Dossie Imigração Santa Catarina

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Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Presidente da República | Luiz Inácio Lula da Silva


Ministro da Cultura | Gilberto Gil Moreira
Presidente do IPHAN | Luiz Fernando de Almeida
Procuradora Chefe | Lúcia Sampaio Alho
Diretora do Departamento de Planejamento e Administração | Maria Emília Nascimento Santos
Diretor do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização | Dalmo Vieira Filho
Diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial | Márcia Genesia de Sant’Anna
Diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais | José do Nascimento Júnior
Coordenador-Geral de Promoção do Patrimônio Cultural | Luiz Philippe Peres Torelly
Coordenadora-Geral de Pesquisa, Documentação e Referência| Lia Motta
Superintendente da 11a SR /IPHAN/Santa Catarina | Ulisses Munarim

Projeto “Roteiros Nacionais de Imigração” | ficha técnica

Supervisão e Coordenação | Dalmo Vieira Filho e Maria Regina Weissheimer

Equipe Técnica

André Luiz de Lima (arquiteto)


Cleonisse Inês Schmitt (bibliotecária)
Maria Isabel Kanan (arquiteta)
Marina Pavoni (estagiária)
Priscilla dos Santos Mandaji (arquiteta)
Simone Kimura (arquiteta)
Vanessa Maria Pereira (arquiteta)

Pesquisa de Campo (fichas/ anexos 1, 2 e 3)

Roseana Struck Lunghard (coordenadora)


Cassandra Helena Faes
Débora Richter Cicogna
Virgínia Gomes de Luca

Logomarca | Kellin Crippa Speck e Simone Kimura

Apoio

Fundação Catarinense de Cultura


Prefeituras Municipais

Créditos dossiê
Pesquisa Histórica e Textos |Dalmo Vieira Filho e Maria Regina Weissheimer
Revisão | Daisi Vogel
Projeto Gráfico e Diagramação | André Luiz de Lima e Maria Regina Weissheimer
Montagem | Maria Regina Weissheimer
Fotografias (banco de imagens da 11aSR)

Leopoldo Plentz e Luis Carlos Felizardo (levantamento fotográfico 1987)

Tempo Editorial (levantamento fotográfico 2005/6)


André Luiz de Lima, Dalmo Vieira Filho, João Paulo Schwerz, Maria Regina Weissheimer e
Simone Kimura (imagens de campo)

Realização
11a Superintendência Regional IPHAN/ Santa Catarina
Rua Conselheiro Mafra, 141 2o andar - Antiga Alfândega
CEP 88010-100 - Centro - Florianópolis/SC
Fone/FAX: 48 - 3223 0883
[email protected]

2
Roteiros Nacionais de
Imigração
Santa Catarina

Dossiê de Tombamento

VOLUME 1
histórico | análise | mapeamento
AGRADECIMENTOS

A todos que, ao longo desses mais de vinte anos de pesquisa,


inventário e ações de preservação, colaboraram de alguma forma com o projeto
dos Roteiros Nacionais de Imigração em Santa Catarina.
SUMÁRIO

Apresentação 11

O fluxo imigratório do século XIX 17


O patrimônio do imigrante no Brasil 19

Contexto histórico e geográfico 23

A Europa 24
O Brasil no século XIX 29
As políticas de colonização 32

Legislação, regulamentos e contratos 38


A Lei de Terras
O Contrato Caetano Pinto
Lei Glicério

Santa Catarina no Século XIX 47


A ligação do litoral com o planalto 53
A Política de Colonização na Província 55
A Colônia São Pedro de Alcântara 58

O Período Regencial 62
O Segundo Império em Santa Catarina 65
Colônia Industrial do Saí 66

Colônia da Piedade 66

Colônia Belga 66

Colônia Santa Isabel 67

Colônia Blumenau 67
Dr. Blumenau e os antecedentes da fundação da colônia
1ª fase – Colônia Privada (1850 a 1859)
2ª fase – Colônia Imperial (1860 a 1882)

Colônia Dona Francisca 75


Criação da Colônia
Colônia Leopoldina 81

Colônia Militar Santa Tereza 81

Colônia Itajaí-Brusque 81

Colônia Nacional Angelina 83

Colônia São Bento 83

O incremento italiano a partir de 1875 87


Italianos no Vale do Rio Itajaí (expansões da Colônia Blumenau) 87
Rio dos Cedros
“Picada de Rodeio”
Ascurra
Apiúna
Colônia Luís Alves

Vale do Itajaí-Mirim e do Tijucas (italianos na Colônia Brusque) 88

Região Sul 89
Colônia Azambuja
Colônia Grão-Pará
Colônia Jaraguá

Eslavos em Santa Catarina 91


Reflexos da política colonizadora da 1ª República em Santa Catarina 95
A Colônia Federal Lucena
A Colônia Nova Veneza

A Sociedade Colonizadora Hanseática 96


Colônia Hansa

Síntese da Imigração em Santa Catarina 103


O poder público e os empreendimentos migratórios 104
A implantação das colônias 106
Imigrantes e nativos 108

As enchentes 112

As estruturas básicas das colônias 113

Resultados da imigração em Santa Catarina 115


A situação atual 116

O PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE 119

O modelo de ocupação do território 121


Núcleos urbanos 124
Áreas rurais 129
A arquitetura das diversas regiões de imigração em Santa Catarina 131
Materiais 132
O uso da terra e cal
Materiais Cerâmicos
O uso da madeira
O uso da pedra
O uso do metal

Sistemas e técnicas construtivas 142


Estruturas em enxaimel
Estruturas autoportantes
Alvenaria de tijolos
Alvenaria de pedra
Construções em madeira

Características regionais 160


Região da Colônia São Pedro de Alcântara
Vale do Itajaí e Nordeste de Santa Catarina
Sul do estado
Norte

Funções da arquitetura 171


Arquitetura comercial
Arquitetura religiosa
Arquitetura recreativa
Cemitérios
Arquitetura residencial

A casa do imigrante e a pequena propriedade rural 196


Implantações
O abrigo
A planta básica
Organização e variação de plantas
A evolução da casa
Os ranchos e anexos
O jardim, o pomar e a horta

Detalhes construtivos 223


Pisos
Forros
Encaixes
Colocação de tijolos
Ornamentos em argamassa
Esquadrias
Escadas
Guarda-corpos
Lambrequins

Ornamentação interna 241


Pinturas
Bens móveis
O patrimônio imaterial 249
A língua 249

Culinária e hábitos alimentares 252

Festas 258

A tradição dos grupos folclóricos 259

Produção artesanal 260

A proteção do patrimônio dos imigrantes:


os Roteiros Nacionais de Imigração 263
Especificidades - A Paisagem Cultural das Regiões de Imigração 264

Abrangência 272

Critério de Seleção das Unidades 274

A implementação dos Roteiros Nacionais de Imigração 276

Mapeamento das regiões e localização dos bens 279


Mapas 1 e 2 (Ascurra, Indaial, Rodeio e Timbó) 282

Mapa 3 (Benedito Novo e Timbó) 295

Mapa 4 (Pomerode, Rio dos Cedros e Timbó) 299

Mapa 5 (Blumenau e Pomerode) 305

Mapas 6 e 7 (Jaraguá do Sul) 316

Mapa 8 (Joinville) 322

Mapa 9 (São Bento do Sul) 328

Mapa 10 (Guabiruba) 332

Mapa 11 (Urussanga) 334

Bibliografia 340
APRESENTAÇÃO

O FLUXO MIGRATÓRIO DO SÉCULO XIX

O PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE NO BRASIL


Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

12
Apresentação

Este trabalho procura apontar ao Brasil e aos brasileiros um


dos justos motivos que a Nação tem para acreditar em si, no seu futuro e na
capacidade de propor melhores dias aos seus cidadãos. Ele foi realizado pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em parceria com a
Fundação Catarinense de Cultura, a Lei de Incentivo a Cultura do Estado de
Santa Catarina e diversos municípios do estado, contando com a participação
de pesquisadores contratados.
Trata-se de apresentar mais um dos inúmeros contextos
culturais existentes no Brasil – esses riquíssimos mosaicos resultantes da in-
teração de tradições vindas dos mais diversos rincões do planeta ao ambiente
geográfico de nosso país continental. São verdadeiros tesouros vivos, repletos
de especificidades materiais e imateriais, que testemunham as diversas formas
de apropriação da natureza por homens e mulheres que aqui protagonizaram
episódios singulares e que, por suas particularidades, são únicos na história da
humanidade. É digno de atenção o fato de a civilização brasileira, por razões
que lhe são próprias, haver trazido ao mundo a possibilidade concreta de
comprovar que os seres humanos, com suas diversas bagagens de tradição e
de cultura, podem viver em paz e harmonia em um mesmo espaço geográfico,
integrando uma grande nação.
Que não se veja nestas palavras um mero rasgo de ufanismo
anacrônico. Os fatos que explicam a história e a vastidão do patrimônio cul-
tural do Brasil freqüentemente são trágicos e baseados na força, na opressão,
na injustiça e na desigualdade. Mas é também inegável que esse conglomerado
populacional a que podemos chamar de povo brasileiro soube extrapolar, sob
realidades políticas e sociais hoje inadmissíveis, a pequenez dos dominantes e a
rigidez de seus credos. O mundo reconhece com espanto o que parece ser uma
alegria inata, uma capacidade criativa inusitada e uma dimensão extraordinária
da beleza humana. Como compreender, por exemplo, que sejam justamente
os meninos e meninas do Brasil, muitos nascidos em situações de pobreza, os
esportistas de diversas modalidades que mais se esmeram em passear pelos
palcos do planeta com a sua bandeira multicolorida, como que dividindo o júbilo
com o seu povo, a cada conquista? Não se trata de arrogância, de pretensão,
nem de patriotismo caduco e exacerbado. São simples gestos que expressam
sentimentos difusos, como noções de pertencimento, de auto-estima, e também
de retribuição à gente sofrida que forma o conjunto do povo brasileiro: quase
um consolo pelo muito que sabemos valer, pelo tanto que é necessário reparar
e pelo pouco que nos é dado avançar.
Quando pensamos o Brasil para o futuro, os contextos pre-
servados do passado precisam ser vistos como trunfos do desenvolvimento
verdadeiro: o que atinge o âmago dos cidadãos, o que enaltece o ser humano
em seus valores maiores, o que lhe confere dignidade e o faz assumir a sua
dimensão espiritual inata. Nessa perspectiva, a identidade e as características
culturais de cada grupamento humano devem ser tratadas como bases indispen-
sáveis a um verdadeiro projeto nacional. Não quer dizer que todos os valores

13
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

herdados, por definição, precisam ser mantidos pela simples consagração de


sua antiguidade. A mudança é obrigatória, mas ela pressupõe uma trajetória e
uma direção próprias. Só assim será verdadeiramente possível avançar. Não quer
dizer, tampouco, que se deva esquecer ou relegar a segundo plano as mazelas
da história e as dificuldades presentes da nação. Ao contrário. O esforço de
refletir, corrigir e reparar precisa ser permanente.
Do ponto de vista histórico, estigmas e incompreensões não
devem ocultar o fato de que criamos uma civilização específica. O desconhe-
cimento desse fato tem freqüentemente desviado os modelos e as visões de
desenvolvimento que o Brasil tem perseguido, quase sempre apegados apenas
a parâmetros econômicos e esquecidos dos valores humanos maiores. Quando
esses modelos globalizados são implantados simploriamente, quase sempre
trazem, como conseqüência, a desarticulação de contextos estabelecidos. E,
em vez de ocorrerem transformações positivas, reacomodam-se as injustiças
e redefinem-se novas formas de concentração de poder e riqueza.
Quando vamos atentar para a dimensão e a qualidade das
conquistas humanas ocorridas no Brasil, para as especificidades que se cria-
ram e para o papel que elas devem ter na superação de nossos problemas e
deficiências?
É claro que não podemos, nem precisamos – e muito menos
devemos – aspirar a começar tudo de novo. É preciso reconhecer e valorizar,
em sentido amplo, as conquistas e os patamares alcançados e, ao mesmo tempo,
refletir criticamente, com seriedade e isenção, sobre a adequabilidade da nossa
herança coletiva ao mundo melhor e mais justo a que aspiramos. Eis o desafio:
vencer a tentação fácil de um recomeço idealizado e aventureiro, comprome-
tido mais com ilusões e desamores do que com o sentido maior de trajetória,
e ir adiante, para a evolução e superação que merecemos, a partir de alicerces
sólidos e confiáveis, capazes de sustentar um futuro que, mais fraterno, tenha
o ser humano como referência.
É o que pretende este trabalho. Apresentar ao Brasil um de
seus patrimônios – mostrado quase por inteiro –, partindo dos parâmetros
geográficos de sua terra e históricos de sua gente. Reconhecido esse patrimônio,
torná-lo um macro-instrumento sócio/econômico/cultural para gerar riquezas,
proporcionar trabalho, reconhecer e valorizar especificidades, ampliar qualidade
de vida e aperfeiçoar parâmetros ambientais.
Trata-se identificar e valorizar o Patrimônio Cultural derivado
dos imigrantes oriundos de países como Alemanha, Itália, Polônia e Ucrânia,
entre vários outros.
Um patrimônio que possui a mesma natureza, que se soma a
muitos outros e que as vicissitudes da história permitiram que chegasse quase
intacto até o século XXI.
Percorrendo o imenso território do Brasil, encontramos,
quase que a cada parcela do espaço geográfico, uma diferente expressão da
miscigenação e da adaptação de diversas tradições culturais milenares. Ocor-
rem-nos as grandes concentrações da Bahia, do Rio de Janeiro e do Maranhão,
onde predominam especialmente as tradições trazidas da África negra. Quanta
riqueza a ser reconhecida, que grande contribuição pode ali ser buscada! Além
das reparações que precisam ser efetivadas pela indesculpável mancha da es-

14
Apresentação

cravidão, como desconhecer o valor da contribuição dos que foram trazidos


ao Brasil como escravos e souberam, mais do que os outros, impregnar com a
força da sua tradição o conjunto das manifestações culturais do Brasil?
E que dizer das áreas onde predominam as manifestações dos
donos originais da terra, os indígenas, com a gama de tradições autóctones
e com a bagagem cultural derivada do íntimo convívio do indivíduo com a
natureza e suas benesses? Não são esses elementos vitais na procura – e no
encontro – de um caminho verdadeiro para o Brasil?
E que dizer das manifestações que distinguem tipos humanos
genuínos e autênticos, forjados na interação das raças, no bojo das histórias
e das tradições regionais? Tais como os jangadeiros, os gaúchos, os vaqueiros
de tantos rincões diferentes, dos campos do Piauí e dos sertões da Bahia, até
as pradarias de Goiás e do Mato Grosso? E dos descendentes dos tropeiros
e dos jagunços, com tradições que se estendem do Rio São Francisco aos
pampas do Rio Grande?
E dos filhos de japoneses e italianos que sucederam aos escra-
vos nos cafezais do século XIX e embasaram o crescimento urbano e industrial
da moderna São Paulo? E dos portugueses, que em tempos relativamente
recentes, vieram somar-se a seus patrícios que aqui haviam chegado há meio
milênio? E dos numerosos espanhóis, antigos adversários, que escolheram esta
terra para viver, engrossando principalmente as fileiras urbanas de Salvador e
do Rio de Janeiro, entre várias outras capitais brasileiras? E os nipo-brasileiros
que, originários do outro lado do planeta, disseminaram o café pelas planícies
paulistas e pelo até então quase desconhecido norte do Paraná?
Quando o assunto são o desenvolvimento e a justiça social no
Brasil, o que valem as experiências de vida, os lentos aprendizados, as histórias
e os acúmulos culturais dos seringueiros, dos pescadores, dos vaqueiros, dos
que atuam nos canaviais e dos que labutam na obtenção e no uso do couro, os
que transformam o algodão em tecido, os que tecem rendas, bordam toalhas,
fazem redes de dormir, trançam esteiras e balaios?
E os que, todos os dias, preparam as admiráveis peixadas,
temperam os acarajés, catam mariscos, mexilhões, guaiamus, caranguejos, siris,

15
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

fabricam as farinhas e aguardentes, salgam a carne, mexem os pirões, plantam,


colhem e adicionam os temperos, semeiam as saladas?
E os inúmeros brasileiros que distribuem todas essas riquezas?
Quantos milhares de feiras, de pequenos mercados, de botecos, de comerciantes
e biscateiros, que passam a vida oferecendo uma inacreditável gama de produtos,
enganando incautos, pesando, apregoando, regateando – dando o troco!
E, ainda, que dizer dos que fazem música, dos repentistas,
dos muitos milhares que fazem de um violão, de violas, gaitas e acordeões, os
instrumentos de emoções e devaneios?
O Brasil transborda de música, de risos, de sabores e odores,
entre a brisa fresca e o sol brilhante. É lastimável que essas maravilhas estejam
ainda mescladas com a dor, com o medo, por vezes com a fome, e as mais
diversas adversidades e injustiças, em especial a intolerância e a segregação.
Como repará-las? Esquecendo a cor, a diversidade e a alegria?
Aqui falaremos sobre uma das vertentes que formam e tornam
excepcional o Brasil moderno. É preciso que o país se debruce sobre cada uma
delas, preservando-as no mesmo movimento de quem se reconhece, corrige,
renova e valoriza. Porque potencializar o seu patrimônio é, sem dúvida, um
dos requisitos do verdadeiro desenvolvimento brasileiro.

16
Apresentação

O FLUXO IMIGRATÓRIO DO SÉCULO


XIX

No Brasil, costuma-se agrupar, sob a denominação genérica


de imigração, os fluxos populacionais induzidos, proporcionados por contin-
gentes provenientes principalmente da Europa e da Ásia. Esses fluxos imigra-
tórios começaram nos primeiros anos do século XIX e se incrementaram no
período que vai de 1850, após o término da Guerra do Paraguai, até meados
do século XX, quando eclodiu a Segunda Grande Guerra Mundial.
Na segunda metade do século XX, predominou a pequena
escala dos deslocamentos, conferindo um caráter quase pessoal (ou familiar)
à imigração. A participação e o estímulo do Estado praticamente desaparece-
ram, e tanto os empreendimentos públicos quanto os particulares tornaram-se
raros. Até a década de 1980 ainda foi intensa a chegada de novos imigrantes,
mas, desde então, a tendência migratória inverteu-se, e um crescente número
de brasileiros tem sido levado a buscar melhores condições de vida em outros
países. De nação longamente estruturada para receber, o Brasil subitamente
tornou-se fonte emissora da mão-de-obra jovem, que parte em busca das
oportunidades que a sua terra não lhes soube proporcionar.

----

A base da história da imigração está nas oportunidades que


o conhecimento e a conquista de novos espaços geográficos proporcionaram
depois das grandes navegações do século XV e XVI, bem como na reacomo-
dação, primeiro da Europa e depois dos demais continentes, às transformações
provocadas pela Revolução Industrial.
As descobertas marítimas do século XVI conectaram os euro-
peus com os demais continentes, no momento em que os lucros do comércio
e os avanços tecnológicos na construção de navios e na artilharia permitiram
que os ocidentais iniciassem um longo predomínio de meio milênio sobre o
planeta. Este domínio global provocou relações intensas que buscavam ajustar
o mundo aos ditames da nova ordem econômica, social e política. Dentre as
ocorrências de maior alcance, registraram-se trocas populacionais de grande
monta, iniciadas com o deslocamento maciço de europeus para a Ásia, África,
Oceania e, principalmente, para as Américas. Concomitantemente, milhões de
negros africanos foram transpostos à força, como mão-de-obra escrava desti-
nada ao trabalho forçado nas colônias do Novo Mundo. Os povos autóctones

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Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

também sofreram mudanças abruptas: a maior parte dos indígenas foi morta
ou escravizada na América e na Oceania. Na África e no Oriente, boa parte do
território foi submetida ao domínio comercial e político dos europeus.
Essas alterações, que representaram a mudança de continente
de milhões de pessoas, sob as mais diversas condições, provocaram choques
terríveis e o quase extermínio dos povos originais da América e da Oceania,
além da transmutação forçada das levas de africanos.
Com a invenção da máquina a vapor, a humanidade começou a
romper os limites do indivíduo, da força dos seus braços, da tração dos animais
amestrados e mesmo das formas incipientes de captação da força da natureza,
como as rodas d’água, os moinhos e os barcos a vela. As transformações re-
sultantes liberaram forças sociais e econômicas incomensuráveis e ampliaram
o poder da Europa sobre os demais continentes.
Na Europa dos séculos XVIII e XIX, essas transformações
foram intensas e romperam relações seculares, provocando o crescimento
desenfreado e a explosão demográfica das cidades e a paulatina diminuição
populacional da área rural. Houve um quase colapso da agricultura e do arte-
sanato. Milhões de pessoas viram-se subitamente desalojadas de seus lugares
e de suas atividades tradicionais. A alternativa de engajamento na nova ordem
era duríssima: trabalho bruto e sem garantias, em jornada de trabalho acima
de 15 horas, vivendo sem qualquer garantia de trabalho, em condições mais
do que precárias de higiene, saúde e moradia.
Nesse contexto, a opção de milhões de pessoas foi emigrar.
O Brasil foi um dos lugares escolhidos, e Santa Catarina um
dos estados que mais se valeu das oportunidades surgidas para ampliar a ocu-
pação do seu território e aumentar seu contingente habitacional.

18
Apresentação

O PATRIMÔNIO DO IMIGRANTE NO
BRASIL

Desde os anos 1980, tem crescido muito o reconhecimento


da diversidade étnica de que é formado o Brasil. A noção, outrora tão pre-
sente, de uma pretensa homogeneidade da sociedade brasileira, em que a
predominância lusitana, somada ao índio e ao negro, bastava para explicar a
formação e as características históricas da Nação, praticamente desapareceu.
Efetivamente, a partir do século XIX, imigrantes provenientes de múltiplas
nacionalidades vieram ampliar extraordinariamente as contribuições que hoje
permitem caracterizar o Brasil como um país multiétnico, fruto da contribui-
ção populacional de praticamente todas as regiões do planeta. Iniciando por
europeus não-portugueses, em especial alemães, italianos, poloneses, belgas,
ucranianos, austríacos, húngaros e russos, aos que se juntaram japoneses, logo
seguidos por grande número de chineses, gregos e árabes, somados a fluxos
contínuos de portugueses e espanhóis, o fato é que, na atualidade, todos os
rincões do território nacional se apresentam variados em sua composição étnica,
e possivelmente não existe cidade ou povoado que não possua descendentes
dos imigrantes dos séculos XIX e XX.
De todas as regiões brasileiras, foi no Sul do Brasil que esses
novos contingentes tornaram sua presença mais manifesta. Em Santa Cata-
rina existiam condições especiais para a recepção aos imigrantes e ainda hoje
persistem possibilidades singulares de apresentar o contexto dessa história

A travessia do Atlântico à bordo


dos navios guardava uma série
de dificuldades, marcada por um
cotidiano de privações, doenças
e muitas mortes.
Nas novas terras, muitas cidades
foram originadas a partir
da chegada de milhares de
imigrantes.
A imagem ao lado mostra uma
das ruas de Joinville no início do
século XX.

FONTE IMAGENS: Suíços em Joinville


- o duplo desterro. Dilney Cunha

19
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

notável. O território não havia tomado parte de nenhum ciclo econômico que
justificasse, por si só, a sua ocupação. Até meados do século XVIII, ou seja,
quase 250 anos depois do Descobrimento, permanecia quase despovoado de
europeus e seus descendentes. Indígenas, escorraçados do litoral ou sobrevi-
ventes dos ciclos de apresamento indígena patrocinados pelos paulistas nos
séculos XVI e XVII, habitavam a vastidão de serras e planaltos. Aos olhos da
época, essa situação equivalia a um absoluto deserto demográfico, exatamente
na região onde primeiro portugueses e espanhóis, e depois brasileiros e platinos,
divergiam sobre seus pretensos direitos históricos e acerca das fronteiras que
deveriam marcar o seu convívio.
Sendo assim, vinha de longe a intenção lusitana de povoar o
atual estado catarinense.
A primeira iniciativa concreta de ocupação induzida deu-se
ainda no século XVII, quando as primeiras povoações estáveis foram fundadas
no litoral catarinense. Antes da metade do século XVIII, houve nova iniciati-
va, com a fortificação da Ilha de Santa Catarina e a criação da Capitania com
o mesmo nome. Poucos anos depois, em 1748, registrou-se a primeira ação
migratória clássica, que ocorreu com a vinda de casais provenientes das Ilhas
Atlânticas, em especial dos Açores. Décadas mais tarde, assinalam-se tentativas
de povoação com colonos portugueses.
Logo depois da Independência, quando o Brasil já passara pela
experiência de ter-se tornado sede do Império Português e abrira seus portos
às “nações amigas”, surgiram oportunidades para o ingresso de populações
não-lusas, a começar por alemães de diversas procedências. Essas primeiras
correntes de novos brasileiros, que chegaram por experiências pioneiras no Rio
de Janeiro, no Espírito Santo, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e na
Bahia, foram prejudicadas pelo conturbado período político das Regências. Os
episódios freqüentemente traumáticos dessa primeira fase foram, aos poucos,
superados, e a imigração para o Brasil conheceu momentos de grande inten-
sidade a partir de meados do século XIX, tornando-se um fluxo contínuo, só
atenuado a partir da segunda metade do século XX.
Durante a Segunda Grande Guerra, o mosaico étnico que
caracteriza Santa Catarina e o Sul do Brasil foi colocado sob suspeição, re-
gistrando-se, então, inúmeras ações governamentais, justificadas ou não, de
repressão às manifestações culturais dos imigrantes, em especial alemães,
italianos e japoneses.
Seguiu-se o conturbado período histórico do pós-guerra,
marcado no plano nacional pelo nacionalismo de Vargas, o otimismo desen-
volvimentista de Juscelino e os anos de chumbo da ditadura militar, em que o
milagre brasileiro e o desenvolvimento a qualquer custo ainda atraíram levas de
imigrantes de diversas procedências ao país. Nos anos seguintes, o preço pelos
devaneios econômicos impôs sua lógica perversa e o Brasil teve seu crescimento
estagnado, com a redução drástica da capacidade de gerar novos empregos.
Ao mesmo tempo, o regime de força e a ausência de liberdade
política tornavam praticamente impossível uma compreensão mais aberta e
democrática da nação e da sociedade brasileira.
Encerrado o regime militar, abriu-se espaço para uma visão
menos simplista e muito mais reflexiva sobre o país. Aos poucos, a obsessão

20
Apresentação

totalitária por um crescimento globalizado cedeu espaço ao reconhecimento


das especificidades, que passaram a ser vistas como potenciais, ligados a iden-
tidades, tradições e diferenciais que chegaram a particularizar cidades e regiões
inteiras do país.
O patrimônio dos imigrantes enfrenta sérios desafios na
atualidade. Não bastassem as tendências globalizantes do mundo moderno,
em Santa Catarina as rápidas transformações sócio-econômicas, em especial
a decadência da pequena agricultura, provocaram o abandono de muitas das
propriedades rurais. Como resultado, registra-se o desaparecimento de vários
dos exemplares arquitetônicos e dos conjuntos urbanos e rurais mais impor-
tantes, colocando todo esse contexto cultural em séria condição de risco. A
situação exige uma ação rápida e enérgica por parte das autoridades e dos téc-
nicos envolvidos com a preservação do patrimônio cultural, com a assistência
e o desenvolvimento agrícola e com os próprios parâmetros de qualidade de
vida da população catarinense. Embora diversas obras de manutenção e res-
tauração tenham sido realizadas nos últimos tempos, essas ações, praticadas
principalmente pelo IPHAN e por alguns municípios, não puderam garantir a
sobrevivência integral desse enorme patrimônio – único e insubstituível. Há
evidente necessidade de uma postura nacional de preservação, conservação e
restauração do patrimônio dos imigrantes, competentemente partilhada entre
o IPHAN, o Estado de Santa Catarina e os municípios envolvidos.

Retaratos do cotidiano das


famílias de descendentes de
imigrantes. As várias gerações,
o cuidado com os animais, as
crianças, os afazeres domésticos.

