Obstetricia Vol. 2 - 2020
Obstetricia Vol. 2 - 2020
Obstetricia Vol. 2 - 2020
1.1 INTRODUÇÃO
As infecções na gestação são uma importante causa de mortalidade
materna; as estatísticas variam conforme a região estudada, porém
dados de 2015 da Organização Mundial da Saúde apontam a
septicemia (por infecção viral ou bacteriana) como responsável por 5
a 15% dos óbitos maternos – lembrando que, por definição, óbito
materno é aquele que ocorre em mulheres durante a gestação e até o
quadragésimo segundo dia de puerpério. Obviamente, os países
subdesenvolvidos são aqueles que apresentam a maior taxa de
mortalidade por essa causa. Não existe uma estatística precisa que
separe a incidência de cada infecção viral na gestante, até porque
uma grande parte dessas infecções ocorre sem que ela procure o
sistema de saúde, portanto não são notificadas. Entretanto, sabe-se
que diversos agentes podem causar uma evolução mais grave na
gestante, colocando em risco mãe e feto. As mesmas infecções
também podem acarretar complicações obstétricas (aumentar o
risco de parto prematuro, por exemplo) e complicações permanentes
para o feto, como malformações e óbito fetal. Neste capítulo,
procuraremos nos concentrar nos agentes virais mais comuns (como
o HPV), e que, portanto, têm maior probabilidade de serem
abordados em questões de provas de concursos médicos.
1.2 PAPILOMAVÍRUS HUMANO NA
GESTAÇÃO (HPV)
Os diversos subtipos de papilomavírus humano (HPV) constituem a
infecção sexualmente transmissível mais prevalente no mundo e
associam-se ao câncer de colo uterino, vulva, vagina, pênis, ânus e
orofaringe. A incidência de alteração compatível com HPV na
colpocitologia durante a gestação é igual à da população feminina
geral – em torno de 5%. Os subtipos com maior risco de
oncogenicidade são o 16 e o 18.
1.2.1 Transmissão vertical
A transmissão ocorre majoritariamente durante o trabalho de parto e
a passagem no canal de parto. Pode ocorrer pela via hematogênica
(transplacentária), mas a principal forma de contaminação é o
contato direto com áreas infectadas (colo uterino, vagina, vulva e
região perianal). O risco de contágio é maior em primoinfecções que
ocorrem próximas ao parto.
1.2.2 Quadro clínico na gestante e no recém-
nascido
A infecção materna por HPV pode se apresentar de diversas formas,
sendo, na maioria das vezes, oligo ou assintomática. As lesões de
colo uterino, com maior potencial oncogênico, são geralmente
assintomáticas e identificadas apenas no exame especular e
citológico, mas podem eventualmente causar sangramento genital e
sinusorragia. Já as verrugas genitais, causadas pelos subgrupos de
menor oncogenicidade, caracterizam-se por lesões elevadas, róseas,
eventualmente causando prurido ou ardor, localizadas
principalmente na vulva, no períneo e na região perianal.
A infecção no recém-nascido pode se manifestar por condilomas ou
papilomatose laríngea.
1.2.3 Diagnóstico na gestação
Diante do condiloma genital, o diagnóstico é clínico, e a biópsia fica
restrita aos casos de dúvida diagnóstica. Já no caso das lesões de colo
uterino, o diagnóstico depende de citologia e colposcopia (com
biópsia). Nos países desenvolvidos, diante de lesões suspeitas é
realizado diagnóstico por reação em cadeia da polimerase (PCR) da
lesão. A colpocitologia oncótica faz parte dos exames iniciais da
rotina pré-natal na maioria dos serviços, principalmente por ser
uma oportunidade de avaliação ginecológica da população. Não há
evidências de que a coleta traga riscos para a gestação, podendo ser
realizada sem problemas.
A colposcopia está indicada aos casos de suspeita de lesão invasiva,
já que os demais resultados citológicos são de conduta expectante na
gestação. A colposcopia e a biópsia de colo podem ser realizadas,
mas idealmente no segundo trimestre de gestação, nos casos em que
há suspeita de lesão invasiva. Os casos com suspeita de lesão de alto
grau ou invasiva devem ser reavaliados em 12 semanas, pois pode
haver rápida evolução durante a gestação.
Os casos devem ser sempre reavaliados no pós-parto (de 2 a 3 meses
após o parto), pois as condições gravídicas já se encontram em
regressão.
A coleta de colpocitologia oncótica, se realizada
adequadamente, não traz riscos à gestação,
bem como a colposcopia e a biópsia de colo,
quando indicadas.
1.2.7 Vacinação
A vacina para HPV não contém vírus ou qualquer outro agente
biológico infectante, sendo composta por partes da cápsula viral e
sintetizada por engenharia genética; além disso, alguns estudos com
gestantes não demonstraram aumento de intercorrências ou efeitos
colaterais significativos com o uso de todos os subtipos de vacina
para HPV durante a gestação. Entretanto, as evidências ainda são
consideradas escassas, portanto, a recomendação nesse momento é
pela não utilização dessa vacina durante a gestação.
1.2.8 Via de parto
A cesárea não deve ser indicada apenas como forma de prevenção da
transmissão, já que a forma transplacentária também é possível.
Alguns estudos demonstraram infecção neonatal mesmo em parto
cesárea, e uma importante meta-análise mostrou incidência similar
de transmissão de HPV entre mulheres submetidas a esse parto e por
via vaginal. Em vista disso, atualmente a indicação da via de parto
deve seguir o protocolo normal para a paciente em questão.
Entretanto, o parto cesárea pode ser indicado para os casos em que
há tumor obstrutivo localizado no canal de parto (por condiloma
acuminado gigante).
Infecção materna por papilomavírus humano
não constitui indicação de cesárea.
2.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo está de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis
e Hepatites Virais, publicado em 09 de dezembro de 2015 e
modificado em 08 de agosto 2018 pelo Ministério da Saúde do Brasil.
Mais informações podem ser verificadas no site:
http://www.aids.gov.br/tags/publicacoes/protocolo-clinico-e-
diretrizes-terapeuticas.
A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) foi reconhecida
como entidade clínica distinta em 1981, apresentando correlação
com a homossexualidade masculina e o uso de drogas por via
intravenosa. A Organização Mundial da Saúde, em razão da crescente
prevalência da AIDS nos últimos anos, classifica essa doença como a
principal pandemia dos tempos modernos.
Observou-se, nos últimos anos, aumento significativo no número de
mulheres contaminadas. Como consequência, houve também
aumento no número de gestantes contaminadas e dos casos de AIDS
pediátrica. Esses aspectos demandam atenção especial de
profissionais da área científico-assistencial para o seu
equacionamento.
2.2 ETIOLOGIA
O agente etiológico da AIDS, denominado vírus da imunodeficiência
humana (HIV), é um retrovírus da subfamília lentivírus e foi isolado
na França em 1983. Apresenta características comuns aos retrovírus,
destacando o envelope lipídico bilaminar originado da célula
hospedeira. Esse envelope contém glicoproteínas próprias do vírus,
denominadas gp120 e gp41, que estão na sua superfície.
A gp120 promove a interação do vírus com o receptor do linfócito
CD4+, e a gp41 apresenta influência na fusão do vírus com a
membrana celular da célula hospedeira. Abaixo do envelope está o
capsídeo viral, onde estão as proteínas. O core viral está dentro do
capsídeo, onde pode ser isolada a p24. No interior do core,
observam-se o material genético do vírus (RNA), as proteínas e a
enzima viral transcriptase reversa.
Já foram descritos 2 tipos do HIV: o HIV-1 e o HIV-2, que
apresentam diferenças estruturais, epidemiológicas e
fisiopatológicas. Em nosso meio, o tipo mais frequente é o HIV-1.
Figura 2.1 - Anatomia do vírus da AIDS
Fonte: acervo Medcel.
2.6.1 Clínico
O diagnóstico clínico presuntivo da infecção pelo HIV-1 é possível,
mas com restrições, nas fases I, III e IV da infecção. Na fase I, o
quadro clínico é conhecido por mononucleose-like, sendo
inespecífico. Na fase II, a infecção é assintomática, não sendo
possível presumir o diagnóstico de infecção. A fase III é
caracterizada pela linfadenopatia generalizada e persistente,
marcando o início da perda de peso. Na fase IV, as manifestações
clínicas mais comuns são emagrecimento intenso, infecções
oportunistas e diarreia. Mesmo nos estados avançados da síndrome,
recomenda-se a confirmação laboratorial do diagnóstico.
2.6.2 Laboratorial
De acordo com a literatura, apesar de raros, podem ocorrer
resultados falsos positivos nos testes para HIV em gestantes em
função da presença de aloanticorpos. A realização do teste de carga
viral do HIV está indicada após a confirmação da infecção pelo HIV
por qualquer um dos fluxogramas de diagnóstico. Sendo o resultado
da carga viral superior a 1.000 cópias/mL, o teste de genotipagem
deverá ser solicitado e o sangue, imediatamente coletado. Após essa
conduta, deve-se introduzir a terapia antirretroviral (TARV).
As amostras podem ser de soro, plasma, sangue total ou sangue seco
em papel-filtro e devem ser coletadas em conformidade com o que
preconiza o fabricante do teste a ser utilizado, sendo o diagnóstico
da infecção pelo HIV habitualmente realizado com base na detecção
de anticorpos anti-HIV e/ou na detecção do antígeno.
Os testes de triagem apresentam alto grau de sensibilidade,
enquanto os testes confirmatórios possuem alto grau de
especificidade. Testes com alta sensibilidade produzem poucos
resultados falsos negativos, enquanto aqueles com alta
especificidade produzem poucos resultados falsos positivos.
Todas as amostras devem ser submetidas, inicialmente, a um teste
de triagem capaz de detectar anticorpos anti-HIV-1, incluindo o
grupo O e anticorpos anti-HIV-2. Nessa etapa, ainda, poderão ser
utilizados testes que combinem a detecção simultânea desses
anticorpos e de antígeno.
1. Testes de triagem para infecção pelo HIV:
a) Ensaio imunoenzimático – ELISA;
b) Ensaio imunoenzimático de micropartículas – MEIA;
c) Ensaio imunológico com revelação quimioluminescente e suas
derivações – EQL;
d) Ensaio imunológico fluorescente ligado à enzima – ELFA;
e) Ensaio imunológico quimioluminescente magnético – CMIA;
f) Testes rápidos: imunocromatografia, aglutinação de partículas
em látex ou imunoconcentração;
g) Novas metodologias registradas na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e validadas pelo Departamento de
Vigilância, Prevenção e Controle das Doenças Sexualmente
Transmissíveis e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (DDST-
AIDS).
Figura 2.5 - Fluxograma para diagnóstico de HIV a partir de amostra de fluido oral
3.1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, verificou-se um notável avanço no entendimento
das infecções congênitas em virtude do desenvolvimento dos
métodos laboratoriais e de imagem, particularmente da
ultrassonografia obstétrica, que permite a identificação precisa da
doença materna e da infecção fetal. Os achados clínicos, que no
passado só podiam ser confirmados após o nascimento, hoje podem
ser detectados na vida intrauterina, permitindo uma abordagem
mais rápida e segura.
A utilização da cordocentese e de técnicas de biologia molecular
auxilia na abordagem diagnóstica e terapêutica. No caso da rubéola,
a possibilidade de detecção da IgM utilizando técnicas altamente
sensíveis e específicas faculta ao pré-natalista a facilidade do
diagnóstico seguro da infecção fetal.
O interesse suscitado pela transmissão vertical do vírus da rubéola
supera, sem dúvida, a importância clínica dessa doença tanto em
crianças quanto em adultos.
3.2 AGENTE ETIOLÓGICO
O vírus da rubéola é um RNA-vírus que pertence ao gênero
Rubivirus, da família Togaviridae. Até o momento, existe somente 1
sorotipo desse vírus. Tem no homem seu único reservatório, o que
possibilita sua erradicação.
3.3 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
Foi a primeira doença na qual se identificou a transmissão
congênita. Antes da introdução dos programas de vacinação, era
endêmica em todo o mundo. Em países com programas de vacinação
eficientes, tem se tornado rara, tendo sido recentemente erradicada
nos Estados Unidos e na Escandinávia. Uma revisão da sua
ocorrência em países em desenvolvimento mostra uma grande
variação, mas a proporção de mulheres suscetíveis está entre 15 e
25%, mesmas taxas dos países desenvolvidos na era pré-
imunização. Dados da Organização Mundial da Saúde de 2003
estimaram mais de 100 mil crianças nascidas com síndrome da
rubéola congênita.
3.4 TRANSMISSÃO HORIZONTAL
A transmissão horizontal convencional da rubéola é feita por
partículas salivares espalhadas pelos indivíduos infectados. Essa
transmissão aérea possibilita que o vírus entre pela nasofaringe,
invada o tecido mucoso e se dissemine localmente ou para os
linfonodos vizinhos.
O período de incubação varia de 2 a 3 semanas, enquanto o período
de transmissão vai desde 7 dias antes do aparecimento do exantema
até 5 dias após.
A viremia ocorre após a primeira semana e desaparece no término do
exantema. Cerca de 25 a 35% dos casos podem ser assintomáticos.
Em adultos, 95% dos sintomáticos geralmente apresentam doença
leve ou de pequena gravidade.
3.5 TRANSMISSÃO VERTICAL
A via hematogênica transplacentária é a principal forma da
transmissão vertical do vírus da rubéola, mas também existe a
possibilidade de contaminação por meio das secreções vaginais no
momento do parto e o risco teórico de contaminação com o leite
materno infectado.
Já se sabe da avidez do vírus da rubéola por tecidos e órgãos em
processo de diferenciação e maturação.
