Abordagem Histórica Atuação Da Enfermagem

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

Uma abordagem da atuação...

Revisão Teórica
UMA ABORDAGEM DA ATUAÇÃO HISTÓRICA
DA ENFERMAGEM EM FACE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE
AN APPROACH TO THE HISTORY OF NURSING WORK
AND HEALTH POLICIES
ENFOQUE EN LA ACTUACIÓN HISTÓRICA DE ENFERMERÍA FRENTE
A LAS POLÍTICAS DE SALUD
Gabriela Maria C. Costa1
Elizabeth Bernardino2
Deborah Abuhab3
Isília Aparecida Silva4

RESUMO
O objetivo deste trabalho foi correlacionar a trajetória da Enfermagem como prática profissional e social às políticas de
saúde. A partir de consulta aos livros de programação e resumos dos Congressos Brasileiros de Enfermagem, rastreamos
todos os temas centrais e subtemas, utilizando termos descritores relacionados ao assunto, no período de 1947 a 2000.
Como resultado, evidenciou-se que, por muito tempo na história, reproduzimos de maneira eficiente e eficaz o que era
determinado pelas políticas governamentais. Alguns elementos parecem determinar a participação da Enfermagem na
construção das políticas de saúde, entre eles a divisão sexual do trabalho e a formação técnica da Enfermagem. Concluímos
que, apesar dos avanços da Enfermagem Brasileira, é premente a necessidade de se repensar a neutralidade científica e
política que marcou essa participação.
Palavras-chave: Política de Saúde; Enfermagem; Enfermagem em Saúde Pública; História da Enfermagem

ABSTRACT
The aim of this study was to correlate health policies with the path taken by the nursing profession as a professional
and social practice. Based on a review of Brazilian Nursing Conference programs and proceedings between 1947 and
2000, we tracked all the major themes and sub-themes, using subject-related keywords. Our results showed that for a
significant time period, nurses efficiently and effectively reproduced government policies. Certain elements appear to
shape participation of the nursing profession in the construction of health policies, among which are the gender division
of work and the technical training of nurses. We conclude that notwithstanding the development of Brazilian Nursing,
there is an urgent need to rethink the scientific and political neutrality that has characterized the participation of nurses
in the construction of health policies.
Key words: Polices of Health; Nursing; Public Health Nursing; History of Nursing

RESUMEN
El objetivo de este trabajo fue correlacionar la trayectoria de la enfermería como práctica profesional y social con las
políticas de salud. A partir de una consulta en los libros de programación y resúmenes de los Congresos Brasileños de
Enfermería rastreamos todos los temas centrales y subtemas; utilizamos términos descriptores relacionados al asunto
en el período de 1947 al 2000. Como resultado observamos que, durante mucho tiempo, reproducimos eficiente y
eficazmente lo que indicaban las políticas gubernamentales. Algunos elementos parecen determinar la participación de
la enfermería en la construcción de las políticas de salud, entre ellos la división sexual del trabajo y la formación técnica
de la enfermería brasileña. Concluimos que, a pesar de los avances en la enfermería brasileña, es imprescindible repensar
la neutralidad científica y política que marcó tal participación.
Palabras clave: Política de Salud; Enfermería; Enfermería en Salud Pública; Historia de la Enfermería

1
Enfermeira. Docente do Centro Universitário de João Pessoa e da Universidade Estadual da Paraíba. Doutoranda do Programa Interunidades de Doutoramento em
Enfermagem – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EE/EERP/USP).
2
Enfermeira. Docente da Universidade Tuiuti do Paraná. Doutoranda do Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem EE/EERP/USP.
3
Enfermeira. Especialista em Saúde Mental. Gerente Regional de Saúde do Município de Santo André. Mestranda do Programa de Enfermagem Psiquiátrica
da Escola de Enfermagem da USP.
4
Enfermeira. Professora Titular EE/USP.
Endereço para correspondência: Rua Maria Eunice Fernandes, 154 – Manaíra. João Pessoa – PB. CEP 58038-480. TEL: (83) 3246-1126. [email protected]

