Cças e Adolesc. Com Deficiência, Acesso - Permanência Escola e Bolsa-Família

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 15

CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA: UMA REFLEXÃO

SOBRE O ACESSO E PERMANÊNCIA NA ESCOLA E AS


CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA

Fabiola Rodrigues Del Mouro​1


Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Eixo Temático 1: Do Direito à Educação: Políticas de


Acesso, Permanência e Qualidade Social

RESUMO
O tema do artigo é referente ao direito de acesso e permanência na escola de
crianças e adolescentes com deficiência a partir de um enfoque social. Para
esta finalidade serão analisadas as condicionalidades ligadas à educação
exigidas pelo Programa Bolsa Família - PBF. O objetivo, portanto, é refletir
acerca do direito ao acesso e permanência na escola de crianças e
adolescentes com deficiência e sobre os motivos que levam às famílias
beneficiárias do PBF a descumprirem as condicionalidades impostas pelo
programa na área da educação. Este artigo é parte da pesquisa intitulada
violência contra criança e adolescente com deficiência vinculada à dados da
Secretaria Municipal de Assistência Social de um município da região
metropolitana de Curitiba, estado do Paraná. Trata-se de uma pesquisa
quantitativa na qual foram utilizados como ferramenta metodológica relatórios
institucionais obtidos com gestores do Programa Bolsa Família do município
em estudo. Para a discussão, como referencial teórico, foi analisado o direito à
educação para pessoas com deficiências descrito através dos seguintes
documentos: Estatuto da criança e adolescente, Lei de diretrizes e bases da
Educação, Convenção dos direitos das pessoas com deficiência, Lei Brasileira
de Inclusão e Plano Nacional do direitos das pessoas com deficiência e a
partir desta análise foi possível construir um protocolo que serve de referência
para análise de do direito à educação de crianças e adolescentes com
deficiência. Com resultado destaca-se que a necessidade de se estabelecer
parâmetros específicos que discutam o direito a educação de crianças e
adolescentes com deficiência e políticas públicas que atendam as famílias
vulneráveis.

Palavras-Chave​: Criança e adolescente. Deficiência. Direito à educação.


Condicionalidades. Programa Bolsa-família.

1
Mestranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal
do Paraná, com especialização em Tecnologias aplicadas à educação, Educação Especial e
Inclusiva e Psicopedagogia Clínica e Institucional, Cidade de Curitiba, Estado do Paraná;
e-mail [email protected].
2

1 INTRODUÇÃO

A busca e
construção dos
direitos das pessoas com deficiência e sobretudo das crianças e dos
adolescentes, deriva de um longo processo, com causas e motivações
históricas. Os estudos sobre a violação de direitos das pessoas com deficiência
estão intimamente relacionados com as diversas concepções históricas e
formas como esse grupo foi concebido em diferentes momentos da história e
nas sociedades.
A atitude da sociedade, o estigma, o preconceito e a discriminação contra estes
sujeitos podem naturalizar certos atos, onde as pessoas, a família e a
sociedade agem com a aceitação da negação de seus direitos.
A informação sobre deficiência e pobreza é escassa, e o que existe indica que,
embora nem todas as pessoas com deficiências sejam pobres, há um número
desproporcional dessas pessoas vivendo em condições de extrema pobreza
em todos os países.
As pessoas com deficiência estão entre os grupos da população com mais
risco de viver em situação de pobreza, especialmente nos países em
desenvolvimento e com uma parcela de sua população que vive em exclusão
social.
É o que revela o estudo de Ovadiya e Zampaglione (2009), os autores afirmam
que há um impacto direto da deficiência sobre a pobreza e da pobreza sobre a
deficiência, pois em países de baixa renda ou com políticas pouco efetivas,
evidencia-se que pessoas com deficiência estão excessivamente
representadas entre os mais pobres.
Esta informação aparece também no excerto da CDPD, “(...) salientando o fato
de que a maioria das pessoas com deficiência vive em condições de pobreza e,
nesse sentido, reconhecendo a necessidade crítica de lidar com o impacto
negativo da pobreza sobre pessoas com deficiência” (CDPD, 2009).
Nesta perspectiva os estudos de McDonald et al. (2007) apontaram além disso,
essa experiência pode exacerbar as múltiplas privações a que levam as
3

