Turismo Cidadao No Centro Histórico de Pelotas

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35º SEURS

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ISSN: 1983-6554

TURISMO CIDADÃO NO CENTRO HISTÓRICO DE PELOTAS

Área temática: Cultura

Dalila Rosa Hallal1


Leopoldine Radtke Bergmann2

RESUMO:

Este artigo tem como objetivo analisar o passeio a pé no centro Histórico de Pelotas
enquanto uma prática de turismo cidadão. Elaborado à luz da concepção de turismo
cidadão, essa pratica visa incentivar a comunidade a conhecer o patrimônio
histórico-cultural de sua cidade, em especial do Centro Histórico. Constata-se que
muitas vezes o próprio cidadão desconhece sua cidade, sua história e o passeio a
pé no centro histórico é uma experiência para o turista cidadão, pois desperta a
curiosidade do olhar desse turista, tornando-o não apenas um espectador do lugar
onde vive, mas tornam-se responsáveis pela preservação desse espaço.

Palavras-chave: Educação Patrimonial, Turismo cidadão, Visita Guiada, Pelotas.

1 CONTEXTO DA AÇÃO
A cidade é um local de convivência entre pessoas que ali se fixam, e
produzem no dia-a-dia simbologias, valores e bens que acabam identificando seu
povo e particularizando-o por meio de sua história. Contudo ocorre que nesta
construção cultural, diversos interesses vêm ameaçando as cidades e os que nelas
vivem. Fatores econômicos movidos por um processo globalizador cada vez mais
acentuado e massificante, permitem a banalização da cultura. Isso acaba tendo
como consequência o desestímulo à manutenção de valores culturais próprios de
cada comunidade, em benefício de regras massificadas.
Desta maneira, verifica-se um crescente desinteresse dos cidadãos pela sua
história, memoria, patrimônio material, usos e costumes, o que acaba acarretando a
falta de identidade entre cidadão e sua cidade.
Durante a realização do Projeto de Extensão “Visitas Pedagógicas” do Curso
de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), partiu-se

1 Doutora em História PUCRS, Departamento de Turismo da Faculdade de Administração e de


Turismo. Universidade Federal de Pelotas. [email protected]
2 Discente do Curso de Turismo. Universidade Federal de Pelotas. [email protected]
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da ideia de turismo cidadão, cada vez mais preocupado com o valorização do lugar,
da sua história, sua memória e sua identidade. Foi quando passou-se a buscar
efetivamente mecanismos que pudessem garantir a reflexão da própria comunidade
sobre a temática do Patrimônio e do Turismo através da educação patrimonial,
abrangendo tanto as questões culturais quanto ambientais e promovendo o exercício
da cidadania em suas mais diversas formas. Nesse artigo será apresentado o
passeio a pé enquanto prática de turismo cidadão no centro Histórico de Pelotas.
O turista cidadão é aquele morador da localidade que vivencia
práticas sociais, no seu tempo rotineiro, dentro de sua cidade, de
forma não rotineira, onde é provado em relação à cidade. Turista
cidadão é aquele que resgata a cultura da sua cidade fazendo uso do
estranhamento da mesma. Este estranhamento inicia no momento
em que o indivíduo descobre no espaço cotidiano outras culturas,
outras formas étnicas e outras oportunidades de lazer e
entretenimento. Quando se encontra na situação de turista cidadão
este sujeito aprende a utilizar os espaços ambientais, culturais,
históricos, comerciais e de entretenimento com uma percepção
diferenciada do seu cotidiano (GASTAL; MOESCH, 2007, p. 65).

Essa ação é percebida como uma forma de preservação da história, da


memória e do patrimônio da cidade, inserindo-a como uma ferramenta de motivação,
consciência e conhecimento, podendo, dessa maneira, estimular a identidade entre
o cidadão e a cidade.