412  REME – Rev. Min. Enf.;10(4):412-417, out./dez., 2006


INTRODUÇÃO contextualizar a Enfermagem e reconstituir sua história.
Políticas sociais são orientações de caráter geral que Para tanto foi utilizada a pesquisa bibliográfica tendo como
apontam os rumos, as estratégias e as intenções da atu- recorte temporal, o período de 1947 a 2000.
ação da gestão governamental. Quando se fala sobre a A análise da trajetória da Enfermagem brasileira como
formulação de políticas, imediatamente se fala de Estado, prática profissional e social se deu então pela contextu-
de sociedade civil, de cidadania e de representação de alização e reconstituição histórica da Enfermagem, no
interesses sobre o poder estatal, bem como dos micro- âmbito da assistência, ensino e pesquisa, áreas de atuação
poderes que atravessam as instituições.(1) tradicionais na Enfermagem e pela identificação dos inter-
As políticas públicas devem estar comprometidas esses da categoria no que concerne às políticas públicas.
com a implementação e a regulamentação de políticas A estratégia de pesquisa incluiu busca manual nos
sociais, cujo significado é o esforço planejado de reduzir ANAIS dos congressos, no período de 1947 a 2000, a par-
as desigualdades sociais sob o ponto de vista do Estado, tir dos temas centrais e sub-temas. Foram categorizados
entendendo-se, portanto, como política pública, aquela por assunto, significando que em um mesmo ano, pode-
que alcança a todos; público no sentido de totalidade da riam ser contemplados assuntos diversos, porém, para
sociedade / população.(2) efeito deste estudo foram apreendidos apenas os temas
Tanto na teoria, quanto na prática e na representação relacionados às políticas públicas e à Enfermagem como
social de grande parte dos profissionais de Enfermagem, prática social. A análise dos temas permite afirmar se a
a relação com as políticas de saúde está quase sempre Enfermagem brasileira estava ou não inserida no contexto
ausente. Segundo a autora, existe uma conivência da da construção das políticas públicas. Essa análise pode dar
liderança da Enfermagem brasileira com as decisões e idéia também quanto às políticas públicas: se elas consti-
diretrizes traçadas no plano central e internacional sem tuíam um foco de atenção para a categoria,considerando
uma discussão crítica, como se essas deliberações fossem que os Congressos Brasileiros sempre tiveram um papel
boas para tudo e para todos. muito importante para Enfermagem.
No final da década de 80, já se afirmava(3) que, embora
a Enfermagem possuísse o maior contingente de trabalha- RESULTADOS E DISCUSSÕES
dores de saúde, ocupava, segundo as estatísticas de saúde, A contextualização e a reconstituição
uma posição secundária no que se referia à execução de da trajetória da Enfermagem no âmbito da
atos concretos de saúde que revertessem em benefício assistência, do ensino e pesquisa e no cenário
para a população, isto é, não participava da elaboração da das políticas públicas
maioria das políticas públicas de saúde. Apesar de haver Estudos(5) apontam a inexistência de políticas sociais
indícios do afastamento da Enfermagem das políticas voltadas para a transformação da realidade do País, além da
públicas de saúde, expressões(4) como integralidade da marca indelével do estabelecimento de medidas compen-
assistência, saúde integral e participação popular têm satórias, precárias, acumuladas ao longo dos anos que su-
sido muito lembradas ultimamente. A Enfermagem tem perficializam a avaliação e o atendimento das necessidades
sustentado sua opção pela população, na defesa da vida dos de saúde das pessoas e coletividades. Devemos, por essa
sujeitos, porém enrijeceu sua estrutura de maneira que razão, considerar o cenário geral do País para só então
a tendência democrática caminhou mais para o discurso passarmos a inferir sobre a participação da Enfermagem
do que para a prática.(4) na construção das políticas de saúde.
Ao considerarmos que a Enfermagem presta assistên- Nessa perspectiva, e para facilitar a compreensão da
cia ao indivíduo doente ou sadio, família ou comunidade relação do cenário político social com o processo de
no desempenho de atividades para promover, manter e Enfermagem – entendendo nesse conjunto as práticas
recuperar a saúde e prevenir a doença estamos assumindo assistenciais, de administração, de ensino e pesquisa – os
que além de um campo de competência técnico-científica resultados serão apresentados e discutidos segundo
específico e formalizado legalmente, a Enfermagem é um décadas históricas do país.
campo de práticas sociais. (1) DÉCADA DE 20/30: De acordo com a literatura (6),
As contradições entre a baixa participação da Enferma- o País vivia marcantemente a crise do café; dependência do
gem na elaboração das políticas públicas e o trabalho da capital estrangeiro e intensos processos de industrialização
Enfermagem como prática social suscitaram as questões com aumento na urbanização e nos fluxos de imigração.
que norteiam este estudo: De que forma a Enfermagem Com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública,
participa na construção das políticas de saúde? Quais estendeu-se a tentativa de saneamento urbano e rural.
são os determinantes da participação da Enfermagem na Nesse período ocorre a implantação da Enfermagem
construção das políticas públicas? Quais as perspectivas no Brasil(7) com a criação da primeira Escola de Enferma-
para que a Enfermagem tenha sua própria agenda política gem Ana Néri, no Rio de Janeiro, ligada ao Departamento
e se fortaleça para se tornar também protagonista no Nacional de Saúde Pública. Foram priorizadas, nos cur-
processo de construção das políticas de saúde? rículos escolares, as práticas de saúde pública consonantes
com as políticas governamentais propostas, para atender
METODOLOGIA às necessidades e melhorar as condições de saúde e
O objetivo deste trabalho é correlacionar a trajetória educação sanitária das populações.(8) A Enfermagem
da Enfermagem como prática profissional e social às políti- brasileira estava, dessa forma, reproduzindo o modelo
cas de saúde. Como a política de saúde de uma época re- nightingaliano, voltando sua prática assistencial para a
flete o momento histórico no qual foi criada, foi necessário saúde pública, administrada por médicos, assentada no

