O Burrinho

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O burrinho

Houve, uma vez, um rei e uma rainha imensamente foram dar a um reino distante, governado por um velho
ricos, que possuíam tudo o que desejavam, só não rei, que tinha uma única filha, linda como um sonho. O
tinham filhos. burrinho, então, disse ao companheiro:
A rainha lamentava-se dia e noite, dizendo sempre: - Vamos ficar por aqui!
"Sou como um terreno estéril, que não produz nada." Chegou ao portão do castelo e bateu, gritando:
Finalmente, o bom Deus apiedou-se dela e realizou a -Está aqui um hóspede, abri, por favor, deixai-me
sua aspiração; ela notou que teria um filho e ficou entrar!
muito contente. Mas, quando a criança veio ao mundo, Mas, como ninguém viesse abrir-lhe o portão, ele
qual não foi o seu espanto ao ver que ela não tinha sentou-se, tomou o alaúde e, com as patas dianteiras,
aspecto humano e sim o aspecto de um burrinho! pôs-se a tocar. Tocava tão maravilhosamente, que o
Então a rainha passou a lastimar-se mais ainda, guardião do castelo arregalou os olhos de espanto e
dizendo que antes preferia não ter filho algum do que correu contar ao rei:
ter esse burrinho. Mandou que o jogassem na água -Majestade, está aí no portão um burrinho que toca
para que os peixes o devorassem, pois não queria mais alaúde tão bem como o melhor dos mestres.
vê-lo. O rei, porém, exclamou: -Manda-o entrar! - disse o rei.
-Não; isso não! Deus no-lo deu e ele será meu filho e Quando o burrinho chegou ao salão onde a corte
meu herdeiro; quando eu morrer, sentar-se-á no trono e estava reunida, todos desataram a rir vendo aquele
será coroado rei. estranho tocador de alaúde. Em seguida, mandaram
Assim, pois, o burrinho foi criado. Conforme ia que fosse jantar junto com os criados; mas ele
crescendo, cresciam-lhe, simultaneamente, as orelhas, protestou, dizendo:
compridas e direitas. Quanto ao mais, era de índole -Não sou um vulgar burrinho, nascido numa cocheira;
alegre; corria e brincava o dia todo e tinha uma sou de origem nobre.
especial inclinação para a música; tanto assim que -Então, vai sentar-te com os soldados, - disseram-lhe.
procurou um músico famoso em todo o reino e -Também não, - respondeu ele; - quero sentar- me ao
disse-lhe: lado do rei.
-Ensina-me a tua arte, quero aprender a tocar o alaúde -O velho rei achou divertida a sua pretensão e,
tão bem como tu. rindo-se muito, disse-lhe:
-Ah, caro principezinho, - respondeu o músico, - -Pois, burrinho, seja feita a tua vontade; vem cá para
ser-vos-á muito difícil tocar; vossos dedos não foram perto de mim.
feitos para isso, são demasiadamente grossos, e temo Durante a refeição, o rei perguntou-lhe:
que as cordas não resistam. -Que tal achas a minha filha?
Contudo, de nada serviram as desculpas; o burrinho O burrinho volveu a cabeça para o lado dela e, após
encasquetou que devia aprender a tocar alaúde e o contemplá-la um pouco, disse:
músico teve de ensinar-lhe. Ele aplicou-se com tanto -É tão linda, como nunca vi outra igual.
empenho, que acabou por tocar tão bem ou melhor que -Bem, bem; - disse o rei divertido - vai sentar-te um
o seu mestre. pouco ao lado dela.
Um dia, o principezinho estava passeando, muito -Com o maior prazer! - disse o burrinho.
pensativo, pelo parque e chegou até onde jorrava uma Sentou-se perto da princesa, comeu e bebeu
límpida fonte; contemplou-se na água cristalina como delicadamente, comportando-se como verdadeiro
espelho e viu refletir-se nela a imagem de um fidalgo.
burrinho. Ficou tão amargurado com isso que resolveu O nobre animalzinho passou bastante tempo na corte
sair e andar pelo mundo onde não fosse conhecido. mas, por fim, pensou consigo mesmo: "O que me
Assim, acompanhado por um companheiro muito fiel, adianta isto tudo? Acho bem melhor voltar para a casa
deixou o palácio e partiu. de meus pais!"
Perambularam os dois de um lado para outro, até que De cabeça tristemente curvada, foi apresentar-se ao rei