2. TURISMO CIDADÃO NO CENTRO HISTÓRICO DE PELOTAS


Pelotas localiza-se ao sul do Rio Grande do Sul. A formação urbana da
cidade foi propiciada pelo desenvolvimento econômico gerado pela produção do
charque, atividade que, até as primeiras décadas do século XX, passou a ser a
principal fonte econômica de desenvolvimento da região. Com o acumulo de riqueza
a cidade passou por um período de desenvolvimento fortemente influenciado pela
cultura Europeia, destacando-se do resto do país no processo de modernização
urbana, em meados de século XIX e inicio do século XX.
A atividade charqueadora provocava odores desagradáveis no entorno das
fazendas. Desse modo, os proprietários das charqueadas buscaram um local
afastado para suas moradias. Esse período consolidou uma paisagem histórico-
cultural materializada em um conjunto arquitetônico artístico destacado em relação
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ao resto do país. Uma parte representativa deste conjunto arquitetônico encontra-se


no Centro Histórico de Pelotas, local no qual é desenvolvido o Projeto.
Durante a realização do Projeto sempre nos questionávamos como se pode
efetivamente motivar o interesse do cidadão pela sua cidade? Esta ação objetiva
contribuir com um olhar, propondo o uso do turismo cidadão como forma de
preservação da história e do patrimônio da cidade, através dos passeios a pé pelo
Centro Histórico de Pelotas, conduzido pelos discentes do Curso de Turismo da
UFPel, com alunos de escolas, associações e grupos organizados, estimulando
dessa maneira a identidade entre cidadão e cidade.
O passeio consiste em um roteiro percorrido a pé, na maioria das vezes,
realizado com alunos do ensino fundamental de escolas de Pelotas, entendido
enquanto uma prática de turismo cidadão no centro Histórico de Pelotas, o que nos
parece uma ação capaz de despertar a curiosidade necessária acerca da sua cultura
e sua cidade.
Essa prática é realizada no Centro Histórico de Pelotas, visto que este tem
um importante papel no que se refere à identidade e memória de um povo, pois, ali é
o início de tudo, o núcleo formador e multiplicador das vivências, valores, costumes
e patrimônio. A opulência da cidade no século 19 pode ser vista nos casarões no
entorno da Praça Coronel Pedro Osório. Desse modo, o que se propõe é o roteiro a
pé como uma ação de educação patrimonial a partir do entendimento dessa história.
No Centro Histórico visualiza-se as edificações históricas e modernas, narra-
se os fatos ocorridos no local, eventos, esculturas públicas, murais, painéis,
calçamentos, paisagismo, possibilidades de educação ambiental, de interferências
quanto à manipulação do lixo, sinalizações, placas comemorativas, percepções de
função do espaço público, de zoneamento e direcionamento, localização espacial,
leitura e utilização de mapas, cidadania, preservação e conservação patrimonial.
O passeio tem início no Mercado Público onde é feita uma introdução sobre a
formação/origem desses espaços (Centro Histórico), bem como sua importância
para o desenvolvimento econômico e social da cidade. Em seguida, nos
direcionamos para a parte interna do Mercado onde aborda-se a história do prédio e
seus usos ao longo do tempo. Ao sair do Mercado visualiza-se a Prefeitura Municipal
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de Pelotas, onde destaca-se que o local foi construído com outra finalidade e que lá
foi assinada a abolição da escravatura em Pelotas.
Ao apresentar o prédio do Antigo Banco do Brasil é possível fazer uma
comparação entre antigo e atual já que ao olhar para o lado pode-se ver a nova
sede do banco, um edifício que possui um estilo arquitetônico completamente
diferente do antigo.
Na sequência do roteiro nos direcionamos ao Grande Hotel, as Casas
Geminadas, o Casarão Assumpção, Teatro Guarany, Casarão 02, Casarão 06,
Casarão 08, Casa de Pompas Fúnebres, Casa da Banha, Clube Caixeiral, Teatro
Sete de Abril e Biblioteca Pública. Ao observar as edificações discute-se sobre a
relevância delas na época em que foram construídas e tiveram suas funções
originais. Destaca-se que também são enfatizadas as relações sociais existentes
nos séculos XIX e XX, principalmente entre elite e escravos.
Durante o percurso entramos no Mercado Público, nos Casarões 02, 06 e 08
e ocasionalmente na Biblioteca Pública, na Prefeitura e no Grande Hotel. Desse
modo, os turistas cidadãos podem perceber esses patrimônios enquanto
representantes de uma coletividade e compreender o significado e a relevância
dessas edificações.
Para finalizar o passeio adentra-se na Praça Coronel Pedro Osório onde
aproveita-se os recursos ali existentes para ampliar as discussões sobre a história e
a memória de Pelotas - tem-se, por exemplo, bustos, estátuas e placas
homenageando fatos históricos e personagens de diversas áreas de atuação,
plantas como o pau-brasil, árvore que dá o nome ao país, relógio-solar e o chafariz
Fonte das Nereidas no centro da praça que veio da França com objetivo de fornecer
água para a população do entorno. Neste momento, ressalta-se que cada um destes
é, atualmente um atrativo turístico de Pelotas, assim como todo o Centro Histórico.
Segundo Castrogiovanni (2001, p. 24), o olhar para as cidades propicia
prazeres e descobertas:
Olhar para as cidades é sempre um prazer especial por mais comum
que possa ser o panorama urbano. A cidade é uma construção física
e imaginária, compreende um lugar e faz parte do todo geográfico. O
tecido urbano é dinâmico e está inserido no processo histórico de
uma sociedade. [...] A cada instante, há mais do que os olhos podem
ver, do que o olfato pode sentir ou do que os ouvidos podem escutar.
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Cada momento é repleto de sentimentos e associações. A cidade é o


