Maziero MG Me Ia
Maziero MG Me Ia
Maziero MG Me Ia
São Paulo
2021
MARIANA GOMES MAZIERO
São Paulo
2021
Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de
Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor.
M476 Maziero, Mariana Gomes, 1984-
p Percussão corporal pela abordagem Barbatuques segundo as
crianças : uma cartografia de escuta / Mariana Gomes Maziero. -
São Paulo, 2021.
135 f. : il. + anexo
CDD 780.7
Banca examinadora
_____________________________
________________________________
Professora Doutora Viviane Beineke
Universidade Estadual de Santa Catarina
________________________________
Professora Doutora Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento
Universidade de São Paulo
Ao amigo e mestre Fernando Barba
In memoriam
Muito obrigada por nossos caminhos terem se cruzado.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Marineide e José Carlos que, cada
um à própria maneira, sempre me incentivaram nas escolhas profissionais que tive e,
principalmente, para a trajetória acadêmica. E aos meus familiares que de alguma forma
me apoiam, indo assistir as apresentações musicais ou palestras.
À minha orientadora professora Drª Margarete Arroyo, que teve toda a
generosidade de entrar, junto comigo, no universo da infância e da cartografia, me dando
um suporte fundamental para esse início de jornada na pós-graduação stricto sensu. Todos
os questionamentos, sugestões de novas leituras, escritas e acompanhamentos, com
certeza, foram essenciais para que chegasse à conclusão da dissertação, sendo o começo
de uma caminhada acadêmica e de pesquisa que poderá ainda vir.
À Sâmia Chang, que colaborou com transcrições de algumas entrevistas. Ao
Rodrigo Garcia, que fez as transcrições para percussão corporal. Ao Carlos Bauzys e
Daniel Rocha, que gentilmente cederam partituras para este trabalho.
Aos integrantes do Barbatuques que sempre acompanham as pesquisas que faço,
em destaque ao André Hosoi, que pode me co-orientar na monografia da especialização
que fiz em 2016, à Luciana Horta, João Paulo Simão e Mauricio Maas, que deram o apoio
em leituras, comentários e conversas sobre o grupo e a pesquisa.
Ao Fernando Barba, que partiu em fevereiro de 2021, a quem dedico este trabalho,
com quem tive a oportunidade e privilégio de aprender e conviver de perto. Agradeço por
abrir portas e mentes para um fazer musical tão próprio e tão universal ao mesmo tempo.
Ao apoio incondicional que ele sempre deu a quem quisesse fazer pesquisa sobre
percussão corporal, com o qual me sinto contemplada. Espero que esta pesquisa possa ser
uma das sementes do legado que o Barba plantou.
Aos professores e colegas de pós-graduação, com quem dividimos experiências,
leituras, disciplinas, discussões, reflexões, saberes e angústias, sobretudo aos integrantes
do grupo de pesquisa Apremus que sempre, colaborativamente, contribuem para as
pesquisas dos membros.
À equipe do Lar Sírio Pró-Infância que sempre me deu suporte e apoio para a
realização da pesquisa. E, por fim, agradeço às crianças copesquisadoras deste trabalho,
que, sem a disponibilidade e abertura delas para participarem junto, a investigação teria
outro rumo.
RESUMO
A pesquisa objetiva compreender como crianças de oito e nove anos, que frequentam um
projeto social localizado no município de São Paulo, entendem a proposta de percussão
corporal, a qual está baseada na abordagem educacional do grupo Barbatuques. Com uso
da metodologia qualitativa, por meio do método da cartografia, busquei escutar essas
crianças em ambiente de aula de percussão corporal, das quais elas participam há, no
mínimo, dois anos, para trazer as perspectivas delas no âmbito das descobertas sonoras
do corpo, das relações entre si e da compreensão dessa prática da educação musical. O
referencial teórico baseia-se no tripé da sociologia da infância como campo
epistemológico, na educação musical a partir da pedagogia do acontecimento musical
proposto por Teca Alencar de Brito e na conexão entre infância e corpo alertada por
Miguel Arroyo. Por fim, trago relatos do campo, que indicam pistas acerca da
potencialidade da escuta das crianças, das ideias de música e do corpo como instrumento.
The research aims to understand how children aged eight and nine, who attend a social
project located in the city of São Paulo, understand the proposal of body percussion,
which is based on the educational approach of the Barbatuques group. Using a qualitative
methodology, through the method of cartography, I tried to listen to these children in a
body percussion classes, in which they participate for at least two years, to bring their
perspectives in the scope of sound discoveries of the body, of the relations between
themselves and the understanding of this practice of music education. The theoretical
referential is based on the tripod of childhood sociology as an epistemological field, on
musical education based on the pedagogy of the musical event proposed by Teca Alencar
de Brito and the connection between childhood and the body as warned by Miguel
Arroyo. Finally, I bring reports from the field, which indicate clues about the potential of
listening to children, ideas about music and the body as an instrument.
FIGURAS
Página
Figura 1 – Mapa conceitual 57
Figura 2 – Vista panorâmica do Lar Sírio 65
Figura 3 – Espaço musicalidade 66
Figura 4 – Transcrição da proposta de Pétala 78
Figura 5 – Transcrição do Volume 2 79
Figura 6 – Transcrição do Volume 3 79
Figura 7 – Transcrição do Volume 4 82
Figura 8 – Transcrição do Volume 5 82
Figura 9 – Mapa conceitual com pistas 102
QUADROS
Página
Quadro 1 – Etapas da pesquisa 69
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Página
INTRODUÇÃO 13
Capítulo um | ESCUTA DO CORPO 18
1.1 Percussão corporal como prática em variadas culturas 18
1.2 Barbatuques 20
1.2.1 Núcleos educacional e artístico 25
1.2.2 Fundamentos conceituais da percussão corporal do Barbatuques 32
1.2.3 Estudos sobre o Barbatuques 33
Capítulo dois | ESCUTA DE CRIANÇAS 38
2.1 Revisão bibliográfica 38
2.2 Referencial teórico 44
2.2.1 Sociologia da infância: um campo de pesquisa 44
Cultura de pares 48
Agência/protagonismo e escuta 49
2.2.2 Educação musical e a pedagogia do acontecimento musical 51
2.2.3 Corpo – infância 54
Capítulo três | CONTEXTOS E CAMINHOS DA ESCUTA 58
3.1. Pesquisa qualitativa e método cartográfico 58
3.2. Lar Sírio Pró-Infância 62
3.2.1 "Vamos fazer aquele Barbatuques?": histórico da presença da música no Lar 66
3.3 Etapas da pesquisa 68
Capítulo quatro | ESCUTA DAS CRIANÇAS 74
4.1 Explicando a pesquisa para as crianças 74
4.2 “-É... outra versão.” “- Volume dois!” 77
4.3 “Tem que explicar por partes” 85
4.4 “A brincadeira do pause” 86
4.5 “A música, para mim, é um quebra-cabeças” 90
4.6 “Porque quando tem uma banda sem instrumento, aí faz música no corpo” 92
4.7 “Você está esquecendo da nossa lista” 96
CONSIDERAÇÕES DAS ESCUTAS 99
Referências 104
Anexo A - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa 109
Anexo B – Bula para percussão corporal desenvolvida por Carlos Bauzys para o Núcleo
Barbatuques 112
Apêndice A – Categorias do diário de campo 113
Apêndice B – Bula de transcrições das sequências elaboradas pelas crianças 117
Apêndice C – Sequências criadas pelas crianças. Os “volumes” 118
Apêndice D – Arranjo criado pelas crianças para a música Fome Come 120
13
INTRODUÇÃO
Pesquiso e pratico a percussão corporal desde 2007. Nos últimos cinco anos, tenho
investigado possibilidades dessa instrumentação musical com crianças. Desde o início,
participei de grupos de estudos de percussão corporal e, a partir de 2010, fui chamada por
Fernando Barba (1971-2021 - um dos fundadores do grupo Barbatuques1) para integrar
a equipe de produção do 3º Festival Internacional de Música Corporal2, que aconteceria
em São Paulo no mesmo ano, já que eu também trabalhava com produção cultural. Depois
desse festival, comecei a trabalhar com o Barbatuques como produtora local freelancer,
acompanhando-os em viagens, eventos e shows. Isso ocorreu de forma intensa por cerca
de quatro anos e continua até hoje de maneira esporádica. Nos últimos anos, pela
experiência e pesquisa com aulas de percussão corporal, de vez em quando sou convidada
a substituir algum integrante em apresentações e em oficinas organizadas pelo grupo. De
2014 a 2020 transitei como monitora e produtora das oficinas em módulos de
responsabilidade de Fernando Barba.
Paralelo ao Barbatuques, Fernando Barba criou a Orquestra do Corpo em 2014,
grupo do qual integro como instrumentista desde o início. Nesse mesmo ano, me formei
no curso técnico em música e comecei a dar aulas, nas quais sempre utilizei a percussão
corporal como ferramenta principal, seja em oficina pontual ou em aulas regulares.
Dessa experiência como educadora musical, surgiu a ideia de iniciar uma
investigação em aulas de musicalização para crianças de quatro e cinco anos em que o
tema central era o corpo como instrumento, com ênfase na percussão corporal. Assim,
desenvolvendo técnicas de execução, diferenciação de timbres, definição de alturas,
ritmo, criação musical, entre outros aspectos musicais, o corpo foi tratado como qualquer
outro instrumento. Tal estudo teve início no curso de Especialização (Lato-Sensu) em
Educação Musical (MAZIERO, 2016) 3, na intenção de que o tema pudesse ser
aprofundado em nível de mestrado.
Uma vez que a minha base de formação em percussão corporal é de oficinas,
cursos e grupos de estudos do Barbatuques, nos quais os jogos e práticas são realizados
com adultos, a monografia de conclusão do referido curso conteve um caráter descritivo
1Barbatuques é um grupo musical brasileiro que há mais de 20 anos trabalha exclusivamente com sons do
corpo, sendo referência mundial nessa área, tanto na abordagem educacional, quanto na estética/artística.
2
Edição brasileira do IBMF – International Body Music Festival
3
MAZIERO, M. G. Percussão corporal na Educação Infantil. Monografia. Especialização em Educação
Musical) - Faculdade Cantareira, São Paulo, 2016.
14
4
Número do parecer: 3.671.855 | CAAE: 22766919.4.0000.5663, anexo A.
17
5
Apesar do próprio Fernando Barba referir-se ao Barbatuques como método, a discussão desse conceito
na educação musical contemporânea deve ser considerada. Entendendo que não é o caso de me deter muito
nesse assunto aqui, pois, ao considerar que o Barbatuques propõe caminhos e não uma estrutura fechada,
utilizo nesta dissertação o termo prática – prática da percussão corporal baseada no grupo Barbatuques -
ou abordagem – abordagem baseada no grupo Barbatuques.
6 Coco - https://www.youtube.com/watch?v=Hmwf226Z5TQ Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
7
Xaxado - https://www.youtube.com/watch?v=EQtjfoClDvg Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
8
Catira - https://www.youtube.com/watch?v=2lZJBKXL2lc Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
19
9
Sapateado irlandês - https://www.youtube.com/watch?v=HgGAzBDE454 Disponível no site
youtube.com. Último acesso em 01/09/2020
10
Clog - https://www.youtube.com/watch?v=s1yYM7fKLS0&feature=youtu.be Disponível no site
youtube.com. Último acesso em 01/09/2020
11
Tap dance – https://www.youtube.com/watch?v=0-b4M8jssX8 Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
12
Stepping - https://www.youtube.com/watch?v=xuTFauBPHww Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
13
Dabke - https://www.youtube.com/watch?v=9axQZmDfHHw Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
14
Flamenco - https://www.youtube.com/watch?v=kSA1bXgOQTQ Disponível no site youtube.com.
Último acesso em 01/09/2020
15
Dança cigana - https://www.youtube.com/watch?v=TYgl6qfPdd4 Disponível no site youtube.com.
Último acesso em 01/09/2020
16
Gumboot - https://www.youtube.com/watch?v=U0Q51WVrR40 |
https://www.youtube.com/watch?v=uuSuKKFzaho Disponível no site youtube.com. Último acesso em
01/09/2020
17
Beatbox - https://www.youtube.com/watch?v=0KCt2hAzeW0 Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
18
Kecak - https://www.youtube.com/watch?v=t0HY0oD84OM Disponível no site youtube.com. Último
acesso em 01/09/2020
19
Vocal sampling - https://www.youtube.com/watch?v=TgvdjhbGGVI Disponível no site youtube.com.
Último acesso em 01/09/2020
20
Bobby McFerrin - https://www.youtube.com/watch?v=snFZFw2y9Gk Disponível no site youtube.com.
Último acesso em 01/09/2020
20
1.2 Barbatuques
21
http://www.internationalbodymusicfestival.com/
22
Traduzido como 3º Festival Internacional de Música Corporal
21
O grupo, cuja abordagem é a base para esse trabalho, utiliza a percussão corporal
como um processo de compreensão e como fim estético musical, com construção de
repertório de uso exclusivo do corpo como instrumento, com arranjos contendo ritmo,
melodia, harmonia e efeitos sonoros. Desta maneira, Roberta Forte completa:
Grupo Barbatuques trazia composições com timbres corporais que iam além
da voz, das palmas, das batidas de pés e estalos de dedos. Cada timbre, como
palmas e percussão na boca, por exemplo, foi explorado em suas capacidades
de variações de alturas, volumes e técnicas, expondo a possibilidade de pensar
o corpo como um instrumento de percussão (FORTE, 2018, p. 36).
Gramani era um professor sui generis. O método dele era totalmente diferente
de tudo o que a gente conhecia. [...] Seu método rítmico fazia todo o sentido
para mim. Lembro do modo como ele conduzia os trabalhos, sua maneira bem-
humorada de lidar com os músicos, sempre deixando que os ritmos
aparecessem naturalmente. E ele conseguia isso de forma lúdica no trabalho
com o grupo: alguém contribuía com um pedaço, outra pessoa, com outro.
