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 Justiça e direito.

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 O pensamento dos filósofos na Idade Média. ✔️
 O costume como fonte do direito. ✔️
 A legislação régia. ✔️
 Humanismo Jurídico e outras correntes do pensamento jurídico dos séculos
XVII e XVII. ✔️
 Jusracionalismo e o exercício do poder. ✔️
 Direito Prudencial, Leis Imperiais. ✔️(falta leis imperais)
 Hierarquia das leis e do direito subsidiário nas Ordenações. ✔️
 Lei da Boa Razão e a Reforma dos Estatutos da Universidade. ✔️
 O Liberalismo e a Codificação do Século XIX.
 A importância do humanismo jurídico para o Direito Penal. ✔️

Justiça e direito

No período medieval acreditava-se que a sociedade só poderia ser justa se os indivíduos
que a compunham fossem justos. É assim necessário compreender que, para o homem
medieval, a necessidade de “salvar almas” é a maior prioridade, por ser esta o “bem
comum”.

A salvação de almas só poderia ser concretizada através da virtude, entendida com o
hábito de praticar o bem, o vício será o inverso (o hábito de praticar o mal). A virtude
era uma garantia da própria justiça pois, quem praticasse o bem merecia mais o bem do
que quem praticasse o mal. Entende-se assim, portanto que a Justiça será a “defesa do
bem comum” e é ainda vista como “habitus operativus bonus”, o hábito do bom
orientado para a ação;

A idade média não teorizou o direito como um complexo autônomo, concebendo-o


antes enquanto função de justiça. A justiça foi para os homens dessa época o
fundamento da vida social. Sem ela era impossível uma convivência organizada, a
manutenção de uma comunidade política, o povo em forma de grupo humano.
Justiça é a fonte e o fim do Direito

 O Direito só existe porque existe a Justiça – o que é justo é Direito, que existe
em função da justiça para a concretizar 10
 Álvaro Pais: Partidas – Direito brota da Justiça e têm a mesma natureza
 Se for injusto, Direito Nulo, não existe Direito

Esta sociedade era teológica (atribuía a tudo uma dimensão metafísica ou espiritual), daí
que a definição de justiça era mais importante que a noção de direito, que se vê reduzido
a uma mera ferramenta na obtenção da justiça.

A função do rei é manter a justiça e é isto que o mantém no cargo.

Justiça Objetiva – corresponde a um padrão de conduta (à imagem de Deus – a justiça


humana era um reflexo da divina); forma de retidão plena e normativa. É inalterável e
mantém-se inalterada, postulando sempre as mesmas condutas mas com que critério?
Não o do Santo nem o do criminoso, sim o do Bonus Pater Famílias – ideia do homem
médio, relacionado com o comportamento padrão do próprio sujeito e alcançável por
todos (Bonus Pater Familia = homem médio, membro da comunidade diligente e correto
para a situação – comportamento que se pauta pela razoabilidade)

Justiça Subjetiva tem várias modalidades, tais como:

 Justiça Universal: Complexo de virtudes. Discurso partilhado na época: ''somos


feitos à imagem de Deus'', temos a capacidade de chegar perto da perfeição.
Aspeto intersubjetivo, realização da minha própria essência. A ideia do homem
justo como homem perfeito conduziu à concepção de justiça enquanto virtude
universal, esta era um conceção conforme o pensamento greco-romano e o
pensamento judaico-cristão, como Santo António ensinava o culto da justiça era
“o supremo bem nesta vida”; Daí surge a esta modalidade que é vista como um
“exercício da virtude completa por ser exercida pelo indivíduo em relação a si
mesmo e ao próximo; a justiça é sempre observa em relação ao outro, mesmo
partindo de uma perspetiva íntima, autocentrada que tem necessariamente uma
relação, uma contrapartida noutro ser humano”

 Justiça Particular: Virtude específica. Ideia transmitida por Ulpiano nas suas
instituições, em que se afirma que a Justiça é a perpétua e constante vontade
de atribuir a cada um o seu. A justiça pressupõe, para a determinação do seu
conteúdo, um ato deliberativo que assenta na consideração do seu, como sendo
algo ordenado aos fins de alguém. O “seu” seria tudo quanto necessário à
realização do fim do Homem (físico ou metafísico), ditado pela Natureza
respetiva e tudo o que lhe é útil apenas lhe ser devido enquanto não prejudica os
demais. A natureza da justiça seria uma vontade constante e o propósito desta a
atribuição do seu a cada um. O meio de atribuição a cada um o que é seu é o
direito.

A justiça conduz-me para a ação devida. Só me posso conduzir se souber que ação é
essa. A justiça precisa de uma outra virtude que pressupõe o exercício deliberativo - A
Prudência.

Modalidades de Justiça Particular:

 Justiça Comutativa: a justiça que se usa na relação entre iguais, na mesma


situação. Justiça que facilmente associamos a um direito privado, à
responsabilidade civil. Justiça sinalagmática (palavra que provém do equilíbrio)

 Justiça Distributiva: A justiça que tem em conta as desigualdades naturais entre


as pessoas; Relação de justiça com aqueles que não estão no mesmo plano que
nós.
Pensamento de Álvaro Pais:

Dificuldade: Decidir o caso. Como sei que aquele prudente tem razão? Surgem critérios,
mas que têm que ser utilizados (Justiça Objetivo). Ex: Critério Divino. Mas se o seguir,
um Santo não pode ser modelo por não estar ao alcance de todos. Vai surgir a ideia de
''ser médio'', aquele que age com a diligência média. É um tipo, um comportamento
ideal. O que há de fundamental? A racionalidade de atuar.
Que consequências tem? O de afastar qualquer fonte cuja utilização no caso irá conduzir
a um resultado tido por injusto, que põe em causa a Bem Aventurança eterna. A
injustiça da lei vai ser aferida apenas no caso. Se isso vale para a lei do rei, vai valer
para todas outras fontes.

Se tenho uma Pluralidade de Fontes, como faço? Há uma hierarquia de fontes? Não. O
Mais parecido surgirá apenas em 1486. Não há nem é necessário que haja porque as
fontes são apenas um instrumento para impor uma solução Justa.

O pensamento dos filósofos na idade média

A justiça é vista como a virtude das virtudes. Seguir a justiça, quando se tem um órgão
de soberania, é uma obrigação não só por salvação da sua alma, mas na cidade onde
exerce o poder. Assim, atinge-se a Bem-aventurança eterna. Tal marca também o
Direito.

As Modalidades de Justiça (São Tomás de Aquino e Santo Agostinho);

São Tomás de Aquino: sublinha 3 aspetos sobre a justiça “o objeto da justiça é o


direito, ou seja, o que é exequível, o que é devido”; “a justiça faz relação a outro por
isso o constitutivo essencial dessa virtude é a alteridade (ninguém é justo consigo
mesmo, mas sim com os outros)” e que “a justiça se fundamenta na igualdade”.
Produziu, portanto, o seu pensamento com base em Aristóteles para o qual as normas
foram as leis a julgar e a punir por elas. Para além de fazer referência á justiça
comutativa e distributiva São Tomás apresenta a modalidade “Geral” (aquela que diz
respeito, imediatamente ao bem comum, e mediatamente aos particulares prendendo-se
com o que é devido à sociedade pelos seus membros);

Santo Agostinho: “onde não há justiça não existe sociedade”, seguindo as concepções
de que a justiça é o hábito de alma ou a virtude pela qual uma pessoa da cada um o que
lhe é devido, apresentado as suas noções por exemplo de virtude (amor que é devido a
Deus) fiando-se no Novo Testamento, ou seja, para “viver justamente” há que amar o
próximo e elucidá-los perante a virtude

O direito suprapositivo é todo aquilo que está acima do Homem, sendo produzido por
Deus. Este direito é dividido em duas grandes categorias:
 Direito Natural -

 Direito Divino - A idade média é Teocêntrica (tal só mudará no séc. XVII). Uma
das fontes de Direito é o divino, ultrapassa o homem, confunde-se com os
próprios ditames que Deus transmitiu ao Homem. Sei que é o Direito que emana
de Deus, mas como é que o Homem o recebe? Como é conhecedor deste Direito
para o aplicar na sociedade?

Santo Agostinho:
 A Lei eterna é a razão vontade de Deus que manda conservar a ordem natural e
proíbe que a mesma seja perturbada. É a razão e a vontade de Deus, que criou
todas as coisas, nomeadamente o Direito justo, inscrito nos homens, permitindo
a todos o bem do mal, o justo do injusto, o certo do incerto, o devido do
indevido. Praticamente todos os homens têm esta capacidade, mesmo os que
praticam os atos mais hediondos, mesmo os que não pertencem à Igreja. A lei
eterna é apreendida pelo coração humano e influencia a vontade de agir do
Homem.
 A lei humana é a razão de Deus inscrita no coração de todos os homens. O
Homem põe-no em prática através da atividade política. Direito próprio de cada
comunidade, diferente em função das circunstâncias espaciais dessa comunidade
em concreto. É limitada pelo Direito natural.
 Direito natural: existe acima do Direito positivo, ou seja, está num plano que
transcende os homens. Funda-se na lei eterna. É um Direito justo por natureza e
padrão de validade do Direito positivo. É o direito que Deus inscreve no coração
dos homens.

Se o Direito natural, que transcende os homens, funciona como padrão de validade


ao Direito dos homens, então limita a atividade do Rei como legislador (e como
governante). Se o Rei faz uma lei desconforme com o Direito natural, essa não é
uma boa lei, mas uma lei injusta. A lei natural é imutável (pois não tem origem no
homem) e vincula todos.

