01-Artigo-Ventilação Mecãnica
01-Artigo-Ventilação Mecãnica
01-Artigo-Ventilação Mecãnica
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Ventilação mecânica
RESUMO
A ventilação mecânica é uma modalidade de suporte de vida avançado essencial para
pacientes que evoluem para quadros graves. Quando empregado como ferramenta de
Palavras-chave: diagnóstico, o ventilador fornece dados sobre a conformidade estática do sistema respiratório
Insuficiência respiratória; e a resistência das vias aéreas. O cenário clínico e os dados obtidos do ventilador permitem
Respiração Artificial; ao clínico fornecer ventilação mecânica invasiva eficaz e segura através da manipulação das
configurações do ventilador. O conhecimento dos conceitos básicos e da utilização prática
Competência Clínica;
da ventilação mecânica é indispensável para médicos que pretendem trabalhar nas áreas de
Ensino; Medicina. emergência e medicina intensiva. Este capítulo tem por objetivo apresentar os conceitos
básicos da ventilação mecânica e correlacionar com a mecânica ventilatória do paciente.
Mechanical ventilation
Keywords: ABSTRACT
Respiratory Insufficiency; Mechanical ventilation is an essential life support modality essential for patients who
Respiration, Artificial; progress to severe conditions. When employed as a diagnostic tool, the ventilator provides
data on the static compliance of the respiratory system and airway resistance. The clinical
Clinical Competence;
scenario and the data obtained from the ventilator allow the clinician to provide effective and
Teaching; Medicine. safe invasive mechanical ventilation through manipulation of the ventilator settings. The
knowledge of the basic concepts and practical use of mechanical ventilation is essential for
physicians who intend to work in the areas of emergency and intensive care medicine. This
article aims to present the basic concepts of mechanical ventilation and to correlate with the
ventilatory mechanics of the patient.
1. Introdução
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O ar, assim como outros fluidos, move-se de regiões de alta pressão para regiões de
baixa pressão (4,5). Sob circunstâncias normais, a inspiração é realizada quando a pressão
alveolar diminui abaixo da atmosférica (1). Quando se discute a mecânica da respiração,
a pressão atmosférica é convencionalmente referida como zero centímetros de água (0
cmH2O); por isso, a redução da pressão alveolar abaixo da atmosférica é conhecida como
respiração com pressão negativa (4). A ventilação apresenta duas fases: inspiração e
expiração: na fase de inspiração, os músculos da caixa torácica se contraem,
proporcionando a entrada do ar para dentro dos alvéolos. Durante o repouso, a respiração
é realizada quase que inteiramente pelos movimentos do diafragma, sendo que, durante a
inspiração, sua contração puxa as superfícies inferiores dos pulmões para baixo fazendo
com que o ar entre; e, na expiração, a retração elástica dos pulmões e da caixa torácica
empurra este ar para fora. Ainda, os músculos intercostais externos aumentam o diâmetro
anteroposterior da caixa torácica, ajudando na inspiração de repouso (5).
Por fim, vale ressaltar que os músculos acessórios podem ser utilizados na respiração
de forma forçada (não em repouso). Podem ser inspiratórios como o músculo
esternocleidomastoideo, os escalenos, serrátil anterior, dentre outros; e inspiratório, como
os intercostais internos e os músculos abdominais (5).
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4. Espaço morto
Parte do ar que a pessoa respira nunca alcança as áreas de trocas gasosas, por
simplesmente preencher as vias respiratórias onde essas trocas nunca ocorrem, tais como
o nariz, a faringe e a traqueia. Na expiração, o ar do espaço morto é expirado primeiro,
antes de qualquer ar dos alvéolos alcançar a atmosfera. Portanto, o espaço morto
anatômico é muito desvantajoso para remover os gases expiratórios dos pulmões.
Ocasionalmente, alguns dos próprios alvéolos podem não ser funcionantes por causa da
ausência ou redução do fluxo sanguíneo pelos capilares pulmonares; assim, do ponto de
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vista funcional, esses alvéolos também devem ser considerados como parte do espaço
morto (espaço morto fisiológico). Algumas entidades podem causar o aumento desse
espaço morto, como: hipovolemia, hipertensão pulmonar, embolia pulmonar e a
hiperdistensão alveolar (5).