Éramos estimulados a ouvir ora o todo, ora um som em particular, a perceber
como a nota de uma parte do corpo podia se relacionar com a de outra parte, a
fazer essa conta em alguns momentos e, em outros, a não fazer, deixando a
música se desenrolar com naturalidade. Todo esse fundamento permanece
comigo ainda hoje. Foi um contato importante e que acrescentou muito à
minha bagagem. Nessa época, eu já pesquisava a música corporal, explorando
as possibilidades de coordenação dos braços, da voz e dos pés, experimentando
o som das palmas, dos pés, dos estalos de boca etc. Gramani, que tinha um
conhecimento bem mais avançado nesse sentido, foi quem me apresentou o
pensamento contrapontístico entre voz, mãos e pés, que era o exato oposto
daquilo que eu chamaria de “música acadêmica” – o método de estudo
aritmético e formal que eu via nos conservatórios. Essa sacada me impulsionou
muito. Era como se eu visse confirmado tudo aquilo que eu já intuía: que a
música podia ser, também, uma brincadeira. [...] Gramani faleceu em 1998, em
Campinas, e foi, seguramente, um dos pilares da educação musical no Brasil
(BARBA; TORRES, 2019, p.64 e 65).
23
Considero José Eduardo Gramani como educador musical, pois entendo que ele foi professor de música
em diversas instituições ao longo da carreira, sobretudo no Ensino Superior (como no curso de música
popular da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp), contribuindo para o ensino de música,
principalmente no âmbito do ensino de rítmica.
22
No livro Rítmica (2018), Gramani aborda o que Barba conta sobre as linhas
rítmicas terem mais relação com contraponto do que com a harmonia, ou seja, não é um
pensamento vertical, “a frase rítmica não se subordina ao tempo; ela acontece sobre ele,
horizontalmente, conservando assim suas características básicas.” (GRAMANI, 2018, p.
11). Ao entendermos que o ritmo não está em função do tempo, mas com ele, percebemos
a música e não um mero contar de tempos.
Os livros do Gramani são de exercícios rítmicos, na maioria, para serem
executados com duas ou três linhas sonoras simultâneas, envolvendo voz, alternância de
mãos, pés, regência, timbres e alturas, com variação na voz, com “tum” (grave) e “tchi”
(agudo) e com o punho (grave) e com a ponta dos dedos (agudo). No entanto, ele também
sugere que alguns desses exercícios possam ser executados com outro instrumento como
piano, bateria e violão, por exemplo. Entretanto, tais exercícios sempre passam pelo
corpo, como acesso inicial, processo de compreensão e finalidade, executando uma
produção sonora.
Explicações de exercícios e frases como “feche os olhos e sinta o balanço do
contraponto rítmico” ou “dançar também é bom” (GRAMANI, 2013 p. 143) apontam um
aspecto muito importante do pensamento de Gramani: para além da execução está a
sensibilidade rítmica. Contudo, vejo que ele nos provoca a trabalhar a sensibilidade
musical e não só rítmica, conforme afirma:
de 1993 a 2006. Na autobiografia de Fernando Barba, ele comenta que “uma característica
da Auê era que nós, sócios e professores, fazíamos música o tempo inteiro. Às vezes,
sentávamos no chão da sala de recepção e fazíamos percussão corporal.” (BARBA;
TORRES, 2019, p. 75).
Algo que era uma brincadeira nos períodos de intervalo de aula da escola de
música vinha de uma pesquisa pessoal desde a adolescência e ganhava mais força depois
do encontro com José Eduardo Gramani, Barba começa a pensar sobre dar aulas acerca
dessa prática:
24
“Theophill Maier, alemão, ator, cineasta, integrante do grupo performático Trio ExVOCO e intérprete
contemporâneo de John Cage”. (SIMÃO, 2013, p. 17)
25
Simão (2013) resume o que representa a junção das pesquisas de Barba e Stenio:
Com a fusão do trabalho de Stenio (com seus sons mais abertos e orgânicos,
sua busca por novos timbres e seus jogos musicais), Barba (suas atividades
rítmicas e combinatórias dos sons e outros jogos musicais) potencializou a
transformação e a complexidade do trabalho do Barbatuques (SIMÃO, 2013,
p. 20).
Forte (2018), em entrevista com Mendes, conta que em um desses contatos com
o Maier, este “proferiu uma frase que até hoje utiliza em suas aulas: ‘ouvir o outro, sentir
o outro, manter o outro. [...] São três atitudes diferentes, apesar de parecerem a mesma
coisa, são três dimensões bem diferentes.’” (FORTE, 2018, p. 50). Esta frase foi (e ainda
é) levada adiante para as práticas de improvisação que Mendes conduz e que,
consequentemente, também é praticada pelo grupo Barbatuques.
De um ponto, uma experiência vinda da graduação por alguns integrantes, do
contato com o Gramani, que consolidou alguns conceitos que foram difundidos pela
prática do grupo. De outro, o contato com Mendes, que permeia o grupo até hoje, e que
trouxe novas camadas sonoras. O Barbatuques, entre outras influências, traz a base desses
dois músicos, pesquisadores e educadores.
Talvez, Gramani tenha tido uma influência no princípio do grupo. Stenio Mendes
é reconhecido como uma fonte inspiradora por todos os integrantes, pois ainda é próximo
ao grupo, então, não é possível datar nem quantificar até quando ou o que exatamente é
a contribuição dele, pois está em constante troca. Por isso, ainda neste capítulo, permeado
por outros assuntos, a influência de Stenio reaparece em algumas falas pontuais.
Nesta seção, abordo os dois eixos de atuação do grupo Barbatuques: o que ficou
referenciado como Núcleo Educacional e como Núcleo Artístico.
A vertente educacional começou a ser desenvolvida antes da artística. Para Simão
(2013), o Núcleo Barbatuques atua nas frentes artística e pedagógica. A pedagógica25, por
meio de oficinas, vivências e cursos de diversos formatos de conteúdo e duração; já a
artística é concretizada pelas apresentações dos espetáculos criados pelo Barbatuques
como O corpo do som (2002), Indivíduo corpo coletivo (2007), Tum Pá (2011)26. Essas
duas frentes caminham paralelamente desde então. No entanto, a percussão corporal
vivenciada pelas crianças nas aulas que ministro é referenciada na abordagem
educacional.
As oficinas são oferecidas pelo grupo em diversos formatos e durações a partir da
sistematização iniciada por Fernando Barba. No entanto, desde 2013, Barba,
independentemente do grupo, começou a fazê-las sozinho, pensadas em seis módulos,
com duração de 12 horas cada, como uma forma de proporcionar tanto o acesso à
abordagem nos módulos iniciais, quanto o aprofundamento nos conceitos, jogos e
desafios técnicos e motores.
A partir de 2014, me aproximei dessas oficinas em módulos como monitora e em
2016 passei a produzi-las e a pensar junto os conteúdos de cada módulo. Desde 2019,
após o afastamento físico de Barba dessas oficinas, eu e João Paulo Simão começamos a
estruturá-las de forma que outros integrantes do grupo pudessem ministrá-las, com a
supervisão do próprio Fernando e, em 2020, elaboramos os conteúdos do formato on-line
dos módulos iniciais dessas oficinas (lançadas em 2021), estabelecendo, assim, uma
parceria com o núcleo educacional do grupo.
Nas dissertações de João Paulo Simão (2013) e Mauricio de Oliveira Maas (2018),
que são integrantes do grupo, estão descritos como são realizados os jogos e execução de
timbres trabalhados nas oficinas. Em artigo de minha autoria (MAZIERO, 2020a)
também trago algumas dessas descrições. Por isso, aqui cabe mais tratar sobre essa
abordagem educacional da percussão corporal praticada pelo Barbatuques do que, mais
uma vez, descrever os jogos, ritmos e explicação de como fazer cada som.
25 Simão (2013) e Maas (2018), ambos integrantes do grupo Barbatuques, explicam que a frente pedagógica
do grupo é chamada também de núcleo educacional. Neste trabalho, optei por adotar o termo educacional.
26
Os espetáculos Ayú (2015), Barbatuquices (2016), 20 anos (2017) e Só mais um pouquinho (2018) foram
lançados após a publicação de João Paulo Simão, bem como os CDs Ayú (2015) e Só mais um pouquinho
(2018).
27
É uma prática musical coletiva, que pode ser agradável, prazerosa e muitas vezes
lúdica, que se contrapõe a alguns métodos tradicionais de ensino de música, corroborando
com a provocação que Gramani nos trouxe, já mencionada nesse capítulo. Quanto a isso,
Maas (2018) afirma que:
Nas oficinas também é comum ter educadores que, de um modo geral, não têm,
necessariamente, uma formação musical tradicional. Isso vem ao encontro da citação
acima no que se refere aos recursos disponíveis ou não para as aulas. Entretanto, fico com
uma inquietação do porquê educadores (musicais ou não) também não buscam essa forma
de ensinar, aprender e fazer música quando há recursos e investimento. A prática da
percussão corporal na educação musical independe de existir ou inexistir meios
financeiros para essas aulas. Ao considerar o corpo como instrumento, ela tem valor
próprio. Não é uma prática e instrumentação inferior ou menor.
Com mais de 20 anos de trajetória, o Barbatuques conta, como produção do
núcleo artístico, com seis CDs e dois DVDs lançados e sete espetáculos 27, nos quais usam
exclusivamente o corpo como instrumento.
O grupo já se apresentou em diversos países, como França, Colômbia, Bélgica,
Estados Unidos da América, China, Líbano, Suíça, África do Sul, entre outros. Está em
trilhas sonoras de peças publicitárias, games e filmes, tais como: Tropa de Elite (direção:
José Padilha), 1,99 – um supermercado que vende palavras (direção: Marcelo Masagão),
Trash – a esperança vem do lixo (direção: Stephen Daldry), O menino e o mundo (direção:
Alê Abreu) e Rio 2 (direção: Carlos Saldana), os dois últimos indicados ao Oscar.
Também participou de significativos eventos nacionais e internacionais, entre eles, o
encerramento das Olimpíadas 2016.
Hoje, o grupo conta com 13 integrantes: André Hosoi, André Venegas, Charles
Raszl, Giba Alves, Helô Ribeiro, João Simão, Marcelo Pretto, Lu Cestari, Lu Horta,
Mairah Rocha, Mauricio Maas, Renato Epstein e Tais Balieiro. Os espetáculos possuem
diferentes formações, variando a quantidade de integrantes presentes no palco.
27CDs: O corpo do som (2002), O seguinte é esse (2005), Tum Pá* (2012), Ayú (2015), Só mais um
pouquinho* (2018);
DVDs: O corpo do som (2007), Tum Pá* (2014;
Espetáculos: O corpo do som (2002 – direção musical: Fernando Barba, direção cênica: Deise Alves),
Indivíduo corpo coletivo (2007 – direção musical: Fernando Barba, direção cênica: Deise Alves), Tum Pá*
(2011 – direção musical: Fernando Barba e Lu Horta, direção cênica: Deise Alves), Ayú (2015 – direção
musical: Fernando Barba e Carlos Bauzys, direção cênica: Ana Fridman), Barbatuquices* (2016 – direção
musical e cênica: Núcleo Barbatuques), 20 anos (2017 – direção musical: Carlos Bauzys, direção cênica:
Gustavo Kurlat), Só mais um pouquinho* (2018 – direção musical: Carlos Bauzys, direção cênica: Dafne
Michellepis).
*Trabalhos dedicados às crianças.
29
Da maneira como Barba foi desenvolvendo essa técnica, quem tem o contato com
essa forma de fazer música, se coloca em uma constante prática de descobertas sonoras,
combinações de ritmos e camadas sonoras. De modo que, individualmente, há um
aprimoramento e, coletivamente, abre-se para uma escuta mais ampla. Horta reflete sobre:
Não você só põe as pessoas para fazerem música, mas essa auto sustentação,
sustentabilidade de você, individualmente, conseguir reproduzir uma série de
camadas e como isso amplia nossa audição. Eu sempre chamei muita atenção
a isso como um ouro pedagógico, que a sua escuta melhora. Só o fato de você
28
https://www.youtube.com/watch?v=Wszw3OtDYGk&t=9851s
30
tentar coordenar dois sons ao mesmo tempo, ou essa pesquisa de luthieria, que
o Stenio é um grande mestre nesse sentido da pesquisa dos timbres, como isso
coloca você, sem nenhum outro aparato, num lugar muito precioso para se
aproximar mais e mais da música (PRIMEIRO..., 2021, 49 min.).
Sobre essa pesquisa sonora que se expandiu a partir do encontro entre Barba e
Stenio Mendes, Luciana Horta fala para Mendes:
É um legado construído com toda a delicadeza e as sutilezas do seu
conhecimento, da sua escuta, do seu cuidado né. Se tem alguém que ensinou
muito a gente sobre esse respeito, sobre a escuta, foi você né. Ouvir o outro,
sentir o outro, manter o outro. Quantas vezes a gente não ouviu essa frase nas
suas dinâmicas, nas suas aulas que você dava? Na maneira como você ensinava
a gente a dar essa permissão para que o caos se estabelecesse e a partir desse
caos a gente fosse encontrando um resultado harmônico e musical, então, sem
dúvida você foi o nosso, e ainda é, o nosso mestre maior, nesse sentido de fazer
uma ponte da linguagem musical com as relações humanas e como isso é tão
refinado na maneira como você entende a música (PRIMEIRO..., 2021, 76
min.).
Ainda sobre o jogo, Mauricio Maas reflete sobre o pertencimento corporal desta
abordagem, por quem passa por essa prática do fazer musical tendo o corpo como
instrumento, do ter um corpo presente, em estado de prontidão para o jogo, para estado
de jogo musical corporal:
É como se o corpo, para quem já passou por esses exercícios, esses jogos, é
como um lugar que a gente conhece muito bem, de esse estar pronto para
improvisar, é uma coisa também sensorial, uma coisa motora. [...] Eu acho que
é tão interessante esse conceito de que o Barba e os Stenio trouxeram pra gente,
é esse estado de jogo musical corporal, né? Então é como se fossem times de
futebol, assim, que não interessa que time você está, você sabe qual a regra,
você sabe como estar presente, você sabe como trocar, como ouvir [...]. Mas,
corporalmente, mexe com a gente, é um lugar que parece que o nosso corpo
entende o que é estar presente né, o que é estar nesse improvisão29, o que é
trocar esse maestro30. Então, eu vejo um pouco isso [...] que esses grupos que
formaram, até mesmo lá atrás quando eu comecei com a Orquestra Orgânica
29
Improvisão é um jogo de improvisação, também chamado de contágio livre que, sem um regente, os
participantes improvisam livremente a partir dos estímulos sonoros que emergem do próprio grupo.
