Formação Continuada de Professores
Formação Continuada de Professores
Formação Continuada de Professores
DISSERTAÇÃO
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – SEROPÉDICA
INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR – NOVA IGUAÇU
Seropédica, RJ
Fevereiro de 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO - SEROPÉDICA
INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR- NOVA IGUAÇU
__________________________________________________
Lílian Maria Paes de Carvalho ramos (Drª.) UFRRJ
___________________________________________________
Aloísio Jorge de Jesus Monteiro (Dr.) UFRRJ
___________________________________________________
Stella Cecília Duarte Segenreich (Drª.) UCP
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Walter e Claudina, pelo investimento em minha educação que culminou no
que hoje sou. Agradeço ainda a minha mãe pelos acréscimos de tempo dedicados aos meus
filhos dando-me suporte para eu levar adiante esse trabalho.
A meu marido Moysés, pelo incentivo, carinho, compreensão e partilha. Pela presença e força
em cada evento que participei e pela torcida em cada trabalho por mim apresentado. Dessa
forma pude dar conta de todas as atividades propostas. Obrigada!
Aos meus filhos, Pâmela e Aías, que mesmo sem atenderem muito bem os propósitos deste
estudo, apresentando momentos de insatisfação pelo tempo que deles subtrai, aceitaram minha
ausência em diversos momentos em que estive presente apenas fisicamente.
A minha irmã Claudete por me incentivar a estudar desde minha tenra idade.
Ao meu irmão Sérgio (in memórian) por ter feito parte da minha história de vida e me
ensinado a valorizar mais as pequenas coisas. Apesar de ter partido há tão pouco tempo, em
meio à trajetória desse trabalho, a saudade já é imensa!
A minha amiga Bruna Molisani, pelos textos sugeridos e enviados, pelo ouvido amigo, pelo
tempo dispensado à leitura dos meus escritos e pelas sugestões sempre muito oportunas.
Obrigada por compartilhar dos meus receios, inseguranças e também vitórias. Saiba que o teu
toque especial contribuiu de forma singular para que esse trabalho se tornasse melhor. Muito
obrigada!
A minha orientadora, Profª Drª Lílian Ramos, pelo tempo dedicado a mim para orientação
desta pesquisa; sempre com paciência, muito respeito, carinho, atenção, incentivo e
conhecimento. Sem me dar algo pronto e acabado, mas me ensinando a buscar, construir, e
assim, fazer o meu caminho ao caminhar.
Aos professores Aloísio Jorge, Carlos Roberto e Stella Segenreich por aceitarem participar de
meu exame de qualificação contribuindo com valiosas sugestões para o enriquecimento deste
trabalho.
Agradeço em especial ao professor Aloísio pelo auxílio na escolha do referencial teórico que
alicerça essa pesquisa e também ao professor Carlos Roberto pelo tempo reservado a mim
para trocas de experiências, orientações e sugestões.
Aos meus colegas de turma (Amanda, Andréa, Fabiana, Fernanda, Fernando, Jéssica,
Leandro, Rafael e Rosineide) pela oportunidade de conhecê-los e poder compartilhar saberes
que muito contribuíram para meu crescimento acadêmico, profissional e pessoal.
À colega de turma Andréa pela amizade construída ao longo deste estudo. Pela companhia,
pelas conversas, pelo incentivo, pelas palavras de força nos momentos de fraqueza e também
pelas trocas de experiências acadêmicas.
Milton Nascimento
Preso a canções,
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim
A pesquisa teve por objetivo geral averiguar de que forma a educação continuada afeta o
desempenho e a identidade profissional de professores atuantes no primeiro segmento do
ensino fundamental. Partiu de considerações acerca da tarefa da instituição como mediadora
na construção do conhecimento, diante das mudanças impostas pelas novas formas de
comunicação e desenvolvimento cultural, e dos desafios colocados para os profissionais que
nela atuam. Investir na formação continuada desses profissionais de modo a alavancar e
acompanhar esse processo e melhorar a qualidade da educação pública foi a forma escolhida
por várias secretarias de educação estaduais e municipais, conforme a recomendação de
especialistas sobre a questão, particularmente nesta primeira década de 2000. Para fins desta
pesquisa, optou-se por um estudo de caso numa escola do município de Duque de Caxias, na
Baixada Fluminense, realizado no decorrer dos anos de 2009 e 2010. Seu objetivo específico
foi analisar a proposta de formação continuada oferecida pela Secretaria de Educação de
Duque de Caxias a professores de 1º segmento do Ensino Fundamental, atuantes na escola
cenário desta pesquisa, enfocando os sentidos que estes atribuem à sua prática pedagógica e a
seus resultados a partir de tal formação. Os principais referenciais teóricos que nos
acompanharam foram António Nóvoa quanto à formação continuada, Mikhail Bakhtin a partir
de alguns conceitos como dialogismo, alteridade e polifonia, e ainda, Walter Benjamin em
relação aos conceitos de história e de experiência, enfatizando o valor das narrativas. A fim de
atingir os objetivos deste estudo, utilizamos como procedimentos de pesquisa a observação do
cotidiano da escola, questionários semi-estruturados e entrevistas, procurando valorizar as
narrativas dos docentes. A partir dos resultados obtidos e das reflexões suscitadas e visando
contribuir para uma melhor compreensão no que se refere à formação continuada de
professores de ensino fundamental, apresentamos pistas de possíveis caminhos e estratégias
para a melhoria da qualidade da educação no caso estudado.
SANTOS, Rosangela Padilha Thomaz. Service Teacher Training: A Path to improve the
quality of education? 2011. 115 pages. Thesis (Master in Education). Instituto de Educação e
Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ.
2011.
The research aimed to ascertain how the continued education affects performance and
professional identity of teachers working in the first segment of basic education. It came from
considerations about the task of the institution as a mediator in the construction of knowledge,
before the changes imposed by new forms of communication and cultural development, and
the challenges faced by professionals working in it. Investing in continued formation of these
professionals to leverage and monitor this process and improve the quality of public education
was the way chosen by several secretaries of state and local education, as recommended by
experts on the issue, particularly in this first decade of 2000. In this research, we chose a case
study in a school in the municipality of Duque de Caxias, in Baixada Fluminense, conducted
during the years 2009 and 2010. Its specific objective was to analyze the proposal of
continued formation offered by the Education Department of Duque de Caxias to teachers of
1st segment of basic education, working in the school setting of this research, focusing on the
meanings they attach to their pedagogical practice and their results from such training. The
main theoretical references that accompanied us were Antonio Nóvoa regarding continued
formation, Mikhail Bakhtin from some concepts such as dialogism, otherness and polyphony,
and also Walter Benjamin in relation to the concepts of history and experience, emphasizing
the value of the narratives. In order to achieve the objectives of this study, we used as research
procedures the observation of daily school life, semi-structured questionnaires and interviews,
trying to value the narratives of the teachers. We expect that the results we reached and the
reflections they bring contribute to a better understanding with regard to in service training of
grade school teachers, providing clues that lead to strategies aiming at improving the quality
of education with respect to the case studied.
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................1
CAPÍTULO I
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL.............................................................6
CAPÍTULO II
CAMINHANDO COM ALGUNS AUTORES....................................................................19
CAPÍTULO III
CAMINHOS INVESTIGATIVOS........................................................................................27
3.3 Entrevistas...........................................................................................................................32
CAPÍTULO IV
O CENÁRIO DA PESQUISA...............................................................................................38
4.1- O bairro Jardim Gramacho................................................................................................38
4.2- A escola campo da investigação........................................................................................40
4.2.1 Estrutura Física................................................................................................................40
4.2.2 A Escola Sonho e seu Projeto Político Pedagógico.........................................................44
CAPÍTULO V
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS................................................48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................74
ANEXOS..................................................................................................................................79
INTRODUÇÃO
Idália Sá-Chaves
1
Acompanhamento municipal dos objetivos de desenvolvimento do milênio.
2
O Índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB), que serve para avaliar a qualidade de ensino
das escolas desde 2007, combina informações de desempenho dos alunos de 5º e 9º anos do ensino fundamental
em exames padronizados (Prova Brasil e SAEB) com informações sobre a aprovação dos alunos, e assim mede a
qualidade da educação pública e privada.
Vale dizer que a Prova Brasil acontece a cada dois anos e tem como objetivo aferir o desempenho do
Brasil, de regiões e unidades da federação, municípios e escolas. E para situar o Brasil em relação a outros países
recorre-se a outro sistema de avaliação, o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Este ocorre a
cada três anos e tem como público-alvo estudantes de 15 anos das redes públicas e privadas, de escolas rurais e
urbanas. Seu objetivo é produzir indicadores internacionais sobre os sistemas educacionais e é desenvolvido e
coordenado internacionalmente pela organização para cooperação e desenvolvimento econômico (OCDE); no
Brasil é coordenado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
1
olhar frio e pontual em relação à qualidade educacional brasileira, olhando apenas para
números. Nosso país ainda precisa avançar mais em relação à qualidade de
ensino/aprendizagem, levando em consideração, evidentemente, todo contexto em que esse
binômio se desenvolve.
Na visão democrática moderna, a escola tem papel importante no processo de
transformação social em direção a uma sociedade mais justa e igualitária. Nesse sentido, os
organismos internacionais recomendam que os governos invistam na formação docente
continuada para que os educandos possam, junto com os educadores, trilhar o caminho do
conhecimento, tornando-se sujeitos de sua própria história.
Incorporando uma vertente crítica a essa visão, a escola tem por função proporcionar
ao educando o direito de se apropriar dos conhecimentos socialmente construídos, a fim de
tornar-se cidadão consciente, crítico e capaz de interferir positivamente no meio em que vive,
atuando como agente transformador da sociedade opressora. Portanto o professor, e
principalmente o professor da escola pública, precisa assumir o desafio de promover uma
educação inclusiva, que contribua para o real exercício da cidadania, buscando formas de
atingir esse objetivo.
3
O ENRAIZAMENTO DO PROBLEMA DE PESQUISA
3
Os professores que participaram dessa pesquisa fizeram um parecer sobre o resultado da unidade
escolar em pauta em relação ao IDEB 2009, o qual será apresentado e comentado no cap. 5, devido à riqueza de
comentários que enseja.
4
contribuições e/ou dificuldades trazidas pelos profissionais da educação extraclasse e pelos
professores regentes de turma para a realização da proposta de formação; traçar um paralelo
entre a formação continuada dos professores, as dificuldades e as possibilidades de aplicação
de seus princípios por parte dos docentes na realidade escolar em questão.
APRESENTANDO A DISSERTAÇÃO
Quanto à metodologia, optamos por trabalhar com o estudo de caso, valorizando as
narrativas docentes. Para explicitar esse estudo o trabalho foi organizado em cinco capítulos.
No capítulo 1, discorro a respeito da formação de professores no Brasil, apresentando
breve histórico acerca da trajetória de formação. Falo também da criação dos cursos de
pedagogia, pois deste também emerge a formação inicial dos docentes que atuam no primeiro
segmento do Ensino Fundamental, além de trazer à baila o tipo de formação continuada que
acreditamos ser caminho promissor para a qualidade da educação. Destaco ainda a aposta na
relação dialógica como fio condutor da formação continuada e, finalizando esse capítulo,
trago a discussão em torno da complexidade do trabalho docente no cotidiano da escola.
No capítulo 2, apresento o referencial teórico básico, alicerçando-nos nas
contribuições de António Nóvoa (1992; 1999; 2007), Walter Benjamin (1994) e Mikhail
Bakhtin (2003; 2009).
No capítulo 3, descrevo o percurso do trabalho, detalhando inclusive certos
contratempos surgidos na trajetória. Aqui já se visualizam algumas narrativas de sujeitos
envolvidos nessa pesquisa.
No capítulo 4, apresento o cenário da pesquisa. Trago informações sobre o bairro
Jardim Gramacho, a estrutura física da escola campo da investigação, aqui denominada
Escola Sonho, além de falar um pouco de seu Projeto Político Pedagógico que ainda se
encontra em construção.
No capítulo 5, apresento e discuto os resultados dessa pesquisa organizados em seis
temas, a saber: caracterização dos sujeitos da pesquisa, a relação dialógica, trabalho docente,
formação inicial, formação continuada e avaliação externa do trabalho.
Por último, teço algumas considerações acerca de todo trabalho realizado, retomando
as questões que foram motivo de inquietações e que impulsionaram todo caminhar, não
objetivando deixar registradas respostas prontas como se fossem dogmas a serem seguidos,
mas a motivação para reflexões críticas que fomente a necessidade de um olhar mais sensível
e inovador diante da realidade em que está inserida a escola pública, que almejamos ser de
qualidade.
Por isso, acredito na relevância desse estudo para ajudar a pensar em propostas de
formação continuada que valorizem o saber docente, que vejam esse docente sempre como
protagonista na produção do conhecimento, e que, principalmente, ajudem a visualizar e
valorizar a escola como lócus de formação.
5
CAPÍTULO I
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL
Estar no mundo sem fazer História, sem por ela ser feito, sem fazer cultura,
sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem
musicar, sem pintar, sem cuidar da terra (...), sem aprender, sem ensinar,
sem idéias de formação, sem politizar não é possível. É na inconclusão do
ser, que se sabe como tal, que se funda a Educação como processo
permanente.
Paulo Freire
Pensar a formação de professores para atuar nos primeiros anos da escolaridade nos
leva a uma visita à evolução histórica de tal formação. Acreditamos assim facilitar a
compreensão acerca de sua atual precariedade, que os resultados dos exames nacionais e
internacionais aplicados aos estudantes brasileiros a partir da década de 1990 apontam como
causa do baixo rendimento de nosso sistema de ensino. Entretanto, não se pode atribuir ao
professor e sua formação a culpa por tal precariedade. Mas também, quando se fala da
melhoria do ensino, não se pode negar a importância de traçar outros rumos que visem
investimentos tanto na formação inicial quanto na formação continuada, de forma a suprir as
necessidades levantadas a partir desses resultados para os futuros professores e para aqueles já
em exercício.
