Notas Introdutórias Sobre A Análise Do Discurso
Notas Introdutórias Sobre A Análise Do Discurso
Notas Introdutórias Sobre A Análise Do Discurso
Análise do Discurso é um campo de estudo fundado na França, em fins dos anos 1960, cujo
objeto, como o próprio nome indica, é o discurso. Vários fatores influenciaram o seu
surgimento, os principais podem ser encontrados nas condições sócio-históricas da época e
nos intensos debates filosóficos em torno da epistemologia. A Europa vivia as inseguranças da
Guerra Fria, já as ciências humanas, especificamente a lingüística, conheciam o período áureo
do estruturalismo. É importante sabermos um pouco mais a respeito do solo em que germinou
essa disciplina.
Às vésperas de 1950, a Europa ainda era incapaz de “... assegurar a própria defesa, dirigir o
próprio destino, reerguer a própria economia” (RÉMOND, p.144). Para sair da crise, teve que
se dobrar a ajuda externa. De um lado, os EUA com o Plano Marshall (1947) depositam
milhões de dólares nas contas dos países do oeste; de outro, a União Soviética, através do
Conselho de Assistência Mútua (1949), faz o mesmo, só que em proporções menores, às
economias planificadas.
A Nova Ordem Mundial, marcada pela disputa geopolítica entre os representantes de dois
modelos econômicos antagônicos, gerou uma corrida armamentista sem precedentes. O receio
em perder áreas de influência era concomitante ao desejo de conquistar novos territórios. O
medo de uma Terceira Guerra era constante.
Os EUA espalharam centenas de tropas militares pela Europa Ocidental, a fim de protegê-los
da expansão comunista. Era a Doutrina Truman (1947) que estava sendo posta em prática
através do Tratado do Atlântico Norte (1949). A União Soviética seguiu o exemplo ianque em
relação ao leste, após assinar o Pacto de Varsóvia (1955).
Para aumentar ainda mais a ferida narcisista, a maior parte das colônias européias da África e
da Ásia conquistam a independência. A Europa adentra os anos 1960, despojada das pompas
de outrora. “As grandes potências de 1914, todas européias, haviam desaparecido”
(HOBSBAWM, 1999, p.23).
Mas, o mundo capitalista caminhava para o que HOBSBAWM chamou de anos dourados. “Os
impressionantes problemas sociais e econômicos do capitalismo na Era da Catástrofe
aparentemente sumiram” (1999, p. 59). Podemos dizer que a prosperidade da Europa
Ocidental foi conseqüência dos investimentos norte-americanos realizados na década anterior,
das inovações tecnológicas e do aumento populacional, que significava uma ampliação tanto
do mercado consumidor, quanto da capacidade produtiva.
Já o mundo comunista vinha sofrendo uma série de instabilidades políticas desde a morte de
Stalin ocorrida em 1953. Se não vejamos: em 1956, Krutchev denunciou os crimes da Ditadura
de stalinista em pleno XX Congresso do Partido Comunista Soviético; no mesmo ano, a
Hungria tentou implantar um processo de abertura econômica e foi esmagada pelo exército
vermelho; em 1960, a China de Mao Tsé-Tung rompeu relações com a União Soviética; e em
1968, a Tchecoslováquia tentou se livrar das intervenções soviéticas, implantando um governo
democrático-liberal. Os anos de 1960 foram marcados pelo que se convencionou chamar de
“coexistência pacífica” ou “desgelo”.
O otimismo foi tão notável, comparado aos 31 anos da Era das Catástrofes (1914-1945) que,
em 1964, o historiador Barraclough defendeu que “no final de 1960, pode razoavelmente
afirmar-se que o longo período de transição estava concluído; o novo mundo entrava em órbita”
(1976, p. 29). Em outra passagem diz “a história contemporânea é a história da geração que
atualmente vive” (1976, p. 15).
Olhando para trás, da vantajosa posição presente, podemos verificar que os anos decorridos
entre 1890, quando Bismarck se retirou da cena política, e 1961, quando Kennedy tomou posse
como Presidente dos Estados Unidos, constituíram um amplo divisor de águas entre duas
épocas (1976, p. 12, grifo nosso).
Por isso, os anos 1960 também ficaram conhecidos para uns como a década da contestação e
para outros como os anos rebeldes. As contradições daqueles anos foram sentidas por todos,
desde os jovens até os intelectuais. Os livros de Karl Marx foram popularizados. As mazelas do
capitalismo eram denunciadas, embora se vivesse na Era do Ouro. Os Beatles, os Rolling
Stones e Che Guevara tornaram-se ídolos mundiais. Os jovens passaram a culpar seus pais
pelo mundo em que viviam.
O estilo informal foi uma forma conveniente de rejeitar os valores das gerações paternas ou,
mais precisamente, uma linguagem em que os jovens podiam buscar meios de lidar com um
mundo para o qual as regras e valores dos mais velhos não mais pareciam relevantes
(HOBSBAWM, 1999, p.325).