30
“Trocar esse maestro” é uma referência ao jogo, também de improvisação, chamado de maestro ou
carrossel, em que pequenos grupos tocam simultaneamente. Cada grupo tem um regente/compositor que
indica o que é que o grupo que está conduzindo vai tocar. Porém, esse regente se alterna entre os integrantes
do próprio grupo. No capítulo quatro explico mais sobre essa dinâmica.
31
Ainda dentro dessa perspectiva de jogo, de estar com o corpo presente e ter
consciência da música que está sendo feita para além da performance, ter espaço para a
criatividade nessa abordagem de fazer musical, Carlos Bauzys reflete:
O Barba tinha uma maneira de trabalhar que nunca era somente a performance,
o que podia ser e ia ser lindo, porque a performance do Barbatuques é
maravilhosa. Mas a maneira dele trabalhar era sempre da conscientização da
música né, ele trabalhava de um jeito que você era plenamente consciente de
tudo o que você estava fazendo musicalmente. E, fora isso, com todos os jogos
de improviso e criatividade, cada artista era também um artista criador ali,
mesmo na performance, em tudo. E isso é o que muda tudo né e é o que
realmente define o trabalho do Barbatuques e todo esse trabalho
(PRIMEIRO..., 2021, 65 min.).
Esse trabalho que qualifica a criação coletiva do tempo real, que é esse fazer a
música no aqui e agora mas com essa característica de composição mesmo. E
isso a gente vai conquistando através das propostas de jogos de improviso, dos
estudos de regência que que o Stenio traz que é infinito [...], dos carrosséis31,
duplas harmônicas32, dos mapas sonoros33, então tudo isso vai trazendo esse
refinamento e vai elevando, vai trazendo essa coisa do fazer musical para um
lugar mágico, que vai muito além da música e que, realmente, afeta as nossas
relações diretamente. [...]
O Barba, sempre com essa generosidade, tentar promover essa generosidade
de uma forma musical na roda. Então, em vez de você trazer uma ideia nova,
por que que você não apoia o outro, ideias que já estão borbulhando na roda,
né? E é uma coisa que num primeiro momento eu sentia que quando as pessoas
chegam, elas têm uma ansiedade em trazer ideias, em aportar coisas novas, e
fazer entender que isso não necessariamente é o ideal, realmente eu acho que
eleva o nível dessa criação coletiva (PRIMEIRO..., 2021, 122 min.).
31
Explico o jogo do carrossel (ou maestro) no capítulo quatro.
32
Duplas harmônicas é um jogo de improvisação em duplas que estabelecem um diálogo sonoro-musical
entre si.
33
Mapas sonoros são mapas de condução da improvisação.
32
generosidade em “abrir mão” da própria ideia e, muitas vezes, entender que, naquele
momento, o melhor para a música está no apoio e não em uma ideia nova sobreposta.
O trazer ideias musicais é uma forma de destacar as potências individuais dessa
prática, bem como o estado de presença e as escutas (de si, do outro, do grupo). Ronaldo
Crispim nos instiga a refletir sobre:
Mantendo viva essa coisa dessa presença, da escuta, como que, ao abrir a
escuta para fazer música junto a gente também se convida a abrir uma escuta
para o outro, né? Para o que o outro é, uma possibilidade de cada um se
expressar naquilo que é, naquilo que ele tem de potência, né? Então, como que
a gente vai tirando esses espaços para as pessoas se expressarem, se escutarem,
se apoiarem, como a gente aprendeu com o Stenio, citando Theophil: ouça o
outro, sinta o outro, sustente outro, isso levado também para questão musical,
mas levado para as relações humanas em geral (PRIMEIRO..., 2021, 151
min.).
34
Grupo do Reino Unido, que existe desde 1991, e tem um show que viaja o mundo há mais de 20 anos,
no qual utiliza diversos objetos do cotidiano como instrumentos de percussão (pias de cozinha, latas de
lixo, canos, isqueiros etc), além da percussão corporal.
34
Cada estilo de música corporal tem influência das artes corporais e cênicas que
dialogam com a música. Há grupos que são fortemente influenciados pelo
sapateado, outros, pela linguagem teatral, outros ainda, pela música vocal. É
importante ressaltar que essas formas de produzir música estão relacionadas
com a história, os costumes e a cultura das pessoas de cada região do mundo
(SIMÃO, 2013, p.37).
35Os exemplos de ambos foram extraídos de BARBOZA, Fernando; HOSOI, André (organizadores).
Apostila de música corporal (Barbatuques). Módulos I, II, III e IV. São Paulo, 2015, mimeo.
35
por sua vez, são ainda menores que a numerosidade de sons feitos pela boca
(MAAS, 2018, p.34).
O pesquisador vai um pouco além, pois tem como inspiração o fichário de jogos
teatrais de Viola Spolin 36, no qual ele apresenta cada jogo de percussão corporal da
seguinte forma: introdução, instrução, variação e reflexão musical e cênica. Assim como
o fichário de Spolin é uma referência para as aulas de teatro e métodos de preparação de
atores, Maas, de certo modo, cataloga os jogos de percussão corporal praticados pelo
Barbatuques, fazendo uma ponte entre as duas linguagens.
Mais de 10 anos antes de Maas, Alexandre Cintra Leite Rüger narra o trabalho
que teve com atores na dissertação A percussão corporal como proposta de sensibilização
musical para atores e estudantes de teatro. Rüger relata a experiência de um curso de
extensão para alunos de teatro da Unesp e com um grupo teatral da mesma universidade,
no qual ele reproduz, com estudantes de teatro e atores em processo de montagem, os
jogos que aprendeu em oficinas do Barbatuques. Após o término do curso, ele realizou
questionários com os estudantes e atores, a fim de quantificar o impacto desse conteúdo
nas práticas teatrais deles. Ainda de maneira embrionária, aqui já foram descritos alguns
dos jogos de percussão corporal em que Simão (2013) e Maas (2018) se aprofundaram
posteriormente.
Granja (2005), Rüger (2007), Simão (2013) e Maas (2018) trazem a descrição de
alguns jogos do núcleo educacional do Barbatuques como base para os respectivos
trabalhos.
De maneira mais reflexiva, Amanda Acuan Góes, em Corpo sonoro e som em
movimento: um estudo sobre a prática da música corporal, traz conceitos para a formação
musical envolvendo o corpo. Dissertação defendida em 2015 em Portugal, a autora, além
de citar também o que acontece no mundo em relação à percussão corporal, tem como
referência grupos e músicos brasileiros como o Barbatuques e Pedro Consorte, artista que
ela acompanha por um período, que foi integrante do Stomp e do Fritos37 e hoje é um dos
36Viola Spolin foi autora e diretora teatral norte-americana, considerada referência em teatro
improvisacional. Mauricio Maas faz referência ao Jogos teatrais - o fichário de Viola Spolin, publicado em
português pela editora Perspectiva.
37
Originado em 2003 como grupo de estudos de percussão corporal, orientado inicialmente por Fernando
Barba, o Fritos adquiriu independência do fundador e até 2013 atuou como grupo para estudo e pesquisa e
treino de técnica, independência rítmica, coordenação motora e improvisação.
(fritosbr.wordpress.com/sobre)
36
38
“A Música do Círculo cria espaços de conexão, cooperação e convivência apoiadas em práticas de música
corporal, comunicação não violenta, pedagogia da cooperação e metodologias colaborativas.”
(www.musicadocirculo.com)
37
Para uma escuta de crianças, este capítulo trata dos aspectos teóricos que
fundamentam esta ação. É iniciado com uma revisão bibliográfica realizada de pesquisas
relacionadas à educação musical sob o prisma da escuta de crianças como pensadoras e
construtoras de conhecimento musical. Em uma segunda parte, é apresentado o
referencial teórico, que se baseia no tripé da Sociologia da Infância como campo
epistemológico, da pedagogia do acontecimento musical e, por fim, dos temas corpo e
infância.
Todas as crianças, em maior ou menor grau, são musicais. É isso que eu sempre
quis acreditar e é a premissa a partir da qual sempre ensinei. Mas agora conto
com dados reais e críveis, que indicam que as crianças têm mais música dentro
delas do que tendemos a reconhecer. Como definiu John Blacking "a música é
um som humanamente organizado" (1973, p.10) e existe nas vidas infantis
graças a suas habilidades biológicas para discernir, sentir e expressar. Todas
as crianças têm a ferramenta mental e física para organizar perceptivamente os
sons que recebem e para organizar lógica e inventivamente os sons que
produzem (CAMPBELL, 2001, p.73. Tradução livre39).
39
Todos los niños, en mayor o menor grado, son musicales. Eso es lo que siempre quise crer, y es la
premissa a partir de la cual siempre enseñé, Pero ahora cuento com datos reales y creíbles, que indican que
los niños tienen más música dentro de ellos que lo que tendemos a reconocerles. Como definió John
Blacking “la música es el sonido organizado humanamente” (1973, p.10), y existe em las vidas infantiles
gracias a sus habilidades biológicas para dicernirla, sentirla, y expresarla. Todos los niños tienen la
herramienta mental y física para organizar perceptivamente los sonidos que reciben y para organizar lógica
e inventivamente los sonidos producen (CAMPBELL, 2001, p. 73).
39
40
Entendo que pode-se pensar que, até então, era feita uma leitura de que as crianças não só recebiam de
forma passiva, como não tinha espaço para uma livre manifestação, sendo forçadas a receber as propostas
dos adultos.
41
An understanding of children as children, as having their own identities, growing in the midst of their
own peer culture, in the locus of their roles within the family, and under the influence or through interaction
with mediated forces, is yet to be discovered within the realm of sociological method. […] A sociological
approach would be likely to shed light on children’s musical experiences within families and peer groups,
and a pastiche of local cases might provide a global understanding of their socio-musical nature.
(CAMPBELL, 2016, p. 559).
42
“Direct result of what sounds come into their ears” (CAMPBELL, 2016, p.572).
40
cultura para outra, segue-se também que a maneira como é aprendida pode ser
afetada pela própria música, e pelos modos, meios e valores da localidade
relativos à transferência de conhecimento (CAMPBELL, 2016, p. 572.
Tradução livre43).
É no gesto (da mão que toca), no corpo que produz sons, que se tem a experiência
da música, da execução sonora. Dentro disso, é contemplada a escuta das vozes das
crianças, no que expressam musical e verbalmente, em que elas “adquirem e produzem
criativamente culturas e articulam espontaneamente rotinas lúdicas para animar,
perpetuar ou transformar a música na sociedade” (LINO, 2008, p. 49).
43
Children are to an extent similarly “wired,” regardless of where they live, so that some facets of the
manner in which they perceive, receive, and grow to know music are evident across cultures. Yet if there
is variance in musical expression from one culture to another, it follows also that the manner in which it is
learned may be affected by the music itself, and by the ways, means, and values of the locality concerning
the transfer of knowledge (CAMPBELL, 2016, p. 572).
41
A autora denomina barulhar como essa expressão das crianças que abrange
silêncios, interações sonoras, combinações, nuances etc que, diante da escuta sensível, é
possível compreender singularidades dentro do coletivo. A partir do trabalho de campo
realizado, a pesquisadora entende que:
A escuta não se relacionava apenas à escuta musical que sempre esteve
imbrincada aderentemente à ação do barulhar, mas que essa potência tatuava a
imaginação sonora na infância. Sendo imprevisível, a ação do barulhar
sublinhava a dimensão poética da infância sem medir vibrações, mas expor
singularidades (LINO, 2008, p. 354).
Antônio (2019) se propõe a ter uma escuta mais ampla das crianças para além das
produções musicais, mas também as “ideias, necessidades e interesses”, que são
expressas em gestos, perguntas que se relacionam com “o estado físico, emocional,
mental” das crianças naquele momento e que, muitas vezes, a observação do professor
pode demandar tempo para compreender o que é que emerge dali. Talvez, esse ponto que
Antônio coloca seja o que eu mais tenha demorado para perceber e ter um olhar para
demandas além da dimensão sonora, como descrevo em uma das cenas no capítulo quatro.
A autora também traz questionamentos sobre uma educação musical que faça
sentido na aprendizagem das crianças envolvidas, proporcionando espaços para essas
escutas e não só reproduzir atividades excessivamente estimulantes, disfarçadas de
lúdicas, com muitos jogos e objetos coloridos, mas sem um foco no que é que as crianças
estão aprendendo, no que elas expressam (ANTÔNIO, 2019).
Permitir que os alunos sejam protagonistas e criadores de suas experiências
artísticas implica em perceber suas necessidades e interesses e, propiciando
espaço e condições materiais para desenvolver suas criações, desenvolver os
43
Acrescento que essa escuta se dá não só pelos educadores, mas também entre as
crianças, revelando as culturas de pares latentes, uma vez que a pesquisa, tanto no caso
de Antônio quanto no meu, é em meio a um coletivo de crianças. As relações entre elas
também contribuem para a construção de conhecimento, de maneira a estimular que elas
se escutem e colaborem nas criações, reflexões, indagações etc.
A partir dos relatos de experiência da autora, ela elabora considerações que dão
luz às necessidades, expressões, reflexões e sons acolhidos em um espaço considerado,
pela educadora em ação, para as diversas escutas.
Em Crianças e música: educação musical e estudos da infância em diálogo,
Sandra Mara Cunha também aproxima a sociologia da infância e a educação musical,
traçando um paralelo entre as duas áreas, sobretudo em processos musicais criativos com
crianças. Cunha (2020) afirma que, com processos e abordagens colaborativas e
inventivas, por meio da experiência artística, desenvolvemos pessoas mais criativas,
críticas e autônomas. Por isso:
Dentro da perspectiva de escuta das vozes, a autora denomina como dupla escuta:
a das vozes das crianças (discursos, sejam ditos verbalmente ou por outra forma de
expressão) e das músicas que elas “inventam e reinventam” (CUNHA, 2020, p. 3).:
Os interesses das crianças em saber mais pode ser questão norteadora das
propostas, bem como o exercício e a construção da autonomia, a valorização
do conhecimento musical e o engajamento nos processos de construção de
conhecimento, tidos também como princípios fundantes. Os direitos das
crianças e jovens entram na agenda das discussões em torno dos processos
criativos na educação musical da infância, e trazem para o debate a questão
dos seus direitos de participação (CUNHA, 2020, p.17).
