Transcrição para Duo de Violões Da Valsa Op. 13 No. 2 para Piano de Alberto Nepomuceno - Pedro Pascoali

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Transcrição para duo de violões da Valsa Op. 13 No.

2 para piano de
Alberto Nepomuceno

MODALIDADE: COMUNICAÇÃO

SUBÁREA: SA 6 - MUSICOLOGIA

Pedro Pascoali
Universidade Estadual de Campinas
[email protected]

Resumo. Foi feita uma transcrição para dois violões da Valsa Op. 13 No. 2, de 1894,
original para piano, de Alberto Nepomuceno, de modo a colaborar com o preenchimento
da lacuna de repertório violonístico brasileiro desse período. Após apresentar um
panorama histórico da transcrição para violão, foi discorrido sobre a transcrição realizada,
comentando aspectos, problemas e soluções.

Palavras-chave. Transcrição, Duo de Violões, Alberto Nepomuceno, Valsa Op. 13 No.


12.

Transcription for guitar duo of Alberto Nepomuceno’s Valsa Op. 13 No. 2 for piano

Abstract. A transcription for two guitars of Alberto Nepomuceno’s Valsa Op. 13 No. 2
(1984) for piano was made in order to collaborate on the fulfillment of the repertoire gap
of Brazilian guitar music from this period. After exposing an overview of transcription
for guitar in history, it was written about the transcription the author made, commenting
aspects, problems, and solutions.

Keywords. Transcription, Guitar Duo, Alberto Nepomuceno, Valsa Op. 13 No. 2

Introdução
O compositor Alberto Nepomuceno (1864 – 1920) não escreveu para o violão,1
contudo, devido a sua relevância artística, alguns trabalhos de transcrição para esse
instrumento de suas obras foram feitos. Dentre essas transcrições, é possível citar: o trabalho
do grupo de pesquisa “Resgate da Canção Brasileira”, integrado por pesquisadores da UFMG
e UFMS, com diversas canções do compositor, no qual o acompanhamento do piano foi
transcrito para violão (BARBEITAS, 2010); a transcrição do Quarteto Tau – na época
formado pelos violonistas Breno Chaves, José Henrique de Campos, Fabio Bartoloni e
Marcos Flavio – para quatro violões do Quarteto de cordas No. 3, de Nepomuceno, que
esteve presente no álbum do grupo intitulado “Brasileiro”; e a transcrição para violão de oito
cordas da Suíte Antiga Op. 11 feita pelo violonista Nicolas de Souza Barros.

1
Ver (CORREA, 1996).
O presente texto discorre sobre uma transcrição feita pelo autor deste trabalho para
duo de violões da Valsa Op. 13 No. 2 de Alberto Nepomuceno, processo pioneiro, pois não
foi encontrada outra transcrição dessa peça (ou de qualquer uma das 4 Peças Lyricas Op. 13)
e tampouco transcrição para duo de violões de qualquer obra do compositor. Além do
pioneirismo mencionado, a escolha da obra foi feita, dentre outros motivos, por ela possuir
melodia e acompanhamento bem divididos, fator que leva a Valsa a se adaptar bem quando
transcrita para essa formação, podendo se atribuir a um dos violões a melodia e ao outro o
acompanhamento. Ao escrever sobre a transcrição das canções de Nepomuceno para violão,
Barbeitas comenta pontos que também são verdadeiros se aplicados à Valsa transcrita, e que
justificam sua escolha:

As peças não apresentam obstáculos insuperáveis para a transcrição. Pelo


contrário, é possível mesmo dizer que, de maneira geral, nessas canções de
Nepomuceno a passagem de um instrumento para o outro ocorre sem
traumas para a música e sem sofrimento digital para o violonista. Este é,
aliás, um dos pontos a serem ressaltados: o acompanhamento relativamente
contido do piano demonstra ter havido pouca preocupação do compositor em
“explorar” especificamente o instrumento, ou seja, o idiomatismo não se
configura como um aspecto determinante da composição o que, sem dúvida,
facilitou o trabalho do transcritor. (BARBEITAS, 2010, p. 3)