São Tomás de Aquino:

São Tomás de Aquino considerava que existiam quatro tipos de leis:


 Lei eterna: razão de Deus. É o fundamento último do Direito. Se Santo
Agostinho a define como “razão e vontade de Deus que impõe uma ordem no
mundo e impede que ela seja desrespeitada”, São Tomás prefere “razão de Deus
ordenadora e governadora de todas as coisas”. O Doutor Angélico, um
racionalista, suprime a referência à vontade de Deus propositadamente. As
conceções destes dois autores ilustram o debate de séculos: o Direito é produto
da vontade (juspositivismo) ou da razão (jusnaturalismo)? Ou seja, basta que o
Direito seja feito pela autoridade competente, ou a lei tem de ter determinado
conteúdo? Para São Tomás de Aquino, a vontade não basta, nem é determinante
para criar Direito. Importa mais a substância que a forma. Por isso o Direito,
para o ser, tem de ter determinado conteúdo, tem de ser conforme ao Direito
natural, que se funda apenas na razão de Deus. Se a vontade é contingente, a
razão impõe sempre os mesmos comportamentos. Para Santo Agostinho, os
homens são razão e vontade, mas Deus não conhece a tensão entre as duas. Deus
é razão.
 Lei natural: participação da lei eterna na criatura racional. Se para Santo
Agostinho a lei natural era a “inscrição de Deus no coração dos homens”, para
são Tomás é a “participação da lei eterna (razão de Deus) na criatura racional
(homem), que lhe permite distinguir o bem e o mal, o justo do injusto, o devido
do indevido”. Diz-nos Santo Agostinho que Deus inscreve no coração dos
homens três tendências: a de proteger o próprio ser, a de proteger a própria
espécie e a de viver em sociedade. Para São Tomás, estas tendências inatas são a
participatio da lei eterna na criatura racional, que lhe permite distinguir o bem
do mal.
 Lei divina: parcela da lei eterna revelada aos homens. Tem a mesma natureza
que a lei natural, estando as duas no mesmo patamar e sendo ambas limite ao
Direito positivo. Todavia, enquanto a lei divina foi expressamente revelada, para
que o homem, sem dúvidas ou hesitações, pudesse orientar os seus
comportamentos, a lei natural exige um esforço racional do homem para a
descoberta dos seus preceitos. A fonte principal da lei divina são as sagradas
escrituras.
 Lei humana: feita pelos homens e para os homens, deve conformar-se às leis
divina, natural e eterna. Fazendo apelo à visão aristotélica de justiça como rainha
das virtudes, e sendo a justiça orientada para o bem comum, São Tomás defende
que a prossecução da justiça deve ser o fim último da lei humana.

O costume como fonte de direito

O costume pode definir-se como a repetição habitual de uma conduta havida por
juridicamente vinculante, tendo sido muito importante nesta época como visa a
expressão “Costume he desy direito”.

No primeiro período (período pluralista) o costume é a principal fonte de direito,


surgindo como a mais antiga delas. Para tal contribui:
 A insuficiência da lei e o facto de ela ser bastante lacunosa;
 Os nossos reis, estão, essencialmente, voltados para outros assuntos e, por isso,
não existia um aparelho de autoridade, administrativo ou burocrático,
relativamente forte e desenvolvido.
 A impossibilidade de se aplicar um Direito tecnicamente aperfeiçoado.
Não é uma característica do costume ser oral, costumavam ser passados a escrito. Esta
era a fonte de direito por regra nas sociedades medievais. O costume nas sociedades
antigas estava associado à identidade cultural de cada uma. Isto resultava do fenómeno
da autonomização das próprias sociedades, algo que era reconhecido pelo direito
canónico e pelo direito romano. A função do rei era combater os maus costumes muitas
das vezes de extrema violência e irracionais. O rei fazia isto através A ideia de razão
aplicada ao direito vem destes teóricos medievais servir de instrumento critico em
relação a práticas sociais consideradas irracionais. Esta irracionalidade é manifestada
nos ordálios medievais. A representação da razão estava no direito romano e no direito
canónico que poderia limitar a amplitude daqueles costumes. Os reis proibiam muitos
destes costumes, criando novas instituições. A política de afastação dos costumes locais
é também feito por juízes da curtia régia que julgam estes processos.

Se o costume, à medida em que vai sendo acolhido noutras fontes, perdia o caráter
específico para assumir, total ou parcialmente, a feição destas quanto à obrigatoriedade,
foi também, não obstante, adquirindo generalização crescente. Por um lado, resultou
isso da comunidade de costumes decorrente das famílias de forais e estatutos. Por outro
lado, do âmbito da aplicação mais ampla das fontes de absorção, como a lei. Ao dizer-se
que o costume vai adquirindo generalização crescente de forma alguma se pretendia
contestar que ele mantinha, não obstante e em larga medida, caráter restrito ou
particular.

Para se ser fonte de direito, não basta a existência de costume. A doutrina apontou
determinados requisitos para que o costume pudesse valer como fonte de direito:

 Antiguidade – Período durante o qual a prática foi realizada; o tempo


necessário, apontado pela doutrina, para que o costume possa ser observado e
seja suscetível de resolver casos da vida, é 10 anos se for invocado contra pessoa
presentes e 20 anos se for invocado contra pessoas ausentes.

 Consensualidade – Respeito dada à norma pela generalidade da população. O


costume tinha de ter o consenso da comunidade e do legislador, o que, à época,
era uma e a mesma pessoa, na medida em que era a comunidade quem
introduzia o costume, logo, requeria-se o consentimento da maioria.
 Racionalidade – Correspondência do costume com o Direito Natural
Valor jurídico do Costume

 Na falta de lei, o costume aplicava-se como lei.

 O costume funcionava também como intérprete da lei ou como confirmador


dela, não faltando leis que lhe aatribuíam igual força.

 O costume podia também ser integrado nas lacunas dos foros, corrigi-los ou
mesmo revogá-los.

O costume pode ser introduzido pela comunidade, mas também pode ser introduzido
pelo próprio tribunal, que vai criar as próprias regras. Questão interessante é a relação
entre o costume e o direito judicial, ou seja, a ação criativa do direito pelos tribunais
quando se deparam com o caso concreto, a forma como aplicam o costume nos
tribunais.

Assim, o tribunal pode criar as suas próprias regras de organização e funcionamento,


como por exemplo, quantas testemunhas é que vão ser ouvidas, como é que as partes se
comportam perante o tribunal, se devem comportar-se através de um documento escrito
ou oralmente, entre outras. Resumindo, o tribunal pode criar regras de conteúdo
processual. A isto se chama o estilo.

Enquanto o costume é introduzido pela comunidade, ou seja, há uma prática reiterada da
comunidade, o estilo resulta de um determinado pretório (juiz), ou seja, é uma prática
reiterada dos tribunais que são chamados a resolver casos da vida, criando preceitos de
Direito Processual e de Direito substantivo.

A façanha é um julgamento sobre uma ação fora do comum, que fica como padrão
normativo para o futuro. Eram decisões de tal forma complexas que se entendia que
deveriam passar a funcionar como um padrão de referência para o futuro (regra do
precedente britânico).
No entanto, José Anastácio de Figueiredo vem defender que a façanha é de facto um
julgamento por exemplos e funciona como padrão normativo para o futuro, por ser uma
decisão régia e por só se aplicar a casos duvidosos ou omissos na legislação pátria,
querendo isto dizer que apenas poderiam resultar da resposta a casos que não tinham
sequer tutela na legislação geral. O que é facto é que se olharmos para muitas das
façanhas que estão hoje disponíveis, vemos que muitas delas não são decisões do Rei e,
portanto, José Anastácio Figueiredo não tem razão.

À semelhança do estilo, a doutrina dominante entende que só a façanha de um tribunal


superior é que era vinculativa, sendo a de um tribunal inferior meramente indicativa.

Alvidros ou juízes alvedrios

São decisões de tribunais arbitrais. As partes designam livremente juízes árbitros, que
julgam no âmbito dos poderes que por elas são conferidos. Eles são escolhidos, em
regra, para resolver questões céleres, normalmente, relativas à atividade mercantil ou
marítima.

As decisões dos juízes alvedrios sustentavam-se no costume e poderiam ser aplicadas


futuramente por outros juízes, já que os juízes alvedrios eram pessoas com grandes
conhecimentos nas áreas para as quais eram chamados a proferir decisões.

Da decisão destes juízes alvedrios, havia a possibilidade de recurso para os tribunais


superiores, nomeadamente, para a Cúria Régia, o que significa que a justiça ficava feita
em primeira instância.

A legislação régia

Aos poucos foi-se processando crescente atividade legislativa dos nossos monarcas. Por
outro lado, este na luta pela supremacia e pela superioridade jurídico-política da Coroa,
vai assumindo e reclamando para si o monopólio legislativo e o papel de árbitro entre as
diversas ordens jurídicas em presença.

Iniciou-se a marcha lenta, mas segura, para monopolização do direito positivo pelo
príncipe. A função legislativa, o poder legislativo, torna-se do rei. Decerto, ela será
também exercida na cúria/conselho régio e ou pelas cortes juntamente com o rei. As
cortes e, por vezes, os municípios e outras formas de organização política conseguirão
delimitar relativamente a esfera de competência legislativa dos soberanos em razão da
matéria.

Em alguns casos, o rei não pode alterar ou revogar unilateralmente as leis. O seu poder
legislativo estava subordinado aos preceitos das outras ordens jurídicas, a começar pelo
direito divino e pelo direito natural.

Para se imporem e se fazerem respeitar pelos cidadãos da comunidade, as leis eram


normalmente elaboradas em cumprimento de determinados requisitos, argumentando-se
até que resultavam da verificação de todos ou de parte deles, nomeadamente:

 Vontade Régia: Invocava-se que a lei era resultado duma vontade régia.
 Conselho: Invocava-se que os conselheiros do rei, sábios nas matérias a legislar,
tinham sido ouvidos.
 Cortes: Invocava-se que resultavam de deliberações das cortes, o que as tornava
também de cumprimento obrigatório.
 Razoabilidade: Invocava-se que as leis eram elaboradas de acordo com a razão
 Antiguidade: Invocava-se que a lei correspondia a uma prática reiterada, antiga e
com convicção de obrigatoriedade.

Tornou-se, em suma, a fonte do poder e do direito. O progressivo crescimento da


legislação régia corresponde ao fortalecimento sempre constante do poder real, para o
que não pouco contribuíram os juristas educados na tradição e no culto do direito
romano justinianeu. Trata-se da direção ideológica contida no celebre princípio do que o
que aprouve ao príncipe tem força de lei.
O direito legislado volta como modo de formação do direito, desde o século. XI. A leis
portuguesas autonomizam-se do direito castelhano e germânico a partir do século XIII
em diante. A produção régia de direito positivo inicia-se em 1211 com o fortalecimento
da ideia de que a lei é produto exclusivo da vontade do monarca. E se a D. Afonso II
cabe a Glória de ter sido verdadeiramente o primeiro rei legislador português – é
notável, considerada em termos relativos aos seus predecessores, a sua elaboração e
normativa, sobretudo na Cúria de Coimbra de 1211.

Neste período as leis portuguesas foram proliferando e acabaram por ser compiladas em
duas grandes obras, nomeadamente o Livro das Leis e Posturas e as Ordenações de D.
Duarte.

1) Livro das Leis e Posturas: Esta obra agrupa, sem qualquer critério de
sistematização, as leis elaboradas entre os reinados de D. Afonso II e D. Afonso
IV.
2) Ordenações de D. Duarte

Humanismo Jurídico e outras correntes do pensamento jurídico dos séculos XVII e


XVII.

Este movimento surgiu nos fins do séc. XV e desenvolveu-se no séc. XVI, por oposição
ao Direito Prudencial, numa lógica de que o conhecimento só seria verdadeiro se
pudesse ser demonstrado.