Falar sobre e/ou fazer música remete à escuta e à produção de significados com
sons e silêncios; e, entre outros aspectos, remete, também, ao significado que
a música assume nos diversos grupos sociais em que atualiza (BRITO, 2019,
p. 55).
Não nos parece que o pressuposto da necessidade de dar voz às crianças seja
que elas reproduzam as culturas dominantes e hegemônicas que configuram a
estrutura social. Ao contrário, busca-se nessa escuta confrontar, conhecer um
45
ponto de vista diferente daquele que nós seríamos capazes de ver e analisar no
âmbito do mundo social de pertença dos adultos. [...] As crianças não só
reproduzem, mas produzem significações acerca de sua própria vida e das
possibilidades de construção da sua existência. (ROCHA, 2008, p. 46)
44
Disciplina cursada entre os meses de agosto e novembro de 2019.
46
Desta maneira, com esse campo de diferentes contextos sociais, poderemos falar
em infâncias, não se fechando em uma única e hipotética infância, conforme aponta
Gomes:
Como campo da sociologia, Quinteiro (2002) afirma que existe certa resistência
em aceitar as falas das crianças como fontes de pesquisa confiáveis, o que acaba
corroborando com a falta de problematização, por parte dos pesquisadores, do que
recolhem das crianças nas pesquisas, falas ou descrições de elementos característicos.
No Brasil, segundo Quintero (2002), a sociologia da infância como área de estudo
e pesquisa, começa a ser elaborada nas últimas duas décadas, porém, na primeira metade
do século XX já aparecem alguns trabalhos relevantes, que serão abordados a seguir.
Para a autora, as pesquisas brasileiras ainda têm mais debates a partir de estudos
empíricos do que teóricos, trazendo à tona temas como: “as péssimas condições de vida
e existência das crianças e suas famílias, o profundo desrespeito por parte do Estado à
criança como sujeito de direitos” (QUINTEIRO, 2002, p. 140), entre outros aspectos.
No contexto brasileiro, são nos saberes sobre a infância que se pode reconhecer a
precariedade das condições sociais das crianças, da infância como construção cultural,
dos próprios saberes, memórias, lembranças, práticas e da capacidade de “criar e recriar
a realidade social na qual se encontram inseridas” (QUINTEIRO, 2002, p. 141). Ou seja,
durante o século XX, as pesquisas no campo da história da infância no Brasil partem de
problemas sociais, sobretudo da “criança pobre”, com caráter paternalista e
assistencialista.
É de se notar que, já na década de 1940, Florestan Fernandes (2004) esteve atento
às interações na infância em o Folclore e mudança social na cidade de São Paulo, no
48
Cultura de pares
45
Esta é uma tradução para o português de Portugal. Não tive acesso ao texto original em inglês.
49
Agência/protagonismo e escuta
William Corsaro é um dos pensadores atuais que trabalha “dois conceitos centrais
de uma nova sociologia das crianças” (CORSARO, 2011, p. 15): a criança como
construtora da própria cultura, contribuindo para a produção de um mundo adulto e a
infância como forma estrutural ou parte da sociedade.
O primeiro conceito traz a ideia de que “as crianças são agentes sociais, ativos e
criativos, que produzem suas próprias e exclusivas culturas infantis, enquanto,
simultaneamente, contribuem para a produção de sociedades adultas” (CORSARO, 2011,
p. 15).
O segundo conceito é a própria infância como uma categoria ou parte da
sociedade, como classes sociais e grupos de idade. No entanto, é uma categoria que os
membros mudam periodicamente, mas que nunca desaparece. Tendemos a pensar a
infância como um período transitório de preparação para ingressar na sociedade e não
como forma estrutural, reafirmando que as crianças são parte integrante da sociedade
desde o nascimento (CORSARO, 2011).
50
Uma forma de trazer à tona a agência e protagonismo das crianças é estar atento
ao que elas têm a dizer sobre as próprias práticas e culturas, o que se mostra fundamental
para que mudanças efetivas sejam realizadas. Para Eloísa Rocha (2008, p. 46), “a ênfase
na escuta justifica-se pelo reconhecimento das crianças como agentes sociais, de sua
competência para a ação, para a comunicação e troca cultural”.
Entendendo que infância é uma categoria da qual a criança faz parte e que a
criança é sujeito de direitos e construtora de conhecimento, a ideia é poder proporcionar
com que essas crianças possam expressar e refletir sobre a prática musical que vivenciam.
Portanto, Silvia Helena Vieira Cruz acentua que:
Acreditar que mesmo crianças ainda bem pequenas têm o que dizer deriva de
algumas ideias que vêm sendo construídas nas últimas décadas. Entre elas, tem
destaque o reconhecimento de que, desde a mais tenra infância, nas suas
interações sociais, as pessoas vão somando impressões, gostos, antipatias,
desejos, medos etc., desenvolvendo sentimentos e percepções cada vez mais
diversificados e definidos, atribuindo significados, construindo sua identidade.
Que significados, que sentimentos etc. têm as crianças sobre suas experiências,
sobre os elementos da sua cultura? Ainda se conhece muito pouco sobre isso
(CRUZ, 2008, p.13).
46
Las experiencias de participación de los niños dependen de su relación con los adultos que trabajan con
ellos. (GAITÁN, 2005, p. 38)
52
crianças (dos sons, silêncios, reflexões, construções, movimentos etc) partem do respeito
do que acontece no momento e do que pode ser transformado e desenvolvido a partir dali.
Dentro dessa pedagogia do acontecimento, entendo que estão as ideias de música, a
música como jogo e a educação musical menor, uma vez que esses conceitos são baseados
no que emerge e se desdobra a partir do que é realizado nos espaços e contextos de
educação musical, que “inclui os afetos na percepção do aqui e agora” (BRITO, 2019, p.
26).
Para Brito, essa proposta é o que dá sentido para as crianças fazerem música:
“navego por uma pedagogia do acontecimento, em planos que valorizam o emergir de
projetos que, efetivamente, tenham sentido para elas, com as quais eu crio alianças que
contribuem com a contínua reorganização do fazer musical. (BRITO, 2013, p. 102, 103)
Brito (2019) ressalta que somos seres musicais e que isso é uma potência por si
só, sem reduzir a música a outros fins. No entanto, fazendo música, a gente vive a
dimensão artístico-cultural “que, a um só tempo, fortalece nossa identidade e aproxima-
nos do outro, do diferente, do antigo e do novo” (BRITO, 2019, p. 38). Dentro desta
perspectiva, pode-se dizer que o fazer musical é uma forma de cultura de pares.
Brito é educadora musical com experiência tanto com crianças, quanto do Ensino
Superior em cursos de licenciatura e pós-graduação. Boa parte das experiências relatadas
no livro Um jogo chamado música: escuta, experiência, criação, educação (2019) é de
aulas de musicalização com crianças. Diante dessa vivência, ela traz como proposta
pedagógica práticas e conceitos que traçam a trajetória dela enquanto educadora musical,
como as ideias de música e desenvolvimento integral do ser humano de Hans-Joachim
Koellreuter47 e de propostas pedagógico-musicais da segunda metade do século XX; as
pedagogias musicais abertas do Fórum Latino Americano de Educação Musical
(Fladem); as pesquisas de François Delalande que relacionam os processos de jogo de
Jean Piaget (sensório-motor, simbólico e de regras) com o fazer musical; e conceitos
filosóficos dos franceses Gilles Deleuze e Féliz Gattarri, como a repetição do diferente.
Como ideias de música, Brito concebe que:
Destacam a diversidade que cerca o fazer musical, seja no que se refere aos
aspectos construtivos (sistemas, instrumentações, formas etc.), seja no que
tange aos tantos significados que a música assume em diferentes grupos
sociais, bem como em épocas distintas. Tais ideias assumem importância
especial quando abordamos o fluxo fazer/pensar musical no decorrer da
infância.
47
Músico e educador musical alemão que foi naturalizado brasileiro.
53
Aqui, vou me ater, sobretudo, ao foco na escuta, no que engloba a escuta das
crianças, seja a das vozes, a musical, a reflexiva ou das inúmeras expressões que elas
podem ter e o que Brito nos fornece sobre esse conceito.
A relação das crianças e dos adolescentes com sons e músicas deve ser
considerada a partir de aspectos relativos à escuta, à produção de gestos
sonoros, às condutas de produção e especialmente às “ideias de música”, ou
seja: ao que pensam sobre, aos modos como lidam com os conceitos
envolvidos, como fazem, desfazem e refazem os produtos sonoros e musicais,
inventando, criando e recriando (desde que sejam estimulados a isso ou, ao
menos, que não sejam reprimidos nesse sentido) (BRITO, 2019, p. 60).
Talvez, esse seja o ponto que mais dialoga com o capítulo quatro, no qual relato
algumas situações do trabalho de campo em que a escuta se deu no fazer de criação
musical e as reflexões que as próprias crianças faziam sobre essa prática e sobre as
relações. Desta maneira:
A música como um jogo advém da prática do que acontece no “aqui e agora”, que
abre o espaço para as potências criativas, sem ganhadores e perdedores, mas de pessoas
que colaboram entre si para a construção de sonoridades, reflexões, criações, entre outros.
54
Como modo maior, a educadora coloca que se pode entender que temos, por
exemplo, as instituições escolares e familiares, métodos e sistemas fechados e
padronizados de ensino preocupados com apenas a aquisição de competências. Enquanto,
como modo menor, compreende-se um modo “de ser e significar a existência” (BRITO,
2009), que transita entre territórios, assim:
É dentro desta abordagem menor de escuta, de olhar para o micro para além dos
padrões de alguma instituição ou método a ser seguido rigorosamente, que trabalho nesta
pesquisa, trazendo também o contexto sociocultural em que essas crianças estão inseridas.
2.2.3 Corpo-infância
querem nos dizer? O que um corpo de uma criança com fome diz?”. Saí da palestra com
essas perguntas reverberando em mim, lembrando das aulas com as crianças que vêm de
contextos de vulnerabilidade social e/ou econômica. Então, para me auxiliar nas pistas
que os corpos das crianças apontam, trago, também como referencial teórico, o trabalho
de 2012, reimpresso em 2018, organizado por Miguel Arroyo e Maurício Roberto Silva,
Corpo-infância – exercícios tensos de ser criança por outras pedagogias dos corpos.
Na dedicatória feita por Miguel Arroyo ao livro Corpo-infância que adquiri por
ocasião da palestra, recebi a seguinte provocação do autor, depois de comentar que eu era
educadora musical:
Mariana,
Que corpos? Que falas?
Meu abraço,
Miguel Arroyo
17.09.19
Nesse momento, usando um termo que as novas gerações podem não entender, “a
ficha caiu”. Claro! O que querem dizer os corpos de crianças que saem de casa cedo,
muitas vezes com o dia ainda escuro, e ficam horas em uma ou mais conduções para
chegar à escola, depois ir para a instituição de contraturno escolar e na última aula do dia
estarem com vontade de fazer música utilizando o próprio corpo? Como é que estão esses
corpos após tantas horas? Qual a disponibilidade? Que escuta eu, como educadora, posso
ter do que esses corpos dizem? É o próprio Arroyo (2018b) que responde:
que estão disponíveis (ou não) para fazer música? Que escuta eu posso ter disso e como
abordá-la? Arroyo (2018a) aponta que:
Abrir tempos, espaços para que nos transmitam seu mal-estar. Adotar uma
pedagogia das verdades que carregam para como mestres ajuda-los a explicitá-
las e a entender a luz dos conhecimentos seus significados por vezes
indecifráveis. Aprender novos recursos, novas didáticas nem sempre
aprendidas nas didáticas de aprendizagem (ARROYO, 2018a, p. 49 e 50).
Desta forma, neste trabalho, coloquei-me à disposição para perceber novas formas
de aprendizagem para que pudesse construir conhecimentos, junto com as crianças, do
que esses corpos musicais poderiam me dizer.
A seguir, coloco um mapa conceitual (figura 1) que ilustra as escolhas teóricas e
de conceitos desta pesquisa.
57
texto polifônico (BARROS; KASTRUP, 2015, p. 71), no qual as falas dos participantes
são expostas para que, juntos, pudéssemos elaborar compreensões sobre o tema.
Contudo, na escrita do texto, como compromisso ético, as crianças não são
identificadas com os nomes reais. Assim, em um dos nossos encontros, pude esclarecer
esse ponto a elas e, desta maneira, pedi para que dissessem por quais nomes gostariam de
ser identificadas na pesquisa. Portanto, os nomes das crianças aqui relatados são os
pseudônimos que elas criaram para si mesmas. Nesse processo, apareceram nomes
comuns, apelidos e especificidades da escrita como: Fernando; Fran; Melissa, apelido:
Mel; Jaqueline, apelido: Jac; Pâmella, com dois Ls; Luiza, com Z, apelido: Lu) e
personagens de desenhos japoneses (Torodoki, Charman, Lítten e Salamence, por
exemplo). Poucas crianças não estavam presentes nos momentos em que fizemos essas
listas de nomes, então, para essas específicas, tomei a liberdade de renomeá-las48.
Os cuidados éticos também foram tomados no que se refere à condição de
crianças, sendo solicitada, assim, a autorização dos responsáveis e o assentimento delas
próprias, por meio de autorização escrita para uso das informações para fins específicos
de pesquisa, sendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), destinado
aos responsáveis, e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), destinado às
crianças.
Como instrumentos para a produção de dados, (1) além das próprias aulas práticas
de percussão corporal que essas crianças participaram semanalmente com a minha
mediação, constam (2) os relatos feitos em diário de campo, (3) depoimentos espontâneos
das crianças (conversas), (4) gravações em áudio e vídeo, transcritas posteriormente, e
fotos de situações pontuais (5) observações e relatos pessoais sobre a turma antes, durante
e depois do período de pesquisa, (6) a prática da escuta das vozes dessas crianças e (7)
entrevistas semiestruturadas com as coordenadoras pedagógica e de assistência social
para uma melhor compreensão do contexto histórico e social da instituição e das crianças
que ali frequentam.
