precisa de promover essa contexto de diplomacia presencial ritmada
seu projeto político, após ligação à medida que a continentalização da que a relação entre Londres e Bruxelas me-
decisão judicial contra política europeia se concentra a leste. lhora. Esta leitura pode parecer superficial,
novo referendo, o veto de
Este novo tempo entre Londres e Bruxe- mas não é: estou plenamente convenci-
Westminster a legislação
las acaba por coincidir com duas dinâmi- do de que nada substitui a relação pessoal
de Edimburgo, e sonda-
gens onde o independen-
cas também elas simultâneas no tempo. A que se estabelece entre decisores políticos,
tismo não descola. primeira está relacionada com a fragilidade sobretudo quando têm em mãos assuntos
política do protocolo da Irlanda do Norte, como a paz e a guerra, que exigem níveis de
SUL negociado no quadro da saída formal do confiança não produzidos por uma video-
A África do Sul acolhe Reino Unido da UE. Londres procurou de- conferência. Neste sentido, estar na Con-
exercícios militares navais nunciá-lo desde cedo, de forma unilateral, ferência de Segurança de Munique passou
com a Rússia e a China, um contributo inestimável para a descon- a ser imprescindível: pelo momento que a
num momento em que os fiança que já existia com Bruxelas, dando Europa vive e que a relação sino-americana
países da África Austral assim um passo rumo à desconstrução da atravessa. Estavam, por isso, todos fechados
declararam o “não alinha- arquitetura de paz com Belfast, cuja ins- num hotel durante três dias: presidentes,
mento” sobre conflitos fora tabilidade política acelerou com o risco da chefes de governo, ministros, diplomatas,
da região. Só que o timing fronteira física com a Irlanda. Rishi Sunak chefes militares, líderes de grandes organi-
é tudo em política.
tem pelo menos tentado negociar o pro- zações internacionais, académicos e jorna-
ESTE tocolo com a Comissão, aproveitando este listas. Muitas dessas comitivas de alto-nível
O Presidente do Irão tempo de maior alinhamento estratégico não vinham da Europa ou dos EUA, mas do
esteve na China, o que não que a guerra na Ucrânia abriu. Médio Oriente, de África, da Ásia e da Amé-
acontecia há vinte anos, A segunda está relacionada com o blo- rica Latina. Eles sabem o potencial deste
e Xi Jinping retribuirá em queio a que chegou o projeto político de fórum para passarem as suas mensagens
breve a gentileza. Reforça- Nicola Sturgeon na Escócia. Como ficou ao mundo mediático ocidental e, também,
ram-se acordos e jurou-se implícito ao demitir-se, era insustentável como ficam facilitadas as reuniões bilaterais
respeito pelo princípio da permanecer ao leme de um governo após que querem realizar.
integridade territorial. A derrotas judiciais com Londres sobre a le- Portugal, que habitualmente está ape-
Ucrânia que o diga. galidade de um novo referendo à indepen- nas representado pelo titular da Defesa,
OESTE dência com origem no parlamento escocês, devia apostar mais na presença em Muni-
O Brasil está de volta à e sobre legislação respeitante a direitos so- que, alargando a sua delegação. E não vale
política internacional e de- ciais cujo veto inédito de Westminster esva- argumentar que os temas estão habitual-
pois da Argentina, Uruguai ziou a autonomia de Edimburgo. Acrescem mente focados nos dilemas a leste, porque
e EUA, Lula irá a Portugal, sondagens recorrentes sem expressarem é precisamente por isso que não podemos
África do Sul, Angola, Mo- qualquer descolagem do independentismo, ficar na periferia estratégica sobre o futuro
çambique e China. Vere- muitas dando-o mesmo como derrotado. da Europa, deixando que outros pensem e
mos se conseguirá resistir Ou seja, este progressivo bloqueio ao go- decidam por nós. Para o ano veremos como
a uma ida a Moscovo. verno escocês acabou por facilitar a relação será. [email protected]

R ---------- FOTO S CO M H I STÓ R I A
GETTYIMAGE
28 DE FEVEREIRO DE 1986
Crime sem castigo

Poucos minutos faltavam para as zero horas do dia 1 de março de 1986, quando o então primeiro-minis-
tro da Suécia, Olof Palme, foi assassinado a tiro, no momento em que passava, a pé, com a sua mulher, na
esquina da Rua Sveavägen com a Tunnelgatan, em pleno centro de Estocolmo. Ao fim de um mês, Hans
Holmér, que era o chefe da investigação, mostrava, em conferência de imprensa, dois revólveres Smith &
Wesson 357 Magnum que teriam sido usados no crime. Na altura, foi acusado e condenado a prisão per-
pétua o cidadão Chris Petterson, um alcoólico e toxicodependente, mas o homem viria a ser libertado e
ilibado por falta de provas. Só em 10 de junho de 2020, a polícia sueca anunciou a conclusão do caso, afir-
mando que o assassino terá sido Stig Egstrom, um designer gráfico. Mesmo não conseguindo determinar
o motivo que o terá levado a cometer o crime, a polícia considerou que Egstrom tinha conhecimento do
manuseamento de armas por ter sido militar, era opositor da política de Olof Palme e tinha problemas de
alcoolismo. Além disso, a revisão dos seus depoimentos, dados na altura do crime, revelavam incoerên-
cias. E assim se terá desvendado um crime… sem castigo, já que o alegado homicida se suicidou em 2000.
— POR MANUEL BARROS MOURA

R ---------- T R A N S I ÇÕ ES
MORTES
Raquel Welch
Os seus pais chamaram-lhe,
a 5 de setembro de 1940,
Jo Raquel Tejada. Nasceu em
Chicago, mas era parente
de Lidia Gueiler Tejada,
ex-presidente da Bolívia.
Cresceu e acabaria por ser
tornar a morena curvilínea
que o mundo conheceu e
aplaudiu como Raquel Welch,
atriz, considerada o maior
símbolo sexual dos anos 60
e a “mulher mais desejada”
na década seguinte. Mais
do que apenas um ícone
de beleza, ao longo da
carreira, contracenou com
Marcello Mastroianni, Frank
Sinatra ou Burt Reynolds,
fez teatro na Broadway e
atuou em vários programas
televisivos. Entre tantos
outros filmes, ficou conhecida
pelas participações em
Viagem Fantástica (1966), de
Richard Fleischer, Quando
o Mundo Nasceu (1966),
de Don Chaffey, ou Os Três 1934 –2023
Mosqueteiros (1973), de
Richard Lester, que lhe valeu
um Globo de Ouro. Morreu na
João Salgueiro
quarta-feira, 15, com 82 anos.
Um dos últimos senadores
Trindade Guedes
O jornalista, de 85 anos,
Foi uma das figuras marcantes da vida polí- a dedicar-se a tarefas executivas em 1981,
morreu no domingo, 19, vítima
de doença prolongada.
tica, económica e cívica do País. Como tan- enquanto ministro de Estado, das Finanças
Dedicado mais de 30 anos tos outros da sua geração, fez a transição da e do Plano do VIII Governo Constitucio-
à Rádio Renascença, onde ditadura para o regime democrático nascido nal, de Francisco Pinto Balsemão. Em 1985,
se distinguiu no desporto, após o 25 de Abril e manteve uma atividade a sua vida (e a de Portugal, eventualmente)
nomeadamente na cobertura intensa até ao fim da vida, que chegou na poderia ter tomado um rumo totalmente
de eventos futebolísticos, última sexta-feira, aos 88 anos. João Mau- diverso, quando concorreu à liderança do
sendo um dos jornalistas rício Fernandes Salgueiro nasceu em Braga, Partido Social-Democrata, acabando por
que realizavam o conhecido a 4 de setembro de 1934, e licenciou-se perder o famoso Congresso da Figueira da
programa Bola Branca. em Economia, pelo Instituto Superior de Foz para Aníbal Cavaco Silva, por uma dife-
Ciências Económicas e Financeiras, da Uni- rença de apenas 57 votos.
versidade Técnica de Lisboa (atual ISEG). Ao longo da carreira, João Salgueiro tam-
Duangpetch Presidiu à Juventude Católica Portuguesa e bém exerceu funções docentes ligadas à
Promthep participou na fundação da SEDES, em 1970, Economia e à Gestão Bancária. Ocupou
Era o capitão da equipa tendo sido, posteriormente, presidente da diversos cargos na banca, tendo sido pre-
de jovens futebolistas que assembleia-geral desta associação cívica. sidente do conselho de administração do
foram resgatados de uma Em 1969, foi nomeado subsecretário de Es- Banco Nacional Ultramarino e da Caixa
gruta na Tailândia, em 2018. tado do Planeamento no governo liderado Geral de Depósitos. Assumiu a presidência
Atualmente com 17 anos, era por Marcello Caetano, cargo que ocupou até da Associação Portuguesa de Bancos, após
aluno da escola de futebol 1971. Na sua nota de pesar, o Presidente da alterações aos estatutos que permitiram que
Brooke House College, em República realça o “papel particularmente o líder não fosse um banqueiro, e foi ainda
Leicester (Reino Unido), importante” que João Salgueiro teve “no vice-presidente do Conselho Económico e
em cujos dormitórios foi
planeamento económico, no nascimento Social. Em 2021, Salgueiro foi condecorado
encontrado inconsciente, na
das regiões Plano, que viriam a dar origem por Marcelo Rebelo de Sousa com a Grã-
quarta-feira, 15. A polícia não
suspeita de morte violenta.
às CCDR”, reconhecendo, porém, que essa -Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
foi uma “tentativa, falhada, de moderniza- Em 2010, Cavaco Silva já lhe tinha atribuído
ção” do Estado Novo. O economista voltaria a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. M.B.M.

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---------- N A P R I M E I R A P ES SOA
Guarda prisional
há 15 anos, Mónica
Trindade tenta
humanizar o dia
a dia de quem
perdeu a liberdade,
sem fazer juízos
e lutando por um
melhor sistema
de reabilitação
e reinserção. Para
muitas reclusas
da cadeia de Tires,
é um verdadeiro
anjo da guarda
T
enho uma tia que
conta que, des-
de pequenina, eu
dizia que queria ser
“polícia de guardar maus”.
Sempre tive curiosidade so-
bre o motivo de aquelas mu-
lheres cometerem os crimes.
Em 2008, quando entrei no
JOSÉ CARLOS CARVALHO
Estabelecimento Prisional
de Tires, ia muito assustada.
Passado aquele portão enor-
me, lá dentro, o que quer
que aconteça não é visível a
ninguém. Por isso, comecei
a dar-me a conhecer um bo-
Mónica Trindade cadinho às reclusas. Pensei:

“Qualquer dia, estou sozinha
num terceiro piso com 80
“Ali, não somos só reclusas… sem câmaras, sem

telefone, sem bastão. Na
altura, nem sequer rádios
guardas; somos quem tínhamos; era só eu e um

molho de chaves.”
Há muita falta de recur-
pega nos bebés ao sos. Nos pavilhões grandes,

com 180 mulheres, encon-
tramos muitas delas aban-
colo quando têm febre donadas, umas entregues à

sua sorte desde que nasce-
ram, outras porque foram
e as mães estão condenadas e ninguém quer

saber delas. Sem visitas, a
família não lhes leva roupa,
no isolamento” pasta de dentes ou pensos

higiénicos – essas coisas
mexeram muito comigo.

Prefiro não saber o crime de repente, vê um carro civil Quando entrei no consegue fugir. Já passei por
cometido. Tive uma senhora
de 66 anos que era pedófi-
e pessoas sem farda. Agar-
rou-se a mim, e só eu o con-
Estabelecimento uma situação em que levava
seis, uma de cada vez, para
la. Vivia com o seu segundo segui pôr na cadeirinha no Prisional de Tires, irem fazer análises ao san-
marido, que não era avô dos carro, para voltar para o seu ia muito assustada. gue. E uma delas avisou-me
seus 13 netos. Ela dizia aos país. Penso muito na história de que, dentro da carrinha,
filhos que tomava conta de- destas pessoas e acho que a Passado aquele se preparavam para fugir.
les e era para dar as crian- minha depressão, em parte, portão enorme, Temos ali mulheres pre-
ças ao marido – ela pró- também se deveu a isto. lá dentro, o que sas há 17 anos, sem curricu-
pria tinha prazer com isso, lum, e, para qualquer traba-
confessou-o. Para mim, é o “TAMBÉM ME SINTO quer que aconteça lho, vão-lhes pedir o registo
limite do pior. PRESA” não é visível a criminal. Com a folha suja,
A maior parte está presa Estive nove dias internada nem para varrer ruas as que-
por causa do tráfico de dro- só para dormir e um ano ninguém. Pensei: rem. Além disso, entraram
ga, um dinheiro muito fácil ausente, de baixa médica. “Qualquer dia, na cadeia no tempo em que
e rápido, pensam elas. Há
roubos e prostituição que
Vivo em dois mundos muito
diferentes dos das outras
estou sozinha os telemóveis eram de teclas
e saem para usar telemóveis
derivam do tráfico, com es- pessoas, porque daquele num terceiro piso que fazem videochamadas.
quemas bem montados. Há portão para dentro fico 48 com 80 reclusas… Como se adaptam?
reclusas de origem brasilei- horas, no mínimo, sem ver Quando uma mulher vai
ra, por exemplo, apanhadas as minhas filhas. sem câmaras, de precária, toda a gente se
no aeroporto, que estavam Nem elas nem nós temos sem telefone, sem preocupa para que não saia
mesmo no limite da escas-
sez.
telemóvel. E os telefones que
existem só ligam interna-
bastão. Na altura, da sua área; quando sai em
liberdade, ninguém quer
Na Casa das Mães, os mente. O meu telemóvel nem sequer rádios saber se tem para onde ir. Se
filhos até aos 3 anos podem tem as chamadas reencami- tínhamos; era eu ganhasse o Euromilhões,
ficar com elas. Custa-me nhadas para o número do arranjava uma quinta, para
muito ver aquelas crian- meu marido, e na escola da só eu e um molho ter animais e árvores de fru-
ças que não fizeram mal minha filha mais nova, com de chaves to, e ia buscar estas raparigas
nenhum e estão presas, mas 11 anos, têm indicação para e mulheres que quisessem
em 80% dos casos prefiro telefonar para o número ge- recomeçar a vida. Quan-
que estejam ali. Uma vez, ral. Tenho sempre o coração do são toxicodependentes,
depois de dar à luz, uma nas mãos, até porque tenho voltam ao único lugar que
mulher agarrou-me nas uma filha rebelde, que às ve- conhecem: a rua. Dou-lhes
mãos e disse: “Peça para eu zes desaparece, e anda meio este conselho: “Tenta não
ser condenada. Se ficar aqui, mundo à procura dela. Só voltar aos mesmos amigos,
a minha filha vai ser operada na hora de almoço posso ir aos mesmos grupos; tenta
[nascera com lábio lepori- à portaria e ver o telemóvel. fugir da tua zona.”
no], tem leite e fraldas e não Também me sinto presa. A forma de estar das reclu-
tem de começar a comer da Fiquei doente numa al- sas mais mediáticas, as dos
panela.” Graças a Deus, foi tura em que se suicidaram casos que aparecem nas
condenada. várias reclusas no espaço notícias [como Rosa Grilo
Ali, nós não somos só de meio ano. Sem qualquer ou Diana Fialho], é diferente
guardas, somos quem pega formação específica, temos da das outras. Tentam fazer,
nos bebés ao colo quando de ter muita estaleca para lá dentro, uma vida perfeita-
estão a chorar, estamos lá lidar com as que têm surtos mente normal, como se esti-
quando têm febre e a mãe psicóticos, as que se cortam, vessem cá fora. Há mulhe-
está isolada. As mães parece as que dizem ouvir vozes res a estudar na faculdade,
que deixam de saber tomar a mandá-las matarem-se. outras optam por trabalhar
conta dos filhos; à mínima Sabendo o que sei hoje, pelo no bar ou estão de faxina no
tosse, entram em pânico. salário e pelas condições de pavilhão. Muitas vezes, as
Somos o braço-direito da trabalho, talvez trocasse de histórias que oiço nos noti-
mãe. Chegamos a inventar país, mas sempre na mesma ciários não batem certo com
vapores, com rebuçados de profissão. o que elas me contam.
eucalipto dentro da chaleira Não me posso distrair Não questiono ninguém e
com água quente. com nenhuma reclusa. não as consigo julgar. Para
O dia em que o Serviço Enquanto acompanho uma mim, são todas iguais e, se
de Estrangeiros e Fronteiras delas do pavilhão 2 (onde estão aqui, é porque um
foi buscar o Vítor e a mãe estão as condenadas) até aos juiz decidiu. Mas não acre-
foi muito complicado para serviços clínicos, se a reclusa dito que a Justiça é sempre
mim. A criança estava habi- correr mais do que eu, estou justa. Depoimento recolhido
tuada a pessoas vestidas de tramada. Sem seguran- por Sónia Calheiros
azul e a carrinhas celulares e, ça e com os muros baixos, [email protected]

R ---------- I M AG E N S
Riso e lágrimas
Enquanto em boa parte do mundo, mas sobretudo
no Rio de Janeiro, é tempo de os foliões brincarem
ao Carnaval, milhões de outras pessoas não
conseguem conter as lágrimas perante o horror
da guerra e das catástrofes naturais e ambientais
GETTYIMAGES
RIO DE JANEIRO BRASIL

Foliões são borrifados por um canhão de água, para atenuar o
calor, durante uma festa de rua chamada Bloco das Barbas que
decorreu, no sábado, 18, no Rio de Janeiro. Além dos desfiles das
escolas de samba, centenas de festas populares regressaram em
força às ruas da cidade, após dois anos de constrangimentos por
causa da pandemia.
QUIRIHUE CHILE
Um casal acompanha
a descarga de um avião
de combate a incêndios
DC-10 Air Tanker enquanto
ele despeja água sobre
um incêndio florestal em
Quirihue, região de Ñuble, no
Chile. Os incêndios florestais
duram há quase duas
semanas no centro-sul do
país e, até à última segunda-
-feira, 20, já tinham
provocado, pelo menos,
24 mortes.

KRAMATORSK UCRÂNIA
A imagem de dezenas de bandeiras ucranianas a abanar ao vento, junto aos túmulos
improvisados de soldados mortos na região de Kramatorsk, no domingo, 19, é um
símbolo terrível da situação dramática em que aquele país se encontra desde o início
da invasão Russa, que aconteceu há já um ano.
KAHRAMANMARAS TURQUIA
Quase duas semanas após os
devastadores sismos terem
arrasado cidades inteiras na
Turquia e na Síria, equipas
de resgate continuavam,
no sábado, 18, a procurar
sobreviventes nos escombros
de um prédio desabado
em Kahramanmaras. Na
sequência dos sismos
registados a 6 de fevereiro,
mais de 45 mil pessoas
perderam a vida, cerca de
100 mil ficaram feridas e há
milhões sem casa.

Mortágua
PROMETE
DAR LUTA
Com a saída de cena de
Catarina Martins, a estrutura
do Bloco de Esquerda
movimenta-se para eleger
Mariana Mortágua como
nova líder. Mais do que uma
opção de continuidade, o
partido acredita que a imagem
de competência e de garra,
conquistada nas comissões
de inquérito à banca, possa
ser suficiente para inverter a
tendência de queda nas urnas.
A hora é da jovem mulher
que, um dia, Francisco Louçã
garantiu que haveria de chegar
a ministra das Finanças
— P O R J O Ã O A M A R A L S A N TO S

TIAGO MIRANDA

P
Legado A atual direção do BE deixa um partido
dividido e frágil nas sondagens. Mortágua, uma
jovem mulher, é vista como solução para o Bloco
recuperar o eleitorado urbano
Passado pouco mais de um ano da

hecatombe eleitoral do Bloco de Es-
querda (BE), nas legislativas de janeiro
de 2022, Mariana Mortágua prepara-
-se para, aos 36 anos, abrir um novo
ciclo na liderança do seu partido.
Mais do que representar uma linha
de continuidade, ao ser herdeira do
legado deixado por Catarina Martins,
que encabeçou a cúpula do BE duran-
te dez anos, a (mais do que provável)
futura líder terá pela frente a delicada
tarefa de projetar, para o futuro, um
partido que procura reencontrar o dos eleitorais. Mesmo com um gover-
rumo que o catapultou para terceira no enredado em “casos e casinhos”,
força política nacional, já na segunda como descreveria António Costa na
década deste século. entrevista à VISÃO, em dezembro
Primeiro, Mariana Mortágua terá do ano passado, Mariana Mortágua
como encargo reparar brechas in- terá ainda de se preocupar em gerir
ternas, próprias do BE, nascido, em os profundos danos causados pela
1999, a partir de um amálgama de
movimentos e de correntes marxistas,
Mariana chegou decisão do partido em chumbar o
Orçamento do Estado para 2022, que
trotskistas e leninistas. Desde 2015 ao BE em 2009, empurrou o País para eleições ante-
que as diferenças no interior do par- cipadas e que culminaria no maior
tido se têm vindo a alargar e a agravar, pela mão de trambolhão eleitoral do BE, nos seus
demonstradas pelas críticas à estra-
tégia política da atual direção, que
Francisco Louçã. 23 anos de história.
Numa fase em que – segundo as
teve na Geringonça o seu expoente
máximo. Ainda na última convenção
Brilhou com a sondagens mais recentes – as forças
políticas da direita (PSD, Chega e IL),
do partido, realizada em maio de 2021, prestação nas juntas, superam o peso da esquerda, o
personalidades ligadas à Associação
Política UDP (UDP-AP) apresentaram comissões de BE, partido da oposição desse espec-
tro político, continua a não descolar
uma moção que apontava o dedo ao
excessivo “parlamentarismo” do BE
inquérito à banca. nas pesquisas de opinião, situando-se
nos modestos 4,8% (Intercampus),
e que defendia um regresso às ruas, A Bloomberg 5,6% (Pitagórica) ou 6,6% (Aximage)
junto dos militantes de base. Na pró-
xima reunião magna, os recados pro- chamou-lhe das intenções de voto, confirman-
do a inversão de uma trajetória de
metem repetir-se.
A (crescente) intranquilidade den-
“estrela crescimento contínuo, que chegou a
permitir ao partido obter mais de 500
tro de casa refletir-se-ia nos resulta- portuguesa” mil votos e eleger 19 deputados nas

E a oposição move-se...
A surpresa pode vir da Plataforma Unitária, em que pontuam o major
Tomé e Pedro Soares, que apontam baterias à herança da ainda líder
Muitos dos que subscre- cia natural (e desejada)

veram as quatro moções disso é a perda de
alternativas à direção diversidade política na
de Catarina Martins, em Convenção, o afunila-
2021, ainda estavam a mento do debate interno,
digerir as novas regras forçando-se uma narrati-
para poderem apresen- va bipolarizada, que está
tar-se à reunião magna, longe de corresponder à
de 27 e 28 de maio, em realidade de um partido
Lisboa, quando foram que, outrora, queria ser
apanhados de surpresa, partido-movimento”,
não só pelo anúncio da apontaram os autores
líder bloquista como, da Moção Q. Um desses
poucas horas depois, subscritores, Carlos Ca-
pelo facto de ter sido rujo, ex-candidato do BE
posto a correr que à Câmara de Municipal
Mariana Mortágua está de Sintra, assume que,
disponível para suce- “assim, com estas regras,
der a Catarina Martins. não há capacidade para
Ao descontentamento Mário Tomé se promover uma moção
Um dos rostos
quanto à forma como da contestação à convenção”. “Iremos
a preparação da con- participar na discussão
venção nacional está a sobre o futuro, porque
ser levada a cabo pela está também, como o que a Mesa Nacio-
atual direção do BE, aconteceu há dois anos nal decidiu não nos vai
junta-se, agora, uma com a crítica Moção E, impedir, mas queríamos
JOSÉ CARIA
corrida contra o tempo, o ex-deputado Pedro fazê-lo como sempre foi

por parte dos críticos da Soares, que se afastou feito até agora, permi-
estratégia seguida pelo da atual linha dirigente tindo uma análise e uma
partido desde 2017. Um bloquista, em confronto discussão aprofunda-
legislativas de 2015 e nas de 2019 – e documento alternativo à com a decisão de o par- das. A nós, pouco nos
o maior desafio, hoje, é remar contra moção A – encabeçada tido continuar a integrar interessam anúncios de
esta tendência. por Catarina Martins e a Geringonça, a seguir às saídas ou de entradas,
Mesmo que adivinhando oposi- em que se contam diri- autárquicas de 2017. quando o que deve estar
ção interna (ver caixa), a próxima gentes como a própria A VISÃO apurou que em causa é o futuro do
convenção bloquista – que tem lugar Mariana Mortágua, o esta Plataforma Unitária BE”, admitiu à VISÃO Ca-
nos dias 27 e 28 de maio, no Pavilhão líder parlamentar, Pedro poderá agregar muitos rujo, recusando comentar
do Casal Vistoso, em Lisboa – deve- Filipe Soares, e o histó- daqueles que subscre- “o que foi ventilado à
rá mesmo confirmar a promoção de rico Luís Fazenda – foi veram outras moções Imprensa”, sobre a can-
Mariana Mortágua, vista como uma desenhado há poucos em 2021 e que agora se didatura de Mortágua.
escolha natural da atual direção do dias e já está a percor- veem sem capacidade Análise, aliás, que Pedro
BE para a liderança. Jovem mulher, rer diversas estruturas de replicá-las. É que, Soares também recu-
a deputada, que conquistou capital locais e regionais, por na sua última reunião sou: “Apesar de ela ser
político e mediático com as presta- forma a ser discutida, a no início de fevereiro, uma excecional colega,
ções nas comissões parlamentares de 24 de fevereiro, por um a Mesa Nacional do com quem trabalhei na
inquérito à banca portuguesa, surge, plenário nacional, às 21 partido decidiu que Assembleia da República,
agora, como um rosto rejuvenescido horas. Mário Tomé, antigo o número mínimo de essa é uma discussão
e aguerrido, com capacidade e com- líder da UDP (partido subscritores de moções star system, para a qual
petência para enfrentar os principais que, com outras forças, deveria passar de 20 não contribuo e que
temas da agenda política do partido deu origem ao BE), é um para 200; além disso, o demonstra desconhe-
– que, no imediato, procura recon- dos incentivadores da prazo para a entrega das cimento de como é
quistar os eleitores urbanos, princi- denominada “Plataforma mesmas passou para três feita a escolha de um
palmente mulheres e jovens. Entre as Unitária”, cujo lema é “Um semanas. coordenador. Vamos,
prioridades, destacam-se temas caros Bloco plural para uma “Nunca as condições antes, discutir o futuro
a Mariana Mortágua, como a habita- Alternativa de Esquerda para a apresentação de e tirar conclusões sobre
ção ou os transportes. Depois de já – um desafio que pode- uma moção foram tão o percurso do Bloco até
ter brilhado no Parlamento, a futura mos vencer!”. Por detrás limitadas. A consequên- agora.” — N.M.R.