Uma perspectiva histórica da transcrição para violão


A transcrição de músicas de outras formações e instrumentos para o violão acontece
de forma mais presente somente a partir do século XIX, como uma ferramenta para reparar o
posto marginalizado e o papel quase unicamente de acompanhador que o instrumento tinha na
sociedade (RODRIGUES, 2011, p. 27). Sabe-se, contudo, que essa atividade “encontra-se
presente na história documentada da música para instrumentos de cordas dedilhadas desde as
primeiras publicações no século XVI.” (GLOEDEN e MORAIS, 2008, p. 73)
Para Edelton Gloeden e Luciano Morais (2008), a transcrição na história do violão
pode ser dividida em quatro fases. A primeira é marcada por músicos que viveram na
transição entre os séculos XVIII e XIX, como Fernando Sor (1778-1839) e Mauro Giuliani
(1781-1829), e é caracterizada pela presença da ópera em processos de transcrição mais
literais – que muitas vezes tinham motivação comercial (RODRIGUES, 2011, p. 35) – como
em Six airs choisis de l’opéra de Mozart la Flûte Magique, Op. 19 de Sor, e pela influência
da ópera no âmbito da composição, como nas seis Rossiniane, Op. 119-124 de Giuliani.
A segunda tem por figuras centrais o violonista Francisco Tárrega (1852-1909) e
seus alunos Miguel Llobet (1878-1938) e Emilio Pujol (1886-1980), e é caracterizada por
voltar-se ao repertório pianístico. Tárrega dá, em sua produção de transcrições, uma atenção
especial à obra dos músicos Isaac Albéniz (1860-1909) e Enrique Granados (1867-1916).
Llobet e Pujol ampliam a noção de transcrição, transcrevendo para duo de violões.
A terceira fase, de acordo com Morais e Gloeden, possui como personagem mais
significativo Andrés Segovia (1893-1987), que, de forma similar aos violonistas da segunda
fase, tem como alvo principal de suas transcrições o repertório para teclas, mas difere deles
por dar um enfoque maior no repertório barroco, com destaque para obras de Domenico
Scarlatti (1685-1757) e Johann Sebastian Bach (1685-1750). Nesse período houve o
surgimento de importantes duos de violão, como o duo Ida Presti (1924-1967) e Alexandre
Lagoya (1929-1999) e o duo Eduardo (1949) e Sérgio Abreu (1948), entre outros, que,
continuando a tradição dos alunos de Tárrega, utilizaram da transcrição para compor seu
repertório.
A quarta fase é representada pelos dias atuais, havendo uma cultura de transcrição
muito diversificada, envolvendo também repertório da música popular e releituras de obras
contemporâneas.
A transcrição está – quase que indissociavelmente – presente na rotina de
performance do violonista: no repertório tocado em recitais e concertos de importantes figuras
de diferentes períodos históricos, como Tárrega, Segóvia e David Russel (1953-), é possível
observar que uma boa parte – e, às vezes, a maior parte – das obras performadas não foram
originalmente compostas para violão (RODRIGUES, 2011, p. 28).

A transcrição da Valsa Op. 13 No. 2 de Nepomuceno


Fábio Zanon considera que a transcrição é “um ato de re-criação de um discurso
musical em outro conjunto de circunstâncias” 2 (ZANON, 2012, p. 4, tradução nossa) e, para
ele, um fator que justifica a existência desse ato é a geração, para o instrumento, de um
repertório faltante na literatura escrita originalmente para ele. 4 Peças Lyricas Op. 13,
composta em 1894, em Paris, por Alberto Nepomuceno, é uma obra que se situa entre a
natureza romântica e a nacionalista do compositor: a segunda peça, a Valsa, tem teor um tanto
romântico, chopiniano, em oposição à quarta, a Galhofeira, que tem ritmo abrasileirado e teor
mais nacionalista.
Nesse período, ao fim do século XIX, nasciam os pioneiros violonistas profissionais
brasileiros, como João Pernambuco (1883-1947) e Américo Jacomino (1889-1928), o

