06 AO Perfil Nutricional
06 AO Perfil Nutricional
06 AO Perfil Nutricional
Santos CA et al.
1. Nutricionista. Mestre em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Nutricionista da UFV, Viçosa, MG, Brasil.
2. Nutricionista. Especialista em Nutrição e Saúde pela Universidade Federal de Viçosa. Nutricionista da Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutri-
cional do Hospital São Sebastião, Viçosa, MG, Brasil.
3. Médico. Nefrologista. Especialista em Terapia Nutricional pelo GANEP. Coordenador da Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional do
Hospital São Sebastião, Viçosa, MG, Brasil.
4. Nutricionista. Doutora em Nutrição pela Purdue University (EUA). Docente do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de
Viçosa, Viçosa, MG, Brasil.
5. Nutricionista. Doutora em Bioquímica Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Docente do Departamento de Nutrição e Saúde da
UFV, Viçosa, MG, Brasil.
6. Farmacêutica e Bioquímica. Doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFV). Docente do Departamento
de Nutrição e Saúde da UFV, Viçosa, MG, Brasil.
7. Nutricionista. Mestranda em Ciência da Nutrição na Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil.
Tabela 1 – Características demográficas, de atendimento e clínicas de pacientes em terapia nutricional. Viçosa, Minas Gerais, 2011-2014.
Anos Total
2011 2012 2013 2014
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
Amostra 196 (28,5) 137 (19,9) 153 (22,2) 202 (29,4) 688 (100)
Idade
20 a 59 anos 60 (30,6) 33 (24,1) 36 (23,5) 52 (25,7) 181 (26,3)
60 anos ou mais 136 (69,4) 104 (75,9) 117 (76,5) 150 (74,3) 507 (73,7)
Sexo
Masculino 98 (50) 66 (48,2) 82 (53,6) 115 (56,9) 361 (52,5)
Feminino 98 (50) 71 (51,8) 71 (46,4) 87 (43,1) 327 (47,5)
Tipo de atendimento
Sistema Único de Saúde 144 (73,5) 98 (71,5) 106 (69,3) 141 (69,8) 489 (71,1)
Convênios/Particular 52 (26,5) 39 (28,5) 47 (30,7) 61 (30,2) 199 (28,9)
Alcance da meta nutricional
100% do VET 157 (80,1) 109 (79,6) 120 (78,4) 175 (86,6) 561 (81,5)
50 – 99% do VET 15 (7,7) 16 (11,7) 15 (9,8) 16 (7,9) 62 (9,0)
< 50% do VET 24 (12,2) 12 (8,8) 18 (11,8) 11 (5,5) 65 (9,5)
Desfecho clínico
Alta com melhora do estado nutricional 54 (27,6) 29 (21,2) 37 (24,2) 47 (23,3) 167 (24,3)
Alta com nutrição domiciliária 17 (8,7) 10 (7,3) 23 (15) 32 (15,8) 82 (11,9)
Alta a critério médico 10 (5,1) 4 (2,9) 4 (2,6) 3 (1,5) 21 (3,1)
Transferência 14 (7,1) 7 (5,1) 4 (2,6) 4 (2) 29 (4,2)
Óbito relacionado à complicação da terapia nutricional 0 (0) 0 (0) 0 (0) 0 (0) 0 (0)
Óbito 101 (51,5) 87 (63,5) 85 (55,6) 116 (57,4) 389 (56,5)
VET=Valor Energético Total.
Figura 1 – Diagnóstico da Avaliação Nutricional Subjetiva Global dos pacientes com indicação de terapia nutricional. Viçosa, MG, 2011-2014.
enteral ou de forma exclusiva (n=20), a via de adminis- avaliados (n=14). Destas, 50% (n=7) foram complicações
tração predominante foi por cateter central semi/totalmente gastrointestinais, 42,9% (n=6) complicações mecânicas
implantável (n=18, 90%), seguida por cateter central de relacionadas ao acesso enteral/parenteral e 7,1% (n=1)
curta permanência (n=2; 10%). complicações metabólicas. A ocorrência de complicações
A frequência de complicações relacionadas à terapia relacionadas à terapia nutricional não se associou estatisti-
nutricional foi baixa, com ocorrência em apenas 2% dos camente à maior frequência de óbito (p=0,415).