Não deixa de ser líder do BE prepara-se para voltar aos
comandos na comissão de inquérito
bastante curioso que à gestão da TAP, que vai levar a tutela
o dono disto tudo política à Assembleia da República.
A tomada de posse da comissão está
nos tenha aparecido agendada para a próxima quarta-feira,
dia 22. Neste palco, Mortágua sente-se
aqui, hoje, como a como peixe na água.
vítima disto tudo Coincidência ou não, este foi o
momento escolhido pelo partido para
Dirigindo-se a Ricardo Salgado,
formalizar a entrada num novo ciclo
em dezembro de 2014 político, o mesmo com que Catarina
Martins justificou a saída de cena. No
discurso de despedida – na última
terça-feira, dia 14 –, a ainda coorde-
Temos de perder a nadora do BE garantiu que a mudança
política “já aí está”, como demonstram
vergonha e ir buscar os sinais de “instabilidade da maioria
absoluta” do PS. Também Marisa Ma-
a quem está a tias, outro nome forte do BE, acompa-
acumular dinheiro nha esta convicção, considerando que
o momento “requer outra energia”. No
Discurso na rentrée do BE,
Irrevogável, podcast de entrevistas da
em setembro de 2015 VISÃO, a eurodeputada descreveu que
vivemos “um período de muita ten-
são social e política, de um desgaste
enorme de um Governo com pouco
Duvido de que tempo”. Depois de ter sido apontada
como potencial sucessora de Catarina
envie à comissão Martins, Marisa Matias viu o seu es-
paço encolher, fruto do desaire elei-
a informação toral nas presidenciais de 2021 – em
que confirme que que não foi além dos 3,95% (face aos
10,19% em 2015) –, apostando agora
desviou dinheiro todas as fichas numa oposição “mais
ativa” do partido; nomes, não os disse
para contas (ver entrevista).
pessoais, mas faça-o ASCENSÃO METEÓRICA NO BE
(...), agradeço Natural do Alvito, Alentejo, a luta
política sempre correu nas veias de Parlamento Entrou na Assembleia da
República em 2013, substituindo Ana
Diálogo com Moniz da Maia, Mariana Mortágua. Filha de Camilo Drago. O registo combativo promete
em abril de 2021 Mortágua, antifascista e antigo diri- uma oposição “mais ativa” no futuro
gente da Liga de Unidade e Ação Re-
volucionária (LUAR) – conhecido por
ter desafiado o Estado Novo, protago-
Berardo foi à nizando ações de resistência, como o
assalto milionário à filial do Banco de
sem dor. Surpreendentemente, tor-
nou-se deputada logo em setembro
comissão de Portugal, na Figueira da Foz, em maio de 2013, quando tinha apenas 27 anos,
inquérito da Caixa de 1967 (na companhia de Hermínio
da Palma Inácio, António Barracosa e
e ocupou a cadeira vaga no hemiciclo
deixada por Ana Drago, que entrara
gabar-se de ser Luís Benvindo) –, a deputada aproxi-
mou-se, ainda muito jovem, da UDP,
em choque com a recém-eleita dire-
ção de Catarina Martins – levando,
intocável e de junto com a irmã mais nova, Joana. meses depois, a ex-deputada a aban-
ter conseguido Influenciada pelo economista e
professor Francisco Louçã (com quem
donar o partido, ato formalizado com
a desvinculação da Associação Fórum
encontrar um truque já escreveu três livros), entraria para
o Bloco de Esquerda em 2009, pela
Manifesto (da qual também fazia parte
Daniel Oliveira) do Bloco de Esquerda.
Reagindo à detenção de Joe mão do antigo coordenador do par- A nomeação de Mariana Mortágua
Berardo, em junho de 2021 tido, reservando, desde cedo, lugar na motivou intenso debate interno, com
Mesa Nacional e na Comissão Política. um grupo de militantes a contestar o
O seu crescimento no interior do “critério tecnocrata” que orientou a
BE seria, aliás, meteórico – mas não escolha. A atualidade, porém, viria a

demonstrar o acerto da opção. Com norte-americana Bloomberg, que a
Louçã fora do Parlamento, Mortágua, classificou como uma “estrela por-
licenciada e mestre em Economia, tuguesa”, e merecendo até elogios de
pelo ISCTE, assumiu a pasta dos As- personalidades oriundas de quadran-
suntos Financeiros do partido. Numa tes políticos distintos. Em privado,
altura em que o sistema bancário Henrique Medina Carreira, ex-mi-
português se preparava para entrar nistro das Finanças, que enfrentara o
em erupção, a nova deputada soube primeiro resgate do FMI, em 1977 – e
aproveitar o momento para brilhar. falecido em julho de 2017 –, chegaria
Bem preparada, decidida e frontal, a confessar “apreciar muito” Mariana
cedo começou a granjear a simpatia Mortágua, que descrevia como “uma
da maioria do País, o qual, apanhado jovem deputada esperta” e que “estava
de surpresa, atribuía o estatuto de sempre muito bem preparada” para
“vilões” aos homens que, um por um, enfrentar o momento.
procuravam fintar as perguntas incó- Atento ao percurso da discípula,
modas postas em cima da mesa nas Francisco Louçã também não pou-
comissões parlamentares de inquérito. pou nos elogios. Convencido pela
Para a história, ficariam os frente a solução Geringonça – de que a pró-
frente com Ricardo Salgado e Zeinal pria foi uma das arquitetas, graças
Bava, no Caso BES, em que Mariana às pontes de natureza parlamentar
chegou a confrontar, olhos nos olhos, –, o ex-líder do Bloco de Esquerda
o ex-presidente daquela instituição, chegou a afirmar, numa entrevista
com tiradas que, ainda hoje, se man- ao Expresso, publicada em janeiro de
têm congeladas na memória coletiva: 2017, que “Mariana Mortágua há de ser
“Não deixa de ser bastante curioso que ministra das Finanças”. Nessa mesma
o dono disto tudo nos tenha aparecido conversa, o ex-líder do BE referia que
aqui, hoje, como a vítima disto tudo.” “há personalidades brilhantes, que se
Seguiram-se os choques com Carlos destacam e que se afirmam por si”,
Costa e Vítor Constâncio, a propósito dando como exemplo a economista
do Banco de Portugal, com Joe Be- e deputada.
rardo, no inquérito à gestão da Caixa Reforçado o seu capital político,
Geral de Depósitos, e ainda com Luís Mariana Mortágua chegou a ver atri-
Filipe Vieira e Moniz da Maia, sobre buído o seu nome a um imposto, na
o Novo Banco. área da habitação. Criado em 2017,
O mediatismo conquistado foi tal o “Imposto Mortágua” (assim ficaria

que as suas prestações na Assembleia conhecido), adicional ao IMI, aplica-se
da República chegaram a dar-lhe vi- aos proprietários de prédios urbanos
sibilidade além-fronteiras. Em 2015, com elevado valor patrimonial. A res-
a deputada do BE foi destacada pela petiva receita líquida é, então, trans-
ferida pelo Estado português, através
do Ministério das Finanças, para o
Fundo de Estabilização Financeira da
Segurança Social – em apenas cinco
anos, este imposto já gerou perto de
€500 milhões.
DISPONÍVEL PARA A “GUERRA”

Com a convenção de maio já à porta, a
verdade é que Mariana Mortágua ain-
da não se pronunciou publicamente
sobre o seu próximo passo. O silêncio
parece mesmo ser regra de ouro (e
respeitada) no seio do partido. Falar
da futura liderança fica para mais
tarde. Mas, nos bastidores, ninguém
tem dúvidas de que chegou a hora de
a “ministra” assumir o papel de líder
do Bloco de Esquerda, hoje reduzido a
um grupo de apenas cinco deputados,
D.R.
formado pela própria Mariana Mor-

Família A política corre-lhe nas veias, desde a nascença, no Alvito, tágua, a irmã, Joana, e ainda Catarina
Alentejo. Filha do antifascista Camilo Mortágua (na foto), Mariana Martins, Pedro Filipe Soares (líder da
aproximou-se, ainda muito jovem, da UDP bancada) e José Soeiro. Se o registo

combativo poderá ou não inverter a
situação, só o futuro o dirá.
Disponível para enfrentar as bata- Marisa Matias
Este ciclo
lhas que se seguem? Pelo menos assim
parece estar, como, aliás, o comprova
a guerra sem quartel que, nos últimos
meses, tem protagonizado com Marco
Galinha, empresário que controla a
Global Media Group – detentora de
títulos como Diário de Notícias, Jor- político requer
outra energia.
nal de Notícias ou TSF, entre outros
–, e que, muito provavelmente, só
terminará nas salas do tribunal.
Sem papas na língua, em abril de
Já não é o tempo
2022, Mariana Mortágua acusou o em-
presário de, há cerca de dois anos, ter
exercido pressões para que a crónica
que ela escrevia, semanalmente, no
JN, desde 2015, fosse cancelada (o que
acabou por acontecer). No meio da po-
lémica, ainda surgiu uma queixa apre-
da construção
de pontes
sentada no Ministério Público contra a
deputada, por esta ter recebido o sub-
sídio de exclusividade pelo seu trabalho
no Parlamento, ao mesmo tempo que
desempenhara atividades remuneradas
na comunicação social, nomeadamente A eurodeputada e ex-candidata presidencial do BE
no programa Linhas Vermelhas, na considera que o novo líder deve “ajudar a reforçar
SIC Notícias, entre outubro de 2021 e direitos”, “dar esperança às pessoas” e desempenhar
março de 2022. Para esvaziar o proces-
so, Mariana Mortágua reagiu pronta-
“uma oposição mais ativa” ao Governo
mente, admitindo que “desconhecia” — P O R R I TA R ATO N U N E S
uma alteração à regra que permite aos
deputados receber dinheiro por artigos
F
de opinião, que têm direitos autorais,
mas não por participar em programas
de comentário televisivo, como era o oi surpreendida com Que balanço faz da década de Ca-
caso. A deputada informou a SIC que o anúncio da saída tarina Martins à frente do BE?
abdicava de qualquer remuneração de Catarina Martins Uma marca clara destes dez anos foi
pelo programa e pediu à Assembleia ou – tal como a ainda a capacidade que a Catarina teve de
da República para que fossem feitos os líder deu a entender vislumbrar um cenário político di-
“acertos remuneratórios”, com vista a na semana passada – ferente e de lançar o desafio de um
devolver o dinheiro que recebeu nesses também acredita que acordo parlamentar, que permitisse
cinco meses. o Bloco de Esquerda (BE) tem de tirar a direita do poder, depois da
A “guerra”, no entanto, conheceria aproveitar esta ocasião para prepa- intervenção da Troika – a chama-
novos capítulos. Ainda na ressaca dos rar uma nova liderança, caso exis- da Geringonça. Foi ela que lançou a
primeiros dias da ofensiva militar tam eleições antecipadas? ideia, durante a campanha de 2015,
russa na Ucrânia – iniciada a 24 de Não posso dizer que tenha sido e foi um período que gerou muito
fevereiro do ano passado –, no início apanhada de surpresa, porque, mais estabilidade política e social do
de março, a deputada iria mais longe, além de fazermos parte do mesmo que aquele que estamos a viver. O
acusando Marco Galinha de ter liga- partido e de integrarmos órgãos em PS, em contexto de maioria absolu-
ções e de ser financiado por oligarcas comum, também somos amigas. E ta, mantém uma política de desin-
russos. O empresário desmentiu e concordo com o diagnóstico feito vestimento nos serviços públicos,
decidiu apresentar queixa contra a de- [por Catarina Martins]: são dez ignora a importância do Serviço
putada pelo crime de difamação, pro- anos de liderança, e faz todo o sen- Nacional de Saúde, faz uma espécie
cesso que avançou, no mês passado, tido que se procure um novo ca- de bullying permanente à escola pú-
depois de a Assembleia da República minho no contexto, que estamos a blica e aos professores.
e a própria Mariana Mortágua terem viver, de elevadíssima instabilidade
concordado com o levantamento da política e social. A Catarina não vai Foi inevitável enterrar a Gerin-
imunidade parlamentar, para que esta deixar o BE nem a política. Vamos gonça?
fosse ouvida no inquérito. apenas fazer uma mudança no mo- Não acho inevitável, mas essa é
A futura líder do Bloco de Esquerda delo da direção e uma adaptação ao uma pergunta que tem de ser feita
promete dar luta. [email protected] contexto político. a António Costa. Havia disponi-

Esta é uma versão resumida e editada
da conversa. Veja a entrevista completa em vídeo
no site da VISÃO em www.visão.pt/irrevogavel
bilidade para a continuação deste Chegou a considerar avançar para

modelo, mas o primeiro-ministro a liderança?
insistiu em que seria necessária uma Não. Estou ainda em funções no
maioria absoluta, libertar-se dos Parlamento Europeu. Digo ain-
empecilhos da esquerda. O que es- da porque, também nos cargos de
tamos a viver prova que havia mais representação, não acredito que se
estabilidade no cenário do acordo possa ficar para sempre. Estou no
parlamentar. As vozes críticas do meu terceiro mandato e não me vou
Ainda voltando a Catarina Martins, a recandidatar [em 2024]. Não me
Geringonça foi um dos momentos- partido não ficam passou pela cabeça estar a apresen-
-chave destes dez anos, mas houve tar uma candidatura à liderança,
outros, nomeadamente quando ela acantonadas em neste momento.
assumiu a liderança numa altura
difícil, a seguir a um resultado elei-
quatro paredes, Que caraterística tem de ter este
toral muito mau. Num contexto de
particular dificuldade para o BE, a
elas são bem novo líder?
Estamos num ciclo político
Catarina teve uma enorme capaci- ouvidas, e as diferente, que requer uma energia
dade de fazer renascer o partido e diferente. Já não é o tempo da
de consolidar o projeto político. posições de quem construção de pontes, embora estas
A convenção que a elegeu pela não está alinhado nunca devam ser recusadas, em
questões que podem contribuir para
primeira vez, em 2014, terminou
empatada. Receia que a saída de
com a maioria são avanços concretos na sociedade, por
exemplo nos direitos de trabalho. É
Catarina Martins possa precipitar conhecidas um período de muita tensão social e
o partido numa repetição desses política, de desgaste enorme de um
tempos difíceis? Governo que tem tão pouco tempo,
Não creio. Haverá seguramente e esta deve ser uma liderança que
mais do que uma proposta à lide- ajude a construir maiorias no
rança do partido. As vozes críticas sentido de reforço de direitos; deve
do partido não ficam acantonadas dar esperança, para que as pessoas
em quatro paredes, elas são bem sintam que há um futuro, mas
ouvidas, e as posições de quem não também deve ser uma oposição
está alinhado com a maioria são ativa em relação às políticas do
conhecidas. Tudo isso é saudável, e Governo.
esta também foi uma liderança que
conseguiu reconstruir a cultura uni- Em que se deve traduzir essa
tária dentro do partido. Deste ponto “oposição ativa”?
de vista, não espero que tenhamos No anterior contexto, havia pelo
um cenário igual ao de 2014, na menos disponibilidade do PS para
próxima convenção. dialogar à esquerda. Agora, a estra-
tégia de António Costa é diferente:
Disse nesta semana que existem ao não fazer uma política ativa de
várias opções interessantes para contenção da extrema-direita, quase
substituir Catarina Martins. Refe- que depende deste medo perma-
ria-se a quem? nente que existe na sociedade e do
Há várias, mas, sinceramente, por crescimento do Chega – que o PS
respeito aos militantes do Bloco, alimenta e normaliza – para ter uma
acho que nós, que temos mais es- espécie de voto seguro. Isto é muito
paço público, não devemos andar a perigoso.
lançar nomes. Isto é um processo
coletivo. Tendo em conta o fraco resultado
eleitoral do BE, nas últimas legis-
Por esta altura, é quase seguro lativas [passou de 19 para cinco
que Mariana Mortágua irá avan- deputados], e as últimas sonda-
çar. Como vê uma candidatura da gens, preocupa-a o que poderia
deputada? acontecer, se as eleições fossem
Quando estiverem efetivadas as antecipadas?
candidaturas, terei muitas coisas Em democracia, nunca nos pode-
a dizer. Agora, quero só dizer que mos preocupar com a vontade das
acho que temos todas as condições pessoas. Temos de fazer é um traba-
para sair da convenção com uma lho de reforço. Não podemos evitar
liderança forte e com capacidade de tomar posições políticas difíceis
trabalho. com medo dos resultados eleitorais.

O “EXÉRCITO-
-SOMBRA” DO
EX-JUIZ
NEGACIONISTA
Lidera um movimento seguido por todo o tipo
de extremistas, incluindo mercenários, neonazis
e cadastrados, alguns com treino paramilitar,
formação em artes marciais e acesso a armas
ilegais. A influência do Habeas Corpus junto de
grupos violentos e os laços internacionais de Rui
Fonseca e Castro preocupam as autoridades. A
VISÃO mergulhou neste universo, onde os factos
pouco importam e nada é o que parece
— P O R M I G U E L C A R VA L H O

A 21 de janeiro, uma fria
manhã de sábado, perto de 200 pessoas de várias zonas do País,
do Minho ao Algarve, acorreram ao cineteatro dos Bombeiros
Voluntários de Vila Praia de Âncora. Para assistir a uma confe-
rência que se estendeu até ao final da tarde, cada uma pagou
15 euros, recebeu um bloco de apontamentos de capa preta do
movimento Habeas Corpus (HC) e seguiu para a plateia.
Nos corredores, evangélicos desabafavam sobre a sua rutu-
ra com o Chega, “oportunidade perdida”. Outros procuravam
lugares discretos, ao fundo da sala. Nas filas, gente de todas as
idades, casais, famílias, crianças, estreantes e até uma “delega-
ção” galega. Deu nas vistas Mesquita Guimarães, empresário
agroflorestal, membro supranumerário do Opus Dei, o pai que
litigou nos tribunais pelo direito de impedir dois dos filhos de
frequentarem aulas de Cidadania. Tomás Seixas, do movimento
Filhos da Luta, apresentou. Frank Gomez, do Habeas Corpus da
Galiza, calvinista, agente imobiliário, apelou à união entre povos
e à desobediência civil. “Estamos numa nova guerra mundial.”
Maria Helena Costa, evangélica, presidente da Associação Família
Conservadora, ex-dirigente do Chega (integrou o seu gabinete de
estudos), falou sobre os seus temas-fetiche: ideologia de género e
mudança de sexo. “Porque é que o Governo está tão interessado
em sexualizar as nossas crianças?”, questionou, apelando à luta
contra casas de banho mistas nas escolas. “É uma ideia conve-
niente para os pedófilos”, ouviu-se, na assistência. Ela concordou.
Margarida Oliveira, negacionista dos Médicos pela Verdade,
suspensa três meses pela Ordem dos Médicos por divulgar um
método de limpeza das fossas nasais para evitar testes positivos
à Covid-19, interrompeu: “Quando era jovem, adorava homens
mais velhos; pelava-me pelo mais malcomportado, o mais rebelde
da turma, os perigosos. Não sabia escolher.” Hoje, diz, “há meni-
nas de 14 anos que têm mais corpo” do que ela, “são podres de
boas, um pedaço de mau caminho, e vão na cantiga do bandido”.
Uma professora pediu o microfone para se manifestar contra a
ida de “associações LGBTI” às escolas para discutir esses temas
com crianças. “Eu não vou assinar o sumário de uma aula de
javardice!”, garantiu. Os aplausos ecoaram.
Gustavo Santos foi bailarino, músico de uma boy band,
concorrente do Big Brother, personagem secundária de tele-
novela, modelo, apresentador de TV. Orador profissional, das
conferências dos aspiradores Rainbow a sessões esotéricas de
“desenvolvimento pessoal”, é escritor “motivacional”. Veio com a
mulher, grávida, e uma fornada do seu livro Não Obedeças Mais
para vender. “Tenho espírito de last man standing.” Andou de
um lado para o outro no palco, qual entertainer, e denunciou a
pandemia como “maior fraude da Humanidade”, atacou “a nova
ordem mundial” e o comunismo chinês, norte-coreano e cuba-
no “que estão a chegar”. Criticou o modelo de ensino “obsoleto
e criminoso” e pregou a liberdade individual. “Foda-se! Se eu,
com cinco filhos, não conseguir revolucionar este País, não sou
nada!” Um participante, de cabeça rapada e blusão de ganga,
tirou notas e suspirou: “Ó espírito grande!”
No final da sessão da manhã, boa parte dos organizadores e
do público seguiu para o restaurante Lagoa Azul. Houve bacalhau

à moda de Braga, um prato de carne e uma opção vegan. É
a sexta vez de uma participante de Faro nestes eventos. É
avó, teme as más influências da escola nos netos. Vacinas
não toma: “São perigosíssimas.” Censura a quantidade de
lojas chinesas espalhadas por Portugal e faz críticas veladas
a angolanos, cabo-verdianos e indianos. Na mesa, está tam-
bém um casal, ele produtor de mirtilos na região de Viana
do Castelo, ela professora. São contra vacinas no corpo e
telemóveis nas mãos de crianças.
A sessão da tarde recomeça com Natalia Prego, funda-
dora do Médicos Pela Verdade espanhol. A desinformação
é a sua praia: promoveu falsas curas e atribuiu a pandemia
a um “plano de dominação mundial”. Veio à conferência
em nome da luta pela “liberdade” e para relembrar os fei-
tos do seu movimento na batalha contra leis à moda de
Auschwitz. Diz ela.
Outra estrela é Sérgio Tavares, produtor de conteúdos e
repetente nestas lides. Ele prefere o termo “repórter-cida-
dão”. Diz-se perseguido. “Já me deitaram abaixo 13 canais do
YouTube e três páginas de Facebook.” Mas também aprendeu
a jogar “sujo”: criou 15 perfis falsos e mantém-se à tona nas
redes. Pandemia, alterações climáticas, “ideologia de género” e
o poder dos “donos do mundo” são o seu território de comba- Ataques Na conferência do Habeas Corpus em Vila Praia de
te. “Acordaram um exército e, agora, estão fodidos!”, garante. Âncora, nem os humoristas ditos “do regime” escaparam às
Pelas cinco e meia da tarde, fala a figura por todos aguar- críticas do movimento negacionista de Rui Fonseca e Castro
dada: Rui Fonseca e Castro, líder do Habeas Corpus, da
“resistência”. O juiz, expulso da magistratura por promover
a violação das regras sanitárias durante a pandemia, assistira gãos de soberania, palavras que aquecem almas revoltadas e
a tudo, por vezes com impaciência, a cambalear de sono ou instruídas pelas redes sociais em busca de um salvador. Os
a olhar para o telemóvel. Dias depois, pedirá desculpa, nas “casos e casinhos” mediáticos são o seu combustível para a
redes sociais, por estar adoentado. contestação social. O “regime” urdiu um plano de vacinação
Diante de uma fotografia em que surgem Ferro Rodri- sinistro e “injeta substâncias experimentais em crianças
gues e António Costa ladeados por juízes, que ocupa toda a para proteger os adultos”. A pandemia é uma “invenção” das
tela do cineteatro, comenta: “É um pedófilo junto do maior elites mundiais para eliminar população. Portugal assiste à
protetor de pedófilos do País.” Para o ex-juiz, “o regime “substituição populacional” por “povos islâmicos”. O socia-
é constituído por predadores sexuais de crianças”. O seu lismo destrói a “família natural”, e as escolas reeducam as
movimento, garante, está a crescer. Têm “amigos em vários crianças “para aceitarem vários parceiros sexuais”, incluindo
locais”, uma “família alargada”, em “círculos”. E uma arma. “professores e funcionários”.
“O medo é muito bom se não formos nós a ter medo. Eles Em Braga, a 10 de junho de 2022, famílias, crianças e até
têm medo de nós. E vão ter razões para ter medo de nós.” mães a amamentar juntaram-se para ouvir algo parecido.
Tal como noutros eventos, aderiram pessoas de aparência
O CAMPO DE TIRO E O “EXÉRCITO-SOMBRA” civilizada, cordata, banal. Dizem-se bem-intencionadas e
Três dias após a conferência, Rui Fonseca e Castro foi dar apologistas de uma vida tranquila, fiel a Deus, à ordem e à
aulas à Escola Básica de Vale de Milhaços (Corroios, Seixal). tradição. Querem a Pátria acima de tudo e o Estado longe
Conseguiu-o com a ajuda de uma dirigente do seu movimen- da vista. O HC tem, segundo o ex-juiz, algumas centenas
to, funcionária do estabelecimento público. O Ministério da de associados, de todas as classes sociais e profissionais, a
Educação e a direção da escola abriram inquéritos (ver caixa). maioria em Lisboa. O perfil de aderentes e simpatizantes
Esta é a face visível das ações e do “exército” de Rui Fon- é, na verdade, heterogéneo: inclui “militantes” de teorias da
seca e Castro. Mas nem tudo é o que parece. conspiração, negacionistas, adeptos da filosofia New Age,
Como qualquer pastor do seu “rebanho” ou agitador de cristãos ultraconservadores e grupos avulsos de extrema-
massas, oferece aos fiéis uma narrativa simples e conspi- -direita. De acordo com fontes policiais e dos serviços de
rativa sobre Portugal e o mundo. É dono de um discurso informação, vários recebem formação em artes marciais,
recheado de insultos, acusações e alusões a titulares de ór- treino paramilitar e têm fácil acesso a armas, legais ou ile-
gais. Um campo para a prática de tiro na zona de Barcelos
estará a ser usado pelo próprio ex-juiz e por elementos
Aderem negacionistas, adeptos do movimento. O HC “não defende o recurso à violência”,
desmente Rui Fonseca e Castro. Ele defende a “transição de
da filosofia New Age, cristãos regime” e a “democracia direta”.
A presença, à sua volta, de ativistas com cadastro e cur-
ultraconservadores e membros rículo em movimentos e organizações de extrema-direita e
neonazis é, porém, constante. E a marcha de Braga foi a que
de grupos de extrema-direita atraiu mais “tropas” com esse perfil. Pedro Q. terá mobilizado
e neonazis. Alguns têm cadastro grupos para esta e outras iniciativas do HC. É ex-militante do
Chega, com passado na Nova Ordem Social (NOS), de Mário
e até homicídios no currículo Machado, e na filial portuguesa do movimento neonazi Blood

