Expressões Da Questão Agrária No Portal Do Sertão
Expressões Da Questão Agrária No Portal Do Sertão
Expressões Da Questão Agrária No Portal Do Sertão
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
Salvador
2014
SOLANGE MARIA SANTANA COUTO
Salvador
2014
C871 Couto, Solange Maria Santana.
Expressões da questão agrária no portal do Sertão – Bahia /
Solange Maria Santana Couto.- Salvador, 2014.
124 f. : il.
Banca Examinadora
______________________________________________________
Dr. Vitor de Athayde Couto (orientador)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
______________________________________________________
Dra. Guiomar Inez Germani
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
______________________________________________________
Dra. Cristina Maria Macêdo de Alencar
Universidade Católica do Salvador (UCSal)
Salvador
2014
Dedico este trabalho a toda a minha família que mesmo não tendo a dimensão da importância
desta pesquisa compreende meus esforços e torce por minha vitória, em especial a meu
sobrinho e afilhado André que perdemos no momento mais complexo do trabalho deixando
uma ferida imensa em nossos corações. Que Deus o receba em seus braços.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a meus familiares que estiveram comigo ao longo da caminhada, minha mãe
querida que, mesmo semianalfabeta, me deu toda força e carinho para que eu pudesse
encaminhar minha vida da melhor forma possível. Meus 14 irmãos em especial minhas irmãs
Angelina, Marta e Keny que estavam comigo nos melhores e piores momentos, me dando
forças quando eu não tinha de onde abastecer.
A meu amado “namorido” Sander pela força e compreensão nos momentos difíceis, por não
me deixar enlouquecer quando eu acreditava que tudo estava perdido devido à minha
dificuldade em compreender muitas coisas do mundo acadêmico.
Ao grupo de capoeira Angoleiros do Sertão, em especia l ao Mestre Claudio, que mesmo não
tendo estudado nos ensina além de valores úteis em todos os setores da vida, a importância da
academia para que possamos avançar sair do comodismo e encontrar outros caminhos que não
os que o sistema impõe.
À CAPES, por financiar a pesquisa, permitindo que eu continuasse os estudos, pois, sem esse
apoio, eu não teria conseguido realizar o trabalho.
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................14
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................119
REFERÊNCIAS....................................................................................................................123
INTRODUÇÃO
A permanência histórica das contradições e conflitos, tanto agrários quanto agrícolas, compõe
a questão agrária, que é uma questão social. Em algumas formações sociais, a questão
agrária concernente a uma fase do capitalismo (comercial, industrial, financeiro...) não se
resolve ou não se supera, e acaba exportando velhas contradições para o ciclo seguinte. Nesse
caso, pode-se dizer que as relações sociais de produção não acompanharam a nova etapa do
desenvolvimento capitalista – ou novo ciclo de acumulação, com ganhos de produtividade do
trabalho.
São as condições econômicas que indicam o grau de participação dos indivíduos e grupos nos
benefícios do sistema capitalista. As condições de sobrevivência, os rendimentos (rendas), e a
inserção do pequeno produtor e do trabalhador rural no mercado não são iguais às dos grandes
e médios produtores agrícolas (proprietários e arrendatários capitalistas). Os detentores do
1
Ao contrário do que a mídia d ivulga para o grande público, considera-se neste trabalho o conceito original de
agribusiness conforme a t radução correta de Guimarães (1982), ou seja, Co mp lexo Agroindustrial (CAI).
grande capital possuem equipamentos e condições adequadas para investir e participar
efetivamente da riqueza, com maiores escalas de produção, e ganhos de produtividade.
Na escala da realidade baiana, essa situação não é diferente. Observa-se grande concentração
na propriedade das terras, além de infraestrutura e boas condições de produção ao alcance de
poucos indivíduos ou empresas – o que deixa a maior parte da sociedade refém de suas
imposições. Dessa realidade resultam inúmeros conflitos em busca por maior equiparação de
direitos através da redistribuição da propriedade e da renda, com o objetivo de possibilitar
maior participação das classes sociais menos favorecidas no processo de produção e
reprodução da vida. Entre as tentativas de incluir-se no processo de produção citam-se as
tentativas dos movimentos sociais em participar dos espaços de decisão políticas como, por
exemplo, das Políticas de Desenvolvimento Territorial (PDT).
Por meio da PDT, que consta na lei orçamentária expressa no Plano Plurianual da
Administração Pública para o período 2008-2011(PPA 2008-2011), o Estado da Bahia divide-
se em 27 Territórios de Identidade (Mapa 1). Essa divisão, inicialmente, segue o modelo da
Política de Desenvolvimento Territorial Nacional. O Ministério de Desenvolvimento Agrário
(MDA), em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
divide o espaço agrário brasileiro em territórios rurais 2 . O objetivo é atender às demandas do
2
Maiores informações no site: http://sit.mda.gov.br/images/mapas/tr/br_055_trs_164_ maio_2009.jpg
público beneficiário das ações da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), integrante
do MDA, que visam ao desenvolvimento sustentável na área rural.
Esta pesquisa tem como objetivo analisar expressões da questão agrária no Território de
Identidade Portal do Sertão, Bahia, na seguinte ordem: identificar a estrutura agrária, ou seja
as principais classes sociais envolvidas na questão agrária; identificar as principais
reivindicações dessas classes, convergências e divergências de interesses, bem como as suas
diferentes demandas; verificar se existem propostas e sugestões formuladas para minimizar a
questão agrária. Na prática, buscam-se soluções dos problemas de ordem estrutural.
Como resultado, espera-se responder às seguintes questões: quais as principais classes sociais
envolvidas na questão agrária? Quais as suas principais reivindicações? Que propostas ou
sugestões são apresentadas para minimizar a questão agrária? As reivindicações, problemas e
sugestões da sociedade são encontrados na Política de Desenvolvimento Territorial (PDT) do
Portal do Sertão, através do Conselho de Desenvolvimento Territorial (CODES/Portal)?
Essas questões contribuem para identificar a composição da estrutura agrária, sua influência,
suas demandas, convergência e divergência de interesses, e as diferentes demandas de cada
classe social ou fração. Assim, espera-se conhecer o processo de busca de soluções para os
problemas de ordem estrutural que afetam o sistema territorial de posse e uso da terra. Além
disso, investiga-se como o poder público, por meio da PDT, trata a questão agrária no Portal
do Sertão.
Mapa 2: Localização do Território de Identidade Portal do Sertão – Bahia
A inserção do capital no campo, que ocorre de forma heterogênea, tem modificado as formas
de produção e ampliado a produtividade agrícola. Como resultado desse processo,
intensificam-se as desigualdades sociais no campo devido às diferentes condições de inserção
no modo de produção capitalista. Essa realidade é visualizada no Território de Identidade
Portal do Sertão, espaço da pesquisa.
No Portal do Sertão, nota-se a questão agrária cada vez mais presente na realidade. A
concentração de propriedade e da renda, reflexo do modo de acumulação e do
desenvolvimento econômico, político e social, é uma realidade do campo, que também tem
rebatimento nas relações sociais das cidades. Tem-se uma concentração fundiária que se
representa, nas extremidades, pelo índice de Gíni, 2006, entre 0,71, no município de Irará, e
0,90, em Amélia Rodrigues. São visíveis os acampamentos, comunidades quilombolas e
colônias de pescadores que evidenciam a demanda da população por melhor distribuição de
terras. Destaque também para o resgate de trabalhadores oriundos de oito municípios do
território, que trabalhavam em condição análoga a escravos.
A relevância deste trabalho dá-se ao passo que, a partir do compromisso político e social, visa
revelar a complexidade de questões que ficam nos bastidores das relações sociopolíticas, a
fim de compreender a correlação de forças que direciona as ações políticas, e assim
apresentar, à sociedade, de que forma seus interesses são considerados no fazer das políticas
públicas. Para a academia pretende-se, através da análise teórico-crítica, mostrar as demandas
históricas das classes sociais menos privilegiadas e as possíveis soluções para os conflitos no
campo.
O que parece nos preocupar a todos é a efetiva natureza das condições que
determinam o movimento desta sociedade, que definem a natureza das suas
transformações, ocorridas ou em curso. A mera reflexão teórica, o abusivo
ensaísmo de gabinete, não vai nos levar muito longe. Do mesmo modo, o
empirismo sem sustentação teórica, de indagações superficiais, só servirá
para confundir ainda mais (MARTINS, 1979, p.1).
A investigação considera todas as situações, sem fazer juízo de valor com relação aos dados
encontrados. Para tanto uma reflexão exclusivamente teórica não atende aos objetivos
propostos. Por outro lado, o empirismo puro pode incorrer no erro de apresentar uma
realidade camuflada, ilusória. Quando se utiliza o recurso metodológico da pesquisa de
campo, deve-se ter a devida atenção para não cair em armadilhas de percurso. Deve-se ter
clareza para não se afastar do objetivo e não perder o foco.
Analisam-se as ações do poder público frente aos problemas agrários por meio das políticas
agrárias, a exemplo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), e das diversas linhas de crédito rural, por mutuário e por unidade de área.
Identificam-se, no território, os principais beneficiados por essas políticas.
Constrói-se uma série histórica da população do território para identificar sua presença no
campo e principais fatores e eventos causadores de movimentos migratórios para as cidades.
Além disso, a análise de dados, como o índice de Gíni (que mede a concentração das
propriedades rurais), formas de acesso à terra, classes sociais que compõem o território,
possibilitam melhor compreensão da questão agrária.
Identificação dos principais movimentos sociais do campo atuantes no Portal do Sertão, quem
são os participantes e líderes, como e onde se organiza, quais suas principais reivindicações,
como são atendidas pelo poder público. Para tal são analisados documentos, atas de reuniões
de sindicatos e movimentos sociais atuantes, registros e planos de ação, bem como sua relação
com os diferentes níveis de governo.
A questão agrária da atualidade, não pode ser entendida unicamente diante da análise das
relações desiguais no campo; as circunstâncias econômicas e as ações políticas têm grande
influência na manutenção das desigualdades na estrutura social do campo. É preciso
considerar fatores históricos responsáveis pelo paradigma da questão agrária atual.
Compreende-se a questão agrária como problemas do campo oriundos da estrutura social que
subjuga uma classe social para benefício de outra, através do uso econômico da terra, bem
como dos demais recursos da natureza, e assim impõe a permanência das desigualdades
sociais.
Diante das relações desiguais e contraditórias, os conflitos no campo são cada vez mais
visíveis. Eles estimulam algumas das mais importantes mudanças na realidade cotidiana, a
exemplo de alterações nas políticas econômicas voltadas ao campo. Os grupos sociais não se
deixam intimidar pelas condições de subordinação a que são submetidos devido à
concentração de recursos e lutam pela permanência no campo com condições igualitárias de
sobrevivência. Germani (2001; 2009) faz importante contribuição a esse respeito quando
analisa as desigualdades sociais e as diversas lutas protagonizadas pelas classes sociais menos
privilegiadas no campo.
Em escala mundial pode-se considerar que grande parte dos problemas sociais que assolam a
população tem origem no sistema de posse e uso da terra. Salienta-se que a mudança no
sistema de produção, do não capitalista ao capitalista, que em si agrega também grandes
mudanças no modo de produção, se destacou como um importante marco para intensificação
das diferenças sociais, especialmente no que se refere à acumulação de capital. O pequeno
produtor é um dos principais prejudicados com as mudanças no sistema econômico, pois,
grande parte torna-se trabalhador desprovido dos meios de produção e dependente do grande
produtor para sua subsistência, fenômeno denominado proletarização. Assim se inserem nesse
processo, enquanto produtores de uma riqueza a ser apropriada pelos detentores do grande
capital.
A questão agrária expressa nesta pesquisa está intimamente associada à expansão do modo de
produção capitalista no campo. A organização da produção, as relações sociais e a conjuntura
política no campo sofrem grandes impactos do capital. Com isso há uma divisão social do
trabalho que submete grande massa da população a uma minoria detentora do capital. Essa
realidade é expressa a partir da análise das formas de exploração e expropriação do pequeno
produtor pelo grande capital. Diante dessa situação busca-se identificar os principais
pressupostos teórico- metodológicos responsáveis pela questão agrária atual.
A partir da leitura de Marx (1988), notam-se os principais fatores históricos responsáveis pela
expansão do capital e a forma moderna de atuação do capital no campo. O capitalista insere-
se na área rural e se apropria do trabalho social do produtor para extrair mais-valia,
transforma a terra, antes vista como patrimônio pelo produtor, em mercadoria. A terra antes
tratada como elemento da natureza agora é vista como propriedade privada, e o trabalho que
era propriedade do trabalhador torna-se também mercadoria. Apresenta a importância dos
avanços tecnológicos, da industrialização na agricultura, do êxodo rural, da aglomeração
urbana, do desemprego por excesso de mão de obra disponível, da mercantilização e da
criação de mercado consumidor como responsáveis por significativas mudanças na vida do
camponês. Weber (1980) relaciona a sociedade rural com a industrial e expõe as semelhanças
entre elas devido à relação do produtor agrícola com o espaço urbano, afirma que o pequeno
produtor é necessário também na produção de alimentos para a indústria.
Para Kautsky (1980), o modo de produção capitalista gera significativas alterações nas
condições de produção e nas relações sociais estabelecidas no campo, promove mudança nas
formas de vida, além do surgimento de novas necessidades e a submissão de uma classe social
a outra. A estrutura social agrária é composta por distintas classes sociais e frações de classes,
e pelas relações sociais estabelecidas entre elas. Gutelman (1974) faz clara exposição a esse
respeito e apresenta três tipos básicos de relações sociais: relações de produção, relações de
distribuição, e relações de apropriação. São mediadas pelo trabalho social, produzem, em sua
essência, além de riquezas, diferenciações entre classes sociais e provocam grandes e
inumeráveis conflitos.
