Diário Da Nau Bretoa

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D M I O BA N M M J S O

DE

gedto &j>eò ^
. R i o Uruguay (DE 1330 À 1532)
pela costa do Brazil ate o Rio Uruguay i
(4.* e d i ç ã o )
A COM«HM U M U » — O S , NOTAS:

LIVRO M V M I
DA.
N A O « B R E T O A » AO CÀ.BO F R I O (EM
POR

(DuaOe íFetwa^eó

(Mow» edição)

Tudo aunotado e precedido de


noticioso prologo escrípto pelo seu editor
Jb.de Vatuhp*.

RIO DE JANEIRO.
Typ. deD. L, dos Santos^mNova do Ouvidorb* 10.

1867.
PROLOGO

T> „ T nnps de Souza foi feita


edição O códice cri-
e m 1839, havendo p r m d p a l m e u t s

L u d e letra d e P e r o Goes c o m ^
retoques inadimissiveis d o I » J L i v r a r i a real

da Ajuda. Esta edição tem s i . B n m e l n a

thecer P ^ ^ b X U ^ ^
palavra S o u z a ) e p o r Mr.

mentos, ínciumu « l a n ç a r á contra P e d r o í ^

U de Março de 1538 ^ ,fu c l as minhas primeiras


E e m algumas notas, m o d m q resp6lt0 a

i d L na ^ ' j K S S l t o da Prata e U r u g u a y .
p a H e da viagem pelas a g " t p o r e s te ultimo no, e que,
D e p o i s q a e também ^ i l b a s d 6 S Gabrul, de
como P e r o Lopez, P f ^ ^ ^ f que a final vi as bocas
Marnm Garcia e D o s * e que convenci
m e

do P a r a n á , penetrando peia uo
que Pero Lopes, deixando esta á esquerda, subiu pelo
Uruguay e penetrou pelo Rio Negro acima, e retrocedendo
l o g o para seguir a subir pelo Uruguay, e graças a novos
estudos, que fiz depois da 3 a edição do Diário publicado
na Revista do Instituto, não hesito hoje em reconhecer
que Pero Lopes passou alem do rio Gualeguay. Só me fica
o sentimento de não ter podido ( c o m o fiz até a foz do
G u a z u ) acompanhal-o pelo Uurugay acima com o seu
roteiro na mão, a v e r se ia dar com o tal esteiro dos Ca-
randins (Querandins).
E ' tarefa que fica pois reservada a quem tenha para isso
outras proporções. Também hoje acredito que a ilha das
Pedras a oeste de Montivideo, em que veio a naufragar o
bergantim de Pero Lopes, é a que actualmente se chama
de las Gaviotas.
Eis quanto j u l g o essencial prevenir ao publico, por oc-
casião da nova reimpressão do roteiro do joven donatario
de Santo A m a r o e d o territorio da actual Parahyba do
Norte. Não devo porém dissimular que este escripto, aliás
importantíssimo para a historia dos descobrimentos marí-
timos e m geral e até para a historia patria a alguns
respeitos, perdeu em relação a esta ultima, pelo acha-
mento de outros documentos, uma parte da maxima
valia que tinha no momento em que viu pela primeira vez
a luz.
O seu simples apparecimenlo rasgou então de um jacto
paginas e paginas de intermináveis conjecturas de F r .
Gaspar e de Jaboatão (cujos escriptos, no estado actual da
critica historia mais podem induzir o principiante e m
erros do que servir a g u i a - l o ) e tirou tocia a duvida acerca
da existencia do Caramurú, o que depois se elucidou
melhor por novas provas. — Até esse apparecimento,
— 5 —•

nenhum outro documento tinha lançado mais luz sobre


varias questões intrincadas da primeira época da nossa
Historia, porquanto serviu de esclarecer um período de
mais de vinte annos cleílo, quando a carta de Pero Vaz de
Caminha era apenas revelação do que se passara durante
dias I

Quanto ao « Livro ( da v i a g e m ) da Náo Bretoa »,


que vae de novo publicado nas paginas seguintes, baste-
nos dizer que também foi elle por nos dado a conhe-
cer em 1844, e que pela primeira vez viu a luz inte-
gralmente, em 1854, no fim do I o volume da nossa H i s -
toria Geral ( I a Edição, nota 13, de pagina £27 a 432 ) —
o MS. de que foi tirada a copia se guarda em Lisboa na
T o r r e do Tombo ( n o armario da Casa da Coroa Maç, 9
Num. 2. ) Está escripto em papel florete escuro , cuja
marca d'agua é uma luva com uma estrella diante do
dedo do meio. Consta o dito « Livro » de dois quader-
nos de papel cosidos, um com seis folhas ( 2 4 paginas
de folha), e outro com oito (32 paginas). Deste q u a -
derno falta a ultima meia folha. A o todo existem hoje
50 paginas, algumas delias em branco, das quaes fal-
tam quatro, ou uma folha. A capa é de pergaminho
usado, que parece haver sido d'algum missal. A folha
do rosto contem o titulo, e lê-se por cima delle escripto
—- 483 — , e abaixo — Extras — . ignoramos se esta náo
Bretoa era ainda a mesma que, segundo Gaspar Correa,
fora em 1502 á índia, capitaneada por Francisco Mare-
cos. Dos armadores sabemos que Morelle vinha a ser
sobrinho de Marchioni, que ambos negociavam em as-
sucares, e eram mui ricos.
O conhecimento, dado por este documento, da exis-
tencia de uma feitoria e m Cabo Frio, erecta anteriormente
a 1511, foi o luminoso facho, que nos guiou para chegar
aos fortes indicios, que constituiram provas, em virtude
das quaes nos convencemos haver essa feitoria sido a
colonia fundada em fins de 1503 pela segunda expedição
pertugueza, que veio explorar a nossa costa, e que h o u -
vera erro na designação da latitude, segando se lia e m
uma carta de Vespucio, devendo ter-se impresso 23°. e m
vez de 18° ; — sendo mui frequente, nos manuscriptos
antigos confundir-se o 1 c o m o 2, e o 3 com o 8 .

A respeito desta viagem de Yespucio, em que, segundo


nossas recentes averiguações, ia a principio p o r chefe
Gonçalo Coelho bem como da anterior, em que f o r a m des-
cobertas a Bahia e a ilha Georgia de Cook, consulte-se o
livro ín folio, que em 1865 dêmos a luz, em lingua f r a n -
ceza, com o titulo :

AMERIGO VESPUCCI, SON CARACTÈRE, SES ÉCRITS ( MEME LES


MOWS AUTHENTIQUES) SA VIE ET SES NAVIGATIONS.

Neste livro publicado, como «homenagem â justiça, á


moralidade e á verdade histórica, em favor do nome ame-
rieano.» procuramos justificar completamente a m e m o r i a
do navegador florentino, mostrando, em virtude da ana-
lyse paleographica dos manuscriptos, como não são auten-
ticas nem genuínas certas cartas que se lhe attribuem, e
cuja analyse tanto dei) que fazer a Humboldt e a outros,
que por lhes darem credito tão mal deixaram apreciado o
mesmo Vespucio. E aprovditaremos esta occasião para
addícionar que hoje acreditamos que a expedição de 1501,
em que Vespucio descobriu a m a r g e m septentrional da f o z
— 7—•

do Prata ( s e m ver a m a r g e m do sul, nem saber que era


rio ) . e que por julgar seu commandante que ahi se aca-
bava este continente, e que não poderia seguir explorando
para oeste, senão ultrapassando o que era da demarcação
de Portugal, é que resolvera fazer r u m o para sueste. Ora
sendo assim, esse commandante ou chefe não podia ter
sido senão D. Nuno Manuel; o que tudo nos propomos
justificar melhor em outro logar.

E por esta occasião diremos que já em um trabalho


anterior ( « La verdadera Guanahaní de Colon » ) impresso
pela Universidade do Chile nos seus Annaes, v o l X X V I .
de Janeiro de 1864 ) haviainos tido infelizmente occasião
de não concordar com o mesmo sábio Humboldt, quando
exposemos que a verdadeira Guanahani não podia ser a
S. Salvador ou Catt, admittida por elle, seguindo a M.
Irving ; nem a W a t l i n g proposta pelo historiador Munoz,
seguido por Capt. Becher : nem a Turco indicada por N a -
varrete ; mas unicamente a modesta Mayagmm, ainda
antes por ninguém lembrada.

Rio de Janeiro, 1867.

F. A . DE V .
MABIO D A NAVEGAÇÃO
3
DE

P E R © L 0 F E S B E 80B8.A- '

(de a 1532.)

Na era de 4530, sabado 3 dias do mes de dezembro»


parti desta cidade de L i x b o a , debaixo da capitania de
Martim Affonso de Sousa, meu irmão, que ia por capitam de
uma armada e governador (1) da t e r r a d o Brasil:
com vento leste saí fóra da barra, fazendo caminho do
sudoeste.
Domingo k do dito mes no quarto d'alva se nos f e z o
vento norte, e com elle fizemos o mesmo caminho do su-
doeste.
Segunda-feira 5 do dito mes ao meo dia tomei o sol em
trinta e seis grãos e dous terços: demorava-me o c a b o
de S a m V i c e n t e a leste e a quarta do nordeste.
Terça-feira 6 de dezembro ao meo dia tomei o Sol em
trinta e cinco grãos e hum quarto: com vento norte mui for-
çoso fazia o caminho do sudoeste e a quarta do sul. Na nao
Cqpitaina sentíamos muito trabalho porque nam governava;
e não levamos mais vela que o traquete e mezena.
Quarta-feira 7 do dito mes ao meo dia tomei o sol em
trinta e quatro grãos: fazia o caminho do sudoeste.
Quinta-feira 8 do dito mes se passou o vento ao nornor-
deste e ventou com muita força, e trazia grande mar por
l ô : a nao ia tam má de g o v e r n o ; corríamos muito risco de

(1) Vej a adiante as cartas de nomeação e poderes.


2
— 10 — •

nos quebrar os mastros. Este dia nàm tomei o sol: fazia-me


em trinta e hum grãos e hum terço. Demorava-me o c a b o
d e S a m Y i c e n t e a o nornordeste; e a i l h a d a M a-
d e i r a me demorava ao noroeste e a quarta d'aloeste:
fazia-me delia vinte e cinco léguas.
Sesta-feira 9 dias de dezembro ás tres horas despois de
meo dia houve vista da t e r r a ; e chegando-nos mais a ella,
reconhecemos ser a i l h a d e T e n a r i f e. Como foi
noite tiramos as monetas; e pairamos a noite toda até o
quarto d'alva, que nos fizemos á vela.
Sabado 10 dias do dito mes ás quatro horas despois do
meo dia surgimos no porto da i 1 h a d a G o m e Lr a.
Em terra tomei o sol em vinte e oito grãos e hum quaho :
ali cor regemos o leme.
Terça-feira 13 de dezembro no quarto d'alva nos fizemos
á vela com vento nordeste : faziamos o caminho do sul e a
quarta do sudoeste.
Quarta-feira I A do dito mes ao meo dia tomei o sol em
vinte e seis grãos e hum quarto: demorava-me o c a b o d o
B o j a d o r a leste e a quarta do nordeste: faziamos o
caminho do sul e a quarta do sudoeste.
Quinta-feira 15 de dezembro ao meo dia tomei o sol em
vinte e quatro grãos e m e o : o vento saltou a lesnordeste
brando.
Sesta-feira 16 do dito mes no quarto d'alva se passou o
vento ao sudoeste; e com elle barlaventeamos até á noite,
que ficou o vento em calma.
Sabado 17 do dito mes andamos o dia todo em calma.
Domingo 18 do dito mes, dia de Nossa Senhora ante
Natal, andamos em calma sem ventar bafo de vento; senão
grande vaga de mar, que vinha do sudoeste; e os ceos cor-
riam muito tesos do mesmo rumo.
— 11 — •

Segunda-feira 19 do dito mes ao meo dia tomei o sol


em vinte e hum grãos e tres quartos: demorava-me o c a b o
d a s B a r b a s a leste, e por fazer grande abatimento com
o mar mui grosso, que me rolava para a terra, me fazia do
dito cabo vinte legoas.Lancei o prumo ao mar e tomei
fundo com concoenta e cinco braças. De noite me ventou
hum pouco de vento norte.
Terça-feira 20 dias de dezembro ao meo dia tomei o sol
em vinte e hum grãos e um quarto; e o vento começou a re-
frescar do norte, e com elle fazíamos o caminho ao sudoeste
e a quarta do sul. Demorava-me o c a b o B r a n c o a
lessueste: fazia-me delle vinte e cinco léguas. Huma hora
cie sol houvemos vista de duas velas e as fomos demandar:
e era hüa caravela e hum navio que vinham de pescaria,
e por elles escrevemos a P o r t u g a l .
Quarta-feira 21 do dito mes ao meo dia tomei o sol em
vinte grãos e hum t e r ç o : com vento nordeste de todalas
velas fazíamos o caminho ao sudoeste e a quarta do s u l ,
demorava-me o c a b o B r a n c o a leste e a quarta do
nordeste.
Quinta-feira 22 do dito mes ao meo dia tomei o sol e m
desoito grãos e tres quartos: demorava-me o c a b o B r a n -
c o ao nordeste e a quarta de leste: fazia-me delle cincoen-
ta e cinco léguas.
Sesta-feira 23 do dito mes tomei o sol emdesesete grãos
e dous terços; e desde o meio dia fizemos o caminho ao
sudoeste e quarta de loeste. Gomo foi noite governamos
ao essudoeste.
Sabado 24 do dito mez tomei o sol e m quinze g r ã o s ; e
fazia o mesmo caminho d'oessudoeste. e em se pondo o
sol vimos terra ao sudoeste e a quarta d'oeste: seriamos
delia oito léguas. Gomo foi noite pairamos até o quanto
— 12—•

(Talva, que nos fizemos à vela. E como foi de dia reconhe-


cemos ser a i 1 h a d o S a 1.
Domingo 25 de dezembro, dia de Natal, pela manhãa fi-
zemos o caminho do sul até á noite, que fomos com a i 1 h 3
de B o a V i s t a: por resguardo do baixo, que nos demo-
rava a lessueste, fizemos o caminho do sul. E como foi
noite mandou o capitão I. (*) a Baltazar Gonçalves, capitão
da caravela Princeza que fosse diante, e levasse o farol; e
assim fomos até pela manhãa.
Segunda-feira 26 do dito mez estavamos pegados com a
i l h a d e M a i o : a caravela Princeza não apparecia, nem
da gavia. Indo demandar o porto da i 1 h a d e S a n t i á-
g o , veio hüa cerração que na nao nam nos viamos uns aos
outros.Por nam poder fazer caminho pairamos a noite toda.
Terça-feira 27 do dito mes pela manhãa estavamos hum
tiro de abombarda de terra da i l h a d e S a n t i a g o , da
banda do norte; e o vento começou a ventar norte mui rijo,
e alimpou a névoa. Indo para tomar o porto da R i b e i r a
G r a n d e saltou o vento de supito ao sueste, que nos era
mui contrario; e assim barlaventeamos o dia todo sem
poder cobrar nada. A noite passada da cerração se apartou
de nós a nao S. Miguel, de que era capitam Heitor de
Sousa.
Quarta-feira 28 do mes de dezembro pela manhãa nos
acalmou o vento hum tiro de falcam da terra; e o mar an-
dava tam grosso, que se nos nam ventara hum pouco de
vento norte foramos de todo perdidos; porque o mar nos
rolava para terra, e nam podíamos surgir; porque o fundo
era de pedra: este dia ao meo dia fomos a surgir na P ra i a.
Aqui achamos húa nao de duzentos toneis, e hüa chalupa
. H O A. escreve muitas vezes capitam /. quando se refere a seu
irmão o capitão-raór Martim Afíbnso.
— 13 — •
de Castelhanos; e em chegando nos disseram como iam ao
K i o d e M a r a n h ã o : e o capitam í. lhe mandou re-
querer quo elles nam fossem ao dito r i o ; porquanto era de
el-rei nosso senhor e dentro da sua demarcação.
Quinta-feira 29 do dito mes pela manbãa demos á vela,
e fomos surgir a R i b e i r a G r a n d e onde achamos a
caravela Princeza: aqui neste porto tomei o sol em quinze
gráos e hum sesmo. Aqui veo dar o navio S. Miguel com-
nosco. Nesta ilha estivemos tomando cousas necessárias
para a viagem até terça-feira 3 dias de janeiro de 1531
Fizemo-nos á vela em se cerrando a noite com muito vento
nordeste : o galeam S. Vicente perdeu duas ancoras em se
fazendo á vela: e a caravela Princeza húa; porque o sur-
gidouro deste porto é todo sujo. Como saio a lua se fez
o vento lesnorJeste, e ventou com tanta força que nem
podíamos com a vela. Indo assi correndo com gram mar
deu a nao húa guinada, e em preparando ,de lò nos arre-
bentou o mastro do traquete pelos tamboretes, de que
sentimos muita fortuna; e amainamos a v e l a ; e fomos
correndo ao som do mar até que foi de dia.
Quarta-feira h de janeiro ao meo dia fez-se o tempo em
mais bonança, eabaxarnoso masto hum covado, puzemos-
ihes huas emmes (*) e com arraíaduras o correremos o
melhor que pudemos. °
Quinta-feira 5 do dito mes o vento era muito mais forte
do que o dia c/antes : fazíamos o caminho do sul e da quarta
do sueste.
Sesta-feira 6 do dito mes o vento e o mar eram mais
bonança; e gastamos o dia todo em correger o masto»
Sabado 7 do dito mes ao meo dia tomei o sol em oito
grãos e meo: demorava-me o c a b o V e r d e a o nordeste»
C) Emmendas ?
—«« j 4 —

e tomava da quarta do norte: demorava-me o c a b o R o x o


a lesnordeste: fazia-me delle cento e quinze léguas: fa-
zíamos o caminho do sulsueste.
Domingo 8 do dito mes o vento norte bonança fazia-mo
o mesmo caminho do sulsueste.
Segunda-feira 9 do dito mes ao meo dia tomei o sol em
cinco grãos e m e o : demorava-me o c a b o R o x o ao
nordeste: fazia-me delle cento e cincoenta léguas ; demo-
rava-me a S e r r a L e o a a leste e a quarta do nor leste :
fazia-me delia cento e setenta e seis léguas. Fazíamos o
caminho ao sulsueste. Neste dia nos morreu um homem,
que trazíamos da i l h a d e S a n t i a g o .
Terça-feira 10 do dito mes pela m a n i m nos deu húa
trovoada com muito vento e agua, que nos fez amainar as
velas. O dia todo estivemos sem vento até o quarto da mo-
dorra, que se fez o vento nordeste; e com elle nos fizemos
à vela.
Quarta-feira 11 do dito mes nos deram milites trovoa-
das; e de noite no quarto da prima nos deu húa trovoada
do sueste, e outra do nordeste, com muito vento e agua e
relampados.
Quinta-feira 12 do mes de janeiro se fez o vento leste,
e com elle fizemos o caminho do sul.
Sesta-feira 13 do dito mes todo dia nos choveu. Com o
vento norte fazíamos o caminho do sul. Gomo se nos o sol
pôz, acalmou o vento; e estivemos toda a noite em calma.
Sabado l i do dito mes torneio sol em três grãos e três
quartos: este dia todo não ventou; senam choveu muita
agua, e fazia tam grande calma, que nam se podia suportar.
Domingo 15 do dito mes tomei o sol em dous grãos e
dous terços.
Segunda-feira 16 do dito mes se fez o vento sudoeste,
\
— 15 — •
o com cllo fazíamos o caminho do sulsneste; e no quarto
da prima nos deu Ima trovoada, com gram força de
vento, que nos fez amainar de romania as velas.
Terça-feira 17 do dito mes tornou a ventar o vento de
oestesudoeste, e ao meo dia tornei a tomar o sol em hum
grao e meo.
Quarta-feira 18 do dito mes tomei o sol em meo grao :
e o vento se fez sueste, e com el!e fazíamos o caminho ao
sudoeste e a quarta d'oeste; e demorava-me o c a b o d e
S a n t o A g o s t i n h o ao sudoeste e a quarta d'oeste.
Quinta-feira 19 do dito mes tomei o sol em dous terços
de grao, da banda do sol.
Sesía-ftíira 20 do dito mes, tomei o sol em tres quartos
de grao: o vento era sueste, que nos era escasso para do-
brarmos o c a b o d e s a n t o A g o s t i n h o. As aguas
nesta paragem correm a loeste com muita força.
Sabado 21 do dito mes tomei o sol em hum grao e tres
quartos.
A I l h a d e F e r n ã o d e L o r o n h a me demorava
ao sudoeste e a quarta d'oeste; o c a b o d e s a n t o
A g o s t i n h o ao sudoeste. O vento nos era mui escasso,
de que senti amos muito trabalho.
Domingo 22 do dito mes, tomei o sol em dous g r ã o s :
demorava-me a i l h a d e F e r n ã o d e i o r o n h a ao
sudoeste, e a quarta d'oeste: fazia-me delia quarenta e
cinco léguas. No quarto de prima se nos fez o vento lessu-
este.
Segunda-feira 23 de Janeiro ao meo dia tomei o sol em
tres grãos e um quarto: demorava-me a i 1 ha de F e r n ã o
d e L o r o n ha ao sudoeste: fazia-me d'eiia desoito léguas.
O c a b o d e s a n t o A g o s t i n h o me demorava ao
sudoeste: fazia-me delle cem léguas.

<*
— 16—•

Terça-feira ao meo dia tomei o sol em quatro grãos e


hum quarto. N'esta paragem correm as aguas aloesnoro-
este: em certos tempos correm mais; sc.desde Março até Ou-
tubro correm com mais fúria. He por estas correntes faze*
rem os abatimentos incertos que muitas vezes se dam dua s
quartas de abatimento, e abatem os navios quatro. Assi que
n'esta paragem a pilotagem ho incerta: por -experiencia
verdadeira, para saberdes se estais de barlavento ou de
jula vento da i 1 h a d e F e r n ã o d e l o r o n h a, quando
estais de barlavento vereis muitas aves as mais rabi forcados
e alcatrazes pretos; e de jula vento vereis mui poucas aves,
e as que virdes serão alcatrazes brancos. E o mar é mui
chão.
Quarta-feira °25 de janeiro ao meo dia tomei o sol em
cinco grãos e hum fcerço. Com o vento lessueste faziamos
o caminho de lessudoeste.
Quinta-feira 26 do dito mes tomei o sol em cinco grãos e
meo. Faziamos o caminho de sul sudoeste.
Sesta-feira 27 do dito mes tomei o sol em sete grãos e
m e o : e desde meio dia arribamos duas quartas: e fazia o
caminho do sudoeste.
Sabado tomei o sol em oito grãos e m e i o ; faziamos o
caminho a loeste e a quarta do sudoeste. E desde o quarto
da prima governamos a este.
Domingo 29 do dito mes tomei o sol em nove grãos.
Faziamos o caminho a loeste, com vento leste.
Segunda-feira 30 dias do mes de janeiro tomei o sol: e
estava na altura do c a b o d e s a n t o A g o s t i n h o ;
e iamol-o a demandar pelo rumo d'aloeste. Este dia não
correo pescado nenhum comnosco, que he signal nesta
costa d'estar perto de terra; e outro nenhum°nam tem
3enameste.
— 17 — •
Terça-feira 31 do dito mes no quarto (Valva vimos
terra, que nos demorava a b e s t e : chegando-nos mai s
a ella houvemos vista de hüa n a o ; e demos as velas todas,
e a fomos. demandar: e mandou o capitam í. dous navios
na volta do norte, — na volta em que a náo ia, e outros
dous na volta do sul: a nao como.se vio cercada arribou
a terra, e mea légua delia surgio e lançou o batel fora.
Como fomos delia hum tiro de bombarda se meteo a gente
toda no batel e fugio para a terra. Mandou o capitam I a
Diogo Leite, capitam da caravela Princeza, que fosse com
seu batei apoz o batel da nao: quando ja chegou a terra,
era ja a gente metida pela terra dentro, e o batel quebrado.
Foftios á náo, e nella nam achamos mais que hum só ho-
m e m ; tinha muita artelheria e polvora, e estava toda abar-
rotada de brasil. A o meo dia nos fizemos á vela para ir
demandar o c a b o d e S a n t o A g o s t i n l i o : seria-
mos delle seis léguas. Tomamos esta náo de França de-
fronte do c a b o d e P e r c a a u r i: corre-se com o
c a b o d e S a n t o A g o s t i n h o norte e sul, tomada
quarta de noroeste e sueste. Da banda do sul do c a b o d e
S a n t o A g o s t i n h o achamos outra nao de França,
que tomamos carregada de brasil. Esta noite no quarto da
prima me mandou o capitam I. com duas caravelas á i l h a
de s a n t o A l e i x o ; porque tínhamos informaçam que
estavam ahi duas náos de França: fui toda a noite com o
prumo na mão, sondando por fundo de doze braças: no
quarto d'alva surgimos ao mar da ilha mea légua, em fundo
de doze braças d'area grossa.
Quarta-feira primeiro dia de febreiro em rompendo a
alva vimos mea légua ao mar hüa náo, que cos traquetes ia
no bordo do norte, e como a vimos me fiz á vela no bordo
do sul. A nao, como houve vista das caravelas, deu todalas
3
— 18 — •

