Disturbios Menstruais (Adolescencia)

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Distúrbios menstruais na adolescência

Cláudia Braga Monteiro Abadesso Cardoso


Maria Alice Neves Bordallo

Irregularidades menstruais - definição e classificação. Anovulação


crônica. Amenorréia primária e secundária. Etiologia, investigação
diagnóstica e tratamento.

Palavras-chave: distúrbios menstruais, ovários policísticos, anovulação

A presença de irregularidade menstrual é comum na adolescência. Cerca de 50%


dos ciclos menstruais são anovulatórios nos primeiros dois anos após a menarca. Uma das
explicações para a presença de ciclos anovulatórios seria uma imaturidade fisiológica do
eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal, representada pela ausência de feedback positivo do
estradiol sobre a secreção de LH, impedindo assim a formação do pico do LH necessário à
ovulação.
A Síndrome dos Ovários Policísticos é a causa mais comum de anovulação
persistente na adolescência. Como esta síndrome geralmente começa no período peri-
menarca, é fundamental investigar as adolescentes com irregularidade menstrual,
principalmente oligomenorréia ou amenorréia secundária, sobretudo aquelas com
irregularidade persistente após os primeiros dois anos.
Merecem avaliação as pacientes que apresentem sangramento vaginal anormal em
duração, freqüência ou quantidade . Padrões de sangramento:
– Menstruação normal: fluxo menstrual com duração de três a oito dias, com perda
sangüínea de 30 a 80 ml; ciclo com duração média de 26 a 34 dias.
– Menstruação anormal: sangramento que ocorre a intervalos de 21 dias ou menos,
com mais de sete dias de fluxo e/ou volume igual ou maior que 80 ml.
Classificação
- Amenorréia: ausência completa de menstruação em uma mulher na fase reprodutiva
da vida.
- Amenorréia primária: ausência de menarca aos 16 anos de idade;
- Amenorréia secundária: ausência de menstruação por mais de seis meses, ou de pelo
menos três intervalos de ciclos menstruais, em uma mulher que tenha ciclos
menstruais normais previamente.
- Oligomenorréia: ciclos menstruais com intervalos maiores do que 40 dias.
- Polimenorréia: ciclos regulares com intervalos de 21 dias ou menos.
- Hipermenorréia (menorragia): sangramento uterino excessivo em volume e duração,
ocorrendo a intervalos regulares
- Metrorragia: sangramento uterino geralmente não excessivo ocorrendo em intervalos
irregulares.
- Menometrorragia: sangramento uterino geralmente excessivo e prolongado
ocorrendo a intervalo irregulares.
- Hipomenorréia: sangramento uterino regular mas reduzido em quantidade.
- Sangramento intermenstrual: sangramento que ocorre entre ciclos menstruais
regulares.
Deve-se distinguir o sangramento uterino anormal do sangramento uterino
disfuncional, no qual não se identificam causas orgânicas através da história clínica, exame
físico e ginecológico. Resulta, geralmente, de anovulação em uma mulher com bons níveis
de estrogênio. Deve-se descartar a possibilidade de lesões do trato reprodutor, doenças
crônicas e distúrbios da coagulação.

Tratamento da irregularidade menstrual

Adolescentes com irregularidade menstrual sem manifestações clínicas de


hiperandrogenismo (acne e hirsutismo):
- Acetato de medroxiprogesterona: 10 mg/dia nos últimos 10 a 14 dias do ciclo ou
anticoncepcional hormonal de baixa dose (eitnilestradiol + gestodeno). Estes
medicamentos fazem com que os ciclos se normalizem e evitam a hiperplasia de
endométrio decorrente dos ciclos anovulatórios. Devem ser mantidos por seis meses
a um ano. Se os ciclos voltarem a ficar irregulares, a paciente deve ser reavaliada.
- Perda de peso com dieta e exercícios: a perda ponderal por si só pode levar à
regularização dos ciclos menstruais.