Como proposta de solução para os problemas sociais, Kautsky (apud Silva e Stolcke, 1981) e
Silva (1985) propõem uma revolução que interfira no campo, na cidade e, principalmente, nas
relações de cooperação entre nações. Para eles Reforma Agrária não é s uficiente. É necessário
criar condições igualitárias de inserção dos trabalhadores rurais no sistema capitalista por
meio de políticas voltadas aos pequenos produtores. Em busca desses ideais a sociedade se
organiza em movimentos sociais; articulam-se estratégias de pressão por políticas públicas
que atendam a seus objetivos em reduzir as desigualdades sociais no campo. Exemplo disso
são as lutas dos trabalhadores rurais sem terra, dos sindicatos de trabalhadores rurais, de
associações comunitárias, entre outros. Germani (2001 e 2009) traz considerável contribuição
a esse respeito quando afirma que são visíveis as mudanças na realidade social do campo
enquanto resultado da pressão exercida pelos movimentos sociais que lutam incessantemente
pela igualdade de direitos na produção e reprodução da vida no campo.
Acredita-se que uma efetiva mudança nas condições sociais do campo só seria processada a
partir de uma mudança na estrutura social atual. Não é interesse do Estado nem das classes
sociais dominantes contribuir para que essa mudança aconteça. As políticas públicas
paliativas e compensatórias implantadas como estratégia para minimizar os danos causados
pelos conflitos oriundos das desigualdades sociais provocam o enfraquecimento momentâneo
das lutas sociais por igualdade de direitos, e, assim, permite a permanência das desigualdades
mediante a continuidade da expropriação e exploração do pequeno produtor em favor das
classes dominantes.
Para entender o paradigma da questão agrária atual é preciso alcançar as raízes do problema: a
que se associa; a quem interessa a manutenção dos problemas vigentes; quem são os
principais afetados; e, finalmente, quais os impactos disso na realidade social. Como dito no
caput deste capítulo a questão agrária aqui analisada possui relação direta com o sistema
capitalista de produção. É preciso considerar também sua associação à estrutura social que
submete uma classe social a outra a fim de atender aos objetivos do sistema produtivo atual.
Em Marx (1988) é possível perceber que para gerar acumulação de capital a produção
capitalista utiliza-se, necessariamente, da mais- valia resultante da exploração da força de
trabalho. Assim, acumular capital em alguns casos perpassava pela necessidade da compra da
força de trabalho. Entretanto, quem possui força de trabalho disponível na maioria dos casos é
expropriado dos meios de produção e por esse motivo tem que trabalhar cada vez mais.
Quanto maior a força de trabalho empregada na produção de capital menor serão suas
condições de acumulação de riqueza. Desse processo pode-se identificar a origem da pobreza
de grande parte da população que possui apenas sua força de trabalho para vender em troca da
sobrevivência.
Para que essa acumulação ocorresse de forma desigual no processo histórico houve uma
gradativa separação entre o produtor, transformado em assalariado, e seus meios de produção.
No processo de acumulação de capital é necessária a existência de trabalhadores sem
propriedades, dispostos a vender sua força de trabalho a fim de adquirir meios de
sobrevivência para sua família. Por esse motivo esta separação tornou-se historicamente
necessária à formação da estrutura econômica da sociedade capitalista. Segundo Marx (1988),
sem a expropriação e utilização da força do trabalho social do pequeno produtor, dinheiro e
mercadoria não poderiam ser transformados capital.
Nesse processo, os meios de produção e subsistência, dinheiro e mercadoria, cada vez menos
acessíveis ao trabalhador, tornam-se capital. Assim se configuram as desigualdades sociais
especialmente no que se refere ao direito à acumulação de capital. A expropriação da terra
aliada à expulsão do pequeno agricultor do campo contribuiu significativamente com a
disponibilização de mão de obra ao mercado de trabalho. No Brasil, a existência de
trabalhadores sem a propriedade de bens ou condições de produção como os índios e negros
libertos viabiliza as bases do modo de produção capitalista. Para seu funcionamento, o
capitalismo supõe a existência e a manutenção de proletários livres das obrigações servis e,
principalmente, da propriedade de bens ou condições de subsistência. Marx (1988) afirma que
A burguesia age conforme interesses econômicos via aumento da oferta de mão de obra
disponível e da redução dos salários e da qualidade de vida da população. No Brasil, o Estado,
através de seu aparato legal com instrumentos institucionais, legitima a separação entre
produtores e meios de produção. A Lei de Terras, as Constituições, a legislação como um
todo tornam legítima a propriedade privada da terra. Ao mesmo tempo em que cria o
proprietário, cria também o seu oposto, o trabalhador desprovido da propriedade da terra e dos
demais meios de produção.
A indústria não consegue absorver toda a mão de obra disponível; muitos agricultores
expropriados não conseguem se adequar às novas condições de vida e trabalho nas cidades.
Surge então uma massa de desocupados propensos à marginalização como consequência das
condições a que são submetidos. Como estratégia para minimizar tal problemática, criam-se
leis violentas contra a população. Primeiro, expropriam-se os camponeses que se transformam
em pessoas à margem da sociedade. Depois são criados meios para aniquilar sua dignidade
humana, através de leis brutais, fazendo-os acreditar que são eles os únicos responsáveis pelas
condições em que vivem – e por esse motivo são violentamente punidos.
Uma situação que influenciou tais mudanças no campo está diretamente relacionada à
permanência histórica da concentração fundiária no meio rural como resultado do processo de
distribuição que limita a possibilidade de adquirir terras por aqueles que não têm esse direito
através de herança. Essa situação contribui consideravelmente na diferenciação econômica,
social e política da sociedade como afirma Weber (1980):
As relações entre urbano e rural vão além das relações econômicas de produção, tornam-se
também político-culturais. O grande produtor ao mesmo tempo capitalista, cada vez mais
inserido na realidade urbana, interfere diretamente nas decisões políticas que irão influenciar a
vida social do pequeno produto rural. O poder econômico e o poder político não se
estabelecem de forma descolada neste processo. Ambos compartilham um mesmo objetivo, de
ampliar o alcance e a rentabilidade do capital.
Kautsky (1980) conceitua a questão agrária a partir da inserção do capital no campo que
provoca modificações às condições de produção e intensifica as desigualdades sociais. Na
tendência de evolução da agricultura moderna traçada pelo desenvolvimento industrial, o
capital se apodera da agricultura e cria novas formas de produção e novos proprietários rurais
além de gerar diferentes fatores e fenômenos característicos da questão agrária.
[...] O que nos falta é o fio condutor que nos permita um rumo nesse
embaralhamento de fatos tão diversos, é o conhecimento das tendências
fundamentais que atuam sob os fenômenos, e os determinam. Trata-se de
considerar como fenômenos parciais de um processo de conjunto as diversas
questões particulares integrantes da questão agrária, a relação entre as
grandes e as pequenas explorações, o endividamento, o direito de heranças, a
falta de braços, a concorrência do além-mar, etc., que são hoje estudadas à
parte como fenômenos especiais. (KAUTSKY, 1980, p.20).
Kautsky (1980) aborda a superioridade da grande exploração agrícola em relação à pequena a
partir das técnicas, embora reconheça que se comparada a indústria essas grandes explorações
capitalistas podem ser consideradas inferiores se pensadas nesse mesmo quesito. Apesar das
técnicas imprimirem maiores progressos e lucros à agricultura. Com a substituição das
pequenas explorações por grandes empresas capitalistas há o aumento da proletarização
acompanhado pelo aumento dos depósitos e ao mesmo tempo a diminuição do bem estar
social das massas.
Segundo Kautsky (1980), para a grande exploração agrícola capitalista se manter no mercado
não basta ter a posse dos meios técnicos e financeiros, nem as melhores condições físicas para
produção; precisa da existência de trabalhadores sem propriedades, forçados a vender sua mão
de obra e gerar mais-valia. À medida que aumenta o número de pequenos produtores ao lado
de grandes explorações, aumenta igualmente a quantidade de trabalhadores disponíveis.
Com as condições de produção cada vez mais dificultadas, são obrigados a se desfazer de
parte das propriedades ou das criações, quando possuem. Por não possuírem as mesmas
condições de tratar o solo como os grandes produtores, seu solo empobrece mais rapidamente.
E são obrigados a concorrer com os grandes detentores de capital ficando sempre em
desvantagem em relação a estes.
A questão agrária, aqui conceituada, tem relação direta com as abordagens de Gutelman
(1974), pois são relacionadas às estruturas sociais agrárias, por serem problemas agrários
oriundos das relações sociais estabelecidas nesse espaço a partir da correlação de forças que o
caracterizam. O autor estabelece três principais tipos de relações que exemplificam essa
problemática: “Os homens, na sua vida social, estabelecem relações entre eles, e essas
relações são a própria essência da vida em sociedade. Podem ser de natureza muito diversa:
relações de produção, relações de distribuição, relações de apropriação, e muitas outras mais
[...]” (GUTELMAN, 1974, p.12).
Alguns afirmam que a terra (como o peixe) é uma riqueza natural fornecida
ao homem sem trabalho. De facto, não se trata de uma riqueza mas de uma
condição natural de produção. Para que produza, é preciso aplicar-lhe
trabalho, e até muito, como o testemunharão todos os camponeses do
mundo. Não é uma riqueza potencial porque, mesmo que se lhe aplique
trabalho, ela não é nem o objectivo da produção nem o objecto do consumo.
Se a terra não é uma riqueza no sentido de ser o produto do trabalho,
verificamos imediatamente que também não pode ser considerada um
capital, uma vez que o definimos como trabalho cristalizado [...]
(GUTELMAN, 1974, p.16).
A terra como “condição natural da produção” é muito desejada pela sociedade devido a seu
potencial produtivo e finitude. O valor da terra, enquanto mercadoria, está associado ao
monopólio, à diferença entre a pequena oferta e a grande procura, às relações políticas
internas e externas e, em algumas situações, ao trabalho empregado para melhoria de suas
condições de produção.
É possível constatar que desse processo resultam as relações sociais manifestadas a partir das
relações entre seres humanos motivados por um produto. Como é o caso da relação entre
homens a propósito da terra “[...] Muito particularmente, afirma-se a existência de relações
entre o homem e a terra, quando o que está em causa são as relações entre homens a propósito
da terra” (GUTELMAN, 1974, p. 21). A base das relações sociais é a riqueza produzida pelo
tempo de trabalho social empenhado, por meio de uma relação de apropriação possível
através da correlação de força que, em alguns casos, se manifesta de forma violenta, ou
mesmo indireta, com as formas de violência camufladas.
O pilar de sustentação dos conflitos sociais está nas desiguais relações de produção, de
apropriação e de distribuição. Quando a fração da sociedade explorada percebe sua condição e
decide buscar meios de igualar seus direitos aos das classes sociais que os subjugam, as
relações de forças mostram-se claramente repressivas, como mecanismo para garantir a
exploração da força de trabalho que se torna uma raridade cristalizada em riquezas.
As reflexões de Marx (1988), Weber (1980), Kautsky (1980) e Gutelman (1974) sobre a
questão agrária são incorporadas nesta pesquisa à realidade do Brasil, pois os mesmos
problemas detectados por eles podem ser vistos também no campo brasileiro. Para melhor
compreender a relação da questão agrária brasileira com a questão agrária de outros países
expressa pelos teóricos analisados deve-se conhecer um pouco da literatura nacional a esse
respeito. Para atender a este objetivo são utilizados autores como: Guimarães (1982), Prado
Junior (1979), Martins (1979 e 1982) Silva e Stolcke (1981), e Silva (1985). A partir desses
autores buscam-se identificar pressupostos históricos que esclareçam a conjuntura do campo
atual.
A crise agrária causa inúmeras dificuldades ao produtor que é forçado a aliar-se a grandes
corporações multinacionais que manipulam cada vez mais o mercado mundial de alimentos,
além de contribuir para a manutenção da concentração fundiária e da submissão dos países
pobres aos países ricos devido à ausência de capital suficiente para investir na produção e
circulação agrícola. Guimarães (1982) afirma que essa realidade iniciou-se a partir de 1970
com a expansão do agribusiness.
Com o surgimento das grandes corporações multinacionais, as relações entre países tornam-se
mais intensas, consequentemente a subordinação dos países pobres aos países ricos é cada vez
maior. O monopólio das tecnologias e a manipulação dos preços permitem maior
lucratividade aos países ricos e certa interferência nas relações internas entre produtores
assegurando a concentração fundiária. O problema agrário deixa de ser respo nsabilidade
unicamente do país ao qual este se manifesta e interfere diretamente na economia mundial. A
questão agrária deixa de ser exclusivamente do campo, envolve a cidade e as relações com a
indústria. Kautsky afirma que:
Kautsky traz à baila a importância de refletir sobre o problema agrário e suas implicações
tanto no campo como na cidade. Acreditam que a solução desses problemas não é encontrada
de forma isolada, é necessária a cooperação internacional, pois suas implicações interferem
nas relações mundiais. A existência de conflitos, ainda que sejam locais, repercutem nas
relações entre diversos países do mundo, causam problemas, inclusive, à economia mundial.
Para solucionar essa questão faz-se necessária a compreensão de todo o processo histórico
responsável pela realidade atual.
