Obstetricia Vol. 2 - 2020

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Qual é a conduta no pré-

natal e a via de parto das


gestantes infectadas pelo
herpes-vírus?

1.1 INTRODUÇÃO
As infecções na gestação são uma importante causa de mortalidade
materna; as estatísticas variam conforme a região estudada, porém
dados de 2015 da Organização Mundial da Saúde apontam a
septicemia (por infecção viral ou bacteriana) como responsável por 5
a 15% dos óbitos maternos – lembrando que, por definição, óbito
materno é aquele que ocorre em mulheres durante a gestação e até o
quadragésimo segundo dia de puerpério. Obviamente, os países
subdesenvolvidos são aqueles que apresentam a maior taxa de
mortalidade por essa causa. Não existe uma estatística precisa que
separe a incidência de cada infecção viral na gestante, até porque
uma grande parte dessas infecções ocorre sem que ela procure o
sistema de saúde, portanto não são notificadas. Entretanto, sabe-se
que diversos agentes podem causar uma evolução mais grave na
gestante, colocando em risco mãe e feto. As mesmas infecções
também podem acarretar complicações obstétricas (aumentar o
risco de parto prematuro, por exemplo) e complicações permanentes
para o feto, como malformações e óbito fetal. Neste capítulo,
procuraremos nos concentrar nos agentes virais mais comuns (como
o HPV), e que, portanto, têm maior probabilidade de serem
abordados em questões de provas de concursos médicos.
1.2 PAPILOMAVÍRUS HUMANO NA
GESTAÇÃO (HPV)
Os diversos subtipos de papilomavírus humano (HPV) constituem a
infecção sexualmente transmissível mais prevalente no mundo e
associam-se ao câncer de colo uterino, vulva, vagina, pênis, ânus e
orofaringe. A incidência de alteração compatível com HPV na
colpocitologia durante a gestação é igual à da população feminina
geral – em torno de 5%. Os subtipos com maior risco de
oncogenicidade são o 16 e o 18.
1.2.1 Transmissão vertical
A transmissão ocorre majoritariamente durante o trabalho de parto e
a passagem no canal de parto. Pode ocorrer pela via hematogênica
(transplacentária), mas a principal forma de contaminação é o
contato direto com áreas infectadas (colo uterino, vagina, vulva e
região perianal). O risco de contágio é maior em primoinfecções que
ocorrem próximas ao parto.
1.2.2 Quadro clínico na gestante e no recém-
nascido
A infecção materna por HPV pode se apresentar de diversas formas,
sendo, na maioria das vezes, oligo ou assintomática. As lesões de
colo uterino, com maior potencial oncogênico, são geralmente
assintomáticas e identificadas apenas no exame especular e
citológico, mas podem eventualmente causar sangramento genital e
sinusorragia. Já as verrugas genitais, causadas pelos subgrupos de
menor oncogenicidade, caracterizam-se por lesões elevadas, róseas,
eventualmente causando prurido ou ardor, localizadas
principalmente na vulva, no períneo e na região perianal.
A infecção no recém-nascido pode se manifestar por condilomas ou
papilomatose laríngea.
1.2.3 Diagnóstico na gestação
Diante do condiloma genital, o diagnóstico é clínico, e a biópsia fica
restrita aos casos de dúvida diagnóstica. Já no caso das lesões de colo
uterino, o diagnóstico depende de citologia e colposcopia (com
biópsia). Nos países desenvolvidos, diante de lesões suspeitas é
realizado diagnóstico por reação em cadeia da polimerase (PCR) da
lesão. A colpocitologia oncótica faz parte dos exames iniciais da
rotina pré-natal na maioria dos serviços, principalmente por ser
uma oportunidade de avaliação ginecológica da população. Não há
evidências de que a coleta traga riscos para a gestação, podendo ser
realizada sem problemas.
A colposcopia está indicada aos casos de suspeita de lesão invasiva,
já que os demais resultados citológicos são de conduta expectante na
gestação. A colposcopia e a biópsia de colo podem ser realizadas,
mas idealmente no segundo trimestre de gestação, nos casos em que
há suspeita de lesão invasiva. Os casos com suspeita de lesão de alto
grau ou invasiva devem ser reavaliados em 12 semanas, pois pode
haver rápida evolução durante a gestação.
Os casos devem ser sempre reavaliados no pós-parto (de 2 a 3 meses
após o parto), pois as condições gravídicas já se encontram em
regressão.
A coleta de colpocitologia oncótica, se realizada
adequadamente, não traz riscos à gestação,
bem como a colposcopia e a biópsia de colo,
quando indicadas.

1.2.4 Tratamento da verruga genital


No caso de lesões externas, pequenas e isoladas, pode-se indicar
eletro ou criocauterização. Entretanto, em caso de lesões grandes,
deve-se optar pela ressecção com eletrocautério ou cirurgia de alta
frequência – procedimento que utiliza bisturi elétrico de baixa
voltagem e alta frequência. O tratamento pode ser indicado em
qualquer trimestre da gestação, exceto para lesões grandes que
infiltrem a vagina ou o colo uterino; nessas situações, deve-se dar
preferência ao tratamento no segundo trimestre. Tratamento tópico
com substâncias químicas como interferona, 5-fluoruracila ou
podofilina está contraindicado durante a gestação devido aos riscos
de absorção sistêmica e toxicidade fetal. Alguns estudos apontam
segurança para o uso tópico de ácido tricloroacético (ATA) durante a
gestação, sendo alternativa para lesões menores. Apesar da
tendência atual em tratar a gestante acometida por essa afecção,
nenhum estudo demonstrou claramente diminuição da transmissão
vertical devido ao tratamento; a explicação é que algumas partículas
virais permanecem viáveis para infecção mesmo após o tratamento.
1.2.5 Tratamento das alterações citológicas
Durante a gestação, as alterações citológicas são de conduta
expectante, exceto na suspeita de lesão invasiva. Conforme citado, a
colposcopia está indicada nos casos de alteração, e a biópsia pode ser
realizada na presença de lesão suspeita. O tratamento excisional
deve ser evitado, pois se associa a morbidade obstétrica, como
abortamento, rotura prematura de membranas ovulares, trabalho de
parto prematuro e sangramento abundante. A seguir, as
recomendações, segundo o Ministério da Saúde (2016):
1. Atipias de células escamosas de significado indeterminado,
possivelmente não neoplásicas (ASC-US): repetição da citologia em
6 meses (se a paciente tiver menos de 30 anos, pode ser repetido em
12 meses); se a alteração se repetir ou piorar, encaminhar à
colposcopia;
2. Atipias de células escamosas de significado indeterminado,
não se podendo afastar lesão intraepitelial de alto grau (ASC-H):
encaminhamento imediato à colposcopia;
3. Atipias glandulares (AGC): encaminhamento imediato à
colposcopia, coleta de material endocervical (de acordo com a idade
gestacional e o grau de suspeita) e aguardo para avaliação
endometrial no puerpério;
4. Lesão intraepitelial de baixo grau (LIEBG): repetição da citologia
em 6 meses, com encaminhamento à colposcopia diante da
persistência ou piora da alteração; na suspeita de lesão invasiva,
colposcopia com biópsia imediata;
5. Lesão intraepitelial de alto grau (LIEAG): encaminhamento
imediato à colposcopia com biópsia;
6. Adenocarcinoma in situ (AIS): encaminhamento imediato à
colposcopia com biópsia, reavaliação em 12 semanas durante a
gestação e conização, quando indicada, no pós-parto.

