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Esse sucinto artigo procura desenvolver uma breve reflexão sobre algumas leituras em
torno do governo de Lázaro Cárdenas (1934-1940), importante período da história mexicana.
Houveram interpretações sobre o sexênio cardenista tanto de contemporâneos quanto pela vasta
produção historiográfica que se debruça sobre esse período. O intento do presente texto não
está em defender ou criticar as visões produzidas, mas em apresentar algumas delas como uma
tentativa de incentivar o debate sobre as diferentes leituras que um mesmo período histórico
pode ter. Dada a impossibilidade de abarcar as diversas linhas interpretativas existentes, optei
por centrar-me aqui na discussão sobre o possível caráter populista do regime cardenista.
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Mestranda em História pela Universidade Federal do Ceará, bolsista CAPES.
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Ainda de acordo com o mesmo autor, uma das características essenciais que define o
Estado mexicano é a política de massas, a qual seria “un resultado histórico de la gran
conmoción política, económica y social que constituyó la Revolución Mexicana de 1910-1917”
(Córdova, 1979, p. 14). Visão partilhada também por Graciela Bensusán e Kevin Middlebrook,
para os quais a entrada do movimento operário na política nacional esteve entre as
consequências mais importantes da Revolução Mexicana. Esse é, com efeito, um ponto basilar
do governo cardenista, que suscitou um sem número de críticas e interpretações a respeito das
relações estabelecidas entre o Estado e as denominadas “massas”.
Córdova defende que apesar das camadas populares terem surgido na cena política
através da Revolução, elas apresentaram grande debilidade em se organizar e por isso teriam
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Como demonstra Ival de Assis Cripa, no livro A ideologia da Revolução Mexicana, a formação do novo
regima”, Arnaldo Córdova defende a Revolução Mexicana como uma Revolução populista, que teria terminado
com o fim do sexênio cardenista. Para ele, a Revolução Mexicana não pode ser considerada uma revolução social,
pois “uma verdadeira revolução social começa com a tomada do poder político e se realiza como tal, abolindo o
sistema de propriedade pré-existente e instaurando um novo” (Córdova, 1973, p. 32)
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sido manipuladas por um Estado autoritário. Assim, “Córdova atribui ao Estado o papel de
sujeito histórico, por excelência, em função do atraso da sociedade mexicana; toma as classes
populares como débeis e as classes dominantes como dependentes3” (Cripa, 2009, p. 05) No
entanto, acreditamos ser necessário romper com o entendimento que pressupõe a
irracionalidade e a debilidade das camadas populares que, por certo, se constituíram como
sujeitos históricos que exerceram ações políticas, estabeleceram uma dinâmica e um
intercâmbio com os detentores do poder público4. Além disso, parece-nos fecundo pensar as
realidades latino-americana dos anos 30 em termos de uma cultura política5 que surge como
resposta a determinados problemas, eventualmente semelhantes nos diferentes países. Segundo
Maria Helena Rolim Capelato “A crise do liberalismo e da democracia, após a Primeira Guerra
Mundial, abriu caminho para as correntes de pensamento antiliberais que defendiam a
necessidade da presença de um Estado forte, intervencionista, capaz de promover o progresso
dentro da ordem” (Capelato, 2001, p. 127). A incorporação das massas ao âmbito político foi
considerada como solução viável a fim de evitar a radicalização das mesmas diante da crise
econômica e política dos anos 30. Portanto, a resposta de cada país a conjuntura interna e
externa em que se encontravam direcionou a construção de governos com características
específicas e outras compartilhadas; estudá-los requer analisar, por exemplo, os antecedentes
históricos de cada regime, a dimensão dos conflitos sociais e políticos desenvolvidos em
determinada sociedade, as reivindicações anteriores feitas pelos setores populares, etc.
(Capelato, 2001, p. 163)
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“A Revolução Mexicana, para Córdova então, define-se, não como uma revolução social, mas como uma
Revolução Populista. (Córdova, 1973:33). Uma revolução que não buscava eliminar a “dependência” econômica
do México em relação as potências imperialistas e sim modernizá-la”. (Cripa, 2009, p.04)
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Segundo Maria Helena Rolim Capelato, “na década de 1980, passaram a ser questionadas as teses que apontavam
para a fragilidade e a inconsciências das classes trabalhadoras” (Capelato, 2001, p. 143)
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De acordo com Serge Berstein (2009), a cultura política surge como uma resposta da sociedade a grandes
problemas e crises. Destarte, a C.P pode ser considerada uma espécie de reação de um grupo diante de um
acontecimento (ou um conjunto de acontecimentos) que movimentam as estruturas e o cotidiano do ambiente
social em que vivem. Como exemplo o autor cita o surgimento das culturas políticas republicana e tradicionalista,
que seriam uma resposta à crise de 1789 a 1815, assim como o nascimento do socialismo e do liberalismo
conservador, que vem em resposta as mudanças desencadeadas pela Revolução Industrial do século XIX.