As células infectadas por ele podem apresentar alterações
cromossômicas, redução do tempo de multiplicação celular e
aumento da produção intracelular de substâncias inibidoras de
divisão celular. Esses fatores podem contribuir para a redução do
tamanho placentário, explicando a restrição de crescimento fetal em
crianças com Síndrome da Rubéola Congênita (SRC).
À microscopia óptica, o acometimento vascular na placenta é o dado
de maior importância, porém é mais discreto do que o observado em
outras infecções.
O risco da infecção fetal pelo vírus da rubéola começa na concepção.
A taxa de infecção fetal é elevada nas primeiras 12 semanas da
gestação (90% da infecção fetal, dos quais 85% podem apresentar
sequelas graves). A taxa de contaminação fetal cai para 30% entre a
vigésima e a trigésima semana de gestação, mas pode chegar a 60%
entre a trigésima primeira e a trigésima sexta semanas e,
finalmente, a 100% no final da gravidez.
Os danos fetais são raros após a décima sexta semana de gestação,
porém alguns fetos infectados no terceiro trimestre podem
apresentar restrição de crescimento.
Não são claros os fatores que previnem ou promovem o potencial de
transmissão do vírus da rubéola com a evolução da gestação.
Mudanças na estrutura histológica placentária e diminuição da
espessura trofoblástica próxima do termo podem ser fatores de
destaque, assim como a diferenciação da resposta imune e outras
defesas menos específicas.
As lesões placentárias são frequentes, mas não são encontradas em
todos os casos de rubéola fetal. Por outro lado, nem todas as
placentas infectadas resultam em contaminação do feto.
3.6 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA
RUBÉOLA ADQUIRIDA
As manifestações clínicas da rubéola adquirida são geralmente leves,
tanto em crianças quanto em adultos; 30% das pessoas acometidas
são assintomáticas. Entre as sintomáticas, o sinal mais característico
é o exantema maculopapular, que se inicia na parte superior do tórax
e na face, estendendo-se para todo o corpo em sua evolução.
O exantema surge de 2 a 3 semanas após a contaminação e dura, em
média, de 1 a 5 dias, podendo cursar com febre baixa e mal-estar. Em
alguns casos, pode ser observado um período prodrômico (1 a 5 dias
antes do exantema), caracterizado por mal-estar, febre baixa,
cefaleia e ardor conjuntival, refletindo a reação orgânica ao início da
viremia.
A adenomegalia acomete particularmente as cadeias cervicais,
retroauriculares e occipitais, apresentando linfonodos
individualizados, aumentados de volume e dolorosos. Esse processo
se inicia com o exantema, persiste por 2 a 3 semanas e regride
totalmente após esse período.
Em aproximadamente 30% dos adultos, estão presentes artralgias –
verifica-se que as mulheres mostram uma incidência maior dessas
complicações – envolvendo as articulações mais proximais, como
joelhos e cotovelos, podendo ser o único sintoma da infecção.
Em geral, a infecção pelo vírus da rubéola apresenta escassa ou
nenhuma repercussão para o estado geral, e a chance de a virose
passar totalmente despercebida pela gestante é frequente.
3.7 EFEITOS SOBRE O FETO E O
RECÉM-NASCIDO
Figura 3.1 - Rubéola congênita
4.1 INTRODUÇÃO
A anemia é a doença hematológica mais comum e é definida como a
diminuição da capacidade de transportar oxigênio por unidade de
volume de sangue, além de ser fator de associação a intercorrências
obstétricas maternas, como infecções, transfusões, pré-eclâmpsia e
parto pré-termo, e fetal/neonatal, como anormalidade e óbitos
fetais, baixo peso e prematuridade, anemia no primeiro ano de vida e
distúrbios comportamentais.
Recém-nascidos de mães com severa anemia
ferropriva apresentam mais frequentemente
esta doença quando comparados aos recém-
nascidos de mães sem anemia por deficiência
de ferro.
b) Anemia falciforme
5.1 INTRODUÇÃO
Trombofilias são doenças que cursam com alterações nos
mecanismos de coagulação e anticoagulação. Podem ser
classificadas como hereditárias ou adquiridas e expõem os
indivíduos acometidos a maior risco de fenômenos
tromboembólicos ao longo da vida.
1. Trombofilias hereditárias:
a) Fator V de Leiden;
b) Deficiência de proteínas C e S;
c) Deficiência de antitrombina;
d) Mutação do gene da protrombina;
e) Hiper-homocisteinemia.
2. Trombofilia adquirida:
a) Síndrome do anticorpo antifosfolípide.
6.1 INTRODUÇÃO
A doença cardíaca permanece como uma das complicações médicas
mais importantes da gestação, apesar do desenvolvimento da
assistência às pacientes cardiopatas. A cardiopatia é a quarta causa
de mortalidade materna, ocupando o primeiro lugar como causadora
de mortes maternas não obstétricas. Nos Estados Unidos, é a causa
não obstétrica mais comum de mortalidade materna.
A partir da introdução da substituição valvar por próteses
mecânicas, surgiu um grupo de mulheres jovens, em idade fértil, que
foi obrigado a usar anticoagulantes orais e que passou a constituir
uma população de risco gravídico maior, dentro do grupo de alto
risco. A grande vantagem das próteses biológicas é dispensar o uso
crônico de anticoagulantes orais, usados apenas em algumas
situações.
São grandes os avanços na farmacologia, na propedêutica
subsidiária como a ecocardiografia e na possibilidade cada vez maior
do uso de marca-passos que permitem maior êxito no tratamento da
gestante cardiopata. Além disso, o progresso da cirurgia cardíaca
possibilitou reformular as indicações cirúrgicas no tratamento dessa
gestante, reservadas apenas para situações de emergência. Hoje,
perante situações nas quais é evidente o fracasso do tratamento
clínico, a indicação da cirurgia durante a gestação se tornou mais
segura.
Merece destaque, ainda, a alta taxa de mortalidade e morbidade
fetal, pois uma enfermidade grave para a mãe também representa
risco elevado para o bem-estar do feto.
6.2 INCIDÊNCIA E ETIOLOGIA
A prevalência das doenças cardíacas é influenciada por aspectos
geográficos e socioeconômicos da população em estudo. Nas regiões
em desenvolvimento, a cardiopatia reumática ainda é um
importante problema de saúde pública.
No Brasil, a cardiopatia reumática é a mais
frequente na gestação, seguida da congênita.
As estenoses aórticas graves (área valvar < 1 cm2) são de alto risco
materno-fetal, acompanhadas de alta mortalidade.
A estenose aórtica é de alto risco porque o aumento fisiológico do
volume sistólico provoca elevação no trabalho ventricular esquerdo
que pode não representar aumento correspondente do fluxo
sanguíneo. Se o volume sistólico não aumenta, ocorre taquicardia,
que leva à redução do fluxo coronariano (que ocorre na diástole), por
diminuição do tempo de enchimento ventricular. Deve-se ressaltar,
ainda, que a vasodilatação arterial fisiológica da gravidez é deletéria
nessas pacientes, por aumentar o gradiente valvar.
Assim, as pacientes com estenose aórtica grave podem falecer por
insuficiência cardíaca ou apresentar morte súbita por diminuição
aguda do retorno venoso, seja por hipotensão, seja por perdas
sanguíneas fisiológicas do parto e puerpério.
Quando ocorre descompensação cardíaca durante a gestação, pode-
se recorrer a valvoplastia aórtica percutânea por cateter-balão ou
cirurgia (troca valvar ou comissurotomia aórtica).
6.9.2.5 Prolapso da valva mitral
7.1 INTRODUÇÃO
A gestação associa-se a um aumento de 15 a 20% do consumo de
oxigênio, assim como a modificações estruturais e funcionais do
trato respiratório, ainda que no primeiro trimestre. Embora a
frequência respiratória não se altere, a ação da progesterona
estimula diretamente o centro respiratório, acarretando aumento do
esforço respiratório e discreta alcalose respiratória, o que pode ser
confundido com dispneia. Essas mudanças potencialmente afetam a
resposta adaptativa do sistema respiratório da gestante ao estresse
agudo, como broncoespasmo e infecção.
1. Alterações respiratórias fisiológicas do ciclo gravídico:
a) Congestão nasal por retenção hídrica;
b) Aumento do consumo de oxigênio;
c) Elevação do diafragma (4 cm);
d) Aumento do diâmetro do tórax (2 cm);
e) Mudança do ângulo subcostal;
f) Tórax “em barril”;
g) Aumento do volume corrente;
h) Diminuição do volume expiratório de reserva, volume residual e
capacidade pulmonar residual (20%);
i) Discreto aumento da capacidade pulmonar total.
7.2 ASMA
A asma é uma doença obstrutiva reversível das pequenas vias aéreas,
caracterizada pela hiper-reatividade brônquica secundária a um
processo inflamatório local. Essa resposta inflamatória tem, como
origem, vários estímulos, como os alergênicos (fungos, pólen, pelos,
penas), os físicos (frio), os infecciosos (gripe), os irritantes (fumaça
do cigarro), os medicamentosos (Aspirina®) e os psíquicos.
Trata-se da forma mais comum de doença pulmonar na gestação,
com prevalência de 4 a 8%, com evolução imprevisível, podendo
seguir com melhora (1 terço dos casos), piora (1 terço dos casos) ou
manter-se estável (1 terço dos casos). Sabe-se que a asma grave e
mal controlada antes da gestação tende a evoluir com deterioração
clínica e exacerbações ao longo da gravidez, principalmente entre as
24 e 36 semanas. O padrão de melhora ou piora tende a repetir-se
nas gestações futuras.
A asma é a forma mais comum de doença
pulmonar na gestação.
7.2.1 Diagnóstico
O diagnóstico da asma requer sintomatologia clássica – dispneia,
sibilância e tosse. Entretanto, por vezes se faz necessária uma
complementação diagnóstica com espirometria – teste padrão-ouro
para a avaliação da função pulmonar. Os diagnósticos diferenciais
incluem doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças pulmonares
restritivas, cardiopatias, vasculites (síndrome de Churg-Strauss) e
verminoses (síndrome de Loe er).
7.2.2 Classificação
A asma pode ser classificada de acordo com a sua gravidade (Quadro
7.2) ou com a dinâmica do controle da doença (Quadro 7.3), esta
última a mais usada atualmente, uma mudança sugerida por
diretrizes nacionais e internacionais.
Quadro 7.2 - Classificação da asma de acordo com a gravidade
7.2.3 Tratamento
O primeiro passo no tratamento da asma deve ser o controle dos
fatores desencadeantes das crises de exacerbação. Portanto,
tratamento de rinite e de refluxo gastroesofágico, interrupção do
tabagismo e controle do ambiente são medidas importantes.
A terapia medicamentosa da asma tem como principal objetivo
garantir o adequado controle da doença, posto que a asma mal
controlada pode trazer sérios riscos para a gestante e o feto. Esse
tratamento, o mesmo para as mulheres não grávidas, obedece a
etapas progressivas, aplicáveis segundo o controle ou a gravidade da
doença. Embora a gravidez modifique a farmacocinética e a
farmacodinâmica, a dose e a posologia dos medicamentos não
precisam ser modificadas, e a maioria deles pode ser utilizada sem
restrições na gestação e no pós-parto.
A terapia de manutenção visa reduzir os sintomas, prevenir as
exacerbações, promover o remodelamento brônquico e a melhoria
da qualidade de vida e da função pulmonar. As medicações devem ser
associadas ou retiradas de acordo com a resposta da paciente.
Os corticosteroides inalatórios possuem a ação anti-inflamatória
mais efetiva no tratamento da asma e são os primeiros a serem
introduzidos na terapia de manutenção. Já os beta-2-agonistas de
longa duração inalatórios devem sempre associar-se aos primeiros,
como segunda linha de tratamento. O uso de ciclos curtos de
prednisona (40 a 60 mg/d por 5 a 7 dias) pode ser necessário para
controle dos sintomas em pacientes refratárias às demais medidas.
Entretanto, o uso de corticosteroide sistêmico no primeiro trimestre
correlaciona-se ao risco aumentado de fenda palatina. O
modificador de leucotrieno (montelucaste) é um antagonista do
receptor de leucotrieno, reduzindo a inflamação das vias aéreas e os
sintomas. Existem poucos estudos sobre seu uso na gestação e
somente são administrados nos casos refratários ao tratamento
habitual. Como última opção, para os casos graves e que não
respondem a qualquer uma das terapias apresentadas, pode-se
lançar mão da teofilina de longa liberação e/ou de anticorpo
recombinante anti-IgE (omalizumabe), embora a eficácia e
segurança estejam pouco estabelecidas na gestação.
Quadro 7.4 - Esquema de tratamento de manutenção da asma na gravidez
Quadro 7.5 - Fármacos e posologias habitualmente usados na asma
Nas exacerbações agudas da asma, existe uma piora dos sintomas
respiratórios, com ameaça à vida da paciente. A condução desses
casos se faz no ambiente hospitalar. Nas exacerbações graves ou
quando ocorre resposta parcial à terapêutica inicial, a gestante deve
ser internada.
A terapêutica medicamentosa das crises agudas da doença inclui
suporte de oxigênio; uso de beta-2-agonista de rápida ação
inalatório como terapêutica inicial; corticosteroides sistêmicos nos
casos graves sem melhora após a inalação ou nas pacientes que já os
usavam, sendo que nessa situação devem ser mantidos por 5 a 7 dias.
O sulfato de magnésio pode ser usado na falha da terapêutica inicial
ou se VEF1 < 30%, pela sua ação broncodilatadora, e metilxantinas
(aminofilina) devem ser evitadas pelo risco aumentado de efeitos
colaterais e intoxicação na gestação. São indicações de terapia
intensiva e intubação orotraqueal:
a) Rebaixamento do nível de consciência;
b) PaCO2 > 45 mmHg;
c) Sinais de fadiga respiratória (bradicardia, hipotensão, respiração
paradoxal).
