Expressões Da Questão Agrária No Portal Do Sertão

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA

SOLANGE MARIA SANTANA COUTO

EXPRESSÕES DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO – BAHIA

Salvador
2014
SOLANGE MARIA SANTANA COUTO

EXPRESSÕES DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO – BAHIA

Dissertação apresentada, como requisito final para


obtenção do título de mestre em Geografia, ao
Curso de Mestrado em Geografia, realizado pelo
programa de pós-graduação em Geografia do
Instituto de Geociências vinculado à Universidade
Federal da Bahia.

Orientador: Profº Dr. Vitor de Athayde Couto

Salvador
2014
C871 Couto, Solange Maria Santana.
Expressões da questão agrária no portal do Sertão – Bahia /
Solange Maria Santana Couto.- Salvador, 2014.
124 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Vitor de Athayde Couto.


Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Universidade Federal da Bahia, Instituto
de Geociências, 2014.

1. Territorialidade humana - Sertões (BA). 2. Reforma agrária.


3. Solo rural - uso. I. Couto, Vitor de Athayde. II. Universidade
Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III. Título.

CDU: 911. 3(813.8)

Elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geociências da UFBA.


SOLANGE MARIA SANTANA COUTO

EXPRESSÕES DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO – BAHIA

Banca Examinadora

______________________________________________________
Dr. Vitor de Athayde Couto (orientador)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

______________________________________________________
Dra. Guiomar Inez Germani
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

______________________________________________________
Dra. Cristina Maria Macêdo de Alencar
Universidade Católica do Salvador (UCSal)

Salvador
2014
Dedico este trabalho a toda a minha família que mesmo não tendo a dimensão da importância
desta pesquisa compreende meus esforços e torce por minha vitória, em especial a meu
sobrinho e afilhado André que perdemos no momento mais complexo do trabalho deixando
uma ferida imensa em nossos corações. Que Deus o receba em seus braços.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus familiares que estiveram comigo ao longo da caminhada, minha mãe
querida que, mesmo semianalfabeta, me deu toda força e carinho para que eu pudesse
encaminhar minha vida da melhor forma possível. Meus 14 irmãos em especial minhas irmãs
Angelina, Marta e Keny que estavam comigo nos melhores e piores momentos, me dando
forças quando eu não tinha de onde abastecer.

A meu amado “namorido” Sander pela força e compreensão nos momentos difíceis, por não
me deixar enlouquecer quando eu acreditava que tudo estava perdido devido à minha
dificuldade em compreender muitas coisas do mundo acadêmico.

Ao grupo de capoeira Angoleiros do Sertão, em especia l ao Mestre Claudio, que mesmo não
tendo estudado nos ensina além de valores úteis em todos os setores da vida, a importância da
academia para que possamos avançar sair do comodismo e encontrar outros caminhos que não
os que o sistema impõe.

Aos professores Vitor e Guiomar, por compreenderem as limitações em minha formação e me


ajudarem a buscar o melhor caminho que não fugisse aos objetivos acadêmicos e também não
desmerecesse minha história de vida.

À professora Cristina que, mesmo sem me conhecer pessoalmente, aceitou prontamente o


desafio de contribuir para a minha pesquisa e, mesmo com muitos percalços do caminho, não
me abandonou. Ao contrário, deu a maior força para que eu pudesse prosseguir.

Ao meu grande amigo Adriano, que me incentivou a participar da seleção de mestrado e,


mesmo na correria de conclusão, sempre encontrou tempo para estar comigo e me ajudar no
que eu necessitasse durante todo o período do curso.

Ao Projeto GeografAR, por me ensinar a caminhar junto e partilhar as dificuldades


encontradas no caminho.

Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, por ter contribuído para o meu trabalho,


através da escolha de professores capacitados e compromissados com a educação pública. E
pela definição de uma grade curricular que contribuiu diretamente para a construção do
projeto e finalização da pesquisa.

À CAPES, por financiar a pesquisa, permitindo que eu continuasse os estudos, pois, sem esse
apoio, eu não teria conseguido realizar o trabalho.

Ao Conselho de Desenvolvimento Territorial, aos Sindicatos, às federações e a todos os que


abriram as portas de suas instituições, fornecendo dados e informações imprescindíveis para o
conteúdo do trabalho.
Cada escolha implica uma renúncia
(autor desconhecido)
RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar expressões da questão agrária no Território de Identidade


Portal do Sertão Bahia, na seguinte ordem: identificar a estrutura agrária, ou seja, as principais
classes sociais e frações envolvidas na questão agrária; identificar as suas principais
reivindicações, convergências e divergências de interesses, bem como as suas diferentes
demandas; identificar propostas e sugestões formuladas para minimizar a questão agrária. Na
prática, buscam-se soluções dos problemas de ordem estrutural. Até que ponto o diagnóstico
dos principais problemas, e as propostas para sua solução podem ser encontrados na Política
de Desenvolvimento Territorial (PDT) do Portal do Sertão, através do Conselho de
Desenvolvimento Territorial (CODES/Portal)? A PDT traz ou não soluções à questão agrária?
Tais questões são formuladas com base em levantamentos teórico-conceituais que subsidiam
as discussões dos resultados obtidos, sobretudo no que se refere à questão agrária que, nesta
pesquisa, é vista a partir da inserção do capital no campo, que transforma as relações sociais,
reorganiza a produção, e recria as políticas internas. A PDT, que institui os Territórios de
Identidade, entre eles o Portal do Sertão, visa promover maior participação da população nos
debates sobre a implantação de políticas públicas através do CODES, com participação
paritária entre poder público e sociedade civil. No campo, os grandes produtores, com
interesse em aumentar sua participação no mercado e obter maior rentabilidade, exploram
cada vez mais os pequenos produtor e trabalhadores rurais expropriados de suas terras e sem
condições mínimas de produzir. Os 17 municípios pertencentes ao Portal do Sertão localizam-
se no semiárido baiano. As condições climáticas desfavoráveis, o longo período de estiagem
vivido nos últimos quatro anos, e os solos empobrecidos também contribuem para dificultar
as atividades agrícolas dos pequenos produtores. O poder público, responsável por criar e
implantar políticas que visem melhorar a vida da população, alia-se aos detentores de capital e
promove políticas compensatórias que não modificam a realidade social. Enquanto isso, a
questão agrária, um problema estrutural, perde importância na construção e implantação de
políticas públicas. Mas os movimentos sociais não aceitam essa situação de forma submissa,
cria estratégias de resistência e de enfrentamento, a fim de permanecer na terra com condições
de produção e sustento das famílias.

Palavras-chave: Bahia. Portal do Sertão. Questão Agrária. Estrutura social. Política de


Desenvolvimento Territorial.
LISTA DE MAPAS

1 – Territórios de Identidade do Estado da Bahia...................................................................16


2 – Localização do Território de Identidade Portal do Sertão – Bahia....................................18
3 – Espacialização da concentração fundiária, Índice de Gíni Bahia - 2006............................66
LISTA DE TABELAS

1 - População e pessoal ocupado na agricultura por município Portal do Sertão/BA..............64


2 - Índice de Gíni da concentração fundiária por município no Portal do Sertão.....................67
3 - Acampamentos Identificados no TI do Portal do Sertão Bahia 2010..................................68
4-Associações de Pescadores cadastradas na SEAP/BA Portal do Sertão 2011
...................................................................................................................................................68
5 - Comunidades Quilombolas por município no Portal do Sertão/BA. 2010..........................68
6 - Trabalhadores resgatados que receberam seguro-desemprego Portal do Sertão (2005 março
de 2010)..........................................................................................................................69
7 - Utilização das terras estabelecimentos agropecuários e área - Portal do Sertão/BA..........76
8 - Produção animal no Portal do Sertão – BA........................................................................77
9 - Famílias beneficiadas por programas de transferência de renda. .......................................88
LISTA DE QUADROS

1 – Condição do Produtor rural nos municípios do Portal do Sertão/BA.................................70


LISTA DE SIGLAS

APAEB – Associação dos Pequenos Agricultores da Bahia


CATRUFS – Centro de Apoio aos Trabalhadores Rurais da Região de Feira de Santana
CDA – Comissão de Desenvolvimento Agrário
CNA – Confederação Nacional da Agricultura
CODES/Portal – Conselho de Desenvolvimento do Território de Identidade Portal do Sertão
DAP – Declaração de Aptidão Agrícola
EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário
FAEB – Federação da Agricultura do Estado da Bahia
FETRAF – Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
FSA – Feira de Santana
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MDA – Ministério de Desenvolvimento Agrário
MIN – Ministério da Integração Nacional
MOC – Movimento de Organização Comunitária
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONG – Organização Não Governamental
PNDR – Plano Nacional de Desenvolvimento Regional
PNOT – Política Nacional de Ordenamento Territorial
PPA – Plano Plurianual da Administração Pública
PPP – Parceria Público-Privada
PS – Portal do Sertão
RE – Região Econômica
SDT – Secretaria de Desenvolvimento Territorial
SEDUR – Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SEI – Superintendência de Estudos Econômicos
SEPLAN – Secretaria de Planejamento
SEPLANTEC – Secretaria de Planejamento Tecnologia e Ciência
SPR – Sindicato dos Produtores Rurais
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................14

1 QUESTÃO AGRÁRIA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA PRODUÇÃO NO


CAMPO: UMA ANÁLISE TEÓRICO-CONCEITUAL...............................................24

1.1 PARADIGMAS DA QUESTÃO AGRÁRIA: PRINCIPAIS FATORES HISTÓRICOS


.......................................................................................................................................27
1.2 QUESTÃO AGRÁRIA NO BRAS IL: MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA
CLASSES E FRAÇÕES DE CLASSES QUE FORMAM A ESTRUTURA
AGRÁRIA.........................................................................................................................38
1.3 CAMPO EM CONFLITO: O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA NA
REESTRUTURAÇÃO AGRÁRIA .................................................................................48

2 ESTRUTURA AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO: QUESTÃO AGRÁRIA,


PRODUÇÃO, R ENDA E POPULAÇÃO RURAL E URBANA................................53

2.1 A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E O TERRITÓRIO DE


IDENTIDADE PORTAL DO SERTÃO – BAHIA..........................................................54
2.2 A ESTRUTURA AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO, CLASSES E FRAÇÕES DE
CLASSES SOCIAIS..........................................................................................................63
2.3 O SISTEMA PRODUTIVO NO PORTAL DO SERTÃO E A QUESTÃO AGRÁRIA
ATUAL .............................................................................................................................72

3 EXPRESSÕES DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO: O


CODES/PORTAL E AS REIVINDICAÇÕES, PROBLEMAS E SUGESTÕES DAS
CLASSES SOCIAIS DO CAMPO.................................................................................79

3.1 AS DIFICULDADES ENCONTRADAS PELOS PEQUENOS E MÉDIOS


PRODUTORES.................................................................................................................80
3.2 OS GRANDES PRODUTORES E SUAS REIVINDICAÇÕES....................................85
3.3 O QUE O ESTADO PROPÕE PARA MINIMIZAR A QUESTÃO AGRÁRIA NO
PORTAL DO SERTÃO – BA...........................................................................................98
3.4 PEQUENOS, MÉDIOS E GRANDES PRODUTORES, E O PODER PÚBLICO:
PONTOS COMUNS E DIVERGÊNCIAS SOBRE A QUESTÃO AGRÁRIA
..........................................................................................................................................116

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................119

REFERÊNCIAS....................................................................................................................123
INTRODUÇÃO

Enquanto sociedades de classes, as sociedades capitalistas, entre elas a brasileira,


experimentam contradições que revelam divergências, e, no limite, conflitos de interesse.
Essas divergências manifestam-se pelas diferentes classes sociais e frações de classes que se
relacionam e compõem a estrutura social.

Quando as divergências e conflitos ocorrem a propósito da propriedade, posse e uso da terra,


as classes e frações concernentes compõem a estrutura agrária. Propriedade e posse da terra
(relações de produção e de trabalho, etc.) são objetos de políticas agrárias e das relações com
o mercado de terras. Já o seu uso (sistemas de produção, insumos industriais, tecnologias,
processamento, comercialização, financiamento, etc.) é objeto de políticas agrícolas e das
relações com o mercado do agronegócio 1 . Todavia, ambas estão relacionadas e são resultantes
de campos de forças políticas que operam nas estruturas. Em resumo, são todas elas, relações
sociais, a reforma agrária consiste em modificá- las até configurar-se uma nova estrutura
agrária. Mesmo havendo distribuição de terras, se a velha estrutura agrária for mantida, não
terá havido reforma agrária, mas apenas transformação agrária (GUTELMAN, 1974).

A permanência histórica das contradições e conflitos, tanto agrários quanto agrícolas, compõe
a questão agrária, que é uma questão social. Em algumas formações sociais, a questão
agrária concernente a uma fase do capitalismo (comercial, industrial, financeiro...) não se
resolve ou não se supera, e acaba exportando velhas contradições para o ciclo seguinte. Nesse
caso, pode-se dizer que as relações sociais de produção não acompanharam a nova etapa do
desenvolvimento capitalista – ou novo ciclo de acumulação, com ganhos de produtividade do
trabalho.

São as condições econômicas que indicam o grau de participação dos indivíduos e grupos nos
benefícios do sistema capitalista. As condições de sobrevivência, os rendimentos (rendas), e a
inserção do pequeno produtor e do trabalhador rural no mercado não são iguais às dos grandes
e médios produtores agrícolas (proprietários e arrendatários capitalistas). Os detentores do

1
Ao contrário do que a mídia d ivulga para o grande público, considera-se neste trabalho o conceito original de
agribusiness conforme a t radução correta de Guimarães (1982), ou seja, Co mp lexo Agroindustrial (CAI).
grande capital possuem equipamentos e condições adequadas para investir e participar
efetivamente da riqueza, com maiores escalas de produção, e ganhos de produtividade.

A questão agrária brasileira encontra-se envolta em inúmeras problemáticas. A expropriação


do pequeno produtor é o corolário do aumento da desigualdade na estrutura de posse e uso de
terras. Mesmo com a luta incessante dos movimentos sociais por uma reorganização agrária e
agrícola, a estrutura agrária brasileira mantém os velhos índices de desigualdades. O índice de
Gíni, por exemplo, sempre próximo de 1,0 (desigualdade máxima), não se move, apesar das
políticas agrárias de sucessivos governos. Nenhum deles hesita em divulgar, na mídia,
resultados positivos da sua “reforma agrária”. Apesar da promulgação do Estatuto da Terra –
Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 – que, dentre outras questões, versa sobre a função
social da propriedade da terra, com a elaboração dos Planos Nacional de Reforma Agrária I e
II, nota-se que foram poucos os avanços no que se refere à redistribuição de terras e à
reorganização agrária e agrícola no País.

Na escala da realidade baiana, essa situação não é diferente. Observa-se grande concentração
na propriedade das terras, além de infraestrutura e boas condições de produção ao alcance de
poucos indivíduos ou empresas – o que deixa a maior parte da sociedade refém de suas
imposições. Dessa realidade resultam inúmeros conflitos em busca por maior equiparação de
direitos através da redistribuição da propriedade e da renda, com o objetivo de possibilitar
maior participação das classes sociais menos favorecidas no processo de produção e
reprodução da vida. Entre as tentativas de incluir-se no processo de produção citam-se as
tentativas dos movimentos sociais em participar dos espaços de decisão políticas como, por
exemplo, das Políticas de Desenvolvimento Territorial (PDT).

Por meio da PDT, que consta na lei orçamentária expressa no Plano Plurianual da
Administração Pública para o período 2008-2011(PPA 2008-2011), o Estado da Bahia divide-
se em 27 Territórios de Identidade (Mapa 1). Essa divisão, inicialmente, segue o modelo da
Política de Desenvolvimento Territorial Nacional. O Ministério de Desenvolvimento Agrário
(MDA), em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
divide o espaço agrário brasileiro em territórios rurais 2 . O objetivo é atender às demandas do

2
Maiores informações no site: http://sit.mda.gov.br/images/mapas/tr/br_055_trs_164_ maio_2009.jpg
público beneficiário das ações da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), integrante
do MDA, que visam ao desenvolvimento sustentável na área rural.

Mapa 1: Territórios de Identidade do Estado da Bahia – 2013

Fonte: http://www.sei.ba.gov.br/site/geoambientais/mapas/pdf/mapa_territ_ident2013.pdf (acessado em


05/ 05/ 2014).
Do ponto de vista espacial-territorial, a pesquisa abrange o Território de Identidade Portal do
Sertão – Bahia que abrange os municípios: Água Fria, Amélia Rodrigues, Anguera, Antonio
Cardoso, Conceição da Feira, Conceição do Jacuípe, Coração de Maria, Feira de Santana,
Ipecaetá, Irará, Santa Barbara, Santanópolis, Santo Estevão, São Gonçalo dos Campos,
Tanquinho, Teodoro Sampaio e Terra Nova. (Mapa 2). A sua escolha justifica-se pela grande
concentração da propriedade e da renda, o que deixa a maior parte da população em condições
precárias de vida. É intrigante perceber que mesmo com essa realidade e o grande número de
grupos sociais organizados nesse território, não são expressivas as lutas dos movimentos
sociais a propósito da questão agrária. Ao analisar dados referentes ao índice de Gíni da
estrutura fundiária, quantidade de acampamentos e assentamentos, dentre outros, é possível
perceber que ainda há muitas questões sobre as quais se deve refletir. Além da grande
concentração de propriedades, a justificativa também recai sobre a existência do grande
número de políticas agrárias e agrícolas pontuais. Por essas duas razões, o Território de
Identidade Portal do Sertão torna-se uma importante territorialidade para investigação.

Esta pesquisa tem como objetivo analisar expressões da questão agrária no Território de
Identidade Portal do Sertão, Bahia, na seguinte ordem: identificar a estrutura agrária, ou seja
as principais classes sociais envolvidas na questão agrária; identificar as principais
reivindicações dessas classes, convergências e divergências de interesses, bem como as suas
diferentes demandas; verificar se existem propostas e sugestões formuladas para minimizar a
questão agrária. Na prática, buscam-se soluções dos problemas de ordem estrutural.

Como resultado, espera-se responder às seguintes questões: quais as principais classes sociais
envolvidas na questão agrária? Quais as suas principais reivindicações? Que propostas ou
sugestões são apresentadas para minimizar a questão agrária? As reivindicações, problemas e
sugestões da sociedade são encontrados na Política de Desenvolvimento Territorial (PDT) do
Portal do Sertão, através do Conselho de Desenvolvimento Territorial (CODES/Portal)?

Essas questões contribuem para identificar a composição da estrutura agrária, sua influência,
suas demandas, convergência e divergência de interesses, e as diferentes demandas de cada
classe social ou fração. Assim, espera-se conhecer o processo de busca de soluções para os
problemas de ordem estrutural que afetam o sistema territorial de posse e uso da terra. Além
disso, investiga-se como o poder público, por meio da PDT, trata a questão agrária no Portal
do Sertão.
Mapa 2: Localização do Território de Identidade Portal do Sertão – Bahia

Fonte: http://www.sei.ba.gov.br (acessado em 27/06/2010)


Tais questões são pensadas a partir de levantamentos teórico-conceituais no intuito de
subsidiar a discussão dos resultados obtidos, no que se refere à questão agrária. A análise de
documentos dos sindicatos patronais e dos sindicatos d e trabalhadores rurais, atas de reuniões,
relatórios orçamentários e planos de ação possibilita conhecer o funcionamento dessas
organizações. São analisadas também ações do poder público frente aos problemas agrários, a
partir dos diversos órgãos atuantes no território, programas e políticas agrárias que têm por
finalidade minimizar a questão agrária. O PPA 2008-2011 do Estado da Bahia apresenta
propostas orçamentárias para ação do governo nos Territórios de Identidade. O
CODES/Portal, através de documentos e planos de ação, traz importante contribuição para
entender a questão agrária.

A inserção do capital no campo, que ocorre de forma heterogênea, tem modificado as formas
de produção e ampliado a produtividade agrícola. Como resultado desse processo,
intensificam-se as desigualdades sociais no campo devido às diferentes condições de inserção
no modo de produção capitalista. Essa realidade é visualizada no Território de Identidade
Portal do Sertão, espaço da pesquisa.

No Portal do Sertão, nota-se a questão agrária cada vez mais presente na realidade. A
concentração de propriedade e da renda, reflexo do modo de acumulação e do
desenvolvimento econômico, político e social, é uma realidade do campo, que também tem
rebatimento nas relações sociais das cidades. Tem-se uma concentração fundiária que se
representa, nas extremidades, pelo índice de Gíni, 2006, entre 0,71, no município de Irará, e
0,90, em Amélia Rodrigues. São visíveis os acampamentos, comunidades quilombolas e
colônias de pescadores que evidenciam a demanda da população por melhor distribuição de
terras. Destaque também para o resgate de trabalhadores oriundos de oito municípios do
território, que trabalhavam em condição análoga a escravos.

Na visão do Estado, o ordenamento territorial deve possibilitar o controle e a gestão do


espaço, em escalas cada vez menores, por meio de uma relação entre as áreas de pequeno e
grande dinamismo econômico, com o intuito de reduzir as desigualdades sócio-espaciais, ao
equiparar as condições socioeconômicas regionais. Isso é posto em prática através da
elaboração e implantação de políticas setoriais regionalizadas. Apesar da grande importância
da questão agrária na organização do espaço, esta não tem sido foco das discussões e
construção do plano de ação territorial para o Portal do Sertão. Reflete-se como pensar e agir
no espaço sem considerar a grande quantidade de conflitos existentes, entre as classes e
frações de classes sociais, a propósito da propriedade, posse e uso da terra.

É nítida a existência de conflitos entre as demandas da sociedade civil organizada no campo e


as propostas do governo estadual, no tocante à questão agrária. Identificam-se outros desafios
e perspectivas encontrados no Portal do Sertão, dentre outras questões. Chama atenção a
pouca visibilidade das lutas sociais no campo.

A relevância deste trabalho dá-se ao passo que, a partir do compromisso político e social, visa
revelar a complexidade de questões que ficam nos bastidores das relações sociopolíticas, a
fim de compreender a correlação de forças que direciona as ações políticas, e assim
apresentar, à sociedade, de que forma seus interesses são considerados no fazer das políticas
públicas. Para a academia pretende-se, através da análise teórico-crítica, mostrar as demandas
históricas das classes sociais menos privilegiadas e as possíveis soluções para os conflitos no
campo.

Para o debate, propõe-se investigar a Política de Desenvolvimento Territorial em processo de


implantação no Portal do Sertão. Trata-se da continuidade da pesquisa realizada para
monografia de especialização, defendida e aprovada, em abril de 2011, no Programa de Pós-
Graduação em Dinâmica Territorial e Socioambiental do Espaço Baiano da Universidade
Estadual de Feira de Santana. A monografia tem como título: “A Gestão do Território de
Identidade Portal do Sertão (BA): uma análise a partir do município de Feira de Santana
(COUTO, 2011)”, que possibilitou diversos questionamentos referentes à questão agrária, que
passam a ser investigados nesta nova pesquisa para dissertação de mestrado.

A dificuldade para se compreender a estrutura da sociedade, por meio da identificação das


principais classes sociais, reside, de um lado, na sustentação teórico-conceitual e, de outro,
nos limites do trabalho empírico.

O que parece nos preocupar a todos é a efetiva natureza das condições que
determinam o movimento desta sociedade, que definem a natureza das suas
transformações, ocorridas ou em curso. A mera reflexão teórica, o abusivo
ensaísmo de gabinete, não vai nos levar muito longe. Do mesmo modo, o
empirismo sem sustentação teórica, de indagações superficiais, só servirá
para confundir ainda mais (MARTINS, 1979, p.1).
A investigação considera todas as situações, sem fazer juízo de valor com relação aos dados
encontrados. Para tanto uma reflexão exclusivamente teórica não atende aos objetivos
propostos. Por outro lado, o empirismo puro pode incorrer no erro de apresentar uma
realidade camuflada, ilusória. Quando se utiliza o recurso metodológico da pesquisa de
campo, deve-se ter a devida atenção para não cair em armadilhas de percurso. Deve-se ter
clareza para não se afastar do objetivo e não perder o foco.

Quanto aos procedimentos utilizados, começa-se por uma pesquisa bibliográfica.


Compreender a questão agrária e suas implicações nas relações entre as classes sociais e
frações que compõem a estrutura agrária. Qual o papel dessas classes e frações nas questões
mais importantes, concernentes à sociedade atual? O recurso aos autores que definiram os
principais conceitos inerentes à questão agrária contribui para entender o processo histórico
capitalista, inclusive colonial, até à realidade atual do campo brasileiro.

Os procedimentos abrangem também análise de dados quantitativos referentes aos


estabelecimentos agropecuários. Esses dados oficiais, coletados no Censo Agropecuário do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dão uma primeira ideia da localização e
definição dos principais estratos sociais e tipos que caracterizam a estrutura agrária, do ponto
de vista das relações de posse e uso da terra, bem como das atividades e produções agrícolas.

Realizadas entrevistas no Sindicato Patronal integrado por grandes e médios produtores,


conforme a atividade predominante (pecuária, grãos, etc.). A fim de conhecer os produtores
que participam da organização representativa; qual ou quais os critérios de participação; quais
as principais demandas; como suas reivindicações são vistas pelos governos, em diferentes
níveis, e sua relação com os demais sindicatos.

Coletam-se também, na Federação da Agricultura do Estado da Bahia (FAEB), dados que


expressam a realidade agrária do território, como principais produtores, atividades e
produções, finalidade da produção e relação entre menores e maiores produtores.

Analisam-se as ações do poder público frente aos problemas agrários por meio das políticas
agrárias, a exemplo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), e das diversas linhas de crédito rural, por mutuário e por unidade de área.
Identificam-se, no território, os principais beneficiados por essas políticas.
Constrói-se uma série histórica da população do território para identificar sua presença no
campo e principais fatores e eventos causadores de movimentos migratórios para as cidades.
Além disso, a análise de dados, como o índice de Gíni (que mede a concentração das
propriedades rurais), formas de acesso à terra, classes sociais que compõem o território,
possibilitam melhor compreensão da questão agrária.

Verificam-se, através de dados da Secretaria da Agricultura (SEAGRI), as principais formas


de organização dos proprietários e não proprietários de terras, e qual a finalidade de tais
organizações, se há conflitos, quais e como se caracterizam.

Na Secretaria de Planejamento do Estado, analisam-se as propostas de divisão do Estado em


Territórios de Identidade tais como: Plano Plurianual da Administração Pública Estadual
(PPA) 2008-2011, documento indispensável para se conhecerem os objetivos propostos na
política territorial. Atas de reuniões e outros documentos do Conselho de Desenvolvimento
Territorial (CODES/Portal) permitem identificar os desafios e perspectivas encontrados na
efetivação das ações, bem como os principais participantes e reivindicações que envolvem a
questão agrária.

Participar das reuniões do CODES/Portal, entrevistar o seu coordenador, gestores municipais,


tais como prefeitos e secretários de agricultura, líderes dos movimentos sociais, dos
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e membros do CODES/Portal, tudo isso leva à percepção
dos principais problemas e demandas territoriais. A análise do discurso para identificar o não
dito nos discursos também contribui para a formação de uma ideia mais atual e precisa a
respeito do território.

Identificação dos principais movimentos sociais do campo atuantes no Portal do Sertão, quem
são os participantes e líderes, como e onde se organiza, quais suas principais reivindicações,
como são atendidas pelo poder público. Para tal são analisados documentos, atas de reuniões
de sindicatos e movimentos sociais atuantes, registros e planos de ação, bem como sua relação
com os diferentes níveis de governo.

Os procedimentos também contemplam entrevistas com representantes dos Sindicatos dos


Trabalhadores Rurais do território, a fim de identificar sua participação nas reivindicações dos
trabalhadores rurais, qual sua forma de ação, quais avanços significativos e quais os principais
entraves para o desenvolvimento rural e territorial.

No primeiro capítulo aborda-se a questão agrária e organização social da produção no campo.


Para isso faz-se uma análise teórico-conceitual da questão agrária, seus paradigmas e
pressupostos históricos. A escala nacional é considerada no tópico Questão Agrária no Brasil:
modo de produção capitalista, classes e frações de classes que formam a estrutura agrária e os
conflitos do campo. O primeiro capítulo se completa com o tópico Campo em Conflito: o
papel da sociedade civil organizada na reestruturação agrária.

O segundo capítulo, intitulado Estrutura Agrária no Portal do Sertão: questão agrária,


produção, renda e população rural e urbana, traz as discussões para o espaço lócus da
pesquisa: o Território de Identidade Portal do Sertão. Faz-se uma análise da Política de
Desenvolvimento Territorial e do Território de Identidade Portal do Sertão, a partir das
classes sociais que compõem a estrutura agrária no Portal do Sertão. Analisam-se também os
sistemas de produção praticados no território e sua relação com a questão agrária.

No terceiro capítulo apresentam-se os principais resultados, ou seja, as expressões da questão


agrária no Portal do Sertão: o CODES/Portal e as reivindicações, problemas e sugestões das
classes sociais do campo. São analisados o Conselho de Desenvolvimento Territorial do
Portal do Sertão e as reivindicações, problemas e sugestões das classes sociais do campo. Os
tópicos se dividem em análises das classes sociais como: as dificuldades encontradas pelos
pequenos e médios produtores; os grandes produtores e suas reivindicações o que o Estado
propõe para minimizar a questão agrária no Portal do Sertão; e pequenos, médios, grandes
produtores, e o poder público os pontos comuns e as divergências nos discursos sobre o que é
melhor para o espaço agrário.
1 QUESTÃO AGRÁRIA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA PRODUÇÃO NO
CAMPO: UMA ANÁLISE TEÓRICO-CONCEITUAL

A questão agrária da atualidade, não pode ser entendida unicamente diante da análise das
relações desiguais no campo; as circunstâncias econômicas e as ações políticas têm grande
influência na manutenção das desigualdades na estrutura social do campo. É preciso
considerar fatores históricos responsáveis pelo paradigma da questão agrária atual.
Compreende-se a questão agrária como problemas do campo oriundos da estrutura social que
subjuga uma classe social para benefício de outra, através do uso econômico da terra, bem
como dos demais recursos da natureza, e assim impõe a permanência das desigualdades
sociais.

A inserção do modo de produção capitalista em escala mundial promove significativas


mudanças tanto na produção quanto na organização da sociedade. No campo essa situação
ficou transparente e mais evidente a partir de fatores como: o fortalecimento da propriedade
privada; a inserção de máquinas e insumos agrícolas na produção; e, principalmente, a
expropriação do pequeno produtor como estratégia do capital para explorar cada vez mais a
mão de obra.

Para compreender a problemática do campo são analisados referenciais claros e


conceitualmente reconhecidos como Marx (1988), Weber (1980), Kautsky (1980) e Gutelman
(1974), que apresentam significativa abordagem e contribuições acerca dos paradigmas da
questão agrária em escala mundial e suas repercussões na estrutura da sociedade. Como a
questão agrária aqui discutida tem grande rebatimento no campo brasileiro são utilizados
autores que analisam os problemas do campo em escala nacional: Guimarães (1982), Prado
Junior (1979), Martins (1979 e 1982) Silva e Stolcke (1981), e Silva (1985) são alguns dos
principais autores utilizados para entender a realidade agrária brasileira.

Diante das relações desiguais e contraditórias, os conflitos no campo são cada vez mais
visíveis. Eles estimulam algumas das mais importantes mudanças na realidade cotidiana, a
exemplo de alterações nas políticas econômicas voltadas ao campo. Os grupos sociais não se
deixam intimidar pelas condições de subordinação a que são submetidos devido à
concentração de recursos e lutam pela permanência no campo com condições igualitárias de
sobrevivência. Germani (2001; 2009) faz importante contribuição a esse respeito quando
analisa as desigualdades sociais e as diversas lutas protagonizadas pelas classes sociais menos
privilegiadas no campo.

Em escala mundial pode-se considerar que grande parte dos problemas sociais que assolam a
população tem origem no sistema de posse e uso da terra. Salienta-se que a mudança no
sistema de produção, do não capitalista ao capitalista, que em si agrega também grandes
mudanças no modo de produção, se destacou como um importante marco para intensificação
das diferenças sociais, especialmente no que se refere à acumulação de capital. O pequeno
produtor é um dos principais prejudicados com as mudanças no sistema econômico, pois,
grande parte torna-se trabalhador desprovido dos meios de produção e dependente do grande
produtor para sua subsistência, fenômeno denominado proletarização. Assim se inserem nesse
processo, enquanto produtores de uma riqueza a ser apropriada pelos detentores do grande
capital.

Com a redução das condições de produção e, consequentemente, de sobrevivência do homem


no campo, a precarização das condições de vida e trabalho unidos à intensificação da
industrialização, através da introdução de técnicas cada vez mais avançadas, é inevitável a
migração de pequenos produtores aos grandes centros urbanos em busca de fonte de renda e
melhores condições de vida para suas famílias. Nesse processo é cada vez mais frequente a
desvalorização do saber fazer camponês. Assim, em muitos casos esse pequeno produtor não
se adéqua às funções disponíveis para eles nas cidades, engrossando a fila dos
desempregados. Muitos pequenos produtores e trabalhadores rurais permanecem no campo
em diversas condições, por exemplo, como os produtores integrados, que produzem no campo
(frango, cana-de-açúcar, etc.) de forma atrelada à agroindústria, Tendo como consequência: o
endividamento, a submissão, a precarização. Em algumas situações a apropriação se realiza
não no momento da produção inicial, mas em outras etapas do processo, como na circulação e
comercialização do produto final de seu trabalho.

A questão agrária expressa nesta pesquisa está intimamente associada à expansão do modo de
produção capitalista no campo. A organização da produção, as relações sociais e a conjuntura
política no campo sofrem grandes impactos do capital. Com isso há uma divisão social do
trabalho que submete grande massa da população a uma minoria detentora do capital. Essa
realidade é expressa a partir da análise das formas de exploração e expropriação do pequeno
produtor pelo grande capital. Diante dessa situação busca-se identificar os principais
pressupostos teórico- metodológicos responsáveis pela questão agrária atual.