1.2.6 Tratamento do carcinoma de colo do útero


O diagnóstico de carcinoma de colo do útero na gestação é raro, mas
com graves implicações. O diagnóstico é feito a partir de citologia e
colposcopia com avaliação histológica, e o estadiamento se dá por
meio de exame clínico e radiológico. Dá-se preferência à ressonância
magnética sem contraste, visando avaliar o tamanho do tumor, a
invasão de paramétrio e vagina e o acometimento linfonodal.
Durante o pré-natal, é essencial monitorizar os níveis de
hemoglobina e hematócrito e de leucócitos nos casos em tratamento
quimioterápico.
Com relação ao feto, devem-se realizar ultrassonografias mensais
para monitorizar o crescimento fetal, além de vitalidade fetal (perfil
biofísico e Doppler). O tratamento dependerá de estadiamento, idade
gestacional, grau histológico e desejo da paciente, e a via de parto
deve ser alta nos casos de lesão invasiva avançada ou na presença de
lesão residual pós-conização. Se houver apenas lesão microinvasora
sem lesão residual após conização, pode-se optar pela via baixa.
1. Estádio IA: havendo suspeita de lesão invasiva, a conização deve
ser realizada preferencialmente no segundo trimestre e seguida de
cerclagem do colo remanescente. Se a avaliação histológica
demonstrar estádio IA1 (invasão estromal inferior a 3 mm de
profundidade e 7 mm de extensão), a conização será considerada o
tratamento definitivo. Se houver comprometimento de margens ou
invasão linfovascular, o tratamento será a histerectomia radical com
linfadenectomia pélvica, e essa conduta deve ser discutida com a
paciente, ponderando-se a idade gestacional, o desejo de interrupção
da gestação e o futuro reprodutivo. Se o estádio for IA2 (com invasão
de 3 a 5 mm de profundidade), pode-se realizar a histerectomia radical
ou a conização com cerclagem e proceder ao tratamento radical após
o parto;
2. Estádio IB1: nos tumores visíveis de até 2 cm, deve-se realizar a
linfadenectomia pélvica por via laparoscópica como método
diagnóstico, antes da vigésima semana. Se houver acometimento
linfonodal, a interrupção da gestação será mais indicada, para a
realização do tratamento definitivo (quimiorradiação). Se não houver
acometimento linfonodal, pode-se realizar o parto na maturidade fetal
e, posteriormente, realizar a histerectomia radical. Nos tumores visíveis
entre 2 e 4 cm, a interrupção é a opção aconselhável até a vigésima
semana para que seja realizada cirurgia de Wertheim-Meigs. Se a
paciente não optar pela interrupção, pode-se realizar a linfadenectomia
diagnóstica, ou a quimioterapia neoadjuvante a partir do segundo
trimestre, até a trigésima quinta semana de gestação (parto em 2 a 3
semanas após o último ciclo);
3. Estádio IB2 a IV: em caso de diagnóstico até a vigésima semana, a
interrupção da gestação seguida de quimioterapia e radioterapia é a
opção mais aconselhável. Se o diagnóstico for mais tardio, deve-se
iniciar neoadjuvância até o parto, seguida de tratamento específico
posteriormente.

1.2.7 Vacinação
A vacina para HPV não contém vírus ou qualquer outro agente
biológico infectante, sendo composta por partes da cápsula viral e
sintetizada por engenharia genética; além disso, alguns estudos com
gestantes não demonstraram aumento de intercorrências ou efeitos
colaterais significativos com o uso de todos os subtipos de vacina
para HPV durante a gestação. Entretanto, as evidências ainda são
consideradas escassas, portanto, a recomendação nesse momento é
pela não utilização dessa vacina durante a gestação.
1.2.8 Via de parto
A cesárea não deve ser indicada apenas como forma de prevenção da
transmissão, já que a forma transplacentária também é possível.
Alguns estudos demonstraram infecção neonatal mesmo em parto
cesárea, e uma importante meta-análise mostrou incidência similar
de transmissão de HPV entre mulheres submetidas a esse parto e por
via vaginal. Em vista disso, atualmente a indicação da via de parto
deve seguir o protocolo normal para a paciente em questão.
Entretanto, o parto cesárea pode ser indicado para os casos em que
há tumor obstrutivo localizado no canal de parto (por condiloma
acuminado gigante).
Infecção materna por papilomavírus humano
não constitui indicação de cesárea.