FONTE IMAGENS: Edição da


Comissão de Festejos “Centenário de
Blumenau”

21
CONTEXTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO

A EUROPA

O BRASIL NO SÉCULO XIX


Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

A EUROPA

Iniciando-se pela Inglaterra, a Revolução Industrial mudou


radicalmente o mundo, que, desde então, vem trocando a força e a escala do
homem pelas infindáveis possibilidades da máquina. Alteraram-se as relações
de trabalho, inflaram-se as cidades, rompeu-se o predomínio da vida agrícola
sobre a urbana, mudaram os produtos, sua quantidade, o comércio em geral
e as possibilidades de acesso da população aos bens de consumo. As rápidas
transformações de Londres ilustram o período.
Leonardo Benevolo, que enquadra a Revolução Industrial
como “uma das passagens fundamentais da história humana” – juntamente com
a revolução agrícola neolítica e a revolução urbana da Idade do Bronze – ,relata,
em sua História da Cidade, que “Depois da revolução de 1689, a monarquia
constitucional inglesa se torna em breve tempo a primeira potência econômica
da Europa; Londres substitui Amsterdã como centro do comércio e da finança
mundial, e cresce até tornar-se a maior cidade da Europa; em meados do século
XVIII é maior do que Paris e em fins do século XVIII é a primeira cidade
ocidental que chega a um milhão de habitantes”. Benevolo comenta que, em
1851, a população de Londres já alcançava a cifra de dois milhões e meio de
pessoas, “superando qualquer outra cidade do mundo antigo e moderno”.
Essa tendência alcançou as cidades inglesas e espalhou-se pelo
mundo. Em 1760, Manchester tinha 12.000 habitantes; na metade do século
XIX, alcançava 400.000.
O Atlas da História do Mundo, editado por Geoffrey Barra-
clough e originalmente publicado pela Times Books – no Brasil pela Folha
de S. Paulo –, traz um ponto de vista interessante, tanto pelo panorama geral
que oferece, quanto pelo contato com uma visão tipicamente norte-americana
do assunto:
“Estima-se que no século XIX a população mundial tenha
crescido mais rapidamente do que em qualquer outro período até então: de
cerca de 900 milhões para 1,6 bilhão de habitantes (no século XX iria crescer
quatro vezes mais). A população da Europa cresceu de 190 milhões para 423
milhões. Entre 1810 e 1910, os povos europeus – emigrantes e seus descenden-
tes – estabelecidos nas Américas do Norte e do Sul, Austrália, Nova Zelândia
e Sibéria e as populações dessas regiões aumentaram de 5,7 milhões para 200
milhões. Nos cem anos anteriores a 1914, a população dos três principais países
industrializados (Reino Unido, Alemanha e EUA) aumentou quase cinco vezes.

24
Contexto histórico e geográfico

Neste quadro de crescimento há exceções como a Irlanda, que sofreu uma


redução de população de 8,2 milhões em 1841 para 4,4 milhões em 1911.
Vários fatores contribuíram para o aumento da população
no século XIX. Na Europa, nos EUA e nas colônias e áreas de influência dos
Estados europeus, métodos aperfeiçoados de produção industrial e agrícola
aliados a meios de comunicação eficientes forneceram trabalho e alimento para
populações em crescimento. A extração mineral e a agricultura praticadas pelas
potências coloniais em seus territórios ultramarinos abasteceram de matéria-
prima e alimento os países industrializados. Grã-Bretanha, França e Alemanha
não foram atingidas pelas grandes fomes que flagelaram a Irlanda em 1847, a
Índia em 1866 e 1877, a China em 1878 e a Rússia em 1891.
O progresso na Medicina e a adoção de melhores padrões
de higiene pessoal reduziram as taxas de mortalidade por cólera, tuberculose,
varíola, tifo e febre tifóide. O crescimento demográfico não aconteceu de
modo uniforme em áreas urbanas e rurais. A expansão de antigas cidades, a
criação de novos centros urbanos e a redução da população nas áreas rurais
são características da era industrial. As populações de algumas cidades cuja
história remontava os tempos medievais – Londres, Colônia, Lion, Moscou,
e outras - aumentaram muito no século 19. Pequenas aldeias ou cidades que

Navio dos Imigrantes, 1939-41.


Tela de Lasar Segall retratando o
convés de um dos muitos navios
de imigrantes que vieram para o
Novo Mundo.

sequer existiram no século anterior surgiram como grandes centros indus-


triais, comerciais ou mineradores. Middlesbrough e Barrow, no Reino Unido;
Gelsenkirchen, Oberhausen e Königshütte, na Alemanha; Lodz, na Polônia e
várias cidades nos EUA e nas colônias britânicas foram exemplos desse tipo
de crescimento.
As populações não apenas cresceram mais rapidamente no
século XIX, mas também migraram em escala considerável. Milhões de pes-
soas se transferiram da Europa para os EUA ou para as colônias britânicas na
América do Norte, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, formando comu-
nidades brancas que produziam para os países de origem. A “europeização”

25
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Mapa apresentando as divisões


do Império Alemão entre 1866
e 1871.

de territórios de ultramar foi fator significativo para o aumento da influência


política dos principais Estados europeus em todo o mundo. Migrações dentro
de Estados ou regiões incluíam deslocamentos de trabalhadores em busca de
emprego, quer no campo durante as colheitas, quer nas cidades para trabalhar
em fábricas, minas ou obras públicas. Irlandeses buscavam trabalho em Liver-
pool, Manchester e Glasgow. Poloneses transferiram-se para as minas de carvão
do Ruhr. Algumas migrações foram de caráter temporário. Os irlandeses que
iam à Inglaterra e à Escócia para colher batatas retornavam às suas cidades
quando a colheita chegava ao fim. Trabalhadores sazonais italianos iam traba-
lhar na França, Alemanha, Suíça e até na Argentina. Estima-se que em 1914
existiam 3 milhões destes operários migrantes. Na Rússia alguns camponeses
conseguiam emprego em fábricas no inverno e retornavam às lavouras no verão.
Migrações de um país para outro, devido às longas distâncias, costumavam
ser permanentes.
Entre os que deixaram sua terra natal, havia os transferidos
compulsoriamente. Condenados foram levados da Inglaterra para a Austrália
até 1867 ou da França para a ilha do Diabo. Da mesma forma, presos políti-
cos russos foram exilados na Sibéria e escravos negros embarcados da África
Ocidental para as Américas ou de Zanzibar para a Arábia. O comércio escravo
no Atlântico, embora proibido por acordos internacionais após as guerras
napoleônicas, subsistiu, ainda que em escala reduzida, até a metade do século
19. Só na década de 1890 o comércio escravo árabe da costa oriental da África
foi extinto.
Dois fatores influenciaram a migração e o destino dos migran-
tes. Primeiro, as condições na terra natal eram insatisfatórias e, segundo, EUA,
Canadá, Austrália e Nova Zelândia tinham muito a oferecer aos novos colonos.
Alguns emigraram por perseguições religiosas ou políticas. Liberais alemães
hostilizados pela polícia de Metternich ou judeus russos que temiam por suas
vidas encontraram refúgio nos EUA. Mas a maior parte dos emigrantes da
Europa buscava um novo lar, enfrentando perigos e dificuldades para cruzar
o Atlântico em direção à América do Norte. Os irlandeses, que emigraram
à época da grande fome de 1847, e os camponeses alemães, que abandona-
ram suas pequenas propriedades em Baden e Württenberg um ou dois anos

26
Contexto histórico e geográfico

depois, nada tinham a perder. Sempre que ocorria uma recessão econômica
nas regiões industriais da Europa, certo número de desempregados emigrava.
Terra barata ou até gratuita para agricultores, boas perspectivas de emprego
em mineração e na indústria, além da existência de instituições democráticas,
faziam dos EUA uma terra prometida. A esperança de fazer fortuna levou
milhares de imigrantes para a América e Austrália durante as corridas do ouro
da Califórnia (1849) e Victoria (1851).
Na primeira metade do século 19, o grosso da emigração
européia partiu do Reino Unido (2,4 milhões) e Alemanha (1,1 milhão). Na
segunda metade do século, aos imigrantes do Reino Unido (9,5 milhões) e
Alemanha (5 milhões) vieram juntar-se a outros da Itália (5 milhões), países
escandinavos (1 milhão), Bélgica, Espanha e Bálcãs. Os ingleses foram para
os EUA e colônias britânicas e os alemães dirigiram-se à América do Sul (em
especial ao Rio Grande do Sul, Brasil) e aos EUA (Pensilvânia e Estados do
Meio-Oeste). Emigrantes franceses se localizaram na Argélia; italianos, na
Tunísia e Argentina; e russos, na Sibéria. Estima-se que o grupo branco da
população mundial cresceu de 22% em 1800 para 35% em 1930.
Também ocorreram grandes deslocamentos demográficos
na Ásia e através dos oceanos Índico e Pacífico. A partir da China houve um
fluxo contínuo de colonos para o Sião (Tailândia), Java e península da Malásia.
Chineses também emigraram para a Califórnia, Colúmbia Britânica e Nova
Gales do Sul. Vindos da Índia, os emigrantes cruzaram o oceano Índico em
direção a Natal (África do Sul) e África Oriental. Na África Oriental Britânica,
terminaram superando os brancos em número e, provavelmente, em riqueza.
Alguns imigrantes chineses e indianos, porém, eram trabalhadores braçais con-
tratados por empreiteiros por prazo fixo para trabalhar em minas, plantações
ou obras públicas. Este sistema de mão-de-obra contratada dava margem a
graves abusos que somente aos poucos foram sendo eliminados.”
No caso da imigração para Santa Catarina, predominaram,
primeiramente, os imigrantes provenientes da Alemanha.

Mapa da colônia Rio Novo, com


pequenos textos de propagandas
nas bordas, em diversas línguas,
incentivando os colonos a
emigrarem. Do Engenheiro C.
Cintra, Espírito Santo, 1872.

27
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

.Segundo Jorge Luiz da Cunha, em seu artigo sobre as cau-


sas da vinda dos imigrantes alemães para o Brasil 1, os rearranjos internos da
sociedade alemã iniciaram-se ainda no século XIII e entraram em fase aguda
no século XIX. Uma série de distúrbios teria marcado o estabelecimento da
Confederação Alemã (com sede em Frankfurt), após o Congresso de Viena
realizado, em 1815, para reorganizar a Europa depois da derrota de Napoleão
Bonaparte. Profundas transformações apontadas pela expansão do capitalismo
sobre um quadro de declínio do feudalismo caracterizaram os primeiros passos
rumo à unificação alemã.
As décadas de 1820 e 1830 marcariam o início da Revolução
Industrial alemã, que alcançou seu ápice logo após a unificação em 1871, pro-
vocando uma crescente urbanização, acompanhada de um também crescente
esvaziamento do campo.
Em 1800, apenas Berlim e Hamburgo tinham mais de 100 mil
habitantes; nenhuma outra cidade alemã ultrapassava 200 mil. Em 1850, Berlim
tinha 400 mil e Hamburgo, Breslau, Munique, Dresden e Colônia tinham entre
100 mil e 150 mil. Em 1870, dez cidades tinham mais que 100 mil habitantes
e Berlim tinha quase 1 milhão.
O processo de expansão capitalista iniciou-se na Alemanha
muito antes do século XIX, mais nitidamente no oeste e no sul, onde a decom-
posição das estruturas feudais libertou camponeses e artesãos, colocando-os à
disposição do mercado como vendedores da sua força de trabalho. O declínio
do feudalismo nos estados alemães ocidentais se intensificou sob a influência
das idéias revolucionárias francesas de 1789 e do ideário liberal bonapartista.
Foi nas províncias do Reno-Westfália que o Estado prussia-
no teria concentrado forças para o desenvolvimento de uma fabulosa zona
industrial. Essas províncias contavam com cidades importantes, com longa
tradição de autonomia municipal, comércio e manufatura, e ali se encontravam
enormes jazidas minerais.
O desenvolvimento de uma economia de mercado destruiu
todas as formas econômicas autônomas e sociais e as vinculou ao mercado.
Os camponeses que trabalhavam para si mesmos foram substituídos por um
novo tipo de população rural – produtores de mercadorias agrícolas e operários
agrícolas assalariados. Esses trabalhadores transformaram-se em consumidores
da produção industrial, retroalimentando o processo que os produziu como
categoria. O complexo processo de reacomodação resultante dessas mudanças
criou um contingente de milhões de desalojados, que não conseguiam espaço
de vida e trabalho no novo sistema. Para muitos, a alternativa mais promissora
era emigrar.

28
Contexto histórico e geográfico

O BRASIL NO SÉCULO XIX

Desde o início do século XIX ocorreram transformações


consideráveis na história, na economia e na sociedade brasileira. Um dos mais
fechados países do planeta, tratado com grande avareza pelo decadente império
português, viu-se surpreendentemente alçado à condição de sede do império e
moradia da própria família real. Além do impacto provocado pela presença de
quase 15 mil pessoas ligadas à corte no Rio de Janeiro, a abertura dos portos
aos navios e ao comércio inglês teve como resultado o verdadeiro início da
comunicação do Brasil com o mundo da época. Os recém-chegados membros
da aristocracia lusitana surpreenderam-se com os costumes e as vestes – que
consideraram ridiculamente arcaicas – que então se usavam no Brasil, em espe-
cial em São Paulo. Não era de espantar. Imprensa e indústrias eram proibidas.
O comércio era virtual monopólio de Portugal e seus navios. As licenças para
o ingresso de estrangeiros eram raras. A economia era baseada na escravidão;
a igreja, onipresente nos negócios do estado e na vida dos cidadãos.

A chegada da Família Real


ao Rio de Janeiro, em 1808,
resultou na abertura dos portos
brasileiros, fator que possibilitou
definitivamente a vinda maciça
de imigrantes ao país.

Os navios estrangeiros, que obtiveram licença para operar logo


que a família real chegou ao Brasil, renovaram os estoques de bens disponíveis e
alteraram hábitos de vida arraigados. Os próprios dirigentes portugueses toma-
ram medidas renovadoras importantes, como a organização da Missão artística
francesa, a criação do Banco do Brasil e a abertura da Biblioteca Real.

Quando, poucos anos depois, os ventos políticos da Europa


levaram os governantes de volta para Portugal, o Brasil já era uma nação de

29
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

fato. Teria sido o próprio monarca quem, depois de tomar a decisão de deixar
na América seu filho mais velho, herdeiro do trono lusitano, sugeriu que ele
próprio encabeçasse um eventual movimento de independência.

Veio a separação e, com ela, uma curta guerra entre Brasil e


Portugal, o que não impediu a coroação do próprio Bragança como primeiro
Imperador do país recém-nascido – sem perder os direitos ao trono europeu.
O jovem mandatário determinou a substituição do vermelho e verde, tradi-
cionais cores de Portugal, pelo verde e amarelo do Brasil, mas, segundo seus
detratores, pouca coisa teria mudado afora isso.

Enquanto D. Pedro II não


alcançava a maioridade, o país
foi governado por regentes.
Durante a Regência Trina a
experiência com as colônias de
imigrantes se intensificou.

Quadro “Juramento da Regência


Trina”. Araújo Porto Alegre. Museu
Imperial - Petrópolis/RJ.

D. Pedro I mostrou-se um político instável e autoritário, acu-


sado de manter os interesses portugueses em privilégio, e logo perdeu a grande
popularidade que acumulara. Com dificuldades para lidar com o momento
político assinalado pelo final do absolutismo, o Imperador, desgastado e no
centro de enorme descontentamento, abdicou do trono. A desordem política
que se instaurou só foi amenizada quase uma década depois, com a posse
antecipada de seu filho, o segundo Imperador, então um menino de quinze
anos de idade. Foi nesse conturbado período entre os dois reinados, quando
o governo foi exercido por políticos a título de regentes, que surgiram as pri-
meiras experiências com imigrantes. Como se poderia prever, os resultados
foram desalentadores, devido exatamente ao clima de instabilidade política, que
conturbava o país e trazia, consigo, desordem administrativa e financeira.

Ao contrário do pai, o Imperador Pedro II, embora de caráter


conservador, era culto e contemporizador. Um longo reinado de aproximada- Litografia de Debret, de
mente meio século, cuja primeira parte foi tomada por lutas internas e externas, aproximadamente 1826,
representando a Colônia Nova
trouxe para o Brasil décadas de dificuldades suplementares. No campo inter- Friburgo. Primeira colônia
no, foi preciso combater revoltas que ameaçavam a integridade nacional; no fundada no Brasil, no ano de
1819 na Província do Rio de
externo, enfrentar a Guerra do Paraguai – que o país não queria e para a qual Janeiro, era formada na maioria
não estava preparado. Entretanto, depois de 1850, livre das conflagrações e por colonos suíços. As primeiras
experiências com colônias
embalado pelas divisas do café, o país pôde enfim retomar o desenvolvimento de imigrantes enfrentaram
para o qual parecia predestinado. dificuldades de implantação e
adaptação - como também foi
o caso da Colônia Leopoldina,
Esse novo momento foi extremamente propício à imigração. na Bahia - e não obtiveram
Em cinqüenta anos, o ritmo de chegada dos imigrantes cresceu vertiginosa- o mesmo sucesso daquelas
que foram posteriormente
mente. A política do Segundo Império possibilitou, entre 1840 e 1890, consi- implementadas no sul do país.

30
Contexto histórico e geográfico

derável desenvolvimento ao país, mas não foram alterados o caráter agrícola da


economia nem a base de trabalho em que esta se apoiava: a escravidão negra.
Por décadas, o trabalho livre conviveu com o braço escravo, circunstância que
dificultou a arregimentação de imigrantes – amedrontados por notícias que
acenavam com o cativeiro assim que pisassem no Brasil. Quando finalmente
foi abolida a escravidão, a monarquia foi derrubada e o país atravessou novas
tribulações políticas, ocorridas já sob a égide do novo governo republicano,
cujos primeiros anos foram tumultuados por motins militares, golpes de estado
e revoluções. Ainda assim, o ritmo do acesso de novos imigrantes quase não se
alterou, com registro de novos recordes até a conflagração da Primeira Grande
Guerra. Superado o conflito, a imigração conheceu novo surto, até que a Se-
gunda Guerra veio encerrar o período clássico das imigrações para o Brasil.

31
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

AS POLÍTICAS DE COLONIZAÇÃO

Havia muito se discutia a conveniência de receber, também


no Brasil, trabalhadores livres, que mudassem pouco a pouco a característica
escravocrata da sociedade colonial. No notável trabalho intitulado História
Geral da Civilização Brasileira, Sérgio Buarque de Holanda atribui ao sempre
perspicaz Marquês de Pombal a iniciativa de “criar, tanto no extremo norte
quanto no sul, por intermédio de colônias uma classe média, econômica e
socialmente independente dos latifundiários”. As primeiras experiências com
açorianos, no norte, frustraram-se, principalmente em função da mentalidade
que considerava o trabalho manual humilhante ao homem branco, apesar de
cada colônia ser dirigida por um inspetor – oficiais ativos que “Sobretudo
deviam evitar que os colonos se dedicassem ao abominável vício da preguiça
nem ao outro igualmente pernicioso que é o desprezo do trabalho manual”.
A vinda da família real portuguesa, com seu forçado sopro
liberalizante, trouxe os navios estrangeiros aos portos nacionais, até então ex-
ceção no virtual monopólio exercido pela bandeira lusitana. Abria-se o Brasil
para o mundo e, desde 1808, um decreto permitia, pela primeira vez, a imigra-
ção de não-lusitanos. Era natural que, podendo vir ao país, alguns estrangeiros
acabassem se fixando nele. Sob a influência de seu Ministro Tomás Antônio
de Vilanova Portugal, o Príncipe Regente assinou Carta Régia considerando
que “o real serviço e o bem estar do povo exigiam lavoura e colonização que
são medíocres nestes estados”, para “promover e dilatar a civilização do vasto
reino e o acrescimento de habitantes afeitos aos diversos gêneros de trabalhos
com que a agricultura e a indústria costumam remunerar os estados que os Cartaz de contra-propaganda à
imigração alemã para o Brasil
agasalham”2. Os relatos negativos contribuíram
para criar uma imagem negativa
Em 1820 foi formulado um decreto dirigido “aos diversos do Brasil.
povos da Alemanha e outros Estados”. Em seguida, colônias pioneiras foram O cartaz abaixo foi divulgado
em territórios alemães tentando
criadas no Rio de Janeiro e na Bahia, em relação às quais persistiam dúvidas demonstrar como seria a vida
sobre se eram baseadas no trabalho livre. Segundo Sérgio Buarque, a primeira dos colonos que viessem para
o país.
colônia com características efetivamente novas foi a de Nova Friburgo, no Rio
de Janeiro, formada com 1600 suíços, depois reforçada por 284 alemães. Os
delicados momentos políticos que se seguiram não impediram novas provi-
dências, impulsionadas por José Bonifácio e encorajadas, talvez, pela princesa
Leopoldina. Anteriores ao segundo reinado, foram fundadas várias colônias,
muitas vezes com a participação de soldados transformados em agricultores.
São Pedro Alcântara, em Santa Catarina, e São Leopoldo, no Rio Grande do
Sul, foram duas das mais importantes. Ainda segundo Sérgio Buarque, “Não
vieram os colonos em busca de aventuras, de ouro, do enriquecimento fácil,
para ‘fazer a América’ e para voltar enriquecidos quanto antes para a Europa;
não vinham também como indivíduos solteiros, e sim como chefes de família,
com a mulher e os filhos. Emigravam da pátria superpovoada por faltar-lhes a
oportunidade de um sucesso econômico ou pela incerteza de um futuro pro-
missor aos seus filhos; em todo o caso, pretendiam adquirir uma propriedade
agrícola e tornar-se economicamente independentes. Alguns vieram também
por motivos políticos, decepcionados com a política reacionária após as guerras
napoleônicas e atraídos pela Imperatriz conterrânea no trono e pelo Imperador
com a fama de liberal e constitucional”.

32
Contexto histórico e geográfico

Para o governo brasileiro, esse movimento internacional


atendia a diversas necessidades internas e externas.
Uma delas era de ordem estratégica e destinava-se a ocupar
áreas tidas como devolutas (eram habitadas por índios), situadas nos mal de-
marcados limites sul do Império. Era exatamente nessa região que se encontra-
vam as divisas com a Argentina, país que disputava com o Brasil a hegemonia
política e militar na foz do Rio da Prata. Desde os primórdios das navegações
na América, o Rio da Prata era ponto de divergência entre espanhóis e por-
tugueses. Ainda no século XIX, a área era considerada vital para os interesses
brasileiros, inclusive porque continuava sendo a principal via de acesso para a
vasta província do Mato Grosso.
Também não escapava, aos políticos e administradores da
época, que o crescimento populacional era um imperativo do momento, e que
a chegada de novos contingentes populacionais só poderia desenvolver o país e
abrir-lhe novos horizontes. Nesse período, o crescimento dos Estados Unidos,
inclusive como poderio econômico e militar, era um exemplo indesmentível do
impulso que os imigrantes poderiam trazer para os seus países de adoção.
Além de permitir a ocupação das áreas férteis consideradas
como vazios demográficos na época, ou abrir novas fronteiras agrícolas, a
chegada dos imigrantes atenuava uma questão vital: a substituição da força de
trabalho. O Brasil era das últimas nações a ainda admitir a escravidão e fazer
dela a sua forma básica de mão-de-obra e geração de riquezas. Sendo a estrutura
política quase que totalmente dominada pela elite dos grandes produtores rurais,
só a muito custo e com grande lentidão estabeleceu-se, no Brasil, a constatação
de que a era da escravidão chegara ao fim, e que o país precisava tomar medidas
drásticas para substituí-la pela nova força de trabalhadores livres.
Desde os tempos coloniais, a economia se baseava em pou-
cos produtos cultivados em enormes latifúndios, permitindo a concentração
da renda e do poder político. Esse setor produtivo, estabelecido em bases
que foram mantidas arcaicas para o período da revolução industrial, se opôs
com tenacidade à industrialização e demorou em assimilar a possibilidade do
trabalho assalariado. Houve capítulos de luta surda no governo imperial e nas
províncias, de oposição à imigração e ao que ela representava para o país, por
parte dos que defendiam abertamente a conveniência de o Brasil fortalecer-se
como fornecedor de produtos agrícolas.
Esses contratempos não foram suficientes para sustar a
imigração em todas as províncias brasileiras, mas prejudicaram vários empre-
endimentos nas diversas regiões onde se implantaram colônias de imigrantes.
Com o tempo, entretanto, prevaleceu o êxito obtido nas fazendas paulistas de
café, que, depois dos percalços iniciais, se mostraram extremamente produtivas,
e nas pequenas propriedades do Espírito Santo e do Sul do Brasil. Deve-se
destacar que, além do governo imperial, muitas das províncias demonstraram
desde o começo grande interesse nos empreendimentos migratórios, por
verem neles alternativas palpáveis de aumento populacional, progresso e de-
senvolvimento.
Havia, entretanto, outro interesse menos confesso do Brasil
e, diga-se a verdade, da maioria dos países americanos que se empenharam em
trazer imigrantes: o de “embranquecer a raça”. Essa visão, larga e abertamente
defendida, fazia parte de um entendimento europeizado, vigente nas elites que

33
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

administravam as nações recém-libertas do jugo colonial e que lutavam para


se enquadrar nos estreitos parâmetros considerados civilizatórios na época.
Seus olhos se admiravam com o desenvolvimento alcançado pelos Estados
Unidos e o atribuíam à composição racial deste país. Segundo essa visão,
os contingentes que tinham formado a nacionalidade brasileira, constituída
majoritariamente por brancos vindos de Portugal, negros vindos da África e
indígenas autóctones, seria um empecilho à modernização do país. Em outros
países latino-americanos, os indígenas que formavam o segmento original e a
maioria da população eram as vítimas desses preconceitos. Era preciso trazer
novos contingentes raciais, supostamente mais inclinados ao labor dos tempos
da industrialização, conforme entendiam muitos dos dirigentes da época. Para
os que tinham essa noção de mundo, eram os louros moradores do centro e
do norte da Europa os que tinham uma predisposição inata para o trabalho
metódico, para os engenhos mecânicos e para as renúncias que a civilização
impunha a seus membros. Filha do Imperador da Áustria
Francisco I e da Imperatriz Maria
Movido por esses e outros motivos, o governo brasileiro Teresa, Dona Leopoldina foi
passou a atuar com afinco na tarefa de arregimentar interessados em seu escolhida entre a Corte Austríaca
para casar com o Príncipe D.
projeto populacional/estratégico. Se a promulgação das primeiras leis e de- Pedro I. Leopoldina exerceu papel
cretos destinados ao recebimento de novos moradores iniciara ainda durante importante na independência do
Brasil.
o governo de D. João VI, os anos e as décadas seguintes, até bem adiante do
advento da república, testemunharam um contínuo esforço de estimular a
imigração. O governo funcionou como uma espécie de sócio de muitos dos
empreendimentos que se estabeleceram, contratando e pagando ordenados
aos recém-chegados, até que pudessem tirar o sustento de suas terras. Tam-
bém houve atrasos, promessas não cumpridas, burocracia e incompreensão,
mas o saldo é indesmentível: a ação governamental foi fator decisivo para o
sucesso da maioria dos empreendimentos migratórios que se desenvolveram
satisfatoriamente.
Desencadeado o processo de imigração da Europa para a
América, o Brasil demorou muito para se incorporar a esse globalizado ciclo
de povoamento induzido. O país precisou primeiro se decidir pelos imigrantes
(o que significava tomar decisões importantes) e, depois, reunir condições para
que as famílias que desejavam emigrar optassem pelo Brasil (o que significava
implementar medidas importantes). O ingresso tardio na habilitação pela
preferência dos imigrantes; os problemas políticos, militares e econômicos da
primeira metade do século XIX; a divulgação das dificuldades ocorridas com
as experiências migratórias pioneiras no Primeiro Império e nas Regências; a
fama de país escravocrata e o clima quente foram as principais dificuldades
encontradas.
Nesses primeiros anos, os imigrantes europeus deslocaram-se
principalmente para a América do Norte. Diversas razões são apontadas para
explicar essa opção, tais como o rápido crescimento urbano e industrial dos
Estados Unidos, a familiaridade do clima e da religião, a liberdade política, além
da já comentada imagem negativa do Brasil daquele período. Havia intensa
propaganda contrária e inclusive organizações voltadas para a proteção dos
emigrantes alemães que haviam optado pelo Brasil (o Dr. Hermann Blumenau
pertenceu a uma delas e chegou a ser hostilizado quando resolveu iniciar seu
empreendimento em Santa Catarina).

34
Contexto histórico e geográfico

Sobre as razões do insucesso de algumas colônias, o Dr.