que é visto, mas mais ainda, o que pode ser sentido.

Durante a realização das caminhadas tem-se a preocupação que essa pratica


seja prazerosa na sua essência, sem correr o risco de tornar-se aborrecedor aos
nossos turistas cidadãos, pois essa caminhada não deve assumir o caráter de aula
ou de obrigação, pela forma como é realizado, ou pelo excesso de informação,
torna-se desprazeroso aos olhos daquele que o pratica, e o passeio acaba
assumindo o ônus de seus exageros, ou seja, uma viagem sem o gosto de “quero
mais”, tão importante para o bom desempenho do turismo.
A educação patrimonial e cultural tem sido lembrada por escolas, empresas e
governantes como a forma mais eficaz de proporcionar identidade e cidadania às
pessoas. Uma das formas de se promover a educação patrimonial é o passeio a pé
pelo centro histórico da cidade, onde percorresse todo o trecho estimulando o lúdico
através da vivência, da experimentação, ativando informações que o percurso possa
apresentar, como: descrição de fachadas arquitetônicas quanto a estilos e
importância, nomes e datas de logradouros públicos, fatos históricos e curiosidades
significativas.
Algo que chamava a atenção, todas as vezes que o passeio é realizado, é o
fato de pedestres que passavam pelo grupo, e ouviam a explanação, pararem,
perguntarem, e muitas vezes acompanharem o grupo pelo restante do roteiro.
Foi percebido que dentro das rotinas mais banais não há o hábito da
investigação, não há o despertar da curiosidade das pessoas, em relação a
identificação e preservação do patrimônio, não poderia ocorrer o contrário, afinal só
se identifica, ou se preserva aquilo que se conhece, só se conhece aquilo que é
ensinado com motivação adequada e, só se aproveita aquilo em que o interesse é
atraído e instigado.
Para realizar tal trabalho precisamos compreender os processos que
levaram as cidades a serem o que são hoje. Não é preciso que este
seja um assunto árido, ensinado a partir de livros, pois os elementos
estão todos à nossa volta. Só precisamos de nossos olhos para
enxergá-los, ou seja, precisamos reaprender a olhar as cidades.
(GOODEY, 2002, p.77)

Estimular o exercício da percepção é algo que deve ser estimulado no


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turista cidadão, pois, perceber é um processo e, sabe-se que é na vivência e na


experimentação que surge a capacidade de sensibilizar o espectador com a
realidade cultural que lhe é mostrada, como se verifica em Ballart (1997, p.98),
Es decir, que más allá de las palabras, los datos y los
acontecimientos lo que hace falta es acercarse a las cosas hechas
por los hombres y procurar identificarse com ellas de una manera
emocional, abriendo la propria sensibilidad a la relación con el
exterior.