Traduziu-se pela contestação e crítica da metodologia dos prudentes medievais e,


particularmente, dos seus maiores juristas.
O principal centro inicial deste movimento de crítica é França. Porém, cedo se propagou
pelo norte da Europa, principalmente por aqueles países que foram mais influenciados
pela Reforma Protestante e por Martinho Lutero. Este movimento também é designado
por Escola Culta, Escola Elegante, Escola Alciateia ou Escola Cujaciana.

 Ao nível do objeto de análise - Acusaram os prudentes de se terem limitado


ao estudo do Corpus Iuris Civilis, quando este não continha certamente o
melhor do direito romano. Também ele é uma deturpação, visto que o Digesto é
uma recolha em 50 livros de opiniões de juristas clássicos. Portanto, o Direito
que vai ser aplicado não é o verdadeiro direito romano que os romanos de Roma
usavam. Por outro lado, esse estudo era incompleto porque não sabiam grego e o
código justinianeu tinha uma estrutura histórica grega.
 Ao nível de linguagem - O movimento humanista critica toda a metodologia
medieval, todo o ensinamento do Direito efetuado pelas escolas medievais,
designadamente, pela Escola dos Comentadores, sendo que Bártolo é o principal
alvo de crítica. Para isso, vai basear-se em critérios de filologia. Alegam que os
prudentes fizeram uma deturpação dos textos romanos. Na opinião destes
humanistas, ao estudarmos e aplicarmos o Direito Romano através da opinião
dos juristas medievos, aquilo que estamos verdadeiramente a aplicar não é o
Direito Romano, é a opinião do jurista medievo com base nesse direito. Além
disso, o latim que se escreve e que se fala na Idade Média, não é o mesmo do
tempo de Justiniano, nem é o mesmo da Antiguidade Clássica. Era preciso fazer
uma tábua rasa de todos os ensinamentos dos juristas medievos sobre o Direito
Romano e demolir todas as suas opiniões baseadas nesse direito. Não nos
devemos apoiar no dogma da opinião, como mandam as Ordenações. O jurista
deve afastar todas essas opiniões que deturpam os textos romanos e deve
recuperar esses mesmos textos.
 Ao nível da veracidade de factos - Acusaram-nos de não se ter preocupado
com a veracidade das fontes jurídicas e não jurídicas dos trabalhos que
produziram e, portanto, de terem efetuado um trabalho com base em fontes
erradas, já que eles (humanistas jurídicos) tinham constatado que as fontes do
código justinianeu estavam erradas.
 Ao nível das técnicas utilizadas - Acusaram-nos de não terem técnicas de
raciocínio jurídico, tais como a filologia. Afirmaram também que para
ultrapassarem tal defeito, eles se basearam na autoridade dos doutores, quando o
que se deve promover é a liberdade de pensamento. Assim, os humanistas do
século XVI pretendem acabar com todo o trabalho das escolas prudenciais, com
o dogma da opinião, criticando Bártolo e a opinião comum dos doutores. Aquilo
que importa para os juristas do século XVI, reconhecendo a importância técnica
do Direito Romano, é retornarem à Antiguidade Clássica e lerem e interpretarem
livremente esses textos, de acordo com a sua razão. Estamos aqui perante um
novo movimento intencional de recuperação do velho/clássico Direito Romano.
Esta é uma forma de pensar Direito completamente nova. Isto está nitidamente
em contra círculo com aquilo que se passa em Portugal.

Humanismo Jurídico em Portugal

A verdade é que a nossa cultura jurídica pouco respirava da escola culta e não
conseguiu suplantar em definitivo o bartolismo. Neste mesmo período, lá fora pensa-se
humanismo jurídico e defende-se a libertação do Direito das glosas, dos comentários e
de todo o trabalho das escolas medievais. Procura-se a pureza dos textos romanos.
Enquanto em Portugal, Bártolo é a referência maior que tem expressão na própria lei
nacional, nas Ordenações do Rei.

Jusracionalismo e o exercício do poder

Escola iluminista- Podemos caracterizar o século XVIII como uma época em que se
produz uma enorme valorização da Razão humana. Contudo, isto não quer dizer que
no passado a Razão não tenha tido importância, de facto, quando falámos em São
Tomás de Aquino, por exemplo, percebemos que este era um autor racionalista por
entender que o Direito Natural era a participação da lei eterna na criatura racional que
lhe permitia descobrir preceitos primários e secundários. A valorização das ciências
humanas e naturais levam a que o método e a experimentação recebam grande
relevância. Por outro lado, neste período, a cultura vai-se secularizar. É o tempo da
fundação dos jornais, do surgimento dos centros de estudo, dos salões, da proliferação
das academias. A cultura e o saber ganham importância e, por isso, este século foi um
século de críticos e de demolidores.

Usus Modernus Pandectorum – Este movimento criticou a atividade dos prudentes e


adiantou a nova ideia de necessidade de atualização do direito romano. Esta escola de
pensamento baseava-se na ideia de que o direito das pandectas, isto é, o direito romano,
deveria ser aproveitado naquilo que tivesse de essencial à luz do direito natural e de
válido relativamente aos direitos nacionais. Portanto, o direito romano era subsidiário ao
direito régio, mas mesmo assim, só se deveria aplicar se estivesse atualizado. O único
direito romano a ser aplicado era aquele que era suscetível de aplicação moderna.

Escola Racionalista - Este movimento surgiu no século XVIII e corresponde à


manifestação jurídica do iluminismo, realçando a importância da razão, mas uma razão
humana diferente da que era considerada no séc. XII. A razão que deveria ser
considerada era a reta razão, iluminada pelo conhecimento humano e não pelo divino.
Este direito tem o homem como ponto de partida e como ponto de chegada. Isto
significa que o Homem entra na sociedade para salvaguardar um corpo de direitos de
que já disporia num hipotético estado de natureza. O Homem teria vivido
hipoteticamente num estado livre e a passagem para o estado de sociedade e a
constituição do ambiente político, designadamente, através de uma ideia de
pacto/contrato social, tem apenas por escopo salvaguardar esses direitos de que o
Homem já disporia no estado de natureza. Estes direitos são em termos essenciais a
liberdade, a segurança e a propriedade.

As principais manifestações desta razão encontravam-se descritas numa obra de Luís


António Verney, “O Verdadeiro Método de Estudar”, onde o mesmo critica a opinião
de Bártolo e a metodologia dos prudentes, adiantando ainda que os prudentes não
tinham aprofundado a história do Direito Romano, escondendo essa falha grave com a
imposição da sua autoridade.

Além disso, o autor critica todo o ensino, incluindo o ensino do Direito em Portugal,
considerando que ele está “ferido de morte”. Porquê?

 Para além de recuperar todas as críticas que o Humanismo fizera, o autor vai
dizer também que o ensino jurídico estava ele próprio obsoleto, porque estava
particularmente assente na argumentação silogística, no amor pedantesco às
citações dos juristas medievais, um método que o século XVIII não considerava
adequado.
 Criticava-se também a excessiva dependência do Direito Romano por parte dos
juristas.
 Havia um total e absoluto desconhecimento da história, portanto, os textos não
eram vistos nos seus contextos.

Lei da Boa Razão

Trata-se de uma Lei de 18 de agosto de 1769, inicialmente identificada, como os


restantes diplomas da época, pela simples data. Só no século XIX é que recebeu o nome
de Lei da Boa Razão e assim ficou conhecida para o futuro. É uma lei devida ao Rei D.
José I, sob o consulado de Marquês de Pombal.

Visava impedir irregularidades em matéria de utilização dos assentos e de utilização do


direito subsidiário, pretendia fixar normas precisas sobre a validade do costume e fixar
os elementos a que o intérprete podia recorrer para o preenchimento das lacunas.

Assim, veio consagrar as bases principais da legislação portuguesa e revela uma


profunda influência racionalista ao sujeitar a validade de qualquer fonte de direito,
incluindo o costume, ao critério da conformidade à Boa Razão.

O que é que a Lei da Boa Razão nos vem dizer quanto às fontes de direito?

o A primeira fonte que se deve aplicar é a Lei do Rei. Esta é a fonte primária
essencial.
o Segue-se o Estilo da Corte, que permanece como fonte de direito, mas para ter
essa natureza precisa de ser confirmado pelos assentos da Casa da Suplicação.
Os assentos são fontes de interpretação das leis. Os assentos produzidos pelas
relações subalternas podiam ser objeto de recurso para a Casa da Suplicação. Os
assentos produzidos pela Casa da Suplicação podiam ser objeto de recurso para
o monarca.
o O Costume permanece como fonte de direito de forma muito residual e
limitada. Para ser considerado fonte de direito, o costume tinha de ser conforme
à boa razão, não podia contrariar a lei e tinha de ter mais de 100 anos.
o Em casos omissos, isto é, na falta de Direito Pátrio, o Direito Romano
funcionava como subsidiário. Contudo, passa a estar absolutamente submetido
ao Usus Modernus Pandectorum, ou seja, o direito romano tinha de estar
trabalhado, moderno, conforme à boa razão e reconhecido pelas nações
europeias cristãs.
o Surge uma nova fonte de direito. No caso de lacunas sobre matérias políticas,
económicas, mercantis ou marítimas era permitido o acesso direto às leis das
“Nações Cristãs, Iluminadas e Polidas” da Europa, sendo o direito romano
liminarmente posto de lado.
o O Direito Canónico é relegado para as questões do foro espiritual, sendo
aplicado apenas nos tribunais eclesiásticos. Deixou de ser fonte subsidiária de
direito. Ele passa a poder ser aplicado na sua vigência apenas em 4 situações:
 Se a Lei do Rei remetesse para ele;
 Nos casos em que os seus preceitos fossem aplicáveis pelo uso das nações
civilizadas e polidas da Europa, em correção do próprio Direito Romano;
 Se não fosse possível recorrer a outros ordenamentos;
 Nos casos em que os ministros tenham necessidade de conhecer o Direito
Canónico para obviar aos próprios abusos dos juízes eclesiásticos que
consideram aquela questão do foro espiritual;

A Reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra

Percebeu-se também que não era possível alterar a aplicação do Direito, sobretudo, não
seria possível fazer relevar a Lei relativamente ao Direito Romano, se na Universidade
se continuasse a estudar apenas Direito Romano. O ensino do Direito precisava de ser
profundamente reformado.

A Reforma da Universidade vai ser precedida, logo em 1770, da criação de uma Junta
de Providência Literária. O papel deste conjunto de especialistas seria verificar o
estado da Universidade para depois se fazer um diagnóstico seguro. Ela foi incumbida
de emitir um parecer sobre as causas da decadência do ensino universitário e de obter
propostas adequadas à sua reforma.