A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou
para a instabilidade e crise. E, no entanto, até a década de 1980 não estava claro como as
fundações da Era de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmente. A natureza global da
crise não foi reconhecida e muito menos admitida nas regiões não comunistas desenvolvidas,
até depois que uma das partes do mundo – a URSS e a Europa Oriental do socialismo real –
desabou inteiramente (1999, p. 393).
A França não estava alheia a esse turbilhão de acontecimentos, pelo contrário, na Europa
Ocidental, era um dos seus centros motrizes. Mais do que qualquer país europeu, teve seu
orgulho ferido pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. A suntuosidade napoleônica
se desmanchou no ‘ar’ quando o exército nazista desfilou triunfante pelas avenidas de Paris em
junho de 1940.
Hitler fez questão de vingar a situação vexatória por que passou a Alemanha em razão das
conseqüências da assinatura do Tratado de Versalhes, em Paris (1919), que colocava fim a
Primeira Guerra.
O armistício assinado foi uma vergonha. A França foi dividida. Dois terços do território foram
entregues aos nazistas, a outra parte, ficou sob a regência de um governo colaboracionista.
Centenas de oficiais de guerra e soldados foram presos e mantidos em cativeiro. Aviões,
tanques e armas foram colocados à disposição dos alemães para serem usados contra os
aliados.
O general Charles de Gaulle governou a França por toda a década (1958-69). De Gaulle era
um dos poucos oficiais superiores que não apoiaram o armistício assinado com a Alemanha em
1940. Por conta disso, foi condenado à pena de morte.
A França do pós-guerra foi reconstruída pelo general De Gaulle com base no mito de que, em
essência, a França eterna jamais aceitara a derrota. Como ele próprio declarou: ‘ A Resistência
foi um blefe que deu certo’ (Gillois, 1973, p. 164). É um ato político o fato de os únicos
combatentes da Segunda Guerra Mundial comemorados em memoriais de guerra francesa
hoje serem combatentes da Resistência que se fizeram parte das forças de De Gaulle.
Contudo, a França não é de modo algum o único caso de um Estado construído sobre a
mística da Resistência (HOBSBAWM, 1999, 165).
No dia 22 de maio de 1968, 10 milhões de trabalhadores entram em greve. Foi a maior greve já
realizada na França até então e a maior de toda a Europa. “Sejamos realistas: eximamos o
impossível!” gritavam. O impacto repercutiu mundialmente. A derrocada do general De Gaulle
estava decretada. “A Extraordinária irrupção de maio de 1968, em Paris, epicentro de um
levante estudantil continental... encerrou a era do general De Gaulle na França” (Hobsbawm,
1999, p. 293).
De todos os países europeus, a França foi aquele em que o estruturalismo teve maior
ressonância, um fenômeno que culminou no final dos anos 1960, num momento em que vários
movimentos de contestação política chegaram a colocar em crise uma série de valores
estabelecidos, naquele país (LLARI, p. 72. In: MUSSALIM, 2001).
As duas guerras mundiais fizeram ruir os valores e tradições que apoiavam o mundo moderno.
As teses iluministas, aos poucos, foram deixadas de lado. A razão humana havia produzido
uma era de catástrofes. O progresso tecnológico serviu para o extermínio milhares de pessoas
e devastar a natureza. O otimismo das Luzes foi substituído pelo medo e pela insegurança do
pós-guerra. Como Hobsbawm explica, “não era a crise de uma forma de organizar sociedades,
mas de todas as formas” (HOBSBAWM, 1999, p. 21). Tudo que era sólido parecia “se
desmanchava no ar” (BERMAN, 1993).
Foi uma crise das crenças e supostos sobre os quais se apoiava a sociedade moderna desde
que os Modernos ganharam sua famosa batalha contra os Antigos, no início do século XVIII:
uma crise das teorias racionalistas e humanistas abraçadas tanto pelo capitalismo liberal como
pelo comunismo... (Hobsbawm, 1999, p. 20).
Naqueles anos, ficou evidente a necessidade de se fazer rupturas com dezenas de conceitos,
até então, inquestionáveis. “O movimento de maio de 68 e as novas interrogações que
surgiram de súbito no âmbito das ciências humanas foram decisivos para subverter o
paradigma então reinante” (FERREIRA, p. 14. In: INDURSKY, 2005). No final dos anos 1960,
começam a aparecer as primeiras fissuras na hegemonia do estruturalismo.
O estruturalismo foi marcado por um retorno aos trabalhos de Saussure , em especial ao Curso
de Lingüística Geral (1916). Influenciado pela concepção de ciência do século XIX, Saussure
definiu a língua como o objeto da lingüística. Assim, fundou a lingüística moderna operando
uma “ruptura com a lingüística comparatista de sua época, propondo uma abordagem não
histórica, descritiva e sistemática (dir-se-á. Mais tarde, ‘estrutural’)”. (PAVEAU, 2006, p. 63).