A partir da leitura de Marx (1988), notam-se os principais fatores históricos responsáveis pela
expansão do capital e a forma moderna de atuação do capital no campo. O capitalista insere-
se na área rural e se apropria do trabalho social do produtor para extrair mais-valia,
transforma a terra, antes vista como patrimônio pelo produtor, em mercadoria. A terra antes
tratada como elemento da natureza agora é vista como propriedade privada, e o trabalho que
era propriedade do trabalhador torna-se também mercadoria. Apresenta a importância dos
avanços tecnológicos, da industrialização na agricultura, do êxodo rural, da aglomeração
urbana, do desemprego por excesso de mão de obra disponível, da mercantilização e da
criação de mercado consumidor como responsáveis por significativas mudanças na vida do
camponês. Weber (1980) relaciona a sociedade rural com a industrial e expõe as semelhanças
entre elas devido à relação do produtor agrícola com o espaço urbano, afirma que o pequeno
produtor é necessário também na produção de alimentos para a indústria.

Para Kautsky (1980), o modo de produção capitalista gera significativas alterações nas
condições de produção e nas relações sociais estabelecidas no campo, promove mudança nas
formas de vida, além do surgimento de novas necessidades e a submissão de uma classe social
a outra. A estrutura social agrária é composta por distintas classes sociais e frações de classes,
e pelas relações sociais estabelecidas entre elas. Gutelman (1974) faz clara exposição a esse
respeito e apresenta três tipos básicos de relações sociais: relações de produção, relações de
distribuição, e relações de apropriação. São mediadas pelo trabalho social, produzem, em sua
essência, além de riquezas, diferenciações entre classes sociais e provocam grandes e
inumeráveis conflitos.

Essa realidade se processa igualmente no campo brasileiro. Apesar da industrialização da


agricultura ter causado significativas mudanças nas formas de produzir, aumentando o volume
da produção, e sua lucratividade, em contrapartida intensifica os problemas de ordem
estrutural e amplia a distância entre as diversas classes sociais mediadas pelo capital.
Guimarães (1982) acredita que a modernização da agricultura brasileira e a inserção de
grandes corporações multinacionais nas relações de produção do campo causam aumento
significativo da crise estrutural agrária no País.
No Brasil, não se pode deixar de visualizar o processo histórico de transição de um modo de
produção não capitalista a um modo de produção capitalista. E como todo processo de
transição, deixa suas marcas e singularidades. Para Guimarães (1982) há coexistência de
características dos dois modos de produção no sistema capitalista, o modo de produção pré-
capitalista e o modo capitalista de produção, por exemplo, embora o mais forte e mais recente
se superponha ao menos expressivo. A esse respeito, as análises de Guimarães (1982) e
Martins (1979 e 1982) trazem importantes e distintas contribuições teóricas a esta pesquisa.

Como proposta de solução para os problemas sociais, Kautsky (apud Silva e Stolcke, 1981) e
Silva (1985) propõem uma revolução que interfira no campo, na cidade e, principalmente, nas
relações de cooperação entre nações. Para eles Reforma Agrária não é s uficiente. É necessário
criar condições igualitárias de inserção dos trabalhadores rurais no sistema capitalista por
meio de políticas voltadas aos pequenos produtores. Em busca desses ideais a sociedade se
organiza em movimentos sociais; articulam-se estratégias de pressão por políticas públicas
que atendam a seus objetivos em reduzir as desigualdades sociais no campo. Exemplo disso
são as lutas dos trabalhadores rurais sem terra, dos sindicatos de trabalhadores rurais, de
associações comunitárias, entre outros. Germani (2001 e 2009) traz considerável contribuição
a esse respeito quando afirma que são visíveis as mudanças na realidade social do campo
enquanto resultado da pressão exercida pelos movimentos sociais que lutam incessantemente
pela igualdade de direitos na produção e reprodução da vida no campo.

Acredita-se que uma efetiva mudança nas condições sociais do campo só seria processada a
partir de uma mudança na estrutura social atual. Não é interesse do Estado nem das classes
sociais dominantes contribuir para que essa mudança aconteça. As políticas públicas
paliativas e compensatórias implantadas como estratégia para minimizar os danos causados
pelos conflitos oriundos das desigualdades sociais provocam o enfraquecimento momentâneo
das lutas sociais por igualdade de direitos, e, assim, permite a permanência das desigualdades
mediante a continuidade da expropriação e exploração do pequeno produtor em favor das
classes dominantes.

1.1 PARADIGMAS DA QUESTÃO AGRÁRIA: PRINCIPAIS FATORES HISTÓRICOS

Para entender o paradigma da questão agrária atual é preciso alcançar as raízes do problema: a
que se associa; a quem interessa a manutenção dos problemas vigentes; quem são os
principais afetados; e, finalmente, quais os impactos disso na realidade social. Como dito no
caput deste capítulo a questão agrária aqui analisada possui relação direta com o sistema
capitalista de produção. É preciso considerar também sua associação à estrutura social que
submete uma classe social a outra a fim de atender aos objetivos do sistema produtivo atual.

Em Marx (1988) é possível perceber que para gerar acumulação de capital a produção
capitalista utiliza-se, necessariamente, da mais- valia resultante da exploração da força de
trabalho. Assim, acumular capital em alguns casos perpassava pela necessidade da compra da
força de trabalho. Entretanto, quem possui força de trabalho disponível na maioria dos casos é
expropriado dos meios de produção e por esse motivo tem que trabalhar cada vez mais.
Quanto maior a força de trabalho empregada na produção de capital menor serão suas
condições de acumulação de riqueza. Desse processo pode-se identificar a origem da pobreza
de grande parte da população que possui apenas sua força de trabalho para vender em troca da
sobrevivência.

Para que essa acumulação ocorresse de forma desigual no processo histórico houve uma
gradativa separação entre o produtor, transformado em assalariado, e seus meios de produção.
No processo de acumulação de capital é necessária a existência de trabalhadores sem
propriedades, dispostos a vender sua força de trabalho a fim de adquirir meios de
sobrevivência para sua família. Por esse motivo esta separação tornou-se historicamente
necessária à formação da estrutura econômica da sociedade capitalista. Segundo Marx (1988),
sem a expropriação e utilização da força do trabalho social do pequeno produtor, dinheiro e
mercadoria não poderiam ser transformados capital.

Dinheiro e mercadoria, desde o princípio, são tão pouco capital quanto os


meios de produção e de subsistência. Eles requerem sua transformação em
capital [...] Portanto, o processo que cria a relação-capital não pode ser outra
coisa que o processo de separação de trabalhador da propriedade das
condições de seu trabalho, um processo que transforma, por um lado, os
meios sociais de subsistência e de produção em capital, por outro, os
produtores diretos em trabalhadores assalariados [...] (MARX, 1988, p. 340).

Nesse processo, os meios de produção e subsistência, dinheiro e mercadoria, cada vez menos
acessíveis ao trabalhador, tornam-se capital. Assim se configuram as desigualdades sociais
especialmente no que se refere ao direito à acumulação de capital. A expropriação da terra
aliada à expulsão do pequeno agricultor do campo contribuiu significativamente com a
disponibilização de mão de obra ao mercado de trabalho. No Brasil, a existência de
trabalhadores sem a propriedade de bens ou condições de produção como os índios e negros
libertos viabiliza as bases do modo de produção capitalista. Para seu funcionamento, o
capitalismo supõe a existência e a manutenção de proletários livres das obrigações servis e,
principalmente, da propriedade de bens ou condições de subsistência. Marx (1988) afirma que

[...] Uma massa de proletários livres como os pássaros foi lançada no


mercado de trabalho pela dissolução dos séquitos feudais [...] Foi muito
mais, em oposição mais teimosa à realeza e ao Parlamento, o grande senhor
feudal quem criou um proletariado incomparavelmente maior mediante
expulsão violenta do campesinato da base fundiária, sobre a qual possuía o
mesmo título jurídico feudal que ele, e usurpação de sua terra comunal.
(MARX, 1988, p.343)

A burguesia capitalista também teve grande importância na ampliação das desigualdades


sociais no campo, pois esta contribuiu para a transformação da base fundiária em mercadoria
comercializável, o que possibilitou a ampliação da área da grande exploração agrícola e
aumentou a quantidade de proletários oriundos do campo. Segundo Marx (1988)

[...] Os capitalistas burgueses favoreceram a operação visando, entre outros


motivos, transformar a base fundiária em puro artigo de comércio, expandir
a área da grande exploração agrícola, multiplicar sua oferta de proletários
livres como os pássaros, provenientes do campo [...] (MARX, 1988, p. 348).

A burguesia age conforme interesses econômicos via aumento da oferta de mão de obra
disponível e da redução dos salários e da qualidade de vida da população. No Brasil, o Estado,
através de seu aparato legal com instrumentos institucionais, legitima a separação entre
produtores e meios de produção. A Lei de Terras, as Constituições, a legislação como um
todo tornam legítima a propriedade privada da terra. Ao mesmo tempo em que cria o
proprietário, cria também o seu oposto, o trabalhador desprovido da propriedade da terra e dos
demais meios de produção.

A indústria não consegue absorver toda a mão de obra disponível; muitos agricultores
expropriados não conseguem se adequar às novas condições de vida e trabalho nas cidades.
Surge então uma massa de desocupados propensos à marginalização como consequência das
condições a que são submetidos. Como estratégia para minimizar tal problemática, criam-se
leis violentas contra a população. Primeiro, expropriam-se os camponeses que se transformam
em pessoas à margem da sociedade. Depois são criados meios para aniquilar sua dignidade
humana, através de leis brutais, fazendo-os acreditar que são eles os únicos responsáveis pelas
condições em que vivem – e por esse motivo são violentamente punidos.

Assim, o povo do campo, tendo sua base fundiária expropriada à força e


dela sendo expulso e transformado em vagabundos, foi enquadrado por leis
grotescas e terroristas numa disciplina necessária ao sistema de trabalho
assalariado, por meio do acoite, do ferro em brasa e da tortura [...] A
organização do processo capitalista de produção plenamente constituído
quebra toda a resistência, a constante produção de uma superpopulação
mantém a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salário em
trilhos adequados às necessidades de valorização do capital, e a muda coação
das condições econômicas sela o domínio do capitalista sobre o trabalhador
[...] (MARX, 1988, p. 358 – 359).

Por meio da coerção tenta-se bloquear a resistência e, com o crescimento populacional se


garante a lei da oferta e da procura por trabalho que possibilita a manutenção dos baixos
salários e fortalece as desigualdades das relações no modo de produção capitalista. Os
trabalhadores expropriados do campo, agora com hábitos urbanos, são levados a consumir os
produtos dessa nova sociedade. Assim, encontra solução à falta de mercado consumidor para
os novos produtos comercializados.

A expropriação e a expulsão de parte do povo do campo liberam, com os


trabalhadores, não apenas seus meios de subsistência e seu material de
trabalho para o capital industrial, mas criam também o mercado interno. [...]
Antes, a família camponesa produzia e processava os meios de subsistência e
as matérias-primas que depois, em sua maior parte, ela mesma consumia.
Essas matérias-primas e esses meios de subsistência tornaram-se agora
mercadorias; o grande arrendatário as vende e nas manufaturas encontra ele
seu mercado [...] (MARX, 1988, p. 367).

Além das relações de trabalho e da criação de mercado consumidor a transformação de


dinheiro em capital se configura como um mecanismo para a ampliação de capital. Ao
retomar a questão inicial é necessário compreender a acumulação do capital enquanto
expropriação dos produtores e transformação destes em proletários, com principal objetivo de
privilegiar uma minoria em detrimento das grandes massas oriundas do campo. Devido à
usurpação, monopolização e exploração histórica das vantagens resultantes desse processo,
Marx (1988) questiona:

A que conduz a acumulação primitiva do capital, isto é, sua gênese


histórica? Na medida em que ela não é a transformação direta de escravos e
servos em trabalhadores assalariados, portanto, mera mudança de forma,
significa apenas a expropriação dos produtores diretos, isto é, dissolução da
propriedade privada baseada no próprio trabalho. Propriedade privada, como
antítese da propriedade social, coletiva, existe apenas onde os meios de
trabalho e suas condições externas pertencem a pessoas privadas. Porém,
conforme estas pessoas privadas sejam trabalhadores ou não-trabalhadores, a
propriedade privada assume também caráter diferente [...] (MARX, 1988,
p.378).

Na contramão dessas circunstâncias o monopólio do capital e os limites resultantes da


propriedade privada se configuram enquanto entrave ao modo de produção que o gerou. Com
a ampliação da exploração, da opressão e da miséria, aumenta-se a consciência das injustiças
a que os trabalhadores estão expostos e, consequentemente as revoltas, fruto das relações
desiguais inerentes ao modo de produção capitalista.

Segundo Weber (1980) a individualidade e tradicionalidade histórica do meio rural tem se


perdido ao longo do tempo devido a crescente relação com o espaço urbano. Nesse processo
destaca-se o distanciamento entre o grande proprietário e o cultivo. Não se pode mais pensar
no proprietário enquanto agricultor, pois este último em muitos casos é representado pela
figura do arrendatário, ou seja, o dono temporário da terra, enquanto o proprietário pode ser
confundido com um capitalista comum que absorve do campo apenas a renda resultante da
relação do arrendatário agricultor com a produção. Essa situação influencia também nas
relações de trabalho que transformam o pequeno produtor em assalariado, bem parecido com
as relações do proletário com a empresa que trabalha.

Uma situação que influenciou tais mudanças no campo está diretamente relacionada à
permanência histórica da concentração fundiária no meio rural como resultado do processo de
distribuição que limita a possibilidade de adquirir terras por aqueles que não têm esse direito
através de herança. Essa situação contribui consideravelmente na diferenciação econômica,
social e política da sociedade como afirma Weber (1980):

[...] a forma pela qual a terra é distribuída torna-se de importância decisiva


para a diferenciação da sociedade e para todas as condições econômicas e
políticas do país. Devido a maior aglomeração dos habitantes e menor
valorização da força de trabalho bruta, a possibilidade de adquirir
rapidamente propriedades que não foram herdadas é limitada. Assim a
diferenciação social torna-se necessariamente fixa [...] Tal destino aumenta o
poder da tradição histórica, que é naturalmente grande na produção agrícola
(WEBER, 1980, p.90).
A expropriação e exploração do pequeno produtor, seguido da desvalorização do saber fazer
camponês e do surgimento de novas tecnologias influenciaram na diminuição das ocupações
no espaço rural. Essa situação provocou uma aglomeração da população sem propriedades
herdadas e sem ocupação, intensificou as diferenças sociais e garantiu ao grande proprietário
agrícola a ampliação de seus recursos. Além disso, a transformação dos produtos agrícola em
mercadoria passou por um intenso processo de mudança a partir da revolução técnica e da
divisão do trabalho. As primeiras relações agrícolas tinham como função a subsistência
familiar do produtor, só era transformado em mercadoria o excedente com objetivo de
adquirir produtos como tecidos e utensílios domésticos. A mão de obra era suficiente para a
produção. Weber (1980) considera a divisão racional do trabalho e a inserção de matéria
orgânica na produção rural como estratégia mais eficaz que a revolução técnica para o
aumento na produtividade agrícola. Esse contexto histórico da suporte a compreensão da
situação atual do modo de produção agrícola.

Com a crescente utilização de terras enquanto investimento de capital, e devido à sua


valorização social, o preço da terra tende a aumentar. Como resultado deste processo, nota-se
o aumento no numero dos arrendadores “[...] Assim, aumentando o capital necessário às
operações agrícolas, o capitalismo provoca um aumento no número de arrendadores de terras
que são ociosas [...] as diferenças provocadas pelo capitalismo adquirem o caráter de uma luta
cultural [...]” (WEBER, 1980, p.92), luta essa expressa pelas relações sociais entre o
proprietário da terra e o trabalhador, que raramente consegue por meio do trabalho o direito
ao acesso à terra para produção.

O pequeno produtor caracterizado como trabalhador dono de seus meios de produção e


adaptado às relações de mercado é diferenciado do trabalhador rural contratado pela empresa
agrícola que depende das relações capitalistas de trabalho. Isso gera conflitos entre
capitalismo e tradição agrícola. No sistema político esses conflitos tornam-se cada vez mais
intensos, pois o poder político e econômico se direciona com frequência ao capitalismo
urbano. Segundo Weber (1980):

[...] O conflito entre o capitalismo e a tradição tem agora conotações


políticas, pois se o poder econômico e político passa definitivamente para as
mãos do capitalista urbano, surge a questão de se os pequenos centros rurais
de informação política, com sua cultura social peculiar, entrarão em
decadência, e as cidades, como as únicas depositárias da cultura política,
social e estética, ocuparão todo o campo de batalha.[...] as pessoas que foram
capazes de viver para a política e o Estado, como por exemplo a velha
aristocracia agrária econômica independente, serão substituídas pelo
domínio exclusivo de políticos profissionais que devem viver da política e
do Estado (WEBER, 1980, p. 94).

As relações entre urbano e rural vão além das relações econômicas de produção, tornam-se
também político-culturais. O grande produtor ao mesmo tempo capitalista, cada vez mais
inserido na realidade urbana, interfere diretamente nas decisões políticas que irão influenciar a
vida social do pequeno produto rural. O poder econômico e o poder político não se
estabelecem de forma descolada neste processo. Ambos compartilham um mesmo objetivo, de
ampliar o alcance e a rentabilidade do capital.

Para compreender a questão agrária segundo o pensamento marxista e através de interpretação


de seus principais seguidores deve-se identificar a relação do modo de produção capitalista
com as transformações ocorridas no campo ao longo do tempo. Segundo Kautsky (1980), uma
análise nessa magnitude requer identificar a relação do capital com a agricultura e sua
influência nas formas de produção e de propriedade.

Se se deseja estudar a questão agrária segundo o método de Marx não se


deve equacionar apenas o problema de saber se a pequena exploração tem ou
não futuro na agricultura. Deve-se ao contrário, pesquisar, todas as
transformações experimentadas por esta última no decurso do regime de
produção capitalista. Deve-se pesquisar se e como o capital se apodera da
agricultura, revolucionando-a subvertendo as antigas formas de produção e
de propriedade, criando a necessidade de novas formas (KAUTSKY, 1980,
p.28).

Kautsky (1980) conceitua a questão agrária a partir da inserção do capital no campo que
provoca modificações às condições de produção e intensifica as desigualdades sociais. Na
tendência de evolução da agricultura moderna traçada pelo desenvolvimento industrial, o
capital se apodera da agricultura e cria novas formas de produção e novos proprietários rurais
além de gerar diferentes fatores e fenômenos característicos da questão agrária.

[...] O que nos falta é o fio condutor que nos permita um rumo nesse
embaralhamento de fatos tão diversos, é o conhecimento das tendências
fundamentais que atuam sob os fenômenos, e os determinam. Trata-se de
considerar como fenômenos parciais de um processo de conjunto as diversas
questões particulares integrantes da questão agrária, a relação entre as
grandes e as pequenas explorações, o endividamento, o direito de heranças, a
falta de braços, a concorrência do além-mar, etc., que são hoje estudadas à
parte como fenômenos especiais. (KAUTSKY, 1980, p.20).
Kautsky (1980) aborda a superioridade da grande exploração agrícola em relação à pequena a
partir das técnicas, embora reconheça que se comparada a indústria essas grandes explorações
capitalistas podem ser consideradas inferiores se pensadas nesse mesmo quesito. Apesar das
técnicas imprimirem maiores progressos e lucros à agricultura. Com a substituição das
pequenas explorações por grandes empresas capitalistas há o aumento da proletarização
acompanhado pelo aumento dos depósitos e ao mesmo tempo a diminuição do bem estar
social das massas.

Segundo Kautsky (1980), para a grande exploração agrícola capitalista se manter no mercado
não basta ter a posse dos meios técnicos e financeiros, nem as melhores condições físicas para
produção; precisa da existência de trabalhadores sem propriedades, forçados a vender sua mão
de obra e gerar mais-valia. À medida que aumenta o número de pequenos produtores ao lado
de grandes explorações, aumenta igualmente a quantidade de trabalhadores disponíveis.

[...] A terra deles [pequenos produtores] é muito limitada para fornecer o


excedente sobre as necessidades de sua própria casa. Eles não têm produtos
agrícolas que possam levar ao mercado. A única mercadoria que podem
vender é a sua força de trabalho, que só temporariamente é reclamada em
globo pela sua própria exploração. Um dos meios de aproveitá-la reside no
trabalho assalariado, efetuado nas empresas maiores (KAUTSKY, 1980,
p.35).

Devido às condições inferiores de produção, os pequenos produtores se submetem a todo tipo


de emprego a fim de prover o sustento da família. Com o surgimento de novas gerações de
pequenos produtores o trabalho disponível no campo torna-se insuficiente, é necessário
migrar em busca de outros trabalhos que, em alguns casos, não são agrícolas. Ou passam a
morar nas cidades, e aumentam os problemas urbanos, pelo excesso de moradores
inesperados. Kautsky (1980) visualiza que com as mudanças no modo de produção e o
surgimento de novas classes e frações de classes sociais no campo as relações sociais e,
principalmente o modo de vida do campo sofre consideráve is modificações. “O antagonismo
de classe existente entre o explorador e o explorado, entre o possuidor e o proletário, penetra
na aldeia, no próprio lar do camponês, e destrói a antiga harmonia e a antiga comunidade de
interesses” (KAUTSKY, 1980, p.35). Como consequência desse antagonismo, são gerados
inúmeros conflitos que influenciam no pensar e no viver no campo dando expressividade à
questão agrária.
No processo de produção as tecnologias têm vantagens em relação ao trabalhador, pois elas
permitem melhor e mais veloz produtividade ao campo. Assim a mão de obra é
frequentemente substituída por máquinas cada vez mais avançadas e técnicas que visam
aumentar a produção e a produtividade no campo. Essa situação intensifica os problemas no
campo, pois, além de engrossar a fila dos desempregados, ainda provoca o enfraquecimento
das pequenas indústrias domésticas em relação às grandes que possuem maior capital para
empregar nesses instrumentos. Kautsky afirma que

[...] é preciso observar que precisamente nas partes capitais da agricultura, e


sobretudo na lavoura propriamente dita, a máquina trabalha não apenas mais
depressa, mas ainda com perfeição maior que a do operário manual com as
suas simples ferramentas. Assim obtém resultados aos quais este não poderia
chegar, mesmo desenvolvendo a mais viva atenção. Vimos, com efeito, que
a máquina lavra, semeia, ceifa (salvo quando o trigo se apresenta deitado),
debulha, mói, peneira melhor que o camponês com os seus instrumentos. [...]
(KAUTSKY, 1980, p. 135).

Além dos problemas destacados no que se refere à inserção de máquinas ao modo de


produção no campo e da exploração da mão de obra do pequeno produtor desprovido dos
meios de produção, ainda se podem destacar os impactos dos encargos aos médios produtores.
Apesar de, em alguns casos, possuírem a propriedade da terra e não serem atingidos pelas
relações de trabalho assalariado, são explorados pelos intermediários, são responsáveis por
pagar impostos que nem sempre podem ser cobertos pela sua produção.

Se entre todas as classes da população agrícola, produtores de mercadorias,


os camponeses médios são os menos atingidos pela falta de trabalhadores
assalariados, sofrem, contudo em escala maior, os demais encargos que
esmagam a agricultura. São eles os mais explorados pelo usuário e pelo
intermediário; sobre eles recaem os impostos mais pesados; para ele é que o
serviço militar se torna mais duro e seu solo é o que se empobrece e se
esgota mais rapidamente. E como as suas lavouras se encontram no número
das mais irracionais dentre as que produzem mercadorias, são eles os que
mais frequentemente procuram enfrentar a concorrência com um trabalho
excessivo e uma alimentação insuficiente. Recordamos uma expressão
reveladora da felicidade dos pequenos camponeses por continuarem
pequenos camponeses: “Quando a gente possui uma junta de animais a vida
se torna mais difícil” (KAUTSKY, 1980, pp. 252 – 253).

Com as condições de produção cada vez mais dificultadas, são obrigados a se desfazer de
parte das propriedades ou das criações, quando possuem. Por não possuírem as mesmas
condições de tratar o solo como os grandes produtores, seu solo empobrece mais rapidamente.
E são obrigados a concorrer com os grandes detentores de capital ficando sempre em
desvantagem em relação a estes.

Em suma, Kautsky (1980) apresenta como principais expoentes da questão agrária: a


transformação do camponês em proletário; o valor de uso da terra; a diferenciação entre
produção simples, onde o produtor livre é também proprietário dos meios de produção e
produção capitalista, onde produtor direto e proprietário dos meios de produção não é a
mesma pessoa; industrialização e modernização da agricultura como fator de modificação da
realidade agrária. Destaca a diferença entre o valor do mínimo vital (menor valor possível
para viver) para cada grupo social. Analisa a necessidade do trabalho acessório (atividades
remuneradas diferente de seu cotidiano, realizada a fim de adquirir meios para sobrevivência
familiar) como estratégia de sobrevivência do agricultor frente às mudanças no sistema de
produção e o endividamento destes com o arrendamento e os empréstimos realizados.

A questão agrária, aqui conceituada, tem relação direta com as abordagens de Gutelman
(1974), pois são relacionadas às estruturas sociais agrárias, por serem problemas agrários
oriundos das relações sociais estabelecidas nesse espaço a partir da correlação de forças que o
caracterizam. O autor estabelece três principais tipos de relações que exemplificam essa
problemática: “Os homens, na sua vida social, estabelecem relações entre eles, e essas
relações são a própria essência da vida em sociedade. Podem ser de natureza muito diversa:
relações de produção, relações de distribuição, relações de apropriação, e muitas outras mais
[...]” (GUTELMAN, 1974, p.12).

As relações estabelecidas entre homens constituem a vida em sociedade. Como elo de


desenvolvimento da sociedade a produção de riquezas se destaca como resultado do dispêndio
de energia humana em forma de trabalho. Com a utilização de tecnologias cada vez mais
avançadas cria-se uma ilusão de que o trabalho humano empregado na produção de
determinadas riquezas é pequeno, ou mesmo, insignificante. Mas, deve-se compreender que a
própria tecnologia é resultado de longo processo de trabalho passado considerado por
Gutelman (1974) como capital “[...] Quando se destina a ser utilizado para a produção de
outras riquezas, designa-se por capital produtivo ou ainda capital técnico [...]” (p.16). Para
tornar-se riqueza é necessário que a produção inclua trabalho em maior ou menor escala.
A terra, como objeto da questão agrária, apesar de inserir-se na especulação, segundo
Gutelman (1974), não é uma riqueza em si, mas um meio de produção indispensável e finito.
Embora se empregue trabalho para que produza, a terra não pode ser vista como riqueza. É o
produto resultante do trabalho empregado na terra que pode ser considerado riqueza. Segundo
o autor

Alguns afirmam que a terra (como o peixe) é uma riqueza natural fornecida
ao homem sem trabalho. De facto, não se trata de uma riqueza mas de uma
condição natural de produção. Para que produza, é preciso aplicar-lhe
trabalho, e até muito, como o testemunharão todos os camponeses do
mundo. Não é uma riqueza potencial porque, mesmo que se lhe aplique
trabalho, ela não é nem o objectivo da produção nem o objecto do consumo.
Se a terra não é uma riqueza no sentido de ser o produto do trabalho,
verificamos imediatamente que também não pode ser considerada um
capital, uma vez que o definimos como trabalho cristalizado [...]
(GUTELMAN, 1974, p.16).

A terra como “condição natural da produção” é muito desejada pela sociedade devido a seu
potencial produtivo e finitude. O valor da terra, enquanto mercadoria, está associado ao
monopólio, à diferença entre a pequena oferta e a grande procura, às relações políticas
internas e externas e, em algumas situações, ao trabalho empregado para melhoria de suas
condições de produção.

Para a existência de uma sociedade é necessário o trabalho humano na geração de riquezas


que atendam as principais necessidades de reprodução do grupo social. No processo de
produção dessas riquezas algumas pessoas não despendem energia para suprir s uas
necessidades, sobrevivem do excedente produzido por outras que o disponibilizam como
forma de pagamento, por exemplo, pelo uso da terra, propriedade dos que não trabalham, e
equipamentos disponíveis apenas a quem possui capital para adquiri- los.

O valor de uso e o valor de troca fundamentam-se na utilização social de um produto. O


trabalho social possui valores que repercutem no produto resultante desse trabalho. Assim, o
trabalho é considerado algo raro e, portanto, o produto deste também é. Esse processo
repercute na diversidade de classes sociais existentes.

O que, numa última análise, é mesmo raro, é o trabalho social disponível. A


sua aplicação a um ou outro tipo de produção mais ou menos fácil determina
o valor respectivo dessas produções. É mesmo nesse facto, a raridade do
trabalho social disponível e, portanto, a raridade das riquezas que esse
trabalho permite produzir, que reside a raiz mais profunda das oposições de
classes (GUTELMAN, 1974, p.20).

É possível constatar que desse processo resultam as relações sociais manifestadas a partir das
relações entre seres humanos motivados por um produto. Como é o caso da relação entre
homens a propósito da terra “[...] Muito particularmente, afirma-se a existência de relações
entre o homem e a terra, quando o que está em causa são as relações entre homens a propósito
da terra” (GUTELMAN, 1974, p. 21). A base das relações sociais é a riqueza produzida pelo
tempo de trabalho social empenhado, por meio de uma relação de apropriação possível
através da correlação de força que, em alguns casos, se manifesta de forma violenta, ou
mesmo indireta, com as formas de violência camufladas.

O pilar de sustentação dos conflitos sociais está nas desiguais relações de produção, de
apropriação e de distribuição. Quando a fração da sociedade explorada percebe sua condição e
decide buscar meios de igualar seus direitos aos das classes sociais que os subjugam, as
relações de forças mostram-se claramente repressivas, como mecanismo para garantir a
exploração da força de trabalho que se torna uma raridade cristalizada em riquezas.

Podemos, portanto, concluir que, se as relações sociais são


fundamentalmente relações de apropriação e de força, seja directa ou
indirectamente, é porque têm por base uma mercadoria rara, fisicamente
limitada: a força de trabalho cristalizada em riquezas materiais (mercadorias)
ou imateriais (tempo livre). A repartição da raridade, do trabalho, é portanto
o motivo central das relações sociais (GUTELMAN, 1974, p.24).

As relações sociais produzidas a partir da materialização do trabalho trazem como


consequência desigualdades sociais, pois, se, de um lado, é necessário o dispêndio de energia
humana, do outro, há uma exploração do excedente desse trabalho sem contrapartida, ou com
poucos benefícios aos que exercem as funções mais trabalhosas, tanto do ponto de vista
técnico quanto ideológico. Essa concepção pode exemplificar claramente as relações de
apropriação e de força a que o trabalho é submetido, com objetivo de produzir cada vez mais.

1.2 QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL: MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA,


CLASSES E FRAÇÕES DE CLASSES QUE FORMAM A ESTRUTURA AGRÁRIA.

As reflexões de Marx (1988), Weber (1980), Kautsky (1980) e Gutelman (1974) sobre a
questão agrária são incorporadas nesta pesquisa à realidade do Brasil, pois os mesmos
problemas detectados por eles podem ser vistos também no campo brasileiro. Para melhor
compreender a relação da questão agrária brasileira com a questão agrária de outros países
expressa pelos teóricos analisados deve-se conhecer um pouco da literatura nacional a esse
respeito. Para atender a este objetivo são utilizados autores como: Guimarães (1982), Prado
Junior (1979), Martins (1979 e 1982) Silva e Stolcke (1981), e Silva (1985). A partir desses
autores buscam-se identificar pressupostos históricos que esclareçam a conjuntura do campo
atual.

Guimarães (1982) em suas análises apresenta as mudanças realizadas no campo com a


inserção de novas técnicas e com as mudanças nas relações sociais, reconhece a maior
produtividade a fim de atender a crescente demanda por alimentos e matérias-primas. Para
Guimarães (1982) tanto é inegável o conjunto de aspectos positivos da industrialização da
agricultura, quanto visível o aumento dos problemas estruturais como resultado desse
processo. Exemplo disso cita-se o aumento dos custos na produção devido à inserção de
novos elementos à produção agrícola.

Mas em contradição com esses aspectos positivos, as mudanças operadas na


agricultura apresentaram graves aspectos negativos. O processo de
industrialização determinou, também, uma crescente elevação nos custos de
produção na medida em que o cultivo do solo e a criação de animais
passaram a exigir em lugar dos materiais simples supridos pela natureza, e
obtidos praticamente sem ônus, dentro das explorações agrícolas, os insumos
modernos, químicos e mecânicos, fabricados, de modo geral, mediante
tecnologia industrial dispendiosa e requintada (GUIMARÃES, 1982, p. 16).

A inserção de insumos e tecnologias avançadas, possíveis devido ao crescente processo de


industrialização do campo, além de provocar maior custo à produção agrícola, causa também
consideráveis mudanças nas relações sociais do campo. Se, inicialmente, o proprietário da
terra e dos meios de produção, em sua maioria, vivia no campo e participava ativamente do
processo de produção, com a industrialização da agricultura o capitalista urbano torna-se parte
integrante da produção. Além de ser proprietário o capitalista ainda participa dos processos de
produção e de distribuição dos produtos agrícolas, para Silva (1985)

[...] a crescente presença dos grandes capitais no campo. Essa presença


aumentou tanto do ponto de vista de sua participação na produção
agropecuária propriamente dita, como também do ponto de vista da sua
participação controlando o processamento dos produtos agrícolas e a venda
dos insumos adquiridos pelos agricultores (SILVA, 1985, p.56).
Para atender suas necessidades crescentes as grandes empresas agrícolas, além de
substituírem a mão de obra familiar pela individual do operariado, ainda aliam-se a grandes
corporações a fim de adquirir insumos e máquinas que promovam maior produtividade
agrícola em busca pelo chamado desenvolvimento rural. Devido a tais modificações na
realidade do campo, com a substituição do latifundiário tradicional pelo latifundiário
capitalista, o pensamento a respeito da reforma agrária é, cada vez mais, substituído pelas
necessidades capitalistas de modernização da agricultura, que requerem mais tecnologia e
menos mão de obra. As multinacionais tornam-se parte integrante do processo produtivo,
pois, segundo Guimarães:

Sob a influência de poderosas corporações multinacionais, interessadas na


formação de um mercado específico para os insumos que elas produzem, a
estratégia do desenvolvimento rural, até há bem pouco tempo centralizada
nas políticas de reforma agrária, vem passando por grandes mudanças na
maioria dos países menos desenvolvidos, inclusive no Brasil. Seu centro de
gravidade é agora a implantação de grandes empresas rurais ‘modernizadas’,
ou seja, a transformação dos latifúndios tradicionais em latifúndios
capitalistas, sem que isso se faça acompanhar de uma alteração essencial nas
relações arcaicas de trabalho existentes. Embora em todos os países pobres
ou menos desenvolvidos haja enorme disponibilidade de terras e de mão-de-
obra, a estratégia agrária com que se pretende substituir os programas
reformistas anteriores é uma estratégia anti-reformista e, portanto, poupadora
de braços e de terras fundada na mais sofisticada e mais cara tecnologia
(GUIMARÃES, 1982, pp. 17-18).