Blumenau também aponta, no seu relatório, a má-fé de algumas pessoas
contratadas pelo governo brasileiro e responsáveis por trazer os imigrantes e
estabelecê-los nas terras:

“É uma calúnia repugnante e uma injustiça culpar o Governo


brasileiro pelo insucesso de alguns empreendimentos de colonização em seu
território, pois nessas colonizações muitos colonos foram ludibriados e houve
muita miséria. (...)
Em 1818, D. João VI tinha a melhor das intenções com a
fundação da colônia Nova Friburgo. Ela custou-lhe 4 milhões de cruzados
(dois milhões de Thaler), mas seus agentes, principalmente o infame ‘vendedor
de almas’ Gochet, asfixiaram a iniciativa ao nascer. Transportaram com uma
minoria de colonos honestos, uma maioria de vagabundos para a nova colônia,
enriquecendo às custas do Governo e dos colonos.
Mais tarde, sob D. Pedro I, veio o agente famigerado major
Schäfer, digno sucessor do infame vendedor de almas Gochet. Seguiram-se
sucessivamente as fundações das colônias São Leopoldo, Três Forquilhas e
Torres no Rio Grande do Sul; São Pedro D’Alcântara em Santa Catarina; Santo
Amaro e Rio Negro em São Paulo; Caravelas no Espírito Santo e, recentemente,
a de Petrópolis. Também nestas fundações dominou a desordem, a confusão e
os colonos sofreram algumas fraudes, cometidas por funcionários subalternos.
O Governo gastou muito e, na medida do possível, tentou remediar, sendo
que as queixas foram suprimidas e não chegaram ao seu conhecimento. Desse
modo o Governo teve pouco sucesso e não colheu gratidão alguma.3”

Além disso, o país era apresentado como irremediavelmente


escravocrata: receava-se que os imigrantes, assim que chegassem, fossem
reduzidos à condição de escravos; chegou-se a temer que houvesse uma re-

Rituais de canibalismo e
antropofagia eram desenhados
e mostrados como um dos
principais empecilhos à
imigração para o Brasil.

35
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

volução de negros cativos, como ocorrera no Haiti. Dizia-se, também, que


o Brasil estava em permanente estado de guerra e que os imigrantes seriam
alistados assim que se estabelecessem – repercussões ainda da Guerra do Pa-
raguai. Falava-se de governos corruptos e dos rigores do clima, definido como
tórrido e incompatível com a civilização; não se fazia distinção alguma entre
as diferentes condições climáticas do norte e do sul e considerava-se o país
como tomado por selvas inóspitas, repletas de aborígines, de insetos, animais
ferozes e peçonhentos.

“Na Alemanha, excetuando-se Hamburgo e Bremem, o


Brasil é um país pouco conhecido e sobre o qual se tem opiniões curiosas e às
vezes até ridículas. Muitos leitores estranharão ao tomarem conhecimento de
que na capital, Rio de Janeiro, sempre se apresentam peças de teatro; óperas
portuguesas e, muitas vezes, francesas; que existe um Tivoli; touradas, etc.
e também se consome sorvete. Aqui se obedece, rigorosa e cegamente, aos
ditames tirânicos da moda, mais fortemente do que na Europa. Ao invés de
uma indumentária adequada ao clima, como chapéu de palha e jaqueta, em
todos os lugares sempre se usa chapéu preto, casaca e sapatos de verniz, e isso
se repete em todas as cidades grandes. (...)
Muitos não esperavam a descrição acima, pois nas suas
cabeças, entre outras bobagens, transbordavam selvagens; cobras; tigres; cro-
codilos; ouro; diamante; escravos trancafiados em estábulos, alimentados em
cochos e oportunamente presenteados aos colonos, juntamente com outras
maravilhas. (...)
Durante os últimos 20 anos, este desconhecimento generali-
zado sobre o Brasil, com exceção do comércio, geografia e riquezas minerais
de algumas Províncias do Norte, aparentemente permaneceu inalterado para
a maioria das pessoas, apesar de ultimamente estar sendo um pouco melhor
elucidado.4”

Por outro lado, a presença de princesas austríacas na corte, as


oportunidades autênticas que logo se descortinaram, principalmente em São
Paulo, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, e o empenho dos
administradores do império e dos governos provinciais acabaram por mobilizar
um número significativo de imigrantes. Vencidas as primeiras dificuldades,
diminuíram as desconfianças e aumentou o número de imigrantes.
Quando as primeiras colônias ultrapassaram a fase do pionei-
rismo, as colheitas começaram a trazer frutos e a vida comunitária a organizar-se,
os próprios imigrantes se tornaram os principais divulgadores dos potenciais
de uma vida nova no Brasil.
Cartas e informações remetidas diretamente pelos emigrados
a amigos e parentes foram importantes instrumentos de convencimento e de
atenuação dos preconceitos que se haviam acumulado. Conforme frisa Walter
Piazza, “Duas formas de aliciamento foram comuns na Itália, notadamente no
Trentino, uma através dos recrutadores contratados pelos agentes de Caetano
Pinto, outra os seus próprios parentes imigrados no Brasil, através de corres-
pondência, ainda hoje, não devidamente dimensionada”5.

36
Contexto histórico e geográfico

Um exemplo são os fragmentos de uma carta de 1826, relatada


por João Klug, enviada por Peter Paul Muller, colono de São Leopoldo, a seus
parentes na Alemanha:

“Moramos numa região que não pode ser imaginada mais


bela ou melhor, de modo que doravante ninguém de nós, grande ou pequeno,
tem desejo de retornar à Alemanha (...). Agora já temos 15 vacas, 6 bois e 8
cavalos e pensamos ter perto de 200 dentro de 2 anos, pois não precisamos
preocupar-nos com o feno e o trevo, nem com pasto; pois ele (o gado) anda
no inverno e no verão, dia após dia, no campo (...). Vivemos aqui todos os dias
esplendidamente e com alegria, como os príncipes e condes na Alemanha, pois
vivemos aqui em um país que se assemelha ao paraíso; não se pode imaginar
região melhor ou mais bela do que esta...”6

Muitas cartas assim foram inclusive publicadas em jornais


alemães, e há também suspeitas de que várias tenham sido forjadas pelos
agentes de emigração.
De acordo com os dados de Toni Vidal Jochem, citando es-
tatísticas alemãs, 5.431.100 pessoas dessa nacionalidade emigraram entre 1824
e 1914, sendo que 90% delas dirigiram-se para os EUA e um pouco mais de
2% (93.000 pessoas) para o Brasil. Logo após os alemães, levas de italianos e,
pouco depois, de poloneses e ucranianos – e mais tarde de japoneses – foram
fixadas principalmente no sul do país. Ao mesmo tempo e quase sem interrup-
ção, sempre chegaram novos contingentes de portugueses e espanhóis, durante
todo o século XIX e até a eclosão da Segunda Grande Guerra.
-------
Sobre o interesse do Brasil e do governo brasileiro na imi-
gração, importa questionar as causas e razões do entendimento que se criou
sobre a conveniência de desviar-se parte do fluxo migratório mundial para o
Brasil, país com problemas sociais e econômicos em todas as suas regiões, com
grandes necessidades de obras e investimentos. O engajamento em oferecer

Tela de Protinari, mostrando o


trabalho nas fazendas de café
paulistas, para onde foram
levados muitos imigrantes
italianos.

37
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

condições compatíveis aos que eram aspirantes à condição de novos brasileiros


chega a ser surpreendente.
Do ponto de vista econômico, a imigração era uma questioná-
vel aposta no futuro, uma vez que exigia investimentos vultuosos e, ainda assim,
nem sempre atingia seus objetivos. Muitos foram os empreendimentos que
fracassaram, valiosos recursos evaporaram-se, numerosos foram os contratos
desrespeitados e muitos os imigrantes que, depois de recebidos, abandonaram
o país, desalentados com a realidade nada animadora que vislumbravam. O
festejado sucesso do empreendimento migratório no Brasil não pode deixar de
considerar o esforço do imigrante, mas tampouco pode desmerecer o projeto
público que subsidiou a vinda desse imigrante, nem o apoio oficial que foi
indispensável ao desenvolvimento de quase todas as colônias que obtiveram
êxito.
Deve-se salientar que os imigrantes – prezando seu esforço e
reconhecendo que muitas vezes faltou-lhes o apoio oficial – receberam o que
não foi proporcionado a outros contingentes da nação: acesso a terras próprias
com programas facilitados que incluíam transporte, moradias provisórias e,
muitas vezes, auxílio pecuniário, apoio governamental ao longo do tempo e
trabalho remunerado enquanto a agricultura não produzisse o sustento.

LEGISLAÇÃO, REGULAMENTOS E
CONTRATOS

Como síntese do aparato legal que permitia aos governos


provinciais e à administração central agir no sentido de estimular a imigração
e amparar os colonos que chegassem ao Brasil, verifica-se que, até meados do
século XIX, a legislação não estava dirigida ao surto de emigrantes que deixava
a Europa em busca de melhores condições de vida. A legislação vigente datava
de 1822 e modificara apenas superficialmente o antigo sistema de cessão de
glebas e sesmarias em vigor desde o período colonial. O período de Regência
não introduziu modificações apreciáveis, tendo, ao contrário, tomado medidas
que se contrapunham aos gastos e até à conveniência de receber imigrantes.
Somente a partir de 1850, com a aprovação da Lei de Terras
do governo imperial, fixaram-se regras mais claras para a demarcação, posse
e usufruto das terras devolutas, assim como a participação de particulares e
empresas privadas no projeto colonizador. A lei de Terras resultou de um
momento política e economicamente favorável na vida nacional. O início do
Segundo Império, com a decretação da maioridade de D. Pedro II, pacificou
a vida política, e o fim da guerra do Paraguai trouxe a paz, indispensável ao
planejamento e execução de projetos estratégicos, cujos resultados presumíveis
só poderiam ser sentidos a médio e longo prazos. Justamente a partir desse
momento propício é que surgiram os empreendimentos maiores e que, ao
longo do tempo, haveriam de obter mais êxito.
Em Santa Catarina, destacou-se a fundação da Colônia Blu-
menau, ainda em 1850, e a Dona Francisca, menos de um ano depois, seguidas
pela Colônia Itajahy-Brusque, criada em 1860. Depois de 1875, quando os
imigrantes italianos tornaram-se majoritários, foram fundadas várias colônias
no sul do estado, destacando-se os empreendimentos que resultaram em cidades
do porte de Criciúma, Urussanga e Orleans.

38
Contexto histórico e geográfico

A Lei de Terras

“Com a lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, o Governo


Imperial fixou as normas sobre os modos de aquisição da propriedade nas
terras públicas e as distinções entre o domínio público e o privado, substituindo
o método usado até 1822 para a distribuição de terras por meio de sesmarias,
concessões gratuitas, sob as condições de medição, confirmação e cultivo”7.
A lei “dispunha sobre as terras devolutas no Império e deter-
minava sua medição, demarcação e utilização em colonização”. Tais assuntos
são tratados especificamente nos artigos 12 (sobre a reserva de terras para a
colonização dos indígenas e a fundação de povoações), 17 (que trata da aquisição
de terras pelos estrangeiros, assim como sua naturalização) e 18 (que dispõe
acerca do ingresso de imigrantes europeus a cargo do Governo Imperial).
As terras consideradas devolutas eram aquelas que o governo
dispunha para venda em lotes aos imigrantes diretamente, ou a particulares e a
companhias colonizadoras, em propriedades que não excediam 30.000 hectares,
em se tratando de terras destinadas ao cultivo, e 2.000.000 de hectares aquelas
destinadas à criação de gado.
A Lei de Terras é considerada um divisor de águas entre o
momento em que o governo não possuía interesse maior pela imigração e a
etapa posterior, na qual o assunto passou a ser de interesse primordial nos
negócios do país.
Por outro ângulo, a “lei de terras” não agradava aos grandes
latifundiários de áreas cafeeiras e açucareiras. De um lado estavam aqueles que
viam na pequena propriedade uma espécie de salvaguarda para a agricultura
brasileira; de outro, aqueles que viam na grande indústria rural – extensiva e
de exportação – a salvação da economia nacional.
A regulamentação deu-se pelo Decreto nº 1.318, de 30 de
janeiro de 1854. Seus 108 artigos, divididos em 9 capítulos, tratam da criação
da “Repartição Geral das Terras Públicas”, sua medição, revalidação e legitima-
ção, da separação entre domínio público e particular, da medição daquelas de
domínio particular, das terras reservadas, das devolutas situadas nas fronteiras
com outros países, da conservação e do registro das terras.

Desembarque de imigrantes na
estação da hospedaria, em São
Paulo, 1907.

39
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Pelo Decreto nº 2.168, de 1º de maio de 1858, o Governo


Imperial aprovou o regulamento para o transporte de imigrantes, comple-
mentado pelo Decreto nº 3.254, de 20 de abril de 1864, que cria o cargo de
Agentes e suas atribuições.
Para incrementar ainda mais a colonização estrangeira, foi
aprovado o regulamento para as Colônias do Estado, através do Decreto nº
3.784, de 19 de janeiro de 1867, estabelecendo as condições de fundação das
colônias, distribuição das terras, condições de propriedade, administração,
recepção e estabelecimento dos colonos, entre outras disposições diversas. Ocu-
pava-se em determinar as extensões dos distritos coloniais, fixando uma área
de quatro léguas quadradas, e indicava como deveriam proceder os engenheiros
encarregados da fundação das colônias. Além disso, estabelecia o tamanho dos
lotes públicos e urbanos, dividindo-os em classe e deixando o preço ao arbítrio
do diretor, entre os limites de dois a oito réis por braça quadrada (4,84 m2)
para os lotes rurais e dez a oitenta réis para os urbanos.
Esses dispositivos estabeleceram ao longo do tempo um
aparato legal diretamente relacionado com a imigração. Estimularam os des-
locamentos, reservaram e organizaram áreas destinadas aos empreendimentos
coloniais, estruturaram a recepção e buscaram amparar os colonos na fase de
adaptação ao território.
No entanto, essa legislação favorável conheceu percalços,
como a suspensão da sua execução, determinada pelo Decreto nº 7.570, de 20
de dezembro de 1879, devido à insuficiência de verbas.
Os esforços de adaptação e modernização foram freqüentes
e, ainda com o Governo Imperial, foi assinado o Decreto nº 619, de 23 de
fevereiro de 1879, que organizou a Inspetoria Geral de Terras e Colonização,

O Contrato Caetano Pinto


dinamarqueses e franceses, agricultores sadios, trabalhadores
de boa moral, nunca menores de 2 anos, nem maiores de 45,
salvos os chefes de família. Destes imigrantes, 20% podem
exercer outras profissões.
II - O período de 10 anos começa a correr depois
de 12 meses, calculados da data de elaboração do contrato; o
empresário, porém, poderá iniciar a introdução de imigrantes
antes do fim dos 12 meses, se o Governo permitir.
III - O número de imigrantes não superará os
5.000 no primeiro ano, podendo ser elevado a 10.000 se
o Governo assim estabelecer; mas nos anos sucessivos o
empresário será obrigado a introduzir até 10.000, sendo
O contrato Caetano Pinto se propunha a qualquer excesso dependente do prévio consentimento do
introduzir, no período de 10 anos, 100.000 imigrantes, sob mesmo Governo.
as condições constantes no contrato. Apresentava uma IV - O empresário receberá por adulto as seguintes
vantagem: a viagem paga. Foi assinado entre o empresário subvenções: 120$000 réis para os 50.000 imigrados; 100$000
Caetano Pinto e o Ministro e Secretário de Estado para os para os 25.000 sucessivos; 60$000 réis para os últimos 25.000,
negócios da Agricultura, Comércio e Obras, José Fernandes e a metade destas subvenções para os menores de 12 anos
da Costa Pereira Júnior, em data de 30 de junho de 1874. e maiores de 2.
Contrato entre o Governo Imperial e Joaquim V - Estas subvenções serão pagas junto à Corte,
Caetano Pinto Júnior sob as seguintes condições: assim que for provado que os imigrados foram recebidos
I - J.C. Pinto se obriga, por meio de uma pelo funcionário competente no porto de desembarque da
companhia ou sociedade que poderá organizar, a introdu- província à qual são destinados.
zir no Brasil (com exceção da Província do Rio Grande do VI - Nem o Governo, nem o empresário poderão
Sul), num período de dez anos, 100.000 imigrantes alemães, receber dos imigrantes, a nenhum título, as cifras gastas como
austríacos, suíços, italianos do norte, bascos, belgas, suecos, subsídios, ajudas, transportes e alojamentos dos mesmos.
40
Contexto histórico e geográfico

Retrato da Família Hering,


estabelecida na Colônia
Blumenau, fundada no ano 1850
em Santa Catarina. A Lei de
Terras teve reflexo imediato nos
empreendimentos imigratórios e
algumas das mais importantes
colônias foram fundadas a partir
desta data.

instituindo, no seu artigo 23, a hospedaria dos imigrantes e o escritório de


locação de serviços. Com a Proclamação da República, a Inspetoria foi reor-
ganizada pelo Decreto nº 603, de 26 de julho de 1890.
Como síntese dos resultados obtidos pelos aperfeiçoamentos
legais, constata-se que, após a estruturação e o aprimoramento da “Lei de
Terras”, o surto colonizador foi muito melhor estruturado. A improvisação
reinante no período anterior foi em parte eliminada, provocando a chegada e a
permanência no Brasil de milhares de imigrantes de diversas nacionalidades.

VII - O Governo concederá gratuitamente aos tes-intérpretes que ao mesmo tempo fornecerão todas as
imigrantes hospitalidade e alimentação durante os primeiros informações de que necessitarem.
8 dias de sua chegada, e transportes até as colônias de Estado XIII - Todas as expedições de imigrantes serão
às quais se destinarem. acompanhadas de listas, as quais conterão o nome, a idade,
VIII - O igualmente garantirá aos imigrantes que nacionalidade, profissão, estado civil e religião de cada
quiserem se estabelecer nas colônias do Estado a plena pro- indivíduo.
priedade de um lote de terra, com as condições e os preços XIV - No transporte dos imigrantes o empresário
estabelecidos pelo Decreto n0 3.784 de 19/01/1867; obriga- é obrigado a fazer respeitar as disposições do Decreto n0
se, além disso, a não elevar o preço das terras de suas colônias 2.168 e l° de maio de 1858.
sem avisar o empresário com 12 meses de antecedência. XV - O Governo pagará ao empresário a diferença
IX - Os imigrantes terão plena e completa de preço da passagem entre o Rio de Janeiro e as províncias
liberdade de se estabelecer como agricultores nas colônias ou para as quais serão enviados imigrantes diretamente da Eu-
nas terras do Estado, que escolherão para sua residência, em ropa, quando tais províncias não estejam em comunicação
colônias ou terras das províncias, ou de particulares; assim direta e regular por meio de vapores com a Europa, e o em-
como de encontrar emprego nas cidades, vilas e aldeias. presário deva fazer atracar nos respectivos portos vapores
X - Os imigrantes virão espontaneamente, sem de outras linhas por ele fretados.
compromisso nem contrato algum, e por isso nenhuma XVI - As questões que surgirem entre o Gover-
reclamação poderá ser feita ao Governo, tendo somente o no e o empresário, a respeito de seus direitos e obrigações,
direito aos favores estabelecidos nas presentes cláusulas, e serão resolvidas por árbitros. Se as partes contratantes não
disso estarão completamente conscientes. concordarem pelo mesmo árbitro, nomearão cada uma o seu
XI - O Governo designará com precisa antece- e estes designarão um terceiro, que decidirá definitivamente
dência as províncias onde já existem ou virão a se formar no caso de paridade. Se não houver acordo sobre tal árbitro,
colônias, a fim de que os emigrantes já conheçam da Europa será escolhido por sorteio um Conselheiro de Estado que
os pontos onde poderão se estabelecer. terá voto decisivo.
XII - O Governo nomeará, nos pontos nos
quais se efetuará o desembarque dos imigrantes, agen-
41
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

O Contrato Caetano Pinto

Instituído pelo Decreto nº 5.663, de 17 de junho de 1874, o


contrato entre o Governo Imperial e Joaquim Caetano Pinto Júnior (conhecido
como contrato “Caetano Pinto”) tinha como objetivo a introdução de 100.000
imigrantes europeus no Brasil em um período de dez anos, excetuando-se o
Rio Grande do Sul.
As experiências com imigrantes alemães, indiscutivelmente
exitosas, em especial nos estados do sul, não deixou de suscitar críticas.
Falava-se em enclave cultural, perigosamente instalado nas proximidades da
fronteira com a Argentina, e principalmente na contradição representada pela
religião dos imigrantes, em sua maioria protestantes, em um país que mantinha
o catolicismo como religião oficial. Por outro lado, mudanças internas na
Alemanha, ampliando em muito as alternativas de trabalho no setor industrial
– que na época conhecia notável crescimento –, a unificação política sob a égide
da Prússia, o aumento do nacionalismo e a guerra franco-prussiana haviam
diminuído drasticamente o número de alemães interessados em emigrar.
Como resultado destes fatores, o governo central buscou atrair
imigrantes italianos, tradicionalmente católicos e, naquele momento, inclinados,

O “ideal de branqueamento”
retratado através da pintura de
Modesto Brocos “Redenção de
Can”, de 1895. A avó negra,
a mãe mulata e o filho branco
simbolizam, no decorrer de três
geraçãos, um dos objetivos, nem
sempre ocultos, dos projetos de
imigração.

IMAGEM: Acervo do Museu Nacional


de Belas Artes.

42
Contexto histórico e geográfico

aos milhões, a trocar a península itálica pelos devaneios da América.


O decreto que permitiu o contrato que passou a ser conhecido
como “Caetano Pinto” introduziu novas condições para estimular a imigração
e oferecia maiores garantias aos colonos que desejassem emigrar.
A leitura de seus artigos I, IV, VII e X evidencia o propósito
do decreto.
Entretanto, a tarefa de trazer os imigrantes para o Brasil não
foi nada fácil e vários fatores contribuíram para dificultar o trabalho de Caetano
Pinto. O analista encarregado de estudar o contrato já previa, em relatório, dois
dos principais problemas a serem enfrentados no decorrer da sua aplicação.
O primeiro era o desconhecimento completo, por parte dos imigrantes, da
realidade brasileira em que seriam inseridos. O segundo se referia à falta de
previsão governamental para alojar aqueles que iam chegando da Europa.
Foram várias as cartas enviadas por Caetano Pinto ao Minis-
tério da Agricultura Brasileiro, onde faz recomendações, descreve dificuldades
e reclama de algumas interpretações do governo brasileiro no que se refere à
imigração. Além disso, “deixa entrever que já havia, na Europa, proibição de
imigrações para o Brasil tomada pelo Governo francês e, especificamente, para
o Rio Grande do Sul, pelo Governo italiano”8. A burocracia governamental
emperrava o processo migratório e o Governo Imperial mantinha em atraso
os pagamentos a Caetano Pinto.

Decreto nº 528, de 28 de junho


de 1890 - Lei Glicério

O Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, conhecido como


“Lei Glicério” devido ao nome do ministro que a propôs, é resultado do inte-
resse da República na continuidade dos surtos migratórios e pode ser dividido
em duas partes: uma que diz respeito ao transporte e à fixação do imigrantes
no território da República e outra que regula a colonização das propriedades
agrícolas privadas.

O decreto significa uma base para a passagem da colonização


oficial para a particular. Além disso, proibia a entrada de africanos e asiáticos
no país, como uma forma de regulamentar definitivamente o processo de
“embranquecimento” racial. Aos que já estavam no país, Paulo Prado assim
definiu seu destino: “Já com um oitavo de sangue negro, a aparência africana
se apaga por completo”.

43
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

NOTAS

1
“Alemães Imigrantes: as causas” in JOCHEM, Toni Vidal (oranizador); São Pedro da Alcân-
tara (1829-1929) – aspectos de sua história
2
HOLANDA, Sérgio Buarque de... História Geral da Civilização Brasileira
3
FERREIRA, Crsitina; PETRY, Sueli Maria Vanzuita (org.); BLUMENAU, Hermann Bruno
Otto. Um alemão nos trópicos: Dr. Blumenau e a política colonizadora no Sul do
Brasil. Blumenau: Cultura em Movimento – Instituto Blumenau 150 anos, 1999. 280 p.
4
FERREIRA, Crsitina; PETRY, Sueli Maria Vanzuita (org.). Op.cit.
5
PIAZZA, Walter. A colonização de Santa Catarina. 3ª ed. Editora Lunardelli: Florianópo-
lis, 1994.
6
KLUG, João AS Razões da Imigração in São Pedro de Alcântara: Aspectos de sua Histó-
ria.
7
PIAZZA, Walter. A colonização de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. Lunardelli, 1994.
376 p.
8
DALL’ALBA, João Leonir; Imigração Italiana em Santa Catarina: documentário. Caxias
do Sul: Editora da Universidade de Caxias do Sul, 1983. 182 p.

44
Contexto histórico e geográfico

45
SANTA CATARINA NO SÉCULO
XIX

A LIGAÇÃO DO LITORAL COM O PLANALTO

A POLÍTICA DE COLONIZAÇÃO NA PROVÍNCIA

O PERÍODO REGENCIAL

O SEGUNDO IMPÉRIO EM SANTA CATARINA

O INCREMENTO ITALIANO A PARTIR DE 1875

POLONESES EM SANTA CATARINA


Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Pode-se dizer que Santa Catarina é um estado de imigrantes.


Desde o início do século XVI e dos tempos considerados históricos, o estado
foi sempre ocupado “artificialmente” – por indução oficial. A definição de
limites ao sul do Brasil e a ocupação de espaços demográficos estratégicos
foram as grandes razões para o povoamento histórico de Santa Catarina. Aqui
não ocorreu, até o século XX, nenhum ciclo econômico que estimulasse o
povoamento espontâneo. O pau-brasil era pouco abundante, a cana-de-açúcar
ficava distante dos centros de distribuição do comércio na Europa, não havia
metais preciosos, nem borracha, algodão, café ou tabaco. No início do século
XVI, os primeiros exploradores recolheram notícias de enormes riquezas no
interior do território cujo porto central já era a Ilha de Santa Catarina. Américo
Vespúccio, Martim Afonso de Souza, Juan Dias Solis, Álvar Nunes Cabeza
de Vaca e Sebastião Cabotto foram alguns dos muitos nautas que, baseados
nessas notícias, empreenderam expedições ao sul. Entretanto, depois de muitas
explorações, cujo epicentro foi quase sempre o Rio da Prata e a base das ope-
rações o atual litoral catarinense, os europeus, que nessa época acabavam de
localizar – e em seguida destruir – as avançadas civilizações pré-colombianas
que encontraram no México e no Peru, virtualmente abandonaram a área. De-
duziram que as riquezas relatadas pelos índios do sul do Brasil estavam muito
adiante do litoral Atlântico: encontravam-se do outro lado da Cordilheira dos
Andes, em pleno Império Inca.
Essa constatação fez com que toda a região entre São Paulo
e a desembocadura do Rio da Prata fosse quase esquecida, desprovida de
atrativos econômicos e percorrida apenas pelos predadores de índios, ciclo
que se desencadeou até a exaustão, com o virtual despovoamento de toda a
área. Praticamente despovoada e deserta, percorrida apenas esparsamente por
pequenos grupos de índios remanescentes, toda a região sul quedou pratica-
mente paralisada, até que acontecimentos relacionados com a política européia
vieram exigir providências.
Foi em 1640 que o mundo ibérico emergiu da união das coroas
de Espanha e Portugal, exigindo uma delimitação entre as possessões meridio-
nais dos dois países, que haviam permanecido unidos por oitenta anos. Nessa
época, a povoação castelhana mais ao norte era Buenos Aires, inicialmente
criada em 1536 e praticamente refundada em 1580. No mundo português, a
pequena Cananéia era o núcleo urbano situado mais ao sul. Entre esses dois
povoados, quase dois mil quilômetros distantes entre si, tinha se estabelecido
um verdadeiro deserto de seres humanos: os portugueses haviam dizimado
os índios de toda a costa e, em contrapartida, não construíram nenhum esta-
belecimento habitacional fixo.
O primeiro passo concreto para o povoamento foi dado
pela coroa lusitana. Portugal não dispunha de meios, uma vez que lutava na
Europa para efetivar a independência recém declarada da Espanha, enfrentava
a ocupação holandesa no nordeste brasileiro e em Angola, e havia perdido
a maior parte de suas antigas possessões na Ásia. Ainda assim, o reino teve
olhos para uma macropolítica que não ignorou os relegados limites ao sul da
América. O rei escreveu pessoalmente a paulistas abastados, solicitando-lhes
que “estendessem mais para o sul seus reais domínios...”.

