Uma Enunciação Virtuosa. Sobre o Estatuto Do Ethos Das Marcas No Discurso Publicitário
Uma Enunciação Virtuosa. Sobre o Estatuto Do Ethos Das Marcas No Discurso Publicitário
Uma Enunciação Virtuosa. Sobre o Estatuto Do Ethos Das Marcas No Discurso Publicitário
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DOI : 10.25768/fal.r.n06.a01
I. O ENQUADRAMENTO
1. Êthos vs éthos
Na Retórica de Aristóteles, Livro I, secção referente à definição de retórica
e sua estrutura lógica, o ethos encontra-se conceptualizado como uma prova
fornecida pelo discurso (portanto, intrínseca, tal como sucede com o pathos
e o logos) na qual se gere o carácter do orador, visando sempre produzir o
mesmo resultado: a confiança relativamente ao que é proposto/dito/sustentado
(Aristóteles, [1356a]).
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Figura 1
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1a – Existência de um cepticismo
Xiaoli Nan e Ronald Faber (Nan & Faber, url 2019) defendem a tese deste
cepticismo constituir um fenómeno estrutural. Fundamentam a sua posição
em estudos relativos a um universo temporal de larga duração que são sufici-
entemente elucidativos da recorrência de atitudes negativas da sociedade civil
perante a publicidade ao considerá-la como um género de comunicação su-
perficial, não fiável. E salientaram complementarmente como este cepticismo
também decorre de uma espécie de educação cívica para os media e para o
consumo, sendo, portanto, o fruto de uma socialização que conduziu a uma
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3a – O sobre-investimento publicitário
Esta é uma razão relacionada com o aprofundamento do ambiente ruidoso
e logomáquico da comunicação publicitária e que se consubstancia num es-
gotamento (ou quase esgotamento) dos espaços ou momentos nos meios de
comunicação de massa consagrados para a transmissão de publicidade.
Como forma de reagir a esta situação, os anúncios têm vindo a decres-
cer em tamanho e duração, afectando a qualidade de um discurso argumen-
tativo sobre as características das mercadorias, ao mesmo tempo que primam
por uma intensa espectacularidade. Do ponto de vista retórico, este o sobre-
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objecto (que é marcado) mas na designação de um nome, tal qual como o pre-
ceituado na máxima “marcas sim, produtos não” (cf. Klein, N., 2002). Esta
situação de hiperrealidade vai afectar o ethos das marcas no respeitante a duas
características: a da phronesis, porque nada existe para publicitar que seja
útil, isto é, do interesse do auditório, e a areté porque, se alguma coisa ainda
existir, ela não está enunciada adequadamente.
Em suma e sistematizando a nossa tese sobre esta matéria: todas estas
razões contribuem para a emergência de um éthos normativo e deontológico
negativo que se assume como uma espécie de variável de partida por referên-
cia à qual o orador publicitário se vai situar a partir da adopção de estratégias
discursivas adjacentes à gestão de um êthos fundamental para a recredibiliza-
ção de um certo carácter. Algumas vão ser seguidamente descritas.
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Figura 2
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Figura 3
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Figura 4
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Figura 5
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na proferida por um conjunto de actores publicitários que como que lhe em-
prestam a sua própria credibilidade, reputação – ethos (figura 6).
Salienta-se como este ethos delegado decorre de um conjunto fundamen-
tal de parâmetros: o adjacente à individualidade, fundamental para a selecção
de um ‘casting publicitário’ de notáveis que podem ou não estar vivos (desde
José Mourinho a Galileu); o referente ao espaço da enunciação, um crité-
rio importante pelo qual serão escolhidos os apresentadores (cuja enunciação
reporta ao espaço do estúdio) ou os prescritores (espaço do consultório, do
laboratório, da farmácia, da biblioteca, da escola, etc.) e, finalmente, o rela-
tivo ao tempo, no respeitante à relação do que é típico da enunciação (sempre
reportando a um presente do indicativo) com o de outras temporalidades. É
o caso do passado, referente ao protagonismo do problema, à experimenta-
ção da necessidade e o do futuro, da sua resolução através do consumo da
mercadoria.
Figura 6
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Figura 7
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Figura 8
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Figura 9
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Figura 10
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Figura 11
b) A não ficcionalidade
A veracidade publicitária também exige uma negação mais ou menos as-
sumida do que possa remeter para o mundo da fantasia e do sonho, facilitando
um sentido tecno-operativo. Fundamenta-se num registo referencial, docu-
mental, adjacente à contextualização da marca nos mais variados domínios:
os relativos ao mercado (decisão, compra) ou à utilização (consumo). Justa-
mente este ‘documentarismo’ para além de implicar a diluição das entidades
relativas à enunciação – pessoa tempo e espaço – é complementado por certos
recursos. É o caso dos relativos à valorização da argumentação entimemá-
tica (fundamentada em premissas não definidas, nem questionadas “aceites
sem discussão ainda que falsas” – Eco, U., 2003: 183; Corral, L.S, 1997:
173-175). A esta se junta a ocultação dos códigos específicos da expressão
publicitária, por intermédio da transtextualidade (Rodriguez, R. & Mora K.,
2002: 47-89), como se o registo publicitário se ‘ocultasse’ nos característi-
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Figura 12
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Figura 13
C ONCLUSÃO
Nesta reflexão abordámos o estatuto do ethos nos processos de comunica-
ção publicitária.
Numa primeira parte, procedemos a um enquadramento epistemológico
do ethos no âmbito da retórica em busca da dicotomia que o termo pressupõe:
éthos, como sendo o domínio no qual se decide um carácter fundamentado
na tradição, no costume, na regra moral e deontológica, no convencional e
obrigatório; êthos, como o domínio de um carácter que, não obstante se corre-
lacionar com o subjacente ao éthos, é pessoal, subjectivo, adjacente à gestão
de cada situação. Esta dicotomia foi posteriormente repescada num enqua-
dramento de cariz sociológico e relativo à análise discursiva. Neste domínio,
salientou-se a contribuição de Dominique Maingueneau sobre o ‘ethos efec-
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Xpress. www.behance.net/gallery/67614615/Cepheid-Power-of-Now-Camp
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