1.3 VARICELA E HERPES-ZÓSTER NA


GESTAÇÃO
A varicela é uma das doenças causadas pelo herpes-vírus tipo 3.
Também conhecida como catapora, é mais comum em crianças,
sendo reconhecida como uma das causas de exantema febril. É uma
doença normalmente autolimitada em pessoas imunocompetentes,
mas pode evoluir com diversas complicações graves, como encefalite
e pneumonia viral, acompanhadas de alta mortalidade.
A gestação é um grande fator de risco para evolução grave,
especialmente com aumento da incidência da forma pneumônica.
Alguns estudos apontam para até 25% de mortalidade nessa
população.
A outra forma da doença transmitida pelo mesmo agente é o herpes-
zóster, que ocorre pela reativação do vírus quiescente no gânglio
sensitivo de um dermátomo específico. Essa é a forma mais benigna
da doença, com acometimento local e autolimitado; entretanto, pode
cursar com dor crônica no local acometido, conhecida como
síndrome neuropática pós-herpética.
1.3.1 Transmissão vertical e alterações fetais
Em gestantes infectadas, a transmissão transplacentária pode
ocorrer em qualquer fase da gestação, sendo particularmente mais
grave para o feto quando ocorre no primeiro trimestre. A
transmissão fetal pode acontecer nas 2 apresentações (zóster ou
varicela), porém é muito mais rara quando a gestante apresenta
herpes-zóster.
Especialmente para as gestantes infectadas durante o primeiro
trimestre, pode culminar na síndrome da varicela congênita do
recém-nascido, que resulta em disfunção gastrintestinal, ocular,
neurológica, lesões cutâneas, hipoplasia/malformação de membros
e nascimento com baixo peso. Apesar de ser uma doença grave, sua
incidência em fetos de gestantes infectadas é relativamente baixa –
em torno de 2% dos casos. Vários estudos não demonstram aumento
de incidência de aborto espontâneo ou óbito fetal devido a essa
infecção. É considerada uma das causas de microcefalia fetal. A
transmissão também pode ocorrer durante ou imediatamente após o
parto e resultar em varicela neonatal, doença sistêmica grave e com
alta mortalidade para o recém-nascido.
1.3.2 Diagnóstico pré-natal
O diagnóstico materno é clínico; em casos de dúvida diagnóstica,
pode-se recorrer a técnicas moleculares, como detecção do DNA
viral por PCR em raspagem de lesões de pele ou detecção de antígeno
viral por imunofluorescência. A cultura direta do agente é de difícil
execução e tem baixa sensibilidade. Ao detectar infecção materna,
deve-se investigar a possível infecção fetal. As alterações
morfológicas do feto acometido podem ser detectadas por
ultrassonografia a partir de 5 semanas após a transmissão. A
pesquisa do DNA viral por PCR no líquido amniótico ou sangue fetal
(coletado intraútero) pode ser realizada entre 17 e 21 semanas de
gestação, apresentando boa sensibilidade para infecção fetal.
1.3.3 Tratamento
O tratamento de gestantes com varicela não complicada ou com
herpes-zóster deve ser realizado em regime ambulatorial,
utilizando-se aciclovir 800 mg, 5x/d, por 7 dias, e iniciado em até 72
horas após o início dos sintomas. Estudos demonstram redução do
período de febre (nos casos de varicela) e da duração das lesões de
pele com o tratamento, especialmente se iniciado nas primeiras 24
horas do início do quadro clínico. Os mesmos estudos não apontam
aumento de intercorrências fetais devido ao tratamento, garantindo
relativa segurança. As gestantes com evolução da doença complicada
(mais comumente pneumonia) devem ser internadas, e iniciar
aciclovir intravenoso (10 mg/kg a cada 8 horas), sendo essa uma
emergência médica. Estudos apontam para até 40% de mortalidade
nesses casos sem o tratamento adequado. Até o momento, nenhum
estudo demonstrou claramente se o tratamento com aciclovir da
gestante infectada diminui a incidência de varicela congênita.
1.3.4 Via de parto
Não há nenhuma orientação específica para o tipo de parto nesses
casos, devendo-se seguir o protocolo normal para a paciente
conforme indicação obstétrica.
1.3.5 Vacinação e quimioprofilaxia
A introdução da vacina para varicela reduziu de forma significativa o
número de casos da doença e a transmissão materno-fetal. Mulheres
em idade fértil devem ser vacinadas e é recomendado esperar pelo
menos 1 mês após completado o esquema vacinal para engravidar.
Por se tratar de vacina com vírus vivo atenuado, sua aplicação
durante a gestação é contraindicada, devido ao potencial risco
materno e fetal. Gestantes não imunizadas que acidentalmente
tiveram contato com pessoas infectadas são aconselhadas a
receberem imunoglobulina antivaricela (VZIG) após a exposição de
risco.
1.4 INFECÇÃO POR PARVOVÍRUS
DURANTE A GESTAÇÃO
A família dos parvovírus contém diversos subtipos que podem
infectar mamíferos, aves e artrópodes. O subtipo de interesse para a
espécie humana é o parvovírus B19, que é um vírus de DNA fita
simples com tropismo celular pelos precursores dos eritrócitos,
podendo acarretar crise aplásica no curso final da infecção
(normalmente, apresenta-se como anemia transitória
autolimitada). Em crianças, é o agente causador do eritema
infeccioso, também chamado de “quinta doença”. A transmissão
pode ocorrer por via aérea, secreções (saliva), via hematogênica
(hemotransfusão) e via transplacentária. A transmissão vertical
pode acarretar diversas malformações congênitas para o feto,
especialmente se nas primeiras 20 semanas de gestação. As
infecções por parvovírus são extremamente comuns e normalmente
têm curso benigno em pacientes imunocompetentes e não gestantes;
alguns estudos estimam que mais de 70% da população geral
tenham anticorpos IgG contra esse agente.
1.4.1 Transmissão vertical
A infecção fetal pode ser especialmente grave se ocorrida antes das
20 semanas, com aumento da incidência de hidropisia fetal e óbito
fetal (alguns estudos apontam para até 13% de óbito fetal nas
mulheres infectadas, especialmente no primeiro trimestre
gestacional). Os fetos sobreviventes podem desenvolver anemia
importante, trombocitopenia e hidropisia fetal de graus variados de
severidade, incluindo edema de pele, insuficiência cardíaca, derrame
pericárdico e pleural; também podem apresentar oligo ou
polidrâmnio. A infecção neonatal também pode resultar em diversas
malformações, incluindo déficit neurológico e retardo mental.
1.4.2 Diagnóstico
O diagnóstico de infecção aguda materna durante a gestação
consiste, principalmente, na dosagem de IgM antiviral, o qual pode
ser detectado após 10 dias da inoculação. A presença de IgG surge
alguns dias depois e pode persistir por meses ou anos, indicando
infecção prévia pelo vírus. Especialmente em mulheres grávidas, o
título de IgM pode encontrar-se abaixo do limiar de detecção; em
casos em que há forte suspeita clínica para esse diagnóstico, deve-se
realizar o PCR para a pesquisa de DNA viral no sangue materno. O
diagnóstico fetal pode ser feito por PCR para pesquisa do DNA viral
no líquido amniótico. Também se pode fazer a pesquisa de IgM
antiviral no sangue fetal, seguindo o mesmo princípio de evolução
citado.
1.4.3 Tratamento e acompanhamento
Não existe tratamento específico para a infecção por parvovírus B19.
O seguimento dos fetos infectados deve ser realizado com
ultrassonografia semanal, à procura de complicações e hidropisia
fetal. Em casos extremos com anemia importante, pode ser
necessária a transfusão sanguínea fetal intrauterina. O parto deve
ser realizado em serviço terciário, considerando que esses fetos têm
alta mortalidade por complicações diversas.
1.5 INFECÇÃO POR INFLUENZA
Pacientes gestantes têm maior incidência de complicações por
infecção causada por todos os subtipos de influenza. A maior
gravidade, neste grupo, se dá pelas alterações fisiológicas da
gestação, como aumento da frequência cardíaca e consumo de
oxigênio, redução da complacência pulmonar e da imunidade.
Entre os 2 grandes grupos de influenza com importância clínica para
o ser humano, o do influenza A é o mais preocupante, já que pode
ocasionar os casos mais graves e com maior taxa de mortalidade. Em
2009, o subtipo H1N1 de influenza A causou uma pandemia declarada
oficialmente pela Organização Mundial da Saúde, com evolução
particularmente grave para as gestantes. Aparentemente gestantes
no terceiro trimestre de gravidez têm maior risco de evolução mais
grave, incluindo a síndrome do desconforto respiratório do adulto e
eventualmente óbito.
1.5.1 Sintomas na gestante
As gestantes com influenza apresentam os mesmos sintomas da
população geral infectada, que incluem febre, rinorreia, tosse seca,
dor de cabeça, dor de garganta, falta de ar e dor muscular.
1.5.2 Transmissão vertical
A transmissão transplacentária parece ser rara, e a real incidência
não está bem demonstrada nos estudos atuais. Existem estudos que
apontam para um aumento na incidência de malformações fetais em
pacientes com sintomas gripais ou infecção por influenza
comprovada no primeiro trimestre da gestação. Alguns estudos
também apontam para um aumento de incidência de parto
prematuro, nascimento com baixo peso e até mesmo óbito fetal,
porém esse é um assunto ainda controverso.
1.5.3 Diagnóstico
Diversos métodos de diagnóstico molecular podem ser empregados.
Costuma-se coletar um swab ou aspirado de nasofaringe, e nesse
material se pode realizar a pesquisa rápida de antígenos virais dos
subtipos mais relevantes de influenza A e B. Entretanto, o método
mais sensível e específico para detecção é o PCR por transcriptase
reversa. Trata-se de vírus RNA, portanto é necessária uma primeira
etapa de transcrição de RNA para DNA para em seguida ser aplicada a
técnica de amplificação por PCR.
1.5.4 Tratamento
Desde a pandemia de 2009 causada pelo H1N1, recomenda-se iniciar
tratamento com inibidor da neuraminidase (no Brasil, está
disponível o oseltamivir na rede pública de saúde, com formulação
via oral) a toda gestante com sintomas gripais, de preferência nas
primeiras 24 horas do início dos sintomas. O diagnóstico de certeza
não deve retardar o início do tratamento, devido à potencial
gravidade dessas infecções nessa população de risco. Alguns estudos
demonstram benefício do tratamento para os casos graves, com
diminuição dos dias de internação hospitalar, especialmente se
iniciado precocemente. Inicialmente, acreditou-se que a terapêutica
só traria benefício se fosse iniciada nas primeiras 48 horas do início
dos sintomas, entretanto, atualmente, alguns estudos demonstram
benefício nos casos graves mesmo quando iniciada após esse
período. A recomendação atual é iniciar a terapêutica em qualquer
momento da hipótese diagnóstica de síndrome gripal, mesmo sem
confirmação laboratorial, e de preferência o mais precoce possível. O
oseltamivir é prescrito na dose de 75 mg 2x/d, por 5 dias. Nos
Estados Unidos existem também o zanamivir 10 mg (2 jatos/d, por 5
dias) e o peramivir (600 mg IV, em dose única).
1.5.5 Vacinação
A vacinação deve ser realizada em todas as gestantes,
independentemente do trimestre da gravidez; porém, deve-se
realizar sempre a vacinação com vírus inativado. As vacinas por vírus
atenuado (spray intranasal) são contraindicadas na gestação.
1.6 INFECÇÃO POR VÍRUS ZIKA
O vírus zika é um flavivírus transmitido pelo mesmo mosquito que
transmite a dengue (Aedes aegypti). Apenas 20% da população
infectada apresenta sintomas, que podem variar entre febre, rash
cutâneo, artralgia, conjuntivite, mialgia e cefaleia. Os sintomas
podem aparecer entre 3 e 14 dias após a inoculação, e a evolução da
infecção, em geral, é autolimitada.
O maior problema associado ao vírus, obviamente, é a população
gestante, já que pode resultar em transmissão fetal transplacentária
e malformações importantes, como microcefalia. O diagnóstico
laboratorial ainda não tem um protocolo definido no Brasil. Em
linhas gerais, o Centers for Disease Control and Prevention
recomenda o teste molecular (PCR em tempo real) para mulheres
com suspeita de infecção com menos de 2 semanas de evolução, e a
pesquisa de IgM antiviral, para mais de 2 semanas. Ambas as
pesquisas são realizadas em amostra de sangue e urina materna.
Algumas estatísticas mostram incidência de malformação
neurológica em torno de 30% dos casos, sendo 24% com
microcefalia. Até o momento, não existem terapêutica nem vacina
preventiva disponível comercialmente. A melhor estratégia é a
prevenção, evitando-se áreas endêmicas, com combate ao vetor
(Aedes), proteção de partes expostas do corpo contra a picada do
inseto e uso de repelentes – no Brasil, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda somente o uso de repelentes
à base de N,N-Dietil-meta-toluamida (DEET) para a população
gestante. Ressalta-se que esses repelentes não devem ser usados em
menores de 2 anos.
1.7 HERPES NA GESTAÇÃO
A infecção pelo vírus herpes-simples (HSV) é prevalente em todo o
mundo entre as mulheres em idade fértil. Durante a gravidez, a
principal preocupação é a transmissão ao feto, uma vez que a
infecção neonatal pode resultar em grave morbidade e mortalidade.
As infecções por HSV (tipo 1 ou 2) podem ser classificadas em
primárias, secundárias ou recorrentes. A infecção primária, próxima
ao parto, é a de maior risco.
1.7.1 Quadro clínico
A apresentação inicial da infecção genital primária pode ser grave,
com úlceras genitais dolorosas, prurido, disúria, febre,
linfadenopatia inguinal e dor de cabeça. No entanto, a maioria dos
pacientes tem apenas sintomas leves ou permanece assintomática.
Nas infecções subsequentes, o quadro clínico tende a ser menos
exuberante.
1.7.2 Diagnóstico
O diagnóstico clínico da infecção pelo HSV genital geralmente é feito
pelo achado de lesões vesiculares ou ulceradas. Os testes
diagnósticos para infecção por HSV incluem PCR, cultura viral, teste
direto de anticorpos fluorescentes e testes sorológicos específicos.
1.7.3 Transmissão vertical
A transmissão do HSV ao recém-nascido geralmente ocorre durante
o trabalho de parto e parto, devido ao contato direto com locais
infectados (colo do útero, vagina, vulva, região perianal).
A infecção do recém-nascido pode ser classificada em: SEM
(localizada em pele, olhos e boca); CNS (sistema nervoso central),
+/- SEM e disseminada, cursando com coagulopatia.
1.7.4 Tratamento e profilaxia
O tratamento de episódios agudos é realizado com aciclovir (400 mg
VO, 3x/d, por 7 a 10 dias).
Gestantes com herpes genital ativo ou recorrente devem receber
terapia antiviral supressiva a partir de 36 semanas para reduzir o
risco de possuir lesões ativas no parto normal e indicação de parto
cesárea.
Entretanto, nenhuma intervenção elimina totalmente o risco de
infecção do herpes neonatal.
1.7.5 Via de parto
De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention e o
American College of Obstetricians and Gynecologists, deve-se
oferecer cesárea para gestantes com HSV genital somente no caso de
lesões genitais ativas (incluindo aquelas com crosta) ou sintomas
iniciais de infecção (prurido, ardência local). A amamentação não
está contraindicada, desde que não existam lesões de mama
herpéticas, e o uso de aciclovir ou valaciclovir não é uma
contraindicação à amamentação.
Qual é a conduta no pré-
natal e a via de parto das
gestantes infectadas pelo
herpes-vírus?
Quando infectadas pelo herpes-vírus durante o pré-natal,
as gestantes devem receber aciclovir 400 mg VO 3x/d, por 7
a 10 dias. A partir das 36 semanas, devem receber também
terapia antiviral supressiva, a fim de reduzir o risco de
lesões ativas no parto normal.
O Centers for Disease Control and Prevention e o American
College of Obstetricians and Gynecologists afirmam que a
indicação de parto cesárea deve ser feita apenas em casos
de lesões genitais ativas, ou, no máximo, em caso de
sintomas iniciais de infecção, como prurido e ardência
local. Deve ser lembrado, entretanto, que nenhuma
intervenção elimina totalmente o risco de infecção do
herpes neonatal.
Quais são os cuidados que
devem ser tomados no
trabalho de parto e no parto
para diminuição da
transmissão vertical?