48
Santa Catarina no Século XIX

Atendendo a esses pedidos, foram fundadas, entre 1640 e 1688


(as datas são controversas), por movimento que alguns historiadores chamam
de bandeiras de povoação, as três vilas pioneiras de Nossa Senhora da Graça
de São Francisco, Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) e Santo
Antônio dos Anjos da Laguna. Em conseqüência dessas ações efetivadas por
particulares, em 1680 Portugal construiu seu primeiro empreendimento oficial
na América Meridional – a Colônia do Sacramento –, edificada na margem
esquerda do Rio da Prata. A iniciativa, como não poderia deixar de ser, foi
considerada um insulto pelos castelhanos e a colônia foi atacada no mesmo
ano, dando início a uma série de conflitos, que se estenderam até meados do
século XIX e influenciaram profundamente a história de toda a região. Santa
Catarina foi palco central de muitas dessas ocorrências e sua trajetória acabou
marcada pelas lutas relacionadas com a definição dos limites. Em 1735, em
nova iniciativa da coroa lusitana, foi fundada São Pedro do Rio Grande, pri-
meiro núcleo estável do atual estado do Rio Grande do Sul. As lutas constantes
resultaram na fortificação da Ilha de Santa Catarina, em 1738, e na criação da
Capitania do mesmo nome – subordinada a São Paulo. Em 1748 começaram
a chegar a Santa Catarina os primeiros imigrantes na verdadeira acepção do
termo: os açorianos. Esse feixe de esforços, empreendido ao longo do tempo
e em campos diversos, demonstra o empenho da coroa portuguesa, definindo
uma estratégia que visava garantir o acesso ao Rio da Prata. Primeiro estimulan-
do ações particulares, depois efetivando empreendimentos oficiais, bancando
guerras, criando instâncias administrativas, fortificando áreas vulneráveis e,
finalmente, povoando o território com imigrantes – esses foram os lances
principais do plano.

A Vila de Nossa Senhora do


Desterro, em imagem do final do
século XVIII: o traçado regular
reflete a constância da presença
militar na Ilha de Santa Catarina.

FONTE IMAGEM: Arquivo Histórico


Nacional

49
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

No século XVIII, quem se bateu pela vinda dos imigrantes


açorianos foi o primeiro governador da província de Santa Catarina, o briga-
deiro militar português José da Silva Paes. O construtor do sistema defensivo
da ilha – na época formado por quatro fortalezas e várias dezenas de canhões
– sabia que, para a posse definitiva da terra conflagrada, soldados eram menos
importantes do que colonos. Os relatos são unânimes quanto à importância
que o governador dava à ocupação efetiva do litoral e ao desvelo com que
procurava receber e organizar os colonos recém-chegados.
Sobre as responsabilidades de “agasalhar” os primeiros aço-
rianos que chegavam a Santa Catarina, Silva Paes expressou-se desta forma:
“Vejo importante matéria que sou encarregado a respeito da acomodação dos
casais da sua repartição, e subsistência, reconhecendo as minhas poucas forças
e talento para negócio de tanto prezo; porém o ardente desejo que sempre
tive, e ainda me assiste, para me empregar no Real Serviço; me dará alguns
alentos que pelas instruções e acertadas disposições de V. Exa. (Gomes Freire)
cumprir com a minha obrigação”.
Walter Piazza, em publicação sobre o brigadeiro José da Silva
Paes, afirma que “esse assunto – o do povoamento da Ilha de Santa Catarina
– mereceu-lhe, desde o momento da posse no Governo da Capitania, atenção.
E é assunto que vai merecer, diuturnamente, cuidados de vária ordem”.
Piazza estende-se sobre o assunto, valendo transcrever a
argumentação e os documentos arrolados, que constituem verdadeira síntese
do sentido estratégico que sempre se quis dar à colonização do território:
Inicialmente pede à Coroa que mande povoadores e disse importante figura
da administração lisboeta: “Sobre a falta que V. M. também representa haver

de gente assim na dita Ilha, como no Rio Grande de S. Pedro, se procurará


dar algua providencia pois he innegavel o discurso que V. M. faz de que não
bastão Fortificações sem haver gente que as guarnesa, e juntamente povoe, e
cultive as terras;..”.
Os açorianos devem ser considerados os primeiros imigrantes
no sentido clássico, porque vieram ao Brasil em movimento coletivo, estimulado
e financiado pelo governo, que lhes destinou terras específicas, preparou-se para
recebê-los e comprometeu-se a aprovisioná-los depois da sua chegada. Embora

50
Santa Catarina no Século XIX

a maior parte dos compromissos não tenha sido cumprida, aproximadamente


cinco mil indivíduos foram transplantados do meio do Atlântico, dando tintas
permanentes à cultura e ao povoamento do litoral catarinense.
Essas importantes providências portuguesas não foram su-
ficientes para impedir que, em 1777, a Espanha, emergindo de longa letargia,
preparasse uma grande frota de guerra (a maior já enviada aos mares do sul)
e invadisse a Ilha de Santa Catarina, que considerava sua desde o século XVI.
Embora a ilha tenha sido devolvida no ano seguinte, desentendimentos e
guerras incessantes continuaram marcando a história da região. A Colônia
do Sacramento, São Pedro do Rio Grande e os Sete Povos trocaram de mão
várias vezes e nem o grande avanço representado pelo Tratado de Madrid foi
suficiente para pacificar as fronteiras. Sempre que havia um litígio na Europa,
os reflexos na América tornavam-se inevitáveis: portugueses ou espanhóis
aproveitavam-se do pretexto para tentar resolver suas pendências no sul, criando
um movimento pendular em que o lado que se julgava prejudicado no último
arranjo iniciava novas desavenças assim que surgia a oportunidade.
Foi o que se deu com a chegada da corte portuguesa ao Brasil,
no momento em que a Espanha, invadida e humilhada, era considerada aliada
de Bonaparte. A região foi ocupada pelas tropas de D. João VI – que fizeram
o mesmo com Caiena, na então Guiana Francesa. O atual Uruguai perma-
neceu anexado ao Império quando da independência brasileira na condição
de Província da Cisplatina. O fato de Argentina e Brasil terem se separado
da Espanha e de Portugal, respectivamente, apenas transferiu para o Rio de
Janeiro e Buenos Aires o comando dos litígios, que continuaram tumultuando
a área. Guerras e entreveros só diminuíram com a criação e o reconhecimento
da República do Uruguai pelos dois países. Instalou-se, então, uma paz relativa,
quebrada ainda diversas vezes por intervenções e conflitos que envolveram a
Inglaterra e, depois, o Paraguai.

Planta da cidade de Lages, mais


um núcleo estratégico destinado
a preencher o vazio demográfico
então existente no sul do Brasil.

FONTE IMAGEM: Arquivo Histórico


Nacional

51
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

O fato é que, em plena metade do século XIX, perdurava o


clima de beligerância em toda a região sul, em uma divisa praticamente des-
povoada de cidadãos brasileiros.
Assim, logo que planejou receber colônias de imigrantes,
principalmente depois de dificuldades enfrentadas com o clima da Bahia e do
Rio de Janeiro em experiências pioneiras, os olhos dos governantes voltaram-
se para o sul do Brasil, e Santa Catarina oferecia excelentes condições para
receber os empreendimentos coloniais.
As idéias receptivas às imigrações encontraram campo fértil
em Santa Catarina. O território estava povoado apenas na estreita faixa litorânea.
Em todo o planalto, o único núcleo urbano era a vila de Lages. No início do
século XIX toda a população era ainda menor do que 50.000 habitantes. Por
outro lado, não existia aqui uma forte aristocracia latifundiária, plenamente
instalada e com interesses e domínios políticos estabelecidos, como a pecuária
no Rio Grande do Sul ou o café em São Paulo. Em Santa Catarina, a defesa
dos colonos e do modelo novo das pequenas propriedades parece ter sido
sinceramente encampada pelos administradores provinciais.
Do ponto de vista produtivo, o ciclo de povoamento do século
XVII, que deu origem às três vilas pioneiras, era quase de subsistência. Laguna,
que se sobressaíra com as charqueadas, ficou deslocada desde que foi aberto o
caminho pelos campos gerais. A indústria da baleia teve curta existência e boa
parte de seus lucros se concentrava na figura de seu arrematador. Os açorianos,
espalhados em pequenas freguesias e em minifúndios rurais, comercializavam
pequenas quantidades de peixe seco, farinhas e aguardentes. O incipiente ciclo
têxtil foi bruscamente interrompido pelo famigerado Tratado de Methuen,
assinado em 1703, em que Portugal abriu mão da industria têxtil em troca de
privilégios para a venda do vinho lusitano na Inglaterra. No Planalto, cortado
pelo Caminho das Tropas, a débil Vila de Lages era o único ponto a sobressair-
se. Esse quadro resume uma economia frágil, necessitada de novos impulsos e
que não impôs restrições à vinda dos imigrantes e aos seus empreendimentos.
Pelo contrário, viu-se na imigração uma real possibilidade de aquecimento
econômico. São Francisco do Sul teve seu porto dinamizado pelos produtos
e pelos passageiros que iam e vinham da Colônia Dona Francisca, fundada em
1851 no norte da província. Vários imigrantes alemães estabeleceram-se na
cidade. O mesmo aconteceu com Itajaí, cujo desenvolvimento esteve ligado
ao comércio com a colônia do Dr. Blumenau. Em Desterro não foi diferente,
nem em Laguna.
A distribuição rarefeita e o pequeno contingente populacio-
nal testemunhavam a situação de quase estagnação da província no início do
século XIX.
No estudo intitulado “Negros em Florianópolis”1 , o soció-
logo Fernando Henrique Cardoso estima a população da província de Santa
Catarina, em 1810, como sendo de 30.309 habitantes, 66.218 em 1840, 101.559
em 1854 e 159.802 em 1872. Nesse período, o percentual de população es-
crava diminuiu de 23,07% para 9,39%, devendo-se atribuir, portanto, parcela
considerável ao novo contingente de imigrantes que passou a somar-se aos
habitantes da província. Em 1860, ainda segundo o autor, Laguna tinha a
maior população residente, com 33.452 moradores. Era seguida pela capital,
com 19.995; São Francisco, com 17.476; São José, 15.699; Porto Belo, 12.540;
São Miguel, 9.665; e Lages, com 5820.
52
Santa Catarina no Século XIX

A LIGAÇÃO DO LITORAL COM O


PLANALTO

A ocupação de Desterro pela Armada Espanhola comanda-


da pelo Marquês de Caze Tellis, em 23 de fevereiro de 1777, tinha trazido à
tona a necessidade de ligar as vilas do litoral ao planalto, por razões vitais de
abastecimento e segurança. Tal idéia era sustentada e alimentada por Antônio
José da Costa, filho de pais açorianos, nascido em Desterro, militar e vereador
à época da invasão; e pelo capitão-mor de Lages, Antônio Correa Pinto, que
precisava do litoral para abastecer o planalto serrano de açúcar, farinha, tecidos,
ferramentas e sal para a cozinha e para o gado.
Com o restabelecimento da paz na península ibérica, os mo-
tivos estratégicos da ligação litoral-planalto perderam a importância.
Correa Pinto faleceu em 1783, mas o governador Major José
Pereira Pinto instou que o Vice-rei do Brasil acolhesse as ponderações do go-
verno sobre a necessidade da abertura da comunicação entre a vila de Lages e
a Capitania Litorânea. Antonio José da Costa foi então escolhido para estudar
os pontos do primeiro caminho das tropas entre o litoral e o planalto. José da
Costa saiu, com sua expedição, em 11 de janeiro de 1787, rumo aos sertões
do oeste. Pelo Vale do Maruim acima seguiram doze homens armados, doze
escravos e sete cargueiros, abrindo a primeira trilha do caminho para o Planalto,
viagem que se completou a 7 de agosto de 1787.

a uma altitude média de 400m. A vegetação nativa


ASPECTOS GEOGRÁFICOS DE
ainda existente é parte da Mata Atlântica, caracteriza-
SANTA CATARINA
da por espécies heterogêneas e ainda hoje usadas na
construção civil. A madeira e os depósitos de argila
da região foram extensivamente utilizados no século
Do ponto de vista geográfico, Santa
passado. Hoje, os recursos da floresta Atlântica na
Catarina é o ponto central do sul do Brasil. No es-
região estão reduzidos a apenas 30% da área original
tado, ao contrário do Paraná e São Paulo, o planalto
e as fontes de argila também estão reduzidas.
fica próximo da costa e vários rios importantes
começam no limite desse planalto e são drenados Foi nesse espaço de clima ameno
para o oceano Atlântico. O Rio Itajaí-Açu é o mais para os padrões brasileiros, situado próximo ao litoral
importante desse sistema de drenagem. Nesta região e servido de rios que possibilitavam imediata ligação
o interior dos vales é formado por baixo relevos e com portos e com as cidades já existentes, que se
por montanhas, sendo que 70% da área se situam estabeleceram as primeiras colônias de imigrantes.

53
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

O caminho de dezesseis léguas e trezentos e cinqüenta braças


de extensão, de São José ao Morro do Trombudo, foi arrematado pelos capitães
Antônio José da Costa e Antônio Marques Arzão. Os serviços de abertura dos
caminhos foram iniciados em 14 de novembro de 1788 e concluídos em 6 de
dezembro de 1790.
A realização dessa obra, mais uma das iniciativas portuguesas
relacionadas com a questão dos limites, foi importante na história da imigração
em Santa Catarina: em suas margens instalou-se, décadas mais tarde, a Colônia
São Pedro, a primeira formada por contingentes não-lusitanos.

54
Santa Catarina no Século XIX

A POLÍTICA DE COLONIZAÇÃO NA
PROVÍNCIA

Até 1820, a Província de Santa Catarina tinha como seu


território somente a estreita faixa litorânea localizada entre as serras do Mar
e Geral e o Oceano Atlântico. Naquele ano, foi incorporado o vasto planalto
adjacente, cujos limites a oeste permaneciam indefinidos e que até então per-
tencia à Província de São Paulo. Essa configuração administrativa demonstra
os objetivos da criação da capitania de Santa Catarina em meados do século
XVIII: posto avançado na luta pelos limites litorâneos, que deveriam estender-
se, na estratégia portuguesa, até o Rio da Prata, onde ainda estava encravada,
na época, a Colônia do Sacramento.
O recebimento das amplas áreas tidas como desabitadas do
planalto, na época ainda disputadas pela Argentina e, mais tarde, em pendência
interna, pelo Paraná, tornava evidente a necessidade de ampliar o povoamento
na província de Santa Catarina. Politicamente a questão também amadurecia.
Durante o Império, dentro dos princípios vigentes da monar-
quia constitucional, os presidentes das províncias – como a de Santa Catarina
– eram nomeados pelo Imperador, em função dos gabinetes políticos que se
alternavam no poder. As relações com o governo central tendiam a ser, portanto,
de dependência e quase sempre de colaboração e correspondência de propósi-
tos. Em alguns estados da federação, a chegada de imigrantes representou um
fato novo, com sérias possibilidades de ameaça ao status econômico, social e
político, precariamente obtidos na política cheia de interesses da época. Não
foi sem oposição que o assunto foi tratado por mais de uma assembléia provin-
cial. Principalmente em São Paulo e até mesmo no Rio Grande do Sul, houve
problemas que só o tempo se encarregou de diminuir. Desde o início, esse
não parece ter sido o caso de Santa Catarina. As possibilidades representadas
pela imigração já haviam sido testadas pelos casais açorianos e a necessidade
de novas levas vinha sendo defendida desde o século XVIII. As autoridades
provinciais, ao que consta, teriam compreendido desde cedo as vantagens e os
potenciais dos empreendimentos colonizadores em um território promissor,
estrategicamente posicionado e tão esparsamente povoado. Esse entendimento
é comprovado pelo fato notável de que na história de praticamente todas as
colônias instaladas em Santa Catarina sempre se manteve o clima de interes-
se e cooperação entre o governo e os colonos. Verifica-se que, na maioria
esmagadora das vezes, tanto da parte das lideranças dos imigrantes quanto
das autoridades da província, prevaleceu quase sempre o espírito público e a
defesa do interesse geral.

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Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

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Santa Catarina no Século XIX

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Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Apesar do virtual consenso acerca da imigração e do impor-


tante precedente representado pela chegada dos açorianos, quase um século
se passou até que os empreendimentos migratórios se tornassem rotineiros
na província.
Oswaldo R. Cabral sintetiza assim esta nova fase: “em 1829, a
fundação da Colônia São Pedro de Alcântara marcou o início desta etapa colo-
nizadora em Santa Catarina: para os vales situados nas proximidades da Capital
da província, transportaram-se os primeiros imigrantes alemães, seguindo-se
em 1836, às margens do Tijucas Grandes, o estabelecimento dos primeiros de
etnia italiana, fixando-se em São João Batista.
A estas duas primeiras células pioneiras seguiram-se, de co-
lonos alemães, Vargem Grande (1837), Piedade (1847), Blumenau (1850), D.
Francisca (1851), Leopoldina (1853), Teresópolis e Itajaí ( 1860).
Com elementos franceses foi tentada, em 1842, no fundo
da baía da Babitonga, em São Francisco do Sul, a do Saí, numa tentativa de
concretização de idéias de Fourier, que teve curta duração, embora agitada
existência. Dois anos depois, no Vale do Itajaí, a Colônia Belga, de elementos
desta nacionalidade, foi instalada e, em 1867, com imigrantes irlandeses e
americanos, a Príncipe D. Pedro”2.
Cabral ainda menciona a organização de colônias mistas, for-
madas com estrangeiros e nacionais, ou exclusivamente de brasileiros, como as
de Itajaí (1836), Flor da Silva (1844), Santa Tereza (1854) e Angelina (1860).

A COLÔNIA SÃO PEDRO DE


ALCÂNTARA

Efetivamente, a experiência pioneira com colonos de ascen-


dência não-lusitana em Santa Catarina ocorreu com imigrantes alemães, ainda
durante o reinado de Pedro I, apenas cinco anos depois da fundação de São Le-
opoldo – a primeira colônia sul-brasileira a receber imigrantes dessa origem.
Em homenagem ao Imperador, a colônia chamou-se São
Pedro de Alcântara, mas seu desenvolvimento foi prejudicado exatamente
pela abdicação do monarca e pela crise política, que tomou conta do país no
subseqüente período das Regências. A escolha do sítio que deveria abrigar o
empreendimento pioneiro deu-se, mais uma vez, por razões estratégicas, liga-
das aos conflitos pelos limites. Para a escolha do local onde deveria sediar-se a
colônia, não foram buscadas as melhores terras, nem as áreas agricultáveis que
porventura apresentassem maiores facilidades de escoamento da produção. Pro-
curou-se garantir o posto avançado representado pela vila de Lages, criada, em
1766, como conseqüência do ciclo tropeiro e como sentinela lusitana na extensa
divisa oeste do Brasil, que depois do arquivamento do Tratado de Tordesilhas,
substituído pelo de Madrid, nunca fora acordada com a Espanha. Essa falta de
definições criara uma enorme área de litígios, que a rigor estendia-se do norte
da Amazônia ao Rio da Prata, configurando o campo de disputa em que mais
tarde o Brasil se envolveria com a Argentina, o Paraguai, a Bolívia, a Colômbia
e com as Guianas, quase todas negociadas vantajosamente pelo Barão do Rio
Branco. No sul, Argentina e Brasil haviam herdado parte dessas pendências
e uma grande área contestada no atual oeste catarinense tornou imprecisas as
divisas definitivas entre os dois países até o início do século XX.

58
Santa Catarina no Século XIX

FONTE: PIAZZA, Walter. A Colonização de Santa Catarina

Nesse contexto, a sempre atenta coroa lusitana – quando se


tratava da estratégia de garantir terras no sul – estimulara uma obra notável e
ainda pouco reconhecida: a estrada que ligava a Ilha de Santa Catarina à Vila
de Lages, aberta trinta anos antes. A obra teve fundamental importância para a
ocupação e conhecimento do interior catarinense, e as circunstâncias acabaram
por determinar que nas suas margens se instalasse a primeira colônia de imi-
grantes alemães, inaugurando o ciclo povoador que iria mudar profundamente
todo o estado de Santa Catarina.
Em 1828 chegaram a Santa Catarina os primeiros imigrantes
não-lusitanos. Eram alemães, vindos principalmente de Bremen em número de
523, aos quais se juntaram 112 soldados da chamada Legião Alemã, mercenários
desengajados no Rio de Janeiro. Despachados pelo Inspetor da Colonização
Estrangeira, monsenhor Pedro de Miranda Malheiros, chegaram ao porto do
Desterro 635 pessoas, 276 no navio Luiza – em 7 de novembro – e 359 no
Marquês de Viana – no dia 12 do mesmo mês.
A esses colonos se juntaram, em novembro de 1829, 50 colo-
nos transportados pelo brigue Lucinda, quase todos soldados do 28º Batalhão
da Corte; e em dezembro de 1830 chegaram mais nove pessoas, pelo bergatim
Santa Catarina. A Colônia São Pedro era um empreendimento oficial, isto é,

59
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

FONTE: PIAZZA, Walter. A Colonização de Santa Catarina

bancado pelo governo, a quem caberia receber os imigrantes, oferecer os lotes


e garantir a subsistência dos assentados até que a terra lhes desse meios de
sustentarem a si e a suas famílias.
Essa colônia pioneira sofreu com a desorganização política
do conturbado momento nacional. Havia falecido a Imperatriz, o Imperador
abdicaria poucos anos depois e o período de regência descuidou do projeto
ambicioso da ocupação de terras inabitadas, chegando a combatê-lo e acabando
por abolir as despesas dele decorrentes. O Governo da Província, que procu-
rou remediar a situação, possuía na época poucas disponibilidades financeiras.

60
Santa Catarina no Século XIX

Os colonos tiveram que aguardar longamente pela demarcação dos lotes, e


o pagamento das diárias prometidas como ajudas de custo demorava a ser
honrado. Houve constantes tumultos, causados principalmente pelos antigos
soldados, que aos poucos foram deixando a região. Em 1830, o Presidente da
Província, Miguel de Souza Mello e Alvim, visitou a Colônia e suas impressões
foram favoráveis:

“Contudo, mui poucos desanimaram. Eles se lançam avida-


mente ao trabalho: os rigores do tempo, a rudeza selvática do país, nada pode
empecê-los; homens, mulheres, crianças, tudo trabalha com o maior acerto e
a mais assisada distribuição de serviços: enquanto os mais robustos derrubam
e queimam matas e plantam as terras, os outros e as crianças, cuidam na cons-
trução de suas casas, tecem os tetos de palha para as cobrir, tratam de toda a
economia doméstica e assim, como por encanto, no curto espaço de seis meses,
aparece um espaço de três léguas de cumprimento sobre duzentas braças de
largura, convertido de sertão bárbaro e intransitável, em terreno coberto de
seara de milho, trigo e legumes e todas as plantas do país, e de outras cujas
sementes trouxeram da Europa, assim como povoadas de pequenas e cômodas
habitações edificadas com uma facilidade verdadeiramente pasmosa.”

Abandonada à própria sorte, nem por isso a colônia deixou


de prosperar. Funcionaram os laços ancestrais de camaradagem nos momentos
difíceis e, aos poucos, a situação tornou-se melhor para todos. Os produtos,
levados às costas, eram comercializados em Desterro ou São José, além das
trocas com os viajantes que passavam no caminho que ligava Lages ao litoral.
Organizados comunitariamente, dentro das tradições que lhes eram caras, os
colonos puderam enfrentar todas as adversidades, incluindo secas e enxurradas,
a ponto de, segundo Aderbal João Philippi, “Dentro de alguns anos, todas as
famílias possuíam porcos, vacas de leite, bois e cavalos para o serviço nos enge-
nhos e no transporte. Alguns dos mais bem sucedidos adquiriram escravos...”.
A falta de qualidade de parte das terras e as dificuldades de comercializar os
produtos fizeram com que muitos dos habitantes procurassem outras áreas.
Dentre os fatores negativos, destaca-se o relevo. As características topográfi-
cas da bacia do médio Rio Maruí não foram propícias ao desenvolvimento e
sucesso completo da Colônia São Pedro. “Seu vale alcança, aproximadamente,
15 quilômetros desde a sede, a 200 metros de altitude, até as cabeceiras, que se
alçam a mais de 600 metros. Seus afluentes são ribeirões de 2 a 3 quilômetros,
em desníveis de 200 a 300 metros.” O núcleo estendeu-se assim para a bacia
do Rio Biguaçu, onde lançaram-se os alicerces de Antônio Carlos, e para a do
Rio Cubatão, mais próximo a Caldas da Imperatriz.
Apesar dos percalços, a Colônia progrediu e hoje a região
é uma das mais agradáveis e harmônicas de Santa Catarina. Dela derivaram
diversos municípios catarinenses, todos marcados pela tradição trazida pelos
imigrantes. Em função das dificuldades encontradas, muitos de seus morado-
res deslocaram-se, ao longo do tempo, para as colônias Blumenau, Brusque e
também para a Dona Francisca, contribuindo para o sucesso desses empreen-
dimentos com o aprendizado e com a adaptação que já tinham anteriormente
desenvolvido em terras brasileiras.

61
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

O PERÍODO REGENCIAL

Todos os empreendimentos coloniais estabelecidos na fase


das Regências lutaram contra problemas sérios. Walter Piazza afirma que “após
a abdicação de D. Pedro I a 7 de abril de 1831, inicia-se o Período Regencial,
com a Trina Provisória, as Trinas Permanentes e as Regências Unas. Trata-se,
no dizer de conceituado autor nacional, de período de xenofobia, onde todo e
qualquer estrangeiro é mal visto, odiado, e, conseqüentemente, os estrangeiros
não seriam bem recebidos, nem sequer como imigrantes”3.
Ainda assim, o período registra reações favoráveis à imigração
e contradições com a política oficial do governo, como a proposta positiva de
José Lino Coutinho, de 1832, e a que Piazza considera “aberrante”, de Joaquim
Vieira de Silva e Souza, de 1835, “propondo a criação de colônias, no interior
do país, com indigentes e criminosos”.
José Inácio Borges e Antônio Paulino Limpo de Abreu pro-
puseram, em 1836 e 1837, a venda de terras a preços moderados, como meio
de incentivar a imigração. Piazza cita que “em 1839, o Ministro do Império,
Francisco de Paula de Almeida e Albuquerque propõe um plano de coloniza-
ção estabelecendo áreas para tal, desde Santa Catarina, no sul, até o Ceará e o
Maranhão, no norte, e Mato Grosso no oeste, mas foi em vão”.
Apesar dos fatos contrários ocorridos no período das Re-
gências, a província de Santa Catarina já podia se considerar uma exceção no
contexto nacional. Valendo-se de documento do Regente Diogo Antônio Feijó,
de 1834, autorizando despesas com transporte e manutenção de imigrantes, já
em 1835 foram promulgadas leis que criaram duas colônias no Rio Itajaí-Mirim,
e em 1836 a Lei no 49, que autorizava “a colonização por empresas, quer por
companhias, quer individualmente, tanto a nacionais, como a estrangeiros”.
Nessa lei se basearia, mais tarde, a Colônia Nova Itália. A Lei no 79, de 1837,
assim como a nº 142, de 1840, também se referem à colonização.
Como conseqüência dos avanços da legislação, em 1837, o
Tenente Coronel José Joaquim Machado de Oliveira, presidente da Província,
fundou a Colônia Vargem Grande, na margem do Rio Bugres, afluente do
Cubatão. Em 1842 saem da Colônia São Pedro de Alcântara colonos rumo à
Colônia Itajaí, formando a frente pioneira que facilitará, em seguida, a fundação
da Colônia Blumenau e a ocupação definitiva do Vale do Itajaí-Açu. Outros
partiram ainda em direção à Colônia Santa Isabel, fundada em 1847, e daí,
seguindo o caminho das tropas, vão adentrando em outros vales. Alcançam,

62
Santa Catarina no Século XIX

assim, as nascentes dos formadores do rio Itajaí do Sul onde, em suas mar-
gens, o Governo Imperial instala a Colônia Militar de Santa Teresa, criada em
novembro de 1850 e instalada em 1854.
Dessa maneira, para fins de apreciação dos resultados da
imigração em Santa Catarina, pode-se considerar que os empreendimentos
iniciados até 1850 devem ser enquadrados como pertencentes aos primórdios
da imigração e dentro da fase das primeiras experiências. Nesse período, a quase
totalidade das colônias, a exemplo da Colônia São Pedro, era oficial, ou seja, o
governo imperial responsabilizava-se por viabilizar a vinda e o assentamento
dos colonos nas novas terras. Entretanto, apesar da Província de Santa Catarina
já dispor de uma Lei da Colonização, que desde 1836 permitia a instalação de
colônias por empresas tanto nacionais como estrangeiras, na prática restavam
dúvidas quanto à validade jurídica de tais concessões. Não existia ainda uma
grande companhia de colonização que tivesse aceitado tomar as rédeas do ne-
gócio, e a maior parte das terras era oferecida pelo governo brasileiro, por meio
de propagandas, diretamente ao possível comprador – muitas vezes colonos
ou comerciantes desejosos de imigrar, porém sem posses suficientes que lhes
possibilitassem correr riscos. O relatório de viagem do Dr. Blumenau, no qual
ele faz uma série de observações e recomendações aos colonos que desejam
Colônias do Período emigrar para o Brasil e também tece uma análise acerca da política brasileira
Regencial em Santa
de colonização até então empregada, é elucidativo:
Catarina
“Várias dúvidas foram levantadas contra a validade das
A lei nº 11, de 5 de maio de concessões de terras já entregues e ainda a serem entregues, baseadas na lei
1835, estabelecia a fixação de
mencionada (referindo-se à Lei de Colonização da Província de 1836), porém
duas colônias, de nacionais
e de estrangeiros, nos rios totalmente sem fundamento, como demonstra o extrato publicado acima sob
Itajaí e Itajaí-Mirim. Foram III4 . Até setembro de 1848 (data da minha partida do Brasil) ainda não havia
assim implementados os sido apresentada nenhuma lei imperial que revogasse a lei provincial supracitada,
arraiais de Pocinho (no rio o que provavelmente não ocorreu até agora. De acordo com esta lei, continuam
Itajaí-Açú) e do Tabuleiro
sendo concedidas terras. Eu mesmo, através desta lei, juntamente com meu
(no Itajaí-Mirim). A mesma
lei ainda estabelecia a criação sócio, o senhor Ferdinand Hackradt, recebi para a nossa colônia uma área às
de outros dois arraiais, um no margens do rio Itajaí, medindo aproximadamente 16.000 Morgen. Menos do
Ribeirão Conceição e outro que 100 Thaler foram pagos para taxas de cartório e outras despesas, referentes
em Belchior. Para esta última, aos documentos necessários, etc. No entanto, a concessão de glebas maiores do
devido aos ataques indígenas,
que aproximadamente 400 Morgen, ocorre somente se os recursos financeiros
foram encaminhados
elementos oriundos da ou crédito necessário para a cultura puderem ser comprovados. Cada um que
Colônia São Pedro e onde se ainda não possui terras, porém uma família e certos recursos financeiros, pode
implantou uma Companhia de reclamar até aproximadamente 400 Morgen. Se tudo estiver em ordem e não
Pedestres. houver direitos de posse anteriores, ele receberá a concessão. Na melhor das
Em 1836, 186 colonos
hipóteses esse procedimento demora de 3 a 6 meses, às vezes, também dois anos.
provenientes da Ilha de
Sardenha chegam à província Para não perder inutilmente tempo e esforço, não se envolver com processos
para efetivar a Colônia Nova jurídicos após ter recebido a terra, é necessário o conhecimento detalhado
Itália. Instalada no vale do Rio da localidade e a observação de algumas medidas de precaução. Além disso,
Tijucas, a colônia representava as terras ainda não reclamadas ou concedidas, encontram-se muito distantes
uma ligação entre o Vale
das vias atuais de comunicação, por isso, aconselha-se ao emigrante que tem
do Maruí (onde estavam os
colonos de São Pedro de o interesse de aplicar o seu tempo e dinheiro de uma forma rápida e boa, a
Alcântara) e os habitantes do comprar preferencialmente terras particulares, ao invés de correr atrás de uma
rio Tijucas, interligando-se, concessão de terras durante muitos meses, pois até então estas terras não têm
mais tarde, também com a valor e somente o terão a partir da abertura de caminhos. Junto ao caminho
Colônia Brusque.
de São José, em direção a Lages, na colônia Santa Isabel, ainda consegue-se
terras mais rapidamente, porque toda esta área ainda pertence ao Governo.