REME – Rev. Min. Enf.;10(4):412-417, out./dez., 2006  413


Uma abordagem da atuação...

Modelo sanitarista-campanhista, atendendo a política ne- ológicas vivenciadas no país apontam para a necessidade
cessária ao estado brasileiro agrário-exportador. (9) Fruto de uma revisão nas políticas sociais. Em reconhecimento
do maior contingente de profissionais e seguindo modelo às necessidades urgentes, inicia-se a conformação do
americano, cria-se a então denominada Associação Nacional Movimento Sanitário com as propostas de reforma, pre-
de Enfermeiras Diplomadas (ANED), que objetivava elevar conizando, entre outras, a substituição do insustentável
o padrão da profissão(10), e dá-se início às suas atividades. modelo de assistência médico-hospitalar, em conseqüência
DÉCADA DE 40/50: No contexto geral, temos a da excessiva privatização da assistência médica.
saúde eleita como prioridade nacional, elevada à condição No entanto, considerando(12) a forte expansão do mercado
de questão social com a criação do Ministério da Saúde. de trabalho na área da saúde, temos que destacar como marcas
Configura-se a prestação de serviços de saúde por in- indeléveis desse período: a prática médica assentada no modelo
termédio das emergentes ações privadas da medicina de flexneriano, privilegiando ações curativas e especializadas; a ex-
grupo(11) que passam a se consolidar como modalidade pansão da rede de serviços e o rebaixamento salarial em razão
assistencial. É nesse contexto que a Enfermagem encontra do grande número de profissionais de nível médio.
espaço para o seu desenvolvimento. Nesse contexto, a Enfermagem como categoria pro-
Com a consolidação da Enfermagem Moderna, advém uma fissional cria, no cenário nacional, o Conselho Federal de
participação cada vez maior nos cenários hospitalares, com Enfermagem – COFEN – e ainda garante representatividade
enfoque assistencial curativo, dos auxiliares de enfermagem desse órgão de classe em diversas regiões com os Conselhos
fazendo o trabalho manual.(9,12) A Enfermagem está cada vez Regionais de Enfermagem - COREN. Destaca-se a implemen-
mais encarregada de atribuições administrativas e atividades tação do ensino em nível de pós-graduação stricto-sensu
educativas do tipo treinamento e preparo de pessoal em – Mestrado, na Escola de Enfermagem Ana Néri-RJ e Escola
serviço. O atendimento hospitalar reveste-se do caráter de de Enfermagem da Universidade de São Paulo-SP, concomi-
empresa médica e o trabalho da Enfermagem assume a mar- tantemente. Em conseqüência da pós-graduação ocorreu um
cante divisão social do trabalho típico do mercado capitalista aumento expressivo e progressivo da produção científica.
afastando-se cada vez mais do paciente e acirrando os conflitos Temos ainda a Criação do Centro de Estudos e Pesqui-
entre os enfermeiros e os demais trabalhadores da saúde. sas em Enfermagem - CEPEn, vinculado a ABEn, tendo por
A Associação de Enfermeiras Diplomadas (ANED), objetivo promover e incentivar a pesquisa na Enfermagem,
surgida na década de 20, passou a ser denominada As- bem como organizar suas áreas de interesse. (12)
sociação Brasileira de Enfermagem – ABEn, que fomentou Para finalizar esse período, destacamos a Introdução da
a criação da Revista Brasileira de Enfermagem – REBEn, Teoria de Enfermagem de Wanda Aguiar Horta, como base
permanecendo até hoje esta designação. Pode-se inferir(13) para sustentar as ações de assistência, ensino e pesquisa.
