Admin, Gerente Da Revista, 2908-10566-1-CE
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ISSN 1982-5935
RESUMO: O presente artigo se propõe a discutir em que consistem as políticas públicas, mais
especificamente as políticas educacionais, e como estas influenciam na construção do conceito de
cidadania. O texto aponta que, para cada modelo de Estado, corresponde também um modelo de
educação, uma vez que o projeto educativo veicula uma imagem de homem e de mundo que se
deseja alcançar ou formar. Portanto, falar de política educacional implica em considerar que a
mesma articula-se à construção de um projeto de sociedade e de cidadania. Compreender quais
são as políticas educacionais que orientam, atualmente, a educação ajuda a clarificar as relações de
poder que se estabelecem entre o Estado e a sociedade, como também, o tipo de indivíduo que se
está formando a partir dessas políticas.
ABSTRACT: This article propose a discussion if wath consist the public politics, more especific
the educacional's politics, and how this thinks influence in construction of in the concept of
citizenship. The text apoint for the each model of States, correspondent a model of education
too, because wich of all educacional's project make an imagine to the man wich will catched or
formed. Therefore, talk the education politics implicate in considerat wich an education politics
articulate, with a construction the project of the society an citizenship. Understand what are the
education politics wich orientate the education, at this moment, help a clarify the relations of the
power wich firm between the State and society, and the kind of person wich stay development
this politics.
A consciência da política surgiu pela primeira vez com Aristóteles, filósofo grego que
afirmou que “o homem é um animal político”. O ser humano tem a capacidade de organizar-se
socialmente, assumindo a partir de suas atitudes, do seu modo de pensar e decidir, posições
políticas. A política nasce, quando os homens começam a se organizar em sociedade, fazendo
escolhas para viabilizar a convivência em grupo. É nesse momento que aparecem as diferentes
posições políticas, diferentes concepções que refletem uma idéia de homem, mundo e sociedade,
que nunca são neutras, mas reveladoras de como as pessoas são, pensam, ou entendem o mundo.
1 Professora da rede municipal de ensino de Caxias do Sul- RS. Licenciada em Ciências, Pedagogia, especialista em
Formação para Educação a Distância, e Mestre em Educação. Contato: [email protected]
2 Para esse teórico, o homem é sempre impulsionado por algum interesse pessoal e egoísta, e isso conduz o
indivíduo, de modo natural, a preferir a modalidade de investimento capaz de beneficiar a sociedade, pois aquilo
que é vantajoso para ele também será para a sociedade. Existe, portanto, nessa concepção de Estado, uma noção
III
de ordem natural que permite que a economia se auto-regule e encontre o equilíbrio sem que o Estado precise
intervir, pois a livre-concorrência e a liberdade de mercado solucionariam os problemas econômicos.
3 A chegada ao poder dos governos de Thatcher e Reagan ocorreu sob a égide da supremacia do mercado. Deu-se
início a uma ofensiva política e social, cujo principal objetivo era destruir o conjunto das instituições e das relações
sociais que, pretensamente, teriam engessado o capital no primeiro mandato de Roosevelt (EUA). Houve uma
liberalização e desregulamentação financeira que conduziram a um crescimento muito rápido dos ativos
financeiros. Essas reformas estruturais de liberalização, desregulamentação e privatização, se realizaram no sentido
de restaurar o poder de dominação capitalista, objetivando fundar uma economia de mercado integrada
globalmente.
IV
econômico restringe a esfera social da cidadania em favor da projeção do mercado. Essa nova
tendência teórica e política de ordenamento do mundo capitalista:
[...] questiona e põe em xeque o próprio modo de organização social e política gestado
com o aprofundamento da intervenção estatal. Menos Estado e mais mercado é a
máxima que sintetiza suas postulações, que tem como princípio chave a noção de
liberdade individual. (AZEVEDO, 2001, p. 11).
Neoliberalismo e educação
Ao contrário do que pregava o liberalismo clássico (que tinha por base a defesa da
liberdade do indivíduo), o neoliberalismo reduziu o indivíduo a um mero consumidor, onde o
que passa a ser priorizado não é a liberdade da pessoa, mas a liberdade econômica das grandes
organizações que detêm o poderio financeiro mundial.