7.2.5 Prognóstico
A asma mal controlada associa-se ao risco aumentado de restrição
de crescimento fetal, prematuridade, pré-eclâmpsia, sofrimento e
óbito fetal. Sabe-se, ainda, que crises de asma no primeiro trimestre
implicam maior risco de malformações fetais inespecíficas,
principalmente musculoesqueléticas e cardíacas.
7.3 TUBERCULOSE PULMONAR
A tuberculose é uma doença infectocontagiosa causada pelo
Mycobacterium tuberculosis, conhecido como bacilo de Koch. A porta
de entrada habitual é a via respiratória, e o pulmão, o local da lesão
primária e o principal órgão afetado (85% dos casos). O contágio se
dá pela inalação de bacilos expelidos em partículas geradas pela
tosse, fala e espirro de doentes com tuberculose ativa na laringe e no
pulmão.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2014 revelam que
1 terço da população mundial está infectada por esse Bacilo Álcool-
Ácido Resistente (BAAR), embora apenas uma proporção dela irá
adoecer. Apenas no ano de 2013, 9 milhões de casos foram
diagnosticados, com 1,5 milhão de mortes, a maioria (95%) em
países em desenvolvimento. O crescimento na incidência da doença
tem nítida relação com a coinfecção com HIV e o aumento de cepas
bacterianas resistentes – provável consequência de tratamento
incorreto ou de seu abandono.
O Brasil está entre os países com os piores índices, contabilizando
aproximadamente 70 mil casos novos e cerca de 4 mil mortes por
ano. A tuberculose também está entre as primeiras causas de morte
por doenças infecciosas entre as mulheres, sendo mais frequente
naquelas em idade fértil. Desta forma, muitas vezes, o pré-natal será
a primeira oportunidade para o seu diagnóstico.
#IMPORTANTE
A tuberculose é uma das principais causas de
morte por doenças infecciosas entre as
mulheres em idade fértil.
8.1 INTRODUÇÃO
Os rins, como todo o organismo materno, sofrem alterações
funcionais e anatômicas, adaptando-se às condições impostas pela
gestação. Em um passado recente, grande parte das mulheres
nefropatas interrompia suas gestações, sob autorização judicial, pelo
risco de morrerem. Entretanto, com o incremento da assistência em
saúde e da terapêutica nas doenças renais crônicas, essas mulheres
vivenciam uma melhora das condições reprodutivas e gestações com
mais sucesso.
Ainda que sejam vistos resultados mais animadores na gestação, é
preciso atenção para os efeitos da nefropatia na gravidez e desta na
doença renal. A maior produção de estrogênio, progesterona,
prostaglandina e aldosterona acarreta maior retenção de sódio e
água na gestante e, assim, uma expansão do volume plasmático no
organismo materno. Esse incremento do volume circulante produz
um aumento do fluxo plasmático nos rins de 20 a 40%, que, somado
ao aumento do interstício e da vascularização renal, elevam a taxa de
filtração glomerular em 30 a 60%. Consequentemente, observam-se
aumento da depuração renal e diminuição da reabsorção tubular de
vários metabólitos, com alterações nos parâmetros da função renal
na gestante. Essas modificações requerem atenção, visto que valores
considerados normais nas mulheres não grávidas podem indicar
nefropatia na gestação.
Ainda que não plenamente estabelecida, estudos mostram uma
diferença no prognóstico da gestação a depender da condição renal
preexistente. Mulheres com insuficiência renal leve – creatinina
sérica de até 1,4 mg/dL e sem hipertensão arterial – apresentam
menos complicações na gravidez e maternas em longo prazo e
maiores taxas de sucesso para o binômio mãe-feto. Em
contrapartida, na insuficiência renal grave – creatinina maior do que
2,8 mg/dL e hipertensão arterial não controlada –, o risco de
morbimortalidade materna e fetal é elevado, geralmente piorando a
evolução da doença. Nesses casos, as mulheres devem ser
desencorajadas a engravidar, reabilitando a função renal com diálise
ou transplante renal antes de considerar a possibilidade de
concepção. No caso de insuficiência renal moderada – creatinina
entre 1,4 e 2,8 mg/dL –, o prognóstico também é considerado
reservado, devendo-se ter cautela com a deterioração renal,
descontrole da hipertensão e resultado perinatal adverso.
Quadro 8.1 - Parâmetros laboratoriais e função renal na gestação
Fogem à regra doenças como nefropatia lúpica, glomerulonefrite
membranoproliferativa, glomeruloesclerose segmentar e focal e
algumas vezes nefropatia por IgA e por refluxo, que podem ser
agravadas com a gestação, mesmo na insuficiência renal leve.
Valores de creatinina sérica considerados
normais em mulheres não grávidas podem
indicar nefropatia nas gestantes.
9.1 INTRODUÇÃO
A descoberta do sistema Rh por Landsteiner e Wiener possibilitou o
entendimento da etiopatogenia da aloimunização e confirmou que a
hidropisia fetal, a icterícia neonatal e a anemia do recém-nascido
eram aspectos de uma mesma doença.
O desenvolvimento da ultrassonografia e o avanço das técnicas
invasivas de punção facilitaram o diagnóstico dessa doença, e o
tratamento da aloimunização Rh se tornou modelo na assistência em
Medicina Fetal. Hoje, após a superação das dificuldades com relação
ao diagnóstico e tratamento, a ênfase é a prevenção da doença. Nos
países desenvolvidos, a incidência de isoimunização Rh é baixa,
enquanto nos países em desenvolvimento a doença ainda é causa de
muitos óbitos fetais e neonatais.
9.2 FISIOPATOLOGIA
A aloimunização é causada pela exposição materna a antígenos
eritrocitários incompatíveis, o que pode acontecer por transfusão de
sangue incompatível ou por hemorragia fetomaterna. Cerca de 98%
dos casos de aloimunização ocorrem em razão das
incompatibilidades ABO e Rh. Os antígenos atípicos, principalmente
Kell, C e, respondem pelos 2% restantes dessa doença fetal.
A sensibilização materna, mediante a produção inicial de IgM, ocorre
após exposição primária aos antígenos eritrocitários desconhecidos.
A IgM não atravessa a barreira placentária por causa de seu grande
peso molecular. Posteriormente, em uma segunda exposição ao
antígeno desconhecido, ocorre a produção de IgG, que ultrapassa a
barreira placentária, adere-se à membrana dos eritrócitos e ativa o
sistema reticuloendotelial fetal, principalmente no baço, onde
ocorrem a hemólise e a fagocitose dessas hemácias do feto. Esse
processo pode ocorrer a partir da décima semana de gestação.
A IgM não atravessa a barreira placentária por
causa de seu grande peso molecular.
Figura 9.2 - Cardiotocografia que mostra padrão sinusoidal característico de feto anêmico
9.4.2 Propedêutica invasiva na avaliação
9.4.2.1 Espectrofotometria no líquido amniótico
9.4.2.2 Cordocentese
A cordocentese possibilita a avaliação direta e precisa do tipo
sanguíneo fetal, bem como dos níveis de hemoglobina e
hematócrito. O risco desse procedimento pode variar de 1 a 2%. Nos
fetos não anêmicos, o critério para repetir a cordocentese e o exame
ultrassonográfico baseia-se nos níveis de hematócrito e reticulócitos
e no Coombs indireto.
A cordocentese não deve ser realizada antes da décima sétima
semana de gestação, pois a hemólise fetal em gestações com
isoimunização Rh começa a ocorrer a partir dessa idade gestacional.
Na maioria dos centros, prefere-se iniciar esse procedimento a
partir da vigésima semana, quando o cordão já está mais espesso, o
que permite um procedimento mais seguro.
Figura 9.5 - Cordocentese
9.5 TERAPÊUTICA FETAL
A cordocentese guiada pela ultrassonografia é o primeiro
procedimento a ser realizado no tratamento fetal. O exame
ultrassonográfico é feito para determinar precisamente o local da
punção, que deve ser realizada na inserção placentária do cordão ou
próximo a ela. Preferencialmente, a transfusão deve acontecer na
veia umbilical.
Durante o procedimento, o fluxo do sangue injetado e os batimentos
cardíacos fetais são monitorizados de forma contínua pela
ultrassonografia. Durante a transfusão, pode decorrer bradicardia
relativa, da expansão do volume sanguíneo fetal. Após a transfusão,
os batimentos cardíacos fetais devem ser monitorizados por um
período de 2 a 4 horas.
Os métodos não invasivos, como a ultrassonografia, a monitorização
dos movimentos fetais, o Doppler e a cardiotocografia auxiliam na
determinação da época de uma nova transfusão.
Uma próxima cordocentese deve ser considerada quando a gestante
refere redução dos movimentos fetais confirmada pelo perfil
biofísico. Ocorrem aumento significativo nos níveis de anticorpos
maternos, sinais ultrassonográficos de anemia fetal, padrão
sinusoidal ou presença de desacelerações à cardiotocografia ou
estado hiperdinâmico ao Doppler fetal, com aumento da velocidade
sanguínea na artéria cerebral média.
#IMPORTANTE
Será realizada transfusão de hemácias Rh
negativa no cordão umbilical se a hemoglobina
fetal estiver abaixo da normalidade para a idade
gestacional. Espera-se atingir hemoglobina
final acima de 15 g/dL.
9.5.1 Outros tratamentos
9.5.1.1 Prometazina
10.1 ABORTO
Costuma-se chamar de aborto o término da gestação antes das
primeiras 20 a 22 semanas, contadas a partir do primeiro dia da
última menstruação. Também são assim chamados os fetos que, ao
nascimento, tenham menos de 500 g de peso, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS).
10.1.1 Incidência
Acredita-se que, do ponto de vista clínico, aproximadamente 15 a
20% das gestações terminem espontaneamente antes da viabilidade
do produto conceptual. Sabe-se, entretanto, que a perda fetal pode
ocorrer algum tempo antes da implantação do blastocisto; alguns
óvulos fertilizados não conseguiriam iniciar a clivagem, e outros, em
processo mais avançado de divisão, não conseguiriam se implantar.
Do mesmo modo, embriões implantados recentemente podem
inviabilizar-se antes de começar o próximo período menstrual,
caracterizando o abortamento de “gravidez oculta”.
10.1.2 Etiologia
Podem-se destacar 2 grupos de abortamento: os espontâneos e os
provocados.
A maior parte dos abortamentos espontâneos (cerca de 80%)
acontece nas primeiras 12 semanas da gestação, e, após esse período,
sua ocorrência diminui rapidamente. As causas envolvidas na
determinação do abortamento podem ser variadas, destacando-se,
entre as ocorridas em fases precoces da gravidez, as anomalias
cromossômicas. O risco de sua ocorrência aumenta com o
crescimento da idade materna.
Quando o abortamento acontece nos períodos mais precoces da
gravidez, independentemente de sua etiologia, não é raro que o
embrião morra antes de sua expulsão ser completa. Esse fato torna
mais difícil a identificação exata do mecanismo etiológico envolvido
na sua ocorrência. A morte do embrião pode ser causada por motivos
ligados à sua própria condição biológica ou ser consequência de uma
doença sistêmica materna.
Entre os abortamentos espontâneos, podem ser relacionados 2
grandes grupos de fatores causais, mencionados a seguir.
10.1.2.1 Fatores fetais
10.2.2 Fisiopatologia
A gestação ectópica primária é aquela em que a nidação se faz e
prossegue em um único sítio do aparelho genital; na secundária, o
ovo se desprende do local de implantação original e se desenvolve
em outro sítio. As principais características das formas de gestação
ectópica são as relacionadas a seguir.
10.2.2.1 Gestação ovariana
10.2.5 Tratamento
O tratamento da gestação ectópica depende, fundamentalmente, do
estado hemodinâmico da paciente, da integridade tubária e do desejo
de procriação. O tratamento pode ser cirúrgico (radical ou
conservador, por laparotomia ou laparoscopia) ou clínico
(expectante ou medicamentoso). Em situações de gestação ectópica
rota, a salpingectomia por laparotomia é o tratamento de escolha.
Havendo desejo reprodutivo em pacientes com gestação ectópica
íntegra, dá-se preferência à via laparoscópica; esse método evita
manipulações excessivas, diminuindo a chance de aderências e
maiores danos aos órgãos pélvicos. Gestações ampulares ou ístmicas
permitem tratamento cirúrgico conservador (salpingotomia,
ressecção parcial e reanastomose).
Inúmeros medicamentos têm sido propostos para o tratamento da
gestação ectópica. O metotrexato (MTX) é a droga mais utilizada no
tratamento medicamentoso da gestação ectópica íntegra. Pode ser
usado pela via intramuscular ou diretamente injetado no saco
gestacional. Os critérios para uso do MTX na gestação ectópica
incluem gestação ectópica íntegra de até 4 cm no maior diâmetro,
estabilidade hemodinâmica, desejo de procriação, beta-HCG sérico <
5.000 mUI/mL e crescente em 2 dosagens consecutivas e líquido
livre restrito à pelve.
A presença de batimentos cardíacos embrionários também
contraindica a administração de MTX. Na impossibilidade de
seguimento ambulatorial posterior adequado, o tratamento é
contraindicado. Alguns serviços preconizam MTX mesmo nos casos
de concentração de beta-HCG > 5.000 mUI/mL (títulos de até 10.000
ou 15.000 mUI/mL). Todavia, deve-se destacar que a literatura é
precisa em mostrar que, quanto maior a concentração desse
hormônio, maior a chance de fracasso terapêutico. São necessários
monitorização dos parâmetros clínicos maternos e controle seriado
de beta-HCG sérico. O hormônio deve ser dosado imediatamente
antes da administração de MTX, no quarto e no sétimo dias após o
tratamento. As pacientes com queda dos títulos de beta-HCG > 15%,
apuradas no quarto e no sétimo dias, apresentam bom prognóstico e
devem ser monitorizadas semanalmente até a negativação dos
títulos. Quando a queda for inferior a 15% no sétimo dia após o
emprego do MTX, deverá ser administrada nova dose da droga. O
critério de insucesso do tratamento baseia-se na persistência de
elevados títulos do hormônio ou na presença de sinais clínicos ou
ultrassonográficos de rotura tubária. Nessa situação, estará indicado
o tratamento cirúrgico.