A partir de então, a fala ficou marginalizada nos estudos lingüísticos considerados científicos. E
assim ficou durante os anos em que esteve oprimida pela insígnia de “abstrata”, “acessória”
“assistemática” e “acidental”. Segundo Saussure:
O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: um, essencial, tem por objeto a língua,
que é social em sua essência e independente do indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico;
outra, secundária, tem por objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala, inclusive à
fonação e é psicofísica (1995, p. 27).
Saussure encontrou, na língua, o objeto capaz de superar a heterogeneidade da linguagem. “A
língua é um sistema”, dizia. O conceito de sistema se torna fundamental, pois é justamente
esse conceito que os estruturalistas retomam anos mais tarde. Não há, no entanto, “no CLG
um capítulo ou um parágrafo especificamente consagrado à noção de sistema” (PAVEAU,
2005, p. 76).
Apesar de não ter se preocupado em definir o significado de sistema, Saussure deixou algumas
pistas no decorrer do Curso de Lingüística Geral. “A língua é um sistema do qual todas as
partes podem e devem ser consideradas em sua solidariedade sincrônica” (1916, p. 102).
Como afirma Paveau (2006, p. 89), “o termo sistema (do grego sustema) designa uma reunião,
e, desde o século XVII, um conjunto que constitui um todo orgânico. É aproximadamente nesse
sentido que Saussure utiliza o termo no CLG para dar uma primeira caracterização da língua
(sistema de signos)”. Referindo-se a essa definição, explica que “ela não diz nada sobre a
maneira pela qual é organizado o todo orgânico que constitui um sistema dado” (Idem, p. 89).
Um bom exemplo é dado pelo próprio Saussure: o xadrez. Nesse jogo, cada peça obedece a
regras e possui uma função específica, de tal modo que, ao mexer em uma delas, todas sofrem
influências e vice-versa. Não há peça isolada uma da outra, todas estão em relações
recíprocas.
O genebrino diz que “a interferência do fator tempo é de molde a criar, para a lingüística,
dificuldades particulares” (1916, p. 87), pois quando se analisa a língua em sua evolução, ela
se torna variável.
Seria preciso, então, observar esse objeto alheio a qualquer movimento ou influência da
história. “É sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da nossa ciência;
diacrônico tudo que diz respeito às evoluções” (1916, p. 96). Vejamos as duas bifurcações
saussureanas.
O estruturalismo lingüístico nasceu quando Ferdinand de Saussure pretendeu atingir leis gerais
do funcionamento de uma língua. O estruturalismo etnológico nasceu quando Claude Lévi-
Strauss pretendeu atingir as leis gerais do funcionamento de certas estruturas culturais,
especificamente aquelas que regem os sistemas de parentesco ou as que regem a produção
dos mitos em culturas arcaicas (1973, p. 6).
À pergunta: o que é estruturalismo? Barthes responde “Não é uma escola nem mesmo um
movimento (pelo menos por enquanto), pois a maior parte dos autores que se associam
geralmente a essa palavra não se sentem de modo algum ligados entre eles por uma
solidariedade de doutrina ou de combate”. (1970, p. 49)
Os funcionalistas podem ser divididos em três linhas de estudos: a Escola de Praga, a Escola
de Copenhague e a liderada por Martinet.
A Escola de Praga foi fundada em outubro de 1926, na antiga Tchecoslováquia, pelo lingüista
Mathesius. O diálogo com o modelo de funcionamento lingüístico elaborado por Mathesius foi o
laço que uniu os primeiros membros de Praga. “Por influência de Mathesius, lingüistas de
Praga, desenvolveram uma concepção de comunicação incomparavelmente mais rica que a de
Saussure” (LLARI, p. 69. In: MUSSALIN, 2001, vol.3).
O que hoje é designado em geral como Escola de Praga compreende um grupo bastante
amplo de pesquisadores, sobretudo europeus, que, embora possam não ter sido membros
diretos do Círculo Lingüístico de Praga, se inspiraram no trabalho de Mathesius, Trubetzkoy,
Jakobson e outros estudiosos (WEEDWOOD, 2002, p. 137).
Mathesius escolhe a sincronia e a relação da lingüística com o social, mais precisamente com a
arte.
É dele a famosa afirmação: “a forma está subordinada à função”. Segundo Paveau, o Círculo
de Praga foi um “verdadeiro cadinho inovador e crítico no campo científico europeu dos anos
20, matriz de uma nova maneira de pensar a linguagem” (2006:115). E essa nova maneira de
pensar a linguagem foi revelada no 1° Congresso Internacional de Lingüística de Haia, na
Holanda, realizado em 1928 e ficou conhecida como as Teses de Praga. Ao todo foram nove
teses sobre temas como: o funcionamento da língua, a literatura, fonética e o poético.
