2450-Texto Do Artigo-10638-10968-10-20200902
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ESTUDO DE TOPÔNIMOS
POLILEXICAIS NA PERSPECTIVA
DA FRASEOLOGIA
PHRA(SETOPONYMS): A STUDY OF POLYLEXICAL
TOPONYMS FROM THE PERSPECTIVE OF PHRASEOLOGY
Camila André do Nascimento da SILVA1
Aparecida Negri ISQUERDO2
Resumo: Este artigo discute resultados de estudo Abstract: This article discusses the study results
sobre topônimos polilexicais na perspectiva da on polylexical toponyms from the perspective
Fraseologia e possíveis interfaces com a Toponímia. of Phraseology and possible interfaces with the
Para tanto, examina uma amostra de dados do corpus Toponymy. For the analysis, is examined a sample
do Projeto ATEMS – Atlas Toponímico do Estado of data from the corpus of the Toponymic Atlas
de Mato Grosso do Sul, relativos a topônimos que Project of Mato Grosso do Sul (ATEMS), related
nomeiam acidentes humanos da Microrregião de to toponyms that name human accident in the
Paranaíba, com o objetivo de analisar a estrutura Microregion of Paranaíba, with the objective
morfológica dos designativos, considerando as of analyzing the morphological structure of
tendências da composição fraseológica. O estudo the designative, considering the trends of the
pauta-se em fundamentos da Fraseologia (MEJRI, phraseological composition. This study is based on
1997, 2004, 2006) e da Toponímia (DICK, 1990, fundamentals of Phraseology (MEJRI, 1997, 2004,
1992), incluindo a categoria dos fraseotopônimos 2006) and Toponymy (DICK, 1990, 1992), including
como unidades toponímicas grafadas em uma the category of phrasetoponyms as toponymic unit
sequência de duas ou mais unidades lexicais que written in a sequence of two or more lexical units that
correspondem a um único referente (MARQUES, correspond to a single referent (MARQUES, 2017).
2017). O recorte analisado evidenciou a presença de The analyzed data evidenced the presence of a
um número representativo de topônimos compostos representative number of compound toponyms that
que se configuram como sequências polilexicais are configured as crystallized polylexical sequences
cristalizadas (1.243), com destaque para as compostas (1,243), with an emphasis on those formed by
de adjetivo + antropônimo (172). Em síntese, os adjective + anthroponymous (172). In summary, the
dados apontam para a possibilidade de estudos data point to the possibility of toponymic studies of
dos topônimos compostos também na perspectiva the compound toponyms also in the perspective of
da Fraseologia, a par das abordagens tradicionais Phraseology, along with the traditional approaches
calcadas nos fundamentos teóricos da Toponímia. based on the theoretical foundations of Toponymy.
Trata-se do exame de um universo de topônimos This is the examination of a universe of toponyms
que, na perspectiva adotada neste estudo, podem that, in the perspective adopted in this study, can be
ser classificados como fraseotopônimos. classified as phrasetoponyms.
1 Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, Brasil;
[email protected]; https://orcid.org/0000-0002-3379-1422
2 Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil;
[email protected]; https://orcid.org/0000-0003-1129-5775
Introdução
1. Pressupostos teóricos
Mejri (1997), por sua vez, define os fraseologismos como um fenômeno que se
exprime por meio de associações sintagmáticas recorrentes e aponta a fixação (figement)
como o processo pelo qual essas associações se realizam. Segundo o entendimento desse
autor, as unidades fraseológicas são nomeadas como sequências fixas (sequence figée).
Desse modo, as unidades sintagmáticas livres tornam-se unidades sintagmáticas fixas,
ou seja, o processo de fixação é a operação pela qual as associações sintagmáticas se
concretizam.
Ortíz Alvarez (2000, p. 72) alerta também para o fato de que, “se examinarmos a
sistematicidade das unidades fraseológicas, teremos de analisar os seus traços semânticos
e estruturais, isto é, os traços que caracterizam o princípio de organização das unidades
fraseológicas e do seu significado”. Por essa razão, o problema da sistematicidade está
vinculado à definição dos tipos de unidades fraseológicas.