2.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo está de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis
e Hepatites Virais, publicado em 09 de dezembro de 2015 e
modificado em 08 de agosto 2018 pelo Ministério da Saúde do Brasil.
Mais informações podem ser verificadas no site:
http://www.aids.gov.br/tags/publicacoes/protocolo-clinico-e-
diretrizes-terapeuticas.
A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) foi reconhecida
como entidade clínica distinta em 1981, apresentando correlação
com a homossexualidade masculina e o uso de drogas por via
intravenosa. A Organização Mundial da Saúde, em razão da crescente
prevalência da AIDS nos últimos anos, classifica essa doença como a
principal pandemia dos tempos modernos.
Observou-se, nos últimos anos, aumento significativo no número de
mulheres contaminadas. Como consequência, houve também
aumento no número de gestantes contaminadas e dos casos de AIDS
pediátrica. Esses aspectos demandam atenção especial de
profissionais da área científico-assistencial para o seu
equacionamento.
2.2 ETIOLOGIA
O agente etiológico da AIDS, denominado vírus da imunodeficiência
humana (HIV), é um retrovírus da subfamília lentivírus e foi isolado
na França em 1983. Apresenta características comuns aos retrovírus,
destacando o envelope lipídico bilaminar originado da célula
hospedeira. Esse envelope contém glicoproteínas próprias do vírus,
denominadas gp120 e gp41, que estão na sua superfície.
A gp120 promove a interação do vírus com o receptor do linfócito
CD4+, e a gp41 apresenta influência na fusão do vírus com a
membrana celular da célula hospedeira. Abaixo do envelope está o
capsídeo viral, onde estão as proteínas. O core viral está dentro do
capsídeo, onde pode ser isolada a p24. No interior do core,
observam-se o material genético do vírus (RNA), as proteínas e a
enzima viral transcriptase reversa.
Já foram descritos 2 tipos do HIV: o HIV-1 e o HIV-2, que
apresentam diferenças estruturais, epidemiológicas e
fisiopatológicas. Em nosso meio, o tipo mais frequente é o HIV-1.
Figura 2.1 - Anatomia do vírus da AIDS
Fonte: acervo Medcel.