As principais teses são: a) a língua é um sistema funcional orientado para uma finalidade; b)
divisão entre a fonética (fato físico) e a fonologia (sistema funcional); c) a natureza das funções
lingüísticas determina a estrutura da língua; d) o estudo de uma língua exige que se considere
a variedade das funções lingüísticas e seus modos de realização.
Trubetzkoy dá ao fonema sua definição mais estável, que será retomada em toda a fonologia
moderna. No CLG, Saussure define o fonema como a soma de impressões acústicas e
articulatórias, da unidade entendida e da unidade falada é uma definição natural do fonema,
isto é, que repousa sobre observações de ordem física e não funcional (PAVEAU, 2006, p. 127-
128).
O signo constitui uma função com duas variáveis: o significado, redefinido como conteúdo; e o
significante, redefinido como expressão. “Hjelmslev sofisticou um pouco mais a noção
saussureana de signo com a noção de função, em um sentido próximo ao da matemática”
(DUARTE, 2003, p. 27).
O lingüista André Martinet foi outro funcionalista europeu bastante influente na França. “Situa-
se na linha direta do estruturalismo europeu elaborado por Saussure” (Paveau, p. 135). Sua
perspectiva apóia-se numa reflexão constante sobre a diversidade das línguas. Defendeu uma
lingüística objetiva. Exigiu, em primeiro lugar, a descrição correta da realidade dos fenômenos
linguageiros. O princípio básico de sua teoria diz que a língua é um instrumento de
comunicação duplamente articulado e de manifestação vocal.
A dupla articulação é uma característica da linguagem humana. Na primeira articulação,
combinam-se unidades mínimas significativas em infinitas possibilidades. Na segunda
articulação estão os fonemas, limitados em número, mas que formam o sistema.
Em toda língua natural existem dois níveis de oposição: aquele em que as unidades podem ser
contrastadas de modo a fazer aparecer, simultaneamente, diferenças de forma e de sentido
(esta é para Martinet, a primeira articulação, que corresponde muito aproximadamente às
palavras), e aquele em que se podem pôr à mostra diferenças que apenas servem para
distinguir unidades esta é a segunda articulação, cujas unidades são os trabalhos relativamente
extenso de descrição sintática (LLARI, p. 72. In: MUSSALIN, 2001).
O aspecto funcional é defendido por achar que a pertinência comunicativa da língua é que
melhor permite a compreensão da natureza e da dinâmica da linguagem. Será considerado
como pertinente sob o ângulo comunicativo todo objeto que tem por função desencadear uma
informação.
Em suma, o sistema fonológico se mantém graças a uma economia interna, baseada numa
relação de custo e benefício, que é precisamente o que Martinet chamou de economia... Esse
não era apenas um raciocínio tipicamente estruturalista, era uma descoberta que representava
um passo enorme em relação à concepção de lingüística diacrônica exposta no Curso de
Lingüística Geral (LLARI, p. 72. In: MUSSALIN, 2001).
Diante das línguas a serem estudadas, os pesquisadores americanos desse período sentiram-
se comprometidos em realizar uma tarefa eminentemente descritiva, que deveria, tanto quanto
possível, evitar a interferência dos conhecimentos prévios do lingüista [...] Essa orientação
correspondia à crença de que cada língua tem uma gramática própria (LLARI, p. 77, In:
MUSSALIN, 2001, grifo nosso).
Zellig Harris é outro importante lingüística norte americano. Principalmente por que foi um dos
influenciadores de Michel Pêcheux, considerado por muitos como o fundador da Análise do
Discurso. O objetivo da lingüística distribucional, segundo esse pensador, era mostrar que o
sistema da língua funciona segundo regularidades demonstráveis (PAVEAU, 2006, 154).
Foi o primeiro a usar a expressão Análise do Discurso, quando em 1952, publica um artigo com
esse título. Para Harris, o discurso é o lingüístico que ultrapassa os limites da sentença. Foi
assim que esboçou uma análise transfrástica. É justamente isso que afirma Brandão (1993, p.
15):
Os anos 50 serão decisivos para a constituição de uma análise do discurso enquanto disciplina.
De um lado, surge o trabalho de Harris (Discourse Analysis, 1952) que mostra a possibilidade
de ultrapassar as análises confinadas meramente à frase, aos enunciados (chamados
discursos)...
Queria generalizar um método que pudesse dar conta do funcionamento da linguagem a partir
da observação de um corpus finito de enunciados naturais. Apesar de algumas mudanças, sua
teoria lingüística ainda estava vinculada à imanência da língua, pois criou a ilusão da existência
de uma verdade no texto a ser encontrada.