O que se percebe é a não aceitação de um modo de produção diferenciado que seja não
capitalista, pois na realidade atual não se sustentaria por não visar exclusivamente o lucro e
não empregar assalariados para obter-se a mais- valia que sustenta o modo capitalista de
produção. Exemplo disso pode ser visto ao analisar que as mudanças nas relações de trabalho
pela “[...] substituição do escravo pelo trabalhador livre, baseadas na produção direta dos
meios de vida necessários à reprodução da força de trabalho, [...] não podem ser definidas
como capitalistas senão através de muitos e questionáveis artifícios [...]” (MARTINS, 1979,
p.11). É por meio de tais artifícios que, através de políticas, buscam-se remover os chamados
“restos feudais” como estratégia de inserir toda a produção na lógica capitalista que justifica a
utilização de produtos e tecnologias industriais, em muitos casos possíveis apenas a partir da
inserção no mercado financeiro internacional não acessível ao pequeno produtor. Para
explorar cada vez mais a mão de obra do pequeno produtor, também no Brasil a expropriação
torna-se um mecanismo de submissão do trabalhador às condições impostas pelo capital.
Com o poder econômico nas mãos do capitalista a questão de destaque no campo brasileiro é
a concentração fundiária. Os trabalhadores do campo sem propriedade e sem meios de
produção são subjugados às grandes empresas agrícolas. O capital cria a fragilidade no
pequeno produtor o transforma em trabalhador assalariado e extrai dele a produção e a força
de trabalho. Nessas condições o capitalista tem sempre vantagem em relação ao produtor
desprovido dos meios de produção que necessita vender o único meio que possui afim de
prover o sustento da família. Martins (1982) acrescenta que
Apesar de ser evidente o problema causado pela exploração da mão de obra do pequeno
produtor pelo capital esta não pode ser considerada a principal problemática do campo no
Brasil. Segundo Martins (1982), a concentração fundiária torna-se a gênese dos problemas do
campo no país. Assim, a expropriação é tema dos principais conflitos no campo brasileiro.
Apesar da exploração do trabalhador rural ser algo presente e bastante discutido no país, na
maioria dos casos sua origem está no processo de expropriação sofrido.
A exploração do trabalhador se expressa nas diversas relações entre este e o capital. Ser
trabalhador livre, no sentido de não possuir vínculo com a terra e os meios necessários à
produção, significa perda de autonomia. Em muitos casos esses trabalhadores engrossam as
filas de desempregados nos grandes centros urbanos, alguns, poucos, conseguem se tornar
proletário, mas as indústrias não conseguem abarcar toda essa mão de obra disponível. Os
pequenos produtores rurais que conseguem emprego, ao serem transformados em
proletariados, perdem sua identidade e têm dificuldades em se assumir nessa nova fração de
classe com características e motivações distintas. Apesar de o pequeno produtor e o
assalariado da indústria sofrerem a subordinação e a falta de condições mínimas de vida como
resultado do sistema de produção capitalista, a forma e os impactos em cada um deles são
diferentes. Segundo Martins (1982), essa diferença se expressa também nas suas lutas e
bandeiras.
Como resultado desse processo, há uma massa de trabalhadores rurais insatisfeitos com as
condições precárias de sobrevivência, lutando por melhores condições de vida e trabalho, que
podem ser supridas pela disponibilidade de terras em quantidade e condições satisfatór ias à
produção e reprodução da vida, pela obtenção de salários condizentes com o trabalho
exercido, ou ainda por estratégias que visem promover maior participação do pequeno
produtor no competitivo mercado capitalista. Tais reivindicações devem ser atendidas, ou
garantidas pelo Estado ao fazer cumprir as leis direcionadas ao campo a partir das
especificidades regionais. Destaca-se que existem políticas para esse fim que possibilitam
desenvolvimento ao campo, porém, são direcionadas a uma minoria de grandes produtores.
Para Silva (1985)
Todo conflito é resultante da não aceitação de uma ordem social já posta – ou imposta. Os
grupos sociais mantidos às margens não se submeteram aos interesses dominantes sem lutar
por melhorias em suas condições de vida. Séculos após a invasão do território brasileiro e da
distribuição desigual de terras, ainda é gritante as desigualdades sociais que a população do
campo é submetida.
Nas lutas encampadas pelas classes sociais menos favorecidas há uma diferenciação entre os
problemas sofridos pelo operário urbano e o produtor rural no campo. A cidade possui mais
recursos de informação, maior possibilidade de locomoção e consequentemente reunião, além
de ser o lugar do pensar, onde a sede política se estabelece. A cidade torna-se a definidora de
políticas, programas e ações que visem a minimizar os conflitos gerados pela não aceitação
das condições impostas pelo capital. Segundo Martins (1982), há um risco de o campo não ser
ouvido e as estratégias aprovadas não corresponderem aos objetivos dessa população.
Para Martins (1982), o trabalhador do campo precisa ser ouvido; as estratégias de diminuição
da concentração fundiária propostas pela cidade e expressas nos planos de reforma agrária não
são as mesmas pensadas pelos produtores do campo. São muitas as bandeiras levantadas e o
produtor sabe o que pretende, só não tem os mecanismos para conseguir, por isso precisam ser
ouvidos e respeitados. A ideia de propriedade, por exemplo, pensada na cidade, não é a
mesma praticada no campo em sua essência. Nessas circunstâncias, os pequenos produtores
não se deixam intimidar, organizam-se e utilizam as armas que possuem na luta contra a
subordinação e a aceitação de ideias prontas, impostas pelos pensadores e políticos urbanos,
que, em muitos casos, só consideram as informações transmitidas pela grande aristocracia
rural.
Apesar das inúmeras forças de repressão aos movimentos soc iais, estes tendem a se fortalecer
e por meio da articulação entre seus objetivos, intensificar a pressão por políticas públicas
para redução das desigualdades sociais no campo. A persistente luta dos movimentos sociais
pela desconcentração agrária ainda esbarra na burocracia que invalida seus direitos legalmente
garantidos. Nota-se que no campo brasileiro ao mesmo tempo em que se garante a
permanência da concentração fundiária, há uma consolidação das lutas sociais no campo em
oposição a tal permanência, como afirma Germani (2009).
Enquanto força política a sociedade civil organizada se impõe frente às questões que lhes são
postas na busca por solução, ou dissolução da questão agrária que não se atenha apenas à
redistribuição fundiária, mas possibilite a permanência do pequeno agricultor no processo de
produção, bem como a inserção de seus produtos no mercado. Essa é uma luta desigual onde a
maioria da população está submetida aos desígnios de uma elite social detentora do capital e
ao mesmo tempo das forças políticas representativas da sociedade. Os movimentos sociais do
campo não se deixaram intimidar pela pressão a que são submetidos imprimindo marcas
irrefutáveis capazes, inclusive, de redirecionar as políticas agrárias por meio da pressão social.
A questão agrária pode ser entendida como uma questão social que é intensificada pelas
questões econômicas e acima de tudo fortalecida por questões de ordem política. Na realidade
atual não é possível pensar a questão agrária como um problema que afeta unicamente o
campo. Apesar de se manifestar no campo suas repercussões modificam a realidade urbana de
forma direta, tanto pela alteração nos padrões de produção devido ao aumento considerável de
mão de obra disponível como resultado da expropriação dos pequenos produtores, quanto pela
mudança no padrão alimentício como resultado da inserção de insumos e novas tecnologias
no campo. Também não é possível tentar minimizar as problemáticas agrárias pensando
apenas em suas repercussões locais. Com a mundialização da economia e a inserção de
grandes corporações multinacionais no campo, os impactos da questão agrária tornam-se cada
vez mais um problema global.
Ao considerar a questão agrária brasileira, todas as problemáticas que a cercam, como, por
exemplo, a expropriação do pequeno produtor, a inserção de capital urbano no campo e o uso
de novas tecnologias, têm-se uma visão da realidade agrária atual. Mesmo com a luta
incessante dos movimentos sociais há centenas de anos por uma reorganização agrária, a
estrutura social brasileira apresenta grandes índices de desigualdades. Apesar da promulgação
do Estatuto da Terra – Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 – que, dentre outras questões,
versa sobre a função social da propriedade da terra e da elaboração dos Planos Nacional de
Reforma Agrária I e II, foram poucos os avanços no que se refere à redistribuição e
reorganização agrária no País.
Com base no modelo de gestão adotado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, que
institui 164 Territórios Rurais por meio da Política de Desenvolvimento Territorial Rural
criada pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial para promover uma gestão integrada do
espaço agrário brasileiro através do ordenamento territorial, a Secretaria de Planejamento
(SEPLAN) do estado da Bahia realiza uma redivisão do Estado que considere as Identidades
Territoriais como estratégia de desenvolvimento econômico. Para isso, através do PPA 2008-
2011 institui 26 Territórios de Identidade que representam os 417 municípios do estado para
definir as melhores estratégias de uso dos recursos públicos em seu contexto.
Para o Governo essa é uma política estratégica que visa assegurar o desenvolvimento do
Estado e reduzir as desigualdades sociais existentes por meio do planejamento territorial, sua
ação principal volta-se à preocupação com recursos hídricos, pois a maioria dos municípios
localiza-se no semiárido e têm como atividade principal a agropecuária. O governo através do
PPA busca diversificar a produção investindo em alternativas para o desenvolvimento
socioeconômico por meio do incentivo à agricultura familiar. Visa ampliar a estrutura
logística, pois julga que esta seja uma estratégia fundamental para o desenvolvimento das
atividades econômicas.
Para que haja uma efetiva gestão social do território faz-se necessário
fortalecer a capacidade de negociação, regulação e articulação das ações do
Estado com as iniciativas locais. Este processo fortalece o desenvolvimento
do capital humano e do capital social local, na medida em que cria ou
aprofunda saberes e cria ou consolida as redes sociais de cooperação. A
partir desta base, torna-se mais fácil promover o aproveitamento das
potencialidades locais e formular e implementar um processo de
desenvolvimento sustentável que inclua todos os atores do território. Por
fim, o estabelecimento de parcerias entre os atores do território e o poder
público suscita novas formas de implementação das políticas públicas, em
que o clientelismo, o fisiologismo e o corporativismo podem ser
efetivamente combatidos, emergindo em seu lugar a participação social e
mecanismos de controle social [grifo nosso] (BAHIA, 2007, p.59,).
Os Territórios de Identidade surgem como estratégia de possibilitar maior part icipação dos
municípios mais pobres nas decisões acerca de investimento dos recursos públicos em sua
região. As primeiras discussões referentes a uma regionalização que considere as identidades
locais foram encampadas pelos movimentos sociais, especialmente os ligados ao espaço
agrário, no qual suas demandas são apresentadas ao poder público. O Território de Identidade
Portal do Sertão localizado no semiárido baiano é formado por 17 municípios sediados pelo
município de Feira de Santana (mapa 2) é uma realidade diferenciada, por ser o poder público
quem delimitou quais municípios que pertencem ao Território por meio de uma conferência
que serviu apenas para homologar uma decisão já realizada.
No caso do Território Portal do Sertão, a experiência é bastante diversa
daquela do Território Sisal tendo em vista que, [...] constituiu-se como tal a
partir da primeira plenária para elaboração do PPA, em 2007 e, além disso,
não carrega história de organização social que o vincule à política territorial
do estado. Do mesmo modo, não tem conteúdos experimentados enquanto
Território Rural apoiado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do
MDA e, portanto, não formulou suas demandas a partir de um PTDRS por
não tê-lo elaborado. Nesse sentido, constitui-se como Território de
Identidade explicitamente envolvendo o rural e o urbano (SC5) embora
considere que a metodologia adotada pelo governo do estado induziu a
priorização das demandas em educação e saúde e reafirma sua identidade
rural (ALENCAR, 2010, p.46).
A não observação da diversidade e dos problemas que afligem os municípios trás como
resultado a constituição de um território como o Portal do Sertão na Bahia pensado e
constituído pelo governo do Estado sem prévia consulta aos municípios que foram inseridos
na política de desenvolvimento territorial por meio da adoção de Territórios de Identidade
pelo Governo do Estado. Como resultado desta formação descolada da organização social,
bem como de suas demandas, até o momento atual ainda se percebe a necessidade de
mobilizar e convidar os municípios a participarem do colegiado territorial. O que deveria ser
uma demanda dos municípios, poder público e sociedade civil, torna-se uma obrigação
imposta pelo governo do Estado. A necessidade em instituir o Portal do Sertão é debatida na
primeira conferência para elaboração do PPA 2008/2011 realizada pelo Governo do Estado
em 11 de maio de 2007, e, nesta mesma conferência fica definida sua implementação. Assim,
essa formação não considera as demandas e necessidades dos municípios que compõem o
território.
[...] o enfoque territorial busca resultados nas soluções que contemplem uma
combinação das quatro dimensões do desenvolvimento sustentável:
- Econômica: resultados econômicos com níveis de eficiência através da
capacidade de usar e articular recursos locais para gerar oportunidades de
trabalho e renda, fortalecendo as cadeias produtivas e integrando redes de
pequenas empresas. - Sociocultural: mais eqüidade social, através da intensa
participação dos cidadãos e cidadãs nas estruturas do poder, tendo como
referência a história, os valores, a cultura do território e o respeito pela
diversidade. - Político-institucional: novas institucionalidades que permitam
a construção de políticas territoriais negociadas, ressaltando o conceito de
governabilidade democrática e a promoção da conquista e do exercício da
cidadania. - Ambiental: compreensão do meio ambiente como ativo do
desenvolvimento, considerando o princípio da sustentabilidade, enfatizando
o conceito de gestão da base de recursos naturais. (SDT, 2004, p. 5, apud,
ALENCAR, 2010, p. 36).
Por pertencer ao Semiárido baiano o espaço agrário do Portal do Sertão encontra-se envolto
em inúmeras problemáticas ligadas a fatores físicos e climáticos. Porém os principais entraves
ao desenvolvimento territorial estão associados a questões relativas à distribuição de terra e
dificuldade em acessar programas políticos, as questões climáticas agravam cada vez mais
essa problemática.