2.3 MECANISMO DE INFECÇÃO E


REPLICAÇÃO VIRAL
O HIV-1 apresenta tropismo pelos linfócitos T auxiliares, nos quais
existem receptores específicos para o vírus, denominados CD4. Os
receptores CD4 também estão em outras células do organismo
(macrófagos, células do intestino delgado e do sistema nervoso),
entretanto a fisiopatologia da síndrome se baseia na diminuição do
número de linfócitos T-CD4+, elementos básicos do sistema
imunológico humano.
A penetração do vírus na célula é feita por endocitose mediada por
receptores e/ou por fusão direta entre a membrana celular e o
envelope viral.
Após a penetração do capsídeo, ocorre a liberação do RNA viral no
citoplasma da célula hospedeira. Na sequência, o HIV-1 libera a
enzima transcriptase reversa, responsável pela tradução do código
genético na direção oposta da usual em todos os seres vivos. O RNA
viral origina o DNA pró-viral, que se incorpora ao DNA da célula
infectada, criando condições para a replicação de seu próprio código
genético.
Esse pró-vírus pode ficar em latência, até que, por motivos
desconhecidos, sofre reativação, e a célula hospedeira passa a
reproduzir proteínas do genoma viral. As partículas virais, ao serem
liberadas por intermédio da membrana citoplasmática, adquirem os
componentes para formar seu envelope.
2.4 FISIOPATOLOGIA
O HIV-1 age levando a diminuição progressiva das células
responsáveis pela defesa do organismo, prejudicando seu potencial
de resposta imunológica.
Não é ainda completamente conhecido o mecanismo pelo qual o
HIV-1 provoca a morte do linfócito. Após a entrada do HIV-1 no
organismo, ocorre o seu reconhecimento pelo sistema imunológico,
gerando resposta humoral. A replicação viral, acometendo e
destruindo novos linfócitos, compromete a defesa imunológica da
pessoa infectada. Esse acometimento gradativo faz a infecção
apresentar distintas fases clínicas e laboratoriais:
1. Fase I: infecção aguda;
2. Fase II: infecção assintomática, com sorologia positiva;
3. Fase III: linfadenopatia persistente;
4. Fase IV: manifestação clínica da doença, com presença de
infecções oportunistas.