6 “Fraseologismo é utilizado como termo amplo, como o hiperônimo que recobre uma variada tipologia de
unidades léxicas complexas, provérbios e fórmulas de rotina. Há uma profusão terminológica para designar
o fenômeno fraseológico, porém, optamos por fraseologismo por acreditarmos que o termo é mais coerente
com o nome da área de investigação que estuda esse fenômeno da linguagem humana” (MARQUES, 2017,
p. 25).
7 As expressões fixas podem evidenciar uma fixidez completa ou parcial e trazem consigo uma evolução de
fixação. Etapas dessa evolução, no processo de fixação, são destacadas em Mejri (1997).
como primeiros representantes Theodoro Sampaio (1901), Levy Cardoso (1961) e Carlos
Drumond (1965). No entanto, é a Tese de Dick defendida em 1980 na Universidade de São
Paulo8 que deu impulso a essa área de pesquisa no Brasil9.
Para Dick (1990, p. 21), a Toponímia distingue “os acidentes geográficos na medida
em que delimitam uma área da superfície terrestre e lhes conferem características
específicas”. Os topônimos, por sua vez, se apresentam como:
Portanto, é possível afirmar que o léxico toponímico, não raras vezes, é arraigado
às tradições e costumes de um povo e os topônimos incorporam traços ideológicos da
sociedade em diferentes momentos da sua história10.
8 A tese de Dick denominada A motivação toponímica. Princípios teóricos e modelos taxionômicos (1980) foi
publicada em 1990 com o título A motivação toponímica e a realidade brasileira. Para este estudo, foi consultada
a versão publicada.
9 A respeito das fases dos estudos toponímicos no Brasil, confira Isquerdo (2012).
10 Cf. a esse respeito “Os nomes como marcadores ideológicos” (DICK, 1998, p. 97-122).
Outros teóricos como Tristá Pérez (1984), Corpas Pastor (1996), Santamaría Pérez
(2000) e Ortíz Alvarez (2000) concebem os fraseologismos como unidades lexicais cujas
estruturas são complexas e compreendem mais de uma unidade lexical. Xatara e Rios
(2007, p. 58), no entanto, contrariam essa concepção, argumentando que as unidades
fraseológicas podem ser “formas simples ou complexas”.
11 Essa discussão acerca da possível interface entre a Fraseologia e a Toponímia é um dos produtos do estágio
de doutorado sanduíche (CAPES/COFECUB) realizado por Camila André do Nascimento da Silva, na Université
Paris 13, sob orientação do Prof. Dr. Salah Mejri, com foco nos estudos da toponímia na perspectiva fraseológica,
associado a resultados preliminares do projeto de Tese de Doutorado, em curso, na Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas, sob orientação da Profa. Dra. Aparecida Negri Isquerdo, que tem
como objeto de investigação a toponímia indígena de acidentes físicos rurais do Estado de Mato Grosso do
Sul.
caso, o fraseotopônimo”, enquanto no plano semântico “cada item lexical que compõe
o nome deixa de expressar isoladamente o significado que comporta” (MARQUES, 2017,
p. 26).
12 No original: “un syntagme formé conformément à la syntaxe de la langue et qui, une fois réutilisé et entré
dans l’usage, sera lui aussi une séquence figée”.
13 Mejri (1997) utiliza o termo sequência fixa.
14 Conforme as teorias de Gross (1996) e de Mejri (1997), os fraseologismos podem evidenciar diferentes graus
de fixidez, pois em cada sequência fixa os itens lexicais podem estar unidos de tal maneira que são imutáveis,
indissociáveis, convivendo em uma relação de fixidez total, como em (fazenda) D. Emília e (Estância) D. Pedro
II. Em outros casos, pode ocorrer que apenas um elemento é fixo e o outro pode ser trocado, admitindo-se,
portanto, a substituição de um item lexical da combinatória e trazendo uma evolução de cristalização ou
fixação que pode ser acentuado em exemplos de toponimização: (fazenda) da Fazenda Perdiz e (fazenda)
Barra do Córrego do Buritizal.
15 No original: “des mots polylexicaux (ou mots complexes), correspondant à toute unité (ou catégorie
grammaticale ou partie de discours) composée de deux ou de plusieurs mots simples ou mots dérivés
préexistants”.
O autor argumenta ainda que as lexias compostas são consideradas expressões fixas, pois
“Um nome composto funciona como um bloco do ponto de vista de suas relações com o
resto da frase” (GROSS, 1996, p. 28, tradução nossa16).