O interesse dos grandes e médios produtores, que detém capital e condições de produção
necessárias à produção e circulação de seus produtos agrícolas, em permanecer no mercado e
aumentar sua rentabilidade é uma questão política que influencia na questão agrária. Para isso
necessitam de mão de obra barata e de fácil acesso para extrair delas a mais-valia que permite
maior lucratividade em seus negócios. Para conseguir isso os grandes e médios produtores se
aliam ao poder público e usam estratégias para dificultar o acesso a terra e a condições
mínimas de produção. Além disso, os governantes aproveitam a baixa renda dos pequenos
produtores e as condições climáticas desfavoráveis à produção no semiárido baiano e
promovem políticas compensatórias que não tem como objetivo solucionar o problema, mas
servir de manobra eleitoreira para permanecer no poder público por mais tempo. As
consequências dessas relações desiguais vividas cotidianamente pela população que trabalha e
resiste no campo do Território de Identidade Portal do Sertão.
A questão agrária vai além de problemas conjunturais é uma questão de cunho estrutural em
que a propriedade rural, as formas de relações sociais que se estabelecem e as condições de
produção no espaço agrário se inter-relacionam e constituem uma estrutura social que
considera as relações de produção, de distribuição e de apropriação (Gutelman, 1974) nas
diferenciações entre classes sociais. As consequências das diferenças sociais resultantes
dessas relações mediadas pelo trabalho são visualizadas ao analisar o índice de Gini 3 que a
maioria dos municípios pertencentes ao semiárido baiano esta entre a categoria forte e muito
forte como pode ser visto no mapa (3) espacialização da concentração da terra.
3
Índice de Gini: mecanis mo responsável por medir a distribuição de um bem, quanto mais se aproxima de 1
maior o g rau de concentração. Nessa pesquisa é utilizado para medir a concentração fundiária nos municíp ios.
mudança na estrutura agrária com o fim da renda fundiária (Gutelman, 1974). Constata-se que
no Brasil não existe reforma agrária e sim políticas agrárias, para além da questão social
pensa-se no viés da produtividade. O semiárido baiano é parte dessa realidade.
A desigualdade social expressa pela questão agrária no Portal do Sertão também se manifesta
nas condições de vida da população. A precariedade em que vivem as família s moradoras do
campo vai além da falta de terra e de condições de produção, muitos sofrem com a falta de
condições mínimas de sobrevivência como alimentação, moradia, saneamento, saúde,
educação e trabalho. Diante dessa realidade eclodem manifestações populares de luta contra
as condições de desigualdade a que são submetidos.
A ação dos sindicatos e movimentos sociais é necessária, pois tem como meta transformar a
realidade do campo com melhoria de vida para o trabalhador rural e pequeno produtor. Como
expressividade dessa luta identificam-se em 2010 a existência de quatro acampamentos com o
total de 628 famílias identificadas, sendo um dos acampamentos sem identificar as
informações necessárias nessa pesquisa como apresenta a tabela 3, quatro associações de
pescadores e pequenos aquicultores em 2011 como podem ser vistos na tabela 4 e na tabela 5
são visualizadas 16 comunidades quilombolas entre 7 dos 17 municípios do Território. As
manifestações sociais representam que a população não está satisfeita com as condições que
são postas e buscam agir da melhor forma possível a fim de minimizar o problema agrário.
Mesmo com a desigual distribuição de renda como importante fator de diferenciação social no
Portal do Sertão, na análise do Plano de Desenvolvimento Territorial Rural (PDTR) do Estado
não é possível visualizar propostas de mudanças estruturantes para a realidade social descrita
anteriormente.
A realidade no Portal do Sertão não é diferente da maior parte do País, existe muita
desigualdade social no campo e a população pobre sofre as consequências. Muitos dos
pequenos produtores não têm condições de sustentar a família com a produção insuficiente,
dificuldade de circulação da produção e o alto custo pago aos atravessadores e transportadores
de seus produtos. A migração para outras formas de renda torna-se cada vez mais frequente,
muitas famílias vivem de renda cedida por familiares ou oriundas de programas de benefícios
sociais (Tabela 09, p. 83) ou buscam trabalhos acessórios onde possam suprir essas
necessidades. Nesse período a função do gato (atravessador que contrata mão de obra pra
trabalhar em outras regiões) é mais visível.
Como consequência da luta por interesses individuais a população sofre sem ter a quem
recorrer e a realidade agrária do Portal do Sertão continua a ser de desigualdade social.
Constata-se que o número de cooperativas, consórcios e associações no Território é aquém do
necessário à numerosa população do campo. O quadro 1 expõe a condição de propriedade por
unidade, ou seja, quantas unidades possuem para cada tipo de produtor rural segundo sua
condição de produção a partir de dados do Censo Agropecuário 2006, isso exemplifica as
condições das classes sociais presente e atuantes no Portal do Sertão.
Como pode ser visto no quadro 1 a realidade do produtor rural no Portal do Sertão é muito
diversa, sua relação com a terra e resultado do contexto histórico de expropriação e
exploração. Coexistem grandes, médios e pequenos produtores proprietários de s uas terras
com trabalhadores rurais assentados, arrendatários, parceiros, ocupantes e produtores sem
área. Todos lutando pelos mesmos objetivos: produzir na quantidade e qualidade necessárias a
permanência no sistema capitalista de produção. A principal diferença entre essas classes e
frações de classe é a condições em que são inseridos no processo de produção, de forma
desigual. Os dados do Censo Agropecuário 2006 expostos no quadro1 demonstram a
expressividade dessa relação no Portal do Sertão (PS). Além de expor a importância de
discutir a questão agrária no Território, tendo em vista, sua influencia nas relações sociais dos
municípios integrantes do PS.
No Portal do Sertão coexistem diversas classes sociais cada uma com atuação específica;
destacam-se os pequenos, médios e grandes produtores, os trabalhadores rurais, as
comunidades quilombolas, as comunidades de pescadores e pescadoras. A desigualdade social
se expressa, principalmente na estrutura agrária onde o pequeno produtor não possui as
condições mínimas de trabalho e renda e o grande produtor frequentemente aproveita essa
situação para explorar mão de obra barata e de qualidade, pois o pequeno produtor já conhece
a terra; nasceu na terra e aprendeu os saberes no convívio diário de geração a geração. O
poder público não tem grande atuação nas questões relativas à concentração fundiária e a
maior parte dos movimentos sociais não se manifesta devido a algum tipo de relação com o
governo. A população é cada vez mais refém das condições impostas pelo sistema capitalista
de produção.
A opção por uma política de desenvolvimento territorial que tenha por base as atividades
rurais deve considerar a conjuntura das transformações sociais, econômicas e ecológicas que
ocorrem na área a ser atendida por esta política. O desenvolvimento agrícola torna-se um fator
relevante na criação e implantação de uma política considerada de desenvolvimento territorial
sustentável. Para Dufumier (2010) a ação do Estado envolve a correlação de diversas forças
atuantes, pois é preciso conhecer a realidade em que se pretende atuar.
Acredita-se que para realizar uma política de desenvolvimento territorial sustentável bem
sucedida é necessária a análise do sistema de produção agrícola através da interação entre os
elementos que o compõem. As relações entre os diversos subsiste mas e as classes sociais que
atuam no campo no Portal do Sertão caracterizam a realidade produtiva e os problemas que
necessitam interferência do Estado. Porém no conjunto dos programas direcionados ao
Território essa realidade não é considerada. Para Dufumier (2010) analisar um sistema
produtivo consiste em examinar as interações e interferências entre os elementos que o
constituem.
Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE 2006 no Portal do Sertão existem 348.335
hectares de área utilizada para a agricultura que representam 83.123 estabelecimentos
agropecuários, deste total: 255 estabelecimentos são terras degradadas; 1.099 são terras
inaproveitáveis para agricultura e pecuária; 15.050 são construções; e 6.019 são reservas
florestais e águas, restam apenas 60.700 unidades próprias para produção agrícola. Na tabela
6 é possível detectar a distribuição das terras a partir de sua utilização no Portal do Sertão.
A questão agrária é pensada a partir de ações paliativas que visam camuflar o conflito e gerar
na população uma sensação de problema resolvido. Enquanto a reforma agrária não for vista
como reforma na estrutura agrária as desigualdades irão permanecer e o interesse da
população em continuar no campo será cada vez menor. Ao analisar as relações de forças
políticas, para quem vão os frutos das relações de produção, nota-se porque não há interesse
em mudar a estrutura, o Sistema Capitalista de Produção visa o lucro e para que seja obtido é
necessária a sujeição da maior parte da população a uma minoria privilegiada, àqueles a quem
historicamente tem o direito de possuir capital em abundância.
3 EXPRESSÕES DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO: O
CODES/PORTAL E AS REIVINDICAÇÕES, PROBLEMAS E SUGESTÕES DAS
CLASSES SOCIAIS DO CAMPO
As classes sociais que estruturam o espaço agrário no Portal do Sertão estão inseridas em
inúmeras problemáticas e conflitos sociais traçados historicamente. A estrutura social e as
diferentes condições de produção e reprodução da vida se destacam como raízes de outros
problemas. Para compreender de que forma essa problemática se instaura e o que é feito para
minimizar as consequências dessa situação é preciso analisar a questão agrária no Território
de Identidade Portal do Sertão, como ela se expressa a partir da sociedade que o compõe.
O poder público que deveria agir como mediador de conflitos e setor responsável por criar
programas e políticas que minimizem as consequências de problemas naturais, age de forma a
possibilitar a permanência das desigualdades sociais, camufla o conflito e cria um consenso
forjado. As demandas da sociedade ficam em segundo plano e o poder público cria novas
necessidades à população que acredita participar de uma sociedade democrática, quando a
democracia é substituída pelas necessidades do sistema capitalista de produção. E alguns
movimentos sociais são cooptados pelos detentores do poder e deixam as bandeiras de luta da
sociedade para segundo plano com objetivo de reduzir os impactos dos conflitos sociais no
sistema dominante.
3.1 AS DIFICULDADES ENCONTRADAS PELOS PEQUENOS E MÉDIOS
PRODUTORES
Uma situação histórica que contribui para os problemas que envolvem os pequenos
produtores e trabalhadores rurais é a concentração fundiária. No Portal do Sertão a pecuária
de grande porte envolve a maior parte da área rural. A sociedade sofre com a falta de acesso a
terra e a condições mínimas para produzir. Não há uma política estruturante para solucionar
esse problema, pois não é interessante ao poder público reduzir as diferenças sociais, visto
que são essas diferenças que sustentam o sistema capitalista atual.
Como estratégia para camuflar os conflitos o governo utiliza as bandeiras das principais
lideranças sociais e transforma seus discursos em apresentação de programas de governo ou
campanha eleitoreira. A maioria dos representantes da sociedade civil que participa do
CODES/PORTAL (tais como: representantes dos sindicatos dos trabalhadores, da FETRAF,
Cooperativas, Associações, Movimentos Sociais, CATRUFS, ONGs e dentre outros) tem
algum vínculo político partidário com o governo atual os exemplos citados são as lideranças
do STR que são filiadas a partidos políticos e evitam conflitos que possam prejudicar a
representatividade dos candidatos. A coordenadora do Polo Sindical foi candidata a vereadora
em 2012, e se recusa a mostrar as falhas do governo e o secretário executivo do consórcio
Portal do Sertão, escolhido por ser líder de campanha do prefeito de Amélia Rodrigues, atual
presidente do Consórcio e do Conselho, são apenas alguns dos inúmeros casos que são vistos
no território. As lideranças reconhecem os problemas existentes no campo, mas afirmam que
o poder público atua no sentido de solucionar essa questão.
Quem tem a maior parte das terras nesse país são os latifundiários e quando
mete pra dividir, pra compra dos latifundiários para reforma agrária e
quando vê os grandes fazendeiros tá de frente batendo testa contra. Mas tem
uma política de reforma agrária decente, ordeira de terra improdutiva não
terra produtiva. Improdutiva para ser feita a reforma agrária. Também pra
crédito fundiário, pode ser pra crédito fundiário e pode ser até terra
produtiva, porém conversa com o proprietário e o governo, para que seja
comprada essas terras, pelo menos crédito fundiário não é dada é comprada.
Pode ser também, com certeza vai ter fazendeiros e fazendeiras que vai tá
querendo, mas nós, desde que o governo aderiu, nós vamos pra luta
independente de fazendeiro ou não nós vamos pra luta porque esse é o nosso
papel. (secretária de políticas agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária
executiva da CODES/Portal, entrevista concedida em 18/06/2013).
Eu acredito que não, violência eu acredito que não, graças a Deus nunca teve
muita violência pode ser em palavras, mas violência física e outras até o
momento, e eu espero em Deus que não. Até porque nós não queremos
conflitos, queremos conflitos de ideias que é normal, agora outros tipos de
conflitos não teve, e espero em Deus que nunca tenha. (secretária de
políticas agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária executiva da
CODES/Portal, entrevista concedida em 18/06/2013).
A ação do poder público é vista como benéfica às classes menos privilegiadas. Para a
representante do STR/FSA e CODES/Portal o governo atual tem agido em defesa do pequeno
produtor. A burocracia criada pelo governo que não diferencia a condição do pequeno
produtor da condição do grande e dificulta o acesso aos benefícios não é mencionada. A
responsabilidade pela demora no acesso aos benefícios é dada exclusivamente às instituições
financeiras. É nítido que o discurso tem como finalidade defender a ação de um partido
político, sem apresentar os entraves de alguns programas e políticas.