Um ponto a ser considerado é a qualidade sonora das gravações das produções
musicais das crianças em razão de que a percussão corporal tem uma especificidade que
é a da captação do áudio. Fiz gravações em áudio e vídeo de situações dentro e fora das
48
Doravante, os nomes das pessoas envolvidas na instituição serão alterados, sendo usado um nome fictício
para referenciá-los e estarão identificados em itálico, tanto o das crianças, conforme descrito, como também
os nomes de demais funcionários entrevistados e/ou citados.
62
aulas, conforme mencionado anteriormente que, para registro e observação, são efetivos.
No entanto, como foi captado com o microfone do celular e/ou tablet, sem microfonação
exclusiva para este fim, a qualidade do áudio fica a desejar, impossibilitando a
identificação e diferenciação de timbres, bem como a sobreposição de sons do ambiente
que, por vezes, cobrem a produção musical das crianças. Diante disso, recorri à
transcrição para partitura de um arranjo criado pelas crianças e descrito em uma das cenas
do capítulo quatro. Nos apêndices B, C e D são encontradas a partitura do arranjo na
íntegra, a bula para percussão corporal e as transcrições das sequências elaboradas pelas
crianças. Assim, as transcrições dessas criações são registros meus, feitos à posteriori,
para compartilhar o que as crianças produziram. Durante as aulas recorremos somente à
escuta e memorização do que era criado.
Em 1939, o Orfanato é reconhecido por Lei Federal e, em 1942 tem seu nome
mudado para Orfanato São Jorge já que, nesse momento, por conta da Segunda
Grande Guerra, qualquer nome estrangeiro ou que fizesse referência a outros
países era proibido. A denominação original volta a ser usada em 1945. Em
1954, passa a se chamar Lar Beneficente Sírio (D’ALESSIO; JUNIOR, p. 66).
Por meio das Secretarias de Educação e de Bem Estar Social, convênios foram
feitos com a prefeitura da cidade de São Paulo e “em 17 de outubro de 1988, o antigo
Orfanato passa a se chamar Lar Sírio Pró-Infância” (D’ALESSIO; JUNIOR, p. 69)
Em entrevista realizada em 10 de março de 2020, Mariângela, coordenadora do
serviço social do Lar Sírio, esclarece sobre o processo de transformação estrutural, física
e no atendimento:
Por muitos anos, o Lar Sírio ofereceu atendimento híbrido, com crianças no
serviço de acolhimento institucional e crianças que frequentavam no contraturno escolar,
50
Serviço de Acolhimento Institucional para Criança e Adolescente
64
voltando para as próprias casas diariamente. Entretanto, em 2015 ocorreu o fim do serviço
de acolhimento e o atendimento passou a ser exclusivo no contraturno escolar.
Hoje em dia, conforme Mariângela explica, o atendimento é de crianças de quatro
a 14 anos e 11 meses, considerado Pase 51, porém, parte desse atendimento é realizado
com a parceria e subsídio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento
Social (SMADS) da Prefeitura do município de São Paulo, por meio do Centro para
Crianças e Adolescentes (CCA)52. Atualmente, para jovens acima de 14 anos e 11 meses,
também há o Programa de Apoio à Profissionalização (PAP). Até o momento da
entrevista (março de 2020), existia a meta de ter 500 crianças e adolescentes matriculados
em 2020, segundo a coordenadora do serviço social:
Nós estamos com uma meta para 2020 de matricularmos 250 crianças e
adolescentes pela manhã e 250 crianças e adolescentes à tarde, então a gente
tem uma meta de cumprirmos é, quantitativamente, 500 pessoas; fora o nosso
pós53, que é o Emei54 Lar Sírio, Sesi 55, do 1o ao 5o ano e algumas escolas do
entorno que a gente atende a partir das 03h30 da tarde. Escolas do Estado,
escolas públicas. (Entrevista – coordenadora do serviço social Mariângela -
10/03/2020)
51
Pase é o Programa de Apoio Socioeducativo, um programa interno do Lar Sírio.
52
CCA é um programa da Prefeitura da cidade de São Paulo de proteção social à criança e ao adolescente,
para o qual os usuários são encaminhados por meio do CRAS – Centro de Referência de Assistência Social.
53
O “pós” é o atendimento de um horário posterior ao da escola do período da tarde, com prestação de
serviço até às 19h, no qual recebem as crianças da Emei, Sesi e de escolas públicas próximas. Dentro do
terreno do Lar Sírio também tem uma Emei e uma unidade do Sesi.
54
Escola Municipal de Educação Infantil Lar Sírio
55
Serviço Social da Indústria
65
além dos prédios para atendimento administrativo e os que estão destinados a Emei Lar
Sírio e unidades do Sesi, Sebrae56 e Senac57.
56
Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas
57
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
58
Lar Sírio < https://www.larsirio.org.br/conhe%C3%A7a-o-lar> Aceso em: 19 de julho de 2021.
59
Os nomes originais dos prédios são em homenagem a quem financiou a construção e/ou a reforma do
mesmo.
66
grupos etc. Atrás do palco existe um depósito, no qual ficam guardados os instrumentos
de percussão e figurinos das apresentações. As aulas que fazem parte da pesquisa são
iniciadas nesse local; (3) já em 2020, com a proposta de ter um dos prédios destinados à
música e a maior parte das aulas ser realizada lá (musicalização, coral, violão, teclado,
flauta, violino, música corporal e sala da musicalidade), mudamos para o prédio laranja,
Pavilhão Kaba-Salomão, para o segundo andar, sala 3, uma sala que antigamente era um
dos dormitórios.
60
Lar Sírio < https://www.larsirio.org.br/conhe%C3%A7a-o-lar> Aceso em: 19 de julho de 2021.
61
Proposta da superintendente do Lar em 2016.
67
O Lar Sírio é uma instituição que tem 97 anos e desde… não tem o registro
desde quando, mas pelas fotografias, pelos livros históricos, as edições de 50
anos, 70 anos do Lar, tem fotografias e tem esses registros mesmo de quanto a
música estava presente nas atividades das crianças. Sempre o coral, o coral
orfeônico. Tem até um quadro de um professor, que eu não sei se era da Igreja
Ortodoxa, tinha essa ligação com a Igreja Ortodoxa. Dentro do Lar tem uma
réplica da Igreja Ortodoxa, apesar do Lar, hoje, ser uma instituição que não
tem religião, as crianças têm essa liberdade de crenças e tudo mais, mas o coral
sempre foi presente.
[...] Quando eu entrei no Lar, isso já faz 20 anos agora em 2020, de música
tinha somente o coral, era praticamente só de meninas, porque as meninas
ficavam até 18 anos e os meninos até 10 anos, porque tinha uma preocupação
da Diretoria com eles adolescentes, né? Mas quando eu entrei, junto com uma
outra psicóloga e o antigo superintendente também a gente começou a pensar
em estratégias para manter os meninos sim, porque a idade de 10 anos ainda
era uma idade muito vulnerável pra sair da proteção que o Lar oferecia. Então,
aí os meninos começaram a crescer também e alguns faziam parte do coral.
Mas eu me lembro que a gente começou flauta para esses meninos. Eram uns
seis ou oito meninos e a gente queria uma atividade para eles que eles
gostassem e eles gostaram bastante da flauta. Então, foram anos com esses
meninos fazendo flauta. Foi a segunda atividade de música.
Depois, introduzimos o violão também, não era nem o Celso o professor, era
o professor Ricardo e ele também ficou uns anos lá dando o violão também era
uma atividade para as crianças do abrigo, até aí era só abrigo, gostavam
bastante, depois abriu para o Pase, enfim, as turmas ficaram com crianças do
abrigo e crianças do Pase, né?
A outra atividade foi a percussão em 2009, tá? Então, em 2009 […]
começamos a percussão com o professor Willian, numa parceria bacana que
vem até hoje, uma atividade muito legal, as crianças gostaram muito no início,
tinha muito aluno, muito, muito, muito, sempre muita gente, muita fila de
espera, uma atividade bem concorrida. Ficamos anos com a percussão
bombando. Aí sempre a gente pensa em novas atividades, porque as crianças
vão se habituando e tem uma tendência natural de não querer mais fazer.
[...] Então, a cada dois, três anos, quatro, dependendo inclusive de orçamento,
a gente conseguia e consegue introduzir uma nova atividade. Aí quando foi em
2016, a antiga superintendente, Clarice, me perguntou "Ah, vamos fazer mais
uma atividade? Que vai ter um projeto, que vai vir uma verba e eu acho que
queria mais uma atividade de música, né? Enfim, é tão importante e tal". Aí
ela falou "vamos fazer aquele Barbatuques?". Aí a gente viu e achou bem
bacana, eu conhecia pouquinho só do trabalho deles, mas achava muito bonito,
muito interessante. Pensamos na facilidade de ter o corpo como instrumento,
quer dizer, teoricamente não precisava gastar nada além da remuneração do
educador e aí trouxemos você e, então, é isso, em 2016 trouxemos a música
68
62
Embora seja uma Organização Não Governamental, o Lar Sírio segue o calendário das escolas públicas,
já que as crianças atendidas, na maioria, são estudantes da rede municipal e estadual de ensino da cidade
de São Paulo. No mês de novembro de 2020, a instituição passou a receber, no máximo, 20% dos
matriculados, porém, sem as aulas dos especialistas, na qual as aulas de música corporal se encaixam. Em
virtude da condição socioeconômica das crianças atendidas, ficou longínqua a possibilidade de ter aulas
on-line de forma remota, devido à falta de acesso à internet que permitisse acompanhar as aulas.
69
pela pandemia de
Covid 19
Retomada dos Julho de 2020 Agosto de
registros e 2020
memórias pessoais
das aulas de música
corporal ocorridas
antes do início da
pesquisa e
detalhamento do
diário de campo
Categorização dos Abril de 2020 Agosto de 4 ---
registros feitos em 2020 meses
diário de campo e
transcrições de
entrevistas
Elaboração do Julho de 2020 Outubro de 3
Relatório de 2020 meses ---
qualificação
Banca de 11/12/2020 11/12/2020 1 dia ---
qualificação
Revisão do Fevereiro de Maio de
relatório com as 2021 2020 --- ---
considerações da
banca e retomada
da categorização de
campo
Escrita do capítulo Maio de 2021 Julho de --- ---
quatro 2021
Transcrição para
partitura da criação Junho de
do arranjo 2021 --- --- ---
elaborado pelas
crianças
Escrita das Julho de 2021 Agosto de 2
considerações 2021 ---
finais
Revisão Setembro de Setembro --- ---
2021 de 2021
Banca de defesa Outubro de Outubro de 1 dia 1
2021 2021
Fonte: autoria própria
de ética, passei diversos momentos de aula (muitas vezes, a aula toda) explicando às
crianças sobre o que era a pesquisa, para que pudessem decidir participar ou não. Nessas
ocasiões, contei com a colaboração da coordenação pedagógica, que também me auxiliou
nas explanações às crianças sobre pesquisa e fez a interlocução com os responsáveis para
que pudessem assinar e entregar os termos assinados. A entrega dos termos assinados foi
feita ao longo das semanas para a estagiária que acompanhava as aulas ou para a
coordenadora Márcia.
Tanto a coordenação, quanto a superintendência, prontamente forneceram
documentos, declarações e dados necessários para a autorização e viabilização da
pesquisa na instituição.
Os encontros informais, pré e durante a pesquisa, aconteceram fora do período de
aula, durante intervalos, horários livres, de lanche, após o almoço ou enquanto esperavam
a van ou algum responsável ir buscar. Por isso, esses encontros informais não têm uma
duração definida (em minutos ou horas). Algumas vezes, quando estavam em horário
livre e viam que a sala estava disponível, as crianças pediam para ficar brincando ou
conversando no espaço. Aproveitávamos esses momentos para dialogar sobre as aulas.
Esses encontros foram descritos em diário de campo e, quando preferia gravar algum
momento a anotar, transcrevi as falas posteriormente.
Como já mencionado, as aulas de música corporal ocorrem semanalmente, com
duração de 40 a 50 minutos. Algumas crianças dessa turma fazem essas aulas desde 2016,
ano em que entrei no Lar Sírio, outras entraram em 2017 e a maioria está desde 2018.
Vale mencionar que nos anos de 2016 a 2018 as aulas eram oferecidas para
algumas turmas, fazendo com que todas as crianças daquela turma tivessem de fazer esta
aula. Em 2019, o sistema das aulas mudou, com algumas atividades obrigatórias (como
biblioteca e meio ambiente), mas também cada turma passou a ter mais de uma atividade
opcional no horário para escolher. As aulas de música corporal são opcionais, porém,
quem se inscreve tem de continuar a frequentá-la até o final do ano, para que possa ter
um trabalho de continuidade.
Em 2019, as crianças, que antes eram obrigadas a frequentar essa aula, passaram
a querer estar ali e quem não queria mais foi para outra atividade oferecida pela instituição
(ou até mesmo ter momentos livres, como eram identificados os horários sem atividade
definida). O registro das aulas de 2019 e 2020 foi feito no diário de campo ao final de
cada dia e alguns momentos de aula sendo gravados em formato audiovisual. Com o
72
O período do trabalho de campo foi uma construção tanto para mim quanto para
as crianças, apesar de já convivermos nos papeis de educadora e estudantes há cerca de
dois anos. Tínhamos, portanto, alguns vínculos e certa apropriação de um repertório de
sons e do corpo como instrumento musical.
Este capítulo traz relatos desse processo que me revelaram que as crianças são
protagonistas, refletindo sobre o fazer musical, com ideias de música, apropriação e
autonomia do corpo como instrumento, entre outros. No entanto, estar no ambiente da
pesquisa, exercendo a dupla função de educadora musical e pesquisadora, provocou-me
alguns estranhamentos. Antes de entrar nas cenas dos processos musicais ou situações
pontuais, pretendo contextualizar como deu-se esse percurso. Por isso, no primeiro relato
trago o processo de explicação sobre a participação das crianças na pesquisa.
