para Uma Abordagem Estrutural Da Depressão - Contribuições Freudianas - Zeferino Rocha
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ISSN: 1415-1138
[email protected]
Universidade São Marcos
Brasil
Rocha, Zeferino
Para uma abordagem estrutural da depressão: contribuições freudianas
Psychê, vol. 12, núm. 23, diciembre, 2008
Universidade São Marcos
São Paulo, Brasil
Zeferino Rocha
RESUMO
O objetivo do presente ensaio é oferecer uma contribuição para o estudo psicanalítico das
diversas formas clínicas de depressão. Fazendo do conceito psicanalítico de estrutura um
referencial metodológico fundamental, o autor ressalta, a partir de sua leitura do texto
freudiano, os elementos-chave indispensáveis para a compreensão da psicogênese e do
estatuto metapsicológico das principais formas clínicas de depressão, vale dizer, a depressão
neurótica, a depressão melancólica e a depressão borderline.
ABSTRACT
The objective of the present essay is to bring a contribution for the psychoanalytic study of
the several clinical forms of depression. Making the structure psychoanalytic concept a
fundamental methodological reference, the author highlights, from his lecture of the freudian
text, the indispensable key-elements for the psychogenetic comprehension and the
metapsychological statute of the principal clinical forms of depression, that means, the
neurotic depression, the melancholic depression and the borderline depression.
Introdução
normal do luto, até a depressão melancólica, que já se situa no registro patológico das
psicoses, ou a depressão dos chamados estados-limite, o fenômeno depressivo, na
perspectiva psicanalítica freudiana, é o resultado de um processo psíquico de natureza tópica,
dinâmica e econômica, cujos elementos variam de conformidade com a estrutura psíquica a
que o fenômeno depressivo pertence.
Entre as diversas formas clínicas da depressão, a Melancolia foi, seguramente, aquela que
mais chamou a atenção de Freud, e se tornou objeto de um importante estudo
metapsicológico, escrito em 1915 e publicado em 1917, com o título: Luto e melancolia
[Trauer und Melancholie] (Freud, 1917). É digno de nota que apesar de vivermos em um
contexto sociocultural inteiramente diferente, este artigo sobre a dinâmica inconsciente da
melancolia conserve intactas, ainda hoje, tanto sua atualidade quanto sua relevância
metapsicológica.
Alguns estudiosos da depressão, como Ehrenberg (1998), acreditam que a nova realidade
cultural de nosso mundo contemporâneo (na qual não mais predomina um "modelo
disciplinar", como acontecia na sociedade vienense do tempo de Freud, mas um "modelo de
insuficiência"), impõe uma leitura diferente do processo depressivo em geral, e do processo
melancólico em particular. No caso da melancolia, que segundo o modelo freudiano,
exprimia-se pelas violentas auto-acusações motivadas pelo sentimento de culpa, agora,
nesse novo modelo civilizatório, no lugar da culpa derivada do interdito aparecem a vergonha
e a falta de iniciativa, substituindo a dor moral pela apatia e pelo vazio depressivo. A
questão, porém, que permanece aberta é a de saber se esses modelos são exclusivos ou, se
apesar de diferentes, eles não se relacionam mutuamente e se complementam.
Pessoalmente, inclino-me para esta segunda alternativa.
Sobre as outras formas clínicas de depressão, como já foi dito, Freud infelizmente não nos
deixou um estudo sistemático, como fez com a Melancolia, mas em sua obra podemos
encontrar os elementos-chave indispensáveis para a reconstrução da gênese e do estatuto
metapsicológico dessas outras formas clínicas depressivas, como a depressão neurótica e a
depressão-limite1.
Procedimento metodológico
Para tanto, necessário se faz determinar um procedimento metodológico, que nos permita
focalizar o essencial da abordagem psicanalítica da depressão, sem nos perdemos nos
labirintos das classificações nosológicas ou das descrições nosográficas, e tampouco
contentarmo-nos com as apresentações simplistas dos trabalhos de divulgação. Acreditamos
poder evitar esses dois obstáculos, escolhendo como ponto de referência metodológicoaquilo
que se convencionou chamar, na psicopatologia psicanalítica, de abordagem estrutural.
