Republica Velha Trabalho Faz Greves Esta
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Resumo
Este artigo trata de uma revisão bibliográfica sobre algumas teses
acerca da relação capital-trabalho no Brasil as quais negligenciaram a
organização dos trabalhadores nas décadas de 1910 e 1920. Pesquisamos
alguns documentos da principal associação industrial do país publicados
no período, os quais nos permitiram perceber o clamor dos empresários
pela intervenção do Estado na relação capital-trabalho, bem como a forte
pressão dos trabalhadores para que os capitalistas assumissem uma postura
de defesa da criação de direitos.
Palavras-chave:
República Velha; Ideologia dos industriais; Direitos trabalhistas; Luta dos
trabalhadores.
Abstract
This is a literature review on some theories about the relationship between
capital and labor in Brazil, which have neglected the organization of workers
in the 1910s and 1920s. We have researched some documents from the
main industry association in the country published in that period, which
allowed us to understand the cry of the businessmen for State intervention
in the capital-labor ratio, as well as the strong pressure from workers so that
capitalists would assume a posture of defense of the creation of rights.
Keywords:
Old Republic in Brazil; Ideology of industrial; Labor rights; Struggle of the
workers.
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Este trabalho é uma versão adaptada de parte do capítulo 2 de nossa tese de doutorado defendida em
2009 no IUPERJ. Ver Moraes (2009).
* Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ; Professor Adjunto da UFF.
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Isto é, provendo pequena ajuda durante período de doença e auxílio funeral.
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No início do século XX, em 1903, surgiu a Federação das Associações de Classe, seguindo o modelo da CGT
francesa, no Estado do Rio de Janeiro. Em São Paulo, no ano de 1905, os sapateiros, padeiros, marceneiros e
chapeleiros fundaram a Federação Operária de São Paulo (FOSP) e, no primeiro ano do Congresso Operário,
no Rio de Janeiro, foi criada a Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ) (SAMIS, 2004, p. 134).
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Estiveram presentes ao encontro 43 delegados de várias partes do Brasil, representando 28 associações, a
maioria ligada a ramos industriais, e outras como estivadores e ferroviários. Neste momento, o sindicalismo
revolucionário tinha se tornado hegemônico no movimento operário (FARINHA NETO, 2007, p. 13).
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A bibliografia sobre o período mostra o quadro de conflito entre capital e trabalho na Primeira República.
Renato Boschi, Eli Diniz, Edgar Carone, Boris Fausto, Gizlene Neder, Werneck Vianna, só para citar alguns,
são unânimes ao perceber e problematizar a importância das greves dos trabalhadores, principalmente nas
grandes metrópoles, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Porto Alegre, que são palco de grandes lutas
por salários, redução da jornada de trabalho, direito às férias etc., coordenadas por anarquistas, nas duas
primeiras décadas do século XX. Se conhecemos bem a filosofia anarquista, sabemos que o movimento não
esperaria nada que viesse do Estado e, portanto, só através da ação direta conseguiria algumas concessões.
Contudo, as reivindicações não se resumiam às greves, inclusive, gerais, pois comícios, passeatas, organiza-
ção de Congressos dos trabalhadores, sabotagem na empresa etc., caracterizavam, por conseguinte, uma
situação de grande efervescência social. É neste quadro que entra o Estado, solicitado urgentemente pelo
empresariado de então. A solução foi a intervenção em todos os sentidos, inclusive com a criação das leis
trabalhistas.
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em Fábricas de Tecidos.
Compareceram os srs.: [...] (lista com mais de 40 nomes de
industriais) [...]
As comissões de industriais e de operários, abaixo firmadas
e resultantes da reunião de 20 de agosto deste ano,
efetuada na sede do Centro Industrial do Brasil, acordaram,
unanimemente, no seguinte:
1. – O Centro Industrial do Brasil, legítimo representante
das fábricas brasileiras de tecidos, reconhece na União das
Fábricas de Tecidos o órgão diretor e representativo da
respectiva classe, cabendo, portanto, a esta União o direito
de pleitear junto à Diretoria de qualquer fábrica de tecidos
todas as coisas que digam respeito aos interesses dos seus
associados.
[...]
1. Qualquer que seja o adicional em vigor, sobre os salários
atuais, ficará ele modificado para 30% (trinta por cento),
sendo extensivo às fábricas filiadas ao Centro Industrial do
Brasil, nas quais, por ventura, atualmente não exista esse
adicional. Esse adicional vigorará enquanto perdurar a
presente carestia de vida.
2. As fábricas filiadas ao Centro Industrial do Brasil, onde
ainda não se observa o horário semanal de cinqüenta e seis
horas, ficam por este acordo obrigadas a adotá-lo desde
já.
Por assim, haverem combinados assinam o presente
documento.
Rio de janeiro, 31 de agosto de 1918. [...] (lista com os
nomes dos signatários).