No segundo, é apresentada uma sequência de aulas em que as crianças criam um
arranjo em conjunto para a apresentação da festa de final de ano. No terceiro, as crianças
falam sobre os desafios de se comunicar sonoramente. Já o quarto, quinto e sexto relatos,
em conversas fora do horário de aula, as crianças refletem sobre o fazer música com o
corpo, práticas de improvisação, regência, escuta, dentre outros pontos. Por último, a
partir de uma escuta mais ampla das necessidades que emergiram nesta turma, descrevo
o processo de mudança na dinâmica das aulas por conta do cansaço relatado pelas
crianças.
• Eu preciso levar para a minha professora? (porque eu disse que a minha professora
- orientadora- iria assinar também)
• Posso escrever com letra de forma?
• Posso escrever com letra de mão?
• Posso eu escrever o nome da minha mãe?
• Eu posso não participar da pesquisa?
Essa última pergunta me deixou intrigada e eu disse que não eram obrigados a
participar. No entanto, alguns acharam que teriam de ir em um outro dia para fazer a
pesquisa ou que, não participando da pesquisa, estariam liberados para não participarem
das aulas. Expliquei que mesmo não participando da pesquisa, eles se comprometeram a
participar dessas aulas até o final do ano, que não seria nada além do que a gente já fazia
nas nossas aulas. Aos que perguntaram sobre não participar, o que deveriam fazer? Se
eles não assinavam, escreviam algo no termo ou se entregavam em branco. Pedi para
entregarem em branco e também para pensarem no porquê não queriam participar, caso
tivessem alguma questão, ou se era só para fazer algo contrário ao que se era
solicitado/convidado.
Por que trago essa reflexão? Em 2019, a instituição implantou a possibilidade de
as crianças escolherem algumas atividades para frequentar, mantendo outras obrigatórias
para todas as turmas. A razão dessa mudança visava possibilitar às crianças o exercício
da autonomia, mostrando aqui um diálogo com a educação menor. Muito do que as
crianças diziam à época era de que “se não é obrigatório, não vou”, já que passaram a ter
a possibilidade de escolha de não ir a uma determinada prática. Em relação às atividades
não obrigatórias, têm as que poderiam ir um dia e outro não (como na Casa brincante e
76
63
Parte deste relato foi publicado no artigo para os anais do VI Simpom – Simpósio Brasileiro de Pós-
Graduandos em Música 2020 (MAZIERO, 2020b)
64
Palavra Cantada – CD Canções Curiosas, MCD World Music, 1998
78
65 Nos anexos, incluo duas bulas, uma só com os timbres utilizados neste arranjo e outra contemplando
diversos timbres de percussão corporal desenvolvida por Carlos Bauzys. A transcrição dos volumes foi
feita por Rodrigo Garcia, bem como o arranjo transcrito na sequência elaborada pelas crianças. A melodia
da canção (que, neste arranjo criado coletivamente, as crianças não cantam) foi transcrita por Daniel Rocha
e a percussão corporal por Rodrigo Garcia.
79
ideias de música. Alguns criavam e outros executavam. Fui andando pelo espaço, me
aproximando desses pequenos grupos e tentando executar junto com eles, enquanto a
música original era tocava repetidamente no aparelho de som da sala. Nisso, surgiram
mais dois volumes que reverberaram entre os participantes: um criado por Fernanda, que
era com peito, estalo e batida de pé, e outro, como jogos de mãos, criado por Jaqueline
(apelido: Jac) e Melissa (apelido: Mel). Testamos, então, os três "volumes": volume 1, a
criação de Pétala, volume 2, a da Fernanda e volume 3, a de Jaqueline e Melissa.
66
Looping é uma referência a se tocar a mesma sequência repetidas vezes continuamente.
81
"É melhor os volumes 4 e 5", colocou Charman. "O 6 não está encaixando", se
posicionou Jaqueline. "É, não está casando", acrescentou Charman. Nisso, a turma
decidiu que acrescentariam os volumes 4 e 5 e nas aulas seguintes testamos em quais
momentos teriam as mudanças de um volume para o outro até completar todo o arranjo.
Levei a letra da canção impressa para cada um e pedi para que acompanhassem e
pensássemos juntos em qual momento poderíamos ter os volumes 1, 4 e 5, já que o 2
havíamos definido para ser a introdução e o 3 para o final. Ouvimos a gravação cerca de
três vezes, acompanhando a letra.
Primeiro, organicamente, eles cantaram a letra e, numa segunda vez, sem discutir,
foram testando. Na terceira, quando a letra começou já fizeram um dos 3 volumes,
estabelecendo que seria o volume 4, em um outro momento, o volume 5 e, por fim, o
volume 1. Eles já haviam acordado que o volume 2 era para a introdução e volume 3 para
o final da música, quando acabasse a letra. Não houve nenhuma liderança entre eles,
argumentos do porquê era melhor um do que a outro. Eles foram sentindo,
experimentando e mudando, conforme o grupo mudava. Coloquei mais uma vez para
vermos se era isso mesmo, volume 4, 5 e 1. Eles fizeram e acharam que estava tudo bem.
83
Fernando estava muito atento à canção e em qual parte mudava. Sempre vinha até
mim, trazendo a letra, para se certificar, tirar dúvidas. Em roda, tocamos mais umas duas
vezes, comigo ainda "assoprando" qual volume vinha a seguir, para que a mudança
ocorresse juntamente.
Depois dessa ordem estabelecida, eles passaram a criar a parte cênica da
apresentação e a ensaiá-la. A seguir, descrevo um diálogo que tive com a Jaqueline, Fran
e Melissa fora do momento de aula, na qual conversávamos sobre essa estrutura de
sequências dos volumes em que elas trouxeram as ideias de música e a consciência do
fazer musical:
Mari 67– Como que você pensou essa sequência?
Jaqueline – Ah, porque a da Fernanda combina com a primeira parte, a da Pétala
combina com a segunda, porque a da Pétala é: peito, peito, estala, estala, bate (palma),
estala, canela, pé, eu achei que combinava e a nossa, por último, para fazer bem no
finalzinho, porque a nossa cansa mais: um, dois, três, quatro, um dois, três, quatro, um
dois, três quatro (nessa contagem ela foi representando o jogo de mãos e pés que criaram).
Aí eu achei que ia ficar bom.
Mari – E quando vocês criaram essas sequências vocês pensaram na música que a gente
tá trabalhando?
Melissa - Eu pensei
Fran - Ô Prô, a minha dúvida é como que a gente vai saber quando acaba a primeira
música e terminou e aí você já vai para a segunda?
Mari – Não entendi a sua pergunta.
Fran – Na música, a gente vai fazer a primeira, aí acaba a primeira... ou você faz três
vezes a primeira e aí passa para a segunda? (ela quer saber como saberão o momento de
mudar de levada/volume)
Mari – Então, era isso que a gente estava conversando a semana passada, né? Até que
parte da música a gente iria com cada levada que a gente estava fazendo.
(Jaqueline corta o assunto e traz uma preocupação sobre o dia da apresentação)
Jaqueline – Eu tenho uma dúvida, no caso do cabelo, a gente vai usar coque? Eu não
quero usar coque. Pode ser tipo um cabelo preso, um rabo de cavalo?
Mari – Não sei. Sinceramente, eu nunca decidi sobre isso.
67
A partir deste ponto, Mari, que não está em itálico, refere-se a mim.
84
(Jaqueline começa a falar sobre o trâmite que é ter de ficar de coque no dia da
apresentação e finalizo essa gravação com uma delas pedindo para ligar o ventilador.
Normalmente, as meninas que também se apresentam com as turmas de dança fazem
coque e tem de ficar com o cabelo assim para a nossa apresentação, pois não dá tempo de
mudar. As professoras de dança, por algum motivo que desconheço, “exigem” o coque).
Em um primeiro momento, apenas comentei que não decidia sobre o assunto do
cabelo, sem dar continuidade a este assunto, pois, a princípio, não fazia parte do que
estávamos conversando. Mas, após a observação da cena, nota-se que, para Jaqueline
falávamos sobre a apresentação e como o cabelo estaria no dia fazia parte do mesmo
assunto.
Nessa sequência de cenas, nas quais as crianças criaram o arranjo para essa
música, vale destacar também que durante todo esse processo, as crianças foram
estabelecendo argumentos e critérios sonoros e, para isso, é preciso do estado de presença.
Pode-se observar a escuta da criação sonora e a escuta do que as crianças dizem, refletem
e argumentam sobre esse fazer musical, com uns escutando os outros, estipulando
diversas ideias de música a partir das sistematizações, formas e a apropriação e autonomia
do instrumento. Deste modo, Brito destaca:
A criação é um elemento fundamental ao desenvolvimento expressivo das
relações que estabelecemos com o sonoro e o musical. Por meio da vivência
criativa e reflexiva que o trabalho favorece, o pensamento musical se fortalece,
se amplia e se transforma de maneira ininterrupta, redimensionando
continuamente as ideias de música. (BRITO, 2019, p. 76)
Jaqueline - Tem que explicar por partes. Tipo a Marcele, que faz aula de italiano, e na
perua ela ia ensinar uma frase em italiano para a gente. Como é, Marcele?
Marcele - A mulher come maçã é la donna mangia mela (falando com fluidez).
Jaqueline - aí que eu não tinha a experiência em falar isso e não dava pra falar rápido,
porque ela não dividiu por partes.
Aqui, Jaqueline entende que uma forma de compreender o que o regente propõe
é que seja feita por etapas. Muitas vezes, quem está na função de regente cria e executa
alguma sequência de sons de forma rápida de modo que o subgrupo, com o qual ele
precisa se comunicar, não consegue compreendê-la para imitá-la a contento. Uma das
maneiras de ensinar a sequência criada é desmembrá-la e propô-la por partes. Jaqueline
mostra a consciência do fazer musical, propondo ideias de música, em que ela reflete
possibilidades de uma melhor compreensão nesta comunicação sonora, sobretudo há a
68
Parte deste relato foi publicado nos anais XXIV Congresso da Associação Brasileira de Educação
Musical de 2019 – Abem (MAZIERO, 2019)
86
69
Aula de 22 de outubro de 2019
88
Fran – As pessoas estão fazendo barulho, aí tipo “ah, eu não gostei dessa voz”, aí vai, aí
vê como vai ficando, vai ficando bonito, aí ela vai tirando e vai vendo o som e vai
mudando. O som vai mudando conforme as coisas vão saindo, tipo a palma, por exemplo,
faz barulho de peito (pede para alguém demonstrar os sons de palma e peito). Você tira a
palma e vê como vai ficando. (Tem vozes sobrepostas das crianças falando ao mesmo
tempo sobre a função da palma).
Mari – A palma faz o quê? Não entendi.
Fran – Diferença. (Interrompe repentinamente o assunto) Prô, você tem cola? Olha o que
saiu do meu tênis? A marca Santa Lola, que me deixa rica!
Mari – Você guarda e depois cola. (Voltando ao assunto). Explica um pouquinho mais
do porquê que a palma faz diferença?
Nesta conversa, é possível perceber que as crianças entendem essa música criada
espontaneamente como um jogo e que a escuta, a sensibilidade, o estado de jogo e o sentir
e ter consciência do fazer musical estão presentes. Elas explicam como que a pessoa que
exerce o papel do regente vai equalizando as possibilidades sonoras “você tira a palma e
vê como vai ficando”. Quando Fran diz que “aí vê como vai ficando, vai ficando bonito,
aí ela vai tirando e vai vendo o som e vai mudando. O som vai mudando conforme as
coisas vão saindo” é a verbalização da apropriação desse jogo, que possibilita essas
transformações, utilizando critérios sonoros e estéticos (dentro do que ela entende por ser
bonito, por exemplo).
A seguir, continuamos a conversa, embora alguns outros assuntos se intercalam.
Elas aprofundam o tema da função desse regente e o jogo da sequência minimal,
indicando gestos que dão um resultado sonoro, como o movimento com as mãos de corte.
para” (referindo-se a falar com o gesto) e aí ela para e só “continua” as outras pessoas.
Vai chegar o momento que vai parar tudo e vai ficar sem música, em silêncio. Aí vai
começando de novo com outra pessoa.
Mari – Daqui, só a Melissa foi no meio?
Vozes sobrepostas – Só / Só / Só a Melissa
Mari – E como que era, Melissa, conta um pouquinho para a gente?
Melissa – É normal.
Mari – Normal?
Melissa - Achei que era mais divertido.
Mari – Você achou que era mais divertido (rindo da resposta inesperada). Você lembra
do que você fez?
Melissa – Eu lembro, eu fiquei zoando da cara do Kaio (ri).
Mari - Você experimentou, por exemplo, cortar, silenciar alguém e depois voltar aquele
som?
Melissa – Sim, porque tinha vezes que o Todoroki ele fazia muito fora do som aí eu ia lá,
parava, aí eu via no corpo dele, aí eu ia lá e cortava ele.
Mari – Como que é que você falou que ele fazia fora do som, o que que é esse “fora do
som”?
Melissa – Ah, fora do som? É, ele fazia... tipo assim, todas as pessoas estavam fazendo
igual, aí depois ele estava fazendo igual, mas ele estava fazendo muito rápido aí eu falei
“para” para ele e para algumas outras pessoas, aí eu fui “encaixando elas”, no som que
voltava, né?
Mari – Você foi encaixando?
Melissa – Isso.
Mari – E como você foi encaixando?
Melissa – Tipo assim, eu não lembro como as pessoas estavam fazendo, se era palma, pé,
“estralo”, aí as pessoas outras que eu pausei estavam fazendo tudo bonito, aí eu fui dar
um tempo para ver se dava para voltar de novo eles, aí deu uma hora que deu e eu
“despausei” o Todoroki, “despausei” o Kaio, “despausei” outras pessoas. Só.
Mari – Tipo apertando um botão.
Melissa – Brincadeira do pause.
Mari – Brincadeira do pause (rindo da resposta inesperada).
90
Ainda na mesma conversa, elas passam a refletir sobre o que é música e fazer
música. É interessante notar que aqui o corpo já é considerado um instrumento musical,
não há algum questionamento sobre isso. Elas se apropriaram tanto deste instrumento que
“está ali”, que a reflexão é sobre o fazer música e não com o que fazê-la.
Fran – Prô, desculpa Mel (se desculpando para a colega, pois a havia interrompido). A
música, para mim, é um quebra-cabeças. Por exemplo, a pessoa que vai fazer a música,
que compõe, ela, tipo, “essa frase ela é boa com essa”, a música é igual o negócio da
pessoa do meio (a sequência minimal). A pessoa do meio vai e aí tá um som só, a pessoa
vai vendo com os sons que “vai” encaixando com a música pra ficar um som bom. É isso.
