Texto 2

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Há um pássaro azul

em meu peito que


quer sair
mas sou duro demais
com ele,
eu digo, fique aí,
não deixarei
que ninguém o veja.

Há um pássaro azul
em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque
sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes
dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.

Há um pássaro azul
em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais
com ele,
eu digo,
fique aí,
quer acabar comigo?
quer foder
com minha escrita?
quer arruinar a venda
dos meus livros
na Europa?

Há um pássaro azul
em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto,
deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos
estão dormindo.
eu digo,
sei que você está aí,
então não fique
triste.
Depois o coloco de volta
em seu lugar,
mas ele ainda
canta um pouquinho
lá dentro,
não deixo que morra
completamente
e nós dormimos
juntos assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom
o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?
— Charles Bukowski

Tem um pássaro no meu peito. Esse que agora morre por não conseguir respirar, já a
tempo demais que foi esquecido.

Ignoramos a existência desse pássaro dentro de cada um. Tem um pássaro dentro de
cada pássaro. Nos acostumamos a escondê-lo, mesmo ele tentando sempre nos dizer
algo. Talvez ele esteja tentando dizer algo agora, mas não ouvimos. Preferimos trancá-
los em gaiolas abafadas.

Não só os trancamos, como também esperamos que por algum motivo fiquem quietos.
Que por algum motivo façam silêncio. Como se os passaros não tivessem sido feitos
para cantar.

Eles cantam, mas com o tempo nos acostumamos com o barulho. Até que esse barulho
vire parte do silêncio. O canto desses pássaros parece ser um barulho de ventilador. Só
lembramos que está ali quando se desliga. Mas diferente dos ventiladores, os pássaros
não podem ser desligados. Se param de por algum momento de cantar, significa que
pararam de viver. Morrem como esses que não conseguem respirar. O silêncio da
opressão os sufoca, mesmo com o um barulho, fingimos não escutar. E isso, faz com
que os pássaros não consigam respirar.

Nascemos para satisfazer a grande necessidade que temos de nós mesmos.


Um homem, é sempre um contador de histórias. Ele vê tudo o que acontece através
delas. E ele até tenta viver a sua vida como se estivesse contando uma delas.
A pergunta aqui é:

Qual é a história que você conta para si mesmo?


O que você fez daquilo que fizeram com você?
Essa é a história que a gente está sempre escrevendo. E nela, os pássaros cantam a
felicidade. Cantam uma espécie de caminho para a felicidade.
Não consigo imaginar a felicidade longe da autenticidade.
Uma vez que você é capaz de tomar decisões pelo teu desejo de viver, também deve
conseguir lidar com as consequências e tensões dessas decisões, já que tudo compõe
parte da tua escolha. É a sua vida. Você escolheu. E a busca pela felicidade está no
cantar dos pássaros. Em viver paixões constantemente. Viver as suas paixões. Isso não é
tão fácil.

Por isso muitas vezes preferimos nos calar. A autenticidade de ouvir esse canto está
diretamente ligada à coragem. E talvez seja a virtude mais importante nessa busca. As
pessoas passam suas vidas buscando a infelicidade tapando a boca de seus pássaros,
ignorando a existência deles, não tomando as decisões por si só. Se submetem a
situações que odeiam, se relacionam com pessoas que não confiam. E quando a
infelicidade chega, elas ainda se surpreendem.

Talvez pudesse ser diferente se ouvíssemos mais os pássaros, porque nos


surpreendemos quando temos aquilo que sempre buscamos.
Esse é o tamanho da nossa cegueira.
E ainda que fôssemos realmente cegos, talvez assim poderíamos dar mais valor ao canto
dos nossos pássaros. Talvez assim pudéssemos ser menos infelizes, menos vazios.

Então é o vazio. Quanto mais distante estamos do canto desses pássaros, mais vazia se
torna a vida. E não poderia ser diferente.
Depois de anos de alto repreensão, muitos ainda não entendem o motivo de quando o
vazio chega.
Esse é o tamanho da nossa cegueira.
Olhe com clareza no espelho e veja quem você é. Sem adornos, sem vendas... não só as
partes boas. Isso é fácil. Estou falando de você. De reconhecer as tuas dores, tuas
falhas... se esconder delas, fingir que elas não existem, é só dar mais poder para elas.
Somos um mínimo ponto perante o tempo.
Na real... tudo é um mínimo ponto perante o tempo...

O cosmo é um grande altar de sacrifício. E nós estamos aqui para dançar uma dança de
contraste entre a beleza e a crueldade. E isso é ter coragem. Lidar com o medo da
crueldade e mesmo assim ser capaz de perceber a beleza diante dela. E a beleza é muita.