A influência da indústria na agricultura é maior que a simples inserção de produtos e novas


tecnologias à agricultura. Além de modificar as relações de trabalho é também uma das
principais responsáveis pela pequena lucratividade agrícola. A indústria repassa seus
equipamentos e produtos a altos custos e pressiona a empresa agrícola a vender suas matérias-
primas e alimentos a valores irrisórios a fim de manter seus lucros elevados. Essa situação
provoca consideráveis dificuldades de sustentação da agricultura que necessita cada vez mais
de incentivos do Estado, a fim de minimizar os efeitos do que Guimarães (1982) chama de
crise agrária estrutural.

Sem possibilidade de comprar os produtos que consome a preços baixos, a


agricultura também não pode repassar ao consumidor os aumentos em suas
despesas de produção, de vez que a grande indústria pressiona para rebaixar
tanto os preços das matérias-primas que utiliza, quanto os preços dos
alimentos consumidos por seus operários e empregados a fim de manter
também baixos os níveis salariais. Essas dificuldades, causas básicas da crise
agrária estrutural, tornam a agricultura uma atividade incapacitada de alto-
sustentar-se, obrigando-a a recorrer, permanentemente, aos incentivos e aos
subsídios compensatórios concedidos pelo Estado (GUIMARÃES, 1982, p.
16).

A crise agrária causa inúmeras dificuldades ao produtor que é forçado a aliar-se a grandes
corporações multinacionais que manipulam cada vez mais o mercado mundial de alimentos,
além de contribuir para a manutenção da concentração fundiária e da submissão dos países
pobres aos países ricos devido à ausência de capital suficiente para investir na produção e
circulação agrícola. Guimarães (1982) afirma que essa realidade iniciou-se a partir de 1970
com a expansão do agribusiness.

Uma nova idade de ouro para a grande agricultura já havia começado a


projetar-se no inicio da década de 1970, com a expansão do agropoder ou
agribusiness, o poder acumulado pelas “multinacionais das proteínas”, as
grandes corporações monopolistas que manipulam os preços e dominam o
mercado mundial de alimentos. Esse poder tem sido amplamente usado por
essas corporações para tirar proveito e acrescentar seus lucros à custa das
dificuldades causadas pela crise agrária estrutural ao campesinado de todos
os países, e em particular ao dos países em desenvolvimento. Tem sido
também um meio para reforçar a concentração da propriedade e da renda nas
mãos da pequena minoria de empresários rurais, e um instrumento para
enrijecer a dominação dos países ricos sobre os países pobres
(GUIMARÃES, 1982, pp.18-19).

Com o surgimento das grandes corporações multinacionais, as relações entre países tornam-se
mais intensas, consequentemente a subordinação dos países pobres aos países ricos é cada vez
maior. O monopólio das tecnologias e a manipulação dos preços permitem maior
lucratividade aos países ricos e certa interferência nas relações internas entre produtores
assegurando a concentração fundiária. O problema agrário deixa de ser respo nsabilidade
unicamente do país ao qual este se manifesta e interfere diretamente na economia mundial. A
questão agrária deixa de ser exclusivamente do campo, envolve a cidade e as relações com a
indústria. Kautsky afirma que:

Para nós o problema agrário é o mais complicado, mas também o mais


importante da revolução. Sua solução exige a colaboração mais intensa entre
a cidade e o campo, entre teóricos e práticos. Mas também necessita a mais
intensa cooperação dos diversos países do mundo, pois o problema agrário
tornou-se internacional desde que a agricultura deixou de ser auto-suficiente
para depender da compra de matérias-primas como o adubo e a forragem,
importados do mundo inteiro. Da mesma forma que a grande indústria, a
agricultura moderna tampouco pode suportar o isolamento de um país em
relação aos outros. Ainda quando as condições de vida do camponês
estreitem sua visão para o âmbito dos problemas locais, necessidades de
produção o conduzem para os problemas da economia mundial (KAUTSKY
apud SILVA; STOLCKE, 1981, p.131).

Kautsky traz à baila a importância de refletir sobre o problema agrário e suas implicações
tanto no campo como na cidade. Acreditam que a solução desses problemas não é encontrada
de forma isolada, é necessária a cooperação internacional, pois suas implicações interferem
nas relações mundiais. A existência de conflitos, ainda que sejam locais, repercutem nas
relações entre diversos países do mundo, causam problemas, inclusive, à economia mundial.
Para solucionar essa questão faz-se necessária a compreensão de todo o processo histórico
responsável pela realidade atual.

A realidade brasileira é caracterizada por um processo histórico, apresentado por alguns


pesquisadores a partir de sua colonização, expropriação dos nativos e exploração de mão de
escrava, no período em que o sistema capitalista se expande para além das fronteiras
europeias. Como resultado, notam-se as diversas relações de trabalho no campo, bem como
algumas particularidades regionais que ainda guardam características das relações de
produção anteriores. O modo de produção atual necessita da unificação do pensamento com
objetivo de obter lucros cada vez maiores. Martins (1979) visualiza que

Em anos recentes, tais definições foram direta ou indiretamente marcadas e


estimuladas por um confuso debate intelectual sobre a transição do
feudalismo ao capitalismo, como processo definidor do movimento histórico
brasileiro, que por sua vez justificaria a tática política de lutar pela remoção
dos chamados “restos feudais” que se evidenciam em diferentes relações de
trabalho no meio rural, quase todos, de modo geral, originados com a
extinção do trabalho escravo. A questão da transformação das relações de
produção foi remetida, pois, ao terreno cediço do falso argumento de que,
não sendo formalmente feudais, seriam formalmente capitalistas as relações
de produção posteriores ao escravismo e amplamente vigentes, ainda hoje,
em muitos setores econômicos e regiões do país (MARTINS, 1979, p.11).

O que se percebe é a não aceitação de um modo de produção diferenciado que seja não
capitalista, pois na realidade atual não se sustentaria por não visar exclusivamente o lucro e
não empregar assalariados para obter-se a mais- valia que sustenta o modo capitalista de
produção. Exemplo disso pode ser visto ao analisar que as mudanças nas relações de trabalho
pela “[...] substituição do escravo pelo trabalhador livre, baseadas na produção direta dos
meios de vida necessários à reprodução da força de trabalho, [...] não podem ser definidas
como capitalistas senão através de muitos e questionáveis artifícios [...]” (MARTINS, 1979,
p.11). É por meio de tais artifícios que, através de políticas, buscam-se remover os chamados
“restos feudais” como estratégia de inserir toda a produção na lógica capitalista que justifica a
utilização de produtos e tecnologias industriais, em muitos casos possíveis apenas a partir da
inserção no mercado financeiro internacional não acessível ao pequeno produtor. Para
explorar cada vez mais a mão de obra do pequeno produtor, também no Brasil a expropriação
torna-se um mecanismo de submissão do trabalhador às condições impostas pelo capital.

A instauração do divórcio entre o trabalhador e as coisas de que necessita


para trabalhar – a terra, as ferramentas, as máquinas, as matérias primas – é a
primeira condição e o primeiro passo para que se instaure, por sua vez, o
reino do capital e a expansão do capitalismo. Essa separação, esse divórcio, é
o que tecnicamente se chama de expropriação - o trabalhador perde o que lhe
é próprio, perde a propriedade dos seus instrumentos de trabalho. Para
trabalhar, terá que vender a sua força de trabalho ao capitalista, que é quem
tem agora esses instrumentos (MARTINS, 1982, pp.54-55).

Com o poder econômico nas mãos do capitalista a questão de destaque no campo brasileiro é
a concentração fundiária. Os trabalhadores do campo sem propriedade e sem meios de
produção são subjugados às grandes empresas agrícolas. O capital cria a fragilidade no
pequeno produtor o transforma em trabalhador assalariado e extrai dele a produção e a força
de trabalho. Nessas condições o capitalista tem sempre vantagem em relação ao produtor
desprovido dos meios de produção que necessita vender o único meio que possui afim de
prover o sustento da família. Martins (1982) acrescenta que

Essa situação está combinada com um rápido processo de concentração da


propriedade da terra, de crescente subjugação direta e indireta da produção
agrícola pelo capital e de intensa expulsão de trabalhadores da terra [...] o
capital, de distintas formas, nas diferentes regiões e nos diferentes ramos de
produção agropecuária, pressiona com intensidade crescente para extrair dos
trabalhadores do campo cada vez mais os seus excedentes agrícolas ou o seu
trabalho excedente (MARTINS, 1982, p.12).

Apesar de ser evidente o problema causado pela exploração da mão de obra do pequeno
produtor pelo capital esta não pode ser considerada a principal problemática do campo no
Brasil. Segundo Martins (1982), a concentração fundiária torna-se a gênese dos problemas do
campo no país. Assim, a expropriação é tema dos principais conflitos no campo brasileiro.
Apesar da exploração do trabalhador rural ser algo presente e bastante discutido no país, na
maioria dos casos sua origem está no processo de expropriação sofrido.

As grandes inquietações no campo, os conflitos cada vez mais numerosos,


são determinados pelo processo de expropriação da terra. A exploração do
trabalho é um problema que aparece num segundo plano, muitas vezes
embutida na propriedade e por ela escamoteada. É exatamente o inverso do
que acontece nas grandes cidades, na indústria. Aí, nos confrontos entre as
classes sociais, surge intensa e primeiramente o problema da exploração do
trabalhador pelo capital, pelo patrão. E em segundo lugar que se tem feito
presente uma forma particular da expropriação, que é aquela que se
manifesta nas duas condições de existência [dessas nos grandes centros
urbanos] [...]. De qualquer modo, não é o problema da expropriação dos
meios de produção, já consumada, pressuposto que é da proletarização do
trabalhador, da sua redução á condição de mão de obra livre, despojada de
toda propriedade que não seja unicamente da sua força de trabalho [a causa
dos principais conflitos entre classes sociais]. (MARTINS, 1982, pp. 12-13).

A exploração do trabalhador se expressa nas diversas relações entre este e o capital. Ser
trabalhador livre, no sentido de não possuir vínculo com a terra e os meios necessários à
produção, significa perda de autonomia. Em muitos casos esses trabalhadores engrossam as
filas de desempregados nos grandes centros urbanos, alguns, poucos, conseguem se tornar
proletário, mas as indústrias não conseguem abarcar toda essa mão de obra disponível. Os
pequenos produtores rurais que conseguem emprego, ao serem transformados em
proletariados, perdem sua identidade e têm dificuldades em se assumir nessa nova fração de
classe com características e motivações distintas. Apesar de o pequeno produtor e o
assalariado da indústria sofrerem a subordinação e a falta de condições mínimas de vida como
resultado do sistema de produção capitalista, a forma e os impactos em cada um deles são
diferentes. Segundo Martins (1982), essa diferença se expressa também nas suas lutas e
bandeiras.

Os fundamentos da conduta e da consciência do lavrador do campo são


completamente diferentes. Um camponês não tem a mínima condição de
pensar e agir como um operário, porque ele é socialmente outra pessoa, isto
é, pertence a outra classe social, cujas relações sociais são de outro tipo,
cujos horizontes e limites são outros. Esperar que os lavradores do campo, os
posseiros, os arrendatários, os colonos, os parceiros, os pequenos
proprietários, ajam como se fossem operários ,aprendam a pensar como a
classe operaria ,é esperar o impossível. Essa espera é um absurdo e ,quando
se transforma numa exigência político-partidária , é até mesmo um crime. É
uma espera idealista reacionária. Nós não temos o menor direito de esperar
que o lavrador venha a “aperfeiçoar” a sua consciência até o ponto de
começar a pensar como um operário não porque seja politicamente
retardado, mas porque é social e politicamente diferente (MARTINS, 1982,
p.14).

Mesmo forçado a se inserir no mercado de trabalho assalariado a forma de pensar, as relações


sociais, as inquietações e os ideais de um pequeno produtor permanecem enraizadas em seu
agir. Consequentemente, suas bandeiras e estratégias de lutas também serão diferentes das do
proletariado urbano. Não há como exigir que ambos vivam e ajam iguais, pois as motivações
e os processos socais são outros.

No Brasil as discussões sobre questão agrária intensificam-se na década de 1930 devido à


crise da cafeicultura e a grande depressão econômica que assolou o mundo. Essa situação é
resultante de um contexto histórico marcado por vários momentos políticos que influenciaram
diretamente na realidade atual tais como a Golpe Milita e posteriormente a implantação da
Ditadura Militar como regime político. Por volta de 1960, a Questão Agrária voltou a ser
discutida a partir da busca pelo desenvolvimento econômico do país, pois a agricultura,
considerada atrasada no processo de industrialização, não alcançou o patamar esperado à
época. Na década de 70 iniciou-se o período chamado milagre econômico com aumento da
produção agrícola. Segundo Silva (1985) isso não significou alteração na questão agrária do
País, pois beneficiava apenas o grande capital, “[...] esse aumento vinha beneficiando os
chamados ‘produtos de exportação’ (como café, soja, etc.), em detrimento dos chamados
‘produtos alimentícios’ (como feijão, arroz, etc.), [...]” (p.8). Como resultado desse processo
constatam-se a crise agrária derivada das estratégias utilizadas para aumentar a produção
agrícola capitalista com maior inserção de adubos, inseticidas, máquinas, utilização de mão de
obra assalariada, cultivo intensivo.

Os avanços das tecnologias utilizadas no campo são lentamente inseridos na realidade


brasileira, a má distribuição de propriedade e renda intensifica a questão agrária. As
oligarquias rurais comandam as relações sociais no campo. Tal situação repercute também na
cidade e nas relações industriais e interferem no desenvolvimento econômico, político e
social, pois essas oligarquias detêm grande parte do poder econômico e político nacional. Para
Guimarães

[...] o quadro rural brasileiro não é compatível com as exigências atuais do


nosso desenvolvimento econômico, político e social. Os obstáculos ainda
poderosos, levantados pelas oligarquias rurais contra uma melhor e mais
justa distribuição da propriedade e da renda, são também obstáculos à livre
expansão do mercado interno, sem o que a indústria e demais atividades
urbanas jamais poderão atingir seu máximo desenvolvimento. O poder
econômico e político dessas oligarquias é a principal estrutura de apoio dos
regimes de arbítrio que se repetem em nossa história e um dos mais sólidos
empecilhos ao nosso progresso político (GUIMARÃES, 1982, p. 23).
O nível de renda e as condições de vida do pequeno produtor são reduzidos à precariedade,
por não possuir capital suficiente para investir e participar do processo de produção e
reprodução capitalista no campo com os mesmos equipamentos. A tentativa de ampliar a
produtividade agrícola torna-se importante fator para intensificação da crise agrária brasileira
aumentando a miséria e o êxodo da população do campo. Nesse processo há que se destacar
ainda três grandes modificações na década de setenta apresentadas por Silva (1985) como
responsáveis pelo agravamento da questão agrária.

a) o ‘fechamento’ de nossas fronteiras agrárias envolvendo as questões de


colonização da Amazônia e da participação da grande empresa pecuária
deslocando a pequena produção agrícola; b) o processo acelerado de
modernização da agricultura no Centro-sul do país; c) a crescente presença
do capitalismo monopolista no campo, ou seja, de grandes empresas
industriais que passaram a atuar tanto diretamente na produção agropecuária
propriamente dita, como fortalecendo sua presença no setor da
comercialização e de fornecimento de insumos para a agricultura (SILVA,
1985, p. 44).

O fechamento das fronteiras agrícolas, a modernização da agricultura e a presença do capital


monopolista no campo causam significativas mudanças nas relações sociais do campo onde a
figura do grande proprietário agricultor é substituída pelo capitalista urbano que vive nas
cidades, obtendo do campo apenas o lucro resultante da produção que se utiliza, além das
novas tecnologias, da mão de obra assalariada dos pequenos produtores que não possuem
condições mínimas de produção para o mercado capitalista.

Isso é tanto mais verdadeiro quanto se sabe que a estratégia concentradora,


baseada na transmissão gradual do poder do sistema latifundiário tradicional
para outro sistema latifundiário de tipo capitalista, não eliminará o
despotismo das oligarquias rura is, não transformará a agricultura brasileira,
como um todo, numa agricultura moderna, não libertará o trabalhador rural,
camponês ou assalariado, da sua submissão às relações coercitivas ainda
predominantes no campo (GUIMARÃES, 1982, p. 23).

Como resultado desse processo, há uma massa de trabalhadores rurais insatisfeitos com as
condições precárias de sobrevivência, lutando por melhores condições de vida e trabalho, que
podem ser supridas pela disponibilidade de terras em quantidade e condições satisfatór ias à
produção e reprodução da vida, pela obtenção de salários condizentes com o trabalho
exercido, ou ainda por estratégias que visem promover maior participação do pequeno
produtor no competitivo mercado capitalista. Tais reivindicações devem ser atendidas, ou
garantidas pelo Estado ao fazer cumprir as leis direcionadas ao campo a partir das
especificidades regionais. Destaca-se que existem políticas para esse fim que possibilitam
desenvolvimento ao campo, porém, são direcionadas a uma minoria de grandes produtores.
Para Silva (1985)

Apesar das enormes desigualdades regionais do país, não se pode ignorar o


desenvolvimento econômico por que passou o campo brasileiro,
especialmente nas últimas duas décadas, nem as transformações, a estratégia
de políticas alternativas reivindicadas pelos trabalhadores rurais não se
limitam à reforma agrária. Ela concede lugar fundamental também a
questões como preços mínimos, comercialização, crédito e assistência
técnica, políticas essas que, num regime democrático, poderiam estar
voltadas para os pequenos produtores e não apenas para uma minoria
privilegiada de grandes proprietários (SILVA, 1985, p.93).

As reivindicações dos trabalhadores rurais são redimensionadas a fim de atender a interesses


dos detentores do capital. Por exemplo, apesar de haver políticas de crédito rural, grande parte
delas beneficiam grandes produtores, pois, em muitos casos, é direcionada a compra de
grandes equipamentos e produtos somente utilizados por estes. Além disso, a burocracia
bancária impossibilita ao pequeno produtor rural participar desse tipo de benefício.

O desenvolvimento das relações capitalistas de produção na agricultura faz surgir também no


campo brasileiro empresas multinacionais. A luta histórica contra o latifúndio e por uma
estrutura agrária mais igualitária não tem realizado grandes avanços. Ao contrário nota-se o
aumento da concentração de terras e consequente generalização da pobreza. Características
marcantes do capitalismo que transforma a terra em reserva de valor, sem considerar a
produtividade ou a finalidade da produção, os lucros gerados são apropriadas pelos detentores
do capital. Como consequência a população rural se direciona cada vez mais às cidades em
busca de trabalho e melhores condições de vida. Assim, a questão agrária deixa de ser um
problema exclusivo do campo e passa a envolver inúmeras outras questões sociais.

A questão agrária se alia hoje a uma serie de ‘outras’ questões, como a


questão energética, a questão indígena, a questão ecológica, a questão urbana
e a questão das desigualdades regionais. Ou seja, a questão agrária permeia
hoje uma série de problemas fundamentais da sociedade brasileira. No
fundo, todos eles têm a ver com o caráter parasitário que atingiu a forma
especifica como se desenvolve o capitalismo neste país (SILVA, 1985,
p.104).

O sistema capitalista expropria o pequeno produtor para transformá- lo em trabalhador rural


assalariado e assim poder explorá- lo no único bem que este ainda possui: sua força de
trabalho. Encontrar alternativas a essa problemática não é algo simples, tendo em vista a
complexidade de interfaces que a envolve. O Estado, como instância organizativa da
sociedade deve considerar essas questões a fim de mediar os conflitos e oferecer alternativas à
população. Para compreender essa realidade devem-se analisar dados como Formas de Acesso
à Terra, através do índice de Gini, bem como a Estrutura Fundiária e assim perceber a sua
influência nas relações sociais agrárias. Nesse sentido, notam-se, grandes disparidades na
estrutura social agrária. Carvalho (s/d) compreende essa realidade a partir da histórica
desigualdade de condições de posse e uso das terras rurais no país.

As expressões ideológicas “democratização do uso e da posse da terra” e


“justiça social no campo” significam, à luz da correlação de forças sociais
que parcelas das classes subalternas no campo desejam ou aspiram
apropriarem-se de terras sob a propriedade privada da burguesia. Do ponto
de vista político essas expressões denunciam indiretamente que a história da
apropriação da terra no país deu-se de forma excludente da maioria dos
trabalhadores rurais. E, do ponto de vista econômico, sugerem a reforma
agrária como meio para a redistribuição da riqueza ou do acesso a ela (a
terra) no campo (CARVALHO, s/d, p.4).

A questão agrária, resultante do processo histórico de apropriação desigual do espaço e dos


meios de produção, é entendida como um fenômeno característico das relações sociais
desiguais que estruturam a sociedade atual. Para analisar esse processo, Martins afirma que
“[...] a concepção nuclear do modo de produção é a de modo historicamente determinado de
exploração da força de trabalho no processo de produção, no qual são produzidas também as
relações sociais fundamentais de uma sociedade [...]” (MARTINS, 1979, p.2). A
reorganização do campo é possível a partir de estratégias capazes de minimizar tal
problemática, por meio de mudanças significativas na estrutura social. Na análise de uma
política deve-se considerar o contexto histórico que a mesma se apresenta, os grupos sociais
atuantes, bem como as intencionalidades presentes na formulação de tais políticas.

1.3 CAMPO EM CONFLITO: O PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA NA


REESTRUTURAÇÃO AGRÁRIA

Todo conflito é resultante da não aceitação de uma ordem social já posta – ou imposta. Os
grupos sociais mantidos às margens não se submeteram aos interesses dominantes sem lutar
por melhorias em suas condições de vida. Séculos após a invasão do território brasileiro e da
distribuição desigual de terras, ainda é gritante as desigualdades sociais que a população do
campo é submetida.
Nas lutas encampadas pelas classes sociais menos favorecidas há uma diferenciação entre os
problemas sofridos pelo operário urbano e o produtor rural no campo. A cidade possui mais
recursos de informação, maior possibilidade de locomoção e consequentemente reunião, além
de ser o lugar do pensar, onde a sede política se estabelece. A cidade torna-se a definidora de
políticas, programas e ações que visem a minimizar os conflitos gerados pela não aceitação
das condições impostas pelo capital. Segundo Martins (1982), há um risco de o campo não ser
ouvido e as estratégias aprovadas não corresponderem aos objetivos dessa população.

[...] Infelizmente, temos a tradição de lutar pela reforma agrária na cidade.


Estamos sempre ignorando muito do que se quer e o que se faz no campo.
Acho que uma indicação clara do que seja o descompasso entre a luta pela
reforma agrária no campo e a luta pela reforma agrária a partir da cidade esta
no fato, de que quando se fala nela fala-se como se houvesse todo um
diagnóstico e um processo político por traz dessa palavra, que resolvessem
os muitos problemas que há no campo hoje. E a gente sabe que no campo
existem problemas muitos diversificados, situações muito distintas. [...] É
importante que a luta pela reforma agrária não nasça na cidade e nem
responda as conveniências ou pontos de vista de classes sociais urbanos,
mesmo da classe operaria. Nesse momento, pelo menos sob o ponto de vista
tático, seria muito importante que o campo falasse primeiro. O trabalhador
do campo esta lá lutando e precisa ser ouvido, ao invés de ouvir [...]
(MARTINS, 1982, pp.22-23).

Para Martins (1982), o trabalhador do campo precisa ser ouvido; as estratégias de diminuição
da concentração fundiária propostas pela cidade e expressas nos planos de reforma agrária não
são as mesmas pensadas pelos produtores do campo. São muitas as bandeiras levantadas e o
produtor sabe o que pretende, só não tem os mecanismos para conseguir, por isso precisam ser
ouvidos e respeitados. A ideia de propriedade, por exemplo, pensada na cidade, não é a
mesma praticada no campo em sua essência. Nessas circunstâncias, os pequenos produtores
não se deixam intimidar, organizam-se e utilizam as armas que possuem na luta contra a
subordinação e a aceitação de ideias prontas, impostas pelos pensadores e políticos urbanos,
que, em muitos casos, só consideram as informações transmitidas pela grande aristocracia
rural.

Apesar das inúmeras forças de repressão aos movimentos soc iais, estes tendem a se fortalecer
e por meio da articulação entre seus objetivos, intensificar a pressão por políticas públicas
para redução das desigualdades sociais no campo. A persistente luta dos movimentos sociais
pela desconcentração agrária ainda esbarra na burocracia que invalida seus direitos legalmente
garantidos. Nota-se que no campo brasileiro ao mesmo tempo em que se garante a
permanência da concentração fundiária, há uma consolidação das lutas sociais no campo em
oposição a tal permanência, como afirma Germani (2009).

Nesse sentido identifica-se como permanência a continuidade da histórica


concentração de terras e as enormes barreiras encontradas pelos grupos
sociais que reivindicam seus direitos territoriais para reverter este quadro.
Aparentemente contraditório, mas como parte do mesmo processo,
identifica-se como mudança a emergência e consolidação dos movimentos
sociais no campo, enquanto forças políticas [...] (GERMANI, 2009 p.348).

As atuais políticas agrárias devem-se, em parte, à articulação dos movimentos sociais do


campo. Essa pode ser considerada uma luta desigual em que a maioria da população está
submetida aos desígnios de uma elite social detentora do capital e conseqüentemente das
forças políticas representativas da sociedade. Os movimentos sociais do campo não se
deixaram intimidar pela pressão a que são submetidos. Em contrapartida imprimem marcas no
território que serão capazes, inclusive de redirecionar as políticas agrárias por meio de pressão
social. Segundo Germani (2001)

A ação dos movimentos sociais em novo contexto altera a atuação do


Estado, com relação à sua política agrária, influindo na espacialidade das
ações da Reforma Agrária, tanto com relação à sua distribuição no território
como na organização espacial interna dos projetos de assentamentos [...]
(GERMANI, 2001, p.67).

É perceptível que as medidas propostas pelo governo estão envolvidas em tamanha


intencionalidade que redirecionam seu foco no momento em que este não corresponder a
interesses de alguns grupos sociais nele envolvidos. Cabe analisar, dentre os grupos sociais,
quais estão sendo privilegiados e de que forma a histórica luta dos movimentos sociais do
campo é vista pela instância governamental.

Enquanto força política a sociedade civil organizada se impõe frente às questões que lhes são
postas na busca por solução, ou dissolução da questão agrária que não se atenha apenas à
redistribuição fundiária, mas possibilite a permanência do pequeno agricultor no processo de
produção, bem como a inserção de seus produtos no mercado. Essa é uma luta desigual onde a
maioria da população está submetida aos desígnios de uma elite social detentora do capital e
ao mesmo tempo das forças políticas representativas da sociedade. Os movimentos sociais do
campo não se deixaram intimidar pela pressão a que são submetidos imprimindo marcas
irrefutáveis capazes, inclusive, de redirecionar as políticas agrárias por meio da pressão social.

A questão agrária pode ser entendida como uma questão social que é intensificada pelas
questões econômicas e acima de tudo fortalecida por questões de ordem política. Na realidade
atual não é possível pensar a questão agrária como um problema que afeta unicamente o
campo. Apesar de se manifestar no campo suas repercussões modificam a realidade urbana de
forma direta, tanto pela alteração nos padrões de produção devido ao aumento considerável de
mão de obra disponível como resultado da expropriação dos pequenos produtores, quanto pela
mudança no padrão alimentício como resultado da inserção de insumos e novas tecnologias
no campo. Também não é possível tentar minimizar as problemáticas agrárias pensando
apenas em suas repercussões locais. Com a mundialização da economia e a inserção de
grandes corporações multinacionais no campo, os impactos da questão agrária tornam-se cada
vez mais um problema global.

No Brasil, as desigualdades sociais que ainda excluem, expropriam e exploram o pequeno


produtor, não permitem uma visão política ampla da questão agrária. O poder público ainda
age de forma a garantir a permanência da concentração agrária e, consequentemente, das
desigualdades sociais. Essa realidade é resultado da inserção de grandes capitalistas no poder
público, e, como manipuladora do poder público, age de forma cada vez mais violenta contra
a grande massa de produtores rurais. Porém, os pequenos produtores não se submetem a essas
condições. É considerável o número de movimentos, associações, sindicatos, organizações e
cooperativas de pequenos e médios produtores que se mobilizam em busca de melhores
condições de produção e reprodução da vida no campo.

É importante considerar que, apesar da falta de capital disponível para o desenvolvimento da


produção do pequeno produtor, a luta social tem gerado inúmeras mudanças na realidade
social do campo. Mas essas mudanças ainda são incipientes frente às grandes demandas da
população do campo. A solução possível a essa problemática seria uma mudança total na
estrutura social atual, o que não será possível porque indicaria o fim das formas de exploração
difundidas pelo sistema capitalista, o que não é interessante para as classes dominantes que
detêm o poder tanto no que se refere a economia quanto as relações políticas. A fim de
camuflar as lutas sociais e abafar as principais questões norteadoras do problema agrário
nacional, são implantadas políticas assistencialistas e compensatórias que inicialmente
redirecionam o olhar da população para questões que não resolvem o problema, apenas
reduzem os impactos e criam um ilusório avanço nas negociações. Com isso muda-se o foco
das discussões e a questão agrária só tende a crescer ao longo do tempo sem previsão de
solução.
2 ESTRUTURA AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO: QUESTÃO AGRÁRIA,
PRODUÇÃO, RENDA E POPULAÇÃO RURAL E URBANA.

O Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), através da Secretaria de Desenvolvimento


Territorial (SDT) promove a criação e gestão da Política de Desenvolvimento Territorial
(PDT) como estratégia de dimensionamento da ação do Estado e mediação dos conflitos por
meio do agrupamento de municípios que já possuem algum tipo de relação produtiva, social,
econômica ou cultural em busca de desenvolvimento mutuo, a fim de promover uma
reestruturação nacional. No Estado da Bahia a Secretaria de Planejamento (SEPLAN/BA) em
2007, por meio do PPA 2008-2011, utiliza como modelo a PDT do Governo Federal que
estabelece os Territórios Rurais, e instituí os Territórios de Identidade, com o intuito de
possibilitar uma ação conjunta entre o governo do estado e dos municípios para minimizar as
desigualdades regionais presentes no estado por meio de políticas públicas que abrangem
todas as áreas e setores de atuação do governo.

A gestão territorializada implementada pelo governo do estado da Bahia a partir do modelo de


Territórios Rurais do governo federal visa possibilitar maior participação da sociedade nas
decisões que envolvem suas demandas. Porém no caso do Território de Identidade Portal do
Sertão essa participação torna-se comprometida desde sua implementação, pois a proposta de
constituição do território, a definição das identidades a serem consideradas e
consequentemente a escolha dos municípios que pertencem ao Território Portal do Sertão
deu-se a partir de critérios governamentais, diferente mente de outros territórios como o
Território do Sisal que expressa a organização da sociedade civil. Segundo Alencar (2010).

Reafirma-se nessa sincronia que a vida construída no território por aqueles


que lá vivem sujeitos identificados por seus processos de luta, trabalho e
vida é que dá conteúdo à construção territorial a ser catalisada pelas
políticas, mesmo que haja verticalmente indução por diretrizes de
desenvolvimento. A forma de aderência do território à política irá reproduzir
essa construção própria como constatado na experiência do Território Portal
do Sertão (ALENCAR, 2010, p.46).

O Governo predefiniu a proposta de construção do Território de Identidade Portal do Sertão e


encaminhou para uma conferência de aprovação do Plano Plurianual da Administração
pública para o período 2008/2011 (PPA 2008/2011) realizada em 2007. As principais
demandas dos municípios que abrangem o Território de Identidade Portal do Sertão não são
consideradas na origem deste Território e, consequentemente, não são atendidas. Uma das
consequências dessa formação é a pequena participação dos 17 municípios, a partir de seus
representantes legais, poder público e sociedade civil, nas reuniões e representações do
Colegiado territorial (CODES).

2.1 A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E O TERRITÓRIO DE


IDENTIDADE PORTAL DO SERTÃO – BAHIA

O Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e


Reforma Agrária (INCRA) implementam a Política de Desenvolvimento Territorial (PDT)
que divide o espaço agrário brasileiro em territórios rurais para atender as demandas do
público beneficiário das ações da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDT) vinculada ao
MDA, com objetivo de promover um desenvolvimento sustentável na área rural. Essa divisão
visa possibilitar uma gestão participativa das políticas públicas direcionadas ao campo, por
meio da interferência de Conselhos Municipais e Estaduais de desenvolvimento rural
sustentável.

Ao implementar a Política de Desenvolvimento Territorial o poder público apresenta como


objetivo principal, em seus documentos, a redução das desigualdades sociais regionalizadas a
partir da ampliação da competitividade, e da expansão do mercado nos Territórios. Para
atingir tais objetivos, o modelo de desenvolvimento territorial torna-se uma ferramenta a favor
da expansão do capital, onde as classes sociais que sempre estiveram à margem dos processos
sociais permanecem nessa posição. Isso não significa dizer que a proposta de
desenvolvimento territorial é uma repetição das políticas que sempre foram implementadas
em caráter regionalizado, mas que essa proposta, apesar de incluir áreas antes consideradas
problemáticas na dinâmica socioeconômica nacional, também possui seus percalços, que
contribuem direta e indiretamente com a segregação socioespacial.

A Política Nacional de Desenvolvimento Territorial Rural, criada no âmbito do Ministério de


Desenvolvimento Agrário integra o Plano Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), o
qual visa reduzir as desigualdades entre as regiões em escala nacional. É uma estratégia tanto
de inclusão de áreas historicamente impedidas de participar do processo de expansão do
capital, quanto de uso indiscriminado de todos os espaços em favor da manutenção do sistema
vigente. No documento do Ministério da Integração Nacional (MIN) pode ser visto que:
A Política Nacional de Desenvolvimento Regional é parte indissociável da
estratégia de desenvolvimento do país e expressão da prioridade que é dada
ao tema na agenda nacional de desenvolvimento. A Constituição de 1988 já
determinava a redução das desigualdades regionais como um dos eixos da
estratégia de desenvolvimento nacional [...]. O objeto da PNDR são as
profundas desigualdades de nível de vida e de oportunidades de
desenvolvimento entre regiões do país. A matéria prima da Política é o
imenso potencial de desenvolvimento contido na diversidade econômica,
social, cultural e ambiental que caracteriza o Brasil (BRASIL, 2005, pp. 11-
12).