velas. Neste bordo do sul fui quatro relogios, e virei no


bordo do norte; e ao rneo dia era na esteira da nao, duas
léguas delia: a outra caravela era bua légua de mim a ré.
Como descobrimos o c a b o de s a n t o A g o s t i n h o
saio o capitam I. no navio Sam Miguel com o galeam Sam
Vicente, e com húa das naos, que tomara aos Francezés;
mas vinha tanto a julavento que quasi nam podiam cobrar
a terra. Este dia, M a hora de sol, cheguei á nao, e p r i -
meiro que lhe tirasse, me tirou (lous tiros: antes que fosse
noite lhe tirei três tiros de camelo, e tres vezes Ioda a outra
artelheria: e de noite carregou tanto o vento lessueste, que
nam pude jogar senam artelheria m e u á a ; e com ella pelle-
jamos toda a noite. *
Quinta-feira 2 de febreiro em rompendo a aíva mandei
hum marinheiro ao masto grande ver se via o capitam I, ou
os outros navios, e me disse que via húa vela, que nam di-
visava se era latina, se redonda. È desde as sete horas d o
dia até o sol posto, que rendemos a nao, pellejamos sempre,
â nao me deo dentro na caravela trinta e dous tiros, que-
brou-me muitos aparelhos, e rompeo-me as velas todas.
Estando assi com a nao tomada chegou o capitam I. com m
outros navios; logo abalroei com a nao e entrei dentro ; e
o capitam I . abalroou com o seu m n o : e os mais cios fran-
eezes se passaram ao navio. A nao vinha carregada de
brasil; trazia muita artelheria, e outra muita muniçam de
guerra: por lhes faltar pólvora se deram. Na nao nam de-
mos mais que húa bombarda, com hum pedreiro ao lume
d'agua: com a artelheria meuda lhe ferimos seis homôs:
na caravela me nam mataram, nem feriram nenhum homem^
de que dei muitas graças ao Senhor Deus.
Sesta-feira 3 do dito mes pela menhãa nos achamos húa
wega de terra, a qual se corria nornoroeste sulsueste. A o
— 19 -

longo do mar eram tudo barreiras vermelhas: a terra lie


toda chãa, chea d'arvoredo. Como nos achegamos mais a
terra se nos fez o vento sueste: e ao meo dia surgimos em
fundo de onze braças, hüa légua de terra. Como estive sur-
to, lancei o batel fora, por nenhum dos outros navios trazer
batel, que os haviam deixado no c a b o cie s a n t o A g o s-
t i n h o. Este dia vieram de terra, a nado, ás naos índios
a perguntar-nos se queriamos brasil.
Sabado pela menhãa 4 de febreiro mandou o capitam I. a
Heitor de Sousa, capitam da nao Sam Miguel que fosse a ter-
ra com o batel e com mercaderia, ver se poderia trazer
algüa agua, de que tínhamos muita necessidade: e se tor- *
nou sem trazer agua, por lha nam querer dar a gente da
terra. O capitam I. se passou a caravela Rosa, e se fez á
vela no bordo do mar, para ir diante a o p o r t o d e P e r ,
n a m b u c o fazer algúas cousas prestes para a armada.
Eu fiquei com os outros navios surto; e ao meo dia tomei
o sol em seis grãos e hum terço. Em se pondo o sol me fiz
â vela; e em levando a amarra me desandou o cabrestante,
e me ferio dous homês; e tornei a virar com muita força,
e arrebentei o cabre, e me fiz á vela : e mandei a Baltazar
Gonçalves que levasse o farol; por quanto eu nam tinha
piloto, E fomos no bordo do mar até o quarto 4a modqrra
rendido; e tornei a virar no bordo da terra.
Domingo 5 do dito mes barlaventeei o dia todo sem po-
der cobrar mea légua de costa; e ao sol posto surgi em
oito braças, por o navio Sam Miguel ser muito a julavento
de mim- A agua corria mui tesa ao nornoroeste.
Segunda-feira 6 de febreiro pela menhãa, nem da gavia
parecia o navio Sam Miguel; estive surto, esperando até
quinta-feira nove dias do dito mes, que me fiz á vela com
o vento lessueste. Abarlaventeei o dia todo sem poder c o -
— 20—•

brar nada, por correrem as aguas muito ao dito rumo. À


agua nos ía faltando, de que sentíamos muito trabalho.
Sesta-feira 10 do dito mes, até quarta-feira quinze do
dito mes de febreiro,. com muito trabalho cobramos húa
légua de costa, e surgi á boca de hum rio para tomar agua,
e me fazer na volta de Guiné; porque o longo da costa nam
podíamos cobrar, e os ventos- suestes e lessuestes ventavnm
ja mui tendentes, que nesta costa ventam desde febreiro
até agosto.
Quinta-feira 16 de febreiro no quarto d'alva ventou da
terra hum pouco de vento com que me fiz á vela, e duas
léguas ao mar me acalmou. Surgi em fundo de quinze bra-
ças ; e ao meo dia se fez o vento leste, e com elle me íiz á
vela no bordo do sul. No quarto da prima se me fez o vento
nordeste, que nos era mui largo.
Sesta-feira 17 do dito mes fomos surgir defronte d o
p o r t o d e P e r n a m b u c o , em fundo de 15 braças.
D'esd 1 o p o r t o d e P e r n a m b u c o até o c a b o d e
P e r c a a u r i , como passares das quinze braças, he fundo
sujo. Aqui achamos a nao Capitaina e o galeam Sam Vicen-
te, e a nao de França que tomamos no arrecife do c a b o
d e s a n t o . A g o s t i n h o , e me disseram como nam
tinham novas do capitam I ; senam que o dia d'antes viram
húa vela ao mar, que ia no bordo do sul; e me disseram
queforamao R i o d e P e r n a m b u c o ; e como havia
dous meses que ao dito rio chegara hum galeam de França;
e que saqueara a feitoria; e que roubara toda a fazenda que
nelle estava delRei nosso senhor: e que o feitor d o dito
rio (1) era ido ao R i o de J a n e i r o , n'hfla caravela,
que ia para Ç o f a 1 a. E achei sete homes da nao Capi-

(1) Chamava-se Diogo Dias, segundo se lê mais adiante»


— 21—•
taina mortos, que se affogaram na barra ( 1 ) d o a r -
recife.
Salado 18 d o m e s de febreiro vimos a caravela, em que
vinha o capitam I. que barlaventeáva com o vento nordeste,
quatro léguas ao sul de nós. De noite se fez o vento mais
ao mar, e mandei ás naos que fizessem fogos nas gavias,
para poder vir o capitam I .
Domingo se fez o vento lessueste, e com elle veo a ca-
ravela, em que vinha o capitam I . e lhe demos conta como
o navio de Heitor de Sousa se havia apartado de nós, oito
dfas havia: e o capitam I. foi ao I I i o d e P e r n a m l u-
c o; e mandou levar todolos doentes a húa casa de feitoria,
que ahi estava. Daqui mandou o capitam I . as duas cara-
velas, para que fossem descobrir o R i o d o M a r a -
n li a m ; e mandou João de Sousa a P o r t u g a l em
húa nao, que de França tomaramos; e a outra nao mandou
queimar. Despois de termos tomado agua e outras cousas,
de que tínhamos necessidade para a viagem, nos fizemos â
vela com o vento lesnordeste.
Sesta-feira (2) primeiro dia do mes de março, com tres
naos; s e . : a nao Capitaina; e o galeam Sam Vicente, d e
que era capitam Pero Lobo Pinheiro; e em outra nao d e
França, que tomamos, ia eu, a que puz nome — Nossa Se-
nhora das Candeas —pela tomarmos no mesmo dia de Nos-
sa Senhora: e com o dito vento fazíamos o caminho ao sul,
(1) Talvez na paragem, que, desde esta occasião, se ficou de-
nominando dos Âffogados.
(2) Enganou-se o adutor. Se a 18 de fevereiro foi sabado, o ultimo
desse mez (28) foi terça-feira. Portanto o 1° de março caiu em
quarta-feira, como alias sabemos, que caiu, fazendo o computo or-
dinário. A conta dos dias da semana seguiíi errada, e nem se emen-
dou no dia 12, passando de terça-feira 11 a sábado 12; é assim andou
errada, ate que entraram em S. Vicente.
_ 22 -
e a quarta do sueste. Mandou o capitam I. ao galeam Sam
Vicente que se chegasse bem a terra, até ver se no a r r e-
c i f e d e Sam M i g u e l estavam algúas naos.
Sabado pela menhãa chegou o galeam a nós, e nos disse
como no a r r e c i f e nam havia naos. E ao meo dia to-
mei o sol em nove grãos e meo.
Domingo 3 dias de março fazíamos o caminho do sul e a
quarta do sudoeste; e ao meo dia tomei o sol em cies grãos
e h u m quarto. A ' tarde nos deram duas trovoadas, húa do
norte e outra de lessueste, com muita agua e vento : e toda
a noite
»
andamos amainados, com muitas trovoadas; e com
os mores pés de vento, que eu até entam tinha visto.
Segunda-feira quatro dias de março pela menhãa nos
tornou a ventar o vento leste até o meo dia, que nos deu
húa trovoada com muito vento e pedra; e como passou
íicou o vento em calma; e de noite tivemos muitas trovoa-
das de todolos rumos.
« Terça-feira 5 do dito mes se nos fez o vento lessueste;
fazíamos o caminho ao sul sudoeste : e ao meo dia tomei o
sol em des grãos e tres quartos: demoravam-me as s e r -
r a s d e s a n t o A n t o n i o a loeste : fazia-me delias
treze léguas,
Quarta-feira seis dias do dito mes andamos em calma até
á noite, que toda a passamos com muitas trovoadas de
vento e reiampados.
Quinta-feira ao meo dia se fez o vento sueste; fazíamos
o caminho do sulsudoeste. De noite, no quarto da modorra,
nos deu húa trovoada do norte com tapta força de vento,
que se me nam quebrara a verga do traquete em tres peda-
ços, de todo foramos soçobrados.
Sesta-feira oito dias do mes ao meo dia tomei o sol em
onze grãos e seis meudos. A' tarde nos deu húa trovoada
de moita agua; e entre as naos se fizeram duas mangas, de
que os marinheiros houveram mui gram medo, por no mar
ser cousa mui perigosa.
Sabado ao meo dia tomei o sol e m onze grãos e hum
terço: fazia-me de terra quatorze léguas; e este dia nos
nam ventou vento.
Domingo 10 do mes de março se fez o vento sueste, e
tomava do sul; e com todalas velas faziamos o caminho d o
sudoeste*. De noite, no quarto da prima, nos deu húa tro-
voada com tanta força de vento, que amainados, metia a
ii30 o portaló por debaxo do m a r : eram tantos os relâm-
pados que a todos nos punha t e m o r : e rendido o quarto
da prima me deu hum raio no masto do traquete da gavia,
que roo fez em dòus pedaços: quiz Nossa Senhora que nos
nam fez mais n o j o : trouxe tarn gram fedor de enxofre, que
nam havia homem que o suportasse. Choveu-nos tanta agua
esta noite, que com duas bombas a nam podiamos esgotar.
Segunda-feira 11 do dito mes ao meo dia tomei o sol
em onze grãos e meo : fazia-me de terra des léguas. Fazia
o caminho do sudoeste com o vento sueste. E m se pondo
o sol demos ifhüa aguagem do r i o d e S a m F r a n -
c i s c o , qne fazia mui grande escarcéo.
Sabado 12 (1) do mes de março ao meo dia tomei o sol
em doze grãos e dous terços ; e em se pondo o sol houve
vista dé terra, que me demorava a l o e s t e : fazia-me delia
seis léguas. E de noite, por nos afastar de terra, fizemos
o caminho ao sul e a quarta do sudoeste, até o quarto d r al-
va, que tornamos a fazer o caminho do sudoeste.
Domingo 13 dias do mes de março pela menhãa éramos
de terra quatro léguas: e como nos achegamos mais a ella

(i) Os dias tem ido errados, e a correcção aqui feita saltando-se


üm só dia da semana é insufficient^
- U -

reconhecemos ser a B a h i a d e T o d o 1 o s S a n t o s ;
e ao meo dia entramos nella. Faz a entrada norte-sul: tem
tres ilhas: hüa ao sudoeste, e outra ao norte, e outra ao no-
roeste : d o vento sulsudoeste he desabrigada. Na entrada
tem sete, oito braças de fundo, a lugares pedra, a lugares
area ; e assi tem o mesmo fundo dentro da bailia, onde as
naos sorgem. Em terra, na p o n t a d o p a d r a m ,
tomei o sol em treze grãos e hum quarto. Ao mar da p o n-
t a d o p a d r a m se faz húa restinga d'area, e a lugares
pedra: entre ella e a ponta podem entrar naos. no mais
baxo da dita restinga ha braça e mea. Aqui estivemos to-
mando agua e lenha, e corregendo as naos, que dos tempo-
raes que nos dias passados nos deram, vinham desapare-
lhadas. Nesta bahia achamos hum homem português, ( 1 )
que havia vinte e dous annos que estava nesta terra; e deu
rezam larga do que nel!a havia. Os principaes homes da
terra vieram fazer obediencia ao capitam L ; e nos trouxe-
ram muito mantimento, e fizeram grandes festas e bailos;
amostrando muito prazer por sermos aqui vindos. O capi-
tam I. lhes deu muitas dadivas. A gente desta terra he toda
alva ; os homês mui bem dispostos, e as mulheres mui fer-
mosas, que nam ham nenhúa inveja ás da R u a N o v a
d e L i x b o a. Nam tem os homês outras armas senam
arcos e frechas; a cada duas léguas tem guerra hús.com os
outros. Estando nesta bahia no meo do rio pallejaram cin-
coentaalmadias de húa banda, e cincoenta da outra; que
cada almadia traz secenta homens, todas apavezadas de pa~
vezes pintados como os nossos: e pellejaram desd'o meo
dia até o sol posto: as cincoenta almadias, da banda de que
estavamos surtos foram vencedores; e trouxeram muitos

(1) Era Diogo Alvares, o Caramuru. Veja a este respeito a nossa
dissertação, premiada pelo instituto no YQI. X da Revista, p. Í29 v.
— 25
dos outros captivos, e os matavam com grandes cerimonias,
presos percordas, e depois de mortos os assavam e comiam:
riam tem nenhum modo de íisica : como se acham mal nam
comem, e poem-se ao fumo ; e assi pelo conseguinte os
que são feridos. Aqui deixou o capitam í. dous homes,
para fazerem experiencia do que a terra dava, e lhes dei-
xou muitas sementes.
Quinta-feira 17 de março partimos desta hahia com o
vento lessueste, e fomos na volta do sul até a tarde, que
carregou muito o vento, e tornamos arribar: e surgimos
á boca dá bahia, em fundo de 13 braças d'area límpa.
Sesta-feira 18 do dito mes nos fizemos á vela com o" vento
leste e tornava do sueste.
Sabado 19 de marco fazíamos o caminho do sul com o
dito vento : era de terra 4 léguas ; a qual terra é toda alta
c igual: corre-se norte sul. Ao meo dia tomei o sol em 13
grãos e 2 terços.
Domingo, com as aguas que nesta costa correm neste
tempo ao sueste, nos puzemos tanto a barlavento que pela
menhía nam viamos terra. Ao meo dia se nos % o vento
sueste; e com as aguagens andava o caminho do sfeudoes-
te. E ao pôr do sol vi terra mui alta : fazia-me delia sete
léguas: e de noite se fez o vento mais largo; e faziamos o
caminho do sul.
Segunda-feira 21 do dito mes ao meo dia tomei o sol
em U grãos e 3 quartos: fez-se-nos o vento sueste e to-
mava do sul; cie noite tiramos as monetas: e com os pa-
paíigos baxos trincamos no bordo do sul.
Terça-feira 22 de marco, pelo vento se fezér sulsueste,
viramos no bordo do norte ; e ao meo dia tomei o sol em
i à grãos e m e o : e de noite levamos a proa a leste.
Quarta-feira 23 do mes fazia-me de terra 10 léguas; e ao
4
— 26 -

meo dia carregou muito o vento sueste, com mui gram mar;
por nam podermos ir de 16 amainamos as velas, e lançamos
as naos de mar em travez.
Quinta-feira 2â dias do dito mes nam podemos sofrer o
mar, que era mui f e o ; e arribamos com assaz fortuna : e
corremos este dia todo arbore seca, pelo rumo do noroes-
te; e ao pôr do sol vimos terra, e conhecemos a boca do
rio d e T y n h a o r é a da banda do sul: e como foi noite
nos deu h&a trovoada de leste Iam supitn, que ventando o
vento sueste, — ventando forçoso, pode mais a trovoada ;
que se-nos achara com vela soçobra ramos. Por sermos mui
perto de terra surgimos em 21 braças de fundo d'area lim-
pa : era o mar tam grosso, e cada vez nos investia por riba
dos castellos. No quarto da modorra saltou húa trovoada
per riba da terra d'oeste, que nos sosteve até pela menhãa
de nos darmos á costa.
Sesta-feira pela menhãa nos fizemos á vela ; era o mar
tam grosso que iamos á popa com todas as velas, e nam no
podiamos romper. Fomos com este vento até meo dia, que
nos deu o vento sueste, com que fomos correndo a costa
esta noite. No quarto da modorra fomos surgir na boca da
B a h ia d e t o d o 1 o s S a n t o s ,
Sabado 28 de-março pela menhãa vimos dentro na bahia
hum navio surto; e por ser longe nam divisa vamos se era
latino,-se redondo: e logo vimos sair uni batel cia bahia, que
vinha ás naos; e como chegou á nao capitaina, a salvou; e
vinha nellô o capitam da caravela que arribara a P e r n a m-
b u c o , que ia para Ç o f a 1 a ; e vinha no batel o feitor
da feitoria de P e r n a m b u c o , que se chamava Diogo
Dias; e o capitam I. mandou fazer as naos a véla para den.
t r o d a b a h f o ; e mandou chamar a g e n t e da caravela; e
mandou soltar o piloto, que o capitam trazia preso; e man-
dou despejar a caravela dos escravos, e lançal-os em terra;
e determinou de levar a caravela comsigo, por lhe ser ne-
cessária para a viagem.
Domingo 27 do mes de março partimos daquesta bahia,
com o vento leste, contra opiniam de todolos pilotos: a
qual era que nam podíamos dobrar os ba x os d' a b r o-
1 h o ; e que a monçam dos ventos suestes começava desd'o
meado febreiro até agosto ; e que em nenhúa maneira po-
díamos passar; e que era por de mais andar lavrando
o mar.
Segunda-feira 28 de março ao meo dia tomei o sol em
IA g r ã o s : era de terra k léguas; faziamos o caminho do
sul, com o vento leste.
Terça-feira ao meo dia tomei o sol em U grãos e 1 ter-
ço ; era de terra 5 léguas; a qual terra era mui alta: cor-
re-se norte sul. Lancei o prumo ao mar, e nam tomei fundo
com 200 braças.
Quarta-feira fazia o caminho do sul, com o vento leste;
nam me afastando nada de terra. Ao meo dia tomei o sol
em 13 grãos.
Quinta-feira 31 do mes de marco, fazendo o dito caminho
do sul e a o meo dia, tomei o sol em 13 grãos e dous terços.
A costa se ia correndo se ripre norte sul. No sartam havia
mui grandes montanhas.
Sesta-feira I o cFabril com húa trovoada saltou o vento ao
sulsueste, e fui na volta da terra; mea légua delia tomei
fundo com 120 braças de pedra; tudo ao longo do mar
eram rochas: e ao meo dia virei no bordo do norte, até o
quarto da prima, que me deu húa trovoada de lessueste;
e como passou, ficou o vento em calma.
Sabado 2 (fabril tomei o sol em 13 grãos e meo, e an-
damos todo o dia em calma.
— 28 — •

Domingo 3 dias do mes d''abril ao m e o dia tomei o sol


em 15 grãos e meo: escavamos de ton\i h léguas; andamos
este dia todo em calma.
Segunda-feira ao pôr do sol se fez o vento leste; e com
elle fomos no bordo do sul até o quarto da prima, que se
fez sueste; — que tornamos a virar no bordo do norte.
Terça-feira com vento lessueste barlaventeamos todo o
dia: havia de mim a terra cinco léguas.
Quarta-feira pela menhãa se fez o vento calma até
Babado ao meo dia, 9 dias do mes cFabril, que nos deu
uma trovoada do sudoeste; e ficou o vento no sul, com que
fazíamos o caminho de leste.
Domingo 10 dias d'abril se fez o vento sueste, e amaina-
mos as velas, e lançamos as naos de mar em travez: e ao
meo dia tomei o sol em 15 grãos e 1 terço. Fazia-me de
terra 20 léguas,
Segunda-feira começou o vento sueste a ventar com muita
força e com mui gram mar: de noite cresceu o temporal
tanto e tam forte, que quizçramos arribar e nam nos estre-
a m o s , por ser o mar mui grosso: até pela menhãa estive-
mos com muita fortuna, que se fez o tempo mais bonança.
Assi estivemos pairando até sesta-feira 15 dias cTabril, que
se fez o vento leste; e demos todalas velas no bordo do sul;
e ao meo dia tomei o sol em 15 grãos e 1 terço. Fazia-me
de terra 17 léguas.
Sabado se fez o vento lessueste, e fazíamos o caminho
do sulsudoeste; e ao meo dia tomei o sol em ih grãos e 1
quarto.
Domingo pela menhãa nos deu ima trovoada do sueste
com muito vento e agua: este dia todo nos choveu sem
vento, e de noite muitas trovoadas de todolos rumos.
Segunda-feira 18 dias do mes d'abril se fez o vento sues-
- 29 - -

ó6; e viramos no bordo do norte ato o quarto da prima,


que se fez o vento lessueste, e viramos rio bordo do sul.
Fazia-me de terra 15 léguas.
Terça-feira ao meo dia tomei o sol em 16 grãos e 2 terços.
Esta noite nos ventou muito o vento lessueste.
Quarta-feira 20 dias do mesd'abril pela menhaa me che-
guei á nao capitaina; e me disse o capitam I. que com o gran-
de vento, que de noite ventara, lhe quebrara o mastro do
traquete, abaxo da gavia hüa braça; e que queria arribar à
B a h i a d e t o d o 1 o s S a n t o s ; e a todos nos pareceo
mui bem, por nam ser ja tempo para dobrar os b a x o s
d1 A b r o 1 li o. Estando nisto, nos deu hüa trovoada de les-
nordeste; e como passou, ficou o vento em leste e tomava do
nordeste; e o capitam I. tornou a mandar que virássemos
no bordo do sul; e assi fomos até á noite, que no quarto da
prima que se nos fez o vento lesnordeste: e faziamos o ca-
minho do sulsueste.
Quinta-feira 21 d'abril ao meo dia tomei o sol em 19
grãos menos 1 terço : fazia-me de terra 20 léguas. O vento
se nos fez leste, e com elle faziamos o caminho do sul com
todalas velas. De noite se fez o vento lesnordeste, e com as
bolinas largas faziamos o dito caminho, levando resguardo,
que cada relogio sonda v a m o s ; porque todolos pilotos se
faziam ir por riba dos b a x o s d'A b r o l h o, que lançam
ao mar 30 léguas, e o começo delles está em altura de 19
grãos. E assi fomos toda esta noite com mui. bom tempo,
sem podermos tomar fundo com 60 braças.
Sesla-feira pela menliãa se nos fez o vento nordeste, e com
todalas velas faziamos o caminho ao sul. Ao meo dia tomei
o sol em 21 grãos e 3 quartos; e como foi noite se nos fez
o vento noroeste.
Sabaclo no quarto d'alva se fez o vento sudoeste; e veo
^,30 —

turn sapito e furioso, que quasi nam deu lugar a amainar as


velas; e ventou com tanta forca (o qual ainda nesta viagem
o nam tinhamos assi visto ventar) que as naos sem velas
metiam no bordo por clebaxo do m a r : era tamanha a escu-
ridam e relampados, que era meo dia e parecia de noite :
á tarde se fez o vento sul. Andava o mar tam grosso e tam
feo que nos entrava por todalas partes. No quarto da prima
ao sair da lua abonançou mais o vento; ficou o mar tam
grande que nos nam podíamos ter na nao. Da banda de
bombordo me arrebentaram os apparelhos, com o jogar
da nao.
Domingo 2ã dias do mes d'abril se fez o vento sueste ;
e nos fizemos á vela com o mar grande e mui cruzado :
fazíamos o caminho a lessudoeste; e de noite no quarto da
modorra me acalmou o vento.
Segunda-feira pela menhãa houvemos vista de terra a
qual era mui alta a maravilha: fazia-me delia 10 léguas.
Terça-feira ao meo dia nos deu o vento nordeste, e com
elle corríamos a costa, a qual se corre nordeste sudoeste e
toma da quarta de norte sal. De noite no quarto da prima
mandei lançar o prumo ao m a r ; e tomei fundo com 9
braças e mandei fazer f o g o s : e íiz-me no bordo do sueste;
sempre sondando, quanto mais íamos ao mar, menos fundo
achavamos.
Quarta-feira 27 do mes d'abril pela menhãa houve vista
de terra húa légua delia, em fundo de 8 braças. O vento
era mui bonança, quanto as naos governavam. A costa se
corre nornordeste susudeste escasso, a terra he toda áo
longo do mar mui chãa sem arboredo : no sartam serras
mui altas e fermosas; haverá delias ao mar 10 léguas, e a
lugares menos. Ao meo dia se fez o vento da terra brando:
fazíamos o caminho para o mar. Indo assi per fuiido de 8
- 31 - -
I)raças, de sapito demos em 3, e logo mais avante em 2 e
mea: tornamos a f a z e r o caminho de sudoeste; e logo
demos cm fond) de quatro braças; e logo surgimos no dito
fundo. E o capitam I . mandou lançar o seu esquife fora; e
mandou neile o piloto que fosse sondar por o rumo do sul,
e do sudoeste, e do sueste. E á noite veo o piloto mor no
esquife, e disse que pelo rumo do sueste, que era baxo,
que nam achara mais de tres braças: que indo ao sul achara
8 braças.
Quinta-feira 28.dias do mes d'abril ao meo dia tomei o
sol em 22 grãos e 1 quarto, e á tarde se fez o vento nor-
deste, e nos fizemos á ve!a pelo rumo do sul; e logo demos
em fundo de seis braças; e no quarto da prima nos acalmou
o vento ; e surgi em fundo de quatorze braças, duas léguas
e mea de terra.
Sásta-feira pela menháa nos fizemos á vela com o vento
nordeste, indo sempre ao longo da costa tres léguas delia,
per fundo de 50 braças d'area limpa. O c a b o d o p a r c e l ,
que jaz ao mar, se corre da banda do nordeste ao sueste, e
da banda do sudoeste aloeste, e ás partes a loessudoeste.
Quando fui fora do parcel descobriam-se serras mui altas ao
sudoeste. Ao meo dia tomei o sol em 22 grãos e 3 quartos: ao
sol posto fui com o c a b o F r i o : como foi noite amainamos
as velas, e fomos com os traquetes toda a noite. 0 c a b o
F r i o se corre com o R i o d e J a n e i r o leste oeste:
ha de caminho 17 léguas.
Sabado 30 dias d'abril, no quarto d'alva, ( i ) éramos com
a boca do R i o d e J a n e i r o, e por nos acalmar o vento,
surgimos a par de hüa ilha, que está na entrada do dito rio,