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a fim de se despedir. Mas o rei, que se afeiçoara muito -Pois, então, ficai vós mesmo de guarda no quarto
a ele, disse-lhe: nesta próxima noite; assim tereis ocasião de ver com
-Que tens, meu caro burrinho? Estás com uma cara vossos próprios olhos. E sabeis que mais, Majestade?
tão azeda como o vinagre. Aconselho-vos a furtar a pele e jogá-la no fogo; assim
-Quero ir-me embora; - respondeu ele. ele será obrigado a apresentar-se sob seu verdadeiro
-Ah, fica aqui comigo; terás de mim tudo o queiras, aspecto.
não te vás. Queres algum ouro? -É uma excelente ideia a tua! - disso o rei.
-Não! - respondeu o burrinho sacudindo a cabeça. Naquela noite, enquanto o casal eslava dormindo, o rei
- Queres joias ou outros objetos preciosos? entrou furtivamente no quarto, aproximou-se pó ante
-Não! pé do leito e, ã claridade do luar, conseguiu ver ali
-Queres a metade do meu reino? adormecido um esplêndido jovem. No chão, ao lado da
-Ah!, não, não! cama, estava largada a horrível pele de burro. O rei
O rei, meio desanimado, perguntou por fim: apanhou-a, levou-a para fora, mandou acender um
-Se ao menos eu soubesse o que te faria feliz! Queres grande fogo e, em seguida, jogou-a no meio das
casar com minha filha? chamas, ficando a olhar até que ela se consumiu toda,
-Ah, sim, sim! - exclamou jubiloso o burrinho. - reduzindo-se a cinzas. Mas, curioso por saber qual
Como seria feliz se ela fosse minha! seria a reação da vítima do roubo, ficou velando a
E logo voltou ao seu costumeiro bom humor e alegria; noite inteira, com o ouvido colado à porta do quarto.
pois era justamente isso o que ele mais desejava. Ao clarear do dia, tendo já dormido suficientemente, o
Passados alguns dias, realizou-se no palácio a festa rapaz levantou-se e procurou a pele para vestir e não a
nupcial com a maior pompa deste mundo. encontrou. Então ficou apavorado e disse, com voz
A noite, depois da festa, quando os noivos se retiraram repassada de tristeza e aflição:
para o quarto, o rei ficou muito curioso por saber se o -Agora tenho que fugir daqui!
burrinho se comportaria com a gentileza de sempre; Mas, quando ia saindo do quarto, encontrou-se diante
ordenou, pois, a um dos seus criados que se ocultasse do rei, o qual lhe disse:
no quarto para ver o que se passava. -Aonde vais com tanta pressa, meu filho? Que queres
O burrinho, logo que entrou no quarto, aferrolhou bem fazer? Fica aqui conosco; és um rapaz tão bonito!
a porta, inspecionou todos os cantos e, tendo-se Agora não podes deixar-nos; vou dar-te a metade do
certificado de que estava só com a noiva, sacudiu a meu reino e, após a minha morte, o herdarás todo.
pele de burro que o recobria todo, apresentando-se -Deus queira que tudo isto termine tão bem como
diante dela como um jovem belíssimo e de sangue real. começou! - respondeu o jovem: - Pois bem, ficarei
-Olha quem sou eu! - disse ele. - Certamente não sou convosco.
menos digno e nobre do que tu. O velho rei entregou-lhe a metade do reino e, passados
A noiva, imensamente feliz, abraçou-o e beijou-o com seis meses, quando ele veio a falecer, o príncipe
grande ternura e passou a amá-lo ardentemente. Mas, herdou tudo.
assim que amanheceu, ele pulou da cama. vestiu Algum tempo depois, falecia-lhe, também, o pai, do
novamente a pele de burro e ninguém podia imaginar qual era herdeiro único; assim ele ficou com mais um
quem se ocultava dentro dela. reino e viveu, magnificamente, durante muitos anos.
Pouco depois, chegou o rei.
-Olá! - exclamou: - o burrinho já se levantou! - e ***
dirigindo-se à filha: - Estás muito triste por não teres
um homem como os demais por esposo?
-Oh, não, meu querido pai! Amo meu esposo como se
fosse o homem mais belo do mundo e hei de
conservá-lo por toda a vida.
O rei ficou grandemente admirado com essa resposta;
mas o criado, que ficara escondido no quarto, contou-
lhe tudo o que vira. O rei, porém, disse:
-Nunca poderei acreditar numa coisa destas!

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