6
Devido à proposta de professor adjunto, dispensava-se a instalação de escolas normais,
porém como esse modelo não prosperou, em 1859 foi reaberta a pioneira escola de Niterói
(SAVIANI, 2006, p.4).
As escolas normais ofereciam dois a três anos de curso, muitas vezes de nível baixo, e
apenas para rapazes. Para ingressar no curso bastava saber ler e escrever, ser brasileiro, ter
dezoito anos e bons costumes.
Segundo Tanuri (2000), as escolas normais passam a ter maior êxito a partir de
1868/1870, pois nesse período fortaleceu-se a crença de que o ensino era fundamental para o
desenvolvimento social e econômico, baseada na influência do liberalismo no pensamento
político e social brasileiro. Daí as escolas normais passam a ser valorizadas e seu currículo
enriquecido, ampliam-se os requisitos para ingresso em tais escolas e concretiza-se o acesso
do gênero feminino. A clientela, que a princípio era apenas masculina, passou a ser de
predominância feminina. É importante destacar que, mesmo assim, a primeira escola normal
de São Paulo passou a oferecer o curso também para mulheres somente trinta anos depois de
sua fundação.
Como o magistério era uma das poucas profissões que permitia conciliação com as
obrigações domésticas e tinha aceitação social, por ser compreendido como uma ligação com
a experiência maternal das mulheres, e também porque estas se sujeitavam à baixa
remuneração atribuída ao ofício, houve uma progressiva consolidação do gênero feminino na
profissão do magistério. Tanuri (2000, p.66) diz que: “(...) o magistério feminino apresentava-
se como solução para o problema de mão-de-obra para a escola primária, pouco procurada
pelo elemento masculino em vista da reduzida remuneração”.
Vale ressaltar que já na época do Império as condições de infra-estrutura para o
desenvolvimento da função docente eram bem precárias. Segundo Tanuri (2000, p.65) “pode-
se dizer que nos primeiros 50 anos do Império, as poucas escolas normais do Brasil, pautadas
nos moldes de medíocres escolas primárias, não foram além de ensaios rudimentares e mal
sucedidos”. E no final do império existia uma escola normal por província ou no máximo
duas, uma para o público masculino e outra para o feminino.
Saviani aponta que no período de 1890 a 1932 houve expansão do padrão das escolas
normais, no que diz respeito à sua organização e funcionamento, a partir da reforma da
instrução pública do Estado de São Paulo.
7
marca característica foi a criação da Escola-modelo anexa à Escola Normal,
na verdade a principal inovação da reforma. De fato, foi por meio dessa
escola de aplicação que o modelo pedagógico-didático se tornou a referência
para a formação de professores propiciada pelos exames normais (SAVIANI,
2006, p.5).
8
p.132): “o Administrador Escolar, para orquestrar o processo decisório, o Supervisor
Pedagógico, para atuar mais diretamente junto aos professores, e o Orientador Educacional,
para atuação junto aos alunos”.
O curso de Pedagogia formava também os profissionais que atuavam fora das escolas,
como o Inspetor Escolar das Delegacias Regionais de Ensino. A princípio o curso de
Pedagogia regulamentou cinco habilitações, a saber: Orientação Educacional, Supervisão
Escolar, Administração Escolar, Inspeção Escolar e Ensino das disciplinas e atividades
práticas dos cursos normais.
O referido curso teve seu currículo mínimo estabelecido pela Resolução 2/69, que
determinou que ser professor do Ensino Fundamental era uma das capacidades profissionais
do Pedagogo.
Em 11 de agosto de 1971 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 5.692, a qual reformulou a educação básica no Brasil. Extinguiu as escolas
normais e a formação oferecida por tais escolas passou a ser oferecida no segundo grau pela
habilitação específica para o magistério (GATTI e BARRETO, 2009), junto a uma plêiade de
outros cursos de caráter técnico. O de formação de professores era apenas mais um destes
cursos, perdendo seu caráter anterior, junto com a aura que caracterizava a “normalista” nos
anos 1940-60.
Vejamos o diz esta lei em relação ao exercício do magistério:
Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério:
Logo depois, o Parecer CNE 133/01 de janeiro de 2001 trouxe nova turbulência ao
determinar que a formação para o magistério da Educação Infantil e anos iniciais só poderia
ocorrer em universidades e centros universitários. Porém, em maio do mesmo ano o Parecer
9/01 aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, podendo
ser tanto em Curso de Pedagogia quanto em Curso Normal Superior (CASTRO, 2003).
Assim chegamos à situação atual.
A seguir dialogaremos sobre a formação continuada, que surge como uma necessidade a
10
partir da Lei 9394/96 ao preconizar o oferecimento de educação continuada para profissionais
da educação de diversos níveis.
Essas transformações afetaram o mundo de modo geral, e o Brasil passa a sofrer suas
consequências em final da década de 1980. Portanto, a década de 1990 se constituiu num
período importante para as adequações decorrentes da hegemonia do neoliberalismo. “O
campo educacional atingido pelas mudanças, adotou políticas de reformas que elegeram uma
concepção de gestão, de currículo, e de escola que atendia às necessidades da política de
Estado Mínimo” (VEIGA E VIANA, 2010, p.16).
Nesse contexto, surgia a necessidade de um novo perfil de professor, que atendesse às
exigências de um mercado globalizado: afinal de contas, a escola tinha que se enquadrar ao
novo modelo de sociedade.
Mas, foi especificamente com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN nº 9394/96) que se materializou o novo perfil do professorado. A partir de então este
deveria ter formação superior para atuar na Educação Básica (Art. 62), embora ainda persista
a aceitação do nível médio como formação mínima para o magistério, o que nos parece uma
contradição.
Diante das questões levantadas, acreditamos ter evidenciado que não compartilhamos
da idéia de qualidade na educação mediada pela lógica de mercado. Todavia, partimos do
posicionamento de que para irmos ao encontro da qualidade na educação, há que se investir
numa política de formação de professores pautada na relação dialógica (FREIRE, 2005),
tendo esta como fio condutor do processo de formação; no professor reflexivo (SCHÖN E
NÓVOA, 1992; ALARCÃO, 2008) e na valorização dos saberes docentes, articulando os
saberes das áreas específicas, os saberes pedagógicos e os saberes da experiência com os
desafios que se apresentam no cotidiano escolar, para viabilizar a construção do saber ser
professor (PIMENTA, 2007).
Acreditamos na escola como principal lócus de formação onde se propicia as trocas de
experiências entre pares, como defende Nóvoa (1992); permeado pelo trabalho coletivo
dentro de uma escola reflexiva, segundo Alarcão (2001); valorizando as narrativas docentes,
enfim, objetivando uma educação “a contrapelo” (BENJAMIN, 1994).
Sendo assim, entendemos ser a formação de professores um processo contínuo,
permanente, de desenvolvimento humano que convida o professor a refletir sobre suas
práticas educacionais, bem como sobre os propósitos educativos. Uma formação que rompa
com a reprodução social e com a visão tecnocrata, mas que caminhe em direção à
emancipação humana num permanente compromisso com o coletivo.
Não podemos perder de vista que a sociedade está em constante transformação. Logo, a
escola não pode ficar estacionada, precisa acompanhar tais transformações e ir mais além,
provocando mudanças sociais importantes; portanto as práticas pedagógicas precisam ser
repensadas.
12
Vale então ressaltar a importância da atualização docente, a fim de que os professores
tenham oportunidade de rever suas certezas e ampliar sua fundamentação teórica para que esta
embase sua prática a partir das constantes reflexões acerca do seu fazer pedagógico.
Aprendemos com Bakhtin (2009) o quanto se faz relevante a palavra que se apresenta
como signo ideológico, em que a palavra está sempre endereçada a outrem ou ao próprio
interlocutor e que acaba por ser instrumento de luta na sociedade. Segundo esse autor:
Precisamos então romper as grades que nos envolvem e aprender a criar mais
espaços/tempos para estarmos juntos, interagindo e levando em consideração a voz dos
diversos atores, considerando-os como legítimos outros, “já que a palavra é o território
comum do locutor e do interlocutor” (BAKHTIN, 2009, p.117). É importante atentar ao que
estes querem comunicar, através inclusive de seu silenciamento, nos momentos de diálogo.
O aprender é processo de significação subjetiva do ser, isto é, necessita ser
exercido com liberdade e não por imposição, pela simples razão de que
numa relação dialógica entre sujeitos sempre ocorrerá trocas – o processo
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contínuo de reconhecer o outro. Quando se estabelece a relação objetivando
esse processo, teremos a possibilidade de construir o saber e a aprendizagem
significativa, com trocas e não por imposições sociais ou pessoais
(FREITAS, 2000, p.21).
Inferimos que será preciso re-significar nossa realidade no que se refere à valorização
das trocas de experiências e desenvolvimento da sensibilidade no ouvir o outro. “O ser
humano é antes de tudo um construtor de sua realidade, que é resultado direto de seu processo
de significação no mundo” (Ibid., p.21).
Partindo do princípio de que devemos aprender a ouvir o outro, respeitando-o como
legítimo, é que damos relevância à fala dos professores. Procurando entender qual o olhar que
estes têm a respeito da relação dialógica, sobretudo como esta vem se desenvolvendo no seu
cotidiano de formação, a escola.
Ainda segundo Silva (2007, p.34) a reprodução da sociedade se dá numa esfera mais
ampla através da reprodução da cultura dominante. Nesse mesmo sentido e tratando do papel
reprodutor da escola, Souza (2009) aponta para a direção do ensino que é transmitido nas
escolas, que se dá da classe dominante para a classe subalterna, conduzindo a classe
trabalhadora a uma atrofia moral e desolação intelectual.
Gadotti (2003) afirma que para os professores não serem extintos eles devem assumir
uma postura mais relacional, dialógica, cultural e comunitária. Nesta mesma direção Libâneo
(2009) sinaliza que diante das novas realidades da sociedade, novas exigências educacionais
surgem, ratificando a exigência da figura de um novo professor, que tenha no mínimo uma
cultura geral mais ampla e capaz de aprender a aprender. Ligado a essas questões Alarcão
(2008) traz o conceito de professor reflexivo, baseado na capacidade de conscientização de
sua capacidade de pensar e refletir, o que o caracteriza como criativo e não como mero
reprodutor de idéias e práticas que lhes são exteriores. Essas características para o novo perfil
de professor devem ecoar no processo de desenvolvimento do trabalho docente, que se
complexifica em meio a este cenário um tanto quanto conturbado.
Para que o trabalho docente seja desenvolvido positivamente, precisa haver um real
investimento nas políticas públicas de formação de professores. Sem um profundo
investimento nessa área torna-se quase impossível o professor atuar como agente formador de
cidadãos críticos, uma vez que existem enormes lacunas em sua própria formação. Libâneo
(2009) chama atenção para a necessidade de formação teórica mais aprofundada e capacidade
operativa nas exigências da profissão, diante das novas realidades e da complexidade de
saberes envolvidos presentemente na formação profissional.
Porém, seria ingênuo pensar que existem importantes esforços para o desenvolvimento
de políticas públicas que venham atender as reais demandas da sociedade, já que estamos
vivendo a época da recomposição do capital, que leva ao desenvolvimento da pedagogia da
hegemonia, como tão bem coloca Neves (2008). Esse processo de recomposição do capital
vem impactando direta e negativamente o setor educacional, que está relacionado ao mercado
de trabalho; logo, objetiva-se qualidade mas sem investimento que possa dar conta desta. Fica
o docente responsável por tantas exigências por parte da sociedade que, sem conseguir
atendê-las, recebe o título de incompetente e de responsável direto pela baixa qualidade do
ensino.
Ser culpabilizado e receber o peso da responsabilidade pelo fracasso da educação tem
gerado crises de identidade e o chamado mal-estar docente. A crise de identidade se
concretiza devido ao docente não compreender mais qual é realmente seu papel enquanto
docente e da não compreensão da sua atuação por parte da sociedade, a qual somente faz
cobranças e lhe atribui a culpa pelas mazelas do ensino.
Quanto à crise a qual o professor vem enfrentando, Enguita (Apud CORREA E
BARBOSA, 2007) nos alerta para a ambiguidade da docência, que para ele constitui a crise de
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identidade. Essa ambiguidade situa o docente num lugar intermediário entre a
profissionalização e a proletarização, na medida em que de um lado o professor tem alcance
de sua autonomia por dominar o saber que ensina; e de outro há a dependência das
instituições estatais ou outras que executam ou exploram as atividades dentro do sistema
escolar, levando-o ao estado de proletarização. Mas Enguita acrescenta que essa ambiguidade
pode ser eliminada pelo resgate do lugar do professor no mundo do trabalho, apropriando-se
da autonomia como possibilidade de profissionalização.
Acreditamos, como Correa e Barbosa (2007), que o ensinar seja um ofício do saber,
ofício esse constituído por quatro saberes: disciplinar, das ciências da educação, da tradição
pedagógica e saber experiencial da ação pedagógica. Também concorre para a conquista da
profissionalização, uma vez que leva o docente a apropriar-se de sua autonomia, sendo esta o
caminho que possibilita a verdadeira profissionalização, conforme mencionado anteriormente.
Vale antes lembrar que o dinamismo do cotidiano escolar, com suas forças antagônicas
atuantes, muitas vezes inibe o trabalho daqueles que repudiam o paradigma tradicional e
anseiam por uma nova “cara” da escola, optando por outra forma de compartilhar saberes. As
determinações vindas de cima para baixo, oriundas dos órgãos oficiais, são bastante
desanimadoras; chegam-nos como se os professores fossem meros cumpridores de tarefas, e
não seres pensantes, também sujeitos da história.