Mejri (2006, p. 214, tradução nossa17), por sua vez, define a polilexicalidade
como “[...] A característica morfológica própria das unidades lexicais formadas por várias
unidades lexicais e cujos constituintes são, na origem, unidades autônomas”. Observa-se
que o autor propõe o conceito de palavra polilexical para classificar formações compostas,
pois para ele as locuções também são palavras dessa categoria.
16 No original: “un nom composé fonctionne comme un seul bloc du point de vue de ses relations avec le
rest de la frase”
17 No original: “la caractéristique morphologique propre aux unités lexicales formées de plusieurs unités
lexicales et dont les constituants sont, à l’origine, des unités autonomes”.
18 No original: “la composition implique toujours (au moins) deux lexémes, seuil minimum nécessaire pour
qu’entre eux se produisent le figement et, éventuellement, l’idiomaticité”.
19 No original: “une séquence formée par des éléments qui peuvent être reconnus sémantiquement parce
qu’ils existent aussi comme monèmes autonomes (fer-à-repasser) mais formant un bloc qui se combine
comme un monème unique, serait l’unité phraséologique la plus petit”.
20 Phraséotermes são unidades fraseológicas especializadas com diferentes graus de fixação, ou seja, são
combinações polilexicais terminológicas.
21 No original: “ce que les phraséologues appellent de nos jours locutions verbales (avoir l’air), locutions
adjectivales (bon marché), mots composés (bon-homme, machine-à-laver) et phraséotermes”.
A priori, Pamies (2018, p. 229, tradução nossa22) assim justifica o uso do termo
Synthème, cunhado por Martinet (1999):
Ainda segundo Pamies (2018, p. 230, tradução nossa23), a categoria synthème seria
um ponto comum entre diferentes subclasses fraseológicas, como ocorre em: “(fr.) lanterne
rouge (locução nominal), voir rouge (locução verbal), rouge-gorge (nome composto), Mer
Rouge (construção ônimica) e globule rouge (phraséoterme), todos bimembres e contendo
o adjetivo vermelho”. O autor assinala que a abordagem léxico-gramatical inclui os
compostos na mesma categoria que as locuções, ou seja, na categoria dos synthème, com
o diferencial de que as locuções se dividem em diferentes tipos, como locução adverbial,
adjetival ou verbal (PAMIES, 2018, p. 230). Pamies (2014, p. 57) ainda relaciona o conceito
de synthème com o fenômeno fraseológico:
Segundo Pamies (2014, p. 65), “ninguém duvida do caráter gradual da fixação [...],
assinalados desde o início da teoria fraseológica, mas a existência de zonas intermédias
e até de um continuum no objeto estudado não anula as vantagens metodológicas de
usar categorias metalinguísticas discretas para a sua análise”, ou seja, a classificação
apresentada pelo autor tenta aproveitar as vantagens sem questionar a gradualidade dos
critérios tradicionais.
22 No original: “Nous préférons donc, pours ne pas dépendre du concept de mot, parler de polylexématicité
présente dans tout synthèmen (« plusieurs lexèmes fonctionnant comme um seul »), quitte à devoir inclure
des séquences comme casse-croûte ou étoile de mer parmi les unités phraséologiques, afin de préserver la
définition même du figement”.
23 No original: “(fr.) lanterne rouge (locution nominale), voir rouge (locution verbale), rouge-gorge (nom
composé), Mer Rouge (construction onymique) et globule rouge (phraséoterme), toutes bimembres et
contenant l’adjectif rouge”.
Retomando Gross (1996), para classificar uma sequência como fixa, neste estudo
foram utilizadas como parâmetro as etapas de fixidez propostas pelo próprio autor, para
quem o conceito de fixidez permite, sobretudo, informar fenômenos de natureza muito
diversa. De acordo com Gross (1996, p. 9, tradução nossa24): “[...] O termo mais apropriado
é o de estagnação, pois permite dar conta simultaneamente de fenômenos de natureza
muito diversa, mas que não são independentes uns dos outros”, em geral, interpretado
pelos falantes com seu significado idiomático, e não pela soma dos sentidos literais das
palavras que as compõem.
24 No original: “le terme de plus approprié est celui de figement, car il permet de rendre compte à la fois de
phénomènes de nature très diverse mais qui ne sont pas indépendants les uns des autres”.