(í) Yej. adiante (nota...) as observações que este lugar fizemos


na l . edição deste roteiro constituíram ellas a nota 22 publicada
a

de p. 85 a 90 v.
- 32 -
em fundo de 15 braças d'area limpa. Ao meo dia se fez o
vento do mar, e entramos dentro com as nãos. Este rio lie
mui grande; tem dentro 8 ilhas, e assi muitos abrigos:
faz a entrada norte sul toma da quarta do noroeste sueste:
tem ao sueste 2 ilhas, e outras 2 ao sul, e 3 ao sudoeste;
e entre elias podem navegar carracas: he limpo, de fundo
22 braças no mais baxo, sem restinga nenhüa e o fundo
limpo. Na boca de fora tem 2 iihas da banda de leste, e da
banda d'aloeste tem 4 ilheos. A boca nam he mais que de
hum tiro d'arcabuz; tem no meo liua ilha de pedra rasa
com o rnar; pegado com ella ha fundo de 18 braças d'area
limpa. Está em altura de 23 grãos e 1 quarto.
Como fomos dentro, mandou o capitam I. fazer hüa casa
forte, com cerca por derrador ; e mandou sair a gente em
terra, e pôr em ordem a ferraria para fazermos cousas cie
que tínhamos necessidade. Daqui mandou o capitam I k
homens pela terra dentro: e foram e vieram em 2 meses •
e andaram pela terra 115 léguas; e as 65 delias foram por
montanhas mui grandes, e ás 50 foram por húm campo mui
grande; e foram até darem com um grande rei, senhor de
todos aquelles campos, e lhes fez muita honra, e veo com
e les ate os entregar ao capitam I . ; e lhe trouxe muito
enristai, e deu novas como no. R i o d e P e r a p u a y
havia muito ouro e prata. O capitam lhe fez muita honra
e lhe deu muitas dadivas, e o mandou tornar para as suas
terras. A g e n t e deste rio he como a da B a h i a d e t o-
d o l o s S a n t o s ; senam quanto he mais gentil gente
T a terra deste n o he de montanhas e serras mui°altas.
A ^ I h o r e s aguas ha neste r i a 4 o a po4em & or. Aqui esti-
3 X 2 T * , t0ma0d0 m a n t ~ ' para í anno, para
U W qUe íraZmm0S' e í ~ dons b a r g a i n s de
— 33 — •
Terça-feira I o dia d'agosto de 1531 partimos deste R i o
d e J a n e i r o com vento nordeste. Faziamos o caminho
aloeste a quarta do sudoeste.
Quarta-feira se fez o vento sudoeste com muita força •
tiramos as monetas, e trincamos no bordo de sulsueste até
quinta-feira pela menhãa, que se nos fez o vento sulsueste
e com eile viramos no bordo d'aloeste : e de noite no quarto
da prima se me fez o vento nordeste; e com eile faziamos
o caminho a loessudoeste.
Sesta-feira 4 do dito mes me deu húa trovoada do oeste-
sudoeste, com tanta força de vento, que nos foi necessário
arribar com hum bolso de traquete até
Sabado que se nos fez o vento sudoeste, e viramos no
bordo da terra com os papaíigos baxos, até de noite no
quarto da prima, que nos tornamos a fazer no bordo do mar.
Domingo 6 do dito mes tornei no bordo da terra com
todalas velas: a cerraçam era tamanha que, des que parti-
mos do R i o d e J a n e i r o , nunca podemos vêr a terra
nem o sol: quasi noite fomos tam perto de terra, que
víamos arrebentar o mar, e nam na víamos.
Segunda-feira pela menhãa se fez o vento nordeste:
faziamos o caminho a loessudoeste, com cerraçam mui
grande.
Terça-feira ao meo dia fizemos o caminho ao noroeste ;
porque pelo dito rumo nos faziamos com o R i o d e S a m
Vicente.
Quarta-feira 9 dias d'agosto no quarto d'alva faziamos o
caminho ao noroeste e a quarta do norte; e ás 9 horas do
dia surgimos bem pegados com terra êm fundo de 8 bra-
ças d'area grossa. Estando surtos mandou o capitam I . hum
bargantim a terra, e nelle húa lingua para ver se achavam
gente, e para saber onde éramos; porque a cerraçam era
u
o
tamanha, que cstavamos hum tiro d'abombarda do terra e
nam na viamos. De noite veo o bargantim, e nos disse como
nam pudera ver gente.
Quinta-feira pela menhãa nos fizemos á vela. Com o ven-
to nordeste, fizemos o caminho do sulsudoesle, por rios
afastar da terra : e ao meo dia fomos dar com híia ilha (1):
quando a vimos éramos tam perto delia, que quasi demos
com os grupezes nas pedras. Era a cerraeara tamanha que
fazia pouca diferença da noite ao dia : e surgimos da ban-
da d'aloeste da ilha, em fundo de 25 braças d'area tesa : e
mandei lançar o batel fora para ír á ilha matar rabi forcados
e alcatrazes, que eram tantos que cobriam na ilha. E fui á
nao capitaina; e levei o capitam I . á ilha : e matamos t i n -
tos rabiforcados e alcatrazes, que carregamos o batel def-
ies. Indo nós para as naos, nos deu por riba da ilha um pé
de vento tam quente, que nam parecia senam fogo; ven-
tando nas bandeiras das naos o vento noroeste, que era con-
traste deste : disto ficamos todos mui espantados, que dn-
quelle vento fomos todos com f e b r e . Como paz o capitam
I . na sua nao, tornei a ilha a por lhe f o g o . No quarto da
modorra nos deu húa trovoada seca d o essudoeste, com
mui grande vento que nam havia homem, que lhe tivesse o
rosto : a nao capitaina foi de todo perdida, que lhe que-
brou o cabre; e ía dar sobe-la ilha, se o vento de supito
nam saltara ao sul, que se fez á vela no rolo do mar. Como
nos deu o vento mandei logo largar outra anchora, que m e
teve até pela menhãa com mui gram mar. A nao capitaina
nam aparecia, e mo Hz à véla ; e fiz sinal ao galeam Sam
Vicente e á caravela ; e fomos todos surgir, da banda d o
norte da ilha, em fundo de 18 braças d'area limpa ; e d e -

(!) 1. dos Alcatrazes.


aon» —
terminamos de estar ali até passar o temporal. A/ tarde
se fez o vento sueste, e vimos mea légua ao norte de nós
a nao capitaina, que vinha no bordo do sudoeste; e nos fi-
zemos á vela, e a fomos demandar.
Sabado 12 dias do mes de agosto, com o vento nordes-
te, fazíamos o caminho do essudoeste ; e ao meo dia vimos
t e r r a : seriamos delia um tiro d'abombarda : até ver se
por nos afastar delia viramos no bordo do mar, até ver se
alimpava a névoa, para tornarmos a conhecer a terra. Indo
assi no bordo do mar mandou o capitam I. arribar, para
fazermos nossa viagem para o R i o d e S a n t a M a -
r i a (1): e fazendo o caminho do sudoeste demos com húa
ilha. Quiz a nossa senhora e abemaventurada santa Crara,
cujo dia era. que alimpou a neboa, e reconhecemos ser a
i 1 h a d a G a n a n e a: e fomos surgir antre ella e a terra,
em fundo de sete braças. Esta ilha tem em redondo húa lé-
gua; faz no meo húa sellada: está de terra firme i quarto
de l é g u a ; he desajjpgada do vento suisudoeste e do nor-
deste, que quando venta mete mui gram mar. Desta ilha
ao norte duas léguas se faz um rio (2) mui grande na terra
firme : na barra de preamar tem tres braças, e dentro 8,
9 braças. Por este rio arriba mandou o capitam I. hum bar-
gantim ; e a Pedre Annes Piloto, que era lingua da terra,
que fosse haver fala dos índios.
Quinta-feira 17 dias do mes de agosto veo Pedre Annes
Piloto no bergantim, e com eito veo Francisco de Chaves
e o bacharel, e 5 ou 6 castelhanos. Este bacharel havia 30
(1) Rio da Prata. Cremos que este nome, bem como o de Ç a b o
de S an ta M aria foram dados pelos mesmos exploradores, en-
tre os quaes estaria João de Lisboa, companheiro de Magalhães, e
que reconheceu nessa oeeasião o cabo, por já ter antes de JS19 por
consequência ahi estado.
(2j l\. de Iguapé.
— 36 — •

annos (1) que estava degradado nesta terra, e o Francisco


de Chaves era mui grande lingua desta terra. Pela informa-
ram que delia deu ao capitam I., mandou a P e r o Lobo com
80 homês, que fossem descobrir pela terra dentro; porque
o dito Francisco de Chaves se obrigava quedem 10 meses
tornara ao dito porto com 400 escravos carregados de prata
e o u r o . Partiram desta ilha,ao 1.° dia de setembro d e l 5 3 l ,
os 40 besteiros-e os 40 espingardeiros (2). Aqui nesta ilha
estivemos kk dias ( 3 ; : neiles nunca vimos o sol; de dia e
de noite nos choveo sempre com muitas trovoadas e relâm-
pados : nestes dias nos m m ventaram outros ventos, seriam
desd'o sudoeste até o sul. Deram-nos tarn grandes Momen-
ta's destes ventos, e tam rijos, como eu em outra nenhúa
parte os vi ventar. Aqui perdemos muitas anchoras, e nos
quebraram muitos cabres.
Terça-feira 26 do mes de setembro partimos desta ilha
com o vento leste, fazendo caminho do sul, até quarta-feira
pela rnenhãa, que se fez o vento nordejfe ; fazíamos o ca-
minho do sulsudoeste, com muita agua e relampados; de
noite se fez tanto vento que nos foi necessário tirarmos* a í '
mo netas, e irmos toda a noite com pouca vela.
Quinta-feira 28 do mes de setembro com o dito vento fa-
zíamos o caminho do sulsudoeste: e de noite ventou tam
forte com relampados e tanta agua, que até no quarto da
modorra íamos dar em terra^ e me saí delia com assaz tra-
balho. Esta noite se apartaram osbargantins de nós.
(1) Por conseguinte desde a expedição de 130!.
(2) De sua sorte trata Fr. Gaspar p. 85 e 93.
(3) Era nossa opinião nesta occasiâo foram postos os padrões di
Cananea, os quaes ainda la estão, no pontal fronteiro á 1. do Abri
go, e nos quaes se não lê data alguma como pretendeu Casal Vei-f
1%) X a E Í , ! n T a p h i a i n d i $ e n a n e s t « R e v i s t a Tom. i%
e -1 pag. 3/4 e 439. Vej. lambera a Hist. Ger. do Brasil I.,
*Í7* __

Sesta-feira pela menhãa houvemos vista de terra 3 lé-


guas de nós, que se corria nornordeste sulsmloeste. Como
nos achegamos mais a terra reconhecemos ser ao sul do
p o r t o d o s P a t o s k léguas, e tornamos de ló, ver se
porfiamos cobrar o dito Porto : o vento era tanto ao nor-
deste, que virando no bordo do mar, me levou o traquete
d'avante.
Sabado 30 do dito mes no quarto d'a Iva tornamos no
bordo da terra com todaias velas, e depois do meo dia
houve vista de terra, que éramos G legoas ao sul de donde
partíramos. Virando no bordo do mar vieram osbargantins
dar comnosco: e logo fizemos o nosso caminho com o
vento e mar mui grande; e desd'a mea noite corremos,
com hum pé de vento de norte, arbore seca.
Domingo 1.° dia de outubro peia menhãa, hum dos bar-
g a i n s nam aparecia; ao outro dei hum calabrete por popa,
porque riam podia com a vela.
Segunda-feira com o vento e mar mui grande fazia o ca-
minho do sul, com os papaíigos mui baxos.
Terça-feira 3 de outubro ao meo dia tomei o sol em 31
grãos e 1 quarto : com o dito vento e mar fazia o caminho
do sul.
Quarta-feira ao meo dia tomei o sol em 32 grãos e 1 terço:
fazia-me de terra 20 léguas; do cabo da terra alta me fazia
50: demorava-me ao norte e a quarta do nordeste.
Quinta-feira no quarto d'alva me deu por d'avante o vento
sudoeste, levando, as velas cheas de vento nordeste que foi
a mór afronta que nesta viagem nós tínhamos visto; e com
o vento sudoeste lançamos as naos ao pairo. De noite
cresceo tanto o vento e o mar que me nam quiz a nao
arribar.
Sesta-feira até o meo dia sofremos o pairo com muito tra-
— 38 — •

bailio e arribei com a nao, e em arribando pela quadra me


d e u h u m tarn gram mar, e voo ter ao cortvez, e meteu-me
dous quartéis para dentro; entrou tanta agua, que antre
ambas as cobertas me nadou o batel; assi arribamos ala-
gados : até o quarto da modorra com duas bombas acaba-
mos d'esgotar a agua.
Sábado 7 de outubro saltou o vento de supito ao nor-
deste e ventou mui forte; e andava o mar do sudoeste, e
com o do nordeste cruzavam que nam havia homem, que
se nas naos tivesse..
Domingo fazíamos o caminho do sul com muito vento
nordeste. E ao meo dia tomei o sol em 3 ! grãos e meo. Fa-
zia-me cie terra 23 léguas.
Segunda-feira ao meo dia tomei o sol em 33 grãos e 1
terço : fazia-me de terra 18 léguas. Esta noite se passou o
vento ao sudoeste, e trincamos com os traquetes baxos no
bordo do sulsueste.
Terça-feira no quarto d'alva com muito vento sudoeste
lançamos as naos ao pairo ; e ao meo dia se fez o vento
bonança : vimos da gavia ao noroeste um fumo. Mandei
lançar a sonda, e tomei fundo com 60 braças: e nos fize-
mos á vela no bordo do noroeste a demandai- o fundo; e ao
sol posto vi a terra da gavia, a quai era mui baxa sem co-
nhecença algúa: e no quarto da prima me fiz no bordo do
sueste com o vento sulsudoeste.
Quarta-feira 11 dias do dito mes pela menhãa nos acal-
mou o vento 3 léguas da terra, a qual se corre nordeste su-
doeste e torna da quarta de norte sul, em fundo de 10 bra-
ças, matamos esta noite muitas pescadas.
Quinta-feira ao meo dia tomei o sol em 34 grãos, e
com o vento norte ia correndo a costa ao sudoeste. Ao pôr
- 39 -
do sol fomos surgir autre tres ilhas de pedras, donde ma-
tamos muitos lobos marinhos.
Sesta-feira 13 do dito mes pela menhãa se fez o vento
sudoeste, que nos vinha por riba de hüa ponta, que nos de-
morava ao sulsudoeste e ventou com tanta força que a nao
capitaina perdeu o cabre, e lhe quebrou a amarra. Toda
esta noite estivemos com muita tromenta.
Sabado no quarto d'alva acalmou o vento, e fui á terra
íirme por nos fazerem muitos fumos. Aterra he m u i f e r -
mosa, muitos ribeiros d'agua, e muitas ervas e f r o r e s ,
como as de Portugal. Achamos duas onças mui grandes, e
nos tornamos para as naos sem vermos gente. E ao meo
dia se fez o vento nordeste, e com elíe nos fizemos á vela.
Estas ilhas, a que puz nome — d a s O n ç a s — . tomei
o sol nellas em 3ã grãos e meo ; e em dobrando a ponta,
que me demorava ao sulsudoeste, se corre a cosia a loes-
sudoeste até o c a b o d e Sa n t a Ma r i a , que está em
altura de 34 grãos e 3 quartos, e no quarto da prima me
acalmou o vento.
Domingo 15 d'outubro pela menháa se fez o vento nor-
deste; e com eile fazia o caminho ao longo da costa, son-
dando sempre. Governando 2 relogios a loessudoeste acha-
va 2 0 braças: governando outros 2 relogios aloeste e a
quarta do sudoeste dava em fundo de 25 braças; de ma-
neira que achava mais fundo da banda da terra que
do mar.
A o sol posto fomos com o c a b o d e S a n t a M a r i a ;
e surgimos em fundo de 8 braças da banda d'aloeste do
dito cabo.
Segunda-feira peia menhãa mandou o capitam I . a o piloto
m ó r q u e fosse ver hüa ilha, que estava pegada com o dito
cabo, se antro ella c a terra havia bom surgidouro : e ao
— 40 — •

meo dia tornou Vicente Lourenço (J), e disse que o porto


que era bom; senam que com os ventos oessudoeste e sul-
sudoeste era desabrigado, e que do vento sulsueste tinha
baxos ao mar: e á tarde fomos surgir autre a ilha e a terra
em fundo de 6 braças e mea de preamar. Aqui nesta ilha
tomamos agua e lenha e fomos com os bateis fazer pescaria:
e em hum dia matamos desoito mil peixes antro corvinas e
pescadas e e n x o v a s : pescavamos em fundo de 8 braças:
como lançavamos osanzolos na agua nam havia ahi vagar de
recolher os peixes. Nesta ilha estivemos 8 dias esperando
por hum bargantim, que de nossa companhia se perdera:
como nam veo mandou o capitam I. pôr húa cruz na ilha e
nella atada húa carta emburiihada em cera, e nella dizia ao
capitam do bargantim o que fizesse vindo ali ter.
Domingo 21 de outubro pela menhãa partimos desta ilha.
Com o vento nordeste fazia o caminho ao longo da costa,
que se corre aloeste: mea légua de terra ia sempre per fundo
de 9, 10 braças. 3 léguas da dita ilha se nos fez o
vento noroeste; e á tarde nos deu húa trovoada com muita
agua, e sem nenbum vento; e surgimos em 15 braças
de fundo de Iami molle. E no quarto da prima nos deu hum
pé de vento do sulsudoeste, e de supito saltou ao sul com
muita tempestade. A nao capitaina se fez á vela e nos fez
sinal: por ser o vento e o mar mui grande me nam estrevi
fazer á vela, nem cobrar húa ponta, que me demorava a leste
e a quarta do sueste; e mandei fazer hum aúste de 120
braças, e com eile caçava como senam levara anchora
pelo fundo ser de lama mui mole. A tromenía era tamanha
de vento e mar que cada vez metia a nao todolos castellos-
Mandei fazer outro aúste; e com anchora de forma, e a lan-

(1) Era o piloto mór.


— H —

çamos ao mar: estando com esta fortuna mandei cortar os


castellos todos, e fazer tudo razo, e mandei cortar o cabo ao
batel, que tínhamos por popa. Assi estivemos com esta tro-
menta de mar, que cada vez nos vinha quebrar no convez.
Segunda-feira 22 d'outubro e no quarto d'alva me que-
brou o aúste da anchora de forma que tornei outra vez a
caçar, como dantes. Como amanheceo me achei de íerra
húa légua e tinha caçado tres; e o galeam Sam Vicente es-
tava a terra de m i m : pela sua popa arrebentavam huns baxos,
que cada vez parecia o mar mais alto que a gavia. Por c r
çar tanto determinei de me fazer á vela, e contra rezam de
marinheiraria levamos a amarra com muito trabalho e me
fiz á vela no bordo d'aloeste; e como vi que nam cobrava os
baxos, que arrebentavam ao mar, virei no bordo de leste,
para irmos varar em húa praia, que nos demorava nordeste'
quarta de leste, por ali nos parecer que ao mar nam havia
baxos. Indo assi punhamo-ia proa na poeta, que me demo-
rava a lessueste. Por me parecer que a podia cobrar mandei
dar o traquete da gavia, metendo a nao até o meo do convez*
por debaxo do m a r : em dando o traquete me quebrou em
dous pedaços: ia ja tam perto da ponta que a huns parecia
que a podíamos cobrar, e outros bradavam que arribasse-
mos : era tam grande revolta na nao que nos nam entendia-
mos : mandei meter toda agente debaxo da coberta ; e man-
dei ao piloto tomar o leme, e eu me fui á proa, e determinei
de fazer experiencia da fortuna, e me pôr a ver se podia do*
brar a ponta; porque se a nam dobrava nam havia onde va-
rar, senam em rocha viva, onde nam havia salvaçam:
assi fomos, e prouve a nossa senhora e ao seu bento filho,
que a dobramos; e fui tam perto delia que o mar, que arre-
bentava na costa, nos tornava com a ressaca a dar na nao,
e n o s lançou fora. Como dobrei a ponta arribamos a nor-
6
deste e a quarta de leste ; e á tarde fui surgir na ilha do
cabo. Entrou-nos tanta agua ao dobrar da ponta, que quando
a esta ilha achegamos, trazíamos seis palmos d'agua clebaxo
da coberta.Gomo aqui esteve surto, se fez o vento sudueste.
No quarto da prima veo o galeam Sam Vicente dar comigo,
e logo lhe perguntei se trazia batel: e me disse que o per-
dera, e que nam trazia mais que hüa ancliora; e que p e r -
dera tres; e passara per riba do arrecife, que estava á terra
donde esta vamos surtos; e ali se sustivera com o temporal
até á noite, que ventou o vento sudoeste. E me disse o
piloto como vira a nao capitaina sem mastos muito perto de
terra, que da gavia nam pudera divisar se estava em seco,
se sobre ancliora.
Terça-feira 23 de outubro no quarto d'alva veo a caravela
dar comigo sem cabres, nem anchoras, e com o batel per.
dido: edisse-me o piloto que passaram na fortuna, detrás de
hüa ponta, donde fura ter milagrosamente; eque a nao capi
taina, des que o dia dantes se fizera á vela, a nam viram mais"
Nam podia determinar o que fizesse: para me fazer á vela
nam tinha cabres, nem batel nem anchora. Determinei de
mandar por terra trinta homes; e para isto mandei dous a
nado com um cabo, e que o dessem á caravela, que se vi-
rasse por minha popa.
Quarta-feira 24 dias de outubro, por ser ruim o mar, nam
pode a caravela chegar á nao. Este dia puz em obra lazer
hum batel de aduelas dentro na nao.
Quinta-feira 25 do dito mes pela menhãa meti na caravela
30 homes,— os que melhor sabiam nadar; e as armas
metidas em hüa pipa funda, por se nam molharem • e dous
barris de mantimento para 8 dias: e mandei à caravela
que se fosse á terra e que surgisse quanto nam desse em
: e q u e M l s e f o s s e a ^ r r a nas jangadas, que levavam
— /<3
los quartéis da nao franeeza. E ao meo dia todos foram em
terra com assaz trabalho; e da mesma terra acudiram mui7a
gente e punham-se de longe, sem quererem cherar• até
que dous homês dos nossos foram aelles; e logo c h e i r a m
e abraçaram a todos com grandes choros e cantigas mni tris-
tes, e como se despediram delles, fizeram seu caminho pela
praia, fendo andado mea légua, me fizeram hum fumo e

tínhamos° ' ^
ma ^ ^ ^ ^ ° b 3 t e I d ° S q U e p e r d i ' d ( >

Sesta-feira 26 de outubro fiz húa jangada, em que lancei o


terro e a forja na ilha, para fazerem pregos para o batel
d aduelas, que dentro na nao fazia- E desd'o meo dia me
ventou muito vento sudoeste. E eram tantos os fumos pela
terra dentro que impedia a vista do sol.
Sabado 27 do dito mes mandei o mestre com 5 homês
em hum quartel da nao, para que fossem a terra: ver se era
batel onde a gente nos fizera o fumo; e á tarde tornou com
o batel da caravela, que vinha mui destrocado; e me disse
que na terra havia muita agua e boa: e logo mandei á ilha
concertar o batel.
Domingo 28 dias do dito mes, como o batel da caravela
foi concertado, mandei passar o outro, que tinha começado
á ilha. Este dia veo muita gente da terra á praia: mandei
la o batei, e deram-lhe muito pescado e taçalhos de veado.
Sesta-feira 2 dias de novembro veo a gente, que tinha
mandado em busca de Martini Afonso, e me disseram como
a nao capitaina dera á costa, por falta d'amarras; e que
Martim Afonso, com toda a gente, se salvaram todos a
nado; somente morreram 7 pessoas; 6 afogados e 1, que
morreo de pasmo : e que o bargantim dera também à costa;
e porem que lhe nam fizera nojo: e o batel do galeam
e da capitaina tinham sãos; e que na praia acharam hum
- hh
bargantimdetavoado de cedro mui bem feito, o qual Martim
Afonso tinha para levar e m companhia do batel grande e
do outro bargantim para entrar pelo (1) d e n t r o ; e que
Martim Afonso me mandava dizer que com a gente, que as
naos podessem escusar, me fosse onde elle estava com a
caravela.
Segunda-feira 5 dias do dito mes parti na caravela, com
vento lesnordeste: e húa hora de s o l fui surgir onde a
nao capitaina estava â costa: e como fui surto se fez o vento
sueste. Mandei o batel a terra fazer saber a Martim Afonso
como éramos ali vindos. Carregou tanto o vento, que antes
que o batel viesse, me fiz á vela no bordo do sulsudoeste;
e ao sol posto fomos dar em hum baxo, donde estivemos
perdidos. Assi fomos com mui gram mar e vento trincando
até à mea noite, que se fez o vento calma.
Terça-feira 6 dias do dito mes pela menhãa se fez o vento
sudoeste, e com elle me fiz á vela no bordo de lessueste ;
e a tarde fui surgir defronte da nao : donde o capitam I . ,
aos bateis, mandou por mim e pela gente, e mandou a cara-
vela que se fosse a húa ilha, que estava cFalii 4 léguas
aloeste, e abi esperassem até ver seu recado. Aqui estive-
mos com muito trabalho tirando a artelheria e ferro da
nao. Estando aqui tomou o capitam I. conselho com os pi-
lotos e mestres, e com todos os que eram para isso ; e todos
acordaram e assentaram,que elle nam devia de ir pelo R i o
de, S a n t a BI i r i a (2) arriba, per muitas rezões: e que a
hüa era nam terem mantimentos, que todos se haviam p e r -
dido, quando a nao se perdeo: e a outra que as duas naos,
que ficaram estavam tam gastadas, que se nam poderiam

(I) Parece faltar aqui a palavra Rio.