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Concluindo:
Mostramos ao longo do trabalho que a intervenção do Estado na relação
capital-trabalho foi uma reivindicação dos industriais em função da forte luta
dos trabalhadores e não uma generosidade de Vargas. Ao mesmo tempo,
tentamos jogar luz sobre uma preocupação metodológica importante para
a análise dentro das ciências humanas: a necessidade da contextualização
histórica, priorizando as partes envolvidas no processo. Assim, vimos o
quanto o método equivocado de Carvalho e Santos os levaram a criar teses
descoladas da realidade, chegando ao ponto de induzir o leitor a saudar a
ditadura como benéfica para o trabalhador.
O mais importante a reter é que parcela da burguesia, em fins da década
de 1910, como constatamos nos depoimentos acima, já clamava pela
regulação do Estado, no sentido de controlar os trabalhadores e possibilitar
de maneira ótima a acumulação21.
Como ratificação desta premissa, lembramos que os empresários
ocuparam ou possuíam forte influência em todos os conselhos/comissões
para discussão e implementação de uma legislação trabalhista, enquanto os
trabalhadores foram excluídos de qualquer participação22. Por conseguinte,
inferimos muito facilmente que a legislação do trabalho é resultado das
sugestões dos capitalistas, em absoluta consonância com as palavras do
presidente da CIB, dos governantes e burocratas do Estado23.
Para efeito de sistematização da participação do capital e do trabalho
na elaboração de políticas sociais no Brasil nas primeiras décadas do século
XX, podemos elencar os seguintes resultados: 1) a existência de extrema
desigualdade de influência e representação junto ao Estado entre o
empresariado e os trabalhadores, sendo aberta àquele e fechada a estes; 2)
os interesses do empresariado têm força dentro dos órgãos governamentais
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É claro que a elaboração de uma legislação social significava para o empresariado, antes de mais nada,
uma limitação das condições objetivas de realização da acumulação capitalista, uma vez que se criavam
dispositivos legais dentro dos quais a produção teria que se desenvolver. Implicava também o surgimento de
uma série de encargos pelos quais o patronato tinha que se responsabilizar na quase totalidade. Portanto,
possuía efeitos práticos e imediatos sobre a organização do trabalho e da lucratividade da empresa (GOMES,
1979, p. 185).
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O trabalhador 1) não participou dos conselhos/comissões para elaboração de leis trabalhistas; 2) não tinha
um corpo de representantes ocupando cargos no Estado. A partir destes dados, concluímos que só restou ao
trabalho: a) aceitar a alta jornada de trabalho, salários baixíssimos, sem direitos trabalhistas; e b) pressionar,
reivindicando direitos e melhorias das mais diversas por meio da luta direta.
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São exemplos: 1) o projeto de código do trabalho que procura coordenar e pôr em prática as leis e os
projetos de leis já existentes sobre o assunto, desde o debate na Câmara Federal em 1917 (Vianna, 1999;
DINIZ E BOSCHI, 2004; e GOMES, 1979); 2) o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), encarregado, durante
todo o período de 1924 a 1929, da discussão e elaboração do anteprojeto para reforma de leis e também de
regulamentos, que permitissem a entrada em vigor da nova legislação (GOMES, 1979).
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Referências
ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de
Janeiro: Achiamé, 2002.
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. O corporativismo em declínio? In: DAGNINO,
Evelina (Org.). Os Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1994.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a
centralidade do mundo do trabalho. 4 ed. São Paulo: Cortez, 1997.
BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. 2 ed. São Paulo:
Xamã, 1999.
_____. O sindicalismo na política brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.
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Segundo Werneck Vianna, a Câmara passa a legislar aceleradamente em matéria trabalhista desde 1919
– logo após as greves gerais de 1917 e 1919, em São Paulo, e, de 1918, no Rio, além de outros movimentos
grevistas em outros estados da federação – chegando ao ano de 1926 com boa parte das condições de tra-
balho recoberta pela lei, como a dos acidentes de trabalho, a de férias e a do código de menores. Portanto,
quatro anos antes de Vargas chegar ao poder.
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Um exemplo é o da lei de férias. Santos (1998, p. 85-86) descreve que um decreto legislativo de dezem-
bro de 1925 previa 15 dias de férias anuais aos trabalhadores. O Conselho Nacional do Trabalho, em 1926,
assevera que a lei não podia entrar em vigor antes de ser regulamentada. O regulamento surge em outubro
de 1926, todavia só poderia ser implementado após aprovação do Congresso Nacional, o que não ocorre.
Após a Revolução de 1930 e no mês seguinte à criação do Ministério do Trabalho, Comércio e Indústria, em
março de 1931, decide-se suspender a execução da lei para deliberação posterior. Enfim, de maneira efetiva
e fiscalizada, o direito a férias só foi regulado em setembro de 1933 para os trabalhadores do comércio e dos
bancos e, em janeiro de 1934, para os da indústria.
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