A vida é um abismo onde todos estamos caindo, mas cada um com o seu tempo de
chegar no chão. A maioria despenca berrando, histéricos e irritantes. E na primeira
pessoa que encontram, se agarram e dividem suas dores, as angústias de todos estarmos
caindo.
Alguns até esperam que quando o chão chegar, algo melhor nos espera. Uma cama
aconchegante amortecerá nossa queda, e assim vamos continuar num lugar muito
melhor onde vão todas as pessoas que caem. Criamos histórias para lidarmos melhor
com esse abismo e com esse vazio. Nós somos a única espécie que precisa criar essas
histórias, e com elas, podemos até parar de berrar durante a queda.

Estamos caindo.
Mas como estamos caindo?

Podemos despencar desse abismo dançando uma dança que tem noção do seu fim, e
sabe que não pode mudar isso. E é por esse motivo que se preocupa tanto com o meio,
com cada movimento, já que são finitos. E esse se vê quase que obrigado a dançar, já
que sabe que não existe nada além dessa queda, e pode ser linda. Existe beleza na
dança, nesse contraste, de algo que vai continuar se repetindo eternamente.

Por que dançar?


Não vou me revoltar?

É claro que eu vou.

Mas até quando? Até quando vai se revoltar?


Somos maiores do que o tempo?
Nossas histórias podem ser maiores do que ele?

É... somos animais arrogantes. Com certeza não somos tão grandes assim.
A grandeza do tempo está em sua paciência, e é ele quem dita o ritmo dessa dança.
Agora... quem canta sobre ele são os pássaros.

Diante desse abismo, percebi que devo amar incondicionalmente tudo que eu tenho
durante esse curto tempo. E eu só tenho uma única coisa. Essa vida. Só isso... e mais
nada.
Então, vou me entregar radicalmente a essa única experiência consciente que nos foi
dada.

Por muito tempo chamei essas experiências de vida, como a maioria chama.
É... somos animais arrogantes demais.
Vida é algo muito maior do que aquilo que chamamos de "minha vida". Isso é só uma
vírgula perante o todo. Isso que chamamos de "minha vida", seria muito mais justo
chamar de existência. Esse breve período de consciência. A vida é muito maior do que
nós. Ela existia antes de existirmos, e depois de nós, a vida continua.

Existir é simples. É estar ali. Nada mais.


Agora... como você quer estar ali?

A palavra "sentido", na nossa língua, é muito bem descrita. O "sentido" pode ser
sentido, no sentido de direção, de direita ou esquerda. Pra onde estamos indo. Ou
"sentido" pode ser sentido, no sentido de unidade do significado. Ter algo que nos faz,
ou te dê algum significado. Um sentido. Ter uma direção, um caminho pelo qual seguir,
é o que nos dá significado pelo qual existir. Ter um sentido pelo qual seguir, é o que nos
dá sentido pelo qual existir. Pelo menos, é isso que eu vejo em sentido.

Esse pássaro que canta, canta o tempo todo. Mas talvez pelo tanto de tempo que o temos
ignorado, hoje já o confundimos com silêncio. O barulho do ventilador, hoje já é
silêncio. Esse ventilador ficou por tanto tempo ligado, que hoje é imperceptível, até o
momento em que se desliga por definitivo. Só nesse momento você percebe que ele
estava ali. Sempre esteve. O tempo todo. Mas aí já é tarde demais. E então, caberá o
vazio. Caberá o verdadeiro silêncio sem intenção. Como sua sentença.

Hoje eu percebo que quando trancamos esse pássaro na gaiola, o obrigando que faça
silêncio, estamos na verdade nos trancando nessa mesma gaiola, calando nossa própria
boca.
E você... bom... você deveria acreditar em mim. Por mais que eu venha de um outro
tempo, nossos sonhos são exatamente os mesmos. Os verdadeiros são. E isso já é mais
do que o suficiente para você acreditar em mim. Sou eu quem está com você no
silêncio. Só eu, que por alguns instantes, no meio dessa queda, pode te fazer sentir que
está voando, e não caindo.
E você ainda tem coragem de me chamar de silêncio.
No silêncio, você encontra a única pessoa capaz de mudar as coisas ao seu redor.
Tem um pássaro no seu peito, calado a muito tempo, que você tem coragem de chamar
de silêncio, mas não tem coragem de ouvir.
E agora, ele está te dizendo isso.

Você pelo menos parou para escutar?


E como será?
Vai me ouvir?

Fabrício Negreiros

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