{2) Rio da Prata.
— 45 —

suster 3 mezes: e a terceira era parecer o rio inavegavel


pelos grandes temporaes que cada dia faziam, sendo a
lorça do verão: e por estas rezões e outras muitas, que
deram, fizeram que o capitam I . desestisse da ida- e
m e mandou em hum bargantim com 30 homês a pôr huns
padrões, e tomar posse do dito rio por elRei nosso senhor •
e que dentro em 20 dias trabalhasse por tornar; porque ó
porto, onde as naos estavam, era mui desabrigado.
Sábado 23 dias do mes de Novembro de 1531 estando o
sol em 11 grãos e 35 meudos de sagitario, e a l u a em 27
grãos de tauro, parti do R i o d o s B e g o a i s que jaz
aloeste do c a b o d e S a n t a M a r i a 11 léguas,'e levava
hum bargantim com 30 homês; tudo bem em ordem de
g u e r r a : e fiz meu caminho ao longo da costa, que se corre
aloeste. 2 léguas do dito rio, donde parti, ha húa ilha p e -
quena ( 1 ) toda de pedras, e delia a terra firme ha húa
l é g u a : derrador da ilha tem bom surgidouro, de fundo de
5 braças de vasa molle, Indo assi pegado com a costa a
qual he toda limpa, per fundo de 5, 6 braças, ao meo dia
houve vista de húa ilha ao mar (2J, que me demorava ao
sulsuíloesíe; e delia a terra ha 3 léguas: da banda de leste
tem húa restinga de area comprida, que lança ao nordeste.
Passando avante da ilha descobri hum alto monte, ao qual
puz nome — m o n t e d e S a m P e d r o ( 3 ) - e demorava-
m e aloeste e a quarta do noroeste. Este dia fui dormir ao
p s do dito monte de S a m P e d r o . Desde a dita ilha a traz
até este monte, a costa he toda suja de pedra, e ruins
baxos: a terra he toda rasa até este monte muito f e r -
mosa. Ao pé deste monte ha 2 portos; hum da banda d ' a -

(1) I. de Lobos.
(2) I. das Flores.
(3) Gerro de Montevideo.
- /S -

loeste, e outro da banda de leste: nam sam senampara


navios pequenos.
Domingo 2h do dito mes, ante menhãa, me fiz á vela com
o ventonornordeste. Deste m o n t e d e S a m P e d r o se
começa a costa a loesnoroeste, indo assi no golfo de bua
enseada, que se faz grande como o dito m o n t e d e S a m
P e d r o , demora a leste e a quarta de sueste, fui dar em
fundo de a braças e m e a , hüa légua de terra ( i ) : e me
acalmou o vento, que levava : e me deu trovoada do Sul,
com muito vento; e fiz-me no bordo do m o 111e d e
S a m P e d r o , para me meter no porto donde estivera
de noite. O vento rodou logo ao sueste; e tornei-me a fazer
11a volta d'aloeste, para fazer meu caminho. Aqui comecei
a achar agua doce, e muito pescado morto. Da ponta
desta enseada da banda d'aloeste lança hüa restinga ao
mar hüa légua ( 2 ) : o mais baxo delia he braça e m e a , e o
mais alto h braças. Gomo passei a dita restinga me acal-
mou o vento; e afuzilava muito a sudoeste e ao noroeste,
que nesta costa sam sinaes certos de grandes temporaes :
e com este receo me acheguei a. terra» para ver se achava
porto onde me metesse. Bem pegado com terra me tornou
a ventar o vento nordeste, e fui ao longo da costa, a qual
se corre a loesnoroeste, per fundo de 4 , 5 braças d'area
limpa. Indo sempre hum tiro de bésta de terra tornou-me a
acalmar o vento bem tarde, e os sinaes do temporal cres-
ciam ; determinei de varar o bargantim em terra até passar
a noite; e mandei varar em hüa area, e tirar o fato todo em
terra; e fazer hum repairo de terra; e puzemos a at telhe-
ria em ordem. E eu fui com 10 homes pela terra ver se
achava rasto de gente : nam achei nada; seriam rasto de
(1) Foz do rio de Santa Luzia.
{2} Espenillo.
47

muitas alunarias, e muitas perdizes e cordonizes, e outra


muita caça. A terra he mais fermosa e aprasivel que eu ià
mais cuidei de v e r : „ a f f l havia homem que se fartasse
<1 olhar os campos e a lermosura delles. Aqui achei hum
™ grande ; ao longo delle tudo arboredo o mais fermoso
que nunca n : e antes que chegasse ao mar hum tiro de

b a r t ^ T ' " T ^ 6 t 0 1 ' ™

, om t r d ° 501 V e ° h Ú a t r O V O a d a d 0 ~ t e ,
c o m tanta força de vento e pedra, que nam havia homem
q u e s e tivesse em pé: e de supito saltou ao sudoeste com
muita chuva, relampados, e sempre cuidei de perder o bar-
g a n t e , , segundo o mar era grande. Toda esta noite c o r r e -
mos tanta fortuna, quanta homês nunca passaram. A a<™
que choveo me molhou o mantimento todo, que mais nam
pi estou.
Segunda-feira 25 do dito mes pela menhãa alimpou o
tempo e veo sol, com que nos enxugamos. Daqui me f i -
zera tornar, por nam termos mantimento; despois p a r e -
ceu-me que nos podiamos manter com o mantimento que
na terra havia; e com o pescado o mais fermoso e saboroso
que nunca vi. A agua ja aqui era toda doce; mas o mar
era tam grande que m e nam podia parecer que era rio • na
terra havia muitos veados e caça, que tomávamos, e ovos de
emas,e emas pequeninas, que eram muito saborosas; na terra
ha muito mel, e muito b o m : e achavamos tanto que o nam
queríamos: e ha cardos, que he mui bom mantimento, e
que a gente folgava de comer. E com nos parecer a todos
que aos podiamos soster, determinei de ir avante e Ô
vento era sueste, e o tempo estava bom, e de noite havia
loa. f arti bem t a r d e ; - duas horas de sol, com tencam de
, a r a n 0 1 t e t 0 , l a ; « d o ao longo da costa, por fundo de 6
braças d'area limpa. Sendo 2 léguas dond'e partira, saíram
r
— —

cia terra a mim 4 almadias, com muita gente : como as vi


puz-me á corda com o bargantim para esperar por ellas:
remavam-se tanto, que parecia que voavam. Foram logo
comigo t o d o s ; traziam arcos e frechas e azagaias de pao
tostado, e elles com muitos penachos todos pintados de mil
cores; e chegaram logo sem mostrarem que haviam m e d o ;
senam com muito prazer abraçando-nos a todos: a fala sua
não entendíamos; nem era como a do Brasil; falavam do
papo como mouros: as suas almadias eram de 1 0 , 1 2 braças
de comprido e mea braça de largo: o pao delias era cedro,
mui bem lavradas: remavam-nas com húas pás mui com-
pridas; no cabo das pás penachos e borlas de penas; e re-
mavam cada almadia 40 homês todos em pé: e por se vir
a noite nam fui ás suas tendas, que pareciam em hüa praia
defronte donde estava; e paraeiam outras muitas almadias
varadas em terra: e elles acenavam que fosse lá, que me
dariam muita caça; e quando viram que nam queria ir,
mandaram hüa almadia por pescado: e foi e veo em tama-
nha brevidade, que todos ficamos espantados: e deramnos
muito pescado: e eu mandeilhes dar muitos cascavéis e
christallinas e contas: ficaram tão contentes e mostravam
tamanho prazer, que parecia que queriam sair fóra do seu
siso: e assi me despedi delles. Quasi noite fezseme o vento
nornordeste por riba da terra: e com elle fazia o caminho
ao longo da costa, por fundo de 5, 6 braças: como passou
mea noite comecei a achar baxos de pedras, e alargueime
mais da terra, e tirei a moneta, e fui com pouca vela, com
a sonda na mão.
Terça-feira 26 de novembro pela menhãa me achei pega-
do com hüa ponta, (1) e fui para dobrar ; e a costa voltava

(1) A em que se fundou a colonia do Sacramento.


d o noroeste e tomava do norte; e ventava tanto vento no-
roeste, que nos houvera de soçobrar. Mandei amainar a
vela ; e fui surgir na ponta da banda de leste, q , abrigava
Je

do ve„ o: e saí a terra a ver se podíamos tomar algü J


h de huas grandes arbores, em que me fui pór, para d i S r
a outra costa da banda do noroeste da ponta houve v a
de muitas ilhas (1) todas cheas d'arberedo, hüa g«a d
erra ; e pareça cá que havia abrigo antre ellas. E afstme
torne, para o fiargantim com muita caça e me E á rde
acalmou o vento; e mandei meter os remos; e fui me í
J h a , corri-as todas; nunca achei porto nem abri o em q
me meter: na mais pequena achei repairo; mas do vento
soes e era desabrigada. Aqui estive toda á no.te f a S o
poòbal id.
Quarta-feira 27 de novembro mandei concertar a pade-
rnn ? a r « a n t i m - e Pôr a artelharia em ordem, e irmos
oncertados para pelejar; porque na terra viamos Muitos
lumos, que he sinal de ajuntamento de gente. E ao níeé d á
pa ti destas iluas, as quaes são sete, todas cheas de arbo-
redo; as tres delias sam grandes, e as quatro pequenas.
Com o vento lesnordeste fazia o caininho ao longo da costai
i q u a s e c o r r e a o n o i 'oeste e toma da quarta do norte.
Duas léguas das sete ilhas ha hum rio (2) que traz muita
agua: lui para entrar nelle; e a entrada era roim de muitos
baxos; e passei por longo cia costa per fundo de 7 8
braças; e a terra he toda chãa: quanto mais ávante' ia
tanto melhor me parecia; e á pustura do sol fui s u r g i r a
hua ilha grande ( 3 ) , redonda, toda chea d'arboredo, á qua!
puz o nome d e - S a n t a 1 n n a — Aqui estive toda a noite;
(1) Ilhas de S. Gabriel.
(2) Bio de S. Juan.
(3) filia de Martim Garcia.
1
- 50 —

onde matei muito pescado de muitas maneiras: nenhum


era de maneira como o de P o r t u g a 1: tomavamos peixes
d'altura de hum homem, amarelos e outros pretos com
pintas vermelhas, — os mais saborosos do mundo.
Quinta-feira 28 de novembro saí em terra: nesta ilha
achei muitas aves as mais fermosas, que nunca vi. Aqui vi
falcões como os de P o r t u g a l . O vento saltou ao sul:
puz-me da banda do norte da ilha: estive surto com muita
tempestade, que se me desabrigara, achara de todo nos per-
dêramos.
Sesta-feira 29 de novembro pela menhãa abonançou o
tempo, e fui á ilha: mandei pôr fogo em tres partes delia;
para ver se nos acudia gente : e nam vimos senam fumos,
que me demoravam a oessudoeste e nam viamos t e r r a :
mandei subir dous homês sobre húas arbores grandes,
que estavam na ilha, para ver se viam terra onde nos fa-
ziam os fumos, e viram arboredo, cousa que parecia terra
alagadiça.
Sabado 30 de novembro â tarde me fiz á vela com o
vento lesnordeste, e fui a hüas ilhas, que me demoravam
ao nornoroeste. Desta i l h a d e S a n t a A n n a ás sete
ilhas ha à léguas; e corre-se com ellas leste-oeste, e à terra
ha duas léguas: a estas duas ilhas, a que puz nome de
— S a n V A n d r é (1) — por ser hoje o seu dia, ha duas
léguas da dita i l h a d e S a n t a A n n a ; e estam da terra
mea légua: e achei nellas hum bom repairo, onde estive a
noite toda.
Domingo 1.° de dezembro me fiz á vela pela menhãa,
com o vento nordeste: e mandei governar a loessudoeste :
fazia mui gram névoa, que nam viamos nada, e fui assi
(4) Dos Hermanas.
— 51 — •

ate o meo dia pelo dito rumo; e indo por 5 braças de fund
foi de supito dar em 2 braças; e mais avante dei em s e c o "
e mandei saltar a gente áagua; saímos de seco; e tornei-me
por onde viera. Gomo alimpou a névoa, me achei lnia le^ua
de húa terra mui baxa, chea d'arboredo e muitos baxos e
vi estar húa boca grande, que me demorava ao noroeste • e
tut a demandar por fundo de 2 braças, e ás vezes dando em
seco, até que dei em hum canal de sete braças, que ía dar
na dita boca: e entrei para dentro: eachei um rio (1) de
mea légua de largo, e de húa banda e d'outra tudo cheo de
arboredo. A agua corria mui tesa para haxo: havia de fundo
10, 12 braças de lama molie. O rio faz a entrada leste-oeste •
da banda do sul na boca delle ha hum esteiro pequeno de 6
braças de largo; eindo mais por o rio arriba, da banda do
sul achei outro braço de outra mea légua de largo \2) que ía
ao sudoeste, e mais acima achei outro braço (3), que vinha do
noroeste: trazia muita agua, e era quasi húa légua de largo.
Entam vi que tudo eram braços e ilhas, antre que andava-
mos. As ilhas todas sam cheas d'arboredo; delias sam
alagadiças.
Segunda-feira 2 dias de dezembro, como foi menhãa,
mandei remar pelo rio arriba: eram tantas as bocas dos
nos, que riam sabia por onde ía; senam ía pela agua arriba ;
e fez-se-me noite a par de 2 ilhas pequenas onde surgi-
Estive a noite toda com muito vento noroeste.
Terça-feira 3 de dezembro corria a agua aqui tantu, que
nam podia ír á van te aos remos. A' tarde nos ventou muito

(1) Boca do Guazú .


(2) Boca brava.
(3j Braço largo.
— 0ur»
£ —

vento sudoeste: com elle fomos pelo rio (1) arriba: achava
i braço, que ía ao norte; outro, que ía ao loeste ; e nam
sabia por onde fosse. J a aqui começava a achar as ilhas,
com muitos arboredos e frechos e outras mui fermosas a r -
bores; muitas ervas e flores como as de P o r t u ga 1, e outras
diferentes; muitas aves e garças e abatardas, e eram tantas
as aves, que compàos as mata vamos. Ja aqui as ilhas nam
sam alagadiças: a terra delias muito fermosa.
Quarta-feira â de dezembro indo á vela pelo rio arriba,
por hum braço que corria ao noroeste, dei n'outro, que
se corria ao nordeste, mui largo; e na boca tinha duas
ilhas pequenas, todas cheas d'arboredo. Aqui achei muitos
corvos marinhos, e matei delles á besta: e fui pelo dito
braço: adiante rnea légua me anoiteceu; e surgi a par cie
hüas arbores, onde estive a noite.
Quinta-feira 5 de dezembro, indo pelo dito braço arriba,
achei muitos sinaes de gente. Faziam muitos fumos pelas
ilhas: a terra da banda do sueste me parecia, oncle era
firmo, a mais fermosa que os homes viram: toda chea de
íròlés, e ò feno d'altura de hum homem.
Sestá-feira 6 de dezembro fui dar i f h u m estreito da
banda do noroeste do rio, donde estive a noite toda; e de
noite nos deu húa trovoada do sudoeste com gram força
de vento; e encheu o rio muito com este vento quo retinha
a agua.
Sabado 7 de dezembro nos ventou o vento a sudoeste
com muita força. Fomos com pouca vela pelo dito braço
arriba, que ao nordeste iam hüs fumos que faziam longe

(1) Esta subida pelo rio com vento S. O. e as mais cosiírori-


tacões que seguem, descobrem que Pero Lopes deixou os braços
op Parana, e seguiu pelo Uruguay. V
— 53—•
pelo rio arriba. E tendo andado 3 legnas me anoiteceu
donde os faziam : e sai em terra ; e nam achei rasto de
gente, senam de muitas alimarias. De noite nnos deu re-
bate M a onça ; cuidando que era gente, sai em terra com
toda a gente armada.
Domingo 8 de dezembro me tornei por onde viera, para
ir pelos outros braços arriba, ver se achava gente : e vim
pelo rio abaxo dormir ás duas ilhas dos corvos (1).
Segunda-feira 9 de dezembro fui pelo braço arriba, que
ia ao noroeste, o qual era muito g r a n d e : tinha de largo
húa légua e mea ; trazia muita agua e grande corrente.
Este dia nam andei mais que duas léguas ; e surgi antro
duas bocas, húa que ía ao essudoeste, e outra ao no-
roeste.
Terça-feira 10 de dezembro fui pelo braço arriba que ía
ao noroeste : e tendo andado 4 léguas por eile arriba, fui
dar n'um rio de 3 léguas de larho, e ía a loeste ; e fui
dormir da banda do sul debaxo de hús frechos. E de noite
matamos 4 veados, os maiores que nunca vi.
Quarta-feira 11 de dezembro fui pelo rio arriba com bom
vento; e vi um braço pequeno; e metti-me por eile, o qual
ía ao noroeste: neste rio ha húas alimarias como raposas,
que sempre andam n'agua, e matavamos muitas: tem sabor
como cabritos. Indo pelo braço arriba, vi que se fazia mui
estreito : e tornei-me ao braço grande ; e indo no meo
delle descobri outro braço que ía a Íoessudoeste ; e fui
por eile húa légua, e dei n'outro rio mui grande, que ía a
noroeste. E a terra da banda do sudoeste era alta, e pare-

(1) São as ilhas oode estivera no dia 4, á foz do Rio Negro ; por-
tanto o rio, pelo qual seguiu no dia 9 foi evidentemente o Uruguay.
cia ser firme ; e da mesma banda do sudoeste, achei h u m
esteiro, que na boca havia duas braças de largo e hüa de
fundo ; e segundo a informaçam dos indios era esta terra
dos C a r a n d i n s . (1) Mandei fazer muitos fumos, para
ver se me acudia gente, e no sartam me responderam com
fumos mui longe.
Quinta-feira 12 de dezembro á boca deste e s t e i r o d o s
C a r a n d i n s puz dons padrões das armas d'elrei nosso
senhor, e tomei posse da terra para me tornar d'aqui; por
que via que nam podia tomar pratica da gente da terra ; e
havia mnito que era partido donde Martim Afonso estava:
e fiquei de ir e vir em 20 d i a s : e deste esteiro ao r i o d o s
B e g u o a i s, donde parti, me fazia 105 léguas. Aqui tomei
altura do sol em 33 grãos e 3 quartos.
Esta t e r r a d o s C a r a n d i n s he alta ao longo d o
rio; e no sartam he toda chãa, coberta de feno, que cobre
hum homem: ha muita caça nella de veados e emas, e per-
dizes e cordonizes : he a mais fermosa terra e mais apra-
zível, que pode ser. Eu trazia comigo alemães e italianos,
e h o m ê s que foram á I n d i a e francezes, - todos eram
espantados da fermosura desta terra; e andavamos todos
pasmados que nos nam lembrava tornar. Aqui neste esteiro
tomámos muito pescado de muitas m a n e i r a s : morre tanto
neste rio e tam bom, que só com o pescado, sem outra
cousa, se podiam manter ; ainda que hum homem coma
10 livras de pexe, e m nas acabando de c o m e r , parece
que nam comeu nada ; e tornara a comer outras tantas. O

(1) Os CarajidínS (Querandins) eram em nossa humilde opinião


como os Chaim e Pampas, povos vindos dos Andes. - V e i H i s t
Geral do Brazil í., p. 447. ' J
- 55 —

ar deste rio he tam bom que nenhüa carne, nem pescado


apodrece; e era na forço do verão que matavamos vea-
dos, e trazíamos a carne 1 0 , 12 dias sem sal. e nam
fedia. A agua do rio b e mui saborosa ; pela menhãa he
quente, e ao m e o dia he muito fria; quanta o homem
mais bebe, quanto melhor se acha. Nam se podem dizer
nem escrever as cousas deste rio, e as bondades delle
e da terra.
Ses ta-feira 13 de dezembro parti deste e s t e i r o d o s
C a r a n d i n s para me tornar p o r donde viera. Com o
vento noroeste fazia o meu caminho á popa ( 1 ) , que ia tam
teso, que cada hora 3, 4 léguas. Sendo a par das ilhas dos
corvos (2), d'antre hum arboredo ouvimos grandes brados,
e fomos demandar onde bradavam: e saio a nós hum homem,
á borda do rio, coberto com pelles, com arco e frechas na
m ã o ; e fallou-nos 2 ou 3 palavras guaranis, e entenderam-
as os línguas, que levava; tornaram-lhe a falar na mesma
lingua, nam entendeu; senam disse-nos que era feegwuaa
chanaa (3) e que se chamava ynhandú. E chegámos
com o bargantim a terra, e logo vieram mais 3 homes e
hüa molher, todos cobertos com peles : a mo lhe r era mui
f e r m o s a ; trazia os cabellos compridos e castanhos: tinha
hús ferretes que lhe tomavam as olheiras: elles traziam na
cabeça hús barretes das pelles das cabeças das onças, c o m
os dentes e com tudo. Por acenos lhe entendemos que es-
tava hum homem com outra geraçam, que chamavam clia-