Os professores precisam de valorização, de reconhecimento de seu papel de agente
transformador nessa sociedade contemporânea. Necessitam de autonomia e liberdade para
formar-se no espaço escolar. Sem liberdade, torna-se inconcebível o cotidiano da escola como
espaço de formação. E mais:
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CAPÍTULO II
CAMINHANDO COM ALGUNS AUTORES
António Nóvoa
Em relação ao referencial teórico, optamos por trabalhar com Antônio Nóvoa (1992,
1999, 2007) no que se refere à formação continuada de professores. Valemo-nos também de
Walter Benjamin (1994), utilizando os conceitos de história e de experiência, enfatizando o
valor da narrativa. E ainda, alguns conceitos de Mikhail Bakhtin como dialogismo e
alteridade, conforme apresentados pelo autor (2003; 2009) e por Freitas, Souza e Kramer
(2007) e Fiorin (2008).
2.1 Promovendo a Formação Docente
O percurso de formação de professores deve ocorrer no plano do desenvolvimento
pessoal e profissional para tornar-se significativo. Sendo assim, Nóvoa (2007) propõe a
valorização da “voz” do professor a fim de abrir possibilidades de renovação das formas de
pensar a atividade docente. Ele se posiciona sobre a profissão docente da seguinte forma:
O autor segue afirmando que as dimensões racionais levaram os professores a uma crise
identitária na medida em que se reduz a profissão docente à dimensão técnica da ação
pedagógica, gerando uma dicotomia entre o eu pessoal e o eu profissional. É importante
atentarmos para os três AAA que sustentam o processo identitário dos professores, conforme
enumera Nóvoa (2007, p.16):
a) “A de Adesão, porque ser professor implica sempre a adesão a princípios e a valores, a
adopção de projetos, um investimento positivo nas potencialidades das crianças e de
jovens.
b) A de Acção, porque também aqui, na escolha das melhores maneiras de agir, se jogam
decisões do foro profissional e do foro pessoal. Todos sabemos que certas técnicas e
métodos “colam” melhor com a nossa maneira de ser do que outros. Todos sabemos
que o sucesso ou o insucesso de certas experiências “marcam” a nossa postura
pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com esta ou com aquela maneira de
trabalhar na sala de aula.
c) A de Autoconsciência, porque em última análise tudo se decide no processo de
reflexão que o professor leva a cabo sobre a sua própria acção. É uma dimensão
decisiva da profissão docente, na medida em que a mudança e a inovação pedagógica
estão intimamente dependentes deste pensamento reflexivo”.
A partir dessas reflexões, surgem questões: é difícil conceber a não adesão a valores e
metas que levem à investida nas potencialidades dos aprendizes, tornando-os construtores de
seu próprio conhecimento; assim como não entendemos a prática de ações onde há
distanciamento entre o eu pessoal do eu profissional; e ainda comungamos com a idéia da
autoconsciência, e acreditamos na relevância da reflexão sobre o fazer pedagógico com vistas
à transformação da prática docente. Essa reflexão, que é formadora e, por conseguinte,
transformadora, nos conduz a outra direção.
Como salienta Nóvoa, a identidade é constituída no tempo, no lugar de lutas e
conflitos, num espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. Mais ainda, o
processo identitário passa pela nossa capacidade de exercer a docência com autonomia e
controle sobre nosso trabalho. Precisamos ser enfáticos no que diz respeito ao espaço de
pronunciamento do professor, para que este seja ouvido e entendido com base no contexto no
qual está inserido, de onde emerge toda a trama que circunda o seu cotidiano.
Podemos então inferir que ouvir o professor é o primeiro passo para se pensar o seu
desenvolvimento e a sua formação. Para esse propósito acreditamos serem as narrativas do
professor de suma importância no que tange à orientação a ser seguida na formação docente
inicial ou continuada, e à definição de sua identidade. Em seguida nos valeremos das idéias de
Walter Benjamin para continuar nessa tessitura.
20
fundamentalmente, da transmissão de uma experiência no sentido pleno, cujas condições de
realização já não existem na sociedade capitalista moderna”.
Acreditamos ser pertinente fazer uma analogia com os chamados tempos líquidos
(BAUMAN, 2007), tempos de insegurança que levam ao medo, onde laços humanos são cada
vez mais enfraquecidos e temporários, determinados pelo efeito da globalização. Assim a
individualização vai se tornando cada vez mais sólida, esfacelando a experiência coletiva.
Mas, antes de seguir adiante, queremos falar um pouco do conceito de experiência na
visão de Benjamin. Muitos tendem a pensar que vivência é sinônimo de experiência, mas a
partir das leituras de Benjamin, entendemos que a vivência é o que normalmente ocorre com
os indivíduos nessa agitação diária. Trata-se de reações a choque pelas quais simplesmente
passamos, mas que não nos imprimem marcas porque o envolvimento com as questões é
apenas superficial e individualizado. Enquanto que a experiência deixa marcas profundas
tatuadas no íntimo do ser, indo além do imediato a tal ponto que precisa ser narrada; esta
última é a que nos forma. Esse esvaziamento de experiência compromete as narrativas, não
tendo então o que contar.
São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando
se pede, num grupo, que alguém narre alguma coisa, o embaraço se
generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos
parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.
(BENJAMIN, 1994, p.197-198).
O autor lembra ainda que não perdemos a memória dos fatos quando não tínhamos
toda essa tecnologia vigente, graças aos contadores de histórias, por isso seria importante
retomarmos a tradição de ouvir e contar histórias, sobretudo porque o ato de narrar produz
conhecimento. Um conhecimento a contrapelo da história.
O convite à contação de história não se reduz a contar qualquer história, muito menos a
história que nos condicionaram a ouvir e reproduzir, ou seja, a história dos vencedores. Ao
contrário, esse é um convite ousado e desafiador, diz respeito à contação de história/histórias
na direção oposta à esperada.
Faz-se necessário rompermos com a lógica da automação, abandonando o papel de
meros reprodutores do sistema. Desse sistema que nos cega e nos paralisa, levando-nos a
acreditar que somos incapazes de soltar as amarras de um passado que empurra a poeira para
baixo do tapete, deixando encoberto o que precisa vir à baila, o que precisa ser narrado a
partir de uma profunda escavação, para assim poder “escovar a história à contrapelo”,
conforme preconiza Benjamin (1994, p.225).
Para o aprofundamento de nossas reflexões trazemos algumas considerações deste autor
sobre a história. Benjamin propõe a ampliação do conceito de história, como salienta
Gagnebin (1994). Não interessa a ele uma história como a defendida pela historiografia
burguesa e a historiografia progressista, uma vez que estas fincam suas bases num tempo
homogêneo e vazio, cronológico e linear, o que leva a um entendimento equivocado dos
acontecimentos, além de consolidar a incapacidade de luta. Para que o historiador consiga
buscar no passado a possibilidade de trazer à tona uma outra história, a história dos vencidos,
é preciso fundar um outro conceito de tempo, o “tempo de agora (...) A história é objeto de
uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de
ágoras” (BENJAMIN, 1994, p.229).
O passado permanece aberto, por isso a história é aberta, nada é definitivo e imutável;
portanto concluímos que nas entranhas do passado existem outras verdades, que não apenas a
22
dos que triunfaram.
Tudo o que é dito e a maneira com se diz está sempre impregnado pelo discurso do
outro, na plenitude de sua diversidade. É preciso entender que tudo que somos é produto da
interação com o outro, constituindo assim, o conceito de alteridade, que nos impulsiona a
compreender o nosso outro como verdadeiro outro, não como ser passivo, mas como aquele
que também é parte ativa na relação, ocupante do lugar de pronunciador da realidade.
Portanto, marca e é marcado, se constrói e é construído, por isso: o eu-outro são co-partícipes
na teia do desenvolvimento humano, transformando e sendo transformados.
23
Os indivíduos e os grupos podem conquistar uma consciência crítica, cada
vez mais elaborada, sobre a experiência humana, na medida em que são
capazes de permitir que os diferentes gêneros de discurso (desde o discurso
acadêmico até as formas cotidianas de expressão, através de ações, opiniões
e representações sociais) possam interagir, transformando e re-significando
mutuamente as concepções, sobre o conhecimento e a experiência humana
que circulam entre as pessoas num determinado espaço sociocultural, e num
dado momento histórico (FREITAS, SOUZA E KRAMER, 2007, p.8).
Sendo o mundo exterior formado por diversas vozes, o enunciado não pode ser
considerado expressão individual da consciência, pois essa consciência é socialmente
construída. Porém, cada indivíduo interage de forma única com essas diversas vozes, por isso
não as recebe com passividade. Evidencia assim sua consciência singular, já que ao mesmo
tempo em que é influenciado também influencia. Portanto, conclui, “o sujeito é integralmente
social e integralmente singular” (FIORIN, 2008, p.58).
Mas é fundamental lembrar que não se pode confundir dialogismo com polifonia, uma
vez que um texto pode ser dialógico, mas não necessariamente polifônico: o primeiro pode se
apresentar como um monologismo, evidenciando uma única voz; enquanto este último
apresenta uma multiplicidade de vozes.
A partir das leituras em Bakhtin podemos dizer que polifonia é quando existem outras
vozes dentro de um texto. Esta se caracteriza pela existência de vozes polêmicas em um
discurso, eliminando a presença de uma voz dominante.
26
CAPÍTULO III
CAMINHOS INVESTIGATIVOS
Por isso Lüdke e André (1986) dizem que “todo ato de pesquisa é um ato político”.
Sendo ato político requer envolvimento, tomada de posição, não havendo lugar para a
neutralidade.
Importa, ainda, dizer que a pesquisa qualitativa de acordo com Lüdke e André (1986)
apresenta características básicas que respaldam esse tipo de estudo, como:
a) A relevância do ambiente natural para construção dos dados e presença direta do
pesquisador por tempo amplo nesse ambiente. Os fenômenos ocorridos são bastante
influenciados pelo contexto, daí a necessidade do pesquisador permanecer por um
tempo mais prolongado a fim de presenciar ao máximo as situações ocorridas naquele
cotidiano;
b) Atentar para o valor dado pelas pessoas às coisas e à vida, considerando os diferentes
pontos de vista referentes às diversas questões;
c) A predominância da descrição dos dados, dando a devida importância a todas as
situações da realidade estuda, ainda que pareça irrelevante
d) Valorizar mais o processo dos acontecimentos que o produto, retratando a
27
complexidade do cotidiano
e) Tendência de processo indutivo para a análise dos dados. Significa que nesse tipo de
pesquisa não há a preocupação de comprovar hipóteses levantadas anteriormente ao
estudo, pois as questões de estudo vão se delineando na medida em que este avança.
Essas características básicas só ratificam a impossibilidade da neutralidade nas
pesquisas qualitativas, fazendo cair por terra a ideia do afastamento entre o pesquisador e seu
objeto de estudo, assim como dos demais sujeitos da pesquisa. O envolvimento do
pesquisador, que é necessário, faz com que ele adentre as situações que talvez fossem
indisponíveis ao observador externo.
A intenção desde o começo foi fazer a pesquisa em uma das escolas em que trabalho,
mas grande era a preocupação em influenciar tal pesquisa devido ao meu envolvimento direto
com o campo. No entanto, ao aprofundar meus estudos, compreendi que essa proximidade
seria completamente possível e fundamental para o tipo de pesquisa escolhida, sem riscos de
inviabilizá-la.
Então, pensei em realizar a pesquisa participante, tendo como foco uma escola da
Rede Pública de Ensino, da Baixada Fluminense, no Município de Duque de Caxias, mais
especificamente no Bairro Jardim Gramacho e com professores do 1º segmento do Ensino
Fundamental, escola na qual trabalho como orientadora pedagógica.
A pesquisa participante foi o caminho escolhido devido ao anseio de fazer com que
os professores envolvidos na pesquisa participassem ativamente de todas as etapas, refletindo
sobre a realidade na qual estão inseridos, “buscando produzir o saber por meio da análise
coletiva (...), pois acredita-se que conhecimento bem feito é fonte de poder e autonomia,
colaborando decisivamente no projeto de transformação social” (DEMO, 2004, p.94). Sendo
assim, visaríamos buscar caminhos, através de projetos que minimizassem os problemas que
tendem a inviabilizar e/ou dificultar a atividade docente de tais professores, e
consequentemente, melhorar a qualidade do ensino ofertado. Porém, nos deparamos com
algumas “pedras” que tornaram improcedente continuar no referido caminho.
O ano letivo iniciou-se com grandes expectativas, uma vez que, houve troca de
governo e, portanto dos membros da Secretaria Municipal de Educação (SME), o que com
certeza traria suas inovações e geraria certa turbulência no interior da Unidade Escolar, que
estaria recebendo nova direção devido a essa troca.
Em seguida, houve greve por ocasião da data base dos profissionais da educação, o
que fez com que a Unidade Escolar se reorganizasse em relação à reposição dos dias parados,
pois a SME logo alertou quanto ao cumprimento dos 200 dias letivos, conforme preconiza a
Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional ( LDBEN/96). Isso implicou em
reorganização dos grupos de estudo nas unidades escolares.
Mais adiante surgiu o surto da H1N1 (a chamada gripe suína), levando a extensão do
recesso escolar de julho. Com isso, as turmas ficaram sem aula e os alunos do ciclo de
alfabetização só iniciaram o 2º semestre em 31 de agosto de 2009, já que a SME, em
atendimento às orientações das autoridades da área de saúde, não permitiu o retorno dos
alunos matriculados até o 3º ano de escolaridade.
Diante desses eventos surgidos no decorrer do ano letivo, a SME decidiu que os Grupos
de Estudo só poderiam ocorrer fora do horário de trabalho dos professores, o que não foi
28
aceito pelos mesmos. Não sendo possível reunir o corpo docente periodicamente para
organização das atividades e aprofundamento das reflexões de forma coletiva, foi consagrada
a inviabilidade em realizar uma pesquisa participante na forma proposta por DEMO (2004) e
outros autores.