O veredicto a que chegou a Junta era previsível: a responsabilidade pelo estado em que
se encontra o estudo em Portugal, particularmente, do estudo do Direito, é clara e é
atribuída aos Jesuítas. Por consequência, os jesuítas são expulsos do país e a
Universidade de Évora é encerrada. O estudo do Direito permanece, assim, restrito a
Coimbra, que deverá ser reformado.

Essa comissão apresentou no ano seguinte (1771) um relatório circunstanciado, com o


título de Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra, onde criticou de forma
implacável a organização do ensino existente e propôs a aprovação de uns novos
estatutos, também denominados de Estatutos Pombalinos, os quais havia elaborado e
que vieram efetivamente a ser aprovados por uma Carta de Lei de 28 de agosto de 1772.

Assim, uma das primeiras ordenações que o Rei vai fazer nos Estatutos é estabelecer a
idade mínima para que se pudesse ingressar nos estudos jurídicos: 16 anos completos.

Além de se fixarem as condições de ingresso, também se atentou no que seria


necessário para que os estudantes candidatos pudessem ser previamente bem instruídos.
O capítulo II refere que disciplinas é que devem ser objeto de um exame preparatório
para que se possa ingressar no estudo das faculdades jurídicas, considerando que o
conhecimento das disciplinas filosóficas e das letras era determinante.

Depois definiu-se que disciplinas é que deveriam ser lecionadas no curso de Direito. As
profundas alterações consistiram na introdução das disciplinas de História do Direito e
do Direito Pátrio no Curso de Leis e na introdução da disciplina de Direito Natural
(que integrava o Direito Público Internacional e o Direito das Gentes) nos dois cursos,
de Leis e de Cânones.

O Direito Pátrio corresponde ao direito legislado. Ora, entre o direito romano e o direito
pátrio, aquele que tem mais autoridade é precisamente o pátrio, e o direito romano é
apenas subsidiário. O Direito Romano continua a ser estudado de uma forma expressiva,
mas ele tem que estar sujeito ao crivo do Usus Modernus Pandectorum.

Introduziu-se também uma mudança do método de ensino, que passou do método da


escolástica (Lecture) para um método analítico, sintético, demonstrativo e
compendiário.

Este método consistia em fornecer primeiramente aos estudantes um conspecto geral de


cada disciplina, através de definições e da sistematização das matérias. Depois,
seguindo uma linha de progressiva complexidade, passar-se-ia de umas proposições
para outras até se chegar ao esclarecimento científico, sendo certo que tudo isto deveria
ser acompanhado de manuais adequados, sujeitos até a aprovação oficial. Isto significa
que nas disciplinas lecionadas devem existir manuais sintéticos, que expressem de uma
forma simples a matéria que se está a estudar.

Cai-se num ensino que perde a sua função de contradita, de diálogo, de exercício
dialético, para que o ensino se baseie essencialmente no compêndio, no manual, na
leitura, na apreensão do que era consagrado nos manuais, que deviam espelhar o
conteúdo das disciplinas a lecionar.

D. José I diz-nos ainda que era necessário cessar e anular os antigos estatutos da
Universidade de Coimbra.

Direito Prudencial

O Direito Prudencial é fundamentalmente um direito criado nas universidades, portanto


um direito universitário, de docentes académicos. Embora não tenha surgido com o
poder político, ajudou a consolidá-lo. Foi aceite porque ajudou a consolidar o poder
político e porque foi produzido pelos prudentes, aos quais eram reconhecidas muitas
qualidades.

O prudente é aquele que conhece o direito, que tem a capacidade de distinguir, em cada
momento, o justo do injusto, o devido do indevido. O prudente é aquele que tem
Auctoritas, um saber socialmente reconhecido, e Inventio, a capacidade de criar, de
descobrir novas soluções para os casos em análise. Assim, os juristas declaravam a
verdade jurídica através da sua opinião justa e equitativa e resolviam casos da vida.

A iuris pruentia baseia-se na auctoritas, mas desprovida de poder, ao contrário da lei,


que repousa sobre este, sobre a potestas.

Hoje a jurisprudência identifica-se com as decisões dos tribunais, que se podem impor
pela força, porque têm potestas.
A jurisprudência deste período histórico, é a atividade de todos os que constroem o
direito em termos científicos e independentemente de qualquer ligação ou dependência
específica ao poder. Identifica-se com a opinião justa daquele que tem o
reconhecimento de a emitir, ou seja, que tem auctoritas.

Na base do surgimento do Direito Prudencial estão causas de natureza política,


religiosa, económica e cultural.

o A deficiência do direito existente: a lei é uma fonte extraordinariamente


lacunosa e, neste período, vai-se caminhando muito lentamente no campo
legislativo.
o O costume é fragmentário por essência e, ao mesmo tempo, também é localista,
não há uma escala geral, nacional ou global.
o A divisão do Império Romano em duas partes, Império do Ocidente e Império
do Oriente, vai dar origem a duas ordens jurídicas distintas. Na parte oriental,
graças à cultura helénica, o desenvolvimento do direito romano vai culminar no
século VI com a obra legislativa do imperador Justiniano, o Corpus Iuris Civilis.
Na parte ocidental, o direito romano vai ultrapassar a vulgarização, o que de
alguma forma significa um período de declínio e decadência, que contrasta com
aquilo que se passa no lado oposto, até à queda de Roma no século V. Com
efeito, nos finais do século XI, a recriação do Império do Ocidente, iniciada com
Carlos Magno no ano de 800, vai fazer com que o trabalho formidável de
criação jurídica do Oriente, seja aproveitado no Ocidente, a partir do século XII,
através do labor das escolas. O imperador precisava de um Direito forte para
construir e edificar o seu Império.
o O desenvolvimento da economia medieval, que estava sujeita a trocas
comerciais e cuja evolução levou à criação de mais cidades Estado e ao
surgimento de títulos de crédito, transportes marítimos e seguros.
o O aumento da curiosidade científica do estudo do direito e a criação das
universidades para o efeito.
o O desenvolvimento da estrutura eclesial e do respetivo direito canónico, que
encontrará na ordem jurídica romano-justinianeia rico manancial técnico e
conceptual de que podia abastecer-se. De facto, os próprios clérigos, ao
estudarem o direito romano nas universidades, constataram que o mesmo dava
resposta a uma série de problemas para os quais o direito canónico não tinha
solução.

Todos estes fatores levaram à necessidade de criação de um direito moderno, que


favorecesse não só os objetivos políticos, isto é, um direito imperial, como também que
produzisse as soluções capazes de corresponder às realidades económicas e culturais da
época, a que o direito canónico não dava resposta. Assim sendo, interessava também aos
clérigos receber o que de bom o Direito Romano tivesse.

A partir do século XII, o Corpus Iuris Civilis e, com particular realce, a sua obra maior,
o Digesto, passa a ser objeto de estudo preferencial em Bolonha, graças ao génio
criativo Irnério, que é professor em Bolonha e que olha para aquele acervo normativo
como base essencial de análise. Ao fazer isto, ele cria, de facto, um ensino técnico
universitário de Direito.

Os livros do Digesto, consoante foram sendo cronologicamente descobertos e


conhecidos, foram divididos em:

 Digesto Velho (abrange os livros 1 a 24)


 Digesto Novo (abrange os livros 39 a 50)
 Esforçado (abrange os livros 25 a 39)

Foram os últimos livros do Digesto a serem descobertos por Irnério, que os designou
assim por entender que o Direito contido nos livros anteriores ficava reforçado com
estes livros.

Os livros do Codex, também foram divididos pelos prudentes em duas partes:

 Volume Grande (os 9 primeiros livros)


 Volume Autêntico ou Volume Pequeno (os últimos 3 livros)

Este continha as Instituições, as Novelas e os Livros dos Feudos.

Escolas Jurisprudenciais na Idade Média


Escola dos Glosadores - Os glosadores liam os textos de direito romano e, como estes
tinham uma linguagem muito técnica, na tentativa de os perceber, apunham-lhe glosas,
que eram pequenas anotações ou explicações normalmente colocadas nas margens
(glosas marginais) ou entre as linhas dos textos (glosas interlineares). É a primeira
escola que começou a estudar novamente o direito romano nas universidades. Foi
fundada em Bolonha, por Irnério, nos fins do séc. XI ou inícios do séc. XII, e convoca
um conjunto de grandes nomes, dos quais se destaca Acúrcio, considerado o maior
glosador desta escola. Entende-se que esta escola finalizou com a morte de Acúrsio,
cuja obra máxima, a Magna Glosa, se poderia tomar como respetivo termo. Acúrsio
realizou vários trabalhos menores e foi também autor de uma das obras capitais da
história da jurisprudência, a Magna Glosa, elaborada entre 1220 e 1234, sendo
composta por mais de 96 mil glosas. No fundo, ele recolheu todas as glosas que os seus
juristas antecessores efetuaram ao estudarem o Corpus Iuris Civilis e compilou-as todas
numa única obra, incluindo também algumas glosas da sua autoria e alguns textos
antagónicos.

Esta obra autónoma é também conhecida por Glosa Ordinária ou Glosa de Acúrcio.

Portanto, quando nós temos uma síntese dos textos que integram o Corpus Iuris Civilis,
a tendência dos juristas posteriores é afastarem-se da análise do Corpus Iuris Civilis e
concentrarem-se na síntese.

Escola dos Pós-acursianos - Esta escola surgiu no do fim séc. XII, limitando-se a fazer
um trabalho de compilação e sistematização das glosas. Só alguns autores é que dão
importância a esta escola, defendendo que a mesma surgiu na sequência de uma obra
superior, nomeadamente a Magna Glosa, escrita por Acúrsio, um grande glosador que
marcou uma tendência evolutiva no que concerne ao tratamento dos textos.

Escola dos Comentadores - Foi fundada por Cino de Pistóia, na segunda metade do
séc. XIII e desenvolveu-se ao longo do século XIV. Esta escola abandona a síntese e
retorna ao Corpus Iuris Civilis, uma vez que os comentadores faziam comentários nos
textos de direito romano.
Os principais nomes desta escola foram Bártolo e o seu discípulo Baldo, sendo o
primeiro conhecido por ser a luz do direito, já que a sua influência se fez sentir até finais
do séc. XVIII.

Esta escola beneficiou do trabalho dos glosadores e criou o Direito Nacional, isto é, o
trabalho dos comentadores foi o de porem em prática os textos justinianeus, partindo já
do trabalho de esclarecimento dos glosadores, adaptando as normas justinianeias à
realidade dos séculos XIII e XIV. Os comentadores partiam, assim, de um texto de
direito romano, muitas vezes já trabalhado pelos glosadores, e desenvolviam um tema
de forma discursiva, destacando-se, por vezes, do texto de origem, ultrapassando assim
a mera interpretação do texto.

Diferenciação e Relação entre as Escolas Medievais

Os historiadores do Direito têm apontado diferenças entre a Escola dos Glosadores e a


Escola dos Comentadores. Importa aqui realçar a comparação dos entendimentos das
doutrinas tradicionais com os da doutrina atual.