Administra-se o MTX da seguinte forma:
1. Dia 1: dosagem de beta-HCG + administração de MTX;
2. Dia 4: dosagem de beta-HCG;
3. Dia 7: dosagem de beta-HCG, hemograma completo, enzimas
hepáticas e creatinina.
De acordo com protocolo da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, o tratamento expectante pode ser realizado em casos
de gravidez tubária em regressão (dosagens de beta-HCG menores
que 5.000 UI/mL e em declínio e ausência de batimentos cardíacos
fetais à ultrassonografia), estando a paciente pouco sintomática e
com estabilidade hemodinâmica. Também é necessário o
acompanhamento ambulatorial posterior, até a negativação dos
títulos de beta-HCG. É importante ressaltar que o nível sérico de
beta-HCG limite para a realização de conduta expectante não está
bem definido, de forma que outros protocolos estabelecem
diferentes valores (até 1.000 UI/mL, por exemplo).
A realização de salpingectomia não altera o
futuro reprodutivo da paciente com gestação
tubária desde que a tuba contralateral seja
sadia.
Quadro 10.5 - Indicações e contraindicações do tratamento com metotrexato da gestação
ectópica tubária
10.3 DOENÇA TROFOBLÁSTICA
GESTACIONAL
A mola hidatiforme e o coriocarcinoma são doenças do trofoblasto,
mais especificamente das vilosidades placentárias, que, como todo o
trofoblasto, são de origem ectodérmica. As doenças trofoblásticas
gestacionais são reconhecidas há milênios como uma forma de
gravidez anormal. No entanto, ainda não está estabelecido se as
diferentes formas de apresentação, como a mola hidatiforme e o
coriocarcinoma, representam fases diferentes de uma mesma
doença ou se são entidades distintas. Nos últimos tempos, o
emprego mais adequado da quimioterapia e das demais formas de
tratamento reduziu a mortalidade, mesmo das formas metastáticas,
a níveis muito baixos. O coriocarcinoma foi, aliás, a primeira
neoplasia a ser curada pela quimioterapia, mesmo na sua forma
metastática.
10.3.1 Classificação e fisiopatologia
Os casos de doença trofoblástica podem ser divididos em diversas
categorias:
a) Mola hidatiforme, que pode ser completa ou parcial (doença
benigna);
b) Mola invasora;
c) Coriocarcinoma;
d) Tumor trofoblástico epitelioide;
e) Reação excessiva do sítio placentário;
f) Nódulo do sítio placentário;
g) Tumor de leito placentário (doenças malignas).
10.3.2 Citogenética
Uma mola completa é o produto de uma concepção na qual todo o
DNA nuclear é de origem paterna e todo o DNA citoplasmático é de
origem materna, ou seja, todos os cromossomos provêm do pai,
enquanto o DNA das mitocôndrias vem da mãe. Cerca de 90% de
todas as molas completas têm um cariótipo 46,XX, o qual provém da
fertilização de um óvulo por um espermatozoide que duplica seus
cromossomos X, enquanto os maternos são inativados ou já estavam
ausentes (Figura 10.11). Cerca de 6 a 10% das molas completas são
46,XY, e, nesse caso, há, aparentemente, a fertilização de um óvulo
vazio por 2 espermatozoides.
Figura 10.11 - Fecundação partenogenética: mola completa
Por outro lado, cerca de 90% das molas parciais têm cariótipo
triploide (69,XXX), resultado da fertilização de um óvulo normal por
2 espermatozoides. As demais molas parciais têm cariótipo 69,XXY
ou 69,XYY (Figura 10.12).
Figura 10.12 - Fecundação dispérmica: mola incompleta (parcial)
11.1 INTRODUÇÃO
As síndromes hemorrágicas da segunda metade da gestação
constituem diagnósticos frequentes em Obstetrícia. São uma das
principais causas de internação de gestantes no período anteparto,
com importante aumento da morbimortalidade materna e perinatal,
assim como de cesáreas. A morbimortalidade perinatal está
relacionada aos altos índices de prematuridade associados a esses
casos.
Várias são as possíveis causas de sangramento. Entre as obstétricas,
as mais importantes são o Descolamento Prematuro de Placenta
(DPP) e a Placenta Prévia (PP), que correspondem a até 50% dos
diagnósticos. Entre as causas não obstétricas, podem ocorrer
sangramento proveniente do colo de útero durante o trabalho de
parto, cervicites, pólipo endocervical, câncer do colo uterino e
trauma vaginal. Os prognósticos materno e fetal vão depender do
diagnóstico correto da causa de sangramento e da conduta adequada
com base nesse diagnóstico.
11.2 DESCOLAMENTO PREMATURO DE
PLACENTA
11.2.1 Conceito
Define-se DPP como a separação abrupta da placenta normalmente
inserida em gestação acima de 20 semanas e antes da expulsão do
feto. Quando a placenta está inserida no segmento inferior do útero
(PP), também se observa hemorragia genital, porém com
abordagens clínica e obstétrica diferenciadas (essa situação não é
chamada de DPP).
11.2.2 Incidência
Não há uniformidade na literatura médica internacional no que diz
respeito à incidência de DPP, uma vez que este varia em razão de
inúmeras causas. De maneira geral, o DPP ocorre em 0,2 a 1% das
gestações que ultrapassam a vigésima semana e representa mais de
30% das hemorragias do terceiro trimestre de gestação. Na Clínica
Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP), a incidência é de 0,6% e, no Hospital São Paulo da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), da ordem de 1:130
partos. Em aproximadamente 50% dos casos, o DPP ocorre no
período anteparto e, em 40% das vezes, no período de dilatação. Em
apenas 10% dos casos, foi observada essa intercorrência no período
expulsivo do parto.
11.2.3 Etiologia
As causas do DPP podem ser divididas em 2 grupos: traumáticas e
não traumáticas.
Os fatores traumáticos, embora raramente estejam associados ao
DPP (cerca de 1% dos casos), podem decorrer de manobras e
procedimentos obstétricos (versão externa, por exemplo) ou de
pressão exercida diretamente sobre o útero, como verificado em
acidentes automobilísticos, ou, ainda, de agressão física.
Sem dúvida, as causas não traumáticas são as maiores responsáveis
pelo DPP. As síndromes hipertensivas (hipertensão arterial crônica e
doença hipertensiva específica da gestação) representam o fator
etiológico mais importante, presentes em até 75% das vezes.
As causas não traumáticas são as principais
motivadoras de DPP, especialmente as
síndromes hipertensivas.
1. Fatores de risco:
a) Hipertensão;
b) Amniorrexis prematura;
c) Trombofilias hereditárias;
d) Uso de cocaína;
e) Trauma;
f) Tabagismo;
g) DPP em gestação anterior;
h) Multiparidade;
i) Gestação múltipla;
j) Rápida descompressão uterina;
k) Leiomioma uterino;
l) Anomalias uterinas ou placentárias.
11.2.4 Fisiopatologia
A hemorragia decidual inicia o DPP; um hematoma retroplacentário
começa a se formar e cria uma erosão na superfície placentária. Tal
processo aumenta a área de descolamento, provocando maior
extravasamento sanguíneo e aumentando o volume do coágulo,
fechando o círculo vicioso que caracteriza a progressão e a
irreversibilidade do DPP. Quanto maior a área placentária descolada,
maior a mortalidade fetal.
A hemorragia vaginal ocorre quando o sangue separa o espaço entre
as membranas e a decídua. Em alguns casos (20%), ocorre a
formação de coágulo restrito ao espaço retroplacentário, sem
sangramento vaginal.
A hipertonia uterina acontece pela ação irritativa ocasionada pelo
contato do sangue com a fibra muscular uterina. Com a evolução do
processo, pode-se observar intensa infiltração sanguínea no
miométrio, que passa a apresentar desorganização de sua
arquitetura histológica e necrose isquêmica. Macroscopicamente, o
útero apresenta-se edemaciado, arroxeado e com sufusões
hemorrágicas (útero de Couvelaire – Figura 11.1). O útero torna-se
hipotônico, com predisposição a maiores perdas sanguíneas.
Figura 11.1 - Útero de Couvelaire
Fonte: adaptado de Útero de Couvelaire: relato de caso, 2014.
11.2.5 Diagnóstico
O diagnóstico é basicamente clínico e pode ser auxiliado pela
ultrassonografia em pequena parte dos casos. Em algumas ocasiões,
é retrospectivo, feito após o parto, quando se observa o coágulo
retroplacentário. O descolamento da placenta pode ser parcial ou
total e é classificado em 3 graus, levando em conta os achados
clínicos e laboratoriais, de acordo com a classificação de Sher:
1. Grau 1: sangramento genital discreto sem hipertonia uterina
significativa; vitalidade fetal preservada; sem repercussões
hemodinâmicas e coagulopatia; geralmente diagnosticado no pós-parto
com identificação do coágulo retroplacentário;
2. Grau 2: sangramento genital moderado e contrações tetânicas;
presença de taquicardia materna e alterações posturais da pressão
arterial; alterações iniciais da coagulação com queda dos níveis de
fibrinogênio; batimentos cardíacos fetais presentes, porém com sinais
de comprometimento de vitalidade;
3. Grau 3: sangramento genital importante com hipertonia uterina;
hipotensão arterial materna e óbito fetal:
a) Grau 3A: sem coagulopatia instalada;
b) Grau 3B: com coagulopatia instalada.
11.2.6 Conduta
O tratamento dependerá do grau do descolamento (1, 2 ou 3 –
classificação de Sher), que se reflete no estado hemodinâmico
materno e na vitalidade fetal.
No grau 1, o diagnóstico geralmente é feito no pós-parto, portanto
sem repercussões maternas ou fetais. No grau 2, o parto vaginal é
possível se iminente, desde que a vitalidade fetal esteja preservada e
não haja comprometimento hemodinâmico materno. O trabalho de
parto deve estar em progresso avançado. A amniotomia deve ser
realizada assim que possível, pois reduzirá a pressão intrauterina
com a saída do líquido amniótico, diminuindo tanto o sangramento
do leito placentário quanto a passagem para a circulação materna de
tromboplastina. Deve ser monitorizado o estado hemodinâmico
materno, com manutenção adequada de reposição volêmica e de
sangue, se necessário. O débito urinário deve ser monitorizado e
mantido em 30 mL/h, e o hematócrito, mantido acima de 30%. Se a
evolução do trabalho de parto não for rápida e favorável, e se houver
instabilidade materna ou sofrimento fetal, a cesárea deverá ser
realizada imediatamente.
Em caso de feto morto (grau 3), o parto vaginal é aconselhável.
Devem-se adotar os mesmos cuidados de monitorização materna do
ponto de vista hemodinâmico e do estado de coagulação. Apesar da
hipertonia uterina, em alguns casos de DPP maciço o útero pode se
tornar hipotônico, sendo necessário o uso de ocitocina. Realizada a
cesárea, onde houver possibilidade, deverão ser feitas transfusão de
concentrado de hemácias e reposição de plaquetas e plasma fresco
congelado.
O esvaziamento da cavidade uterina, com a maior brevidade
possível, tem base em 2 princípios: prevenção da coagulopatia e da
perda sanguínea em grande quantidade e proteção do concepto,
comumente em sofrimento agudo.
É importante salientar a necessidade do controle clínico materno.
Devem ser colhidos os seguintes exames: hemograma completo,
coagulograma, contagem de plaquetas, dosagem de fibrinogênio e
dosagem dos produtos de degradação do fibrinogênio.
Histerectomia é medida de exceção, apenas justificada nos casos de
atonia uterina que não respondem aos métodos usualmente
empregados: massagem, infusão intravenosa de ocitocina,
administração de derivados do ergot e manutenção de diurese
satisfatória. A diurese elimina os produtos de degradação do
fibrinogênio e da fibrina, um dos responsáveis pela hipotonia
uterina.
A paciente deve ser rigorosamente observada no puerpério imediato,
com atenção especial à possibilidade de distúrbios de coagulação.
Figura 11.5 - Tipos de descolamento prematuro de placenta
11.3.3 Etiologia
A etiologia pode ser dividida em primitiva ou secundária.
A etiologia primitiva pode ser decorrente da imaturidade do ovo ou
de condições inapropriadas do terreno. Na imaturidade, o ovo atinge
a cavidade uterina sem desenvolver totalmente o seu potencial de
implantação; alterações inflamatórias, infecciosas ou atróficas
podem alterar a decídua, gerando leito placentário impróprio para a
nidação.
Secundariamente, pode ocorrer implantação placentária no
segmento inferior, por crescimento placentário inusitado em termos
de superfície; nessa situação, ocorre inversão das vilosidades coriais,
com involução e regressão das vilosidades contíguas da decídua
basal e crescimento das vilosidades do lado da decídua reflexa.
1. Fatores predisponentes:
a) Idade materna avançada;
b) Cesárea em gestação anterior;
c) Multiparidade;
d) Outras cicatrizes uterinas (miomectomia);
e) Curetagens uterinas de repetição;
f) Endometrite;
g) Miomatose uterina;
h) Gemelaridade;
i) Antecedente de inserção baixa de placenta;
j) Tabagismo.