(1) Ilha dos Sonhos; Chão de Estrelas; Lago Azul; Lapa do Lobo e Estrela da Pontinha
são fraseotopônimos que apresentam fixidez completa, isto é, o significado global
do topônimo não sofre variação. Além disso, o topônimo recupera o sentido original
das palavras que os forma a partir da analogia estabelecida entre as características dos
referentes que nomeiam e o lugar que é batizado com esse nome. Em outros termos, a
fixidez desses topônimos é constituída por uma combinação lexical metafórica e o item
lexical que compõe o nome deixa de expressar isoladamente o significado que comporta
formando unidades sintagmáticas fixas aqui denominadas fraseotopônimos.
2. Aspectos metodológicos
O corpus selecionado para este estudo reúne topônimos compostos que nomeiam
acidentes humanos localizados nos quatro municípios da Microrregião de Paranaíba,
Mesorregião Leste do Estado de Mato Grosso do Sul. No Sistema de Dados do Projeto
ATEMS, foram identificados 1.748 topônimos que nomeiam acidentes humanos no espaço
geográfico selecionado, dentre os quais 1.243 se configuram como topônimos compostos,
constituídos de frases ou enunciados linguísticos e 505 são topônimos simples, formados
por um só item lexical, conforme é possível observar na tabela a seguir:
% %
Aparecida do
374 113 22,37 261 20,99
Taboado
ou sequência de palavras pode vir a ser um nome próprio”. Ainda de acordo com os
mesmos autores, “os limites para esta possibilidade, conforme Fernández Leborans (1999,
p. 83), são pautados por convenções socioculturais e não propriamente pela gramática da
língua (cf. também Bajo Pérez (2002, p. 45))” (AMARAL; SEIDE, 2020, p. 101).
seguintes topônimos: (Fazenda) Maria Tereza; (Fazenda) Lázaro F. Dias; (Fazenda) Abel L.
da Silva, de; (Fazenda) Antônio Alves, de; (Fazenda) Álvaro L. de Almeida; (Fazenda) Antônio
de Miranda; (Fazenda) Antônio R. Garcia; (Fazenda) Arlindo Batista de Oliveira; (Fazenda)
Edson Batista de Oliveira; (Fazenda) João F. de Souza; (Fazenda) José Nunes da Silva.
Este artigo teve como objetivo discutir o conceito de fraseotopônimo com base
na análise de uma amostra de topônimos compostos que nomeiam acidentes humanos
da Microrregião de Paranaíba, Mesorregião Leste do Estado de Mato Grosso do Sul e que
se configuram como sequências polilexicais cristalizadas, com o objetivo principal de
analisar a estrutura morfológica dos designativos, considerando, sobretudo, a tendência
de composição fraseológica desses topônimos.
Acresce-se, por fim, que este texto, dada a sua amplitude e os seus objetivos, não
contemplou todos os enfoques teóricos possíveis acerca da Fraseologia e nem teve como
intuito esgotar o assunto. A discussão apresentada é produto de uma interpretação do
assunto à luz dos enfoques teóricos adotados e tem a expectativa de que, além de ter
avançado no exame da temática, possa suscitar novas discussões acerca do conceito
de fraseotopônimos, entendido como uma forma de aplicação dos fundamentos da
Fraseologia ao estudo de nomes de lugares de estrutura polilexical.
REFERÊNCIAS
ATEMS – Atlas Toponímico de Mato Grosso do Sul. Sistema de Dados. Campo Grande:
UFMS, 2018 (acesso restrito).
DAUZAT, A. Les noms de lieux: origine et évolution, villes et villages, pays, cours d’eau,
montagnes, lieux-dits. Paris: Librairie Delagrave, 1947.
GROSS, G. Les expressions figées en français. Noms composés et autres locutions. Paris:
Editions Ophrys, 1996.
MEJRI, S. Figment absolu ou relatif: La notion de fegré de figement. Linx, Revue des
linguistes de l’université Paris X Nanterre, Paris, n. 53, p. 183-196, 1 dez. 2005. Disponível
em: http://journals.openedition.org/linx/283. DOI: https://10.4000/linx.283. Acesso
em: 23 maio 2019.
SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2012.
DOI: http://dx.doi.org/10.21165/gel.v17i2.2450