O PNDR se constitui como um plano de governo instituído pelo Ministério da Integração


Nacional a fim de potencializar o desenvolvimento das regiões em escala nacional. Visa por
meio de políticas públicas e programas de governo intensificar a organização sócio-produtiva
regional bem como possibilitar a participação social, a fim de explorar as potencialidades
regionais com o intuito de reduzir as desigualdades regionais que tem rebatimento em todos
os setores da sociedade, neste trabalho destaca-se o rebatimento na questão agrária nacional.

Ao considerar a questão agrária brasileira, todas as problemáticas que a cercam, como, por
exemplo, a expropriação do pequeno produtor, a inserção de capital urbano no campo e o uso
de novas tecnologias, têm-se uma visão da realidade agrária atual. Mesmo com a luta
incessante dos movimentos sociais há centenas de anos por uma reorganização agrária, a
estrutura social brasileira apresenta grandes índices de desigualdades. Apesar da promulgação
do Estatuto da Terra – Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964 – que, dentre outras questões,
versa sobre a função social da propriedade da terra e da elaboração dos Planos Nacional de
Reforma Agrária I e II, foram poucos os avanços no que se refere à redistribuição e
reorganização agrária no País.

Apesar da necessidade em possibilitar um desenvolvimento centrado nas identidades e


potencialidades locais, o que se percebe é que a política não considera o contexto das
comunidades rurais que sempre estiveram submetidas à concentração agrária em favor de
poucos. Nota-se que a política encontra-se carregada de intencionalidades que ultrapassam os
interesses da sociedade em geral para atender a demandas do desenvolvimento capitalista que
submete o pequeno produtor a condições precárias de sobrevivência no campo. No que tange
a questão agrária brasileira essa política torna-se limitada e longe de atender as necessidades
da sociedade. A qualidade de vida da população torna-se menos importante que a
permanência das desigualdades econômicas expressas na concentração fundiária.
A Política de Desenvolvimento Territorial Rural proposta pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário apresenta uma proposta de ordenamento territorial no qual abrange
os principais municípios que possuem conflitos internos no espaço agrário. Porém, não é
visualizado nesta uma preocupação em implementar a reforma agrária que a muito tempo é
bandeira de luta dos movimentos sociais. O MDA justifica a necessidade do desenvolvimento
territorial no espaço rural como forma de inserção no mercado de consumo.

Na abordagem territorial o foco das políticas é o território, pois ele combina


a proximidade social, que favorece a solidariedade e a cooperação, com a
diversidade de atores sociais, melhorando a articulação dos serviços
públicos, organizando melhor o acesso ao mercado interno, chegando até ao
compartilhamento de uma identidade própria, que fornece uma sólida base
para a coesão social e territorial, verdadeiros alicerces para o capital social
(BRASIL, 2004, p.3).

Esse tipo de política compreende o planejamento territorial de agrupamentos dos municípios


com algum tipo de relação a fim de realizar ações conjuntas e esse objetivo na maioria dos
casos é alcançado. A definição das identidades consideradas nessa política relaciona-se a
interesses de mercado. As questões de preservação e manutenção do campo e dos modos de
vida da população que vive da e na terra são substituídos por interesses de grupos sociais que
tem como parâmetro a produção exclusiva para o mercado.

Com base no modelo de gestão adotado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, que
institui 164 Territórios Rurais por meio da Política de Desenvolvimento Territorial Rural
criada pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial para promover uma gestão integrada do
espaço agrário brasileiro através do ordenamento territorial, a Secretaria de Planejamento
(SEPLAN) do estado da Bahia realiza uma redivisão do Estado que considere as Identidades
Territoriais como estratégia de desenvolvimento econômico. Para isso, através do PPA 2008-
2011 institui 26 Territórios de Identidade que representam os 417 municípios do estado para
definir as melhores estratégias de uso dos recursos públicos em seu contexto.

O Estado da Bahia possui uma diversidade de características de fatores socioeconômicos e


apresenta uma coexistência entre áreas de grandes e pequenos dinamismos econômicos. O
referido PPA 2008-2011 considera essa problemática na proposta de territorialização do
espaço baiano a fim de promover um equilíbrio entre as condições sociais de sobrevivência e
permanência da sociedade. A participação da população por meio de plenárias nos TI torna-se
o marco do governo, como afirma o governador Jaques Wagner no texto de apresentação do
PPA 2008-2011.

Inaugurando um processo inédito na Bahia, o Governo do Estado abandonou


a comodidade e as facilidades do planejamento realizado a portas fechadas,
no conforto dos gabinetes, e deu início à inclusão efetiva da sociedade civil
na formulação e implementação das políticas públicas. As plenárias do PPA
Participativo foram realizadas nos 26 Territórios de Identidade que
compõem o novo mapa de desenvolvimento do Estado e foram delimitados a
partir do sentimento de pertença da população e da teia de relações sociais e
econômicas a partir daí estabelecidas, o que permite o planejamento e a
execução de políticas condizentes com as necessidades e potencialidades
locais.
No que se refere a este Plano, a partir de agora, a sociedade contará com o
Fórum de Acompanhamento do PPA, que ao longo dos próximos anos fará o
monitoramento e a avaliação dos programas e ações juntamente com os
técnicos do Governo. Este fórum será composto por representantes de todos
os Territórios de Identidade (BAHIA, 2007, p. 12).

O PPA 2008-2011 foi elaborado através de plenárias realizadas nos 26 Territórios de


Identidade com o intuito de conhecer as demandas dos territórios e inseri- las no planejamento
para os quatro anos de governo. Territórios que deveriam ter sido delimitados a partir do
sentimento de pertença da população e da teia de relações sociais, econômicas e culturais
estabelecidas, a fim de possibilitar o planejamento e a execução de políticas condizentes com
as necessidades e potencialidades locais. Para garantir a efetivação das práticas de governo a
partir do PPA é eleito um fórum permanente de acompanhamento anual com a participação de
representantes territoriais.

Para o Governo essa é uma política estratégica que visa assegurar o desenvolvimento do
Estado e reduzir as desigualdades sociais existentes por meio do planejamento territorial, sua
ação principal volta-se à preocupação com recursos hídricos, pois a maioria dos municípios
localiza-se no semiárido e têm como atividade principal a agropecuária. O governo através do
PPA busca diversificar a produção investindo em alternativas para o desenvolvimento
socioeconômico por meio do incentivo à agricultura familiar. Visa ampliar a estrutura
logística, pois julga que esta seja uma estratégia fundamental para o desenvolvimento das
atividades econômicas.

A proposta em definir Territórios de Identidade, traz consigo desafios e perspectivas tanto


para o estado quanto para os municípios, especialmente no que se refere às questões
subjetivas inerentes a esse processo. Devido à necessidade em compreender quais identidades
são consideradas na formação desses territórios, no PPA 2008-2011 é definido como conceito
de Território de Identidade o que mais se aproxima dos movimentos sociais e segue os
mesmos pressupostos do MDA.

O conceito de Território de Identidade surgiu a partir dos movimentos


sociais ligados à agricultura familiar e à reforma agrária, sendo
posteriormente adotado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário para a
formulação do seu planejamento. O Ministério de Desenvolvimento Agrário
define o Território de Identidade “como um espaço físico, geograficamente
definido, não necessariamente contínuo, caracterizado por critérios
multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura,
a política e as instituições, e uma população, como grupos sociais
relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio
de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que
indicam identidade e coesão social, cultural e territorial” (BAHIA, 2007, p.
58).

A Política de Desenvolvimento Territorial resulta da observação das necessidades


apresentadas pelos movimentos sociais do campo em reestruturar o espaço agrário. Apesar
deste caminho proposto pelo PPA 2008-2011 há uma infinidade de intencionalidades
subjacentes a tais políticas; a questão agrária, que deu origem a proposta de implantação dos
Territórios Rurais do Governo Federal, utilizados como modelo para a implantação dos
Territórios de Identidade no Estado da Bahia, torna-se pouco visível na construção dos
projetos, visto que reorganizar o espaço agrário requer uma alteração na dinâmica produtiva
dos grandes empreendimentos em favor da maioria da população que sobrevive da agricultura
familiar. Ou seja, reestruturar o espaço agrário significa mudar a estrutura social a partir da
diminuição da diferença de classes e isso não será feito devido a influência dos grandes
produtores nas ações políticas que dificultam a participação da população menos favorecida
nos avanços do sistema produtivo.

A ação do Governo volta-se à mediação de conflitos e a construção de alternativas para que a


sociedade possa melhorar suas possibilidades de produção nas condições que já possuem ao
invés de promover uma mudança na estrutura social agrária. O governo propõe uma
articulação entre as camadas populares a fim de promover o fortalecimento produtivo, ou seja,
apresenta à sociedade a possibilidade de uma transformação por sua articulação.

Para que haja uma efetiva gestão social do território faz-se necessário
fortalecer a capacidade de negociação, regulação e articulação das ações do
Estado com as iniciativas locais. Este processo fortalece o desenvolvimento
do capital humano e do capital social local, na medida em que cria ou
aprofunda saberes e cria ou consolida as redes sociais de cooperação. A
partir desta base, torna-se mais fácil promover o aproveitamento das
potencialidades locais e formular e implementar um processo de
desenvolvimento sustentável que inclua todos os atores do território. Por
fim, o estabelecimento de parcerias entre os atores do território e o poder
público suscita novas formas de implementação das políticas públicas, em
que o clientelismo, o fisiologismo e o corporativismo podem ser
efetivamente combatidos, emergindo em seu lugar a participação social e
mecanismos de controle social [grifo nosso] (BAHIA, 2007, p.59,).

No PPA 2008-2011 busca-se a participação da sociedade civil, nos conselhos, associações e


sindicatos, através de assembleias realizadas nos territórios de identidade que possibilitarão à
sociedade apresentar suas demandas, e a constituição de um fórum com objetivo principal de
avaliar os resultados das políticas públicas implementadas durante esse quatriênio. Além da
disponibilização do orçamento das despesas de governo para que a sociedade possa ter acesso
e avaliar os gastos feitos ao longo dos anos.

Um dos principais objetivos do desenvolvimento territorial apresentado no PPA 2008-2011 é


promover ações de governo que visem melhorar a qualidade de vida da população e
possibilitar maior dinamismo econômico às áreas menos dinâmicas do Estado. Nas propostas
do governo as demandas dos grupos sociais devem ser ouvidas, mas, nem sempre são
atendidas, a participação popular não é condicionada aos direcionamentos do governo, a
organização social é considerada na criação de políticas de reparação social. Outro problema
que deve ser considerado é a falta de visão estratégica de logís tica para execução das políticas
em escala territorial na Bahia, pois as demandas sociais não são atendidas devido a questões
orçamentárias que inviabilizam ações territorializadas.

Por fim, no que se refere em termos gerais ao estado da Bahia, a expressão


das demandas da sociedade esbarram na dissociação entre PPA e execução
orçamentária o que leva a uma baixa efetividade territorial, sendo atribuído a
esse desafio um caráter de responsabilidades compartilhadas [...]. Nestes
termos, a execução não respeita característica do território [...], mantendo o
desafio de legitimar demandas priorizadas pelo território [...]. No que tange
ao aparelho de estado reconhece-se que na execução das demandas imperam
velhas posturas individuais, autoritarismo científico, cultura institucional,
amarras burocráticas e modelos político e organizacional vigentes [...].
Portanto, para superar o desafio da dissociação entre diretrizes formuladas e
efetivação dessas diretrizes não é suficiente apenas compartilhar
responsabilidades entre sociedade civil e governo no controle social, mas
supõe a opção política por outro padrão de desenvolvimento em ruptura com
aquele cuja execução perpassa, no modelo vigente, todas as instâncias do
aparelho de estado (ALENCAR, 2010, p.45).
A gestão do estado a partir dos Territórios de Identidade expressa no PPA 2008-2011 é
resultado da vinculação entre Estados e União a fim de promover políticas públicas com
participação popular e reconhecimento das relações socioculturais como instrumentos
necessários ao planejamento das ações setoriais territorializadas enquanto estratégia para o
ordenamento territorial. Para a SEPLAN, o planejamento territorial tem como objetivo criar
oportunidade de investimento nos espaços menos dinâmicos, por meio do reconhecime nto das
potencialidades locais, no qual a sociedade apresenta suas demandas.

Por fim, o processo de desenvolvimento deve perseguir a redução das


desigualdades regionais, através do estimulo ao desenvolvimento local e da
priorização das áreas e regiões mais deprimidas e carentes na distribuição
dos investimentos públicos, e também assegurar a preservação e recuperação
dos recursos ambientais, de modo que o atendimento as necessidade da
presente geração não comprometa o bem-estar das gerações futuras.
(BAHIA, 2007, p. 47).

Avaliar o PPA significa identificar as prioridades do governo do Estado e, sobretudo, como a


sociedade e suas demandas são consideradas no fazer das políticas públicas. O relatório do
Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), sobre a territorialização
proposta pelo PPA 2008/2011, apresenta uma visão clara de como o poder público tenta
camuflar as lutas sociais a partir da criação de uma identidade territorial que substitui a
desigualdade pelo consenso a fim de atender a interesses externos às classes sociais postas a
margem do processo de desenvolvimento. Segundo Alencar (2010)

O contexto que justifica o exame dos PPA sob a perspectiva da


territorialização é a existência, no Brasil, há mais de uma década, de
entidades governamentais e não governamentais que intervêm na dinâmica
de desenvolvimento regional aplicando concepções de sustentabilidade e
territorialidade que operam em disputas paradigmáticas. Esses paradigmas,
em última instância polarizam, de um lado, a concepção de sociedade com a
existência de diversas classes sociais cujos sujeitos identificados por seus
processos de luta, trabalho e vida dão conteúdo à construção territorial frente
a complexos interesses em disputas, e de outro a concepção de sociedade
como comunidade em que atores e atrizes sociais representam segmentos de
uma identidade territorial que, ao ser consensualizada garantiria a
diversidade, retirando do foco a desigualdade até então mobilizadora de
conflitos. (ALENCAR, 2010, p. 19).

As identidades territoriais proposta pelo Estado a partir da política de desenvolvimento


territorial que substitui as lutas das classes sociais pela representação de “atores e atrizes
sociais” visam, acima de tudo alcançar um controle social por meio da formulação de
demandas em escala territorial que, em grande parte, não correspondem às necessidades da
sociedade atendida pelas políticas públicas. Devido à não observação dos fatores que
caracterizam as desigualdades presentes na sociedade, nota-se a ocorrência de um
desenvolvimento desigual como resultado dos interesses e intencionalidades inerentes às
políticas aplicadas pelo Estado.

A definição de Territórios Rurais e as ações governamentais que utilizam essa regionalização


são justificadas nos discursos do governo federal pela necessidade em enfrentar a questão
agrária para minimizar seus efeitos na sociedade. Apesar do governo da Bahia reproduzir o
discurso que constitui os Territórios Rurais do governo federal com a nomenclatura de
Territórios de Identidade eles tornam-se desalinhados da questão agrária, ao passo que
substitui a ideia de desenvolvimento territorial sustentável por programas paliativos
específicos para temas de necessidade imediata da sociedade:

[...] a adesão ao território e à delimitação construída a partir da política de


Desenvolvimento de Territórios Rurais na qual emergem os Planos
Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável, não corresponde ao
conteúdo da política territorial do governo do estado ao adotar como unidade
de planejamento Territórios de Identidade ao invés de Territórios Rurais, que
foram alavancados pela dinâmica agrária. Em contraponto, na apresentação
do PPA 2008 -2011, o governador Jacques Wagner afirma que: “Em relação
ao PPA Participativo, merece destaque o fato de que em todas as plenárias
foram identificados como prioridades os temas ligados à educação, saúde,
geração de emprego e distribuição de renda, com ênfase na agricultura
familiar, áreas já definidas como prioritárias no Plano de Governo
referendado pelo povo baiano em outubro de 2006. Evidenciou-se, então, a
profunda sintonia entre as propostas deste governo e as demandas da
sociedade. (BAHIA, 2007: p 12)” (ALENCAR, 2010, p.42).

Os Territórios de Identidade surgem como estratégia de possibilitar maior part icipação dos
municípios mais pobres nas decisões acerca de investimento dos recursos públicos em sua
região. As primeiras discussões referentes a uma regionalização que considere as identidades
locais foram encampadas pelos movimentos sociais, especialmente os ligados ao espaço
agrário, no qual suas demandas são apresentadas ao poder público. O Território de Identidade
Portal do Sertão localizado no semiárido baiano é formado por 17 municípios sediados pelo
município de Feira de Santana (mapa 2) é uma realidade diferenciada, por ser o poder público
quem delimitou quais municípios que pertencem ao Território por meio de uma conferência
que serviu apenas para homologar uma decisão já realizada.
No caso do Território Portal do Sertão, a experiência é bastante diversa
daquela do Território Sisal tendo em vista que, [...] constituiu-se como tal a
partir da primeira plenária para elaboração do PPA, em 2007 e, além disso,
não carrega história de organização social que o vincule à política territorial
do estado. Do mesmo modo, não tem conteúdos experimentados enquanto
Território Rural apoiado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do
MDA e, portanto, não formulou suas demandas a partir de um PTDRS por
não tê-lo elaborado. Nesse sentido, constitui-se como Território de
Identidade explicitamente envolvendo o rural e o urbano (SC5) embora
considere que a metodologia adotada pelo governo do estado induziu a
priorização das demandas em educação e saúde e reafirma sua identidade
rural (ALENCAR, 2010, p.46).

A não observação da diversidade e dos problemas que afligem os municípios trás como
resultado a constituição de um território como o Portal do Sertão na Bahia pensado e
constituído pelo governo do Estado sem prévia consulta aos municípios que foram inseridos
na política de desenvolvimento territorial por meio da adoção de Territórios de Identidade
pelo Governo do Estado. Como resultado desta formação descolada da organização social,
bem como de suas demandas, até o momento atual ainda se percebe a necessidade de
mobilizar e convidar os municípios a participarem do colegiado territorial. O que deveria ser
uma demanda dos municípios, poder público e sociedade civil, torna-se uma obrigação
imposta pelo governo do Estado. A necessidade em instituir o Portal do Sertão é debatida na
primeira conferência para elaboração do PPA 2008/2011 realizada pelo Governo do Estado
em 11 de maio de 2007, e, nesta mesma conferência fica definida sua implementação. Assim,
essa formação não considera as demandas e necessidades dos municípios que compõem o
território.

A análise sistemática das expressões de demandas sociais no estado da


Bahia, tomando os territórios Sisal e Portal do Sertão como referências,
possibilitará apreender o peso relativo das possibilidades de o território ter
hegemonia no delineamento de um perfil de desenvolvimento que possa ser
considerado identitário. Essa possibilidade de avaliação decorre da radical
diferença entre as trajetórias territoriais dos dois espaços. De antemão, o
território Portal do Sertão (PS) não estará expressando demandas
territorializadas por não ter construído essa condição de identidade territorial
até aquele momento em que o PPA foi elaborado e, portanto, as 89
atividades indicadas para execução só podem ser entendidas como
territorialização do PPA e não como expressão de demanda territorial no
PPA (ALENCAR, 2010, p.38).

As demandas apresentadas para o Território são estratégias do PPA para justificar a


territorialização o que na realidade poderia ser resultante de demandas dos grupos socia is
beneficiados com a Política de Desenvolvimento Territorial. Os municípios pertencentes ao
Portal do Sertão não apresentam suas demandas no ato da constituição do território e
consequentemente não contempla as quatro Dimensões para o Desenvolvimento Sustentável
dos Territórios Rurais que a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) propõe para o
desenvolvimento em escala territorial a fim de solucionar problemas setoriais. E que são
incorporadas ao PPA a fim de alinhar a política de desenvolvimento do governo federal com o
governo do Estado conforme citação apresentada pelo relatório do IICA.

[...] o enfoque territorial busca resultados nas soluções que contemplem uma
combinação das quatro dimensões do desenvolvimento sustentável:
- Econômica: resultados econômicos com níveis de eficiência através da
capacidade de usar e articular recursos locais para gerar oportunidades de
trabalho e renda, fortalecendo as cadeias produtivas e integrando redes de
pequenas empresas. - Sociocultural: mais eqüidade social, através da intensa
participação dos cidadãos e cidadãs nas estruturas do poder, tendo como
referência a história, os valores, a cultura do território e o respeito pela
diversidade. - Político-institucional: novas institucionalidades que permitam
a construção de políticas territoriais negociadas, ressaltando o conceito de
governabilidade democrática e a promoção da conquista e do exercício da
cidadania. - Ambiental: compreensão do meio ambiente como ativo do
desenvolvimento, considerando o princípio da sustentabilidade, enfatizando
o conceito de gestão da base de recursos naturais. (SDT, 2004, p. 5, apud,
ALENCAR, 2010, p. 36).

O Território de Identidade Portal do Sertão é coordenado pelo Conselho de Desenvolvimento


Territorial do Portal do Sertão (CODES/PORTAL) com representação paritária entre poder
público e sociedade civil, nas seguintes funções: Conselhos de Administração e Fiscal
representado por um membro do poder público e outro da sociedade civil de cada município;
Presidente do Conselho de Administração que necessariamente precisa ser representante do
poder público de um dos municípios por questões burocráticas e Vice-Presidente que deve ser
representante da sociedade civil; e Secretário Executivo que no caso do Portal deve
necessariamente ser da sociedade civil com os mesmos direitos e deveres do Presidente,
exceto no que se refere a assinaturas de documentos burocráticos.

2.2 A ESTRUTURA AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO, CLASSES E FRAÇÕES DE


CLASSES.
No espaço agrário do Território de Identidade Portal do Sertão é nítida a presença de diversas
classes e frações de classes sociais. Os pequenos, médios e grandes produtores rurais são
considerados de fundamental importância para análise da realidade do Território de
Identidade pesquisado, pois acredita-se que o diálogo com essas classes e frações de classes
sociais sintetiza o que se pretende compreender na realidade do Portal do Sertão.

Por pertencer ao Semiárido baiano o espaço agrário do Portal do Sertão encontra-se envolto
em inúmeras problemáticas ligadas a fatores físicos e climáticos. Porém os principais entraves
ao desenvolvimento territorial estão associados a questões relativas à distribuição de terra e
dificuldade em acessar programas políticos, as questões climáticas agravam cada vez mais
essa problemática.

Conforme dados da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola, são cadastradas no DAP


(Declaração de Aptidão Agrícola) cerca de quatro mil famílias dos municípios pertencentes ao
Portal do Sertão. Nos dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE 2006) 117.511 pessoas trabalham na agricultura o que significa
aproximadamente 15% da população total do Território (como apresenta a tabela 1). A
maioria desses trabalhadores é composta por pequenos produtores que, em muitos casos, não
conseguem se sustentar da agricultura devido a diversos fatores. destacando-se questões
climáticas e estruturais, como a desigualdade na estrutura fundiária, a distribuição de renda e,
principalmente, questões de ordem política que são direcionadas a partir de interesses que
dificultam o desenvolvimento das atividades do pequeno produtor.

Tabela 1: População e pessoal ocupado na agricultura por município Portal do Sertão/BA


MUNICÍPIO POPULAÇÃO POPULAÇÃO POPULAÇÃO PESSOAL
URB ANA RURAL URB ANA/RURAL OCUPADO NA
AGRICULT URA
Água Fria 5.777 9.954 15.731 7.445
Amélia Rodrigues 19.957 5.233 25.190 2.751
Anguera 4.326 5.916 10.242 2.515
Antonio Cardoso 3.225 8.329 11.554 5.637
Conceição da Feira 13.137 7.254 20,391 2.765
Conceição do Jacuípe 23.539 6.584 30.125 2.435
Coração de Maria 9.400 13.001 22.401 9.230
Feira de Santana 510.635 46.007 556.642 29.983
Ipecaetá 2.637 12.694 15.331 11.646
Irará 11.246 16.220 27.466 9.899
Santa Barbara 8.669 10.395 19.064 4.824
Santanópolis 1.684 7.092 8.776 5.287
Santo Estevão 27.690 20.190 47.880 14.666
São Gonçalo dos Campos 16.505 16.778 33.283 4.693
Tanquinho 5.711 2.297 8.008 1.598
Teodoro Sampaio 6.341 1.554 7.895 1.282
Terra Nova 11.488 1.315 12.803 855
Total 681.967 190.815 872.782 117.511
Fonte: IBGE Censo Agropecuário 2006 e Populacional 2010
Elaboração: So lange Maria Santana Couto, 2013.

O interesse dos grandes e médios produtores, que detém capital e condições de produção
necessárias à produção e circulação de seus produtos agrícolas, em permanecer no mercado e
aumentar sua rentabilidade é uma questão política que influencia na questão agrária. Para isso
necessitam de mão de obra barata e de fácil acesso para extrair delas a mais-valia que permite
maior lucratividade em seus negócios. Para conseguir isso os grandes e médios produtores se
aliam ao poder público e usam estratégias para dificultar o acesso a terra e a condições
mínimas de produção. Além disso, os governantes aproveitam a baixa renda dos pequenos
produtores e as condições climáticas desfavoráveis à produção no semiárido baiano e
promovem políticas compensatórias que não tem como objetivo solucionar o problema, mas
servir de manobra eleitoreira para permanecer no poder público por mais tempo. As
consequências dessas relações desiguais vividas cotidianamente pela população que trabalha e
resiste no campo do Território de Identidade Portal do Sertão.

A questão agrária vai além de problemas conjunturais é uma questão de cunho estrutural em
que a propriedade rural, as formas de relações sociais que se estabelecem e as condições de
produção no espaço agrário se inter-relacionam e constituem uma estrutura social que
considera as relações de produção, de distribuição e de apropriação (Gutelman, 1974) nas
diferenciações entre classes sociais. As consequências das diferenças sociais resultantes
dessas relações mediadas pelo trabalho são visualizadas ao analisar o índice de Gini 3 que a
maioria dos municípios pertencentes ao semiárido baiano esta entre a categoria forte e muito
forte como pode ser visto no mapa (3) espacialização da concentração da terra.

Como estratégia para minimizar as consequências da desigual distribuição de terra e renda no


campo alguns movimentos sociais levantam a bandeira da Reforma Agrária. Muito se fala em
reforma agrária, mas pouco se busca compreender seu real significado. Para se alcançar a
verdadeira reforma no espaço agrário deve-se mudar inicialmente a estrutura social vigente,
onde a maioria da população é refém da minoria detentora do capital, e consequentemente a

3
Índice de Gini: mecanis mo responsável por medir a distribuição de um bem, quanto mais se aproxima de 1
maior o g rau de concentração. Nessa pesquisa é utilizado para medir a concentração fundiária nos municíp ios.
mudança na estrutura agrária com o fim da renda fundiária (Gutelman, 1974). Constata-se que
no Brasil não existe reforma agrária e sim políticas agrárias, para além da questão social
pensa-se no viés da produtividade. O semiárido baiano é parte dessa realidade.

Mapa 3 Espacialização da concentração fundiária, índice de Gini Bahia - 2006

Disponível em: http://www.geografar.ufba.br/site/main.php?page=pagina&id=12 (acessado em 16/ 11/ 2010)


O Território de Identidade Portal do Sertão é parte dessa realidade de concentração fundiária, os
17 municípios que compõem o Território possuem concentração, com índice de Gíni entre 0,715
em Irará e 0,9 em Amélia Rodrigues conforme dados do Projeto GeografAR/ IGEO/UFBA. O
que configura a concentração no Território entre forte e muito forte, significa dizer que poucos
agricultores são proprietários de quase todo o espaço agrário. Se analisar a série histórica dos
últimos dez anos do índice de Gíni para os municípios do Portal do Sertão (tabela 2) é possível
constatar que não ocorreram grandes mudanças, a concentração fundiária é uma realidade visível
no Território. Apenas 4 municípios apresentam uma pequena diminuição no índice de Gíni no
período exposto (Anguera, Irara, Santanópolis e Terra Nova). Os maiores crescimentos
aconteceram em Santa Barbara, São Gonçalo dos Campos e Tanquinho, questão essa que remete
a estudos mais localizados para identificar o motivo dessa alteração.

Tabela 2: índice de Gíni da concentração fundiária por município no Portal do Sertão


MUNICÍPIO 1996 2006
Água Fria 0,854 0,785
Amélia Rodrigues 0,961 0,9
Anguera 0,839 0,793
Antonio Cardoso 0,861 0,876
Conceição da Feira 0,763 0,794
Conceição do Jacuípe 0,839 0,868
Coração de Maria 0,826 0,846
Feira de Santana 0,844 0,851
Ipecaetá 0,769 0,789
Irará 0,755 0,715
Santa Barbara 0,737 0,801
Santanópolis 0,814 0,783
Santo Estevão 0,703 0,826
São Gonçalo dos Campos 0,703 0,825
Tanquinho 0,713 0,801
Teodoro Sampaio 0,782 0,787
Terra Nova 0,863 0,756
Fonte: Pro jeto GeografA R, 2011.
Elaboração: So lange Maria Santana Couto, 2013.

A desigualdade social expressa pela questão agrária no Portal do Sertão também se manifesta
nas condições de vida da população. A precariedade em que vivem as família s moradoras do
campo vai além da falta de terra e de condições de produção, muitos sofrem com a falta de
condições mínimas de sobrevivência como alimentação, moradia, saneamento, saúde,
educação e trabalho. Diante dessa realidade eclodem manifestações populares de luta contra
as condições de desigualdade a que são submetidos.

A ação dos sindicatos e movimentos sociais é necessária, pois tem como meta transformar a
realidade do campo com melhoria de vida para o trabalhador rural e pequeno produtor. Como
expressividade dessa luta identificam-se em 2010 a existência de quatro acampamentos com o
total de 628 famílias identificadas, sendo um dos acampamentos sem identificar as
informações necessárias nessa pesquisa como apresenta a tabela 3, quatro associações de
pescadores e pequenos aquicultores em 2011 como podem ser vistos na tabela 4 e na tabela 5
são visualizadas 16 comunidades quilombolas entre 7 dos 17 municípios do Território. As
manifestações sociais representam que a população não está satisfeita com as condições que
são postas e buscam agir da melhor forma possível a fim de minimizar o problema agrário.
Mesmo com a desigual distribuição de renda como importante fator de diferenciação social no
Portal do Sertão, na análise do Plano de Desenvolvimento Territorial Rural (PDTR) do Estado
não é possível visualizar propostas de mudanças estruturantes para a realidade social descrita
anteriormente.

Tabela 3: Acampamentos Identificados no TI do Portal do Sertão Bahia, 2010.


MUNICÍPIO ACAMPAMENTO FAMÍLIAS
Amélia Rodrigues Fabio Henrique Cerqueira 128
Amélia Rodrigues Usina Abandonada Itapetingui 400
Santa Bárbara Canudos 100
Feira de Santana Fazenda Mocó Não identificado na
pesquisa
Total 4 628
Fonte: INCRA, MST, FETAG, CETA e CPT (dados dezembro/2010).
Elaboração: Projeto GeografAR, 2011.

Tabela 4: Associações de Pescadores cadastradas na SEAP/BA Portal do Sertão. 2011


MUNICÍPIO DES CRIÇÃO PRES IDENTE
Antonio Cardoso Associação dos Pescadores e Agricultores Vale do
Jacuípe
Conceição da Feira Associação dos Pescadores e Produtores de Conceição Milton Marques
da Feira
Conceição do Jacuípe Associação dos Pequenos Aquicultores e Psicultores de José Raimundo
Conceição do Jacuípe Souza
Total 3
Fonte: SEAP, CPP e Movimento de Pescadores e Pescadoras da Bahia (dados dez/2010).
Elaboração: Projeto GeografAR, 2011.

Tabela 5: Comunidades Quilombolas por município no Portal do Sertão/BA. 2010


MUNICÍPIOS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Água Fria Morro do Fogo Paramirim das
crioulas
Antonio Paus Altos e
Cardoso Gavião
Feira de Santana Candeal Lagoa do Lagoa Lagoa Matinha Roçad
Negro Grande Salgad o
a
Irará Crioulo Olaria Tapera
Santanópolis Mocambinho
Santo Estevão Oleiros
Terra Nova Cambotã Malemba
TOTAL 16
Fonte: INCRA, MST, FETAG, CETA e CPT (dados dezembro/2010).
Elaboração: Projeto GeografAR, 2011.

A realidade no Portal do Sertão não é diferente da maior parte do País, existe muita
desigualdade social no campo e a população pobre sofre as consequências. Muitos dos
pequenos produtores não têm condições de sustentar a família com a produção insuficiente,
dificuldade de circulação da produção e o alto custo pago aos atravessadores e transportadores
de seus produtos. A migração para outras formas de renda torna-se cada vez mais frequente,
muitas famílias vivem de renda cedida por familiares ou oriundas de programas de benefícios
sociais (Tabela 09, p. 83) ou buscam trabalhos acessórios onde possam suprir essas
necessidades. Nesse período a função do gato (atravessador que contrata mão de obra pra
trabalhar em outras regiões) é mais visível.

Muitos trabalhadores ao migrarem para outras regiões contraem dívidas de transporte,


hospedagem, alimentação e tornam-se reféns dos empregadores; por mais que trabalhem não
conseguem pagar, pois cada dia que ficam a dívida aumenta. Além disso, as condições de
trabalho, moradia, higiene e alimentação são as mais precárias, vivem como escravos sem
correntes. Sair dessa condição é cada vez mais difícil, é necessária a intervenção do Estado
para garantir a cidadania e os direitos humanos a esses trabalhadores que vivem em situação
análoga a escrava. 35 trabalhadores dos municípios pertencentes ao Portal do Sertão foram
resgatados em outras regiões do País no período de 2005 a 2010 retornaram a seus municípios
de origem e receberam o beneficio do seguro desemprego, conforme o tabela 6 apresenta.

Tabela 6: Trabalhadores resgatados que receberam seguro-desemprego - Portal do Sertão


(2005 - março de 2010)
MUNICÍPIO BENEFICIÁRIOS
Santanópolis 10
Água Fria 7
Terra Nova 7
Amélia Rodrigues 4
Feira de Santana 3
São Gonçalo dos Campos 2
Conceição do Jacuípe 1
Santa Barbara 1
TOTAL 35
Fonte: M.T.E
Elaboração: Projeto GeografAR, 2011.