2
No original: “Transcription is an act of re-creation of a musical statement in a different set of circumstances
[…]”
Canhoto (GLOEDEN e PEREIRA, 2012, p. 72), e ocupava o violão ainda um posto
marginalizado na atividade cultural brasileira (ALFONSO, 2009, p. 32), portanto, não eram
escritas músicas originais para ele no ambiente da música de concerto. Contribui-se, então,
com esta transcrição da Valsa para duo, para a produção de um repertório do romantismo
brasileiro do final do século XIX para violão, inexistente na literatura original violonística.
Como base para a transcrição, foram usadas duas edições, uma mais antiga, da E.
Bevilacqua & Cia, Editorial Mangione S.A., de 1895, e uma mais recente, da Musica Brasilis,
editorada por Cesar Bonan,3 sem data. A fim de facilitar a comunicação, tomar-se-á aqui a
forma AA’BCA’ para a Valsa, sendo o A até o compasso 10, o A’ até o 24, o B até o 49, C
até o 59 e o segundo A’ até o final.
Para David Tanenbaum (1986, p. 90, apud WOLFF, 1998, p. 72-73), as questões que
definem o quão adequada uma obra pianística é para ser transcrita para violão são textura e
tessitura utilizada no texto original. Quando se olha para a Valsa (Figura 1), nota-se que a
textura não é densa, tendo em vista a quantidade de notas tocadas simultaneamente, e que a
tessitura, apesar de naturalmente ultrapassar a do violão, é ajustável com alterações simples de
oitava no ato da transcrição. Ademais, Barbeitas (2010, p. 1241-1242) afirma que a música de
Nepomuceno possui, por vezes, um caráter que alude à modinha, a qual está diretamente
relacionada ao violão. Como exemplo dessa alusão, Barbeiras menciona a canção Coração
Triste Op. 18 No. 1 (1899), onde a textura do acompanhamento tem teor violonístico: é
destacado o baixo do acorde, sendo este último tocado no contratempo. Essa natureza do
acompanhamento também acontece na Valsa (Figura 1).

Figura 1 – Compassos 1 a 6 da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno, edição de Cesar Bonan

Fonte: site do Musica Brasilis - https://musicabrasilis.org.br/

3
Ambas as edições são similares no que tange ao texto musical, contudo a edição de Cesar Bonan possui
numeração equivocada de compassos, aparecendo notada sempre uma unidade abaixo do que seria a numeração
correta. Em decorrência disso, quando este texto se refere a um determinado compasso, ele terá outra numeração
na edição de Bonan.
Figura 2 – Compassos 1 a 7 da transcrição própria da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno, para
duo de violões

Fonte: autor

No capítulo inicial do texto de Wolff (1998), é discorrido sobre a adequação de


tonalidade em uma transcrição. O autor afirma que as tonalidades mais bem aproveitadas pelo
violão são as que proporcionam um maior uso de cordas soltas, em especial, quando as notas
das cordas soltas são graus importantes na tonalidade utilizada (I, V e IV), e, além disso, essa
adequação se intensifica quando os graus mais importantes estão nos bordões, já que permite,
por exemplo, que seja tocado em posições mais altas (WOLFF, 1998, p. 9-15). Fábio Zanon
afirma, sobre alterar a tonalidade da peça original ao fazer uma transcrição, que:

Quando se transcreve para o violão moderno, parece-me que a sensação


geral de dispersão espacial do som, a ressonância, o caráter de cada registro,
a colocação de um argumento musical em uma mesma posição geográfica e
a reprodução de um certo sentimento para o som, a harmonia, a articulação e
a textura são mais cruciais para o resultado final que uma adesão cega à
tonalidade original. (ZANON, 2012, p.4, tradução nossa)4

Optou-se por alterar a tonalidade da peça em sua transcrição de Si bemol menor para
Lá menor, e o trecho em Ré menor altera-se, consequentemente, para Dó sustenido menor. Lá
menor é uma tonalidade que se encaixa muito bem no violão, como discorre Wolff (1998,
p.9), pois além de todas as cordas soltas do violão serem notas pertencentes à sua escala,
ainda se tem notas de graus harmonicamente importantes nos bordões: a corda Lá (5ª), grau I,
a corda Mi (6ª), grau V e a corda Ré (4ª), grau IV. O trecho em Dó sustenido menor é curto,
durando apenas 10 compassos, e, apesar de não estar entre as tonalidades que, de acordo com
Wolff (1998, p.11), proporcionam maior exequibilidade, não ocasionou nessa transcrição uma
problemática significativa.