(1) Note-sc bem : Ao descer o rio ia á popa com vento N.O.:


seguia pois para S.E., o que não poderia succeder se tivesse su-
bido pelo Paraná.
(2) As do dia 4 e 8 de dezembro.
(3) fíegoàs e chanás eram nomes de tribus de índios.
Mlis e que sabia falar muitas línguas; e que o queria ír a
chamar, e estava la diante pelo rio arriba; e que ellesiriam
e viriam em 6 dias. Entam lhes dei muitas cristalinas e
contas e cascavéis, de que foram mui contentes, e a cada
hum delles seu barrete vermelho; e á molher hüa camisa:
e como lhes isto dei, foram a hús juncais, e tiraram duas
almadias pequenas, e trouxeram-ine ao bargantim pescado
e taçalhos de veado, e hüa posperna d'ovelha (1); mas nam
ousavam de entrar dentro no bargantim, nem seguravam
comacsco. E assi se foram, dizendo que haviam de vir dahí
a 5 dias, e os esperassem nas ditas ilhas dos corvos, Aqui
estive 6 dias esperando, nos quaes tomei muita caça e muito
pescado, e muitos veados, tamanhos como bois, os quaes fa-
zíamos em taçalhos, para levar ás naos. Gomo vi que nani
vinham, ao cabo dos 6 dias me párti.
Quarta-feira 18 dias de dezembro com o vento noroeste
mui forçoso; e vim jantar á boca do rio, por onde entrara: e
ali tirei muita artelliaria a ver se me acudia gente. Assi es-
tive até 2 horas depois de meo dia, que parti com o mesmo
vento noroeste, e passei peias i l h a s d e S a n f A n d r é
e pela i l h a d e S a n t a A n n a ; e fui em se pondo o sol
ás 7 ilhas (2), no porto onde estivera, quando por ali pas-
sára, onde deixara enterrado barris b outras cousas, que
nos nam eram necessárias. Neste dia me fazia que andára
35 léguas. Aqui estive esta noite surto fora dás ilhas em
fundo de 8 braças d'àréa l i m p a : e de noite me ventod
muito vento norie:
Quinta-feira 19 de dezembro pela menhãa me fiz á vela,
e como descobri o c a b o d e S a m M a r t i n h o (S);
(1) Provavelmente de paca, anta ou de capivara.
(2) S. Gabriel.
(3) P. de Espinillo ?
— 57—•
que torna a costa lessueste, me deu muito vento lesnor*
deste : e a remos me acheguei á terra ; e me meti em húa.
enseada que abrigava do vento, a qual esta da banda de
leste do c a b o d e S a r a M a r t i n h o .
Sesta-feira 20 de dezembro se fez o vento norte, e com
elle fiz o meu caminho ao longo da costa, que se corre a
lessueste. Corri todo o dia com mui bom vento. Desd'o
c a b o d e S a m M a r t i n h o se fazem 3 pontas; afastada
húa légua húa da outra, todas com arboredo, e lançam ao
mar restingas de pedras; e antre ellas ha arrecifes mui pe*
rigosos. A' cerrada da noite me acalmou o vento á boca de
hum rio, que á entrada era mui baxo. Aqui estive surto ate
á mea noite, que me deu M a trovoada do sulsudoeste; e
com o vento encheu a água; e me meti na boca do r i o : e
como ía enchendo assi me ía metendo para dentro.
Sabado 21 de dezembro como foi menhãa acalmou o vento;
e saí do rio, a que puz o nome — d e S a m J o ã o . —
Saltou o vento ao esnoroeste, e dei á vela: e £ léguas do
dito r i o d e S a m J o ã o achei agente, que á ida topara
nas tendas; e saíram-me 6 ai ma dias, e todos sem armas»
senam vinham com muito prazer abraçar-nos: e o vento era
muito; e fazia gram m a r ; e elies acenavam-me que entrasse
para hum rio, que junto das suas tendas estava. Mandei la
hum marinheiro a nado, para ver se tinha boa entrada : e
veo e disse-me que era muito estreito, e que nam podiamos
estar seguros da gente, que era muita : — que lhe parecia
que eram 600 homês; e que aquillo, que pareciam tendas
que eram h esteiras, que faziam húa casa em quadra, e em
riba eram descobertas: e fato lhe nam vira; senam reides
da feição das nossas. Como vi isto me despedi defies • e
lhes dei muita mercadoria; e elles a nós muito pescado. E
vinham apoz de nós, hús a nado e outros em almadias, que
58 -

nadam mais que golfinhos; e da mesma maneira nós corri


vento á popa muito fresco: — nadavam tanto quanto nós
audavamos. Estes homês sam todos grandes e nervudos; e
parece que tem muita força. As molheres parem todas mui
bem. Cortam também os dedos como os do c a b o d e
S a n t a M a r i a ; mas nam sam tarn tristes. Como me parti
delles, mandei encher as vasilhas de agua doce ; porque
nos achegavainos á enseada onde se ajunta a agua doce com
a salgada. Indo assi houve vista do m o n t e d e S. P e d r o ;
e anoiteceu-me húa légua delle; e acalmou-me o vento.
Aqui nam ha onde surgir, que o fundo he todo de pedra,
íamos remando ao longo da costa, e deu-nos húa trovoada
do sul com muito vento e relampados; e cuidei de sermos
todos perdidos; e íamos dar de todo á costa; mandei lançar
a fatexa, b e m pegados com a rocha, em fundo de k braças
de pedra. Estando assi com esta fortuna, se lançaram 2
marinheiros a nado, e se foram a terra, ver se havia algum
lugar bom, em que dessemos em seco. E de terra b e m
bradaram que acharam hum esteiro, onde o bargantim
podia entrar. Mandei levar a amarra, que quasi estava que-
brada das pedras, e metemos os r e m o s ; e pondo muita
força cada hum para se salvar. • Remando mais avante hum
tiro de besta vi a boca do esteiro; e me meti nelle ; e à
entrada tem muitas pedras, onde me houvera de perder.
Como fui dentro carregou tanto o tempo, que se me achara
fora todos nos perderamos.
Domingo 2'i de dezembro passou-se o vento ao sueste,
& acalmou : e vasou a agua e ficámos em seco no esteiro :
e o fundo delle era de pedras mui agudas. Nesta costa
desdV) sueste até o noroeste, corno estes ventos ventam
desta parte, enche a agua muito; ainda que vase a maré
podem mais os ventos; e desde lessueste até o nornoroeste,
— 59 — •
como ventam, vasa logo a agua, ainda que a maré encUa
obedecem os ventos: assi que nesta costa nam ha marés;
senam quando ahi nam ha ventos. Desd^o c a b o d e
S a n t a M a r i a até o m o n t e d e S a m P e d r o se
corre a costa leste-oeste : haverá de caminho 24 léguas : e
desd'o m o n t e S a m P e d r o até o c a b o d e S a m
M a r t i li h o se corre a costa a loeste e a quarta do no-
roeste : ha de caminho 25 léguas: e desd'o c a b o d e
S a m M a r t i n h o até ás i l h a s d e S a n V A n cl r é
se corre a costa ao noroeste e toma do norte : ha de ca-
minho 7 léguas. Tudo mais avante sam ilhas, que nam tem
conto; nem se pode escrever o numero delias, nem a ma-
neira de que jazem.
Segunda-feira 23 de dezembro saí fora do esteiro : por
ventar muito vento sueste, me meti irliura porto da banda
d'aloeste do m o n t e d e S a m P e d r o este monte tem
hum porto da banda de leste e outro da banda d'aloeste :
aqui entrei pela terra; matei muitas emas e veados; e fui
com a gente toda ao mais alto do m o o t e d e S a m P e -
d r o , donde víamos campos, a estender d'olhos, tara
chãos como a palma; e muitos rios: e ao longo delles arbo-
redo. Nam se pôde . escrever a fermosura desta terra : os
veados e gazelas sam tantos, e emas, e outras al ima rias,
tamanhas como potros novos e do parecer delles, que be o
campo todo coberto desta caça — que nunca vi em P o r -
t u g a l tantas ovelhas, nem cabras, como ha nesta terra
de veados. A tarde me tornei para o -bargantim.
Terça-feira 24 de dezembro, dia de natal, parti deste
porto com o vento norte mui rijo: e em querendo dobrar
húa ponta dei em hum baxo de pedra, que nos lançou o
leme húa lança cFalto: quiz Deus que nos nam quebrou.
Indo assi ao longo da costa, no meo de húa enseada, carre-
__ 60 -

g o o tanto vento da terra, que nam podíamos levar vela, e


aforçava por nam esgarrar. Entrou-nos tanta agoa que rios
arresou o bargantim. Mandei lançar anchora: como poz a
proa ao mar deu-nos algum lugar a lançar a agua tora, que es-
tava até á coberta todo arresado. Como fui esgotado tornei
a dar á vela, e ctiegei-me bem á terra; e defronte da i 1 h a
d a r e s t i n g a , indo ao longo da terra, demos n'hum
pexe com o bargantim, que parecia que dava em seco, e
virou o rabo, e quebrou a metade da postiça: foi tam gram
pancada que ficámos todos como pasmados: riam lhe vimos
mais que o rabo: mas á soma, que despois fez na agua, pa-
recia mui gram pexe. Duas horas de sol me acalmou o
vento, húa légua da i l h a d a s p e d r a s ; e meti os re-
mos, e fui surgir antre el!a e a terra, com ten çam d* es tar
ali a noite. Sendo húa hora da noite me deu húa trovoada
do nornordeste, que vinha por riba da terra com tanto
vento, quanto eu nunca tinha visto, que nam havia homem
que falasse, nem que pudesse abrir a boca. Em hum mo-
mento nos lançou sobre a i 1 h a d a s p e d r a s ; (1) e logo
se foi o bargantim ao fundo antre duas pedras, donde foi
dar. Saímos todos em riba das pedras, tam agudas que os
pés eram todos cheos de cutiladas. Desta ilha aterra havia
húa légua. Ajuntamo-nos todos em húa pedra; porque o
vento saltou ao mar; e crescia muito a agua, que a ilha era
quasi toda coberta; senam hum pene;lo em que todos esta-
vam os, confessando htis aos outros, por nos parecer cjue
era este o derradeiro trabalho. Àssi passámos toda esta noite
em se todos encomendarem a Deus: era tamanho o frio,
que os mais dos homes estavam todo entanguidos, e m e o s

(1) Hoje cremos com toda a probabilidade que esta ilha era a
ehamada hoje d e l a s G a v i o t a s .
- 61 - -
mortos. Assi passámos esta noite com tamanha fortuna,
quanta homes nunca passaram.
Quarta-feira 25 de dezembro pela menhãa, saltou o vento
a nordeste, e vasou a agua muito; e descobriu o bargantim,
e de riba estava ainda são; mas debaxo parecia-nos que era
todo quebrado. Alguns homes qe tinham forças, e que es-
tavam em si faziam jangadas de remos e de pavezes, para
se lançarem a nado á terra firme. Eu me fui com 3 homês
ao bargantim e começámos a esgotar a agua, que dentro
tinha, para lhe tirar o masto para nelle irmos á terra. Es-
tando assi me pareceu que tirava a artelharia e fato, que
surderia arriba; assi chamei alguns homês: — os que nam
sabiam nadar, que os que sabiam andavam em se salvar
com remos e com páos. Des que tirámos a artelharia e fato
íora, quis nossa senhora que surdiu o bargantim; e demos
grandes brados á gente que acudisse, e que se nam lanças-
sem a nado: porque o bargantim estava são, e que éramos
todos salvos. O bargantim nam tinha mais que hum buraco
na taboa do resbordo, que logo tapámos, e tornámos a
meter o fato e recolher a gente nelle, para nos irmos ao
r i o d o s B e g u o a i s, que era dahi 2 léguas. Muitos
homês estavam ja quasi mortos, que nam tinham forças
para andar; e os mandei meter ás costas dentro no bar-
gantim : e saltou o vento ao mar, e dei á vela, e fui quasi
noite entrar no r i o d o s B e g u o a i s. E nam tinha mos
que comer, que havia 2 dias que a gente nam comia; e
muitos homês ficaram tam desfigurados do medo, que os
nam podia conhecer. Toda esta noite nos choveu e ventou
com relampados e trovões; que parecia que se fundia o
mundo.
Quinta-feira 26 de dezembro pela menhãa abonançou o
t e m p o ; mas era contrario a partirmos: e mandei hum
62 -

homem por terra á i l h a d a s P a i 111 a s, donde Martim


Afonso estava, a lhe dizer que, se o tempo durasse, nos
mandasse mantimento, que estava em grande necessidade
delle. Este dia nam comemos sen am ervas cozidas. E andan-
do pela terra em busca de lenha para nos aquentarmos
fomos dar n'hum campo com muitos páos tanchados e
reides, que fazia hum cerco, que me pareceu á primeira
que era armadilha para caçar veados; e despois vi muitas
covas fuscas, que estavam dentro do dito cerco das reides:
então vi que eram sepulturas dos que morriam: e tudo
quanto tinham lhe punham sobre a cova; porque as pelies,
com que andavam cobertos, tinham ali sobre a cova, e
outras maças de páo, e azagaias de páo tostado, e as reides
de pescar e as de caçar veados: todos estavam em contor-
no da sepultura, e quizera mandar abrir as covas; despois
houve medo que acudisse gente da terra, que o houvesse
por mal. Aqui juntas estariam 30 covas. Por nam podermos
achar outra lenha mandei tirar todolos páos das sepulturas:
mandei-os trazer para fazermos fogo, para se fazer de
comer com 2 veados, que matámos, de que a gente tomou
muita consolaçam. A gente desta terra sam homês mui
nervudos e grandes; de rosto sam mui feos: trazem o
cabelo comprido; alguns deli es furam os narizes, e nos bu-
racos trazem metidos pedaços de cobre mui lucente : todos
andam cobertos com pelles: dormem no campo onde lhes
anoitece: não trazem outra cousa comsigo senam pelles e
reides para caçar: trazem por armas, hum pi louro de pedra
do tamanho d'hum falcão, e delle sae hum cordel de hüa
braça e mea de comprido, e no cabo hüa borla de penas
d* em a grande; e tiram com elle como com funda: e trazem
M a s azagaias feitas de páo, e húas porras de páo do tama-
nho de hum covado. Nam comem outra cousa senam carne
- m -

e pescado: sam mui tristes; o mais do tempo choram.


Quando morre algum delles segundo o parentesco, assi
cortam os dedos - por cada parente hüa junta; e vi muitos
nomes velhos, que nam tinham senam o dedo polegar O
lalar delles he do papo como mouros. Quando nos vinham
ver nam traziam nenhüa molher comsigo; nem vi mais
que hüa velha, e como chegou a nós iancou-se no chão de
Druços ; e nunca aievantou o rosto: com nenhüa cousa
nossa íoigavaiii, nem amostravam contentamento com nada
o e traziam pescado ou carne davam-no-lo de graça, e se
lhe davam algüa mercaderia nam folgavam; mostrámos-lhe
quanto trazíamos; nam se espantavam, nem haviam medo
a artelliaria; senam suspiravam sempre; e nunca faziam
modo senam de tristeza; nem me parece que folgavam com
outra cousa.
Sesta-feira 27 de dezembro parti d o r i o d o s B e g u -
o a i s , e em se querendo pôr o sol cheguei â i 1 h a d a s
P a l m a s , onde Martini Afonso estava. Esta i l h a d a s
P a l m a s he muito pequena; delia a terra ha hum quarto
de légua: faz a entrada da banda do essudoeste: ha de fundo
limpo /<, 5, 6 braças. A o mar delia, hüa légua ao sul, ha
M s baxos de pedra mui perigosos. Aqui estivemos nesta
mia 4 dias fazendo-nos prestes para nos irmos ao r i o d e
S a m. V i e e n t e .
Terça-feira l . ° d i a de janeiro partimos desta ilha c o m o
vento lesnurdeste; fizemos o caminho do sudoeste. A' noite
se fez norte, e fizemos o caminho a leste toda a noite, com
bom vento.
Quarta-feira 2 de janeiro pela menhãa saltou o vento a su.
doeste; fizemos o caminho ao nordeste e a quarta de leste;
e â noite acalmou o vento: e ao pôr do sol vimos terra, a
qual se corre a nordeste-sudoeste. Esta noite fizemos hüa
6/< —

agua mui grande, e davamos hum relogio á bomba e outro


nam.
Quinta-feira 3 de janeiro pela menhãa nos deu muito
vento sudoeste: fazíamos o caminho ao nordeste e a quarta
de leste. E mandou Martim Afonso a caravela ao p o r t o
d o s P a t o s , para ver se achava o bargantim ou a gente
deilc, que perderamos de companhia, quando íamos para o
r i o ; e mandou-lhe que governasse ao nordeste e a quarta
do norte. Este dia tomei a altura em 29 grãos e tres quartos:
fazia-me de terra 15 léguas. Esta noite corremos á popa com
mui b o m vento.
Sesta-feira h de janeiro houve vista de terra, — húas
barreiras vermelhas, que estam des léguas ao sul do p o r t o
d o s P a t o s . E ao sol posto fui com o p o r t o d o s
P a t o s . Por me afastar de terra fiz o caminho a lesnor-
deste, com o vento sul, e com mui gram mar fizemos tanta
agua toda esta noite, que não levamos a mão da bomba até
pela menhãa, que tomámos parte delia.
Sabado 5 dias de janeiro abonançou mais o tempo e o
mar; e ao meo dia tomei o sol em 27 grãos.
Domingo 6 do dito mes nos ventou o vento sulsueste, e
com o traqoete baxo corremos a noite toda ao nordeste e a
quarta de leste.
Segunda-feira 7 do dito mes ao meo dia tomei o sol em
25 grãos escaços; e hüa hora de sol vi a terra, que lie mui
alta, e seria delia 7 léguas; e fomos no bordo da terra
até a noite., que se me fez o vento lesnordeste; e virámos
no bordo do mar.
Terça-feira 8 de janeiro no quarto d'alva nos fizemos no
bordo da terra; e ao meo dia fomos com el la; e conheci ser
o rio da banda do nordeste da C a n a n e a, e como nam
podiamos cobrar pela corrente e o vento ser grande. E o
65

i J r c a r
à r :r j í s ? a r
mos a terra delia. 1 d u bül surg'-

Quarta-feira 9 do dito m** ^ n, > i • , „


nao, f f « e nos ^ ^ agua

vemos até o . n r i i r . : , ! , A ( J U I 1 , e s t a ''fia esti-

- t o - o
levava a mão a duas bombas S ' q U eM m se

ssem
e m Tventu
n r f e andamos
i r a , 1 7 d 0 d Í t ° m e s a a ^ a c o ' ™ « o nordeste e
este dia 1 0 léguas
Sesta-feira 18 do mes de janeiro andámos em calm, at,*
10 W «1'alva, que se fez o vento s u i e r, '
o cammho ao longo da costa húa legua de ter p f ^
d e ' 3 o braças d area, e ao meo dia tomei o sol em 24 Z Z
e 3d meudos.
Domingo 20 do dito mes pela menhãa 4 léguas de mim
vi a abra do p o r t o d e S a m V i c e n t e - d e m o r a i

K f K ? r » ° Venl? - g i m í I T d
Ot í o oi aça» d area, mea legaa de terra; e ao meo dia to
m e . o sol em S i grãos e 1 7 meudos; e 2 horns " t s 1 °0"
m>1 se puzesse nos deu húa trovoada do noroeste- nela T o ,
rente ser mu, grande ao longo da costa a t r a v é s va n o o
' e m e t i . a nao todo o port 1
po deiaxo do mar; se nos nam qoebrára a ai,chora pela
unha fôramos soçobrados, segundo o vento era desigual
t o m o se fez o vento oessudoeste demos á vela- e es a £
d1: I T * r d o , T a f ü m o s s u r g i r d e a t r o
üe b braças d area grossa.
Segun . d a ã i de janeiro demos á vela, e fomos s a r -
f e i

f " Í T P r a ! a d a 1 1 h a d o S o 1; pelo porto ser abrigado


todolos ventos. Ao meo dia veo o galeam Sam Vicente
— OU
nn

surgir junto comnosco, e nos disse como tora nam se podia


amostrar vela, com o vento sudoeste. ^
Terça-feira pela menliãa fui irhum batel da banda d aiu-
oste da babia e achei hum rio estreito, em que as naos se
podiam correger, por ser mui abrigado de todolos ventos .
e â tarde metemos as naos dentro com o vento sul. Como
fomos dentro mandou o capitam l. fazer húa casa em terra
para meter as velas e emxarcia. Aqui neste p o r t o d e
S a m V i c e n t e varámos húa nao em terra. A todos nos
pareceu tam bem esta terra, que o capitam I. determinou
de a povoar, e deu a todolos homês terras (1) para íazerem
fazendas : e fez húa villa na i 1 h a d e S a m V i c e n t o e
outra 9 léguas dentro pelo sartain, â borda d'hum n o , que
se chama P i r a t i n i m g a : e repartiu a gente nestas 2
villas e fez nellas oficiaes: e poz tudo em boa obra de jus-
tiça, de que a gente toda tomou muita consolaçam, com
verem povoar villas e ler leis e sacreficios, e celebrar ma-
trimônios, e viverem em comunicaçam das artes; e ser
cada um senhor do seu; e vestir as enjurias particulares; e
ter todolos outros bens da vida sigura e conversavel.
Aos 5dias do mes de febreiro eutou neste p o r t o d e
S a m V i c e n t e - a caravela Santa Maria do Cabo, que o ca-
pitam I . tinha mandado ao p o r t o d o s P a t o s buscar
a gente d'um bargantim, que se ahi perdera; e achou que
tinha feito outro bargantim, com ajuda de 15 homês caste-
lhanos, que no dito porto havia muitos tempos, que estavam
perdidos: e estes castelhanos deram novas ao capitam I. de
muito ouro e prata, que dentro no sartam havia ; e traziam
mostras do que diziam e afirmavam ser mui longe. Estando

(!) De uma destas datas de terra feita a Ruy Pinto possuímos


copia (Doe....)
— 67 — •
nes 6 porto tomou o « p i t a m I. parecer com todolos mestres
e pilotos o com outros homês, quo para isso eram, para sa-
ber o que havia d e t e r ; porque as naos se estivessem
Hous meses dentro no porto nam podiam ir a P o r t u * a i
por serem mui gastadas do busano; c a gente do mar v L i á
todo soldo sem fazerem nenhum serviço a elrei, e comiam
os mantimentos ,ln terra. E assentaram q u e o capitam I.
- ev,a de mandar as naos para P o r t u g a I, com a gente
<10 mar; e ficasse o capitam I. c o r o a mais gente em suas 2
vdlas, que t,nha fundadas, até ver recado da-gente, q u e ti-
nha mandado a descobrir pela terra dentro, e logo me man-
daram razer prestes para que eu fosse a P o r t u g a I nes-
tas ( I ) 2 naos, a d r conta a elrei do que tínhamos feito. A
i ( t i a d o s o l está em altura de 2â grãos e hum q u a r t o ® .
yiiarta-feim xxij dias do mes do maio da era de 1532, da
« a dadam de oito mil e quinhentos e xfaj e 3tí i di*s f )
da era do diluvio do 4 6 3 1 anoos e 95 d,as estando o sol em
Jo -g. e i-2 meudus de geminis e a lua em .19. g. de canri-
c 0 r n , ° - P ^ y l o R i o d e S a m V i c e n t e hüa ora antes

f ® ° S 0 | . S ? P " s e c e c o m . 0 ™nto noroeste. E como foi noite


0 caininno a leste e a quarta de nordeste.
Quinta-feira polia manhãa era tanto avante com a y l h a
ü e b a m S e b a s t i a m e ao meo dia se fez o vento oeste
e começou a ventar e que me foi necessário tirar as mo-
netis e correr com hos papafigos baxos fazendo o caminho
(I) Daqui se vè que este diário se ia escrevendo a bordo,
Porfm n J - Í T ? 1 u a n o s s o r v i u <le ' « t o ™ 1' edição,
M l ^ t o í h S J " !,bll0lhec,a
1 N e temos pelo erigi-'
«ra adolnamo, P , 0 S e « U e l o g o d a n í l ° n l a d» regresso, como
c o

rirto n o n ^ , „ n 1 a r í 7 m D Í r 0 , que P 1"ccstá em « r i f 0 « a c h a es-