& Honour, ativo em Matosinhos. Gere uma empresa de segu-
rança privada, que recruta diversos “ilegais” e já atuou como
mercenário na Síria, do lado das milícias curdas.
A ele juntaram-se frequentadores das ações e celebrações
do Blood & Honour e do Movimento Social Nacionalista,
skinheads históricos, ex-militantes do Chega e do PNR (atual
Ergue-te!), membros dos Super Dragões, claque do FC Por-
to, ex-fuzileiros e militares ainda no ativo conotados com
a extrema-direita, e antigos membros dos Hammerskins,
neonazis responsáveis por ações violentas com motivações
raciais, ideológicas e sexuais.
Alguns tratam o crime por tu. M. Gonçalves foi conde-
nado pelo homicídio de um tunisino em França, em 1995, e
José R., indiciado por ofensas corporais ao jovem angolano
Francisco Faustino, espancado e abandonado numa linha
férrea do Porto, em 1989. Alexandre C. apareceu com a
mulher e os cinco filhos. É dos mais ferrenhos da causa do
ex-juiz. Personal trainer de convicções neonazis, supre-
LUCÍLIA MONTEIRO
macista branco condenado pela morte do cabo-verdiano

Alcindo Monteiro (1995), recolheu-se no vale do rio Âncora,
em Caminha, onde organiza “rituais pagãos”. Entre as suas
visitas de casa está um casal alemão com ligações a grupos
neonazis de Bremen, que vive em Portugal desde 2019 e
explora um quarto para turistas na Sertã.
Rui Fonseca e Castro garante desconhecer este universo e
não alinha em “rótulos usados para definir tudo e todos que
não integrem o regime”. À cautela, porém, apagou das redes
Os polémicos apoios sociais publicações que pudessem ser interpretadas como
“incitamento à rebelião”, palavras dele. A fachada do HC
da câmara de Caminha pretende ser mais suave. Na manifestação no Funchal, em
agosto passado, falou o médico Rafael Macedo. Despedido
Presidente confirma à VISÃO cedência de instalações dos do serviço regional de saúde da Madeira e suspenso pela
bombeiros, equipamento e apoio técnico ao Habeas Corpus Ordem dos Médicos, por denunciar uma alegada negligência
de colegas, diz que a pandemia é “gripe” e as vacinas, “peri-
No final da conferência mos. “Para estes novos mo- gosas”. Outro orador foi o ex-militar Filipe Fernandes, líder
realizada no cineteatro vimentos de extrema-direita, do núcleo regional do HC e propagandista do movimento
dos Bombeiros Voluntários não interessa ver discutido conspiracionista norte-americano de extrema-direita QA-
de Vila Praia de Âncora, e o problema de fundo! O que non. Na ocasião, prometeu revelar abusos de poder e casos
depois nas redes sociais, Rui pretendem é criar anátemas, de pedofilia. Aguardemos.
Fonseca e Castro agrade- dividir a sociedade e criar
ceu à câmara de Caminha fossos na comunidade. En- “JUIZ DO POVO”: LIGAÇÕES INTERNACIONAIS
o apoio à realização da contram um ou dois temas, O HC é, formalmente, uma associação que promove a “de-
mesma, “pese embora as evi- de franjas da sociedade, fesa dos Direitos Humanos”. Pelo menos, assim foi registada
dentes pressões em sentido e erguem-no como ban- num cartório de Matosinhos, a 3 de novembro de 2021, tendo
contrário que recebeu do deiras”, afirmou Rui Lages, como um dos fundadores e líder Rui Fonseca e Castro, 48
regime”. Ao Expresso, a au- em novembro de 2020, em anos, angolano de nascença, pai de três filhos. Com sede em
tarquia desmentiu apoios e entrevista a O Blog do Vilas, Benfica, o HC é o “templo” itinerante do antigo magistrado,
qualquer papel na organiza- acrescentando: “Está na um movimento “cívico e político” com um discurso que “se
ção da sessão. Mas à VISÃO, hora de encostar às cordas vai tornar cada vez mais agressivo”, ameaça.
o presidente Rui Lages con- aqueles que vociferam e Uma das fontes de “informação” mais partilhadas nos
firma que a câmara “cedeu propagam as ideologias seus canais é The Epoch Times, sediado nos EUA. O jornal
as instalações referidas e o extremistas de direita! Temos digital tem estreitas ligações à Falun Gong (também cha-
equipamento integrante do de dizer ‘não!’.” mada Falun Dafa), multinacional “espiritual” e “filosófica”
espaço, acompanhado pelo Mas há outras ajudas. Pri- ultraconservadora, liderada por dissidentes chineses. É
técnico responsável pela vadas. A empresa Etifast, de editado em 33 países e 22 idiomas, incluindo o português.
infraestrutura”, na sequência Guimarães, fabricou e ofere- Segundo a NBC, gastou 1,5 milhões de dólares em 11 mil
de um pedido por email, a ceu duas mil pulseiras para o anúncios de apoio à primeira campanha do ex-Presidente
19 de outubro, assinado por movimento distribuir durante Trump à Casa Branca. Promove o extremismo religioso
Nelson Porfírio, dirigente da uma iniciativa na cidade, em e de direita, mas sobretudo a desinformação associada à
associação Habeas Corpus. julho de 2022. Já neste ano, pandemia e à vacinação.
O autarca socialista foi ados sócios passaram a bene- Rui Fonseca e Castro está ativo na Ordem dos Advogados
junto do ex-ministro Eduardo ficiar de descontos nas aulas do Brasil, mas não exerce. Por cá, não reativou a inscrição.
Cabrita e, curiosamente, até do professor de jiu-jítsu Ex-emigrante no Brasil e na Alemanha, reside em Ponte de
tem um discurso sustentado Edinaldo Silva, da academia Lima com Isabel Stodden, antiga designer de roupa desportiva
e público contra extremis- ZR Team, em Sintra. da Adidas e vice-presidente do Habeas Corpus. A pandemia

tê-lo-á radicalizado. Despiu a timidez de outrora, adotou um
perfil providencialista e acercou-se do ideário ultranaciona-
lista. Autoridades policiais e serviços de informações receiam
que a postura do antigo magistrado inspire ações mais radicais
por parte de grupos violentos ou de extremistas solitários.
O CASO FRANCÊS
O exemplo vem de França. Rémy Daillet, conspiracionista de
extrema-direita, tinha discurso idêntico ao de Rui Fonseca
e Castro, plano e meios para arquitetar um golpe de Estado.
Tentou e está acusado de terrorismo. Desde logo, a narrativa
assemelha-se: as vacinas matam, o governo é genocida, o
sistema político, corrupto e o regime está dominado por
uma elite satânica, pedófila e maçónica. Mas Rémy Daillet
deu um passo em frente. Nome histórico dos circuitos
neonazis franceses e referência dos protestos negacionis-
tas e antivacinas, tinha as armas, os explosivos e perto de
300 “soldados” disponíveis para assaltar o Eliseu e tentar
um golpe de Estado. Frustrados os seus objetivos através
da interceção de comunicações do grupo neonazi Honra e
Nação (Honneur et Nation, no original), Daillet foi detido,
e os planos da sua Operação Azur valeram-lhe, e a outros
colaboradores, acusações de terrorismo. O seu “exército”
incluía ex-polícias, ex-militares, neonazis, negacionistas,
seguidores do QAnon e figuras do movimento antissistema
Coletes Amarelos. Rémy Daillet já fora detido, pelo rapto de
uma menor, e mantinha uma rede de núcleos regionais, um
ramo paramilitar e outro civil. Visava ações violentas contra
órgãos de soberania, lojas maçónicas e centros de vacinação.
D.R.
Outras das detidas no âmbito deste processo, mas pos-

teriormente libertada e ainda sem acusação, foi a parisiense Protestos Marcha de Braga (em cima) terá reunido
Virginie de Araujo-Recchia, advogada de organizações e vários membros ligados a grupos violentos. Mas os eventos
grupos negacionistas. As suas ligações a Rui Fonseca e Castro do movimento têm sempre uma fachada civilizada
são por via de uma espécie de tribunal popular da opinião
pública chamado Grand Jury. O foco é desmontar “a farsa
da pandemia”, concebida pelas elites “corruptas e crimino- de rapina, entre o zangado e o revoltado com o mundo. No
sas” dos governos mundiais, com o propósito de levá-las Telegram, reúne mais de nove mil seguidores. Aí, solicita
a tribunal e julgá-las por crimes contra a Humanidade. Os donativos para a organização e para a sua conta bancária,
membros do grupo são, sobretudo, advogados, mas também neste caso, indicando o IBAN pessoal. O cargo e o trabalho
políticos, educadores, financeiros e “ativistas” dos “Direitos que vem com ele não são remunerados, justifica.
Humanos”, oriundos da Alemanha, Austrália, Canadá, Itália, O advogado vende “cursos jurídicos” online, 15 euros para
Nova Zelândia, EUA, Índia, África do Sul e Eslovénia. membros, 20 para os restantes. Ensina a fugir às multas de
Estas ligações externas – de que o ex-juiz recusa falar – trânsito e incentiva famílias a retirar os filhos das escolas
fizeram disparar alarmes nas autoridades portuguesas, in- públicas. Em alternativa, sugere a inscrição na Clonlara,
cluindo pelas narrativas comuns. Mas, até agora, Rui Fonseca escola privada norte-americana, de ensino à distância, que
e Castro não passou do foguetório. “Nunca houve qualquer aguarda decisão do Governo para instalar um campus em
ato de violência nos nossos eventos”, reage. Ele acusa a polícia, Idanha-a-Nova. “Pode ser uma boa solução para salvar os
isso sim, de “carregar” sobre “manifestantes pacíficos”: os seus. nossos filhos da voracidade ideológica do regime”, argu-
A maioria dos vídeos que o ex-juiz faz e divulga nas menta Rui Fonseca e Castro. Mas dificilmente será aprovado.
redes sociais é transmitida a partir da “caverna” de casa, Os planos de estudo e de ofertas educativas apresentados
expressão dele. É um cenário com pedra rústica em fundo “não se encontram reconhecidos pelo Estado”, e, por isso,
e a bandeira das quinas presente. Aparece quase sempre de o processo de autorização revela “elevada complexidade”,
t-shirt e mantém o ar grave, a voz cavernosa e o olhar de ave esclareceu o Ministério da Educação à VISÃO, dando como
exemplo o facto de a componente de ensino à distância es-
tar reservada a um conjunto de situações específicas “que
Polícias e serviços poderão não estar inteiramente salvaguardadas”.
de informação receiam que RAIDES SOBRE FARMÁCIAS

No cardápio do ex-juiz, não falta, claro, o prato principal:
teorias do ex-juiz inspirem um rodízio de teorias conspirativas para todos os palada-
ações violentas. Conspirações res. A do “bebé magnético” de Esmoriz é uma. A pretexto
da vacinação contra a hepatite B, teria sido introduzido no
delirantes, sem base real, são organismo do recém-nascido um metal ou microchip que, tal
como um íman, atraía ao seu corpo colheres, garfos, moedas
o prato forte das mensagens e até uma pinça. Havia vídeo e tudo. Há também o caso do

óleo de grafeno nas vacinas, usado como condicionador de
metais, tese “comprovada” por um investigador espanhol.
A exemplo de outras, aquelas duas histórias replicadas
pelo ex-juiz não passaram o teste dos verificadores de factos:
são falsas. Contudo, desistir não é com ele.
Os raides noturnos do movimento junto de farmácias
são prática corrente. Em Lisboa, Porto, Oeiras, Sintra e Gui-
marães, aqueles estabelecimentos ou outros nas imediações
“despertaram” com panfletos antivacinas ou antimáscaras
colados nas paredes. “Os portugueses estão a morrer, porque
foram coagidos a um tratamento de que não necessitavam”,
lê-se num papel. Noutros, são indicados os contactos do
HC, que dá apoio jurídico a quem apresentar ações judi-
D.R.
ciais destinadas a “fazer cessar a atividade criminosa dos
farmacêuticos”. O Ministério Público arquiva a maioria das
denúncias e queixas criminais inspiradas pelo HC. O ex-juiz
culpa o “sistema de Justiça”.
O movimento promove piqueniques, encontros, protestos
e manifestações, alguns de razoável impacto, de norte a sul.
Às vezes, incluem-se aulas de defesa pessoal e meditação
coletiva. O Juiz do Povo, termo cunhado pelos seguidores,
participou em conferências – uma delas internacional, em
Fátima – para denunciar a corrupção e a “falsa pandemia”.
E também em ações de rua em Madrid e Vigo.
Rui Fonseca e Castro desdobra-se em entrevistas a
youtubers, “ativistas”, canais e publicações “alternativas”
LUCÍLIA MONTEIRO
vinculadas a setores da direita radical de Espanha, França,

Inglaterra, Itália, Polónia, Suécia e Austrália. O traço co-
mum – e o negócio – é a difusão de falsidades ou narrativas
enganadoras. Uma prática seguida pelo ex-juiz e pelo HC.
Por isso, as suas páginas nas redes sociais são bloqueadas,
suspensas ou encerradas pelas plataformas digitais. Em se-
tembro passado, o agora advogado demitiu-se da liderança
do movimento por causa de “atropelos graves e reiterados”
aos valores do HC. Algumas pessoas, alegou, estariam a
Caso da aula de ex-juiz usá-lo como “plataforma para a fermentação da mentira,
da desonestidade e da cobardia”. Para remover o “cancro”,
origina inspeção à escola recandidatou-se a 5 de outubro, na assembleia-geral de
Coimbra. “Trata-se de assuntos internos da Habeas Corpus,
Rui Fonseca e Castro deu aula em Vale de Milhaços. Inspeção- há muito resolvidos”, menorizou à VISÃO.
Geral da Educação e Ciência apura responsabilidades
O ADN E O CHEGA
Como é que o ex-juiz nega- secretário da direção do O ex-juiz é secretário-geral da Alternativa Democrática
cionista conseguiu dar uma movimento, aproveitou a Nacional (ADN), liderada por Bruno Fialho, que acolheu
aula a dezenas de alunos deixa e sugeriu o nome. A dissidentes do Chega e outros eleitores negacionistas. O
na Escola Básica de Vale diretora da escola aprovou, HC e o partido partilham eventos e palcos, como no 1º En-
de Milhaços? Rui Fonseca sem averiguar o perfil do contro da Família no Parque [Eduardo VII], em Lisboa, em
e Castro garante que não orador. Finalizado o inqué- setembro. O ADN estreou-se nas legislativas de 2022 com
foi uma, mas quatro aulas a rito urgente e analisadas as pouco mais de dez mil votos (0,2%), logo atrás do MRPP. A
cinco turmas sobre direitos, conclusões, a Direção-Geral adesão de Rui Fonseca e Castro gerou celeuma no HC, en-
liberdades e garantias. E até dos Estabelecimentos Esco- tretanto apaziguada. O movimento desafiou ainda o Chega
publicou um curto vídeo nas lares instaurou um processo para uma estratégia comum, mas André Ventura ter-se-á
redes sociais. O Ministério instruído pela Inspeção-Ge- distanciado após os contactos iniciais. Sobre isso, o ex-juiz
da Educação só tem conhe- ral da Educação e Ciência. não fala. Mas chama “rato mentiroso” ao líder da direita
cimento de uma aula, a 24 Agora, a responsável pelo radical parlamentar. Explicará alguma coisa?
de janeiro. Mas a pergunta estabelecimento de ensino De Ventura, ele tem pouco. E, em Âncora, nem as hostes
é: como é que ele lá entrou? arrisca uma advertência ou ferveram. O público emocionou-se, sim, quando dois irmãos,
Uma professora bibliotecária até o afastamento. “Existem de 12 e 14 anos, envergando t-shirts do Habeas Corpus,
procurava alguém para dar já outros convites, que acei- agradeceram o facto de não serem vacinados. “Não somos
uma aula sobre Direitos Hu- tei sem hesitação”, desafia, ratos de laboratório”, justificaram. À despedida, trocaram-se
manos às crianças entre os entretanto, Rui Fonseca e contactos e propostas de adesão com João Alpoim, do núcleo
11 e os 14 anos. A assistente Castro. A direção da escola de Viana do Castelo. Um bazar chinês do outro lado da rua
operacional Susana Porfírio, e a associação de pais não e ainda tentou um participante. “Queria levar uma prenda
dirigente do Habeas Corpus, responderam aos contactos para a Luana”, ponderou. “Mas, depois do que ouvi hoje, não
casada com Nelson Porfírio, da VISÃO. compro mais nada nos chineses.” [email protected]

“A VIDA POLÍTICA
PORTUGUESA
POLARIZOU-SE
EXCESSIVAMENTE”
FOTOS: LUÍS BARRA
44
Na conferência anual da revista EXAME,
o socialista Francisco Assis e o social-
-democrata Luís Marques Mendes
juntaram-se para a rubrica Clube dos
Moderados. Uma conversa em que os
dois concordaram no diagnóstico sobre
o estado do País: faz falta mais diálogo,
mais ambição e mais competência
— P O R M A FA L D A A N J O S

4 5
F
Francisco Assis é, desde 2020, pre-
sidente do Conselho Económico e
Social (CES), um espaço de diálogo
social por excelência. Luís Marques
Mendes, comentador e conselheiro
de Estado desde 2016. Os dois fa-
zem jus ao nome da rubrica habi-
tual na conferência anual da revista
EXAME – Clube dos Moderados.
Com a economia como pano de
fundo, juntaram-se na semana
passada para uma discussão sobre
o estado do País e o momento que
outro –; e a outra é recebermos imi-
grantes. Mas, para isso, precisamos
de ter uma política de imigração. Não
podemos andar num campeonato, a
saber quem é que tem uma posição
moralmente mais elevada em relação
a esse tema – essa é a pior forma de
abordar o assunto.
Como viu a tomada de posição do
Presidente da República com um
recado a Luís Montenegro e a Car-
los Moedas?
Francisco Assis: Não é só o Presi-
dente da República... O problema
é a discussão fazer-se sempre em
termos puramente morais, com mo-
ralidade básica, diga-se de passagem,
e nunca se fazer nos termos rigoro-
sos em que tem de ser feita. Há uma
dimensão política séria, e económica
também, mas, do ponto de vista da
economia, é uma evidência. Estive
em França há dias, e aquela é uma
sociedade em polvorosa absoluta,
porque vai ser votada a proposta de
passar a idade de reforma de 62 para
64 anos, algo que gerou uma reação de. Como chegámos a esta confli-
vivemos. brutal, e não apenas dos extremos, tualidade, crispação e radicaliza-
Enfrentamos um momento pa- com confrontos nas ruas, de contor- ção do discurso e do debate? Isto
radoxal: temos contas públicas nos preocupantes. A direita francesa não é prejudicial para o desenvol-
com brilharetes, um défice que gosta de lembrar isto, com maldade vimento do País?
pode ficar nos 1,3% e crescimento naturalmente, mas, em 1970, o se- Luís Marques Mendes: Nos últi-
económico de 6,7% em 2022, mas cretário-geral do partido comunista mos anos, em Portugal, temos duas
contas privadas muito apertadas, francês, Georges Marchais, tinha a características, ambas negativas: a
famílias a braços com uma infla- preocupação de dizer: “Alto, que é primeira é que se discute sempre
ção recorde em décadas e taxas de preciso ter um bocadinho de cuidado aquilo que é lançado pelo Chega na
poupança em mínimos históri- com a política de imigração!” Claro agenda política – toda a gente critica
cos. Esta situação é uma panela de que ele, na sua ótica marxista-leni- o partido, mas, quando lança um
pressão social? nista, via tudo em termos de luta de debate, vamos todos atrás –; a se-
Francisco Assis: Vivemos uma classes e achava que quem queria gunda é que temos outro vício muito
guerra no nosso continente, em os imigrantes eram os empresári- cultural: tratamos o que é urgente e
que temos uma inflação que tem de os, porque assim mantinham a mão deixamos o que é estruturalmente
ser controlada e obriga à adoção de de obra mais barata – e a verdade é importante. Eu subscrevo tudo o que
políticas de natureza restritiva, que que não seria inteiramente falso, o o Francisco Assis disse. Acho que
se traduzem, na prática, em efeitos Marx, do ponto de vista da análise do esta questão da política de imigração
na vida das famílias, com aumento concreto, em muitas coisas acertou; é importante, mas está longe de ser
das taxas de juros e o seu impacto na previsão, acertou menos [risos]. uma das grandes prioridades do País.
nos empréstimos… É evidente que Com exceção dos pontos de vista E, se não tivesse sido introduzida
este é um momento de tensões. E é absurdos, que são aqueles eticamen- há dias, não estaríamos aqui, hoje, a
um aspeto que tem de ser discutido te inaceitáveis, como os que queriam levar o debate para este tema. Penso
com racionalidade e elevação, que é o que, por racismo ou xenofobia, nos que o problema maior que Portugal
facto de ser necessária uma polí- fechássemos inteiramente sobre nós tem, neste momento, é que a política
tica séria de imigração. O País tem próprios, o que contraria até a nossa está numa encruzilhada. E a políti-
um problema de demografia muito história nacional, ou aqueles que ca é decisiva para que tudo o resto
profundo; é um problema estrutural, acham que, em nome de valores abs- ande melhor ou pior. Há duas ou
que pode e deve resolver-se por duas tratos, devíamos abrir em absoluto as três coisas profundamente negati-
vias: uma é aumentar a taxa de na- portas… entre uns e outros, é possível vas, e é nessas que me parece que o
talidade – mas não foram só fatores moderação, e deve haver um debate País se devia concentrar. As maio-
de natureza económica e social que sobre esse tema. rias absolutas são boas, porque dão
levaram a esta redução, foram sobre- Francisco Assis falou da questão estabilidade, dão governabilidade aos
tudo fatores de modelo de organiza- da imigração como exemplo de governos e dão tempo às oposições
ção da sociedade, e não se consegue uma discussão que, de repente, para se prepararem para ser alter-
reverter isso de um momento para o passa para alguma irracionalida- nativas, mas esta maioria absoluta

Diálogo Os dois políticos
protagonizaram um debate
vivo na conferência
“Portugal em Exame”
questões essenciais. Neste momento,

estamos concentrados no D. Sebasti-
ão da política, que é o PRR. Se o PRR
for executado dentro dos prazos e
tiver resultados, ótimo. Mas não nos
podemos esquecer de que todos os
países têm PRR: a Hungria, os países
do Leste, que concorrem connosco e
nos ultrapassam em metas, a Espa-
nha… Não é por aí que vamos fazer a
diferença para passarmos a ser mais
competitivos. Andamos sempre à
procura do D. Sebastião, mas esque-
cemos que, se chegarmos a 2026 e
não fizermos mais nada de estrutu-
ral noutras áreas, corremos o risco
de continuar na cauda da Europa.
Há um mês, saiu mais um relatório
anual de um instituto internacional
sobre a competitividade da economia
portuguesa e de mais sessenta e tal
países, e Portugal caiu nove lugares
em seis anos. Ali, foram apresenta-
das duas falhas sérias: competitivi-
dade fiscal e más práticas de ges-
tão. E estes assuntos ninguém quer
veio no tempo errado. Se viesse em discutir: a esquerda não quer olhar
2019, poderia ter sido útil. Agora, para a questão da baixa de impostos,
o primeiro-ministro está farto do e temos um problema seríssimo de
Governo e do País, e os portugue- perda de competitividade nesse do-
ses estão fartos do primeiro-minis- mínio; e a direita não quer olhar para
tro [risos da plateia]! Isto é a pura o problema da gestão. Chegámos a
verdade. Ele está farto do Governo, uma fase da vida nacional em que es-
gostaria de estar a preparar a sua ida tamos melhor do que vários outros,
para Bruxelas e está aqui amarrado mas podíamos estar muito melhor.
a uma coisa para a qual já não tem Temos de ter ambição. E temos de
paciência… Eu já vivi por dentro o olhar para aquilo que é realmente
fim do chamado cavaquismo, e é em importante do ponto de vista estru-
tudo igual ao que estamos a viver, em tural, e não apenas para aquilo que
que já ninguém tinha paciência para é apenas urgente do ponto de vista
o primeiro-ministro e o primeiro- conjuntural.
-ministro já não tinha paciência É esta política numa encruzilha-
“Esta maioria para nenhum de nós. Torna-se uma
situação ingovernável. Isto é perigoso
da que não tem permitido pensar
num projeto estrutural para o
absoluta veio no do ponto de vista nacional e conduz País?
tempo errado. Se a várias encruzilhadas.
E quais são os outros problemas?
Francisco Assis: O momento ade-
quado para o fazer é precisamen-
viesse em 2019, Luís Marques Mendes: O segundo
problema sério é que olhamos para
te este. Eu, aqui, discordo, porque
acho que a questão da imigração já
poderia ter sido útil. a vida política e se, por um lado, esta é um tema central em toda a Europa
solução governativa parece esgo- e já é um tema central em Portu-
Neste momento, tada, por outro, olhamos para a gal. Percebo que o dr. Luís Marques
o primeiro- alternativa, e ela não parece sólida e
consistente. Todos sabem a que lado
Mendes não o valorize tanto como
eu, e procurou colocar a questão no
-ministro está farto da política eu pertenço, mas gos- crescimento da economia e na sua
to de ser sério e verdadeiro. Claro articulação com a dimensão da po-
do Governo, e os que é preciso tempo, e, por isso, lítica. Temos tentado, no CES, fazer
portugueses estão eu defendo que eleições antecipa-
das seriam um desastre de todo o
o seguinte: além de prestar apoio ao
processo da concertação social, que,
fartos do primeiro- tamanho – seria a solução fácil, mas a meu ver, pode ser melhorado, te-
não sustentável. Do ponto de vista mos procurado assumir plenamente
-ministro!” económico, por fim, o que me pre- ser uma instância central na função
Luís Marques Mendes ocupa é que continuamos a não ir às consultiva do Estado e fazer análi-

se prospetiva dos grandes proble-
mas que se colocam ao País. Sobre
a questão demográfica, elaborámos
um parecer, e é na sequência dele
que constatámos a necessidade de
recorrer a imigração em grande es-
cala. E o segundo grande parecer que
estamos a fazer é sobre a questão da
produtividade. É um dos enigmas:
depois de 20 ou 30 anos em que
fizemos um grande investimento em
qualificações, Portugal deu um salto
notável, aumentámos substancial-
mente o número de pessoas licen-
ciadas, com mestrados, mas como é
que continuamos a manter um nível económica e social – nem o PS é um transformar; há muitas PME que são
de produtividade que está em 70% partido coletivista, nem o PSD é um muito pequenas ao nível europeu. O
da média comunitária? Porque é que partido liberal. Há pontos em que o PRR é apenas um instrumento – que
não transformamos estas competên- PS tem maior preocupação com o os outros países também têm, de
cias num aumento real da produ- Estado social e com a promoção de facto. A questão fundamental é saber
tividade e, assim, num aumento políticas de incentivo à igualdade, e como é que esse dinheiro vai ser
significativo do crescimento econó- o PSD confia mais na iniciativa pri- aplicado e se, no final, o País assis-
mico? Temos de ver as circunstâncias vada e na capacidade de o mercado tiu a uma alteração estrutural do seu
em que ocorreu esse aumento do PIB se regular, mas é possível haver um aparelho produtivo, do seu modelo
de 6,7%, e que, neste ano, vai baixar entendimento. Algumas conclusões de Estado, ou se verdadeiramente
substancialmente: Portugal teve uma importantes são estas que aqui fo- nada de substancial mudou e aque-
quebra brutal – fomos dos últimos ram referidas: há um problema sério le dinheiro apenas serviu para ser
países a reerguer-se no contexto ao nível de gestão e de organização uma espécie de complemento dos
europeu. Não podemos ficar satis- do Estado e dos privados. Temos um orçamentos do Estado e até serviu
feitos, porque, num ou noutro ano, tecido empresarial que precisa de se para suprir algumas insuficiências
estamos a crescer acima do ritmo orçamentais num momento em que
europeu zero vírgula qualquer coisa o País mantém algumas restrições,
por cento, quando a média europeia devido à circunstância de termos
baixa muito, uma vez que os outros uma dívida pública bastante elevada
países estão com crises graves e a e, agora, estarmos muito mais ex-
crescer anormalmente abaixo do que postos do que estávamos há um ano,
seria a sua perspetiva. Não podemos por causa das alterações da política
ficar satisfeitos com uma coisa destas do BCE. Esta equação é muito difícil,
– devíamos estar a crescer muito com as variáveis diversas e por vezes
mais. E esse tem de ser um grande muito contraditórias, e não é fácil al-
desígnio nacional. Os últimos anos, cançar um certo equilíbrio. Entendo,
infelizmente, não foram propícios a por isso, que era interessante que,
isso. A vida política portuguesa, des-
de há uns dez, 12 anos, polarizou-se
“Não podemos pelo menos, os dois maiores partidos
políticos portugueses fossem capa-
excessivamente. E essa polarização ficar satisfeitos, zes de falar um com o outro, como
não pode ser estritamente imputada
aos partidos políticos que se colocam porque num falaram algumas vezes. Recordo-me
de quando o dr. Marques Mendes
mais nos campos extremistas, seja
o Chega, de um lado, ou o Bloco e o
ou noutro ano era líder parlamentar, os líderes dos
nossos partidos eram o Eng. Guter-
PCP, do outro. Estou a falar do PS e estamos a crescer res e o Professor Marcelo Rebelo de
do PSD. Sousa, e fez-se, por exemplo, uma
Falta diálogo ao centro? acima do ritmo revisão constitucional. Viabilizaram-
Francisco Assis: O PS e o PSD per-
deram a capacidade de falar um com
europeu zero -se orçamentos do Estado, e o PSD
não deixou de ser um grande partido
o outro. Acho que as responsabili- vírgula qualquer da oposição e, mais tarde, ganhou
dades estão repartidas, mas tenho a eleições. Foi possível fazer isso
minha opinião e não vou divulgá-la coisa por cento, porque os dois tinham uma relação
aqui… Há esta incapacidade dos dois
partidos de falarem e, nalguns temas,
quando outros conhecida – que facilitou bastante
as coisas e dificultou bastante a vida
até fazem um esforço para estar em países estão com aos líderes parlamentares [risos]
divergência onde naturalmente es- –, mas como é que se fez a revisão
tariam em convergência. Porque têm crises graves” constitucional de 1982 e a de 1989?
o mesmo modelo de organização Francisco Assis Com sentido de responsabilidade. Já