Já houve isso do grande é quem tinha mais direitos era quem acessava o
crédito, mas graças ao governo Lula pra cá depois a Dilma essas questões
essa parte tem melhorado, graças a Deus nós temos acesso ao crédito, mas o
que pode melhorar é o atendimento ao crédito, os bancos faz, faz e demora
de aprovar, ai reclama que não tem funcionário, tem que ter, é uma outra
coisa que o território vai debater é o concurso pra EBDA, concurso para os
bancos, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, os funcionários precisam ser
contratados para atender melhor aos trabalhadores. (secretária de políticas
agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária executiva da CODES/Portal,
entrevista concedida em 18/06/2013).
A burocracia criada pelo Estado confunde suas próprias políticas, se por um lado o problema
da habitação rural é considerado uma questão agrária e o governo cria o Programa de
Habitação Rural para minimizar as consequências da falta de acesso a moradia, do outro lado
para ter acesso a esse programa é preciso ter a Declaração de Aptidão Agrícola (DAP), porém
esse documento só é adquirido mediante título da terra e a maioria da população rural do
Território de Identidade Portal do Sertão não possui essa documentação devido as condições
históricas de expropriação e exploração que estes foram inseridos. A população do campo que
não possui o título da terra não pode ter acesso ao programa e são responsabilizados pela falta
da documentação.
O Território de Identidade Portal do Sertão foi criado pelo governo Estadual e os municípios
que pertencem ao Território não foram consultados para definir suas identidades e afinidades
com demais municípios antes da sua inserção no Portal do Sertão. Mas o Conselho,
constituído depois da instituição do Território, é debatido entre EBDA, Polo sindical e
sindicato dos trabalhadores rurais e até hoje os S TRs têm maior participação e direcionamento
das propostas, e asseguram as características rurais no Território. O Consórcio Portal do
Sertão surgiu nas discussões do Conselho de Desenvolvimento Territorial com o objetivo de
inserir os prefeitos nos debates voltados às demandas do Território, porém atualmente o
Consórcio tornou-se um espaço de decisão das prefeituras sem necessariamente consultar a
sociedade civil que é representada no Conselho. Sendo assim, houve uma inversão de valores
que transformou o Consórcio em mais um entrave para o desenvolvimento do Território.
Durante todo o período de realização desta pesquisa buscou-se contato com a maioria dos
representantes do poder público e da sociedade civil, pertencentes ao Conselho de
Desenvolvimento Territorial do Portal do Sertão. Além disso, alguns movimentos sociais de
expressividade no Território e que não participam do Conselho também foram contatados.
Apesar de conseguir dialogar com alguns movimentos, estes se recusaram a debater a questão
a exemplo disso cita-se o Movimento de Organização Comunitária (MOC) que, apesar de
dizer que compreendem a importância da pesquisa alegou não atua em nenhum dos 17
municípios pertencentes ao Portal do Sertão, segundo a secretária sua atuação é restrita a
municípios do Sudoeste e do Território do Sisal. Quando questionada sobre o porquê de sua
sede ser no município de Feira de Santana a representante informou que é apenas por uma
questão de localização geográfica. Segundo ela a única informação que eles têm do terr itório é
sobre a localização de instalação das cisternas e que não tinha interesse em participar da
pesquisa, pois acham irrelevante essa informação. Mesmo com essa resposta negativa foram
feitas diversas tentativas de diálogo sem sucesso, apesar dos coordenadores conhecerem o
projeto e a importância deste para a sociedade.
O sindicato patronal possui características diferentes do sindicato dos trabalhadores, não são
realizadas reuniões, existe uma coordenação com conselho fiscal, secretaria executiva,
tesouraria, presidência e vice-presidência, porém não se reúnem para definir ações, quando
necessita de algum tipo de ação, eles são convocados. O presidente do SPR/FSA afirma que
existem diferenças entre os sindicatos SPR e STR, que cada um segue um objetivo por isso
suas estrutura e linhas de ação são distintas. Ele acredita que a mídia e os partidos políticos de
esquerda responsabilizam os produtores pelos problemas que assolam o campo, que os STRs
seguem esses pensamentos, mas pra ele o grande responsável é o sistema capitalista de
produção.
Não, é como posso dizer assim. O sindicato patronal nossa característica é
diferente do sindicato chamado sindicato dos trabalhadores, do trabalhador
rural, não que exista assim nem da parte deles nem da nossa parte. Porque
tem agricultor que se acha. Eu falo assim, mas também faço uma resalva
porque o pecuarista ainda é vistos assim como aquele vilão da história como
aquele cara que explora o trabalhador enfim. Na verdade é muito pelo
contrário pra que haja um trabalho eficiente tem que haver uma simbiose. De
patrão e de empregados em todos os setores não é? Agora isso ai tem culpa
que de certa forma a grande imprensa, a mídia e, sobretudo esses partidos
políticos também notadamente os partidos ditos partidos de esquerda que
procuraram nos rotular porque eles fizeram assim, são os caras que exploram
mão de obra barata e isso claro em todos os setores não só na agricultura,
não só na pecuária como existe no ramo automobilístico uma questão que foi
direcionada a nós e que nós reagimos veementemente. Porque acho que uma
coisa não existe sem a outra não existiria as propriedades rurais se não
tivéssemos o que, o trabalhador rural e não existiria o trabalhador rural se
não existisse o que? O patrão se não existisse a propriedade rural e a
propriedade rural lógico como o próprio nome já indica que é privada tem
que ter um dono, um patrão isso ai é aquela relação mesmo do capitalismo
mesmo isso ai só pode mudar quando se mudar, se algum dia mudar o
sistema, o regime, ou seja, passar de um regime que não seja capitalista,
como socialista, como um regime comunista, o regime comunista também
tem lá as suas formas de combinações entendeu? De exploração também e
tem mesmo. (Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Feira de
Santana entrevista concedida em 10/12/2013).
Isso ai é uma diminuição, hoje você vê assim por um lado infelizmente e por
outro lado até felizmente esses programas sociais que foram implantados
pelo governo iniciado pelo governo Fernando Henrique e dado continuidade
pelo governo do PT tanto com Lula como com a Dilma. Apesar de que
existem programas que se adéquam, talvez não uma camada, um segmento
da população rural, mas em troca por voto eles procuraram colocar todo
mundo no mesmo bolo porque hoje você tem bolsa pra mulheres que
procriam ou até, vou colocar dessa maneira, acho que incentiva na verdade.
A maternidade entendeu? Porque tem a bolsa pra isso, não é verdade, então
eu acho que deveria ser diferente. Eu acho que tem casos e casos, tem casos
que realmente tem pessoas que merecem agora não você estimular isso ai e
tal. Respondendo sua pergunta não com tanta objetividade, mas pra lhe dizer
o seguinte que hoje a mão de obra ela tá difícil no campo em razão disso ai.
Isso é detectado por todos, porque isso é óbvio se você ta oferecendo um
dinheiro você não vai em busca, assim com tanta sagacidade, com tanta
necessidade até o próprio emprego, o trabalho lá no dia a dia da lida no
campo. (Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Feira de Santana
entrevista concedida em 10/12/2013).
Os programas sociais são responsabilizados pela falta de mão de obra disponível no campo.
Segundo o SPR/FSA a população se acomoda quando recebem um benefício e desistem de
trabalhar para prover o sustento da família, as mulheres buscam engravidar cada vez mais
para não perderem a bolsa, acredita que o governo facilita a sobrevivência do trabalhador e
por isso ele não quer mais trabalhar. O presidente do sindicato reconhece a existência de
novas tecnologias no campo que reduzem a necessidade de mão de obra, mas afirma que na
região semiárida ainda é muito insipiente e por isso não justifica a redução da mão de obra.
Chega aqui não consegue ainda um emprego porque não tiveram esses
preparos lá no campo, ai eu acho que quem vai absorver muito dessas
parcelas ai? Quem vai absorver? Vou fazer esse questionamento a você, o
que é que você acha? Quem vai absorver e o que a gente tem visto aqui na
estatística de Feira de Santana é quem? É a droga, não é verdade? É a droga
não é? Que pra a droga também passa a ser uma mão de obra barata e pra
quem entra é extremamente cara, porque às vezes, não na maioria, paga até
com a própria vida né? Você vê aqui os índices, a faixa etária desse pessoal
dos crimes que acontecem aqui diariamente, são até menores ou pessoas com
faixa etária dos 18, 21, 22 anos e se você for observar pra fazer um inquérito
muita gente ali é oriunda, é procedente lá do meio rural, dessa zona rural,
então eu acho que o que nós temos que fazer é procurar dar condição pra
fixar o homem no campo e ver qual o ponto que ele gostaria de explorar, o
homem do campo no campo dar condições. E se você disser “a como
produtor, como pecuaristas vocês não tem a culpa?” Talvez sim, talvez não
porque a gente tá fazendo, logicamente a nossa parte, porque hoje você sabe
que pra criar o custo é muito alto e isso também reprime um pouco e nós
mesmos, nós aqui do semiárido desse sertão sofrido, essa seca é um fator
determinante, limitante mesmo você vê que nós aqui, nós estamos vivendo
essa seca ainda, foi um desastre, uma coisa assim bastante grave, bastante
séria com prejuízos incalculáveis pra todos os setores não é da nossa
economia tanto da pecuária, quanto da agropecuária como um todo não é?
Então o que é que acontece também nesse período ai? Muito desemprego,
muitas pessoas do campo tiveram que migrar pra outras regiões, migram pra
outros Estados em busca de trabalho porque nós mesmos se tínhamos 10
trabalhando no campo passamos a ter dois no máximo entendeu, em função
dessa situação que não é uma situação particular é uma situação que veio e
virá muitas vezes ainda porque nós estamos em uma região bem seca
mesmo. O governo tem feito pouca coisa pra conviver efetivamente com a
seca, tem muita oba oba político como nesse último governo mesmo que
teve muito oba oba político que fez isso, fez aquilo outro, mas a gente
sempre vê que no dia a dia mesmo pouco é feito. (Presidente do Sindicato
dos Produtores Rurais de Feira de Santana entrevista concedida em
10/12/2013).
Para justificar a falta de interesse em contribuir para melhoria nas condições de vida da
população do campo o grande produtor responsabiliza o alto custo da produção e a escassez
de água potável, devido a redução nos níveis pluviométricos ao longo dos últimos três anos no
semiárido baiano. Ele considera pequena a ação do governo diante da imensidão do problema
ocasionado pela estiagem prolongada, como consequência disso ampliam-se os índices de
desemprego no campo e a população é obrigada a migrar em busca de melhores condições de
vida. O governo divulga muitas ações, mas, segundo ele, não realiza o proposto e a situação
se agrava ainda mais.
Se eu disser a você que alguma coisa não foi feita eu estaria sendo radical,
eu estaria sendo talvez até inconsequente por falar que nada foi feito,
algumas ações foram empreendidas agora eu não diria nem básicas, veja
bem infelizmente ainda existe aquela coisa do é dando que se recebe, eu
acho que o governo, eu tô colocando os políticos de uma maneira geral, com
algumas poucas e raras exceções que veem a coisa dessa maneira. Só pra te
fazer uma pergunta: você acha que carro pipa é uma solução que vai resolver
o problema da água? É o paliativo do paliativo, você sabe por que eles
utilizam o carro pipa, na minha opinião eu não sou o dono da verdade. Na
minha modesta opinião é uma moeda de troca não é? Se eu fosse um
trabalhador e tivesse na minha comunidade, ou mesmo como empregador, se
eu tiver faltando água pra beber e a pessoa chegar lá com um carro pipa eu
vou até achar, a depender do depoimento daquela pessoa, que o cara tá me
prestando um favor, na verdade isso é verba do governo federal, agora só
que mesmo vindo essa verba parece que eles já fazem isso pra criar uma
relação de dominação, de dependência, ao invés de construir algo assim,
mesmo que não seja permanente, mas que seja um período bastante
prolongado como barragens, açudes de grande porte, se fizesse formas e
maneiras de captar e guardar estrategicamente a água e o alimento, tanto pra
o ser humano quanto pra o gado, pra o rebanho no caso bovino, equino,
caprino entendeu. Mas existe isso ai, então é aquela moeda de troca do voto,
fica lá levando o carro pipa, uma cisternazinha. Agora mesmo nós estamos
passando por um período pré-eleitoral então, observando muito isso ai o
governo distribui cisterna, distribui cisterna, quer dizer a seca, eu não diria
que a seca acabou, mas deu uma amenizada. As chuvas que tem caído
amenizou sobremaneira ai esse problema, mas você encontra frequentemente
ai esses programas do governo distribuindo cisternas, agora como não fez
isso há dois anos atrás? Porque agora tá perto das eleições, agora tem gente
que quer que a coisa aconteça de outra maneira, se perguntar vocês não
queriam cisternas a aquelas pessoas que estão lá? Óbvio que sim, mas
porque não já não fez com bastante antecedência, deixou pra fazer isso agora
proximamente as eleições? Não é o antes tarde se fizesse isso há dois anos,
nós já passamos por outras situações de seca e também não foi feito nada
também não foi feito nada entende? (Presidente do Sindicato dos Produtores
Rurais de Feira de Santana entrevista concedida em 10/12/2013).
Apesar das chuvas do último ano o presidente do SPR/FSA afirma que não foram suficientes,
e que o governo não criou alternativas para captação da água. Ele acha necessárias as ações do
governo, mas não concorda que sejam implementadas próximo as eleições, pois a estiagem é
uma situação historicamente prevista para o semiárido por isso não justifica o período em que
o governo tem atitude a esse respeito. As consequências da estiagem foram devastadoras para
os produtores, segundo o representante da classe muitos precisaram se desfazer de alguns
bens para não abandonar a atividade rural.