Sa • R c a I ' l""'™ á m a r » ' - O com uma cha-
m
— 68—•

a lesnordeste ate a mea noite que mandei tomar as velas


por me fazer com ho R i o d e J a n o i r o.
Sesta-feira xxiiij dias do dito mes pola menhaa via terra
3 leguoas de mim e conheçi o R i o d e J a n e i r o que me
demoraua a norte e quarta do nordeste e com o vento su-
dueste dei a vela e entrei nelle ao meo dia.
Sesta-feira xíiij dias d o mes de Junho chegou a nao
s a n t a m a r i a d a s c a n d e a s , que fiquara em s a m
v i c e n t e acabando-se de correger. Neste rio estive to-
mando mantimento para 3 meses e partime terça-feira 2
dias de Julho: com o vento nordeste say fora, e achei o
mar tam feo, que me foi necessário tornar a Ribar e surgi
na boca ao mar da y l h a d a s p e d r a s em fundo .i:i.
braças darea limpa.
Quinta-feira k do dito mes me torney a fazer a vela com
ho vento norte. Duas leguoas ao mar me deu mujto vento
sndueste e mandei fazer o caminho a leste e em se pondo o
sol fui com o G a b o f r i o . No quarto da prima mandei
governar a leste ate sesta-feira ao meo dia que fiz o
caminho a lesnordeste com ho vento sndueste de todalas
velas.
Sábado 6 dias do mes cle Julho s e m e fez o vento sul. Fa-
zia o caminho a nordeste e a quarta de leste.
Domingo bij do mes polia menhãa me fez o galeam sinal
e como acheguei a elle m e d i s s e que faziam tanta aguoa
que duas bombas a não podiam vencer e que queriam virar
no outro bordo ; ver se a podiam tomar : e em virando 2
relogios no outro bordo a tomaram e tornamos a virar e
fazer o caminho a nordeste e o quarta de leste.
Segunda-feira biij dias do mes de Julho ao meo dia to-
mey o sol em ,21; g. e meo : demoravame o cabo frio ao
essudueste: fazia me delle . k e 2 leguoas. A. i l h a d o s
— 09 — •
b a x o s me demorava ao noroeste: fazia me delia 1
legnoas.
3. a feira se fez o vento leste: com elle fazia o caminho
da norte e a quarta do nordeste polias naos serem grandes
de bolina lhe dava pouco abatymento.
Quarta-feira .x. do mes de Julho se fez o vento calma
ate sabailo ao m e o dia que o vento sudueste começou a
ventar brando e de noite com ho vento fresquo de todas as
veias fazia ho caminho do norte até domingo ao meo d?a
que tomey o sol em .19. g. e 3 quartos e mandei fazer o
caminho a norte e a quarta de noroeste. Os baxos dos par-
guetes me demorariam ao sudueste e a quarta daloeste •
fazia-me delles . h x . leguoas. A i 1 h a d o s b a x o s me
demorava ao noroeste : fazia me deíla xbiij leguoas.
Segunda-feira .xb. do dito mes ao meo dia tomei o sol
em .17. g. Com mujto vento sudueste e mar corria com
os papafigos baxos ao nornoroeste. Esta noite com o r n a r
muj groso nam levamos a mão de 2 bombas: fazia a nao
por tantas partes a aguoa que toda a noite -andaua com ho
calafate debaxo da cuberta tomando aguoas. Eram tantas
asbaleas nesta parajem e tamanhas e chegavam se tanto as
naos que lhe auiamos mui grande medo.
3 / feira xbj do dito mes tomei o sol ao meo dia em
15. g. e 3 quartos. Demorava me a B a i a d e t o d o l o s
S a n t o s ao nornoroeste. Mandei fazer o caminho ao no-
roeste ate o quarto da modorra, que ouve vista da terra
que mandei fazer o caminho ao norte e a quarta do nordes-
te com o mar mui grosso.
Quarta-feira xbij do dito mes polia menhãa reconhecy as
serras que jazem ao sul da baia de todollos santos .xxb.
leguoas e ao meo dia se fez o vento susudueste muj forçoso.
Era o mar tam grosso que a nao me nam queria guovernar
— 70- —

asy fui correndo com hum bolso da vela da vante1 com mui
gram t e m p o r a l : ao jugnr da nao faziam tanta aguoa que
não leuauamos mãos a 2: bombas. Este dia tomei o sol e m
.l/i. g. e o sol posto houve vista do P a d r ã o : por fazer
mujto vento e o mar e a terra estar muj afumada nam en-
trei na bahia e fiz me no bordo do mar até .5. Relogios do
4.° da modorra que tornei no bordo da terra.
Quinta-feira .18. dias de Julho em Rompendo a alua vi-
0 padrão mea leguoa de m j m e o marquev ai oeste e a
quarta do noroeste metendo as mo netas pera entrar na
b a h i a. Saltou o vento ao sudoeste com tanta força que-
nam podiamos metter as naos de loo. Torney a mandar
a t i r a r a s mo netas o com hos papafigos baxos cobrei a
ponsa do padrão, com asaz trablaho. Era tam grande o
mar que a entrada da bahia em .9. braças de fundo
me deu o mar por Riba do chapiteo e veo quebrar no
convés.
Nesta bahia estive calafetando os altos das naos que os
traziam esvaídos e tomando mantimentos e outras cousas
que me eram necessarias. Aqui fiz alardo da gents que tra-
zia pera poderem tomar armas e achev em ambas as naos.
1 e iij. homes e os ,xxx. delles sem armas.
Aqui se lançaram com os índios 3 marinheiros da minha
nao, e me detiveram 8 dias busquando os e nam nos pude
aver por os índios mos esconderem.
3." feira xxx dias do mes de Julho parti desta bahia
de todolos santos com o vento sudueste. e como fui ao
mar 2 leguoas se me fez leste e virey no bordo da
terra ate o quarto da prima que tornei a virar no bordo
do mar.
Quarta-feira xxxj do dito mes no quarto da lua tornei
a virar no bordo da terra com o vento lessueste. Desda
— r-ri M

f 1 ) o n l a ( J ü P a d r ã ô até a pedra da galee se corre a costa
les nordeste oessudueste. Ha de caminho quatro le«uoas
e da pedra da galee ate o a R e c y f e d e S a m m l g e l
se corre a costa noroordeste susudue>te e desdo o alie-
cyfe ate o cabo de S a n t a g u s t i n h o se corre a corre
a costa noitesul toma da quarta de nordeste sudueste. Des-
de esta .bahia de todollos santos ate o cabo de sam Roque
c o n e m as aguoas ao norte 7 meses .s. março e abril e
maio e junho e julho e agosto e setembro ate outubro e
estoutros çinquo meses do anno correm ao sul e como
achegam a estabahía correm ao sueste todo o anno e nestes
çinquo meses correm com mais força.
Quinta-feira l . 0 dia do mes d'agosto andei em calma
ate de noite no quarto da prima que se fez o vento sueste
e com elle mandei fazer o caminho do nordeste.
Sesta-feira fazendo o dito caminho ao meo dia tomei o
sol em l ô .g. e des do meo dia mandei fazei o caminho ao
nordeste e a quarta do norte ate 4 Relogios andados do
quarto da prima que mandei fazer o caminho ao norte e a
quarta do noroeste.
"Sabado 3 de agosto polia menhãa ouve vista da terra
e em me chegando mais a ella Reconheci as s e r r a s de
s a n t a n t o n i o que me demoravam o loeste e ao meo
dia tomei o sol em .9. g. e 30 meudos. E duas oras
antes que o sol se pusesse com o vento sudueste mandei
tomar as velas, lancei as naos ao pairo 1 leguoá de terra
e m fundo de .xxx. braças de p e d r a ; na terra me faziam
mujtos fumos.
Dominguo iiij dias d agosto 1332 estando o sol em 21.
g . e 3 meudos de leo e a lua em ;b. grãos de libra e em o
sol nacendo mandei dar as v^elas com o vento sudueste. lado
costeando a terra 1 tiro de bombarda per fundo de *xb.
braças indo na gavia as 9 oras do dia vi a i I h a d o s a n-
t a 1 e x o : denurava me ao norte e como me acheguei mais
a ella vi hüa nao que estava surta antre ella e a terra: pa-
recia ser mui grande: logo me deçi da gavia, e mandei fazer
prestes a artelharia e mandei fazer sinal ao galeam que
vinha por minha popa e em chegando a mvm lhe disse que
pusesse a artelharia em ordem, e se fizesse a gente prestes
porque se a nao que estava na ilha surta fosse de França
avia de pelejar com ella.

N. B. Aqui acaba no MS. quasi o verso da foi 2 9 . — Se-


guem-se em branco as folhas numeradas 3 0 , 31', 3 2 , 34 e 35.
Passa em claro a 33, cujo numero vem a ter a ultirm, que está
depois da 41, e lambem é em branco, só no principio da pagi-
na diz :

Sexta-feira xbij do

Segue uma raspadella, depois a foi. 35, e continua :

Segunda-feira k dias do mes de novembro da era de 1532


parti do porto de P e r n a m b u c o com o vento da terra.
Sendo ao mar hüa leguoa se fez o vento nordeste e fiz me
na volta do sueste ate a terça-feira no quarto da prima
que se. fez o vento leste e virei no bordo d o norte, ate
quinta-feira ao meo dia que tomei o sol em .b. grãos e .1
bj. meudos.
Sesta-feira bíij de iiouembo fazia o caminho do norte e a
quarta do nordeste. A o meo dia tomei o sol em 5 grãos e
3 quartos.
Sabado 9 dias do dito mez fazendo o dito cáminho ao
meo dia tomei o sol em .4. g. demoravame o cabo de s an-
ta g o s t i n h o. Âo sul e a quarta do sudoeste fazia me
delle 80 léguas. A i 1 h a d e F é r n a m d e L o r o n h a
— 73 — •
me demorava a leste e a quarta do nordeste: ftzia me delia

Domingo com o vento leste e o mar mui chão e o . dias


nmi craros que nesta parajem se acham m u j poucas ve e
f a z - a o c a m m h o d o n o r t e e a o meo dia t o r n e i o s o Z l
5« e meo.
Segunda-feira xj dias de novembro : no quarto dalua se
m e fez o vento lessueste: fazia o caminho do n o T e í
quarta do nordeste por dar abatimento as agulhas que me
noresteavam hüa quarta. Ao meo dia tomei o sol em ?
e um quarto.
8 • feira xij do dito mes fazia o dito caminho e ao meo
^ 0 5 0 1 em 16 meudos. Demoravame a ilha defer"

nam e loronha ao sul e a quarta do sudueste: f a £ me


delia Jxb. legoas : o penedo de sam pedro me demoraua , „
nordeste: fazia me delle liij legoas. a e m o < ™ a ao

n , w r t r f 1 r a X Í i j d 6 n 0 T C m b r 0 C o m 0 v e n t 0 l e « « e s t e fazia
auald b a t r f 6 6 ' T d° ^ P ° r d a r « dit

quarta dabatimento as agulhas: ao meo dia tomey o sol em


•J- Quinta-feira
-g. da bandaxiiijdo norte.
do mes ao meo dia tomei o sol e m " ,
e um terço e a tarde se fez o vento sueste e fazia o caminho
ao nordeste e a quarta do norte.
Sesta-feira polia menhãa se fez o vento lessueste e tornei
a fazer o caminho do norte e a quarta do nordeste e ao meo
dia tomei o sol em 3. g. e xxxbiij meudos.
Sabado fazia o dito caminho. A o meo dia tomei o sol em
4, g- e x b j . meudos.
Dominguo xbij de nouembro fazendo o dito caminho to-
mei o sol em .3. g. e demorauame o penedo de sam pedro
ao sueste : fazia me lxx e çinquo legouas: demoravame o
cabo verde ao nordeste: faziame delle ii. e quarenta legouas
Esta noite no quarto da modorra me deu lula muj grande
travoada de lesnordeste com muito vento e aguoa que liq-
UÒII em calina ate quarta-feira XK do mes quo 110 quarto
dalva me deu mujto vento nordeste e com mui grande mar
(fue esta noite estive em condição de a Ribar por m o reque-
rer o piloto da outra nao dizendo que se ia ao fundo c o m
bua aguoa que se lhes abrira asi fomos com este temporal
com os papaílguos mui baxos fazendo o caminho do noroeste
ate sesta-feira que ao por do sol abonançou mais o tempo.
Sabado ao m e o dia tornou o vento nordeste a ventar c o m
mujta força que o nam pude soportar as velas e as mandei
tomar e estive este dia todo de mar em traves com muj
grande mar e aguoajem que vinha de leste.
Domingüo
Depois de foi. 35 seguem rio códice mais cinco em branco, vete
logo a foi. 33 de que falamos, e concluc.

Carta de grandes poderes ao capitão mor, e a quem ficasse


em se u log ar *
Dom Joham & À quantos esta mjnha carta de poder vi.
r e m faço saber que eu envio ora a martim afonso de sousa
do meu conselho por capitam mor darmada que envy o a
terra do brasil e asy de todas as terras que eí!e dito martim
afonso na dita terra achar e descobrir e porem mando aos
capytães da dita armada e fidalgos caualeiros escudeiros
gemte darmas pylotos mestres mariamtes e todas outras
pessoas que na dita armada forem e asy a todas as outras
pessoas e a quaesquer outras de qualquer calidade que s r
jam que nas ditas terras que elle descobrir ficarem e nela
estiverem ou a ella forem ter por qualquer maneira que
seja que aja ao dito martim afouso de sousa por capitam
mor da dita armada e terras e lhe obedeçam em todo e por
todo o que lhes mandar e cumpram e guardem seus man-
dados asy e tam jnteyramente como se por mim em pessoa
fosse mandado sob as penas que elle poser as quaes com
eíeyto dara a divida execucam nos corpos e fazendas d : a-
quelles que ho nom quyserem cumprir asy e aliem diso lhe
dou todo poder e alçada meFo e mysto império asi 110
crime como no eivei sobre todas as pessoas asy da dita ar-
mada como em todalas outras que nas ditas terras que elle
descobrir viverem e nella estiverem ou a ella fforem ter
por qualquer maneira que seja e elle determjnara seus ca-
sos íeytos asy crimes como eives e dara neles aquelas sen-
tenças que lhe parecer Justiça conforme a direito emynhas
ordenações ate morte naturall ínclusyue sem de suas sen-
tenças Dar apelacam nem agravo que pera todo o que dito
he e tocar a dita jordicam lhe dou todo poder e alçada na
maneira sobredita porem se alguns fidalguos que na dita
armada forem e na dita terra estiverem ou vyverem e a ela
forem cometerem alguns casos crimes per omde mereçam
ser presos ou emprazados elle dito martim afonso os poderá
mandar prender ou emprazar segundo a calidade de suas
culpas o merecer e mos enviara com os autos das ditas
culpas pera caa se verem e determinarem como for justiça
porque nos ditos fidalgos no que tocar nos casos crimes ey
por bem que eíle nam tenha a dita alçada e bem asy dou
poder ao dito martim afonso de sousa pera que em todas
.terras que forem de minha conquista e demarca cam que
eíle achar e descobrir posa meter padrões e em meu nome
tome delas Reall e autoall e tirar estormentos e fazer todos
76 -
os outros autos quando direitamente se Requererem e f o -
rem necesaryos porque pera isso lhe dou especial e todo
comprido poder como pera todo ser f y r m e e valioso R e -
querem e se pera mais fyrmeza de cada hüa das cousas so-
breditas e serem mais fyrmes se comprirem com efeyto e
necessarjo de feito ou de direito nesta mjnha carta de po-
der y r e m decraradas alguma clausulla ou clausulas mais es-
peciaes e exvberantes heu as hey asy por expressas e de-
craradas como se especiallmento o fossem posto que sejam
taes e de tall calidade que de cada hüa delas por direito
fose necesarjo se fazer expresa memçam e porque asy m e
de todo praz mandey diso pasar esta mjnha carta ao dito
martym afonso asynada por mim e aselada do meu selo pen-
dente dada em a vila de crasto Verde aos xx dias do mes de
novembro fernam da costa a fez ãno do nacimento de noso
Snõr Jhü x.° de mil bcxxx ãnos e eu amdre pyz a fiz escre-
ver e sobsstpvy e se o dito martim afonso em pessoa for al-
gumas partes elle leixara nas ditas terras que asy descobrir
por capitam mor e governador em seu nome a pessoa que
lhe parecer que ho melhor fara ao quail leixara por seu
asynado os poderes de que hade usar que seram todos
ou aquela parte destes nesta mjnha carta decrarados que
elle vyr que he bem e mando que a dita pessoa que asy
leixar seja obedecido como ao dito martim afonso sob as
penas que nos ditos poderes que lhe asy leixar f o r e m de-
craradas e no que toca a emprazamento dos fidalgos q u e
em cima lie decrarado por alguns justos Respeitos ey por
bem que o dito martim afonso os nom empraze e quando
fizerem taes cazos por onde mereçam pena algüa crime elle
os prendera e mos emviara presos com os autos de suas
culpas pera se nyso fazer o que for justiça ( R e a l Arch. Liv .
41 da Chancellaria de elrei D. João 3°, folk. 105).
Caria de poder para o capitão mor criar tiihalicm
& mais officiaes de justiça.

Dom Joham & c . A quamtos esta mjnhn carta virem faço


saber que eu emvio ora a martym afonso de sonsa do meu
eonselho por capitam moor darmada que envio a terra do
braziii e asy das terras que eíle na dita terra achar e des-
cobryr e por que asy pera tomar a posse delias como pera
as cousas da Justiça e gouernamca da terra serem menys-
tradas como deuem sera necesaryo cryar e fazer de novo
alguns oíkyaes asy íabaliães como quaesquer outros que
vyr que pera yso forem necesaryos por esta mjnha carta
dou poder ao dito maríym afonso pera que eíle posa cryar
e fazer dous íabaliães que syrvam das notas e Judicial! que
logo com elíe da qy vam na dita armada os quaes seram taes
pessoas que ho bem saybam fazer o que pera ysso sejam
autos aos quaes clara suas Cartas com ho trellado desta m j -
nha pera mays fermeza e estes tabaliaes que hasy fazer lei-
xaram seus synaes públicos que ou verem de fazer na mj-
nha chance! lar ia e s e d e s p o v s que eíle dito martym afonso
f o r na dita terra lhe parecer que pera gouernamca delia
sam necesiryos mays tabaliães que lios sobre ditos que asy
da qy hade íeuar yso mesmo lhe dou poder pera os cryar e
fazer d© novo e pera quamdo vagarem asy hús como outros
elle prócer dos ditos oficyos as pessoas que vyr que pera
yso sam antas e pertemcentes e bem asy lhe dou poder pera
que possa cryar e fazer de nouo e prouer por falecymento
dos que cryar os oficyos da Justiça e gouernamca da terra
que por mim nam forem proujdos que vyr que sam necesa-
ryos e os que asy por elles cryados e proujdos forem e y por
b e m que tenham e posuam e syruarn os ditos oficyos como
se por mjm por mjrihas proujsões os fosem e por qi:e hasy
— 78 — •

me disô praz lhe dey esta mjnha carta de poder ao dito


martym afonso p o r m j m asynada e asellada com ho meu
sello pera mays fermeza dada em a Villa de crasto Verde a
xx. dias de novembro fernam da costa a fez anno do nacy-
mento de noso sôrJhü x° de mvll bc xxx annosEeu amdre
piza íiz escreuer esoescrevy (11. Arch. Liv. 41 de D. João
3.° foi 103).

Caria para o capitão mòr dar terras de sesmaria.

Bom Joham & c A. quantos esta mjnha carta virem faco


saber pera que as terras que martym afonso de souza do
meu conselho descobryr na terra do brazyll om le o em vi o
por meu capitão moor se possam npr&veytar eu por esta
mjnha carta lhe dou poder pera que elle dito martym
afonso posa dar as pessoas que conisygo leu ar as que na
dita terra quyserem vyuer e pouoar aquella parte das terras
que hasy achar e descobryr que lhe ben parecer e segundo
o merecerem as ditas pessoas por seus seruycos e calydades
pera aas aproueytarem e as terras que hasy der sera so-
mente nas vidas daqueiles a que as der e mays nam e as
terras que lhe parecer bem poderá pera sy tomar porem
tamto ate mo fazer saber e aproueytar e gramjear no my-
Ihor modo que elle poder e vyr que he necesaryo pera ben
das ditas terras e das que hasy der as ditas pessoas lhes pas-
sara suas cartas declarando neilas como lhas da em suas vidas
somente e que de demtro em seys annos do dia da dita data
cada hum aproueytar a sua e se no dito tenpo asy ho nam fi-
zer as poderá tornara dar com as mesmas condicoes a outra
pessoas que has aprouevtem e nas ditas cartas que lhes asv
der hyra trelladada esta mjnha carta de poder pera se saber
a todo tenpo como o fez por meu inundado e lhe ser Im-
- 79

teyraraente guardada a quern a lyuer e o dito martym afonso


m e fara saber as terras que haehou pera poderem ser apro-
ueytadas e a quem as deu e quamta camtydade a cada hum
e as que tomou pera sy e a dysposiçam delias pera o eu ver
e mandar nyso o que m e bem parcer e por que asy m e
praz lhe mandey dar esta rnynha carta por mjm asynada
e aseiiada com ho meu seilo pemdemte ciada e m a Viíia de
crasto verde a x x dias do mes de novembro fernam da
costa a fez anno do nacymento de noso Sor Jliú x ° d e mjü
be xxx anos ( f í . Arch. Liv. h\. da Ckanc. de D. João
foi. 103).
Pag. 72 linh. 12.
A respeito da ilha de Fernão de Noronha transcreveremos
aqui os seguintes documentos taes como foram pela p r i -
meira vez publicados na nota 11 pag. 7 í e seguintes da I a
edição deste escripto de Pero Lopes.
Dom Joarn etc. fazemos saber que por parte de fernam de
loronha cavaleiro de nosa casa nos foy apresemtada lmrna
carta deiXlei meu Senhor e padre que Sanita groria ajaade
que o teor tall h e — D o m Manueli per graça de Deus Iiey de
piiríugail e dos aílgarves daquem e dalém mar em afriqua
senhor de guinee e da comquista navegaçam comercio de-
tiopia arabia persya e da Imdia. A quarntos esta nosa carta
vyrem fazemos saber que avemdo nos Respeito aos serviços
que fernam cie noronha cavaleiro de nosa casa nos tem feitos
e esperamos ao diamte dele Rêceber e queremclo lhe por
isso fazer graça e merce Temos por bem e nos praz que
vimdo se a povoar em allgum tempo a nosa Ilha de sam Joam
que ele ora novamente achou e descobrio 50 leguoas alamar
da nosa terra de samta Cruz lhe darmos e fazermos merce
da Capitania delia em vida sua e cie hum seu filho baram lí-
dimo mais velho que dele ficar ao tempo de seu falecimento
80
e quamJo esio asy for lhe mamdaremos fazer sua Carta e m
forma em a qual lhe daremos os direitos e Jurdição que com
a dita Capitania ade ter segundo qne nos emtão bem parecer.
E por firmeza delo e sua guarda lhe mandamos dar esta
Carta per nos asynada e asellada do noso Selío pemdemte a
quall prometemos de se lhe comprir e guardar imteiramente
como se nella comtem por quamto asy hee nosa merce dada
em a nosa cidade de lixboa a 16 dias de Janeiro Francisco de
matos a fez ano do nacimento de noso Senhor Jesu Christo
de 1504—Pedimdonoso dito francisco delorooha por merce
que lhe coníirmasemos a dita carta e visto per nos seu dizer
querendo lhe fazer graça e merce temos por bem e lha com-
íirmamos e avemos por confirmada asy e na maneira que
se nella comtem e queremos e mamdamos que asy lhe seja
comprida e guardada dada em a nosa cidade de lixboa a 3
dias de março pero fragoso a fez ano de noso Senhor Jesu
Christo de 1522 (Do Real Ârchivo Liv. 37 da Chanc de
D. João 3.° foi. 152).
Neste mesmo livro a foi. 152 v. se acha a caria d'elrei D.
Manoel de 24 de Janeiro de 1504, em que lhe faz doação da
ilha; confirmada igualmente por pirei D. João 3.° na data
ut supra de 3 de Março de 1522. — ET como se segue :
« Dom Joham &. a fazemos ssaber que por parte de f e r -
nam de loronba caualeiro de nossa cassa nos foi apresentada
húa carta dei Rey meu senhor e padre que santa groria aja
de que ho teor he — dom manuelí per graça de deos R e y de
purtugall e dos alguarues daquem e dalém mar em afryca
senhor de guine eda comquista navegacam comercyo tyopia
arabia percia e daímdia a quantos esta nossa carta virem
fazemos saber que havemdo nos Respeitos aos seruicos que
fernam de noronha caualeiro de nossa cassa nos tem feitos
e esperamos dele ao diamte receber e queremdo-lhe fazer
— 81 -
graça o mercê temos por bem o lho fazemos doaçame merce
daqui em diamte pera em íodollos dias de sua vida e de hum
sen filho barão lídimo. mais velho que dele ficar ao tempo
de seu falecymento da nosa jlha de sam joham que ele hora
novamente achou e descubryo 50 legoas alia mar da nossa
terra de samta cruz que lhe temos aremdada a qual Ilha lhe
asy damos pera nella lamcar gado e a romper e aproueitar
segumdo lhe mais aprouer com tall entemdimento e decra-
raçao que de todo perveeito que na dita Ilha oiuier asy a^o-
ra como ao diante per quallquer modo e maneira que seja
tiramdo espycearia drogaria e coussas de tintas aue pera
nos reeseruamos e de todo ho mais nos dara e pagara e asy
h o dito seu filho o quarto e dizimo soomente ssem mais
outro nenhuum d i r e i t o . - E porem mandamos aosveadores
de nosa fazemda oOciaes de nosa casa de guyne e Imdia que
hora sam e Ao diante forem e a quaesquer outros nossos
oficiaes e Juizes e Justiças a que esta nosa carta f o r m o s -
trada e o conhecimento delia pertomeer que Imteiramente
lha cumpram e guardem e façam comprir e guardar ssem
lhe niso em nenhú tempo que seja a ele fernam de loronha
nem ao dito seu filho em suas vydas ser a ello posto duvida
nem ouutro embargo algum por que asy he nossa merce o
por firmeza delo lhe mandamos dar esta per nos assynada
e aselada do noso selo pemdemto dada em a nosa Cydade de
lixboa a vinte e quatro dias de Janeiro francisco de matos a fez
anno do nacymento de nosso Senhor Jesu Ghristo de mil qui-
nhentos e quatro — e pedimdo-nos o dito' fernam de loronha
por merce que lhe confírmascmos a dita carta e visto por nos
seu dizer queremdo-Ihe fazer graça e merce temos por b e m e
lha confirmamos e havemos por confirmada queremos e m a n -
damos que asy se lhe cumpra e guarde dada em a cidade de
lixboa a tres dias de março pero fargoso a fez anno do naci-
11 .^se^ 515555525 ^^.
- 82 - -

mento de nosso senhor jesu christo de mill quinhentos


e vinte e dois.
De outros livros e logares vemos as successive confir-
mações desta doação, e rectificamos ser a mesma ilha cha-
mada hoje — d e Fernão (ou Fernando) de Noronha. —
Aqui os apontamos:

Do Liv. 9 foi. 272 v. da Chancellaria de elrei D. Sebas-


tião se vê que em data de 20 de Maio de 1559 foi confirmada
e m Fernão de Loronha, filho de Diogo de Loronha, neto de
Fernão de Loronha, a doação que fora feita a este ultimo seu
avô por elrei D. Manuel (e o Alvará acima de D. João 3.°)
da ilha de S. João, que está (diz a carta de doação) sessenta
legoas ao mar do cabo de S. Roque da terra do Brasil
Do L i v . 3 , ° f . l 0 0 de D. Pedro 2.° se vê a confirmação de
elrei da doação da mesma ilha por successão a João Pereira
Pestana, filho de João Pereira Pestana e neto de Fernão Pe-
reira Pestana de Loronha donatario que foi da ilha de S.
João. Esta carta d econíirmação é datada de 8 de Janeiro de
1693. —
Esta ilha ficou pertencendo sempre ao dominio de Por-
tugal, e chegando a ella piratas no século passado partiu a
expulsa-los, a 7 de Setembro d e 1738, D. Manoel Henri-
ques, que ali chegou a 2 3 de Outubro (Hist. Geneal. Tom
8.° p . 243).

