Abordagem Histórica Atuação Da Enfermagem
Abordagem Histórica Atuação Da Enfermagem
Abordagem Histórica Atuação Da Enfermagem
Revisão Teórica
UMA ABORDAGEM DA ATUAÇÃO HISTÓRICA
DA ENFERMAGEM EM FACE DAS POLÍTICAS DE SAÚDE
AN APPROACH TO THE HISTORY OF NURSING WORK
AND HEALTH POLICIES
ENFOQUE EN LA ACTUACIÓN HISTÓRICA DE ENFERMERÍA FRENTE
A LAS POLÍTICAS DE SALUD
Gabriela Maria C. Costa1
Elizabeth Bernardino2
Deborah Abuhab3
Isília Aparecida Silva4
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi correlacionar a trajetória da Enfermagem como prática profissional e social às políticas de
saúde. A partir de consulta aos livros de programação e resumos dos Congressos Brasileiros de Enfermagem, rastreamos
todos os temas centrais e subtemas, utilizando termos descritores relacionados ao assunto, no período de 1947 a 2000.
Como resultado, evidenciou-se que, por muito tempo na história, reproduzimos de maneira eficiente e eficaz o que era
determinado pelas políticas governamentais. Alguns elementos parecem determinar a participação da Enfermagem na
construção das políticas de saúde, entre eles a divisão sexual do trabalho e a formação técnica da Enfermagem. Concluímos
que, apesar dos avanços da Enfermagem Brasileira, é premente a necessidade de se repensar a neutralidade científica e
política que marcou essa participação.
Palavras-chave: Política de Saúde; Enfermagem; Enfermagem em Saúde Pública; História da Enfermagem
ABSTRACT
The aim of this study was to correlate health policies with the path taken by the nursing profession as a professional
and social practice. Based on a review of Brazilian Nursing Conference programs and proceedings between 1947 and
2000, we tracked all the major themes and sub-themes, using subject-related keywords. Our results showed that for a
significant time period, nurses efficiently and effectively reproduced government policies. Certain elements appear to
shape participation of the nursing profession in the construction of health policies, among which are the gender division
of work and the technical training of nurses. We conclude that notwithstanding the development of Brazilian Nursing,
there is an urgent need to rethink the scientific and political neutrality that has characterized the participation of nurses
in the construction of health policies.
Key words: Polices of Health; Nursing; Public Health Nursing; History of Nursing
RESUMEN
El objetivo de este trabajo fue correlacionar la trayectoria de la enfermería como práctica profesional y social con las
políticas de salud. A partir de una consulta en los libros de programación y resúmenes de los Congresos Brasileños de
Enfermería rastreamos todos los temas centrales y subtemas; utilizamos términos descriptores relacionados al asunto
en el período de 1947 al 2000. Como resultado observamos que, durante mucho tiempo, reproducimos eficiente y
eficazmente lo que indicaban las políticas gubernamentales. Algunos elementos parecen determinar la participación de
la enfermería en la construcción de las políticas de salud, entre ellos la división sexual del trabajo y la formación técnica
de la enfermería brasileña. Concluimos que, a pesar de los avances en la enfermería brasileña, es imprescindible repensar
la neutralidad científica y política que marcó tal participación.
Palabras clave: Política de Salud; Enfermería; Enfermería en Salud Pública; Historia de la Enfermería
1
Enfermeira. Docente do Centro Universitário de João Pessoa e da Universidade Estadual da Paraíba. Doutoranda do Programa Interunidades de Doutoramento em
Enfermagem – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EE/EERP/USP).
2
Enfermeira. Docente da Universidade Tuiuti do Paraná. Doutoranda do Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem EE/EERP/USP.
3
Enfermeira. Especialista em Saúde Mental. Gerente Regional de Saúde do Município de Santo André. Mestranda do Programa de Enfermagem Psiquiátrica
da Escola de Enfermagem da USP.
4
Enfermeira. Professora Titular EE/USP.