que se iniciou aí a contribuição da ABEn com a produção No tocante à atividade de pesquisa, realiza-se no final dessa
e divulgação do conhecimento. década o primeiro Seminário Nacional de Pesquisa em
DÉCADA DE 60 : As intensas lutas políticas e sociais Enfermagem – SENPE – que inicia discussões sobre a pes-
são silenciadas com o golpe que instala no País o Governo quisa na área, no que se refere às prioridades, dificuldades e
Militar ditatorial, que se esforça para restringir cada vez mais limitações e, desde então, tem procurado discutir a situação,
os direitos e centralizar o poder(12). No que se refere à tendência e caminhos das investigações em Enfermagem
saúde, ocorre a III Conferência Nacional de Saúde que de- objetivando integração entre pesquisa e prática. (13)
fine, com vistas a garantir o desenvolvimento econômico, DÉCADA DE 80: No contexto social turbulento desse
uma ideologia da saúde: a racionalidade via planejamento, período histórico, podemos apontar como lutas marcantes a
produtividade e distribuição de riquezas(11). Foi nesse intensa mobilização popular em favor de seus direitos e pela
contexto que emergiu o movimento sanitário no inte- redemocratização do País; a consolidação da política de caráter
rior das universidades, como decorrência da exclusão da neoliberal que trouxe atrelada a rediscussão da dimensão da
participação dos trabalhadores e técnicos no processo intervenção do Estado no campo da saúde e a revisão do texto
decisório das políticas de saúde, as quais eram tomadas constitucional que é promulgado no final da década.
pelos governos autoritários em seu próprio benefício.(6) Especificamente, o setor saúde sofre com uma crise
As práticas assistenciais(14) são exercidas, eminentemente, expressa na falência da seguridade social, pelo déficit
por auxiliares de Enfermagem que ultrapassaram, em número, o operacional crescente e pela consolidação do modelo
total de enfermeiras, uma vez que o mercado de trabalho passou privatista. Junto à proposta do movimento, difundia-se um
a exigir mão-de-obra para a atenção à saúde individual no âmbito novo paradigma científico com a introdução das disciplinas
hospitalar. Também foi por essa razão que se deu a criação da sociais na análise do processo saúde–doença, buscando
categoria dos Técnicos de Enfermagem pela Lei 4024/61-Lei de compreender a determinação social e a organização da
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (12,14) prática médica.(6) Como reação, avança o Movimento pela
No que tange ao ensino, a Enfermagem passa para o nível Reforma Sanitária que, por ocasião da VIII Conferência
superior e na grade curricular são enfatizadas as disciplinas e Nacional de Saúde, realizada em Brasília, propõe um
experiências da assistência hospitalar, enquanto a saúde pública sistema com as diretrizes de universalidade, integralidade
é colocada em plano secundário. Inicia-se também a pós-gradu- das ações, descentralização, participação social e ampliação
ação lato sensu com produção científica fundamentada em do conceito de saúde. Nesse evento a Enfermagem teve
pesquisas, sobretudo na área curativa e administrativa. uma participação tímida e desarticulada.
DÉCADA DE 70: A história aponta as importantes Embora fosse necessário buscar despertar a consciên-
transformações ocorridas na estrutura social do País. Além cia crítica da categoria e a importância da participação
disso, a transição demográfica e as acumulações epidemi- no projeto de transformação da própria Enfermagem, da