Adolescentes com irregularidade menstrual associada a manifestações cutâneas de


hiperandrogenismo:
- Investigação da fonte de andrógenos (ver capítulo “hirsutismo”)
- Contraceptivo hormonal oral de baixa dose, cuja progesterona apresenta atividade
antiandrogênica; etinilestradiol + acetato de ciproterona.

Amenorréia
Indicação de avaliação diagnóstica:
- Ausência de menarca aos 16 anos;
- Ausência de caracteres sexuais secundários aos 14 anos;
- Atraso significativo de peso e estatura;
- Ausência de menarca três anos após telarca;
- Ausência de menstruação por mais de seis meses ou pelo menos três dos intervalos dos
ciclos precedentes.

Classificação etiológica da amenorréia

Disfunções hipotalâmicas
- Lesões destrutivas, tumores
- Relacionadas ao peso: anorexia nervosa, perda rápida de peso
- Excesso de exercício
- Induzida por estresse
- Psicogênica: anorexia nervosa, distúrbios emocionais
- Síndrome dos ovários policísticos
- Deficiência de GnRH
- Doenças crônicas: insuficiência renal e hepática, desnutrição
Distúrbios hipofisários
- Lesões destrutivas, tumores
- Defeitos congênitos: sela vazia, deficiência isolada parcial de gonadotrofinas

Distúrbios gonadais
- Defeitos congênitos: intersexualidade, Síndrome de Turner
- Tumores
- Lesões destrutivas: radioterapia, quimioterapia

Anormalidades do útero e trato genital


- Útero: defeitos congênitos (agenesia, malformações), doenças infecciosas (esclerose
endometrial por tuberculose)
- Vagina: defeitos congênitos (hímen imperfurado, septum vaginal transverso, estenose
traumática ou infecciosa)

Avaliação
Anamnese: caracterizar o sangramento com relação à quantidade, duração e freqüência;
definir se se trata de amenorréia primária ou secundária; avaliar se existem disfunções
psicológicas evidentes. Uma história nutricional pode identificar o início de um quadro de
anorexia nervosa ou bulimia.

Exame físico
- Avaliar sinais de doenças crônicas ou debilitantes, galactorréia e evidências de
outras endocrinopatias;
- Exame neurológico: pode detectar anormalidades que sugiram lesões intracraneanas.
- Avaliação do estadiamento puberal. Quando não há desenvolvimento puberal o
diagnóstico diferencial inclui o atraso constitucional do crescimento e
desenvolvimento e o hipogonadismo (primário, secundário ou terciário). Se o
desenvolvimento puberal é normal, o diagnóstico diferencial inclui desordens
associadas a aplasias do trato genital, assim como as diversas causas de anovulação
que serão discutidas posteriormente.
- Exame ginecológico: deve excluir causas orgânicas de amenorréia como sinéquias
uterinas, infecções, aumento ovariano, etc. Também pode revelar ambigüidade da
genitália externa e anormalidades da vagina e do útero.

Avaliação laboratorial
- Testes para gravidez
- Hormônio Folículo Estimulante (FSH), Hormônio Luteinizante (LH): elevados
indicam hipogonadismo primário
- Prolactina: elevada (acima de 200 mg/ml) sugere tumor hipofisário
- Hormônio Estimulante da Tireóide (TSH): elevado indica hipotireoidismo primário
- Cariótipo se existirem estigmas sindrômicos
- Ultrassonografia pélvica
- Radiografia de crânio e sela turca: calcificações supra selares sugerem
craniofaringioma; aumento/erosão da sela turca sugere tumor hipofisário.
- Androgênios: Testosterona total e livre, Androstenediona, S-DHEA, 17
hidroxiprogesterona , se há indícios de virilização.
- Avaliação da função hipofisária: FSH/LH após estimulação com GnRH.
- Tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética da sela turca
- Prova progestacional: administração de 10 mg/dia de acetato de
medroxiprogesterona por cinco dias. A finalidade do teste consiste em estimar o
nível de estrogênio endógeno e a competência do trato genital. Se a paciente
apresentar sangramento menstrual dois a sete dias após a retirada da medicação,
estabelece-se o diagnóstico de anovulação. Confirma-se a presença de trato genital
funcionante e de útero revestido por endométrio reativo e preparado por estrogênio
endógeno. A ausência de sangramento de supressão sugere problema no trato genital
ou ausência de estímulo estrogênico prévio por insuficiência ovariana ou
anormalidades no eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal.
Anovulação crônica