Constatada a inviabilidade da pesquisa participante, o rumo tomado foi o estudo de
caso. Entendendo ser um estudo que gera conhecimento mais vivo ligado à experiência; mais
voltado para a interpretação do leitor e pautado em populações de referências. É um tipo de
estudo que visa à descoberta; a qualquer momento podem surgir dados novos, já que o
conhecimento não está acabado, mas vai sendo construído. É a idéia do inacabamento
defendida por Freire (1996, 2005) e Bakhtin (2003) e que Lüdke e André reafirmam ao se
referirem ao estudo de caso dizendo:
De acordo com André (2005) o estudo de caso qualitativo se caracteriza por selecionar
algo em particular para aprofundamento do estudo, revelando assim o princípio da
particularidade.
O produto final desse estudo é apresentado detalhadamente, procurando revelar o mais
fidedigno possível a situação investigada, trazendo à tona outra característica que é a
descrição.
Possibilita também que o leitor amplie sua compreensão de modo a gerar novos
sentidos, aumentando sua bagagem de experiências ou apenas confirmando o já conhecido o
que viabiliza o aparecimento de pistas para aprofundar o estudo em pauta ou embasar outros.
Assim nos deparamos com outra característica importante deste tipo de estudo, que é a
heurística.
A indução é mais uma das características do estudo de caso, quando induz a novos
conceitos e compreensões, o que ultrapassa a simples confirmação de hipóteses.
Tomando como base a primeira característica citada, entendemos que o público em
particular, nesta pesquisa, é o corpo docente atuante no primeiro segmento do ensino
fundamental de uma das escolas municipais de Duque de Caxias.
A escola em questão foi escolhida justamente por ser meu local de trabalho, e por eu
acreditar que através da pesquisa participante poderíamos pensar juntos em algumas
alternativas para o nosso cotidiano, que é um tanto quanto difícil devido às peculiaridades
locais que evidenciam as dificuldades enfrentadas por aquela comunidade. E por pensar que
apesar de todos os problemas vividos, devemos acreditar no potencial dos nossos alunos, bem
como na atuação dos profissionais da educação em busca de tais alternativas, uma vez que
somos nós os legítimos conhecedores daquela realidade e, portanto, sabedores do que
realmente precisamos.
29
Além disso, ser orientadora pedagógica desta escola poderia facilitar o diálogo com os
sujeitos, assim como o acesso aos documentos e aos espaços de discussão e reuniões do
grupo, enriquecendo a construção dos dados da pesquisa
Becker (1993) salienta que a coleta de dados é feita pelo observador participante a
partir de sua participação na vida cotidiana do grupo que estuda. O que é ratificado por
Minayo, Deslandes e Gomes (2009) quando dizem que na observação participante o
pesquisador fica em relação direta com seus interlocutores no espaço da pesquisa com a
finalidade de colher dados e compreender o contexto em que a mesma ocorre. E acrescentam
que
...sua importância é de tal ordem que alguns estudiosos a consideram não
apenas uma estratégia no conjunto da investigação das técnicas de pesquisa,
mas como um método que, em si mesmo, permite a compreensão da
30
realidade (MINAYO, DESLANDES E GOMES, 2009, p. 70).
“Foi bom você ter me solicitado o meu depoimento sobre a minha formação
continuada porque me fez refletir e buscar novamente algumas práticas que
eu havia deixado de lado; acho que um pouco por acomodação, falta de
tempo... não vou fazer porque isso vai tomar meu tempo, é difícil. Aí vamos
deixando de lado e vai caindo no esquecimento. As atividades mais fáceis
vão nos deixando viciada, você vai fazendo automaticamente. Aí me faz
refletir e decidir realizar outras atividades novamente, são atividades que
vamos fazendo e criando outras que vão acrescentando cada vez mais o seu
trabalho” (Prof. Selma- PS5).
Eu não era alguém estranha ao grupo e que só estava com o mesmo em momentos
esporádicos, ao contrário, estava atuando na orientação pedagógica dos professores, portanto
me fazia presente nos momentos de grupos de estudos, conselhos de classe, reuniões
extraordinárias para resolver situações inerentes à própria escola ou para cumprir
determinações da secretaria de educação. Além disso, o contato com os professores era
constante, devido aos atendimentos ou em visita às salas de aula, e também nas conversas
informais, inclusive aquelas em momentos de intervalo, hora do almoço ou lanche, e também,
nas conversas no corredor da escola, aquelas conversinhas durante o trânsito pela unidade
escolar.
Todos esses momentos foram muito ricos. Com o olhar de pesquisadora pude observar
e refletir acerca de detalhes que passam sem percepção no dia-a-dia do trabalho, e que acabam
virando apenas rotina, podando a formação do professor reflexivo.
Essa observação/reflexão só foi possível pelo princípio da exotopia que torna viável
mergulhar na situação vivida e ao mesmo tempo sair dela em certos momentos para analisar
os fatos sem deixar apenas as marcas do pesquisador (FREITAS, SOUZA E KRAMER,
2007).
4
Para a Equipe diretiva foi aplicado um único questionário contendo questões sobre dados pessoais,
formação continuada e questões diretamente ligadas as suas atribuições.
31
passando pelos docentes e profissionais de apoio, o que gerava muito transtorno, afetando
todo o trabalho desenvolvido na unidade escolar.
No início do ano letivo de 2009 foi necessário realizar reuniões para tratar do
problema do diálogo, porém ainda assim as murmurações permaneciam. Diante dessa situação
achei que seria importante saber o que cada professor estava pensando de fato acerca do
diálogo naquele cotidiano. Assim surgiu o primeiro questionário, composto por apenas quatro
questões para tratar do assunto relação dialógica, sendo a primeira questão a respeito de dados
pessoais. Dessa forma ficou mais claro entender o posicionamento de cada um e sua
implicação para o coletivo.
Vale ressaltar que, a princípio pensamos em aplicar um único questionário aos
professores, onde o quesito diálogo certamente apareceria em algum momento, pois
acreditamos ser este o fio condutor para a efetivação da formação continuada de forma
satisfatória. Mas a falta de tempo dos professores para responder a um questionário mais
longo nos fez mudar de ideia.
Foram aplicados dois questionários semi-estruturados, um sobre relação dialógica e
outro sobre formação inicial e continuada: este último também continha um item sobre dados
pessoais, a fim de complementar o que havia faltado no primeiro.
Chegando ao final do ano letivo de 2009, outra questão se levantou. Dessa vez era
sobre a qualidade do trabalho docente desenvolvido, que na visão dos professores justificava
o baixo desempenho discente. Julgavam que esse trabalho ficava a desejar devido às más
condições físicas da escola para a sua realização. A partir desse fato foi oferecido a eles mais
um questionário, dessa vez contendo apenas uma questão aberta, onde deveriam
individualmente descrever seu trabalho destacando os pontos positivos e negativos que
poderiam interferir no mesmo.
3.3- Entrevistas
Objetivamos através das entrevistas um envolvimento maior com os entrevistados, o
que segundo Minayo (2009) é fundamental, valorizando assim a inter-relação
entrevistador/entrevistados. Pois
Por várias vezes a escola ficava com ausência de professores por diversos motivos,
como consultas ao serviço médico, resolução de problemas particulares, licenças e/ou
atestados médicos, etc. Tudo isso fazia com que fosse necessário reorganizar o turno,
colocando membros da equipe diretiva e de outros setores da unidade escolar atuando em
turmas a fim de suprir a falta do professor.
Quando não dava para a equipe diretiva assumir turma por ter que dar conta de suas
demais atribuições, só restava juntar duas turmas numa mesma sala de aula, o que deixava o
professor que recebia essas turmas, um tanto quanto aborrecido. Às vezes havia ausência de
vários professores num mesmo turno, pelos motivos diversos já citados anteriormente, e isso
fazia com que os alunos sem professor fossem distribuídos pelas demais turmas, e em certas
ocasiões em turma de ano de escolaridade diferente, já que a secretaria de educação não
permite que os alunos retornem para casa por falta de professores, pautando-se na LDBEN nº
9394/96, que determina o cumprimento dos 200 dias letivos.
As desavenças entre alunos e/ou entre alunos e professores também eram motivos de
turbulência naquele cotidiano. Toda essa agitação atrapalhava o percurso das entrevistas, e
alem disso, a maioria dos professores não dispunha de muito tempo para permanecer na
escola depois de seu horário de trabalho, ou chegar mais cedo, já que trabalhava em outro
local. Mesmo os que tinham duas turmas nesta escola, utilizavam o intervalo entre um turno e
outro para descanso e/ou alimentação. Por isso ficávamos pouco tempo para além do horário
dos professores realizando as entrevistas.
33
narrativas, que inclusive é estudada e valorizada por Prado 5 e outros (2010).
Apenas uma professora quis fazer a entrevista. E outra achou melhor não falar mais
acerca de sua formação continuada na rede municipal de Duque de Caxias. Segundo ela, não
iria ser útil a minha pesquisa, já que não é de seu interesse permanecer no magistério, por
almejar outros objetivos de vida. Embora discordando do posicionamento da professora no
que se refere à utilidade de suas narrativas para esta pesquisa, respeitamos o seu pensar,
mesmo porque entendemos que os sujeitos não podem ter sua liberdade violada, e também sua
participação precisa ser voluntária.
Ela relatou que estava participando de um curso de formação continuada neste ano de
2010 oferecido pela SME/ Duque de Caxias e desistiu do mesmo, porém salientou: “não foi
nada em relação ao curso, mais devido ao meu desinteresse pela profissão; não quero mais
permanecer no magistério”.
Uma das professoras precisou se ausentar inúmeras vezes devido a problemas de saúde
e quando se encontrava na Unidade escolar era para dar conta de suas pendências, não
sobrando tempo para as narrativas. Outra, também não conseguiu participar, sob a alegação
das intensas atividades dentro da escola.
Além disso, cinco professores, que dobravam carga horária na escola, em 2010 não
continuaram dobrando. Dessa forma, dos treze professores que participaram da pesquisa ao
longo de 2009, apenas cinco fizeram as narrativas.
Embora tivéssemos como fazer contato com os demais professores, não foi possível a
construção das narrativas, pois estes estavam envolvidos com outras atribuições naquele
momento.
5
Professor doutor na Faculdade de Educação da UNICAMP e integrante do GEPEC – Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação Continuada. Ele faz o estudo das narrativas escritas, conforme apresentado no III
Congresso Internacional Cotidiano – Diálogos sobre diálogos, na UFF em 2010.
34
3.3.3- Entrevista com as profissionais da SME
Inicialmente entrevistei a subsecretária de assuntos pedagógicos, que falou sobre a
trajetória da formação continuada de professores na Rede Municipal de Duque de Caxias e
posteriormente entrevistamos a professora responsável pela formação continuada dos
professores do 1º segmento do ensino fundamental, que entregou cópia do documento que
sistematiza tal formação.
Em junho de 2009 estive na Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias
para apresentar a pesquisa e também para entrevistar a Subsecretária de assuntos pedagógicos,
conforme prévio agendamento. Consideramos de fundamental importância entrevistá-la
porque ela já tinha bastante tempo de serviços prestados a esta rede de ensino, o que
possibilitaria narrar a história da formação continuada dos professores municipais.
No dia marcado para entrevista a espera foi longa, por conta das diversas atividades
marcadas para acorrer na secretaria tendo a necessidade da presença da subsecretária. Devido
ao pouco tempo disponível naquele momento ela sintetizou a trajetória da formação
continuada, mas nesta síntese procurou trazer certos detalhes, na medida do possível, além de
se colocar a disposição para contribuir em outros momentos, se fosse necessário.
Durante o tempo que nos coube revelações importantes foram feitas pela subsecretária
acerca da história de formação continuada da rede, como por exemplo:
6
Programa de Formação continuada pelo MEC, sob a responsabilidade de cada município.
7
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – criado pelo Governo Federal.
36
forma selecionei a proposta pedagógica da Rede Municipal de Duque de Caxias (volumes 1 e
2), por acreditar que esta traria informações importantes em relação aos fundamentos teóricos
que dessem suporte à formação continuada.
37
CAPÍTULO IV
O CENÁRIO DA PESQUISA
Isabel Alarcão
38
Podemos dizer que devido aos problemas acima citados, boa parte da população de
Jardim Gramacho fica afetada em relação à saúde, e que esta sofre agravo devido à grande
circulação de lixo que faz proliferar doenças.
“Na nossa escola os problemas sociais interferem muito nessa relação com
o pedagógico, não há como separar esse social do nosso trabalho diário,
problemas que nos emocionam, nos constrangem pela dureza que é, nós
estamos em confronto direto com realidades tão duras e o pedagógico
caminha nessa formação, é... nessa formação atitudinal bem próximo do
conceitual”. (EA 1)
Esse membro da equipe diretiva acredita que parte dos problemas de saúde é reflexa
do trabalho no lixão por mais de 50% dos frequentadores da unidade escolar, narrando o
seguinte:
39
4.2 – A Escola Campo da Investigação
A escola campo dessa pesquisa, aqui será denominada Escola Sonho devido à nossa
crença na necessidade de se sonhar sonhos possíveis, como defende Paulo Freire.
Acreditando na possibilidade da concretização dos sonhos é que somos impulsionados
a buscar alternativas que nos levem a somar esforços na construção de uma sociedade mais
justa, mais igualitária, mais humana e mais democrática.
A Escola sonho, criada em 2006, funciona num prédio que pertencia a uma escola
particular e atende à Educação Infantil e todo o Ensino Fundamental, totalizando vinte e
quatro turmas, das quais apenas cinco são pertencentes ao segundo segmento.
Apesar dos reparos na referida sala, entendemos não ser o local apropriado para uso
dos alunos, pois é totalmente fechada e mesmo que a porta permaneça completamente aberta,
a circulação de ar fica bastante comprometida.
(Figura 2 – 1º Pavimento)
A Unidade Escolar tem ao todo doze salas de aula, o que possibilita atender doze
turmas em cada turno (manhã/tarde).