Segundo nosso modo de ver, esta ênfase dada à estrutura é uma das características
fundamentais da própria psicopatologia freudiana. Freud, muito antes da moda estruturalista,
ressaltou a importância da "estrutura psíquica" em um texto escrito em 1933, que se poderia
dizer um texto-síntese de tudo o que ele escreveu anteriormente sobre a personalidade
psíquica (Freud 1933). Sua psicopatologia não se contenta com o estudo dos sintomas, por
mais importante que este possa ser. Pierre Fedida, em um excelente estudo sobre "os
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Influenciado pelo estruturalismo, e tendo como referência o modelo lingüístico que marcou
toda sua releitura do texto freudiano, Lacan contribuiu significativamente para a abordagem
estrutural no campo da pesquisa psicanalítica. Todavia, no presente trabalho não utilizaremos
a perspectiva lacaniana, pois queremos limitar nosso ensaio ao texto de Freud, embora
reconhecendo que sendo o aparelho psíquico atravessado pela linguagem, o fato de a
estrutura ter sido introduzida no campo da linguagem muito contribui para desfazer aquela
idéia de estrutura (possivelmente criada por causa das abordagens psiquiátrica e
psicológica), concebida como algo rígido e estático, que como um todo, define
aprioristicamente a singularidade e as particularidades de suas respectivas partes. Na
perspectiva psicanalítica, estrutura e história mutuamente se inter-relacionam, na medida em
que a estrutura é marcada pelos elementos diferenciais, que mutuamente se determinam uns
aos outros no desenrolar da história de cada um, e ao se determinarem, determinam
também a estrutura em sua totalidade (Fortes, 2006).
A estrutura psíquica
Se atiramos um cristal ao chão, ele se quebra, mas não ao acaso. Ele se quebra, em
pedaços, segundo suas linhas de clivagem, cuja delimitação, embora invisível, estava
predeterminada pela estrutura do cristal. Os doentes mentais são também estruturas
partidas e divididas desta natureza. [Wenn wir einen Kristall zu Boden werfen, zerbricht er,
aber nicht willkürlich; er zerfällt dabei nach seinen Spaltrichtungen in Stücke deren
Abgrenzung, obwohl unsichtibar, doch durch die Struktur des Kristalls vorherbestimmt war.
Solche rissige und gesprungene Strukturen sind auch die Geisteskranken] (Freud, 1933, p.
497).
Portanto, embora não se detendo para fazer um estudo mais minucioso da estrutura psíquica,
Freud a ela explicitamente se refere no texto supracitado e a concebe como sendo constituída
por uma série de linhas, oriundas tanto das disposições constitucionais quanto da história
particular de cada indivíduo. De modo semelhante ao que acontece no cristal, essas linhas
também não são visíveis a olho nu, pois só se manifestam quando vivências traumáticas
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Jean Laplanche destaca ainda, como pontos nodais de referência na configuração do quadro
das estruturas clínicas, o campo tópico, a referência genético-dinâmica e os fatores
econômicos, mediante os quais se organiza a subjetividade. O ponto de vista dinâmico é um
resumo dos demais, porquanto destaca o conflito defensivo no que ele tem de particular em
cada tipo nosológico (Laplanche, 1973). Assim sendo, não será difícil compreender como os
sintomas do fenômeno depressivo (geralmente expressos por meio do sentimento do vazio e
da tristeza, das quedas de humor, das inibições físicas e psíquicas, da perda da auto-estima,
das auto-acusações e auto-repreensões), adquirem uma significação diferente quando
articulados a uma estrutura neurótica, psicótica ou a uma organização borderline. É o que
vamos tentar mostrar em seguida.
A estrutura neurótica
A todo ser humano que nasce é atribuída a tarefa de superar o Complexo de Édipo. Quem
não tem êxito nesta tarefa cai na neurose. [Jedem menschlichen Neuankömmling ist die
Aufgabe gestellt, den Ödipus-komplex zu bewältigen. Wer es nicht zustande bringt, ist der
Neurose verfallen] (Freud,1905, p.129, n. 2).
O fato de ter tido acesso à triangulação estruturante do Édipo explica que o neurótico é capaz
de estabelecer relações objetais. Sua libido originariamente investida no ego pode ser
também investida nos objetos. Por isso, a impossibilidade de investimentos objetais
propriamente ditos representa um grande obstáculo para uma boa integração e estruturação
da vida psíquica. De fato, se por um lado os investimentos narcísicos de auto-estima são
fundamentais para a estruturação do Eu e da vida psíquica em geral, de outro, como adverte
explicitamente Freud: "deve-se começar a amar para não adoecer, e deve-se adoecer
quando, em conseqüência da frustração, não se pode amar [Man muß beginnen zu lieben,
um nicht krank zu werden und muß erkranken, wenn man infolge von Versagung nicht lieben
kann]." (Freud, 1914, p. 52).