Eu diria a você só pra resumir que o grande virou médio, o médio virou
pequeno e o pequeno praticamente deixou de existir. Quem criava mil
cabeças de gado hoje tem 200, quem tinha 200 hoje tem 30, quem tinha 20
hoje não tem nada. Porque pra você ter uma ideia que ilustra bem, tem uma
frase que nós utilizamos muito, as vezes nos tínhamos que vender um animal
pra salvar outro ou comer um animal pra salvar quatro ou cinco. Vender pra
fazer dinheiro pra poder comprar alimento pra aquele gado. Uma história pra
você ter uma ideia que o governo divulgou, divulgou até a questão do milho
mesmo, o milho foi chegar em doses homeopáticas em pequenas doses, o
ano passado, ainda tivermos problemas na distribuição desses tão profalado,
tão falado, milho que o governo disse distribuir durante esse período ai da
grande estiagem que eu diria assim mais forte. (Presidente do Sindicato dos
Produtores Rurais de Feira de Santana entrevista concedida em 10/12/2013).
4
SENA R é o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural disponibilizado pela FA EB - Federação da Agricultura
do Estado da Bahia e tem como finalidade capacitar os pequenos produtores rurais para aperfeiçoamento e
transformação de produtos agrícolas com o objetivo de participarem de todos os processos e disponibilizar os
produtos para o mercado e assim obterem maior lucratividade na produção.
mês vem recurso pra a gente tá realizando os cursos. Então pra não deixar
esse recurso ficar parado a gente tem que buscar turmas em outras regiões,
em outras cidades. Lógico que a gente tem que atender não só Feira de
Santana é a Bahia inteira porque aqui é uma regional. Mas a gente quer ter
um compromisso maior com a região e trazer também pessoas de outras
regiões. As prefeituras e os sindicatos [SPR, na maioria dos casos é o
sindicato patronal, pois este possui demandas, estrutura e recursos para
receber os cursos quando é necessário realizar no local], agora aquela
empresa mesmo de São Gonçalo, que era antes Perdigão, precisou de um
curso de tratorista agrícola só que solicitaram ao sindicato e o sindicato não
atendeu. A gente teve que conseguir o curso pra eles, sendo que não era
nossa responsabilidade, que era um curso já voltado pra área da agricultura,
então tinha que ser feito via sindicato. Os principais problemas do campo é a
falta de oportunidade de trabalho (representante do curso de capacitação
rural do SENAR/FAEB no Portal do Sertão, entrevista concedida em
01/04/2014).
[...] o SENAR se você for olhar, faz um trabalho muito importante de ajudar
aquelas pessoas, capacitar àquelas pessoas, dar o aprendizado a aquelas
pessoas, dar oportunidade pra aquelas pessoas poderem colocar tudo o que
aprendeu em prática. Não é simplesmente, é tanto que o nosso lema é o que?
Aprender fazer fazendo, então no curso 10% é teoria e 90% é prática, então
as pessoas aprendem a fazer fazendo. Então é diferente de um aprendizado
acadêmico que tem mais sala de aula, que tem mais teoria, e prática quase
nenhuma, enquanto aqui é mais prática, tanto aqui como no campo. Nos
cursos não dá pra abordar questões políticas e sociais, o tempo é curto. O
conteúdo a gente volta mais pra área dos cursos e a gente insere também a
questão de mercado. Como ele melhora o produto dele, como ele busca
mercado, como ele administra o negócio dele né? Porque não adianta fazer
uma coisa que você não saiba buscar mercado nem administrar seu negócio,
pra que venha realmente a evoluir. Quando a turma vem pra cá nossa
secretaria faz uma entrevista com um responsável da turma. Ela procurar
saber qual o objetivo de cada turma de estar aqui se capacitando. Se eles têm
interesse em colocar esse trabalho pra frente, se eles já têm um projeto
financiado pelo governo. Por exemplo, a gente tem muitas comunidades,
vamos falar da Matinha, o pessoal, eles produzem polpa para servir para a
merenda escolar. Então a finalidade deles em tomar a capacitação aqui é pra
isso, pra através dos vários projetos que o governo tem [...] pra eles tá
fornecendo essa merenda escolar pra prefeitura (representante do curso de
capacitação rural do SENAR/FAEB no Portal do Sertão, entrevista
concedida em 01/04/2014).
Nota-se também que para participar dos cursos não basta ter vontade e necessidade de
trabalhar, é necessário que tenha as condições financeiras e de equipamentos necessárias ao
desenvolvimento das atividades escolhidas. É preciso já ter projetos aprovados pelo governo
ou recursos que permitam a aquisição destes equipamentos. Assim, os trabalhadores rurais e
pequenos produtores, que esbarram na burocracia do poder público e que não possuem
condições econômicas para adquirir maquinários, mais uma vez ficam à margem dos
processos de produção. As condições para participar dos cursos de alguma forma segrega uma
camada social apesar do SENAR afirmar que os cursos são gratuitos e disponíveis para todos
que trabalham no campo independente da classe a que pertença.
O SENAR recebe um recurso que, para o produtor rural é obrigatório pagar como um
imposto, e realiza cursos de capacitação como forma de justificar a utilização desse recurso.
Os trabalhadores rurais beneficiados, na maioria dos casos, são os que trabalham para o
grande produtor, isso contribui diretamente com a produção desse grande produtor. No
SENAR é muito bem clara a separação entre o pequeno e o grande produtor. Dizer que cada
um tem um mercado específico é justificar as diferentes condições que as classes sociais têm
no sistema capitalista. O que não é abordada é a inserção de produtos das grandes empresas
agrícolas nas feiras livres, consideradas mercado do pequeno produtor. É preciso lembrar que
os produtos das grandes empresas, classificados como impróprios para exportação ou para
venda em grandes redes de supermercados, são levados às feiras livres e vendidos a preços
menores que o mercado. Isso dificulta a venda dos produtos do pequeno produtor, sobretudo
porque os custos com a produção inviabiliza a venda a preços tão baixos quanto os da grande
empresa agrícola. Sobre esse assunto o representante se recusa a falar e afirma que não tem
informações a esse respeito.
Para o SENAR a maior parte da produção no Portal do Sertão é realizada pelo pequeno
produtor. Mas se analisar dados referentes à utilização do solo no setor agrícola, nota-se que a
os grandes produtores existentes utilizam uma quantidade infinitamente maior que o pequeno
produtor, por exemplo: na criação 215.510 cabeças de bovino estão presentes em 10.865
estabelecimentos agropecuários, cerca de 20mil cabeças por estabelecimento; 13.677 cabeças
de caprinos em 854 estabelecimentos agropecuários, em média 1,5 cabeça por
estabelecimento (tabela 8, página 76); e no plantio 8.505 estabelecimentos agropecuários com
132.956 hectares de pastagens plantadas em boas condições em média 16 mil hectares por
estabelecimento, quando para lavouras temporárias são 29.415 hectares para 27.173
estabelecimentos agropecuárias em média 1,1 hectare por estabelecimento (tabela 7, página
75).
No Portal do Sertão, assim como em grande parte do país, nota-se a crescente migração da
população do campo para a cidade, ou mesmo de um município a outro em busca de trabalho
e melhor condição de vida para seus familiares. Ao perguntar ao representante do SENAR que
fenômeno ele percebe como responsável por esta situação o entrevistado afirma que as novas
tecnologias inseridas no campo reduzem as oportunidades de trabalho no campo.
A utilização das novas tecnologias modifica as relações sociais no campo, mas não pode
justificar a redução do interesse de muitas famílias em permanecer no campo. No Portal do
Sertão nota-se que a falta de condições de produção do pequeno produtor e do trabalhador
rural ocasionada pelo excesso de expropriação e exploração torna-se fator preponderante no
distanciamento da sociedade da produção no campo. A falta de políticas estruturantes que
visem mediar os conflitos e construir possibilidades de permanência no campo tem
contribuído para a falta de interesse em permanecer no campo. O Centro de Treinamento
Rural do SENAR/FAEB traz uma possibilidade de melhoria nas condições de produção no
campo, mas suas ações só beneficiam quem tem condições de adquirir equipamentos
necessários à transformação e aperfeiçoamento dos produtos agrícolas.
As características do modelo de gestão adotado por cada Território devem ser condizentes
com sua realidade. No caso do Portal do Sertão, as ações dos movimentos sociais ligados à
questão agrária, tornam-se cada vez mais presente nas discussões do Conselho de
Desenvolvimento Territorial (CODES). A estrutura de representação do Conselho conta com
o Centro de Apoio aos Trabalhadores (as) Rurais da Região de Feira de Santana (CATRUFS)
como entidade de apoio financeiro. Assim, é necessário compreender como a política de
desenvolvimento territorial tem atuado no Território de Identidade Portal do Sertão na
concepção dos movimentos sociais envolvidos nas discussões traçadas a respeito dos avanços,
desafios e perspectivas locais.
[...] ainda temos um modelo muito voltado pra área rural, por exemplo, a
coordenação do conselho ainda é composta por representantes do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais e prefeituras. O quê que avançou? Uma das coisas
que a gente priorizou nas discussões foi o Consórcio Público. Então nós
somos um dos únicos territórios da Bahia que já discutimos e
implementamos o consórcio público. [...] interessante que isso motivou as
prefeituras a participar das discussões do território, então eles perceberam
que é importante fazer essa discussão do geral, pra estar dentro do consorcio
pontuando as dificuldades, pra fazer as dificuldades de força, pra trazer a
conquista. Pra nós trabalhadores, trabalhadoras também achamos isso muito
importante por que conseguimos trazer projetos [...] porque os sindicatos vão
juntos lutar porque, por exemplo, o sindicato de Feira não vai sozinho ele vai
com outros 17 sindicatos lutar pelos interesses dos 17 municípios (Primeira
Secretaria Executiva do CODES - PORTAL e Coordenadora do CATRUFS,
entrevista concedida em 27/01/2011).
A proposta de unificar a luta pra atender as demandas em escala territorial tem como maior
desafio interno igualar os olhares, fazer o poder público pensar como sociedade civil e
sociedade civil agir como poder público. Desconstruir o confronto em prol de uma causa
maior que é o desenvolvimento territorial. Porém essa proposta do Estado traz consigo
intencionalidades que em alguns casos passam despercebidas, como por exemplo, o interesse
em camuflar os conflitos e forjar um consenso sem que as principais demandas da sociedade
sejam atendidas. A cooptação de alguns movimentos sociais transforma o discurso de suas
lideranças que reproduzem as falas do governo sem observar se as propostas estão de fato
sendo efetivadas. O território é considerado por ela uma política de convencimento, pois não é
demanda da população dos municípios por isso é preciso convencer os municípios a participar
o que distancia a ação das demandas reais da sociedade q ue não reconhece o território. A
respeito das ações promovidas pelo Estado no Portal do Sertão para modificar a realidade a
representante do CATRUFS responde que:
Falta terra né? Para o pessoal produzir e as condições da terra aqui também é
problemática então os solos são fracos, precisa de tratamento né, então a
grande dificuldade pra o pequeno, para a agricultura familiar é fertilidade do
solo é trabalhar a questão de melhorar esse solo, de melhorar essa terra, a
gente usa o termo fertilidade do solo, os solos aqui precisam de tratamento
né? De compostagem, sei lá os termos técnicos, não sou muito dessa área,
mas a gente entende também de acordo com as pesquisas que os técnicos
fazem que já tá comprovado que o grande problema do nosso território da
nossa área de abrangência é a questão do solo e é aliado ao fator terra e que a
terra é pouca. A terra é pouca pra agricultura familiar. Tem muita terra agora
é concentrada na mão de dois, três grandes fazendeiros que dominam tudo
para os grandes pastos né? Que tem muito aqui se você da uma visita, faz
uma rodada aqui na região se forem de helicóptero ai que você vê bem que
fica bem acentuado que é tudo pasto. As terras melhores são para pastagem
de gado, o grande quer gado. (Representante da EBDA, entrevista concedida
em 13/11/2012).
A concentração de terras tem dificultado a produção do pequeno produtor porque além de não
possuírem as condições necessárias para trabalhar a terra que possuem é insuficiente e com
baixa fertilidade. Os órgãos públicos reconhecem que precisam agir para modificar essa
realidade, porém, pouco é feito nesse sentido e o pequeno produtor não possui condições de
arcar sozinho com esse problema.
Existem órgãos do Estado responsáveis por reconhecer e buscar soluções a esses problemas,
porém esbarram em situações estruturais que impossibilitam a ação. A EBDA é uma empresa
do Estado responsável por prestar serviços técnicos aos pequenos e médios produtores. É
constituída de um corpo técnico e abrange uma área extensa que vai além dos Territórios de
Identidade, a EBDA local abrange municípios pertencentes a três Territórios de Identidade
diferentes. Ela é responsável por realizar ações que reduzam problemas corriqueiros e
situações extras como, por exemplo, a seca dos últimos três anos.
A DAP é uma declaração recebida por família que possua o título da terra, se uma família tem
cinco agricultores, mas só um tem o título da terra é a esse que a DAP é direcionada. Como a
maioria das famílias do campo é numerosa, o beneficio torna-se insuficiente ao
desenvolvimento da produção. Se considerar a questão agrária do Portal do Sertão será
possível visualizar que a maioria das famílias do campo não tem acesso a políticas por falta de
acesso a terra que é condição para obter a DAP, documento de referencia para o recebimento
de benefícios. O governo cria estratégias burocráticas que dificultam ainda mais a situação de
quem não possui condições mínimas de produção e reprodução da vida.
É também função da EBDA prestar orientações aos pequenos produtores sobre o que deve ser
feito para ser beneficiado por uma política pública. Grande parte dos programas direcionados
ao campo é intermediada pela EBDA como é o caso de projetos de sustentabilidade durante o
período das secas. A EBDA torna-se uma instituição estratégica para o governo, pois de certa
forma a maioria da população do campo estabelece relação com ela, em alguns casos de
dependência para permanência no campo. A representante da EBDA entrevistada cita alguns
exemplos da atividade da EBDA.