Noam Chomsky foi o mais célebre aluno de Harris. Apesar de no decorrer de sua carreira ter
rompido com o mestre. A Gramática Gerativa (1957) espelhou-se como uma epidemia. “Veio a
se tornar um divisor de águas na lingüística do século XX” (WEEDWOOD, 2002, p. 132). Nela,
ele afirma que a lingüística descreve a estrutura das línguas. Essas estruturas explicam como
são entendidas e interpretadas as orações em qualquer idioma.
Chomsky acredita que o processo é possível graças à gramática universal. Segundo ele, há
regras gramaticais universais e específicas para cada língua. Tal modelo supõe o
conhecimento inato e inconsciente possuído por qualquer pessoa para compreender as
orações de seu idioma.
Assim, traçou uma distinção fundamental entre o conhecimento que uma pessoa tem das
regras de uma língua e o uso efetivo desta língua em situações reais. Aquele conhecimento
chamou de competência, e a este, desempenho. A lingüística, para ele, “deveria ocupar-se com
o estudo da competência, e não restringir-se ao desempenho” (WEEDWOOD, 2002, p. 133).
O estruturalismo foi reinante nas décadas de 1960, apesar das resistências do existencialismo
e do marxismo. Na lingüística, havia uma aparente unidade em torno das teorias saussureanas.
“Do funcionalismo de Martinet às teorias behavioristas da comunicação, o pensamento de
Saussure se estende até o estruturalismo distribucional de Bloomfield” (PÊCHEUX, 1999,
p.10).
O estruturalismo conferiu cientificidade aos estudos da linguagem. Mas à medida que a Era
Ouro da qual Hobsbawm falava ia passando, o estruturalismo, conseqüentemente, entrava em
crise. Se, nos anos 60, não se encontrava um lingüista que não devesse algo a Saussure,
como bem falou Benveniste, nos anos 70, suas obras passaram a ser questionadas, e nos
anos 80, houve um “largo consenso anti-saussuriano” (PÊCHEUX, 1999, p.13).
Michel Pêcheux (1999) diz que desde a publicação do Curso de Lingüística Geral (1919) até os
anos 1950, as teorias lingüísticas giraram em torno de Saussure, ora filiando-se a ele, ora dela
se distanciando. Essas “diásporas e reunificações” demonstram o quanto a recepção das obras
do genebrino foram descontinuidades. O que, de um lado, já revela a polissemia inerente à
linguagem.
A história das interpretações das idéias saussureanas acompanha a história das revoluções e
das guerras do século XX. Trubetzkoy e Jakobson fugindo às perseguições migram de um
círculo a outro. Trubetzkoy desaparece, Jakobson sobrevive e migra para os Estados Unidos e
da América faz as idéias saussureanas chegarem à França. No pós-guerra dos anos 50,
ocorreu uma aparente reunificação (GREGOLIN, 2005, p. 102).
Maio de 68 produziu uma exasperação da circulação dos discursos, sobre as ondas, sobre os
muros e na rua. Mas, também, no silêncio das escrivaninhas universitárias. Era o tempo da
multiplicação das releituras, das grandes manobras discursivas; os conceitos se
entrechocavam: a luta de classe reinava na teoria. (COURTINE, 2006, p. 9)
A fala, o sujeito, a ideologia, o social, a história, a semântica e outras exclusões operadas por
Saussure são trazidas para as discussões lingüísticas. A partir de então, surgem quase
concomitantemente, várias disciplinas que estilhaçarão a teoria da linguagem. Rompem com a
sincronia e corte saussuriano, e propõem uma análise transfrástica e subjetiva da linguagem.
Estudiosos passam a buscar uma compreensão do fenômeno da linguagem não mais centrado
apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas num nível situado fora desse pólo da
dicotomia saussureana. E essa instância da linguagem é o discurso. Ela possibilitará operar a
ligação necessária entre o nível propriamente lingüístico e o extralingüístico (BRANDÃO, 1993,
p. 11-12).
A Análise do Discurso aparece no final dos anos 1960. Michel Pêcheux lança, em 1969, o livro
Análise Automática do Discurso que, para a maioria dos estudiosos, representa a fundação
dessa disciplina. “Pela primeira vez na história, a totalidade dos enunciados de uma sociedade,
apreendida na multiplicidade de seus gêneros, é convocada a se tornar objeto de estudo”
(CHARAUDEAU, 2004, p. 46).
Pêcheux coloca em cena o discurso como objeto de análise. Este elemento diferencia-se tanto
da língua, quanto da fala. Não é a mesma coisa que transmissão de informação, nem é um
simples ato do dizer. O discurso evoca uma exterioridade à linguagem – a ideológica e o social.
Inicialmente, podemos afirmar que discurso, tomado como objeto da Análise do Discurso, não é
a língua, nem texto, nem a fala, mas que necessita de elementos lingüísticos para ter uma
existência material. Com isso, dizemos que discurso implica uma exterioridade à língua,
encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente lingüística. Referimo-
nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas
(FERNANDES, 2005, p. 20).