O segundo pavimento, cujo acesso se faz por uma rampa, conta com sete salas de aula,
um banheiro masculino e outro feminino para os alunos, que funcionavam também em estado
precário, o que acarretou a interdição dos mesmos.
41
(Figura 4 - Interior da sala de leitura)
(Figura 5 - 2º Pavimento)
Porém em meio a todos os entraves, o trabalho pedagógico acontece, ainda que não
seja considerado de excelência, mas ele acontece e cada conquista, por menor que possa
parecer, é sempre considerada uma vitória, diante de todo esse contexto.
Um membro da equipe diretiva, em entrevista, falou um pouco a respeito do trabalho
docente desenvolvido na escola, que mesmo com os problemas sociais enfrentados a cada dia
dá seus bons frutos, apesar da expectativa de resultados ainda melhores em relação aos atuais.
“Eu vou começar com a sala de leitura, que foi um trabalho assim muito,
muito lindo, muito pertinente, muito proveitoso. As crianças sentiam prazer
em ta nas aulas, eles produziram trabalhos assim né... produziram trabalhos
42
significativos que ficaram expostos para que todo o grupo né pudesse estar
também é... participando dessa, dessa exposição (...), enfim, é... a prática...
docente, eu acho que é, é ricamente, recebe um retorno que é tão difícil
porque é um trabalho de todo dia, e todo dia a gente ta em confronto com
essas dificuldades, então a gente acaba não percebendo as, as pequenas, os
pequenos crescimentos com os passos todos envolvidos ali. E é nesses
momentos de uma exposição de que ao término do ano letivo como a criança
lê, como a criança muda seu comportamento, já está menos agressiva, a
gente procura, e aí como é que ta? Voltou a realmente a freqüentar às aulas,
com né, com, com vontade, freqüenta ali fazendo sem ta dando é..., sem ta
dando... é... sem, sem apresentar as dificuldades de , de escrita, de leitura,
de comportamental, enfim, então essa prática aí que a gente vê o resultado
no nosso trabalho. Eu ainda considero que ta muito abaixo do que a gente
gostaria né, não tenho bons prognósticos aqui a dizer (...), assim a gente se
sente muito triste com tudo que a gente vê, diante da demanda que a gente
tem. Então assim, eu gostaria assim resultados muito melhores, mas agente
tem bons resultados mais ainda está bem aquém do que nós
gostaríamos”.(EA 1)
Mas Sacristán (1999) nos alerta para o fato de que as regras de organização do local de
trabalho do professor já estão pré-estabelecidas, de forma que não podemos esquecer a
realidade do contexto de trabalho do mesmo ao nos referirmos ao que ocorre nas aulas. Ele
acrescenta ainda que as práticas organizativas influenciam de forma decisiva as atividades
pedagógicas, e que estas são determinadas por uma estrutura de funcionamento.
No que se refere à organização das escolas, Nóvoa (1992) diz que esta parece
43
desencorajar a partilha do conhecimento profissional entre os professores e dificulta investir
nas experiências significativas durante a formação e formulação teórica. Tardif e Lessard
(2005) complementam falando da sobrecarga burocrática existente dentro das organizações
escolares em relação aos seus profissionais.
A Escola Sonho, assim como as demais organizações sociais se caracteriza pela sua
burocratização e complexidade organizacional. A burocratização é devida à necessidade de
seguir as determinações da Secretaria Municipal de Educação. Quanto à sua organização
cotidiana, acreditamos que deva ser repensada, para melhor adequação dos papéis de seus
atores, levando a bom termo posicionamentos individuais e /ou coletivos.
Falar em posicionamento individual e coletivo nos faz lembrar a música Sal da Terra,
de Beto Guedes e Ronaldo Bastos; julgamos que vale a pena registrarmos alguns de seus
versos por sua pertinência ao assunto.
É provável que certas escolas organizem um grupo para redigir seu PPP, que poderá
ficar impecável. Entretanto, será considerado algo estranho aos seus profissionais, uma vez
que não trará a marca destes. Como consequência, será um projeto que não visará ser
executado e periodicamente avaliado para possíveis ajustes, objetivando melhorar sempre
para atender as suas reais demandas, e sim para ser engavetado por não ter nada em comum
com seus atores.
Conforme já mencionado anteriormente, a Escola Sonho foi fundada em 2006 e por não
44
ter, a princípio, Equipe Diretiva efetiva ao longo deste ano de sua fundação e também por
estar ainda se organizando, não foi realizado trabalho consistente em direção à construção de
seu Projeto Político Pedagógico. Já em 2007, quando teve sua Equipe constituída, as
discussões começaram a acontecer, mas sem tomar grandes relevos, pois muitas coisas ainda
estavam fora de lugar, particularmente questões estruturais e organizacionais mesmo.
Estamos falando de uma escola que iniciou seu ano letivo de 2007 sem professores
efetivos para atuação no 2º turno com as turmas do 1º segmento. Esse fator muito dificultou o
pensar na construção de um Projeto, que obrigatoriamente precisa ser coletivo, exigindo que
todos se debrucem sobre ele. O problema da falta de professores efetivos em todo 2º turno
ainda permanece, levando à instabilidade do quadro docente.
Acreditamos que uma escola sem seu Projeto Político fica afetada em seu rumo, é o que
parece acontecer com a Escola Sonho. Muitas coisas são feitas, mas ainda há muito que fazer
a fim de atender as demandas, que não são poucas. Se houvesse um planejamento mais
direcionado, o caminhar teria menos pedras e mais conquistas de objetivos. Porém, um
movimento já foi iniciado nesse sentido: pensamos que é preciso apenas garantir sua
continuidade.
Em 2008 a Equipe diretiva, em grupo de estudos, ofereceu algumas questões
relacionadas aos marcos situacional, doutrinal e operativo para serem respondidas pelos
professores e as respostas foram recolhidas e arquivadas.
No início de 2009 a Equipe reuniu o corpo docente retomando a discussão ocorrida no
ano anterior. A partir daí três grupos foram formados para que cada um ficasse responsável
por um marco e pelas respostas relacionadas a eles, tendo como objetivo a redação de um
texto único que sintetizasse o posicionamento coletivo da Unidade Escolar em relação a cada
marco: situacional, doutrinal e operativo.
45
respeito à transformação social, por isso dizem:
De acordo com o que pensam os docentes da Escola Sonho, uma escola que se diz
democrática disponibiliza espaço para participação de todos, no entanto não foi o que ocorreu
na escola em questão, pois o que já foi construído em relação ao PPP não tem a marca dos
discentes e seus responsáveis e dos profissionais de apoio. Porém, como essa construção
ainda está em processo, a inserção desses atores é algo que ainda pode ser revisto e
priorizado.
A Escola Sonho precisa envidar esforços no que se refere a sua organização interna,
assim serão garantidos a participação de seus diversos segmentos nas questões institucionais e
um trabalho cotidiano com continuidade.
Ainda no tocante ao marco operacional, o corpo docente revela a necessidade da busca
de formação profissional adequada e continuada objetivando o ensino de qualidade. Assim
como o anseio de lutar para a conquista de adequado espaço-físico e ferramentas necessárias à
prática docente.
“Aqui tem muitos problemas, às vezes dá vontade de sair mesmo, mas penso
que ainda tenho muita coisa a fazer por essas crianças dessa comunidade.
Sei que as coisas são difíceis, mas sempre acredito que possam melhorar.
Sempre acho que no ano seguinte a gente pode fazer diferente e melhor do
que antes e isso é o que me motiva continuar”. (EM 2)
Existe a crença de que mudar aquele cenário é possível, e penso que apesar das
inúmeras reclamações existe uma chama viva de esperança, de crença e de gana, de atitudes a
contrapelo (BENJAMIN, 1994) que modifiquem o rumo da história.
No capítulo que segue, apresentaremos e discutiremos os resultados dessa pesquisa,
que estão organizados por temas.
47
CAPÍTULO V
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
(...) meu olhar sobre o outro não coincide nunca com o olhar que ele tem de
si mesmo. Enquanto pesquisador minha tarefa é tentar captar algo do modo
como ele se vê, para depois assumir plenamente meu lugar exterior e dali
configurar o que vejo do que ele vê.
Marília Amorim
Ao iniciar a pesquisa de campo, pensei ser relevante procurar saber melhor quem eram
os sujeitos com os quais estaria dialogando ao logo do caminho, daí a importância de
caracterizá-los. Eles foram caracterizados a partir de dois questionários, contendo itens
versando sobre dados pessoais. O primeiro questionava sobre a relação dialógica, já que
acredito ser este fio condutor do processo de formação continuada em serviço, como já falado
anteriormente; e o segundo continha várias questões que julgamos importantes para poder
adentrar realmente nas percepções dos professores acerca da formação continuada. Esta não
foi possível contemplar nas entrevistas, já que foram curtas em função do tempo que a
maioria podia disponibilizar, e também, por conta das peculiaridades da escola.
Aproveito esta oportunidade para ratificar o porquê e como esse público foi escolhido
para participar dessa pesquisa. Optei por trabalhar com docentes do 1º segmento devido ao
índice elevado de retenções no terceiro ano do ciclo de alfabetização, que deixa resquícios
também nos anos subsequentes, quarto e quinto anos de escolaridade; por acreditar na
relevância que deve ser dada ao trabalho docente no primeiro segmento do ensino
fundamental; e ainda, pelo fato da maioria dos professores terem participado de cursos de
formação continuada oferecidos pela secretaria municipal de educação de Duque de Caxias.
Além disso, acompanho o trabalho desses professores enquanto orientadora pedagógica.
A Equipe Diretiva, também foi envolvida na pesquisa por desempenhar papel
importante no que tange a formação continuada em serviço, e para esta foi oferecido, além de
entrevista, um questionário diferente do que foi oferecido aos professores, que aborda dentre
outras questões o perfil desse grupo.
48
docentes e uma professora decidiu sair da escola; tudo isso levou à adoção do regime de
dobra8.
Algumas professoras da própria unidade escolar assumiram a dobra, portanto davam
aula em duas turmas, manhã e tarde; isso explica porque o número de professores pesquisados
não coincide com o número de turmas. Dos treze professores regentes envolvidos, seis tinham
matrícula na escola e os demais pertenciam ao regime de dobra, portanto sem vínculo oficial
com a unidade escolar. Os professores da educação infantil e do segundo segmento não foram
incluídos na pesquisa. Como apenas um professor do total se inclui no gênero masculino, não
serão feitas referências a possíveis diferenças de gênero.
Perfil
Quanto ao perfil dos professores regentes foram obtidos no grupo respondente os
seguintes dados:
Faixa etária – 6 professores entre 25 e 30 anos; 3, de 30 a 45 anos e 3, acima de 45
anos. Apenas 1 tem menos de 25 anos. Portanto, a maioria se situa na faixa de 25 a
30 anos de idade.
Etnia – 1 professora considera-se negra; 1, indeterminada; 4, brancas; 6, pardas; e
1, amarela. Portanto, predomina no grupo as pardas.
Renda familiar – até R$3.000,00 – 2 professores; de R$3.000,00 a R$5.000,00 – 8
professores; de R$5.000,00 a R$7.000,00 – 2 professores; acima de R$7.000,00 –
1 professora.
Como se percebe, a renda familiar da maioria situa-se entre 3.000 e 5.000 reais
– logo, pertencem à classe média.
8
Quando o profissional tem matrícula em uma unidade escolar e dobra a carga horária em outra ou na
mesma escola em que trabalha, em turno oposto ao turno de matrícula.
49
Etnia – 3 professoras consideram-se brancas e 2 se dizem pardas.
PM4 - Crescimento.
PS5 - Através dessa prática há aprendizado para ambas as partes (educadores e
educandos).
PN6 - Acarreta um processo muito mais enriquecedor, onde docente e discente,
através de uma prática reflexiva, saem favorecidos.
PK7 - O diálogo é a base da educação, sem ele a educação não acontece.
PJ8 - Esta prática traz maior ganho para ambos os lados, principalmente para o aluno,
que é melhor compreendido em seu processo de construção e tem o seu conhecimento
valorizado.
Diante das respostas atribuídas às questões acima, vejo a crença na força do diálogo
como forma de reconstrução, respeito às idéias e troca de experiências. Sendo esse diálogo a
base para se atingir objetivos e garantir o crescimento no processo educativo.
Por isso, fica aqui registrado que os respondentes percebem a importância de dialogar
para compreender e valorizar o conhecimento do aluno, bem como socializar as idéias com
vistas ao crescimento e amadurecimento na aprendizagem, tanto do professor quanto do
aluno. Como tão bem coloca Paulo Freire (2005, p.79): “O educador já não é o que apenas
educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser
educado, também educa”. Parece-me que os professores compreendem bem o sentido dessas
palavras. Mas nem sempre sua prática reflete essa compreensão.
A última questão foi acerca da existência de momentos para o diálogo dentro da escola
e a forma em que ele ocorre. Eis as respostas:
PG1 - Há poucos momentos específicos – GE (grupos de estudo), COC (conselho de
classe), reuniões. Existem momentos aleatórios com grupos isolados dentro do
ambiente escolar.
PK2 - Parcialmente, quando há intervenções, reuniões da Equipe Pedagógica para fins
de organização da estrutura curricular. Não observo este diálogo no contexto
social/geral.
PA3 - Em grupos isoladamente, acredito que os vários setores dialogam, porém não
existem momentos específicos a não ser para professor/ orientador (GE / COC).
PM4 - Poucos momentos ou quase nunca com o “grupão”. Acontece em grupos
pequenos, isolados.
PS5 - Sim. Em reuniões pedagógicas, ou quando sente necessidade desse diálogo.
PN6 - Sim, muito embora esses momentos de diálogos não ocorram de maneira
52
satisfatória, surtindo os efeitos desejados.
PK7 - Há alguns momentos mais ainda são poucos. Ocorrem, principalmente, nos
GEs e COSs.