Consensos Ambos
concordam que falta diálogo
ao centro. Há matérias em
que PS e PSD podem
e devem entender-se
houve momentos em que foi possível constitucional – porque é que não se Ele nunca me suportou, e eu tratei-o
chegar a entendimentos de fundo, entendem? Porque não são bons da na mesma moeda. Mas, além do pro-
sem que os partidos perdessem as cabeça, politicamente falando! Não blema conjuntural, há um problema
suas identidades e deixassem de se há coragem de afirmar a moderação ainda mais sério, que é estrutural
constituir em partidos alternativos no sentido da responsabilidade. Por- e que contamina a economia: sem
um ao outro. que todos, PS e PSD, estão a pensar: bons decisores políticos, não há boas
Com a maioria absoluta altamen- “Ah, se faço isto, depois, tenho logo decisões políticas. E, hoje, temos
te desgastada, como é visível, a críticas internas.” A vida política faz- um problema de competência. A
oposição no estado em que está, é -se com este taticismo, e isto é um competência na vida política, tanto
possível este diálogo ao centro? E desastre. Estive 13 anos dentro de no poder como no lado da oposi-
em que áreas era essencial que ele quatro governos, tenho uma expe- ção, baixou brutalmente. E isto não
fosse feito? riência única para perceber isto. E, tem que ver com corrupção: a maior
Luís Marques Mendes: Subscrevo o hoje, uma das grandes diferenças parte dos dirigentes políticos não são
que o Francisco Assis diz. É essenci- relativamente ao passado é que tudo corruptos, mas uma parte é incom-
al. Eis um exemplo imediato em que se lê de forma tática e para nada há o petente. Os partidos têm de impor
em 24 horas se entenderiam: há anos mínimo de sentido de responsabili- critérios mais exigentes aos seus
que andamos a discutir a questão dos dade e de visão estratégica. Fui líder dirigentes políticos. Para concluir,
metadados. Sei que não é um tema da oposição, que reconheço que é temos de ter um sentimento de am-
caro, mas está a causar perturbações um lugar difícil. E toda a gente sabe, bição. Não somos um país pequeno;
enormes. Um dia destes, há liberta- pelos meus comentários públicos e no quadro da Europa, somos um país
ção de presos por causa dessa maté- por aquilo que, já na altura, dizia, em médio, quer em território quer em
ria, e temos o populismo à direita e à 2005 e 2006, do então primeiro-mi- população. E temos de olhar para os
esquerda a fazer disso um caso. E, aí, nistro José Sócrates, mas isso não me problemas importantes, e não apenas
toda a gente vai perceber, que é nor- impediu de fazer com ele um acordo urgentes, e tratá-los. Temos de fazer
malmente o que acontece em Por- em 24 horas, que é estruturante entendimentos para desbloquear
tugal – normalmente, só reagimos; para a democracia portuguesa: o da situações e introduzir, na agenda
nunca agimos. PS e PSD pensam limitação de mandatos dos autarcas, nacional, novas formas de desenvol-
rigorosamente a mesma coisa sobre que não havia em Portugal. Fizemos vimento, como, por exemplo,
esta matéria; como é possível não esse acordo, apesar de não gostar- a Inteligência Artificial.
se mudar uma alínea numa revisão mos nada um do outro! Mas nada! [email protected]
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A VIDA SECRETA
DOS ANIMAIS
DO GERÊS
Seis verões, quase um milhão de imagens e mais
de 14 mil observações depois, os primeiros
resultados de um estudo de monitorização
a longo prazo dos mamíferos no Parque Nacional
da Peneda-Gerês trazem várias surpresas.
E recuperam uma história antiga de cabras
— POR ROSA RUELA
LUCÍLIA MONTEIRO
N
Naquele dia, Henrique Pereira andava a passear
sozinho na serra da Peneda quando começou a
ouvir “tac, tac, tac...”. Era um ruído repetitivo,
mas irregular, que o biólogo não identificou
logo. “Pareciam umas rochas a cair do monte,
não muito longe”, recorda. “Só quando pus os
binóculos é que vi que eram dois machos de
cabra-montês à luta, numa escarpa rochosa,
com os cornos um contra o outro, e uma série
de cabras a assistir.”
Não era a primeira vez que este especialista
em biodiversidade via cabras-monteses por ali,
mas, passados quase dois anos, relembra essa
Convivência Segundo
este estudo, os
mamíferos selvagens
não parecem evitar os
locais habitados pelos
cavalos e gado que
ali passam uma boa
parte do ano. Raposas,
corças, javalis e até
cabras-monteses
foram observados
nos mesmos habitats
Algumas
dos) e os cavalos quase assilvestrados, além
do gado doméstico que vive em liberdade.
Os investigadores querem saber como todos
eles interagem num ambiente relativamente
natural e como essa interação se altera ao
longo do tempo.
A PRIMEIRA SURPRESA
Nos últimos 60 anos, tem acontecido um
abandono agrícola naquela zona do parque,
além de se ter alterado a maneira como o
pastoreio é feito. Ao mesmo tempo, também
houve alterações na caça e na perseguição de
certas espécies, nomeadamente dos lobos.
Todas estas mudanças tiveram um impacto
visível na floresta e na vegetação arbustiva, mas
falta perceber como a comunidade de grandes
mamíferos selvagens interage com os cavalos
e com o gado, que ali passam uma boa parte
do ano. Haverá conflitos entre eles?
Para tanto, desde 2015 e sempre nos meses
do verão, foram instaladas 64 câmaras-ar-
madilha nas freguesias de Castro Laboreiro
e Lamas de Mouro, numa grelha de 16 km²,
observação como “a mais impressionante” de
sempre. Afinal, durante perto de 100 anos não
fotografias, limitados a sul pelo santuário da Senhora da
Peneda. É uma zona de serra, com rochas nuas
tinha sido possível presenciar aquele ritual no em que (45,30%), arbustos baixos (20,13%), floresta
Parque Nacional da Peneda-Gerês, no Norte de carvalho (18,77%), arbustos altos (8,64%),
de Portugal. os animais pinhal (3,63%), lameiros e outros campos agrí-
A história da cabra-montês (Capra pyre- parecem colas (2,42%) e infraestruturas urbanas (1,11%).
naica), na zona raiana entre o Minho, Trás-os- Existem trilhos de montanha, medievais, mas
-Montes e a Galiza, é longa e tem de tudo um estar a tirar é uma região agreste, com altitudes entre os
pouco – até de mistério. Já voltaremos, por 300 e os 1 340 metros.
isso, a ela, mas para já centremo-nos no estudo selfies, são “Estamos a falar de uma serra que tem
que Henrique Pereira coordena, há quase uma
década, num dos mais belos pedaços do único
um bónus grandes domos graníticos, que é como se cha-
ma em geologia aos rochedos, e que localmen-
parque nacional português, nas imediações de que torna te são conhecidos por fragas”, há de ensinar
Castro Laboreiro. Henrique Pereira, num dos telefonemas que
Iniciado em 2015, o estudo em curso tem o trabalho trocamos nos intervalos do seu trabalho na
como objetivo perceber a dinâmica na área
entre as várias populações de mamíferos
científico Universidade Martin-Luther de Halle-Wit-
tenberg (MLU), na Alemanha, onde dá aulas e
selvagens de grande e médio portes (cabras- mais coordena diferentes projetos de investigação.
-monteses, claro, mas também corças, javalis, “Torna-se complicado colocar as câmaras,
raposas, lobos, texugos, martas, ginetes, vea- divertido porque há muitas zonas de difícil acesso.”

As câmaras foram distribuídas aproxima- professor e investigador na MLU, já há uma
damente de 500 em 500 metros, mas o que
na cidade são cinco minutos a andar, ali pode Uma longa década, o biólogo ruma constantemente a
Castro Laboreiro, seja porque tem uns dias de
demorar meia hora ou mais. Depende do ter- história férias seja por ter trabalho de campo para fazer.
reno. “Por causa do relevo e dos arbustos, que Extinta durante quase 100 O estudo foi iniciado por uma sua aluna de
são altos, muitas vezes temos de ir à volta. Não anos, a cabra-montês foi doutoramento, Andrea Perino, e depois conti-
somos cabras”, ri-se o biólogo. reintroduzida no Gerês, nuado por Annika Zuleger, atual doutoranda.
Apesar dos obstáculos, o estudo foi sempre acidentalmente Henrique Pereira tem sido sempre o líder do
avançando. E, entre outras surpresas, os pri- 1892 É observado projeto e um dos seus maiores entusiastas. O
meiros resultados, publicados recentemente um último indivíduo, biólogo dirigiu o Parque Nacional da Pene-
no Biodiversity Data Journal, revelam que a na Lomba do Pau da-Gerês entre 2006 e 2009 e considera-se
cabra-montês, em 1908 considerada extinta castrejo.
no território nacional, é hoje uma espécie em 1908 Durante uma A família é de Guimarães e ele já cresceu em
franca expansão naquela zona do parque. excursão venatória, Lisboa. Mas, há mais de 20 anos, escolheu fazer
Essa não foi, porém, a única surpresa. Os promovida pela revista o seu trabalho de campo na região de Castro
investigadores chegaram a mais resultados Illustração Portugueza, Laboreiro, e passava lá tanto tempo que de-
“interessantes”, adjetiva Henrique Pereira, a confirma-se a extinção cidiu recuperar uma casa numa “inverneira”,
começar pela densidade por km² de vários uma aldeia de inverno, no vale. Sempre gostou
outros mamíferos de que não havia estimati- 1992 A cabra-montês de fazer caminhadas por ali, mas quando, na-
vas tão precisas. Algumas fotografias, em que é reintroduzida no Parque quele dia de maio de 2021, foi surpreendido
alguns animais parecem estar a tirar selfies, Natural do Invernadeiro, pela ruidosa luta dos dois machos de Capra
são um bónus que torna o trabalho científico em Espanha pyrenaica, ainda não sabia que a espécie já
mais divertido. estava em expansão na zona.
Na maioria das vezes, os animais passam 1997 O Parque Natural As câmaras-armadilha são uma ferra-
pelas HC600 Hyperfire sem darem pela sua da Baixa Límia-Serra do menta eficaz para estudar as interações e a
existência, sobretudo à noite porque elas dis- Xurês recebe 18 cabras- dinâmica de ocupação das espécies, porque
param uma luz infravermelha muito ténue, -monteses permitem uma monitorização a longo prazo
apenas visível quando se olha diretamente ou com um mínimo de interferência, lembra-se
quando se está realmente próximo. Noutras, 1999 Três cabras- no relatório do estudo. Estas estiveram ativas
estranharão estas volumosas câmaras atadas monteses escapam de 24 horas por dia e tinham sido programadas
a árvores, a sensivelmente um metro do solo. um cercado galego e são com um sensor de movimento, para tirarem
vistas no Parque Nacional três fotografias consecutivas de cada vez que
OS ANIMAIS “APANHADOS” da Peneda-Gerês fossem acionadas por um animal.
Entre 2015 e 2021, os investigadores obtiveram As imagens recolhidas foram classificadas
quase um milhão de imagens e mais de 14 mil 2009 O diretor do parque manualmente e logo agrupadas em sequências,
observações. Isto apesar dos roubos e do mau espanhol liberta uma representando cada sequência uma ocorrência
funcionamento de algumas das câmaras, e das dezena de indivíduos, ao distinta, resultando em 80 191. Destas, 14 442
restrições de viagem por causa da pandemia lado da serra da Peneda continham observações de uma espécie, en-
Covid-19 que fizeram com que estas tives- quanto as restantes ou estavam em branco ou
sem de ficar no terreno entre junho de 2020 2023 Estima-se que a espécie não era identificável. Note-se ainda
e maio de 2021. existam mais de 200 que, em cada fotografia, apenas se registou a
Foi essa a única altura em que a distância cabras-monteses na serra presença ou a ausência de uma espécie, des-
geográfica prejudicou o regular andamen- do Gerês e 60 a 70 considerando-se o número de indivíduos.
to deste estudo. Mesmo depois de se tornar na serra da Peneda No total de todos os anos, a maioria das ob-

servações foi de gado doméstico e de cavalos,
seguidos de corças e de javalis. Em número
muito menor, e por ordem decrescente, as
câmaras também apanharam raposas-verme-
lhas, cães domésticos, lobos-cinzentos, cabras-
-monteses, aves, pequenos roedores, ovelhas e
cabras domésticas, martas-das-pedras e gine-
tes comuns. Por fim, foram ainda fotografados
menos de uma dezena de veados-vermelhos,
texugos-eurasiáticos, coelhos-europeus, gatos
domésticos e lagartos.
“Com este estudo, obtivemos estimativas
para as densidades destas espécies. Não havia
com esta precisão”, nota Henrique Pereira. “Por
exemplo, no lobo temos agora uma estimativa Infravermelhos
que nos dá uma abundância de 0,15 indivíduos As câmaras-
-armadilha
por km², ou seja aproximadamente um lobo estiveram ativas
por 7 km².” 24 horas por
No caso das corças, a densidade é de seis dia, captando
indivíduos por km², ou seja há 50 vezes mais os animais
corças do que lobos, “o que faz sentido, porque mais dinâmicos
depois de
um lobo tem de comer várias corças por ano”, escurecer, porque
lembra o biólogo. “E, se formos para os javalis, historicamente
a estimativa também é mais alta do que a dos eram caçados
lobos: três indivíduos por km².”
Segundo o relatório, no gado bovino e equi-
no estamos nas dezenas – quase 11 cavalos por
km² e cerca de 20 cabeças de gado por km².
E as raposas-vermelhas serão o dobro dos
lobos, embora os investigadores frisem terem
obtido muito poucas observações destas duas
espécies perto das câmaras, indicando que tendência de expansão desta espécie já parece
alguns animais podem não ter sido detetados muito clara.
a pequenas distâncias.
Quanto às corças, elas são muitas e vivem O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO
em todos os habitats. “Nesta região, a corça DAS CABRAS
é a espécie que aparece em vários sítios, tem A sua história é longa, mesmo recuando
uma distribuição muito ampla”, já sabia Hen- apenas a 1892, ano em que José Thomaz de
rique Pereira. “Embora haja mais cavalos e Sousa Pereira, o silvicultor que deu início ao
bois do que qualquer mamífero selvagem, eles repovoamento florestal da serra do Gerês no
só ocupam uma parte do habitat, enquanto a final do século XIX, observou uma última
corça está em todo o lado.” Lembre-se que o “cabra-brava” na Lomba do Pau. Anos depois,
gado bovino baixa aos estábulos no inverno setembro de 1908, a revista Illustração Por-
e, por vezes, mesmo no resto do ano, à noite, tugueza promoveria uma “grande excursão
enquanto a corça nunca sai dali. venatória, científica e de turismo” ao Gerês,
Em muito menor número do que o espera-
do está o coelho, hoje raro. Das duas observa-
Em 1908, na com o patrocínio do rei D. Miguel, que con-
firmou a extinção da espécie.
ções em 2015, passou-se para seis, em 2016, e excursão Durante três dias, a serra foi percorrida
zero de 2017 a 2021. “É surpreendente, porque por caçadores e naturalistas que regressaram
historicamente havia muito mais”, diz o biólo- que con- convictos de que não sobrevivera um único
go, “mas o coelho teve a mixomatose e a febre exemplar da variedade hispânica daquela
hemorrágica que o dizimaram... E era caçado,
firmaria a cabra selvagem. Num “dos mais abundantes
o que levou a que praticamente desaparecesse. extinção da viveiros da caça grossa do País, guardado
Era bom termos coelhinho, há alguns, já vi, zelosamente pelo Estado e onde há anos ne-
mas não temos imagens.” cabra-mon- nhum caçador obtivera licença para caçar”, os
As câmaras talvez não estejam a uma altura 78 caçadores e cerca de 100 batedores apenas
ideal para detetar coelhos, ressalva, ainda assim tês, o silên- abateriam seis corças e umas 80 perdizes.
é surpreendente e de lamentar a sua raridade cio da ser- O programa teve direito a um filme, apre-
naquela zona do parque. “Todas as espécies sentado no Salão Central, em Lisboa, e a
têm uma função no ecossistema. Os coelhos ra iria im- várias reportagens ilustradas por clichés de
são alimento para o lobo e para outros carní- Joshua Benoliel. Além da extinção da “cabra-
voros”, esclarece. pressionar -brava”, para a história ficava que a revista
As outras populações de mamíferos pa-
recem estáveis, à exceção da cabra-montês,
caçadores e conseguira levar a bom termo a ambiciosa
expedição que incluía um acampamento
como se viu. O estudo vai continuar, mas a naturalistas montado a 1 500 metros de altura, num re-

Ministério do Ambiente intercedesse junto
de Espanha para trazer para Portugal alguns
exemplares, sem êxito. Nesse mesmo ano, a
Junta da Galiza introduziu no Parque Natural
do Invernadeiro quatro machos e oito fêmeas,
vindos de uma reserva em Salamanca. E, cin-
co anos depois, quando o grupo já ia nos 70
indivíduos, foram transferidos 18 para Parque
Natural da Baixa Límia-Serra do Xurês.
Os três animais que Miguel Dantas da
Gama viu tinham escapado de um cercado
galego, junto à serra do Gerês, e, em pouco
tempo, iriam colonizar aquela zona do parque
português. Só dez anos mais tarde, em 2009,
é que o diretor do parque espanhol libertou
intencionalmente uns indivíduos mesmo ao
lado da serra da Peneda.
“É aí que vemos agora a sua expansão”,
explica Henrique Pereira. “Elas começaram
por ocupar a zona da fronteira e, ao longo dos
anos, vemo-las a virem para o ocidente e cada
vez mais indivíduos. Nessa zona, Portugal está
a oeste de Espanha porque faz ali uma covi-
nha. Tem Espanha no meio, a serra do Gerês a
oriente, e a serra da Peneda a ocidente.”
As cabras-monteses observadas no estudo
de monitorização dos mamíferos são o resul-
tado dessa segunda reintrodução, intencional.
Entre umas e outras, há 30 e tal quilómetros
em linha reta, o que é muito. As cabras do Ge-
rês nunca chegaram à serra da Peneda.
Enquanto no Gerês existem atualmente
moto e agreste planalto entre penhascos e mais de 200 indivíduos, na Peneda serão
urzes, capaz de abrigar 300 pessoas e “ilumi- 60 a 70. “O nosso estudo demonstra que o
nado pelos leques fulgurantes do acetileno”. número de cabras-monteses está a crescer
Os excursionistas terão ficado surpreen- depressa e que, nos últimos dez anos, se mo-
didos com os almoços volantes, servidos em veram uns seis ou sete quilómetros”, conta o
alvas toalhas pela equipa do Hotel Ribeiro do biólogo. “Têm vales escarpados no meio, têm
Gerês que garantiu sempre pão fresco a todas de atravessar rios e subir a cordilheira outra
as refeições. Mas ainda mais, espera-se, com o vez… No primeiro ano, não são encontradas no
grande silêncio da serra, “que só o estalar das lado mais ocidental, mas depois começaram
urzes desmanchava ao de leve”, e com vistas a mover-se. A população vai crescendo e elas
belíssimas como a do “formidável corredor têm de procurar outros terrenos, até por causa
de montanhas”, por onde descia, “encurralado dos machos que se poriam à luta.”
entre calhas de penedia, o rio Homem”, que Além da clara expansão da Capra pyre-
o repórter comparava com “as mais impres- “No lobo naica, simbólica no Gerês, os investigadores
sionantes ilustrações de Gustave Doré para ‘O depararam com mais uma surpresa: os locais
Inferno’, de Dante”. temos agora habitados pelo gado não são evitados pelos
Quanto à cabra-montês, ela só voltaria a mamíferos selvagens. Segundo a análise dos
ser vista no Gerês quase um século mais tarde, uma esti- dados feita até agora, entre os herbívoros, não
quando Miguel Dantas da Gama, cofundador
do FAPAS (Fundo para a Proteção dos Animais
mativa que há evidência de uma competição pelo espaço,
mas os investigadores querem saber qual é o
Selvagens), andava a recensear a águia-real. nos dá 0,15 período do dia em que os animais estão mais
“Sábado, 20 de fevereiro de 1999”, registou ativos e também o que acontece quando há
o ambientalista. “De repente, as silhuetas de indivíduos uma alteração do clima.
um, depois dois, finalmente três animais, uns
200 metros abaixo do topo da escarpa onde
por km², ou “Os herbívoros selvagens, porque historica-
mente eram caçados, só estão ativos no final do
me encontro, fazem-me instantaneamente seja aproxi- dia, quando está a escurecer”, lembra Henrique
pensar no que não posso acreditar. O binóculo Pereira. “E quando está lua cheia? Pensámos
desfaz, historicamente, a dúvida. São 14h50. A madamente que íamos conseguir vê-los melhor, mas os
cabra-montês está de volta a Portugal! O Gerês lobos estão mais ativos e uma coisa cancelará
não me parece o mesmo! Um reixelo (macho
um lobo por a outra?” São essas as análises que a equipa
adulto), uma fêmea e uma cria pastam em li- 7 km²” de Henrique está agora a fazer – para ver se
berdade no Parque Nacional da Peneda-Gerês!” descobre mais alguns segredos dos animais
Em 1992, o FAPAS tinha tentado que o Henrique Pereira do Gerês. [email protected]

---------- I M O B I L I Á R I O
QUANTO
CUSTAM AS CASAS
NA EUROPA

Lisboa é a cidade europeia onde o valor da habitação é mais
exorbitante, em relação ao nível de preços do seu próprio país.
Nesse perturbador top 10 encontramos também o Porto, à frente
de Londres, uma das capitais mais caras do mundo. Nas próximas
páginas ficamos a conhecer o valor do metro quadrado
em 36 cidades e percebemos onde nos situamos neste
“campeonato” da valorização dos bens imobiliários
— POR ALEX ANDRA CORREIA E MARISA ANTUNES