Doutrinas Tradicionais

Distinguem as escolas medievais pelo método

o Escola dos Glosadores – Olham para os textos de direito romano numa


perspetiva de adoração ao texto, fazendo um trabalho excessivo de apego à letra
da lei – interpretação literal de natureza gramatical e especulativa, inserida numa
abordagem teórica e muito académica. Menos criativos e mais presos às letras
dos textos.
o Escola dos Comentadores - Desenvolvem um trabalho mais vocacionado para
o espírito da lei, adaptando o direito romano à realidade da época, fazendo,
portanto, uma abordagem prática. Não se limitavam a traduzir os textos do
Corpus, mas também a comentá-los, emitindo, por isso, opiniões mais criativas e
originais.
No entanto, isto é posto em causa quando olhamos para muitos dos comentários feitos
pelos comentadores. Verificamos que nalguns deles, falece essa nota de originalidade,
traduzindo, no fundo, síntese de opiniões de juristas anteriores.
Ao mesmo tempo, se olharmos para o trabalho dos glosadores, vamos ver que também
eles praticaram o comentário e que temos também criatividade nalgumas opiniões que
nos legaram.

Assim, para ultrapassarmos esta diferença e, eventualmente, esta falta de justeza,


poderia ser adequado falarmos de Escola dos Glosadores e dos Pós-Glosadores.

Doutrina Atual

Defende que é muito difícil, ou até mesmo impossível, haver na Idade Média uma clara
preocupação em distinguir a letra do espírito da lei, alegando que da letra da lei já
resultava o sentido literal e, por isso, não era de supor que os prudentes pudessem
estudar e explicar um texto sem aprenderem, pelo menos, o seu sentido mais imediato.

Os autores atuais defendem que o que realmente separa a escola dos glosadores da dos
comentadores são razões políticas, pelo que, na prática, não se deve fazer uma
separação rígida entre as escolas. Em termos metodológicos, não houve uma mudança,
mas sim uma evolução natural, na medida em que a existência de textos já explicados
literalmente pelos glosadores permitiu aos comentadores ter mais hipóteses de explorar
outros sentidos dos textos, de aproveitar os seus conteúdos e de os adaptar aos direitos
locais.

Distinguiam as escolas pela diferente perspetiva de estudo dos juristas e pelos seus
objetivos.

o Escola dos Pós-acursianos - Fizeram a transição deste estudo teórico para uma
visão mais prática do direito.
o Escola dos Glosadores - Fizeram um estudo teórico do direito, pois tiveram de
ter a tarefa de entender e explicar os textos que ninguém conhecia.
o Escola dos Comentadores - Beneficiaram do trabalho feito pelos anteriores.
Adotaram um objetivo mais pragmático de utilização do direito romano naquilo
que ele tinha de útil. Adaptaram o direito romano aos casos em que as regras
justificassem uma alteração. Adaptaram o direito romano aos direitos locais
(iura própria).

Ligação da jurisprudência à Universidade

A grande maioria destes prudentes são professores universitários e, neste período, as


Universidades florescem. Por outro lado, há uma grande fusão de conhecimento nos
circuitos universitários da época, até porque a língua que falam e escrevem em comum é
o latim.

O principal centro universitário começa por ser Bolonha, mas pouco tempo depois
começam a elevar- se outros centros de grande referência pela Europa fora, como é o
caso de Paris, Nápoles, Oxford e também Lisboa e Coimbra.

O intercâmbio entre professores e estudantes universitários era muito grande, o que


justifica que o Direito Romano Justinianeu se transforme na fonte de Direito comum
nestes centros de produção jurídica.

Surge aqui o conceito de Ius Commune, o Direito Comum.


O facto de as escolas terem elegido o Corpus Iuris Civilis e o Direito Romano
Justinianeu, pela sua perfeição técnica, como objeto primacial de análise, no contexto
académico, e depois terem emitido opiniões que eram utilizadas para resolver casos da
vida, no contexto dos Estados, fez com que o Direito Romano se propagasse como
Direito Comunal, criando uma matriz jurídica que nós partilhamos.
Metodologia das escolas jurisprudenciais

No trabalho de criação do direito, os prudentes utilizaram um método analítico-


problemático, designado por Ars inveniendi, isto é, arte de inventar ou encontrar
argumentos.

Método problemático
O jurista medievo parte sempre de um problema da vida, seja uma situação real ou
ficcionada. Ele não pensa o Direito abstrato, ele não pensa o sistema jurídico, ele pensa
o Direito a partir de problemas concretos. O jurista obtinha uma solução para o caso
concreto, depois de discutir a questão, recolher os argumentos pró e contra e ponderar as
várias soluções possíveis, optando, normalmente, pela solução que, para ele, lhe
parecesse mais razoável.

Método analítico
O pensamento do jurista da época é analítico. Isto significa que a base de trabalho do
jurista medieval é o preceito, o texto da norma. O jurista procurava, para cada caso, um
preceito legal que lhe permitisse encontrar a solução ideal, não se preocupando tanto
com a consideração sistemática, isto é, com o enquadramento no sistema jurídico,
procurando, primeiramente, na norma, a solução que mais lhe convinha e só depois é
que a considerava no ordenamento jurídico.
Com efeito, como o código de justiniano não continha uma lógica sistemática, isto é,
uma harmonização de leis, os prudentes medievais, conscientes desse facto, tinham de
analisar as leis nele contidas isoladamente e ao pormenor, abordando-as com um ponto
de vista crítico, criando Direito a partir desse ponto de vista.
Assim, com base nesta metodologia, a primeira preocupação do prudente medieval era
analisar o caso concreto, depois ele tentava encontrar uma solução para o mesmo,
ponderando todas as soluções possíveis, sendo certo que a aplicação da lei tinha de ser
controlada em função das respetivas consequências, face a critérios de justiça de direito
natural e de conveniência ou utilidade.

O que é a Ars inveniende?

Podemos separá-la em três elementos: as leges, as rationes e as auctoritates.


Leges

O jurista medieval também construiu o Direito como sendo uma ciência de textos, ou
seja, a análise e a resolução do problema baseia-se fortemente na intuição do jurista,
mas não se serve apenas disso.
Depois de procurar mentalmente a solução mais justa e equitativa para um caso da vida,
o jurista procura no Corpus Iuris Civilis, particularmente, no Digesto, a base para
fundamentar a sua opinião e alicerçar a sua interpretação. Isto significa que o jurista não
cria no vazio uma solução para o caso da vida, ele serve-se do Corpus Iuris Civilis para
fundamentar a opinião a que mentalmente chegou.

Portanto, as leges, significam que o jurista medieval se aproxima dos textos do Direito
Romano Justinianeu através desta preocupação essencial: interpretá-lo corretamente.

Neste período histórico, a gramática pôde, assim, ter a dignidade de disciplina


filosófica, porque a gramática não era estrita à sintaxe e à morfologia da frase, como nós
hoje a entendemos. A gramática era entendida como a arte de falar e de escrever
corretamente, mas também de bem interpretar os poetas e os historiadores, apontando
para uma ideia de gramática descritiva. Dentro dos vários sentidos possíveis do texto,
iríamos privilegiar aquele que melhor se harmonizasse com a justiça da solução para o
problema que estávamos a procurar resolver.

Os preceitos jurídicos eram analisados enquanto elementos de um texto, obedecendo a


uma gramática descritiva. A ciência jurídica medieval era também uma ciência de
textos, que deveriam ser interpretados corretamente. As leges eram vistas como uma
técnica de interpretação.

Rationes

As rationes correspondiam à arte de criar argumentos para dar resposta a um caso


concreto. Funcionavam como instrumentos interpretativos da lei, sendo que quando esta
se mostra insuficiente, há que lhe juntar argumentos extralegais, baseados em critérios
de direito natural, de justiça, de equidade, de tempo, de espaço, de modo, de
oportunidade e de lógica. Eram, portanto, argumentos fácticos que, no fundo,
fortaleciam a opinião do jurista.

O conhecimento alcançado pela utilização das rationes não é entendido como único e
necessário, mas é sempre visto como um conhecimento provável.
Os argumentos criados pelos prudentes medievais, apesar de partirem dos textos legais
(código justinianeu), também iam para além deles, buscando apoio na equidade, no
direito natural, na oportunidade e na lógica, e não num qualquer texto de lei humana ou
divina.
Assim, pode-se dizer que, na Idade Média, para além do necessariamente verdadeiro e
do necessariamente falso, aceitou-se também a categoria intermédia da verdade
provável (suscetível de prova), daí a necessidade dos argumentos.

Na construção argumentativa, na interpretação dos textos e mesmo na criação de direito,


os prudentes recorreram a 4 instrumentos:

o Retórica - Não é um exercício dialogado, corresponde à arte de persuadir e de


convencer. Entende-se que o jurista para além de conhecer, tem de saber
convencer, por isso, ele vale, naturalmente, se não houver contradições internas
no discurso.
o Dialética - É o método que a Idade Média considerava ser tecnicamente mais
aperfeiçoado. É a arte da discussão, tem uma função de contraposição de
argumentos, na base de um debate controversístico e discursivo.
Neste caso, os argumentos seriam redigidos de uma forma mais adequada e mais
suscetível de fortalecer a adesão daqueles que estão a ouvir. É este o cerne da
Ars inveniende, da arte de encontrar argumentos. Contudo, ela vai depender,
naturalmente, do lugar que se ocupa. Por exemplo, o defendente do autor não vai
utilizar os mesmos argumentos que o defendente do réu.
o Lógica – Enquanto disciplina de pensar sem contradições
o Tópica Jurídica - Consiste em observar um problema de todos os seus
ângulos e recolher o maior número possível de argumentos em busca de uma
solução. Do uso da tópica jurídica resultam os chamados depósitos de
argumentos, que são conjuntos conseguidos pela observação de um caso nas
suas diversas perspetivas, podendo esses argumentos depositados ser a resposta
a um determinado problema. São argumentos possíveis os de semelhança, de
diferença, de causalidade, de efeito, de antecedência, etc.
Auctoritates

No fim deste processo, temos uma opinião, vale em virtude do peso dessa mesma
opinião ou do autor que a produziu, vale em função da auctoritas.

O Direito Prudencial será seguido como fonte de Direito, se as opiniões dos juristas
forem dotadas de auctoritas. Elas são dotadas de auctoritas, em função do peso dos
argumentos apresentados, que fazem com que aquele saber seja socialmente
reconhecido e, por isso, é suscetível, por si só, de resolver casos da vida.

Alguns problemas suscitaram uma pluralidade de opiniões e, nesses casos, era


necessário distinguir qual delas merecia maior credibilidade.