O discurso foi conceituado como a língua posta em funcionamento por sujeitos a que produzem
sentidos numa dada sociedade. A complexidade desse fenômeno ia muito além do que a
epistemologia tradicional previa. O discurso se inscreve na confluência de três regiões do
conhecimento científico.
A Análise do Discurso nasce no entremeio de três disciplinas, de modo que, desde sua
gestação, evoca a interdisciplinaridade. De acordo com Pêcheux, o nascimento da Análise do
Discurso foi presidido por uma “tríplice aliança”. Uma teoria da História, para explicar os
fenômenos das formações sociais; uma teoria da Lingüística, para explicar os processos de
enunciação; e uma Teoria do Sujeito, para explicar a subjetividade e a relação do sujeito com o
simbólico. Como vimos, o discurso é um objeto de estudo que não tem fronteiras definidas. Ele
é tridimensional - está na intersecção do lingüístico, do histórico e do ideológico. Por isso, foi
inevitável para a Análise do Discurso romper com os postulados da lingüística clássica, já que,
se define como o estudo lingüístico das condições de produção de um enunciado.
Paveau (2006, p. 202) definiu a Análise do Discurso como “a disciplina que estuda as
produções verbais no interior de suas condições sociais de produção”. Já Orlandi (2005, p. 26),
“A análise do discurso visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos,
como ele está investido de significância para e por sujeitos”.
A Análise do Discurso não busca uma verdade nuclear do signo, pois é contra a imanência
estruturalista. O que ela pretende é reconstruir as falas que criam uma vontade de verdade
científica em certo momento histórico. Busca-se verificar as condições que permitiram o
aparecimento do discurso. Explicar por que tomou esse sentido e não outro. Sempre
relacionando o lingüístico com a história e com o ideológico.
A Análise do Discurso não trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a
língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção
de sentido enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de
uma determinada forma de sociedade. (ORLANDI, 2005, p. 15-16).
A hegemonia é sustentada pelo discurso. Daí não é difícil chegar à conclusão de que “o
discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas
aquilo por que, pelo que se luta, é o poder do qual nos queremos apoderar”, já diria Foucault
(1999, p. 10). Tomar a palavra jamais representa um gesto ingênuo, pois sempre está ligado a
relações de poder.
Portanto, a Análise do Discurso não foi projetada para ser apenas um simples campo de
estudo, mas para ser um instrumento de luta política. Dentre outras funções, pretendia
desmascarar as verdades construídas por políticos oportunistas, pois a verdade é “sempre uma
reta em direção ao poder” (SILVA, in: SARGENTINI, 2004, p. 178).
Conhecer a produção, a circulação e a recepção dos discursos passou a ser uma atitude
revolucionária, pois expunha as entranhas da relação do saber científico com as técnicas de
poder. Daí a importância de relacionar um acontecimento discursivo às condições históricas,
econômicas e políticas de seu aparecimento. Até por que, no bojo de sua formação, houve
inúmeras micro-resistências que precisam ser resgatadas, pois também significam.
O Discurso e o Interdiscurso
O discurso é de natureza tridimensional. Sua produção acontece na história, por meio da
linguagem, que é uma das instâncias por onde a ideologia se materializa. Por isso, os estudos
lingüísticos tradicionais não conseguem abarcar a inteireza de sua complexidade.
Para a Análise do Discurso, o discurso é uma prática, uma ação do sujeito sobre o mundo. Por
isso, sua aparição deve ser contextualizada como um acontecimento, pois funda uma
interpretação e constrói uma vontade de verdade. Quando pronunciamos um discurso agimos
sobre o mundo, marcamos uma posição - ora selecionando sentidos, ora excluindo-os no
processo interlocutório.
Para Maingueneau, o discurso é “uma dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica
permite definir como um espaço de regularidades enunciativas” (2005, p. 15). Já Foucault diz
“Chamaremos discurso um conjunto de enunciados na medida em que se apóia na mesma
formação discursiva... ele é constituído de um número limitado de enunciados para os quais
podemos definir um conjunto de condições de existência” (2005).
O discurso político pode ser um campo onde vários discursos semelhantes se alojam. Esses
discursos se assemelham pelo objeto de suas análises, embora possam ter divergências
quanto à interpretação do mesmo. Dentro desse campo, podemos fazer recortes menores, a
fim de abstrairmos maiores semelhanças entre os discursos, como por exemplo, dentro do
discurso político, podemos fazer uma opção pelo discurso anarquista.
Mas toda identidade do discurso são construções feitas através do próprio discurso, por isso,
permeável e passível de movências de sentido. Quando um discurso é proferido, ele já nasce
filiado a uma rede tecida por outros discursos com semelhantes escolhas e exclusões. A
metáfora da rede é pertinente para explicar o discurso:
“Uma rede, e pensemos numa rede mais simples, como a de pesca, é composta de fios, de nós
e de furos. Os fios que se encontram e se sustentam nos nós são tão relevantes para o
processo de fazer sentido, como os furos, por onde a falta, a falha se deixam escolar. Se não
houvesse furos, estaríamos confrontados com a completude do dizer, não havendo espaço
para novos e outros sentidos se formarem.