O reconhecimento dessas fases é importante para os obstetras e os


pediatras, pois os prognósticos materno e fetal são diferentes entre
elas.
2.5 TRANSMISSÃO DO HIV-1
São várias as formas de transmissão do HIV-1, divididas em 3
grandes grupos. O primeiro grupo compreende a transmissão por
contato sexual (homossexual, heterossexual e bissexual); o segundo
grupo, pela exposição parenteral ou de mucosas a sangue e seus
derivados, instrumentos e tecidos contaminados pelo vírus; e o
terceiro grupo, representado pela transmissão do vírus da mãe para
o feto, também chamada de Transmissão Vertical (TV), que pode
acontecer na gestação por via transplacentária, durante o parto ou
na amamentação.
2.5.1 Sexual
Inicialmente, a AIDS parecia ser uma doença ligada à
homossexualidade masculina. No Brasil, de 1980 a 1989, 90,9% dos
casos de AIDS em adultos notificados ao Ministério da Saúde do
Brasil ocorreram em homens. Entretanto, nos últimos anos,
verifica-se notável aumento na incidência de transmissão
heterossexual em mulheres.
A presença de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)
pode indicar, indiretamente, a via sexual como responsável pela
infecção HIV-1, constituindo um importante marcador de risco tanto
na população geral como entre gestantes.
2.5.2 Por sangue, tecidos ou instrumentos
contaminados
A exposição a sangue ou hemoderivados contaminados pelo HIV-1
apresenta elevada eficiência para a transmissão desse vírus. Essa
forma de transmissão diminuiu consideravelmente a partir da
implantação de políticas de saúde que exigiram melhor controle de
qualidade aos bancos de sangue e tornaram obrigatórios os testes
para a pesquisa de anticorpos anti-HIV-1 nos doadores.
Apesar de serem bem menos frequentes, são de extrema relevância
as transmissões por instrumentos contaminados, técnicas de
reprodução assistida (inseminação artificial), transplante de órgãos
e ocupacionais. Na atualidade, essa categoria de transmissão tem
como principal “vilão” o uso comunitário de drogas ilícitas por via
intravenosa.
Em cerca de 7 a 15% dos casos positivos para o HIV-1, não é possível
identificar corretamente a categoria de exposição. O medo de se
revelar usuária de drogas ilegais, os relacionamentos sexuais sem
proteção e o desconhecimento dos hábitos do parceiro parecem ser
as principais causas do número elevado de mulheres que estão na
categoria de exposição de causa desconhecida (indeterminada)
atualmente.
2.5.3 Vertical
A TV parece ser a principal forma de disseminação do HIV-1 em
crianças, resultado direto do aumento exponencial dessa infecção
em mulheres na idade reprodutiva. A TV pode ocorrer por 3
mecanismos: transplacentário, exposição da mucosa fetal a
secreções e/ou sangue materno no momento do parto e
amamentação natural. Apesar das irrefutáveis provas que apoiam os
3 mecanismos citados para a TV do HIV-1, o papel exato de cada um
não está totalmente estabelecido.
2.5.3.1 Transplacentária

A detecção do HIV-1 no líquido amniótico, no timo, no baço, no


pulmão e no cérebro de fetos de mães HIV positivas abortados
eletivamente sustenta a hipótese da transmissão placentária do
vírus. Acredita-se que a TV do HIV nos meses iniciais da gravidez é
baixa, fato que orienta uma concentração das medidas profiláticas
desse tipo de transmissão mais para o final da gravidez, incluindo o
momento do parto.
A contaminação fetal pelo HIV-1 pode ocorrer tanto pela passagem
do vírus por meio da placenta, veiculado pelo linfócito materno (sem
infectá-la), como secundariamente a uma infecção da placenta
(placentite) pelo vírus. Por outro lado, a infecção placentária por
esse agente não é necessariamente acompanhada de infecção fetal.
Algumas células trofoblásticas são capazes de expressar os
receptores CD4, embora a infecção pelo HIV-1 possa ocorrer nesse
tecido mesmo na ausência do CD4.
Não existem lesões histopatológicas placentárias que sejam
patognomônicas da infecção pelo HIV-1. As lesões são inespecíficas e
necessitam de técnicas especiais para que seja comprovada a
presença do vírus (ou de fragmentos de seu material genômico),
possibilitando a confirmação diagnóstica.
Atualmente, tem-se enfatizado, especialmente, a corioamnionite
causada por outros micro-organismos que produziriam pequenas
soluções de continuidade nas membranas, facilitando a
contaminação fetal. Esses achados tornaram a detecção e o controle
de outras infecções no período gestacional prioritários na assistência
pré-natal.
Não foi confirmada, ainda, a embriopatia relacionada diretamente à
infecção pelo HIV-1, que seria responsável pelo aparecimento de
malformações fetais como dismorfismo craniano, microcefalia,
nariz achatado, hipertelorismo, obliquidade dos olhos, fissura
palpebral alongada e presença de escleróticas azuis.
2.5.3.2 Periparto

O contágio no momento do parto acontece por analogia à


transmissão do vírus da hepatite B, transmitido por contato com
sangue e secreções maternas durante o nascimento. As culturas
virais, a amplificação gênica do HIV-1 e a pesquisa do antígeno são
formas que estimam aproximadamente o período em que a TV
ocorreu. O baixo percentual de positividade dessas provas
laboratoriais nos primeiros dias de vida do Recém-Nascido (RN),
mas que se tornam positivas progressivamente até o sexto mês,
parece indicar que o período periparto é importante na transmissão
do HIV-1. Crianças contaminadas em períodos precoces da gestação
ficam doentes mais rapidamente, fenômeno que é retardado quando
a contaminação ocorre no período periparto.
O período de maior risco de transmissão do HIV-
1 é o parto.

Na ausência de tratamento antirretroviral, rotura de membranas


ovulares por um período superior a 4 horas tem sido associada a
risco maior de transmissão, bem como microtransfusões
placentárias que ocorrem durante as contrações do trabalho de
parto.
Os defensores da lavagem vaginal durante o trabalho de parto e do
parto cesárea para as mulheres contaminadas por esse vírus se
baseiam na observação de que, na gestação gemelar, possivelmente
pela exposição mais íntima e prolongada às secreções do canal de
parto, o primeiro gemelar apresenta frequência mais elevada de
infecção vertical do HIV-1 quando comparada à do gêmeo seguinte.
Um dos maiores desafios é saber que fatores facilitam a passagem
transplacentária do vírus. Várias são as hipóteses, dentre elas a
infecção primária durante o período gestacional, o estado clínico e
imunológico da mãe durante a gravidez, os baixos níveis de
anticorpos neutralizantes, a infecção placentária por outros micro-
organismos e o tempo prolongado de amniorrexis.
2.5.3.3 Por lactação

A transmissão do HIV-1 pelo aleitamento natural foi


convincentemente demonstrada em 1991 por Van de Perre. A
indicação, liberação ou contraindicação da amamentação em
puérperas contaminadas depende do poder aquisitivo e das
condições psicológicas e culturais da mãe. Caso existam boas
condições de aleitamento artificial, a amamentação materna deve
ser contraindicada. O risco de infecção pela lactação diminui com o
passar dos meses, sendo mais frequente nos primeiros meses do
aleitamento exclusivo. Quando a fase aguda da infecção materna
ocorre durante o período de amamentação, o risco de TV por essa via
é extremamente elevado.
No Brasil, a amamentação natural está
formalmente contraindicada por mães
infectadas pelo HIV, independentemente da
carga viral.
Quadro 2.1 - Fatores relacionados à transmissão vertical do HIV
Sobre o tipo de parto, não se sabe se os partos vaginais
instrumentalizados – com fórcipe ou vacuoextração – podem
aumentar as taxas de TV desse vírus.
Estudos americanos têm demonstrado que as taxas de TV estão
sendo reduzidas (29 para 16%), talvez em decorrência das medidas
profiláticas. Com a utilização de zidovudina (AZT), foi observada
redução de 67,5% nas taxas de contaminação fetal pelo HIV-1. Em
contraposição a esses números, estão as taxas de TV verificadas na
África (40 a 45%), consideradas extremamente elevadas.
2.6 DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO
MATERNA
Figura 2.2 - Momentos para oferecer testagem de HIV à gestante

Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical


do HIV, Sífilis e Hepatites Virais, 2019.