414  REME – Rev. Min. Enf.;10(4):412-417, out./dez., 2006


saúde e da sociedade, propondo uma participação mais pesquisa cadastrados na base de dados do CNPq; de 1997
efetiva e eficaz da categoria no planejamento, na execução a 2000 acrescentaram-se mais 85 grupos. (13)
e supervisão dos programas de saúde em face do Sistema O interesse da Enfermagem em relação às
Único de Saúde proposto, a categoria não deixou clara a políticas públicas
sua inserção no processo da reforma sanitária. (9) Por muitos anos os Congressos Brasileiros de Enferma-
Nessa época foi promulgada a Lei Nº. 7.498/86 – Lei do gem representaram os únicos espaços de discussão, atual-
Exercício Profissional – que regulamenta o exercício profis- ização e disseminação trabalhos. Permitiam congregar enfer-
sional e delimita a atuação das categorias de Enfermagem. meiros de todo o Brasil e aprovavam recomendações para
Os campos do Ensino e da Pesquisa têm respectivamente definição de políticas públicas em todas as instâncias.(12)
nesse período, como fatos merecedores de destaque, a O primeiro congresso aconteceu em São Paulo no ano
reformulação do currículo mínimo direcionado à forma- de 1947 e até o ano 2000 foram realizados 52 congressos,
ção do enfermeiro generalista, a criação da pós-graduação reunindo profissionais de Enfermagem de todos os pontos
stricto-sensu – Doutorado (Programa Interunidades de do país, majoritariamente profissionais de Enfermagem,
Doutoramento em Enfermagem da EE/EERP/USP). com diferentes níveis de formação e de interesses, so-
DÉCADA DE 90: Nessa década, o neoliberalismo cializando realidades e expectativas próprias.
impera e faz o País enfrentar os maiores problemas decor- Os temas relacionados à Enfermagem como prática so-
rentes do intenso processo de exclusão social. É marcante cial foram considerados no recorte feito para esta pesquisa
a oferta de serviços considerando nada mais do que a no que diz respeito a sua relação com as políticas públicas,
inserção social do sujeito arregimentada nos princípios por entendermos que a conscientização vista como uma
de um Estado mínimo, normativo e administrador que não categoria socialmente articulada representa uma mudança
interfere no funcionamento do mercado. (mesmo que singela), do papel ocupado neste período,
No campo da saúde nacional, temos marcado o impedi- porque expressa de alguma maneira, a idéia de que a En-
mento, do ponto de vista social, ao avanço da implementação fermagem poderia ser, não apenas executora das políticas
do Sistema Único de Saúde – SUS, embora tenham sido pro- públicas na saúde, mas co-responsável por elas.
mulgadas as Leis Orgânicas da Saúde - LOS no contexto de Analisando os anais dos 52 congressos em busca da
um governo que deseja modernizar a máquina estatal e todas preocupação da Enfermagem com relação às políticas
as instâncias econômicas, tributárias, políticas e sociais. públicas, pode-se observar que de 1947 a 1973 (26 anos)
A Enfermagem, neste momento, vem ocupando privi- os temas relacionados à Enfermagem e políticas públicas
legiado espaço na administração dos serviços de saúde, o demonstram baixa abordagem. Essa abordagem, muito
que a faz preocupar-se por demasiado com as temáticas menor do que a da Enfermagem hospitalar individual, já
de recursos humanos, qualidade na oferta de bens e ser- fora reconhecida por Fonseca et al.em 1997. (12)
viços, avanços tecnológicos da área. Dessa forma, por ter Por sua vez, de 1976 até 1984 o tema políticas públi-
consolidado a ampla produção científica e encaminhado cas é abordado, em diferentes aspectos, todos os anos,
as questões para discussão da Enfermagem como prática o que coincide, no cenário mundial, com a Conferência
social, esse foi um período marcante no ensino, conside- de Alma Ata que preconizou a atenção primária (12), e
rando inclusive as reformas dos Projetos Pedagógicos dos nacionalmente com o Movimento da Reforma Sanitária
cursos de graduação e pós-graduação em todo o Brasil. reforçando a idéia de que a Enfermagem estava inserida
É preciso reconhecer que, por muito tempo na história, no contexto da discussão no País.
efetivamente, a enfermagem não exerceu ações transforma- Na década de 80 os Congressos sofrem transformação
doras na sociedade, e sim reproduziu de maneira eficiente radical quando o Movimento de Participação assume a ABEn.
e eficaz o que era determinado pelas políticas, programas e O Movimento Participação surgiu da vontade de um grupo
instituições governamentais. O enfermeiro parece não ter de profissionais e estudantes de Enfermagem em transfor-
percebido a dimensão da esfera do poder conquistado ao mar a atuação da ABEn, à época com uma visão centrada
longo do tempo em que se buscava sua visibilidade. Adquiriu nas enfermeiras, que eram submissas às políticas oficiais,
competência técnica e descuidou-se de aprimorar sua com- excluindo as demais categorias da participação na formulação
petência política em prol da sua organização profissional e das políticas de saúde, apesar de estas constituírem a grande
de seu papel como agente transformador. (15) maioria. (16) Mudança ocorrida na condução dos congressos
A ABEn com vistas a favorecer o processo de mudança pode ser percebida na escolha dos temas que passam a
da Enfermagem, cria o Fórum Nacional de Escolas de En- ser escolhidos após amplo processo participativo em nível
fermagem e retoma a realização dos Seminários Nacionais nacional. São suprimidas as recomendações, passando à as-
de Educação em Enfermagem (SENADEn). Para a entidade, sembléia de delegados a indicação de ações que devem ser
a aprovação de uma nova proposta curricular não garante implementadas a partir das discussões ocorridas.(16)
a mudança necessária à formação do enfermeiro. Por essa De meados da década de 80, não aparece, no conteúdo
razão, encaminhou discussões críticas do novo currículo dos congressos, o tema explicitamente. Ao contrário,
considerando a compreensão do processo saúde–doença, chama a atenção a diversidade de enfoques, traduzindo
os novos paradigmas na saúde, o processo de trabalho, uma época de grandes descobertas científicas e avanços
contrapondo-se a tão marcante fragmentação do saber. da Enfermagem brasileira. O tema central irá reaparecer,
No tocante a Pesquisa, o seu desenvolvimento esteve em 1995 na discussão do poder (in)visível da Enferma-
historicamente localizado na academia, pois entre os gem e aparece todos os anos, o que demonstra que as
anos de 1973 a 1996, a Enfermagem tinha 108 grupos de políticas públicas e a Enfermagem como prática social