E o que isso tudo tem a ver com a educação? Segundo Marrach (1996) a retórica
neoliberal atribui um papel estratégico à educação ao:
¾ preparar o indivíduo para adaptar-se ao mercado de trabalho, justificando que o
mundo empresarial necessita de uma força de trabalho qualificada para competir no
mercado nacional e internacional;
¾ fazer da escola um meio de transmissão da ideologia dominante e dos princípios
doutrinários do neoliberalismo, a fim de garantir a reprodução desses valores;
¾ incentivar que a escola funcione de forma semelhante ao mercado, adotando
técnicas de gerenciamento empresarial, pois essas são mais eficientes para garantir a
consolidação da ideologia neoliberal na sociedade.
Percebe-se que o discurso educativo neoliberal configura-se a partir de uma
4
reformulação dos enfoques economicistas da teoria do capital humano, em que a educação é
definida como uma atividade de transmissão do estoque de conhecimentos e saberes que
qualificam para a ação individual competitiva na esfera econômica, basicamente, no mercado de
trabalho.
No entanto, o discurso utilizado para definir o papel da educação numa perspectiva
neoliberal é diferente daquele utilizado pela teoria do capital humano. Nos anos 50 e 60, a
4 A teoria do capital humano colocou de forma precisa e unidirecional a relação entre educação e desenvolvimento
econômico, no contexto histórico de um capitalismo baseado num modo de regulação fordista. Sob essa
perspectiva, os conhecimentos que aumentam a capacidade de trabalho constituem um capital que, como fator de
produção, garante o crescimento econômico de modo geral e, de forma particular, contribui para incrementar o
ingresso individual de quem o possui. (GENTILI, 1995).
V
educação era considerada um investimento (individual e social), e o mercado daria conta de gerar
uma multiplicação de oferta de empregos e um aumento geral da riqueza para aqueles que
tivessem acesso à educação. Estudar significava, portanto, garantir um lugar num mercado de
trabalho em permanente e ilimitada expansão.
Porém, com os limites estruturais do fordismo e o esgotamento das condições políticas
e econômicas que garantiam a sua reprodução ampliada, o neoliberalismo impõe um outro
desafio à educação: formar para que os indivíduos tenham competências num mercado de
trabalho cada vez mais restrito, quando “os melhores”, e somente estes, conseguirão ter sucesso
econômico (ou emprego).
Sendo assim, no enfoque neoliberal, cabe à educação o papel de legitimar novos e
velhos processos de exclusão verificados também no contexto social. Para isso, devem difundir-
se no interior do sistema educacional as relações mercantis de concorrência, isto é, “no discurso
neoliberal a educação deixa de ser parte do campo social e político para ingressar no mercado e
funcionar a sua semelhança”. (MARRACH, 1996, p. 43). Trata-se da crescente subordinação ao
econômico e da transformação da própria educação em mercadoria, quando pais e alunos passam
a ser vistos como consumidores, e o conteúdo político da educação é substituído pelos direitos
do consumidor.
Os neoliberais acreditam que o poder público pode e deve dividir ou transferir para o
setor privado as suas responsabilidades na área da educação, favorecendo, com isso, o
aquecimento do mercado e a melhoria na qualidade dos serviços educacionais. É o que se chama
privatização do ensino. Os pais, como consumidores, têm direito de matricular seus filhos numa
escola que melhor contemple seus interesses. Esse movimento gera uma disputa entre as escolas
(competição), no sentido de oferecer um melhor “produto” (educação) aos seus “consumidores”
(pais e alunos), o que acaba qualificando o processo educativo.
Porém, quando se delega a oferta escolar para a iniciativa privada, ocorre a fragilização e
desagregação da escola pública (minimizando a garantia de acesso à educação como direito de
todos), e modifica-se o padrão do ensino público (uma educação que contemple a diversidade),
pois existe a necessidade de adequar o currículo às exigências do mercado (mais treinamento e
menos formação escolar stricto sensu). Ou seja, quando o Estado privatiza a escola pública 5 nega,
5 No livro escrito por Regina Magalhães de Souza, intitulado Escola e juventude, a autora faz uma reflexão interessante
sobre o que está acontecendo com a escola pública nos dias de hoje. A autora diz que a escola tem se caracterizado
pela efetiva ausência de um projeto educativo que lhe dê substância e fundamento, bem como pela fragilidade de
integração de seus alunos com a organização. A principal habilidade desenvolvida na escola resume-se no
desenvolvimento da capacidade do indivíduo de, pelo exercício do pensamento instrumental, adaptar-se a um meio
social de regras instáveis. “Em síntese, não é mais o disciplinamento da força de trabalho o que promove a escola,
mas a adaptação do indivíduo à instabilidade, à ausência de autoridade e de critérios, à prevalência dos interesses
VI
individuais sobre os coletivos, ao descrédito da justiça e da lei, característicos da vida contemporânea”. (SOUZA,
2003, p. 183).