11.3.5 Diagnóstico
A sintomatologia é bastante sugestiva: sangramento genital indolor
após a vigésima semana de gestação, algumas vezes volumoso,
frequentemente sem repercussão fetal. A hipótese diagnóstica será
mais consistente se for observada apresentação anômala e/ou
persistentemente alta imóvel.
Ao exame físico, a ausculta fetal revela feto em boas condições. O
exame especular é tempo obrigatório, revelando a origem do
sangramento; o toque vaginal, para o diagnóstico ou a confirmação
de PP, pode causar intensa hemorragia; deve ser feito com cuidado e
em ambiente onde possa ser praticada intervenção de emergência.
O exame subsidiário mais importante para o diagnóstico de PP é a
ultrassonografia obstétrica, que mostra placenta com implantação
segmentar e a sua relação com o orifício interno do colo. A
ressonância magnética, embora seja muito precisa, é pouco utilizada
em razão do alto custo.
11.3.6 Diagnóstico diferencial
a) DPP;
b) Rotura uterina;
c) Rotura de Vasa Prévia (VP);
d) Rotura do seio marginal;
e) Lesões cervicais: tumorações, inflamações, pólipos;
f) Lesões na vagina ou vulva.
11.3.7 Conduta
Em gestações abaixo de 37 semanas, deve-se internar a gestante
sintomática na tentativa de controlar o sangramento. Nesse período,
deve ser feito controle dos sinais vitais maternos e da vitalidade
fetal. É importante a corticoterapia visando ao amadurecimento
pulmonar fetal em gestações com idade gestacional entre 26 e 34
semanas. A gestação deverá ser interrompida quando atingir o termo
ou na impossibilidade de controle da hemorragia materna.
Em gestações a termo, a maioria dos casos de PP deve ser resolvida
por cesárea. Quando a PP for completa, o parto deverá ser
obrigatoriamente cesárea, inclusive nos casos de feto morto.
Deve-se ter cuidado especial quando a placenta tem inserção na
parede anterior do útero. Em alguns casos selecionados de placenta
lateral ou marginal, pode-se permitir o parto vaginal, desde que se
faça um controle rigoroso do sangramento genital e da rotura
precoce das membranas ovulares.
Devido à deficiência do miotamponamento do segmento inferior,
pode ocorrer sangramento após a dequitação. Orienta-se usar
ocitócicos e tamponamento local com compressas cirúrgicas; a
ligadura das artérias hipogástricas, sua embolização ou até mesmo
histerectomia são medidas de exceção. De todo modo, é prudente a
programação cirúrgica prévia, com reserva de hemocomponentes e
realização do procedimento por equipe treinada, composta por
obstetras experientes.
Caso a placenta se apresente anormalmente inserida, não se
desprendendo com a dequitação espontânea, será importante fazer
uma avaliação rápida do tipo de acretismo placentário. Na mesma
placenta, pode haver vários tipos de penetração no miométrio. Se a
placenta apresentar grande área de incretismo ou percretismo, a
extração manual poderá apenas fragmentar a placenta, aumentando
a área de sangramento.
Quadro 11.2 - Classificação dos graus de acretismo placentário
12.1 INTRODUÇÃO
A gestação múltipla é definida como aquela proveniente de 1 ou mais
ciclos ovulatórios e resulta no desenvolvimento de mais de 1 embrião
ou na sua divisão, independentemente do número final de recém-
nascidos. Observa-se aumento em sua frequência durante as 2
últimas décadas. Em gestações como essa, há aumento de cerca de 5
a 6 vezes da mortalidade neonatal quando comparadas com
gestações únicas, respondendo por cerca de 10 a 15% da mortalidade
perinatal.
12.2 INCIDÊNCIA E EPIDEMIOLOGIA
A incidência é de 7:1.000 nascimentos no Japão, 10:1.000 na Europa e
na América do Norte e de 40:1.000 em alguns países da África.
Alguns fatores demográficos interferem na frequência de gestações
dizigóticas, cuja ocorrência é mais comum quando há história
familiar materna e aumento da idade materna e da paridade. No
entanto, o uso cada vez mais frequente de medicações para a indução
da ovulação e a transferência de múltiplos embriões por ciclo de
reprodução assistida são os principais responsáveis pelo aumento
acentuado observado ao longo das últimas décadas.
Quadro 12.1 - Principais fatores de risco
Figura 12.3 - Sinais ultrassonográficos que definem o tipo de corionicidade – sinal do “T”
para placentação monocoriônica
Nas gestações monocoriônicas, a partir da sexta semana, pode-se
identificar mais de 1 embrião no interior do mesmo saco gestacional
(Figura 12.4), e o âmnio se torna visível a partir da oitava semana. No
final do primeiro trimestre, há a fusão das membranas amnióticas
adjacentes, originando um septo fino entre as 2 cavidades
amnióticas, que se insere de maneira abrupta na placenta, formando
o sinal do “T”, indicativo de gestações monocoriônicas.
Durante o segundo trimestre da gestação, a avaliação da
corionicidade torna-se mais difícil. São características das gestações
dicoriônicas a persistência do sinal do lambda, a identificação de
fetos com sexos discordantes e/ou a presença de placentas inseridas
em locais diferentes da cavidade uterina.
A avaliação da corionicidade por meio de exames invasivos pode ser
realizada excepcionalmente, nos casos avançados e com fetos do
mesmo sexo, em que a determinação é fundamental para a condução
do caso.
Na ultrassonografia, a gestação gemelar
dicoriônica apresenta o sinal do lambda,
enquanto a gestação gemelar monocoriônica
apresenta o sinal do “T”.
13.1 INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde define prematuridade como todo
recém-nascido vivo com menos de 37 semanas completas de
gestação, contadas a partir do primeiro dia do último período
menstrual. O recém-nascido prematuro pode ser classificado em:
a) Prematuro extremo, quando nascido antes de 28 semanas de
gestação;
b) Prematuro grave, quando nascido entre 28 e 32 semanas de idade
gestacional;
c) Prematuro moderado, quando nascido entre 32 e 37 semanas de
idade gestacional.
Figura 13.2 - Medida do colo uterino por ultrassonografia transvaginal – colo curto e com
afunilamento e alto risco de prematuridade
13.3.1.3 Uso de marcadores bioquímicos
13.4.3.1 Uterolíticos
Figura 13.6 - Recomendações para o uso de sulfato de magnésio para neuroproteção fetal
às mulheres com parto prematuro iminente
Fonte: elaborado pelo autor.
13.4.4 Estágio IV
13.4.4.1 Assistência ao parto prematuro
14.1 INTRODUÇÃO
Conceitua-se Restrição do Crescimento Fetal (RCF) como a limitação
patológica de um feto em atingir o seu potencial de crescimento,
devido a vários fatores. O crescimento fetal depende de elementos
genéticos, placentários, nutricionais, hormonais e outros ainda
pouco conhecidos. A gravidez pode ser acometida por diversas
condições que prejudicam o crescimento fetal, aumentando a
incidência de complicações perinatais. A RCF, também denominada
crescimento intrauterino restrito, é a segunda principal causa de
morbidade e mortalidade perinatal, superada apenas pela
prematuridade.
14.2 CRESCIMENTO FETAL NORMAL
Após a embriogênese, que se estende até a oitava semana depois da
fecundação, inicia-se a fase de crescimento fetal. Trata-se de um
período de crescimento importante do concepto, cujas dimensões
corpóreas passam dos valores iniciais de 3,5 cm e 2 g para 50 cm e
3.000 g no termo da gestação.
O aumento das medidas corpóreas depende de 3 estágios de
crescimento em nível celular: um período quando o crescimento
decorre da multiplicação celular (hiperplasia), até 16 semanas de
gestação; outro em que há hiperplasia e aumento de tamanho das
células (hipertrofia); o terceiro, a partir da trigésima segunda
semana de gestação, quando só ocorre a hipertrofia. A duração
desses estágios pode variar em relação ao tipo de tecido.
A sequência de eventos que culminam com o crescimento dos tecidos
e órgãos depende das informações genéticas contidas nas células, de
fatores de crescimento, do aporte de substratos essenciais para o
metabolismo energético e de influências hormonais. Do equilíbrio
desses fatores resulta o crescimento adequado.
14.2.1 Fatores de crescimento
Sabe-se que determinados fatores de crescimento insulina-like –
Insulin-like Growth Factors (IGF-I e IGF-II) – e suas proteínas
carregadoras – Insulin-like Growth Factor Binding Proteins (IGFBP-1 a
8) – têm um papel importante, mas ainda não totalmente
esclarecido no crescimento fetal. Esses fatores estão amplamente
expressos nos tecidos em desenvolvimento e, portanto, promovem a
diferenciação celular e a síntese proteica.
14.2.2 Nutrição fetal
A transferência materna de nutrientes é fundamental para o
crescimento fetal (daí a influência do estado nutricional materno). A
glicose é o principal nutriente para a obtenção de energia necessária
ao crescimento. Seu transporte é efetuado por difusão facilitada e,
portanto, depende da concentração materna dessa substância e da
perfusão uteroplacentária. Com relação às proteínas, pode-se dizer
que a oferta inadequada pode causar danos irreversíveis ao
crescimento, principalmente nas fases de hiperplasia. Os ácidos
graxos essenciais são importantes não só como elementos
fundamentais para o arcabouço celular cerebral e vascular, mas
também para a formação placentária adequada e a síntese de
prostaglandinas vasodilatadoras. A desnutrição intraútero leva à
carência tanto de nutrientes essenciais quanto de alguns específicos,
entre os quais o ácido fólico, cuja falta se associa a malformações
fetais.
14.2.3 Influências hormonais
A insulina é o hormônio que mais parece influenciar o crescimento
fetal. Uma passagem transplacentária maior de glicose que produza
hiperglicemia fetal mantida leva ao aumento da secreção de insulina.
A insulina promove o crescimento, estimulando a captação celular
de aminoácidos e, subsequentemente, a síntese de proteínas.
Aumenta, também, o depósito de glicogênio e lipídios nos tecidos de
armazenagem, como fígado, músculo e tecido adiposo. Por outro
lado, a ausência congênita de pâncreas está associada à RCF.
O hormônio de crescimento (GH), apesar de ter algumas ações sobre
o metabolismo fetal de hidratos de carbono, não afeta o crescimento
somático.
O hormônio lactogênio placentário (HPL), de estrutura semelhante à
do GH e secretado pelo sinciciotrofoblasto, parece influenciar o
crescimento fetal. Estudos in vitro indicam que o HPL, embora em
concentrações pequenas no feto, influencia o metabolismo fetal
apresentando sinergismo à insulina, especialmente na síntese de
glicogênio hepático.
14.3 CURVAS DE CRESCIMENTO FETAL
Considera-se crescimento fetal adequado quando o peso para
determinada Idade Gestacional (IG) se situa entre os percentis 10 e
90.
Quadro 14.1 - Períodos da velocidade do ganho de peso fetal
14.4 DEFINIÇÃO
O Recém-Nascido (RN) com menos de 2.500 g é denominado de
baixo peso e pode ou não ser prematuro, a depender da IG.
Em virtude dos inúmeros fatores
epidemiológicos que podem influenciar o peso
fetal, a Organização Mundial da Saúde
recomenda que cada população tenha a sua
própria curva de crescimento fetal.
14.5 INCIDÊNCIA
A incidência de RCF varia com a população estudada, os fatores de
risco envolvidos, os critérios utilizados para o cálculo da IG e a
curva-padrão utilizada. Com tantas dificuldades, é de supor que a
incidência exata de RCF permaneça desconhecida. No Brasil, essa
prevalência, em diversas casuísticas, varia entre 6,8 e 15% dos
nascimentos.
14.6 MORBIDADE E MORTALIDADE
A morbidade perinatal é cerca de 5 vezes maior nos RNs que tiveram
RCF do que naqueles que nascem com peso Adequado para a Idade
Gestacional (AIG), em consequência da maior frequência de hipóxia,
aspiração de mecônio, hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia,
hipotermia, hemorragia pulmonar e prejuízo no desenvolvimento
neuropsicomotor.
A hipoglicemia neonatal presente nesses casos relaciona-se à
redução dos estoques de glicogênio hepático e do miocárdio,
decréscimo da gliconeogênese hepática e redução do tecido adiposo.
A hipocalcemia decorre em função da prematuridade e da ocorrência
de hipóxia.
A hipotermia, quando presente, decorre da perda excessiva de calor,
por escassez de tecido subcutâneo. A policitemia é consequente à
elevação da eritropoetina fetal decorrente da hipóxia crônica
intraútero; a hiperviscosidade sanguínea pode originar outras
complicações, como insuficiência cardíaca, trombose cerebral e
insuficiência respiratória.
Com relação ao prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor, os
estudos mostram que, quando o tecido cerebral é agredido antes de
34 semanas, surgem problemas de adaptação, irritação e
concentração. Entretanto, quando a agressão é muito precoce, ou
seja, antes de 26 semanas, os distúrbios são mais graves, com
comprometimento do aprendizado, da fala e da escrita. A evolução
desses casos ao longo da infância sofre forte influência da classe
social a que pertencem os pais. A mortalidade perinatal é cerca de 8
vezes maior do que nos RNs AIG.
Além das repercussões no período perinatal, a RCF pode repercutir
na vida adulta. Estudos epidemiológicos recentes demonstram
associação de crescimento fetal reduzido e presença de fatores de
risco cardiovasculares na vida adulta, como hipertensão arterial,
níveis séricos elevados de triglicérides e baixas concentrações
séricas de HDL, além de insulinorresistência.
14.7 CLASSIFICAÇÃO
O comprometimento fetal e o seu prognóstico dependem do agente
agressor, da fase comprometida da gestação e da duração do
estímulo prejudicial. Segundo essa classificação, a RCF pode ser
dividida em 3 tipos clínicos, relatados a seguir.
