RENDERS Helmut Introducao Aceitacao e Re
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RESUMO
Este artigo discute a introdução de duas celebrações anuais, criadas na Igreja Metodista no
Brasil em 1985 e 1999: a aceitação de uma (Celebração do coração aquecido, desde 1982) e a
rejeição de outra (Festa de Dona Susana, desde 1999). Explicam-se a introdução, a rejeição e a
aceitação a partir das contribuições da antropologia social de ChristophWulf (papel dos ritos),
da sociologia da religião de José Bittencourt Filho (matriz religiosa) e da cultura visual de David
Freedberg (poder de imagens), além de Anton Houtepen (função “dêitica” de imagens) e David
Morgan (relação simpática / empática com imagens), a partir da sua proximidade com a cultura
dominante, em combinação com um discurso que critica ou esconde essa relação.
Palavras-chave:Imaginação. Ritual. Festa da Dona Suzana. Celebração do Coração Aquecido.
Matriz religiosa brasileira.
ABSTRACT
This article discusses the introduction of two annual events created in the Methodist Church in
Brazil, in 1985 and 1999: the acceptance of one (Celebration of the warm heart, since 1985),
and the rejection of the other (Feast of Dona Susana, 1999). Introduction, rejection and
acceptance are explained by means of the contributions of the cultural anthropology of
Christoph Wulf, the sociology of religion of Jose Bittencourt Filho, and the visual culture of
David Freedberg, Anton Houtepen, and David Morgan, focusing on their proximity with the
dominant culture in combination with a speech that criticizes or hides this relation.
Keywords:Imagination. Ritual. Feast of Dona Susana. Celebration of the warmed heart.
Brazilian religious matrix.
RESUMEN
(*)Professordo Curso de Pós Graduação em Ciências da Religião da Faculdade Humanidades e Direito e do
Curso de Bacharel em Teologia da Faculdade de Teologia da Universidade Metodista de São Paulo
(Umesp). Doutor em Ciências da Religião pela Umespe. Estágio de Pós-Doutoramento em Ciência da
Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
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Este artículo aborda la introducción de dos eventos anuales, creado en la Iglesia Metodista de
Brasil, en 1985 y 1999, la aceptación de un (Celebración del corazón caliente, desde 1985), y el
rechazo de la otra (Fiesta de doña Susana, 1999). Introducation, rechazo y aceptación, se
explican en base a los aportes de la antropología cultural de ChristophWulf, la sociología de la
religión de José Bittencourt Filho, y la cultura visual de David Freedberg, Anton Houtepen y
David Morgan, centrándose en su proximidad con la cultura dominante en combinación con
un discurso que critizises u oculta esta relación.
Palabras clave: Imaginación. Rituales. Fiesta de doña Susana. Celebración del corazón
calentada. Matriz religiosa brasileña.
INTRODUÇÃO
1A celebração se refere a uma experiência religiosa de John Wesley (1703-1791), spiritusrector do
movimento metodista na Inglaterra.
2 Susanna Wesley (1669-1742) era a mãe de John (1703-1791) e Charles Wesley (1707-1788) e é
considerada uma das conselheiras principais de John Wesley até a sua morte em 1742.
3 Pelo lado católico poderíamos discutir como exemplo dois casos recentes de rejeição. Eventualmente, seu
caráter mais protestante contribui para a rejeição da teologia da libertação pelo catolicismo e explica-se a
rejeição da renovação carismática dentro do catolicismo por ser considerada demasiadamente pentecostal.
No caso seriam as proximidades com o outro diferente que falariam mais alto do que as próprias tradições
mais semelhantes às propostas.
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segundo Anton Houtepen (2007, p. 66) e das formas “simpáticas” ou “empáticas” da sua
recepção através de uma “piedade de olhar” segundo David Morgan(1999, p. 59-96).
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4 Inszenieren, literalmente, significa “transformar em uma cena” e é traduzido para a língua portuguesa
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Não é o nosso olhar estético que a liturgia e os ícones querem evocar, nem o
prazer emocional artístico ou a satisfação pessoal, mas uma ‘mudança real do
coração’, uma conversão ou metanóia [sic]... O ícone direciona nosso olhar para
além da imagem, o iconostasis traz a nossa mente por trás das telas, atrai-nos
para o santo dos santos, para a esfera celestial do divino. É um símbolo
performativo permanente, que transforma e transfigura, ou que é que exatamente
função “dêitica” [‘deictic’ function] significa”.
CONSIDERAÇÕES INTERMEDIÁRIAS
Se o que foi dito até agora estiver correto, a Igreja Metodista como Igreja
Nova deveria ter criado ritos e símbolos para marcar as etapas da sua história.
Isso, de fato, é parcialmente o caso, considerando que, até o século 20, ritos
eram mais importantes do que imagens. No metodismo primitivo inglês, por
exemplo, deveríamos pensar em primeiro lugar na chamada “festa do amor "
(RENDERS, 2001), mas, também em vigílias ou em pregações ao ar livre; no
metodismo estadunidense, nos eventos chamados Camp Meetings (BRUCE,
1974; FROST, 1998, p. 387-524; LESTER, 2000; HEMPTON, 2005). Em suas
respectivas épocas, a “Festa do Amor” e o “Camp meeting” eram rituais novos e
únicos. Ambos, porém, não foram introduzidos no metodismo brasileiro, cujos
rituais clássicos – os cultos, a Escola Dominical e, provavelmente, os retiros de
carnaval – a igreja compartilhava com outras denominações.