2.6.1 Clínico
O diagnóstico clínico presuntivo da infecção pelo HIV-1 é possível,
mas com restrições, nas fases I, III e IV da infecção. Na fase I, o
quadro clínico é conhecido por mononucleose-like, sendo
inespecífico. Na fase II, a infecção é assintomática, não sendo
possível presumir o diagnóstico de infecção. A fase III é
caracterizada pela linfadenopatia generalizada e persistente,
marcando o início da perda de peso. Na fase IV, as manifestações
clínicas mais comuns são emagrecimento intenso, infecções
oportunistas e diarreia. Mesmo nos estados avançados da síndrome,
recomenda-se a confirmação laboratorial do diagnóstico.
2.6.2 Laboratorial
De acordo com a literatura, apesar de raros, podem ocorrer
resultados falsos positivos nos testes para HIV em gestantes em
função da presença de aloanticorpos. A realização do teste de carga
viral do HIV está indicada após a confirmação da infecção pelo HIV
por qualquer um dos fluxogramas de diagnóstico. Sendo o resultado
da carga viral superior a 1.000 cópias/mL, o teste de genotipagem
deverá ser solicitado e o sangue, imediatamente coletado. Após essa
conduta, deve-se introduzir a terapia antirretroviral (TARV).
As amostras podem ser de soro, plasma, sangue total ou sangue seco
em papel-filtro e devem ser coletadas em conformidade com o que
preconiza o fabricante do teste a ser utilizado, sendo o diagnóstico
da infecção pelo HIV habitualmente realizado com base na detecção
de anticorpos anti-HIV e/ou na detecção do antígeno.
Os testes de triagem apresentam alto grau de sensibilidade,
enquanto os testes confirmatórios possuem alto grau de
especificidade. Testes com alta sensibilidade produzem poucos
resultados falsos negativos, enquanto aqueles com alta
especificidade produzem poucos resultados falsos positivos.
Todas as amostras devem ser submetidas, inicialmente, a um teste
de triagem capaz de detectar anticorpos anti-HIV-1, incluindo o
grupo O e anticorpos anti-HIV-2. Nessa etapa, ainda, poderão ser
utilizados testes que combinem a detecção simultânea desses
anticorpos e de antígeno.
1. Testes de triagem para infecção pelo HIV:
a) Ensaio imunoenzimático – ELISA;
b) Ensaio imunoenzimático de micropartículas – MEIA;
c) Ensaio imunológico com revelação quimioluminescente e suas
derivações – EQL;
d) Ensaio imunológico fluorescente ligado à enzima – ELFA;
e) Ensaio imunológico quimioluminescente magnético – CMIA;
f) Testes rápidos: imunocromatografia, aglutinação de partículas
em látex ou imunoconcentração;
g) Novas metodologias registradas na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) e validadas pelo Departamento de
Vigilância, Prevenção e Controle das Doenças Sexualmente
Transmissíveis e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (DDST-
AIDS).

Testes que detectam o antígeno p24 normalmente reduzem o


período de janela imunológica. O teste já se torna positivo cerca de 5
a 10 dias antes do aparecimento dos primeiros anticorpos anti-HIV.
Já os testes imunoenzimáticos de quarta geração, que detectam
antígeno e anticorpo simultaneamente, podem reduzir ainda mais o
período de janela.
2.6.2.1 Resultados não reagentes

A amostra com resultado não reagente, no teste da etapa I, será


definida como “amostra não reagente para HIV”. Nesse caso, o
diagnóstico da infecção é concluído, sem necessidade de nenhum
teste adicional, exceto pela suspeita de soroconversão (janela
imunológica). Caso exista suspeita de infecção pelo HIV, uma nova
amostra deve ser coletada 30 dias após a data da primeira amostra.
2.6.2.2 Resultados reagentes

O diagnóstico reagente da infecção pelo HIV deve ser realizado


mediante, pelo menos, 2 etapas de testagem (I e II), em
conformidade com os testes citados, os quais possuem
características indicadas para cada etapa, como a triagem e a
confirmação. Portanto, a amostra com resultado reagente no teste
da etapa I deverá ser submetida à etapa II. Os seguintes testes
poderão ser utilizados na etapa II:
a) Imunofluorescência indireta;
b) Immunoblot;
c) Immunoblot rápido;
d) Western blot.

Para a interpretação dos resultados e a liberação do laudo, são


analisados, conjuntamente, os resultados obtidos nos testes das
etapas I e II. Diante de resultados reagentes, nos testes de ambas as
etapas, o laboratório liberará o laudo como “amostra reagente para
HIV” e solicitará a coleta de segunda amostra para a comprovação do
resultado da primeira. Após a coleta, essa segunda amostra deverá
ser encaminhada ao laboratório o mais rapidamente possível e
submetida somente à etapa I do fluxograma presente na Figura 2.3.
Quando o resultado do teste com a segunda amostra for reagente, o
resultado deverá ser liberado como “amostra reagente para HIV”.
Nesse caso, o diagnóstico estará definido. O resultado reagente não
se torna negativo. Somente em raríssimos casos, em condições de
imunodeficiência celular e humoral extrema, como ocorre na fase
avançada da doença, pode ocorrer a negativação dos anticorpos
detectados pelos ensaios imunoenzimáticos. Eventualmente, podem
ocorrer resultados falsos positivos. A falsa positividade na testagem
é mais frequente na gestação do que em crianças, homens e
mulheres não grávidas e pode acontecer em algumas situações
clínicas, como no caso de doenças autoimunes. Nessas situações, a
história clínica das exposições de risco de transmissão do HIV e o
resultado laboratorial devem orientar a investigação. Para a exclusão
do diagnóstico da infecção pelo HIV em casos de resultados suspeitos
de falsos positivos, a testagem deve ser repetida em uma nova
amostra.
2.6.2.3 Resultados indeterminados