A rede, como um sistema, é um todo organizado, mas não fechado, por que tem os furos, e
não estável, por que os sentidos podem passar e chegar por essas brechas a cada momento.
Diríamos que o discurso seria uma rede e como tal representaria o todo; só que esse todo
comporta em si o não-todo, esse sistema abre lugar para o não sistêmico, o não representável”
(FERREIRA. In INDURSKY, 2005, p. 20).
É por isso que o sentido do discurso não é dado a priori, pois a unidade é construída pela
interação verbal, que é histórica e que mantém relação com uma ideologia. Somente nesse
espaço o discurso consegue esconder sua polissemia.
A linguagem e o Sentido
Na ótica da Análise do Discurso, a linguagem não é um simples instrumento de comunicação
ou de transmissão de informação. Ela é mais do que isso, pois também serve para não
comunicar. A linguagem é o lugar de conflitos e confrontos, pois ela só pode ser apanhada no
processo de interação social. Não há nela um repouso confortante do sentido estabilizado.
O signo é uma arena privilegiada da luta de classe. Não se pode dizer o que quer quando se
ocupa um determinado lugar social, pois este exige o emprego de certas representações e a
exclusão de outras. Gregolin diz, “se temos hoje um sentido para dada coisa é porque houve
um processo que o cimentou e organizou a exclusão do sem-sentido” (2001, p. 10).
O sentido está inscrito na Ordem do Discurso. Basta descobrir as regras de sua formação para
tornar evidente a polifonia que fez dela um nó de significância. Mas a polissemia afronta os
sentidos oficiais, àquele que é desejado e prestigiado, rasgando a máscara que esconde a
heterogeneidade reinante. Por isso, todo sentido cristalizado deixa entrever um rastro da
história do jogo de poder que o instaurou nas malhas da linguagem.
É por isso que o estudo da linguagem não pode estar apartado das condições sociais que a
produziram, pois são essas condições que criam a evidência do sentido. Foucault (1999)
esclarece que a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e distribuída, a fim
de que seus “perigos e poderes” sejam conjurados.
A Análise do Discurso é contra a idéia de imanência do sentido. Não pode haver um núcleo de
significância inerente à palavra, pois a linguagem da qual o signo lingüístico faz parte é
polissêmica e heteróclita. O signo não pode estar alienado de outros signos que com ele
interagem. A linguagem está na confluência entre a história e a ideologia.
Essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel
fundamental na constituição do significado, integra todo ato de enunciação individual num
contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social.
A Análise do Discurso não toma o sentido em si mesmo, ou seja, em sua imanência. Não se
acredita na existência de uma essência da palavra - um significado primeiro, original, imaculado
e fixo capaz de ser localizado no interior do significante. Nesse sentido, podemos dizer que foi
uma grande ilusão de Saussure achar que se poderia encontrar na palavra alguma pureza de
sentido.
Por isso, o sentido é alvo do exercício do poder, principalmente em sociedades cujos governos
são autoritários.
Nos discursos oficiais, o sentido é atravessado por paráfrases, o mesmo é dito de várias
formas para garantir que a monossemia se naturalize.
A Análise do Discurso mostra a relação que existe entre a produção do saber que naturaliza o
sentido, com o poder que estabelece as regras da formação do referido saber. Ou seja, revela
toda a trama feita no transcurso da história para que o sentido pudesse ganhar uma forma
monossêmica, um status de natural.
O sujeito da Análise do Discurso não é o sujeito das Ciências Exatas, que se diz capaz de
explicar o objeto através de um conhecimento imparcial. Um sujeito que está no exterior da
realidade pesquisada e que observa o fenômeno com a distância suficiente para assumir um
comportamento neutro diante do fato.
O sujeito da Análise do Discurso também não é o da Lingüística Clássica, que o concebe ora
como idealizado, ora como mero falante. O sujeito idealizado baseado na crença de que todos
os falantes de uma mesma comunidade falam a mesma língua. O sujeito falante é o empírico, o
individualizado, que “tem a capacidade para aquisição da língua e a utiliza em conformidade
com o contexto sociocultural no qual tem existência” (FERNANDES, 2005, p. 35).
A Análise do Discurso defende uma teoria não-subjetiva do sujeito. Como explica Fernandes,
“a constituição do sujeito discursivo é marcada por uma heterogeneidade decorrente de sua
interação social em diferentes segmentos da sociedade” (2005, p. 41). Isso implica três coisas:
o sujeito não ocupa uma posição central na formação do discurso; ele não é fonte do que diz;
muito menos tem uma identidade fixa e estável.