Endereço para correspondência: Rua Maria Eunice Fernandes, 154 – Manaíra. João Pessoa – PB. CEP 58038-480. TEL: (83) 3246-1126. [email protected]
Modelo sanitarista-campanhista, atendendo a política ne- ológicas vivenciadas no país apontam para a necessidade
cessária ao estado brasileiro agrário-exportador. (9) Fruto de uma revisão nas políticas sociais. Em reconhecimento
do maior contingente de profissionais e seguindo modelo às necessidades urgentes, inicia-se a conformação do
americano, cria-se a então denominada Associação Nacional Movimento Sanitário com as propostas de reforma, pre-
de Enfermeiras Diplomadas (ANED), que objetivava elevar conizando, entre outras, a substituição do insustentável
o padrão da profissão(10), e dá-se início às suas atividades. modelo de assistência médico-hospitalar, em conseqüência
DÉCADA DE 40/50: No contexto geral, temos a da excessiva privatização da assistência médica.
saúde eleita como prioridade nacional, elevada à condição No entanto, considerando(12) a forte expansão do mercado
de questão social com a criação do Ministério da Saúde. de trabalho na área da saúde, temos que destacar como marcas
Configura-se a prestação de serviços de saúde por in- indeléveis desse período: a prática médica assentada no modelo
termédio das emergentes ações privadas da medicina de flexneriano, privilegiando ações curativas e especializadas; a ex-
grupo(11) que passam a se consolidar como modalidade pansão da rede de serviços e o rebaixamento salarial em razão
assistencial. É nesse contexto que a Enfermagem encontra do grande número de profissionais de nível médio.
espaço para o seu desenvolvimento. Nesse contexto, a Enfermagem como categoria pro-
Com a consolidação da Enfermagem Moderna, advém uma fissional cria, no cenário nacional, o Conselho Federal de
participação cada vez maior nos cenários hospitalares, com Enfermagem – COFEN – e ainda garante representatividade
enfoque assistencial curativo, dos auxiliares de enfermagem desse órgão de classe em diversas regiões com os Conselhos
fazendo o trabalho manual.(9,12) A Enfermagem está cada vez Regionais de Enfermagem - COREN. Destaca-se a implemen-
mais encarregada de atribuições administrativas e atividades tação do ensino em nível de pós-graduação stricto-sensu
educativas do tipo treinamento e preparo de pessoal em – Mestrado, na Escola de Enfermagem Ana Néri-RJ e Escola
serviço. O atendimento hospitalar reveste-se do caráter de de Enfermagem da Universidade de São Paulo-SP, concomi-
empresa médica e o trabalho da Enfermagem assume a mar- tantemente. Em conseqüência da pós-graduação ocorreu um
cante divisão social do trabalho típico do mercado capitalista aumento expressivo e progressivo da produção científica.
afastando-se cada vez mais do paciente e acirrando os conflitos Temos ainda a Criação do Centro de Estudos e Pesqui-
entre os enfermeiros e os demais trabalhadores da saúde. sas em Enfermagem - CEPEn, vinculado a ABEn, tendo por
A Associação de Enfermeiras Diplomadas (ANED), objetivo promover e incentivar a pesquisa na Enfermagem,
surgida na década de 20, passou a ser denominada As- bem como organizar suas áreas de interesse. (12)
sociação Brasileira de Enfermagem – ABEn, que fomentou Para finalizar esse período, destacamos a Introdução da
a criação da Revista Brasileira de Enfermagem – REBEn, Teoria de Enfermagem de Wanda Aguiar Horta, como base
permanecendo até hoje esta designação. Pode-se inferir(13) para sustentar as ações de assistência, ensino e pesquisa.
que se iniciou aí a contribuição da ABEn com a produção No tocante à atividade de pesquisa, realiza-se no final dessa
e divulgação do conhecimento. década o primeiro Seminário Nacional de Pesquisa em
DÉCADA DE 60 : As intensas lutas políticas e sociais Enfermagem – SENPE – que inicia discussões sobre a pes-
são silenciadas com o golpe que instala no País o Governo quisa na área, no que se refere às prioridades, dificuldades e
Militar ditatorial, que se esforça para restringir cada vez mais limitações e, desde então, tem procurado discutir a situação,
os direitos e centralizar o poder(12). No que se refere à tendência e caminhos das investigações em Enfermagem
saúde, ocorre a III Conferência Nacional de Saúde que de- objetivando integração entre pesquisa e prática. (13)
fine, com vistas a garantir o desenvolvimento econômico, DÉCADA DE 80: No contexto social turbulento desse
uma ideologia da saúde: a racionalidade via planejamento, período histórico, podemos apontar como lutas marcantes a
produtividade e distribuição de riquezas(11). Foi nesse intensa mobilização popular em favor de seus direitos e pela
contexto que emergiu o movimento sanitário no inte- redemocratização do País; a consolidação da política de caráter
rior das universidades, como decorrência da exclusão da neoliberal que trouxe atrelada a rediscussão da dimensão da
participação dos trabalhadores e técnicos no processo intervenção do Estado no campo da saúde e a revisão do texto
decisório das políticas de saúde, as quais eram tomadas constitucional que é promulgado no final da década.