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cardenista passa pelo entendimento da Revolução Mexicana. Segundo Cripa, “Cárdenas, para
se eleger e obter apoio popular, durante seu governo, remetia-se aos emblemas e signos da
Revolução Mexicana, que eram elementos que tinham forte apelo no imaginário social das
massas” (Cripa, 2009, p.06). Rafael Pavani da Silva também propõe a análise do cardenismo
dentro das balizas estabelecidas pela Revolução Mexicana, analisa as formas de mobilização
pelas quais passaram as memórias do período revolucionário dentro dos discursos de Lázaro
Cárdenas, a fim de legitimar seu poder. Afirma que
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Confederación General de Obreros y Campesinos de México, formada em 1933, abarcando grupos autônomos e
os sindicatos que abandonaram a CROM (Confederación Regional Obrera Mexicana) com Vicente Lombardo
Toledano a frente.
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Estrutura especializada na administração pública para a regulação das relações entre patrões e operários, formada
com a presença de representantes operários, empresariais e governamentais
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son de carácter social y se desarrollan dentro del marco de la ley, para obtener las
ventajas económicas, dentro de las posibilidades de las empresas productoras y al
amparo de un gobierno que ha venido pugnando porque se establezca el equilibrio
social sobre la base de relaciones justas entre el capital y el trabajo, que es el
fundamento único de un buen entendimiento.”
Esse discurso, por si só, deixava explicita, a partir do caso de Monterrey, a postura que
Cárdenas tomava em relação aos conflitos operário-empresariais. Ainda por ocasião desses
conflitos, Cárdenas discursa para a classe empresarial dando origem a um importante
documento conhecido como “Los Catorce Puntos”, também publicado no periódico oficial El
Nacional. De acordo com Janes Walter, esse documento incluía tanto os postulados
manifestados por Cárdenas para todos os envolvidos no embate de Monterrey como era uma
síntese da política trabalhista do Estado, marcando as pautas das relações Estado-trabalho-
capital para todo o país.
Nele, Lázaro não nega a presença de pequenos grupos comunistas no país, mas afirma
a existência dos mesmos em vários países do mundo e defende que a ação desses grupos no
México não comprometia a estabilidade das instituições, não deveria assustar nem ao Governo
nem aos empresários. Por fim, declarava que os comunistas não causavam mais danos que os
fanáticos que assassinavam professores e que se opunham ao cumprimento das leis e do
programa revolucionário. Assim como esses elementos eram tolerados, os comunistas também
o deviam ser. Dois pontos indicam de sobremaneira a importância do conflito em Monterrey e
desse documento construído a partir dele. Lázaro Cárdenas determina que “el gobierno es el
árbitro y el regulador de la vida social” e que “los empresarios que se sientan fatigados por la
lucha social, pueden entregar sus industrias a los obreros o al Gobierno. Eso será patriótico; el
paro no.”
Luís Cabrera, intelectual ativo no cenário político mexicano desde o período das lutas
armadas, em seu estudo denominado “Revolución de Entonces e Revolución de Ahora”,
distingue “duas revoluções”: uma, inicada por Francisco Madero, concretizada por Venustiano
Carranza e cristalizada pela Constituição de 1917 (a revolución de entonces) e outra, “de ahora”,
que visava destruir aquela Constituição e implantar um regime comunista, posto que não
respeitava a propriedade privada e procurava tornar o ejido um sistema permanente e não
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transitório, como havia sido pensada pelos “verdadeiros revolucionários”. Já Vicente Lombardo
Toledano, líder sindical de tendência marxista, num artigo publicado na revista O trimestre
econômico, em 1934, faz uma análise do Plano Sexenal, importante documento do regime
cardenista. Nele, Toledano afirma que esse plano de governo – impreciso e contraditório –
possuía tendências fascistas, pois “toda economía dirigida o planificada, toda economía
intervenida por el Estado, que descansa en la propiedad particular, es um régimen fascista.”.
Toledano mostra que o Plano Sexenal não é um plano revolucionário, pois
“las asociaciones y los partidos avanzados del mundo enterro estiman que
la revolución debe consistir en transformar el régimen de la producción económica,
basado en la propriedad privada, en un régimen en el que la propriedad de las fuentes
y de los instrumentos de la producción pertenezcan a la coletividad. Suprimir la
propriedade privada, socializarla es, en consecuencia, el principio de la revolución
social”
Acredito que essas interpretações divergentes acerca do período variam de acordo com
a análise das políticas adotadas e são formuladas tanto por conservadores, quanto por liberais e
grupos da esquerda. Assim, por exemplo, uma parte dos estudiosos críticos do cardenismo
alegam que o governo de Cárdenas é socialista devido a rápida e extensa reforma agrária, a
implementação da educação socialista e ao intervencionismo estatal. Segundo eles, essas
medidas iam na contramão de alguns princípios da democracia liberal, como a defesa da
propriedade privada, do individualismo e da liberdade de pensamento. Para outra corrente
crítica do período, de filiação marxista, o cardenismo consistia na continuação de regimes
anteriores que levavam a cabo os interesses da burguesia, desenvolvendo o mercado interno em
prol do capital. Assim, é uma ampla discussão que se estende e aqui procurei apenas pontuar
alguns aspectos desse tema tão caro a história mexicana.
Bibliografia
DELABRE, Raúl Trejo. História del movimiento obrero en México, 1860-1982. In:
História del movimiento obrero em América Latina. México. Siglo XXI, 1984. p. 11-81
MEYER, Lorenzo. Las raíces del nacionalismo petrolero en México. 2ed. Editora
Oceano. México. 1972.
Fontes