deficiências e as desigualdades mais severas, perpetuando o ciclo de


deficiência, pobreza e exclusão.
Situações de
exclusão social
são o resultado de uma cadeia de eventos reforçada ou impulsionada por
desigualdades e determinações estruturais do sistema econômico e social.
A exclusão social ocorre em decorrência destas pessoas terem menos
recursos econômicos e sociais para sobrepor eventuais impedimentos e pela
discriminação institucionalizada.
Juntamente com a pobreza, a exclusão social, revela as diversas
vulnerabilidades às quais estão sujeitas as famílias, e reflete as dificuldades e
os limites das famílias em utilizar e acessar os recursos e serviços públicos.
Neste sentido a pobreza pode se manifestar como a privação existente na vida
das pessoas. Ela não implica apenas na falta de bem-estar material, mas na
negação de oportunidades de viver uma vida com condições mínimas.
Tais barreiras incidem diretamente na vida social dessas crianças e famílias e,
não raramente, estão associadas à baixa autoestima, ao isolamento social e à
marginalização.
A exemplo dessa situação, o estudo realizado pela Unicef (2013) revelou que
ao invés de frequentarem a escola, as meninas acabam sendo utilizadas em
trabalhos domésticos ou se tornam responsáveis pelo cuidado de irmãos, a
família pode ser estigmatizada, o que leva à relutância em relatar que um filho
tem deficiência ou em levar a criança a locais públicos.
Cabe salientar que acerca dos direitos sociais, o direito à Educação destaca-se
como fundamental na vida de qualquer criança. Nesta perspectiva, entende-se
que a educação deve ser vista como “direito fundamental” do ser humano uma
vez que é direito dos sujeitos perante o Estado.
Desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, onde estabeleceu-se
que “a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família” (art.
205), garantindo em um dos seus princípios a “igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola” (art.206, I).
Pensando neste cenário, destinado a atender as famílias em situação de
4

pobreza com o objetivo de combater a miséria e a exclusão social, foi criado


por meio da Medida Provisória nº 132 de 20 de outubro de 2 003 o Programa
Bolsa Família.
Este se trata de
um programa federal de transferência direta de renda e cujas famílias
destinatárias do benefício devem cumprir com uma agenda de compromissos
denominadas pelo programa de condicionalidades, em três áreas sociais no
campo da saúde, educação e assistência social.
De acordo com o Ministério de desenvolvimento humano (MDS) (2014) as
condicionalidades são definidas como compromissos assumidos pelos
beneficiários, assim como pelo poder público, a fim de ampliar o acesso dessas
famílias aos seus direitos sociais básicos.
O Ministério da Cidadania é responsável por sistematizar os resultados do
acompanhamento das condicionalidades nas áreas da educação do Programa
Bolsa Família (PBF), por meio do Sistema de Condicionalidades (Sicon), e por
identificar as famílias em situação de descumprimento de condicionalidades, ou
seja, aquelas que têm um ou mais integrantes que deixaram de cumprir os
compromissos assumidos.
No que tange a educação, objeto do nosso estudo, as famílias devem manter
os filhos na escola com frequência escolar acima de 85% para crianças e
adolescentes até 15 anos e frequência de no mínimo 75% para adolescentes
de 16 e 17 anos.
As dificuldades de acesso a esses serviços podem ser reveladoras de
situações de vulnerabilidade e risco social. São exemplos de motivos
elencados pelas famílias para justificar a baixa freqüência na escola: ausência
do aluno por questão de saúde; inexistência de oferta de serviços
educacionais; fatos que impedem o deslocamento até escola; inexistência de
serviço educacional à pessoa com deficiência.
Para compreender melhor este cenário como metodologia para esta pesquisa,
foram utilizados relatórios institucionais com dados oficiais do descumprimento
de condicionalidades por famílias beneficiárias do programa Bolsa Família
relacionados ao direito à educação de crianças e adolescente com deficiência
5