14.7.1 Tipo I (simétrico)
O agente agressor atua precocemente na gravidez, ou seja, durante a
embriogênese. Há prejuízo do processo de multiplicação celular
(hiperplasia), originando RNs com redução proporcionada das
medidas corpóreas (peso, estatura e perímetro cefálico abaixo do
percentil 10). Os fatores mais frequentemente envolvidos são os
genéticos, as infecções congênitas, drogas e radiações ionizantes.
Correspondem a aproximadamente 20 a 30% dos casos de RCF e
apresentam prognóstico geralmente ruim, já que mostram
incidência elevada de malformações fetais.
14.7.2 Tipo II (assimétrico)
O agente agressor atua sobre o feto no terceiro trimestre da
gestação, isto é, na fase correspondente ao aumento do tamanho das
células (hipertrofia), e origina RNs com redução desproporcionada
das medidas corpóreas.
O polo cefálico e os ossos longos são pouco atingidos, permanecendo
acima do percentil 10. O abdome é a estrutura mais comprometida. É
típico das insuficiências placentárias, mas pode decorrer de fatores
fetais, além de ser o tipo mais frequente, presente em cerca de 75%
dos casos, e, em geral, de apresentar bom prognóstico, desde que
seja diagnosticado precocemente.
RCF assimétrica é o tipo mais comum.
O fator agressor incide no terceiro trimestre da
gestação e ocasiona redução desproporcionada
das medidas corpóreas.
14.8 ETIOLOGIA
Diversos são os fatores que podem estar envolvidos na gênese da
RCF. Esses agentes podem ter origem exclusivamente fetal, materna
ou placentária. Outras vezes, há a associação entre diversos fatores.
Em cerca de 40% dos casos de RCF, a etiologia é desconhecida.
14.8.1 Causas fetais
Inúmeras são as alterações genéticas acompanhadas por RCF. Entre
as principais, destacam-se as cromossomopatias, principalmente as
trissomias autossômicas (21, 18 e 13). Entre as demais alterações
cromossômicas, destacam-se as triploidias, a síndrome de Turner
(45,X) e os mosaicismos. Outras alterações genéticas, como defeitos
do tubo neural, acondroplasia, condodistrofias e osteogênese
imperfeita, também podem estar associadas à RCF.
Embora as alterações genéticas estejam mais frequentemente
associadas ao tipo I de RCF, a presença de RCF do tipo assimétrico
precoce também merece investigação do ponto de vista genético.
Muitas malformações congênitas se associam à RCF; em
aproximadamente 10% dos casos de RCF, há anormalidade
congênita associada.
Em geral, quanto mais grave a malformação, maior o
comprometimento fetal. O espectro de malformações relacionadas à
RCF é amplo e inclui as dos sistemas cardiovascular, nervoso,
geniturinário, digestivo e musculoesquelético.
14.8.2 Causas maternas
14.8.2.1 Infecções
14.9.3 Ultrassonografia
Aproximadamente 50% dos casos de RCF não são detectados
clinicamente. Esse fato estimulou o aperfeiçoamento das medidas de
diversos parâmetros ultrassonográficos do crescimento fetal,
visando ao diagnóstico mais preciso e mais precoce. Na avaliação do
crescimento fetal, diversos parâmetros permitem a detecção e a
classificação do RCF. São importantes as medidas do diâmetro
biparietal, a Circunferência Cefálica (CC), a Circunferência
Abdominal (CA), a relação CC-CA, o comprimento do Fêmur (F), a
relação F-CA e a estimativa de peso fetal.
Para adequado acompanhamento clínico e ultrassonográfico, é
fundamental o conhecimento exato da IG, o que poderá acontecer
com segurança se o exame for realizado no primeiro trimestre, de
preferência entre a nona e a décima segunda semanas, período em
que a margem de erro é menor, de, aproximadamente, 3 a 5 dias. A
medida do diâmetro biparietal é mais acurada entre a vigésima e a
trigésima semanas, com erro de, no máximo, 1,5 semana. De modo
geral, a medida isolada é um método impreciso para o diagnóstico
precoce da maioria dos casos de RCF, já que a cabeça fetal é a última
estrutura a ser comprometida na insuficiência placentária. No
rastreamento da RCF pela USG, o parâmetro mais adequado para
essa finalidade é a circunferência abdominal.
A medida do volume de líquido amniótico tem grande valor no
diagnóstico da RCF, acompanhado ou não de malformações
congênitas. É realizada a avaliação da quantidade de líquido por meio
do Índice de Líquido Amniótico (ILA), sendo considerado oligoâmnio
quando inferior a 5 cm.
O valor da aceleração da maturidade placentária no diagnóstico da
RCF é discutível, e esse achado deve ser valorizado apenas diante de
outros parâmetros alterados à USG.
Figura 14.3 - Peso fetal estimado pela ultrassonografia em função da idade gestacional
14.10 CONDUTA ASSISTENCIAL
Não há, até o momento, nenhum tratamento efetivo que interrompa
o processo da RCF totalmente. Cabe ao obstetra fazer propedêutica
complementar, na tentativa de esclarecer a etiologia (que pode ser
encontrada em, aproximadamente, 60% dos casos), bem como
avaliar a vitalidade e a maturidade fetal para definir o momento ideal
para o parto.
Na presença de RCF, deve ser realizada avaliação ultrassonográfica
minuciosa, visando ao estudo morfológico fetal, uma vez que o risco
de malformações é maior nesses casos.
14.10.1 Segundo trimestre da gestação
Na presença de malformações fetais e na RCF que se instala antes da
vigésima oitava semana, indica-se a ecocardiografia fetal, com o
intuito de diagnosticar, com precisão, possíveis malformações
cardiovasculares.
A cordocentese é outro procedimento possível em casos de RCF de
instalação precoce e de causa desconhecida. Esse procedimento
permite a detecção de anomalia cromossômica ou infecção
congênita.
Em situações com etiologia definida, o tratamento deve ser
específico.
A gestante deve ser orientada a parar de fumar se for tabagista e
iniciar dieta adequada (> 2.500 calorias) se estiver desnutrida.
São evidentes as dificuldades de abordagem clínica diante da RCF
que se estabelece precocemente. O mais importante é o
acompanhamento da gestação até a viabilidade fetal (28 semanas),
além da programação do parto quando houver maturidade pulmonar
ou diante de comprometimento da vitalidade do feto.
14.10.2 Terceiro trimestre da gestação
No terceiro trimestre, deve-se estar sempre atento à vitalidade fetal.
As causas mais comumente relacionadas à RCF no último trimestre
estão associadas a insuficiência placentária, porém malformações
fetais devem ser investigadas.
A cardiotocografia anteparto constitui um indicador importante da
avaliação do bem-estar fetal e deve ser realizada a cada 3 dias e, nos
casos mais graves, diariamente. Complementa-se a propedêutica
fetal com o Perfil Biofísico Fetal (PBF). Na presença de sofrimento
fetal (quando mais de 2 parâmetros do exame estão alterados), está
indicada a interrupção da gestação, independentemente da presença
de maturidade pulmonar do feto.
O Doppler também é usado para o acompanhamento da vitalidade
fetal e como método de prognóstico da RCF. Trata-se de um método
não invasivo e qualitativo, em que se avalia a velocidade do fluxo
sanguíneo para o útero e para a circulação fetoplacentária.
A avaliação da maturidade pulmonar fetal constitui etapa
importante da propedêutica obstétrica. Diante de condições que
prejudicam o crescimento fetal, a interrupção da gravidez na
presença de maturidade fetal é a melhor maneira de favorecer o
prognóstico perinatal. Cabe ao obstetra selecionar o momento ideal
para o término da gravidez. Na maioria dos fetos com RCF
decorrente de insuficiência placentária, ocorre a aceleração da
maturidade pulmonar, fenômeno secundário ao estresse da hipóxia
crônica.
Quando o peso fetal estimado pela USG estiver entre os percentis 3 e
10 e o ILA normal, o Doppler deverá ser empregado. Se o Doppler de
artéria umbilical estiver normal, a gestação poderá ser acompanhada
até a trigésima sétima semana, desde que haja acompanhamento
cuidadoso da vitalidade fetal com o PBF. Diante de grave alteração de
fluxo sanguíneo na artéria umbilical (diástole zero ou reversa),
estará indicada a pesquisa diária do Doppler do ducto venoso (Figura
14.4).
Figura 14.4 - Doppler na restrição do crescimento fetal a partir da vigésima oitava semana
de gestação
Legenda: Índice de Pulsatilidade para Veias (IPV); Peso Fetal (PF).
Fonte: elaborado pelo autor.
15.1 INTRODUÇÃO
Amniorrexis Prematura (AP) diz respeito à rotura das membranas
ovulares antes do início do trabalho de parto, independentemente da
idade gestacional. Quando a rotura ocorre antes da trigésima sétima
semana de gestação, é chamada Amniorrexis Prematura Pré-Termo
(APPT). As membranas ovulares e o Líquido Amniótico (LA)
desempenham importantes funções, como a proteção, o crescimento
e o desenvolvimento do feto.
A deglutição e a micção fetais permitem o equilíbrio do LA e o
desenvolvimento dos sistemas digestivo e urinário. O LA promove
aumento da pressão luminar na árvore pulmonar durante os
movimentos torácicos fetais, permitindo o desenvolvimento
pulmonar; a movimentação fetal dentro da cavidade amniótica
possibilita o desenvolvimento muscular e o crescimento do produto
conceptual. O LA também protege o feto de traumas externos, assim
como o cordão umbilical de compressões durante a movimentação
fetal ou as contrações uterinas, contendo fatores imunológicos que
atuam contra a sua contaminação e infecção fetal. A quebra da
integridade das membranas pode interferir em todos esses
processos fisiológicos.
O intervalo entre a rotura das membranas e o início do trabalho de
parto é denominado intervalo de latência. A duração do período de
latência tem relação direta com risco de infecção e relação indireta
com a idade gestacional; quanto menor a idade gestacional, maior o
período de latência observado.
1. Funções do líquido amniótico:
a) Determinar o aumento da pressão luminar na árvore
traqueobrônquica durante os movimentos respiratórios fetais;
b) Facilitar a livre flutuação do cordão umbilical;
c) Facilitar a movimentação fetal;
d) Favorecer o desenvolvimento dos sistemas urinário e gastrintestinal;
e) Favorecer o desenvolvimento muscular e o crescimento fetal;
f) Favorecer o desenvolvimento pulmonar;
g) Proteger contra potenciais contaminações e infecções fetais;
h) Proteger o feto de traumas externos e de compressões funiculares
durante a movimentação fetal e as contrações uterinas.
15.2 INCIDÊNCIA
A incidência de AP varia de acordo com as características
populacionais, o método de diagnóstico, o intervalo de latência
exigido para o diagnóstico e a idade gestacional considerada.
De modo geral, quando considerados qualquer idade gestacional e
qualquer intervalo de latência, sua incidência é de aproximadamente
3% das gestações para todos os partos e em 30% para os prematuros.
Quando a AP ocorre no termo, 90% das pacientes evoluem para
trabalho de parto em 24 horas. Quando a rotura acontece no período
pré-termo, a evolução para trabalho de parto ocorre em até 7 dias
em 90% dos casos.
15.3 ETIOLOGIA
Vários fatores têm sido relacionados com a gênese da AP, apesar de
nenhum deles, por si só, ter um papel dominante na sua etiologia.
Embora sejam conhecidos os vários fatores de risco, a incidência
continua elevada.
As membranas amnióticas apresentam propriedades dinâmicas e
elásticas em virtude de seu conteúdo de elastina e colágeno, o que
confere a elas a capacidade de alteração do seu estado original e
posterior retorno à sua forma de origem. Quando submetidas a
aumentos de pressão (como no trabalho de parto), traumatismos ou
infecções, enfraquecem, podendo se romper com maior facilidade.
A infecção cervicovaginal é um dos principais fatores que
predispõem à AP. Os micro-organismos mais frequentemente
envolvidos são Neisseria gonorrhoeae, Streptococcus B, Streptococcus
sp., Gardnerella vaginalis, Chlamydia trachomatis e Enterococcus. Esses
micro-organismos, alcançando as membranas de forma ascendente,
levariam a alterações estruturais a partir da produção de proteases e
colagenases, predispondo-as à rotura. A liberação de mediadores
inflamatórios favoreceria tanto a dilatação cervical quanto o
aumento da atividade uterina.
Estados nutricionais deficientes também podem levar a defeitos nas
membranas ovulares. Sabe-se que a vitamina C é essencial à
formação do colágeno e que níveis diminuídos dessa vitamina estão
relacionados com maior incidência de AP.
O tabagismo também é um dos fatores de risco. Gestantes que
fumam mais de 10 cigarros por dia apresentam maior risco. O fumo
afeta o estado nutricional global da gestante, prejudica a imunidade
materna e causa alteração da oxigenação tecidual.
Sangramentos em qualquer época da gravidez também estão
associados a maior risco de AP. Quando intracavitários, causam
aumento da pressão intrauterina e produzem maior atividade
uterina, pela irritabilidade das fibras miometriais, apresentando
maior risco de descolamento e/ou rotura das membranas ovulares.
Incompetência cervical e outras deformidades do colo uterino
podem expor as membranas à microflora bacteriana vaginal,
aumentando o risco de corioamnionite e subsequente AP.
Outro fator associado ao aumento do risco de rotura prematura de
membranas é a hiperdistensão uterina (gestações múltiplas,
polidrâmnio).