Mari – Aí você imagina como um quebra-cabeça, é isso?
Fran – É como um quebra-cabeça, cada peça tem um som e você vai montando
Jaqueline (apelido: Jac) - Eu ia falar a mesma coisa, que a musicalidade é um quebra-
cabeça.
Fran – Não é a musicalidade, é a música corporal. (aqui ela faz referência ao espaço da
musicalidade70 que começou em 2019 no Lar).
70
Em 2019 o Lar passou a ter alguns novos espaços e um deles era o da “musicalidade”. As crianças
menores têm aula de musicalização e as maiores têm um local de experimentação sonora. É uma sala ainda
em construção, mas com alguns instrumentos e objetos sonoros disponíveis pelo espaço. Neste diálogo, Jac
se confunde e fala musicalidade no lugar de música, por ter essa referência do espaço físico que elas têm
91
acesso e é a parte das aulas de instrumento. No Lar, a aula de música corporal é considerada uma aula de
instrumento, como a de violão, percussão, violino, flauta doce etc.
92
bom”, quanto na composição “essa frase ela é boa com essa”, e no arranjo “os dois
primeiros, aí depois o um, aí inventaram o quatro, a Pâmella inventou o quatro, e o nosso
(criação dela e da Melissa), o três, por último, porque cansa mais” (referindo-se aos
volumes criados pela turma). Assim, elas trazem as ideias de música sobre o fazer música
em si, seja de forma improvisada ou estruturada, ambas são quebra-cabeças, são encaixes
de “mil peças”, mil possibilidades de combinações.
4.6 “Porque quando tem uma banda sem instrumento, aí faz música no corpo”
Em uma das vezes em que fui fora do dia de aula, observei algumas crianças
brincando e depois conversamos um pouco. O estranhamento foi imediato: “Oi Pro, o que
você está fazendo aqui hoje?”, disse Fran. Respondi que tive de ir ao Lar aquele dia (e
tive mesmo de ir por outra demanda, mas aproveitei para conversar com as crianças que
estavam disponíveis). Elas estavam brincando no pátio.
Fran - Estamos brincando de The Voice, quem está na cadeira joga água em quem cantou,
se acertar.
Mari - Posso ver como é a brincadeira?
Manuela - Eu não quero cantar.
Fran - Você também tem que aprender a brincar das coisas que a gente quer.
Fernanda e Marcele - O sol vê se não esquece. (Batendo palmas e pés junto enquanto
cantavam)
Desta vez, pedi para ver como era a brincadeira e elas permitiram. A brincadeira
era como se estivessem nas audições às cegas do programa The Voice, transmitido pela
Rede Globo, no qual três delas eram as juradas e duas ou três tinham de cantar e as juradas
adivinhar quem estava cantando, identificando pelo timbre vocal. Nas regras que elas
criaram, quem acertasse jogaria água em quem cantou (estava um dia de calor). Fernanda
e Marcele cantaram um trecho da música O sol, de Victor Kley, uma canção de sucesso
do momento, na qual elas incluíram, na brincadeira, sons e ritmos de percussão corporal,
mostrando apropriação do instrumento, utilizando-o em momento fora do contexto de
aula.
Neste diálogo também aparece a negociação que estavam fazendo com quem
queria brincar, mas não queria cantar, pois elas se revezavam nas funções (ora juradas,
93
ora candidatas). Para Corsaro (2005a, p. 5), “a congruência está relacionada com as
contingências do fluir da brincadeira e é espontânea na medida em que as crianças
improvisam o tema da brincadeira entrando nela e expandindo-o com base nas
contribuições umas das outras”.
Elas continuaram brincando mais um pouco e acabei precisando ir ao
compromisso que havia agendado por lá. Ao terminar, voltei ao pátio e encontrei algumas
das crianças da turma que aguardavam a perua ou algum responsável para irem embora.
Perguntei se poderíamos falar sobre a pesquisa, elas concordaram e questionei o que elas
achavam como seria a aula de música corporal, antes de fazê-la.
Manuela - Eu ia achar que ia ser de bater no corpo (sic). Mas não, você ensina trava
língua, a cantar e fazer instrumentos com o corpo. Acho legal da sua parte ensinar fazer
coisas com o corpo, porque quando tem uma banda sem instrumento, aí faz música no
corpo.
Luiza - Quando não tem um instrumento que faz mais ou menos o som do estalo, aí dá
pra fazer. Não sei o nome do instrumento...
Manuela - Piano? Flauta? Guitarra? Violão?
O cansaço, sobretudo por ficar em pé, é algo que é recorrente nas conversas sobre
o que não gosta. Marcele foi objetiva na resposta, mas é uma fala persistente no diário de
94
Marcele também fala sobre o “ir ao meio”, fazendo alusão ao jogo do maestro e
demonstra, mais uma vez, a música como um jogo e traz uma referência da própria
geração que, diante da fala dela, “fica no celular” e fazer música como uma “brincadeira
livre” é uma possibilidade divertida. Também pode-se identificar nesta fala a apropriação
do instrumento, pois não precisa de um local e horário exclusivo para tocá-lo.
Fran faz as aulas de música corporal desde os cinco anos, mais ou menos. É uma
das poucas desta turma que está desde quando comecei a trabalhar no Lar Sírio. Aquele
era o quarto ano em que eu estava, mas completos eram três.
Fran - Eu imaginaria que seria instrumento, tipo bater palma, essas coisas, por coisa do
corporal.
Fernanda - Música com instrumentos, com boca, de cantar.
Marcele - Eu achava que era pra cantar e pra fazer ritmo no corpo.
Fernanda - É muito, muito, muito, muito, 190 muitos, legal (sobre as improvisações). Eu
gosto daquele que fica no meio e fala o que tem que fazer. O jogo do poste, que a gente
tem de ficar parado e uma pessoa faz um som.
Fernanda faz alusão ao jogo do maestro e, sem seguida, ao jogo do poste sonoro,
em que todos ficam espalhados pelo espaço e uma pessoa, de olhos vendados, tem de
andar pela sala. Para não bater em ninguém, em que cada um é um “poste”, quando a
pessoa vendada, ao se aproximar de um poste, este precisa emitir um som com o próprio
corpo para que quem está de olhos fechados mude a direção e não aconteça uma colisão
com ninguém.
Enquanto conversávamos, Luiza já tinha se afastado para buscar a mochila e, ao
longe, a mãe dela nos vê e pergunta: “ela está se saindo bem na pesquisa?”. Fiz um sinal
de “jóia” e as duas seguiram em direção à portaria para irem embora. Ela não parou para
saber mais sobre, fez a pergunta andando, então não dava tempo de muitas explicações.
Achei a intervenção curiosa, vindo de alguém que assinou a autorização pela participação
da filha, mas não está no dia a dia. Talvez a própria criança possa comentar em casa sobre
o assunto, além da aula.
Fernanda - Eu gosto das brincadeiras, de relaxar, quando a gente tem de criar uma
música, igual a do chocolate, que você ensinou.
Marcele - É muito legal, mil por cento. Eu não gosto da aula que da dor nas costas de
tanto ficar em pé e que parece que não acaba nunca.
Mais uma vez, o cansaço presente nas falas. A música “do chocolate”, que
trabalhamos no ano anterior, em 2018, uma cantiga colombiana chamada Cae Cae, que
aprendi com Sofia Lopez-Ibor, em que o primeiro verso é “Dicen que los monos comen
chocolate. Y el mono chiquito ta bate que bate” e o refrão “Cae Cae”, que leva o nome
da canção. A música tem vários outros versos em espanhol, mas usamos a referência
melódica do primeiro verso, mantivemos o refrão e desenvolvemos essa proposta
semanas seguidas. A turma criou, dentro da estrutura melódica, outros versos em
português, trabalhando a sonoridade das palavras. Elas não sabiam o que era rima, pois a
maioria ainda estava em processo de alfabetização à época, então trabalhamos palavras
em que o som “combinava”, mesmo que não fizesse sentido na frase em um primeiro
momento. Além dos versos, as crianças também criaram uma sequência de sons corporais
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para tocar simultaneamente aos versos. Esse foi o primeiro processo de criação
colaborativa um pouco mais longo de que essa turma participou nessas aulas.
O resultado ficou tão interessante que pedimos para apresentar para outras
crianças da instituição e chegamos a apresentar no anfiteatro em um dia de aula. É um
processo que elas sempre relembram como algo legal, chamando de a música “do
chocolate”. Aqui também trabalhamos a percussão corporal, mas o foco principal deu-se
na sonoridade das palavras, em que as crianças se divertiram nesse processo de identificar
palavras que o final soava parecido.
Frequentemente, percebia que algumas crianças não queriam ficar em pé, sempre
pediam para sentar. Às vezes se excluíam da roda para ficarem sozinhas num canto e
cochilarem e até mesmo ficarem “pescando” os olhos enquanto estavam na roda. Porém,
sem um olhar atento e sensível a isso, brincava com elas, quando reclamavam que
queriam sentar, eu dizia: “vocês têm oito ou 80 anos?”
Nos anos de 2018 e 2019, a aula desta turma acontecia após o intervalo, sendo a
última atividade do dia. Um dos dias, antes do início, um dos garotos já estava na porta,
isolado dos demais. Perguntei se estava tudo bem e a resposta foi “nem tanto”. Questionei
o que havia e ele disse “quero ir embora, estou cansado”. Entrou na sala e ficou sentado
no canto a maior parte do tempo. Depois foi interagindo com os demais aos poucos.
No dia em que fui à palestra de Miguel Arroyo, o educador falou sobre o que os
corpos das crianças querem nos dizer? Isso me fez lembrar de alguns episódios em que
algumas crianças se mostravam visivelmente cansadas, caindo de sono. Muitas
acordavam bem cedo por morarem longe ou, por problemas em casa, chegavam dizendo
que nem dormiram naquela noite. Logo, estavam exaustas para a última aula da tarde. Ali,
percebi que precisava escutar esses corpos para além das sonoridades produzidas. O que
fazer com esses corpos cansados? Levei essa inquietação para discutir com a minha
orientadora e ela sugeriu que eu perguntasse para as crianças o que fazer.
A partir dessa percepção, já na próxima aula, antes de começarmos a trabalhar no
arranjo, fiz a chamada, coloquei uma música tranquila e, onde estavam mesmo, pedi para
fecharem os olhos e ouvirem a música. Quando a música terminou, disse que observei e
conversei com alguns deles pelos últimos dias e que uma reclamação constante era
estarem cansados quando chegava essa aula. O sinal afirmativo com a cabeça foi geral.
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Então, perguntei como poderíamos resolver isso, o que eles sugeririam. Vários
começaram a falar ao mesmo tempo. Pedi para que fosse um de cada vez e que eu iria
anotar e assim fiz uma lista com as propostas de descanso:
Charman - Meditar
Fran - Pequenos grupos para criar
Joelton - Sentar por 20 minutos
Pétala - Esconde-esconde | Manuela argumenta - Mas aqui não dá para se esconder
(referindo-se à sala ser um espaço amplo, sem muitos móveis e objetos. Muitos
concordaram com a Manuela).
Mari - Deitar e ouvir uma música
Falei que naquele dia já tínhamos feito uma dessas coisas, que era ouvir uma
música mais tranquila e que poderíamos decidir posteriormente se faríamos um desses
itens da lista por dia ou se escolheríamos um para repetirmos semanalmente o mesmo.
Eles começaram a falar entre eles sobre isso, outros já começaram a brincar com o colega
ao lado e chamei de volta para a aula e que depois decidiríamos. Mas Fran disse: "se cada
dia a gente fizer um, a gente pode passar por mais coisas". Quem estava mais próximo
ouviu e concordou, mas a maioria já tinha dispersado. Fran mostrou-se muito interessada
no assunto.
A partir de então, todas as aulas aderimos à alguma proposta de descanso e as
crianças passaram a pedir por esses momentos. Dependendo do dia, fazíamos no início
ou no final. Elas perceberam que, de fato, o que elas estavam dizendo era ouvido e que
teve uma alteração na dinâmica da aula. Não existia uma forma fechada de fazermos isso;
às vezes todos faziam a mesma proposta, às vezes, cada um fazia a que queria, desde que
não atrapalhasse o descanso da/o colega.
Um dos dias, por exemplo, restavam dez minutos para o final da aula e Fran veio
me cobrar: "professora, você está esquecendo da nossa lista", referindo-se à lista do que
poderíamos fazer para descansar um pouco e eu disse que não tinha esquecido. Propus
fazermos uma das sugestões, a dada pelo Charman, que era a meditação. Então era para
eles sentarem ou deitarem espalhados pela sala, para que não ficassem muito perto de
ninguém, fecharem os olhos e prestarem atenção na respiração. Coloquei um áudio de um
aplicativo para relaxamento (que é uma música com piano solo em looping), por pouco
mais de cinco minutos e eles acataram. Um ou outro que ficou com o corpo mais inquieto,
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mas a maioria aderiu à proposta. Joelton dormiu profundamente, assim como Fran,
Melissa e Fernanda. Ao final do áudio, alguns se levantaram, outros foram se
espreguiçando e levantando. "Isso é muito bom, a gente podia fazer sempre" - Fran disse
ao se levantar e sair da sala.
Os corpos dessas crianças, além da produção de sons, também pediam pelo
silêncio, pelo descanso. Percebo que a partir do momento que incluímos essas propostas
em todas as aulas, as crianças sabiam que tinham um ambiente seguro, que não querer
participar por estar cansada não era mais um problema e que isso foi identificado como
uma demanda de todos, dependendo do dia, de alguns mais, outros menos. Mas os nossos
vínculos mudaram desde então.
A rotina de várias dessas crianças é a do trabalho dos responsáveis, em que
precisam acordar cedo, muitas vezes, para longos deslocamentos entre casa – escola –
Lar Sírio, fazendo o processo ao contrário no fim do dia, já exaustas. Arroyo traz a ideia
de que esses corpos de crianças e adolescentes têm o direito básico de viver: “Quando
esse direito é negado, todos os outros são” (ARROYO, 2012, p. 41).