---------- I M O B I L I Á R I O
É
O Porto é mais em conta (€2 753/
m2), mas ao nível da capital da Irlan-
da, Dublin (€2 792), e mais caro do
que Varsóvia (€2 406) ou Budapeste
(€2 566). Todos estes números estão
ao virar da página, na infografia com
o mapa da Europa.
Também aí encontramos uma
tabela porventura mais reveladora
(e perturbadora). A Deloitte ordena
também as cidades mais caras em
relação ao nível de preços da habi-
tação no seu próprio país. Ou seja,
aquelas que estão nitidamente acima
das suas possibilidades, digamos as-
sim, para recordar uma frase batida.
Lisboa está em primeiro lugar. O
Porto em oitavo. Londres, uma das
capitais mais exorbitantes do mun-
do – onde há três anos um magnata
chinês adquiriu uma moradia por
240 milhões de euros e um oligarca
É um apartamento muito pequeno, russo é proprietário de outra avaliada
tem 49 metros quadrados, dois quar- em €450 milhões –, encontra-se no
tos e uma sala de estar com kitche- 10.º lugar.
nette e pouquíssima luz, a mesa de Quer isto dizer que uma pessoa
refeições quase em cima da televisão, mais facilmente se muda de uma
a televisão sem distância para o sofá… qualquer cidade inglesa para a sua
Está na plataforma Idealista a €9 184 capital do que alguém vai de malas
o metro quadrado, €450 mil, mais e bagagens de um ponto de Portugal
€95 mensais de condomínio. Mas para Lisboa. Como se pode ver, aliás,
vive-se na Calle de Goya, no mais pela quantidade de profissionais
distinto bairro madrileno, Salamanca. (médicos, professores, polícias, etc.)
Por esse preço, e com o mesmo que recusam trabalhar aqui porque
tamanho, compramos um T2 no lhes é impossível pagar uma renda.
Chiado, em Lisboa, mas com acaba-
mentos e soluções arquitetónicas de NÓS E OS VIZINHOS
outro planeta. Nada a ver. Ou então Mas estará Lisboa a valorizar assim
vemos para a mesma simplicidade tanto perante as outras cidades euro-
espanhola ou então optamos por uma peias? Nem por isso, afirma, convic-
casa por remodelar, mas nesse caso to, o economista Ricardo Guimarães,
poupamos quase €100 mil. Calma, diretor da Confidencial Imobiliário, Em Londres,
que ainda não chegámos a Madrid!
Mas já chegámos a Bruxelas e até a
empresa especializada em dados do
setor, dando como exemplo Espanha.
há negócios
Roma. Segundo o Property Index da “Se compararmos centro com estratosféricos.
consultora Deloitte, de 2022, um es- centro, vamos encontrar preços mé-
tudo comparativo entre várias cidades dios muito mais baixos em Lisboa do Em 2020, um
europeias, com base em valores de
transações concluídas, já com o devi-
que em Madrid. Lisboa é uma cidade
muito pequena e, na prática, quando
magnata chinês
do desconto entre o valor anunciado e
o efetivamente pago pela construção
confrontamos com Madrid, temos
de perceber com que ‘anel’ da cidade
adquiriu uma
nova, o valor por metro quadrado em espanhola estamos a comparar. É a moradia por
Lisboa anda nos €4 715, o que com-
para com Madrid (€5 037). Ficamos
mesma coisa que pegar nos números
de Lisboa e cruzar com toda a Área €240 milhões.
melhor servidos comprando casa em
Bruxelas (€3 869), em Roma (€3 208)
Metropolitana da capital. Aí, também
iríamos dizer que a cidade estaria
Uma outra,
ou Milão (€3 844), ou em Marselha baratíssima, e não pode ser assim. É de um oligarca
(€4 391). Em contrapartida, a capital
portuguesa apresenta valores por
preciso comparar alhos com alhos...”,
continua Ricardo Guimarães. russo, está
metro quadrado bastante abaixo em
relação a Paris (€13 352) ou Amester-
Efetivamente, uma compara-
ção entre os bairros mais caros de
avaliada em
dão (€7 600), por exemplo. Madrid e os de Lisboa mostra um €450 milhões
O ALTO LUXO
DE VIVER NO CENTRO
Nas cidades mais caras
do mundo, 5 m² ficam ao preço
de um apartamento
PREÇO POR M² (€)
31 271
BEAUCHAMP ESTATES/TOM ST. AUBYN PHOTOGRAPHY
1 Hong Kong (China)

2 Seul (Coreia do Sul) 22 421
3 Zurique (Suíça) 20 834
4 Singapura (Singapura) 20 342
5 Xangai (China) 18 264
6 Pequim (China) 18 119
7 Genebra (Suíça) 17 952
8 Shenzhen (China) 17 456
9 Telavive (Israel) 15 362
10 Lausana (Suíça) 14 865
11 Taipé (Taiwan) 14 729
12 Sidney (Austrália) 14 454
Casa Gucci Foi um dos grandes 13 Santa Bárbara (EUA) 14 394
negócios londrinos de 2022. 14 Londres (Reino Unido) 14 368
Os escritórios da Gucci, no
bairro de Mayfair (em baixo),
15 Nova Iorque (EUA) 14 278
foram vendidos como casa 16 Paris (França) 13 364
particular, tendo estado 17 San José (EUA) 13 224
anunciados por €62 milhões
18 Munique (Alemanha) 13 070
19 Guangzhou (China) 13 052
20 Jerusalém (Israel) 12 570
89 Lisboa (Portugal) 6 050
98 Cascais (Portugal) 5 759
180 Porto (Portugal) 3 514
FONTE Numbeo, uma base de dados online

sobre o preço das casas construída com base
nas contribuições dos utilizadores AR/MT/RL
GETTYIMAGES

---------- I M O B I L I Á R I O
Uma “penthouse” em Paris Bem no

centro, no 8th arrondissement, este
apartamento, com 375 m² e oito quartos,
vende-se por €21 milhões
EUROPA
TODOS OS PREÇOS
Lisboa é mais cara do que Roma
e Bruxelas e aproxima-se do nível
de Madrid. Um apartamento no Porto
custa tanto como em Dublin.
Está tudo neste mapa
PREÇO DE VENDA POR M², EM EUROS
GETTYIMAGES
REINO
UNIDO
SOTHEBY’S
SOTHEBY’S
Manchester
3 628
IRLANDA
diferencial significativo. Segundo tenham caído 1,7% em 2022. Loca-
Dublin
dados recentes da Tinsa, o distrito lizado na parte alta de Barcelona, 2 792
de Salamanca é o mais caro da capital estende-se até o monte Tibidabo e
espanhola, com o metro quadrado a a serra de Collserola. Esta área, uma Londres
valer €7 016. Aqui estão situados os das mais exclusivas e com maior ren- 8 426
dois bairros mais aristocráticos – dimento per capita, está dividida nos
Recoletos, onde o metro quadrado bairros de Sarrià (€6 795/m2), Sant
dispara para os €8 735, e Castellana, Gervasi-Galvany (€6 197/m2), Les Tres
a €8 118 por metro quadrado. Torres (€6 197/m2), Sant Gervasi-La
As zonas mais caras de Lisboa – Bonanova (€5 228/m2) e El Putxet i
o Chiado e a Avenida da Liberdade el Farró (€4 813/m2).
– ficam manifestamente a perder Em segundo lugar está o distrito de
comparativamente aos bairros de luxo Eixample, onde os apartamentos cus-
madrilenos. Números da Confidencial tam em média €5 510/m2 (mais 4,4%
Imobiliário, cedidos à VISÃO, revelam do que há um ano). É outra das áreas
que, no mesmo período, dezembro premium do mercado imobiliário de
de 2022, a freguesia da Misericórdia Barcelona e, segundo os especialistas,
(onde se integra o Chiado) vale €4 919 um dos bairros que mais interes- ESPANHA
o metro quadrado, seguida do Parque se despertam entre os investidores PORTUGAL
das Nações (€4 515/m2) e de Santa internacionais, principalmente nor- Porto Barcelona
2 753 6 251
Maria Maior (€4 243/m2). te-americanos, franceses e ingleses.
Madrid
Nem com Barcelona os preços Questionado sobre a diferencia- 5 037
das casas da capital portuguesa são ção de valores por metro quadrado Lisboa
4 715 Alicante
comparáveis. Direcionando a lupa entre cidades, como Lisboa, Madrid
para a cidade catalã, percebe-se que e Barcelona, Ricardo Sousa, CEO da 2 376
as habitações estão mais baratas em rede Century21 para o mercado ibé-
quatro dos seus dez bairros. Sarrià- rico, fala de realidades distintas, não
-Sant Gervasi continua a ser o mais só em termos de escala mas também
caro (€5 675/m2), embora os preços de outros fenómenos, com influên-

AS 10 CIDADES MAIS CARAS
EM RELAÇÃO À MÉDIA DO SEU PAÍS
Lisboa vive muito acima das possibilidades de Portugal, ou seja,
acaba por ser mais fácil uma pessoa mudar-se de Manchester para Londres,
por exemplo, uma das cidades mais caras do mundo, do que vir de Coimbra
para Lisboa, onde o nível do preço das casas é acima de 300%, quando
o indicador da média do país é o 100
1 Lisboa 306,8
2 Paris 290,2
3 Barcelona 239,0
4 Munique 228,3
5 Copenhaga 212,0
6 Madrid 193,9
7 Frankfurt 182,6
8 Porto 179,1
9 Oslo 175,7
10 Londres 171,8
NORUEGA
Bergen
4 925 Oslo QUANTO CUSTA
8 417
UM T2 DE 80 METROS
QUADRADOS? EM EUROS
1 Paris 1 076 960
2 Londres 674 080
DINAMARCA 3 Berlim 520 000
4 Madrid 405 840
LETÓNIA 5 Lisboa 377 200
Copenhaga Riga 6 Bruxelas 309 520
7 283 1 903 7 Roma 256 640
8 Dublin 223 360
Antuérpia 9 Porto 220 240
4 050 10 Varsóvia 192 480
HOLANDA
Gdansk
Amesterdão
2 238
7 600 ALEMANHA VALORES DAS RENDAS
Berlim POLÓNIA
Varsóvia
MÉDIAS POR M , EM EUROS 2
Roterdão
6 500
2 406 1 Paris 29,10
3 875 2 Oslo 26,56
Frankfurt
BÉLGICA 3 Londres 25,12
8 400
Bruxelas CHÉQUIA Cracóvia 4 Amesterdão 22,45
3 869 Praga 2 099 5 Barcelona 21,30
Munique 4 353 6 Copenhaga 20,46
10 500 ESLOVÁQUIA 7 Munique 18,90
FRANÇA Bratislava 8 Madrid 18,46
Paris 3 490 9 Varsóvia 17,86
13 352 ÁUSTRIA Viena HUNGRIA 10 Roterdão 16,98
Linz 5 788 Budapeste ROMÉNIA 11 Lyon 16,70
4 382 2 566 Bucareste 12 Frankfurt 15,90
ESLOVÉNIA 1 573 13 Berlim 14,30
Lyon Milão SÉRVIA 14 Marselha 14,20
Liubliana
5 262 3 844 Belgrado 15
3 393 Bruxelas 14,10
2 172 16 Dublin 13,81
BÓSNIA
Turim ITÁLIA E HERZEGOVINA BULGÁRIA 17 Roma 12,99
Marselha 1 922 Roma Banja Luka Sófia 18 Milão 12,69
4 391 3 208 1 236 1 262 19 Lisboa 12,60
20 Antuérpia 11,93
CROÁCIA 21 Manchester 11,86
Zagreb 22 Bratislava 11,55
1 950 23 Praga 11,25
24 Gdansk 10,57
25 Alicante 10,50
26 Budapeste 10,39
27 Porto 10,30
28 Linz 10,22
29 Cracóvia 9,96
30 Liubliana 9,48
FONTE Deloitte, Property Index, agosto 2022 INFOGRAFIA AR/MT/RL

---------- I M O B I L I Á R I O
cia direta nos valores das casas e na

quantidade de imóveis em stock ou
COMPARE COM OS "NUESTROS HERMANOS"
em obra, muito assentes em parcerias Lisboa, Porto, Madrid e Barcelona bairro a bairro. Como são os preços nas quatro grandes
público-privadas. cidades da Península Ibérica
O FATOR DA CONSTRUÇÃO PREÇOS MÉDIOS DE VENDA DA HABITAÇÃO (USADOS) NO PORTO E EM LISBOA, 2022 (€/M²)
Em termos de escala, Ricardo Sousa
PORTO FREGUESIAS
realça que Madrid tem um segmen-
to de luxo bem superior ao lisboeta, MÉDIA PORTO 2 492
“com muitos imóveis em valores aci- 5 6 1 UF Aldoar...* 3 623
ma dos €10 milhões nesta classe de 1 2 UF Cedofeita...** 3 026
2 7
4 3 3 UF Lordelo...*** 2 390
ativos”. Por outro lado, existe também
“um segmento médio e médio-baixo 4 Bonfim 2 353
* Aldoar, Foz do Douro 5 Paranhos 2 261
enorme, incomparavelmente superior e Nevogilde 6 Ramalde 2 152
ao de Lisboa e ao de Barcelona”, re- ** Cedofeita, Santo
7 Campanhã 1 724
força o CEO da Century21. Ildefonso, Sé, Miragaia,
São Nicolau e Vitória
“E aqui há um fator, que não po- *** Lordelo do Ouro MÉDIA LISBOA 3 903
demos dissociar da análise que se faz e Massarelos 1 Misericórdia 4 919
do mercado imobiliário, e que é a di- 2 Campo de Ourique 4 874
mensão das próprias cidades: Madrid 3 Avenidas Novas 4 820
tem 600 quilómetros quadrados de LISBOA 4 Santo António 4 804
área, já Barcelona e Lisboa não só são 5 Belém 4 572
mais pequenas – ambas têm cerca de 24 6 Estrela 4 552
100 quilómetros quadrados – como 22 7 Parque das Nações 4 515
16 7
também têm barreiras naturais, o mar 19 8 Alvalade 4 479
ou o rio, que limitam a expansão da 8 9 Sta Maria Maior 4 243
13 23
cidade”, lembra o responsável. 10 10 Areeiro 4 170
18 3 11 Arroios
11 17 21
A escala da capital espanhola e as 14 4 017
12 São Vicente 4 008
parcerias público-privadas têm per- 2 4 12
20 15 9 13 São Domingos de Benfica 3 950
mitido uma convivência não muito 6 1 14 Campolide
5 3 916
desequilibrada entre os vários seg- 15 Alcântara 3 610
mentos, afirma Ricardo Sousa. “E 16 Lumiar 3 556
Madrid até tem um mercado bastante 17 Penha de França 3 430
mais liberal do que o nosso. Não teve 18 Benfica 3 401
os problemas do passado de contro- 19 Carnide 3 368
lo e o congelamento de rendas, mas 20 Ajuda 3 323
apresenta uma zona de expansão e de 21 Beato 3 126
construção nova, com uma dinâmica 22 Olivais 2 957
muito superior à nossa. O projeto 23 Marvila 2 466
Castelhana Norte é um bom exemplo 24 Santa Clara 2 404
FONTE Confidencial Imobiliário (SIR -Sistema de Informação Residencial)
disso. Só aqui estão em curso mais de
dez mil casas”, exemplifica Ricardo
Sousa, sublinhando que são “projetos de valorização relativamente contí-
estruturantes deste tipo que faltam nuas”, sublinha, por seu turno, Ri-
à cidade de Lisboa, porque, mesmo cardo Guimarães. “Olhemos para os
com a limitação geográfica, ainda dados do Eurostat, por exemplo, em
existe espaço para a expansão”. que podemos ver que é nos países com
Já, em Portugal, a construção está, as casas mais baratas que se registam
como se sabe, pelas ruas da amargura. taxas de valorização muito altas. Isso
Em 2021, construíram-se 19 mil no-
vos fogos – o culminar de uma década
Mesmo que pode dar a sensação de que estes paí-
ses estão muito mais caros, mas não é
terrível, com números como 7 126 (em os Vistos Gold por Portugal estar a valorizar ao do-
2015) ou 8 156 (em 2017). Para se per-
ceber o tamanho da queda, basta ver sejam erradicados, bro da média da União Europeia que
é mais caro do que a média da UE. É
quantos se construíam em 2001 (115
154), 2002 (125 708) e 2003 (92 508).
não é previsível mais barato”, frisa o economista.
A verdade é que os valores são de-
Tal como Madrid, outras capitais, um afastamento masiado elevados para as bolsas dos
têm “macroplanos” definidos. É o que
acontece em Paris, Londres ou Milão, dos investidores portugueses. E poderão os preços
manter a sua trajetória de subida,
reforça ainda Ricardo Sousa.
Cidades com imobiliário mais
estrangeiros em mesmo com a implementação plena
do programa Mais Habitação, em que
caro, “mas com taxas de crescimento relação a Portugal está previsto o fim dos Vistos Gold

e o travão a fundo no Alojamento
Local (AL)?
ONDAS DE CHOQUE
“Quem compra imobiliário de luxo
PREÇOS MÉDIOS DE VENDA DA HABITAÇÃO (USADOS) EM BARCELONA E EM MADRID, 2022 (€/M²) em Portugal vem pelo país, não pelo
Visto Gold”, sublinha Vanessa Morei-
BARCELONA DISTRITOS
ra, sales director da Engel & Volkers.
MÉDIA BARCELONA 4 306 A colega Margarita Oltra, regional
10
9 1 Sarrià Sant Gervasi 5 675 manager desta empresa, dá o exem-
8 2 Eixample 5 510 plo do Algarve, um mercado desde
3 Les Corts 5 384 sempre acarinhado e muito concor-
4 6 4 Gràcia 4 588
1 rido pelos britânicos abastados, e que
2 5 Ciutat Vella 4 562
5 assim se manteve, apesar do Brexit
3 6 Sant Martí 3 976
7 Sants-Montjuic 3 469 – um fenómeno que também pode-
7 8 Horta-Guinardó 3 379 ria ter afetado as vendas das casas a
9 Sant Andreu 3 185 sul, o que não veio a concretizar-se.
10 Nou Barris 2 639 “Entre os nossos melhores clien-
tes na região algarvia estão os ale-
MÉDIA MADRID 4 198 mães, os ingleses e os holandeses.
1 Salamanca 7 015 E são os ingleses que compram as
MADRID 2 Chamberí 6 161 casas mais caras, pois mantêm a
3 Chamartín 5 595 preferência em zonas como a Quinta
4 Centro 5 536 do Lago e o Vale do Lobo”, reforça
5 Retiro 5 000 Margarita Oltra.
6 Moncloa 4 648 Contudo, mesmo que os Vistos
7 Arganzuela 4 422 Gold sejam erradicados, não é pre-
10 8 Tetuán 4 311 visível um afastamento claro dos
9 Hortaleza 4 050
investidores estrangeiros em relação
12 10 Fuencarral-El Pardo 4 017
11 Ciudad Lineal
a Portugal. “A verdade é que, nos últi-
9 3 555
12 Barajas 3 368
mos tempos, as pessoas que querem
8 3 efetivamente investir em Portugal
6 13 San Blas 2 953
2
1 11 13 14 Vicálvaro 2 838 também querem aqui viver. Existe
4 15 Moratalaz 2 692 um interesse genuíno pela qualidade
5 15
7 16 Latina 2 621 de vida que o País oferece”, sublinha
14
18 20 19 17 Villa de Vallecas 2 693 Maria Inês Assis, da Abreu Advoga-
16
18 Carabanchel 2 511 dos, lembrando que há programas
17 19 Puente de Vallecas 2 402 similares ao Visto Gold português
21
20 Usera 2 241 em Espanha, Malta ou Chipre.
21 Villaverde 1 951 Se, pelos Vistos Gold, não se prevê
FONTE Expansion INFOGRAFIA AR/MT/RL
grande impacto no valor das casas,
até que ponto as limitações impostas
ao alojamento local poderão trazer
mais casas ao mercado, impactando
Madrid com vista Ali está
a igreja de San Jeronimo, os preços?
junto ao parque do Retiro, Cético, Ricardo Sousa, da Cen-
uma das zonas mais caras tury21, dá o exemplo de Barcelona.
da capital espanhola “O arrendamento é mais caro do que
em Madrid, e esta é a cidade onde há
uma maior intervenção por parte do
governo regional. Tentaram impor
limites nas licenças turísticas, res-
© TOMÃ¡S LLAMAS QUINTAS | DREAMSTIME.COM
trições nos arrendamentos, limites

na construção, quotas de habitação
social (que lá se chama vivienda pro-
tegida), etc. Mas a dinâmica no mer-
cado em Barcelona não é melhor do
que a de Madrid. Madrid e Barcelona
já passaram o que estamos a viver,
hoje, em Lisboa. Lisboa está simples-
mente a fechar o gap que tinha em
relação a estas duas cidades”, refere

---------- I M O B I L I Á R I O
Encontram-se
vários exemplos As medidas do Governo
na Europa com para a habitação
restrições em O programa Mais Habitação ficará um mês em consulta pública
relação aos
valores dos novos ARRENDAMENTO em Alojamento Local > Isenção de
> Arrendamento (AL) através do mais-valias para
contratos, caso da coercivo das casas controlo da emissão amortização de
França, Alemanha, devolutAs, ou seja,
imóveis sem uso há
das novas licenças
para qualquer
crédito à habitação
do próprio e de
Dinamarca mais de um ano e
que não sejam casas
localidade do País,
exceto em zonas
descendentes;
ou Irlanda de férias; rurais. A manutenção > Obrigatoriedade dos

das atuais licenças bancos oferecerem
> Arrendamento de prolonga-se taxa fixa no crédito à
casas por parte até 2030, com habitação;
o responsável, acrescentando que, na do Estado pelo reavaliação, a partir
base da inacessibilidade à habitação, prazo de cinco daquela data, de > Estímulo às
estará sempre o baixo rendimento anos, para depois cinco em cinco anos. cooperativas de
médio das famílias portuguesas e a subarrendar. O Criação de uma taxa habitação através da
inexistência de projetos macro, alicer- Estado compromete- extraordinária para o disponibilização de
çados numa boa rede de transportes, se a pagar a renda Alojamento Local. terrenos municipais;
que assegure uma habitação digna aos proprietários,
aos cidadãos. de forma a > Os proprietários > Vendas de
Não faltam, no entanto, exemplos eliminar o risco de que tenham fogos imóveis ao Estado
incumprimento; em regime de AL e isentas de mais-
por esse mundo fora de intervenção
que os transfiram valias. O Estado
governamental que tenha vindo regu-
> Teto máximo para arrendamento compromete-se
lar o mercado habitacional, impondo habitacional serão a colocá-las no
para rendas em
restrições a uma certa ganância de- taxados a 0% em arrendamento
novos contratos
senfreada. O mais recente exemplo de arrendamento, IRS até 2030, desde acessível;
vem do Canadá, onde, desde 1 de ja- definido de acordo que transfiram os
neiro, está proibida a venda de casas com a inflação. imóveis até 2024; > Incentivo às
a estrangeiros por um período de dois Limites aplicam-se construções
anos. O executivo de Trudeau justifica apenas às casas > Apoio a todos os modulares e “off-
a medida com a intenção de desenco- que já estavam no agregados familiares site”;
rajar os compradores a olharem para mercado nos últimos que tenham
o imobiliário como uma commodity, cinco anos; rendimentos até ao > Conversão do
num país em que o preço médio das 6.º escalão de IRS uso de imóveis
habitações atinge os 535 mil euros, > Estado garante (inclusive) e uma taxa de comércio ou
mais de 11 vezes o rendimento médio pagamento após de esforço superior serviços para uso
dos agregados. 3 meses de a 35%. O valor pode habitacional;
Além disso, no Canadá, existe mes- incumprimento do ir até aos 200 euros
mo uma escassez de casas, enquanto inquilino incumpridor; por agregado familiar. > Simplificação dos
Portugal tem mais de 700 mil fogos licenciamentos
desabitados. Nova Zelândia, Tailândia > Isenção fiscal ao através de termo de
arrendamento VENDA responsabilidade
e Bali também têm fortes restrições à
acessível; > Fim da concessão dos projetistas.
aquisição de propriedades por cida-
de novos vistos gold; Quem incumprir será
dãos não residentes.
> Financiamento aos sujeito a um quadro
Quanto às rendas, não só se ve- > Proteção face à sancionatório “muito
municípios para
rificam controlos em relação aos subida da taxa duro”;
realizarem obras
aumentos como também encontram- coercivas e em de juro, através
-se vários exemplos na Europa com habitações que estão da concessão de > Entidades públicas
restrições em relação aos valores dos fora do mercado; créditos até 200 mil serão penalizadas,
novos contratos, caso da França, Ale- euros, de agregados com juros de mora,
manha, Dinamarca, Irlanda, etc. > Incentivo à familiares que sejam por incumprimento
Resta saber com que linhas se co- transferência para tributados até ao 6.º dos prazos de
será o futuro habitacional das famílias habitação das casas escalão do IRS; licenciamento.
portuguesas que precisam de um teto
que as abrigue. [email protected]

O P I N I ÃO
O arrendamento
compulsivo de casas
devolutas é constitucional?
João
Miranda SIM
Em defesa da constitucionalidade
do arrendamento forçado de imóveis devolutos
A
resolução do problema do acesso social da propriedade, invocando “a necessária
à habitação exige uma combinação compatibilização – a efetuar pelo legislador or-
de medidas e o envolvimento do dinário – entre o direito de propriedade e outras
setor público, do setor privado e exigências ou valores constitucionais”. O direito
do setor cooperativo. Cabe ao Es- fundamental de propriedade privada não é um
tado incentivar e fomentar a construção priva- direito absoluto e pode ser restringido para sa-
da e cooperativa, criar um parque habitacional tisfação de outros direitos, nomeadamente do
— Professor da
público, ou apoiar quem não tem condições direito à habitação.
Faculdade de Direito
para suportar uma habitação própria ou A emergência que se vive no acesso à ha-
da Universidade de
arrendada. Mas também compete ao Estado bitação justifica a adoção de medidas contra
Lisboa e advogado
atuar em caso de incumprimento pelos pro- o incumprimento de deveres urbanísticos dos
prietários dos respetivos deveres urbanísticos proprietários, mobilizando para o mercado os
de conservar, reabilitar e utilizar os imóveis. imóveis privados desprovidos de uso habitacio-
Tendo o Governo anunciado a intenção de nal e permitindo dessa forma aumentar a oferta
impor o arrendamento forçado de imóveis devo- de imóveis para habitação.
lutos, logo levantaram-se vozes sustentando que Em concreto, a providência do arrendamento
a medida impõe um sacrifício inconstitucional forçado nem sequer é a mais onerosa para os
do direito de propriedade privada. Sem razão. proprietários. Se a Constituição já consente a ex-
Antes de mais, importa assinalar que uma propriação ou a requisição por utilidade pública
medida desta natureza não é propriamente de imóveis devolutos, desde que acompanhadas
inovadora. Já está consagrada desde 2019 no do pagamento de uma justa indemnização, deve
Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação permitir, também e por maioria de razão, um
em caso de não pagamento pelos proprietários meio menos ablativo da propriedade privada,
das despesas assumidas pelos municípios com como é o arrendamento forçado de imóveis
as obras coercivas de conservação e reabilitação devolutos.
(artigo 108.º-B). E está também consagrada des- Mais: apesar de a Constituição contemplar,
Se a de a mesma data na Lei de Bases da Habitação, no artigo 88.º, n.º 2, o arrendamento forçado
Constituição em que se prevê a aplicação de sanções aos pro- dos meios de produção e não da propriedade
já consente prietários de habitações devolutas (artigos 5.º e
28.º). Se retrocedermos a 2014, verificamos ainda
privada, a verdade é que a apropriação pública
aí prevista envolve igualmente uma intervenção
a expropriação que a Lei de Bases da Política Pública de Solos, restritiva na propriedade privada. Não se com-
ou a requisição de Ordenamento do Território e de Urbanismo preenderia a permissão de uma medida para
consagrou o dever de utilizar os imóveis, a par o abandono dos meios de produção, que não
por utilidade com o dever de proceder à sua conservação e pudesse ser convocada perante a existência de
pública reabilitação [alínea a) do n.º 2 do artigo 14.º]. imóveis devolutos, tanto mais que, conforme
de imóveis A invocação da constitucionalidade do arren-
damento forçado traz à colação o debate travado
afirmou o TC no Acórdão n.º 421/2009, não
existe um numerus clausus de instrumentos
devolutos (...) em 2009, a propósito da consagração no Regime destinados a assegurar a utilidade pública ur-
deve permitir, Jurídico da Reabilitação Urbana do mecanismo banística, podendo o legislador ordinário criar,
da venda forçada de imóveis não reabilitados. para além da expropriação, aqueles que sejam
também Nessa altura foi igualmente esgrimido o ar- necessários a alcançar tal desiderato, desde
e por maioria gumento da inconstitucionalidade por ofensa que assegurados os mesmos procedimentos de
de razão, um desproporcional à propriedade privada, tendo o
então Presidente da República requerido a fisca-
defesa dos particulares perante expropriações.
Uma nota final para assinalar que o dever de
meio menos lização preventiva da constitucionalidade. Toda- utilização efetiva da propriedade privada tam-
ablativo da via, o Tribunal Constitucional (TC), no Acórdão bém se aplica à propriedade pública, pelo que a
n.º 421/2009, pronunciou-se por unanimidade Administração está obrigada nos mesmos exatos
propriedade pela não inconstitucionalidade da medida, em termos a colocar no mercado habitacional o seu
privada nome dos poderes do legislador de conformação património devoluto. [email protected]