no município de São José dos Pinhais – Paraná, bem como mapeados os


motivos destacados por estas.
Apesar de

compreendermos que o Programa possui diversas lacunas, e que acaba tendo


um caráter punitivo ante à famílias já vulneráveis socialmente, a utilização
destes dados visa acrescentar uma reflexão sobre as questões sociais
relacionadas ao acesso e permanência de crianças e adolescentes com
deficiência oriundos de famílias de baixa renda bem como apontar caminhos
para a proposição de políticas públicas e aprimoramento do próprio programa.
Além disso, para tratar sobre a violação de direitos, especificadamente sobre
relacionado à educação, cometidas contra as crianças e os adolescentes com
deficiência, o material empírico examinado nesta investigação constitui-se de
fontes documentais, a saber, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O
texto do ECA garante os direitos de todas as crianças e adolescentes, com ou
sem deficiência, mas, os direitos fundamentais, mesmo sendo generalizados
necessitaram de documentos que reafirmassem para determinados grupos,
como é o caso das pessoas com deficiência, a garantia de direitos através do
que denominam-se direitos específicos.
Assim, como referencial teórico, serão analisados os eixos do direito à
educação concomitante ao documento originário da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiências, o Plano Nacional dos Direitos da
Pessoa com Deficiência PNPcD), a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e
comparados aos itens de motivos elencados para o descumprimento das
condicionalidades da Programa Bolsa família por alunos com deficiência.

2​ ​REVISÃO DA LITERATURA
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Capítulo IV, trata do
Direito à educação define:
Quadro 1 - Artigos 53 e 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

CAPÍTULO IV - DO DIREITO À EDUCAÇÃO ÀCULTURA, AOESPORTE E AO


LAZER
6

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno


desenvolvimento de sua pessoa...assegurando –sê-lhes:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola
II - direito de
ser respeitado
por seus
educadores
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
III - atendimento educacional especializado aos ​portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino​.
​Fonte: elaboração da autora

Sobre o direito à Educação explicitado acima pelo ECA estão incluídas as


seguintes violações: “impedimento do acesso e permanência à escola”,
“excesso de faltas injustificadas”, “evasão escolar”, “elevado índice de
repetência” (VARELLA, 2004).
Quanto ao impedimento do acesso e permanência à escola caracteriza-se este
item como a falta de escola, falta de vagas, falta de oferta; já o impedimento de
permanência no sistema escolar se caracteriza por punições abusivas, ações
discriminatórias, expulsão indevida e constrangimento de qualquer espécie
(ASINELLI –LUZ, 2005).
Ainda, o direito à educação refere-se às informações acerca das condições
educacionais adequadas como, por exemplo, professores(as)
despreparados(as), ausência de serviços especializados de ensino.

Quadro 2 - Artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente


ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:


I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos ​portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino.

Sendo que o texto da CDPD estabelece como objetivos:


I - garantia de um sistema educacional inclusivo;
II - garantia de que os equipamentos públicos de educação sejam
acessíveis para as pessoas com deficiência, inclusive por meio de
transporte adequado;
III - ampliação da participação das pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, mediante sua capacitação e qualificação
profissional. (BRASIL)
A publicação da Lei 9.394/06, Lei de Diretrizes e Bases (LDB), foi um marco
7

histórico no que se refere à educação de crianças e adolescentes. A partir dela


o número de estudantes com deficiências aumentou no sistema de ensino
brasileiro.
A partir da LDB
o termo Educação Especial é expressa como direito à educação inclusiva,
adotando um paradigma da total inclusão educacional, com a prerrogativa de
apoios e instrumentos específicos, além de adaptações para aqueles que
necessitam.
Mesmo após tantas regulamentações, este item ainda é bastante
desrespeitado, por isso o artigo 24 da Convenção dos direitos das pessoas
com deficiência (CDPD) reafirma este direito, assim como os demais
documentos, traz em seu escopo artigos que buscam garantir direitos no
âmbito social, visando o pleno exercício da cidadania e a participação na
sociedade dentro de uma nova perspectiva centrada nos direitos e não no
assistencialismo. E traz formas pelas quais este deve ser garantido, sendo os
principais trechos:

Quadro 3 - Artigo 24 da Convenção sobre as pessoas com deficiência


CONVENÇÃO SOBRE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Artigo 24

2. Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão


que:
a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema
educacional ​geral sob a alegação de deficiência e que as crianças com
deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e
compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência; (...)
c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades
individuais sejam ​providenciadas;
3. Os Estados Partes assegurarão às pessoas com deficiência a
possibilidade de adquirir as competências práticas e sociais
necessárias (...)
a) Facilitação do aprendizado do Braille, escrita alternativa, modos,
meios e formatos de comunicação aumentativa e alternativa;
b) Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da
identidade linguística da comunidade surda;
8

Fonte: elaboração da autora.

Como conseqüência o Plano Nacional dos direitos das pessoas com deficiência
amplia a
discussão e
afirma que o acesso à educação é direito de todos, sem discriminação e em
igualdade de oportunidades. Para torná-lo realidade, o Plano investe em
recursos e serviços de apoio à educação básica. São ações que contemplam a
implantação de Salas de Recursos Multifuncionais​2​, promoção de
acessibilidade nas escolas, formação de professores para o Atendimento
Educacional Especializado​3​, aquisição de ônibus escolares acessíveis, a
Inclusão da Educação Bilíngue e a ampliação do Programa Benefício de
prestação Continuada na Escola (BPC). (BRASIL, 2013).
Para reafirmar esta perspectiva o art. 28 da Lei Brasileira de inclusão (LBI)
sintetiza importantes aspectos contidos em outros documentos que versam
sobre Educação no Brasil 4​​ , sendo que deve ser assegurado o sistema
educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como a oferta de
serviços e de recursos de acessibilidade, a institucionalização do atendimento
educacional especializado – AEE no projeto político pedagógico da escola, e
ainda a garantia de acesso pleno ao currículo, formação de professores para
atendimento em sala de aula e para o AEE, elaboração de plano de
atendimento educacional especializado, e a garantia de acessibilidade e
desenho Universal​5​ em ambientes, serviços e atendimento.
Apesar disso, estudantes com deficiência ainda enfrentam barreiras
significativas tanto para serem matriculados nas escolas, como para serem
aceitos pelas comunidades escolares e terem acesso a oportunidades para

2
As salas de recursos multifuncionais cumprem o propósito da organização de espaços, na
própria escola comum, dotados de equipamentos, recursos de acessibilidade e materiais
pedagógicos que auxiliam na promoção da escolarização.
3
Atendimento Educacional Especializado: A Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008), estabelece o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) como apoio para garantir o acesso, a participação e a aprendizagem dos
alunos, público– alvo da Educação Especial. (BRASIL, 2008, p.10)
4
Entre as quais são citadas a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva, na Resolução CNE/CB Nº4/2009, na Resolução CNE/CB Nº4/2010 e na
Lei Nº13.005/2014, que institui o Plano Nacional de Educação –PNE),
5
“É a criação de ambientes e produtos que podem ser usados por todas as pessoas na sua
máxima extensão possíveis”.
9

aprender conteúdos curriculares relevantes à sua formação humana e ao seu


desenvolvimento escolar, mesmo que matriculados nas escolas públicas ou
privadas,
continuam
sofrendo discriminação e são empurrados para as margens da vida escolar.
Sobre o tema destaca-se o artigo produzido por Windz B. Ferreira (2009),
discorrendo sobre a discriminação contra estudantes com deficiência na escola
no âmbito escolar. A autora vai relatar que tal ação ocorre de forma singular
quando os professores se dizem despreparados e sem apoio adequado para
ensinar crianças com deficiência em escolas regulares, por exemplo – fator que
demonstra pouca disposição dos educadores em muitos países em relação ao
apoio à inclusão de crianças com deficiência em suas salas de aula (UNICEF,
2013).
Ainda, observam-se outros tipos de situações em que a violação de direitos
contra a criança e adolescente se manifesta, são elas:
a) Recusar matrícula, matricular e isolar na sala de aula:​ impedir o contato com
os colegas configura-se ato discriminatório e violação grave do direito de
qualquer estudante à educação e à convivência em condição de igualdade;
b) Situações de agressão verbal e de desrespeito:​ o nível de agressão verbal,
rotulação e desrespeito à criança e ao jovem com deficiência é significativo e
sistematicamente se encontra presente na escola.
Muitas vezes, a discriminação adota características de crueldade e maus-tratos
e, mesmo assim, a gestão escolar ou os próprios pais não acionam as
instâncias legais existentes, o que, de certa forma, reforça e corrobora à
vigente concepção de que pessoas com deficiência não são “sujeitos de
direito”, pois tais acontecimentos acabam naturalizados e banalizados. Em
consequência disso, as crianças e os jovens com deficiência, aceitos nas
escolas, da rede pública de ensino, tendem a abandoná-las, pois elas não
respondem às suas necessidades; com isso, perdem oportunidades de
conviver com seus pares e de encontrar mais oportunidades para o seu
desenvolvimento (FERREIRA, 2009).
A partir desta análise inicial, propõem-se a sintetização a seguir que visa
10