Turismo cidadão é para além da atividade turística uma expressão cidadã,


uma forma de conhecer e compreender a cidade. Assim turismo cidadão é um
fenômeno onde o habitante sensibilizado desenvolve um relacionamento diferente
com o local onde mora no seu tempo de lazer, que exposto ao estranhamento,
utilizando-se dos fixos e fluxos da cidade com percepções diferentes da cotidiana e
apropriando-se da cidade por meio da experiência vivida. “Cada vez mais, a cidade
será o resultado da rede de processos simbólicos, de comportamentos e culturas,
que acontecem no seu interior” (GASTAL; MOESCH, 2007, P. 21). A partir desta
concepção a cidade seria então um território de exercício da diversidade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No ano de 2016 a equipe que atuou no Projeto foi composta de 03 docentes,
17 discentes, 01 servidora técnico-administrativa e 01 bolsista. As atividades são
realizadas no Centro Histórico de Pelotas (caminhada a pé e visita em alguns
prédios). Em 2016 foram realizadas 16 visitas pedagógicas ao Centro Histórico de
Pelotas, onde foram atendidas 12 instituições/Grupos, atingindo um público de 400
crianças, 60 adolescentes e 180 adultos.
Durante a realização do roteiro constata-se que muitas vezes o próprio
cidadão desconhece sua cidade, sua história. Assim, entende-se que o passeio a pé
no centro histórico é uma experiência para o turista cidadão, pois desperta a
curiosidade do olhar desse turista, tornando-o não apenas um espectador do lugar
onde vive, mas tornam-se responsáveis pela preservação desse espaço. O centro
histórico de uma cidade tem um importante papel no que se refere à identidade e
memória de um povo, pois, ali é o início de tudo, o núcleo formador e multiplicador
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das vivências, valores, costumes e patrimônio realizado.


Desse modo, a visita a pé pelo Centro Histórico possibilita uma vivência para
o turismo cidadão, pois os locais visitados ganham sentidos e significados pela sua
divulgação, pela própria escolha de “merecerem” fazer parte de um roteiro, e de
forma muito especial pela fala da equipe do projeto que (re)apresenta, (re)significa,
cada um dos espaços, cada uma das paisagens do roteiro perseguido. O espaço,
algumas vezes, é o mesmo percorrido cotidianamente, mas a partir das informações
e discussões realizadas durante esse percurso, a cidade vai ganhando outros
significados. O olhar é direcionado a detalhes que passavam desapercebidos. A
paisagem vai sendo preenchida por valores históricos, culturais e turísticos.
A vivência proporcionada pela ação de extensão representa uma
oportunidade de troca, de aprendizado e de respeito, tanto para a comunidade local
do município de Pelotas e região, quanto para os docentes e discentes do Curso de
Bacharelado em Turismo da UFPel.

REFERÊNCIAS
BALLART, Joseph. El patrimônio histórico y arqueológico: valor e uso. Barcelona:
Ed. ARIEL SA.. 1997, 1a. ed.
CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. Turismo e ordenação no espaço urbano.
In:CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos; GASTAL, Susana. Turismo Urbano. São
Paulo: Contexto, 2001.
GASTAL, Susana; MOESCH, Marutschka Martini. Turismo, Políticas Públicas e
Cidadania. Coleção ABC do Turismo. São Paulo: Aleph, 2007.
GOODEY, Brian. Olhar múltiplo na interpretação dos lugares. In: MURTA, Stela
Maris e ALBANO, Celina (orgs). Interpretar o patrimônio: um exercício do olhar. Belo
Horizonte: Ed. UFMG: Território Brasilis, 2002: 75-94.

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