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Perfil nutricional e fatores associados à desnutrição e ao óbito em pacientes com indicação de terapia nutricional
Tabela 2 – Associação entre idade, sexo, tipo de atendimento e condição de internação com o estado nutricional e o desfecho clínico.
Viçosa, MG, 2011-2014.
O tempo em terapia nutricional variou de 1 a 96 dias, Em um estudo multicêntrico com 473 pacientes realizado
com média de 11 dias (CI 95%=10,09 – 13,65). Foi identi- em hospitais de diferentes regiões do Brasil, entre os anos de
ficado que o tempo de terapia se correlacionou diretamente 2009 a 2011, foi identificado 52,4% de desnutridos, sendo
com o percentual do VET atingido (rho: 0,674; p<0,001). 22,4% com desnutrição grave5, semelhante ao observado
Não foram verificadas diferenças estatísticas no tempo de neste estudo. Em outro trabalho, realizado em um hospital
terapia nutricional e no valor energético atingido quando geral de São Paulo com 300 pacientes com idade entre 18
comparados pacientes eutróficos com aqueles modera- e 64 anos de idade, a prevalência de desnutrição alcançou
damente desnutridos ou com suspeita de desnutrição e 60,7% dos avaliados6. Em recente revisão de estudos brasi-
desnutridos graves (p=0,159 e p=0,140, respectivamente). leiros, a prevalência de desnutrição em idosos hospitalizados
alcançou até 80%7.
DISCUSSÃO O maior número de pacientes hospitalizados com 60
O presente estudo identificou, após levantamento de todos anos ou mais pode estar relacionado com a maior frequência
os indivíduos em terapia nutricional em uma instituição hospi- de doenças e disfunções nesta faixa etária. O idoso é mais
talar no período de 4 anos, uma frequência de desnutrição vulnerável às doenças crônicas degenerativas, como as
de 55,5%, sendo 22,5% de desnutridos graves. A ocorrência cardiovasculares, cerebrovasculares, câncer, transtornos
de algum grau de desnutrição (leve ou moderada) variou na mentais e problemas que afetam o sistema locomotor e os
amostra total de 49,7% a 61,9%, e, mais especificamente sentidos, necessitando, assim, de mais serviços médicos8.
em idosos, apresentou frequência de 60,9%, confirmando-se A idade avançada, estar em UTI e a admissão hospitalar
como um problema grave em todos os anos avaliados. pelo SUS foram fatores associados à desnutrição. A má
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nutrição no idoso pode estar relacionada a modificações fatores semelhantes contribuíram estes desfechos. Compa-
orgânicas funcionais e fisiológicas inerentes ao processo de rativamente a adultos, a mortalidade em idosos é maior,
envelhecimento, a efeitos secundários a fármacos, condições sendo a probabilidade de adquirir alguma doença crônica
socioeconômicas desfavoráveis e fatores psicossociais9. Por ou incapacidade proporcionalmente maior com o aumento
serem idosos hospitalizados, somam-se a estas alterações o da idade, em ambos os sexos17.
impacto da doença e dos tratamentos, que potencializam e Há, progressivamente, redução da capacidade funcional,
agravam o processo de desnutrição. maior suscetibilidade aos problemas de saúde e, consequen-
O paciente em UTI, frequentemente, encontra-se em temente, maior risco de morte, somando-se, no presente
estado hipermetabólico, caracterizado por uma fase crítica estudo, os impactos da doença que levaram à hospitali-
para a preservação da função orgânica, reparo tecidual e zação e os efeitos colaterais dos tratamentos. A associação
fornecimento de substratos ao sistema imunológico. Esta com a internação em UTI pode ser explicada pela maior
resposta produz grave perda de proteínas corporais e das gravidade e complexidade dos casos que exigem este tipo
reservas energéticas que, se prolongadas, podem resultar na de atendimento. Já a relação com o atendimento pelo SUS
disfunção de múltiplos órgãos e sistemas10. não ocorre de forma direta, inferindo-se, indiretamente,
As alterações mais importantes incluem hipermetabo- uma possível relação com condições de vida mais precárias
lismo, hiperglicemia com resistência insulínica, lipólise e nestes indivíduos16.