É certo que o neurótico, para se defender do peso insuportável que por vezes representa a
realidade do mundo exterior, freqüentemente se refugia no mundo das fantasias. Mas ele não
faz da fantasia a realidade, nem esquece o caminho que pode trazê-lo de volta, do mundo da
fantasia ao mundo da realidade exterior. Portanto, seu conflito é fundamentalmente um
conflito entre as instâncias psíquicas do ego e do Id. Ele sacrifica as exigências do Id para
atender às solicitações do Superego e às exigências da realidade (Freud, 1924, p. 333).
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A depressão neurótica
Há quem designe a depressão neurótica como uma forma de "reação" aos fatores exógenos,
seja do ambiente em que se encontra o indivíduo, seja de um modo geral da cultura em que
ele se insere, diferenciando-a, assim, da depressão melancólica, que sempre foi considerada
como uma depressão endógena. Qualquer que seja o valor desta distinção - pois não se pode
esquecer que o distúrbio neurótico é mais do que um distúrbio reativo, uma vez que é
sempre a expressão simbólica de um conflito intrapsíquico -, não se pode deixar de
reconhecer que as crises de depressão neurótica de fato estão relacionadas às vivências
traumatizantes causadas pelas frustrações afetivas, pelo medo do abandono e pelas
experiências dolorosas da perda e da falta.
O melhor que poderíamos fazer para resumir o essencial do que Freud escreveu sobre a
depressão melancólica é analisar seu texto de 1917: Trauer und Melancholie. Mas antes
vamos recordar brevemente os elementos-chave constituintes da estrutura psicótica. Neste
contexto, será mais fácil entender o discurso freudiano sobre a Melancolia. Para Freud, a
psicose é um conflito psíquico entre o Ego e a realidade do mundo exterior, entre o Ego e o
Mundo. Se na estrutura neurótica o Ego sacrifica as exigências do Id por causa das críticas do
Superego e das imposições da realidade exterior, na psicose ele sacrifica a realidade do
mundo exterior para satisfazer às exigências do Id. Dizendo-o com as palavras de Freud:
A neurose é o resultado de um conflito entre o ego e o seu id, a psicose, porém, é o desfecho
análogo de um distúrbio desta natureza nas relações entre o ego e o mundo exterior. [Die
Neurose sei der Erfolg eines Konflits zwischen dem Ich und seinem Es, die Psychose aber, der
analogue Ausgang einer solchen Störung in den Beziehungen zwischen Ich und Aussenwelt]
(Freud, 1924, p. 333).
Daí a célebre noção de rejeição [Verwerfung], que Lacan traduziu por Forclusion, e que sem
dúvida é o mecanismo de defesa principal da psicose. Rejeição da realidade e sua ulterior
reconstrução mediante os delírios – estes são, para Freud, os dois momentos principais do
processo psicótico.
Dentro desse contexto, vejamos o que Freud diz a respeito da estrutura melancólica. Logo no
início do artigo sobre Luto e melancolia, ele diz que seu propósito é estudar a dinâmica
inconsciente do processo melancólico, a partir de um certo número de casos, cuja natureza
psicogênica está fora de dúvida. Feita esta ressalva metodológica preliminar, ele começa
comparando a melancolia ao luto. Esta comparação é sugestiva e ao mesmo tempo
inquietante. Freud quer explicar a depressão patológica da melancolia, e começa fazendo
uma comparação desta com a depressão normal do luto. Por quê? Será porque o patológico,
habitando o inconsciente de cada um de nós, não se diferencia do normal? Ou será porque,
para ele, a diferença entre o normal e o patológico não é qualitativa, mas puramente
quantitativa? De qualquer modo e qualquer que seja o valor dessa abordagem comparativa,
não se pode negar que existe uma analogia (dessemelhança na semelhança e semelhança na
dessemelhança) entre o trabalho do luto e o trabalho da melancolia.