REME – Rev. Min. Enf.;10(4):412-417, out./dez., 2006  415


Uma abordagem da atuação...

estão dentro dos enfoques atuais da profissão, mesmo ação, é premente a necessidade de se repensar(20) a neutralidade
que aparentemente não tenha se materializado, afinal científica e política, com que a Enfermagem colaborou na imple-
muito temos falado, muito temos refletido, pouco temos mentação das políticas de saúde oficiais. Afinal, essa falta de
na prática transformado. (16) crítica e a “despolitização” das enfermeiras, traço marcante
nas origens históricas, não poderão continuar resultando na
CONSIDERAÇÕES FINAIS ausência de um projeto político que expresse a participa-
Ensaiando passos para o futuro ção da categoria no atual cenário. Pelo contrário, deverá a
Após análise dos dados coletados, podemos considerar alguns Enfermagem lutar para integrar-se socialmente no contexto
determinantes que estariam interferindo na maneira pela qual a do processo de trabalho da saúde, relacionando-se com as
Enfermagem participou na Construção das políticas públicas: estruturas políticas e econômicas do país.
•A divisão sexual do trabalho, profissão de mulheres em A afirmativa de que a Enfermagem tem história de
áreas socialmente desprestigiadas e desprezadas pelo sexo participação política, organizações respeitadas, vontade e
oposto e o caráter subsidiário emprestado ao seu desem- decisão política para enfrentar antigos e novos desafios nos
penho na esfera pública culminando com sua marginalização micro e macro espaços de atuação no setor saúde(21) não se
na vida política.(3) Ocupações maciçamente femininas apre- confirmou em nossa pesquisa bibliográfica que evidenciou
sentam enorme fragilidade na luta por melhores condições inegavelmente que a Enfermagem não se engajou de forma
no campo da participação política. clara e evidente, na luta pela transformação da sua atuação
•A formação eminentemente técnica da Enfermagem, em uma realidade política e sanitária no País.
cujo embasamento técnico-científico é o biológico(1), re- A Enfermagem(22) tem participado na operacionalização
stringe a atuação do enfermeiro para o campo individual, pois de projetos que reiteram as políticas públicas gestadas
não considera os determinantes sociais que levam os serviços no modelo neoliberal. As escolas de Enfermagem acabam
a concentrarem recursos, bem como as relações sociais que por direcionar, mais uma vez, a formação dos enfermeiros
permeiam o setor saúde e a sociedade, e o papel preponde- ora para as exigências do mercado de trabalho (e não do
rante das diretrizes das políticas sociais e de saúde. mercado dos problemas e necessidades de saúde) ora
•Também ligada à natureza técnico-científica, atribui-se tomando como eixo de sua formação os princípios e
maior valorização aos trabalhos na saúde dando uma idéia diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde).
de desvinculação geral de trabalho(17) que tem. Acreditamos que o momento é oportuno para inserir,
•Um lugar seleto, do ponto de vista da ciência, e não se mistura nos projetos pedagógicos, discussões que favoreçam um
com outras práticas sociais(1) e neste sentido a profissão Enferma- preparo político que estimule a atuação dos enfermeiros
gem é considerada como uma “missão”, uma vocação. nos espaços conquistados, de uma articulação entre o
•A Enfermagem ainda é centrada no “fazer” e, portanto, saber, o fazer e o poder, incentivando a percepção de que