PJ8 - Sim. A U.E. (Unidade Escolar) está em processo de democratização, apesar da
dificuldade em reunir o grupo, sempre que possível este momento é realizado em GEs,
COCs, reunião no meio do turno para organizar eventos.
Os professores, em seus posicionamentos, clarificaram a necessidade do diálogo com
os demais segmentos da escola, valorizando assim a coletividade, o que faz lembrar o
conceito de escola reflexiva, que continuamente se pensa a si própria, e esse pensar
evidentemente perpassa pelo coletivo (ALARCÃO, 2001). Eles entendem que há de se ter
mais momentos para dialogar, pois a prática do diálogo vem ocorrendo de forma restrita, não
atingindo a eficácia esperada.
Analisando suas falas, percebo que esta situação pode causar certo retrocesso e/ou
estagnação na práxis pedagógica, devido às escassas oportunidades para o diálogo no
cotidiano escolar. Isso me leva a concluir pela necessidade de implantar momentos
específicos no decorrer do trabalho cotidiano para que este diálogo possa ocorrer de forma
sistemática, e não esporádica, como vem ocorrendo atualmente.
9
Esta fala foi transcrita por sintetizar várias outras.
53
ocupando assim seu espaço enquanto sujeitos do processo formativo. Nóvoa (2010) defende a
autonomia dos professores para assim poderem reorganizar melhor o trabalho dentro do
universo escolar, porém só autonomia não basta: é preciso o mínimo de condições para que o
trabalho aconteça.
“A teoria nos ensina o que dificilmente podemos por em ação, uma vez que,
desrespeitosas são as condições oferecidas para o desenvolvimento do
trabalho: falta de materiais básicos, ambiente de trabalho precário,
profissionais quase sempre desqualificados, gestão incoerente, entre outros
fatores que dificultam a realização de um trabalho sério e eficaz... Venho
tentando desenvolver meu trabalho pautando-o em atividades reflexivas e
que tenham relação com o contexto social onde estão inseridas estas
crianças, destinando a elas não só conhecimentos pedagógicos, mas afeição
e carinho, que penso ser elementos indispensáveis, principalmente diante
das peculiaridades desta comunidade” (PN6)
“Alguns dos aspectos positivos, são o clima de amizade que construí com
algumas professoras, o que me permite trocar conteúdos, experiências e
material didático. Outro ponto positivo é o planejamento em conjunto com
as professoras que possuem turmas com o mesmo ano de escolaridade”
(PV9)
Essa fala mostra a importância do outro para nossa formação. “Ao observarmos as
interações sociais e os enunciados que emergem na vida cotidiana constatamos a nossa
necessidade absoluta do outro”(SOUZA, 2007, p.83). E é nessa interação com o outro, nessas
trocas de experiências que os professores vão se formando na escola. Nóvoa (2010) diz que “é
na escola e no diálogo com os outros professores que se aprende a profissão”.
Quando a professora aponta como positivo o planejamento em conjunto com colegas
que tem turma com o mesmo ano de escolaridade, vejo que apesar da complexidade do
ambiente escolar há sinais de avanços. Pensamos como Fusari (1992) que defende o encontro
semanal, quinzenal ou mensal de professores da mesma série, embora precise ainda avançar
muito mais nesse sentido.
55
ajudarão a entender melhor as implicações da formação inicial na prática pedagógica.
Na verdade eu não escolhi ser professora, é... eu fiz meio que o normal
forçada pela minha mãe. (PN6)
Na verdade assim, a princípio foi uma falta de opção, porque eu não tinha
condição de ... né, meus pais não tinham; eu estudei em escola pública a
minha vida toda, eu tinha duas opções, ou fazer contabilidade ou fazer
normal, aí eu fui, escolhi o normal(...) (PL10)
No que se refere à escolha da profissão observa-se que a maioria (69,2%) não fez
propriamente uma escolha, mas por razões diversas se tornou professor (a). Diante dos
depoimentos podemos citar como motivo de estar na profissão: decepção com a primeira
escolha, realização de sonho de outrem, falta de opção e imposição por parte do responsável.
Um grupo menor de professores (30,7%) relata que a escolha se deu por gosto; gostar de
criança, gostar de ensinar.
Comparando as entrevistas com o questionário é possível dizer que mesmo não havendo
56
exatamente uma escolha pela profissão, foi a primeira opção de mais da metade do total de
professores (53,8%). Segundo Nóvoa (2010) “ser professor não pode ser uma segunda
escolha”, mas nesse caso pode-se inferir que esse percentual de primeira opção, à princípio,
não é tão animador, já que não foi por realmente gostar do magistério. O gosto veio depois ao
longo do percurso e esse, a meu ver, é o lado positivo da questão.
Acho que a formação inicial foi que a gente tem hoje, né? Ainda. Essa
formação que a gente tem um mundinho de sonhos, que quando a gente
chega na realidade não é nada disso; a gente se frustra(...) Acho que a
minha verdadeira formação foi quando eu cheguei pela primeira vez numa
sala, fui dar aula. (...) então quem sai de uma formação totalmente
romântica, que não abre os olhos das pessoas, e que, (...) não ensina
realmente, o que é preciso ensinar (...) os três anos de formação de
professores foram substituídos por uma semana em sala. (...) E a gente só
aprende com o outro, com outro professor, com colega e com aluno e
também buscando (...).
Este último discurso revela o princípio da alteridade defendido por Bakhtin, pois deixa
evidente a necessidade do outro para a formação humana, assim a constituição interna de cada
um se dá a partir da interação com os diversos sujeitos e vozes pelos quais somos entrelaçados
e atravessados cotidianamente. “Bakhtin dirá que do mesmo modo que a minha visão precisa
do outro para eu me ver e me contemplar, minha palavra precisa do outro para significar”
(apud SOUZA, 2007, p.84). E o mesmo autor diz ainda “todas as narrações tem caráter
dialógico, enquanto eu em tudo ouço vozes e relações dialógicas entre elas” (Bakhtin, apud
Kramer, 2007, p.58). Com base nessa interação entre os sujeitos que ocorre desenvolvimento,
tanto na esfera pessoal quanto na profissional, já que ambas são inseparáveis, conforme
afirma Nóvoa (op. cit.).
57
Objetivou a produção da dignidade humana com justiça social, compreendendo a
importância dos seguintes focos: tipo de sujeito a ser formado e as concepções evocadas para
essa formação. Seus fundamentos estão pautados na idéia de movimento, defendendo a idéia
de seres humanos em construção.
Apesar do exposto, no que se refere à melhoria das condições de trabalho, estas ainda
ficam a desejar em relação a Escola Sonho, o que é motivo de descontentamento por parte de
seus profissionais.
Freinet, Wallon, Piaget, Vygotsky e Paulo Freire foram os pensadores escolhidos para
a fundamentação dos pressupostos teóricos.
A trajetória educativa de Freinet deixa sugestões para a prática docente caxiense, pois
aponta para a necessidade do respeito às diferenças, para o conhecimento minucioso que as
professoras e professores precisam ter em relação a seus alunos, para que outras maneiras de
educar possam emergir.
Outro pilar teórico são as ideias de Piaget, que considera central a atividade do sujeito
na construção do conhecimento, rompendo com a concepção de passividade que julga ser a
criança depósito de informações anteriores. Defende que a construção do conhecimento
acontece num processo contínuo da atuação do sujeito sobre o meio e na ação do meio sobre o
sujeito, característica do conhecimento denominada interacionismo construtivista.
As contribuições de Paulo Freire estão voltadas para o sujeito social, cuja consciência
crítica se constitui numa prática social histórica e materialmente situada. A tomada de
consciência em relação aos outros e aos seus contextos está condicionada à comunicação com
os outros e com o mundo. Portanto, na visão freiriana, não há ação humana sem que haja
comunicação dialógica; e esta deve ser horizontal, uma vez que, os sujeitos sociais
compartilham a experiência de homens em transformação.
A primeira etapa objetivou a formação dos objetivos gerais formadores 10 com a participação
de professores, diretores e equipe pedagógica.
Na segunda etapa foram construídos os objetivos por área curricular 11 que em relação
à estrutura da proposta curricular fica entre os objetivos gerais formadores e os objetivos por
área de conhecimento.
10
Os objetivos gerais formadores estão em anexo.
11
As áreas curriculares são três: linguagem (língua portuguesa, língua inglesa, arte e educação física);
ciências físicas, químicas, biológicas e matemáticas (ciências e matemática) e ciências sociais ( geografia e
história).
59
O objetivo por área curricular compreende uma organização das áreas de
conhecimento que compartilham de princípios comuns em seus objetos de
estudo. Essa organização possibilita uma melhor articulação entre os campos
do saber e a ampliação dos conhecimentos específicos, contribuindo para
uma abordagem multidisciplinar de fatos, conceitos e atitudes, geralmente
vistos de forma isolada e particular. (SME, 2004, p.3).
Nilbo Nogueira ajuda a refletir acerca das diversas potencialidades do sujeito aprendiz,
bem como das várias possibilidades para o desenvolvimento destas. E sugere a pedagogia de
projetos como caminho para a aprendizagem significativa.
Outra referência teórica é Antoni Zabala que discute a respeito dos diferentes tipos de
conhecimento: conhecimentos conceituais (aprendizagem de conceitos e princípios – plano do
saber), conhecimentos procedimentais (saber fazer – aprender a fazer fazendo) e
conhecimentos atitudinais (saber ser – interiorização de valores).
Jurgo Santomé contribui com a tese do currículo integrado, que se constitui na medida
em que os problemas do cotidiano escolar e questões sociais essenciais são contemplados nos
currículos.
Por fim, Ivani Fazenda deixa também sua contribuição ao apresentar e defender a
teoria da interdisciplinaridade, acreditando que o homem por ser um todo indivisível não pode
ser fragmentado em conteúdos descontextualizados.
12
As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente; ensinar a
condição humana, ensinar a identidade terrena; enfrentar as incertezas, ensinar a compreensão e a ética do
gênero humano constituem os sete saberes necessários à educação do futuro.
60
A representação gráfica da proposta curricular da rede municipal de Ensino
de Duque de Caxias traz as características de uma organização curricular
favorável às múltiplas possibilidades da prática educativa. (SME, 2004,
p.38)
- garantia de um espaço físico atraente e convidativo à pesquisa e leitura nas unidades escolares.
Com condições humanas e materiais disponíveis que viabilizem efetivamente a formação e
atualização dos docentes;
Analisando essa proposta em relação à Escola Sonho podemos reconhecer que muitas
das condições que favorecem uma formação plena já se concretizaram, porém ainda há que se
perseguir outras para a efetivação da formação continuada na perspectiva da referida rede de
ensino, como por exemplo, a garantia de espaço físico adequado e recursos humanos que
viabilizem a tão almejada formação plena.
61
instrumentalize e produza ações que contribuam para o sucesso escolar.
O público atendido foi distribuído em 08 turmas, cada uma com 40 alunos por turno
(manhã e tarde), totalizando 320 professores. A exceção foi em relação ao curso alfabetizar e
letrar: o público atendido foi dividido em 04 turmas, também composta por 40 alunos por
turno, atendendo a 160 profissionais.
A Escola Sonho foi uma das escolas selecionadas para participar da proposta de
assessoria, já que teve 38,18% de retenção em 2008 e 45,01% em 2009, revelando
ascendência em seu índice de retenção, sendo motivo de preocupação para a SME.
13
As quatro narrativas escritas constarão dos anexos deste trabalho.
62
Dos treze professores participantes da pesquisa ao longo de 2009, apenas cinco ainda
se encontravam na unidade escolar em 2010, exatamente como eu imaginava; o quadro de
professores já havia se modificado bastante por razões já mencionadas antes.
Oito professores são conhecedores do projeto de formação e cinco disseram que não o
conhecem, mas todos participaram de algum curso de formação continuada oferecido pela
SME. Acredito que os professores que disseram não conhecer, é porque não conhecem o
projeto por escrito, mas com certeza todos sabem quais são as linhas de tal formação.
→Acho que falta uma continuidade, pois a maioria dos cursos muda quando muda o prefeito.
Quando indagamos a respeito de que cursos a SME tem oferecido na área de atuação
dos professores, citaram a FAP, o Pró-letramento, Educação especial, Libras,
alfabetização/letramento. Alguns disseram que a SME não ofereceu nenhum curso. Essa
percepção se deve ao fato de entenderem que, uma vez tendo feito a FAP e/ou PROFA, não
significa que se deve parar por aí, pelo contrário, é preciso aprofundar sempre, é preciso dar
continuidade. Nesse sentido acreditam que a formação estacionou para aqueles que já
participaram desses cursos.
Essa percepção é justificada pela responsável pela formação continuada: ela pensa que
se deve dar prioridade aos que estão chegando à rede, pois quem já fez a formação deve agora
buscar sua auto formação.
O estudo deve ser pessoal, eu tenho que buscar esse estudo, não preciso
esperar a Rede. A gente espera que esse professor invista na sua formação.
Temos que dar prioridades, se o professor já recebeu formação a gente
acredita que ele possa caminhar sozinho (SME/ P. 1)
Uma professora disse que não participou de curso de formação em 2009 por falta de
tempo e outra disse não ter participado por falta de vagas, embora a responsável pela
formação afirme que em 2009 não houve lista de espera, todas as procuras foram
contempladas.
De acordo com a fala dos professores, procuram a formação por achar necessário, por
estarem no ciclo de alfabetização e também por esperar receber uma base maior para trabalhar
63
com os alunos com dificuldades.
→Mudou muito meu modo de ver a aprendizagem. Foi um curso muito bom (PK 7)
→Entender como a criança aprende, como constrói o conhecimento e que tudo que a criança
produz tem conhecimento ((PA 3).
→Gostei. Trabalhou dentro do que acredito e deu embasamento para a minha prática (PC
12).
→Me faz encontrar soluções para possíveis dificuldades que tenho (PS 5).
14
Sociedade de Professores Pesquisadores em Alfabetização. Constituída por um grupo de professores
que se reúnem um sábado por mês para o estudo e aprofundamento sobre alfabetização.