Trabalho do luto
No trabalho do luto encontram-se muitos dos elementos que compõem o quadro clínico da
melancolia. Temos, por exemplo, a perda do objeto que foi investido com a libido do ego, a
perda do objeto de amor, o estado de espírito doloroso que sempre acompanha a experiência
de perda, a conseqüente perda de interesse pelo mundo exterior, na medida em que ele não
lembra o objeto perdido, a perda temporária da capacidade de escolher um novo objeto de
amor, a inibição motora e psíquica que exprime uma limitação do próprio Ego, todos esses
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Já sabemos que toda analogia tem, além dos elementos semelhantes, elementos de
dessemelhança. Mais ainda: na analogia são os elementos dessemelhantes que são antes de
tudo destacados. O mesmo acontece com a analogia entre o luto e a melancolia. No luto, diz
Freud, o sentimento de auto-estima não é perturbado e temos consciência do objeto perdido.
Na melancolia, mesmo quando o doente sabe quem perdeu, não sabe o que nele perdeu [er
zwar weiss wen, aber nicht, was er an ihm verloren hat] (Freud, 1917, p. 199-200). No
trabalho do luto, o Ego está absorvido pelas lembranças do morto e tem que se submeter ao
veredicto da realidade, vale dizer, a tomada de consciência de que o morto se foi para nunca
mais voltar. Na melancolia, não se pode ver com clareza "o que absorve tão profundamente
os doentes [was die Kranken so vollständig absorbiert]". No luto, a inibição do ego e o
conseqüente isolamento do indivíduo têm um sentido: quem faz o trabalho do luto precisa
submeter-se às exigências da realidade, e isto não é possível sem uma grande quantidade de
tempo e de dispêndio de energia. De fato, trata-se de um desprendimento libidinal, e levando
em conta "a viscosidade da libido", este trabalho exige muito tempo. Ninguém desata
facilmente os laços feitos, desfeitos e várias vezes refeitos nas vicissitudes das experiências
amorosas. No trabalho do luto, esses laços devem ser pacientemente desatados, e somente
quando tiverem sido desfeitos, será novamente possível utilizar a capacidade de investimento
libidinal para novos laços afetivos e para novos investimentos amorosos. Somente quando se
operar a "solução' [Lösung], vale dizer, a resolução desses laços, tornar-se-á possível uma
"substituição"[Ablösung] do objeto de amor, do qual se pranteia a lembrança no luto. Não é
sem razão, portanto, que para Freud, as palavras Lösung e Ablösung resumem o essencial do
trabalho do luto.
O trabalho do melancólico
Pois bem, valendo-se da analogia com o luto, Freud descreve o processo melancólico. Este
começa com a perda de um objeto de amor, embora o melancólico não tenha consciência do
que verdadeiramente perdeu. O esvaziamento do ego, que vai muito além da inibição do luto
normal, pode levar o melancólico a um verdadeiro delírio de inferioridade. No entanto, não
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Inicialmente temos uma relação objetal muito frágil e ambivalente. Desde que essa relação é
rompida, seja por causa de um distúrbio real, seja por causa de uma decepção mais
profunda, a libido, ao invés de ser investida em um outro objeto, é deslocada para o Eu e
fundamenta, por meio de uma regressão narcísica, a identificação do Eu com o objeto de
amor perdido e abandonado. O processo, portanto, começa com o luto pela perda do objeto,
e termina em um processo de identificação narcísica, no qual o Eu passa a se tratar como
tratava o objeto. Pode-se ver, nessa identificação com o objeto, a tentativa, quase mágica,
de que se serve o melancólico para recuperar seu objeto de amor perdido. Freud vai mais
além e diz que o objeto é recuperado e devorado, segundo o modelo profundamente
ambivalente da identificação canibal, ou seja, da identificação por incorporação oral. Nele, se
o objeto é incorporado para ser conservado e salvaguardado no interior do sujeito, ao ser
assim conservado, ele é também destruído. É a partir desta forma de identificação, na qual
prevalece a ambivalência do sadismo oral, que entra em cena a pulsão de morte na vida do
melancólico (Fedida, 1999).
O suicídio do melancólico
O ego somente pode se matar quando ele, mediante o retorno do investimento do objeto,
pode tratar a si próprio como um objeto, quando ele permite dirigir contra si próprio a
hostilidade que visa a um objeto, e esta representa a reação originária do ego contra os
objetos do mundo exterior [Das Ich sich nur dann töten kann, wenn es durch die Rückkehr
des Objektbesetzung, sich selbst wie ein Objekt behandeln kann, wenn es die Feindseligkeit
gegen sich richten darf, die einem Objekt gilt und die die ursprüngliche Reaktion des Ichs
gegen Objekte der Außenwelt vertritt] (Freud, 1917, p. 206).