é menos valorizada socialmente em relação a outras áreas ser enfermeiro transcende os muros institucionais e impõe
que privilegiam o “intelectual”, socialmente mais valorizado. a necessidade de interação com o mundo ao redor e a
•A divisão técnica da Enfermagem em categorias (aux- responsabilidade pelo resultado das ações de todos. (15)
iliar e técnico) talvez seja também uma razão para a pouca Pode-se concluir, neste trabalho, que existem indícios
participação desses profissionais nas políticas públicas de de que a Enfermagem desperta timidamente para a re-
saúde. Percebe-se que a divisão técnica tem predominân- construção de uma prática mais engajada ao momento
cia sobre qualquer tentativa de se utilizar o poder que econômico, político e social. A Enfermagem está sendo
poderia advir da grande força de trabalho composta por impelida a responder qual é o seu verdadeiro papel. No
todas as categorias. Assim, dever-se-ia considerar o peso contexto histórico atual, há premência por ações advin-
político das categorias profissionais e a capacidade que das de todas as frentes, no sentido de mudança, de ações
suas organizações têm para influenciar decisões.(18) concretas em defesa da vida e do homem. A Enfermagem
Alguns caminhos, entretanto, estão sendo mostrados pelo não deve se furtar de protagonizar transformações,
rompimento no processo de trabalho com o modelo tradi- mesmo que tenha que repensar sua prática, modernizar
cional, como a implantação de cuidados integrais substituindo e flexibilizar sua rígida estrutura e rever antigos conceitos
o modelo por tarefas, o trabalho interdisciplinar, o papel dos e princípios que fizeram da Enfermagem uma profissão.
enfermeiros nas Comissões de Controle de Infecção Hospi- Teremos muito trabalho, mas é possível.
talar(18) e algumas iniciativas bem sucedidas de prestação de
cuidados especializados e clínicas de cuidados domiciliares. REFERÊNCIAS
Pode-se citar também a participação da Enfermagem 1. Almeida MCP. A Enfermagem e as políticas de saúde. Rev Enf Esc Anna
nos Conselhos e nas Conferências Municipais e Estaduais Nery 1997; 1 (N° Esp.): 53-62, 1997.
de Saúde, nos Programas de Saúde da Família com a pos- 2. Demo P. Participação é conquista: noções de política social participativa.
5th ed. São Paulo:Cortez; 2001.
sibilidade de produção de ações em saúde, na participação 3.Lopes MJM. O trabalho da enfermeira: nem público, nem privado. feminino,
e coordenação de equipes multidisciplinares. Na perspectiva doméstico e desvalorizado. R Bras Enf 1988 jul./dez.; 41 (3/4):211-7.
de concretude de diretrizes e princípios do SUS, cabe recu- 4.Leopardi MT. Tendências de Enfermagem no Brasil: tecnologia do
perar o perfil do enfermeiro para atuar em conjunto com cuidado e valor da vida. In: Anais do 51º Congresso Brasileiro de En-
fermagem. Florianópolis; 2000. p. 147-73.
outros trabalhadores preconizando um “novo profissional” 5. Paiva MS. Enfermagem Brasileira: contribuição da ABEn. Brasília: ABEn
que possua competência técnica e que seja comprometido Nacional; 1999.
com uma ética de responsabilidade e solidariedade. (19) 6. Bertolozzi MR, Greco RM. As políticas de saúde no Brasil: reconstrução
Mesmo considerando os avanços da Enfermagem Brasileira, histórica e perspectivas atuais. Rev Esc Enf USP 1996 dez.; 30 (3): 380-98.
7.Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem 1926-1976 - documetário.
no tocante à organização/legislação do trabalho e à pós-gradu- Brasília, DF: Aben; 1976.