64
→(...) dão idéias de como ensinar (PV 9).
No entanto, houve um posicionamento que destoou dos demais, que diz o seguinte:
“Contribuiria se acorresse realmente como grupo de estudos, proporcionando de fato troca
de experiências e dando sugestões de atividades” (PJ 13).
→ Porque ele está sempre refletindo como atuar em sua prática (PS 5).
Concordo com a professora que diz que só aprendemos quando refletimos, mas eu não
diria reflexão apenas sobre nossos erros, mas sobre nossa prática em geral. Nóvoa (1992 ),
Pimenta (2007), Alarcão (2008) entre outros nos mostram que é essa reflexão sobre a prática
que é formadora, daí a importância da formação do professor reflexivo.
Por último foi perguntado o que seria mais interessante para ajudar no desempenho
profissional no dia-a-dia da sala de aula. O problema da estrutura física da escola aparece
praticamente em todos os posicionamentos e o relato abaixo faz uma síntese dos quesitos
almejados pelo corpo docente.
65
eficaz aos alunos encaminhados com possíveis necessidades educativas
especiais. Outra sugestão seria colocar fonoaudiólogos e psicólogos nas
unidades escolares e parcerias com profissionais de saúde para promover
palestras para a comunidade. (PJ 13).
Aplico em sala de aula, a maioria das coisas que aprendi no FAP, mas
confesso que mesclo com outros métodos em que obtive resultados positivos,
o que geralmente tem dado certo. Dentro da minha escola, a maioria dos
professores de turma de alfabetização fizeram alguma formação continuada
dentro do município o que favorece nossas trocas de experiências, e também
o nosso planejamento, que costuma ser feito em conjunto, com as
professoras que estão no mesmo ano de escolaridade. Percebo que a
formação continuada foi muito importante para mim, e sinto falta de uma
reciclagem. Algo que eu acho que deveria ocorrer com uma certa frequência
(...). (PV 9).
Um curso que me ajudou muito foi o FAP, também oferecido pela rede de
Duque de Caxias. Tive duas dinamizadoras do curso. Nas primeiras aulas,
não concordava com nada que elas nos passavam. Estava muito ligada ao
método tradicional. Achava que desde as primeiras séries, o que contava era
dar conteúdo, mesmo que o aluno não fosse alfabetizado. Não só eu como
outras colegas do curso. Aos poucos foram surgindo várias experiências
positivas, relatadas pelas colegas do curso. Comecei a perceber o quanto
havia eu errado, ao julgar antes de experimentar (...). O curso me deu
clareza em relação a levar o aluno a construir seu próprio conhecimento de
acordo com a sua realidade (...). O que está faltando é mais orientações,
para que eu possa- me sentir mais segura com as novas atividades sem
achar que não sou capaz de chegar ao resultado dos objetivos que são
necessários. ( PS 5).
A Equipe Diretiva da Escola Sonho, que tem a importante atribuição da formação dos
professores em serviço e de promover o trabalho coletivo dentro da escola, também respondeu
66
a alguns questionamentos.
→ Acho importante, porém ainda é pouco e muitas vezes sem continuidade para “desconstruir”
algumas idéias da escola tradicional por conta dos atropelos do dia-a-dia. (EM 4).
→Falta à equipe estudar, ter mais tempo para selecionar temas, dar sequência aos mesmos e
planejar, por tudo isso, esta formação fica precária. (EM 2).
→ Falta ao professor se conscientizar que a teoria está atrelada à prática, pois os mesmos acreditam
que esse momento de estudo nada acrescenta no seu cotidiano. (EM2)
Pelo exposto nas falas anteriores, os professores afirmam os benefícios dos momentos
de estudo, embora acreditem que deveriam existir mais investimentos nessa direção. Percebi
que o grande problema enfrentado no caso em estudo é o da descontinuidade nas ações, que
acaba por diminuir ou até mesmo tornar irrelevantes os esforços despendidos.
Mas como atingir essas metas? A realidade do “chão da escola” nos demonstra que
toda escola tem sua própria história que precisa ser contada, exposta, debatida. Só assim será
possível mostrar que se o resultado do IDEB vai mal é porque a escola também vai mal, e não
só porque alguns professores não ensinam como alguns especialistas pensam ser a forma
adequada. Vários fatores, internos e externos, contribuem para esse resultado. É preciso então
usar a palavra como nos ensina Bakhtin (2009) para denunciar a realidade, já que esta serve
68
de trama a todas as relações sociais em todos os domínios.
Analisando minhas conversas informais com o corpo docente sobre o IDEB 2009,
logo ao retornarmos do recesso de julho deste ano em curso, pude observar que a maioria dos
professores, do 1º segmento, não estava ciente dos resultados, então me indaguei: será que
esse assunto não tem relevância para tais professores? A professora PK7 me fez entender
melhor tal postura e inferir que sua narrativa poderia sintetizar a dos demais professores, ao
dizer: “O IDEB pra mim não quer dizer nada. Se você não investe no ambiente em que a
criança está sendo formada, como você quer depois ter bons resultados?”
A constatação de que a maioria dos professores ignora (propositalmente?) os
resultados obtidos por seus alunos no IDEB e a explicitação na fala acima da pouca
importância atribuída às avaliações externas levou-nos a uma preocupação. Se os professores
irão sempre atribuir o fracasso dos seus alunos a fatores externos à sua atuação, como falar em
melhorar sua formação para ampliar a qualidade da educação? Se essa melhoria depende
apenas de investimentos em infra-estrutura e outras medidas do gênero, para que investir em
formação continuada? Por que não investir em melhorias significativas na infra-estrutura da
escola, já que ela é apontada como fator dificultador da aprendizagem dos alunos? Se os
responsáveis pelas políticas municipais para a área da educação conhecem essa realidade
(pois são membros antigos da rede), por que insistem nos cursos de formação continuada -
apenas para colocar em prática os programas sugeridos pelo MEC? Chegamos ao final da
pesquisa sem respostas para essas e outras questões.
69
CONCLUIR PARA RECOMEÇAR
Walter Benjamin
Diante das questões discutidas neste trabalho, vale lembrar que as conseqüências dos
impactos causados pelo ideário capitalista acometem de um modo geral todos os setores da
sociedade, atingindo também a escola. Esta passou a ser peça fundamental para a proliferação
do modelo neoliberal, à medida que ainda se utiliza de práticas pedagógicas tradicionais, que
inibem a reflexão, e reproduzem a lógica que está posta pela classe dominante.
Entretanto, acredito que haverá esperança se houver real compromisso por parte dos
governantes na elaboração de políticas públicas objetivando a formação do professor
reflexivo, crítico e criativo. Principalmente, um que assuma sua parte da culpa pelo fracasso
de seus alunos. Nosso desafio é somar esforços para entrelaçar reflexão e ação, teoria e
prática, visando contribuir para transformar a realidade educacional que ora se apresenta
adversa, conforme atestam as avaliações externas da escola – e as internas também. Mas os
resultados desse estudo de caso nos deixaram mais animados.
Observando o cotidiano escolar e analisando a interação do corpo docente, bem como
suas respostas, foi possível tecer algumas considerações e concluir que, no grupo estudado, a
relação dialógica é valorizada como fio condutor do ensino-aprendizagem. O grupo entende
essa relação como troca de experiências e conhecimentos, oportunizando a reconstrução de
caminhos que viabilizem alcançar os objetivos levando ao crescimento do processo educativo.
Pimenta (2007) ratifica a relevância da troca de experiência e diz que é no processo coletivo
dessas trocas que os professores irão constituindo seus saberes.
Na visão desses professores, as implicações que essa relação pode trazer à prática
docente são várias, dentre as quais: crescimento, amadurecimento e aprendizagem, não só
para o aluno, mas também, para o professor, gerados por constantes reflexões. E
principalmente, pode trazer maior compreensão do universo do aluno e valorização de seus
conhecimentos.
Infelizmente, não foram constatadas muitas oportunidades de diálogo na Escola,
Sonho, devido às tensões próprias do cotidiano, por isso foi tão enfatizado pelos professores a
necessidade de dialogar, sobretudo com o coletivo. Porém pensando no sujeito complexo,
compreendemos essa tensão como essencial. Najmanovich (2001) nos ensina que: “o sujeito
complexo ocupa um lugar paradoxal: é ao mesmo tempo construído e construtor”.
As considerações dos professores participantes dessa pesquisa só reafirmam a
precarização do trabalho docente, caracterizado por este grupo como falta de infra-estrutura,
gestores despreparados, com frequência presentes apenas para fazer valer os anseios da classe
dominante. À falta de autonomia das escolas, às quais cabe apenas executar o que lhes é
imposto, resta apelar para posturas de transgressões por parte de alguns. Mas não podemos
70
considerar producentes atitudes como a de simplesmente ignorar os maus resultados obtidos
em testes padronizados, ainda que estes possam e devam ser criticados.
A burocracia exigida pela Secretaria de Educação, aliada à violência no interior da
escola, são mais alguns dos desafios impostos ao cotidiano. Mas em meio a todas essas
questões existem fatores positivos que apontam para outro caminhar, tais como: organização
de projetos por parte da equipe pedagógica e trabalho pautado em atividades reflexivas e
contextualizadas. Vale ressaltar também as trocas de experiências entre os professores, bem
como a liberdade de planejamento coletivo. Também o apoio da direção e equipe pedagógica,
ainda que sem a devida regularidade, por conta das peculiaridades um tanto quanto
conturbadas da comunidade escolar.
Essas questões estruturais dentro da escola afetam inclusive a formação que deveria
ocorrer em serviço de forma mais efetiva. Muitas vezes os encontros dos grupos de estudos,
71
previstos na Proposta Pedagógica e com enfoque de formação continuada no interior da
escola, são utilizados apenas para discussão dos já citados problemas de infra-estrutura,
deixando de lado a reflexão teórica e discussão da prática educativa.
73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_____.Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 6ª Ed. São Paulo, Cortez, 2008.
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78
ANEXOS
G – Narrativas docentes
79
Anexo A – Objetivos gerais formadores
7. Atuar como cidadão crítico, participante do grupo social no qual está inserido, através
da reivindicação dos direitos, do cumprimento dos deveres e da intervenção, de forma
consciente e criativa, na vida em sociedade para a transformação da realidade.
80
Anexo B – Proposta de formação continuada
81
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84
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86
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89
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Anexo C - Primeiro questionário aplicado aos docentes
1- Informações pessoais:
NOME: ___________________________________________IDADE:
GRADUAÇÃO: ___________________________________________
INSTITUIÇÃO:____________________________________________
ANO DE CONCLUSÃO:_____________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
4-Há momentos para o diálogo nesta escola? De que forma ele ocorre?
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
________________________________________________________________________
92
Anexo D – Segundo questionário aplicado aos docentes
Local de moradia: ( )no próprio bairro ( )outro bairro ( )outro município Qual? ______
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Este contribui para sua formação/ atuação docente? ( )S ( )N. Por que?_____________
______________________________________________________________________
Considera seu trabalho na escola como espaço de formação? ( )S ( )N. Por que? _____
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Em sua opinião o que seria mais interessante para ajudar no seu desempenho profissional no
dia-a-dia da sala de aula? ________________________________________________
93
Anexo E – Terceiro questionário aplicado aos docentes
Solicito mais uma vez sua contribuição em relação à pesquisa sobre formação
continuada de professores, registrando suas considerações a respeito da seguinte questão:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
94
Anexo F – Questionário aplicado à Equipe Diretiva
Nome:____________________idade:_____cor:_________ religião:_____________
_____________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Em que sua experiência anterior como professor/a contribui para o seu trabalho atual?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Como você analisa a atuação da equipe em relação à formação continuada dos professores?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Em sua opinião o que falta para um melhor aproveitamento desse tipo de formação?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Qual a sua opinião sobre a participação dos pais e da comunidade no Conselho Escolar e na
gestão da escola? _____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Que tipo de contribuição eles poderiam dar para a melhoria do trabalho escolar?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
95
Anexo G – Narrativas docentes
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Gonzaguinha
Com licença ao grande poeta Gonzaguinha, mas guerreiros também são mulheres, são
fortes... Ah, como são fortes... E são frágeis. Guerreiras são educadoras, professoras, mães,
amigas e profissionais. Somos guerreiras porque lutamos dia a dia pelo nosso trabalho.
Porque sem o nosso trabalho não temos honra... é em busca dessa honra que sempre tentamos
melhorar cada vez mais, buscamos nos informar e estudar.
Quando cheguei, escolhi uma das turmas que estavam sem professor das três classes
que existiam vagas: um terceiro ano de escolaridade que é o ano final do ciclo de
alfabetização. É neste ano de escolaridade que se retém os alunos que não atingiram os
objetivos durante o ciclo de alfabetização. E foi no primeiro dia de aula que comecei a
observar a necessidade de estudar e de pesquisar mais sobre alfabetização para dar o melhor
de mim para esses meninos e meninas. Na verdade, eles não eram nem tão meninos assim... A
maioria já era pré-adolescente ou adolescente, a faixa etária variava entre 08 a 14 anos. Neste
96
momento percebi que o trabalho iria ser árduo, complicado e dependeria muito de mim...
Notei isso porque ao olhar o rosto dos meus alunos no primeiro dia de aula, percebi o que
havia acontecido com aquela turma, na verdade, o que acontece, ainda hoje, com várias
turmas de várias escolas espalhadas pelo Brasil. Vamos começar assim...