Ao mesmo tempo em que abri essa escuta diante da provocação de Miguel Arroyo
durante a palestra que assisti, as crianças foram agentes dessa mudança, buscando, juntas,
alternativas para que a situação-problema fosse amenizada e reivindicando esse direito
conquistado para esta aula.
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Com as cenas relatadas no capítulo anterior, tenho algumas indicações. Uma das
pistas que tinha previamente era de que o corpo é um instrumento musical com a potência
por si. Achava que as crianças falariam mais sobre fazer sons com o corpo. Algumas até
falam, mas quando questionadas diretamente. No entanto, isso não aparece nas cenas do
campo por meio de falas, mas pela ausência delas. Foi preciso identificar essa pista não
pelo o que foi dito, mas pela ação e observação atenta. Essas crianças já tinham a prática
desta aula há pelo menos dois anos e, ao longo da pesquisa, elas não refletem,
necessariamente, sobre fazer música com o corpo, mas sobre fazer música, pois já existe
a apropriação deste instrumento. Não existiu, por parte delas, o questionamento de que o
100
corpo não era uma potente fonte sonora possível de fazer música, pois elas faziam música
com o corpo.
Mais do que estar presente nos jogos e brincadeiras infantis ou em métodos para
compreensão de conceitos musicais, a percussão corporal pode ser o instrumento para
que essas crianças produzam sequências complexas, utilizem diversos timbres, trabalhem
o refinamento dos sons e precisão, itens que podem ser desenvolvidos no corpo e em
qualquer outro instrumento musical.
O corpo pode, mas não precisa só, ser um instrumento de acesso à educação
musical, como um meio para chegar a um instrumento “de verdade”. Ele é o instrumento.
É possível fazer música com o corpo, contendo alturas precisas e imprecisas, ritmos,
intensidades, texturas, harmonias, timbres e é na prática desse fazer, e ausência de fala
sobre (mas apropriadas e conscientes), que as crianças revelam essa certeza.
Embora utilizada amplamente na educação musical, sobretudo nas aulas de
musicalização, a percussão corporal, muitas vezes, para na compreensão dos conceitos
ou na utilização superficial por falta de outros recursos, como uma fonte sonora
temporária. Assim como qualquer outro instrumento, a percussão corporal também tem
o desenvolvimento de técnicas e habilidades para ter uma execução com refinamento.
Não é só um meio para chegar em outro instrumento (também pode ser, mas não só).
Diante dessa única pista prévia, que apareceu por um caminho inesperado, o que
mais emergiu foi a reflexão sobre possíveis ideias de música, do fazer música e da música
que acontecia no momento, seja na construção dos arranjos coletivos, nos improvisos, na
utilização de critérios sonoros para proposições e argumentações. Trazendo as próprias
palavras das crianças, bem como a descrição de ações, elas tiveram a oportunidade de
criar, testar possibilidades, pensar e refletir sobre o que estavam fazendo musicalmente.
Como um processo construtivo, essas crianças foram ouvidas, tendo as ideias e
sugestões consideradas pelo adulto presente e pelos pares, podendo discutir livremente
para que todos os envolvidos chegassem a um consenso.
Provavelmente, uma das pistas mais inesperadas e significativas foi a
identificação do cansaço nos corpos dessas crianças. Após a provocação na palestra de
Miguel Arroyo e observado constantemente nos relatos de diário de campo, tivemos
tempo de trabalhar essa demanda em conjunto na tentativa de amenizar a situação que
não seria (nem será) revolvida na aula de música. “Essa mudança no olhar, de vulneráveis
a vítimas, mudará radicalmente todo o programa e toda a prática socioeducativa, mudará
nossa postura ética profissional” (ARROYO, 2012, p. 40). Não chegou ao ponto de mudar
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todo o programa, mas com certeza, mudou minha ética profissional. Entendi que o
cansaço não aparece só pelo contexto em que estão inseridas, mas que surge por serem
vítimas dessa vulnerabilidade e desigualdade estruturais.
Antes, pedia para levantarem e tocarem, sem considerar as condições que fizeram
chegar a não quererem ficar em pé, colocando essa responsabilidade pelo cansaço nas
próprias crianças. A partir do momento em que veio a provocação do Arroyo, percebi que
minha escuta estava limitada para esses corpos. Era preciso ir além. Aqueles corpos
estavam se comunicando não só pela música, mas pela falta de condições físicas de
conseguirem fazer música em diversos momentos.
Esse cansaço vem pela carência de uma estrutura social digna, que faz com que
muitas delas precisem acordar muito cedo para pegar horas de transporte público para
chegar na escola, ir para a Organização e, depois de várias atividades ao longo do dia, por
último, estar naquela aula que demanda disponibilidade física. Não é e não pode ser
responsabilidade delas.
Por meio das escutas, outra pista é a criação de vínculos que foi intensificada,
sendo recriada e ressignificada. Diante da redução de tempo de pesquisa in loco que
precisou ocorrer, avalio como um benefício, como pesquisadora, ter um envolvimento
antes da pesquisa começar oficialmente, já identificando o espaço, sujeitos envolvidos e
tendo criado alguns vínculos. Contudo, tivemos de nos reconhecer nas novas relações que
surgiram e no campo de pesquisa.
Perante as escutas e reflexões foram identificados alguns dispositivos como
estabelecer acordos, fazer uma lista de descanso, momentos de conversas informais (fora
da aula, no pátio, na espera pelo horário da saída etc) e o constante estímulo para criação
coletiva.
Retomo a seguir o mapa conceitual com algumas possíveis conexões das pistas a
partir das escutas das crianças (que estão nos relatos do capítulo anterior), com os
conceitos trabalhados (Figura 9).
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Esta é uma pesquisa que não se encerra. Ela teve uma interrupção temporal, mas
é um processo em curso, seja para mim, que tive mudanças no saber-fazer docente,
enquanto educadora musical e pesquisadora, quanto para essas crianças que foram
ouvidas, sendo considerado o fazer-saber que elas refletiram, pois elas são “experts de
suas experiências com o mundo” (GOMES; COSTA; MENDONÇA, 2019, p. 115).
Contudo, para a Educação Musical, destaco algumas implicações que esta
pesquisa pode trazer à luz, como considerar a percussão corporal potente por si,
trabalhando-a não só na falta de recursos, ampliando as brincadeiras tradicionais que já a
utilizam e a reconhecendo como instrumento musical, em que podem ser desenvolvidas
técnica, prática e reflexões. Também trabalhar a escuta das crianças em várias dimensões:
na produção sonora, no que dizem, nas ações e nos silêncios, reconhecendo o
protagonismo que elas têm no que fazem e produzem. E, por fim, atentar para a
abordagem educacional do Barbatuques como uma atuação legítima, importante e
significativa de processos do fazer musical em qualquer faixa etária.
104
Referências
BRITO, T. A. de. Por uma educação musical do pensamento: educação musical menor.
Revista da Abem, n. 21, p. 25 – 34, 2009.
CORSARO, W. A. Collective Action and Agency in Young Children 's Peer Cultures. In
QVORTRUP, J. (ed.) Studies in modern childhood: society, agency, culture.
Hampshire/New York: Palgrave Macmillan, 2005a, p.231-247.
D’ALESSIO, V.; JUNIOR, A. S. Os cinco órfãos. São Paulo: Ed. Dialeto, 2005.
GUMBOOT DANCE. In: WIKIPEDIA: the free encyclopedia. [San Francisco, CA:
Wikimedia Foundation, 2020]. Disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Gumboot_dance Acesso em:10 de outubro. 2020.
MAZIERO, M.G. Percussão corporal segundo crianças que a vivenciam: uma pesquisa
em andamento. In: SIMPOM - SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PÓS GRADUANDOS EM
MÚSICA, 6., 2020. Anais ... Rio de Janeiro/RJ: Unirio. 2020b, p. 242-251.
PRIMEIRO Dia do Festival Barbatuques de Música Corporal. Mesa redonda: São Paulo:
Barbatuques. 1 vídeo (177 min). Transmitido ao vivo em 21 de abril de 2021 pelo canal
Barbatuques. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Wszw3OtDYGk&t=9851s. Acesso em: 06 jul 2021
QVORTRUP, Jens. Nove teses sobre infância como fenômeno social. Pro-Posições,
Campinas: v. 22, n. 1, jan./abr./2011, p. 199 – 211
ROCHA, E. A. C. Por que ouvir as crianças? Algumas questões para um debate científico
multidisciplinar. In: CRUZ, S. H. V. (org.). A criança fala. A escuta de crianças em
pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008, p. 35-42.
Entrevistas realizadas
Anexos
Anexo A - Parecer do Comitê de ética
110
111
112
Anexo B
Bula para percussão corporal desenvolvida por Carlos Bauzys para o Núcleo Barbatuques
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Apêndices
1 ÉTICA NA PESQUISA
1. A. Exposição sobre a pesquisa | p. 10, 10
1. B. Participação na pesquisa | p. 10, 19
1. C. O que é pesquisa? | p. 10
1. D. Termo de consentimento | p. 11, 13, 13, 37
1. E. Explicação sobre os termos | p. 11
1. F. Dúvidas sobre assinaturas | p. 11
1. G. Liberdade de escolha | p. 11
1. H. Consentimento e não consentimento | p. 13, 13
1. I. Como querem ser identificados | p. 40
1. J. Comentários sobre o fazer pesquisa | p. 4, 4
1. K. Pesquisa | p. 26
3 CORPO E CANSAÇO
3. A. Comentário pessoal | p. 11
3. B. Relato | p. 11, 33, 37
3. C. Conversa sobre o cansaço | p. 22, 31
3. D. Propostas de descanso | p. 31, 54
3. E. Proposta de descanso do dia | p. 31, 31, 34, 38, 55
3. F. Dor no corpo ao tocar | p. 51, 52
4 PESQUISADORA
4. A. Mariana e o desânimo na pesquisa | p. 12
4. B. Como eu estava no dia | p. 15
4. C. Relato | p. 4
4. C. 1. Passeio para o show do Barbatuques | p. 1
4. C. 2. Passeio para o show do Mundo Aflora | p. 6 - 8
114
5 FAZER MUSICAL | p. 13
5. A. Criação | p. 13, 22, 52, 55
5. B. Sobre fazer música corporal | p. 3, 4, 13, 18
5. C. Os volumes | p. 14, 15, 32
5. C. 1. Sequência dos volumes | p. 15, 15, 16, 29, 32, 33, 42
5. D. Mostrar a criação
5. D. 1. Para a professora | p. 14
5. D. 2. Entre pares | p. 14
5. D. 3. Para todos | p. 14, 32
5. E. Uso do instrumento “fora” da aula | p. 4, 4, 30
5. F. Jogos de mãos | p. 5, 8, 14
5. G. Critérios sonoros | p. 16, 26, 26-27, 27, 32, 32, 32, 34
5. G. 1. Proposição | p. 32, 54
5. G. 2. Reflexão | p. 16, 33, 34
5. H. improvisação | p. 25
5. H. 1. Minimal | p. 4
5. H. 2. Regência | p. 4, 25, 26, 26-27
5. I. Timbres | p. 4, 4, 24, 32, 42, 54
5. J. Repertório (Barbatuques) + passo a passo | p. 52, 54, 54
5. K. Autonomia para criação | p. 32
5. L. Arranjo/música como quebra-cabeças | p. 27
5. M. Jogos musicais | p. 25, 53
5. N. Trava-línguas | p. 52
7 DINÂMICAS DO GRUPO | p. 15
7. A. Reconhecimento entre pares | p. 15
7. B. Representação corporal dos interesses | p. 15, 15
7. C. Expressão “dar fuga” | p. 39-40
9 APRESENTAÇÃO | p. 35
9. A. Preparação cênica | p. 35, 35
9. B. Processos de criação | p. 35
9. C. Articulação e apresentação das ideias | p. 36, 37
9. D. Ensaio | p. 41, 42, 42
9. E. Relato | p. 37
9. E. 1. Ensaio geral/novo espaço | p. 42, 42
9. E. 2. Apresentação | p. 43, 44-48
10 AS AULAS | p. 3
10. A. O que gosta | p. 3, 8, 18, 19, 19, 22, 24, 25, 25
10. B. O que não gosta | p. 4, 18, 19, 22
10. B. 1 Embate de gênero | p. 20, 21, 23, 35, 36
10. C. O que achava que era | p. 19, 20
10. D. Memória de aulas anteriores | p. 20
10. E. Observação pessoal | p. 35, 36, 38, 39, 56
10. F. Continuidade | p. 50/51, 55, 55
10. G. Dispersão | p. 12
10. H. Referências | p. 5
Recategorização
Escuta(s) | p. 3, 4, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 24, 25, 26, 27, 31, 33, 34, 52, 53
Ideias de música | p. 3, 4, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 24, 25, 26, 27, 31, 33, 34, 52, 53
Música como jogo | p. 4, 5, 18, 19, 24, 25, 26, 24, 53
Ideia musical | p. 13, 14, 15, 31, 33, 34, 37, 52, 54
Educação musical menor | p. 12, 16, 35, 37, 42, 43, 53
Contraponto à educação musical menor | p. 12
Descobertas sonoras (do próprio corpo) | p. 18, 19, 20, 25, 26, 30, 37, 52, 53, 54
Estado de jogo (e presença) | p. 4, 5, 18, 24, 25, 26, 37, 38, 41, 42, 43, 53
Consciência do fazer musical | p. 8, 29, 30, 43
Sentir e ter consciência do fazer musical | p. 13, 14, 15, 25, 26, 31, 35, 36, 37, 38, 41, 42,
53, 54
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Apêndice B
Bula para percussão corporal dos sons utilizados nas transcrições das sequências
elaboradas pelas crianças.
A bula foi transcrita por Rodrigo Garcia.
(As notas entre parênteses deverão ser executadas com um/a colega, sempre com
movimento cruzado e mantendo a alternância)
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Apêndice C
Sequências criadas pelas crianças, que denominaram por “volumes”.
As sequências foram transcritas por Rodrigo Garcia
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Apêndice D
Arranjo criado pelas crianças para a música Fome Come, da dupla Palavra Cantada.
A melodia foi transcrita por Daniel Rocha (que as crianças, neste arranjo, não cantam) e
serve de linha condutora. A percussão corporal foi transcrita por Rodrigo Garcia.
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