destacar como o direito à educação, quando se trata de uma criança com


deficiência necessita ser repensado e analisado diante das suas
singularidades.

Quadro 4: O direito à educação de criança e adolescentes com deficiência

O DIREITO DA O QUE ISSO OBSERVAÇÕES:


CRIANÇA E DO REPRESENTA PARA A
ADOLESCENTE CRIANÇA E O
ADOLESCENTE COM
DEFICIÊNCIA
Do direito à Educação: É Concretiza-se através da Garantir que crianças e
dever do Estado Inclusão adolescentes com
assegurar: ensino deficiência não sejam
fundamental, obrigatório excluídos e
Direito de não ser
e gratuito a toda criança discriminados dentro
discriminado por motivo
e adolescente. do sistema escolar,
da deficiência; possuam adaptações
Acesso ao Ensino e razoáveis às suas
utilização da língua de necessidades e à
sinais; Braille; apropriação de
Acesso e permanência instrumentos de
ao Atendimento comunicação,
especializado. respeitando suas
Acesso à bens culturais, particularidades. Além
programas de televisão, disso, garantir o
cinema, teatro e outras acesso aos
atividades culturais, em atendimentos
formatos acessíveis. especializados que
Acessibilidade a locais contribuam para
que ofereçam serviços inclusão.
ou eventos culturais.
Reconhecimento e apoio
para o exercício da sua
identidade cultural e
linguística específica
incluindo as línguas de
sinais e a cultura surda.
Fonte: elaboração da autora

3 METODOLOGIA E ANÁLISE DE RESULTADOS


O presente trabalho trata-se de uma pesquisa documental e quantitativa que
visa discutir situações de violação de direitos de criança e adolescentes com
deficiência referente ao direito ao acesso e permanência à escola a partir da
11

reflexão sobre os motivos que levam às famílias beneficiárias do Programa


Bolsa família e com crianças com deficiência a descumprirem as

condicionalidades impostas pelo programa nas áreas da educação e


assistência social.
Os procedimentos metodológicos do estudo, de natureza quantitativa, incluíram
revisão bibliográfica e pesquisa de campo, e o principal instrumento de coleta
de dados são os relatórios institucionais da Secretaria Municipal de Assistência
Social, gestora do Programa Bolsa Família no município.
Como ferramenta metodológica foram analisados dados oriundos de relatórios
institucionais acerca das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, e
elencados os motivos de descumprimentos das condicionalidades ligadas ao
direito de acesso e permanência na escola das crianças e adolescentes com
deficiência.

4 ANÁLISE DOS DADOS​6


Quantas famílias foram atendidas pelo Programa Bolsa família em 2019?
Tabela 1: Quantidade de beneficiários
Quantidade de beneficiários em 2019
9.740
Quantas famílias descumpiram condicionalidades na área de educação e
saúde no ano de 2019?
Tabela 2: Quantidade de famíliasbeneficiários descumpridores
Período Repercusão: Março 2020 Dezembro 2019
Total de descumpridores 1420 1415
Total de famílias 1153 1146
Para este estudo foram analisados os motivos de descumprimento das
condicionalidades na área da educação que se enquadram nos itens 1a e 1b;
53a e 53b; 64a e 64b; 65 a e 65b; 72h, 72i, 72j, 72k e 72l, dos itens elencados
pelo Ministério da Cidadania sobre a baixa freqüência escolar.
Quadro 5: Motivos dos descumprimentos das condicionalidades do Programa
Bolsa Família.