Então tem isso ai, orienta na questão de outras políticas, assim, tipo agora
mesmo nos quintais produtivos que a EBDA vem orientando para que essas
pessoas tenham uma sustentabilidade maior nesse período de seca, a questão
da palma que é alimento pra animal caprino tem uma orientação no sentido
de aumentar essa área de palma que no Estado. Então esse é um dos grandes
projetos que a EBDA tem que hoje é também da própria secretaria da
agricultura que é ampliar essa área de palma que chama de palma adensada
né com tudo orientado plantio tal. O que é que isso quer dizer? O que é que
isso significa? Significa que nos vamos ter alimento pra animais durante, se
a seca realmente se prolongar como há essa indicação na climatologia que tá
ai né do observatório, então há essa indicação de que a seca vá persistir.
Com essa ampliação da área e os agricultores compreendendo a importância
disso ai é que se tem um quantitativo bom de alimentos para os animais e
combater essa mortandade que se verificou ai, tanto de animais de pequeno
porte quanto grandes também né? Pequeno: galinha e porco e o bode e a
ovelha e tal e também o animal que cada agricultor tem sua vaquinha pra seu
leite (Representante da EBDA, entrevista concedida em 13/11/2012).
Por possuir importante relação com os pequenos produtores e ser responsável pelo
encaminhamento de programas de rebatimento territorial a EBDA torna-se uma instituição
fundamental nas relações entre os municípios pertencentes ao Território de Identidade Portal
do Sertão. A sede do CODES/Portal situa-se no prédio da EBDA o que reforça o elo entre
EDBA e Colegiado territorial o que reforça as características rurais do Território de
Identidade. A articuladora do CODES/Portal justifica o envolvimento da EBDA nas
discussões de políticas para o território.
A EBDA é a instituição responsável pelas relações dentro do território, pois atua diretamente
nos municípios. O governo compreende as dificuldades que a EBDA enfrenta até conseguir
realizar suas atividades, mas não age de forma a minimizar os problemas internos. Além da
burocracia enfrentada pelos pequenos produtores até conseguirem ser beneficiados por uma
política ainda têm que enfrentar a falta de infraestrutura e de pessoal qualificado da
instituição. Apesar dos problemas enfrentados, nota-se que o governo está mais preocupado
com as relações políticas internas que com a qualidade do serviço prestado e justifica o
envolvimento com a EBDA por ter uma “boa relação com a gerência” e mesmo com essa boa
relação não promove estratégias para facilitar o trabalho e melhorar o atendimento à
população.
O Território de Identidade Portal do Sertão tem características rurais marcantes desde a base
de sua constituição, pois, desde sua origem é composto em sua maioria por Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais (STR) e Prefeituras. Ao longo do tempo foram convidados outros
órgãos a participar, mas a maioria ligada ao rural como a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura Familiar (Fetraf), a APAEB, associações e cooperativas do campo, ONGs,
entidades, Universidades. Apesar dos convites a outras instituições hoje continuam as
prefeituras e sindicatos como representação do poder público e sociedade civil, pois o estatuto
ainda não está efetivamente modificado. As discussões ainda são muito especificas para o
campo, pretende-se dividir o CODES/Portal por eixos de discussões para que outras áreas
sejam atendidas.
O colegiado tem uma base rural no sentido assim porque hoje a composição
dele é ainda sindicatos rurais e prefeituras, sociedade civil e poder público o
colegiado até hoje é formado por 17 sindicatos e 17 prefeituras né? Paritário
e querendo ou não a discussão ainda passa muito pelo campo vem muito da
base do campo porque tudo surgiu com a agricultura familiar, com essas
discussões então a base forte mesmo ainda é em cima disso, mas teve uma
alteração do Estatuto do Território do Colegiado pra que esse colegiado se
amplie não fique só entre sindicato e prefeitura, que entre universidades,
entidades, ONGs, cooperativas, associações que tenham algum tipo de
atividade no território entendeu? Pra isso ser mudado agora tem que
homologar. Houve uma alteração que precisa ser homologada em assembleia
e tem que fazer o regimento interno também pra criar os grupos de trabalho,
grupo de cultura, habitação pra ter esses eixos temáticos dentro do território
ai esse ano nós vamos ter que fazer isso tem um prazo até agosto desse ano
pra homologar os conselhos territoriais, os colegiados, para que o Estado
reconheça isso de uma forma legal. Porque conhece, mas de forma legal,
escrita com marco legal tem que ser homologado. E homologar tem que ser
de acordo com a lei do decreto da CEDTER e o Conselho Estadual dos
Territórios pra que fique todo mundo unificado na mesma linha de
pensamento. A maioria dos territórios está nesse mesmo caminho, são
poucos ainda que estão no período de homologação, até agora só enviaram
para homologar 6, ainda porque há muito ainda dos territórios que tem muita
resistência porque tem muita gente nova, ramos diferentes. Por exemplo o
Estado, o governo pede que a gente traga o privado né? Os setores privados
para o debate então assim, eles já estão resistentes de sair disso porque ai se
diz que com esse grupo já é difícil de discutir imagine entre eles né? Só que
é um momento de construção a gente sabe que território não passa só pela
agricultura familiar, passa por outros segmentos temos os problemas de
saúde, de segurança, de cultura, de meio ambiente né? De tanta coisa que se
passa, então não pode ficar só restrita a essas discussões do campo em fim.
Apesar de que o rural perpassa todo o lado urbano, isso é fato né? Tanto que
a seca tá ai e tá refletindo em todo mundo, mas a gente entende e tenta
mostrar pra o pessoal que não pode ficar só nessas discussões só de
sindicato, de prefeitura até porque prefeitura nem sempre participa, ainda
mais com essas mudanças ai entrando novos prefeitos, tem que reconquistar
essas pessoas que não conhecem a política territorial e trazer eles pra cá, pra
essa discussão e tal. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e
articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).
Toda mudança que se propõe realizar nos Territórios de Identidade deve estar vinculada às
regras estabelecidas pelo Conselho Estadual dos Territórios para não se distanciar das
propostas do governo do Estado. Os setores privados não tem interesse em participar das
discussões por não se sentirem representados nas demandas apresentadas, além disso,
possuem condições de solucionar seus problemas individualmente. Apesar do Território de
Identidade Portal do Sertão ter sido constituído na conferência realizada em 2007, até o
momento ainda não há aprovação do Plano de Desenvolvimento Territorial e por esse motivo
discussões como quem deve participar do conselho ainda são realizadas, isso dificulta a ação
do colegiado. A constituição do Território a partir do governo é um elemento que pode
justificar a falta de estruturação do conselho.
As políticas encaminhadas ao conselho para votação são políticas voltadas, na maioria das
vezes, ao pequeno produtor que trabalha com agricultura familiar. Segundo a representante do
CODES/PORTAL as propostas não são direcionadas as demandas dos grandes produtores,
por não ser este o espaço de dialogo para eles e por esse motivo eles não manifestam interesse
em participar das discussões. O governo diferencia o tratamento ao grande produtor, institui
um departamento específico para o agronegócio vinculado à secretaria da agricultura,
mostrando que não é interessante nem para o governo nem para o grande produtor a relação
próxima entre estes e os pequenos produtores.
O Conselho justifica porque não tem como finalidade prestar atendimento ao grande produtor.
Tem como prioridade atender ao pequeno produtor reconhecido como “comunidade
vulnerável”. O governo reconhece que o pequeno produtor não exige o que é de direito por
não ter conhecimento dos direitos que lhes são legalmente garantidos, talvez a estratégia de
distanciamento estabelecida pelo governo entre pequeno e grande produtor tenha como
finalidade impossibilitar ao pequeno o reconhecimento de seus direitos.
A questão agrária no Portal do Sertão é um problema a ser considerado no Conselho. Os
representantes entrevistados reconhecem a carência de políticas nesse sentido, mas não trazem
propostas que possam alterar a estrutura atual. O que tem de encaminhamento está apenas no
plano da documentação, os pequenos produtores que moram na terra e têm como provar que
moram há alguns anos e realizam atividades produtivas na terra e por questões burocráticas
não possuem o título da terra estão sendo beneficiados por um trabalho proposto pelos
movimentos sociais e realizado pela CDA de Regularização Fundiária no Território.
Tem, tanto que tem que conseguiu Feira, aqui mesmo no Portal, fez um
documento mandou pra a CDA ano passado e o CDA vem pra cá, o
superintendente veio pra cá que é seu Anselmo, é o coordenador geral, o
diretor veio pra cá e se comprometeu a fazer todo o cadastro de Feira de
Santana e do Território pelo menos assim no inicio de 5 a 6 municípios,
depois fazer porque também não tem como abraçar tudo de vez, ele foi bem
claro. Só pra você ter uma ideia Feira de Santana tem uma demanda de 351
pra fazer e conseguiram fazer 250 cadastros por falta de documentação que o
pessoal não trouxe. Sabe quantas pessoas estão fazendo tudo isso? Duas,
entendeu? O Estado não faz as vezes concurso ai fica contratando REDA,
acho que falta mesmo essa questão de se empenhar não é? A CDA entregou
agora uma quantidade pra o governo cerca de 47 títulos. Que até isso você vê
que o quantitativo é pouco. Já foram entregues e até hoje o pessoal não foi lá
pegar, então o colegiado se articulou com eles, solicitaram uma pauta,
organizaram um evento e chamou todo mundo para o sindicato pra fazer isso
entregar, ai fez a entrega de títulos e fez o cadastro pra fazer novas medições
pra aqueles que ainda não foram contemplados que começou agora, ai foram
250 agora e depois começa a fazer outros, a gente optou assim, faz logo um
tanto, termina e faz outro pra não ficar nessa enrolação. O pessoal do REDA
vem pega toda a documentação e passa pra o setor de medição ai vai pra o
campo pra medir e reconhecer a área. Quem solicitou foi o próprio
colegiado. O colegiado percebeu isso e falou a gente vai mandar uma
demanda pra o CDA. A gente chamou o CDA pra cá e mostrou a realidade
do território, pronto ai começou Feira de Santana ai já foi pra Irará, foi pra
Santo Estevão, já começou ai. Então essa demanda, essa conquista saiu do
colegiado. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora
do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).
A justificativa dada para a morosidade no desenvolvimento do que é proposto mais uma vez é
dada pela falta de pessoal qualificado pra trabalhar na efetivação da proposta. O poder público
tem meios, verbas e estrutura para minimizar os problemas no campo, porém não faz para
atender as subjetividades impostas pelo sistema econômico vigente. Criam justificativas
infundadas pra responder a questões de fácil solução e a população continua sendo submetida
a interesses externos a seu grupo social.
Estrategicamente, a população não é informada sobre seus direitos, o governo aproveita a falta
de informação dessa população e usa táticas para se beneficiar. Exemplo disso é a entrega dos
títulos de terra finalizados. A falta de pessoal é novamente a justificativa para o problema.
Foram aprovados e finalizados 47 títulos, mas a população não é informada e por esse motivo
não teve acesso a documentação. A CDA, junto ao STR e o CODES/Portal realizou em 2012,
ano eleitoral, um grande evento pra entregar os títulos, ano de candidatura da coordenadora do
sindicato a vereadora pelo partido do governo do Estado acredita-se que essa é mais uma
estratégia para utilizar as conquistas da sociedade como mecanismo eleitoreiro.
Com relação ao problema na distribuição das terras o CODES/Portal informa que reconhece a
existência de terras disponíveis, mas que é necessária a comprovação de residência por parte
do trabalhador rural de no mínimo cinco anos, por meio de pagamento de impostos ou
associação a alguma instituição ou movimento social que possua cadastro comprobatório de
residência. Mais uma vez a burocracia criada pelo Governo dificulta seu próprio trabalho e a
população é quem fica prejudicada.
Eu vejo isso, existe terra sim, tem terra ai e muita, mas as pessoas que estão
ai tem que comprovar que estão também nessa área, o Estado também não
vai poder dar uma escritura sem poder também comprovar que você atua ali
e que já tá ali a mais de 5 anos né? Existe essa burocracia também que é
correta, a gente também não pode dar nenhum tipo de documento pra a
pessoa que diz: eu moro aqui, não comprove, e como é que comprova?
Através de uma DAP, de um comprovante de endereço né? De um ITR, de
um imposto que você paga por aquilo, ou alguma associação que você fez o
cartão, do sindicato, então tudo isso pode servir. Agora o que eu acho que
mais enrola é o corpo técnico mesmo entendeu? Você passa por uma
burocracia de um Estado que tem que contratar uma empresa pra medir e
esse empresa diz que vai e não dá gás ai, ela não quer produção entende? Eu
vejo muito é o corpo técnico que falta. (Agente de desenvolvimento
territorial da SEPLAN e articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida
em 23/05/2013).
As pessoas que lutam por terra já residem em suas terras digamos assim,
mesmo sem ter título, mas já é sua não tem muitos problemas não [conflitos
com grandes produtores]. Isso passa mais pela questão de posseiro, de
ocupação. Essa questão de posseiro de ocupação passa mais pelo MST, nem
tem tanto essa ligação aqui não é? Tem assentamento de reforma agrária,
mas no colegiado eles não participam. No início até participavam, mas como
o colegiado na verdade não participa de ocupação das terras na época não
houve esse apoio um posicionamento do colegiado tem uns 5 anos ou mais.
(Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora do
CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).
A questão agrária é um ponto de destaque no Portal do Sertão, mas não é o único problema, a
água também é um fator de relevância para os produtores sejam eles grandes ou pequenos.
Por pertencer ao semiárido, a escassez de água é realidade cotidiana no Território. Com esse
período de longa estiagem a questão da água se destacou ainda mais nas discussões devido
aos problemas consequentes desse período.