Quadro 15.1 - Principais agentes infecciosos encontrados no líquido amniótico por
amniocentese
15.4 DIAGNÓSTICO
A história clínica e o exame físico podem estabelecer claramente o
diagnóstico. Na rotura franca das membranas, o escoamento do
líquido é inconfundível. Após o primeiro episódio de perda, o fluxo
normalmente é contínuo ou em pequenos intervalos, dependendo da
posição da gestante, da apresentação fetal e da presença de
insinuação fetal.
A queixa típica de perda de líquido por via
vaginal pode estabelecer o diagnóstico de
amniorrexis prematura em até 90% dos casos.
2. Propedêutica auxiliar:
a) Hemograma completo;
b) Urina de rotina, Gram de urina, urocultura;
c) Pesquisa para Streptococcus do grupo B em swab anal e vaginal;
d) Ultrassonografia;
e) Pesquisa de infecções sexualmente transmissíveis.
15.5 COMPLICAÇÕES
A rotura prematura de membranas pode evoluir com oligoidrâmnio,
aumentando o risco de algumas deformidades, como fácies
característica, com orelhas dobradas, nariz achatado e pele
enrugada. Também pode causar deformidades de extremidades,
como pé torto (por imobilidade) e contraturas musculares.
A principal alteração que pode ser provocada é a hipoplasia
pulmonar. Quando a rotura das membranas acontece antes da
vigésima quarta semana de gestação, o risco de hipoplasia pulmonar
é maior, sendo tanto maior o risco quanto mais precoce a rotura.
A AP é responsável por 30 a 40% dos casos de prematuridade,
importante causa de morbimortalidade perinatal.
A infecção é uma das complicações mais temidas da rotura
prematura de membranas. A infecção intraútero, chamada
corioamnionite, pode levar à sepse materna e, se não tratada a
contento, à morte da gestante. A infecção fetal predispõe a
pneumonia, septicemia e infecção do trato urinário no período
neonatal.
A incidência de hipóxia e asfixia fetal também se eleva na rotura
prematura de membranas. A principal causa é a compressão
funicular, decorrente da diminuição do volume do LA.
15.6 CONDUTA
16.1 INTRODUÇÃO
O líquido amniótico é essencial para o adequado desenvolvimento do
feto. As principais funções desse líquido são proteção fetal contra
traumas externos, manutenção da temperatura fetal, participação no
mecanismo de crescimento e de movimentação normal do feto,
participação na homeostase bioquímica fetal, desenvolvimento e
maturação normais dos pulmões e, no trabalho de parto, proteção do
feto contra o efeito das contrações, além de auxílio na dilatação do
colo uterino.
Quadro 16.1 - Classificação do índice de líquido amniótico
16.2 ORIGEM E COMPOSIÇÃO DO
LÍQUIDO AMNIÓTICO
Aproximadamente 6 dias após a ovulação, o óvulo fertilizado
encosta-se no endométrio, dando início à implantação. Por volta do
oitavo dia de desenvolvimento, o trofoblasto do polo embrionário se
diferencia em 2 camadas celulares distintas: sincício e
citotrofoblasto. Entre este último e o disco embrionário, aparecem
pequenos espaços que confluem para formar a cavidade amniótica. À
medida que o embrião se desenvolve, essa cavidade, repleta de
líquido amniótico, cresce gradualmente à custa da cavidade
coriônica e chega a circundar por completo o embrião e obliterar o
espaço coriônico.
O líquido amniótico é formado de 98 a 99% de água e de 1 a 2% de
material sólido. Cerca da metade dos sólidos é formada por
constituintes orgânicos, dos quais aproximadamente 50% são
proteínas. Os constituintes inorgânicos se assemelham àqueles do
fluido extracelular.
Inicialmente, até a décima sexta semana, a composição do líquido é
semelhante à do soro materno e fetal. Com a evolução da gestação,
particularmente na segunda metade, sua osmolaridade
gradualmente declina até chegar, no termo, a cerca de 92% dos
valores séricos maternos. As concentrações de sódio, cloro e potássio
diminuem, enquanto as de creatinina e ureia aumentam em,
respectivamente, 250 e 70%.
Próximo ao termo da gestação, as concentrações de creatinina e
ureia são mais elevadas do que as encontradas no soro materno.
Relações semelhantes existem entre o líquido amniótico e o soro
fetal.
Com relação à bilirrubina, verifica-se que a sua concentração
aumenta da décima oitava à vigésima quinta semana de gestação,
atingindo seu máximo em torno da vigésima sexta semana.
Posteriormente, decai até a trigésima sexta semana, quando passa a
ser indetectável.
O volume de líquido amniótico apresenta aumento progressivo com
a evolução da gestação. Na décima semana, é de apenas 30 mL,
atinge 190 mL na décima sexta semana e chega a 900 mL entre a
trigésima segunda e a trigésima quinta semanas. Após a trigésima
sexta semana, há declínio do seu volume, especialmente no período
após a quadragésima semana.
O volume máximo de líquido amniótico ocorre
por volta de 32 a 35 semanas de gestação.
16.3 OLIGOÂMNIO
16.3.1 Definição
O oligoâmnio caracteriza-se pela diminuição da quantidade de
líquido amniótico, incide em cerca de 4% das gestações e é
considerado entre a vigésima primeira e a quadragésima segunda
semanas de gestação, quando o volume do líquido amniótico é
inferior a 250 mL. Como esse volume é difícil de ser estimado na
prática, o critério ultrassonográfico é o mais utilizado para o
diagnóstico.
16.3.2 Etiologia
As principais causas determinantes da diminuição do volume
amniótico são rotura prematura de membranas, insuficiência
placentária e presença de anomalias congênitas fetais. Entre as
anomalias fetais mais relacionadas ao oligoâmnio, têm destaque as
que acometem o sistema urinário, principalmente a agenesia renal
bilateral, as displasias renais e a obstrução do trato urinário. A
hipertensão arterial, o tabagismo e a pós-maturidade,
provavelmente pela hipoperfusão placentária, também estão
relacionados à diminuição do volume de líquido amniótico. Em
poucas situações, a etiologia é desconhecida.
16.3.3 Prognóstico
O oligoâmnio relaciona-se, com frequência, a resultado perinatal
desfavorável, seja em razão da doença de base que o determinou,
seja em decorrência de seu efeito mecânico sobre o concepto. Dentro
da última causa, podem ser relacionados os seguintes fatores:
pressão contínua sobre o feto, provocando alterações
musculoesqueléticas, aderências entre o âmnio e as partes fetais,
determinando graves deformidades e desenvolvimento de hipoplasia
pulmonar e compressão funicular, principalmente durante o
trabalho de parto. Relaciona-se, ainda, com restrição de crescimento
fetal, alterações cardiotocográficas, aumento do percentual de
partos cesárea, baixos índices de Apgar ao nascimento, aumento da
mortalidade perinatal e maior incidência de líquido amniótico
meconial.
16.3.4 Diagnóstico
16.3.5 Conduta
Perante o diagnóstico ultrassonográfico do oligoâmnio, é
obrigatório pesquisar as causas determinantes da alteração,
especialmente a presença de malformações fetais. A ausência ou
acentuada redução do volume de líquido amniótico dificultará a
avaliação ultrassonográfica. Quando for afastada a presença de
alterações morfológicas, deverá ser dada atenção especial à possível
presença de restrição do crescimento fetal. É obrigatória a avaliação
frequente da vitalidade fetal por meio do perfil biofísico fetal e do
Doppler dos compartimentos placentário e fetal.
É muito importante o controle das doenças maternas associadas ao
oligoâmnio, especialmente da hipertensão arterial. A desidratação
materna também pode estar relacionada à diminuição do volume de
líquido.
A hidratação oral da gestante pode aumentar o ILA em
aproximadamente 30%.
Quando o oligoâmnio resulta de malformação fetal, especialmente a
obstrução do trato urinário, a derivação cirúrgica intraútero do fluxo
urinário, nos casos em que a função renal está preservada, pode
representar alternativa terapêutica, porém com resultados
modestos.
Durante o trabalho de parto e o parto dessas gestantes com
oligoâmnio, observa-se maior incidência de tocotraumatismos e
sofrimento fetal agudo, seja pela doença de base, seja pela
compressão do cordão umbilical do feto. As taxas de parto cesárea
são maiores nesses casos.
A infusão de soro fisiológico dentro das membranas amnióticas,
amnioinfusão, pode ser utilizada no transcorrer do trabalho de parto
para diminuir a chance de sofrimento fetal, principalmente pela
compressão do cordão umbilical e para diluir o mecônio,
minimizando as chances da síndrome de aspiração meconial. Ao
utilizar a técnica, relata-se redução do sofrimento fetal agudo, das
desacelerações da frequência cardíaca fetal, dos índices de cesáreas e
da síndrome de aspiração meconial.
Nas situações de oligoâmnio idiopático, indica-se interrupção da
gestação entre 37 e 38 semanas de idade gestacional. Quando o
oligoâmnio está associado a outras complicações, como restrição de
crescimento fetal e/ou insuficiência placentária, a conduta deve ser
individualizada.
Quadro 16.2 - Fatores associados à etiologia do oligoâmnio
16.4 POLIDRÂMNIO
16.4.1 Definição
A definição de polidrâmnio é um tanto controversa. Alguns o
definem como volume de líquido amniótico superior a 2.000 mL no
momento da resolução da gestação; há quem considere volume
superior a 3.000 mL; e outros o definem como a quantidade de
líquido amniótico em dobro da esperada para a idade gestacional.
Como esse volume é difícil de ser estimado na prática, o critério
ultrassonográfico é o mais utilizado para o diagnóstico.
Acredita-se que o polidrâmnio esteja presente em 0,4 a 1,5% das
gestações. Pode ser agudo, quando seu aparecimento é rápido, às
vezes instalado em menos de 24 horas e de ocorrência bastante rara,
ou crônico, com desenvolvimento mais lento no decorrer da
gestação e mais frequente no terceiro trimestre.
16.4.2 Etiologia
O excesso de líquido amniótico associa-se a algumas doenças, com
destaque para certas infecções, diabetes mellitus, doença hemolítica
perinatal e gemelaridade. Também existe a correlação entre o
aumento do volume do líquido amniótico e as malformações fetais.
O diabetes mellitus descompensado constitui a principal condição
materna associada ao polidrâmnio. Sugere-se que a hiperglicemia
fetal ocasione polaciúria, sendo o mecanismo fisiopatológico nesse
caso.
As principais anomalias ligadas ao aumento do volume de líquido
amniótico são aquelas que acometem o Sistema Nervoso Central
(SNC), o trato gastrintestinal, o coração, o trato geniturinário e o
sistema musculoesquelético fetal. As alterações do SNC são as mais
comuns, respondendo por 45% das anomalias congênitas
envolvidas; dessas, a anencefalia responderia por 80% das
anormalidades diagnosticadas. As malformações obstrutivas do
trato gastrintestinal superior, como a atresia esofágica, também
estão bastante relacionadas ao polidrâmnio.
Quadro 16.3 - Causas de polidrâmnio
16.4.3 Prognóstico
O polidrâmnio está relacionado ao aumento da morbimortalidade
perinatal, em virtude de sua coexistência com maior número de
malformações fetais, elevados índices de prematuridade, maior
frequência de alterações cromossômicas, prolapso de cordão,
descolamento prematuro de placenta ou é decorrente da doença
materna determinante do quadro, especialmente a isoimunização
pelo fator Rh e o diabetes mellitus.
O polidrâmnio também está associado ao aumento da morbidade
materna em consequência de maior número de apresentações
anômalas, descolamento prematuro de placenta, amniorrexis
prematura, distocia funcional e hemorragia pós-parto. Em pacientes
com cicatriz uterina prévia, o risco de rotura uterina está
aumentado. Os eventos citados determinam maior frequência de
parto cesárea.
#IMPORTANTE
O polidrâmnio está relacionado com aumento
da morbimortalidade fetal.
16.4.4 Diagnóstico
Deve-se suspeitar, quanto ao diagnóstico clínico, sempre que a
altura uterina for maior do que a esperada para a idade gestacional,
especialmente quando a paciente refere diminuição da
movimentação fetal e há dificuldade em palpar partes fetais e
realizar a ausculta fetal. O tônus uterino pode estar aumentado, e é
frequente o edema de membros inferiores e da parede abdominal,
além da presença de estrias abdominais. Em casos graves, podem
ocorrer desconforto respiratório e dispneia pela elevação e
compressão do diafragma e oligúria decorrente da compressão
ureteral pelo útero gravídico. No diagnóstico diferencial, deve-se
afastar a possibilidade de gemelaridade e macrossomia fetal.
A presença de um único bolsão de líquido amniótico medido
verticalmente, igual ou superior a 8 cm, faz o diagnóstico de
polidrâmnio. Com relação ao ILA, valores maiores que 18 cm são
considerados líquido amniótico aumentado e, quando maiores que
25 cm, possibilitam o diagnóstico de polidrâmnio.
De acordo com o Ministério da Saúde, o diagnóstico de polidrâmnio é
confirmado quando o ILA é maior que 18 cm (e não 25 cm, como
aponta a literatura tradicional).
O resultado perinatal nas gestações complicadas por polidrâmnio
parece estar intimamente relacionado à presença de malformações
fetais. Não havendo alterações morfológicas do feto, o prognóstico
neonatal é favorável, a menos que haja alguma intercorrência, como
descolamento prematuro de placenta, prolapso de cordão etc.
16.4.5 Conduta
O polidrâmnio leve raramente requer tratamento. Graus moderados,
com algum desconforto, podem ser acompanhados sem
procedimentos invasivos. A avaliação rigorosa das condições fetais é
obrigatória. Na presença de dispneia, dor abdominal intensa ou
dificuldade para deambular, a internação pode ser necessária.
Repouso e sedação podem ser utilizados paliativamente, pois não há
outra terapêutica satisfatória para o polidrâmnio sintomático além
da remoção do excesso de líquido amniótico por meio de
amniocentese.