Detenhamo-nos um pouco mais sobre essa tendência suicida do melancólico, pois ela levanta
uma questão que parece fundamental para definir o conflito que está na base da melancolia.
Laplanche formulou com exatidão a pergunta nos seguintes termos: "quem persegue quem
na tópica do melancólico?". A esta pergunta pode-se responder: é a instância crítica e
acusadora do Superego que persegue o Ego. Depois da identificação deste com o lado mau
do objeto, o Superego o trata da mesma maneira como o Ego tratava o objeto. Esta a razão
pela qual Freud faz da melancolia, como uma neurose narcísica, um conflito do Ego com o
Superego:
Podemos, por enquanto, postular que tem de haver também doenças que se baseiam em um
conflito entre o ego e o superego. A análise nos dá o direito de supor que a melancolia é um
exemplo típico deste grupo, e reservaríamos o nome de "psiconeuroses narcísicas" para
distúrbios desse tipo [Wir können aber vorläufig postulieren, es muss auch Affektionen geben
denen ein Konflikt zwischen Ich und Über-Ich zugrund liegt. Die analyse gibt uns ein Recht
anzunehmen, dass die Melancholie ein Muster dieser Gruppe ist, würden wir für solchen
Störungen den Namen "narzisstische Psychoneurosen" in Auspruch nehmen] (1924, p.
336).
Freud não fez estudo teórico ou clínico sobre a depressão borderline. Tampouco reservou, em
seus escritos psicopatológicos, um lugar especial aos chamados casos-limite ou estados-
limite. Mas sua Metapsicologia oferece "modelos teóricos" para uma compreensão
psicanalítica daqueles distúrbios da vida psíquica, quando esta é abalada pela violência dos
traumas e pela questão dos limites. Explorar e desenvolver tais modelos tem sido o desafio
com que se defrontam os teóricos da Metapsicologia e da Clínica psicanalítica em nossos dias.
Lembrarei apenas os que me são mais conhecidos. Na França, André Green (1988), Jean
Bergeret (1974 e 1985) e Paul Laurent Assoun (1996); na psicanálise anglo-saxônica, Otto
Kernberg (1976 e 1985); e entre nós, Luís Cláudio Figueiredo (2003) e Marta Rezende
Cardoso (2004).
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Coerentes com o que escolhemos como referência metodológica, pensamos que a depressão
borderline distingue-se tanto da depressão neurótica quanto da depressão psicótica por causa
da estrutura ou da organização psíquica em que se insere. Esta se situa entre a estrutura
neurótica e a psicótica, o que torna mais difícil o trabalho de lhe definir o estatuto
metapsicológico. E antes de mais nada, poder-se-ia perguntar: nesses casos, trata-se de
uma estrutura propriamente dita ou de uma organização psíquica especial composta de
elementos que também se encontram em outras estruturas? A pergunta é pertinente porque
existem teóricos, para os quais não se deveria falar de uma verdadeira estrutura nos
estados-limite, pois a personalidade borderline teria uma organização psíquica cuja
singularidade é precisamente a falta de uma verdadeira estruturação psíquica (Bergeret,
1979). Tratar-se-ia, portanto, de uma nova forma de organização com elementos que se
encontram em outras estruturas.
Todavia, outros teóricos defendem uma singularidade estrutural para os chamados estados-
limite. Para Kernberg (1976), a personalidade borderline caracteriza-se por uma dinâmica
extremamente instável, avanços e recuos, oscilações dos sentimentos de amor e ódio,
entusiasmo e desânimo, que revelam as duas grandes angústias de abandono e de invasão,
típicas da depressão borderline. As principais defesas do borderline são as cisões e a
identificação projetiva. Por falta de fronteiras bem investidas, as realidades externa e interna
perdem sua consistência. Ora, para que se possa constituir o senso da realidade é preciso
que as barreiras externas e internas sejam bem investidas. Sem isto, falta coesão ao Eu, e é
precisamente essa falta de coesão do Eu que caracteriza a personalidade borderline.
Portanto, a dificuldade de circular livremente nos espaços fronteiriços de sua vida psíquica
acarreta para o borderline graves conseqüências no processo da constituição de seu Eu. As
principais dessas conseqüências são: a inconstância objetal, ou seja, o objeto torna-se para
ele ou presente em excesso, ou ausente também em excesso, muito elevado, ou muito
denegrido, muito bom, ou muito mau; a oscilação afetiva e pulsional, vale dizer, a
turbulência emocional, as atuações intempestivas e violentas de sua vida afetiva; e
finalmente, a organização do Eu, que tanto pode ser um Eu grandioso e abrangente ou um Eu
enfraquecido e quase inexistente. Novamente a dialética do tudo ou nada (Figueiredo,
2003b).
