V - 12 - Capítulo 2
V - 12 - Capítulo 2
V - 12 - Capítulo 2
n9ve
perspectivas
Organizadores:
Rafael Guarato
Hugo Oliveira Dias
Organizadores:
Rafael Guarato
Hugo Oliveira Dias
Quasar
em
n9ve
perspectivas
REALIZAÇÃO:
Este projeto foi contemplado pelo edital de Dança Aldir Blanc - Concurso
nº 08/2021 SECULT-Goiás - Secretaria de Cultura - Governo Federal
ANDA Editora
1ª Edição - Copyright© 2022 dos organizadores
Direitos desta edição reservados à ANDA Editora
Vários autores.
Quasar
ISBN 978-65-87431-26-0
22-133543 CDD-792.8
n9ve
Índices para catálogo sistemático:
Perspectivas
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com
Organizadores
a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade
de seus organizadores. Foi realizadoRafael
o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de
Guarato
acordo com as Leis nºHugo
10.994, de 14/12/2004,
Oliveira Dias e 12.192, de 14/01/2010.
ANDA Editora
Av. Milton Santos, S/N
Ondina - Salvador, Bahia
CEP 40170-110
A dança-Dança porque
Arte: o fim da linha
pra Quasar?
Michael Silva
Sempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?
(João Cabral de Melo Neto, 1997, p. 245)
Não evitarei
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Michael Silva
grupo local nessa mesma estética de dança, Nativa. Ele era um grupamento
especialmente motivado pela existência do tão breve desfeito Festival Aber-
to de Dança de Araguaína - FADA, que não passou de sua primeira edição.
Evento no qual pudemos mostrar um trabalho e concorrer a um prêmio
modestíssimo em dinheiro, cujo valor, de tão irrisório, nem lembro. Outros
locais de apresentação, nesse meu primeiro momento com a dança, eram as
praças públicas que, nos primeiros anos de 2000, realizavam apresentações
artísticas para a população que conseguia frequentar o centro da cidade aos
finais de semana como forma de lazer.
Essa tímida movimentação cultural era, em alguma medida, esti-
mulante para nós que começávamos a enveredar pelos ajuntamentos ar-
tísticos e ansiávamos por plateia. Esses grupos, no entanto, comprovando
a realidade da dança em nosso país, se desfizeram muito prematuramente
devido a nossa tão velha falta de políticas públicas contínuas e em função
da precarização e dificuldade de profissionalização de seus agentes no con-
texto interiorano. Os blocos carnavalescos locais que usufruíram, por um
bom tempo, da nossa disposição para dançar à noite toda, durante três dias
consecutivos nos meses de fevereiro, não nos pagavam cachê. Tínhamos
apenas acesso à água, ao transporte de volta para casa (já lá pelas 5 horas da
manhã) e a avidez por divertimento típica da juventude.
Motivado pelas falas do professor e coreógrafo Zeca de Oliveira, do
grupo Comando Break, que já havia participado de eventos competitivos
em dança como o Festival de Joinville, comecei a pesquisar a existência da
Quasar. Companhia que, para ele, possuía excelência em produção de dan-
ça. A partir daí, iniciei a pesquisar vídeos dela, textos, sites e a acompanhar
sua trajetória e agenda. Curiosidade e admiração que me impulsionaram à
inscrição em um curso intensivo de dança contemporânea em São Paulo.
Uma via possível para vê-la presencialmente e “matar dois coelhos numa
cajadada só” frente a minha sensação de déficit formativo em função de
morar em uma cidade pequena do país. Eu estava então de férias do meu
primeiro emprego, em uma faculdade privada de Araguaína. Na tal insti-
tuição, eu exercia a função de auxiliar de biblioteca por meio do famigerado
programa de exploração do trabalho pubescente e mal remunerado nome-
ado Jovem Aprendiz (por nós chamado de Jovem Infeliz à época), enquanto
cursava o meu estimado curso de Letras. A cidade de São Paulo sediava, na
1 https://www.facebook.com/search/top?q=pelas%20beiras. https://www.youtube.com/
channel/UCUbDhvplKy8wqlFx091iFxg.
2 https://www.alejandrozenha.com.br/#lava-te.