A questão agrária no Portal do Sertão é caracterizada pela desigualdade, entretanto a atuação


de movimentos sociais, como por exemplo, o MST e o MOC, não fazem grandes críticas nem
participa dos debates sobre os problemas agrários no Conselho de Desenvolvimento
Territorial (CODES). Apesar da existência de movimentos sociais organizados, alguns,
inclusive com sede no Território não há grandes ocupações. Conforme dialogo com
representantes do CODES, existem no Portal do Sertão influências do poder político. Muitos
líderes de movimentos sociais são filiados a partidos políticos, alguns c hegam a tornar-se
candidatos às eleições e outros têm cargos comissionados. Essa situação dificulta os debates,
pois muitas questões levantadas têm como objetivo atender a demandas da classe social
dominante.

Como consequência da luta por interesses individuais a população sofre sem ter a quem
recorrer e a realidade agrária do Portal do Sertão continua a ser de desigualdade social.
Constata-se que o número de cooperativas, consórcios e associações no Território é aquém do
necessário à numerosa população do campo. O quadro 1 expõe a condição de propriedade por
unidade, ou seja, quantas unidades possuem para cada tipo de produtor rural segundo sua
condição de produção a partir de dados do Censo Agropecuário 2006, isso exemplifica as
condições das classes sociais presente e atuantes no Portal do Sertão.

Quadro 1: Condição do Produtor rural nos municípios do Portal do Sertão/BA. 2006


SITUAÇÃO DO PRODUTOR
Propriedade Consórcio Coope Sociedade Proprietário Assentado Arrendatário Parceiro Ocupante Produtor
individual ou rativa anônima sem sem área
MUNICÍPIO sociedade ou de titulação
de pessoas responsab definit iva
ilidade
limitada
Água Fria 2247 9 1 6 2017 108 16 40 79 23
Amélia 638 5 - - 467 - 3 17 29 128
Rodrigues
Anguera 911 2 - - 818 - - 1 38 57
Antonio 1574 5 1 - 1298 14 1 4 161 104
Cardoso
Conceição 989 7 1 1 702 - 6 7 250 40
da Feira
Conceição 615 37 1 2 549 2 33 5 69 1
do Jacuípe
Coração de 3095 97 2 1 2855 4 24 68 278 26
Maria
Feira de 8262 689 2 9 7824 - 18 15 952 160
Santana
Ipecaetá 3736 9 - 2 3289 4 2 1 236 223
Irará 2980 184 - 1 2627 - 17 125 372 27
Santa 1355 63 - 1 1221 - 1 2 148 56
Barbara
Santanópolis 1739 160 - - 1754 - 1 3 118 24
Santo 4609 19 2 3 3549 2 4 9 494 575
Estevão
São Gonçalo 1342 9 2 4 1184 - 6 10 110 104
dos Campos
Tanquinho 647 6 - - 563 - 5 1 58 26
Teodoro 368 20 - 4 355 - 1 3 13 24
Sampaio
Terra Nova 116 - 2 - 116 1 3 - 1 -
TOTAL 35.223 1.321 14 34 31.188 135 141 311 3.406 1.598
Fonte: IBGE Censo Agropecuário, 2006.
Elaboração: Couto, Solange Maria Santana, 2013.

Como pode ser visto no quadro 1 a realidade do produtor rural no Portal do Sertão é muito
diversa, sua relação com a terra e resultado do contexto histórico de expropriação e
exploração. Coexistem grandes, médios e pequenos produtores proprietários de s uas terras
com trabalhadores rurais assentados, arrendatários, parceiros, ocupantes e produtores sem
área. Todos lutando pelos mesmos objetivos: produzir na quantidade e qualidade necessárias a
permanência no sistema capitalista de produção. A principal diferença entre essas classes e
frações de classe é a condições em que são inseridos no processo de produção, de forma
desigual. Os dados do Censo Agropecuário 2006 expostos no quadro1 demonstram a
expressividade dessa relação no Portal do Sertão (PS). Além de expor a importância de
discutir a questão agrária no Território, tendo em vista, sua influencia nas relações sociais dos
municípios integrantes do PS.

No Portal do Sertão coexistem diversas classes sociais cada uma com atuação específica;
destacam-se os pequenos, médios e grandes produtores, os trabalhadores rurais, as
comunidades quilombolas, as comunidades de pescadores e pescadoras. A desigualdade social
se expressa, principalmente na estrutura agrária onde o pequeno produtor não possui as
condições mínimas de trabalho e renda e o grande produtor frequentemente aproveita essa
situação para explorar mão de obra barata e de qualidade, pois o pequeno produtor já conhece
a terra; nasceu na terra e aprendeu os saberes no convívio diário de geração a geração. O
poder público não tem grande atuação nas questões relativas à concentração fundiária e a
maior parte dos movimentos sociais não se manifesta devido a algum tipo de relação com o
governo. A população é cada vez mais refém das condições impostas pelo sistema capitalista
de produção.

2.3 O SISTEMA PRODUTIVO NO PORTAL DO SERTÃO E A QUESTÃO AGRÁRIA


ATUAL

A opção por uma política de desenvolvimento territorial que tenha por base as atividades
rurais deve considerar a conjuntura das transformações sociais, econômicas e ecológicas que
ocorrem na área a ser atendida por esta política. O desenvolvimento agrícola torna-se um fator
relevante na criação e implantação de uma política considerada de desenvolvimento territorial
sustentável. Para Dufumier (2010) a ação do Estado envolve a correlação de diversas forças
atuantes, pois é preciso conhecer a realidade em que se pretende atuar.

[...] o desenvolvimento agrícola se caracteriza, em primeiro lugar, por um


encadeamento de transformações técnicas, ecológicas, econômicas e sociais.
A sua dinâmica passada e as contradições que dela resultam nos dias atuais
deve ser bem compreendida para que se evidenciem tendências previsíveis
para o futuro. Seria inócuo pretender transformar o desenvolvimento
agrícola em uma determinada região sem antes compreender a dinâmica
própria dos fenômenos que se desejam modificar. As intervenções do Estado
só poderão levar aos resultados pretendidos se estiverem apoiadas numa
certa quantidade de forças (econômicas e sociais) cujas evoluções recentes
precisam ser apreciadas. Talvez seja útil reforçar as tendências que se
destacaram ou, ao contrário, talvez seja desejável intervir na “contramarcha”
mesmo assim, ainda é preciso compreender bem de quais tendências e de
que “marcha” está se tratando. (DUFUMIER, 2010, p.60).

No Portal do Sertão a Política de Desenvolvimento Territorial é descolada do território, pois,


apesar de ser implantada em um território com número significativo de conflito no campo,
não se propõe a minimizar os problemas agrários, não aborda a questão, acredita-se que o
principal motivo dessa desvinculação com o problema real está na origem. As propostas de
programas e políticas públicas estão imersas em inúmeras intencionalidades que expressam as
necessidades do sistema produtivo atual que tem como grande beneficiada a classe social
dominante representada aqui pelos grandes produtores, principais interessados na
permanência das desigualdades sociais no campo. As relações de poder se manifestam de
forma a dificultar a participação real da sociedade nas decisões tomadas que irão interferir no
cotidiano. As propostas encaminhadas para a plenária do CODES não levam em consideração
as demanda da população agrária do Território, não consideram o desenvolvimento agrícola
que englobe todos os setores nem as dinâmicas dos fenômenos que caracterizam a realidade
dos municípios pertencentes ao Território de Identidade.

O governo propõe o Desenvolvimento Territorial sem considerar a realidade sociopolítica do


Território, pois o que se define nas reuniões do Conselho é como justificar o gasto com um
programa, não são elaboradas propostas e encaminhadas ao governo, ocorre o inverso, o
governo manda a proposta e os conselheiros definem se aceitam e como justificar o gasto para
a União. São criadas propostas de programas específicos pra algumas áreas que devem
beneficiar o campo, os movimentos sociais aceitam e se focam nisso, buscam os benefícios
para seu município, ou sua comunidade geram conflito com as demais e deixam suas
bandeiras de luta em segundo plano por um longo tempo até o momento em que são
esquecidas.

As relações socioculturais que caracterizam os municípios pertencentes ao Território não são


identificadas pelo governo antes da atuação. É pensada uma política nacional para o campo e
as especificidades regionais e locais não são observadas. O reconhecimento do sistema
produtivo agrícola deve contribuir na identificação dos principais problemas técnicos e
econômicos enfrentados pelas distintas classes de produtores rurais, bem como seus objetivos
e interesses.

A caracterização dos sistemas de produção agrícola tem por objetivo


identificar e hierarquizar os principais problemas técnicos e econômicos com
os quais se confronta cada uma das categorias de produtores. Ela visa
notadamente a precisar bem as dificuldades que os agricultores
experimentam para satisfazer melhor os seus interesses respectivos a partir
dos recursos disponíveis (DUFUMIER, 2010, p.83).

Ao não reconhecer a dinâmica social, econômica e edafológica e climáticas do Território que


se implanta a Política de Desenvolvimento Territorial, o Estado realiza intervenções
consideradas, em muitos casos, insuficientes para atender as demandas da população por não
considerar a complexidade inerente ao sistema produtivo e a utilização dos recursos
disponíveis. A representante do Centro de Apoio aos Trabalhadores Rurais da Região de Feira
de Santana (CATRUFS) entrevistada na pesquisa, afirma que, a exemplo disso, tem-se a
implantação de cisternas sem conhecimento da área a ser implantada e das necessidades da
comunidade atendida, parte da população reclama que tem as cisternas, mas, são inutilizadas,
a maior parte do tempo, por não ter água. A ação do Estado torna-se descolada da realidade
em algumas situações por não identificar os principais problemas do campo no Território.

Seria errado pretender formular e realizar intervenções apropriadas às


condições e interesses dos agricultores sem ter uma boa compreensão da
complexidade e das performances de seus sistemas de produção. Daí ser
preciso analisar antecipadamente como os diversos recursos disponíveis
(terra, força de trabalho, capital...) são alocados nas diferentes atividades
agrícolas e avaliar os resultados econômicos da gestão global (DUFUMIER,
2010, p.83).

No Portal do Sertão o sistema produtivo reflete as consequências da questão agrária que


envolve o Território. As relações de produção no campo são resultados da desigual relação de
distribuição de renda. Enquanto poucos grandes produtores detém a maior parte das condições
de produção, a maioria da população do campo é composta por pequenos produtores que tem
pouca ou nenhuma condição de sobrevivência a partir da produção no campo. A maioria da
produção no Portal do Sertão é realizada pelo pequeno produtor agrícola, para eles o saber
fazer camponês é ensinado desde a infância. Os agricultores e agricultoras possuem múltiplas
atividades, dispõem de diversas técnicas que são indispensáveis ao desenvolvimento da
atividade agrícola.

A caracterização dos sistemas de produção consiste em evidenciar como os


produtores associam várias atividades e técnicas agrícolas nas suas
explorações, considerando principalmente a diversidade das condições
edafológicas locais e as variações mais ou menos previsíveis do clima. A
profissão de agricultor exige que ele realize um grande número de tarefas
bem diferentes (preparo do solo, fertilização, proteção das culturas, cuidado
com os animais, manutenção do material, conservação das colheitas,
transformação e comercialização dos produtos...) que ele deve saber
distribuir corretamente no espaço e no tempo. Os agricultores devem não
somente dominar uma multiplicidade de técnicas particulares concernentes
às diversas produções vegetais e animais, sendo-lhes também indispensável
poder combinar melhor suas múltiplas atividades sem perder de vista o
controle do conjunto (DUFUMIER, 2010, p.83).

A combinação das atividades transmite ao produtor maior responsabilidade com o conjunto


das atividades até chegar à produção final em seu ramo agrícola. É preciso compreender o
espaço e o tempo disponíveis para a produtividade. O Território de Identidade Portal do
Sertão localizado na região semiárida baiana, suas principais características físicas são baixo
índice de pluviosidade, solos fracos e pedregosos e vegetação arbustiva e rica em cactáceas.
Essas características influenciam diretamente no sistema de produção agrícola. Os sistemas de
cultivo, criação e transformação devem considerar todos esses fatores combinados as
condições sociais e econômicas da maioria dos produtores.

Nos limites de uma unidade produtiva, o sistema de produção agrícola pode


ser definido como a combinação (no espaço e no tempo) dos recursos
disponíveis e das próprias produções: vegetais e animais. Ele pode ser assim
concebido como uma combinação mais ou menos coerente de diversos
subsistemas produtivos: - sistemas de cultivo, definidos com base nas
parcelas ou grupos de parcelas trabalhadas de maneira homogênea, segundo
os mesmos itinerários técnicos e sucessões de culturas; - os sistemas de
criação definidos com base nos rebanhos ou parte deles; - os sistemas de
transformação, “na fazenda”, dos produtos agrícolas: debulha dos grãos,
fabricação de cervejas de banana, fabricação de manteiga e queijo de
fazenda, etc. (DUFUMIER, 2010, p.85).

Acredita-se que para realizar uma política de desenvolvimento territorial sustentável bem
sucedida é necessária a análise do sistema de produção agrícola através da interação entre os
elementos que o compõem. As relações entre os diversos subsiste mas e as classes sociais que
atuam no campo no Portal do Sertão caracterizam a realidade produtiva e os problemas que
necessitam interferência do Estado. Porém no conjunto dos programas direcionados ao
Território essa realidade não é considerada. Para Dufumier (2010) analisar um sistema
produtivo consiste em examinar as interações e interferências entre os elementos que o
constituem.

Analisar um sistema de produção nos limites de uma unidade produtiva


agrícola consiste menos em conhecer cada um dos elementos que o
constituem do que em examinar com cuidado as interações e as
interferências que se estabelecem entre eles; - as relações de concorrência
entre espécies vegetais e animais para a utilização de diversos componentes
do ecossistema trabalhado; água, luz, elementos minerais, matérias
orgânicas...; - a alocação da força de trabalho e dos meios de produção (e sua
distribuição no tempo e no espaço) entre os diferentes subsistemas de cultivo
e de criação: itinerários técnicos, sucessões e rotações de culturas, pousios,
calendários de alimentação dos animais, deslocamento dos rebanhos, etc...
(DUFUMIER, 2010, p.85).

A complexidade que envolve o sistema de produção agrícola destaca-se no conhecimento da


realidade agrária. “É importante levar em consideração a complexidade interna de cada um
dos principais tipos de sistemas de produção agrícola, evitando simplificações abusivas
quanto ao seu funcionamento e a sua razão de ser” (DUFUMIER, 2010, p.86). Na questão
agrária que envolve o Portal do Sertão toda essa complexidade encontra-se presente e atuante,
se o Estado pretender agir de forma a minimizar a questão agrária do Território deve
identificar e reconhecer a importância desta complexidade também nas discussões de caráter
agrário.

Para melhor compreender a importância da análise do conjunto do sistema produtivo agrícola


nas discussões sobre as expressões da questão agrária no Portal do Sertão é necessário
conhecer a realidade do Território de Identidade. Que tipo de produção se destaca, quais as
classes sociais que atuam no campo e como atuam, como são utilizadas as terras e demais
recursos naturais disponíveis e quais os principais problemas enfrentados pela maioria dos
produtores rurais. Em posse dessas informações deve-se compreender como o Estado atua e o
que ainda precisa ser feito. Para identificar essa realidade são utilizados dados de órgãos
oficiais e de pesquisas anteriores.

Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE 2006 no Portal do Sertão existem 348.335
hectares de área utilizada para a agricultura que representam 83.123 estabelecimentos
agropecuários, deste total: 255 estabelecimentos são terras degradadas; 1.099 são terras
inaproveitáveis para agricultura e pecuária; 15.050 são construções; e 6.019 são reservas
florestais e águas, restam apenas 60.700 unidades próprias para produção agrícola. Na tabela
6 é possível detectar a distribuição das terras a partir de sua utilização no Portal do Sertão.

Tabela 7: Utilização das terras estabelecimentos agropecuários e área - Portal do Sertão/BA


UTILIZAÇÃO DAS TERRAS Nº de ÁREA
ES TAB ELECIMENTOS (ha)
AGROPECUÁRIOS
Lavouras permanentes 11.583 7.325
Lavouras temporárias 27.173 29.415
Lavouras - área p lantada com forrageiras para corte 1.269 7.470
Pastagens - naturais 10.282 95.017
Pastagens - plantadas degradadas 1.888 16.405
Pastagens - plantadas em boas condições 8.505 132.956
Matas e/ou florestas - destinadas à preservação permanente 776 11.637
Matas e/ou florestas - naturais 1.722 16.129
Matas e/ou florestas - florestas plantadas com essências florestais 52 4.875
Sistemas agroflorestais - área cult ivada com espécies florestais 1.114 15.206
Tanques, lagos, açudes e/ou área de águas públicas. 2.355 2.157
Construções, benfeitorias ou caminhos. 15.050 6.418
Terras degradadas 255 492
Terras inaproveitáveis para agricu ltura ou pecuária 1.099 2.833
Total 83.123 348.335
Fonte: Censo Agropecuário, 2006.
Elaboração: So lange Maria Santana Couto, 2013.
A análise da utilização das terras no Portal do Sertão permite constatar que a maior
quantidade de unidades de estabelecimentos utilizáveis se destina a produção de lavouras
temporárias que, no Território, é realizada por trabalhadores rurais, pequenos e médios
produtores que possuem pequena quantidade de terras, como informa o presidente do
sindicato dos produtores rurais de Feira de Santana. Assim, a divisão das unidades de
produção torna insuficiente o tamanho da área para a quantidade de famílias envolvidas no
processo de produção. São citados como principais produtos do campo no Portal do Sertão a
mandioca, milho, feijão, hortaliças e fruticulturas que abastecem tanto o mercado interno
quanto externo, o principal fornecedor de produtos para consumo interno é o pequeno
produtor rural.

No Portal do Sertão há significativa produção animal, os pequenos e médios produtores são


responsáveis pela criação de animais de pequeno porte com maioria de ovinos e caprinos, pois
são animais com menor custo para a criação no que se refere a área e alimentação, além disso
são mais resistentes as temperaturas do semiárido. Os médios produtores são responsáveis por
grande parte de animais suínos e aves além de possuírem alguns animais de grande porte. Os
grandes produtores por possuírem maior capital disponível para investimento produzem
animais de grande porte como equinos, muares e bovinos, segundo dados do sindicato
patronal (fornecidos pelo presidente do sindicato, porém, não disponíveis para divulgação) o
Portal do Sertão é considerado o maior produtor de bovinos do semiárido baiano, destaque
para o município de Feira de Santana tendo a criação de raças com importância em escala
nacional. Na tabela 8 é possível visualizar o número de estabelecimentos e a quantidade de
animais em todo o Território de Identidade.

Tabela 8: Produção animal no Portal do Sertão – BA – 2006


PRODUÇÃO ANIMAL QUANTIDADE

Bovino - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 10.865


Bovino - Nú mero de cabeças 215.510
Bubalino - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 11
Bubalino - Nú mero de cabeças 20
Equino - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 6.017
Equino - Nú mero de cabeças 18.496
Asinino - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 3.598
Asinino - Nú mero de cabeças 4.699
Muar - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 1.580
Muar - Nú mero de cabeças 4.079
Caprino - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 854
Caprino - Nú mero de cabeças 13.677
Ovino - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 4.680
Ovino - Nú mero de cabeças 53.594
Suíno - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 8.723
Suíno - Nú mero de cabeças 45.479
Aves - Nú mero de estabelecimentos agropecuários 23.583
Aves - Nú mero de cabeças 6.701
Outras aves - Número de estabelecimentos agropecuários 1.757
Outras aves - Número de cabeças 70.623
Vacas ordenhadas – Número de cabeças 15.047
Fonte: Censo Agropecuário, 2006.
Elaboração: So lange Maria Santana Couto, 2013.

Apesar da diversidade de produção agrícola e pecuária detectada no Portal do Sertão são


grandes os problemas na produção. Por pertencer ao semiárido o Território sofre com as altas
temperaturas e a falta de água. A burocracia que dificulta o acesso a créditos e programas
vitima a população semianalfabeta de trabalhadores rurais que cada vez mais necessitam
migrar para outras atividades para de sustentar a família.

A questão agrária é pensada a partir de ações paliativas que visam camuflar o conflito e gerar
na população uma sensação de problema resolvido. Enquanto a reforma agrária não for vista
como reforma na estrutura agrária as desigualdades irão permanecer e o interesse da
população em continuar no campo será cada vez menor. Ao analisar as relações de forças
políticas, para quem vão os frutos das relações de produção, nota-se porque não há interesse
em mudar a estrutura, o Sistema Capitalista de Produção visa o lucro e para que seja obtido é
necessária a sujeição da maior parte da população a uma minoria privilegiada, àqueles a quem
historicamente tem o direito de possuir capital em abundância.
3 EXPRESSÕES DA QUESTÃO AGRÁRIA NO PORTAL DO SERTÃO: O
CODES/PORTAL E AS REIVINDICAÇÕES, PROBLEMAS E SUGESTÕES DAS
CLASSES SOCIAIS DO CAMPO

As classes sociais que estruturam o espaço agrário no Portal do Sertão estão inseridas em
inúmeras problemáticas e conflitos sociais traçados historicamente. A estrutura social e as
diferentes condições de produção e reprodução da vida se destacam como raízes de outros
problemas. Para compreender de que forma essa problemática se instaura e o que é feito para
minimizar as consequências dessa situação é preciso analisar a questão agrária no Território
de Identidade Portal do Sertão, como ela se expressa a partir da sociedade que o compõe.

Os pequenos produtores e trabalhadores rurais são reféns de um sistema que os submetem às


condições impostas pelos detentores de capital. A maioria da população do campo sofre com a
falta de condições mínimas de sobrevivência. Não possuem acesso aos meios de produção, as
áreas que utilizam não são de qualidade e não podem investir em melhorias, pois, os recursos
adquiridos são, em grande parte, utilizados para sobrevivência familiar.

Os grandes e médios produtores possuem recursos e condições para desenvolver atividades


lucrativas no campo. Exploram mão de obra barata e não se consideram responsáveis pelos
problemas do campo. Nos últimos três anos ocorreram períodos de longa estiagem; essa
situação afetou todos os ramos de atividade agrícola, tanto o pequeno e o médio quanto o
grande produtor sofrem as consequências desse período, em diferentes proporções. A grande
diferença são as condições sociais, econômicas, políticas e culturais que cada uma dessas
classes e frações de classes sociais possui para lidar com essa situação.

O poder público que deveria agir como mediador de conflitos e setor responsável por criar
programas e políticas que minimizem as consequências de problemas naturais, age de forma a
possibilitar a permanência das desigualdades sociais, camufla o conflito e cria um consenso
forjado. As demandas da sociedade ficam em segundo plano e o poder público cria novas
necessidades à população que acredita participar de uma sociedade democrática, quando a
democracia é substituída pelas necessidades do sistema capitalista de produção. E alguns
movimentos sociais são cooptados pelos detentores do poder e deixam as bandeiras de luta da
sociedade para segundo plano com objetivo de reduzir os impactos dos conflitos sociais no
sistema dominante.
3.1 AS DIFICULDADES ENCONTRADAS PELOS PEQUENOS E MÉDIOS
PRODUTORES

Os pequenos e médios produtores e os trabalhadores rurais no Portal do Sertão estão inseridos


em uma lógica capitalista que os mantém submetidos a condições impostas pelo grande
capital. Deles são retiradas as condições mínimas de sobrevivência e manutenção da família
para atender a interesses da acumulação privada. Sem meios e condições de suprir as
necessidades mínimas são obrigados a vender a força de trabalho, único bem que lhes resta.
Assim, é crescente a quantidade de mão de obra disponível o que, pela lei da oferta e da
procura, torna cada vez menor o pagamento realizado pelos empregadores. Essa situação
obriga a população a migrar constantemente para outras atividades, distantes do saber fazer
camponês historicamente construído.

Uma situação histórica que contribui para os problemas que envolvem os pequenos
produtores e trabalhadores rurais é a concentração fundiária. No Portal do Sertão a pecuária
de grande porte envolve a maior parte da área rural. A sociedade sofre com a falta de acesso a
terra e a condições mínimas para produzir. Não há uma política estruturante para solucionar
esse problema, pois não é interessante ao poder público reduzir as diferenças sociais, visto
que são essas diferenças que sustentam o sistema capitalista atual.

Como estratégia para camuflar os conflitos o governo utiliza as bandeiras das principais
lideranças sociais e transforma seus discursos em apresentação de programas de governo ou
campanha eleitoreira. A maioria dos representantes da sociedade civil que participa do
CODES/PORTAL (tais como: representantes dos sindicatos dos trabalhadores, da FETRAF,
Cooperativas, Associações, Movimentos Sociais, CATRUFS, ONGs e dentre outros) tem
algum vínculo político partidário com o governo atual os exemplos citados são as lideranças
do STR que são filiadas a partidos políticos e evitam conflitos que possam prejudicar a
representatividade dos candidatos. A coordenadora do Polo Sindical foi candidata a vereadora
em 2012, e se recusa a mostrar as falhas do governo e o secretário executivo do consórcio
Portal do Sertão, escolhido por ser líder de campanha do prefeito de Amélia Rodrigues, atual
presidente do Consórcio e do Conselho, são apenas alguns dos inúmeros casos que são vistos
no território. As lideranças reconhecem os problemas existentes no campo, mas afirmam que
o poder público atua no sentido de solucionar essa questão.
Quem tem a maior parte das terras nesse país são os latifundiários e quando
mete pra dividir, pra compra dos latifundiários para reforma agrária e
quando vê os grandes fazendeiros tá de frente batendo testa contra. Mas tem
uma política de reforma agrária decente, ordeira de terra improdutiva não
terra produtiva. Improdutiva para ser feita a reforma agrária. Também pra
crédito fundiário, pode ser pra crédito fundiário e pode ser até terra
produtiva, porém conversa com o proprietário e o governo, para que seja
comprada essas terras, pelo menos crédito fundiário não é dada é comprada.
Pode ser também, com certeza vai ter fazendeiros e fazendeiras que vai tá
querendo, mas nós, desde que o governo aderiu, nós vamos pra luta
independente de fazendeiro ou não nós vamos pra luta porque esse é o nosso
papel. (secretária de políticas agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária
executiva da CODES/Portal, entrevista concedida em 18/06/2013).

A representante do STR e CODES/Portal apresenta o conflito existente, mas justifica que o


poder público realiza um papel mediador. Reconhece o grande produtor como entrave ao
desenvolvimento do pequeno, mas não visualiza que as estratégias do governo tendem a
beneficiar os grandes produtores, pois não é feita uma análise da documentação desses
grandes produtores. O que o fazendeiro disser é assumido como verdade, a terra que ele
declara é documentada, não há uma fiscalização nas fronteiras. As cercas são cada vez mais
estendidas e o conflito só se apresenta quando um grande produtor se interessa pela
propriedade de outro.

A história se perde no jogo de interesses, os trabalhadores que sofrem são esquecidos em


nome de uma paz forjada pelos detentores do capital. Na questão sobre a existência de
violência no campo a representante do STR/FSA e CODES/Porta l afirma que nunca é
noticiada violência porque não existe, pois para ela o movimento social não quer conflito e
por isso nenhum grande produtor ou poder público age de forma violenta contra eles.

Eu acredito que não, violência eu acredito que não, graças a Deus nunca teve
muita violência pode ser em palavras, mas violência física e outras até o
momento, e eu espero em Deus que não. Até porque nós não queremos
conflitos, queremos conflitos de ideias que é normal, agora outros tipos de
conflitos não teve, e espero em Deus que nunca tenha. (secretária de
políticas agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária executiva da
CODES/Portal, entrevista concedida em 18/06/2013).

O discurso da representante do STR/FSA e CODES/Portal torna-se descolado da realidade se


analisado junto aos números do índice de Gini (tabela 02), acampamentos identificados
(tabela 03) e situação do produtor (tabela 05). São apenas alguns exemplos da violência
sofrida pelo pequeno produtor e pelo trabalhador rural no Portal do sertão e que não são
abordados pela representante sindical.

A ação do poder público é vista como benéfica às classes menos privilegiadas. Para a
representante do STR/FSA e CODES/Portal o governo atual tem agido em defesa do pequeno
produtor. A burocracia criada pelo governo que não diferencia a condição do pequeno
produtor da condição do grande e dificulta o acesso aos benefícios não é mencionada. A
responsabilidade pela demora no acesso aos benefícios é dada exclusivamente às instituições
financeiras. É nítido que o discurso tem como finalidade defender a ação de um partido
político, sem apresentar os entraves de alguns programas e políticas.

Já houve isso do grande é quem tinha mais direitos era quem acessava o
crédito, mas graças ao governo Lula pra cá depois a Dilma essas questões
essa parte tem melhorado, graças a Deus nós temos acesso ao crédito, mas o
que pode melhorar é o atendimento ao crédito, os bancos faz, faz e demora
de aprovar, ai reclama que não tem funcionário, tem que ter, é uma outra
coisa que o território vai debater é o concurso pra EBDA, concurso para os
bancos, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, os funcionários precisam ser
contratados para atender melhor aos trabalhadores. (secretária de políticas
agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária executiva da CODES/Portal,
entrevista concedida em 18/06/2013).

A burocracia criada pelo Estado confunde suas próprias políticas, se por um lado o problema
da habitação rural é considerado uma questão agrária e o governo cria o Programa de
Habitação Rural para minimizar as consequências da falta de acesso a moradia, do outro lado
para ter acesso a esse programa é preciso ter a Declaração de Aptidão Agrícola (DAP), porém
esse documento só é adquirido mediante título da terra e a maioria da população rural do
Território de Identidade Portal do Sertão não possui essa documentação devido as condições
históricas de expropriação e exploração que estes foram inseridos. A população do campo que
não possui o título da terra não pode ter acesso ao programa e são responsabilizados pela falta
da documentação.

Uma questão da regularização da terra é o programa de habitação rural pra o


homem e a mulher do campo é a questão da DAP pra acessar. Tanto o
crédito como a questão da pavimentação rural precisa ter DAP e precisa ter
uma demanda muito grande de procura do agricultor e a gente tá lutando
para vencer juntos com o agricultor essa dificuldade. (secretária de políticas
agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária executiva da CODES/Portal,
entrevista concedida em 18/06/2013).
No Portal do Sertão para ter acesso à DAP é necessária a comprovação de moradia com
documentos oficiais ou de instituições representativas de no mínimo cinco anos, só após
passar por todos os trâmites e receber o título da terra é que o pequeno produto r pode solicitar
a DAP. Segundo a entrevistada ter a DAP não é suficiente para solicitar um programa como o
de habitação rural ou pavimentação rural é preciso que tenha uma demanda grande para
aquela comunidade. O poder público sempre encontra meios para d ificultar o acesso da
população aos programas sociais.

A APAEB representa o pequeno produtor rural na organização e comercialização dos


produtos da agricultura familiar e tem parceria com o STR que é o representante legal dos
trabalhadores rurais. Como avanço a APAEB conseguiu criar rótulos e códigos de barras para
os pequenos e médios produtores que necessitam para comercializar legalmente seus produtos
e não possuem recursos para criar uma marca. A parceria com universidades proporciona a
qualificação nutricional dos produtos. São passos iniciais para a comercialização dos produtos
da agricultura familiar de acordo com a legislação vigente.

Estamos ai na organização para venda dos produtos porque em questão de


código de barra, rótulo, a APAEB já ta ai na questão de rótulo, de código de
barras que a APAEB já conseguiu então a gente ta ai na fase final. Já
estamos vendo a questão nutricional dos produtos com a universidade que já
está inclusive produzindo amostras pra que a gente possa comercializar sem
nenhum problema. [...] já temos uma indústria de polpa de frutas na Matinha
que é da APAEB [...] já fazemos polpa de frutas para mais de oito colégios
aqui em FSA, mas no estado é o sindicato quem fornece as polpas para a
merenda escolar, para algumas pessoas individuais, também produz
compostos para merenda escolar e também para algum mercadinho pra o
comércio como algum mercadinho e alguma universidade. Agora a UFRB a
gente já distribui polpa para merenda e agora aqui no SIM vamos com fé em
Deus botar polpa para a merenda dos educados na universidade também tem
que chegar a gente tamos organizando essa parte da comercialização.
(secretária de políticas agrícolas e agrárias no STR/FSA e secretária
executiva da CODES/Portal, entrevista concedida em 18/06/2013).

A circulação da produção é um problema recorrente no campo. Como mecanismo o Portal do


Sertão possui uma indústria de polpa de frutas e convênio com a maioria das prefeituras para
inserir produtos da agricultura familiar na merenda escolar, isso facilita o escoamento da
produção, mas não é suficiente. É necessário o poder público criar meios que permitam maior
liberdade para o pequeno produtor fazer circular suas mercadorias, por exemplo, reduzir a
burocracia e criar estratégias de barateamento dos custos para a comercialização.
As ações do sindicato tem relação direta com a EBDA, pois os programas e políticas agrícolas
e agrárias direcionadas ao Território de Identidade, são orientadas e executadas, na maioria
dos casos, pela EBDA. Além disso, as coordenações da EBDA são constituídas por antigos
representantes dos STR s.Assim, o Polo Sindical que representa os STRs age em parceria com
a EDBA, as discussões sobre que grupos sociais formariam o Território surgiram dessa
relação. Por esse motivo, apesar de haver outras representações sociais, no CODES/Portal a
sociedade civil é representada pelos 17 STRs e o poder público pelas 17 prefeituras com
direito a voz e voto paritários. Quando interrogada sobre a participação do STR no
CODES/Portal a representante responde:

Não há dificuldade nenhuma o sindicato graças a Deus e ao sindicato. Se não


fosse o sindicato não tinha construído porque por ele ter lutado e contribuído
para que com o tempo tenhamos o conselho, sem o sindicato não tinha como
que o território fosse o condutor dessa história foi o sindicato junto com
EBDA, a discussão do território foi sindicato e teve a EBDA como parceira
para que o Polo fosse um instrumento. Sindicato, Polo e EBDA foram os
condutores desse conselho. (secretária de políticas agrícolas e agrárias no
STR/FSA e secretária executiva da CODES/Portal, entrevista concedida em
18/06/2013).