Origem ovariana
Síndrome dos ovários policísticos: caracteriza-se por uma desordem heterogênea que
consiste em anovulação, infertilidade, hirsutismo, obesidade e microcistos ovarianos (2 a
6 mm). Ocorre mais freqüentemente em certas famílias, sendo descrita por alguns
investigadores como de origem genética, porém pode estar associada a várias desordens
hormonais, como tumores produtores de androgênio, Síndrome de Cushing,
hipotireoidismo, hiperprolactinemia, hiperplasia adrenal congênita, etc.

Características clínicas
Infertilidade 74%
Hirsutismo 69%
Amenorréia 51%
Obesidade 41%
Virilização 21%
Ciclos menstruais normais 12%

A menarca ocorre em idade normal;


Desenvolvimento de hirsutismo logo após a menarca;
Irregularidade menstrual logo após a menarca;
Ovários aumentados e com microcistos não estão necessariamente presentes

Achados laboratoriais
Relação LH/FSH aumentada (>3:1)
Androgênios (Testosterona e Androstenediona) levemente elevados
S-DHEA e Prolactina normais ou levemente elevados

Tumores ovarianos produtores de androgênio


Origem adrenal
- Síndrome de Cushing
- Tumores da supra-renal
- Hiperplasia adrenal congênita

Outras causas
- Obesidade
- Hiper ou Hipotireoidismo

Origem hipotalâmica
- Anorexia nervosa
- Amenorréia associada ao exercício
- Amenorréia associada ao estresse

Origem hipofisária
- Tumores produtores de Prolactina

Tratamento

Depende do diagnóstico etiológico:


Em pacientes com ausência de caracteres sexuais secundários:
- Etinilestradiol (5 a 10 µ/dia) ou estrógenos conjugados (0,3 mg/dia) continuamente
por três meses para indução da puberdade; dobrar a dose após três meses; após seis
meses iniciar esquema cíclico: estrogênio nos dias 1 a 25 e progesterona nos dias 16
a 25 do ciclo menstrual, primariamente para induzir menstruação mas também para
proteger o endométrio da estimulação estrogênica contínua.

Anovulação crônica: tratamento como descrito na irregularidade menstrual


Fig.1. Roteiro diagnóstico para a amenorréia
Amenorréia

Testes para gravidez negativos


Exame ginecológico normal
FSH, LH, Prolactina (PRL), TSH

FSH, LH normais FSH, LH aumentados PRL aumentada TSH aumentados ou baixos

Prova Insuficiência TC ou RNM Hipotireoidismo


Progestacional gonadal de sela turca

Cariótipo

Prova positiva Prova negativa


(sangramento (sangramento
presente) ausente)

Anovulação Hipoestrogenismo
crônica Deficiência de gonadotrofinas

US pélvica Prova do LHRH


Androgênios

Referências Bibliográficas:
MURAM, D., SANFILIPPO, J.S. & HERTWEEK S.P., 1996. Sangramento vaginal na
infância e distúrbios menstruais na adolescência. Ginecologia pediátrica e do
adolescente. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S/A.

SPEROFF, L., GLASS, R.H & KASE, N.G., 1994. Clinical gynecologic endocrinology and
infertility. 5th ed. Baltimore: Williams & Wilkins.

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