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A válvula de fluxo é ligada a uma fonte de ar e/ou oxigênio. Internamente há uma esfera
atuando sobre uma sede, que controla a abertura e passagem do gás. A posição da esfera
em relação a sede é o que define o fluxo inspiratório. A saída da Válvula de fluxo é ligada
ao ramo inspiratório do circuito do paciente. A extremidade do ramo expiratório do
circuito do paciente é ligada à válvula de exalação. A atuação de um diafragma sobre um
bocal é o que controla a abertura e fechamento do ramo expiratório. Os sinais de pressão
e fluxo são medidos na saída do “Y” do circuito respiratório (encontro do ramo
expiratório e do ramo inspiratório), onde é conectado o tubo endotraqueal (interface
paciente-ventilador). A medição da pressão é realizada pelo transdutor de pressão das
vias aéreas (Pva), que transforma o sinal pneumático em sinal elétrico (1). A medição do
fluxo pelo transdutor de fluxo pode ser realizada em diversos pontos do sistema; existem
ventiladores que realizam a medida de fluxo na saída da válvula de fluxo (fluxo
inspiratório), e/ ou na saída da válvula de exalação (fluxo expiratório). A medida do
volume é obtida através do sinal de fluxo. O fluxo representa a velocidade com que um
determinado volume de fluido está se movimentando (1). A partir dos controles efetuados
através do painel de controles e da monitorização realizada pelos transdutores de pressão
e fluxo, é realizado o controle das válvulas de fluxo e exalação através do circuito de
controle do ventilador. O ventilador inicia a fase inspiratória abrindo a válvula de fluxo e
fechando a válvula de exalação; nessa fase ocorre o enchimento dos pulmões com o
ventilador exercendo a pressão necessária para vencer o atrito nas vias aéreas e expandir
os pulmões (1). O final da fase inspiratória irá coincidir com o início da fase expiratória,
com o ventilador fechando a válvula de fluxo e abrindo a válvula de exalação; nessa fase
ocorre o esvaziamento do pulmão, sendo que a força motriz é a própria pressão no interior
do pulmão, ou seja, via de regra, a exalação é passiva (1).
Assim, os sinais de pressão, fluxo e volume podem ser representados graficamente:
• Gráfico 1: Fluxo (L/min) X Tempo (s): a válvula de fluxo é aberta no instante 1 s
(início da fase inspiratória) e o fluxo atinge o valor de 30 L/min; o valor positivo indica
que o fluxo é inspiratório. O fluxo é mantido constante até o 2 s, nesse instante a válvula
de fluxo é fechada e fluxo cai a zero. Simultaneamente, a válvula de exalação é aberta
(início da fase expiratória) e o gás de dentro dos pulmões é exalado pela própria pressão
no interior dos pulmões. O fluxo atinge um valor de -40 L/min, o valor negativo indica
que o fluxo é expiratório. À medida que o pulmão esvazia, diminui a pressão no seu
interior e consequentemente o fluxo expiratório. O fluxo expiratório zero indica o
esvaziamento total dos pulmões no instante 3 s. No instante 4 s é iniciado um novo ciclo.
• Gráfico 2: Volume (L) X Tempo (s): no instante 1 s é iniciado o enchimento dos
pulmões através de um fluxo inspiratório de 30L/min. O volume inspirado é a área
definida entre a curva de fluxo inspiratório e o eixo tempo; e o exalado é a área definida
pelo fluxo expiratório. Como nesse caso o fluxo é mantido constante, o volume aumenta
linearmente, até o valor de 0,5 L no instante 2 s. Nesse instante, com o fechamento da
válvula da válvula de fluxo e abertura da válvula de exalação, inicia-se o esvaziamento
dos pulmões, com o volume retornando a zero no instante 3 s. Durante a exalação o
volume diminui de forma exponencial.
• Gráfico 3: Pressão (cmH2O) X Tempo (s): com o início do fluxo inspiratório no
instante 1 s, ocorre um aumento abrupto de pressão nas vias aéreas, correspondendo à
pressão necessária para vencer o atrito e movimentar os gases através das vias áreas
(componente resistivo). À medida que ocorre a expansão dos pulmões, e a distensão das
estruturas viscoelásticas, ocorre um aumento proporcional de pressão, necessária para
vencer as forças viscoelásticas do parênquima pulmonar e da parede torácica
(componente elástico). A pressão atinge seu pico máximo no instante 2 s, quando ainda
existe fluxo inspiratório e os pulmões atingiram seu volume máximo durante o ciclo. A
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pressão retorna ao valor inicial – linha de base – durante a exalação. A pressão da linha
de base, durante a fase expiratória, pode ser mantida acima da pressão atmosférica,
através do controle do controle da válvula de exalação. Ou seja, a válvula de exalação
pode permanecer parcialmente fechada, impedindo a saída de todo o volume de gás do
interior dos pulmões. Nesse caso a pressão expiratória é mantida positiva (PEEP).