catabolismo proteico acentuados11. Nos pacientes graves,
que configuram amplo espectro de doenças, respostas meta- CONCLUSÃO
bólicas e tratamentos, a desnutrição pode ser preexistente,
manifestar-se à internação ou desenvolver-se em decorrência É preocupante a frequência de indivíduos que já iniciam
do estado hipercatabólico e hipermetabólico12. a terapia nutricional com algum grau de desnutrição. Além
de reforçar o grave cenário da desnutrição hospitalar,
Segundo dados da literatura, estima-se que a deficiência
este trabalho ressalta a importância da avaliação e inter-
energético-proteica em pacientes críticos ocorra de 43% a
venção nutricional precoces, com adoção das medidas
88%13, intervalo ao qual pertence a frequência observada:
de intervenção nutricional antes mesmo da instalação de
dentre os pacientes em terapia intensiva, 58,1% estavam
déficits nutricionais. De forma mais relevante, os idosos e
desnutridos.
os pacientes em UTI estão mais propensos à desnutrição e
Acredita-se que associação identificada entre a desnu- ao óbito e requerem, portanto, atuação intensiva de toda a
trição e o atendimento pelo SUS tenha ocorrido em função de equipe de cuidados.
outras variáveis, que não o atendimento propriamente dito,
uma vez que não havia diferenciação no que diz respeito
ao suporte oferecido aos pacientes. Possíveis variáveis de REFERÊNCIAS
confundimento, com associação já demonstrada na litera- 1. Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral. Associação
Brasileira de Nutrologia. Projeto Diretrizes. Terapia Nutricional:
tura, poderiam ser a baixa renda14 e a baixa escolaridade15.
Administração e Monitoramento São Paulo: Associação Médica
O levantamento realizado por Ribeiro et al.16 sobre a utili- Brasileira; Brasília: Conselho Federal de Medicina; 2011.
zação de serviços de saúde demonstrou que os usuários do 2. Correia MI, Waitzberg DL. The impact of malnutrition on morbi-
dity, mortality, length of hospital stay and costs evaluated through
SUS se concentram em camadas mais pobres da população a multivariate model analysis. Clin Nutr. 2003;22(3):235-9.
e com maiores necessidades de saúde. Após análise dos 3. Dias MCG, van Aanholt DPJ, Catalani LA, Rey JSF, Gonzales
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Projeto Diretrizes. São Paulo: Associação Médica Brasileira;
Nacional por Amostras de Domicílios (2003), identificou-se, 2011. p. 471-86.
nos usuários do SUS, predomínio de indivíduos com baixa 4. Waitzberg DL, Caiaffa WT, Correia MI. Hospital malnutrition:
escolaridade e baixa renda, além da associação entre estado the Brazilian national survey (IBRANUTRI): a study of 4000
patients. Nutrition. 2001;17(7-8):573-80.
de saúde regular/ruim e a utilização dos serviços do SUS.
5. Brito PA, Vasconcelos Generoso S, Correia MI. Prevalence
A maior probabilidade de utilização do SUS por indivíduos of pressure ulcers in hospitals in Brazil and association with
com menor escolaridade e menor renda familiar per capita, nutritional status: a multicenter, cross-sectional study. Nutrition.
indicou o atendimento, pelo sistema público, dos grupos com 2013;29(4):646-9.
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inserção social mais precária que poderiam, consequente- desnutrição em pacientes internados. Rev Assoc Med Bras.
mente, estar mais vulneráveis à desnutrição. 2011;57(6):637-43.
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terapia intensiva e o atendimento pelo SUS também asso- Paulo). 2013;5(1):60-8.
ciaram-se à maior frequência de óbito. Embora a associação 8. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS1395/99: Política
com a desnutrição não tenha sido evidenciada diretamente, de Saúde do Idoso. Brasília: Ministério da Saúde; 1999. p.1-19.
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Local de realização do trabalho: Departamento de Nutrição e Saúde. Universidade Federal de Viçosa. Hospital São Sebastião,
Viçosa, MG, Brasil.