pelos governos autoritários em seu próprio benefício.(6) Especificamente, o setor saúde sofre com uma crise
As práticas assistenciais(14) são exercidas, eminentemente, expressa na falência da seguridade social, pelo déficit
por auxiliares de Enfermagem que ultrapassaram, em número, o operacional crescente e pela consolidação do modelo
total de enfermeiras, uma vez que o mercado de trabalho passou privatista. Junto à proposta do movimento, difundia-se um
a exigir mão-de-obra para a atenção à saúde individual no âmbito novo paradigma científico com a introdução das disciplinas
hospitalar. Também foi por essa razão que se deu a criação da sociais na análise do processo saúde–doença, buscando
categoria dos Técnicos de Enfermagem pela Lei 4024/61-Lei de compreender a determinação social e a organização da
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (12,14) prática médica.(6) Como reação, avança o Movimento pela
No que tange ao ensino, a Enfermagem passa para o nível Reforma Sanitária que, por ocasião da VIII Conferência
superior e na grade curricular são enfatizadas as disciplinas e Nacional de Saúde, realizada em Brasília, propõe um
experiências da assistência hospitalar, enquanto a saúde pública sistema com as diretrizes de universalidade, integralidade
é colocada em plano secundário. Inicia-se também a pós-gradu- das ações, descentralização, participação social e ampliação
ação lato sensu com produção científica fundamentada em do conceito de saúde. Nesse evento a Enfermagem teve
pesquisas, sobretudo na área curativa e administrativa. uma participação tímida e desarticulada.
DÉCADA DE 70: A história aponta as importantes Embora fosse necessário buscar despertar a consciên-
transformações ocorridas na estrutura social do País. Além cia crítica da categoria e a importância da participação
disso, a transição demográfica e as acumulações epidemi- no projeto de transformação da própria Enfermagem, da
estão dentro dos enfoques atuais da profissão, mesmo ação, é premente a necessidade de se repensar(20) a neutralidade
que aparentemente não tenha se materializado, afinal científica e política, com que a Enfermagem colaborou na imple-
muito temos falado, muito temos refletido, pouco temos mentação das políticas de saúde oficiais. Afinal, essa falta de
na prática transformado. (16) crítica e a “despolitização” das enfermeiras, traço marcante
nas origens históricas, não poderão continuar resultando na
CONSIDERAÇÕES FINAIS ausência de um projeto político que expresse a participa-
Ensaiando passos para o futuro ção da categoria no atual cenário. Pelo contrário, deverá a
Após análise dos dados coletados, podemos considerar alguns Enfermagem lutar para integrar-se socialmente no contexto
determinantes que estariam interferindo na maneira pela qual a do processo de trabalho da saúde, relacionando-se com as
Enfermagem participou na Construção das políticas públicas: estruturas políticas e econômicas do país.
•A divisão sexual do trabalho, profissão de mulheres em A afirmativa de que a Enfermagem tem história de
áreas socialmente desprestigiadas e desprezadas pelo sexo participação política, organizações respeitadas, vontade e
oposto e o caráter subsidiário emprestado ao seu desem- decisão política para enfrentar antigos e novos desafios nos
penho na esfera pública culminando com sua marginalização micro e macro espaços de atuação no setor saúde(21) não se
na vida política.(3) Ocupações maciçamente femininas apre- confirmou em nossa pesquisa bibliográfica que evidenciou
sentam enorme fragilidade na luta por melhores condições inegavelmente que a Enfermagem não se engajou de forma
no campo da participação política. clara e evidente, na luta pela transformação da sua atuação
•A formação eminentemente técnica da Enfermagem, em uma realidade política e sanitária no País.
cujo embasamento técnico-científico é o biológico(1), re- A Enfermagem(22) tem participado na operacionalização
stringe a atuação do enfermeiro para o campo individual, pois de projetos que reiteram as políticas públicas gestadas
não considera os determinantes sociais que levam os serviços no modelo neoliberal. As escolas de Enfermagem acabam
a concentrarem recursos, bem como as relações sociais que por direcionar, mais uma vez, a formação dos enfermeiros
permeiam o setor saúde e a sociedade, e o papel preponde- ora para as exigências do mercado de trabalho (e não do
rante das diretrizes das políticas sociais e de saúde. mercado dos problemas e necessidades de saúde) ora
•Também ligada à natureza técnico-científica, atribui-se tomando como eixo de sua formação os princípios e
maior valorização aos trabalhos na saúde dando uma idéia diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde).