4
No original: “When one transcribes for the modern guitar, it seems to me the overall feeling of spatial spread,
the resonance, the character of each register, the placing of the musical argument on a similar geographical
position and the reproduction of a certain feeling for sound, harmony, articulation and texture are more crucial to
the final result than a blind adhesion to the original key.”
Fica evidente o efeito dessa mudança de tonalidade: como é possível observar na
Figura 2, nos sete compassos iniciais, no acompanhamento, há 6 notas que podem – e muitas
delas provavelmente vão – ser tocadas em cordas soltas.
Como escreve Wolff (1998, p. 74), enquanto o piano tem mais de sete oitavas de
tessitura, o violão tem três e uma quinta, o que leva, diversas vezes, a uma necessidade de
compressão do registro, tanto da melodia como do acompanhamento. É possível citar como
exemplo desse processo a transcrição de Sérgio Abreu da Allemande, da Suíte em Sol Maior,
de Jean Philipe Rameau (1683-1764), que na parte do segundo violão possui, no compasso
11, uma alteração de oitava em relação ao texto original a fim de se adequar à tessitura do
violão, o que, apesar disso, não prejudica o discurso musical (MORAIS, 2007, p. 100).
Muitas vezes, comprimir o registro pode ser um problema, ao gerar cruzamento de
vozes, que Morais, Gloeden (2008, p. 77) e Wolff (1998, p. 77-78) concordam que se deve,
sempre que possível, evitar. Contudo, houve trechos da transcrição nos quais isso foi
considerado tolerável, como nos compassos 22 e 23:

Figura 3 – Compassos 16 a 23 da transcrição própria da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno,


para duo de violões

Fonte: Autor

Wolff (1998, p. 77) comenta que é fator que torna um cruzamento aceitável, por
exemplo, a melodia estar ritmicamente inativa, que é justamente o caso ilustrado na Figura 3 e
em outros momentos da transcrição. Todavia, houve cruzamentos inevitáveis que configuram
situações menos aceitáveis, como nos compassos 56 e 57 (Figura 4). Nessa situação, seguiu-
se o método utilizado por Miguel Llobet, descrito por Morais e Gloeden (que também
utilizam o procedimento): “Digitações fixas devem ser estabelecidas na busca de timbres que
disfarcem os cruzamentos inevitáveis entre as partes” (GLOEDEN e MORAIS, 2008, p. 77).
Foi notado, então, nesse trecho, que a melodia deve ser tocada na quarta corda, a fim de se
diferenciar do acompanhamento, que (com exceção do baixo) está sendo tocado nas cordas
dois e três.
Figura 4 – Compassos 54 a 59 da transcrição própria da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno,
para duo de violões

Fonte: Autor

Em oposição ao início da peça, como ilustrado nas Figuras 1 e 2, onde o texto da


transcrição está no mesmo registro do texto original, mantendo com muita precisão o material
original no âmbito das alturas, na seção B (Figuras 5 e 6), há uma alteração de uma oitava na
melodia:

Figura 5 – Compassos 24 a 30 da transcrição própria da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno,


para duo de violões

Fonte: Autor

Figura 6 – Compassos 23 a 30 da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno, edição de Cesar Bonan