(Nota 11 da l . a Ed. de P. Lopes).

Pag. 31 " S á b a d o 30 dias d abril, no quarto d'alva, éramos


1

com a boca do Rio de Janeiro" etc.

Este logar elucida completamente a questão, de que não


— 83 —

foi M. Aílbnso o culpado na impropriedade do nome, que


em nossos dias conserva a capital do Império Brasileiro e
lhe proveio de ter sido o seu porto (chamado dos indígenas
Gambara segundo Lery, e Nhiteroyfl) segundo Brito Fr°eire)
julgado rio, sendo deveras uma hahia ou enseada. Quanto
ao sobrenome — de Janeiro — , j á em 1817 o douto A. da
Corografia Brasílica ( T . 2.» p . 12), e em contradicção ao
que antes ( T . 1.° p. 51) dissera, produziu razões, bem como
o fez o A . da Memoria sobre a capitania de Santa Ca-
tharina (p. 11), para se duvidar ter sido dado pelo mesmo
M. Affonso em Janeiro de 1531, - fundando-se na data
do Alvará de Castro V e r d e : e apresentando ser quasi im-
possível " que uma armada, que nunca vence tanto como
um navio só, e mormente n'ura tempo, em que se navegava
pouco de noite, por não haver ainda perfeito conhecimento
dos mares, fizesse n'um mez a viagem, que em nossos
dias não fazia um navio só, veleiro e destemido; tendo-se
cie mais a mais feito á vela no inverno, combatido e apri-
sionado inimigos, — circumstancias que deviam prolongar
a viagem " — e por conseguinte não era possível estar no
R i o d e J a n e i r o no 1.° dia de 1531, tendo saído de
Lisboa em Dezembro.
A nossa publicação decide a controvérsia: a armada de
M. Affonso chegou ali pela l . a vez a 30 de Abril de 1531;
e até do modo como Fero Lopes escreve se deduz que esta
bahia era já antes nomeada Bio de Janeiro, o que até
se rectifica, por eile contar ter ouvido este nome antes de
lá chegar.

(1) Staden tinha escripío na sua aravía Iterrone. Ha quem traduza


agua escondida, mas não sabemos como taes etymològistas separam
a palavra. Nós propendemos mais para Y-tcro-y ou Rio da agua fria,
i cm virtude das afamadas aguas da caryoca,
Esta nossa aíilrmaliva toma força, com a leitura das nar-
rações da viagem do celebre portuense Fernam de Maga-
lhães, bastando porem para desengano a relação publicada
no Tom. 4.° N.° 2. das Not. Ultr. da A. R. das S. de L i s -
boa ou por ventura ainda mais decidido será o testemunho
do chronista castelhano Antonio Herrera, (1) que escreveu
com grande copia de documentos e relações originaes á
vista, e assevera que chegaram os do Magalhães cá bahia que
chamavam os Fortuguezes — de Janeiro. —
Devemos pois retroceder, e ir de mais remoto inves-
tigar esta origem. A expedição, que a esta precede é a
de João Dias de Solis, que havendo partido d'esta vez do
porto de Lepe, segundo Herrera a 8 de Outubro de 1515
com 3 navios, caminho do Rio da Prata, nada mais natural
do que poder chegar no 1.° de Janeiro á mencionada bahia,
e dar-lhe então um nome chronologico. Todavia nem Go-
mara, nem Herrera fazem menção desta clausula, dizendo,
bem pelo contrario, este ultimo com toda a simplicidade que
^chegaram ao Rio de Janeiro na cosia do Brazil", o que
junto ao lugar citado a respeito cia viagem de Magalhães faz
prova contra; e é ainda maior este argumento se nos lem-
bramos que Herrera não costuma esquecer e passar e m
claro estas particularidades, tanto que logo abaixo as men-
ciona ácerca das ilhas que chamaram da Praia, e dos Lobos,
o que por certo não é de mais importancia, que o nome de
uma tão notável enseada.
Por tanto cumpre ainda fazer a investigação d e mais
longe. Ora se nos lembramos do costume dos antigos des-
(!) Dec. 2 . Lib. 4.° Cap. 10.° "F continuando suviage, entraran
a

a treze de Deziembre, en una bahia muy grande, que Ilamavam los


Portugueses en la costa del Brasil la bahia de Género y los Castellanos
la pusieron de Santa Lúcia, porque tal dia entraron cn cila' etc c
mis adiante; "Estando'neste rio de Género" ele, i
o*
O»)
cobndorcs portugueses, de irem com o calendario aberto
baptisando, com o nome do santo celebrado pela igreja
nesse dia, as terras e agoas que achavam, e lançarmos os
olhos a uma carta do Brasil antiga (v. gr. á d o Atlas de Fer-
não Vaz Dourado) e se fizermos algum reparo e compara-
ção dos nomes dos santos festejados nos diversos dias
acharemos, seguindo de norte a sul, a seguinte coinci-
dência ;

1C) dia de S. Roque (Cabo de)


Agosto
2 8 d i l ° ,, S. t0 Agostinho (Cabo de)
29 de Setembro ,, S. Miguel (Rio d e )
3 0 d i t o ,, S. Jeronymo (Rio de)
à de Outubro ,, S. Francisco (Rio de)
dito ,, As Virgens (Rio das)
13 de Dezembro „ Santa Luzia (Rio de). Seria o
R. Doce?
â ídito ,, S. Thomé (Cabo de)
dito ,, Nasce o Salvador (Bailia do)
1 de Janeiro „ Rio de Janeiro
6 Reis (Angra dos)
d i t o „ S. Sebastião (ilha de)
2 2 d i t o >> S. Vicente (Rio ou Torto de)
E" fácil deduzir das distancias locaes e desta confronta-
ção ter sido o mesmo explorador, quem, indo de N. a S.
successivamente, e passando por diversos pontos, lhe deu
os nomes competentes; e se bem que o Rio de Janeiro não
leve o nome da festa que a igreja neste dia celebra, com
tudo a distancia, a que está do cabo de S. Thomé e ilha de
S. Vicente, o assegura de ter saído, se é licita a expressão
vulgar, clamosma fornada; e é mais natural attribuir a esta
occasião a tal coincidência do que a outra qualquer, de que
nada se saiba; e demais por não pormos acima outros
nomes, não se segue que este fosse o único sem ser de so-
lemnidade. — Alem de que, se o nome fosse dado pelos
Castelhanos, não era natural que logo passados poucos
annos se soubesse em Portugal, e o mais provável seria
Portugal não o adoptar. Nos logares do Rio da Prata temos
uma confirmação do que dizemos.
Se estamos convencidos de que foi o mesmo explorador
que deu seguidamente os citados nomes, e que não deu uns
sem os outros, adiantamos sem escrupulo, que todos elles
foram lados antes do anno de 1508, e por conseguinte só o
podiam ser por uma das duas armadas, que por lá explora-
ram a costa depois de Cabral. E dizemos antes de 1508,
porque tendo-se publicado neste anno em Roma uma edicção
da Geografia de Ptolomeu, que muitas vezes temos occa-
sião de citar, os editores a acompanharam de um mappa-
mundi, feito pelo allemão João Ruysch: neste mappa, vem
marcada Terra de Sancta Cruz, onde se lêem vários deste
nomes, taes como R. de 5 . Jeronimo, R. de 5 . Lucia, e R.
S. Vicent. etc., e o nome de cabo de S. Agostinho ja
corria impresso antes, e desde a l . a edição das relações
de A m é r i c o ; e como este diz que tal cabo se descobriu na
viagem de 1 5 0 1 , segue-se que foi Gonçalo Coelho, chefe
da expedicção que succedeu á d e Cabral, segundo contam
(ainda que não sem alguma anomalia) Goes, Gabriel Soares
e Osorio, quem deu todos os nomes citados; porque, de
mais a mais, diz Américo que desde o c o m e ç o de Agosto
de 1 5 0 1 , quando abi ca ram no Brasil a 5 gráos (que vem a
ser pouco ao N. do Cabo de S. Roque) até Fevereiro d o
anno seguinte, quando estavam fora do tropico de Capri-
córnio, tendo visitado todo o litoral íntermedio; e p o r
87

lanto ja então tinham estado no porto dc S. Vicente. Nota


da 1." edição de P e r o Lopes).

Doação de Martim Affonso a íluy Pinto em Fevereiro dei 533.


Havendo respeito como Roy Pinto, Cavalíeiro da ordem
de Chnsto, sérvio nestas parte a elRei, e ficou povoador
nesta terra do Brazil, lhe dou as terras do porto das A l -
madias (aonde se embarcam, quando vão paraPiratini desta
ilha de S. Vicente) que se chama a . Piacaba » , q u e a^ora
novamente se chama o porto de Santa Cruz. E da banda do
Sul partirá, pela barra do Cabatão, pelo porto dos Outeiros
que estão na boca da dita barra, entrando as ditos Outeiros
dentro nas ditas terras do dito Ruy Pinto. E dahi subirá
direito para a serra por um lombo que faz para um valle
que está antre este lombo, por uma agua branca que cáe
d'alto que chamão « Ututinga » . E para se melhor saber
este lombo, antre a dita agua branca por as ditas terras, não
se mette mais de um so valle; e assim irá pelo dito lombo
acima, como dito é, até o cume da serra alta que vai sobre
o mar. E pelo dito cume irá pelos outeiros escalvados, qua
estão no caminho que vem de Piratenin; e atravessando o
dito caminho irá pela mesma serra até chegar sobre o valle
da « Davagui » , que é da banda do norte das ditas terras,
onde as ser ras fazem uma differença por uma sella da que
parece que fenece por ahi- a qual serra é mais alta que
outra que ali se ajunta com elía, que vem por riba do valle
« D a v a g u i » , a qual aberta cáe uma agua branca d'alto ; e
d'esta dita aberta da serra directamente ao Rio « D a v a g u i » ,
e pela veia da agua irá abaixo, até se metier no mar e es-
teiros salgados,
—- 88

As quaes terras lhe dou por virtude d'uma doação que


para isso tenho cFelRei Nosso Senhor de que o traslado de
verbo ad verbum é o seguinte : (Segue o Alvará de Castro
Verde de 20 de Novembro de 1530). Em virtude da qual
doação, dou as ditas terras ao dito Ruy Pinto, com todas as
entradas e saídas,e rios, e veias d'aguas que nas ditas terras,
dentro da sobredita demarcação houver, para serem para
elle e para todos os seus descendentes forras e izentas, sem
pagarem nenhum direito, somente dízimo a Deus. E isto
com condição que elle dito Ruy Pinto aproveite as ditas
terras nestes 2 annos primeiros seguintes. E não o fazendo
as ditas terras ficarão devolutas, e para se n'ellas fazer o
que bem parecer. E por esta mando que seja logo mettido
de posse das dittas terras, e esta será registada no livro cio
tombo, que para isso mandei fazer. Dada na Villa de S.
Vicente, ao derradeiro dia do mes de f e v r . 0 - Pero Capi«r 0
escrivão, a fez anno de 1583 as. ~ « Martim Affoiíso°de
Souza o. - (Extr. da not. 31 do 1.° Tom. da fíist. geral
do Brasil). J

Reclamação contra Pero Lopes, feita aos Commissaries em Jrun


e Fuente rabia {em 1538} que esclarece o facto da destrui-
ção da coloma franceza em Pernambuco em 1532, e suppre
a interrupção do Diário do mesmo P. Lopes, a tal respeito
napag. Ih 1

Nobilis Bertrandus dornesara, miles Bare et dominus


de Sant Blamcard ac preffectus classis Regis cristianissimi
in marj mediterrâneo Actor adversus Epm. vu!°- 0 dom
mart.m nuncupatum, Antonium Correa et petrum loppes
reos. Coram vobis prestantissimis viris Dominis commis-
- 89 —
sariis Regiiúm cristianissimi, et serenissimi pro petitione
sua et a cl fines de quibus infra dicit ut sequitur.
In primis q. in anno domini millessimo quingentessimo
tngessimo (1), et m mense Decembris Dictus Actor cum
consensu et express licentia Regjs cristianissimi, Armavit
quandam suam navim vocatam la pellegrina de decern et
octo pecas machinarum ex ere Eneo compositarum pon-
dens quadingentorum quinqu. quintalorum et de pluribus
alns petns earundem machinarum ex ere ferreo comffecta-
rum in tan magno globo q. sufficissent pro tuitione dicte
na vis et ultra unius castri.
It. Et armavit eandem navim qs. plurimis generibus aa-
morum videlicet balistis ququiis lamceis et pluribus aliisin-
vasibihbts et pro deffensíone dictarum navis et castri, sti-
pavit que eandem navim centum viginti hominibus belicosis
nobilibus et plebeiis magno numo conductis.
ít. Et in missit in dicta navi qs. plurimas merces íleque-
sitas et in máximo pretio habitas in insulis Brisiliaribus in
quibus subuehende erant pro eis communtandis cum aliis
mercibus dictarum insularum summe in gallia Requesitis,
in missit que instrumenta necessaria pro constructione
unius castri et Redatioe terre inculte ad culturam et sup-
pellectilia etiam necessaria ad garniendum dictum castrum.
It. Dicte navi prefecit Joanem Duperet qui solvit amas-
silia et sulcavot maria per tres menses post quos aplicuit
dictis insulis in loco fernãbourg nuncupato.
It. Et ibi compertis sex Lusitanis adorsi sunt ipsi galli ab
eis cum máximo furore et magno commeatu silvestrorum
sed Deo juvante incolmes evastunt galli et victoriam R e -
portarunt, Etandem pace inter eos inita galli iiiium fortali-

(1) Aliás 1531.


Í2
£ * ;
^,90 —

tium construxerunt juvantibas silvestribus et etiam dislís'


sex Lusitanis sumptibus gallorum tamen et ab eisdem sti-
pendiatis qaod edeffitium fait const rue turn ul in eo ne dum
merces sed et eorum personas se tutarent adversus dictos
silvestres.
Qt. Et pro constructione prefFacta fuerunt per dictum
duperet quatuor mi lie ducati expositi Interea tamen qu.
perfactum fortalitium construebatur dictus Duperetfmerces
quas exmassilia aduxerat libere cum incolis dicta rum insu-
laram traficando cum mercibus dictarum insularam com-
mutavit de quibus tam maximum globum congessit qu. vix
totum ilium castram poterat eas capere.
It. Et postquam liec via, fuerunt facta et castrum muni-'
turn etde cunctis hi is que supetebant pro tuicione et deten-
tione ipsius tan inarmis quam suppellectilibus quandam
portionem dictarum mercium in navi inmissit ut eas in
gallia subueheret in qua in magno pretio habebantur.
It. Et inter alias merces de quibus navem oneravit fuerunt
quinqu. mille quintallia ligni brasilii quod tunc in gallia
vendebatur pretio octo ducatoruni pro quintallo quare val-
loris erant quadraginta mille ducatorum.
It. Et tricenta quintalla bonbicis valloris trium mille du-
catorum ad rationem decern ducatorum pro quintallo ettan-
lundem de granij illius patrie valloris nonigentorum duca-
torum ad rationem trium ducatorum pro quintallo et sex
centos pssitacos, jam linguam nostram conatos, valloris
trium mille et sexcentorum ducatorum, ad rationem sex
ducatorum pro quolibet, et ter mille pelles leopardorum
etaliorum animalium diversorum collorum, valloris novem
mille ducatorum ad rationem trium ducatorum pro pelle et
trescentas simias sen melius agnenones, valloris mille et
oeioccQtorum ducatorum ad rationem sex ducatorum pro
^,91 —

agnenone,et de mina auri q. purificala ut decebat termille


ducatos reddidisset et de oleiis medicabilibus valloris mille
d acatar um et tanti ut preffactum est vendi potuissent in
galiia ad quam destinata erant preffacte merces.
It. Et omnes sume preffacte simul junte sumam sexaginta
d no ram mille ducatorum cum trescentis ascendebant.
It. Et merces que in dicto castro remanserunt pro eis in
galiia sub vehendit in futuram triplum etin globo et in val-
lore mercium in precedentibus articulis designatarum ascen-
debat quo circa omnes merces tam navis quan castri valloris
diicentorum quadraginta mille ducatorum erant.
It. Et dicte navi fuit datus preffectus dominus debarram
cum quadraginta hominibus belicosis ipso computato pro
eo a d vers us piratas tuenda.
I t . Solverunt a dito fernambtirg et committante sorte
satis prospera in mensse auguste anni millessimi quingen-
tessimi trigessimi primi ( 1 ) in portu de mallega in hispania
apulerunt in quo anchoras jecerunt. ob penuriam alimen-
torum.
It. Et compertis ibi dictis dom martim et correa cum
decern navibus et caravelis ab ipsis dictus barram preffectus
accitus est inquisitus de biis que subuehebat unde et ad
quea locum.
It. Et de omnibus cerciorati ac de penúria escuientorum,
dicti lusitani pietate fita mutuo dederunt triginta quintalia
panis viscoti dicto barram, et quia Romam petebant ad quam
tunc ipse d o m martim ut aiebat legatione pro dicto Rege
sereníssimo portugallie fungebatur promisserum dicti lusi-
tani dicto barram conservantiam usque in dictammassiliam.
It. Et fide sic data aceptata omnes una a dicto portu de

. C) Aliás 1532,
<y >
tf fissí

malegãsolverunt tiitum tamem et nondum quinqu. milliari-


bus de mári tranatis coati sunt gradum sistere ob cesationem
venti.
It. Et die sequinti q. erat dies assumptions virginis marie
dictus d o m martim fingens velle omnes nautas preffectos
que navium consulere circa navigationem fiendam accivit
ad se dictum barram et navelerum patronum sue navis quos
adventatos ipsocorrea presente et fa vente dom martim cepit
et deinde alios sodales dicte peregrine et omnes vinculis
dedit vinculatos que per vim et navi cum mercibus depre-
data merces navem et homnines Regi iam dito sereníssimo
mandavit qui cuncta ratiíficans homines carceri mancipavit,
navem merces qs. sibi apropriavit.
It. Et certifficatus dictus serenissimus de castri constru-
tione in dictis insulis et de mercibus et machinis armis
suppellectilibus et bominibus in dicto castro existentibus
ad tutum tres naves armavit quibus dictum petrum loppes
preffecit eis que in mandatis dedit ut cellerrime ad dictum
castrum subvertendum merces et cetera que in eo erant ca-
pienda et homines proffligandos accederet.
It. Et antea in anno millessimo quingentessimo vigessimo
sexto y d e m serenissimus per totum ejus Regnum Edictum
ab eo emanatum publication dederat quo continebatur pre-
ceptum expressum omnibus ejus subditis sub pena capitis
de omnibus galis ad dietas inculas accedentibus seu ab eis
redeuntibus submergendis et expressam commissionem ap
hoc finis dicto correa signatam dradiderat.
It. Et illud decreverat licet tunc nullum extaret bel um
inter prefactos Reges, seu eorum súbditos imo tunc confe-
d e r a l erant et licet etiam merces cle quibus supra facta est
meneio non sint de hiis que de jure prohibentur àd inimi-
cus deffens, et licet etiam dictus Rex serenissimus nullum
habeat dominium nec jurisditionem in dictis insulis imo
gentes eas incollentes plarimos habeant regalos quibus
more tamenetrítu silvestri reguntar et ita ponitur in facto.
It. Etiam ponitur in facto probabilli qu. dictus serenís-
simos Rex portugalie nullam maiorem habet potestate in
clictis insulis quan habeat Rex cristianissimus, imo enim
mare sit comune et insuli prefacte omibus ad eas acceden-
tibus aperte permissum est ne dum gallis sed omnibus
aiiis nationibus eas frequentare et cum accolis comertium
habere.
It. Et maxime quia tunc lusitani gallie libere frequenta-
bant etcum galliis in dies comercium habebant quareindem
erat aut debebat esse premissum galis in lusitania et in dictis
msuhs etiam dato qu. dicto Regi sereníssimo spectasetat-
tenta dictorum Regnum confederatione.
I t . Et circa mensem decembris dicti anni millessimi
quigentessimi primi ( 1 ) dictus loppes cum suis navibus
dicto portu de fernamburg applicuit castrum dicti actoris
obsedit et per decern et octo dies machinis impetui et tan-
dem conquassavit.
It. Et ob qu. dominus della mo the qui in dicto castro
capitaneus erat videns etiam de longo tempore non posse
sucurri colloquium de deditione cum dicto loppes habuit
et post maximas oltercationes inita fuit inter eos transactio
qua tantum fuit qu. castrum dicto loppes prodicto Rege se-
reníssimo traderetur et ydem loppes salvaret homines ac

(1J Aliás 1532; também no mez deve haver erro. Não pode ter
sido em dezembro porquanto a 4 de novembro se partiu Pero Lopes
para a Europa. Provavelmente devia ler-se Setembro, e talvez a
rendição teve lugar a 27 deste mez, em que a igreja celebra os
santos medicos Cosme e Damião, que ficaram sendo patronos de
Igaraçú, A 4 d'Agosto estava ja Pero Lopes perto de Pernambuco.
merces in dicto castro existentes qnos homines et merces
promissit in loco libero subuehere et dimittere francos et
liberos cum mercibus et hi is qui in dicto castro habebant.
It. Et dicta transactio fuit juramento dicti loppes vela to
solepnim et supra sanctum corpus christi presbiterum ibi
tunc consecratum.
It. Et illo non obstante tradito castro dicto loppes ydem
loppes suspendio dedit dictum dominum delta mote capi-
tanem etviginti alios ex suis sodalibus duosque vivos silves-
tribus delaniandos et mandendos tradidit aliosque cum mer-
cibus et aliis rebus in dicto castro existentibus R e g i sere-
níssimo aduxit qui homines cárcere dedit in villa de farom
cum ceteris captis predictum correa et merces cetera quas
sibi propria fecit.
It. Et in quo cárcere multum fuerunt per lusitanos ve-
xa ti per viginti quatuor menses in magna media fame et
longa opprassione quatuor ex hi is animas efíaverunt e post
xx iiij menses alii liberati sunt demptis undecim proprius
tamen lusitani coegerant dictos gallos captivates falso de-
ponere in inquesta per eos fata prope è factis depredationi-
inter emptibus cooperiendis.
It. Et quare ad hue detinentur dicti undecim et xx fuerunt
suspensi duo vivi delaniati et comesti et quatuor in cárcere
qui omnes triginta septem ascendunt.
It. Quod a dicto anno captionis usque ad hue dictus actor
solvit vel onoxius est uxoribus seuheredibus eorum stipen-
dia promissa videlycet tres ducatos pro mense cuilibet as-
cendentia in cumulo summa milie tricentorum ducatorum
cum tringita et uno pro quolihet anno quare per septem an-
nis summa novem mille ducatorum cum trecentis et decern.
it. Et ceteris qui manserunt in dicto cárcere per dictos
viginti quatuor menses solvit etiam prefactomodost ipendia
9d
aut p r o eis raanet onoxius ascendentia p r o dicto t e m p o r e
summa sex mille nonnigentorum septuaginta quataor du-
catoram, cum octuaginta tres homines essent non compu-
tatis dictis triginta septem hominibus.
It. Et dicta navis cum suis armamentis valloris erat
duorum mille ducatorum machinevero, arma et allia m o -
bília mercibus non computatis tan in navi quam in castro
existencia valloris erant sex mille ducatorum.

It. Preffacte omnes s u m m e R e r u m depredatarnm ascen-


dunt in universo summã ducentorum sexaginta octo mil-
lium ducatorum cum ducentis octuaginta quatuor cujus
summa quadruplum cum pro rebus raptis detur summa in
decern centum septuaginta trium mille ducatorum c u m
centum triginta sex diicatis ascendit.
It. Et quia dictis mercibus seu vallore earum si depre-
date non essent die tus actor traficam ceptum continuasset
et cum eis in decuplum lucratus esset petit idem actor
illud interesse lucri cessantis.
It. Et saltem illud consideratur et ratio illius habetur in
solito lucrari et mercari in gallia ad rationem de viginti
pro centenário pro quolibet ãno quod interesse in quinque
annis principalle ascenderet ideo enim principale dicta-
rum mercium summa ducentorum quadraginta millia du-
catorum ascendat totidein ascendit et iuteresse.
It. Quia omnia et singula predicta sunt vera etnotoria
offerens actor ea probare ad sufficientiam tamen et non
alias imo rejecto supérfluo onere probationis de quo es-
presse protestatur.
Goncludit dictus actor quatenus ipsi reij in dictis s u m - *
mis condenentur erga actorem aut in alia summa de qua
aparebit pretestis aut per juramentum eiusdem actoris ad
pa« Q A

quocl petit admititi attento q. est questio de rebus depre-


datis et ita cooeiudit et alias pertinent, s. juxta materiam
subjectam cum expensis dannis et interesse petens in
omnibus jus d i d et justiciam ministrarj.
Protestando tamen qu. in casuum dicti reii non inveni-
rent solvendo pro summa con den ata el per vos declarata
executio remaneat dicto actori salva adversus mandantem
et ratifficantem.
Petens litteras vestras citatorias adversus dictos dom
martim correa et loppes sibi decerni visuros dictam peti-
tion em coram vobis fieri et a! iter procedi ut. juris et rati o -
iiis juxta formam dictarum conimissionum nostrarum.—
L L Y U R O DA NÂOO BERTOA

QUE VAY PARA A TERÁ DO BRAZYLL

9 1 QUE SOM ARMADORES

bertolameu marchonee benadyto morelle e fernã


de lloronha e francysco mz

que partio deste porto de lix. a a xiij de feureiro de 511.