A este propósito surgiu o conceito de opinião comum dos doutores, entendida como
aquela que era defendida por um conjunto de juristas com auctoritas. A solução que
tivesse a seu favor a opinião comum dos doutores saía, naturalmente, reforçada e
impunha-se relativamente às outras.

Ao longo do tempo, três critérios de fixação da opinião foram estabelecidos:

o Critério quantitativo: a melhor opinião era a defendida pelo maior número de


juristas.
o Critério qualitativo: a melhor opinião era a defendida pelos juristas de maior
prestígio.
o Critério misto: conjugava os dois critérios anteriores e, por isso, era mais
exigente.
Supõe-se que o critério quantitativo puro nunca terá sido usado, porque ele implicaria
uma mera contagem de opiniões. O critério misto foi, geralmente, o preferido, já que
fixava como opinião comum a mais defendida entre os melhores. Cumpridos os três
elementos da Ars inveniende, chegada a opinião, ela vai prevalecer, não porque o Rei
lhe empresta a sua potestas, mas porque a sociedade lhe atribui um determinado valor.

Acolhimento do Direito Prudencial em Portugal


A Idade Média é um período fecundo para o labor criativo da jurisprudência. No
período medievo, o direito prudencial é uma fonte extraordinariamente relevante em
Portugal, principalmente, a partir de meados do século XII.

Cumprindo esta ideia de pluralismo jurídico, podíamos invocar num tribunal a opinião
de um jurista, com base no Direito Romano. Portanto, o Direito Prudencial também
integra a pluralidade de fontes a que se poderia recorrer para resolver um caso da vida,
no primeiro período histórico do Direito português, no espaço físico de Portugal.

Portugal mantinha algumas ligações com Itália, que é o principal centro de produção,
estudo e aplicação do Direito Romano Justinianeu na Idade Média, nomeadamente, a
cidade de Bolonha. Este facto, inculca em alguns historiadores a ideia de que o Direito
Romano é conhecido entre nós desde os primórdios da fundação da nossa
nacionalidade.

O facto de termos juristas, desde cedo, na Cúria Régia, designadamente, na Chancelaria


do Rei, determina a ideia, para alguns historiadores, que o Direito Romano já seria
aplicável no nosso país desde muito cedo. No entanto, daqui não decorre que tal assim
aconteça, nem que o Direito Romano em causa fosse o Direito Romano Justinianeu.

Então, desde quando é que, inequivocamente, o Direito Romano Justinianeu está em


Portugal? A doutrina diverge:
o Num primeiro momento, a receção do direito prudencial significa o
conhecimento e situa-se no século XII. No entanto, há quem entenda que nos
primeiros reinados não é possível ver a presença do Direito Romano Justinianeu
no nosso país e que, caso exista, trata-se de Direito Romano anterior ao Código
de Justiniano.
o Num segundo momento, há quem entenda que o direito prudencial teve
influência sobre a legislação portuguesa, designadamente, no reinado de
Afonso II, em que houve uma lei sobre a suspensão de penas e a mutilação dos
cadáveres, que é nitidamente influenciada pelo Código de Justiniano.
o Num terceiro momento, há também quem diga que a receção do Direito Romano
Justinianeu na ordem interna do direito português é inequívoca a partir do
reinado de D. Afonso III e, sobretudo, a partir do reinado de D. Dinis.
A importância do humanismo jurídico para o Direito Penal

No primeiro quartel do séc. XIX o Direito penal português assentava ainda a sua base
legislativa no livro V das Ordenações Filipinas onde estavam tratadas as matérias
relativas aos delitos e às penas. O sistema penal mantém as mesmas características que
já apresentava nas Ordenações Afonsinas e Manuelinas.
As penas eram aplicadas de forma arbitrária e desigual, conforme a condição social do
réu e até mesmo transmissíveis.

Um dos direitos naturais em Portugal é a liberdade. Dá-se uma luta pelo princípio da
legalidade penal. O que o liberalismo vem dizer é que só a lei pode ser fonte do direito
penal e que não há leis retroativas.

Surgem vários diplomas que mostram o carácter desproporcional das penas aplicadas
em pleno século XIX: Carta régia de 1 outubro 1824.

Legisla-se então para suprir alguma falta das Ordenações ou insuficiente rigor das
mesmas.

No séc. XIX o direito penal assentava ainda no Livro V das Ordenações Filipinas, que
consagrava penas cruéis e infamantes, o que levou à necessidade de existir uma reforma
penal, influenciada por teses humanitaristas de Francisco Freire de Melo (sobrinho de
Melo Freire), o qual lançou uma obra em 1822, que impulsionou o movimento
reformador da codificação penal.

As Ordenações do Reino possuíam várias lacunas, pois não previam um grande


números de situações ilícitas.
Porém, na época pombalina, foi desenvolvida alguma legislação penal que já dava
indícios de consagrar princípios defendidos pelo Humanitarismo Jurídico.

O advento do liberalismo em Portugal é marcado no campo do Direito penal por um


trabalho doutrinário e polémico da autoria de Francisco Freire de Mello sobrinho de
Mello Freire. O livro tinha o nome de “Discurso sobre delitos e penas”.
Este livro surge num contexto de grandes reclamações a propósito da reforma do Direito
penal que vão surgir com grande frequência na imprensa liberal nascida após a
revolução liberal.

Criticar-se o estado caótico da legislação e o obscurantismo da lei que não garante a


univocidade da sua interpretação nem certeza na sua aplicação.
A lei penal é considerada bárbara e sem critério, determinando a aplicação de leis cruéis
e sem relação com a gravidade do delito.

As Ordenações são severamente condenadas, não deixando de perspassar como pano de


fundo de todo esse discurso a filosofia utilitarista como base e critério da renovação.

O trabalho de Freire de Mello foi editado em Portugal em 1822. A desproporção entre


delito e penas constitui a primeira preocupação de Freire de Mello. Assim, as penas
cruéis são afastadas. Mostra-se Freire de Mello muito preocupado com a necessidade de
clareza e segurança da lei penal. A discricionaridade do juiz deverá ser reduzida ao
máximo sob pena de se dar azo ao arbítrio e à injustiça. Citando Jeremias Bentham
considera deverem as leis penais serem “claras, precisas, gerais sem deixar aos juízes
livre arbítrio”.

A transmissibilidade das penas é igualmente impugnada pelo jurista português.


Considerando que a prisão deve ter apenas uma função preventiva e não de pena,
mostra-se Freire de Mello particularmente avesso à prisão perpétua.
Já é patente em algumas passagens a perspetiva correccionalista do direito penal critério
de acordo com o qual a pena apresenta um intuito de prevenção especial, devendo
contribuir para a regeneração do criminoso.

Indo buscar as suas raízes filosóficas aos autores racionalistas dos séc. XVII e XVIII e
ao enciclopedismo francês setecentista o humanitarismo no direito penal é de certa
maneira a forma como o jusracionalismo se vai opôr à intolerância religiosa da
ortodoxia da mesma forma que no campo da construção e da sistemática jurídica renova
os quadros dogmática anteriores.

Esta crença na recuperação e correcção dos criminosos não é contudo suficiente para
afastar Freire de Mello da consideração da necessidade da pena de morte. A primeira
questão que ele pôs é a de saber qual o fundamento da mesma. A este respeito afasta o
critério de Beccaria que se baseou na ideia de contrato social para negar que alguém ao
entrar no estado de sociedade tenha oferecido a esta o direito de lhe tirarem a vida.
Freire de Mello apesar do respeito pelo autor italiano não se atreve a negar ao legislador
o direito de impor a pena capital, restringindo-a a dois casos, no assassínio voluntário e
na traição à pátria.

Trazendo para Portugal a escola Humanitarista vem-nos dizer que as leis penais estão
desatualizadas e necessitam de ser atualizadas à luz de alguns princípios:

 A medida da pena deve ser determinada pelo fim que se destina a prosseguir
 Abolição das penas cruéis
 Penas infamantes devem ser abolidas (freire de melo diz que bem aplicadas
podem ser compreensíveis)
 Claras e seguras
 Transmissibilidade das penas é ilegítima
 Pena de prisão deve ter efeito preventivo e não de castigo (abolição pena
perpétua)
 Pena de morte, há divergência doutrinária: Freire de Melo não é lapidar apenas a
restringe a dois casos: homicídio qualificado e traição à pátria.

O liberalismo assenta numa ideia muito clara de superioridade da lei. Existe uma forma
rejeição da CRP de 1822 a penas arbitrárias ou desumanas. Existe também uma
proibição de penas transmissíveis. A isto chama-se de humanitarismo penal. A pena de
morte já não era uma questão tão consensual. Por excelência em Portugal, a pena
aplicada era a de degredo. Isto mantêm-se até meados do séc. XX. Alguns dos mais
famosos humanitaristas eram contrários à pena de morte. Esta é primeira proibida para
crimes políticos. No final da guerra civil, foi decretado o final da pena de morte para os
crimes políticos. A pena de morte é abandonada em 1867. Portugal foi dos únicos países
da europa que proibiu a pena de morte e não a abandonou.

Para os autores liberais, o principal bem da sociedade é a liberdade. Assim sendo, a pior
pena seria a pena de prisão. A prisão deveria ser o lugar típico para aqueles que
infringiam a ordem social.
As prisões que existiam antes do liberalismo eram um lugar de detenção onde as
pessoas aguardavam o julgamento ou o degredo. Com o liberalismo, a própria prisão
deveria ser entendida como um castigo.

A expressão penitenciário trata-se de espiar a pena e vem do direito canónico.

Apesar da discussão se ter iniciado no liberalismo, a primeira penitenciária de Lisboa


apenas foi contruída no final do sec. XIX. Depois disto começaram a ser construídas
mais penitenciárias, colocando vais problemas a nível criminal e a nível administrativo.

Desde o séc. XVIII é proibida a prisão por dívidas e não a voltou a instaurar. Hoje em
dia. Todas as normas de direito internacional proíbem a prisão por dividas. Para
substituir isto, instaurou-se a responsabilidade civil. A visão liberal é a que há dois tipos
de responsabilidade civil e a responsabilidade criminal- A primeira manifesta-se apenas
a nível patrimonial. Na responsabilidade criminal cabiam os. Crimes mais graves, que
mereciam penas a nível criminal. Este é um dos tópicos fundamentais do liberalismo.
Ao longo da responsabilidade penal também poderá ter de pagar uma indeminização às
vítimas desse mesmo crime. A responsabilidade criminal é exclusiva do delinquente e
não dos seus familiares. Isto não era evidente no início do sec. XIX. O liberalismo
inventou outro tipo de judiciário, a nível penal. Dá-se a exigência de uma lei e de um
juízo judicial para alguém ser condenado. No início do sec. XIX existiam outras
instituições fora do poder judicial que podiam exercer penas criminais. Não pode existir
pena sem sentença, na medida em que se tivessem natureza criminal tem de decretada
por um juiz.