Sempre me pego tentando entender tudo o que vejo. Acho que isso
me dá uma sensação de estar seguindo em frente, conhecendo. Mas
sem esquecer, é claro, quem eu sou, que meu nome começa com
todas as letras. Começa com todos os nomes. Com todas as pessoas.
Com a minha história. Por isso necessito me identificar, eu preci-
so. Desde a infância, nos meus primeiros aniversários, já percebia
as transformações em mim. Aniversário, idade, tempo, mudanças,
diferenças, corpo. E, olhando o meu corpo... É, ainda tenho muito
tempo, ainda bem. Cada parte minha me apontava a necessidade de
conhecê-la melhor. Principalmente, entendê-la. Partes cresceram.
Algumas gostei; já outras, não. Uma parte sangrou. E, no meu cor-
po, apareceu o meu prazer. Com isso, outras partes desejei desco-
brir. Não as minhas, de outros! E desejei. Porque quando menina,
menina não me achava. Mas um homem velho me achou e minhas
partes, tocou. Quando entendi, vai se danar, homem velho. Melhor,
vai se foder. Vai se foder, sai fora!
Bem, para voltar a entender de outras formas meu corpo, comecei a
fazer dança. Aulas todos os dias. Balé. Aulas de balé clássico. Menos
elenco integrado por pessoas com deficiência. Numa das cenas, uma das
intérpretes, que tem nanismo, dizia sonhar em fazer audição para a Quasar.
Momento cênico que despertou risos da plateia. Lembro, nesse instante,
de ter torcido a favor do entendimento da crítica feita no espetáculo pela
audiência presente. O que não garanto.
Por falar em corpos, ainda nos “Extras” do mesmo DVD dos 20 anos
da Quasar, no item “Processo de criação” do submenu “Conversa com Hen-
rique Rodovalho”, no qual o coreógrafo comenta seu processo de criação em
dança e a relação disso com a música, ele deixa escapar algo nesse sentido:
Destaco a fala do Rodovalho, quando ele diz que “são oito corpos
muito diferentes”, porque (acho que ele esqueceu de contabilizar Érica Bearlz,
Mesmo pessoas muito boas, muito rápidas, bailarinos com muita ex-
periência, só começam a realmente realizar aquela movimentação,
entender aquela movimentação de uma maneira mais profunda, na
minha opinião, depois de uns seis meses de trabalho. Porque real-
mente é um trabalho muito específico. Então, assim, várias formações
tradicionais, habilidades tradicionais em dança são muito bem-vin-
das: balé, contemporâneo, né. Mas eu vi pessoas também serem
formadas ali, por exemplo, as meninas todas da Quasar Jovem e vi
pessoas com diferentes formações também. Não só balé e contemporâ-
neo. Aliás, balé geralmente, por exemplo no caso dos homens, mesmo
algumas meninas assim mais da minha época, a gente tinha base bem
só o básico mesmo do balé. Então, eu não sei, parece que eu não sei
muito responder a essa pergunta, eu acho. (BUIATI, 2016; grifos meus)
Ah! Em termos técnicos assim, outra coisa que me veio agora foi: você
precisa ser muito forte (risos). Mas, essa parte de estrutura física, o
trabalho da companhia é muito pesado, puxado, eu acho, em termos
de tônus, de condicionamento físico. Eu sempre brinquei, assim, falei
que a Quasar é uma ilusão, né. Você assiste e é tudo muito fluido, tudo
muito orgânico, tudo muito parece muito simples de fazer, mas é tudo
mentira (risos), porque é tudo muito difícil, é um trabalho que usa
muita força muscular, muita força física. Então, eu acho que essa é
uma habilidade que a pessoa tem que ter para estar na companhia,
você tem que ter, desenvolver uma estrutura física, um tônus mus-
cular muito forte para poder fazer o trabalho. Homens e mulheres
porque a maioria das coisas, eu acho, sempre achei, muito exigentes
neste lugar, muito pesadas fisicamente. (BUIATI, 2016; grifos meus)
todos magros e aí saia no hall do teatro: Ah! Porque vocês são todos
fashion, vocês se vestem cada um de um jeito diferente. Cada um de
um jeito diferente, mas na verdade, é um jeito diferente que é muito
igual assim. Porque essa coisa do cotidiano intenso também, a Qua-
sar é um ambiente muito familiar né. (BUIATI, 2016; grifos meus)
Últimas coisas
Referências
MELO NETO, J. C. de. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997.