O Território de Identidade Portal do Sertão foi criado pelo governo Estadual e os municípios
que pertencem ao Território não foram consultados para definir suas identidades e afinidades
com demais municípios antes da sua inserção no Portal do Sertão. Mas o Conselho,
constituído depois da instituição do Território, é debatido entre EBDA, Polo sindical e
sindicato dos trabalhadores rurais e até hoje os S TRs têm maior participação e direcionamento
das propostas, e asseguram as características rurais no Território. O Consórcio Portal do
Sertão surgiu nas discussões do Conselho de Desenvolvimento Territorial com o objetivo de
inserir os prefeitos nos debates voltados às demandas do Território, porém atualmente o
Consórcio tornou-se um espaço de decisão das prefeituras sem necessariamente consultar a
sociedade civil que é representada no Conselho. Sendo assim, houve uma inversão de valores
que transformou o Consórcio em mais um entrave para o desenvolvimento do Território.

Durante todo o período de realização desta pesquisa buscou-se contato com a maioria dos
representantes do poder público e da sociedade civil, pertencentes ao Conselho de
Desenvolvimento Territorial do Portal do Sertão. Além disso, alguns movimentos sociais de
expressividade no Território e que não participam do Conselho também foram contatados.
Apesar de conseguir dialogar com alguns movimentos, estes se recusaram a debater a questão
a exemplo disso cita-se o Movimento de Organização Comunitária (MOC) que, apesar de
dizer que compreendem a importância da pesquisa alegou não atua em nenhum dos 17
municípios pertencentes ao Portal do Sertão, segundo a secretária sua atuação é restrita a
municípios do Sudoeste e do Território do Sisal. Quando questionada sobre o porquê de sua
sede ser no município de Feira de Santana a representante informou que é apenas por uma
questão de localização geográfica. Segundo ela a única informação que eles têm do terr itório é
sobre a localização de instalação das cisternas e que não tinha interesse em participar da
pesquisa, pois acham irrelevante essa informação. Mesmo com essa resposta negativa foram
feitas diversas tentativas de diálogo sem sucesso, apesar dos coordenadores conhecerem o
projeto e a importância deste para a sociedade.

3.2 OS GRANDES PRODUTORES E SUAS REIVINDICAÇÕES

O Sindicato dos Produtores Rurais (SPR) é integrante da Federação da Agricultura do Estado


da Bahia (FAEB) que, por sua vez é vinculada à Confederação Nacional da Agricultura
(CNA). É um sindicato patronal que representa os produtores rurais. Os SPRs dos municípios
pertencentes ao Portal do Sertão representam todos os setores de atividade agrícola, não existe
uma setorização das ações. As questões associadas a agricultura, a pecuária e a piscicultura
são abordadas de forma relacionada. Para fins desse trabalho entrevista-se o presidente do
Sindicato dos Produtores Rurais de Feira de Santana (SPR/FSA) porque entre as tentativas de
contato esse foi o único a se disponibilizar ao diálogo e também é o único que participa
algumas vezes das reuniões do CODES/Portal, reconhece a existência da territorialização
proposta pelo Estado e por esse motivo possui mais informações gerais, não apenas de seu
município.

O sindicato patronal possui características diferentes do sindicato dos trabalhadores, não são
realizadas reuniões, existe uma coordenação com conselho fiscal, secretaria executiva,
tesouraria, presidência e vice-presidência, porém não se reúnem para definir ações, quando
necessita de algum tipo de ação, eles são convocados. O presidente do SPR/FSA afirma que
existem diferenças entre os sindicatos SPR e STR, que cada um segue um objetivo por isso
suas estrutura e linhas de ação são distintas. Ele acredita que a mídia e os partidos políticos de
esquerda responsabilizam os produtores pelos problemas que assolam o campo, que os STRs
seguem esses pensamentos, mas pra ele o grande responsável é o sistema capitalista de
produção.
Não, é como posso dizer assim. O sindicato patronal nossa característica é
diferente do sindicato chamado sindicato dos trabalhadores, do trabalhador
rural, não que exista assim nem da parte deles nem da nossa parte. Porque
tem agricultor que se acha. Eu falo assim, mas também faço uma resalva
porque o pecuarista ainda é vistos assim como aquele vilão da história como
aquele cara que explora o trabalhador enfim. Na verdade é muito pelo
contrário pra que haja um trabalho eficiente tem que haver uma simbiose. De
patrão e de empregados em todos os setores não é? Agora isso ai tem culpa
que de certa forma a grande imprensa, a mídia e, sobretudo esses partidos
políticos também notadamente os partidos ditos partidos de esquerda que
procuraram nos rotular porque eles fizeram assim, são os caras que exploram
mão de obra barata e isso claro em todos os setores não só na agricultura,
não só na pecuária como existe no ramo automobilístico uma questão que foi
direcionada a nós e que nós reagimos veementemente. Porque acho que uma
coisa não existe sem a outra não existiria as propriedades rurais se não
tivéssemos o que, o trabalhador rural e não existiria o trabalhador rural se
não existisse o que? O patrão se não existisse a propriedade rural e a
propriedade rural lógico como o próprio nome já indica que é privada tem
que ter um dono, um patrão isso ai é aquela relação mesmo do capitalismo
mesmo isso ai só pode mudar quando se mudar, se algum dia mudar o
sistema, o regime, ou seja, passar de um regime que não seja capitalista,
como socialista, como um regime comunista, o regime comunista também
tem lá as suas formas de combinações entendeu? De exploração também e
tem mesmo. (Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Feira de
Santana entrevista concedida em 10/12/2013).

O presidente do SPR/FSA segue a lógica capitalista da necessidade de existência da


propriedade rural, do patrão e do empregado, para ele o trabalhador só pode se manter se
estiver empregado em uma propriedade rural, não têm condições para produzir sozinho. O
grande produtor não esta disposto a mudar de atitude, a reconhecer a necessidade que tem do
trabalhador rural para produção e pagar salários justos pela sua atividade. Para ele a justiça
social só acontece se mudar o sistema, mas não se disponibiliza a aceitar um sistema que
reduza sua margem de lucros.

No Portal do Sertão, como referido no capítulo anterior, a produção é muito diversificada, em


destaque estão às produções de grãos, raízes, a plantação de mandioca é considerada muito
extensa no Território. Como criação destaca-se a caprinocultura, ovinocultura, avicultura e
suinocultura, mas o que tem maior importância econômica é a pecuária de grande porte, a
bovinocultura proporciona reconhecimento nacional do Território de Identidade. Feira de
Santana, município sede do Território de Identidade, se destaca como um dos principais
criadores de gado em escala nacional com a criação de importantes raças mundialmente
reconhecidas.
Quando nós tínhamos chuvas ou quando nos temos chuvas nós temos o que?
Nós temos a mandioca, o feijão, o milho, essas seriam as produções, então, e
na maioria das situações são culturas de subsistência na verdade, na região
do recôncavo sim que nós temos a mandioca em plantação numa escala
bastante ampla, mas aqui é a mandioca, feijão, milho e depois vem o que? A
batata vem essas outras o aipim, enfim, mas o mais forte é isso ai. Feira de
Santana já foi considerada o berço, digamos assim da agropecuária nacional,
Feira de Santana sempre foi considerada o berço, o seleiro ai da pecuária
baiana e também destaque a nível nacional, mas tanto nós diminuímos em
quantidade de rebanho, nós tínhamos ai algo em torno de 10 milhões de
cabeças, hoje eu ainda acredito que, órgãos oficiais dão conta de que
perdemos um milhão de cabeças, mas eu calculo muito mais do que isso,
porque nós tivemos tanto a perda pela mortalidade dos animais quanto os
animais foram vendidos, retirados para outro Estado e não retornaram. Algo
em torno de 40% desse rebanho no mínimo, temos regiões que a perda deve
ter chegado ai a 60, 70%. Agora você coloca numa media não é? Porque, por
exemplo, na região Sul da Bahia nós não tivemos a presença da seca tão
fortemente quanto na nossa região notadamente semiárido, também lá pra o
Oeste, então você coloca assim uma média não tão assustadora como nós
tivemos na nossa região aqui que nós estamos falando no semiárido, no
sertão. (Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Feira de Santana
entrevista concedida em 10/12/2013).

Para o representante do STR/FSA a importância da pecuária para o Ter ritório é minimizada


após o longo período de estiagem, que teve como consequência a redução do rebanho em
mais de 40%, o papel desempenhado pelo Portal do Sertão em escala nacional é substituído
por outros Territórios do Estado. E a economia deste setor produtivo torna-se cada vez menor.
Não só o pequeno produtor sente as consequências da seca o grande também é afetado no
semiárido baiano.

Um problema abordado pelo SPR/FSA é a diminuição de mão de obra disponível. Para o


Presidente do SPR/FSA a causa desse problema é atribuída aos programas sociais do governo.
Segundo ele os programas servem para sustentar a população que deixa de trabalhar para
viver de recursos disponíveis através de bolsas do governo federal. Afirma ainda que grande
parte da população não necessita de bolsas, mas é beneficiada e por isso não aceitam mais
trabalhar no campo, na visão dele a bolsa deve ser distribuída por merecimento não por
necessidade.

Isso ai é uma diminuição, hoje você vê assim por um lado infelizmente e por
outro lado até felizmente esses programas sociais que foram implantados
pelo governo iniciado pelo governo Fernando Henrique e dado continuidade
pelo governo do PT tanto com Lula como com a Dilma. Apesar de que
existem programas que se adéquam, talvez não uma camada, um segmento
da população rural, mas em troca por voto eles procuraram colocar todo
mundo no mesmo bolo porque hoje você tem bolsa pra mulheres que
procriam ou até, vou colocar dessa maneira, acho que incentiva na verdade.
A maternidade entendeu? Porque tem a bolsa pra isso, não é verdade, então
eu acho que deveria ser diferente. Eu acho que tem casos e casos, tem casos
que realmente tem pessoas que merecem agora não você estimular isso ai e
tal. Respondendo sua pergunta não com tanta objetividade, mas pra lhe dizer
o seguinte que hoje a mão de obra ela tá difícil no campo em razão disso ai.
Isso é detectado por todos, porque isso é óbvio se você ta oferecendo um
dinheiro você não vai em busca, assim com tanta sagacidade, com tanta
necessidade até o próprio emprego, o trabalho lá no dia a dia da lida no
campo. (Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Feira de Santana
entrevista concedida em 10/12/2013).

Se comparar a população total dos municípios em situação de pobreza ou extrema


pobreza,104.733 famílias, aos benefícios concedidos pelo governo, 96.796 famílias, é possível
notar que, os benefícios concedidos estão aquém das necessidades do público alvo. Esses
benefícios considerados transferência de renda (tabela 9) camuflam um problema ainda maior
que é o da obrigação do Estado com sua população. O valor concedido à população na linha
da extrema pobreza (famílias com renda per capta de até R$70,00) é uma média mensal em
torno de R$70,00 por família. Se considerar gastos com energia elétrica, alimentação, gás de
cozinha, transporte, saúde, educação, moradia e vestuário, esse valor torna-se sem sentido. O
mercado de trabalho no campo absorve uma quantidade cada vez menor de trabalhadores e o
valor que o grande produtor paga aos trabalhadores pelos serviços prestados é um desrespeito
à classe trabalhadora. É preciso considerar também que os pequenos produtores, além de
serem expropriados de suas terras não possuem as condições mínimas para produção, isso
dificulta o sustento da família.

Tabela 9: Famílias beneficiadas por programas de transferência de renda, Portal do Sertão


Bahia – 2010.
CADÙNICO POPULAÇÃO EM FAMÍLIAS B ENEFICIADAS
MUNICÍPIOS FAMÍLIAS EXTREMA PELO PROGRAMA BOLSA
CADASTRADAS POBREZA FAMÍLIA
Água Fria 3.724 5.308 2.830
Amélia Rodrigues 5.239 3.711 3.321
Anguera 2.107 1.444 1.569
Antonio Cardoso 2.828 2.420 1.761
Conceição da Feira 5.344 3.221 3.114
Conceição do Jacuípe 6.672 3.121 3.722
Coração de Maria 6.172 5.786 3.857
Feira de Santana 80.834 42.759 47.830
Ipecaetá 3.842 4.555 2.586
Irará 7.316 5.512 5.329
Santa Barbara 5.864 5.741 3.638
Santanópolis 1.869 2.225 1.299
Santo Estevão 11.628 9.747 6.949
São Gonçalo 6.445 3.897 4.285
Tanquinho 1.942 1.433 1.237
Teodoro Sampaio 2.075 1.905 1.481
Terra Nova 3.396 1.948 1.988
TOTAL 157.297 104.733 96.796
Fonte: Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação: relatório de informações sociais. Ministério do
Desenvolvimento Social e Co mbate a Fo me. Relatório de Programas e ações. (CENSO IBGE, 2010) .
Elaboração: So lange Maria Santana Couto, 2014.

Os benefícios oferecidos pelo governo à população de baixa renda são extremamente


necessários à sobrevivência, sobretudo no campo. No Portal do Sertão, nota-se que, grande
parte da população cadastrada e apta a ser beneficiada pelos programas de transferência de
renda é deixada a margem pelo Estado. Na tabela 9 considera-se o número total de famílias
que devem receber os benefícios do governo federal incluídas no cadastro por município e o
total de famílias em situação de extrema pobreza. Ao comparar apenas esses dois dados com o
quantitativo de famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família notam-se que o número de
benefícios concedidos está aquém da necessidade real da população. Nesse sentido, o
comentário do representante do sindicato patronal sobre os programas sociais que reduzem a
mão de obra disponível é uma justificativa para transferir a responsabilidade para outros, pois
ele não considera as necessidades da população e ao salário que oferecem pelo trabalho no
campo. Além disso, as questões relativas à falta de condição de produção que o pequeno
produtor está submetido não são consideradas.

Os programas sociais são responsabilizados pela falta de mão de obra disponível no campo.
Segundo o SPR/FSA a população se acomoda quando recebem um benefício e desistem de
trabalhar para prover o sustento da família, as mulheres buscam engravidar cada vez mais
para não perderem a bolsa, acredita que o governo facilita a sobrevivência do trabalhador e
por isso ele não quer mais trabalhar. O presidente do sindicato reconhece a existência de
novas tecnologias no campo que reduzem a necessidade de mão de obra, mas afirma que na
região semiárida ainda é muito insipiente e por isso não justifica a redução da mão de obra.

Não isso também é um fator relevante a questão da tecnologia, da


mecanização, mas em se falando no semiárido, falando do nosso sertão aqui
infelizmente a tecnologia é uma tecnologia ainda um tanto pra não dizer
atrasada, um pouco lenta não é? Esse seria um fator, agora o outro também
que nós escutamos é essa questão de hoje ter esse lado assim, como eu diria
mais fácil para o trabalhador. Até pra própria sobrevivência, por receber
essas bolsas ai, certo? Que pra nós, eu repito, eu não sou contra, mas eu acho
que deveria analisar casos e casos acho que uma camada da população, que
você vê isso, na população jovem ai, eu tô falando do campo mesmo que
hoje com a globalização das informações são muito rápidas, hoje através da
cibernética as informações são muito rápidas. Então todo mundo tem acesso
e você vê aqui, e as vezes aquelas informações chegam também no campo e
o campo não consegue responder a essas demandas mesmo que eles recebem
ali via email, celular, facebook, enfim todas essas formas das redes sociais ai
na minha opinião, eu não sou sociólogo, mas eu acho que todas essas
informações mexem com a cabeça desse pessoal do campo e as vezes vão
em busca das cidades, daquela coisa que é muito jogada assim na grande
mídia, chega lá tá o choque (Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais
de Feira de Santana entrevista concedida em 10/12/2013).

Além dos programas de governo o grande produtor responsabiliza também o acesso a


informações que chega cada vez mais ao campo pela falta de interesse do jovem permanecer
no campo. Para ele o acesso a novas tecnologias de informação não deveria chegar a essa
camada da população pois não estão preparados para recebê- las. Para ele o fator responsável
pelas migrações da população para as cidades é o excesso de informação adquirida. A falta de
condições de permanência e sobrevivência no campo, os baixos salários pagos associado ao
aumento no custo de vida não são mencionados como fatores relevantes à migração da
população para outras formas de vida, ou mesmo para trabalhos acessórios.

O representante do SPR/FSA reconhece que no campo a população não é preparada pra


enfrentar as adversidades do mundo atual, na maioria dos casos, no Portal do Sertão não há
educação de qualidade nem preparação para as exigências do mercado de trabalho atual.
Quando chega aos centros urbanos a população rural não consegue alcançar o padrão de vida
desejado. O entrevistado acredita que grande parte da população que migra para as cidades se
envolve com a criminalidade e trabalham com a comercialização de entorpecentes. Ele
reconhece que é preciso criar condições para permanência do homem no campo, mas não
oferece nenhuma proposta de solução por meio dos grandes produtores, nem do poder
público.

Chega aqui não consegue ainda um emprego porque não tiveram esses
preparos lá no campo, ai eu acho que quem vai absorver muito dessas
parcelas ai? Quem vai absorver? Vou fazer esse questionamento a você, o
que é que você acha? Quem vai absorver e o que a gente tem visto aqui na
estatística de Feira de Santana é quem? É a droga, não é verdade? É a droga
não é? Que pra a droga também passa a ser uma mão de obra barata e pra
quem entra é extremamente cara, porque às vezes, não na maioria, paga até
com a própria vida né? Você vê aqui os índices, a faixa etária desse pessoal
dos crimes que acontecem aqui diariamente, são até menores ou pessoas com
faixa etária dos 18, 21, 22 anos e se você for observar pra fazer um inquérito
muita gente ali é oriunda, é procedente lá do meio rural, dessa zona rural,
então eu acho que o que nós temos que fazer é procurar dar condição pra
fixar o homem no campo e ver qual o ponto que ele gostaria de explorar, o
homem do campo no campo dar condições. E se você disser “a como
produtor, como pecuaristas vocês não tem a culpa?” Talvez sim, talvez não
porque a gente tá fazendo, logicamente a nossa parte, porque hoje você sabe
que pra criar o custo é muito alto e isso também reprime um pouco e nós
mesmos, nós aqui do semiárido desse sertão sofrido, essa seca é um fator
determinante, limitante mesmo você vê que nós aqui, nós estamos vivendo
essa seca ainda, foi um desastre, uma coisa assim bastante grave, bastante
séria com prejuízos incalculáveis pra todos os setores não é da nossa
economia tanto da pecuária, quanto da agropecuária como um todo não é?
Então o que é que acontece também nesse período ai? Muito desemprego,
muitas pessoas do campo tiveram que migrar pra outras regiões, migram pra
outros Estados em busca de trabalho porque nós mesmos se tínhamos 10
trabalhando no campo passamos a ter dois no máximo entendeu, em função
dessa situação que não é uma situação particular é uma situação que veio e
virá muitas vezes ainda porque nós estamos em uma região bem seca
mesmo. O governo tem feito pouca coisa pra conviver efetivamente com a
seca, tem muita oba oba político como nesse último governo mesmo que
teve muito oba oba político que fez isso, fez aquilo outro, mas a gente
sempre vê que no dia a dia mesmo pouco é feito. (Presidente do Sindicato
dos Produtores Rurais de Feira de Santana entrevista concedida em
10/12/2013).

Para justificar a falta de interesse em contribuir para melhoria nas condições de vida da
população do campo o grande produtor responsabiliza o alto custo da produção e a escassez
de água potável, devido a redução nos níveis pluviométricos ao longo dos últimos três anos no
semiárido baiano. Ele considera pequena a ação do governo diante da imensidão do problema
ocasionado pela estiagem prolongada, como consequência disso ampliam-se os índices de
desemprego no campo e a população é obrigada a migrar em busca de melhores condições de
vida. O governo divulga muitas ações, mas, segundo ele, não realiza o proposto e a situação
se agrava ainda mais.

Segundo o SPR/FSA o governo tem implementado ações com o objetivo de camuflar o


problema ocasionado pela estiagem. Para ele a ação não chega a ser sequer paliativa. São
realizadas ações mínimas que não solucionam o problema da seca, mas cria na população o
sentimento de dependência. As atividades realizadas pelo governo são consideradas “moeda
de troca”, uma prestação de serviço em troca da aquisição de votos. O representante do
SPR/FSA propõe que o governo inclua alternativas mais duradouras como estratégias de
captação e armazenamento de água e alimento, barragens e açudes de grande porte, não é
preocupação do entrevistado as consequências dessas ações para a população menos
favorecidas se não forem bem planejadas.

Se eu disser a você que alguma coisa não foi feita eu estaria sendo radical,
eu estaria sendo talvez até inconsequente por falar que nada foi feito,
algumas ações foram empreendidas agora eu não diria nem básicas, veja
bem infelizmente ainda existe aquela coisa do é dando que se recebe, eu
acho que o governo, eu tô colocando os políticos de uma maneira geral, com
algumas poucas e raras exceções que veem a coisa dessa maneira. Só pra te
fazer uma pergunta: você acha que carro pipa é uma solução que vai resolver
o problema da água? É o paliativo do paliativo, você sabe por que eles
utilizam o carro pipa, na minha opinião eu não sou o dono da verdade. Na
minha modesta opinião é uma moeda de troca não é? Se eu fosse um
trabalhador e tivesse na minha comunidade, ou mesmo como empregador, se
eu tiver faltando água pra beber e a pessoa chegar lá com um carro pipa eu
vou até achar, a depender do depoimento daquela pessoa, que o cara tá me
prestando um favor, na verdade isso é verba do governo federal, agora só
que mesmo vindo essa verba parece que eles já fazem isso pra criar uma
relação de dominação, de dependência, ao invés de construir algo assim,
mesmo que não seja permanente, mas que seja um período bastante
prolongado como barragens, açudes de grande porte, se fizesse formas e
maneiras de captar e guardar estrategicamente a água e o alimento, tanto pra
o ser humano quanto pra o gado, pra o rebanho no caso bovino, equino,
caprino entendeu. Mas existe isso ai, então é aquela moeda de troca do voto,
fica lá levando o carro pipa, uma cisternazinha. Agora mesmo nós estamos
passando por um período pré-eleitoral então, observando muito isso ai o
governo distribui cisterna, distribui cisterna, quer dizer a seca, eu não diria
que a seca acabou, mas deu uma amenizada. As chuvas que tem caído
amenizou sobremaneira ai esse problema, mas você encontra frequentemente
ai esses programas do governo distribuindo cisternas, agora como não fez
isso há dois anos atrás? Porque agora tá perto das eleições, agora tem gente
que quer que a coisa aconteça de outra maneira, se perguntar vocês não
queriam cisternas a aquelas pessoas que estão lá? Óbvio que sim, mas
porque não já não fez com bastante antecedência, deixou pra fazer isso agora
proximamente as eleições? Não é o antes tarde se fizesse isso há dois anos,
nós já passamos por outras situações de seca e também não foi feito nada
também não foi feito nada entende? (Presidente do Sindicato dos Produtores
Rurais de Feira de Santana entrevista concedida em 10/12/2013).

Apesar das chuvas do último ano o presidente do SPR/FSA afirma que não foram suficientes,
e que o governo não criou alternativas para captação da água. Ele acha necessárias as ações do
governo, mas não concorda que sejam implementadas próximo as eleições, pois a estiagem é
uma situação historicamente prevista para o semiárido por isso não justifica o período em que
o governo tem atitude a esse respeito. As consequências da estiagem foram devastadoras para
os produtores, segundo o representante da classe muitos precisaram se desfazer de alguns
bens para não abandonar a atividade rural.
Eu diria a você só pra resumir que o grande virou médio, o médio virou
pequeno e o pequeno praticamente deixou de existir. Quem criava mil
cabeças de gado hoje tem 200, quem tinha 200 hoje tem 30, quem tinha 20
hoje não tem nada. Porque pra você ter uma ideia que ilustra bem, tem uma
frase que nós utilizamos muito, as vezes nos tínhamos que vender um animal
pra salvar outro ou comer um animal pra salvar quatro ou cinco. Vender pra
fazer dinheiro pra poder comprar alimento pra aquele gado. Uma história pra
você ter uma ideia que o governo divulgou, divulgou até a questão do milho
mesmo, o milho foi chegar em doses homeopáticas em pequenas doses, o
ano passado, ainda tivermos problemas na distribuição desses tão profalado,
tão falado, milho que o governo disse distribuir durante esse período ai da
grande estiagem que eu diria assim mais forte. (Presidente do Sindicato dos
Produtores Rurais de Feira de Santana entrevista concedida em 10/12/2013).

Segundo o entrevistado divulgam-se muitos programas e ações do governo, mas na realidade


pouco é implementado e o que é realizado demora cerca de um ano para chegar aos
produtores e isso prejudica o desenvolvimento da produção no campo. Para o SPR/FSA o
longo período de estiagem acarreta mudanças significativas na estrutura social do campo e
algumas classes sociais são suprimidas.

Em entrevista com o representante do SENAR/FAEB 4 no Portal do Sertão constatou-se que,


apesar da existência de cursos de capacitação rural no Território, a sociedade ainda não
conhece seus direitos e por esse motivo não participa dos espaços disponíveis. O poder
público e os sindicatos não se organizam nesse sentido a fim de promover melhores condições
de vida e trabalho para o produtor e trabalhador rural. Os cursos oferecidos pelo centro de
capacitação rural do SENAR sofre uma carência de pessoal dos municípios pertencentes ao
Território que ele abrange e em alguns casos para formar turmas é necessário mobilizar,
inclusive, outros estados. Essa situação é resultado da falta de informação das comunidades
rurais. O representante do SENAR/FAEB afirma que falta maior envolvimento das pre feituras
no campo e que os sindicatos também se fogem da responsabilidade.

O grande problema que eu acho é até a falta de um governo municipal, eu


acho que a prefeitura deveria estar mais ligada ao campo, muitas vezes a
gente busca a prefeitura pra trazer mais gente aqui da região, pra a gente
capacitar, mas as vezes é complicado. Falta aluno da região, tanto que a
gente que busca porque a gente tem uma quantidade de cursos por mês, a
gente tem uma programação anual. Então a gente, pra não deixar, que todo

4
SENA R é o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural disponibilizado pela FA EB - Federação da Agricultura
do Estado da Bahia e tem como finalidade capacitar os pequenos produtores rurais para aperfeiçoamento e
transformação de produtos agrícolas com o objetivo de participarem de todos os processos e disponibilizar os
produtos para o mercado e assim obterem maior lucratividade na produção.
mês vem recurso pra a gente tá realizando os cursos. Então pra não deixar
esse recurso ficar parado a gente tem que buscar turmas em outras regiões,
em outras cidades. Lógico que a gente tem que atender não só Feira de
Santana é a Bahia inteira porque aqui é uma regional. Mas a gente quer ter
um compromisso maior com a região e trazer também pessoas de outras
regiões. As prefeituras e os sindicatos [SPR, na maioria dos casos é o
sindicato patronal, pois este possui demandas, estrutura e recursos para
receber os cursos quando é necessário realizar no local], agora aquela
empresa mesmo de São Gonçalo, que era antes Perdigão, precisou de um
curso de tratorista agrícola só que solicitaram ao sindicato e o sindicato não
atendeu. A gente teve que conseguir o curso pra eles, sendo que não era
nossa responsabilidade, que era um curso já voltado pra área da agricultura,
então tinha que ser feito via sindicato. Os principais problemas do campo é a
falta de oportunidade de trabalho (representante do curso de capacitação
rural do SENAR/FAEB no Portal do Sertão, entrevista concedida em
01/04/2014).

Segundo o representante do SENAR/FAEB a instituição age de forma estratégica para


melhoria na produtividade do campo porque acreditam que falta oportunidade de trabalho e
melhor envolvimento do poder público no campo. Para comprovar que seguem um objetivo
positivo ao trabalhador rural é citado o exemplo de comunidades como a Matinha e sua
produção de polpa de frutas para a merenda escolar, exemplo também exposto pela
representante do STR como fator positivo no Território. Trabalham de forma diferenciada
para cada tipo de curso. O centro tem estrutura para rec eber os alunos das comunidades que
ficam tempo integral nos cursos de capacitação em transformação e aperfeiçoamento dos
produtos agrícolas, mas quando os cursos são específicos da agricultura são realizados na
comunidade e os sindicatos são responsáveis por oferecer as condições mínimas para que o
curso aconteça. Dessa forma visam melhorias nas condições de produção no campo.

Por exemplo, posso citar dentro de uma comunidade de Serra Preta. Da


Matinha em Feira o pessoal trabalha com polpa de frutas, o pessoal ganhou
maquinário do governo pra produzir polpa de frutas, casa de farinha. Ganhou
todos os equipamentos e depois que fizeram a capacitação sabem fazer,
sabem produzir o beiju, biscoitos, polpa de frutas. Pra poder vender e trazer
mais recursos pra comunidade. Então o pessoal que eu capacito aqui eles
colocam em prática o que aprendeu, vendem os produtos e trazem mais
recursos para a comunidade, então melhora a qualidade de vida deles. Outro
exemplo é de uma comunidade aqui de Serra Preta o pessoal ganhou todo o
equipamento de polpa de fruta só que ninguém sabia manusear, então veio
pra cá tomou o curso e hoje já estão produzindo polpa de frutas. O nosso
objetivo é ter melhoria na vida deles. Os cursos recebem uma faixa etária a
partir de 18 anos. Nós trabalhamos com grupo fechado aqui no centro de
treinamento. O SENAR trabalha diretamente no campo, vamos supor que
você quer tal curso direcionado a agricultura, por exemplo, você quer um
curso de cultivo de banana, o SENAR promove. Só que o SENAR, o que é
que acontece, a gente leva um instrutor até o local. Vamos supor que você é
uma proprietária, você tem uma fazenda lá e você tem muitos trabalhadores
que trabalham com inseminação artificial, você quer capacitar esses
trabalhadores pra aperfeiçoar melhor o trabalho. Você contata o público com
no mínimo 10 e no máximo 15 pessoas e aciona o sindicato, porque quando
é no campo é via sindicato dos produtores, então aqui como é fixo, pode ser
diretamente com a gente. Agora quando é no campo tem que ser via
sindicato mais próximo da cidade ou da comunidade que solicitar. Ai entra
em contato com o sindicato, o sindicato entra em contato com o SENAR e o
SENAR leva um instrutor até a comunidade pra que o curso aconteça na
realidade do trabalho deles. O objetivo é capacitar o homem do campo para
que venha agregar valor ao trabalho dele, pra que venha trazer um melhor
desenvolvimento pra o setor agrícola (representante do curso de capacitação
rural do SENAR/FAEB no Portal do Sertão, entrevista concedida em
01/04/2014).

O objetivo do centro de capacitação rural é criar estratégias de desenvolvimento para o setor


agrícola. A capacitação pode ser vista como auxílio ao produtor rural no sentido de melhorar a
qualidade dos produtos agrícolas, mas sua finalidade é aquecer o mercado financeiro sem
compromisso com a formação pessoal do individuo. Segundo o representante do SENAR nos
cursos não há espaço pra formação política e social, como de fato não é seu objetivo. Mas se
pensar a formação do trabalhador como meio de inserção estratégica no mercado capitalista a
formação político-social torna-se uma ferramenta a mais para o desenvolvimento consc iente
de suas atividades. Mas para o SENAR, a formação se resume a questões de ordem técnica.

[...] o SENAR se você for olhar, faz um trabalho muito importante de ajudar
aquelas pessoas, capacitar àquelas pessoas, dar o aprendizado a aquelas
pessoas, dar oportunidade pra aquelas pessoas poderem colocar tudo o que
aprendeu em prática. Não é simplesmente, é tanto que o nosso lema é o que?
Aprender fazer fazendo, então no curso 10% é teoria e 90% é prática, então
as pessoas aprendem a fazer fazendo. Então é diferente de um aprendizado
acadêmico que tem mais sala de aula, que tem mais teoria, e prática quase
nenhuma, enquanto aqui é mais prática, tanto aqui como no campo. Nos
cursos não dá pra abordar questões políticas e sociais, o tempo é curto. O
conteúdo a gente volta mais pra área dos cursos e a gente insere também a
questão de mercado. Como ele melhora o produto dele, como ele busca
mercado, como ele administra o negócio dele né? Porque não adianta fazer
uma coisa que você não saiba buscar mercado nem administrar seu negócio,
pra que venha realmente a evoluir. Quando a turma vem pra cá nossa
secretaria faz uma entrevista com um responsável da turma. Ela procurar
saber qual o objetivo de cada turma de estar aqui se capacitando. Se eles têm
interesse em colocar esse trabalho pra frente, se eles já têm um projeto
financiado pelo governo. Por exemplo, a gente tem muitas comunidades,
vamos falar da Matinha, o pessoal, eles produzem polpa para servir para a
merenda escolar. Então a finalidade deles em tomar a capacitação aqui é pra
isso, pra através dos vários projetos que o governo tem [...] pra eles tá
fornecendo essa merenda escolar pra prefeitura (representante do curso de
capacitação rural do SENAR/FAEB no Portal do Sertão, entrevista
concedida em 01/04/2014).
Nota-se também que para participar dos cursos não basta ter vontade e necessidade de
trabalhar, é necessário que tenha as condições financeiras e de equipamentos necessárias ao
desenvolvimento das atividades escolhidas. É preciso já ter projetos aprovados pelo governo
ou recursos que permitam a aquisição destes equipamentos. Assim, os trabalhadores rurais e
pequenos produtores, que esbarram na burocracia do poder público e que não possuem
condições econômicas para adquirir maquinários, mais uma vez ficam à margem dos
processos de produção. As condições para participar dos cursos de alguma forma segrega uma
camada social apesar do SENAR afirmar que os cursos são gratuitos e disponíveis para todos
que trabalham no campo independente da classe a que pertença.