Princípio de reserva do juiz – certos tipos de matérias têm de ser julgadas por um juiz.

Hierarquia das leis e do direito subsidiário nas Ordenações.


Ordenações Afonsinas

Os elementos essenciais relativos à história das Ordenações Afonsinas constam do


proémio do seu livro I e aí se referem os pedidos insistentes, formulados em Cortes, no
sentido de ser elaborada uma nova coletânea do direito vigente que evitasse as
incertezas derivadas da grande dispersão e confusão das normas, com graves prejuízos
para a vida jurídica e a administração da justiça.

Cada vez se tornava mais árdua a coordenação das várias fontes, a fim de se apurar o
direito aplicável aos diversos casos concretos.

Desconhece-se a duração exata dos trabalhos de revisão. Parece de admitir, todavia, que
a aprovação das Ordenações se tenha verificado pelos fins de 1446 ou, mais
provavelmente, em 1447. Afigura-se, sintetizando, que os naos de 1446 e de 1447,
foram, presumivelmente, da entrega do projeto e o da publicação das Ordenações.

Qual parte das Ordenações terá sido redigida por João Mendes e qual parte é que terá
sido redigida pelo Rui Fernandes?

O Livro I, da autoria de João Mendes, está redigido num estilo diferente dos livros
seguintes, é o chamado estilo direto e decretório, também designado por legislativo.
Este estilo consiste numa forma de redigir a lei como se ela estivesse a ser criada
naquele momento, sendo um estilo mais perfeito do ponto de vista técnico.

Os restantes livros, da autoria do Dr. Rui Fernandes, estão redigidos num estilo
compilatório, ou seja, as leis foram reproduzidas exatamente como teriam sido criadas.
Este estilo consiste na transcrição da norma jurídica, incluindo todas as versões
anteriores da mesma, bem como todos os comentários e anotações que se fizeram sobre
ela, sendo um estilo mais perfeito do ponto de vista histórico.

No entanto, esta explicação das diferenças de estilo, não responde à questão que
colocámos. As matérias que integram os restantes livros eram facilmente compiláveis,
mas no caso dos cargos públicos do Livro I, essas normas foram redigidas
especificamente para este esforço compilatório, não existiam leis anteriores sobre esta
matéria e, por isso, não era possível obedecer ao estilo de mera compilação. Assim,
podemos concluir, então, que não é possível distinguir quais as partes das Ordenações
que foram redigidas por um e por outro autor.

O facto de terem chegado até nós exemplares das Ordenações em número tão
significativo, inculca a ideia de que eles foram fonte de direito vigente no nosso país.

Sistematização:

o Livro I - Abrange 72 títulos, ocupa-se dos regimentos dos diversos cargos


públicos, apresentando, portanto, um conteúdo jurídico-administrativo.
o Livro II - Composto por 123 títulos muito heterogéneos, disciplinam-se os bens
e privilégios da Igreja, os direitos do rei, e a sua cobrança, a jurisdição dos
donatários, e as prerrogativas da nobreza, o estatuto dos Judeus e dos Mouros.
Agora, consagravam-se providências de natureza pública ou constitucional.
o Livro III – tratava do processo civil
o Livro IV - Ao longo de 112 títulos, se ocupava do direito civil substantivo,
designadamente de temas de direito das obrigações, direito das coisas, direito
dafamília e direito das sucessões.
o Livro V - Continha 121 títulos sobre direito e processo criminal (podendo certos
atos processuais encontrarem-se, em certos casos, regulados no livro III).

Com as ordenações Afonsinas procurou-se, essencialmente, sistematizar e atualizar o


direito vigente.

Quanto à técnica legislativa, empregou-se o chamado Estilo Compilatório:


transcreviam-se, na íntegra, as fontes anteriores, declarando-se depois os termos em que
esses preceitos eram confirmados, alterados ou afastados.

Contudo, nem sempre se adotou este método. Designadamente, em quase todo o livro I,
utilizou-se o estilo decretório, que consiste na formulação direta das normas sem
referência às suas eventuais fontes precedentes.

As Ordenações Afonsinas assumem uma posição destacada na história do direito


Português. Constituem síntese do trajeto que desde a fundação da nacionalidade, ou,
mais aceleradamente, a partir de Afonso III, afirmou e consolidou a autonomia do
sistema jurídico nacional no conjunto peninsular. Além disso, representam o suporte da
evolução subsequente do direito português.

As Ordenações posteriores, a bem dizer, pouco mais fizeram do que atualizar a


coletânea afonsina.

A publicação das Ordenações Afonsinas liga-se ao fenómeno geral da luta pela


centralização. Acentuou-se a independência do direito próprio o Reino em face do
direito comum, subalternizado no posto de fonte subsidiária por mera legitimação da
vontade do monarca.

As Ordenações Afonsinas significam um esforço do monarca em organizar e


sistematizar o Direito vigente. Apesar de conterem um número considerável de leis, elas
ainda não cobriam a totalidade das questões que eram necessárias solucionar.

Por isso, além das fontes principais do direito, estabeleceu-se um sistema de fontes
subsidiárias, isto é, uma hierarquia de fontes do direito para recorrer na falta de direito
pátrio. Contudo, importa sublinhar que mesmo assim nem todas as fontes de direito que
persistem neste período estão integradas neste elenco das fontes principais e subsidiárias
de direito.

Fontes Principais:

o A lei do Rei (próprias ordenações)


o O estilo da corte (costume judiciário)
o O costume antigo 8prática social reiterada com convicção de obrigatoriedade)

Fontes Subsidiárias:

o O direito Romano (para questões temporais, exceto se, contrariando o Direito


Canónico, fizessem incorrer em pecado)
o O direito Canónico (para questões espirituais e temporais de pecado, como por
exemplo a usucapião de má fé ou quando o direito romano não prevê solução,
exceto se for contrariado pelas opiniões e pelas glosas dos doutores em leis,
remetendo-se para a resolução régia). Esta opinião era pacífica até à contradita
do Professor Duarte Nogueira. Baseado na ideia de rivalidade entre os dois
direitos, o professor entendeu que em questões puramente temporais, que não
são de pecado, se o Direito Romano não oferecer solução, deve aplicar-se a
glosa de Acúrsio, se esta também não solucionar, a opinião de Bártolo e, por
último, a resolução régia. Portanto, segundo a maioria da doutrina aplica-se o
Direito Canónico, mas segundo este professor passa-se para o patamar seguinte.
o A glosa de Acúrsio
o A opinião de Bártolo
o A resolução régia

Como dissemos anteriormente, o direito foraleiro não está aqui previsto, mas ele
permanece como direito aplicado neste período, sendo objeto inclusivamente de
reforma. Os forais estão desatualizados, mas são entendidos pelas populações como as
suas cartas de liberdade e, por isso, eram olhados com particular favor. Assim, também
os monarcas vão olhar para os forais, como é o caso de Manuel I, que será protagonista
de uma reforma desta fonte de direito.

A opinião dos doutores também não está prevista de uma forma direta e imediata, como
vai acontecer nas Ordenações Manuelinas. Ela está apenas prevista de forma implícita.
Valoriza-se Bártolo, sem prejuízo daquilo que os outros doutores possam dizer em
contrário.

Ordenações Manuelinas

Relativamente pouco tempo durou a vigência das Ordenações Afonsinas, sobretudo


considerando as dificuldades que sempre rodeiam a preparação de uma obra deste
género. Concluídas e aprovadas pelos meados do séc. XV, logo em 1505 se tratava da
sua reforma.

É um esforço compilatório de atualização e de aperfeiçoamento das primeiras


Ordenações. Uma das funções essenciais do Rei é a tarefa de realizar a justiça, ele
assume-se como alguém que tem uma particular responsabilidade de realizar a justiça,
oferecendo-a aos súbditos. Isto aponta para o Rei não apenas como o supremo juiz, mas
também como o supremo legislador, num tempo histórico em que não há separação de
poderes. Existe uma obrigação do rei de proceder a uma interpretação autêntica se o
texto for obscuro e o conhecimento pelos destinatários é indispensável para impor o
cumprimento normativo legal.

A primeira impressão das Ordenações Manuelinas foi realizada por um grande editor da
época, Valentim Fernandes. Este editou entre 1512 e 1513 todos os 5 livros que
integram as Ordenações.

Em 1514, encontra-se uma nova edição dos 5 livros das Ordenações, devida a outro
editor, João Pedro Bonini. Como entre 1514 e 1521, D. Manuel entendeu que faria todo
sentido incluir estas novas leis nas Ordenações, e por isso realizou-se uma nova edição
definitiva em 1521. Após a sua morte ainda é feita outra edição em 1539.

Sistematização:

Manteve-se a estrutura básica de cinco livros, integrados por títulos e parágrafos.


Conservou-se, paralelamente, a distribuição das matérias, embora as Ordenações
Manuelinas oferecessem consideráveis diferenças de conteúdo, quando comparadas
com as Ordenações Afonsinas: Supressão dos preceitos aplicáveis aos Judeus e aos
Mouros, que, entretanto, tinham sido expulsos do país Inclusão da disciplina da
interpretação vinculativa da lei, através dos Assentos da Casa da Suplicação Alterações
em matéria de direito subsidiário.

Relativamente ao mérito técnico deste trabalho, importa dizer que as leis foram rescritas
como se se tratasse de leis novas. É verdade que muitos desses preceitos legais são, no
fundo, um reescrever de preceitos anteriores, mas do ponto de vista técnico avança-se e
aprimora-se o texto afonsino anterior. Abandona-se o estilo compilatório e todo o texto
manuelino, nos vários livros, é escrito no estilo direto e decretório. Por outro lado, como
documento histórico, o texto manuelino perde algum favor face ao texto afonsino
porque agora não é possível perceber de forma imediata se uma determinada lei é nova,
criada naquele tempo histórico, ou se se trata de um reescrever de uma lei antiga.

Fontes principais:
o A lei do rei
o O estilo da corte
o O costume antigo

Fontes Subsidiárias

o O Direito Romano (para questões temporais)


o O Direito Canónico (para questões espirituais e temporais de pecado)
o A glosa de Acúrsio – EXCETO se for contrariada pela opinião comum dos
doutores tanto anteriores como posteriores
o A opinião de Bártolo – EXCETO se for contrariada pela opinião comum dos
doutores posteriores
o A resolução régia

Outros autores explicam duma outra forma esta opção das Ordenações Manuelinas,
defendendo que Bártolo não foi posto em causa por que a opinião comum dos doutores
foi produto da sua escola e, além disso era preciso deixar em aberto a possibilidade dos
juristas posteriores terem opiniões mais válidas e actualizadas do que ele. Estes autores
fazem aliás notar que a prevalência da opinião comum dos doutores só funciona em
relação a juristas futuros, nunca se contestando a autoridade de Bártolo em relação aos
juristas anteriores ou do seu tempo.