6 Esse conceito tem sido muito utilizado por representantes empresariais no tocante à redução de custos, aumento
da produção, diminuição da mão-de-obra, aumento da produtividade e, portanto, ao lucro empresarial.
7 Nesse sentido, cabe aqui uma ressalva feita por Marrach (1996): mesmo que o discurso neoliberal aponte que a
educação tem o papel estratégico de preparar mão-de-obra para o mercado de trabalho, a revolução tecnológica
tem ocasionado um grande índice de desemprego estrutural, o que nos remete a pensar que a escola não está
conseguindo cumprir nem mesmo as funções primordiais atribuídas a ela pelo modelo neoliberal. Souza (2003) diz
que a escola não está mais conseguindo formar e disciplinar a força produtiva como acontecia nos anos 70 e 80.
“Em meio ao crescente desemprego e à grande competição por postos de trabalho, o próprio mercado tem se
encarregado de formar sua mão-de-obra.” (SOUZA, 2003, p. 10). E acrescenta: “Uma vez que as possibilidades de
inserção profissional estão cada vez mais limitadas, cabe lembrar que o grau de escolaridade é necessário, mas não
suficiente para garantir a ocupação; [...] a seleção do mercado de trabalho caracteriza-se por um credencialismo que
remete para segundo plano o conhecimento e as formações escolares, fazendo da escola regular não a agência
formadora de mão-de-obra, mas uma mera distribuidora de certificados.” (p. 36-37).
VII
mão-de-obra barata e com pouca formação. Ou seja, o currículo deve apenas informar a não
formar a massa .
Apesar do modelo neoliberal basear-se na desigualdade social, a escola vende a idéia
de que o sucesso depende do empenho e desempenho de cada um, reforçando a lógica de que,
numa sociedade moderna, só vencem os melhores, e que, se o aluno não conseguiu atingir os
resultados esperados, a culpa não é da escola (ou da sociedade), mas dele, que não teve
competência para atingir os objetivos propostos.
A educação tem grande importância para o projeto neoliberal, pois legitima a
desigualdade (base do sistema econômico capitalista). Partindo do pressuposto que a educação
possibilita aos alunos as mesmas oportunidades, a educação prova que desigualdade é eticamente
justa, por ser uma opção individual. O maior problema é que esse discurso desmonta toda e
qualquer possibilidade de construção de um espírito solidário e cooperativo entre as pessoas,
acirrando cada vez mais a disputa e a competição, o que contribui para o reforço da ideologia
excludente pregada por esse modelo econômico.
A educação no Brasil
No fim dos anos 80 e 90, começaram a circular no meio educacional, palavras como:
qualidade total, modernização do ensino, adequação ao mercado de trabalho, competitividade,
eficiência e produtividade, fruto da ideologia neoliberal. Atribuiu-se à educação, a
responsabilidade de dar sustentação à competitividade do país, pois enquanto consenso mundial,
se disseminou a idéia de que para “sobreviver à concorrência do mercado, para conseguir ou
manter um emprego, para ser um cidadão do século XXI, seria preciso dominar os códigos da
modernidade”. (SHIROMA et alii, 2004, p. 54).
Documentos provenientes de organismos internacionais como: Banco Mundial (BM),
Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização Mundial do Comércio
(OMC), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Comissão Econômica
para a América Latina e Caribe (CEPAL), Associação Latino-Americana para o Desenvolvimento
Industrial e Social (ALADIS), propalaram soluções consideradas cabíveis aos países em
desenvolvimento, no que tange tanto à educação quanto à economia.
A partir da Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), realizada em Jontiem
(Tailândia), financiada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o PNUD e BM, ficou
VIII
8 Esse conceito refere-se àqueles conhecimentos teóricos e práticos, às capacidades, aos valores e às atitudes
indispensáveis ao sujeito para enfrentar suas necessidades básicas em sete situações: 1) sobrevivência; 2)
desenvolvimento pleno de suas capacidades; 3) vida e um trabalho digno; 4) participação plena no
desenvolvimento; 5) melhoria na qualidade de vida; 6) tomada de decisões informadas; 7) possibilidade de
continuar aprendendo. (SHIROMA et alii, 2004).