Tratamento de doença e de atenção à saúde do aluno item 1a -


Doença/problemas físicos

6
Levantamento de dados em andamento
12

Tratamento de doença e de atenção à saúde do aluno item 1b


Doença/problemas psicológicos/mentais.
Negligência dos pais ou responsáveis item 53a 53b

Desinteresse/Desmotivação pelos estudos item 64a 64b


Abandono Escolar/ Desistência item 65a 65b
Inexistência de atendimento educacional especializado para beneficiário
com deficiência/necessidade educacional específica item 72 h.
Inexistência de transporte/locomoção acessível à escola para beneficiário
com deficiência/necessidade especial item 72 i.
Questões de resistência da família para que o beneficiário com
deficiência/necessidade especial frequente a escola item 72 j.
Inexistência de acessibilidade no ambiente escolar para o beneficiário com
deficiência/necessidade especial item 72 k.
Negativa da escola em receber a criança com deficiência/necessidade
especial, alegando falta de vaga 72 l
Tratamento de doença e de atenção à saúde do aluno doença/problemas
físicos, psicológicos/mentais: ​Ao constatar que aluno não obteve frequência
escolar suficiente devido a alguma questão de saúde, a escola deve avaliar a
justificativa apresentada pelo(a) aluno(a) ou por sua família. Nos casos das
pessoas com deficiência este fato pode estar relacionado à necessidade de
algum atendimento especializado contínuo na área da saúde. Destaca-se que
para algumas crianças com deficiência receber atendimento especializado
pode ser fundamental para sua saúde e desenvolvimento, e algumas podem
necessitar constantemente deste recurso.
A Negligência dos pais ou responsáveis existe quando aqueles que deveriam
zelar pelo direito da criança, acabam sendo os agentes violadores. Nestes
casos cabe a escola perceber a importância e o valor que a família dá à
educação.
Outro ponto de destaque relaciona-se aos itens desinteresse/desmotivação
pelos estudos, que podem ter como desdobramentos os itens que se seguem
abandono escolar/desistência. ​O registro desse motivo deve alertar a
instituição educacional para a necessidade de ações pedagógicas que
revertam esse desinteresse, pois nesses casos o risco de abandono escolar é
iminente. ​A metodologia utilizada pelo professor em sala de aula, a
inclusão/exclusão da criança com deficiência no ambiente escolar, uma rede de
13

apoio entre professores e colegas de turma, acessibilidade física e atitudinal,


pode fazer a diferença para que isto não ocorra.
Os próximos
itens
constituem-se em questões diretas sobre a pessoa com deficiência e dizem
respeito ao direito já violado, quando não existe a política pública para atender
a demanda, dentre os motivos elencados destacam-se a inexistência de
atendimento educacional especializado para beneficiário com
deficiência/necessidade educacional específica e a inexistência de
transporte/locomoção acessível à escola para beneficiário com
deficiência/necessidade especial.
Nestes itens estão descritas as situações em que crianças ou adolescentes
com deficiência não dispõem de serviços educacionais/atendimento nas
escolas da rede regular de ensino da sua comunidade. Ocorrem situações em
que, apesar de existir oferta educacional, inexistem atendimentos adequados,
como no caso da locomoção e da disponibilidade de profissionais habilitados.
A resistência da família para que o aluno com deficiência freqüente a escola é
um ponto delicado e demonstra o preconceito e estigma que cerca, ainda, o
grupo e aponta para a necessidade de fortalecimento e apoio que as famílias.
E por último a inexistência de acessibilidade no ambiente escolar para o aluno
com deficiência e a negativa da escola alegando falta de vaga denuncia a falta
de um desenho universal que atenda as demandas de todas as pessoas e as
barreiras físicas e atitudinais, impostas pela sociedade que ainda permeiam o
ambiente escolar.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que o direito à educação se cumpra existem dimensões específicas que


devem ser levados em consideração quando se trata de pessoa com
deficiência. Faz-se necessário garantir que estes sujeitos não sejam excluídos
e discriminados dentro do sistema escolar, que se realize adaptações
razoáveis às suas necessidades e se proporcione à apropriação de
instrumentos de comunicação, respeitando suas particularidades. Outro fator
14

imprescindível é o acesso aos atendimentos especializados.