Fonte: site do Musica Brasilis - https://musicabrasilis.org.br/


Para Wolff (1998, p. 86), idealmente, alterações de oitava devem ser reservadas para
seções inteiras e coincidir com momentos em que há uma divisão estrutural. No entanto, há
casos em que somente uma frase, ou parte de uma frase precisará ser alterada, nesses casos
deve-se dar preferência para a manutenção da linha melódica. No caso referente à Figura 6,
contudo, ainda que o registro do texto original não exceda a tessitura do violão, tocar a
passagem na mesma oitava do texto original resultaria em um trecho, apesar de viável,
demasiadamente difícil de ser executado, por possuir figurações rítmicas ágeis, que duram por
períodos relativamente longos e que se localizam em casas acima da décima segunda. O
mesmo processo ocorre também na seção C da transcrição.
Morais (2007, p. 100) considera a “divisão de trabalho tradicional” quando cada um
dos violões realiza uma mão do teclado. Muitas vezes, uma das mãos realiza
acompanhamento e a outra, a melodia, e sobre esse caso, Wolff (1998, p.100) discorre que
eles podem tanto se manter no mesmo instrumento quanto se alternar entre os violões, e que
isso varia conforme o contexto. Um dos exemplos dados é que se a melodia e o
acompanhamento possuírem níveis de dificuldade muito diferentes, talvez seja interessante
manter no mesmo instrumento, assim, para executar a peça só seria necessário um violonista
com habilidades técnicas mais elevadas (WOLFF, 1998, p. 245). Caso os violões alternem os
papeis, Wolff comenta que essa alternância pode ocorrer em pontos de divisão estrutural, o
que, contudo, não é sempre conveniente, e, em concordância com Morais (2007, p.100),
sugere que essa alternância poderia, por exemplo, ocorrer entre frases, ou até no meio de uma
frase.
Com o objetivo de produzir um material mais versátil, notou-se na partitura que, no
trecho que corresponde à seção B e C da Valsa, os violonistas podem, caso queiram, inverter
os papéis, ou seja: o violonista que até então estava fazendo o acompanhamento, nesse trecho
executa a melodia, e o violonista que estava fazendo a melodia, passa a executar o
acompanhamento (Figura 5). Tem-se, aí, duas configurações, o caso em que os violonistas
invertem, e o caso em que não invertem os papeis. Na primeira situação, a transcrição tem um
resultado mais equilibrado, gerando coerência espacial e timbrística, já que o mesmo
violonista executa a melodia das seções A e A’, enquanto o outro a das seções B e C. Por
outro lado, na segunda situação, onde um violonista toca sempre a melodia e o outro sempre o
acompanhamento, a transcrição ganha uma dimensão pedagógica: como a execução da parte
melódica é consideravelmente mais difícil que a do acompanhamento, isso possibilita que ela
seja tocada por, por exemplo, um duo composto de um professor e seu aluno.
Algumas adaptações foram feitas na passagem da Valsa para dois violões com o
objetivo de torná-la mais idiomática e coerente. Zanon (2012, p. 4) escreve que é positivo que
uma transcrição realce possibilidades expressivas latentes em uma composição, como foi o
caso do trabalho em questão.
As Figuras 1 e 6 ilustram diversas ligaduras na partitura original para piano, todavia,
sabe-se que o ligado, apesar de ter significado expressivo similar tanto para o violão quanto
para o piano, implica em ações mecânicas diferentes em cada um, e, consequentemente, em
resultados sonoros diferentes. O ligado, no violão, é mais que uma nuance expressiva, mas um
demarcador forte de idiomatismo. Para Gilson Antunes (2016), ele é, ao lado de escalas e
arpejos, parte do tripé básico da técnica violonística, tamanha sua presença e importância no
repertório do instrumento. Os ligados ascendentes colocados, conforme as Figuras 2 e 5,
portanto, incrementam o idiomatismo na transcrição e colaboram para o discurso musical.
Outra adaptação feita foi no trecho correspondente aos últimos compassos da Valsa,
onde os acordes no acompanhamento são tocados no registro grave do piano, com notação de
staccato (Figura 7). Com o objetivo de se aproximar dessa sonoridade, e, ao mesmo tempo,
dotar essa parte de uma natureza idiomática, optou-se por adicionar a notação de pizzicato
(Figura 8). Realizar só na repetição foi uma decisão motivada pelo fato de o trecho ser tocado
duas vezes, já que, dessa forma, destaca-se o final, gerando uma pontuação e um repouso mais
convincentes.
Figura 7 – Compassos 66 a 73 da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno, edição de Cesar Bonan