63
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Mas estas encontram-se muito distantes do mar e os produtos dificilmente


podem ser explorados, devido à atual condição dos caminhos. Quem tem a
possibilidade, deveria ficar perto do mar ou de um rio navegável e comprar
terras particulares.
Conforme a lei supracitada, a pessoa sem recursos não tem
muitas perspectivas, mas, em contrapartida, as pessoas e associações de colo-
nização abastadas e empreendedoras são favorecidas. Se há dois anos e meio
os meus conselhos referentes à colonização em Santa Catarina, tivessem sido
vistos com menos arrogância por certas partes, agora já se poderia obter um
lucro considerável, pois não pode ser exigido que um comerciante gaste o seu
dinheiro em vão. Esta seria uma atitude conveniente aos comerciantes grandes
e ricos, sendo um comportamento típico dos ingleses agir de forma grandiosa
para obter resultados ainda maiores. Um empreendimento grande poderia ser
bem fundamentado e estas partes distintas poderiam obter, além disso, a fama
de um patriotismo realmente alemão e não apenas articulada pelo Município.
Este patriotismo não pode ser obtido com segundas intenções, através da
oferta de banquetes aos homens alemães.”5

Lei da Colonização da Província de Santa Catarina possam ou não queiram satisfazer os empenhes contraídos,
1836 - nr. 49 e ainda não desobrigados. Por morte do Empreendedor, e
na falta verificada de herdeiros, que se obriguem a satisfazer
Art. l. É permitida a Colonização por empresa, quer por e exigir os empenhes mutuamente contraídos, o Colono será
Companhias, quer individualmente, tanto a nacionais, como considerado desde logo na propriedade da sorte de terras
estrangeiros, debaixo das regras, e com as vantagens, e que lhe estava destinada, bem como dentro do dito prazo
condições seguintes: de dez anos, em qualquer tempo, que se ache desobrigado,
Art. 2. Para estabelecimento de Colonos, qualquer Empre- para com o Empreendedor.
endedor poderá escolher terrenos, onde os houver devolutos, Art. 5. Os contratos entre o Empreendedor, e os Colonos
ou caídos em comisso, os que serão divididos em sortes de serão feitos por Escritura pública, ou por este modo ratifica-
terras na proporção seguinte: duzentas braças de frente por dos, quando tenham sido feitos em países estrangeiro.
cada Colono solteiro; duzentas e cinquenta, sendo casado Art. 6. Cada Colónia se estabelecerá em um Distrito de duas
sem filhos, trezentas e cinquenta, sendo casado com um até léguas ao quadrado, cada légua será do comprimento de três
três filhos; quatrocentas, sendo casado com mais de três milhas; cada milha do comprimento de mil braças. Poderão
filhos, todas com mil braças de fundo. também haver Quarteirões de Distritos de uma légua ao qua-
Art. 3. Pelo fato do estabelecimento do Colono, metade da drado. Naqueles o Presidente da Província escolherá e fará
sorte de terras fica desde logo pertencendo a propriedade reservar mil braças ao quadrado, neste quinhentas braças ao
do Empreendedor; e a outra metade no fim de dez anos quadrado para arraial e logradouro público.
ficará pertencendo ao Colono. Durante este prazo, o mesmo Art. 7. Dentro do prazo de dois anos depois da conces-
depois que ele findar, a metade, que compete ao Colono, são, será obrigado o Empreendedor a medir, e demarcar
bem como as benfeitorias nela feitas, serão consideradas o Distrito Colônia, pelas quatro faces; e dentro de quatro
como especialmente hipotecadas ao Empreendedor, em anos completará a distribuição das sortes de terras. As que
quanto aquele se não houver desobrigado dos empenhes no fim deste prazo estiverem por distribuir, serão conside-
contraídos; exceto se o empenho a que estiver obrigado con- radas devolutas.
sistir em prestação de serviço, pois neste caso se praticará em Art. 8. O Empreendedor, à medida que for estabelecendo
conformidade da Lei Geral de 13 de Setembro de 1830. os Colonos, será obrigado a medir, e demarcar as sortes de
Art. 4. Dentro do prazo de dez anos, por ausência, terras por um Demarcador juramentado, de nomeação do
ou morte do Colono, a metade da sorte de terras e este Juiz Municipal respectivo, passando-se certidão, a vista da
destinada passará à propriedade do Empreendedor, quando qual o Presidente da Província, dará dois Títulos, um ao
se verifique, que a família, ou herdeiros do Colono não Empreendedor, da metade que tiver escolhido para si, e

64
Santa Catarina no Século XIX

O SEGUNDO IMPÉRIO EM SANTA


CATARINA

O novo surto colonizador brasileiro, deflagrado a partir da


investidura de D. Pedro II como imperador, se refletirá na Província de Santa
Catarina pelo estabelecimento de diversas novas colônias.

A legislação provincial é incrementada pela Lei nº 234, de


31 de março de 1847, que dispunha sobre a instalação de imigrantes alemães
recém-chegados nas colônias da Província.

Data também desse período – 1850 – a “Lei de Terras”, con-


siderada um importante incremento à colonização no país e, conseqüentemente,
também em Santa Catarina.

outro ao Colono. foram concedidos, e a procederem a medição, demarcação


Art. 9. As sortes de terras, serão enumeradas seguidamente, e e tombamento das terras.
na medição, e demarcação, seja quais forem as irregularidades Art. 15. Os Colonos estabelecidos nos Distritos designados
do terreno, as frentes e fundos correrão a rumos retangulares; pelo Governo Provincial tiraram Título de confirmação da
e não poderá deixar-se terreno devoluto se encontrarem propriedade das sortes de terras, que lhe serão passados
terrenos inaproveitáveis, a sorte de terras se completará dentro dos prazos mencionados nos Artigos 12 e 13,
por argumento nas frentes, de tantas braças quantas forem provando eles, que tem satisfeito as obrigações de medição,
exigidas para a compensação. e demarcação, impostas nos mesmos artigos. A falta de titulo
Art. 10. Haverão na Secretaria do Governo Livros de Tom- de confirmação, torna devoluta a sorte de terras.
bos para as Colónias, e por cada Título que neles se registrar, Art. 16. Os terrenos por esta Lei concedidos serão a todo
se pagará mil e duzentos réis. A todo o tempo que a metade o tempo, e desde logo sujeitos às seguintes condições.
da sorte de terras do Colono, se torne propriedade deste, 1) Ficam revogadas as minas, ou quaisquer minerais na forma
ou do Empreendedor, segundo ocorrerem as circunstâncias das leis existentes, ou que se houverem de estabelecer a tal
dos Artigos 3 e 4, nos mesmos Livros se farão as .verbas respeito.
necessárias, que igualmente serão transcritas no Titulo que 2) O corte das madeiras fica sujeito as leis que o modificarão,
se houver passado. ou as que o possam para o futuro alterar.
Art. 12. Fica o Governo Provincial autorizado a designar 3) Ficam sujeitos os terrenos a dar lugar sem indenização
Distritos de Colónias, onde julgar conveniente, sendo a este a abertura de estradas públicas, canais ou cortes de rios,
caso aplicáveis as disposições dos Artigos 2, 6 e 9. As terras segundo o exigir a comodidade, utilidade, ou necessidade
assim concedidas serão obrigadas à medição, demarcação, pública.
e tombamento, dentro do prazo de um ano, depois da 4) Ficam igualmente sujeitos a dar lugar sem indenização aos
concessão. caminhos de comunicação entre os terrenos interiormente
Art. 13. Haverão também Colónias de criação de gado de sitos.
qualquer espécie e para estas a extensão dos Distritos poderá Art. 17. Os Colonos, que se estabelecerem em virtude desta
ser elevada até o dobro do que se acha estabelecido no Lei têm direito a toda a proteção do Governo Provincial e
Artigo 6: e aos Colonos, que nelas se quiserem estabelecer, serão exemplos de todo o ónus pessoal fora do Distrito da
o Presidente da Província poderá conceder sortes de terras Colónia, é de imposições de qualquer natureza por tempo
de quinhentas, a mil e quinhentas braças ao quadrado, sendo de dez anos.
obrigados dentro dos dois primeiros anos a estabelecerem Art. 19. Ficam sem vigor quaisquer disposições em contrário
nelas habitação, aplicando os terrenos ao fim para que lhe às acima mencionadas.

65
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Foi nesse contexto, marcado pela pacificação política ocorrida


depois de decretada a maioridade do imperador, que se instalaram algumas das
mais representativas colônias fixadas no estado. Elas deram origem a núcleos
urbanos prósperos – como foi o caso das colônias Blumenau e Dona Francisca
– e também a alguns núcleos fracassados – por exemplo, as colônias do Saí e
da Piedade.

COLÔNIA INDUSTRIAL DO SAÍ

Foi inspirada nas idéias de Charles Fourier para a criação dos


falanstérios, de inspiração socialista. O próprio imperador participou das ne-
gociações que permitiram a criação da Colônia do Saí, instalada na península
de mesmo nome, no município de São Francisco do Sul. Em 1841, com a
chegada dos cem primeiros “falansterianos” de origem francesa, iniciou-se a
instalação dos colonos, quase todos provenientes de cidades e pouco afeitos
às lides rurais. Disputas pelo comando do empreendimento logo dividiram os
colonos e a partir de 1844, após um rápido período de pequena prosperidade,
a colônia se desfez. Nada restou das incipientes construções que chegaram a
ser edificadas.

COLÔNIA DA PIEDADE

Instalada em 1847, na praia da Armação Grande (Nossa


Senhora da Piedade), com a introdução de 150 colonos alemães. Após seis
anos de existência, restava no núcleo apenas um único colono. Supõe-se que
o seu isolamento tenha contribuído para o êxodo dos imigrantes para outras
frentes coloniais.

COLÔNIA BELGA

Foi criada graças à iniciativa de Charles Van Lede que, após


solicitar ao governo belga a cooperação e a contribuição para a instalação de
uma colônia belga no Brasil, cria, em 1841, a Societé Belge-Brésilienne de
Colonisation.

Van Lede conseguiu, depois de demoradas negociações, a


concessão de terras nas localidades de Ilhota, à margem direita do Rio Itajaí-
Açu, e de Morretes, no Itajaí-Mirim. Em 1844 chegaram os primeiros colonos,
mas a partir de 1847 a colônia, já sem o seu diretor, passou a lutar pela própria
sobrevivência. Com a morte de Van Lede em 1875, em Bruxelas, as terras de
Santa Catarina foram reclamadas por seus herdeiros, tumultuando a vida dos
colonos que, mesmo assim, continuaram de posse das suas terras. Muitos
dos imigrantes e seus filhos foram atraídos pelo desenvolvimento da Colônia
Blumenau, mas restaram os que, juntando-se a contingentes luso-brasileiros,
criaram a base populacional do atual município de Ilhota.

66
Santa Catarina no Século XIX

COLÔNIA SANTA ISABEL

Situada às margens do Rio dos Bugres, na confluência com o


Cubatão, estendeu-se, mais tarde, rumo a Taquaras. Foi fundada em 1947 por
imigrantes alemães. Com rápido crescimento, encontrou a Colônia Vargem
Grande, que lhe era contígua. Muitos de seus colonos se mudaram em busca de
terras mais férteis, havendo quem se deslocasse para empreendimentos vizinhos
como Brusque e, principalmente, para Blumenau, além dos que buscaram a
Dona Francisca e o Paraná.

COLÔNIA BLUMENAU

Representa um dos mais importantes núcleos coloniais de


Santa Catarina e do Brasil. Sua implementação deu origem a uma das regiões
mais prósperas do estado, atualmente subdividida em numerosos municípios
onde prevalecem as especificidades culturais, os altos índices de industrialização
urbana e as pequenas propriedades rurais.

Dr. Blumenau e os antecedentes


da fundação da colônia

A Colônia Blumenau é fruto do empenho, dedicação e visio-


narismo deste singular personagem, o Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau.
A história da colônia se confunde com a sua biografia.
Nascido em 1819, Blumenau era o mais novo de seis filhos.
Em 1836, interrompeu os estudos por ordem do pai e passou à condição de
aprendiz de farmácia de renomado botânico, em cuja colheita de ervas “Blume-
nau tinha que trabalhar, na primavera, não raro, desde as quatro da madrugada
até as 11 da noite” . Segundo J. Ferreira da Silva, tendo terminado os estudos
no ano seguinte, prestando exame com brilhantismo, “empreendeu viagem a pé
pela Boêmia, Alta-Áustria, Salzburgo até Gastein e, passando por Saalfelder e
Passau, foi a Erfurt e dali regressou à cidade natal. Trabalhou em farmácias de
1840 a 1842, quando se associa a uma fábrica de produtos químicos em Erfurt.
Esteve em Londres e em seu retorno, matriculou-se no curso de Química. Em
1846 defendeu tese sobre “alcalóides”6.
Travou relações com o grande naturalista Von Martius, que
percorrera o Brasil anos antes em uma das mais impressionantes viagens dentre
tantas realizadas por naturalistas no século XIX. Estabeleceu contato também
com Alexandre von Humbold. Em Londres, conheceu o cônsul geral do Brasil
na Prússia, João Jacob Sturtz7. Entusiasta das possibilidades e do futuro do
país, Sturtz transmitiu a Blumenau a sua admiração pelas terras brasileiras .
Blumenau, que já cogitava a possibilidade de transferir-se para algum dos países
da América interessados na imigração alemã (Estados Unidos, Brasil e Chile),
entusiasmou-se ainda mais com a idéia.
Apenas sete dias depois de sua formatura, em 30 de março
de 1846, Blumenau partiu para o Brasil. Fazendo escala na Corte, estabeleceu
contato com autoridades. Visitou o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde

67
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

apresentou planos concretos e viajou, a pé, de Desterro até Itajaí, empolgando-


se então com os potenciais da região.
Constituiu sociedade com o comerciante Fernando Hackardt,
com quem rumou a Itajaí a fim de explorar as terras adjacentes ao grande rio.
Subiram os dois, em janeiro de 1848, o Rio Itajaí-Açu, passando pelos vários
estabelecimentos já existentes em suas margens, como a Fazenda das Flores,
a Colônia Belga, Pocinho e Belchior, para onde haviam rumado, por volta de
1836, vários alemães que deixaram a Colônia São Pedro de Alcântara.
Hackardt ficara encarregado de prover o lugar escolhido para
o estabelecimento da sede provisória da colônia da infra-estrutura necessária
para o recebimento dos primeiros imigrantes. Enquanto isso, Blumenau ru-
maria para a Europa, visando angariar simpatias para seu empreendimento.
Antes disso, dirigiu à Assembléia Provincial a sua proposta para a colonização
das terras recém-visitadas. Através do documento – datado de 26 de março
de 1848 e elaborado após entendimentos com o Presidente da Província,
Marechal Antero – pedia, como procurador da Sociedade Protetora dos Imi-
grantes (cargo ao qual havia sido nomeado ainda antes da sua primeira vinda
ao Brasil, a fim de averiguar as condições de vida dos colonos já instalados
no sul do país), que lhe fosse dada a concessão “de duas datas de terras, cada
uma com 5 ou 6 léguas, às margens do rio Itajaí”, para que fossem colonizadas
por imigrantes alemães.
O projeto compunha-se de nove artigos e a proposta era de
que a Sociedade ficaria obrigada a trazer agricultores alemães para as terras
solicitadas, regulamentando as obrigações tanto de uma quanto de outra parte.
No entanto, correntes contrárias à transformação do projeto em lei acabaram
frustrando os planos de Blumenau, que teve sua proposta rejeitada pela As-
sembléia Legislativa.
Essa decisão negativa, somada à dissolução, em Hamburgo,
da Sociedade Protetora, foi um duro golpe as suas aspirações. Porém, decidido
a levar a cabo suas idéias, organizou uma sociedade particular com Hackardt,
sob razão social de Blumenau&Hackardt. Com a firma, comprou uma gleba
de terras, nas imediações do Ribeirão Garcia, onde operaria como empresa
particular de agricultura e indústria. Só então partiu para a Alemanha em bus-
ca de apoio e gente para colonizar suas terras, deixando o sócio trabalhando
no local, na construção de ranchos, fazendo plantações e providenciando o
necessário às acomodações dos primeiros colonos.
Na Alemanha, Blumenau encontrou campanhas contra a emi-
gração para o Brasil, promovidas especialmente por agentes de outros países
interessados em receber imigrantes alemães. Além disso, tomou conhecimento
da fundação “Kolonisations-Verein von 1849”, em Hamburgo, sob a presidên-
cia do senador Cristiano Schroeder que, contando com o amparo do governo
brasileiro, havia recebido, através de doação, 12.800 hectares de terra do dote
da Dona Francisca, irmã de D. Pedro II, casada com o Príncipe de Joinville.
Tais terras ficavam próximas às de Blumenau e certamente concorreriam com
a sua colônia no aliciamento de imigrantes.
Com muitas dificuldades obteve a vinda de 17 pioneiros para
o início de sua almejada colônia. A viagem de volta foi cheia de turbulências.
O veleiro em que embarcou sofreu tanto com as calmarias quanto com as
tempestades. Na chegada ao Brasil, recebeu notícias nada agradáveis. O pai

68
Santa Catarina no Século XIX

falecera duas semanas após o seu embarque, a moça com quem almejava se casar
respondeu negativamente a sua investida e, para completar, Fernando Hackardt
dizia-lhe, por carta, querer desfazer a sociedade. Voltando às margens do Itajaí
para receber os primeiros imigrantes, encontrou desamparado o núcleo em que
investira “o melhor de seus seis mil thalers”. A situação era calamitosa.
Desfeita a sociedade, iniciou sozinho o empreendimento.
Procurou ajuda do Governo Imperial, de quem não obteve nada além de
promessas. Recebeu ajuda de um amigo, que lhe emprestou dinheiro. Assim,
em condição de quase desespero, recebeu o primeiro grupo de imigrantes,
poucos dias depois de seu regresso (segundo Ferreira da Silva, apenas duas
dessas famílias iriam radicar-se definitivamente em Blumenau).

1ª fase – Colônia Privada (1850


a 1859)

Blumenau foi fundada, portanto, como colônia privada pelo


Dr Hermann Blumenau, em 1850, na confluência dos rios Itajaí- Açu e Gar-
cia.
Os recém-chegados eram todos protestantes luteranos, a
maioria homens, de vinte e poucos anos e solteiros. As duas exceções eram
as famílias Friedenreich e Kohlmann. Estavam acostumados à vida mais ou
menos cômoda das cidades alemãs. Fora dois ou três lavradores, o resto pos-
suía outra profissão. Mesmo assim, todos deveriam trabalhar na terra. Dos
dezessete chegados à Colônia Blumenau, apenas o casal Friedenreich com
1

1 - Antigo porto de Blumenau,


por onde chegavam os primeiros
imigrantes.
2 - Barracão dos imigrantes,
onde ficavam instalados os
colonos recém chegados

FONTE: Edição comemorativa do


Centenário de Blumenau, 1950..

69
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

suas duas filhas pequenas e o charuteiro Frederico Riemer, todos provenientes


da Prússia, acabaram por estabelecer-se definitivamente no local. O restante
tomou outro rumo. Alguns se mudaram para outras colônias nas imediações
e outros seguiram para o Rio de Janeiro ou São Paulo, para sobreviver da sua
profissão.
Em 1851, apenas 8 imigrantes entraram na colônia, sendo que
a metade acabou por abandoná-la aos poucos e outros dois morreram afoga-
dos. A demarcação dos lotes urbanos e rurais foi iniciada em 1852, quando a
colônia sofreu um incremento de 110 novas almas.
Nesse ano, a colônia já contava com um médico, um professor,
um jardineiro, um alveitar, um ferreiro, um espingardeiro, um torneiro, dois
alfaiates, dois sapateiros, um pedreiro-escultor, um cavoqueiro, três marceneiros,
um construtor de engenho, um moleiro, dois carpinteiros e um tanoeiro. Os
demais eram agricultores. Abrigados no barracão improvisado, os ingressos
iam, pouco a pouco, tomando frente nos serviços agrícolas.
A variedade de profissionais que ingressavam na colônia era
muito mais do que uma simples coincidência. Na verdade, refletia uma preo-
cupação que Blumenau tinha desde que iniciara os projetos da colônia: a sua
sustentabilidade. Afora isso, tinha planos de servir a colônia de bons caminhos,
que possibilitassem a sua ligação com outros centros importantes da Provín-
cia. As ligações por via terrestre da Colônia rumo ao litoral, até Itajaí, e rumo
ao planalto serrano, até Lages, foram, durante muito tempo, uma meta a ser
cumprida. Muitas foram as tratativas de Blumenau com o Governo Imperial,
que lhe deveria viabilizar recursos para a efetivação dessas importantes obras
de infra-estrutura. Sua execução, porém, levou anos e só muito tempo depois
os caminhos foram definitivamente trilhados.
O primeiro decênio de existência da Colônia Blumenau foi
de desenvolvimento lento. A escassez de recursos, as enchentes que já no
primeiro ano assolaram terras da colônia, os ataques de “bugres” que assusta-
vam os colonos, a dificuldade de trazer mais imigrantes devido às campanhas
contrárias ao Brasil e à concorrência exercida pela Colônia Dona Francisca,
que lhe roubava colonos já no porto de São Francisco do Sul, foram fatores
que, paulatinamente, levaram Blumenau a reportar-se à Corte e pedir que lhe
fossem compradas as terras da Colônia. As negociações para a transferência
das terras de Blumenau ao Governo Imperial culminaram com a assinatura de
um acordo a 13 de janeiro de 1860.

2ª fase – Colônia Imperial (1860


a 1882)

“A boa vontade e a compreensão de D. Pedro II para com o


Dr. Blumenau e seus planos e projetos de uma colonização em grande escala,
foram fatores dos mais decisivos na conclusão feliz das transações.” 8
A partir da assinatura do acordo, todas as terras que Hermann
Blumenau possuía no Rio Itajaí – com exceção dos sítios da Velha, da Ponta
Aguda e do Salto – passariam ao domínio do Governo Imperial, que lhe pagaria
a quantia de 120 contos de réis, sendo que deste valor total abater-se-iam 85
contos de que o governo era credor. Além disso, Blumenau deveria permane-

70
Santa Catarina no Século XIX

cer à frente dos negócios, passando ao cargo de diretor da colônia, pelo qual
receberia 4 contos de réis por ano.
A imigração nesse período foi intensificada e houve a neces-
sidade de expandir os domínios da colônia. Era na direção da Serra do Mar
que Blumenau pensava em fazer essa expansão, acompanhando os ribeirões
do sul das serras do Jaraguá e do Itapocu, nos limites da Dona Francisca.
Parece que essa ligação entre as duas colônias teria sido acordo firmado entre
a direção das duas colônias perante o Governo Imperial. Porém, o Dr. Blu-
menau queixava-se do descumprimento de tal acordo por parte da direção da
Colônia Dona Francisca que, ao invés de orientar os trabalhos de demarcação
de lotes ao sul, rumo às margens do Testo, requerera grandes extensões de

Fritz Müller colonial. Os irmãos eram admirados pelo fundador da


Colônia, que entretanto desgostava-se de sua pouca
religiosidade: “Os seus sobrinhos trabalham com gosto e satis-
feitos e eu só desejaria que toda a minha gente tivesse a mesma
força de vontade e a mesma energia que eles tem. Apenas não
estou contente com o seu espírito de ireligião, especialmente do
Dr. Fritz...”. Talvez por esta razão Blumenau tenha su-
gerido o nome do naturalista para lecionar no Liceu em
Desterro. Relutou muito Fritz Müller antes de aceitar a
oferta irrecusável, pois sentia-se totalmente adaptado
à vida simples de colono (enquanto se correspondia
com cientistas, com Darwin...). Nos anos que passou
na atual Florianópolis (conta-se que o Presidente da
Província costumava assistir à algumas das aulas de
Fritz Müller), no amor das suas sete filhas ( a ninguém
quis delegar a educação de suas filhas, incumbindo-se
ele mesmo da tarefa, tendo confeccionado cadernos
e composto versos para substituir o material didático
que faltava), na publicação das pesquisas e na pródiga
Dentre os personagens ilustres da correspondência, sempre teve como objetivo voltar
imigração, torna-se obrigatória a inclusão do nome do para a vida simples da colônia. Com toda a sua singular
naturalista Fritz Müller. Conta Ferreira da Silva, que grandeza não escapou à sanha das intrigas políticas,
quando lecionava em Erfurt, Fritz Müller conhecera que acabaram por lhe custar o posto de “naturalista
“um jovem, como ele doutor em filosofia, bastante culto e simpático, viajante” do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Fritz
grande admirador da natureza e entusiástico apologista da emigra- Müller recebeu reconhecimentos científicos em vida:
ção alemã para o Brasil. Chamava-se Hermann Blumenau...” em 1868 a Universidade de Bonn conferiu-lhe o título
Tomando mais tarde conhecimento da fundação da de Doutor honoris causa, em 1874 foi nomeado sócio
colônia, resolveu Müller emigrar, acompanhado do correspondente da “Sociedad Zoolojica Arjentina”, e no
irmão Augusto e da esposa, com quem casara-se “de- mesmo ano recebeu o título de Doutor honoris causa da
pois de a muito custo ter obtido o consentimento paterno” tudo Universidade de Tuebingen; em 1884 foi escolhido só-
em 1852. Na colônia, “apesar de quatro vezes diplomado cio correspondente da “sociedad Nacional de Ciências
nas universidades da Europa” como observa o também de Buenos Ayres” e conferido o lugar de sócio honorá-
naturalista Pe. Raulino Reitz, os irmãos construíram rio da “Entomological Society”de Londres. O grande
com as próprias mãos, de madeira e barro suas primei- naturalista, a quem Darwin dizia “Eu não creio que exista
ras moradas. Foram de grande valia ao Dr. Blumenau, no mundo quem mais do que eu admire o seu zelo científico e
nos tempos difíceis em que grassava o desânimo até as suas admiráveis observações”, morreu em 1897, aos 75
entre os mais entusiastas adeptos do empreendimento anos. Dele disse Roquete Pinto: “Tudo quanto fez, vive,

71
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

terras a oeste, rumo aos núcleos coloniais de São Bento do Sul, como de fato
acabou acontecendo.
Seguindo sempre o curso dos rios que deságuam no Itajaí-Açu,
a colonização esparramou-se pelo Rio do Testo e seus confluentes, pelos ribei-
rões Branco, do Passo Manso, do Encano, da Mulde e outros dos numerosos
cursos d’água da região. Dessas expansões surgem os municípios de Pomerode
e Indaial, seguidos por Timbó, Rodeio e Rio dos Cedros. Os dois últimos
receberam, em 1875, uma leva de imigrantes italianos e tiroleses. A influência
italiana refletiu-se na arquitetura, na religião, nos hábitos alimentares e em
todos os outros planos da cultura local, formando, nessas áreas, uma mistura

Mapa da Colônia
Blumenau, de 1864.
Fonte: Arquivo Histórico
Nacional

interessante entre os elementos alemães e os novos ingressados.