A medida incluída no programa Mais Habitação
anunciado pelo Governo suscitou polémica.
Pedimos a dois constitucionalistas para analisarem
a ideia à luz da lei fundamental
Paulo
NÃO Otero
Arrendamento compulsivo de casas devolutas: a sua
admissibilidade “diga a Constituição o que diga”?
1
O primeiro-ministro anunciou, a 16 contra a sua vontade, pois estamos perante
de fevereiro, o propósito de criar “um uma forma de arrendamento compulsivo que
regime de arrendamento compulsivo o art. 88.º, n.º 2, da Constituição apenas per-
das casas que estejam devolutas”. mite face aos meios de produção ao abandono.
Apesar de não se conhecerem ain- Ora, se essa medida fosse possível ao nível do
da os termos de concretização legislativa de arrendamento para habitação, a Constituição
— Professor
uma tal medida, o certo é que já se sabe que teria, por identidade de razões, feito expressa
catedrático de Direito
a mesma, conduzindo a um mecanismo de referência a essa admissibilidade, tanto mais
na Universidade
arrendamento forçado de casas devolutas, se que a solução existente ao nível dos meios
de Lisboa
revela inconstitucional, à luz da garantia do de produção ao abandono é insuscetível de
direito (fundamental) de propriedade privada aplicação analógica ao arrendamento para
expressamente acolhida na Constituição, na habitação.
Declaração Universal dos Direitos do Homem, Qualquer mecanismo de arrendamento
na Convenção Europeia dos Direitos do Ho- compulsivo traduzir-se-á sempre numa vio-
mem e na Carta dos Direitos Fundamentais lação excessiva e, por isso, desproporcional
da União Europeia. do núcleo essencial do direito de propriedade
A tutela da propriedade privada, num privada.
contexto constitucional multinível, deixou O arrendamento compulsivo de imóveis
de ser um problema exclusivamente interno para habitação consubstancia uma medida
de Portugal. análoga a uma expropriação e, se não for
2. Não se nega que a propriedade privada acompanhada de uma justa indemnização a
tem uma função social, fazendo daí decor- pagar pelo Estado, traduzir-se-á, material-
rer, atendendo a interesses da coletividade, a mente, num ato de confisco (temporário) da
possibilidade de serem introduzidas, por via propriedade privada.
legislativa, limitações ao direito de proprieda- 4. Politicamente, o arrendamento compul-
de privada de imóveis destinados à habitação, sivo de propriedade privada para habitação Politicamente,
sempre dentro dos parâmetros ditados pelo traduzirá uma medida própria de um Estado o arrendamento
princípio da proporcionalidade – as limita-
ções ou restrições não podem ser excessivas,
em “transição para o socialismo”, à luz de um
modelo marxista, nem sequer admissível no
compulsivo
nem desadequadas ou irrazoáveis face ao quadro da versão inicial da de propriedade
propósito visado. Constituição de 1976. Aliás, nem o general privada para
A lei pode, a título exemplificativo, instituir Vasco Gonçalves, em 1975, foi tão longe no
incentivos fiscais ao arrendamento (v.g., reduzir ataque à propriedade privada. habitação
a tributação em sede de IRS ou IRC das rendas), 5. É certo que, em 27 de abril de 2020, no traduzirá
criar benefícios no acesso ao crédito para a
realização de obras em imóveis destinados ao
auge da pandemia, o primeiro-ministro já
nos havia brindado, a propósito de medidas
uma medida
arrendamento, tal como pode estabelecer de- restritivas da liberdade, com a sua peculiar própria de um
sincentivos fiscais a que as casas se mantenham sensibilidade constitucional, afirmando que Estado em
devolutas (v.g., agravamento progressivo do IMT o confinamento seria implementado, “diga
de imóveis devolutos). Tudo isto está na margem a Constituição o que diga”. O desprezo que “transição para
de liberdade conformadora do legislador. mostrou pelo texto constitucional em matéria o socialismo”.
3. O dever de o Estado estimular o acesso à
habitação própria ou arrendada, isto no sen-
de liberdades básicas não permite auspiciar
que, a propósito da garantia do direito de
(...) Nem
tido de assegurar o direito à habitação, tem propriedade privada, revele maior ou melhor o general Vasco
sempre de se compatibilizar com a garantia adesão ao propósito de respeito ou fidelidade Gonçalves,
da propriedade privada. pela Constituição.
A lei não pode obrigar os proprietários Felizmente, todavia, ainda existem tribu- em 1975, foi
privados a arrendar imóveis para habitação nais nacionais e europeus… [email protected] tão longe
---------- I M O B I L I Á R I O
Centro Social de Vales do Rio,

Covilhã A Cleanwatts tem 18 projetos
aprovados e mais 57 comunidades
a aguardar licenciamento
D.R.
Juntar os vizinhos Dois anos volvidos, seria criada a
primeira Comunidade de Energia Reno-
para pagar a luz

vável na Santa Casa da Misericórdia de
Miranda do Douro, a primeira das 100
que a Cleanwatts, um dos operadores
mais ativos do mercado, quer criar em
Os moradores em prédios urbanos podem criar Comunidades Portugal.
Esta CER tem por objetivo produzir
de Energia Renovável no topo dos edifícios. A vantagem? energia para alimentar os vários edifí-
Energia grátis para o condomínio e para as casas cios da Santa Casa e o remanescente é
canalizado para os bombeiros e serviços
— POR MARISA ANTUNES
municipais.
É
Entretanto, e depois da experiência
ecológico, tem custo zero, mas seu retorno vendendo essa parte à bem-sucedida da Santa Casa de Mi-
rende centenas de euros. Dito rede). São as chamadas Comunidades randa do Douro, a Cleanwatts resolveu
assim, quase poderia parecer de Energia Renovável (CER). aumentar a escala e, há pouco mais de
uma burla, pois, já se sabe, Vamos por partes. Em 2019, a União uma semana, assinou um protocolo de
quando a esmola é generosa demais, Europeia adotou o programa Energia colaboração com a União das Miseri-
o “cego desconfia”. O facto, é que es- Limpa para Todos os Europeus, ele- córdias Portuguesas (UMP) para desen-
tas vantagens existem para as pessoas vando o consumidor particular a um volver e potenciar “o acesso a energia
que, através dos telhados dos seus estatuto ativo no sistema de produção/ limpa e redução de custos energéticos
prédios ou nos terrenos das suas casas consumo de energia. Lançado o repto, para as Santas Casas da Misericórdia
em zonas rurais, aceitem a instalação todos os países-membros se ajusta- em Portugal”.
de painéis fotovoltaicos para a pro- ram e, em Portugal, viria então a ser
dução de energia. Uma parte reverte aprovado o Decreto-Lei 162/2019, que TODOS GANHAM
para o edifício onde os painéis estão estabeleceu o regime jurídico aplicável As CER não estão circunscritas a
instalados; a outra parte é gerida pela ao autoconsumo de energia renovável, empresas e grandes instituições ou
empresa instaladora que assegura o bem como o conceito do direito de apenas a zonas rurais. Os particulares
investimento (e que acaba por ter o partilha da energia. em zona urbana podem organizar-se

para, com a vizinhança, se tornarem Acaba por existir
produtores de energia no topo dos um benefício duplo, Como
concorrer
seus edifícios, beneficiando depois
de reduções nas faturas energéticas. porque reduz a taxa
“A lei não impõe condições mínimas do condomínio e quem Saiba como fazer parte de uma
e, no fundo, uma comunidade pode ser
só de duas pessoas. A questão é que criar lá vive tem também comunidade de energia renovável
uma comunidade destas exige alguma acesso a energia mais QUEM PODE PERTENCER?
complexidade”, resume José Basílio
Simões, vice-chairman e cofundador
barata José Basílio São elegíveis pessoas singulares
da Cleanwatts. Ou seja, “é necessário Simões Cofundador ou grupos de consumidores

(incluindo condomínios, áreas
garantir que há um alinhamento entre da Cleanwatts urbanas/bairros, pequenas
a quantidade de energia que vai ser e médias empresas, unidades
gerada e a quantidade que vai ser con- agrícolas, unidades industriais,
sumida e, para isso, existem contadores freguesias e municípios).
inteligentes que vão monitorizar o que
é consumido e o que é produzido. É ne- E desvantagens? O tempo de apro- SÃO SÓ PARA EMPRESAS?
cessário comunicar os dados no final do vação dos projetos. A Cleanwatts tem Não, o regime jurídico que está
mês à e-redes (através de um software e 18 aprovados e mais 57 comunidades contemplado no Decreto-Lei
alguns serviços associados) e é preciso a aguardar licenciamento – destas, n.º 162/2019 destina-se
um processo de licenciamento”, realça algumas há mais de um ano à espe- a empresas, instituições ou
ainda o engenheiro. ra. “A resposta habitual é a falta de grupos de cidadãos. Os seus
Assim, para que o investimento recursos. Portugal tem tendência a membros devem estar numa
na instalação de uma CER compense criar processos perfeitos, mas que relação de proximidade física,
à Cleanwatts, sem cobrar aos parti- depois se tornam muito difíceis de podendo organizar-se entre
si sobre o autoconsumo coletivo
culares, é necessário que a área de operacionalizar”, lamenta o responsá-
ou estabelecer uma comunidade
instalação dos painéis solares tenha, vel, sublinhando que em países como
de energia.
no mínimo, 500 metros quadrados. Espanha, França ou Itália os processos
“Num só prédio, poderá ser difícil são bastante mais céleres. QUANTO SE INVESTE?
atingir essa área, mas mais dois ou Apesar da morosidade, os proje- As comunidades não têm
três na proximidade (e aqui falamos de tos vão sendo lançados pelas várias de fazer forçosamente quaisquer
um raio de dois ou três quilómetros, entidades. Uma das iniciativas mais investimentos de capital com
se for em baixa tensão), já permite a recentes foi protagonizada no início a instalação de infraestruturas.
criação de uma CER e a instalação deste mês pela AcerBatalha, cons- Há empresas no setor que
dos painéis nos telhados. A produção tituída por 13 entidades públicas e fazem a ponte entre os cidadãos
reverte, desde logo, para a redução ou privadas, entre as quais a Câmara e os investidores que se
até mesmo eliminação da despesa do Municipal da Batalha. comprometem a fazer a instalação
condomínio. Depois, o excesso pode A AcerBatalha quer dar bom uso ao dos painéis fotovoltaicos. O seu
ir para os apartamentos que fazem dinheiro disponível no Plano de Recu- ganho assenta no excedente
parte desse condomínio. Acaba por peração e Resiliência (PRR), através do de energia renovável que vendem
existir um benefício duplo, porque Fundo Ambiental, e candidatou-se a posteriormente à rede. Explica
reduz a taxa do condomínio e quem um investimento total superior a meio o responsável da Cleanwatts que
lá vive tem também acesso a energia milhão de euros, que permitirá a pou- o primeiro passo é “submeter
mais barata”, explica Basílio Simões. pança anual de 106,50 tep (toneladas à Direção-Geral de Energia um
A aprovação da instalação tem de equivalentes de petróleo). “O projeto projeto em que é referenciada
ser assegurada pela maioria dos resi- envolve a instalação de painéis solares a localização da unidade
de produção e os membros
dentes e não há compromissos eternos fotovoltaicos em 25 edifícios públicos
que vão consumir. Depois,
– “quem decidir participar e depois e unidades empresariais”, informou o
há um regulamento interno
quiser sair pode fazê-lo quando quiser, município da Batalha em comunicado. que é estabelecido, ou seja,
não há obrigações de entradas ou de Segundo o mesmo documento, “o os condóminos têm que
permanência”, assegura o responsável atual consumo de energia elétrica das assinar uma declaração a dizer
da Cleanwatts, garantindo que os pai- entidades associadas a esta candidatu- que aceitam pertencer a esta
néis colocados no telhado não produ- ra é na ordem dos 7 817 087,41 kWh”, comunidade e depois têm
zem ruídos e até acabam por ter “um sendo que a autarquia perspetiva uma de nomear uma entidade, que
efeito térmico positivo, no verão, para redução anual da fatura energética se chama Entidade Gestora
os pisos de baixo, uma vez que o Sol global de 454 660,07 euros, tendo do Autoconsumo Coletivo”.
não incide diretamente na cobertura”. por base os preços médios do custo
Do lado de quem investe, também da energia. QUANTO SE POUPA?
não faltam interessados. “Há fundos Verbas do PRR que podem fazer a Os beneficiários podem conseguir
internacionais dedicados à área das re- diferença na preparação para a tran- uma redução entre 10% a 30% na
nováveis e até fundos de pensões come- sição energética do País. O planeta sua fatura de eletricidade.
çam a investir”, garante Basílio Simões. agradece! [email protected]

---------- R Ú S S I A

É
É desbocado, gabarolas, usa
e abusa do vernáculo, mas,
quando quer, tem um ta-
lento especial para dissimu-
lar intenções. Aos 61 anos,
Yevgeny Prigozhin é visto
como um “empreendedor
geopolítico”, um dos homens
mais poderosos da Rússia,
que comanda, nas suas pró-
prias palavras, “talvez um dos
mais experientes exércitos do
mundo”. Os seus recrutas são
“heróis” e “patriotas” a quem
enaltece as proezas bélicas e
trata de forma paternalista –
“molodets”, “bons rapazes”
– por, alegadamente, esta-
rem a desempenhar um papel
decisivo na “operação militar
especial” desencadeada a 24
de fevereiro.
De acordo com Joseph
Henrotin, um politólogo bel-
MARIONETA
ga especialista em questões
de defesa, a companhia mi-
litar privada de Prigozhin é
responsável pelos “únicos
OU AMEAÇA
sucessos táticos das últimas
semanas”, no Sul e Leste da
Ucrânia, em particular na
região de Donetsk, onde se
concentra uma das principais
A PUTIN?
frentes de batalha, junto a
Bakhmut. Uma opinião par-
tilhada por Sergei Markov,
politólogo e antigo conse-
lheiro do Kremlin, que, por
diversas vezes, tem elogiado a
Por ordem do Kremlin, Yevgeny “elevada eficiência” do grupo.
Prigozhin, o oportunista oligarca Pelo contrário, no entender
de John Kirby, porta-voz do
que lidera o Grupo Wagner, acaba Conselho de Segurança Na-
de ser posto na ordem e forçado cional dos EUA, os 50 mil
soldados da fortuna contra-
a abdicar de protagonismo público tados pelo empresário russo
são maioritariamente ex-
— POR FILIPE FIALHO -presidiários sem capacidade
operacional, simples mal-
feitores dispostos a cometer
todo o tipo de atrocidades.
Nas contas da Administração

---------- R Ú S S I A Duelos Soldados do Grupo
Wagner na sede, inaugurada
em novembro, em São
Petersburgo, e militares
ucranianos na frente de
combate, perto de Bakhmut
Biden, as tropas ucranianas, Nova Ilha, dois estabeleci- outros, abastecendo escolas,
só no último mês, terão pro- mentos que chegaram a in- hospitais e quartéis em todo
vocado mais de 14 mil bai- cluir espetáculos de striptease o país. Aparentemente, está
xas (quatro mil mortos e dez nas respetivas ementas. É des- disposto a tudo para cor-
mil feridos) a esta milícia – tes tempos que lhe vem o tí- responder às expectativas e
classificada por Washington tulo de cozinheiro de Putin. O solicitações do poder polí-
como uma “organização ter- agora Presidente da Federação tico, e, dois anos mais tarde,
rorista transnacional” –, que Russa era então número dois na sequência da invasão da
tem o apelido do compositor da autarquia e, tal como a fina Crimeia, as milícias Wagner
favorito de Adolf Hitler. flor da elite local, era cliente integram as colunas de “ho-
Não consta que Yevgeny assíduo – com direito a des- mens verdes” que ocupam o
Prigozhin seja um melómano contos especiais. “Prigozhin território ucraniano e pro-
ou um conhecedor da obra teve a chance de encontrar movem o conflito separatis-
do músico que criou a Ca- um nicho [económico] e de ta no Donbass. Apesar das
valgada das Valquírias. O alinhar os seus passos com especulações e das estórias
antigo praticante de esqui os de Putin. É o oportunista à volta do alegado chef e do
de fundo, que ficou órfão na perfeito”, afiançou, em 2020, antigo espião do KGB, só em
infância e que foi, por duas ao diário Le Monde o britâ- setembro acabou o segredo
vezes, condenado por furto nico e ilustre kremlinólogo de polichinelo. O empresário
– passou quase nove anos Mark Galeotti. admitiu, nas redes sociais,
detido (1981-1990) –, parecia A relação entre o empre- ser ele o fundador e “finan-
condenado a uma existência sário e o autarca torna-se ciador” do exército privado
discreta, até à implosão da ainda mais próxima quando que, na última década, tem
União Soviética. Graças aos o segundo se instala na Pra- participado em diferentes Ramzan Kadyrov,
contactos no submundo da
sua terra natal, São Peters-
ça Vermelha, na mudança de
milénio, como delfim de Bo-
missões em África, no Médio
Oriente e na América Latina.
o líder da
burgo, e à venda ambulante ris Ieltsin. Daí em diante, os No vídeo em causa, assume Chechénia,
de cachorros quentes, con- banquetes em honra dos altos uma nova postura pública e, é um aliado
seguiu entrar nos negócios dignitários estrangeiros – de em nome da liberdade, re-
do jogo e do retalho, até se Jacques Chirac a George W. vela a intenção de contribuir de Prigozhin,
tornar coproprietário dos Bush – ficam arrematados, cada vez mais para a derro- a quem chama
primeiros casinos e da maior
cadeia de mercearias da anti-
e os interesses recíprocos
multiplicam-se.
ta do regime de Volodymyr
Zelensky, enquanto recruta
“querido irmão”,
ga Leninegrado. Em 2012, Prigozhin e as detidos na república de Mari e diz que quer
Inspirado nos restauran- suas firmas de catering têm El. “Só duas pessoas vos po- também criar
tes parisienses junto ao Sena, já contratos milionários com dem tirar daqui, Deus ou Alá,
replica o modelo no rio Neva os ministérios da Educação, mas num caixão. Eu dou-vos uma empresa
e abre o Velha Alfândega e o da Saúde e da Defesa, entre a oportunidade de saírem dade mercenários
ESTATÍSTICAS
DE ARREPIAR
€700 MIL MILHÕES

Valor que o governo ucra-
niano considera ser neces-
sário para reconstruir o país.
Em setembro, o Banco Mun-
dial colocou a fasquia mais
baixa: €326 mil milhões.
€129
MIL MILHÕES
Estimativa dos danos do
conflito só em infraestrutu-
ras críticas ucranianas,
de acordo com a Escola
de Economia de Kiev
€103
MIL MILHÕES
Valor total da assistência
financeira, humanitária
e militar do Ocidente à
Ucrânia, entre fevereiro
e novembro de 2022,
qui vivos”, prometendo-lhes Tatiana Stanovaya acham que co ou filiar-se num partido segundo o Instituto Kiel para
uma “segunda oportunida- não; consideram-no uma já existente. Os “avisos” do a Economia Mundial (com
de”, a troco de cumprirem marioneta que ganhou vida Kremlin obrigaram-no a di- sede na Alemanha)
18
seis meses de mobilização própria, mas que pode ser zer que tem “zero ambições”
na Ucrânia. Alguns dos que esmagada a qualquer mo- de atingir cargos oficiais, só
se deixam seduzir acreditam mento. “Prigozhin é uma que a sua máquina de propa-
que, findo esse período, ficam estrela-cadente. Exagerou ganda parece ter ainda alia- MILHÕES
sem cadastro e podem até vir nas críticas aos militares e dos de peso, como Vladimir População ucraniana
a ganhar bolsas universitárias às outras elites. As suas asas Soloviov, uma vedeta dos a precisar de assistência
ou um emprego no aparelho estão a ser cortadas”, escreveu debates televisivos, e Ramzan humanitária (perto de 40%
de Estado. A realidade de- Dmitri Alperovitch no Twit- Kadyrov, o líder checheno. do total), segundo a ONU
14
monstrou que um número ter, referindo-se às recentes Este último chama-lhe “que-
significativo jaz agora em ce- declarações do empresário rido irmão” e, na plataforma
mitérios remotos, como o de sobre o ministro da Defesa Telegram, anunciou que pre-
Bakinskaya, no Sul da Rússia, e o comandante-chefe das tende seguir-lhe o exemplo MILHÕES
como revelou o New York Forças Armadas russas, acu- e formar uma companhia Número de ucranianos for-
Times, na passada semana. sando-os de incompetência militar privada. Algo que a çados a abandonar as suas
No final de outubro, An- na condução da guerra e de maior empresa da Rússia, a casas. A ONU e a Organi-
drei Kolesnikov, comentador quererem ficar com os louros energética Gazprom, também zação Internacional para as
e antigo diretor do Novaya da conquista de Soledar (pe- quer fazer, noticiou o jornal Migrações estima que mais
de 8 milhões saíram do país
Gazeta, escreveu que o pa- quena cidade ucraniana, no Kyiv Independent, por ser
(90% são mulheres e crian-
trão dos Wagner era uma Donbass) pelos Wagner. A isto uma atividade lucrativa e que
ças) e quase 6 milhões são
eminência parda com uma acresce a fanfarronice com encaixa bem no esquema de
deslocados internos
influência no Kremlin só que Prigozhin admitiu ter “poder vertical” promovido
equiparável à de Rasputin, o
polémico místico que con-
viveu com o último czar e
interferido nas eleições dos
EUA (através da sua Internet
Research Agency, em 2016, a
pelo Presidente do país, com
várias personalidades e ins-
tituições a competir entre si.
30 MIL
acabou afogado, e com um favor de Donald Trump) e se Quanto mais não seja porque Estimativa do número de
tiro na cabeça, no rio Neva. filmou a comentar as execu- Putin ainda tem a força e a lei mortos e feridos do grupo
O crescente protagonismo ções e as deserções dos seus do seu lado. Quanto a Prigo- Wagner, nos últimos 12
do oligarca da restauração próprios soldados. Razões zhin, deve conhecer de cor e meses, na Ucrânia
824
não lhe augura um futuro para ter sido proibido de vi- salteado o artigo 359 do Có-
brilhante. É o que pensam sitar penitenciárias federais, digo Penal russo, que define
vários académicos e jornalis- de mobilizar mais gente para que o “recrutamento, treino e
tas. Estará ele em condições a Ucrânia, de se implicar nas financiamento” de mercená- Número de soldados russos
de desafiar Putin e constituir questões que não lhe dizem rios pode levar à aplicação de que estão a morrer diaria-
uma alternativa credível? Ivan respeito e, sobretudo, de for- penas de quatro a oito anos mente na Ucrânia, segundo
Krastev, Marie Mendras e mar um movimento políti- de prisão. [email protected] o Governo de Kiev