Era uma vez uma escola que ficava situada em um dos bairros mais pobres do
município de Duque de Caxias, sendo regida por uma diretora indicada por um político e com
vários problemas estruturais. Havia um grande problema hidráulico impossibilitando o
abastecimento de água nos banheiros, também existia uma obra para a construção de um
refeitório que se arrastava por 3 anos ( a escola começou a funcionar em 2005, havia sido
comprada pelo município, pois era uma instituição privada)e os alunos só faziam lanche. A
quadra estava interditada, pois um muro ameaçava cair devido a problemas estruturais e as
telhas do pátio estavam quebradas e voavam nas ventanias das chuvas de verão. Havia
computadores... Todos empilhados, dentro de suas caixas, pois não “existia” lugar para
instalá-los. Quando chovia, o andar de cima da escola ficava inundado, já que as telhas de
amianto estavam todas rachadas. Essa escola existe... Está localizada próximo ao aterro
sanitário de Duque de Caxias e atende uma população muito carente de direitos básicos e
essenciais para uma vida saudável.
Falando em população... Era uma vez os alunos dessa escola e dessa professora que
percebeu no rosto deles, no primeiro dia de aula, o descaso e a injustiça social que todo o
sistema político os submeteu. Pode parecer duro descrevendo dessa forma, mas os alunos
eram carentes, não o tipo de carência que eu já havia presenciado tantas e tantas vezes em
outras escolas, mas uma carência diferente: a carência do crédito. Naquele momento percebi
que nem eles mesmos acreditavam neles, eles não acreditavam que seriam capazes que são
capazes e já estavam cansados de serem massacrados por um sistema educacional que exclui e
não inclui. De um sistema educacional que consegue excluir crianças já excluídas socialmente
devido a problemática social que estavam inseridas. Para ficar mais clara, percebi essa
exclusão ao notar a realidade das outras turmas de mesmo ano de escolaridade que os meus
alunos. Havia quatro turmas de terceiro ano no turno da manhã em 2008 na escola. Uma era
composta pelos alunos que já estavam alfabetizados, todos eram leitores e escritores fluentes,
outra era formada por alunos também leitores, mas com algumas questões ortográficas para
resolver, a terceira turma era composta por alunos que ainda estavam aprendendo a ler, mas
que não tinham sido reprovados nenhuma vez, e a última turma, a minha turma, era composta
97
por alunos que ainda estavam se alfabetizando e já tinham sido reprovados ao menos uma
vez... Quer pior forma de exclusão do que catalogar crianças como: “ Opa você é bom, turma
boa...” ou “Não, você não aprendeu, turma ruim...”
Em um primeiro ponto de vista essa divisão pode parecer favorável ao professor, não
é? Pois é, mas como professora eu vos digo, não é. Não é favorável pelo seguinte motivo: é
muito difícil trabalhar com uma turma onde não há motivação para que aprendam. E não
adianta dizer que o homogêneo é melhor, porque dentro de qualquer turma haverá a
heterogeneidade e nós, professores, temos que aprender a trabalhar fazendo dela nossa aliada.
Também é muito difícil pessoalmente falando, é uma sobrecarga de responsabilidade muito
grande. Na maioria das vezes, o professor que trabalha com essa turma está chegando na
escola e não são professores antigos destas unidades de ensino. Ou seja, o profissional não
chega totalmente preparado para assumir essa responsabilidade e leva um susto só podendo
buscar respostas nos amigos e nos estudos para tentar realizar um bom trabalho.
E assim iniciou-se o ano de 2008 para mais uma professora, para seus alunos e para
uma escola...
Eu não sei como responder essas perguntas, mas sei que eu tinha uma turma, eu tinha
alunos e deveria alfabetizá-los em um ano... Alguns alunos já estavam na escola há cinco anos
e ainda não tinham alcançado este objetivo. Será que eu conseguiria? Em que lugar
conseguiria força para seguir adiante? Nestes momentos de angústia, ninguém melhor do que
Paulo Freire para me iluminar... Só um homem, um guerreiro, um professor teria esse poder
naquele momento. E seu poder estava em suas palavras quando, em seu livro Pedagogia da
98
Autonomia, conta suas experiências como professor na periferia de Recife, lecionando para
pessoas com condições de vida bem próximas das que eu trabalharia. Conta que “tropeçava na
dor humana” e se questionava assim como eu me questionava naquele momento: “Que fazer,
enquanto educador, trabalhando num contexto assim?”
Deparar-se com a realidade é duro e há, segundo Paulo Freire, um discurso neoliberal,
habitual e fatalista de que a realidade é essa mesmo, porém me incentivou quando li tais
linhas:
A realidade, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia
ser outra e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar. Eu me
sentiria mais do que triste, desolado e sem achar sentido para minha presença
no mundo, se fortes e indestrutíveis razões me convencessem de que a
existência humana se dá no domínio da determinação. Domínio em que
dificilmente se poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de
ética.(FREIRE,1996,p.83)
A realidade não deveria ser esta... só me faltava, agora, forças para lutar. Eu sei que
não mudaria toda uma realidade com pequenos passos, mas poderia tentar mudar aquela
realidade. Então, recebi o apoio de toda a equipe da escola, dos professores anteriores daquela
turma e pude notar que todos ali, em meio às dificuldades tentavam fazer a sua parte.
Quando nos deparamos com uma turma com essa realidade, buscamos responsabilizar
alguém. Não posso responsabilizar os professores anteriores desses alunos, muito menos os
alunos. Eles são vítimas. Vítimas de uma política doente, de um país enorme e de diferenças
sociais estrondeantes. Somos vítimas de um panorama educacional caótico e só quando
aceitamos esse caos, percebendo que ele existe é que podemos ver que a vida espera mais de
nós, muito mais além dos muros da escola. E, como diria o poeta Jorge Vercillo: “Quando
chega o fim da linha e já não há aonde ir; Num passe de mágica a vida nos traz planos para
seguir... E quando vejo, a vida espera mais de mim...” E o meu plano a seguir foi estudar
sobre alfabetização e buscar desenvolver o melhor trabalho possível.
Já havia cursado o FAP no ano de 2005 ou 2006 que me deu embasamento teórico
sobre as práticas de alfabetização sócio interacionista e as teorias de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky , porém esse curso tinha sido voltado para a educação infantil, pois atuava em
creche neste período. Como carregamos nossas bagagens para onde vamos, esse
conhecimento me acompanhou e foi fundamental para o desenvolvimento de um trabalho
diferenciado com essa turma. Estudar, aprender e empregar na prática é quase um parto.
99
Porque não é fácil desconstruir conceitos paradigmáticos e incorporar novas práticas em sala
de aula. Sabe quando ficamos prontos para “parir” esse conhecimento: quando vemos que a
prática embasa a teoria e dá certo. Foi assim com o FAP... Porém, com a minha turma, em
2008, o FAP era muito pouco e precisava buscar mais e mais conhecimento e não sabia aonde
encontrá-lo. Acabei encontrando na SOPPA ( Sociedade de Professores Pesquisadores em
Alfabetização) o que precisava. A história da SOPPA é longa, mas vou fazer um pequeno
resumo: somos todas professoras, queremos aprender mais para ensinar melhor, nos reunimos
um sábado por mês e debatemos sobre alfabetização. O que eu encontrei lá: AMIZADE,
companheirismo e conhecimento. A SOPPA faz parte da minha vida e na hora das dúvidas,
até hoje, é ao grupo que recorro é nele que encontro fé para continuar a desenvolver um
trabalho que respeite o aluno e proporcione a ele momentos de prazer e conhecimento.
Depois dessa busca, para ser uma professora melhor, posso dizer que ainda preciso
melhorar muito. A turma de 2008 marcou a minha história profissional e a minha vida. O
resultado no fim do ano não foi cem por cento satisfatório, porém acredito que toda essa busca
foi fundamental para fazer a diferença na vida de todos que passaram por aquela sala naquele
ano. Continuo na mesma UE e ainda enfrento as dificuldades e o fracasso cara a cara todos os
dias, brigo com eles e não me entrego, sigo em frente tentando carregar meus alunos juntos
comigo. Às vezes bate aquele desespero, a sensação de impotência, de fraqueza, de cansaço.
Porém “ a vida espera mais de mim... e o eterno aprendizado é o próprio fim... Já nem sei se
tem fim...” ( Jorge Vercillo), então vamos em frente... Alfabetizando, letrando, dialogando,
interpretando, debatendo e educando cada um que passar por minhas mãos ao longo da
caminhada da educação. Ao menos eu tento...
Beijos minha querida, espero que o texto corresponda a suas expectativas. Aguardo
respostas... Professora: PK7
2. Ingressei na rede municipal de Duque de Caxias em 2002 e o curso que fiz foi o FAP.
Os encontros da Educação Infantil na SME também foram de grande valia na minha
formação.
100
Fiz uma complementação pedagógica a nível médio e não estudei muito sobre o
construtivismo e é claro, só foi um pouco da teoria. Já o FAP é uma mistura de teoria e prática
e o mais interessante é que é muita prática pois o que foi estudado e visto em sala, tínhamos
que aplicá-los em sala de aula e retornar com os resultados.
Eu estava com um 3ºACA alfabético então precisava adaptar as atividades para minha
clientela. Acredito que se eu estivesse com uma turma não alfabética teria sido mais
interessante pois os resultados seriam diferentes pois minha turma já sabia ler e escrever.
Não consigo aplicar somente o construtivismo porque para mim falta algo mais
sistemático. Então eu faço uma junção de práticas de alfabetização, o que me traz resultados.
Acho que minha realidade de crianças agressivas, agitadas, desassistidas pelas famílias
e sem nenhum incentivo/contato com a leitura não favorecem para que eu trabalhe somente
com o construtivismo. Enquanto estivesse com um grupo, o outro estaria se ofendendo ou
batendo ou mesmo pegando as “respostas” com outro grupo. Fora que o barulho do corredor
me atrapalha muito pois a parede não vai até o teto.
Mas eu aplico atividades construtivistas sim, faço diagnósticos, porém não deixo de
misturar com o tradicional e o fonético.
Na escola há um momento que se chama grupo de estudos que deveria ser para
formação continuada, não vejo isso acontecer. São alguns GE‟S que isso acontece e sempre
resolve-se questões administrativas. Não acho enriquecedores.
Não vejo unidade de ensino na minha escola e a troca é feita em conversas no recreio,
corredores e horário de almoço com os professores.
Professora: PA3
Quando iniciei o curso este já havia iniciado há pelo menos 1 mês, e confesso que me
senti meio perdida, pois não exercia a profissão desde a minha formação, em 1997.
101
O curso foi muito importante e válido para mim, pois não conhecia muito do
construtivismo 15, que é a metodologia usada pelo município. Foi importante também porque
peguei uma turma de 1º ano do ciclo, e eu não fazia idéia de como alfabetizar.
O FAP foi muito válido e me ensinou bastante, pois já não lembrava como alfabetizar
da forma tradicional, e não tinha aprendido a alfabetizar pelo construtivismo, em meu curso
normal.
Basicamente alfabetizo meus alunos com o que aprendi no FAP, e com as experiências
trocadas com outras professoras, além de pesquisas na internet e etc.
Aplico em sala de aula a maioria das coisas que aprendi no FAP, mas confesso que
mesclo com outros métodos em que obtive resultados positivos; o que geralmente tem dado
certo.
Percebo que a formação continuada foi muito importante para mim, e sinto falta de
uma reciclagem. Algo que eu acho que deveria ocorrer com uma certa freqüência, pois acho
que se fizesse o FAP hoje, aproveitaria muito mais que em 2006, pois hoje já possuo mais
experiência em alfabetizar.
No cotidiano da escola, percebo que é cada professora por si, atuando sozinha em sua
sala de aula, contando apenas com as trocas de experiências com outras professoras. Não há
momentos de planejamento em conjunto, não há palestras, enfim, me sinto sozinha na batalha
da alfabetização.
Professora: PV9
4. Desde que ouvi pela primeira vez falar de formação continuada, entendo que é uma
formação que ocorre ao longo da realização do trabalho que fazemos através de orientações
que recebemos de profissionais especializados.
15
Caracteriza-se por ser uma prática de ensino, uma mudança de postura do professor e não uma
metodologia.
102
As palestras eram divididas por temas, e apresentados por profissionais vindos de
outras cidades com experiências muito interessantes.
Um curso que me ajudou muito foi o FAP, também oferecido pela rede de Duque de
Caxias.
Nas primeiras aulas, não concordava com nada que elas nos passava. Estava muito
ligada ao método tradicional. Achava que desde as primeiras séries, o que contava era dar
conteúdo, mesmo que o aluno não fosse alfabetizado. Não só eu como outras colegas do
curso.
Aos poucos foram surgindo várias experiências positivas, relatadas pelas colegas do
curso. Comecei a perceber o quanto havia errado, ao julgar antes de experimentar.
Fazia atividades em sala e tarefas para serem realizadas em casa e também com a
turma que trabalhava.
As atividades que eram passadas, tinham cobranças bem rigorosas, às vezes deixava
de realizá-las devido a falta de tempo, pois trabalho na rede do Estado também. Acumulava
tarefas de uma semana para outra.
Com o passar das semanas comecei a me interessar pelas atividades diferenciadas que
eram apresentadas através da prática construtivista.
Encontrei dificuldades como: falta de material didático e o meu tempo disponível para
preparação das atividades. Faço tudo na medida do possível.
Não consegui terminar o curso por razões particulares. Mas consulto sempre que
preciso o material que foi oferecido.
O meu trabalho atual na Unidade Escolar tem sido bem positivo, pois troco
experiências com várias colegas, mesmo não havendo um tempo estipulado no decorrer do
ano letivo. No ano passado tínhamos de 15 em 15 dias um momento para planejamento de
atividades e troca de experiências além do grupo de estudo com orientações com a equipe
103
pedagógica. Estamos na 2ª quinzena do mês de agosto e ainda não houve o grupo de estudo,
após o recesso escolar.,
Em tempo: Vale dizer que ainda recorro à prática tradicional porque sempre que a
utilizo tem tido algo de positivo; pois acho que ainda há muita coisa boa, ainda sou muito
ligada a essa prática.
O que está faltando é mais orientações para que eu possa me sentir mais segura com as
novas atividades sem achar que não sou capaz de chegar ao resultado dos objetivos que são
necessários.
Professora: PS5
104