A água é o ponto de todo o problema, por conta da seca. A seca vem e acaba
de vez, mas mesmo assim tem a questão de ter água pra produzir mesmo que
eles falam né? Existem poços e cisternas, mas num processo que ainda não
chegou pra todo mundo, muita coisa por falta da questão do título da terra,
porque algumas políticas pra você acessar você tem que ter o documento da
terra e se você não tem o documento da terra você não consegue acessar
algumas políticas públicas. Então é uma coisa que você fica se eu não tiver
isso eu não consigo acessar isso. (Agente de desenvolvimento territorial da
SEPLAN e articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida em
23/05/2013).
Mais uma vez a burocracia que impede o pequeno produtor de ter posse da terra também o
impede de ter acesso a políticas públicas. O governo sabe da existência do pequeno produtor,
dos problemas que ele vivencia, tem os mecanismos para solucionar, mas não busca
estratégias para facilitar a vida no campo. Mesmo sem saber os trabalhadores são
responsabilizados pelos problemas que passam.
Algo que o pessoal fala muito é pra não ter medidas emergenciais como se
fala, tem que ter mesmo uma política voltada pra isso, tanto que agora vai ter
um evento do semiárido baiano que é uma luta do movimento social,
sindicato que quer propor ao governo uma política estadual para o semiárido.
Porque a gente sabe que a seca vai vir sempre então a gente não pode viver
só disso questão de carro pipa, limpeza de aguadas isso tem que ser uma
coisa cotidiana, contínua. Como é que a gente deve fazer no sentido de trazer
novas tecnologias pra conviver. Porque existe ai tem a tentativa de trazer a
EMBRAPA pra cá porque tem mais de 150 tecnologias. A CUT tá querendo
trazer um pessoal do Ceará pra trazer uma experiência do observatório de lá
do Ceará no reconhecimento do semiárido pra ter uma coisa concreta aqui na
região pra saber o que é que se tem e o que tá precisando no intuito de dar
um tratamento diferenciado no semiárido. Então estão preparando isso ai pra
a jornada. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora
do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).
O problema é que durante a Jornada, observa-se que as lideranças sociais, os debatedores e a
maior parte do público presente fazem parte do governo. Os trabalhadores que chegaram do
campo de caravana, só votaram nas propostas. É preciso considerar também a linguagem
utilizada pelos debatedores não se aproxima da realidade dos trabalhadores, dos temas
abordados pouco é compreendido. As propostas levadas ao governo federal, já estão no
programa de governo. Como observação do evento, nota-se que é realizada mais uma
atividade pra ficar no calendário de mobilizações, mas sem resultados diretos ao campo.
Uma medida realizada pelo governo é direcionar a produção da agricultura familiar à merenda
escolar. Essa medida contribui para o escoamento da produção, mas não soluciona o
problema, pois o número de escolas e a quantidade de produtos adquiridos são insuficientes
para abarcar toda a produção familiar. É necessário repensar a carga tributária e a burocracia
que dificultam o desenvolvimento das pequenas produções no campo. Os grandes produtores
possuem recursos e meios para produzir, transportar e comercializar seus produtos a partir das
regras que o mercado impõe e os tramites legais. O pequeno não possui condições de arcar
com esses custos nem assistência técnica, porém as exigências são as mesmas para eles.
Há uns quatro anos atrás nas próprias discussões do Território a gente via a
dificuldade de executar a política pública a gente via muita dificuldade em
executar a política pública o Estado com braço pequeno as prefeituras com
pouca condição financeira, muita dificuldade na equipe técnica ai
começamos a discutir com os novos prefeitos que tinham sido eleitos a
possibilidade de construir uma estrutura das prefeituras, pública, uma
autarquia pra poder elaborar projetos, ajudar as prefeituras a captar recursos
e executar a política pública então a gente começou a levantar essa discussão
e eu com Thaise na época que hoje é articuladora territorial nós visitamos
todas as prefeituras, todas, falamos dessa possibilidade e tal e depois fizemos
uma reunião maior e começamos a discutir, ai o Estado também entrou na
discussão através da SEDUR e a secretaria de planejamento e começou a
ajudar a gente também no processo de construção. Fomos o primeiro da
Bahia a ser montado e um dos primeiros a funcionar de fato e hoje já tem
mais de um ano funcionando já executamos quase quatro milhões de reais
em políticas públicas aqui no portal e a previsão de executar até o final do
ano, que vem diretamente recursos passando pelo consórcio menos na
questão de habitação que a gente elabora o projeto e repassa pra quem
constrói, mas diretamente 40 milhões de reais ate o final do ano que vem.
(secretário executivo do consórcio Portal do Sertão, entrevista concedida em
24/10/2013).
Como afirma o secretário executivo o Consórcio tem como objetivo principal elaborar
projetos para captação de recursos pelas prefeituras que possibilitem a execução de políticas
públicas Estaduais e Federais. O Consórcio é uma autarquia pública representada
exclusivamente pelos prefeitos dos municípios pertencentes ao território, tem apoio da
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado (SEDUR) e a Secretaria de Planejamento
(SEPLAN). O Consórcio atua em todos os setores públicos, urbano e rural. Por exemplo, os
projetos aprovados pelo CODES/Portal para o campo são viabilizados e implementados
através do consórcio como a gestão ambiental, limpeza de aguadas e construção de cisternas.
Então a gente tem uma linha de ações bacanas hoje muito voltado para a
zona rural também temos patrulha mecanizada rodando os municípios no
interior do estado e tal a gente já ta fazendo gestão ambiental compartilhada
temos equipe contratada pelo consórcio estamos fazendo uma gestão de
PNHR, já fizemos limpeza de aguadas precisamos fazer mais, vamos
construir cisternas através do convênio com a SUDENE, estamos fazendo
capacitações através de um projeto que a gente passou pra SUDENE pra
fazer capacitação para 500 servidores públicos das prefeituras com cursos
para elaboração de projetos para captação de recursos Da CICONV,
controladoria, outras licitações, comunicação são tipos de projetos também.
No campo, por exemplo, há reclamações por parte de alguns sindicatos que a implantação de
cisterna não considera as áreas mais carentes ou são inseridas em locais inadequados, no
período de estiagem, apesar de recursos serem encaminhados pelo governo federal para
execução de projetos, as ações realizadas não contribuíram diretamente para minimizar as
consequências da seca. O Consórcio apresenta projetos e a população mostra nas demandas
que os projetos elaborados pouco contribuem para facilitar a vida no campo.
A maior parte dos recursos dos governos federal e estadua l encaminhados ao Território de
Identidade Portal do Sertão é destinada a projetos e ações no campo, para beneficiar a
agricultura familiar, mas na prática essa atividade econômica ainda sofre as consequências da
má gestão desses recursos. Para compreender a origem do problema, quais entraves o
Consórcio identifica na efetivação das políticas públicas, se há algum problema de
comunicação entre a sociedade e o estado, o representante traz como justificativa apenas o
atraso no recebimento de recursos.
Os pequenos produtores e trabalhadores rurais, na maioria dos casos, não conhecem seus
direitos constitucionalmente garantidos e o poder público, por sua vez, não se ocupa em
garantir que se cumpra a lei, nem há meios suficientes de conscientização da população com
relação a esse aspecto. Cria burocracias que impedem essa camada da população de adquirir
benefícios como os créditos rurais e as políticas ditas de reforma agrária. A assistência técnica
oferecida é insuficiente para a demanda no Portal do Sertão, além disso, não há grandes
mudanças nas condições de sobrevivência no campo, os programas de habitação e
pavimentação rurais existentes são insuficientes se considerar a demanda nos 17 municípios
do Território pesquisado. O poder público age no enfraquecimento dos conflitos, as
necessidades dos pequenos produtores são substituídas por um consenso camuflado, com
intuito de permitir a permanência da concentração de renda e consequentemente das
desigualdades sociais.
Nas entrevistas realizadas com os pequenos produtores e trabalhadores rurais nota-se que eles
lutam por políticas públicas mais estruturantes para o campo com o fim das políticas e
programas paliativos que não solucionam o problema só prolonga suas consequências.
Buscam ainda a redução nas burocracias que os impeça de adquirir seus benefícios, mais
formação política para a sociedade conhecer seus direitos. Redução das desigualdades sociais
por meio do equilíbrio entre as participações no sistema capitalista de produção para que isso
ocorra é necessária a inserção dos produtos do pequeno produtor no mercado em condições de
equiparação com os demais produtores.
Apesar da existência de algumas linhas de crédito ofertadas pelos bancos estatais os grandes e
médios produtores afirmam que a burocracia e a morosidade em receber os recursos
dificultam a continuidade das atividades agrícolas no Portal do Sertão. Quanto as diferentes
condições de produção no campo, os grandes e médios produtores consideram que as
condições do sistema capitalista que para sua existência é necessário a diferença entre classes
sociais, não vê isso como um problemas e sim como a consequência do sistema de produção
realizado pela sociedade atual. Com relação ao poder públicos os grandes e médios produtores
afirmam que falta vontade política para melhorar as condições de direcionamento de recursos
por meio da desburocratização das ações de governo.
A questão agrária no Território de Identidade Portal do Sertão, assim como na maior parte do
país, traz à tona uma série de outras questões como a: questão da terra, questão da renda,
questão da alimentação, questão da saúde, questão da educação, questão da segurança. Entre
outras que influenciam diretamente na permanência da população no campo. Realizar alguma
mudança nessa realidade requer pensar em todos esses requisitos, perceber quem tem direito
ao acesso a esses itens básicos para a sobrevivência, na quantidade e qualidade necessárias.
No Portal do Sertão, nota-se grande diferença entre as condições de vida da população que se
expressa na separação entre classes sociais. Os pequenos produtores e os trabalhadores rurais,
que prestam serviço aos grandes e médios produtores, vivem em condições precárias. A estes
são negados grande parte dos direitos e a falta de qualidade de vida tem, cada vez mais
direcionado o pequeno produtor rural às atividades urbanas, essa situação contribui para o
inchaço nas grandes e médias cidades. Não há políticas públicas estruturantes que permitam
ao pequeno produtor ter qualidade de vida no campo. E a condição em que ele esta inserido
no sistema capitalista de produção inviabiliza a sustentação da família.
O grande produtor também encontra alguns problemas para produção no campo, entre eles é
citada a falta de mão de obra disponível, devido à migração da população rural para os centros
urbanos. A sucessão familiar também está comprometida, por diversos fatores, entre eles são
citadas as condições climáticas desfavoráveis à produção no semiárido que necessita de
investimentos cada vez maiores para continuar na produção. Os filhos dos fazendeiros não
estão dispostos a arcar com esses custos e optam por formar-se e trabalhar em atividades
urbanas que têm retornos econômicos mais rápidos.
A expropriação do pequeno produtor que contribui para o aumento na concentra ção de terras
tem criado focos de resistência. No Portal do Sertão, por exemplo, a existência de
acampamentos de trabalhadores sem terra, associações de pescadores, comunidades
quilombolas e do Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Menino Jesus como resultado
da luta incessante dos trabalhadores rurais e das comunidades tradicionais, reforçam a ideia de
que a população não está satisfeita com as condições impostas pelo sistema capitalista e não
se submete de forma passiva as condições que lhe são impostas.
A Política de Desenvolvimento Territorial, como mais uma forma de gestão, torna-se também
uma estratégia do poder público justificar a ação orçamentária e, ao mesmo tempo, camuflar
os conflitos ao promover consenso sobre questões que, na maioria dos casos, não
correspondem aos principais problemas sofridos pela população. A criação de um Território
de Identidade como o Portal do Sertão que tem entre seus municípios diversos conflitos
agrários, sem considerar esses problemas, descolado da realidade, é prova de que não há no
poder público, intenção de minimizar as problemáticas do campo. O que o Estado visa é
reduzir os conflitos à medida que tenta minimizar a importância das principais bandeiras de
luta das classes sociais que historicamente são deixada s a margem do desenvolvimento
econômico, político, social e que lutam por igualdade de direitos.
No Território de Identidade Portal do Sertão, o poder público não debate a questão agrária e,
surpreendentemente, alguns movimentos sociais se recusam a manifestar suas ideias. Nessa
pesquisa movimentos como o Movimento de Organização Comunitária (MOC) não autorizou
a realização de entrevistas alegando que apesar de ser sediado no município de Feira de
Santana não atua em nenhum dos 17 municípios pertencentes ao território. Informam que sua
única contribuição no Território se estabelece na definição do local de implantação das
cisternas e, por telefone, manifesta sua falta de interesse em contribuir com a pesquisa. O
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também não foi aberto ao diálogo,
alegando desconhecer o Território e não estando dispostos a falar separadamente da realidade
de cada município.
A questão da reforma agrária vai muito além de uma transferência de renda, significa
modificar a estrutura social através das relações de produção, de distribuição e de apropriação.
Essa mudança altera as bases do sistema capitalista de produção, não é interessante aos
detentores do grande capital uma mudança nesses níveis, por esse motivo ainda não ocorre no
Brasil. O que pode ser visto são algumas políticas agrárias que não solucionam o problema,
apenas prolongam sua duração.
Embora existam meios, como os cursos de capacitação rural, para ajudar o produtor a tornar-
se mais independente do poder público em sua produção diária, esses meios não são
disponíveis a todos, nem são divulgados e os produtores rurais do Portal do Sertão não são
incentivados e mobilizados a participar. Como possíveis estudos futuros propõe-se
compreender de que forma pode haver maiores envolvimentos das prefeituras nas discussões
relacionadas ao campo, criação de políticas estruturantes para o campo, desburocratização das
ações do poder público, e realização de concursos públicos específicos para as áreas de maior
pendência de pessoal no campo do Portal do Sertão.
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