A causa principal dessas dificuldades é uma perturbação precoce na relação primária com a
mãe, ou seja, uma dificuldade na passagem da fase da relação fusional (indiferenciação mãe-
filho), para a fase em que o bebê começa a distinguir o eu de um não-eu, preenchendo o
vazio com fenômenos e objetos transicionais (Winnicott, 1975). O objeto transicional mantém
a mãe presente e ausente ao mesmo tempo. E é este jogo alternado da presença e da
ausência materna que prepara a criança para as ambivalências e ambigüidades da relação
afetiva com o outro. Portanto, a incapacidade materna de facilitar a passagem do estado de
indiferenciação para o estado de separação poderia estar na base das dificuldades do
borderline de se relacionar com os outros. Quando esta passagem não acontece de modo
satisfatório, o Eu pode ficar "petrificado", incapacitado de fazer representações e
simbolizações ou de criar relações intersubjetivas. Como disse Rita Maranga (2002), aforma
como o boderline foi olhado pelo Outro primordial teria algo de comum com aquilo que a
mitologia ensina sobre o olhar da Medusa, que transformava em pedra quem ousasse olhá-la
nos olhos.
Quando não faz a passagem da indiferenciação para a separação, o bebê não entra no espaço
potencial, e conseqüentemente, permanece incapaz de simbolizar. Ora, o Eu só é capaz de se
separar de seus objetos, particularmente dos objetos primordiais, quando é capaz de
simbolizá-los. Caso contrário, ficará para sempre prisioneiro de uma angústia que é, ao
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mesmo tempo, a angústia de perder ou de ser sufocado pelo peso da presença do objeto.
Tudo indica que é esta a angústia típica da depressão borderline.
Não se trata propriamente de fazer uma conclusão porque nada do que esbocei aqui, como
uma pequena contribuição para o estudo psicanalítico da depressão, pretende ser conclusivo,
no sentido de encerrar uma reflexão que gostaria que permanecesse aberta à discussão.
Partindo da leitura do texto de Freud, tentei articular as manifestações do fenômeno
depressivo às diversas estruturas clínicas consagradas pela psicopatologia freudiana,
distinguindo assim uma depressão neurótica, diferente tanto da depressão psicótica da
melancolia quanto da depressão borderline.
Se por um lado, o conceito de estrutura não é visto com simpatia por muitos teóricos da
clínica pelo fato de poder favorecer a uma concepção "cristalizada" do acontecer psíquico, de
outro, é preciso não esquecer que uma das finalidades das construções metapsicológicas é
relacionar, organizar e dar certa estruturação aos fatos clínicos, com a finalidade de facilitar a
compreensão, e dar uma solução aos problemas que a Clínica continuamente está
levantando. Uma finalidade análoga (e dizendo análoga estou me referindo a uma
semelhança que é também dessemelhante) talvez pudesse ser atribuída às estruturas clínicas
das neuroses, das psicoses e dos casos-limite na psicopatologia freudiana. Foi o que tentei
fazer no presente ensaio.
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Zeferino Rocha
Notas
1
A articulação dos sintomas depressivos com as estruturas psíquicas que lhes são
subjacentes, e a conseqüente classificação das estruturas clínicas em neurótica, melancólica
e borderline, embora inspirada em minha leitura do texto freudiano, não foram
sistematizadas teoricamente pelo próprio Freud. Trata-se de uma posição assumida pelo
autor do presente ensaio, que a submete à avaliação crítica de seus leitores.
2
No texto freudiano não existe uma distinção explícita entre o Eu (indivíduo biológico ou
sujeito) e o ego (instância parte da personalidade psíquica). No texto freudiano, os dois
termos são expressos pelo pronome pessoal "Ich", e a distinção entre eles só aparece no
contexto da frase em que são empregados. Todavia, no intuito de maior clareza didática,
farei neste trabalho, sempre que for possível, uma distinção entre o Eu e o ego, indicando
com a palavra latina "ego" a instância introduzida juntamente com o Id e o Superego na
reformulação freudiana da teoria do psiquismo, e reservando a palavra "Eu" para designar o
indivíduo em sua totalidade de indivíduo biológico ou de sujeito.