Buscava-se também ligar a Colônia Blumenau à Colônia
Brusque, fundada em 1860 às margens do Itajaí-Mirim, nas antigas sesmarias
de El-Rei.
Em 1869, a Colônia Blumenau já contava com mais de 5.800
habitantes, divididos entre as localidades à direita e à esquerda do Rio Itajaí-
Açu. A Sede da Colônia (onde hoje está localizada a cidade de Blumenau)
contava com a presença de 556 pessoas. Destaca-se a ocupação incipiente de
localidades ao longo dos rios Encano (que hoje está na divisa entre Blumenau
e Indaial), Warnow (em Indaial, próximo a Ascurra), do Testo (que deu origem
ao município de Pomerode), Itoupava (localidade de Blumenau, na divisa com
Pomerode), do Rio Benedito e do Ribeirão da Mulde (hoje ambos na cidade de
Timbó, sendo que o primeiro segue até Benedito Novo) e o início da ocupação
ao longo do Rio do Cedro (essa com elementos italianos).
A entrada de imigrantes na colônia segue a passos tímidos
até 1875, quando há incremento de 1.129 novos imigrantes, a maioria do Tirol
austríaco de fala italiana e alemã, impulsionados, provavelmente, pela nova
política do governo brasileiro frente à imigração e como conseqüência do
estabelecimento do “Contrato Caetano Pinto”.
O resultado disso foi o povoamento da chamada “colônia

72
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

italiana”, com comunidades em Rio dos Cedros, Ascurra, Aquidabã e Rodeio.


No entanto, não foi totalmente pacífica a entrada de italianos em meio alemão.
Conforme relata Ferreira da Silva, “colonos de índole completamente diferente
da dos alemães, com que o Dr. Blumenau vinha lidando desde a fundação da
Colônia, tiroleses e italianos, principalmente estes, deram-lhe incômodos e
aborrecimentos inúmeros. Era gente mais fogosa, menos paciente, mais exi-
gente, apesar de suas condições de existência na Europa serem, talvez, bem
piores que a dos alemães. Principalmente os italianos, que vinham imbuídos,
os mais letrados, das idéias liberais que agitavam naqueles dias o seu país, não
puderam adaptar-se facilmente ao regime de disciplina, de conformação com
as deficiências, dificilmente removíveis, e com as necessidades de que a própria
administração se ressentia. Daí os muitos incidentes havidos entre aqueles
colonos e a direção colonial, a que aludem os relatórios da época”.
De acordo com os relatos de Ferreira da Silva, diferentemente
do governo imperial que, se não atendia a todas as solicitações, ao menos recebia
os pedidos de Blumenau com certa cordialidade, o governo provincial agia,
muitas vezes, no mínimo com descaso frente às necessidades da Colônia. O
Dr. Blumenau tinha que ser insistente para que tivesse seus pedidos atendidos
pelo governo local. Numa dessas ocasiões, um pedido do diretor da Colônia,
remetido ao governo provincial, para que lhe fosse permitida a demolição de
uma antiga casa de madeira, que servia de templo protestante, e a edificação,
com seu material, de uma casa que servisse de quartel e cadeia, “dá motivos a
uma troca de ofícios da qual se desprende a má vontade que o mesmo governo
alimentava relativamente a Blumenau”. Segundo Ferreira da Silva, isso se devia
ao fato de que as despesas com a colonização custavam caro à Província, se
comparada à parca receita de que esta dispunha. “Pela linguagem usada na cor-
respondência, nota-se que, embora respeitosa, ela ressumava irritação de parte
a parte, a ponto de, em certa altura, o Inspetor de Colônias, F. Quadros, fechar
uma de suas informações com este agastado final: ‘Já é tempo, me parece, de
o governo decretar a emancipação da referida Colônia que se acha em pé de
subsistir por si só. Bastam os sacrifícios que com ela se tem feito!’”.
A Colônia tinha sido elevada à categoria de Freguesia no ano
de 1873, por sugestão do próprio Blumenau, facilitando, com isso, as relações
entre a população colonial e os poderes civis. Em 4 de fevereiro de 1880 foi
aprovada a lei que elevou a Colônia à categoria de Município, e o decreto de
20 de abril do mesmo ano determinou a sua emancipação, levada a cabo em
18 de março de 1882. Acabava aí a atuação de seu fundador, dispensado do
cargo que ocupava em 17 de janeiro do mesmo ano, quando foi dissolvida a

Antiga Rua XV de novembro.

FONTE: Edição comemorativa do


Centenário de Blumenau, 1950..

74
Santa Catarina no Século XIX

direção da Colônia. Blumenau voltou à Alemanha com a família (a esposa e


duas filhas), deixando o estabelecimento a que dedicara 30 anos de sua vida
para regressar a sua pátria de origem, de onde nunca mais retornou e onde
faleceu em 30 de outubro de 1899.

COLÔNIA DONA FRANCISCA

A Colônia Dona Francisca foi, junto com a Colônia Blume-


nau, um dos núcleos coloniais mais importantes de Santa Catarina e de todo
o Brasil. Sua criação e consecutivas ampliações garantiram o sucesso e o de-
senvolvimento da região nodeste e norte do estado catarinense.

Criação da Colônia

“Aprovada pelo Decreto nº 537, de 15 de maio de 1850


que celebra o contrato com a Sociedade Colonizadora de Hamburgo para a
fundação de uma colônia agrícola em terras pertencentes ao dote da Princesa
Dona Francisca. Fica explicitada, no parágrafo 10, a proibição do emprego de
mão-de-obra escrava”.
75
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

As aldeias suíças de Beggingen,


Schleintheim e Siblingen, na
época da imigração, de onde
vieram vários dos primeiros
imigrantes da Colônia Dona
Francisca.

FONTE: CUNHA, Dilney. Suíços em


Joinville - o duplo desterro.

O fato de ter sido a primeira colônia implantada em terras


dotais, ou seja, cedidas como dotes de princesas brasileiras casadas com nobres
europeus, fez, desde o início, a diferença da Colônia Dona Francisca.
Até meados do século XIX, ainda restavam vastas porções
de terras desocupadas no sul do Brasil, particularmente na Província de Santa
Catarina. Grandes porções dessas áreas, consideradas devolutas – e, portanto,
propriedade da Coroa – foram incorporadas aos dotes das princesas, filhas de
D. Pedro I. Era um artifício. Sendo a família real portuguesa parte integrante
da alta aristocracia européia, procurava casar seus herdeiros com as melhores
famílias dos países vizinhos, buscando manter seu prestígio. Para isso, devia
oferecer dotes compatíveis aos pretendentes de sua linhagem. Com os cofres
relativamente vazios, a incorporação de imensas áreas de terras que quase equi-
valiam ao território de países europeus era uma maneira de tornar atraentes os

76
Santa Catarina no Século XIX

dotes, com custos baixos. Sabia-se que essas áreas eram produtivas, mas que
Príncipe de Joinville sua ocupação se ressentia de atrações econômicas imediatas, que estimulassem
o povoamento. A solução para esse impasse já havia sido proposta e executada
no século anterior, quando da imigração açoriana.
Ocorre que os empreendimentos migratórios são custosos: é
Terceiro filho
preciso arrendar navios, demarcar terras, divulgar os atrativos da região que se
do Rei da França, Fran-
quer ocupar, construir abrigos provisórios para os colonos, dar-lhes condições
çois Ferdinand Phililippe
de subsistência enquanto a terra não é produtiva etc. O próprio rei de Portugal
Louis Marie, o príncipe de
necessitara pedir empréstimos às freiras de Nazaré para as despesas relacionadas
Joinville esteve apenas três
com a imigração açoriana-madeirense do século XVIII.
vezes no Brasil. Em 1837
conheceu a princesa Dona Assim, quando a princesa Francisca Carolina se casou, seu
Francisca Carolina em um marido, o príncipe de Joinville, recebeu como parte do “Tratado de Casamen-
baile em sua homenagem. to”, uma gleba de “25 léguas quadradas de três mil braças de terras devolutas,
A segunda comandando a que poderiam ser escolhidas nas melhores localidades da Província de Santa
missão de busca dos res- Catarina”. Logo após o casamento, realizado em 1843, o casal foi residir na
tos mortais de Napoleão França (o príncipe era filho do monarca francês). Mas a realeza nesse país,
Bonaparte, trazidos da Ilha depois da revolução francesa, sustentava-se muito precariamente, vivendo em
de Santa Helena para Paris, sobressaltos e apoiando-se principalmente nas tropas estrangeiras estacionadas
e na terceira para casar em seu território.
com a princesa, em 1843. Em 1848, toda a família real exilou-se na Inglaterra. A situa-
Fazendo carreira na mari- ção econômica do casal era precária e o príncipe resolveu se desfazer de parte
nha, o príncipe de Joinville de suas terras. Em 1844, um ano após o casamento e já residindo na Europa,
comandou missões impor- havia nomeado representante para escolher as terras e tomar posse em seu
tantes, como o bombardeio nome. Era Louis François Léonce Aubé, que desempenharia um papel relevante
de Tânger, acabando por na futura colônia. Percorrendo a Província, Aubé escolheu a região da atual
ser promovido a Vice- cidade de Joinville, cujos limites foram demarcados por outro ilustre cidadão:
Almirante. Em agosto de Jerônimo Coelho (Oswaldo Cabral, em sua História de Santa Catarina, afirma
1844 já nascia a primeira que “Jerônimo Francisco Coelho foi, sem dúvida, o mais ilustre catarinense
filha do casal. O Príncipe do século XIX”). Em 1849, Aubé já estava na Inglaterra negociando, sempre
de Joinville, apesar de ter em nome do príncipe, a cessão de 8 léguas de suas terras em Santa Catarina.
contribuído significativa- O contrato foi assinado com o senador Christian Mathias Schroeder, rico
mente para o desenvolvi- comerciante de Hamburgo, dono de navios e com agência funcionando no
mento da colônia, depois Rio de Janeiro. Previa, entre outras cláusulas, a obrigatoriedade de introduzir
cidade, que hoje perpetua 1500 imigrantes em cinco anos. O senador constituiu, então, a Sociedade
o seu nome, jamais voltaria Colonizadora de 1849, em Hamburgo. Ato contínuo, contratou o engenhei-
ao Brasil, nem conheceria a ro Hermann Guenther, que chegou à colônia ainda em 1849, para tratar das
“Colônia Dona Francisca”. providências necessárias à recepção dos imigrantes. Ocorreram problemas.
Representando a família Segundo Apolinário Ternes:
Real, esteve em Joinville
“A inevitável falência do empreendimento liderado pelo sena-
o Conde d’Eu em 1884,
dor Mathias Schroeder, começou a ser contornada a partir de 1º de fevereiro de
sendo festivamente rece-
1851, portanto, apenas 37 dias antes da chegada do veleiro “Colon”. Naquele
bido na cidade e tendo-se
dia desembarcava aqui o filho do senador hamburguês, Eduard, que em visita
apresentado à população
à filial da empresa do pai no Rio de Janeiro, tomou conhecimento da chegada
no terraço da casa do re-
próxima dos primeiros imigrantes e decidiu inspecionar pessoalmente o local
presentante do príncipe
em que se iniciaria a colônia. Depois de uma viagem muito intranqüila pela
de Joinville ( atual Museu
costa brasileira que exigiu 8 dias de navegação a bordo do patacho “Pereira”,
Nacional de Imigração).
Eduard desembarcava no porto de São Francisco, acompanhado por um ami-
go, o médico suíço Dr. Koestlin, que permaneceria aqui por sete semanas e
presenciaria o desembarque dos pioneiros de 9 de março”.

77
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Mapa da Colônia Dona


Francisca, de 1856.
Fonte: Arquivio Histórico
Nacional

78
Santa Catarina no Século XIX

79
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Eduard Schroeder verificou que serviços indispensáveis ha-


viam sido negligenciados. Demitiu o engenheiro encarregado e desenvolveu
febrilmente os preparativos para receber os imigrantes. Finalmente, em 9 de
março de 1851 desembarcam em terra firme os 192 pioneiros, vindos no “Co-
lon” e nos patachos brasileiros que traziam os 74 noruegueses inicialmente
destinados aos Estados Unidos. É natural que o desapontamento tenha sido
grande. Entretanto, o carinho da recepção, o entusiasmo de Eduard, a pujança
da mata e a vontade de acertar foram maiores do que a chuva, os mosquitos
e os incômodos da acomodação. E a esperança e o trabalho duro logo come-
çaram a surtir resultados.
Nos passos dos pioneiros, novas levas se seguiram e, em rit-
mo forte, os acontecimentos sucederam-se na incipiente colônia. O próprio
perfil dos imigrantes começou a alterar-se quando da chegada da “Gloriosa”,
trazendo “capitalistas e empregadores” que se somaram aos colonos pioneiros,
em sua maioria agricultores e pequenos prestadores de serviços. Fundamental
foi o início da construção da “estrada da serra”, que levaria 30 anos para estar
concluída, e que seria importantíssima fonte de trabalho e entrada de capital
para a colônia, interligando-a mais tarde com o ciclo da erva-mate. Apesar
desses avanços, os custos e dificuldades também eram crescentes e a Socieda-
de passou por delicados momentos financeiros. Chegou a ser salva da virtual
falência pela intervenção do próprio príncipe de Joinville, que em momento
oportuno decidiu investir nas terras que reservara para si.
Os momentos mais difíceis acabaram passando e persona-
gens do quilate de Ottokar Doerffel (que encabeçou as iniciativas culturais,
foi membro da Direção da Colônia, Cônsul de Hamburgo e pai da imprensa
de Joinville) foram essenciais na superação dos problemas e no descortino de
novos horizontes. O início do ciclo da erva-mate veio trazer o alento definitivo,
reforçado pelas oportunidades surgidas com a eclosão da Primeira Grande
Guerra Mundial, quando a produção industrial encontrou espaço para subs-
tituir os produtos que os exportadores tradicionais – envolvidos no conflito
– não podiam suprir.
Desde então, a cidade permaneceu em contínuo crescimento
populacional e econômico, até alcançar a posição de hoje: município de maior

Primeira vista de Joinville, antes


da fundação. Desenho de
1850. Xilogravura publicada na
“Illustrierte Zeitung” de 1851.

FONTE: FICKER, Carlos. História de


Joinville - subsídios para a crônica da
Colônia Dona Francisca.

80
Santa Catarina no Século XIX

A estação de trem e a Rua XV, em população, dono do mais importante e diversificado pólo industrial do estado
Joinville, no ano de 1907.
FONTE: Portal SBS
de Santa Catarina.

O crescimento acelerado da cidade significou, depois da déca-


da de setenta, sua rápida urbanização e a paulatina transformação da paisagem
urbana. Hoje, Joinville ainda guarda uma parcela significativa do patrimônio
construído pelos imigrantes da Colônia Dona Francisca, mas boa parte do
acervo foi descaracterizada ou mesmo destruída.

COLÔNIA LEOPOLDINA

Sua fundação data de 1852 – através da Lei da Província nº


234 de 30 de abril de 1851 –, no Alto Vale do Biguaçu – entre os rios Biguaçu
e Tijucas Grande. Era vizinha da Colônia Belga e foi formada originalmente
por cerca de 55 colonos alemães e mais alguns belgas.

COLÔNIA MILITAR SANTA TEREZA

Criada a partir do regulamento para a criação de Colônias


Militares no Império Brasileiro, através da Lei nº 729 de 9 de novembro de
1850.

Foi instalada no caminho entre a capital e o planalto e, sendo


uma colônia militar, formada a partir da fixação de praças e suas famílias.

COLÔNIA ITAJAÍ-BRUSQUE

As medições para a instalação de um novo empreendimento


no vale do Itajaí-Mirim – onde, desde 1836, encontrava-se a Colônia Itajaí
– iniciaram-se em junho de 1856 e foram finalizadas em março de 1858, to-
talizando 37.000 braças quadradas, em local onde já se achavam encravadas
numerosas propriedades.
Os primeiros 59 colonos, de origem germânica, chegaram
acompanhados do próprio Presidente da Província, em 4 de agosto de 1860.

81
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Mapa da Colônia Itajaí e Príncipe


Vinha com eles o primeiro Diretor da Colônia, o Barão de Schneeburg. Am- Dom Pedro.
parada pelo governo, a colônia conheceu rápido desenvolvimento, a ponto FONTE: Arquivo Histórico Nacional.
da população, no final do ano de 1860, depois de novas levas de imigrantes, já
alcançar o número de 90 famílias e 406 pessoas. Em 1862, foram listados os
seguintes ofícios em Brusque: 8 sapateiros, 6 alfaiates, 5 carpinteiros e padeiros,
4 músicos e ferreiros, 3 marceneiros, pedreiros e tecelões, 2 carpinteiros de
carros, oleiros, mineiros e jardineiros, 1 espingardeiro, canteiro, funileiro, relo-
joeiro, ourives e curtidores. Em 1863 já seriam 965 pessoas, sendo 139 casais
católicos, 53 protestantes e 12 mistos. Em 1867, os habitantes de Brusque já
seriam 1448, segundo Oswaldo Cabral. O empreendimento, desde os primeiros
anos, passou a ser chamado de Colônia Brusque, em homenagem ao Presidente
da Província de Santa Catarina, Francisco Carlos de Araújo Brusque, que desde
a criação demonstrou grandes cuidados com seu desenvolvimento.
A área da colônia sofreu nova ampliação em 1866, com a
incorporação da Príncipe Dom Pedro. Em 1875 ultrapassou o divisor de águas
entre os rios Itajaí-Mirim e o Tijucas, rumando em direção a este.
Oswaldo Cabral observa, acerca do desenvolvimento da colô-
nia e do papel governamental, que “não se deve subestimar os sacrifícios e os
trabalhos dos pioneiros desta instalação colonial que em vinte anos conseguia
emancipar-se e em menos de um século se tornaria um dos mais prósperos
municípios de Santa Catarina. Não se deve negar o valor desses homens que
se expatriavam para vir, em busca de dias melhores para suas famílias, con-
struir, uma pátria nova, uma nova existência. Todavia não se deve exagerar
nem transformar aquilo que lhes era um benefício numa obrigação capaz de
reduzir as suas possibilidades e de entravar as suas atividades, suprindo com a
imaginação o desconhecimento dos documentos. Antes de decorrido um mês
da chegada dos colonos já havia ali um agrimensor a inspecionar e reabrir as

82
Santa Catarina no Século XIX

picadas anteriormente feitas e as primeiras famílias iniciadas no labor fecundo


Ottokar Döerfel da terra. Ao lado do agrimensor, um prático acudia os indispostos e enfermos
e quinze soldados protegiam o estabelecimento contra o temido ataque dos
silvícolas...embora desarmados...O trabalho era regulado por um diretor que
Em agosto do antes de mais nada zelava pelos interesses de seus dirigidos. O governo estava,
mesmo ano [1857], assu- pois, dentro das suas possibilidades, assistindo eficientemente a colônia e os
miu o cargo de contador e colonos mostravam-se satisfeitos.E, num gesto que faz lembrar velhas práticas
tesoureiro da Colônia Dona religiosas, ao Presidente da Província, que haviam por seu protetor, ofereceram
Francisca o Sr. Ottokar as primícias dos frutos da terra, resultantes do seu labor.
Doerfel. Não podemos
deixar de destacar a atuação
de Doerfel na fundação COLÔNIA NACIONAL ANGELINA
da colônia agrícola São
Bento. Na sua qualidade “Visando a um melhor aproveitamento do braço nacional,
de advogado e antigo pre- e tendo em vista o excesso de população sem terras, nas áreas litorâneas de
feito de sua cidade natal de Santa Catarina, fruto da má distribuição das sesmarias aos açorianos e seus
Glauchau - Saxônia, Do- descendentes, propôs o Presidente Francisco Carlos de Araújo Brusque ao
erfel emigrou por motivos Governo Imperial a fundação de uma colônia, o que lhe foi autorizada por
políticos, em 1854 , radican- Aviso de 30 de novembro de 1859”9.
do-se em Joinville. Grande
A colônia foi implementada em terras devolutas, às margens
estimulador da vida social e
do Ribeirão de Mundéus, próxima à antiga estrada São José – Lages, em
cultural, Doerfel fundou o
1866.
Kolonie-Zeitung e diversas
sociedades recreativas. Seu A proximidade com Santa Isabel e a relativa precariedade das
nome ficou intimamente instalações dessa colônia frente a Angelina favoreceram a inserção de colonos
ligado com os tempos pri- alemães na colônia, que deveria ser exclusivamente nacional, resultando numa
mórdios de São Bento. mescla desses dois elementos.

São Bento do Sul - Subsídios para sua


história - Carlos Ficker - pág 23
COLÔNIA SÃO BENTO

Extensão da Colônia Dona Francisca, a atual cidade de São


Bento do Sul é conseqüência direta do grande empreendimento que foi a
ligação do litoral com o planalto, abrindo-se o caminho que primeiramente
chamou-se “Estrada da Serra”, para logo encampar o nome pelo qual é até
hoje conhecida: “Estrada Dona Francisca”. A construção desta estrada foi
São Bento do Sul, bairro de estratégica nos destinos da colônia, pois além de possibilitar mais tarde o co-
Oxford e panorâmica do centro, mércio e o beneficiamento da erva-mate, criava alternativas de trabalho para
em 1920.
os imigrantes, permitindo principalmente para os recém chegados, meios de
FONTE: Portal SBS

83
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

84
Santa Catarina no Século XIX

85
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Mapa da expansão da Colônia


Dona Francisca que deu origem
a São Bento do Sul, 1875.
Na página anterior, Colônia
Dona Francisca e São Bento em
1878.

FONTE: Arquivo Histórico Nacional

subsistência até que pudessem tirar da terra o seu sustento.


Alcançado o planalto, foi possível contornar problemas po-
pulacionais já existentes na Dona Francisca, decorrentes do grande número
de imigrantes chegados e da ausência de lotes demarcados e prontos para a
ocupação. Com a expansão da Colônia rumo ao planalto, abriu-se um novo
estoque de terras férteis, valorizadas pelo clima, pela fertilidade do solo e pela
maravilhosa paisagem da região. Estes atributos foram então amplamente
divulgados, atraindo imigrantes de variadas regiões, em especial, segundo
Walter Piazza, “do Império Austro-Húngaro, quer fossem austríacos, tchecoslovacos,
pomeranos, galicianos (poloneses), ou, ainda, dinamarqueses”. Segundo Carlos Ficker,
os 70 “Pais de Famílias”, enviados ao alto da serra, levaram “dois dias de penosa
viagem, transportando as suas ferramentas, sementes e mantimentos em lombo de burro”,
para alcançar o local onde iniciou-se, a 22 de setembro de 1873 a “nova Co-
lônia São Bento”.

86
Santa Catarina no Século XIX

O INCREMENTO ITALIANO A PARTIR DE


1875

Em decorrência da assinatura do Contrato Caetano Pinto,


grandes levas de imigrantes italianos começaram a chegar a Santa Catarina
a partir do final de 1874. Foram inicialmente estabelecidos às margens das
colônias já implementadas – especialmente da Blumenau e também da Colônia
Brusque. Porém, devido ao grande contingente que chegava, novas colônias
– predominantemente de italianos – foram estabelecidas às margens do Rio
Tijucas e no sul catarinense.

ITALIANOS NO VALE DO RIO ITAJAÍ


(EXPANSÕES DA COLÔNIA BLUMENAU)

Rio dos Cedros

Após um mês de viagem, os primeiros trentinos aportaram


em Itajaí em dezembro de 1874. Daí rumaram à Colônia Blumenau, de onde
foram transportados até as margens do Rio dos Cedros, seguindo a Estrada
Pomeranos. Com a rápida e crescente ocupação da região, transpuseram o divi-
sor de águas, em direção aos afluentes do Itapocu. Outra leva de imigrantes,
chegada entre 1875 e 1876, povoou também a Picada Tiroleses, formando a
base do atual município de Rio dos Cedros.

Hoje, a influência do elemento italiano na região é facilmente


percebida na paisagem e nos hábitos da população.

“Picada de Rodeio”

A área situada além da confluência entre os rios Benedito e


Itajaí-Açu recebeu, a partir de 1875, levas de trentinos e também de imigrantes
provindos de Verona, Cremona, Brescia, Treviso e outras áreas da península
itálica. As primeiras 120 famílias, originárias da região de Trento, aportaram
em Itajaí em agosto de 1875. A partir daí, foram conduzidas em barcos até a
sede da Colônia Blumenau.

87
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Ascurra

Localizados às margens do Ribeirão São Paulo e do Rio Guari-


canas, nas proximidades do Rio Itajaí-Açu, imigrantes oriundos da Lombardia
e do Vêneto fixaram-se na região a partir do final de 1876. Deram início a um
dos municípios mais marcadamente influenciados por imigrantes italianos:
Ascurra, denominação devida à homenagem do Dr. Blumenau à vitória das
tropas brasileiras na Guerra do Paraguai.
A chegada à região era árdua: os pioneiros foram desembarca-
dos no porto de Itajaí, depois da penosa travessia do Atlântico, e conduzidos
por via fluvial até a sede da Colônia Blumenau, alojando-se no barracão dos
imigrantes. Daí seguiram em carroções até as margens do Ribeirão Warnow e,
por uma picada, até o Ribeirão São Pedrinho.

Apiúna

O atual município de Apiúna foi formado a partir do deslo-


camento de um grupo de famílias provenientes de Rio dos Cedros, Rodeio
e Ascurra, que decidiu rumar mais para o oeste a partir de 1878. Tratava-se
da continuidade da penetração pela região do Itajaí-Açu, até as encostas da
Serra Geral. Mais tarde, levas de alemães e poloneses juntaram-se ao núcleo
de povoadores italianos originais.

Colônia Luís Alves

A demarcação dos primeiros lotes dessa colônia iniciou-se em


dezembro de 1876, quando uma comissão encarregada de discriminar as terras
públicas das privadas no município de Itajaí rumou para o Rio Luís Alves.
O povoamento da colônia teve início em novembro de 1877,
quando a área começou a receber imigrantes italianos, austríacos e alemães,
que foram distribuídos às margens dos rios Luís Alves, Braço do Norte e do
Ribeirão Máximo. Colonos nacionais complementam a ocupação da colônia e
foram fixados às margens dos ribeirões Serafim e Braço Seco.
A colônia foi extinta pelo Aviso Ministerial de 9 de abril de
1880, como decorrência de uma solicitação do governo da província frente a
revoltas desencadeadas pelos colonos.

VALE DO ITAJAÍ-MIRIM E DO
TIJUCAS (ITALIANOS NA COLÔNIA
BRUSQUE)

Os núcleos de Porto Franco e Nova Trento surgiram a partir


da introdução do elemento italiano na Colônia Brusque, a partir de 1875. O
primeiro, em decorrência da região montanhosa onde foi instalado, permaneceu
isolado e, em pouco tempo, desintegrou-se.
Nova Trento, povoada inicialmente por trentinos e milaneses,
prosperou mais que o distrito de Porto Franco. Até 1880, cerca de 11.000

88
Santa Catarina no Século XIX

FONTE: PIAZZA, Walter. A Colonização de Santa Catarina

pessoas chegaram à localidade. Mesmo assim, muitos foram os imigrantes


que rumaram para outros núcleos do estado, ou mesmo para outros estados
e países.