No que se
refere ao direito
à educação, existem situações de vulnerabilidade, principalmente social, que
se sobrepõem a deficiência e tornam estes sujeitos suscetíveis a terem seus
direitos violados.
A pobreza é fator que potencializa a violação do direito, além disso a falta de
acesso por parte da família a seus direitos e a uma rede de proteção que possa
auxiliar em suas fragilidades também são fatores determinantes. Cabe destacar
que todas as famílias são monos-parentais e geridas por suas genitoras. Em
alguns casos os genitores optaram por não registrar a criança na certidão de
nascimento.
Quanto aos motivos do descumprimento de condicionalidade a pesquisa
permitiu identificar que os motivos que levam as crianças e adolescentes a não
frequentarem a escola são decorrentes de várias situações que incidem sobre
a realidade social da família.
Partindo-se do entendimento de que o descumprimento sinaliza situações de
vulnerabilidade, a identificação das famílias que estão em descumprimento
permite ao poder público mapear os principais problemas vivenciados por elas,
relacionados à oferta dos serviços ou à dinâmica sociofamiliar, e torná-las foco
de ações estatais.
As famílias em situação de descumprimento de condicionalidades, constituem
público prioritário para acompanhamento pela assistência social. O trabalho
social com as famílias que descumprem as condicionalidades é importante
para que sejam superadas as situações que estão interferindo no acesso
regular das crianças e adolescentes à escola.
Diante deste cenário e com base nas análises de documentos e normativas
que tratam do direito à educação de crianças e adolescentes com ou sem
deficiência ​observa-se que se fazem necessárias discussões sobre a
construção de políticas públicas que considere as especificidades das barreiras
e das violações que pairam, histórica e socialmente, sobre estes sujeitos,
15

compreendendo que as vulnerabilidades se sobrepõem e fazem parte de uma


complexa teia que atinge o sujeito em vária áreas de sua vida.

REFERÊNCIAS

BRASIL. ​Decreto nº 7.612, de 17 de novembro de 2011​. Institui o Plano


Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limite.
Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília.2011.
BRASIL. Constituição 1988. ​Constituição República Federativa do Brasil​.
Brasília: Senado Federal; 1988.
______. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. ​Promulga a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo​, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
Diário Oficial da União 2009.
______.​ Estatuto da Criança e Adolescente​. Lei 8.069, de 13 de julho de
1990. Brasília, 1990.
______. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. ​Estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional​. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de
dezembro de 1996.
______. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. ​Institui a Lei Brasileira de
Inclusão das Pessoas com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência)​. Diário Oficial da União, Brasília, 7 de julho 2015.
FERREIRA, W. B.​ Entendendo a discriminação contra estudantes com
deficiência na escola in ​Tornar a educação inclusiva FAVERO, O et al
Brasília: UNESCO, 2009.
GOVERNO FEDERAL ​Guia para Acompanhamento das Condicionalidades
do Programa Bolsa Família. ​Ministério da Cidadania. 1ª edição atualizada.
Brasília 2020
McDonald, K. E., Keys, C. B., e Balcazar, F. E. ​Disability, race/ethnicity and
gender: Themes of cultural oppression, acts of individual resistence​. Am J
Community Psychol. 2007
OVADIYA. M e ZAMPAGLIONE G​ Escaping stigma and neglect: people with
disabilities in Sierra Leone ​Washington, DC: World Bank, 2009.
UNICEF, ​Estado Mundial de la Infancia​. ​Niños y Niñas con Discapacidad​,
2013
VARELLA S. F ​O levantamento de informações sobre direitos violados de
crianças e adolescentes no sistema de informações para a infância e
adolescência​ (SIPIA − módulo i): conteúdo e metodologia. Brasília. 2004.

Você também pode gostar