9 Essas proposições também foram explicitadas no Consenso de Washington (1989), reunindo nos EUA, técnicos
do BM, do FMI e do BIRD, com o objetivo de discutir as reformas econômicas e educacionais que deveriam ser
adotadas pelos países em desenvolvimento.
10 A partir desse plano, o Brasil traçou as metas locais (contemplando aspectos referendados no acordo firmado em
Jontiem), acenando aos organismos internacionais que o projeto educacional por eles prescrito seria aqui
implantado.
IX
11 A Década da Educação consiste num documento que apresenta uma série de propostas para a educação brasileira,
para serem cumpridas a partir da publicação da LDB e num prazo de dez anos, como: matrícula de todos os
educandos no Ensino Fundamental a partir dos 7 anos; oferta de cursos presenciais e a distância aos jovens e
adultos insuficientemente escolarizados; realização de programas de capacitação para todos os docentes em
exercício; integração de todos os estabelecimentos de educação fundamental no sistema nacional de avaliação do
rendimento escolar; esforço no sentido de transformar as escolas da rede urbana em escolas de tempo integral;
admissão somente de professores habilitados em nível superior ou pela escola normal.
X
ideológica do capital” (CRUZ, 2003, p.16), ideais como: igualdade de oportunidades, participação
e autonomia, passam a ser subordinados à lógica racional do mercado, e as reformas na área
educacional ficam reduzidas ao cumprimento de objetivos que atendem, prioritariamente, ao
imperativo econômico.
No entanto, uma forma de se romper com esse ciclo de crueldades e de marginalização
social imposto pela lógica neoliberal, é acreditar e lutar por um outro modelo de educação; uma
educação comprometida com a formação de indivíduos críticos e conscientes do seu papel social,
pautada na construção democrática e no diálogo.
A Educação Popular surge em contrapartida a esse modelo de educação neoliberal;
fundamenta-se nos princípios de uma educação emancipatória e humanizadora, em que a razão
de ser do ato de educar não é apenas capacitar os indivíduos (por meio de transferência de
conhecimentos) a viverem e se adaptarem ao mundo em que vivem, mas torná-los conscientes.
Atribuir à educação uma finalidade utilitária, destinando-a a formatação e adaptação das pessoas à
sociedade, é algo muito cruel. “Ainda que represente uma escolha de saberes, de sentidos, de
significados, de sensibilidades e de sociabilidades, entre outras, a educação não pode
preestabelecer de maneira restrita modelos de pessoas”. (BRANDÃO, 2003, p. 21).
A Educação Popular é uma proposta educacional voltada aos interesses populares
(produzida pelas classes populares ou para as classes populares 12 ) visando, fundamentalmente, a
ser uma educação democrática, ou seja, propiciar maior conscientização aos excluídos da
sociedade, para que lutem pela garantia dos seus direitos como cidadãos. Suas práticas estão,
predominantemente, voltadas para o exercício da cidadania, para a afirmação e o desempenho do
papel que as classes populares deveriam assumir no cenário político e social.
A implementação de uma educação comprometida com a mudança social tem um
importante papel a cumprir, pois auxilia na promoção e aquisição de saberes e competências
necessárias, para que as pessoas possam participar dos processos de deliberação e de tomada de
decisões na sociedade, resgatando o direito de ser cidadão na plenitude da palavra. Investir numa
educação que se alinhe com os interesses e os projetos sociais dos menos favorecidos, que
promova o desenvolvimento de sujeitos com capacidade de analisar criticamente a realidade e
transformá-la, é urgente, principalmente quando se deseja construir uma sociedade digna e
humana, que privilegie o “ser” em detrimento do “ter”.
12 Classes populares são aquelas que vivem uma condição de exploração e de dominação no capitalismo, sob
múltiplas formas. Exploração que se liga tipicamente à atividade produtiva, mas se produz e se reproduz em outras
dimensões do processo econômico, como nos planos social e político. (WANDERLEY, 1986).
XII
Referências bibliográficas:
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. Campinas, SP: Autores
Associados, 2001. v. 56. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1998.
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trabalho e educação. Revista Educação & Realidade, v. 20, n.1, jan./jun. 1995.
GADOTTI, Moacir. A educação contra a educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
McLAREN, Peter. Traumas do capital: pedagogia, política e práxis no mercado global.In: SILVA,
Luiz Heron (Org.). A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
SOUZA, Regina Magalhães de. Escola e Juventude: o aprender a aprender. São Paulo:
Educ/Paulus, 2003.