REGIÃO SUL

Visto o excedente de italianos que chegava à província desde


1875, que as colônias Blumenau e Brusque já não davam conta de hospedar,

89
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

o Governo Imperial resolveu abrir novas frentes de expansão coloniais em


terras até então inexploradas, às margens do Rio Tubarão, no sul de Santa
Catarina.

Colônia Azambuja

A demarcação das terras ao sul de Santa Catarina foi iniciada


em janeiro de 1877. Em abril do mesmo ano chegaram os primeiros imigrantes
que, na confluência do Rio Pedras Grandes com o Tubarão, fundaram a Colô-
nia Azambuja.
A partir da sede da colônia abriram-se caminhos vicinais, ao
longo do Rio Pedras Grandes e de seus afluentes, para onde foram encamin-
hados os colonos italianos.
Em 1878, novas levas de imigrantes foram levadas do vale
do Tubarão para o Rio Urussanga, onde instalou-se uma sede secundária da
colônia. Outras sedes foram acrescidas posteriormente – Treze de Maio, Acioli
de Vasconcelos e Criciúma.
Em decorrência do crescimento demográfico, o chefe da
comissão de demarcação de terras – o engenheiro Vieira Ferreira – propôs a
emancipação da colônia, efetivada pelo Decreto nº 2.366 de 31 de dezembro
de 1881.

Colônia Grão-Pará

Situadas no Vale do Rio Tubarão, as terras da Colônia Grão-


Pará faziam parte do dote matrimonial da Princesa Dona Isabel, que havia se
casado com o Príncipe Gastão d’Orleans (Conde d’Eu) em 1864, mesmo ano
em que foi promulgada a lei que regulamentava os dotes das filhas de Dom
Pedro II.
Através de contrato assinado com Joaquim Caetano Pinto
Júnior, em 1881 iniciaram-se os trâmites para a efetivação da colônia, que re-
cebeu os primeiros imigrantes, provenientes de Gênova, em 1883. Formavam
um grupo de 22 famílias, perfazendo o total de 132 pessoas.
Seu crescimento transformou-a em distrito de Tubarão, em
1888.
Com a Proclamação da República, o Conde D’Eu vendeu o
restante de suas terras, transferidas à Empresa Industrial e Colonizadora do
Brasil.

Colônia Jaraguá

Situadas nas margens do Rio Itapocu, as terras destinadas à


Colônia Jaraguá também faziam parte do dote matrimonial da Princesa Isabel.
A medição do patrimônio da princesa iniciou em 1872 e, em 1879, chegaram
os primeiros imigrantes alemães, via Colônia Dona Francisca. Vieram, em
seguida, italianos, reimigrados da Colônia Blumenau, especialmente de Rio
dos Cedros.

90
Santa Catarina no Século XIX

ESLAVOS EM SANTA CATARINA

A história dos povos eslavos, que até 960 d.C. existiam de


forma coesa, é marcada por sucessivas separações e unificações, determinadas,
principalmente, por tensões de ordem religiosa. As fragmentações se iniciaram
com a divisão do Império Romano, no ano de 395 d.C., em Império Romano
do Ocidente (vinculado à Roma) e Império Romano do Oriente (de cultura
grega, vinculado a Constantinopla e à Igreja Ortodoxa).

A Polônia só surgiu, historicamente, entre 960 e 992, e em


966 foi convertida ao cristianismo.

A Ucrânia fazia parte do território do Principado de Kiev, que


existiu entre 800 e 1100 d.C. e reunia parte dos povos eslavos orientais, entre
eles ucranianos, bielo-russos e russos. Em 988 d.C., o imperador Valdomiro,
o Grande, introduziu o cristianismo em seu império, formatando a Igreja Or-
todoxa da Rush de Kyiv (como era chamado o Principado de Kiev).

Em 1054, a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica foi di-


vidida em: Igreja Católica Apostólica Ocidental (com rito romano, sede em

91
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Roma e sob autoridade do Papa, hoje conhecida como Igreja Católica Apos-
tólica Romana) e Igreja Católica Apostólica Oriental (com rito grego, sede
em Constantinopla e sob a autoridade do Patriarca Ecumênico, hoje chamada
Igreja Ortodoxa).

Em 1569, com a assinatura do tratado de união entre Polônia


(de cultura ocidental) e Lituânia (atual Ucrânia, de cultura oriental), a Igreja
Ortodoxa foi dividida em duas: a Igreja Ortodoxa Ucraniana (que em seguida foi
submetida à Igreja Ortodoxa Moscovita, de Moscou, retomando sua autocefalia
apenas em 1921), sob jurisdição de Constantinopla, e a Igreja Greco-Católica
Ucraniana, que se uniu a Roma.

Entre 1772 e 1795, a Polônia foi dividida entre a Prússia, Rús-


sia e Austro-Hungria e, somente após a I Guerra Mundial começaram a surgir
os novos estados. Polônia e Ucrânia passaram a existir definitivamente como
estados-nação a partir de 1918.

Imigração para o Brasil

A imigração de eslavos para o Brasil se deu a partir de 1890.


Mesmo provenientes de regiões com culturas diversas, poloneses e ucranianos
são, no início, genericamente registrados como russos ou alemães, devido à
condição política de seu território.

Poloneses

Desde 1869 até 1934, mais de cem mil poloneses se fixaram


no Brasil, sendo os estados do Paraná e Rio Grande do Sul os que receberam
a maior parte desse contingente (49.415 e 41.513, respectivamente). Santa
Catarina acolheu 6.350 imigrantes poloneses, e o restante (aproximadamente
8.000) foi distribuído por outros estados.

Entre 1872 e 1878, aproximadamente 1850 pessoas emigra-


ram das províncias prussianas, especialmente da Síria e da Pomerânia, para o
Brasil. Em 1890, esse número cresceu abruptamente, chegando a ser reportadas
mais de 30.000 pessoas em um só ano, movimento que ficou conhecido como
“febre polonesa”.

Santa Catarina foi o estado meridional que recebeu a menor


cota de imigrantes poloneses, sendo esses estabelecidos, na maioria das vezes,
às margens de colônias alemãs e italianas já existentes na capitania.

O primeiro grupo chegou ao porto de Itajaí no vapor Victo-


ria, em agosto de 1869, proveniente da alta Silésia. Num total de 80 pessoas,
o grupo estabeleceu-se na colônia Príncipe Dom Pedro, atual município de
Brusque, na linha Sixteen Lots, abandonada por irlandeses. Esse grupo migrou,
em 1871, para Curitiba. A segunda leva destinada à Colônia Itajaí chegou em
1875. Entre 1888 e 1890 chegaram novos imigrantes, originários da região de
Tomaszov e Lódz, importantes centros têxteis da Polônia, o que contribuiu
para o desenvolvimento da atividade têxtil da região. Foram os poloneses que
ali construíram os primeiros teares manuais.

A partir de 1873, e em 1875 e 1878, ingressaram os primeiros


poloneses na região de São Bento do Sul. Em 1880, iniciou-se a colonização
polonesa no norte do Estado, no município de Papanduva, e, em 1882, um

92
Santa Catarina no Século XIX

FONTE: PIAZZA, Walter. A Colonização de Santa Catarina

grupo estabeleceu-se na localidade de Pinheirinho, atual Jacinto Machado.

Em 1890, chegaram as primeiras famílias polonesas a Criciú-


ma, no sul do estado, fixando-se nas localidades de Linha Batista, Linha Cabral
e Linha Anta. Muitos imigrantes chegaram por volta de 1891-92 no município
de Grão-Pará. A presença polonesa já era sentida desde 1887 em Orleans.

93
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

O governo russo começou a reagir à evasão polonesa em


fins de 1890-91, censurando correspondências e impedindo saídas do país,
dificultando a emissão de vistos e passaportes. Além disso, foram distribuídos
panfletos de contrapropaganda nas ruas e os padres também tentavam con-
vencer os fiéis a não emigrar.

No entanto, as medidas não impediram que um grande con-


tingente de poloneses resolvesse deixar seu país em busca de uma nova vida
em outro continente.

Ucranianos

Os primeiros ucranianos que chegaram ao Brasil vieram da


Galícia-Oriental e fundaram, em 1891, a colônia de Santa Bárbara, situada entre
Curitiba e Ponta Grossa, no estado do Paraná.

Cerca de 20.000 imigrantes ucranianos desembarcaram em


terras brasileiras entre os anos de 1895 e 1897. A maior parte dirigiu-se para o
Paraná, estabelecendo-se nos arredores de Curitiba. Prudentópolis, Marechal
Mallet, Dorizon, Antônio Olinto (antiga Colônia Água Amarela) e União
da Vitória são algumas das localidades paranaenses colonizadas por grupos
ucranianos. Em Santa Catarina, fixaram-se, principalmente, nas localidades de
Iracema e Moema, que hoje fazem parte do município de Itaiópolis, na antiga
Colônia Lucena, onde também foi essencial a presença polonesa.

A imigração ucraniana arrefeceu nos primeiros anos do século


XX, tendo novo surto entre 1908 e 1914, por conta da campanha brasileira que
solicitava mão-de-obra para a construção da estrada de ferro que ligaria São
Paulo ao Rio Grande do Sul. Novos núcleos coloniais foram formados nos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Nesse período, cerca
de 18.500 ucranianos fixaram residência entre estes dois últimos estados. Até
1914, a imigração ucraniana no Brasil totalizava cerca de 45.000 pessoas.

Após a II Guerra Mundial houve nova pausa, sendo que, entre


1947 e 1951, mais de 7.000 ucranianos foram registrados nos portos brasileiros,
Imagens antigas da Colônia
dirigindo-se, dessa vez, prioritariamente para São Paulo. Lucena.
Planta da Colônia Lucena, de
1931.
FONTE: Arquivo Municipal

94
Santa Catarina no Século XIX

REFLEXOS DA POLÍTICA COLONIZADORA


DA 1ª REPÚBLICA EM SANTA
CATARINA

Com o objetivo de proporcionar um maior incentivo à coloni-


zação no Brasil, o governo criou várias novas colônias nacionais, pelo Decreto
nº 163, de 16 de janeiro de 1890. Formou-se um novo aparato legislativo, que
regulamentava a criação de Núcleos Coloniais. Os assuntos referentes à coloni-
zação passaram a ser responsabilidade do Ministério da Agricultura, Indústria
e Comércio, e constituiu-se o Serviço de Povoamento do Solo.

Em Santa Catarina, os reflexos da política nacional de incen-


tivo à colonização são sentidos também pelo incremento da legislação e pela
criação de novos núcleos coloniais.

A Colônia Federal Lucena

A Colônia Lucena foi fundada em 1891 pelo governo federal


e, logo depois, transferida ao governo do Paraná. Está diretamente relacionada
ao movimento conhecido como “febre polonesa”.
Oswaldo Cabral, na sua História de Santa Catarina, diz que:

95
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

“Os primeiros colonos chegaram em 1891 e eram de na-


cionalidade inglesa, ex-trabalhadores das fábricas de Londres, acrescidos de
alguns polacos e russos. Em 1895, o governo passou para o Estado do Paraná
os encargos da mesma, desistindo dos serviços de colonização da zona. Sob a
direção do Estado foram, então, encaminhadas para o núcleo algumas famílias
rutenas, idas de São Paulo e já afeitas à vida agrícola. Dois anos mais tarde,
uma nova remessa se fez, contando-se também elementos de origem polonesa.
Além destes, pela mesma época, se localizaram em Lucena muitos alemães que
haviam saído de São Bento, aumentando assim a sua população”.
A demora na demarcação dos lotes foi um dos principais
problemas que marcaram o início da colônia. Falta de alimentos, remédios e
acomodações, bem como reclamações e incompreensões recíprocas, estavam na
ordem do dia nos primeiros tempos. A situação se agravou quando sobreveio
uma enchente, em meados de junho de 1891, e, em seguida, uma epidemia de
tifo, conseqüência das más acomodações dos alojamentos.
Quando receberam os lotes, os imigrantes tiveram que en-
frentar os problemas “tradicionais” daqueles que começavam vida nova do
outro lado do Atlântico. Moradia precária, trabalho árduo na lavoura, espera
pela primeira colheita e ataques dos índios. No caso da Colônia Lucena, eram
os índios Xokleng que estavam estabelecidos no local quando da chegada do
imigrante, o que causou não somente um choque cultural como um verdadeiro
embate entre dois povos que estavam instalados na mesma região.

A Colônia Nova Veneza

Foi fundada em 1881, como um “burgo agrícola”, tarefa


executada pela Cia. Metropolitana que, além de Nova Veneza, fez também a
medição de Nova Trieste e Antonio Olinto.

A colônia recebeu mais de 2.000 imigrantes em 1881, todos


italianos.

A SOCIEDADE COLONIZADORA
HANSEÁTICA

“A Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo tinha sido


a única empresa alemã a se dedicar à introdução de colonos no Brasil. Durante
o período principal de suas atividades, de 1850 a 1888, encaminhara 17.408
colonos à Colônia Dona Francisca, em Santa Catarina, fundando os núcleos
coloniais de Joinville e São Bento do Sul. A partir de 1890 se tornava evidente
que a Sociedade não seria capaz de continuar o seu programa de colonização,
a não ser que se fundisse com uma empresa mais abastada.”10

Para que a fusão acontecesse, eram necessárias negociações


com empresas que pudessem vir a se interessar pelo negócio. Disso ficou
encarregado Carl Fabri, gerente da Sociedade desde 1887. Fabri iniciou as
negociações em 1891, quando entrou em contato com um consórcio fundado
por industriais e banqueiros da Renânia e de Berlim, ao mesmo tempo em que
estabeleceu contatos com as autoridades do “Reich”, em especial os Ministros

96
Santa Catarina no Século XIX

97
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

do Interior, da Fazenda e do Comércio. Com o governo, discutiu-se a abolição


do Registro von der Heydt, que desde 1859 proibia os agentes de emigração
de angariar emigrantes para o Brasil em território prussiano.

Com relação às posições políticas e estratégicas referentes


ao incentivo de um novo fluxo imigratório alemão para o Brasil, as opiniões
divergiam. O Ministro do Comércio era favorável ao movimento, visto que as
ações protecionistas adotadas pelos EUA haviam restringido as exportações
alemãs para aquele país, fazendo-se urgente a exploração de novos mercados.
O Ministro acreditava que o transplante de alemães para o Brasil faria com
que o mercado brasileiro de produtos alemães aumentasse significativamente,
desde que se conseguisse introduzir um número suficiente de novos colonos
do outro lado do Atlântico.

Por outro lado, o Ministro da Fazenda era contrário a qualquer


tipo de incentivo à imigração, visto que naquela época já havia emigrado um
número significativo de poloneses da região de Poznan, então província da
Prússia Ocidental, provocando uma defasagem na oferta de mão-de-obra
para a lavoura.

De mesma opinião era o Ministro das Relações Exteriores,


baseado nos pareceres do embaixador Dönhoff, em Petrópolis, e dos cônsules
Weber, do Rio, e Koser, de Porto Alegre, que desaconselhavam a emigração
para o Brasil. Segundo eles, dentre outras questões, o governo brasileiro daria
preferência à introdução de mão-de-obra assalariada nas grandes fazendas
cafeeiras do sudeste, em detrimento do desenvolvimento da pequena proprie-
dade agrícola alemã. Além disso, a política nativista do Brasil procuraria fazer
com que os imigrantes assimilassem a cultura local, fazendo-os esquecer a
sua própria. Havia também os problemas de adaptação às terras nativas, além
daqueles causados pela administração deficiente. Esses eram apenas alguns
pontos colocados contra a emigração para o Brasil.

Somente a partir de 1894, com o fim da Revolução Feder-


alista, é que a situação desfavorável se inverteu e foi possível retomar o projeto
iniciado por Fabri em 1891.

Em 1895, após uma visita às áreas de colonização teuta, o em-


baixador alemão no Brasil, Krauel, emitiu um relatório extremamente positivo
em relação à situação dos imigrantes e de seus descendentes no país. De acordo
com o relatório, os alemães teriam alcançado uma forte posição econômica
em Santa Catarina, dominando o comércio de importação. Joinville era con-
siderada uma cidade alemã; a língua e a cultura haviam sido preservadas graças
às escolas e às igrejas. Krauel lamentava apenas a pouca influência política dos
teuto-brasileiros, devido ao número ainda insuficiente de imigrantes.

Juntava-se às impressões positivas de Krauel a iniciativa da


maior companhia alemã de navegação transatlântica, Norddeutsche Lloyd, de
Bremem, que tinha como sua principal atividade o transporte de emigrantes.
Seu diretor, Heinrich Wiegand, ao visitar vários países do Cone Sul, chegou à
conclusão de que o Brasil era o país mais propício à imigração, onde os colonos
poderiam conservar sua cultura e sua língua.

Impressionado pelos argumentos de Wiegand e pelas infor-

98
Santa Catarina no Século XIX

mações de Krauel, o imperador ordenou que fossem estudados meios para


promover a colonização alemã no Brasil. A Sociedade Colonizadora Hanseática
foi finalmente fundada, pela fusão da Sociedade Colonizadora de 1849 de Ham-
burgo com o consórcio formado pelas principais companhias de navegação
da Alemanha, juntamente com grandes casas comerciais, em meio aos novos
bons ares que pairavam sobre a idéia da colonização alemã no Brasil.

O novo convênio que estabelecia a base para uma futura colo-


nização em larga escala foi firmado a 28 de maio de 1895, em Florianópolis,
entre o Governo de Santa Catarina, sob a administração de Hercílio Pedro da
Luz, e Carl Fabr,i como representante da Sociedade Colonizadora de 1849 de
Hamburgo. Foram destinadas para tal fim as terras devolutas disponíveis nas
zonas de São Bento, Blumenau, Curitibanos e Lages, além de terrenos do ex-
patrimônio do Conde e da Condessa d’Eu no Vale do Itapocorói.

Colônia Hansa

Para atender ao novo fluxo de imigrantes, estabelecido a partir


da criação da Sociedade Colonizadora Hanseática e da assinatura do convênio
com o Governo de Santa Catarina, foram criados quatro novos distritos colo-
niais que, juntos, formavam a Colônia Hansa:
– Itajaí-Hercílio: o maior e mais importante, localizado no
então município de Blumenau, com sua sede Hammonia (hoje Ibirama);
– Itapocu, no então município de Joinville (área que hoje
corresponde, em grande parte, a Jaraguá do Sul), com sede Hamboldt (hoje
Corupá);
– Sertão de São Bento, entre Joinville e São Bento do Sul;
– Piraí, no ex-patrimônio do Príncipe de Schönburg-Walden-
burg, no então município de Joinville.
A expectativa da sociedade era de introduzir, só no primeiro
ano, mil colonos e que, passados cinco anos, fosse possível chegar a seis mil
imigrantes por ano. No entanto, contrariando suas expectativas e frustrando
os planos iniciais, em dez anos (de 1897 a 1907) pouco mais de 3.700 colonos
deram entrada nos quatro distritos da colônia. Em 25 anos, a Sociedade Colo-
nizadora Hanseática não conseguiu introduzir na Colônia Hansa mais que o
número de europeus previstos para um ano.
Os planos de receber apenas imigrantes alemães também fo-
ram se transformando ao longo do tempo. Passaram as ser admitidos colonos de
outras regiões da Europa (Jaraguá do Sul, por exemplo, recebeu um contingente
de italianos e também de poloneses) e também de outros núcleos coloniais,
como os excedentes da Colônia Blumenau, inclusive brasileiros.
Com o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e
Alemanha na Segunda Guerra Mundial, os bens e as instituições da sociedade
em Santa Catarina passaram a ser administrados pelo Governo Federal e foram
incorporados ao Patrimônio Nacional em 1946.

99
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

NOTAS

1
CARDOSO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis – relações sociais e econômicas.
Insular: Florianópolis, 2000.
2
CABRAL, Oswaldo R. História de Santa Catarina. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Laurdes,
1970.
3
PIAZZA, Walter. A colonização de Santa Catarina4 Lei de Interpretação dos artigos
diversos da lei das reformas constitucionais – de 12 de maio de 1840. Art.8 – As leis da Pro-
víncia que estão em desacordo com as interpretações nos artigos precedentes, apenas pode-
rão ser consideradas como suprimidas, se esta supressão ocorreu através de uma ata expressa
pelo Poder Imperial Legislativo.
5
Trecho do relatório do Dr. Blumenau de 1850, entitulado “Sul do Brasil em suas referências
à emigração e colonização alemã – fragmentos de notícias, observações e sugestões especial-
mente para emigrantes”, reproduzido no livro “Um alemão nos trópicos: Dr. Blumenau e a
política colonizadora no sul do Brasil”.
6
SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. Florianópolis: Edeme, 1972.
7
É digno de nota o fato de que, anos mais tarde, o mesmo Sturtz, dispensado do cargo de
cônsul brasileiro em 1859, foi um dos agentes que fizeram intensa propaganda contra a emi-
gração ao Brasil e em favor de outros países, como os Estados Unidos e Chile. Estas campa-
nhas contrárias às terras brasileiras foi um dos principais fatores que dificultaram a introdu-
ção de alemães nas colônias brasileiras, entre elas a Colônia Blumenau.
8
SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. Florianópolis: Edeme, 1972.
9
PIAZZA, Walter F. A Colonização de Santa Catarina. 3ª edição. Ed. Lunardelli: Florianó-
polis, 1994. Pg. 153.
10
RICHTER, Klaus. A Sociedade Colonizadora Hanseática de 1897 e a colonização do
interior de Joinville e Blumenau. Florianópolis: Editora da UFSC; Blumenau: Editora da
FURB, 1986. pg. 15.

1
00
Santa Catarina no Século XIX

1
01
SÍNTESE DA IMIGRAÇÃO EM
SANTA CATARINA

O PODER PÚBLICO E OS EMPRENDIMENTOS IMIGRATÓRIOS

A IMPLANTAÇÃO DAS COLÔNIAS

RESULTADOS DA IMIGRAÇÃO EM SANTA CATARINA

A SITUAÇÃO ATUAL
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

O PODER PÚBLICO E OS
EMPREENDIMENTOS MIGRATÓRIOS

Os depoimentos que comprovam a participação imprescin-


dível do governo do Império e da Província no desenvolvimento das colônias
são numerosos.
A participação iniciava-se no estímulo aos empreendimentos
privados, que recebiam quantias relativamente vultosas com o compromisso
de introduzirem os imigrantes, e prosseguia na contratação dos colonos em
obras públicas, de modo a proporcionar os meios de subsistência vitais para
os recém-chegados. Essas obras, além da função inicial de garantir o sustento
das famílias enquanto as propriedades não fossem produtivas, foram vitais
no desenvolvimento da região, excepcionalmente dotada de obras públicas,
em especial de estradas e pontes, que puderam ser imediatamente adaptadas
quando os veículos mecânicos e as transformações do século XX colocaram
as ligações viárias como imperativas ao crescimento econômico.
Tome-se como exemplo os casos das Colônias Blumenau e
Dona Francisca, as duas de maior desenvolvimento em todo o estado.
Embora fosse um homem de relativas posses, o Dr. Blumenau
havia empregado todos os seus recursos na colônia que fundara, e estava em
má situação financeira quando do falecimento de seu pai. Investiu a pequena
fortuna que herdara, mas a situação tornou-se novamente difícil pouco depois,
apesar dos empréstimos e adiantamentos recebidos do governo. Para sanar esses
problemas crônicos, o empreendimento acabou sendo adquirido pelo Gover-
no da Província, que contratou o seu fundador para as funções de Diretor da
Colônia, passando a lhe pagar salários. É importante observar que, do preço
estabelecido, de 120 contos de réis, foram abatidos 85 contos, que o governo
já adiantara a Blumenau! Além desses auxílios diretos, foram constantes as
contratações de colonos recém-chegados, principalmente em obras públicas
como estradas e pontes. Assim, garantia-se o sustento enquanto este ainda
não podia ser tirado do lote e criava-se, em proveito da própria comunidade,
uma privilegiada infra-estrutura de transporte. Por volta da década de vinte,
o prefeito de Blumenau podia afirmar que seu município “era o mais bem
servido do Brasil” em estradas de rodagem. A Colônia Dona Francisca, onde
estava em jogo a própria reputação da família real, foi, no dizer de Oswaldo
Cabral, “mais que todas as de Santa Catarina a que maior soma de benefícios
e importância recebeu”. A contratação dos colonos recém-chegados, princi-
palmente na abertura da “estrada da serra”, e os investimentos variados, feitos
até pelo príncipe, garantiram o desenvolvimento da Colônia, até que o ciclo da

1
04
Síntese da Imigração em Santa Catarina

erva-mate veio proporcionar-lhe o arranque final. A Colônia Brusque recebeu


mais do que auxílio: foi desde o início um empreendimento oficial, criado e
inicialmente mantido pelo próprio governo catarinense. Segundo Oswaldo
Cabral, “Narram as crônicas que os 59 colonos alemães, que sob a direção do
Barão de Schnéeburg fundaram a nova colônia do Itajaí, levaram seis dias a subir
o rio... tendo a acompanhá-los não só o Diretor da Colônia como o próprio
Presidente da Província, Dr. Araújo Brusque”. Carlos da Costa Pereira relata
que, ainda durante a viagem, o Presidente foi solicitado a autorizar o uso de
seu nome na designação da nova colônia. Apesar dos vários apelos e discursos,
não cedeu, afirmando sempre que se deveria chamar o empreendimento de
“Itajaí”. A tradição, entretanto, não seguiu a opinião do dirigente e a colônia
foi sempre conhecida por “Brusque”. O empreendimento progrediu sob os
cuidados atentos de seu Diretor, que remetia detalhados relatórios ao governo,
sempre com pedidos de auxílios, que foram quase sempre atendidos. Cabral
narra que “Durante os primeiros seis meses de sua estada, os colonos recebiam
uma ajuda de custo destinada à alimentação, pois ainda não seria possível retirar
das terras o seu sustento. Havia uma tabela, que conseguimos encontrar, e que
era a seguinte: a cada criança até 5 anos se dava uma diária de 150 réis; de 6
a os 13 anos, de 200 réis; de 14 em diante, 400 réis; aos adultos sem família
a diária era de 500 réis. Entretanto, cada família não receberia mais de 60 mil
réis por mês, nem menos de 30. Além destas diárias, concedia o Governo, a
cada colono, 10 mil réis de tabuado (2 dúzias), para a construção da própria
casa provisória. O trabalho nas estradas era um subsídio que se acrescia a estes
favores iniciais. Venciam os colonos 900 réis por dia de trabalho na abertura de
picadas e caminhos, além daquela ajuda de custo, e para não serem prejudicados
nos serviços de suas lavouras, o Diretor era obrigado a revezá-los, por turnos,
nos trabalhos públicos...”. Com esses estímulos, somados ao desprendimento
e capacidade de trabalho de seus colonos, Brusque terminou o primeiro ano
de colonização contando já com 406 pessoas.

Selo da planta de distribuição


dos lotes da Colônia Nova de
Itajahy, mais tarde chamada
de Itajaí-Brusque, “fundada em
1860 pelo Exmo. Sr. Dr. Francisco
Carlos de Araujo Brusque,
Presidente da Província de Santa
Catarina”.

FONTE: Arquivo Histórico Nacional

1
05
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

A IMPLANTAÇÃO DAS COLÔNIAS

Os testemunhos são unânimes em assegurar que o sacrifício


exigido dos colonos não foi pequeno, principalmente dos pioneiros que des-
bravaram as primeiras clareiras. A chegada aos primeiros núcleos representava
invariavelmente um golpe poderoso. Os imigrantes esperavam encontrar muito
mais do que a mata praticamente virgem que os aguardava, como que apresen-
tando a dura realidade que teriam pela frente. A rudeza dos ranchos, o tamanho
da mata, o calor, a falta de provisões, a demora na demarcação dos lotes e do
pagamento dos serviços prestados, a ausência de quase tudo o que identifica-
vam como conforto e civilização fizeram com que muitos esmorecessem. As
doenças e eclosão de epidemias cobraram um alto tributo de vidas.
Com todas as dificuldades e percalços, engana-se quem
analisa a colonização promovida pelos imigrantes como obra exclusiva dos
operosos contingentes provenientes da Europa Central e da Itália a partir do
século XIX.
Além da participação governamental, também foi importan-
te a colaboração de antigos moradores e conhecedores das regiões onde se
instalavam os imigrantes, imprescindíveis nos primeiros anos da colonização
e importantes nos seus desdobramentos.
Walter Piazza1 faz menção ao homem que teria sido encarre-
gado, quando da instalação da Colônia de São Pedro de Alcântara, pela recepção
aos colonos recém-chegados:
“A 8 de outubro de 1807, fora concedida a Silvestre José dos
Passos uma sesmaria de 400 braças de frente na ‘entrada do Sertão do Maruí’
e 800 de fundo, no termo da freguesia de São José da terra firme. Coube-lhe
‘homem inteligente e último morador, no sertão da estrada projetada da capital
a Lages’ a tarefa de estabelecer os colonos alemães recém chegados e ser o
inspetor da Colônia de São Pedro de Alcântara, pela portaria de 9 de fevereiro
de 1829.”
O Dr. Blumenau igualmente se valeu da ajuda de antigos
habitantes do Vale do Itajaí para a exploração e fixação de sua colônia: “Acom-
panhado de seu sócio, Fernando Hackardt e do caboclo2 Ângelo Dias, faz
explorações ao longo do rio Itajaí-Açú e seus afluentes.” 3
Na correspondência dirigida ao Presidente da Província, em
que relata os primeiros dias de Brusque, o Barão de Schnéeburg enaltece o
auxílio de um antigo morador: “Tenho a honra de levar ao conhecimento de

1
06
Síntese da Imigração em Santa Catarina

Retratos dos primeiros tempos


nas colônias. A derrubada da
mata, a construção das primeiras
choupanas de palha e a fixação
das famílias no lote marcaram
o início de uma nova vida em
um novo mundo para muitos
imigrantes.