L.° Do dya que partimos da cydade de de (ita) llysboa


para ho brazyll ate que tornamos a purtugall.
E'm sabado xxij dyas ffeujreyro era de 1511 anos: partyo
(sic) nãoo bertoa de dyante de samta cateryna para ho
brasyli e no dyto dya fomos de fora seguyndo ho camjnho
das canaryas em tençom de tomarmos as pescaryas como
no Regymeto dellRei noso Snor m ã d a .
It. aos xxbiij dyas de feujreyro em sesta feyra chega-
mos as canaryas e a dous dyas de março em d o m y n g o a
tarde começamos nosa pescarya e no dyto d o m j n g o fomos
seguyndo nosa u j a g e m para ho brasill.
It. aos b j dyas dyas (ita) do mez da bryll em d o m j n -
guo de llazaro chegamos a áujsta do rjo de sam francysco
tera do brasyli.
It. aos xbij dias dabryll e m quymta feyra de trevas che-
gamos a baya de todollos samtos.
- 98 —
It. a xij dyas do mes de mayo em següda feyra partymos
para cabo f r y o .
It. aos xxbj dyas do mes de mayo em següda feira ache-
gamos ao p o r t o de cabo fryo.
It. aos xxbiiij dyas do mes de j o l h o partymos de cabo
f r y o para purtugall.
It. aos biiij dyas do mes de setembro em dya de nosa
Snora v y m o s tera de g u y n e jumto cõ sanaga.
aos bij dyas do mes de oytub.ro v y m o s ho pyco Ilha dos
açores e f y z e m o s nossa Rota para purtugal
aos xx dya s do mes de oytubro em domynguo pella ma-
nhã a v y m o s ho cabo de espychell
aos x x i j dyas do mes de oytubro e quarta feyra e m f r a -
mos polia carreyra de sam g y a m .
(Seguem as folhas 3, 4, e 5 e m b r a n c o . )

REGYMÊNTO DO CAPYTAM.

L.° Do R e g y m ê t o do capytam que eu Duarte ffrz espruam


(sic) írelladey em este llyuro dellRei noso Snor.
A maneyra que vos muyto h o m r a d o (sic) crystooã p y z .
que hys por capitam da nãoo bretoa a Resgate do brazyll
aves de ter ê toda a v y a g e m e asy no dito Resgate he a
segujmte.
It. c o m o partyrcles davamte Restello fares voso camjnho
dereytamête aspescaryas omde estares os dyas que abasta-
r e m atee fazerdes (ita) o que vos for necessary o e acabada
sygyres vosa v y a g e m ate a tra. do dyto brazyll sem tocar
des ê nenhüa ylha nê e m parte allguma da costa de g u y n e
e semdo chegado a tera do dyto brazill asentares sovo
Resgate cõ toda segurança de uos nõ acontecer p.êgano nê
por outra allgúa maneyra nenhüa cayam de que uos posa v y r
- 99 - -

dano a vos nem allgüa pesoa da dyta não, nem prda. ao que
compre armacam delia
aos xij dyas de março prvycou crystouam Pyz. capi-
tam da naoo bertoa ha a sua companha o seu R e g y -
mêto para saberem a maneyra que aujam de ter na dyta
ujagem.
BEGYMÊTO.

It. asemtamdo o dyto Resgate c o m o dyto e fares todo o


que bem poderdes pello fazer cô todo prouyto darmaçã e
no menos tempo que ser pocler precuramdo (ita) todo o
que em vos ffor para averdes toda caregua de bõo brasyll
e cõ menos desp. a que se poder fazer.
It. todos os paos do dyto brasyll que se caRegarem na
dyta nãoo emtraram nella e se aRumaram p. comto que
se fara p. amte vos e p. amte o espruam delia que os assemtara
cõ boa decraracom em seu llyuro em tall maneyra que nõ posa
njso ab. nenhú ero e aRumaçam delles mãdares fazer em
tall modo que posa trazer adita nãoo a mays Soma que ser
poder sem vyr cousa allgüa delia de vazyo.
It. defemderes ao mestre e a toda a companha da dyta
naoo que nõ faça nen nhü mail nem dano aagente da tera
e se allgem fezer o comtrayro o fares asy espreuer ao dito
espryuam e se vos p . allgü Respeyto lhe nam mãdares que
o faça elle de seu ofycyo sera obrigado de o asy cõpryr
sopena de perder ametade de seu ordenado p. a o esprytall
de todollos samtos desta cydade e quall quer pesoa da dyta
naoo que este nam guardar p. dera yso m e s m o ametade
se seu solido e aliem du que lhe for dada qualquer outra
pena que p. justiça mereçer segumdo a callydade do que
fezer como seoferese cõtra cada hüa cias pesoas da dyta
náoo ou de caa do reyno por ser muy necesayro a S. ujço
^,100 —

Dell Rey noso Snõr e ben do dyto Resgate ser trautado p.


todos melhores meyos que se poder e sem nem nhü es-
camdallo pello muyto dano que dello se pode seguyr.
It. notefycares yso mesmo a toda a dyta cõpanha que
nõ Resgate nem vemda nem troquem cõ ayemte da dyta
tera nem nhüas armas de nem nenhüa sorte que seya pu-
nhas nem outras nem nhüas cousas que sam defesas pello
samto padre e por ell R e y noso Snõr e poderom lleuar fa-
ças e tysoyras como sempre lleuarom.
It. Requereres ao dyto espruam que esprua em seu llyuro
todollos papagaos e gatos e esprauos e quallquer outras
cousas qua cõpanha da dyta naoo dellaa trouver decra-
ramdo o de cada húa para para (ita) se qua areçadarem (sic)
os dyreytos do dyto Snõr os quaes espruos nõ poderom
trazer salino lleuamdo os ordenados pellos armadores e
por que pella acupaçam que os mareamtes e pesoas outras
que 11a uam tem na compra dos dytos espruos e papagayos
por omde o avyamêto que cada hü podeRya dar a carrega
da dyta naõo e asy mesmo que es preua p. seus nomes no
dyto llyuro todollos mareamtes que forem na naoo e nõ
comsemtyrdes que nenhúa pesoa que nella va posa comprar
íeramêta que para ysso llevem somête o posam fazer de-
poys da dyta naõo e se algums fallecerem na vyagem
asemte lloguo o dya e mes em que for para a comta do
solido do que se ouver de dar a seus erdeyros e uos teres
cujdado. quando acontecer que allgem for doemte lhe fares
lembrança se a nõ tyuer feita cedulla ou testamêto que faca
Hoguo e o dyto espruam que seya aysodyllygemte e lhe
fares toda llembrança que vos bem pareçer para todo
descareguo de sua cõ cyamcya em tall maneyra que
seos Ds. quizer lleuar o ache em camjmho para sua
saliuaçaiíi,
iOx -
E so allgüa fazemda e vystydos ou quaes qr. úoutras
cousas fiycarem p. sua morte lioguo as mãdares espruer
p.amte nos ao dyto espruam em hü termo que fara em seu
Uyuro e tudo pores a tall reçado que se nõ posa p.der nem
danjfyçar cousa allgüa e se allgüas pesoas da dyta nãoo quy-
zerem cõprar as dytas cousas ou allgúas delias lhas fares
vemder empregam peramte vos e quem p. ellas mays der e
asemtar ao dyto espruam no dyto llyuro cõ boa de craraçam
o que cada hü comprar e preço que deredo que lioguo pagar
fares e m t r e g a r o d r o . ao mestre de dyta nãooecaregar sobre
elle para secaa emtregar os seus erdeyros com todo o mays
que allgús também cõprarem e caa o averem de pagar p.
seus solldos ou as mesmas cousas se se nõ v e n d e r e m .
lt. mãda o dyto Snõr que se allgüa pesoa da dyta nãoo
Renegar de Ds. ou cie nosa Sõra. e dos sam tos ou jurar por
cada vez que o fezer perça tres mjll Rs de seu solido para
o dyto esprtall e que tamto que a dyta nãoo aquy chegar da
tornavyajem vaa preso delia acadea domde pagara a dyta
pena cõ quallqr. outra que nos taes casos he dada p. suas
ordenações.
It. tamto que tomardes uosa carega de todo vos vjres
dereytamente a esta cydade e nõ yredes clemãndar nem
nhúa ilha nem tora sem e estrema necyçedade de mjngoa
de bytalhas ou aparelhos sem os quaes nõ podes res en ma-
neyra allgüa navegar e se o cõntrayro fezerdes p.deres todo
uoso ordenado e asv o perderam o espryuam e mestre e
pylloto da dyta nãoo vemdo que o queres fazer sem a dyta
njcycedade nõ nos requeremdo que o escuses ho que lioguo
ho dyto espruam asemtara em qual! qr. modo que pasar e
semdo caso que pella tall necesydade vades demãdar allgüa
Ilha ou tera o dyto espruam dara dyso fe em seu llyuro
aliem do qual! nos trares certydom dos ofycyaes do dyto
___ ir»2
Ji_ V/MKJ

Snor. da tall Ilha ou terá em que dem íc e sertafyquem a


causa de vosa yda que vos lhe manjfestares e mostrares para
que mjlhor e mays serto o posam asy fazer semdo caso que
foseys com adyta necysjdade tomar augoa ou llenha a quall
qr parte da costa de gnjue nam fares y mays detemça que
quamta para yso compryr nem lleyxares sayr em tera mays
que as pesoas necesaryas aa obra que se ouver de fazer e
estes nem outros allguns nem vos yso mesmo nó resgatares
n e m nhüa cousa de nenhüa callydade que seya somête b y -
talha e llenha e augoa e mays nõ e se ho cõtrayro fyzerdes
nos e quall qr. que ho fyzer e for perderê todo o ordenado
da dyta ujayem e as cousas que se resgatarem tudo para o
dyto Snõr aliem de encoerdes em todollas outras penas
cyues e crimes das ordenações de guyne pello cõsemtyrdes
e elles pello fazerem e o dyto espruam emcorrera nas mes-
mas penas se todo o que se pasar em tall caso o nom e s -
preuer em seu llyuro como he obrygado.
I t . nam trares na dyta nãoo em nem hüa maneyra nem
hüa p. a das naturaes da tera do dyto brasyll que queyra qua
vyr ujuer ao reyno por que se allgüs qua falleçem cujdam
eses de lia que os matam p. a os comerem segúdo amtro
elles se custuma.
It, semdo chegados avamte desta cydade nõ seyres em
tera nem outra nem nhüa pesoa da dyta nãoo nem com-
semtyres tyrar em tera cousa allgüa nem outrem de fora
hyr a naõo atee jrmos a vos a vos despachar segundo a o r -
denamça do dyto Snor.
It. os testamêtos e emaventayros ujram em voso poder
p. a qua os emtregardes a quem qua p. nos vos for mãdado
p. se emtregarem a seus yrdcyros ou testameyteyros a que
pertemcerem
It. p. qiiãto o espruam nõ lleua outro n e n h i i Regymêto
iUO Ao
4

p. que se aya de r e g e r a fazer lio que cõpryr a seu Careguo


somête este vos tamto que o tyuerdes ujsto lho mostrares e
dares p. ho trelladar em seu llyuro e aver e o dyto trellado
ter e ter llembramça de ho cõpryr ynteyramête asy no que
eile p. sy ouver de fazer como em vos allembrar e espertar
e requerer ao que for obrygado p. bem de seu carego se-
gundo se nelle mays Ilargamente comtem o quall espruam
o tralladara em seu llyuro e dara o propyo ao capytam tamto
que da quj partyr e nõ no fazemdo asy o dyto espruam or
dera seu ordenado e solido. 1 1
It. vos lembrara de terdes g r a a d e vegya na gemte que
madardes fora p « que va sempre a b o m roçado e cõ pesoa
tall que olhe p. elles de maneyra que nõ se posa 11a na ter a
llamçar nem fyçar nenhd delles como algúas vezes ya f y z e ~
r o m que he cousa muyto odyosa ao trauto e servjco do dyto

It. tamto que emboora chegardes ao çabo fryo omde es-


tyuer ho feytor lhe emtregares todas as merçadaryas que
lleuardes p. voso despacho reçeberes delle conhecyméto
p . a p. eile dardes qua vosa comta.
It. nom comsemtyres qae nenhú homê de vosa naõo que
saya fora na tera fyrme somête na Ilha homde esteuer a fey-
torya.
It. nom comsemtyres que nenhú homè resgate cousa
allgüa sem llycemca do feytor e queremdo allguem allgem
(sic) e rezgatar allgua cousa que ho faça saber
E tamto que fordes caregado lloguo uos byres sem nem
nenhüa mays detemça dereytamente a esta cydade sem de-
madardes nenhüa tera salluo se por mjngoa de mãtymêtos
ou causo fortoyto for necesaryo de que trares certydam
feyta p. ofycyaes deli Rei da tera omde fordes ter e se for
em llugar que nõ ouver hy ofycyaes deli Rey fareis fazer
— m —

hú auto dyso ao espryuam asynado p. o dyto espryuam e


mestre e pylloto e seres aujstado de nõ tyrar em tera nem
deyxar tyrar brasyll nem nem (sic) outra cousa allgúa que
dadyta tera do brasyll trouverdes sopena de perderdes uosa
capytanja e ordenado e auerdes aquella pena corporall que
nos ellRey noso Snõr quyser dar e os marynheyros e pesoas
outras que ho comtrayro fycerem p.deram seu solido e se-
ram obrygados a dyta pena
— p . meyramôte ao feytor sopena de perder seu ordenado
e t o d o o que o feytor nos requerer que facaes p. serujço
dellRey noso Snõr e bem darmaçam o fares cõ boa delly-
gemcya.
F o y trelladado este regymêto do capytam em este llyuro
p. m j espruam da dyta nao bertoa a xij de março era de
1511 anos.
L.° da companha da naoo bertoa.

It. crystouam pyz. capytam morador em a rua nova dos


mercadores
It. Duarte f r z . espruam casado e morador em allfama.
It. fernã vaz. mestre casado em allfama
It. Joham llopez carualho casado e morador em as fam-
gas da farynha

marynheyros

It. amtonjo a. comtra mestre casado e morador em cate-


quefaras
It. allu. 0 afies casado e morador e sam g y o m
It. bastyam gllz. casado e morador em quatequefaras
It. Jobam Gllz. casado e morador catequefaras
It. fernam mjz. gallego sollteyro e naturall da cydade da
crunha
It. Joham Dyz. sollteyro e ujue na ferarya
It. domjngos Gera casado e morador em as marte
It. p.° anes carafate sollteyro naturall da cydade do
porto
It. alia. 0 royz. sollteyro e ujue em allaerça
It. martym Vaz sollteyro e ujue em samtarem
It. amdre a.° casado e morador a nosa Snora da cõ-
seyçam
It. njcollao royz casado e morador em as famgas da fa-
rynha
It. Juramj despenseyro c cryado de bertolameu mar-
cgone
L . ° dos grumetes

It. Joham dazevedo casado e morador em sam njcollao


It. Joham gera sollteyro e ujue na ollcazarya
It. amdre mjz. sollteyro e ujue na rapozeyra
It. Dyogo frz. sollteyro e ujue em Houredo
It. Joham ferador e sollteyro e naturall de m. a allua
It. a° e sollteyro naturall de canas de senhorym termo de
ujseu
It. p.° yorge e sollteyro e ujue na coujlham
It. amdre frz. sollteyro e vyve em samtarem
I t gomçallo pyz. sollteyro naturall de braga
It. njcollao sollteyro e ujve na cydade do pto.
It. amtonjo frz. negro cryarlo de R o y Gomez
It. amtonjo negro esprauo de aretur amryquez
It. bastyam esprauo de bertollameu marchone
It. bertollameu sollteyro e naturall da cydade de Ro-
clrygo

nr.
UVJ

pages da naoo

it. pedrynho cryado da çabytam (ita)


It. peryço cryado do mestre
It. gomçallo cryado do pylioto
It. Fernamdo cryado do comtramestre.
carega do brazylt que a nãoo bertoa tomou em cabo-
fryo e foy a prmeyra
batellada a doze dyas do mes de junho era de l o l l
anos
aos xij dyas do mes de junho en quymta feyra tomou
nãoo bertoa pao de brazyll i i j . c x b i j 317

aos xiij dyas do mes de Junho sesta feyra tomou nãoo


bertoa paos de brasyll iij.cxxbiij 328

aos xiiij dyas do mes de Junho em esabado tomou nãoo


bertoa paos de brasyll ij.c Ixxxxbiij 298
aos xbj dyas do mes de Junho em segumda feyra to-
mou nãoo bertoa paos de brasyll iij.clxiij 363

1306
aos xbij dyas do mes de Junho tomou não bertua pãos
do brasyll iijc.bj 306

aos xbiij dyas do mes de Junho tomou naoo bertoa pãos


de brasyll iij.cxxxix 339

aos xbiíij dyas do mes de Junho tomou não bertoa de


brasyll ijc.Ixxxxiij 293

aos xx dyas do mes de Junho tomou nãoo bertoa pãos


de brasyll iüjc. I üj 458

aos x x j dyas do mes de Junho tomou não bertoa pãos


de brasyll iiíjc. I x x x x 7,90

aos xxiij dyas d o m e s de Junho tomou não bertoa pãos


de brasyll iiij.c xxxxj 3'í0
aos xxb/lyas do mes de Junho tomou não b e i toa pãos
de brasyll bc iiij 50A

2731
aos xxbj dyas do mes do Junho tornou nãoo bertoa
pãos de brasyll iiij.c xxxxbij 347
aos xxbij dias do mes de Junho tomou nãoo bertoa pãos
de brasyll iij.c biiij 309
aos x dias do mes de Julho tomou nãos (sic) bertoa pãos
de brasyll i . c x x x x 140
aos xxiiij dyas do mes de Julho tomou niloo bertoa pãos
de brasyll i.cLxxbj 176

Soma de todo ho brasyll onde n õ comto aligumas rachas


e paos que se femderom para facereai arumaçom da
dita nãoo b.m paos (sic)
Soma 5009
L.° dos esprauos

It. ho capytam b esprauos sc. dous moços e tres moças


e mays bua moça quelleua de emcornôda de francysco go-
mes esproam de francysco mjz e a p. nome a sprua buysyda
e foyasemtada p. o dyto francysco gomes a xxbij dyas do
mes de Junhojem çabo fryo bj'eram p. todos l)j
It. ho espruam b|espruos sc. liü moço e quatro moças, b
It. quatro|de^llycemças|que eu espruam trouve biiij
It. hú de p.° l l o p e z j e outro delluys alluarêz e ho
outro de Joliam frz. fera d or e outro de gonçallo allua-
rêz e sam p. todos biiij
It. ho mestre tres espruos hú omê e duas sc. molheres biiij
It. vopylloto biiij espruos se. tres ornes e b j molheres biiij
— 108—•

It. Juramj despensevro b espruos sc. lul moço e qua-


tro moças b
It. njçollao Royz marynheyro hüa esprua j
It, ho contramestre hüa esprua j
It. ho carafate hü espruo j
It. Dyogo frz. grumete hü espruo j
E 4 sam p todos os espruos xxxbj forom a valiados todos
estos xxxbj descravos nõ êtrando a q. ha do hordenado d o
esprvã juntamête ê cbxxiij reis de q. vè a elRey noso Snõr
de s e u q t o . — g j j j ^ ^ reis os quaes vam caregados êreta. sobr
eitor nunes.

(folhas 17 v., 18 e 19 em branco)

L.° dos gatos 2 e papagayos

It. ho capvtam trespapagayos e do us toys e liu gato


e sam p., todos hj peças 6
It. ho espruam hu-papagayo 1
It. ho mestre dous gatos e hu çagoym e sam p. to-
dos iij peças 3
It. ho pylloto dous gatos e b çagoys e tres papagayos
e biiij toys e sam p. todos xbiij peças 18
It. domjogos sera carpemteyro tres macaos (sic)
e dous gatos e sam p. todos b peças 5
It. Juramj despemseyro b gatos e b çagoys e
iiij papagayos e biiij toys e sam por todos xxiij
peças 23
It. amdre a° hü gato e hú çagoym 2

1 Estas cinco linhas que seguem estão riscadas no original.


- Maracavás se entende.
— 109—•

It. njçollao R o y z marynheyro tres gatos e hit ça-


g o y m iij pecas 3
It. fernam galleguo marynheyro hú papagayo 1
It. alia.* anes marynheyro hu papagayo 1
It. alia. 0 R o y z marynheyro hú prpagayo 1
It. ho comtramestre hú toym 1
It. dyoguo frz. grumete dous çagoys 2
it. Jom ferador grumete hú papagayo e hu toym 2
It. p.° Jorge grumete hú çagoym 1
It. fernamdo page hu toym f o r o m
f o r o m 1 avaliados estos gatos e papagayos (ita) e çagujns
juntamête e xxiiij ij.c xx reis de q. a elRey noso Snõr de
seu qto. bj.c lb reis os quaes vã caregadas ê eta. sobre
eitor nunez

L . ° DA FEHAMÊTA QUE Slí FURTOU NA NAOO BERTOA ESTAMBO


NA BAYA DE TODOLLOS SAMTOS

Âos b dyas do mes de mayo em segumda feyra na baya


de todollos samtos se furtou sertã merçadarya darmaçam
sc. machados e machadynhas e cunhas e llogo pello capy-
tam foy feyta esta d j l l y g e m c y a que se sege
lt. prmeyramête deu ho capytam asua chave e requereo
a m j espruam da dyta naõo e a yoham de braga feytor
que buscassem a sua camara e asymesmo mãdou amj es-
pruam que lhe dese a mjnha e asy tomou a do mestre e
pylloto e de toda a outra cõpanha as quaes chaues forom
emtregues a m j espruam e llogo foy feyta a dyllygenciaque
se sege
It. ao pylloto hu machado que ho feytor conheceo e dyz
ser darmaçárn
Estas quatro linhas que seguem estão riscadas. _
It. hü machado a njcollao Royz marynh^yro que dyz
que lho deu ho capytam ho quail capytam dyz que he ver-
dade que elle lhe deu ho dyto machado por quãto elle trazya
x ou doze machados do l'ereyo que fez os darmacam p.
nome chamado ho fereyro chrystouã e asy trazya quatro
machados de hüa llycemça do espruam de framcysco mjz
que bem se poderyam parecer cõ os outros.
It. mays amdre a. 0 marynheyro tres cunhas e hü ma-
chado que dyz ho feytor que lhe parecem ser darmaçam e
dyz ho dyto amdre a.° que lho deu ho pylloto p. outro que
lhe emprestara
It. mays hü machado a Jeronjmo espruam da feytorya
elle dyto Jeronjmo dyz que lho dera Jerumj despemseyro
da dyta naoo ho qual Jerumj dyxe que era v. dade que lho
emprestara
It, mays duas machadynhas a gomçallo pyz. grumete
e dyz que lhas deu ho contramestre e dyz ho feytor refem
darmaçã
pello quall dyz ho comtra mestre que as ouve dazevedo
grumete e dyz ho grumete que quãdo lhe for prgomtado
que (Iara testemunhas domde as ouve
It. mays hüa machadynha a p. a Jorge grumete que
dyz que lha deu azevedo ho quall dyz ho feitor ser
darmaçã
Itt. feyta esta dyllygemcya que ho capytam mãdou
fazer se nõ achou outra cullpa se nõ nos detrás ano-
meados.
Requerymêto que chrystouam pyz, capytam fez a suá
cõpanha em cabo fryo que foy em segunda feyra xxbj dias
do mes de mayo e lhes requereo da parte dellrey noso Snõr
que nenhü nõ fosse tam ousado que nõ resgatassem nenhüa
cousa p. nenhüa mercadarya que fose
— Ill —
aos xxbiiij dyas d o m e s de mayo em quymta feyra no
cabo fryo veo Joham de braga a naõo bertoa a tyrar a fera-
mêta darmaçam pello quail ho capytão deu juramêto ao
pylloto e ao comtra mestre e ao carafate que elles pello ju-
ramêto que tynham resebydo que oulhassem bem aquella
feramêta e machados se lhe parecyam ser de hú ofycyall e
isto por bem da feramêta que àchaua menos e a achauam
em mãos de outrem pello quall dyxe ho pylloto que lhe pa-
recyam serem os machados de tres ofycyaes e pello seme-
lhante ho comtramestre e o carafate.

(Seguem as folhas 24, 25, 26 e 27 em branco)


ÍNDICE.

G
Prologo acerca desta edição do Diário de Pero Ln ""lS

3 a 7
Diano de Pero Lopes

Documentos sobre Mart,mAffonso.'; 7?" It


t S r ! 8 d a da F i a n d o - d ;
a C e r C a d a* 79
Í , h a

° t S * . ^ dó Rio dè ? 9 a 8 2
3
Doação de Martim Aííonso é m S . Vicente S? £
Reclamação, em latim, contra Pero lIoVs" "nela 88

Roteiro conciso da viagem dá Náo' ^ Bretôã» 07 8 00


Reg.men.0 dado ao capitão C h r i s t o v a m p f r e s ' ' " " q s ! J ?

Diligencia acerca da ferramenta fuVtàda na B ^ h i V 1 0 6 * 1 0 9

Pe, eSCrÍVá Duatle


IndS ° ° ••• .'109 a 1 1 1
113

Typographia de Domingoi Luiz dos Santos.raa íícva do Ouvidor 1 2 0 ,

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