---------- T R A B A L H O
Adeus cargo,
olá competências
No futuro, a função escrita no seu
cartão de visita pode não valer nada.
O novo mundo do trabalho passa pela
quebra de barreiras entre cargos e entre
lideranças e funcionários
— PO R T IAG O FREI RE
N
os últimos anos, não “No último século, temos
temos feito outra sido governados por uma vi-
coisa senão correr são mecanicista do trabalho.
em busca de uma Assumimos que este é fixo
adaptação a circunstâncias e repetível, facilmente or-
que estão sempre a mudar. ganizado em tarefas discre-
No mundo do trabalho e das tas e agrupadas em funções
empresas, o grande símbolo bem definidas. Os esforços
visível, com a pandemia, foi de transformação centra-
o trabalho remoto ou híbrido. ram-se nos custos e na pro-
E se isso não for suficiente? dutividade – como entregar o
Se for apenas uma pequena mesmo resultado, através de
parte de uma revolução mui- métodos mais rápidos e mais classificação típica que nos Um caminho de mistura
to maior, em que a regra é a eficientes. Mas, nos últimos diz o que somos, no mundo Menos divisão de
flexibilidade de forma mais anos, esses modelos foram empresarial. competências, mais decisões
coletivas e mais poder para
alargada? desafiados, com organizações “As fronteiras, que deli- os colaboradores
É isso que é sugerido na e trabalhadores a terem de neavam as funções umas das
edição deste ano do estu- lidar com um nível de des- outras e que categorizavam,
do Global Human Capital continuidade e de disrupção de forma estreita, os cola-
Trends, da consultora Deloit- maiores do que alguma vez boradores em papéis e res-
te, que ouviu perto de dez mil viram”, pode ler-se no do- ponsabilidades, estão agora
profissionais – incluindo de cumento. a limitar avanços organiza-
Portugal – para perceber para “O trabalho não é definido cionais como a inovação e a
onde vai, afinal, o mundo do pelas funções, o local de tra- agilidade. Muitas empresas
trabalho. balho não é um local especí- estão a experimentar usar
Todas as principais con- fico e as decisões estratégicas competências, e não funções,
clusões apontam para uma não estão apenas centradas como base a partir da qual
maior flexibilidade como em resultados”, sintetiza as decisões relativas à for-
modelo de base, e não apenas Nuno Carvalho, partner da ça de trabalho são tomadas. O trabalho não
como capacidade para nos Deloitte, em Portugal. Quando retirados das caixas
adaptarmos a circunstâncias Em primeiro lugar, algu- das funções, os trabalhadores é definido pelas
imprevistas. E isto tem im- mas empresas estão a cen- têm a oportunidade de utili- funções, o local
plicações em tudo.
Desde há mais de um sé-
trar-se em competências e
não em carreiras profissio-
zar melhor as suas capacida-
des, experiências e interesses,
de trabalho
culo, a organização do tra- nais. Ou seja: se um traba- de um modo que faz avançar não é um local
balho girou à volta de três lhador é bom a resolver pro- os resultados da organização específico,
eixos: as profissões (quem faz blemas, mas tem a função de e do trabalhador”, refere o
o quê), a empresa (escritório/ responsável de Recursos Hu- relatório. e as decisões
fábrica/loja) e o horário (de- manos, fará sentido que não E isto não é apenas uma estratégicas não
finido, à partida, com origem
nos turnos fabris). Ora, se-
possa contribuir para uma
solução no chão de fábrica,
questão de se abolir as fun-
ções ou os cargos técnicos; é
estão apenas
gundo este estudo, isso já não mesmo que funcionalmente instituir uma forma de “pen- centradas
está a funcionar e cada vez não seja um operário? sar como um investigador”. em resultados
vai criar mais problemas no A Deloitte põe mesmo a “As organizações e os traba-
funcionamento das empresas hipótese de se estar perante lhadores devem ativar a sua NUNO CARVALHO
e na atração de talento. “o fim dos cargos”, isto é: da curiosidade, olhando para Partner da Deloitte Portugal

dos responsáveis por empre-
sas com uma missão susten- Uma
tável e bem definida afirma revolução
sentir mais condições para
reter o talento. em três
Mas não se trata apenas pontos
de reter e de captar talen-
to, mas de o pôr ao serviço Nuno Carvalho,
do bem geral da empresa, da Deloitte, sintetiza
num regime de “cocriação”. as três estratégias-chave,
“Hoje em dia, os trabalha- resultantes do estudo
dores têm mais influência
do que alguma vez tiveram Enquadrar o desafio
e demonstram uma vontade Pensar como um
de a utilizar para moldarem o investigador
Este fundamento desafia
trabalho que as suas organi- as organizações a olhar
zações fazem e a forma como para a forma como o
o desempenham”, afirma Ste- trabalho é organizado, a
ve Hatfield, responsável pela pensar em quem, como
área de Futuro do Trabalho e onde se faz o trabalho,
da Deloitte Consulting LLP. bem como a questionar
se o conceito de função,
“Para serem bem-sucedidas enquanto descrição de
neste novo mundo do traba- tarefas e de responsa-
lho, as organizações têm de bilidades, continua a dar
abandonar a ideia de controlo resposta à agilidade deste
total e passar a cocriar com novo mundo?
os trabalhadores, por forma
Delinear o caminho
a desenharem as novas regras Cocriar a relação
e os seus limites, que irão A relação entre colabo-
cada decisão como uma ex- dendo ser ignorada. Em tem- definir o modo de operar”, radores e organizações
periência, que irá acelerar o pos de escassez e de grande acrescenta. está prestes a mudar
impacto e gerar novas formas concorrência pelo talento, a Por último, e ligado ao (novamente) de para-
de ver. A diferenciação e o su- vantagem das organizações ponto anterior, surge a “hu- digma. Os dados que as
cesso não vêm de se acreditar deixou de ser apenas a remu- manização”, não só da forma organizações têm sobre
que se tem sempre a resposta neração e o estatuto. como os colaboradores deos colaboradores, como
certa desde o início, mas da “A relação entre colabora- sempenham as funções mas trabalham, como cola-
capacidade de desafiar orto- dores e as organizações está também do impacto que o boram e interagem nas
doxias, de operar com humil- prestes a mudar (novamente) desfecho tem na sociedade. aplicações, é um ativo
dade e empatia e de aprender de paradigma. O poder da Isto passa por iniciativas in- estratégico, cuja utiliza-
com nova informação, para influência dos colaboradores ternas, como um reforço da ção deve ser negociada
refinar o mais rápido possível nas decisões estratégicas não diversidade e da inclusão, e para se cocriar esta rela-
a decisão tomada”, sintetiza a para de aumentar, obrigando pela análise do impacto ex- ção numa lógica win-win.
Deloitte. as organizações a dar cada terior, de forma mais clara
No entanto, esta é uma vez mais atenção à voz dos e definida. Criar impacto
verdadeira revolução na for- colaboradores”, salienta Nuno São muitos desafios, sim, na sociedade
Priorizar a humanização
ma como os sistemas estão Carvalho. e é possível que muitos deem
As organizações co-
montados e é geradora de Com a quebra das pare- luta pelo caminho, devido a
meçam a olhar para a
ansiedade. O inquérito mos- des das funções, também os lideranças que não estão pre-
diversidade, equidade
tra isso: os participantes afir- alicerces hierárquicos tende- paradas para tanta mudança. e inclusão como um
mam que a principal barreira rão a ficar mais diluídos, com É que se a maioria dos ouvi- conjunto de ações que
na melhoria de resultados impacto evidente ao nível da dos no inquérito (94%) acre- promove resultados
está no facto de se sentirem organização da empresa. As dita que o papel dos líderes é equitativos nas pessoas
soterrados em “demasiadas gerações mais novas, sobretu- essencial para esta transição e na sociedade, enquan-
mudanças, ao mesmo tempo”. do, continuam a preferir tra- e o sucesso da empresa, só to promovem a inovação,
balhar em organizações que 23% acredita que os líderes a competitividade e o
PODER ÀS BASES prossigam valores positivos, são capazes de o fazer. Se- sucesso a longo prazo.
Além desta mudança de pa- com os quais se identificam. gundo a Deloitte, “esta inca- Há hoje uma maior cons-
radigma na forma como se Aliás, noutro inquérito, dois pacidade da liderança poderá ciencialização coletiva
olha para os recursos huma- em cada cinco trabalhadores ter que ver com o facto de se quanto ao impacto que
nos de uma organização, há das gerações Z e millennial estar a olhar para o trabalho as organizações têm no
outra tendência que vem de afirmam ter rejeitado ofertas e os trabalhadores através de planeta, nas pessoas
trás e que continua, cada vez por falta desse alinhamento. uma lente ultrapassada”. e na comunidade.
mais, a afirmar-se, não po- No mesmo sentido, metade [email protected]

O P I N I ÃO
A busca perigosa
da identidade
Yuval Noah
Harari
T
odos os humanos se questionam reis judeus, mas a língua hebraica e a cultura
sobre quem são, de onde vêm e judaica dificilmente podem ser imaginadas
qual a sua identidade. Esta busca sem os contributos aramaicos.
da identidade é importante e Os judeus ortodoxos deixam o mun-
fascinante, mas também pode ser do ao som aramaico do kadish [conhecido
perigosa. Ao tentar definir uma clara identida- como “oração dos mortos”]. Num determi-
de para mim mesmo, posso estar a fechar-me nado momento, há cerca de 2 500 anos, os
para o mundo. Estarei a concluir que a minha judeus também abandonaram o hebraico e
identidade é definida por eu pertencer a um ainda hoje escrevem a Torá, o Talmude e os
grupo único de pessoas, enfatizando as partes jornais diários em aramaico. Quanto à pró-
que em mim me ligam ao grupo escolhido e pria ideia de escrita, esta não é um contri-
ignorando as demais. Só que as pessoas são buto dos arameus mas dos antigos sumé-
— Historiador,
seres incrivelmente complexos. rios. Milhares de anos antes do nascimento
investigador e
Se nos concentrarmos apenas numa parte do primeiro judeu, alguns geeks sumérios
professor de História
da nossa identidade e se imaginarmos que criaram [por volta de 3500 a.C.] uma star-
do Mundo, na
Universidade Hebraica
só isso importa, não será possível entender tup: usaram um pau para gravar símbolos
de Jerusalém. quem realmente somos. No meu caso, como num pedaço de argila. Inventaram um códi-
Autor de “Sapiens – judeu, é óbvio que a História e a cultura judai- go para esses símbolos e criaram a tecno-
Uma Breve História cas são importantes para a minha identidade, logia da escrita [cuneiforme], o que acabou
da Humanidade” mas, para eu entender quem sou, a história por nos dar livros, jornais e websites.
e de “21 Lições dos judeus está longe de ser suficiente. Sou Não foram apenas uma linguagem e um
para o Século XXI”, feito de muitas peças que vieram do mundo. sistema de escrita que vieram de fora e se jun-
entre outros livros O gosto pelo futebol, devo-o aos ingleses. taram ao judaísmo; foram também as crenças
Foram eles que inventaram este jogo. Por religiosas centrais. Por exemplo, a crença de
isso, quando chuto uma bola, sou um pouco que os humanos têm uma alma eterna, pu-
britânico. Gosto de beber café de manhã, nida ou recompensada na vida após a morte,
pelo que devo agradecer aos etíopes, que o não é mencionada em lado nenhum na Torá
descobriram, e aos árabes e aos turcos, que e, aparentemente, não era sequer uma parte
difundiram esta bebida por toda a parte. fundamental do judaísmo bíblico. O deus do
Gosto de adoçar o meu café com uma colher Antigo Testamento nunca promete às pes-
de açúcar, por isso estou grato aos papuas, soas que, se seguirem os seus mandamentos,
que domesticaram a cana-de-açúcar na desfrutarão da bem-aventurança eterna no
Nova Guiné, há pelo menos oito mil anos. Às Céu; também não as ameaça de que, se peca-
vezes, ainda dulcifico mais o meu café com rem, serão queimadas no Inferno para toda a
um pedacinho de chocolate, que chegou até eternidade. A crença na vida depois da morte
Ao contrário mim vindo das florestas tropicais da América infiltrou-se no judaísmo a partir de outros
do que clamam Central e da Amazónia, onde povos indíge- credos, principalmente a filosofia grega de
nas americanos começaram a fazer gulosei- Platão e o zoroastrismo, primeira religião dos
os racistas mas de cacau, talvez há uns cinco mil anos. persas. Estes também transmitiram aos ju-
fanáticos e as Alguns judeus não gostam de futebol, não deus o conceito de Diabo – e de Messias.
pessoas que bebem café e evitam açúcar e chocolate, mas
continuam a dever muito aos estrangeiros. O
Da comida à filosofia, da medicina à arte, a
maioria do que nos mantém vivos e a maioria
levam ao extremo hebraico, a língua sagrada do judaísmo, foi do que faz a vida valer a pena são coisas in-
a condenação buscar muitas das suas palavras, expressões ventadas não por membros da minha nação
idiomáticas e estruturas básicas a outras lín- específica, mas por pessoas de todo o mundo.
da “apropriação guas, como o fenício, o acadiano [que se falava E isto não acontece apenas nos judeus, mas
cultural”, Tolstoi na antiga Babilónia], o grego, o árabe e, princi- em todo o mundo.
não é propriedade palmente, o aramaico.
Fragmentos inteiros do Antigo Testamen-
Alguém que quis menosprezar as culturas
africanas perguntou, um dia, ironicamente:
exclusiva dos to foram escritos em aramaico, e não em “Quem é o Tolstoi dos zulus?” Esta pessoa
russos. Tolstoi hebraico, assim como uma grande parte do talvez acreditasse que nenhum povo africa-
Mixna, do Talmude e de outros textos judaicos no – os zulus ou qualquer outro – pudes-
pertence a todos importantes. Os antigos arameus adoravam se produzir obras literárias comparáveis a
os humanos o deus Hadad, e não Jeová, e mataram vários Guerra e Paz, de Tolstoi, ou a Anna Karénina,

GETTY IMAGES
de Dostoievski. Ralph Wiley [1952-2004], antes de existirem humanos. Este mistério
um jornalista afro-americano, respondeu profundo manifesta-se em tudo o que sinto
ao desafio com uma simplicidade de tirar o e penso. Para entender quem sou, é necessá-
fôlego. rio que eu esteja aberto a esse mistério, bem
Wiley não enumerou autores zulus, como como a explorá-lo, em vez de me contentar
Benedict Wallet Vilakazi, Mazisi Kunene ou com a história de que pertenço a uma tribo
John Langalibalele Dube, nem insistiu em que viveu, durante alguns milhares de anos,
que escritores africanos, como Chinua Ache- numas colinas perto de um certo rio [Jordão].
be, Chimamanda Ngozi Adichie ou Ngugi wa Consideremos, por exemplo, os nossos
Thiong’o, são tão bons como os ocidentais. rituais de namoro. O que sentimos quan-
Wiley contornou completamente a arma- do vemos alguém que achamos atraente,
dilha sectária. No seu livro Dark Witness: damos as mãos pela primeira vez e trocamos
When Black People Should Be Sacrificed o primeiro beijo? Pensemos na tempestade
(Again), preferiu escrever que “Tolstoi é o emocional, nas esperanças e nos medos, no
Tolstoi dos zulus – a não ser que vos con- friozinho na barriga, no calor corporal cres-
venha cercar as propriedades universais da cente, na respiração acelerada. O que são es-
Humanidade para as transformar em pro- tas coisas que fascinam os escritores e sobre
priedade tribal exclusiva”. as quais os músicos não se cansam de cantar?
Ao contrário do que clamam os racistas Nada disto foi inventado pelos judeus,
fanáticos e as pessoas que levam ao extremo arameus, russos ou zulus. Não são coisas in-
a condenação da “apropriação cultural”, Tols- ventadas por nenhum ser humano. A evolu-
toi não é propriedade exclusiva dos russos. ção moldou-as, ao longo de milhões de anos,
Tolstoi pertence a todos os humanos. O pró- e nós partilhamo-las não apenas com outros
prio Tolstoi foi profundamente influenciado humanos mas também com chimpanzés,
por ideias de estrangeiros, como o francês golfinhos, ursos e vários animais.
Victor Hugo e o alemão Arthur Schope- Cerimónias religiosas como o Bar Mitzvá
nhauer, para não falar de Jesus e de Buda. judaico ou a Eucaristia cristã têm, no máxi-
Há dois mil anos, o dramaturgo afro-ro- mo, dois mil anos e ligam a geração atual a
mano Terêncio [195 a.C.-185 a.C.], livre da cerca de 100 gerações anteriores. No entanto,
escravatura, exprimiu esta ideia-chave ao os rituais de romance entre os mamíferos
afirmar: “Sou humano, nada do que é huma- remontam a dezenas de milhões de anos e
no me é estranho.” ligam-nos a milhões de gerações anteriores,
Todo o ser humano é herdeiro da criação e até a antepassados pré-mamíferos.
humana. Pessoas que, em busca da iden- Estarei a ignorar tudo isto, se insistir
tidade, restringem o seu mundo à história em limitar a minha identidade ao facto de
de uma única nação estão a virar as costas à pertencer a um grupo humano específico.
Humanidade. Desvalorizam o que partilham Deixo pouco espaço na minha identidade
com os outros humanos e desvalorizam algo para o futebol e o chocolate, para o ara-
ainda mais profundo. Todas as invenções e maico e o Tolstoi – e até para o romance. © 2023, TIME Inc.
todas as ideias dos humanos, nos últimos O que resta é uma história tribal estreita, Todos os direitos
milhares de anos, são apenas a crosta su- que pode servir de arma afiada nas bata- reservados.
perior de quem somos. Sob essa crosta, nas lhas da política de identidade, mas que tem Traduzido da TIME
profundezas dos nossos corpos e mentes, um preço elevado. Enquanto aderir a esta magazine e publicado
nós somos portadores de coisas que evo- história estreita, nunca saberei a verdade com autorização
luíram ao longo de milhões de anos, muito sobre mim mesmo. [email protected] da TIME Inc.

---------- S AÚ D E
Hábito Desde muito jovem

que Pedro Pimenta começou
a conhecer Portugal a andar a pé,
“um estado de espírito viciante”
LUÍS BARRA
Vaguear faz bem
dera-se um “felizardo” por
trabalhar ao ar livre e andar
sempre “para trás e para a
frente”, sem vislumbre de
Passear por lugares nunca antes vistos é fonte rotina. Ao fim do dia, gosta
de bem-estar para adolescentes e adultos, segundo de dar a sua “voltinha”, como
investigadores norte-americanos que identificaram lhe chama, muitas vezes “aos
esses”. No último domin-
os circuitos cerebrais onde a relação acontece go, deu corda aos sapatos na
— POR RUI ANTUNES zona de Abrantes. “Sou uma
pessoa de bem com a vida,
e as caminhadas fazem-me
P
sentir ainda melhor”, justifica.
edro Pimenta, 55 Hoje, este explorador lis- nos aparece à frente e é su- A sensação de bem-estar
anos, sempre gostou boeta aprecia mais o campo perenriquecedor porque são e de felicidade, associada à
de descobrir novos e a Natureza, mas também se coisas novas. Quero saber o diversidade de ambientes
lugares a caminhar. “perde” nas cidades, sempre que vem a seguir e sinto que é frequentados, por certo já
Ao atingir a maioridade, lem- observador. Quem antes pas- tudo meu, que tudo ao redor experimentada por muitos,
bra-se de ir de Troia a Por- sou por ali, como ergueram é o meu mundo.” está agora comprovada cien-
to Corvo ou de percorrer o aquela construção, que esfor- Torna-se “um estado de tificamente, através de dois
Algarve de mochila às cos- ços não teriam de fazer para espírito viciante”, este va- estudos de investigadores
tas, sozinho mas ao mesmo transportar cereais encosta guear em busca da “novi- norte-americanos, o primei-
tempo acompanhado. Nessa acima, a curiosidade a mil e dade ao virar da esquina” ro publicado em 2020 e o
década de 1980, diz, “fala- a imaginação numa roda-vi- que Pedro Pimenta alimenta segundo no ano passado.
va-se com toda a gente”, e va permanente, à procura de desde que se conhece. Nos “Empiricamente, já tínha-
ele aproveitava para praticar respostas numa espécie de anos mais recentes, cumpriu mos esta perceção de que as
o inglês e o francês com os “mundo paralelo”, que passa a pé a Grande Rota do Zêzere pessoas que viajam, que saem
turistas. Na serra de Sintra, a ser dele também. (cerca de 370 quilómetros) e e que vão para a Natureza
sentia-se como peixe na água “A mente viaja e é como percorreu de lés a lés a cos- apresentavam maiores ín-
“no meio do mato”, atrás do uma terapia”, admite. “Va- ta portuguesa, por etapas. dices de bem-estar, embora
rasto dos animais. mos assimilando tudo o que Funcionário público, consi- isso não se medisse. Mas,

como costumo dizer, quando nância magnética funcional, igualmente para sensações de Sair da sala
há uma observação sistemá-
tica, ainda que empírica, se
realizadas a cerca de metade
dos participantes no estudo,
bem-estar mais reforçadas.
de aula
calhar ela tem algum funda- os investigadores detetaram TREINAR O CÉREBRO
mento científico”, comenta uma interação mais intensa Já a segunda investigação, Investigadora pede
Manuela Grazina, investiga- entre as regiões cerebrais do que partilha os autores prin- decisões políticas
dora do Centro de Neuro- hipocampo e do estriado nos cipais da primeira, conclui ajustadas à Ciência.
ciências da Universidade de indivíduos que registaram que a mesma afetividade
Coimbra e também docente maior grau de bem-estar, o positiva, relacionada com Uma vez que a Ciência
na Faculdade de Medicina da que ajuda a sustentar a rela- a diversidade de ambientes conseguiu demonstrar
mesma instituição. ção causa e efeito. experimentados, é percecio- a correlação entre
Investigadores da área da “A exposição a novos am- nada por adolescentes – sem a diversidade de
psicologia nas universidades bientes promove a atividade variações associadas à idade, ambientes frequentados
de Nova Iorque e de Miami do hipocampo em integra- portanto. E estabelece uma e o bem-estar das
foram capazes de demonstrar ção com o estriado, duas re- associação entre o desejo de pessoas, Manuela
esse fundamento científico, giões do cérebro envolvidas explorar novos lugares e a Grazina assume que
a ponto de terem identifi- no processamento de novos dimensão da rede de amigos gostaria de ver este
cado os circuitos cerebrais acontecimentos e no circuito e conhecidos com os quais conhecimento traduzir-
associados ao estímulo pro- da recompensa, que, de for- se mantém contacto, seja se em benefícios reais
duzido pela experimenta- ma simplista, inclui também na adolescência ou na idade para as pessoas.
ção de novos ambientes e ao outra estrutura, o nucleus adulta. O mesmo é dizer que “Se sabemos que isto
seu respetivo benefício (ou accumbens, onde ocorre a “os participantes que repor- é fundamental para
recompensa) na forma de libertação de dopamina”, de- taram maior conetividade o bem-estar e se
emoções positivas. Segundo talha Manuela Grazina, espe- social coincidiram com os sabemos que o bem-
Catherine Hartley, coautora cialista em neurociência da que exploraram mais novos -estar se traduz em
de ambos os estudos, “as pes- felicidade, sublinhando que ambientes”, como explica mais saúde e em mais
soas sentem-se mais felizes “a dopamina é o neurotrans- Manuela Grazina, acrescen- produtividade, porque
quando têm maior variedade missor do bem-estar e do tando que a relação acontece não ter isto em conta
nas suas rotinas diárias”, ou prazer por excelência”. nos dois sentidos, uma vez nas decisões políticas?”,
seja, “quando vão a novos sí- O primeiro estudo refe- que uma coisa parece levar à questiona-se. “Ainda
tios e têm maior diversidade rido sugere ainda, com base outra e vice-versa. sonho com esse dia.”
de experiências”. em características sociode- Estas “evidências inequí- A investigadora de
mográficas das várias zonas vocas” não determinam, ain- Coimbra não esconde
GPS DA DOPAMINA frequentadas pelos voluntá- da assim, que todas as pes- uma certa desilusão por
A investigação centrou-se rios, que a diversidade ao ní- soas reajam de igual forma não ver o conhecimento
nos movimentos de mais de vel da densidade populacio- perante o mesmo estímulo, científico ser tido em
uma centena de voluntários nal, da média de idades, dos ressalva a investigadora por- consideração nas
adultos, cuja localização foi níveis de escolaridade e de tuguesa. Desde logo, nem opções do Estado e dá
registada por GPS durante desemprego, etc., contribui todos produzem a mesma o exemplo das escolas
mais de três meses conse- quantidade de dopamina, por e dos locais de trabalho,
cutivos, enquanto faziam a razões genéticas, alimentares onde prevalecem
sua vida normal. Ao mesmo (falta de proteínas) ou até de velhos hábitos.
tempo, a cada 48 horas, re- treino. “Provavelmente, há “A aprendizagem
ceberam uma mensagem no quem prefira o conforto do em espaço fechado
telemóvel a perguntar-lhes sofá, somos todos diferentes. e demasiado formal
como se sentiam naquele A Ciência Mas a grande notícia é que o pode ser feita de igual
preciso momento, numa es- nosso cérebro pode treinar- modo em espaço
cala de zero a 100. Daqui re- conseguiu -se, isso é o mais extraor- aberto. Só temos de
sultaram duas medidas que demonstrar que dinário. Daí a importância definir a meta, ou seja,
os investigadores, depois,
correlacionaram: a entropia
a diversidade desta literacia. Sabendo que
temos aqui um estímulo que
aquilo que queremos
que o aluno saiba, e de
do movimento, que reflete a de ambientes pode ser uma grande fonte de que forma o espaço
quantidade de novos locais frequentados bem-estar, devemos promo- exterior e novo poderia
frequentados e o respetivo vê-lo”, remata. contribuir para isso”,
tempo de permanência; e aumenta Pedro Pimenta descobriu- sustenta, apelando à
a afetividade positiva, que a sensação -o desde cedo e, assim as criação de condições
traduz as emoções sentidas.
Quanto mais elevada se ve-
de bem-estar pernas o deixem, não conta
parar tão depressa. “O cami-
para promover mais
saídas da sala de aula
rificou a primeira medida, e de felicidade. nho é como uma espinha. As habitual. “Mudaria
mais satisfatória se revelou Vaguear é bom, pessoas que conhecemos e os radicalmente o
a segunda. bons momentos que vivemos panorama em Portugal,
Através de imagens do seja no campo são perpendiculares ao cami- até ao nível da saúde
cérebro obtidas por resso- ou na cidade nho.” [email protected] mental”, conclui.