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identificamos misticismo como espiritualidade que anula e nega a importância da colaboração do sujeito
humano nos e para os processos religiosos que o envolvem.
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Foi o coração aquecido pela ideia do domínio que levou o jovem Alexandre [...] a
construir um dos maiores impérios. [...] Foi o coração aquecido pela ideia da
supremacia que levou Hitler a provocar uma guerra mundial. É tal experiência
interior que leva os homens a conquistas e realizações de grandes coisas, boas e
más. (CABRAL, 2ª quinzena 05/1985, p. 13).
9 Apesar de que ele certamente se entendeu como um “homem sensível à ação do Espírito Santo”, não
percebeu como o uso do conceito “conquista” e os exemplos de Alexandre e Hitler – e não transparece no
seu texto até uma admiração latente para o Hitler? – mostram uma total insensibilidade para com a
história e a vida real.
10A interpretação do próprio misticismo como “emigração daqueles sem poder” (ALVES, 1975, 165ss) e,
diante do cientificismo moderno, como “reconquista da abertura em nossa percepção da realidade”
(BERGER apud (ALVES, 1975, 165ss) parecem-me não aplicável a Cabral.
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O que deveria ter dado certo deu muito errado: o projeto foi logo
amplamente hostilizado por indivíduos e setores da igreja que estavam vendo a
introdução de uma santa metodista, o que representaria nada menos do que
uma “prática católica”. Isso, por sua vez, causou por parte das[os]
idealizadoras[es] do projeto reações entre perplexidade e profunda irritação. O
que tinha ocorrido? Para responder esta pergunta comparamos, primeiro, os
bótons das campanhas de 1999 (Figura 8), 2000(Figura 9), 2003(Figura 10) e
2005 (Figura 11)11. Depois, as capas das campanhas de 1999 e de 2003 a 2005 e,
finalmente, passagens das editorias desses cadernos.
Figura 8: Festa da Dona Susana, 1999 Figura 9: Festa da Dona Susana, 2000
[Logo da campanha]. [Logo da campanha].
Figura 10: Festa da família metodista, Figura 11: Festa da família metodista,
2003 [Logo da campanha]. 2004 e 2005 [Logo da campanha].
11 Os bótons de 2004 e 2005 são idênticos.
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social’ surgiu como ‘Festa Susana Wesley’”. Na capa, então, por um lado, cita-se
o antigo logo, por outro lado, elimina-se, por fim, “Susana Wesley”.
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Figura 15: IM. Caderno de campanha, Figura 16: IM. Caderno de campanha,
capa, 1999. capa, 2003.
12 A campanha foi lançada em 1999 e é mantida até hoje. Dos cadernos de 2000 e 2001 temos somente o
logo de 2000. Em 2006, no Concílio Geral da Igreja Metodista, o setor autônomo da ação social foi
eliminado e criada uma única secretaria para as quatro secretarias anteriores
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Figura 17: IM. Caderno de campanha, Figura 18: IM. Caderno de campanha,
capa, 2004. capa, 2005.
13Ver a página de Internet da Igreja Metodista de Maringá (2014): “História da Campanha – um dos
eixos da Igreja Metodista é a ação social desenvolvida em vários atos concretos, dentre eles, os trabalhos
com crianças, indígenas, presidiários, sem-teto e pessoas em situação de risco. No final da década de 1990
surge a Campanha Nacional da Oferta para Ação Social, ou como era chamada - 'Festa da Dona Susana –
orando e promovendo a missão' ”, mas quem é Dona Susana e por que a festa?´.”
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Católico Metodista
Festa • Celebração da missa • Celebração do culto
• Festa do aniversário da igreja dominical
[quermesse] • Aniversário da igreja
• Festa do divino Espírito Santo
• Festa do sagrado sacramento
Relação festa – • Festas de Santos[as] • Festa da Dona Susana
santo[a] Festa [de] Susana Wesley
• Dia da transverberação do • Celebração do coração
coração de Teresa e Ávila aquecido
[de John Wesley]
Imagem do[a] • Sim, obrigatoriamente. • Geralmente, não; porém,
santo[a] é observe a figura 3.
destacada
Citação de um • A Santa Anna ensinando • Susana Wesley ensinando
padrão imagético Maria Jesus.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como Wulf afirmou: não se aplica algo novo no campo religioso com
impacto existencial sem recorrer ao formato de festas e celebrações específicas
14O argumento principal para justificar a retirada da Igreja Metodista da CONIC era a presença de
representantes da Igreja Católica.
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Para nosso estudo isso significa que a mera proposta de criar estas duas
celebrações partiu de uma primeira intuição certa: quer-se introduzir, resgatar
ou vitalizar algo no campo religioso para um grupo maior, mais popular e,
especialmente, novo na instituição; procura-se “citar” ou “sincronizar-se com”
aquilo que se chama a matriz religiosa ou a religiosidade mais popular.
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Recebido em 15/10/2014
Aprovado em 13/11/2014
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