A redução do volume de líquido amniótico, quando indicada, deve ser
realizada até que a altura uterina esteja compatível com a idade
gestacional ou se obtenha ILA compatível com a normalidade para a
idade gestacional. A remoção do líquido deve ser lenta, para que o
risco de desprendimento placentário seja pequeno. Além disso, a
descompressão aguda leva à redução do índice pulsátil da artéria
cerebral média do feto. O procedimento pode ser repetido, sempre
que necessário, para manter a gestante assintomática.
Como terapia alternativa, tem-se utilizado a indometacina, um
inibidor da síntese de prostaglandinas. O mecanismo de ação
provável seria a redução da produção urinária do concepto. A
indicação deve restringir-se aos casos idiopáticos, com menos de 32
semanas de gestação. A principal complicação é o risco de
fechamento precoce do ducto arterioso, especialmente após a
trigésima segunda semana de gestação. É essencial pesar os riscos e
os benefícios.
Nos casos de rotura de membranas durante o trabalho de parto, o
extravasamento do líquido por via vaginal deve acontecer de forma
lenta, para diminuírem os riscos de descolamento prematuro de
placenta e prolapso de cordão.
Nos casos leves e moderados, a gestação pode alcançar 39 a 40
semanas de idade gestacional. Nos casos graves, interrompe-se a
gestação com 37 semanas. Caso exista polidrâmnio grave em idade
gestacional compreendida entre 34 e 37 semanas, está indicada a
amniocentese para esvaziamento.
Quais são as malformações
fetais mais relacionadas ao
olidrâmnio e ao
polidrâmnio?
Entre as anomalias fetais mais relacionadas ao oligoâmnio,
têm destaque as que acometem o sistema urinário,
principalmente a agenesia renal bilateral, as displasias
renais e a obstrução do trato urinário.
As principais anomalias ligadas ao polidrâmnio são aquelas
que acometem o SNC, o trato gastrintestinal, o coração, o
trato geniturinário e o sistema musculoesquelético fetal. As
alterações do SNC são as mais comuns, respondendo por
45% das anomalias congênitas envolvidas; dessas, a
anencefalia corresponde a 80% das anormalidades
diagnosticadas. As malformações obstrutivas do trato
gastrintestinal superior, como a atresia esofágica, também
estão bastante relacionadas ao polidrâmnio.
Quais são os parâmetros de
interpretação da
cardiotocografia e do perfil
biofísico fetal?
As causas mais comuns de bradicardia fetal (FCF < 110 bpm) são o
pós-datismo e o uso de drogas betabloqueadoras pela gestante.
Algumas arritmias, como o bloqueio atrioventricular fetal, também
cursam com bradicardia intensa, situações em que são observadas
frequências cardíacas mais baixas (de 50 a 60 bpm). Bradicardia
também pode estar presente nos casos terminais de sofrimento fetal.
Figura 17.2 - Bradicardia fetal: linha de base = 80 bpm
A taquicardia fetal (FCF > 160 bpm) tem como causa mais grave a
hipóxia fetal crônica, que aparece em virtude da estimulação do
componente simpático do sistema nervoso autônomo. Outras causas
associadas são hipertermia materna (a FCF se eleva em 10 bpm a
cada grau centígrado), infecção ovular, uso de drogas
parassimpaticolíticas (atropina) e uterolíticas (isoxsuprina,
orciprenalina e ritodrina), excesso de atividade fetal e
taquiarritmias, nas quais a FCF basal geralmente apresenta valores >
200 bpm.
Figura 17.3 - Taquicardia fetal: linha de base = 170 bpm
b) Variabilidade
c) Acelerações transitórias
De acordo com a classificação proposta pelo NICHD, a aceleração
transitória é definida como a ascensão abrupta (intervalo entre o
início da aceleração e o pico < 30 segundos) da FCF, cujo ápice é
maior ou igual a 15 bpm em relação à linha de base, com duração
mínima de 15 segundos e duração máxima de até 2 minutos. Em
idade gestacional inferior a 32 semanas, as acelerações são definidas
quando o pico atinge 10 bpm, com duração ≥ 10 segundos.
A aceleração prolongada é definida quando sua duração é igual ou
superior a 2 minutos e inferior a 10 minutos. Quando superior a 10
minutos, é considerada mudança da linha de base.
Figura 17.7 - Acelerações transitórias
17.2.3 Doppler
O Doppler visa à avaliação indireta da função placentária
(insuficiência placentária) e da resposta fetal a hipoxemia. Esse
exame possibilita, de forma não invasiva, estudar a hemodinâmica
fetal em resposta ao déficit de oxigenação.
A dopplervelocimetria pode ser utilizada para avaliar as circulações
materna (artérias uterinas), fetoplacentária (artérias umbilicais) e
fetal (artéria cerebral média, aorta abdominal, artérias renais, ducto
venoso e seio transverso).
Apesar de não existirem evidências sobre efeitos prejudiciais da
utilização da ultrassonografia e da dopplervelocimetria na gestação,
orienta-se a identificação da imagem bidimensional com posterior
acionamento do dispositivo Doppler colorido e pulsado pelo menor
tempo necessário, evitando os possíveis, mas improváveis, danos
biológicos.
17.2.4 Obtenção dos sonogramas
1. Para a obtenção dos sonogramas de determinado vaso, deve-se
sempre:
a) Identificar com precisão o vaso a ser estudado, utilizando
mapeamento colorido do fluxo sanguíneo, caso necessário;
b) Verificar a normalidade da FCF (de 110 a 160 bpm). A bradicardia e
a taquicardia podem alterar os sonogramas, invalidando os seus
resultados;
c) Comprovar a ausência de movimentação torácica fetal no momento
do exame, já que a presença desses movimentos altera a pressão
intratorácica e, consequentemente, a hemodinâmica fetal;
d) Atentar-se ao local de insonação das artérias umbilicais; quanto
mais próximo à placenta, menor a resistência;
e) Fixar o filtro de janela em 50 Hz; isso reduz a interferência de vasos
e tecidos adjacentes ao vaso de interesse, sem ocasionar perda de
informações dos sonogramas analisados.
Legenda: Sístole (S); Velocidade Média (VM); contração Atrial (A); Diástole (D).
18.1 INTRODUÇÃO
A placenta tem duração fisiológica em torno de 280 a 300 dias.
Observam-se alterações fisiológicas e aceleração dos fenômenos de
envelhecimento placentário no período próximo ao termo da
gestação, o que pode interferir nas trocas materno-fetais realizadas
pela placenta e determinar oxigenação inadequada do produto
conceptual. O déficit nutritivo geralmente não ocorre nessas
situações, uma vez que a insuficiência placentária tende a ocorrer
após o crescimento adequado do feto.
A International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) consideram que a gestação
seja prolongada (pós-termo) quando dura mais de 294 dias (42
semanas completas), a partir do primeiro dia do último período
menstrual.
O termo “pós-datismo” é utilizado para as gestações entre 280 e
294 dias (de 40 a 42 semanas completas).
18.2 INCIDÊNCIA E FATORES DE RISCO
A incidência de pós-datismo varia entre as diversas populações,
oscilando entre 3 e 14% das gestações.
A gestação prolongada é mais frequente em primíparas, com
incidência de cerca de 10%. Alguns fatores maternos e fetais estão
associados e podem ser citados:
1. Baixas condições socioeconômicas: desconhecimento da data da
última menstruação e início tardio do pré-natal, situações que
podem facilitar a gestação prolongada;
2. Ciclos menstruais irregulares: principalmente os ciclos
espaniomenorreicos têm ovulação incerta, frequentemente em
períodos não reconhecíveis;
3. Antecedente de gravidez prolongada: risco de 30 a 50% de
repetição do evento;
4. Utilização de anticoncepcionais hormonais: podem determinar
ovulações em períodos irregulares e desconhecidos, dificultando a
estimativa da correta idade gestacional e aumentando a ocorrência
de pós-datismo e gestação prolongada;
5. Idade materna: apesar de não ser confirmada em todos os estudos,
alguns autores defendem que a idade materna avançada predispõe a
gestação prolongada;
6. Malformações fetais: anencefalia e insuficiência ou hipoplasia da
adrenal determinam maior incidência de pós-datismo;
7. Deficiência de sulfatase placentária: doença rara e de herança
recessiva associada ao cromossomo X, resultando em menores
níveis de estradiol, o que pode retardar o início do Trabalho de Parto
(TP). Ocorre em fetos do sexo masculino;
8. Excesso de produção de progesterona: em situações em que
ocorre produção aumentada de progesterona pela placenta, pode
haver retardo do início do TP (a progesterona tem ação
miorrelaxante).
18.3 COMPLICAÇÕES
19.1 INTRODUÇÃO
A maturidade fetal consiste no pleno desenvolvimento dos diversos
órgãos e sistemas fetais que, no processo fisiológico normal, se
completa entre 37 e 40 semanas de gestação. A maturidade do
sistema respiratório fetal ocorre em torno da trigésima quinta
semana de gestação, quando as adaptações anatômicas e funcionais
permitem ao recém-nascido prematuro sobreviver no ambiente
extrauterino.
Sabe-se que algumas condições clínicas aceleram a maturidade fetal
(por exemplo, hipóxia fetal crônica), enquanto outras, como diabetes
mellitus, estão associadas a atraso na maturação pulmonar. Entre as
múltiplas complicações da prematuridade, a imaturidade pulmonar,
relacionada à produção inadequada de surfactante, consiste na de
maior gravidade, determinando, muitas vezes, a sobrevida do
concepto.
O obstetra deve realizar correta avaliação da maturidade fetal para
evitar a prematuridade iatrogênica por ocasião de cesárea eletiva,
indução de parto e parto prematuro terapêutico. O nascimento pré-
termo é a principal causa de morbimortalidade perinatal em nosso
meio, e a sobrevivência do recém-nascido está relacionada,
fundamentalmente, à sua maturidade pulmonar.
19.2 DESENVOLVIMENTO PULMONAR
FETAL
O desenvolvimento pulmonar fetal é dividido em 5 períodos:
embrionário, pseudoglandular, canalicular, sacular e alveolar.
O período embrionário inicia-se com o surgimento do botão
pulmonar (entre o vigésimo sexto e o vigésimo oitavo dias pós-
fecundação), o qual se divide em 2 brotos, que se ramificam e
formam os brônquios principais. Por volta da sexta semana, já se
podem identificar todos os segmentos broncopulmonares.
O período pseudoglandular, entre a sétima e a décima sexta semanas
de gestação, caracteriza-se pela formação dos condutos aéreos e
pelo esboço acinar. Nesse período, o epitélio proximal é colunar alto
e distalmente cuboide. Os ramos continuam a se dividir. A única
estrutura ainda não formada ao fim desse período é a unidade de
trocas.
Por volta da vigésima quarta à vigésima sexta semana, inicia-se o
período canalicular; surge um esboço do brônquio terminal
(bronquíolos respiratórios e estruturas saculares). Tem início a
diferenciação em pneumócitos, com consequente secreção de
surfactante. Ao fim desse período, o pulmão já apresenta certa
capacidade de realizar trocas gasosas.
O período sacular começa na vigésima oitava semana e se prolonga
até o nascimento. No início desse período, as vias aéreas terminam
em um grupo de sacos terminais que se diferenciam em alvéolos e
ductos alveolares. Há expansão do espaço respiratório e aumento na
superfície de trocas; observa-se, ainda, que a vascularização
aumenta, o epitélio de revestimento se torna mais fino e ocorre
adelgaçamento do interstício.
O período alveolar inicia-se em torno da trigésima sexta semana e
não se completa até os 8 anos de vida. O maior aumento no número
de alvéolos pulmonares acontece nos 2 primeiros anos da criança.
O sistema de fibras colágenas também é muito importante no
desenvolvimento pulmonar; elas têm importante função no
desenvolvimento da complacência pulmonar. No início do segundo
trimestre da gestação, as fibras estão bem desenvolvidas nas
grandes vias aéreas, nos vasos e na pleura, porém são ainda escassas
nos ácinos.
19.3 SURFACTANTE
As substâncias surfactantes permitem que a expansão alveolar
ocorra adequadamente durante a inspiração e impedem o colapso
alveolar durante a expiração. Seu mecanismo de ação baseia-se na
diminuição da tensão superficial da parede dos alvéolos,
principalmente nos de menores dimensões, que tenderiam ao
colabamento no final da expiração.
O surfactante é uma mistura de 90% de lipídios e de 10% de
proteínas produzidas pelos pneumócitos II. No interior destes, é
armazenado nos corpos lamelares e expelido por exocitose; no
lúmen alveolar, é convertido em mielina tubular.
É composto, basicamente, por dipalmitoilfosfatidilcolina (lecitina),
responsável por 70% dos fosfolípides, e por fosfatidilglicerol (10%).
Outros componentes de menor participação incluem
fosfatidiletanolamina, fosfatidilinositol, fosfatidilserina, lisolecitina
e esfingomielina. A lecitina é o principal componente tensoativo do
sistema surfactante. A maturidade do pulmão fetal ocorre em torno
da trigésima quarta e da trigésima quinta semana de gestação,
quando a lecitina perfaz pelo menos 50% do total de lipídios.
Quadro 19.1 - Fatores que podem interferir na maturidade pulmonar
19.4 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA
MATURIDADE FETAL
19.4.1 Clínicos
Os métodos clínicos fornecem subsídios para estimar a idade
gestacional e a provável maturidade fetal. A seguir, os métodos
utilizados.
O conhecimento da data da última
menstruação em mulheres com ciclos
regulares, sem uso de anovulatório, representa
um dado importante para avaliar a idade
gestacional correta e estimar a data provável de
parto.
19.4.3.2 Radiologia