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Deverá ser ajustada para a obtenção de uma oxigenação adequada. Valores entre 21 e
100% podem ser utilizados, mas devemos lembrar a toxicidade causada pelo uso
prolongado de altas concentrações de oxigênio. Uma FiO2 maior que 60% quando
utilizado por períodos maiores que 72 horas pode causar fibrose pulmonar. A
recomendação é iniciar a ventilação com FiO2 de 100% que será reduzida com base na
saturação periférica de oxigênio e nos resultados da gasometria arterial (9).
A Pressão Positiva ao Final da Expiração (PEEP) inicial deverá ser aquela que
substitua o fisiologicamente gerado pelo fechamento glótico, em torno de 3 cmH 2O. A
implementação de níveis entre 5-8 cmH2O de PEEP melhoram a oxigenação e ainda reduz
a frequência de atelectasias, ou seja, um valor que recrutaria alvéolos sem gerar a
hiperinsuflação pulmonar (1). Além disso, não existe um valor fixo de PEEP, sendo
sempre necessário obter seu valor de acordo com a necessidade de cada paciente.
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O ciclo ventilatório (Figura 4), durante a ventilação com pressão positiva, é dividido em
4 fases (6):
a) Fase inspiratória: fase do ciclo em que o ventilador realiza a insuflação pulmonar,
conforme as propriedades elásticas e resistivas do sistema respiratório;
b) Mudança de fase inspiratória para a fase expiratória (ciclagem): transição entre a
fase inspiratória e expiratória; o ventilador deverá interromper a fase inspiratória;
c) Fase expiratória: momento seguinte ao fechamento da válvula inspiratória e
abertura da válvula expiratória, permitindo que a pressão do sistema respiratório se
equilibre com a pressão expiratória final determinada pelo ventilador;
d) Mudança da fase expiratória para a fase inspiratória (disparo): fase em que
termina a expiração e ocorre o disparo (abertura da válvula inspiratória) do ventilador,
iniciando uma nova fase inspiratória.
Fluxo = 0
4 4
3
Tempo
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8. Modos ventilatórios
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9. Indicações
Mais importante, até mesmo antes de saber como se utiliza um ventilador mecânico,
com seus diferentes ajustes e modos ventilatórios, é identificar os pacientes de risco e que
poderão evoluir de forma rápida para uma insuficiência respiratória, que irão
inevitavelmente necessitar de um suporte ventilatório. Após uma correta indicação e
ajuste deste paciente a um ventilador mecânico, é de suma importância dar adequadas
condições para que este paciente se mantenha o mais confortável possível, enquanto a sua
doença de base é tratada (Quadro 1).
Um novo conceito que vem surgindo é o da ventilação mecânica protetora, onde são
utilizados alguns parâmetros como baixo volume corrente e baixo drive pressure, que
diminuem a inflamação ocasionada pela ventilação mecânica, tornando a recuperação dos
pacientes mais rápida e eficaz, gerando menor morbimortalidade e menos custos ao
sistema de saúde.
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VENTILAÇÃO MECÂNICA
11. Referências
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Porto Alegre 2014; 35(8): 1-8.
3. Tarantino AB. Doenças pulmonares. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008.
4. Raff H, Levitzky M. Fisiologia Médica: Uma abordagem integrada. Porto Alegre: Artmed; 2012.
5. Hall JE, Guyton AC. Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Elsevier; 2017.
6. Carvalho RRC, Toufen Júnior C, Franca AS. III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica; J Bras
Pneumol 2007; 33(2): 54-70.
7. Araújo DA, Cunha de Leão BC, Ferreira RS. Volume x Pressão. Qual escolher? Rev Med Minas Gerais
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9. Pádua AI, Martinez JAB. Modos de assistência ventilatória. Medicina, Ribeirão Preto 2001;34: 133-
42.
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