O nosso público alvo é o produtor e os trabalhadores rurais. E o mais forte é


os produtores. Geralmente aqui a gente trabalha com todo público: pequeno,
médio, grande. Só que aqui no centro geralmente quem vem é o produtor
rural, às vezes quem não é produtor, às vezes até da cidade também. A gente
exige que seja alfabetizado, sabendo ler e escrever agente já trabalha com
ele.O SENAR atende a todo público, a gente não escolhe trabalhar com
grande, com pequeno, com médio não, a gente escolhe trabalhar com toda a
comunidade que está ligada ao setor agrícola e agropecuária também.Os
cursos são gratuitos, quem contribui com o SENAR são os produtores rurais,
os grandes produtores. Todos os produtos agrícolas, vamos supor, uma
máquina que você compra no mercado como produto industrializado e vem
para o setor agrícola, tem uma porcentagem também que vai passar para o
SENAR. É obrigatório para os produtores contribuir, é um imposto e o
SENAR transforma esse imposto em capacitação para os produtores e
trabalhadores rurais. [...] Cada um tem o seu mercado. O mercado do grande
produtor não é o mercado do pequeno produtor. Por exemplo, o pequeno
produtor da Matinha vai vender pra o centro de abastecimento, pra a
feirinha. O grande produtor vai vender pra grande, vai importar, não vejo
esse conflito com os grandes não, são mercados totalmente diferentes. Em
Feira não tem muitos grandes proprietários aqui é mais agricultura familiar.
Grandes proprietários você vai encontrar em outras regiões da Bahia, aqui na
região é mais agricultura familiar que trabalha com plantio de mandioca,
com algumas frutas típicas como banana, acerola, na região né? Tem feijão,
milho, mas forte mesmo é a mandioca (representante do curso de
capacitação rural do SENAR/FAEB no Portal do Sertão, entrevista
concedida em 01/04/2014).

O SENAR recebe um recurso que, para o produtor rural é obrigatório pagar como um
imposto, e realiza cursos de capacitação como forma de justificar a utilização desse recurso.
Os trabalhadores rurais beneficiados, na maioria dos casos, são os que trabalham para o
grande produtor, isso contribui diretamente com a produção desse grande produtor. No
SENAR é muito bem clara a separação entre o pequeno e o grande produtor. Dizer que cada
um tem um mercado específico é justificar as diferentes condições que as classes sociais têm
no sistema capitalista. O que não é abordada é a inserção de produtos das grandes empresas
agrícolas nas feiras livres, consideradas mercado do pequeno produtor. É preciso lembrar que
os produtos das grandes empresas, classificados como impróprios para exportação ou para
venda em grandes redes de supermercados, são levados às feiras livres e vendidos a preços
menores que o mercado. Isso dificulta a venda dos produtos do pequeno produtor, sobretudo
porque os custos com a produção inviabiliza a venda a preços tão baixos quanto os da grande
empresa agrícola. Sobre esse assunto o representante se recusa a falar e afirma que não tem
informações a esse respeito.

Para o SENAR a maior parte da produção no Portal do Sertão é realizada pelo pequeno
produtor. Mas se analisar dados referentes à utilização do solo no setor agrícola, nota-se que a
os grandes produtores existentes utilizam uma quantidade infinitamente maior que o pequeno
produtor, por exemplo: na criação 215.510 cabeças de bovino estão presentes em 10.865
estabelecimentos agropecuários, cerca de 20mil cabeças por estabelecimento; 13.677 cabeças
de caprinos em 854 estabelecimentos agropecuários, em média 1,5 cabeça por
estabelecimento (tabela 8, página 76); e no plantio 8.505 estabelecimentos agropecuários com
132.956 hectares de pastagens plantadas em boas condições em média 16 mil hectares por
estabelecimento, quando para lavouras temporárias são 29.415 hectares para 27.173
estabelecimentos agropecuárias em média 1,1 hectare por estabelecimento (tabela 7, página
75).

No Portal do Sertão, assim como em grande parte do país, nota-se a crescente migração da
população do campo para a cidade, ou mesmo de um município a outro em busca de trabalho
e melhor condição de vida para seus familiares. Ao perguntar ao representante do SENAR que
fenômeno ele percebe como responsável por esta situação o entrevistado afirma que as novas
tecnologias inseridas no campo reduzem as oportunidades de trabalho no campo.

O que você vê aqui no Portal do Sertão é similar ao que acontece, por


exemplo, lá em Luiz Eduardo Magalhães, você tinha muitos produtores,
muitos trabalhadores em uma fazenda, hoje, devido à agricultura de precisão,
você vai ao campo, você vê tratores fazendo todo o serviço que antes era o
que? Antes, por exemplo, eram os trabalhadores que faziam todo o serviço,
vamos supor, faziam o sulco, adubavam. Ai depois veio as máquinas, ai as
máquinas tirou muito trabalhador do campo, devido a que? Um operador
sozinho na máquina ele coloca lá o implemento, arava, gradiava, vinha lá
com a plantadeira, plantava e não precisava de trabalhador braçal. Um
trabalho mais rápido e que diminuía o número de trabalhadores. Hoje tá
piorando mais, porque, vamos supor, não só aqui mais algumas regiões da
Bahia, vamos dizer, Chapada, Luiz Eduardo Magalhães, Barreiras, algumas
regiões lá do Oeste, Chapada Diamantina, Extremo Sul, o pessoal também já
esta trabalhando com agricultura de precisão. Você vê qual a área que você
quer limpar, qual a área que você quer adubar, qual a área que você quer
plantar, você coloca lá o piloto automático na máquina agrícola, ela vai lá
sozinha, sem ninguém, faz o mapeamento de toda a área coloca lá no GPS e
a máquina só vai lá sem precisar de trabalhador nem operador de máquina
nenhuma (representante do curso de capacitação rural do SENAR/FAEB no
Portal do Sertão, entrevista concedida em 01/04/2014).

A utilização das novas tecnologias modifica as relações sociais no campo, mas não pode
justificar a redução do interesse de muitas famílias em permanecer no campo. No Portal do
Sertão nota-se que a falta de condições de produção do pequeno produtor e do trabalhador
rural ocasionada pelo excesso de expropriação e exploração torna-se fator preponderante no
distanciamento da sociedade da produção no campo. A falta de políticas estruturantes que
visem mediar os conflitos e construir possibilidades de permanência no campo tem
contribuído para a falta de interesse em permanecer no campo. O Centro de Treinamento
Rural do SENAR/FAEB traz uma possibilidade de melhoria nas condições de produção no
campo, mas suas ações só beneficiam quem tem condições de adquirir equipamentos
necessários à transformação e aperfeiçoamento dos produtos agrícolas.

3.3 O QUE O ESTADO PROPÕE PARA MINIMIZAR A QUESTÃO AGRÁRIA NO


PORTAL DO SERTÃO – BA

As características do modelo de gestão adotado por cada Território devem ser condizentes
com sua realidade. No caso do Portal do Sertão, as ações dos movimentos sociais ligados à
questão agrária, tornam-se cada vez mais presente nas discussões do Conselho de
Desenvolvimento Territorial (CODES). A estrutura de representação do Conselho conta com
o Centro de Apoio aos Trabalhadores (as) Rurais da Região de Feira de Santana (CATRUFS)
como entidade de apoio financeiro. Assim, é necessário compreender como a política de
desenvolvimento territorial tem atuado no Território de Identidade Portal do Sertão na
concepção dos movimentos sociais envolvidos nas discussões traçadas a respeito dos avanços,
desafios e perspectivas locais.

Em diálogo com a coordenadora do CATRUFS e primeira secretaria executiva do


CODES/Portal, nota-se que na implantação do Território de Identidade Portal do Sertão a
presença dos movimentos sociais ligados ao campo em busca de um fortalecimento, a fim de
suprir suas demandas foi significativa. Ela cita como movimentos que participaram o MST,
MOC, FETRAF, Sindicatos rurais e Associações comunitárias, destaca-se que essa
participação se deu no processo inicial de discussões no Conselho, mas com o passar do
tempo essa participação foi reduzindo até o momento em que apenas os STRs permanecerem.
A entrevistada afirma que o CODES/Portal ainda permanece com as mesmas características
rurais de sua origem, as discussões são, em sua maioria, voltadas ao campo.

[...] ainda temos um modelo muito voltado pra área rural, por exemplo, a
coordenação do conselho ainda é composta por representantes do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais e prefeituras. O quê que avançou? Uma das coisas
que a gente priorizou nas discussões foi o Consórcio Público. Então nós
somos um dos únicos territórios da Bahia que já discutimos e
implementamos o consórcio público. [...] interessante que isso motivou as
prefeituras a participar das discussões do território, então eles perceberam
que é importante fazer essa discussão do geral, pra estar dentro do consorcio
pontuando as dificuldades, pra fazer as dificuldades de força, pra trazer a
conquista. Pra nós trabalhadores, trabalhadoras também achamos isso muito
importante por que conseguimos trazer projetos [...] porque os sindicatos vão
juntos lutar porque, por exemplo, o sindicato de Feira não vai sozinho ele vai
com outros 17 sindicatos lutar pelos interesses dos 17 municípios (Primeira
Secretaria Executiva do CODES - PORTAL e Coordenadora do CATRUFS,
entrevista concedida em 27/01/2011).

Desde a formação do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Portal do Sertão as


discussões seguem no sentido de criar uma instituição ou autarquia pública que vise agregar
prefeitos no intuito de unificar as demandas e angariar verbas públicas que atendam as
necessidades dos municípios pertencentes ao Território. Assim instituí-se o Consórcio púbico
do Portal do Sertão um dos primeiros no país a se consolidar, porém põe em questão a
participação da sociedade civil nas decisões, pois o Consórcio e constituído exclusivamente
por prefeitos e não consultam o CODES/PORTAL sobre a utilização de recursos. Para a
entrevistada, o objetivo principal do Conselho é promover ação conjunta entre poder público e
sociedade civil a fim de identificar as principais demandas locais, e assim possibilitar
estratégias de solução dos problemas que assolam os 17 municípios que constituem o Portal
do Sertão. Ao ser questionada sobre qual a função dos coordenadores e conselheiros
territoriais nessa conjuntura e quem são esses representantes no Portal do Sertão, a ex-
secretária afirma.

Veja só o papel dos Coordenadores e Conselheiros é discutir e pautar o plano


de desenvolvimento para o território, e pense que é difícil, fazer isso a gente
pensa que é fácil, mas pra você ter uma ideia a gente tem praticamente
quatro anos tentando fazer isso. Então uma das funções dos coordenadores
do território é promover um desenvolvimento para os 17 municípios, a outra
é ta participando da gestão dos territórios que somos 26 na Bahia, e tem
política que tem que ser com todo mundo, e ta apresentando um pouco a
dificuldade que cada território vive e ter um pouco o perfil do território.
Porque o território é uma política de convencimento porque pouca gente
entende. Então esses são os três objetivos da coordenação e do conselho [...]
É entender que dentro do conselho nós somos conselheiros, não existe nem
poder público nem movimentos sociais, [...] e então nós fomos chamados
pelo conselho pra pensar uma coisa nova que cada dia nós temos aprendido é
que temos que sentar na mesa com o poder público e definir questões que
seja melhor pra todo mundo [...] o que a gente pode é se unir e pensar
política pra todo mundo (Primeira Secretaria Executiva do CODES -
PORTAL e Coordenadora do CATRUFS, entrevista concedida em
27/01/2011).

A proposta de unificar a luta pra atender as demandas em escala territorial tem como maior
desafio interno igualar os olhares, fazer o poder público pensar como sociedade civil e
sociedade civil agir como poder público. Desconstruir o confronto em prol de uma causa
maior que é o desenvolvimento territorial. Porém essa proposta do Estado traz consigo
intencionalidades que em alguns casos passam despercebidas, como por exemplo, o interesse
em camuflar os conflitos e forjar um consenso sem que as principais demandas da sociedade
sejam atendidas. A cooptação de alguns movimentos sociais transforma o discurso de suas
lideranças que reproduzem as falas do governo sem observar se as propostas estão de fato
sendo efetivadas. O território é considerado por ela uma política de convencimento, pois não é
demanda da população dos municípios por isso é preciso convencer os municípios a participar
o que distancia a ação das demandas reais da sociedade q ue não reconhece o território. A
respeito das ações promovidas pelo Estado no Portal do Sertão para modificar a realidade a
representante do CATRUFS responde que:

A ação do estado no território vem da construção de casas populares nos


municípios; nós temos o programa Água Para Todos em quase toda a zona
rural, os programas de apoio a agricultura familiar [...] o fortalecimento da
EBDA, mais uma coisa que tem fortalecido é a liberação do recurso pela
CATRUFS pra ta implementando projeto para o fortalecimento das redes da
cadeia produtiva. Isso só foi possível porque a gente tem uma mobilização
dos territórios. A gente tem vários setores, inclusive as conferências, todas as
conferências que aconteceu foi do território, inclusive todos os conselhos
hoje tem a participação do território, como por exemplo o conselho de
educação (Primeira Secretaria Executiva do CODES – PORTAL e
Coordenadora do CATRUFS, entrevista concedida em 27/01/2011).

As ações são implementadas de forma setorial, as propostas de políticas e programas são


submetidas a conferências territoriais. Não é o conselho que define o que o território
necessita, que tipo de política e programa deve atender a suas necessidades é o Estado e a
União que enviam os programas e o colegiado aceita ou não. Como já afirmado, todos os
programas são aceitos pra não perder a oportunidade de ter ações em seu território. A
preocupação com a quantidade de programas recebidos é maior que com a qualidade e a
funcionalidade do serviço prestado.

A estrutura agrária no Portal do Sertão é marcada pela desigualdade, apesar da grande


extensão territorial, o conflito agrário é uma realidade constante. Três problemas se destacam
nessa questão: a concentração agrária por poucos grandes pecuaristas, os frequentes períodos
de estiagem e a baixa qualidade do solo disponível ao pequeno produtor. O empobrecimento
do solo e a falta de recursos para contratação de técnicos e realização de tratamento do solo
dificultam ainda mais a condição do pequeno produtor. A EBDA reconhece esses problemas.

Falta terra né? Para o pessoal produzir e as condições da terra aqui também é
problemática então os solos são fracos, precisa de tratamento né, então a
grande dificuldade pra o pequeno, para a agricultura familiar é fertilidade do
solo é trabalhar a questão de melhorar esse solo, de melhorar essa terra, a
gente usa o termo fertilidade do solo, os solos aqui precisam de tratamento
né? De compostagem, sei lá os termos técnicos, não sou muito dessa área,
mas a gente entende também de acordo com as pesquisas que os técnicos
fazem que já tá comprovado que o grande problema do nosso território da
nossa área de abrangência é a questão do solo e é aliado ao fator terra e que a
terra é pouca. A terra é pouca pra agricultura familiar. Tem muita terra agora
é concentrada na mão de dois, três grandes fazendeiros que dominam tudo
para os grandes pastos né? Que tem muito aqui se você da uma visita, faz
uma rodada aqui na região se forem de helicóptero ai que você vê bem que
fica bem acentuado que é tudo pasto. As terras melhores são para pastagem
de gado, o grande quer gado. (Representante da EBDA, entrevista concedida
em 13/11/2012).

A concentração de terras tem dificultado a produção do pequeno produtor porque além de não
possuírem as condições necessárias para trabalhar a terra que possuem é insuficiente e com
baixa fertilidade. Os órgãos públicos reconhecem que precisam agir para modificar essa
realidade, porém, pouco é feito nesse sentido e o pequeno produtor não possui condições de
arcar sozinho com esse problema.

Existem órgãos do Estado responsáveis por reconhecer e buscar soluções a esses problemas,
porém esbarram em situações estruturais que impossibilitam a ação. A EBDA é uma empresa
do Estado responsável por prestar serviços técnicos aos pequenos e médios produtores. É
constituída de um corpo técnico e abrange uma área extensa que vai além dos Territórios de
Identidade, a EBDA local abrange municípios pertencentes a três Territórios de Identidade
diferentes. Ela é responsável por realizar ações que reduzam problemas corriqueiros e
situações extras como, por exemplo, a seca dos últimos três anos.

A EBDA é uma empresa prestadora de serviço. Então ela presta serviços na


área técnica que é, por exemplo, agora mesmo na questão de animais que
com essa seca que ninguém esperava que ocorresse. Quer dizer ninguém
esperava vírgula, não se preparou né, historicamente não houve preparo pra
incentivos de ações mais estruturantes como o governo chama e que a gente
também entende que tem que ser. Ações mais estruturantes não houve né?
Não houve condições de ser feito e ai as ações hoje continuam sendo
paliativas (Representante da EBDA, entrevista concedida em 13/11/2012).

Apesar de reconhecer que o Território de Identidade Portal do Sertão está localizado no


semiárido baiano, que os períodos de estiagem são constantes e que este período de seca atual
ocorre sempre a cada 30 anos, o Estado não se programou no sentido de minimizar os efeitos
desse fenômeno. A EBDA como entidade responsável por realizar acompanhamentos e
assistência técnica ao pequeno e médio produtor se abstém do problema e afirma que faltam
ações estruturantes do governo.

Além da assistência técnica que a EBDA é responsável por oferecer é também


responsabilidade da instituição viabilizar algumas documentações para o pequeno produtor,
como por exemplo, a Declaração de Aptidão Agrícola (DAP) com esse documento o produtor
pode acessar algumas políticas agrícolas e benefícios sociais. O que parece ser uma estratégia
de apoio ao pequeno produtor é na verdade um paliativo, pois o benefício que o agricultor
recebe é aquém de suas necessidades.

O papel da EBDA é esse né? É prestar serviço nessas áreas ai diverge a


gente faz tudo que é ligado a agricultura, pecuária é papel da EBDA buscar
solução para isso ai. Buscar solução no sentido de dar orientação técnica aos
agricultores então o que a gente faz muito aqui é fornecer a DAP
(Declaração de Aptidão Agrícola) que é a identidade do agricultor, através
dessa DAP o agricultor acessa as políticas públicas do governo federal que
estão ai a disposição dos agricultores, então essa é um das funções da
EBDA, através dessa DAP ele acessa todas as políticas públicas que estão
disponíveis e ai vem a questão do agricultor com essa identidade que a gente
chama de identidade do agricultor a DAP, com essa identidade ele faz o
seguro da safra tá assegurado um valor durante um período que agora
mesmo esse valor foi até ampliado, até o próximo ano eles vão receber todo
mês um valor em torno de R$135,00 parece, por mês por agricultor quer
dizer que é por família a questão é que tem que ter a terra pra ter a DAP tem
que ter a terra e plantar e por família independente da quantidade de
agricultor que tenha, a não ser que as terras sejam diferentes. A DAP é
familiar do casal se tiver filhos também é uma só DAP. Agora se o filho
tiver uma propriedade ele pode também fazer ele pode plantar um pedacinho
dele e fazer a DAP dele também separado com outra família (Representante
da EBDA, entrevista concedida em 13/11/2012).

A DAP é uma declaração recebida por família que possua o título da terra, se uma família tem
cinco agricultores, mas só um tem o título da terra é a esse que a DAP é direcionada. Como a
maioria das famílias do campo é numerosa, o beneficio torna-se insuficiente ao
desenvolvimento da produção. Se considerar a questão agrária do Portal do Sertão será
possível visualizar que a maioria das famílias do campo não tem acesso a políticas por falta de
acesso a terra que é condição para obter a DAP, documento de referencia para o recebimento
de benefícios. O governo cria estratégias burocráticas que dificultam ainda mais a situação de
quem não possui condições mínimas de produção e reprodução da vida.

É também função da EBDA prestar orientações aos pequenos produtores sobre o que deve ser
feito para ser beneficiado por uma política pública. Grande parte dos programas direcionados
ao campo é intermediada pela EBDA como é o caso de projetos de sustentabilidade durante o
período das secas. A EBDA torna-se uma instituição estratégica para o governo, pois de certa
forma a maioria da população do campo estabelece relação com ela, em alguns casos de
dependência para permanência no campo. A representante da EBDA entrevistada cita alguns
exemplos da atividade da EBDA.

Então tem isso ai, orienta na questão de outras políticas, assim, tipo agora
mesmo nos quintais produtivos que a EBDA vem orientando para que essas
pessoas tenham uma sustentabilidade maior nesse período de seca, a questão
da palma que é alimento pra animal caprino tem uma orientação no sentido
de aumentar essa área de palma que no Estado. Então esse é um dos grandes
projetos que a EBDA tem que hoje é também da própria secretaria da
agricultura que é ampliar essa área de palma que chama de palma adensada
né com tudo orientado plantio tal. O que é que isso quer dizer? O que é que
isso significa? Significa que nos vamos ter alimento pra animais durante, se
a seca realmente se prolongar como há essa indicação na climatologia que tá
ai né do observatório, então há essa indicação de que a seca vá persistir.
Com essa ampliação da área e os agricultores compreendendo a importância
disso ai é que se tem um quantitativo bom de alimentos para os animais e
combater essa mortandade que se verificou ai, tanto de animais de pequeno
porte quanto grandes também né? Pequeno: galinha e porco e o bode e a
ovelha e tal e também o animal que cada agricultor tem sua vaquinha pra seu
leite (Representante da EBDA, entrevista concedida em 13/11/2012).

Por possuir importante relação com os pequenos produtores e ser responsável pelo
encaminhamento de programas de rebatimento territorial a EBDA torna-se uma instituição
fundamental nas relações entre os municípios pertencentes ao Território de Identidade Portal
do Sertão. A sede do CODES/Portal situa-se no prédio da EBDA o que reforça o elo entre
EDBA e Colegiado territorial o que reforça as características rurais do Território de
Identidade. A articuladora do CODES/Portal justifica o envolvimento da EBDA nas
discussões de políticas para o território.

Isso se falando de EBDA que hoje se falando da questão territorial é o órgão


que o território, no caso aqui do Portal do Sertão tem muita relação porque
consegue realmente atuar nos municípios e as políticas públicas que o Estado
pontua pra o território perpassa pela EBDA. A questão do milho que passa
aqui as sementes, essas coisas pontuais. Ai realmente é uma ponte, até pra
que o Estado tenha ações passa pela EBDA pra servir como ponte e levar
porrada pra divulgar as políticas públicas. Mas é o órgão que mais atua
dentro do território de uma maneira mesmo que possa ser precária é quem
mais atua e é próximo mesmo ao colegiado territorial. Por isso que a
SEPLAN solicitou ficar aqui, por que a gerência tem uma boa relação, a
gente participou da discussão, os fundadores participaram dessa discussão e
tem uma boa relação. Há pouco tempo contrataram REDA ai não tem
nenhum indicativo de concurso (Agente de desenvolvimento territorial da
SEPLAN e articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida em
23/05/2013).

A EBDA é a instituição responsável pelas relações dentro do território, pois atua diretamente
nos municípios. O governo compreende as dificuldades que a EBDA enfrenta até conseguir
realizar suas atividades, mas não age de forma a minimizar os problemas internos. Além da
burocracia enfrentada pelos pequenos produtores até conseguirem ser beneficiados por uma
política ainda têm que enfrentar a falta de infraestrutura e de pessoal qualificado da
instituição. Apesar dos problemas enfrentados, nota-se que o governo está mais preocupado
com as relações políticas internas que com a qualidade do serviço prestado e justifica o
envolvimento com a EBDA por ter uma “boa relação com a gerência” e mesmo com essa boa
relação não promove estratégias para facilitar o trabalho e melhorar o atendimento à
população.

O Território de Identidade Portal do Sertão tem características rurais marcantes desde a base
de sua constituição, pois, desde sua origem é composto em sua maioria por Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais (STR) e Prefeituras. Ao longo do tempo foram convidados outros
órgãos a participar, mas a maioria ligada ao rural como a Federação dos Trabalhadores na
Agricultura Familiar (Fetraf), a APAEB, associações e cooperativas do campo, ONGs,
entidades, Universidades. Apesar dos convites a outras instituições hoje continuam as
prefeituras e sindicatos como representação do poder público e sociedade civil, pois o estatuto
ainda não está efetivamente modificado. As discussões ainda são muito especificas para o
campo, pretende-se dividir o CODES/Portal por eixos de discussões para que outras áreas
sejam atendidas.

O colegiado tem uma base rural no sentido assim porque hoje a composição
dele é ainda sindicatos rurais e prefeituras, sociedade civil e poder público o
colegiado até hoje é formado por 17 sindicatos e 17 prefeituras né? Paritário
e querendo ou não a discussão ainda passa muito pelo campo vem muito da
base do campo porque tudo surgiu com a agricultura familiar, com essas
discussões então a base forte mesmo ainda é em cima disso, mas teve uma
alteração do Estatuto do Território do Colegiado pra que esse colegiado se
amplie não fique só entre sindicato e prefeitura, que entre universidades,
entidades, ONGs, cooperativas, associações que tenham algum tipo de
atividade no território entendeu? Pra isso ser mudado agora tem que
homologar. Houve uma alteração que precisa ser homologada em assembleia
e tem que fazer o regimento interno também pra criar os grupos de trabalho,
grupo de cultura, habitação pra ter esses eixos temáticos dentro do território
ai esse ano nós vamos ter que fazer isso tem um prazo até agosto desse ano
pra homologar os conselhos territoriais, os colegiados, para que o Estado
reconheça isso de uma forma legal. Porque conhece, mas de forma legal,
escrita com marco legal tem que ser homologado. E homologar tem que ser
de acordo com a lei do decreto da CEDTER e o Conselho Estadual dos
Territórios pra que fique todo mundo unificado na mesma linha de
pensamento. A maioria dos territórios está nesse mesmo caminho, são
poucos ainda que estão no período de homologação, até agora só enviaram
para homologar 6, ainda porque há muito ainda dos territórios que tem muita
resistência porque tem muita gente nova, ramos diferentes. Por exemplo o
Estado, o governo pede que a gente traga o privado né? Os setores privados
para o debate então assim, eles já estão resistentes de sair disso porque ai se
diz que com esse grupo já é difícil de discutir imagine entre eles né? Só que
é um momento de construção a gente sabe que território não passa só pela
agricultura familiar, passa por outros segmentos temos os problemas de
saúde, de segurança, de cultura, de meio ambiente né? De tanta coisa que se
passa, então não pode ficar só restrita a essas discussões do campo em fim.
Apesar de que o rural perpassa todo o lado urbano, isso é fato né? Tanto que
a seca tá ai e tá refletindo em todo mundo, mas a gente entende e tenta
mostrar pra o pessoal que não pode ficar só nessas discussões só de
sindicato, de prefeitura até porque prefeitura nem sempre participa, ainda
mais com essas mudanças ai entrando novos prefeitos, tem que reconquistar
essas pessoas que não conhecem a política territorial e trazer eles pra cá, pra
essa discussão e tal. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e
articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).

Toda mudança que se propõe realizar nos Territórios de Identidade deve estar vinculada às
regras estabelecidas pelo Conselho Estadual dos Territórios para não se distanciar das
propostas do governo do Estado. Os setores privados não tem interesse em participar das
discussões por não se sentirem representados nas demandas apresentadas, além disso,
possuem condições de solucionar seus problemas individualmente. Apesar do Território de
Identidade Portal do Sertão ter sido constituído na conferência realizada em 2007, até o
momento ainda não há aprovação do Plano de Desenvolvimento Territorial e por esse motivo
discussões como quem deve participar do conselho ainda são realizadas, isso dificulta a ação
do colegiado. A constituição do Território a partir do governo é um elemento que pode
justificar a falta de estruturação do conselho.

As políticas encaminhadas ao conselho para votação são políticas voltadas, na maioria das
vezes, ao pequeno produtor que trabalha com agricultura familiar. Segundo a representante do
CODES/PORTAL as propostas não são direcionadas as demandas dos grandes produtores,
por não ser este o espaço de dialogo para eles e por esse motivo eles não manifestam interesse
em participar das discussões. O governo diferencia o tratamento ao grande produtor, institui
um departamento específico para o agronegócio vinculado à secretaria da agricultura,
mostrando que não é interessante nem para o governo nem para o grande produtor a relação
próxima entre estes e os pequenos produtores.

Pequeno produtor de fato são agricultores familiares, mesmo a base é


agricultor familiar. Ainda não houve de fato um convite do conselho pra os
grandes produtores participarem de uma política territorial. Os grandes não
se interessam por essas discussões, porque assim, querendo ou não as
políticas que hoje o Estado oferece, digamos assim pra esse público não é
política pra o grande. Então o grande não precisa passar por essa discussão
pra ter as coisas, o entendimento que se tem é esse a gente pauta isso. Tanto
que o agronegócio existe uma secretaria especifica pra isso. Dentro da
própria secretaria da agricultura do Estado tem o agronegócio que é voltado
pra o grande, a nossa prioridade não é atender o grande, a nossa prioridade é
atender ao pequeno mesmo pequeno, grupo de mulheres, jovens. O Grande
paga pela orientação técnica não é prioridade da gente. A prioridade é
atender a comunidade vulnerável, necessitada mesmo, não tem condições de
arcar com isso não, e mesmo não tem pessoal pra isso. Não consegue atender
ao pequeno direito imagine o grande, e os grandes exigem mais do que os
pequenos. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora
do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).

O Conselho justifica porque não tem como finalidade prestar atendimento ao grande produtor.
Tem como prioridade atender ao pequeno produtor reconhecido como “comunidade
vulnerável”. O governo reconhece que o pequeno produtor não exige o que é de direito por
não ter conhecimento dos direitos que lhes são legalmente garantidos, talvez a estratégia de
distanciamento estabelecida pelo governo entre pequeno e grande produtor tenha como
finalidade impossibilitar ao pequeno o reconhecimento de seus direitos.
A questão agrária no Portal do Sertão é um problema a ser considerado no Conselho. Os
representantes entrevistados reconhecem a carência de políticas nesse sentido, mas não trazem
propostas que possam alterar a estrutura atual. O que tem de encaminhamento está apenas no
plano da documentação, os pequenos produtores que moram na terra e têm como provar que
moram há alguns anos e realizam atividades produtivas na terra e por questões burocráticas
não possuem o título da terra estão sendo beneficiados por um trabalho proposto pelos
movimentos sociais e realizado pela CDA de Regularização Fundiária no Território.

Regularização Fundiária, a questão da terra inclusive é um dos pontos


colocados como prioridade ao território até porque esse ano já iniciou aqui e
trouxeram o CDA pra fazer medição de terras e entregar o título, e já está
fazendo nova medição de terra. Em Feira foram feitos agora duzentos e
cinquenta e poucos cadastros para iniciar já a medição desse primeiro
instante deles aqui e já está partindo pra outros municípios também, Irará.
(Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora do
CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).

De um contingente de mais de duas mil famílias com problemas de acesso a terra no


município de Feira de Santana, apenas duzentos e cinquenta casos são analisados, com
séculos de atraso só agora a situação das famílias é posta em pauta. A mesma situaç ão ocorre
nos demais municípios Feira de Santana é citado por ser o primeiro caso analisado pela CDA.
Mesmo de forma precária essa questão só é abordada e a CDA só está em atividade porque os
sindicatos e movimentos sociais do campo atenderam as demandas da população, solicitaram
uma reunião exclusiva pra discutir esse ponto de pauta. Quando questionada se o conselho
visualiza que o movimento social tem lutado a representante responde que:

Tem, tanto que tem que conseguiu Feira, aqui mesmo no Portal, fez um
documento mandou pra a CDA ano passado e o CDA vem pra cá, o
superintendente veio pra cá que é seu Anselmo, é o coordenador geral, o
diretor veio pra cá e se comprometeu a fazer todo o cadastro de Feira de
Santana e do Território pelo menos assim no inicio de 5 a 6 municípios,
depois fazer porque também não tem como abraçar tudo de vez, ele foi bem
claro. Só pra você ter uma ideia Feira de Santana tem uma demanda de 351
pra fazer e conseguiram fazer 250 cadastros por falta de documentação que o
pessoal não trouxe. Sabe quantas pessoas estão fazendo tudo isso? Duas,
entendeu? O Estado não faz as vezes concurso ai fica contratando REDA,
acho que falta mesmo essa questão de se empenhar não é? A CDA entregou
agora uma quantidade pra o governo cerca de 47 títulos. Que até isso você vê
que o quantitativo é pouco. Já foram entregues e até hoje o pessoal não foi lá
pegar, então o colegiado se articulou com eles, solicitaram uma pauta,
organizaram um evento e chamou todo mundo para o sindicato pra fazer isso
entregar, ai fez a entrega de títulos e fez o cadastro pra fazer novas medições
pra aqueles que ainda não foram contemplados que começou agora, ai foram
250 agora e depois começa a fazer outros, a gente optou assim, faz logo um
tanto, termina e faz outro pra não ficar nessa enrolação. O pessoal do REDA
vem pega toda a documentação e passa pra o setor de medição ai vai pra o
campo pra medir e reconhecer a área. Quem solicitou foi o próprio
colegiado. O colegiado percebeu isso e falou a gente vai mandar uma
demanda pra o CDA. A gente chamou o CDA pra cá e mostrou a realidade
do território, pronto ai começou Feira de Santana ai já foi pra Irará, foi pra
Santo Estevão, já começou ai. Então essa demanda, essa conquista saiu do
colegiado. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora
do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).

A justificativa dada para a morosidade no desenvolvimento do que é proposto mais uma vez é
dada pela falta de pessoal qualificado pra trabalhar na efetivação da proposta. O poder público
tem meios, verbas e estrutura para minimizar os problemas no campo, porém não faz para
atender as subjetividades impostas pelo sistema econômico vigente. Criam justificativas
infundadas pra responder a questões de fácil solução e a população continua sendo submetida
a interesses externos a seu grupo social.

Estrategicamente, a população não é informada sobre seus direitos, o governo aproveita a falta
de informação dessa população e usa táticas para se beneficiar. Exemplo disso é a entrega dos
títulos de terra finalizados. A falta de pessoal é novamente a justificativa para o problema.
Foram aprovados e finalizados 47 títulos, mas a população não é informada e por esse motivo
não teve acesso a documentação. A CDA, junto ao STR e o CODES/Portal realizou em 2012,
ano eleitoral, um grande evento pra entregar os títulos, ano de candidatura da coordenadora do
sindicato a vereadora pelo partido do governo do Estado acredita-se que essa é mais uma
estratégia para utilizar as conquistas da sociedade como mecanismo eleitoreiro.

Com relação ao problema na distribuição das terras o CODES/Portal informa que reconhece a
existência de terras disponíveis, mas que é necessária a comprovação de residência por parte
do trabalhador rural de no mínimo cinco anos, por meio de pagamento de impostos ou
associação a alguma instituição ou movimento social que possua cadastro comprobatório de
residência. Mais uma vez a burocracia criada pelo Governo dificulta seu próprio trabalho e a
população é quem fica prejudicada.