FONTE: Suíços em Joinville - o duplo


desterro, de Dilney Cunha.

V. Excia. que em 4 de agosto corrente (1860), quinto dia de viagem pelo Rio
d’Itajaí-Mirim acima, cheguei com a primeira turma de 55 colonos com bom
tempo e com muito zelo conduzidos pelo contraente Pedro Werner, (vulgo
Pedro Miúdo) ao lugar Vicente Só, cujo proprietário Pedro José Werner os
agasalhou com o melhor recebimento no seu espaçoso engenho de farinha”.
Assim foi em todas as colônias. Os primeiros anos foram
sempre muito difíceis para as famílias dos colonos. Havia a adaptação ao clima,
ao solo e a seus produtos. Além disso, corriam o risco de ataques indígenas
que, mesmo não sendo tão freqüentes como desenham alguns relatos, eram
iminentes e fazem parte da história de absolutamente todas as colônias que se
implantaram em Santa Catarina.

1
07
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

IMIGRANTES E NATIVOS

Ocorre que as terras supostamente desabitadas e consideradas


devolutas pelo governo eram, na verdade – e há muito tempo –, ocupadas por
grupos indígenas. No litoral, os Carijós haviam sido praticamente dizimados
pelos portugueses já no século XVII. Na faixa entre o litoral e o planalto
– aonde iriam se fixar os imigrantes a partir do século XIX – permaneciam
dois grupos tribais: os Xokleng e os Kaingang. Eram caçadores e coletores e
viviam em grupos de 50 a 300 elementos, percorrendo longas distâncias ao
longo do ano em busca de alimento. Segundo Sílvio Coelho dos Santos, o tipo
de organização e o deslocamento contínuo entre diversas regiões podem dar a
ilusão de que seriam grupos bem maiores do que realmente eram.
Por serem mais arredios e selvagens que o grupo do litoral,
dificilmente eram capturados ou aculturados. Estavam, na verdade, encurralados
entre a ocupação mais densa e mais antiga do litoral e os caminhos do planalto,
que ligavam o Rio Grande do Sul a São Paulo e que em Santa Catarina deram
origem à cidade de Lages e às fazendas de criação nessa mesma linha. A única
terra que restava então aos Xokleng e aos Kaigang era, justamente, aquela que
faria parte, a partir de 1829 – e com mais afinco a partir de 1850 – dos projetos
de colonização da província.
Os planos do governo iam muito além de uma ocupação do
território pura e simplesmente, mas visavam à fixação de grupos europeus
brancos, considerados “civilizados”, em oposição aos grupos autóctones, acerca
dos quais persistiam dúvidas, inclusive sobre a própria condição humana.
Por melhores que possam ter sido as intenções do governo
no que se refere à colonização de parte do território brasileiro por imigrantes
europeus não-ibéricos, e por mais impressionantes que possam ser os seus
efeitos, não se pode deixar de ter em mente que os resultados alcançados
deram-se em prol de alguns grupos e em detrimento de outros. Ao colocar
nativos e colonos frente a frente, muitas vezes disputando o mesmo espaço, o
governo acabou criando uma situação de tensão e embate que era, na realidade,
injusta para os dois lados.
O imigrante, a partir do momento em que adquiria seu lote
através de pagamento, legalmente era o dono da terra. Por outro lado, os grupos
que aqui já estavam também o eram legitimamente.
“Aos indígenas os colonos eram intrusos indesejáveis, tra-
taram assim de intimidá-los. Por outro lado, os colonos que se consideravam
civilizados, referiam-se ao perigo indígena.
A atitude hostil dos colonos, na sua maioria protestantes, fren-
te aos indígenas, não se diferenciava substancialmente da atitude dos colonos
portugueses do século XVI. Os imigrantes alemães adotaram a terminologia
local, denominando os indígenas de bugres4.
Mas, à proporção que esses civilizados iam adentrando as
florestas, ou subindo o grande e o pequeno Itajaí, foi mister usar de violência
para conter os silvícolas que, de quando em quando, lhes atacavam as moradias,
destruindo as plantações, roubando e matando”5.

1
08
Síntese da Imigração em Santa Catarina

Para combater tais ataques, os colonos armavam verdadeiras


caçadas pela mata e algumas colônias eram providas de uma Cia. de Pedestres,
que nada mais era que um grupo especialmente designado para proteger as
colônias dos ataques de “bugres” e que, juntamente com os chamados “bu-
greiros”, tratavam de afugentar e perseguir os nativos pela floresta densa. Aos
poucos, os nativos foram sendo escorraçados, mortos ou empurrados para
fora dos limites das colônias.
Por outro lado, a idéia de nativo selvagem incrustada na cabeça
de alguns colonos era muitas vezes fantasiosa e alimentada pela propaganda
contrária à imigração para o Brasil disseminada na Europa. Em vários casos
o próprio indígena – ou mestiço – foi o guia e instrutor dos colonos para o
estabelecimento de seus empreendimentos.
Silvio Coelho, estudioso do grupo Xokleng, discorre sobre a
curiosidade que os índios tinham sobre o modo de vida dos brancos e traça, a
partir daí, uma linha que vai da convivência pacífica até a disputa de terras:
“É necessário ter presente também, que os Xokleng, embora
arredios ao contato, tinham pleno conhecimento da presença dos brancos
e a ela haviam se acostumado. A própria topografia, com as altas serranias
próximas às vilas do litoral, facilitou ao índio observar o branco, sua vila e sua
talha. Embora as informações sobre este aspecto das relações entre índios e
brancos sejam praticamente nulas, é fora de dúvida que os Xokleng várias vezes
se aproximaram para observar o que faziam os brancos. O fato de utilizarem
o ferro nas pontas de suas lanças e flechas, à época da pacificação, corrobora
isso. Não imagine, contudo, que o índio observava o branco para atacá-lo.
Não, a observação era de forma a saciar a curiosidade sobre o novo habitante,
sobre suas roupas, armas, casas, etc. Mas por volta de 1850 as decisões que se
haviam tomado na Europa, na capital do Império e nas capitanias das Provín-
cias do Sul tiraram aos Xokleng qualquer possibilidade de fuga: seu território
estava cercado e pronto para ser conquistado. Ao mesmo tempo, essas deci-
sões deram origem a uma distribuição de papéis entre personagens que não
tinham possibilidade de livre e conscientemente aceitá-los. Assim, nessa altura,
estava armado o cenário e os principais atores, o índio, o colono e o bugreiro,
começavam a representar o que lhes fora reservado. O teatro trágico estava
definitivamente iniciado.”6
Os embates com índios ficaram mais freqüentes à medida que
aumentava o número de colônias e, conseqüentemente, tomavam-se as terras
que até então eram usufruto dos indígenas. Uma das passagens mais conhe-
cidas de ataque dos bugres ocorreu na Colônia Blumenau, na ausência de seu
administrador, que se encontrava em viagem a Desterro. O registro foi feito
e remetido ao Dr. Blumenau pelo professor Ostermann e fornece elementos
interessantes sobre o assunto:
“Velha, 29 de dezembro de 1852. Mui prezado senhor Doutor.
Um importante acontecimento obriga-me a escrever-lhe esta carta. Ontem à
tarde, depois da hora de descanso e de haver tomado café, fui ao jardim para
plantar feijão, enquanto meus companheiros Schramm e Troepel se ocupavam
em limpar as suas espingardas e carregá-las novamente. Enquanto estavam
neste mister, ainda brincavam dizendo: ‘agora estamos preparados para receber
bugres caso eles venham nos atacar’.
De repente ouviram gritos saídos da roça de mandioca.

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09
Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Schramm foi ao dormitório, que ficava em cima, para ver o que se passava e
viu três bugres no alto, ao lado do rancho de secar tijolos e telhas. Tomou,
rapidamente da espingarda e correu em direção aos bugres. Estes recuaram um
pouco. Neste momento, aos chamados de Schramm, deixei o jardim e entrei
em casa, Schramm procurou, então, falar aos bugres, por mímica, largando a
espingarda no chão e mostrando-lhes um ramo verde como sinal de paz.
Os três bugres conferenciaram entre si. O cacique se achava
dentro da plantação e dali dirigia o assalto, ordenou-lhes e mais a outros bugres
que se achavam escondidos, que atacassem a casa e os moradores. Os bugres
avançaram e Schramm levantou a arma do chão.
Nesse ínterim, Toepel havia carregado as restantes espingardas
existentes.
Eu e a criada Lisette, que estava muito assustada, apressamo-
nos em ir de canoa, até a embocadura do Garcia para chamar os homens ali
ocupados. No lugar ‘Velha’, achavam-se, no momento, só quatro homens.
Embarcamos na canoa sete homens, entre os quais Fritz
Deschamps e W. Friedenreich. Os restantes seguiram por terra até a Velha.
Quando chegamos perto do local do assalto, ouvimos alguns tiros. Schramm
e Toepel tinham recuado de propósito até o sótão da casa nova para animar
os bugres a se aproximarem. Existia pouca pólvora e chumbo e era preciso
ganhar tempo até que chegassem os homens do Garcia.
Cinco bugres aproximaram-se apressadamente da casa e
entraram na sala, examinaram a mobília e começaram a carregar, com muita
alegria tudo quanto achavam bom. Ressoou, nesse momento, um tiro, partindo
do sótão da casa e um dos bugres foi ferido no ombro. O ferido e os demais
assaltantes, com gritos e lamentos, abandonaram precipitadamente a casa en-
trando na roça de mandioca. Enquanto fugiam, atiraram muitas flechas visando
aos atacantes das janelas das casas, felizmente sem ferir ninguém.
Schramm e Troepel atiraram também contra os fugitivos,
ferindo dois deles. Um caiu, mas auxiliado por seus companheiros pôde entrar
na roça de mandioca e, dali, no mato. Como já fosse noite fechada, deixamos de
perseguir os bugres. Os homens que comigo tinham vindo do Garcia chegaram
pouco depois da fuga dos bugres e pernoitaram conosco na Velha. Perto da
casa e nas imediações da roça encontramos 4 arcos e 8 flechas.
Ao romper o dia 29, principiamos, com a assistência de
Schramm, a perseguir os bugres. Entrando no mato, logo atrás da plantação
de mandioca, achamos um bugre ferido, sem sentidos, em estado gravíssimo.
Mandei sem demora, chamar o Sr. Friedenreich para ver o moribundo. Antes,
porém dele chegar, o bugre faleceu.
Era uma figura aliás, robusta. Tinha aproximadamente, 20
anos e, no lábio inferior, um pedaço de madeira, característico da tribo dos
botocudos. Transportamos o cadáver e demo-lhes sepultura.
Avisei o comandante do destacamento dos soldados de Bel-
chior para mandar percorrer os vales do ‘Velha’ e do ‘Garcia’.
Comunicando estes fatos, observo que aqui continuamos sem-
pre com coragem e trabalho para adiantar a Colônia. Esperando suas ordens ou
seu pronto regresso, subscrevo-me com toda estima. (Ass.:) F. Ostermann.”7

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Síntese da Imigração em Santa Catarina

Carlos Ficker, na sua História de Joinville, também faz menção


aos ataques indígenas sofridos pela Dona Francisca, transcrevendo trecho de
carta escrita pelo diretor da colônia, Ottokar Doerffel:
“Cinco dias após a visita do Presidente Thomé da Silva
(ocorrida no dia 18 de novembro de 1873), registrou-se o primeiro ataque de
bugres na Colônia Dona Francisca.
O aborígene foi sempre o terror dos colonos, apesar de a
Colônia ou Joinville até essa data nunca ter sofrido um ataque dos selvagens.
Verdade é que, em 1836, uma família brasileira inteira foi aniquilada pelos
bugres, no local onde, em 1852, o norueguês Peter Lyng instalou a olaria, hoje
esquina da rua do Príncipe e rua São Pedro. Desde então não se registrara
qualquer assalto. As primeiras referências aos bugres foram feitas em 1862
por August Wunderwald, quando este encontrou nas suas excursões na Serra
das Duas Mamas, vestígios de acampamentos gentios.
Agora, a 25 de novembro de 1873, traiçoeiros e atacando de
emboscada, os bugres assaltaram a casa do Sr. Johann Lenschow, último colone
em direção ao Vale do Rio Seco, na Estrada da Serra. Repentinamente, como
era tática do silvícola, saltaram do mato uns 30 ou 40, gritando e flechando
Lenschow, sua mulher e uma filha de 7 anos. [...]
Os bugres apoderaram-se dos objetos encontrados na casa
de Lenschow, seus machados, enxadas, petrechos de cozinha e alcochoados,
desaparecendo em seguida na selva.”8
A escassez cada vez maior de recursos que provinham o
sustento dos índios – que já estavam minguados antes da chegada dos imi-
grantes e que, após a implantação das colônias, passaram a ser cada vez mais
difíceis – forçava-os a armar ataques como esse, num ato desesperado de
sobrevivência.
Houve tentativas de catequizar os índios, porém sem muito
sucesso, pois, por serem arredios, embrenhavam-se nas matas onde os padres
capuchinhos jamais ousariam se aventurar. São raros os casos como o de
Itaiópolis, onde se considera ter havido algum sucesso nesse tipo de empre-
endimento:
“No contato com os índios, podemos citar duas importantes
personagens: Eduardo de Lima e Silva Hoerhmann, sobrinho-neto do Duque
de Caxias, indianista, e o Padre João Kominek. Este, com a colaboração de
Eduardinho, depois de muitos perigos e sacrifícios, conseguiu batizar grande
número de silvícolas. Com o seu trabalho e dedicação, ficou preservada a cultura
dos botocudos do Taió, bem como impedida a sua extinção pela violência”9.
A presença do índio está marcada até hoje nas regiões onde
se fixaram os imigrantes. Muitos lugares fazem referência explícita, através da
toponímia (Itapocu, Itajaí-Açu, Itajaí-Mirim, dos Bugres, Itoupava, Timbó,
Indaial, Itaiópolis...), à existência dos grupos que precederam a chegada dos
colonos europeus. Algumas terras indígenas (como é o caso da Reserva de
Ibirama) estão hoje localizadas às margens das antigas colônias, o que nos
permite uma leitura da sua paulatina expulsão de um espaço amplo para o
confinamento em algumas poucas áreas, onde sobrevive uma pequena parcela
de seus descendentes.
.

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Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

AS ENCHENTES

Além dos impasses com os índios, outros problemas preci- Imagens da enchente em
Blumenau no ano de 1911.
saram ser enfrentados e resolvidos pelos primeiros imigrantes. A demora na
demarcação dos lotes foi quase uma constante nas diversas colônias, forçando FONTE: Publicação comemorativa
sobre o Centenário de Blumenau,
os imigrantes a passarem os primeiros tempos em condições precárias, em 1950.

ranchos improvisados, sujeitos a doenças de todos os tipos e atrasando o início


das plantações que lhe proveriam o sustento necessário.
Porém, mais graves do que as dificuldades dos primeiros dias,
provocadas pela desorganização e falta de infra-estrutura inicial, foram os es-
tragos causados pelas enchentes que, desde os primórdios, assolaram muitas
das colônias de Santa Catarina – a colônia Blumenau é a mais representativa
disso –, pondo abaixo boa parte dos esforços e dos trabalhos iniciais.
“Em novembro de 1855, chuvas continuadas fizeram trans-
bordar o Itajaí e seus afluentes, alcançando as águas a altura de 9 e meio metros
acima do normal, provocando perigosa inundação do povoado. Casas foram
alagadas e algumas arrasadas, plantações destruídas.
Esse foi um duro golpe no estabelecimento, que crescia com
tantas dificuldades e tantos sacrifícios. [...]
O próprio Dr. Blumenau perdeu a casinha onde morava,
arrancada pela fúria das águas e levada rio abaixo.”10
De norte a sul, quase todas – se não todas – as colônias
sofreram, em maior ou menor grau, com os transtornos decorrentes das
enchentes.
Wilson Carlos Rodycz, ao falar sobre os primeiros anos da
Colônia Lucena, também faz menção às dificuldades causadas pelas intem-
péries, que vieram agravar as condições já precárias dos primeiros tempos da
colônia:
“Os problemas aumentaram a partir de 21 de junho de 1891
em razão da grande enchente ocorrida na região, inundando os barracões de
alojamento dos imigrantes, tanto em Curitiba como em Rio Negro e também
nos outros núcleos do vale do rio Iguaçu.”11
Os problemas acarretados com a cheia dos rios geravam de-
sânimo e descontentamento àqueles que vinham com a esperança de começar
uma vida nova e próspera. Não que se ignorassem os percalços por que deve-
riam passar, mas a sensação de perda e o trabalho de reconstrução são sempre
piores que o enfrentamento de qualquer dificuldade inicial.

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Síntese da Imigração em Santa Catarina

AS ESTRUTURAS BÁSICAS DAS


COLÔNIAS

Superadas as situações mais aflitivas, os primeiros anos das


colônias resumiam-se ao trabalho árduo na pequena propriedade que deveria
produzir o suficiente para o sustento da família, além de um excedente que
pudesse ser trocado ou comercializado.

Havia também que prover a própria colônia, como um todo,


da infra-estrutura que possibilitasse ao imigrante uma vida mais cômoda e
uma atividade social permanente. Paulatinamente, construíam-se serrarias,
olarias, moinhos e atafonas, e o núcleo principal se condensava ao redor das
casas comerciais, igrejas, escolas e salões. Pouco a pouco, estabelecia-se uma
“ordem urbana” e o isolamento no lote deixava de ser regra.

Nas áreas de colonização alemã implantadas no Brasil, o


isolamento de grupos de colonos é uma das características marcantes, em
especial nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. “O isolamento,
as dificuldades de implantação de serviços públicos e a homogeneidade étnica
levaram os imigrantes alemães a se estabelecer, comunitariamente, nos moldes
mais próximos possíveis de sua região de origem.” Logicamente, não se pode
falar de uma homogeneização no sentido estrito do termo, já que podemos
identificar, dentre o grupo que chamamos alemães, badenses, prussianos e
bávaros, entre outros, assim como uma mistura entre católicos e protestantes.
No entanto, as diferenças dentro do grupo diminuíam em virtude de três razões
principais: o Deutschtum, a presença de indivíduos de outras etnias (polone-
ses, italianos, belgas, suíços...) e a solidariedade entre os colonos, derivada dos
problemas inerentes à colonização.

As casas comerciais, como a Cia.


Jensen, eram um dos principais
focos da vida econômica e social
das colônias alemãs.

FONTE: Publicação comemorativa do


Centenário de Blumenau.

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Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

É importante ressaltar que os grupos de colonos alemães


foram os primeiros a ingressar no país com o objetivo de levar a cabo o pro-
jeto imigratório para ocupação de terras devolutas. As colônias eram pouco
a pouco implantadas, os lotes levavam anos para serem demarcados e em
muitos casos o colono só tinha acesso as suas terras se ele próprio abrisse as
primeiras picadas.

Nesse contexto, sobressai a idéia da construção de uma nova


pátria (Heimat) em um local inicialmente selvagem. O trabalho alemão é vis-
to como essencial ao desenvolvimento da região, em oposição à “preguiça e
insolência cabocla”.

Alemãs, italianas, polonesas, ucranianas, húngaras, suíças,


belgas... Não importam as origens dos imigrantes, o fato é que, em todas elas,
os grupos recém-chegados passaram por experiências muito similares e, com
o passar dos anos, trataram de prover os lugares onde fixaram seu novo lar das
infra-estruturas necessárias ao desenrolar da sua vida cotidiana, a exemplo do
que estavam habituados nas suas terras de origem.

Falaremos mais detalhadamente das estruturas implementa-


das nas colônias no próximo capítulo, ao tratar das funções da arquitetura. As
O desenho ilustra com
edificações e os núcleos coloniais derivados desse arranjo formam a base do simplicidade a estrutura colonial
patrimônio construído pelos imigrantes e refletem até hoje o arranjo sócio- de Encano, entre Blumenau e
Indaial. Nota-se a presença da
econômico instituído nas colônias. igreja e dos comércios próximos
à estrada principal, a partir
da qual partem as estradas
que margeiam o Rio Encano,
onde estão distribuídos os lotes
coloniais.

FONTE: Publicação comemorativa do


Centenário de Blumenau.

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14
Síntese da Imigração em Santa Catarina

RESULTADOS DA IMIGRAÇÃO EM SANTA


CATARINA

O processo imigratório instaurado em todo o Brasil a partir do


século XIX trouxe como resultado o crescimento populacional, juntamente com
o incremento etnográfico e o desenvolvimento econômico de muitas regiões
que tinham ficado, até então, às margens do processo colonizador.

Em todos os estados do sul e em alguns lugares do sudeste


do país esse processo significou uma tomada de rumo para o futuro. O fluxo
migratório iniciado a partir da abertura dos portos, e que durou mais de
um século, determinou definitivamente os traços econômicos e culturais da
região sul, opondo-se drasticamente àqueles existentes ao longo do período
colonial.

Em Santa Catarina, essa demarcação está expressa no surgi-


mento de inúmeras cidades que se tornaram, em um curto espaço de tempo,
pólos de desenvolvimento industrial e populacional, ao contrário da estagnação
das vilas instaladas no litoral ainda no período colonial.

Em um século de imigração, estima-se que o Brasil tenha rece-


bido um número aproximado de 5 milhões de imigrantes, a grande maioria nos
estados do sul, multiplicando várias vezes o seu contingente populacional.

Proporcionalmente, o grupo de alemães é o mais representa-


tivo, chegando a cerca de 40% de descendentes no estado. Seguem-se os de-
scendentes de italianos, que somam um total aproximado de 30% da população.
Os poloneses representam uma fatia em torno de 5% dos descendentes de
imigrantes. É importante ressaltar que alguns pesquisadores consideram sub-
quantificados os dados oficiais a respeito da imigração polonesa ao Brasil, vistas
as complicações políticas e territoriais daquele país à época do fluxo migratório,
que faziam com que os imigrantes poloneses (a eles somados os ucranianos,
considerados minoria étnica) fossem, em muitos casos, quantificados como
russos, austríacos ou mesmo alemães.

Muitas novas cidades surgiram a partir do desenvolvimento


dos principais núcleos coloniais do estado. Algumas delas formam hoje pólos
econômicos importantes e caracterizam-se pelo rápido crescimento urbano.
São exemplos expressivos dessa mudança as cidades do Vale do Itajaí, derivadas
da Colônia Blumenau.

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Roteiros Nacionais de Imigração - Santa Catarina

Duas das três maiores e mais importantes cidades do estado


– Joinville e Blumenau – derivam desse processo colonizador. São consideradas
resultado das duas mais prósperas colônias instaladas em terras catarinenses
– Dona Francisca e Blumenau, respectivamente.

Situado entre as seis cidades catarinenses que possuem hoje


um contingente populacional entre 100.000 e 200.000 habitantes, encontra-se
Jaraguá do Sul, outro núcleo formado em decorrência do processo colonizador.
É uma das cidades economicamente mais importantes e também uma das que
mais cresce. Em contraste com o crescimento urbano acelerado, Jaraguá do Sul
possui um importante e expressivo conjunto de bens históricos e paisagísticos
ao longo das estradas que cortam a área rural.

Rio do Sul, Brusque, São Bento do Sul e Mafra encontram-


se entre as nove cidades catarinenses com população entre 50.000 e 100.000
habitantes e são, também, possuidoras de um patrimônio histórico expressivo,
tanto nas áreas centrais quanto no meio rural.

Todas as demais cidades catarinenses encontram-se ainda


abaixo da faixa de 50.000 habitantes. Algumas estão em franca expansão e ten-
dem à conurbação com suas vizinhas (como é o caso de Indaial e Timbó).

A SITUAÇÃO ATUAL

Desde a chegada dos primeiros imigrantes até 1915, as trans-


formações das regiões ocupadas pelos colonos foram relativamente lentas.
A Primeira Grande Guerra Mundial veio modificar substancialmente a vida
econômica e a atividade produtiva em geral. País tradicionalmente importador
de bens industriais, o Brasil se viu subitamente na contingência de não ter como
suprir as suas demandas, uma vez que os países fornecedores concentraram
sua produção no esforço de guerra.

Com o processo de industrialização instaurado na região, as


transformações sociais e econômicas mostraram seu efeito. Cidades como Blu-
menau, Joinville e Jaraguá do Sul desenvolveram-se rapidamente e muitas das
suas áreas rurais transformaram-se em distritos industriais e urbanos. Como re-
sultado, uma grande parcela da paisagem histórica está hoje sob ameaça, devido
à expansão e à transformação rápida da área. Em muitos casos, as áreas rurais
– onde se encontra a parcela mais expressiva do patrimônio do imigrante, rep-
resentada pelas pequenas propriedades rurais e seu conjunto construído – têm
sido englobadas no perímetro urbano das cidades em expansão, resultando na
rápida e implacável transformação da paisagem cultural. O mesmo ocorre no
centro das cidades, antigo núcleo colonial. As ruas principais guardam no seu
traçado o testemunho do embrião da colônia, mas poucas são as edificações
que resistiram e que continuam resistindo.

Algumas situações são devastadoras, como é o caso de Jaraguá


do Sul, que, frente ao crescimento econômico e industrial e à pressão imobiliária
decorrente desse processo, viu perder-se uma parcela considerável do seu
acervo histórico. São Bento do Sul, Joinville, Blumenau e Urussanga tiveram
edificações do seu centro histórico tombadas pela Fundação Catarinense de
Cultura a partir de 1998, um reconhecimento relativamente recente. Na mesma

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Síntese da Imigração em Santa Catarina

época, foram tombadas também algumas unidades isoladas das áreas rurais
de Pomerode, Indaial, Guabiruba, Timbó e Orleans, e ainda em Joinville, São
Bento do Sul e Jaraguá do Sul.

NOTAS

1
A Colônia de São Pedro de Alcântara no contexto da colonização alemã em Santa
Catarina, Walter Piazza in JOCHEM, Toni Vidal. São Pedro de Alcântara 1829-1999:
aspectos de sua história.
2
Caboclo neste contexto não refere-se apenas ao mestiço, mas qualquer outro indivíduo que
não seja imigrante europeu (colono). Assim, os habitantes de origem açoriana encontrados
no litoral são também considerados caboclos, e vistos preconceituosamente como um povo
atrasado, em oposição ao alemão civilizado.
3
RODYCZ, Wilson Carlos (org.). Colônia Lucena – Itaiópolis – Crônica dos imigrantes
poloneses. Florianópolis: BRASPOL, 2002.
4
Bugre deriva do francês bougre, patife, porcalhão.
5
Imigração, colonização e terra indígena, Prof. Dr. Hans-Jürgen Prien – Universität zu
Köln/ Alemanha e do Instituto de História Ibérica e Latino-americana in JOCHEM, Toni
Vidal. São Pedro de Alcântara 1829-1999: aspectos de sua história.
6
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Índios e brancos no sul do Brasil: a dramática experiên-
cia dos Xokleng
7
SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. Florianópolis: Edeme, 1972.
8
FICKER, Carlos. História de Joinville – crônica da Colônia Dona Francisca. 2ª. Edição.
Impressora Ipiranga: joinville. 1965. pág. 283.
9
KOLLROSS, Izabel. Tópicos da imigração polonesa em Itaiópolis in Colônia Lucena
– Itaiópolis: crônica dos imigrantes poloneses.
10
SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. Florianópolis: Edeme, 1972
11
RODYCZ, Wilson Carlos. Panorama da história da imigração polonesa para a Colô-
nia Lucena in Colônia Lucena – Itaiópolis: crônica dos imigrantes poloneses.

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