416  REME – Rev. Min. Enf.;10(4):412-417, out./dez., 2006


8. Germano RM. Educação e ideologia da Enfermagem no Brasil. São
Paulo: Cortez; 1988.
9. Xavier IM, Garcia CLL, Nascimento, MAL. A reforma sanitária e a partici-
pação do enfermeiro. R Brás Enf 1988 jul./dez. ; 41, (3/4): 190-198.
10. Germano RM. A contribuição social da ABEn na Enfermagem brasilei-
ra: uma perspectiva histórica. In: Congresso Brasileiro De Enfermagem,
46, São Paulo, 1996. Anais. , São Paulo: ABEn – SP; 1997.p. 386.
11. Noronha JC, Levcovitz E. AIS - SUDS - SUS: os caminhos do direito
à saúde. In: Guimarães R, Tavares R, organizadores. Saúde e sociedade
nos anos 80. Rio de Janeiro: Relume Dumará; 1994.
12. Fonseca RMGS A classificação das práticas de enfermagem em saúde
coletiva e o uso da epidemiologia social. Brasília: Associação Brasileira
de Enfermagem; 1997.
13. Silva IA. A contribuição da ABEn na produção de conhecimentos. In:
Congresso Brasileiro de Enfermagem, 46, São Paulo, 1996. Anais. São
Paulo: ABEn – SP; 1997. p. 386.
14. Castro IB. A evolução do setor saúde e a crise da enfermagem
brasileira. R Brás Enf 1988 jul./dez.; 41(3/4): 183-9.
15. Barbosa MA. Considerações sobre a organização política da Enfer-
magem. ABEN – J Assoc Bras Enf 2003 jan./mar.; 45 (1).
16. Albuquerque GL, Pires DE. O Movimento participação (MP): uma
contribuição à história da enfermagem brasileira. R Bras Enf 2001
abr./jun. ; 54 (2): 174-84.
17. Gonçalves RBM. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades.
São Paulo: Prefeitura Municipal de São Paulo, 1992. 53p. (Cadernos CEFOR)
18. Pires D. Reestruturação produtiva e consequências para o trabalho
em saúde. Rev Bras Enf 2000 abr./jun.; 53 (2): 251-63.
19. Chiesa AM, Bertolozzi MR, Fonseca RMGS. A Enfermagem no cenário
atual: ainda há possibilidade de opção para responder às demandas da
coletividade? O mundo da Saúde 2000 jan./fev.; 24 (1): 67-71.
20. Galleguillos TGB, Oliveira MAC. A institucionalização e o desenvolvi-
mento da Enfermagem no Brasil frente as políticas de saúde. R Bras Enf
2001 jul./set.; 54 (3): .466-74.
21. Silva FV. Pelo fortalecimento político da Enfermagem brasileira. ABEN
- J Assoc Bras Enf 2003 jan./mar.; 45 (1):
22. Queiroz VM, Salum MJL. Globalização econômica e a apartação na
saúde: reflexão crítica para o pensar / fazer na Enfermagem. In: Congresso
Brasileiro de Enfermagem, 48, 1996, São Paulo. Anais... São Paulo: ABEn;
1996. P.190-208.

Recebido em: 12/09/2005


Aprovado em: 04/10/2006

REME – Rev. Min. Enf.;10(4):412-417, out./dez., 2006  417

Você também pode gostar