de desvinculação geral de trabalho(17) que tem. Acreditamos que o momento é oportuno para inserir,
•Um lugar seleto, do ponto de vista da ciência, e não se mistura nos projetos pedagógicos, discussões que favoreçam um
com outras práticas sociais(1) e neste sentido a profissão Enferma- preparo político que estimule a atuação dos enfermeiros
gem é considerada como uma “missão”, uma vocação. nos espaços conquistados, de uma articulação entre o
•A Enfermagem ainda é centrada no “fazer” e, portanto, saber, o fazer e o poder, incentivando a percepção de que
é menos valorizada socialmente em relação a outras áreas ser enfermeiro transcende os muros institucionais e impõe
que privilegiam o “intelectual”, socialmente mais valorizado. a necessidade de interação com o mundo ao redor e a
•A divisão técnica da Enfermagem em categorias (aux- responsabilidade pelo resultado das ações de todos. (15)
iliar e técnico) talvez seja também uma razão para a pouca Pode-se concluir, neste trabalho, que existem indícios
participação desses profissionais nas políticas públicas de de que a Enfermagem desperta timidamente para a re-
saúde. Percebe-se que a divisão técnica tem predominân- construção de uma prática mais engajada ao momento
cia sobre qualquer tentativa de se utilizar o poder que econômico, político e social. A Enfermagem está sendo
poderia advir da grande força de trabalho composta por impelida a responder qual é o seu verdadeiro papel. No
todas as categorias. Assim, dever-se-ia considerar o peso contexto histórico atual, há premência por ações advin-
político das categorias profissionais e a capacidade que das de todas as frentes, no sentido de mudança, de ações
suas organizações têm para influenciar decisões.(18) concretas em defesa da vida e do homem. A Enfermagem
Alguns caminhos, entretanto, estão sendo mostrados pelo não deve se furtar de protagonizar transformações,
rompimento no processo de trabalho com o modelo tradi- mesmo que tenha que repensar sua prática, modernizar
cional, como a implantação de cuidados integrais substituindo e flexibilizar sua rígida estrutura e rever antigos conceitos
o modelo por tarefas, o trabalho interdisciplinar, o papel dos e princípios que fizeram da Enfermagem uma profissão.
enfermeiros nas Comissões de Controle de Infecção Hospi- Teremos muito trabalho, mas é possível.
talar(18) e algumas iniciativas bem sucedidas de prestação de
cuidados especializados e clínicas de cuidados domiciliares. REFERÊNCIAS
Pode-se citar também a participação da Enfermagem 1. Almeida MCP. A Enfermagem e as políticas de saúde. Rev Enf Esc Anna
nos Conselhos e nas Conferências Municipais e Estaduais Nery 1997; 1 (N° Esp.): 53-62, 1997.
de Saúde, nos Programas de Saúde da Família com a pos- 2. Demo P. Participação é conquista: noções de política social participativa.
5th ed. São Paulo:Cortez; 2001.
sibilidade de produção de ações em saúde, na participação 3.Lopes MJM. O trabalho da enfermeira: nem público, nem privado. feminino,
e coordenação de equipes multidisciplinares. Na perspectiva doméstico e desvalorizado. R Bras Enf 1988 jul./dez.; 41 (3/4):211-7.
de concretude de diretrizes e princípios do SUS, cabe recu- 4.Leopardi MT. Tendências de Enfermagem no Brasil: tecnologia do
perar o perfil do enfermeiro para atuar em conjunto com cuidado e valor da vida. In: Anais do 51º Congresso Brasileiro de En-
fermagem. Florianópolis; 2000. p. 147-73.
outros trabalhadores preconizando um “novo profissional” 5. Paiva MS. Enfermagem Brasileira: contribuição da ABEn. Brasília: ABEn
que possua competência técnica e que seja comprometido Nacional; 1999.
com uma ética de responsabilidade e solidariedade. (19) 6. Bertolozzi MR, Greco RM. As políticas de saúde no Brasil: reconstrução
Mesmo considerando os avanços da Enfermagem Brasileira, histórica e perspectivas atuais. Rev Esc Enf USP 1996 dez.; 30 (3): 380-98.
7.Carvalho AC. Associação Brasileira de Enfermagem 1926-1976 - documetário.
no tocante à organização/legislação do trabalho e à pós-gradu- Brasília, DF: Aben; 1976.