O P I N I ÃO
O partido Peter Pan

e o capitão Gancho
Filipe
C
Luís om a saída de Catarina Mar- do protesto. Escondeu debaixo do tapete
tins de coordenadora do Bloco os estafados modelos dos primórdios do
de Esquerda, cai o 5.º líder de século XX, que estiveram na sua génese, o
partidos da oposição, desde que leninismo e o trotskismo, preferindo exibir
o PS obteve a maioria absoluta. uma mensagem inovadora. Tal como, 20
Num ano, Francisco Rodrigues dos Santos anos depois, a Iniciativa Liberal (fenómeno
(CDS), Rui Rio (PSD), Cotrim de Figueire- que funciona, à direita, como imagem in-
do (IL) e Jerónimo de Sousa (PCP) também vertida de espelho…), o Bloco surgiu fresco,
já tinham sido substituídos. Se formos um inovador e imaginativo. Na altura, trazia um
pouco mais atrás, verificamos que, desde programa de causas fraturantes e identi-
2018, o PSD mudou de liderança não uma, tárias que sopravam a poeirada dos velhos
mas duas vezes. Que o CDS já tinha muda- conflitos sociais baseados na dialética entre
do em 2016, com a saída de Paulo Portas e explorados e exploradores. Não: o Bloco
— Editor-executivo
a entrada de Assunção Cristas, por sua vez não era o partido dos trabalhadores, era o
substituída, em 2020, pelo fogoso “Chicão”. movimento da modernidade. Tal como, 20
E que também o PAN, em 2021, fez a sua anos depois, a IL, ao chegar ao Parlamento,
mudança de líder, com André Silva a dar eles iam sem gravata. O marketing espe-
o lugar a Inês de Sousa Real. Ou seja, em tacular que precedeu, em duas décadas, a
sete anos como primeiro-ministro, António imaginação dos liberais, sensibilizou exata-
Costa já conseguiu “despachar” nove líderes mente as mesmas faixas etárias, nas mes-
de outros partidos, sendo que, só à direita, mas elites e nos mesmos bairros urbanos
viu sair nada menos do que seis. António que estes penetrariam em 2019 e, sobretu-
Costa, senhor absoluto dos socialistas desde do, em 2022. Um eleitorado urbano e ca-
2014, é, portanto, um dos dois líderes real- sual chic que, entretanto, envelheceu e viu
mente longevos da política portuguesa. E convertidas em leis progressistas (aborto,
quem é o outro? Adivinharam: André Ven- casamento entre pessoas do mesmo sexo...)
tura. Isto há de querer dizer qualquer coisa. as principais bandeiras bloquistas – sem
As razões para a despedida de Catari- que o BE tenha mais nada para apresentar
na Martins, explicadas pela própria, fazem ou conquistar. Tal como a IL vinte anos de-
sentido. A ideia de “fim de ciclo” é completa- pois, o Bloco tinha mais votos no Restelo do
mente ajustada ao momento presente. Cata- que em Alcântara. E, com o definhamento
rina era a última peça museológica da velha ideológico do PCP, as margens suburbanas
e agora abandonada e enferrujada geringon- e excluídas ficavam para pasto do Chega.
ça, se excetuarmos o seu dínamo, António Os 16 anos iniciais de protesto revelavam
Costa, reciclado na “máquina sofisticada” um partido com aversão ao Poder e imune
da maioria absoluta. A ainda coordenado- aos cantos de sereia dos salões governa-
GOLPE DE VISTA ra do Bloco, que será substituída em maio, mentais. Um partido com medo de crescer
identificou que a virada de página mostrou demasiado. Um partido Peter Pan. A partir
um País de protesto, de lutas sociais, de gre- de 2015, porém, surgiu a oportunidade de
IMOBILIÁRIA ves e de reivindicações várias. Para apanhar dar o salto. Quase sem que se desse por
COSTA, LDA. este comboio, o Bloco não podia ter um isso, a estratégia teve uma inversão de 180
Numa das medidas rosto com o ferrete da ex-geringonça, hoje graus. O Bloco aburguesou-se e convenceu-
para a Habitação, um tanto ou quanto deslocada no tempo. -se de que, pela mão do PS, chegava lá.
o Estado propõe-
Catarina Martins representou a imagem de Havia um problema. António Costa co-
-se arrendar
um partido que queria ser governo. Mariana nhecia muito bem o Bloco e as suas inten-
e subarrendar
casas devolutas,
Mortágua, embora uma “adiada ministra das ções. Em intervenções públicas anteriores,
encarregando-se, Finanças”, pode voltar ao registo do pro- o líder do PS já tinha identificado o partido
ainda, da reabilitação. testo, que exercerá muito melhor (ver pág. fundado por Francisco Louçã, Luís Fazen-
Ou seja, o Governo 30 e seguintes). Mas mesmo este nome não da e Miguel Portas como um perigo mortal
escolhe os armários convence a linha mais dura do Bloco, que para o PS. Nunca lhe passou pela cabe-
de cozinha e o defende a tomada das ruas e do megafone do ça levar o BE para o Governo. E quando o
pavimento para a sala. descontentamento. Em tempo de polariza- partido Peter Pan, finalmente, quis crescer,
Podem recorrer ao ção, percebeu Catarina, interessa radicalizar. tomou consciência, com horror, de que,
amigo de Sócrates, ele O BE passou 16 longos anos, entre 1999, afinal, António Costa era o capitão Gancho.
saiu-se bem, em Paris. ano da sua fundação, e 2015, nas margens [email protected]

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rrendamento perar pelas medidas do futuro de um T2 onde vivem 13 pes-
obrigatório, por ministro das Finanças, fosse soas?! Nos últimos dias, temos
cinco anos, de mais seguro vender. O Go- ouvido queixas por parte dos
casas que estejam verno propõe subarrendar as proprietários, dos empresários
vazias há mais de casas devolutas e crê que isto de alojamento local e até de
12 meses: das medidas apre- vai aumentar a segurança dos detentores de vistos gold, mas,
sentadas pelo Governo para senhorios. Em princípio, só na verdade, o maior prejudi-
combater a crise na habita- resultará com senhorios que cado parece ser José Sócrates.
ção, foi esta a que mais tinta nunca tenham passado pela Quando reclamávamos medi-
fez correr. Nomeadamente experiência de tentar receber das para evitar que casos como
tinta para cartazes a dizer dinheiro do Estado, mas não o do ex-primeiro-ministro se
“Vende-se”. Não creio que custa tentar. Se este plano der repetissem, não era bem isto
esta proposta venha resolver certo, deixaremos de ter casas que tínhamos em mente... Em
o problema da escassez de vazias, em cidades onde a pro- vez de um pacote de medidas
casas para arrendar, a preços cura é imensa. Continuaremos anti-corrupção, o Governo
razoáveis, mas provavelmen- é a ter casas cheias de estu- apresentou um pacote que
te fará aumentar o número dantes, a pagar 400 euros por impede amigos de terem casas
de apartamentos para venda: quartos de dez metros, sem disponíveis para emprestar a
entre entregar a casa ao Estado janela. Uma vez que o Estado um ex-governante em apu-
ou à Remax, talvez se opte pela identifica as casas devolutas ros. Aliás, se lermos as letras
entidade que não tem fama através da ausência de contra- pequeninas deste programa,
de má pagadora. Esta ideia já tos de electricidade, água ou vemos que o título comple-
devia estar na forja há algum telecomunicações, pode apro- to é “mais habitação para os
tempo, o que explica porque é veitar para averiguar o que se portugueses que não têm
que Marcelo Rebelo de Sousa passa em casas com consumos casa própria, menos habita-
e António Costa optaram por absurdos: trata-se de um pro- ções para aquele português
nunca se mudar em definiti- prietário muito lavadinho, que que nunca está na sua própria
vo para o Palácio de Belém e toma sete banhos diários, ou casa”. [email protected]
o Palacete de São Bento: é que
corriam o risco de, findos os
mandatos, terem estranhos a
viver nas suas casas. Percebe-
-se também porque é que a
família Teixeira Duarte vendeu
um duplex numa zona nobre
da capital, muito abaixo do
valor de mercado, a Fernan-
do Medina: tinham muitos
imóveis vazios para despachar
até 2023. Percebo que, entre
receber a pronto do então
presidente da câmara ou es-
Em vez de um pacote de medidas

anti-corrupção, o governo
apresentou um pacote que
impede amigos de terem casas
disponíveis para emprestar a um
ex-governante em apuros
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F
C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O
Férias grandes no inverno?! Quem

nunca experimentou é capaz de ter
vontade de atirar a primeira pedra.
Mas será assim uma ideia tão má?... E
não, não estamos a falar de férias no
inverno daqui, que é o verão do Brasil,
nem de férias na neve. Falamos da-
queles sítios onde pensa que só pode
ir no verão, mas que, na verdade, são
destinos encantadores (e tranquilos)
no inverno. Quer um exemplo? Que
tal o concelho de Odemira? Praias,
rio, barragem, serra, surf, trilhos
pedonais, passeios a cavalo, ermidas,
casinhas caiadas, burros, ovelhas e
cabras, anciãos nas suas oficinas arte-
sanais, pão acabado de sair do forno,
manteiga caseira, uma lareira quen-
tinha, um copinho de aguardente de
medronho. E o que será aquilo ali ao
fundo? É mais um que decidiu fazer
férias no inverno. Venha daí, amigo,
há lugar para todos!
Odemira no inverno é um segredo
bem guardado, que vale a pena des-
cobrir. Mas não conte a muita gente,
senão já sabe o que acontece...
Situado na Costa Alentejana, Ode-
mira é o maior concelho do País: tem
1 720 quilómetros quadrados para
… der por si em Odemira? Liga para explorar. É um território único, que
casa, manda vir a família e escreve se estende entre o mar, a planície e a
serra, com uma diversidade natural e
um email para o trabalho a dizer que uma riqueza cultural de fazer inve-
quer tirar as férias de verão agora ja a qualquer região. Há muito para
mesmo, enquanto a primavera não conhecer e experiências para todos os
gostos: turismo de Natureza, turis-
chega. Um paraíso plantado entre o mo náutico, o rio Mira, a albufeira
mar, a serra e a planície, com praias, de Santa Clara, praias de areia fina,
aldeias pitorescas e medronheiros, portinhos de pesca artesanal, o im-
ponente cabo Sardão, aldeias típicas,
Odemira tem o melhor do Alentejo. património religioso, artesanato e
E, no inverno, oferece-o com vagar uma gastronomia com os melhores
Se numa noite
de inverno
um viajante...
PASSEIOS A CAVALO, CAMINHADAS,

BTT, SURF E PASSEIOS DE BARCO:
TUDO BOAS FORMAS DE PASSAR
O TEMPO EM ODEMIRA
FAZER
1 | BASS CATCH IN SANTA CLARA
Passeio de barco na barragem
de Santa Clara
∙ https://basscatchinsantaclara.com/
Tel. 963 553 829 | 967 108 936
2 | MILEMOTIONS
Passeios de barco no mar e no rio Mira
∙ https://milemotions.pt/ Tel. 961 719 277
3 | SURF MILFONTES
Escola de surf
∙ https://surfmilfontes.pt/pt/inicio/
Tel. 928 078 950 | 926 900 891
4 | ECOTRAILS
Passeios a cavalo
∙ https://www.ecotrails.pt/pt/
Tel. 967 155 383
sabores do campo e do mar. que Odemira tem para oferecer. Pode 5 | 110 SW
A água é um dos elementos mais fazer canoagem, stand up paddle,
Stand up paddle e canoagem
marcantes, não só pelas praias da passeios de barco (no mar, rio ou ∙ https://110sw.pt
Costa Sudoeste mas também pelo rio barragem), observação de aves, surf, Tel. 965 156 374
Mira e pela albufeira de Santa Clara. bodyboard, mergulho (com um fato
Ao longo dos 50 quilómetros cos- apropriado não vai sentir frio). Se
teiros, Odemira tem 12 praias numa gosta de caminhadas, saiba que por
das zonas mais bem preservadas da aqui passa a Rota Vicentina, o grande
Europa – todas com Bandeira Azul. percurso que liga Sagres ao norte da
Também o rio Mira é um dos Europa e que, em Odemira, contem-
menos poluídos do Velho Continente. pla o Trilho dos Pescadores (junto ao
Atravessa o concelho de Odemira, mar) e o Caminho Histórico. Além
alimenta a albufeira de Santa Clara e destes dois trilhos, existem diversos
desagua em Vila Nova de Milfontes. percursos circulares no território,
Todo o vale do rio, entre Odemira e que permitem explorar o litoral e o
a sua foz, está integrado na área do interior do concelho. Encontra, por
Parque Natural do Sudoeste Alen- exemplo, o Trilho de Troviscais ao 1
tejano e Costa Vicentina. A zona Mira, com 11,5 quilómetros, em que
ribeirinha constitui o habitat de uma densas matas de sobreiros, euca-
grande variedade de fauna e flora. liptos e medronheiros o conduzem
Já a foz é uma importante zona de até às águas tranquilas do rio, ou o
maternidade para várias espécies de Trilho das Dunas do Almograve, que
peixes e uma paragem para as aves coincide, em parte, com o Trilho dos
migratórias. Pescadores. Para os amantes do BTT,
A imensidão do Espelho de Água a Rota Vicentina propõe mil quiló-
de Santa Clara é mais uma prova metros de percursos espalhados pelo
de que o concelho de Odemira é território.
muito mais do que praia oceânica.
A barragem de Santa Clara, que já PONTO MAIS OCIDENTAL DA COSTA
foi a maior de Portugal, tem uma ALENTEJANA 3
praia fluvial num cenário idílico, em Vila Nova de Milfontes é a porta de
que pode usufruir de um percurso entrada do concelho, para quem vem
pedestre circular, zona de estar e de Norte. Dê início à visita pelo nú-
contemplação. Já que está em Santa cleo antigo da vila, a Praça da Barbacã
Clara, descubra também a ponte D. e o cais da Fateixa. Já que está aqui,
Maria, do século XVIII, a igreja de aproveite e apanhe o passadiço que
Santa Clara de Assis, a fonte do Azi- vai até ao Forte de São Clemente e
nhal e o parque de merendas. caminhe sobre as águas do rio (pelo
E não pense que, por ser inverno, menos, é o que parece). Passe ainda
não pode desfrutar de toda a água pelo portinho de pescas e admire as
5
COMER
A gastronomia é tão variada quanto a paisagem. Do mar:
o polvo, o sargo, o robalo, a feijoada de chocos e búzios, arroz
de marisco, percebes, lagosta, navalheira ou ouriços.
8 Do interior: a feijoada e o cozido de grão, mas também
enchidos, queijos, pão, mel, vinho e a incontornável
aguardente de medronho.
6 | FONTE FÉRREA
Acabado de abrir, este icónico restaurante, dedicado a pizzas,
hambúrgueres e saladas, fica num agradável jardim e é explorado
pelo turismo Craveiral Farmhouse.
∙ Jardim da Fonte Férrea, Odemira.
Fecha ao fim de semana.
7 | COSTA ALENTEJANA
As especialidades são o peixe e marisco frescos da costa
6 e a carne produzida na Herdade do Sardanito da Frente.
∙ Rua Mira Mar, nº 8, Zambujeira do Mar. Fecha à segunda-feira.
8 | MANJEDOURA
Uma antiga discoteca que renasceu como restaurante.
A ementa combina petiscos, carnes grelhadas e pizzas cozidas
em forno de lenha. Abre às 12h30 e fecha às 2 da manhã.
∙ Cerca do Arneirão, Rua António Mantas, Vila Nova de Milfontes
Aberto todos os dias.
9 | AZENHA DO MAR
Restaurante típico, famoso pelo marisco e peixe fresco.
Arroz de marisco, caldeirada de peixe, massa de peixe, feijoada
de camarão. Sapateira e camarão frito são as especialidades.
7 ∙ Azenha do Mar, freguesia de São Teotónio. Fecha à quarta-feira.
10 | BARCA DO TRANQUITANAS
Situado nas imediações do porto de pesca, o peixe e o marisco
são sempre frescos. Comece com uns percebes, búzios, bruxas
ou navalheiras, e siga para uns filetes de peixe pampo.
∙ Entrada da Barca, Zambujeira do Mar. Fecha à segunda-feira.
11 | TASCA DO CELSO
Restaurante típico, com um ambiente rústico contemporâneo.
FILIPE POMBO
Experimente a carne de porco à alentejana, o arroz de feijão

com linguado ou pregado frito, ou a açorda de camarão.
∙ Rua dos Aviadores, nº 34 A, Vila Nova de Milfontes. Fecha à segunda-feira.
11
12 | PORTO DAS BARCAS
Um espaço moderno e descontraído, com vista para o porto
que lhe dá o nome. Prove o borrego em pasta de alecrim na grelha,
as gambas à Brás e a massinha de peixe com hortelã.
∙ Estrada do Canal, Vila Nova de Milfontes.
Fecha à terça-feira (na época baixa).
13 | SACAS
Nesta antiga tasca de pescadores, aposte no peixe e marisco,
comprados na lota, ali a poucos metros. Prove a raia de coentrada,
os bifes de peixe pampo à Ti’ Ana, ou as sopas de cação.
∙ Entrada da Barca, 22, Zambujeira do Mar.
Fecha à quarta-feira (na época baixa).
13
pequenas embarcações. Conheça a em pleno funcionamento, de acordo São Martinho das Amoreiras é
Rocha de Água d’Alto, local que, em com a tecnologia mais tradicional. uma dessas aldeias, rodeada de verde
época de chuva, se transforma numa Este engenho merece uma demora- e de frescura, em que a imponente
grande queda-d’água natural. da visita, não só para contemplar a igreja paroquial marca o tempo e a
Ainda na costa, mas mais para sul, paisagem mas também para ter uma paisagem. Mesmo ali ao lado, na úni-
não deixe de visitar o cabo Sardão – o boa conversa com o moleiro José ca padaria da zona, é feito o “melhor
ponto mais ocidental da costa alen- Guilherme, descendente de antiga pão do mundo”. Visite-a e, com dois
tejana, guardado por um farol. Este família de mestres moleiros. dedos de conversa, aprenda os méto-
é um sítio de passagem ao longo da Aproveite ainda para percorrer a dos de produção tradicional do pão
estrada costeira, que liga Almograve zona ribeirinha e observe os Marcos alentejano. Ali perto, há também para
a Zambujeira do Mar. Caminhe até ao da Barca, do século XVI, em que se descobrir a Necrópole do Pardieiro,
imponente farol, construído em 1915 e fixavam os cabos que permitiam a monumento arqueológico funerário
com uma torre de 17 metros de altura. passagem da barca entre as margens. da Idade do Ferro, onde foram des-
Mais adiante, junto à falésia, poderá E se é amante de fotografia, não se cobertas estelas com a antiga e ainda
admirar as cegonhas-brancas que só esqueça de tirar uma selfie no Monu- indecifrável escrita do Sudoeste.
aqui, e apenas nesta costa, escolhe- mento do Cante, uma imponente es- De seguida, vale a pena rumar até
ram nidificar. No resto da Europa, cultura de um grupo coral alentejano, Colos, antiga sede de concelho, vila
poderá encontrá-las, mas mais para o que presta homenagem ao cante. histórica com foral atribuído. Nes-
interior. Depois, enverede por territórios ta freguesia, impõe-se uma visita à
É agora tempo de dar um pas- menos conhecidos e encontre alguns Senhora de Neves, pequena capela
seio pela vila de Odemira. A sede do tesouros do interior do concelho. Em no alto da serra, de onde se avista
concelho revela a brancura das casas Odemira, descobrem-se aldeias genuí- o imenso território de planície e de
e os jardins floridos, e é fácil encon- nas, de casinhas caiadas, arquitetura serra.
trar a igreja de São Salvador, a igreja tradicional, ruelas apertadas, com inte- Outra paragem obrigatória é a
da Misericórdia, a igreja paroquial ressante património religioso e civil. aldeia de São Luís, antiga povoação
de Santa Maria e o Bairro do Castelo. que dedica a sua interessante igreja à
Vá até à Fonte da Bica da Rola e ao Ordem de Santiago. Um passeio pelas
chafariz do Alto de São Sebastião. NA ZAMBUJEIRA DO MAR FICA ruas permite descobrir um mercado
Um dos pontos altos deste percur- UM DOS QUATRO PORTINHOS feito em taipa (técnica ancestral de
so é o moinho de vento de Odemira, DE PESCA TRADICIONAL DO construção com terra). Já no Ate-
que remonta ao século XVIII e está CONCELHO neu do Catorze, fica a conhecer um
COMPRAR
O artesanato é uma das riquezas culturais de
Odemira. Abegoaria, produção de mobiliário,
instrumentos musicais (com especial relevo para as
violas campaniças), cestaria em vime, empalhamento
de cadeiras, traparia, joalharia, produção de cajados,
cerâmica e tecelagem são atividades com grande 14 15
vigor. Sem esquecer os queijos e a aguardente de
medronho que, não sendo artesanato, também não
deixam de o ser. Aqui ficam as nossas sugestões:
14 | LOJA DA CACO – ASSOCIAÇÃO

DE ARTESÃOS DO CONCELHO DE ODEMIRA
Aqui encontra peças de artesanato e produtos regionais
do concelho.
∙ Avenida Teófilo da Trindade, nº 8, Odemira
15 | FÁBRICA DE CHOCOLATES DA BEATRIZ

Beatriz é uma argentina que trouxe para Odemira 18 19
a sua paixão pelo chocolate.
∙ Rua do Cemitério, nº 7, Odemira
16 | ATELIER HELENA LOERMANS

Helena é uma holandesa que vive e tece em Odemira há
mais de 20 anos e produz a sua própria coleção de têxteis.
∙ Rua Alexandre Herculano nº 50, Odemira
17 | JÚNIOR JACQUES DESTILADORES

Aguardente de medronho e melosa.
∙ Sobral – São Miguel, São Teotónio
18 | APICORTES 21 22
Mel, licor de mel e sabonetes.
AGUARDENTE DE MEDRONHO, AZEITE, MEL, QUEIJOS
∙ Rua António Mateus Alves nº 39, Bicos – Vale de Santiago
DE OVELHA E CABRA E UM BOM PÃO ALENTEJANO:
19 | QUEIJARIA DO MIRA ABASTEÇA-SE ANTES DE REGRESSAR
Queijos de ovelha e cabra.
∙ Rua das Barreiras Vermelhas, Odemira coletivo de artistas plásticos que ali
encontra liberdade criativa, em várias
20 | AZEITE VALE DA CASCA áreas. Nos arredores de São Luís, as
A Herdade Vale da Casca produz azeite virgem extra propostas de passeios recaem nos
com marca registada. percursos pedonais da Rota Vicenti-
∙ Herdade Vale da Casca – Lameiros, São Luís na, como o das hortas de São Luís e o
da serra de São Domingos. Conheça
21 | JOIAS DE ELZA PEREIRA também o Pego das Pias, uma piscina
Joalharia de autor. natural, na ribeira do Torgal, com
∙ Rua Sarmento Beires, 40, Vila Nova de Milfontes impressionante património geológico,
e ainda o cais da Casa Branca, antigo
22 | ARTESANATO DO MAR DE MIGUEL SANTOS cais fluvial no Mira, que permite ace-
(VEIGA PARA OS AMIGOS) der ao rio e conhecer de perto a sua
Peças únicas, criadas a partir de materiais biodiversidade.
encontrados na costa e nas praias. Odemira é também um impor-
∙ Aldeia da Longueira
tante núcleo piscatório, o que faz
do concelho também uma gran-
de referência gastronómica. Aqui
exercem a sua atividade dezenas de
pescadores que se dedicam à pesca
DORMIR
23 | CRAVEIRAL FARMHOUSE, SÃO TEOTÓNIO
A meio caminho entre o campo e o mar, a poucos
quilómetros da Zambujeira do Mar, é a combinação perfeita
entre a ligação à Natureza e o conforto da vida moderna.
∙ www.craveiral.pt
A partir de €198
ANA BRIGIDA
24 | PARAÍSO ESCONDIDO, SÃO TEOTÓNIO
Neste paraíso com bungalows sobre estacas, no meio
24 25 da floresta, a harmonia com a Natureza e a sustentabilidade
são palavras de ordem. Perfeito para retiros de ioga
e chi kung.
∙ www.paraisoescondido.pt
A partir de €250
25 | HERDADE DO TOURIL, SÃO TEOTÓNIO

Na mesma família desde 1826, a Herdade do Touril dispõe
de cinco casas com 18 quartos duplos. Tem piscina de água
salgada e um restaurante de comida tradicional alentejana.
∙ www.herdadedotouril.com
MARCOS BORGA
A partir de €124
26 | TRÊS MARIAS, VILA NOVA DE MILFONTES

Uma casa de campo integrada num monte alentejano,
26 27
onde a planície se funde com as colinas da serra do Cercal,
com campos onde pastam burros, ovelhas e uma avestruz
amigável.
∙ www.tresmarias.pt
A partir de €95
27 | QUINTA DO CHOCALHINHO,
BEMPOSTA – ODEMIRA
É uma herdade centenária circundada de oliveiras
e sobreiros. No verdadeiro espírito do agroturismo, tem
tanques de rega, animais de quinta e vestígios de javalis.
∙ www.chocalhinho.pt
A partir de €85
28 29 28 | TEIMA, SÃO TEOTÓNIO

Um monte abandonado durante 15 anos, coberto de mato,
com cheiros de urze, é hoje um bonito retiro com oliveiras
artesanal e mantêm as características
e horta biológica, cadelas, gatos, burros, cavalos e patos.
das embarcações mais antigas – de
∙ www.teima.pt
pequenas dimensões, boca aberta
A partir de €135
e casco de madeira. Sargo, robalo,
congro, safio, pata-roxa, pampo,
29 | NATURARTE CAMPO, SÃO LUÍS
abrótea, besugo, búzio e polvo são as
espécies mais comuns. Os crustáceos Este espaço proporciona as melhores experiências de vida
revelam-se igualmente apetecíveis, no campo. Tem piscina, campo de ténis, picadeiro, estábulos
e uma área de descanso com camas suspensas em pleno
destacando-se as navalheiras e os
laranjal.
percebes. Não perca a oportunidade
de degustar este património gastro- ∙ https://www.naturarte.pt/campo/
A partir de €110
nómico.
Agora que já lhe falámos das
30 | HS MILFONTES BEACH,
maravilhas que Odemira tem para
VILA NOVA DE MILFONTES
lhe oferecer, longe dos veraneantes,
deixamos-lhe ainda um guia com Hotel de três estrelas, situado na Marginal de Vila Nova de
hotéis, restaurantes, lojas e ativida- Milfontes, junto à baía do rio Mira. Tem 28 quartos com vista
para a foz e para a praia das Furnas ou para a piscina.
des. Portanto, vá e não olhe para trás.
Lembre-se de que o inverno só dura ∙ https://www.hsmilfontesbeach.com/pt/
A partir de €50
até dia 20 de março.
#DESCUBRAODEMIRA
ODEMIRA ON DE O I N V ER N O É M A I S BO N I TO
ENTRE O MAR, A SERRA ESTADAS DE SONHO TANTO PARA FAZER

E O RIO
Dos antigos montes alentejanos Trilhos para caminhadas
Planícies douradas, ruelas aos modernos paraísos e BTT, surf, passeios de barco
de casinhas caiadas e sustentáveis e a cavalo. Há de tudo
medronheiros verdejantes

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23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 11

12 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

Inscrições até 28 de fevereiro

14 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 15

16 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

Petrolíferas somam e seguem

Todas as Big Oil, como são conhecidas as principais

LUCROS RECORDE PORTUGAL SEGUE A ONDA

FONTE Energy Monitor

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18 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

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24 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

TODAS AS PRE V ISÕE S DE MA R I A HE L E N A

Mónica Trindade cadinho às reclusas. Pensei:

“Ali, não somos só reclusas… sem câmaras, sem

guardas; somos quem tínhamos; era só eu e um

pega nos bebés ao sos. Nos pavilhões grandes,

colo quando têm febre donadas, umas entregues à

e as mães estão condenadas e ninguém quer

no isolamento” pasta de dentes ou pensos

26 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 27

RIO DE JANEIRO BRASIL

28 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

23 FEVEREIRO 2023 VISÃO 29

30 VISÃO 23 FEVEREIRO 2023

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