Na perspectiva da Análise do Discurso, a noção de sujeito deixa de ser uma noção idealista,
imanente; o sujeito da linguagem não é o sujeito em si, mas tal como existe socialmente,
interpelado pela ideologia. Dessa forma, o sujeito não é a origem, a fonte absoluta do sentido,
por que na sua fala outras falas se dizem. (BRANDÃO, 1993, p. 92).
O que define de fato o sujeito é o lugar de onde fala. Foucault diz que “não importa quem fala,
mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar” (2005, p. 139). Esse lugar é um espaço de
representação social (ex: médico, pai, professor, motorista etc.), que é uma unidade apenas
abstratamente, pois, na prática, é atravessada pela dispersão.
A unidade é uma criação ideologia, é uma coação da ordem do discurso. Por isso, podemos
dizer que o sujeito é um acontecimento simbólico. “Se não sofrer os efeitos do simbólico, ou
seja, se ele não se submeter à língua e à história, ele não se constitui, ele não fala, ele não
produz sentidos” (ORLANDI, 2005, p. 49).
O dolo da unidade pode ser desmascarado pela polifonia inerente a todo sujeito. O sujeito é
constituído por vários “eus”. Não há centro em seu ser, pois o seu interior está saturado por
várias vozes, de modo que, quando fala, o seu dizer não mais lhe pertence: “Ele é polifônico,
uma vez que é portador de várias vozes enunciativas. Ele é dividido, pois carrega consigo
vários tipos de saberes, dos quais uns são conscientes, outros são não-conscientes, outros
ainda inconscientes” (CHARAUDEAU, 2004, p. 458).
O sujeito pode ocupar várias posições no texto. Um único indivíduo pode assumir o papel de
diferentes sujeitos. O sujeito é caracterizado pela incompletude. Mas essa marca vai se
apagando de acordo com a função enunciativa que o sujeito assume. Hierarquicamente esse
apagamento acontece da seguinte maneira: locutor enunciador autor.
Não existe o sujeito sem o discurso, pois é este quem cria um espaço representacional para
aquele.
Talvez a grande contradição do sujeito seja o fato dele produzir o discurso e ao mesmo tempo
ser produzido por ele. “O sujeito tem acesso a si a partir de saberes que são sustentados por
técnicas” (SARGENTINI, 2004, p. 93). O sujeito é inventado pelo discurso através do processo
de subjetivação. E Miriani nos alerta “... falar de subjetividade é falar de algo que é puro
movimento, apreensível apenas num só-depois...” (2006, p. 8).
É o olhar de um outro que permite a constituição de uma imagem unitária do eu. O eu só tem
sentido quando o outro lhe atravessa. Não existe subjetividade sem a intersubjetividade. Não
existe uma alteridade que esteja fora do eu, os dois não estão separados por uma fronteira
bem definida, pelo contrário, ambos são um mosaico de vozes, que formam um saber sobre si
e sobre o outro recalcado pelos jogos de poder.
O discurso não é fruto de um sujeito que pensa e sabe o que quer. É o discurso que determina
o que o sujeito deve falar, é ele que estipula as modalidades enunciativas. Logo, o sujeito não
preexiste ao discurso, ele é uma construção no discurso, sendo este um feixe de relações que
irá determinar o que dizer quando e de que modo. (NAVARRO-BARBOSA, in: SARGENTINI,
2004, p. 113).
Foi o que Foucault chamou de Técnicas de Si, ou seja, procedimentos que fixam, mantêm e
transformam a identidade, em função de determinados fins.
Mas todo processo de subjetivação é falho, é lacunar, conseqüentemente, abre brechas para
resistências. Pois não existem protótipos humanos biologicamente determinados a serem
iguais uns aos outros. A subjetivação é instrumentalizada pela linguagem que, como já vimos, é
opaca, não consegue nomear nada, sem que haja falha.
A identidade do sujeito é um efeito do poder. “A identidade, assim como o sujeito, não é fixa,
ela está sempre em produção, encontra-se em um processo ininterrupto de construção e é
caracterizada por mutações” (FERNANDES, 2005, p. 43).
Impossível é moldar uma forma que defina o sujeito sem essa relação que trava com o outro.
Fernandes afirma que “compreender o sujeito discursivo requer compreender quais são as
vozes sociais que se fazem presente em sua voz” (2005, p. 35).
O poder é quem administra os saberes sobre o indivíduo de modo a traçar-lhes um perfil ideal e
condicioná-los a serem passivos politicamente e ativos economicamente. A formação de um
estilo de vida igual para todos os indivíduos de uma comunidade é uma tática para melhor
controlá-los, de modo a fazê-los responder de forma previsível aos comandos emanados do
poder. É isso que a Análise do Discurso chama de processo de subjetivação - a verdade que o
poder cria sobre o sujeito para regulá-lo.
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