O aparecimento de compilações oficiais de fontes de direito, como as ordenações, não


impedia que se continuasse a legislar. Surgem assim diversas leis que não ficaram
incluídas nos grandes corpos legais, dando- se-lhes o nome de extravagantes (por
estarem de fora).

LER A COLEÇÃO DE DUARTE NUNES DE LEÃO

Ordenações Filipinas
São as últimas compilações que conhecemos, foram aquelas que permaneceram mais
tempo em vigor, sendo completamente revogadas apenas no século XIX com a
codificação, designadamente, com o Código Civil de 1867. Porém, veremos primeiro o
contexto que dita o seu aparecimento.

As novas Ordenações ficaram concluídas em 1595 e receberam aprovação por Lei de 5


de junho desse mesmo ano, mas que não chegou a produzir afeito. Só no reinado de
Filipe II, através da lei de 11 de janeiro de 1603, iniciaram a sua vigência – a mais
duradoura em Portugal.

Estas Ordenações têm uma norma que manda revogar/cessar a vigência de todas as
leis extravagantes, com poucas exceções:

o Ordenações da Fazenda
o Artigos das Cinzas
o Leis que se encontrassem transcritas num determinado livro da Casa da
Suplicação

A sistematização desta obra é exatamente a mesma que encontramos nos textos


compilatórios anteriores.

A diferença que surge relativamente às Ordenações anteriores, tem que ver com a
inclusão sistemática, que é uma diferença essencial do ponto de vista político.

A epígrafe da matéria relativa ao direito processual, onde se incluem as fontes


subsidiárias, já tinho sido alterada na edição de 1521, passando a ser “Como se julgarão
os casos que não forem determinados pelas Ordenações”

Esta matéria estava integrada no Livro II, sobretudo, na parte dedicada aos privilégios
da Igreja e às relações entre o Estado e a Igreja.

Nas Ordenações Filipinas, esta matéria passa a estar trabalhada no Livro III, dedicado
ao Processo Civil.

Podemos fazer um juízo crítico relativamente à inclusão, como fez o Professor Braga da
Cruz.
Será que o Livro III seria a sede mais adequada para tratar aquela matéria?

Esta inclusão sistemática tem um significado particular. A matéria relativa ao direito


processual passou para o livro III porque a aplicação do direito deixou de ser vita como
uma questão política, de conflito de poderes entre o estado e a igreja, e passou a ser
vista como uma questão técnica, uma mera questão de processual. Encontrar o direito
aplicável era já no séc. XVII um problema de direito processual.

Assistimos, portanto, a uma tendência de fortalecimento e centralização do poder do rei.

Fontes Principais

o A lei do Rei
o O estilo da corte - Passou a ter correspondência com o costume judiciário, ou
seja, uma prática repetida nos tribunais superiores que se transformava numa
norma a ser seguida pelos tribunais inferiores. Passou mesmo a consignar-se que
o estilo da corte tinha de ser plural (usado por mais de um tribunal), antigo
(com pelo menos 10 anos) e conforme à razão.
o O costume antigo - Para ser aceite como fonte principal, passou a ter de ser
plural, antigo (com pelos menos 100 anos), conforme à razão e conforme à
lei.

Fontes Subsidiárias

o O direito romano (para questões temporais)


o O direito canónico (para questões espirituais e temporais de pecado)
o A glosa de Acúrsio (exceto se for contrariada pela opinião comum dos doutores,
tanto anteriores como posteriores)
o A opinião de Bártolo (exceto se for contrariada pela opinião comum dos
doutores posteriores. Esta ficou mais reforçada, em consequência da valorização
das opiniões deste jurista na prática judiciária, ocorrida durante o séc. XVII. É
nesta época que alguns autores falam de uma fase bartolista do direito
português)
o A resolução régia

O Liberalismo e a Codificação do Século XIX

Durante todo o século XIX, mas já com precedentes desde os meados do século XVII, a
Europa assiste a um movimento codificador generalizado, traduzido na elaboração de
amplos corpos legislativos unitários, obedecendo a uma orgânica mais ou menos
científica e que condensavam, autonomamente, as normas relativas aos ramos básicos
de direito, já então individualizados.

Em termos filosóficos, a codificação partiu da ideia de que se devia consagrar o


racionalismo, agora misturado com os novos ideais da plenitude do ordenamento
jurídico e da segurança ou certeza na aplicação do direito.

Em vez de pura síntese do direito do passado, manifesta-se uma profunda intenção


prospectiva (ao contrário da velha tradição do Corpus Iuris Civilis e das Ordenações,
que, basicamente representavam períodos de síntese ou de estagnação da criatividade
jurídica, na qual a principal intenção consistia na mera organização de repositórios
actualizados de direito vigente).

Havia que estabelecer a nova ordem decorrente do direito natural racionalista, isto é,
daquele conjunto de normas que traduziam valores imutáveis que se tornava possível
atingir pela razão.

Importa reter uma diferença importante: em determinados países as codificações


surgiram com o patrocínio do Despotismo Esclarecido, ao passo que noutras foram
consequência da difusão das ideias oriundas da Revolução Francesa, onde o princípio da
separação de poderes detinha um enorme relevo. A visão francesa diz que a lei vem dos
códigos, sem reconhecer a particularidade aos casos. Isto pressupõe a centralização do
poder. Este postulado conduzia a que todo o direito se apresentasse como uma exclusiva
criação do poder legislativo, daqui se traça o caminho do positivismo legalista:
 Direito é uma criação do Estado, enquanto poder legislativo, e esse direito
positivo transforma- se num dado indiscutível;
 Direito identifica-se com a lei e qualquer problema seria resolvido através do
formalismo de uma dedução lógica do sistema para o caso concreto;
 Negava-se assim, ao julgador, qualquer possibilidade mínima associada a uma
função criadora, transformando-se num autómato do silogismo judicial;
 Valores da certeza e segurança jurídicas, tidos na altura como valores
fundamentais;

As raízes deste movimento em Portugal, estão na:

o Receção das conceções acerca da ordem jurídica – Ferreira Borges


considerava que em matérias de puro direito civil, e em falta de lei pátria
expressa, preferíamos as determinações do Código Civil de França.
o Produção doutrinal dos autores da escola do direito natural moderno e do
Usus Modernus Pandectarum - autores do Usus Modernus Pandectarum, e em
geral das escolas do direito natural quer em obras doutrinais, quer em foro, pois
estes serão considerados como a melhor fonte de esclarecimento para se
determinar qual o direito romano conforme à Boa Razão, ou seja, aos princípios
de direito natural ou das gentes aceite como vigente pelas nações modernas e
iluminadas da Europa.
o Vontade política de se proceder a reformas profundas no corpo de direito pátrio,
no âmbito do movimento reformista e revolucionário que em Portugal vai abalar
as estruturas do antigo regime a partir do período revolucionário de 1820.

É, pois, em nome da certeza e segurança das relações jurídicas, dum conhecimento
exacto e unívoco do direito e como manifesta expressão de 1 visão racionalista que se
vai preconizar a criação dos códigos nos quais, por ramos do direito, a matéria jurídica
será exposta de forma sistemática e lógica e subordinada ao desenvolvimento de
princípios naturais e imutáveis de equidade, aceites como pontos de partida.

As correntes históricas do pensamento jurídico, a revolução francesa e os seus efeitos,


bem como a opinião de alguns autores, defensores da necessidade de codificação, foram
as causas de influência do movimento codificador português.
Ideias essencias do liberalismo

No que respeita a Portugal o Liberalismo instaura-se com a revolução liberal de 1820.

o Direitos Naturais do Homem - O Homem, devido à influência do racionalismo


século passado, é o ponto de partida e o ponto de chegada pois é ele e os seus
direitos que fundamentam o poder. Recuperando a ideia antiga, com base na
influência do método científico das ciências exatas, ficciona- se um Estado de
natureza onde os Homens são detentores de certos direitos, nomeadamente:
Liberdade, Segurança e Propriedade. No estado de natureza, o homem já tem
esses direitos, assim o estado é construído para salvaguardar estes direitos
naturais.
o Constituição escrita - Entendeu-se que a forma mais adequada de proteger estes
direitos seriam impondo limites através da lei. Assim liberdade não significa
fazer tudo o que queremos, mas sim o que a lei permite e não proíbe. Se a lei é o
garante e o limite da salvaguardar dos direitos, porque não passá-los a escrito e
compilar numa constituição.
o Soberania Popular - fundamento está no direito dos Homens e não no direito
natural ou divino, assim a soberania deixa de estar no reino e passar a estar no
povo. Surge a necessidade de um poder eleitoral, ainda que com sufrágio
censitário ou capacitário, passa-se a soberania para o povo.
o Governo Representativo - A soberania do povo é exercida pelos seus
representantes e exercem o poder em favor destes.
o Separação de Poderes - Não fica por uma divisão de funções entre executivo,
legislativo e judicial engloba igualmente um limite ao poder, procurando que os
governadores não excedam a concreta medida dos seus poderes.

No ponto de vista histórico, o positivismo está diretamente ligado ao liberalismo. A


proteção dos direitos naturais dependia de legislação positiva que assegurasse esses
direitos. O código civil era o código que garantia o direito de propriedade e o código
penal era o código que garantia o direito à liberdade. Estes direitos naturais dependem
de concretização positiva. Na visão liberal europeia, a concretização dos direitos
naturais era feita através do legislador.
A liberdade de associação não fazia parte dos primeiros ideais liberais. Isto porque
havia o receio que se criassem associações que se apoderassem novamente dos meios de
produção (ex: retorno ao corporativismo) ou que voltassem a dar poder à igreja. Os
sindicatos também estão proibidos, devido ao receio que os trabalhadores retomem o
ideais pré-liberais. Os sindicatos de patrões também estavam proibidos.

No início do séc. XIX, o debate político não era feito através de partidos. Em Portugal,
os partidos políticos não estavam organizados em organizações, mas sim em grupos de
pessoas com um líder. Isto está ligado à fraqueza da sociedade civil, pois está
organizada em torno de pessoas invés de ideias que constituem partidos políticos.

A proteção da propriedade dependia de decisões fundamentais tomadas à cerca do


comércio e da indústria. Assim sendo, ao lado da legislação civil, nasceu a legislação
comercial. O primeiro código comercial é o primeiro código português. A codificação
comercial resultou da necessidade do liberalismo de eliminar as organizações
corporativas. Estas corporações são extintas em Portugal com o liberalismo. O
liberalismo traz também a liberdade de concorrência e a liberdade de escolha da
profissão.

Só em 1769 é que o direito canónico deixa de ser aplicado nos tribunais seculares.

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