Fonte: site do Musica Brasilis - https://musicabrasilis.org.br/

Figura 8 – Compassos 67 a 73 da transcrição própria da Valsa Op. 13 No. 2, de Nepomuceno,


para duo de violões
Fonte: Autor

Na partitura, o andamento notado é de semínima pontuada a 80 bpm. Contudo,


diversas interpretações da valsa, como a dos pianistas Arnaldo Estrella 5 e a de Brenno Lima,6
abordam-na a um andamento que chega a, aproximadamente, 50 bpm, quase metade do
escrito na partitura original, resultando em uma versão mais tranquila, lírica e expressiva da
Valsa. Tendo em vista a frequência com a qual a obra é executada em andamento mais lento
que o indicado por Nepomuceno, do resultado artístico positivo dessa mudança, e da
facilitação que ela causa na execução da transcrição, decidiu-se por notar, entre parênteses,
semínima pontuada a 50 bpm ao lado da notação de 80bpm, equivalente ao texto original
(Figura 2).

Considerações finais
A Valsa Op.13 No.2, de Alberto Nepomuceno, encaixa-se adequadamente quando
transcrita para a formação duo de violões, tanto pela sua divisão clara entre melodia e
acompanhamento, quanto pela sua natureza contida no âmbito textural e tessitural.
A transcrição foi feita tendo em vista o pioneirismo do material produzido e a forma
positiva que ela contribui para a lacuna no repertório para duo de violões e, como um todo, de
obras para violão brasileiras do final do século XIX, em especial as de Nepomuceno.
Tomando por base o conhecimento acumulado proveniente da longeva tradição transcricional
para violão, gerou-se um material que busca obter um produto final que concilia o respeito ao
texto original e uma abordagem idiomática.

5
Performance disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=sszoEkZQnc4
6
Performance disponível no link: https://youtu.be/oEgOOIidBpE
Referências

ALFONSO, Sandra Mara. O Violão: da marginalidade à academia. Uberlândia: EDUFU,


2009. 576 p.
ANTUNES, Gilson. Gilson Antunes – Aula sobre Ligados. 2016. 6 min. Disponível em:
https://youtu.be/YKUg3RLbTy8 Acesso em: 17 de jun. de 2022
Associação de Violão do Rio apresenta recital Nicolas de Souza Barros. [s.n.], 2013.
Disponível em: https://concertino1.websiteseguro.com/index.php?
option=com_content&view=article&id=5287&Itemid= Acesso em: 22 de maio de 2022
BARBEITAS, Flavio. As canções de Alberto Nepomuceno e sua transcrição para violão: um
caso de confluência entre performance e musicologia. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA, 20., 2010, UDESC.
Anais[...]. Florianópolis: [s.n.], 2005. p. 1239-1243.
CORREA, Sérgio Nepomuceno Alvim. Alberto Nepomuceno - Catálogo Geral. Ed.
FUNARTE. 1996.
GLOEDEN, Edelton; MORAIS, Luciano. Intertextualidade e transcrição musical: novas
possibilidades a partir de antigas propostas. Opus, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 72-86, dez. 2008.
GLOEDEN, Edelton; PEREIRA, Marcelo Fernandes. Do maldito ao erudito: caminhos do
violão solista no brasil. Composição: Revista de Ciências Sociais da UFMS, Campo Grande,
v. 6, n. 10, p. 68-91, jun. 2012.
MORAIS, Luciano. Sérgio Abreu: sua herança histórica, poética e contribuição musical
através de suas transcrições para violão. São Paulo, 2007. 204 p. Dissertação (Mestrado em
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E. Bevilacqua & Cia, 1895. Partitura. 2 páginas. Disponível em https://imslp.org/wiki/4_Pe
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Musica Brasilis, [s.n.]. Partitura. 2 páginas. Disponível em
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RODRIGUES, Pedro João. Para uma Sistematização do Método Transcricional
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