Eu vejo isso, existe terra sim, tem terra ai e muita, mas as pessoas que estão
ai tem que comprovar que estão também nessa área, o Estado também não
vai poder dar uma escritura sem poder também comprovar que você atua ali
e que já tá ali a mais de 5 anos né? Existe essa burocracia também que é
correta, a gente também não pode dar nenhum tipo de documento pra a
pessoa que diz: eu moro aqui, não comprove, e como é que comprova?
Através de uma DAP, de um comprovante de endereço né? De um ITR, de
um imposto que você paga por aquilo, ou alguma associação que você fez o
cartão, do sindicato, então tudo isso pode servir. Agora o que eu acho que
mais enrola é o corpo técnico mesmo entendeu? Você passa por uma
burocracia de um Estado que tem que contratar uma empresa pra medir e
esse empresa diz que vai e não dá gás ai, ela não quer produção entende? Eu
vejo muito é o corpo técnico que falta. (Agente de desenvolvimento
territorial da SEPLAN e articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida
em 23/05/2013).

Em todas as questões levantadas o CODES/Portal afirma que a principal dificuldade é falta de


pessoal pra trabalhar nas questões que envolvem o Território. Entre os trâmites burocráticos
existem regras e prazos que precisam ser cumpridos pela população, caso não sigam esses
tramites perdem seus direitos, mas quando se trata da conclusão por parte do governo
qualquer justificativa é válida à não aprovação ou não cumprimento de prazos. E o pequeno
produtor continua refém dos interesses que movem o poder público.

No Portal do Sertão as atividades da CDA são direcionadas a um público específico, os


pequenos produtores posseiros ocupantes, pois estes residem na terra e não possuem
documento de propriedade. Essa pode ser considerada uma estratégia do governo para evitar o
confronto direto com os grandes produtores, camufla os conflitos existentes e apresenta a
mídia que o governo trabalha em prol da sociedade.

As pessoas que lutam por terra já residem em suas terras digamos assim,
mesmo sem ter título, mas já é sua não tem muitos problemas não [conflitos
com grandes produtores]. Isso passa mais pela questão de posseiro, de
ocupação. Essa questão de posseiro de ocupação passa mais pelo MST, nem
tem tanto essa ligação aqui não é? Tem assentamento de reforma agrária,
mas no colegiado eles não participam. No início até participavam, mas como
o colegiado na verdade não participa de ocupação das terras na época não
houve esse apoio um posicionamento do colegiado tem uns 5 anos ou mais.
(Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora do
CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).

O não envolvimento do CODES/Portal nos conflitos ocasiona a ilusão de não existência


destes no Território. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) age
isoladamente do colegiado, pois, apesar de também possuir lideranças envolvidas com o
governo essa relação tem outros objetivos que não são abordados no Conselho. A ocupação
citada pela entrevistada refere-se a Fazenda Mocó, uma área experimental do Estado ocupada,
localizada no município de Feira de Santana, houve reintegração de posse, mas os
acampamentos continuam no local. O assentamento é o Menino Jesus no Município de Água
Fria que possui moradores oriundos de diversos municípios e desde sua formação tem
problemas com o recebimento de créditos e os pequenos produtores têm dificuldades para
permanecer no local, ao ser levantada a questão no colegiado não houve interesse em tentar
solucionar o problema. Ao entrar em contato com o MST não foi possível à realização de
entrevistas, pois os representantes não se mostraram disponíveis ao diálogo. O que ficou
nítido nas diversas tentativas de contato foi a resistência em falar sobre o Território, quando
os municípios foram citados separadamente a recusa permaneceu.

A questão agrária é um ponto de destaque no Portal do Sertão, mas não é o único problema, a
água também é um fator de relevância para os produtores sejam eles grandes ou pequenos.
Por pertencer ao semiárido, a escassez de água é realidade cotidiana no Território. Com esse
período de longa estiagem a questão da água se destacou ainda mais nas discussões devido
aos problemas consequentes desse período.

A água é o ponto de todo o problema, por conta da seca. A seca vem e acaba
de vez, mas mesmo assim tem a questão de ter água pra produzir mesmo que
eles falam né? Existem poços e cisternas, mas num processo que ainda não
chegou pra todo mundo, muita coisa por falta da questão do título da terra,
porque algumas políticas pra você acessar você tem que ter o documento da
terra e se você não tem o documento da terra você não consegue acessar
algumas políticas públicas. Então é uma coisa que você fica se eu não tiver
isso eu não consigo acessar isso. (Agente de desenvolvimento territorial da
SEPLAN e articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida em
23/05/2013).

Mais uma vez a burocracia que impede o pequeno produtor de ter posse da terra também o
impede de ter acesso a políticas públicas. O governo sabe da existência do pequeno produtor,
dos problemas que ele vivencia, tem os mecanismos para solucionar, mas não busca
estratégias para facilitar a vida no campo. Mesmo sem saber os trabalhadores são
responsabilizados pelos problemas que passam.

As estratégias do governo para minimizar os problemas do campo, são pontuais e paliativas.


Camuflam os problemas por um curto período e a longo prazo nada é feito. A implantação de
cisternas no período de estiagem não soluciona o problema, pois se não chove as cisternas
permanecem vazias apesar da existência desse reservatório não há outras formas de captação
de água subterrânea, para eficácia das cisternas é necessário sua construção antes do período
de longa estiagem para que estejam abastecidas em uma eventual seca. O envio de carros
pipas é uma medida ainda menos eficaz, pois torna-se paliativa e provisória. O governo
reconhece isso, mas não implementa políticas de efeito na realidade do campo.

A questão de cisternas não é ruim, todo mundo sabe quantas cisternas já


fizeram. Tudo isso não é ruim tem que ser feito, mas agora a população quer
algo estruturante, uma política estruturante e dizer nos termos uma política
apropriada para o semiárido é isso que se quer. E tudo isso perpassa por
essas situações não é? De água, de terra, de resumir a outra vertente, eu acho
que tudo isso faz parte. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN
e articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).

A sociedade reconhece o problema e a falta de interesse do governo em solucionar. Nas


reuniões do Colegiado fala-se muito em políticas mais estruturantes que reduzam a
dependência que a população tem de alguns programas sociais. Porém, o que se coloca é que
o colegiado não tem autonomia para definir sobre esse tipo de política. A função principal do
colegiado é analisar o programa e levar proposta de como o recurso desse programa já
existente pode ser usado no Território, caso seja aprovada sua inclusão.

Como o CODES/Portal não se disponibiliza a pensar e documentar propostas de soluções aos


problemas do campo as organizações sociais se unem em busca de soluções. Como resultado
dessas discussões realizou-se, de 28 a 29 de maio de 2013, a I Jornada do Semiárido baiano.
Na oportunidade os pequenos produtores discutiram e aprovaram um documento com
propostas de políticas eficazes para o campo, para isso utilizou como base experiências de
outros estados com resultados positivos.

Algo que o pessoal fala muito é pra não ter medidas emergenciais como se
fala, tem que ter mesmo uma política voltada pra isso, tanto que agora vai ter
um evento do semiárido baiano que é uma luta do movimento social,
sindicato que quer propor ao governo uma política estadual para o semiárido.
Porque a gente sabe que a seca vai vir sempre então a gente não pode viver
só disso questão de carro pipa, limpeza de aguadas isso tem que ser uma
coisa cotidiana, contínua. Como é que a gente deve fazer no sentido de trazer
novas tecnologias pra conviver. Porque existe ai tem a tentativa de trazer a
EMBRAPA pra cá porque tem mais de 150 tecnologias. A CUT tá querendo
trazer um pessoal do Ceará pra trazer uma experiência do observatório de lá
do Ceará no reconhecimento do semiárido pra ter uma coisa concreta aqui na
região pra saber o que é que se tem e o que tá precisando no intuito de dar
um tratamento diferenciado no semiárido. Então estão preparando isso ai pra
a jornada. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e articuladora
do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).
O problema é que durante a Jornada, observa-se que as lideranças sociais, os debatedores e a
maior parte do público presente fazem parte do governo. Os trabalhadores que chegaram do
campo de caravana, só votaram nas propostas. É preciso considerar também a linguagem
utilizada pelos debatedores não se aproxima da realidade dos trabalhadores, dos temas
abordados pouco é compreendido. As propostas levadas ao governo federal, já estão no
programa de governo. Como observação do evento, nota-se que é realizada mais uma
atividade pra ficar no calendário de mobilizações, mas sem resultados diretos ao campo.

Outro problema que se destaca no Portal do Sertão é a dificuldade de circulação das


mercadorias do pequeno produtor. Existem exigências que precisam ser consideradas para
comercializar a produção. O Estado faz as exigências, não consideram a falta de condição de
o pequeno produtor arcar com os custos e em seguida cria programas para minimizar os
entraves que eles mesmos provocam. Os custos para produção e escoamento são altos para o
pequeno produtor, em muitos casos não conseguem vencer essas barreiras e acaba
encaminhando sua produção a atravessadores que pagam valores irrisórios que nem sempre
suprem os gastos com a produção.

Existe um problema no escoamento da produção. Existe porque é um


gargalo que a gente fala, o gargalo da produção, escoamento de vendas, de
as pessoas até se organizarem mesmo. Tem gente que não tem ainda o
entendimento que as vezes se limita a ter uma produção maior, a ter um nível
de organização maior é complicado você escoar, você vender o seu produto,
sei lá pra algum lugar, precisa de algum certificado, de algum selo, ai existe
essa burocracia, as vezes não tem e o custo pra isso, o mesmo do pequeno é
o mesmo pra o grande. Não tem uma diferença pra esses grupos. Essa
dificuldade existe, mas tem grupos que conseguem, tanto que conseguem
que tem ai o programa PAA pra alimentação que hoje temos 30% da
merenda escolar que tem que ser da agricultura familiar, já tem pessoas que
conseguem, mas tem que correr atrás, não é fácil não, tá melhorando, o
governo tá incentivando. Tá melhorando, mas ainda trata o pequeno igual ao
grande. Já que incentiva poderia ter um incentivo diferenciado também nessa
burocracia pra o pequeno, até pra reduzir custo, alguma coisa ai, selo da
agricultura, selo de não sei o quê, e as vezes o pequeno não consegue ter
acesso, até por falta de assistência técnica que tem que ter uma assessoria,
falta o próprio recurso que não se tem, então tudo isso inviabiliza de uma
certa maneira. (Agente de desenvolvimento territorial da SEPLAN e
articuladora do CODES/Portal, entrevista concedida em 23/05/2013).

Uma medida realizada pelo governo é direcionar a produção da agricultura familiar à merenda
escolar. Essa medida contribui para o escoamento da produção, mas não soluciona o
problema, pois o número de escolas e a quantidade de produtos adquiridos são insuficientes
para abarcar toda a produção familiar. É necessário repensar a carga tributária e a burocracia
que dificultam o desenvolvimento das pequenas produções no campo. Os grandes produtores
possuem recursos e meios para produzir, transportar e comercializar seus produtos a partir das
regras que o mercado impõe e os tramites legais. O pequeno não possui condições de arcar
com esses custos nem assistência técnica, porém as exigências são as mesmas para eles.

O Conselho de Desenvolvimento Territorial do Portal do Sertão tem como objetivo discutir


programas e projetos que beneficiam os 17 municípios que o compõe, toda a população tem
direito a voz, mas a votação de propostas só pode ser realizada de forma paritária entre poder
público municipal e sociedade civil. Nas discussões de implantação do CODES/Portal sentiu-
se a necessidade em criar uma autarquia pública que facilite a execução das políticas públicas,
pois o conselho não possui verba específica e alguns recursos que são responsabilidade das
prefeituras em alguns casos não eram disponibilizados. A partir dessas discussões criou-se o
Consórcio Portal do Sertão formado pelos prefeitos dos 17 municípios.

Há uns quatro anos atrás nas próprias discussões do Território a gente via a
dificuldade de executar a política pública a gente via muita dificuldade em
executar a política pública o Estado com braço pequeno as prefeituras com
pouca condição financeira, muita dificuldade na equipe técnica ai
começamos a discutir com os novos prefeitos que tinham sido eleitos a
possibilidade de construir uma estrutura das prefeituras, pública, uma
autarquia pra poder elaborar projetos, ajudar as prefeituras a captar recursos
e executar a política pública então a gente começou a levantar essa discussão
e eu com Thaise na época que hoje é articuladora territorial nós visitamos
todas as prefeituras, todas, falamos dessa possibilidade e tal e depois fizemos
uma reunião maior e começamos a discutir, ai o Estado também entrou na
discussão através da SEDUR e a secretaria de planejamento e começou a
ajudar a gente também no processo de construção. Fomos o primeiro da
Bahia a ser montado e um dos primeiros a funcionar de fato e hoje já tem
mais de um ano funcionando já executamos quase quatro milhões de reais
em políticas públicas aqui no portal e a previsão de executar até o final do
ano, que vem diretamente recursos passando pelo consórcio menos na
questão de habitação que a gente elabora o projeto e repassa pra quem
constrói, mas diretamente 40 milhões de reais ate o final do ano que vem.
(secretário executivo do consórcio Portal do Sertão, entrevista concedida em
24/10/2013).

Como afirma o secretário executivo o Consórcio tem como objetivo principal elaborar
projetos para captação de recursos pelas prefeituras que possibilitem a execução de políticas
públicas Estaduais e Federais. O Consórcio é uma autarquia pública representada
exclusivamente pelos prefeitos dos municípios pertencentes ao território, tem apoio da
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado (SEDUR) e a Secretaria de Planejamento
(SEPLAN). O Consórcio atua em todos os setores públicos, urbano e rural. Por exemplo, os
projetos aprovados pelo CODES/Portal para o campo são viabilizados e implementados
através do consórcio como a gestão ambiental, limpeza de aguadas e construção de cisternas.

Então a gente tem uma linha de ações bacanas hoje muito voltado para a
zona rural também temos patrulha mecanizada rodando os municípios no
interior do estado e tal a gente já ta fazendo gestão ambiental compartilhada
temos equipe contratada pelo consórcio estamos fazendo uma gestão de
PNHR, já fizemos limpeza de aguadas precisamos fazer mais, vamos
construir cisternas através do convênio com a SUDENE, estamos fazendo
capacitações através de um projeto que a gente passou pra SUDENE pra
fazer capacitação para 500 servidores públicos das prefeituras com cursos
para elaboração de projetos para captação de recursos Da CICONV,
controladoria, outras licitações, comunicação são tipos de projetos também.

A parceria com alguns órgãos como Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste


(SUDENE) e controladoria é utilizada na realização de ações públicas no Território. É um
consorcio de prefeituras sem qualquer relação com a sociedade civil, os projetos são
aprovados e elaborados por eles, não há avaliação nem prestação de contas à população.
Mesmo que o território não tenha o Plano de Desenvolvimento Territorial concluído e
aprovado o representante do Consórcio diz que segue esse plano e que a consulta ao conselho
ou a população não é necessária porque todos os projetos subentende-se que são demanda do
Portal do Sertão.

Rapaz eu lhe pergunto: limpeza de aguadas é demanda de colegiado? É


demanda do colegiado. Construção de cisternas é demanda do colegiado? É
demanda do colegiado. Capacitação para as prefeituras? È óbvio também é
demanda do colegiado. Então nada do que a gente aprova aqui não é inventar
a roda nem ta tentando trazer o homem da lua. A discussão dos projetos que
a gente ta fazendo aqui é iniciada toda a discussão no colegiado, tão no plano
do desenvolvimento sustentável e que a gente ta tentando viabilizar. O que a
gente não faz é 50 reuniões pra decidir uma coisa que já ta decidida entende?
Isso ai a gente não vai fazer até porque pra poder otimizar, então a gente
conversa assim no colegiado essas coisas que já se foram discutidas assim e
não foi de um ano nem de dois foi de seis anos ai que ta ai essas questões em
discussão agora é ver se consegue botar isso pra rodar. (secretário executivo
do consórcio Portal do Sertão, entrevista concedida em 24/10/2013).

Na maioria das reuniões do CODES/Portal não há a participação dos prefeitos, alguns


representantes de prefeituras estão nas reuniões, entre os membros do Conselho uma das
maiores queixas é a ausência do Consórcio nas reuniões. O Consórcio não tem informações
sobre as discussões atuais do Conselho e, na elaboração de projetos, segue as demandas que
há mais de cinco anos não estão em pauta. Realizam ações descoladas da realidade do
Território e divulgam os problemas como solucionados e destaca avanços que na prática não
acontecem.

No campo, por exemplo, há reclamações por parte de alguns sindicatos que a implantação de
cisterna não considera as áreas mais carentes ou são inseridas em locais inadequados, no
período de estiagem, apesar de recursos serem encaminhados pelo governo federal para
execução de projetos, as ações realizadas não contribuíram diretamente para minimizar as
consequências da seca. O Consórcio apresenta projetos e a população mostra nas demandas
que os projetos elaborados pouco contribuem para facilitar a vida no campo.

A gente tá tentando buscar a questão da regularização fundiária pra esses


produtores do campo que não tem título, a construção de cisternas que a
gente tá com o projeto começando agora ta iniciando, tanto a primeira água,
quanto a segunda água são dois projetos diferentes e tem um projeto pra a
gente trabalhar junto com a equipe da piscicultura, mas a gente tá buscando
um recurso pra fazer, tem um projeto com a EBDA pra aquisição de veículos
pra apoiar a agricultura familiar que não tem no Território e já tá aprovado
também, o recurso ta caindo ano que vem final de ano, mas a gente sabe que
é ano que vem. Estamos tentando iniciar o projeto de instalação aqui da
vigilância sanitária animal e vegetal teve até um evento aqui um fórum antes
de ontem que tava discutindo isso. Enfim a maior parte de nossas ações é pra
zona rural que é onde também o pessoal tem mais deficiência porque você
tem educação, hoje tem recurso, carimbado pra educação, tem saúde, tem
recursos carimbado pra saúde, pra alimentação é muito difícil então as
secretarias de agricultura as vezes são desestruturados tem pouca gente,
pouco veículo e a gente tá também pra tentar suprir isso (secretário
executivo do Consórcio Portal do Sertão, entrevista concedida em
24/10/2013).

A maior parte dos recursos dos governos federal e estadua l encaminhados ao Território de
Identidade Portal do Sertão é destinada a projetos e ações no campo, para beneficiar a
agricultura familiar, mas na prática essa atividade econômica ainda sofre as consequências da
má gestão desses recursos. Para compreender a origem do problema, quais entraves o
Consórcio identifica na efetivação das políticas públicas, se há algum problema de
comunicação entre a sociedade e o estado, o representante traz como justificativa apenas o
atraso no recebimento de recursos.

No Território os entraves que a gente esbarra as vezes é pela demora de


viabilizar recurso junto ao estado ao governo federal, então as vezes a gente
tem um projeto aprovado, as vezes demora um pouco pra chegar essa coisa
toda, mas ai é parte do governo estadual e federal. Mas muito pelo contrário
todo mundo tá vendo que o consórcio é uma estrutura eficaz, eficiente e tal e
a aposta hoje é o consórcio inclusive vai tá recebendo uma usina de asfalto
provavelmente até o ano que vem, mas não tem como determinar porque é
provavelmente. [...] Mas enfim o consórcio talvez tenha sido o maior avanço
da política territorial aqui no Portal, [...] e por causa desse esforço é que tá
chegando vários políticos que é o objetivo do colegiado, ninguém se reuniu
no colegiado só pra ficar se reunindo, se reunindo, se reunindo, o pessoal se
reúne no colegiado pra tentar viabilizar política pública, eu que fiz parte do
Território desde sua construção sei disso. Por isso que a gente tá trazendo o
Território pra cá exatamente pra isso, pra a gente tentar ajudar o território,
colocar o colegiado aqui dentro pra a gente tentar, discutindo as propostas,
pra a gente fazer essa ligação mais forte agora. (secretário executivo do
consórcio Portal do Sertão, entrevista concedida em 24/10/2013).

Na análise do representante o Consórcio é a única ação do Território que realmente funciona,


para ele o colegiado tem como objetivo reunir prefeituras e adquirir recursos. O consórcio é
visto como uma instituição separada do colegiado que pode contribuir com o colegiado, mas
não possui vínculo, a única relação aceita é a estabelecida no ato da formação do consórcio.
Essa desvinculação pode ser entendida como fator essencial nas falhas entre o que o estado
realiza e as demandas reais da população.

3.4 PEQUENOS, MÉDIOS E GRANDES PRODUTORES, E O PODER PÚBLICO:


PONTOS COMUNS E DIVERGÊNCIAS SOBRE A QUESTÃO AGRÁRIA.

As classes sociais envolvidos na questão agrária do Território de Identidade Portal do Sertão


têm objetivos comuns para necessidades distintas. Todos desejam produzir com qualidade e
quantidade suficiente para atender a seus objetivos, para isso, necessitam de condições
mínimas para produção, como terra, água, matéria prima e mecanismos de produção com a
quantidade e qualidade necessária à suas demandas. O que diferencia são os objetivos. Os
pequenos produtores e trabalhadores rurais desejam permanecer na terra e sustentar sua
família através do trabalho com inserção no sistema capitalista de forma igualitária com a
garantia de seus direito a alimentação, saúde, educação e lazer de qualidade. Os grandes e
médios produtores desejam permanecer no sistema capitalista, obter lucros cada vez maiores e
ter acesso a maquinários e mão de obra especializada para atender a esses objetivos.

No Portal do Sertão os pequenos produtores e trabalhadores rurais sofrem com a escassez de


água que se intensificou nos últimos quatro anos com longo período de estiagem. Por estar no
semiárido a correção do solo para melhor produzir é outra necessidade que os pequenos
produtores e trabalhadores rurais não possuem condições de solucionar sozinhos devido aos
altos custos. A falta de recursos econômicos para investir na produção dificulta a situação
desses produtores. As condições precárias de sobrevivência os obrigam a migrar para grandes
centros urbanos em busca por trabalho em áreas que não conhecem e assim criar seus filhos.
Essa situação se agrava devido a falta de acesso a terra, isso torna o pequeno produtor refém
das condições impostas pelos detentores de capital e condições de produção.

Os pequenos produtores e trabalhadores rurais, na maioria dos casos, não conhecem seus
direitos constitucionalmente garantidos e o poder público, por sua vez, não se ocupa em
garantir que se cumpra a lei, nem há meios suficientes de conscientização da população com
relação a esse aspecto. Cria burocracias que impedem essa camada da população de adquirir
benefícios como os créditos rurais e as políticas ditas de reforma agrária. A assistência técnica
oferecida é insuficiente para a demanda no Portal do Sertão, além disso, não há grandes
mudanças nas condições de sobrevivência no campo, os programas de habitação e
pavimentação rurais existentes são insuficientes se considerar a demanda nos 17 municípios
do Território pesquisado. O poder público age no enfraquecimento dos conflitos, as
necessidades dos pequenos produtores são substituídas por um consenso camuflado, com
intuito de permitir a permanência da concentração de renda e consequentemente das
desigualdades sociais.

Nas entrevistas realizadas com os pequenos produtores e trabalhadores rurais nota-se que eles
lutam por políticas públicas mais estruturantes para o campo com o fim das políticas e
programas paliativos que não solucionam o problema só prolonga suas consequências.
Buscam ainda a redução nas burocracias que os impeça de adquirir seus benefícios, mais
formação política para a sociedade conhecer seus direitos. Redução das desigualdades sociais
por meio do equilíbrio entre as participações no sistema capitalista de produção para que isso
ocorra é necessária a inserção dos produtos do pequeno produtor no mercado em condições de
equiparação com os demais produtores.

Os grandes e médios produtores no Território de Identidade Portal do Sertão também sofrem


as consequências do longo período de estiagem ocorrido nos últimos quatro anos. Mesmo
após alguns dias de chuva identificados no ano 2013 não foram suficientes para minimizar os
problemas detectados no campo. Os grandes e médios produtores afirmam que os prejuízos
com a seca chegam a milhões de reais e alguns produtores não tem como se recuperar das
consequências em menos de 30 anos. A falta de pessoal disponível para trabalhar na produção
agrícola também é detectada pelos grandes e médios produtores no Portal do Sertão como um
grande problema, os benefícios do governo e a migração para os grandes centros urbanos são
considerados responsáveis por esse problema. Além disso, devido a dificuldade em manter e
progredir na produção agrícola muitos produtores acreditam perder a sucessão na produção
pelos seus filhos que visam atividades mais lucrativas e menos trabalhosas.

Apesar da existência de algumas linhas de crédito ofertadas pelos bancos estatais os grandes e
médios produtores afirmam que a burocracia e a morosidade em receber os recursos
dificultam a continuidade das atividades agrícolas no Portal do Sertão. Quanto as diferentes
condições de produção no campo, os grandes e médios produtores consideram que as
condições do sistema capitalista que para sua existência é necessário a diferença entre classes
sociais, não vê isso como um problemas e sim como a consequência do sistema de produção
realizado pela sociedade atual. Com relação ao poder públicos os grandes e médios produtores
afirmam que falta vontade política para melhorar as condições de direcionamento de recursos
por meio da desburocratização das ações de governo.

Os representantes do poder público que atuam no campo do Território de Identidade Portal do


Sertão afirmam ter recursos, programas e projetos suficientes para minimizar os problemas
envolvidos na questão agrária do Território. Existem repasses de recursos do governo federal
e estadual para atender as demandas sociais em escala territorial e municipal. Para os
representantes entrevistados a falta de pessoal disponível para dar assistência técnica e apoiar
na distribuição de benefícios, a falta de documentação dos pequenos produtores para adquirir
benefícios e a grande quantidade de burocracias nas ações do governo têm dificultado o
trabalho no campo. Soma-se a essa situação o longo período de estiagem e a falta de vontade
política para interferir na realidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão agrária no Território de Identidade Portal do Sertão, assim como na maior parte do
país, traz à tona uma série de outras questões como a: questão da terra, questão da renda,
questão da alimentação, questão da saúde, questão da educação, questão da segurança. Entre
outras que influenciam diretamente na permanência da população no campo. Realizar alguma
mudança nessa realidade requer pensar em todos esses requisitos, perceber quem tem direito
ao acesso a esses itens básicos para a sobrevivência, na quantidade e qualidade necessárias.

No Portal do Sertão, nota-se grande diferença entre as condições de vida da população que se
expressa na separação entre classes sociais. Os pequenos produtores e os trabalhadores rurais,
que prestam serviço aos grandes e médios produtores, vivem em condições precárias. A estes
são negados grande parte dos direitos e a falta de qualidade de vida tem, cada vez mais
direcionado o pequeno produtor rural às atividades urbanas, essa situação contribui para o
inchaço nas grandes e médias cidades. Não há políticas públicas estruturantes que permitam
ao pequeno produtor ter qualidade de vida no campo. E a condição em que ele esta inserido
no sistema capitalista de produção inviabiliza a sustentação da família.

O grande produtor também encontra alguns problemas para produção no campo, entre eles é
citada a falta de mão de obra disponível, devido à migração da população rural para os centros
urbanos. A sucessão familiar também está comprometida, por diversos fatores, entre eles são
citadas as condições climáticas desfavoráveis à produção no semiárido que necessita de
investimentos cada vez maiores para continuar na produção. Os filhos dos fazendeiros não
estão dispostos a arcar com esses custos e optam por formar-se e trabalhar em atividades
urbanas que têm retornos econômicos mais rápidos.

A expropriação do pequeno produtor que contribui para o aumento na concentra ção de terras
tem criado focos de resistência. No Portal do Sertão, por exemplo, a existência de
acampamentos de trabalhadores sem terra, associações de pescadores, comunidades
quilombolas e do Projeto de Assentamento de Reforma Agrária Menino Jesus como resultado
da luta incessante dos trabalhadores rurais e das comunidades tradicionais, reforçam a ideia de
que a população não está satisfeita com as condições impostas pelo sistema capitalista e não
se submete de forma passiva as condições que lhe são impostas.
A Política de Desenvolvimento Territorial, como mais uma forma de gestão, torna-se também
uma estratégia do poder público justificar a ação orçamentária e, ao mesmo tempo, camuflar
os conflitos ao promover consenso sobre questões que, na maioria dos casos, não
correspondem aos principais problemas sofridos pela população. A criação de um Território
de Identidade como o Portal do Sertão que tem entre seus municípios diversos conflitos
agrários, sem considerar esses problemas, descolado da realidade, é prova de que não há no
poder público, intenção de minimizar as problemáticas do campo. O que o Estado visa é
reduzir os conflitos à medida que tenta minimizar a importância das principais bandeiras de
luta das classes sociais que historicamente são deixada s a margem do desenvolvimento
econômico, político, social e que lutam por igualdade de direitos.

Há a necessidade em transformar as relações sociais, para que se promova uma mudança


efetiva nas condições de vida da camada da população que possui pouco ou nenhum capital
para sua reprodução social. A partir das relações de produção, de apropriação e de
distribuição no Portal do Sertão se configuram as principais diferenças entre as classes
sociais. Os pequenos produtores e trabalhadores rurais não possuem co ndições mínimas para
se inserirem na competitividade de mercado imposta pelo capital. Os grandes e médios
produtores possuem condições econômicas favoráveis, mas reclamam que as condições
climáticas do semiárido não favorecem o investimento em determinadas culturas, por isso se
mantêm no mercado capitalista através de outras atividades distantes da produção agrícola.
Com esses relatos a produção no campo torna-se ameaçada e a atuação do poder público é
considerada pequena diante da quantidade de questões envolvidas na questão agrária.

No Portal do Sertão a concentração da propriedade e da renda diferenciam as condições de


vida da sociedade. As classes sociais que possuem melhores condições de produção são
também as aptas a receber a maior quantidade de bene fícios dos programas e políticas
públicas. E as leis elaboradas com a finalidade de promover certo equilíbrio entre as relações
sociais são utilizadas em beneficio de uma minoria economicamente privilegiada.

A desigual relação de distribuição no Portal do Sertão imprime marcas no sistema produtivo.


A maior extensão de terras é utilizada para produções características de grandes produtores
que possuem as condições econômicas ideais para sua manutenção. Resta ao pequeno
produtor rural se adaptar as condições que lhes são impostas, apesar de ser essa classe social
responsável pela maior parte da produção no Território, não possuem espaço nem condições
adequadas para produzir e permanecer no campo. A aceitação não é pacifica, os grupos
sociais menos privilegiados encontram meios de resistir no campo e lutar para que sejam
respeitados seus direitos a reprodução da vida com dignidade. Entre as formas de resistência
citam-se as comunidades quilombolas, associações de pescadores, acampamentos e
assentamentos de trabalhadores rurais, e tantas outras formas de luta que expressam as
necessidades e a obstinação do pequeno produtor.

Os trabalhadores rurais e os pequenos e médios produtores no Portal do Sertão sofrem com as


condições climáticas impróprias para algumas produções, por não possuírem, em sua maioria,
título da terra também não são beneficiados por alguns programas sociais. Além disso, o
terreno que têm disponível em sua maioria é muito pobre para produção e necessita de
correção, mas esses trabalhadores não dispõem de condições econômicas para melhorar o
solo, assim, suas dificuldades não se resumem a falta de acesso a terra. A falta de condições
de produção e reprodução no campo tem, cada vez mais distanciado essa classe social das
atividades do campo. Os trabalhadores rurais migram para os grandes centros urbanos em
busca de oportunidades que não encontram no campo. Ao chegarem às cidades muitos não
conseguem se adaptar. Porque as cidades também não estão preparadas para receber o
contingente cada vez maior de pessoas em busca de emprego, educação e saúde não
disponíveis, na quantidade e qualidade necessárias, às comunidades rurais.

No Território de Identidade Portal do Sertão, o poder público não debate a questão agrária e,
surpreendentemente, alguns movimentos sociais se recusam a manifestar suas ideias. Nessa
pesquisa movimentos como o Movimento de Organização Comunitária (MOC) não autorizou
a realização de entrevistas alegando que apesar de ser sediado no município de Feira de
Santana não atua em nenhum dos 17 municípios pertencentes ao território. Informam que sua
única contribuição no Território se estabelece na definição do local de implantação das
cisternas e, por telefone, manifesta sua falta de interesse em contribuir com a pesquisa. O
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também não foi aberto ao diálogo,
alegando desconhecer o Território e não estando dispostos a falar separadamente da realidade
de cada município.

A questão da reforma agrária vai muito além de uma transferência de renda, significa
modificar a estrutura social através das relações de produção, de distribuição e de apropriação.
Essa mudança altera as bases do sistema capitalista de produção, não é interessante aos
detentores do grande capital uma mudança nesses níveis, por esse motivo ainda não ocorre no
Brasil. O que pode ser visto são algumas políticas agrárias que não solucionam o problema,
apenas prolongam sua duração.

O Território de Identidade Portal do Sertão, a partir desta pesquisa, é considerado um


território repleto de diferenças políticas, econômicas, sociais, culturais entre outras. Na
constituição do Território essa diversidade não é analisada e por esse motivo os conflitos
tornam-se evidentes. A existência de distintas classes sociais com demandas diferenciadas é
nítida e a falta de atenção do poder público às demandas de uma ou mais classe amplia as
dificuldades. O sistema capitalista de produção se alimenta das desigualdades sociais, a
expropriação obriga a sociedade a se submeter aos ditames do capital e a população torna-se
cada vez mais refém dos interesses dos detentores de grandes somas de capital.

No Portal do Sertão os trabalhadores rurais, os pequenos e os médios produtores sofrem as


consequências de um sistema social excludente. Os grandes produtores, não satisfeitos com o
volume de recursos públicos direcionados a eles, reclamam falta de atenção política e
solicitam desburocratização dos recursos. Grandes, e pequenos produtores sofrem com a falta
de interesse dos mais jovens em continuar as atividade s rurais, cada classe social por motivos
diferentes decidem viver nas cidades. Os filhos dos grandes produtores, no Portal do Sertão,
escolhem formações acadêmicas que os distanciam cada vez mais do campo, por interesse em
retorno financeiro imediato, além de despertarem grande interesse pelas distrações
características do espaço urbano. Os pequenos produtores expropriados e explorados que não
conseguem resistir na terra seguem em direção às cidades em busca por qualidade de vida
através de emprego, saúde e educação de qualidade, que em muitos casos não são
encontradas.

Embora existam meios, como os cursos de capacitação rural, para ajudar o produtor a tornar-
se mais independente do poder público em sua produção diária, esses meios não são
disponíveis a todos, nem são divulgados e os produtores rurais do Portal do Sertão não são
incentivados e mobilizados a participar. Como possíveis estudos futuros propõe-se
compreender de que forma pode haver maiores envolvimentos das prefeituras nas discussões
relacionadas ao campo, criação de políticas estruturantes para o campo, desburocratização das
ações do poder público, e realização de concursos públicos específicos para as áreas de maior
pendência de pessoal no campo do Portal do Sertão.
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