Os resultados indeterminados podem ser obtidos em indivíduos que


estão na fase de soroconversão, em vias de se tornar reagentes, mas
com quantidades insuficientes de anticorpos, que os kits não
conseguem detectar. Também podem se produzir em pacientes na
fase terminal da doença, ou se tratar da detecção de anticorpos
inespecíficos de doenças autoimunes ou outros agravos que se ligam
casualmente, sem significado clínico, como uma reação cruzada,
muito embora o desenvolvimento tecnológico da produção dos kits
comerciais tenha melhorado a especificidade do insumo,
minimizando essa problemática. Um resultado reagente no teste da
primeira etapa e não reagente ou indeterminado no teste da segunda
etapa deve chamar a atenção para a possibilidade de soroconversão
em curso e gera um resultado indeterminado. Após 30 dias desse
primeiro resultado, o teste da etapa II já poderá ser reagente, o que
não ocorre no caso de resultado falso positivo, em que reatividade
inicial desaparece ou é mantida sem soroconversão. Os testes de
biologia molecular podem contribuir para o esclarecimento do
diagnóstico, principalmente quando se tratar do final da gestação.
No caso de gestantes com resultados indeterminados na primeira
amostra, é rotina do laboratório realizar o teste na segunda amostra,
além da solicitação especial para a coleta de nova amostra para
biologia molecular a fim de auxiliar o diagnóstico. Caso o resultado
da segunda amostra persista indeterminado, o laudo será liberado
como “amostra indeterminada para HIV” juntamente com o
resultado da carga viral ou da pesquisa do DNA pró-viral, quando
disponível (testes de biologia molecular). Caso o resultado da
segunda amostra seja não reagente, o laudo será liberado como
“amostra não reagente para HIV” e terá a seguinte ressalva: “em
caso de suspeita de infecção pelo HIV, uma nova amostra deverá ser
coletada 30 dias após a data da coleta da primeira”. Se o resultado
com a segunda amostra for reagente, esta será submetida à etapa II
do fluxograma para confirmação do diagnóstico, e o resultado será
interpretado mediante a análise dos resultados das 2 etapas.
Resultados reagentes na etapa I e indeterminados ou não reagentes
na etapa II também serão liberados pelo laboratório como “amostra
indeterminada para HIV”. Caso persista a suspeita de infecção pelo
HIV, uma nova amostra será solicitada e encaminhada,
preferencialmente, ao mesmo local em que se realizou o teste com a
primeira amostra.
Diante de um resultado indeterminado, deverá ser considerada, em
conjunto com a gestante, a relação risco-benefício de indicar os
procedimentos para a redução da TV do HIV.
Figura 2.3 - Diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV em indivíduos com idade
superior a 18 meses
Fonte: elaborado pelo autor.

A possibilidade do diagnóstico da infecção pelo HIV em uma única


consulta, com o teste rápido, elimina a necessidade de retorno da
gestante ao serviço de saúde para conhecer o seu estado sorológico.
Adicionalmente, possibilita o início imediato de acompanhamento
no Sistema Único de Saúde (SUS). Esses testes não demandam uma
estrutura laboratorial ou pessoal especializados e fornecem o
resultado em um tempo menor do que 30 minutos.
Além da rapidez na determinação do estado sorológico, a eficiência,
a confiabilidade e a boa relação custo-efetividade do teste rápido já
foram estabelecidas no Brasil. O algoritmo preconizado no país
permite que o diagnóstico da infecção pelo HIV seja realizado sem
necessidade de quaisquer outros exames laboratoriais para
confirmação do resultado.
Figura 2.4 - Fluxograma para diagnóstico de HIV a partir de amostra sanguínea

1 Utilizar um conjunto diagnóstico do mesmo fabricante, preferencialmente de lote de


fabricação diferente.
2 Encaminhar o paciente para realizar o teste de quantificação de carga viral (RNA HIV-1).
3 Em caso de suspeita de infecção pelo HIV, uma nova amostra deverá ser coletada 30
dias após a data da coleta desta amostra.
Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 2.5 - Fluxograma para diagnóstico de HIV a partir de amostra de fluido oral

Nota: a realização imediata do teste de CV-HIV está indicada após a confirmação da


infecção pelo HIV. Já o teste de genotipagem está indicado para todas as gestantes que
forem iniciar TARV. Esse teste deverá ser solicitado e a amostra de sangue coletada antes
de iniciar a TARV. Não é necessário aguardar o resultado da genotipagem para início da
TARV.
Fonte: elaborado pelo autor.

Os testes rápidos para HIV são métodos


preferenciais para diagnóstico, pois possibilitam
início adequado da TARV e resposta virológica
mais precoce. A testagem laboratorial pode ser
utilizada, desde que a entrega do resultado
ocorra em tempo oportuno (até 14 dias).

2.7 DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO


FETAL
A obtenção de amostra sanguínea por meio da cordocentese para o
diagnóstico de infecção fetal enfrenta algumas dificuldades. Ao
passar a agulha pelos tecidos maternos, existe a potencial chance de
contaminação desse instrumento, crescendo o risco.
Ainda não é possível o diagnóstico da infecção
fetal pelo HIV-1 sem riscos para o feto.

2.8 IDENTIFICAÇÃO DE GESTANTES


INFECTADAS
Em dezembro de 1985, o Centers for Disease Control and Prevention
publicou recomendações mais objetivas para aumentar o número de
diagnósticos da infecção pelo HIV-1 em mulheres, principalmente
nas regiões dos Estados Unidos, que tinham altas taxas de
prevalência da infecção. O que se pretendia com essa medida era o
controle da TV do vírus, pois se acreditava que as mulheres
infectadas poderiam optar por não engravidar ou, se engravidassem,
pela interrupção da gestação. Entretanto, essas suposições não se
confirmaram, e foram detectadas taxas de gestações repetidas muito
semelhantes às observadas na população geral, mostrando que a
decisão de ter um bebê, muitas vezes, independe da condição de
portadoras do vírus.
Para saber a metodologia de identificação de gestantes de risco para
a infecção pelo HIV-1 que melhor se aplica a determinada população,
é necessário avaliar sua eficácia naquela comunidade. Para isso,
podem ser realizados questionários estruturados, comparando-os
com o resultado da sorologia materna.
Só podem usufruir dos benefícios do diagnóstico precoce aquelas
mulheres que conhecem sua condição de portadoras do vírus; desta
forma, a identificação sorológica consentida para gestantes que
residem em regiões de elevada prevalência da infecção tem papel
fundamental na programação do atendimento obstétrico.
2.9 INFLUÊNCIAS DA GESTAÇÃO
SOBRE A INFECÇÃO PELO HIV-1
As modificações e adaptações do sistema imunológico observadas no
organismo feminino durante a gestação suscitam dúvidas a respeito
da interação entre a infecção pelo HIV-1 e a gravidez. Sabe-se, por
exemplo, que a depressão da imunidade celular e a
hipergamaglobulinemia resultante da ativação policlonal
inespecífica dos linfócitos B são alterações presentes nas infecções
pelo HIV-1 e podem ser observadas também na gestação normal.
Avaliar as repercussões da gravidez em portadoras do HIV-1
constitui uma tarefa complexa. As dificuldades estão em parear
corretamente mulheres infectadas grávidas e não grávidas,
considerando idade, tipo de contaminação, hábitos e costumes após
a infecção e, principalmente, a real limitação para determinar o
tempo de infecção dessas pacientes.
Os critérios para avaliar a progressão da infecção pelo HIV-1 não
envolvem apenas as características clínicas, mas também alterações
laboratoriais que antecedem os sinais e sintomas dessa evolução.
Entre esses exames, estão a contagem de linfócitos CD4/CD8,
dosagens de alfa-2-microglobulina, neopterina e RNA-mensageiro
de mononucleares do sangue periférico. Por esses exames
apresentarem custo elevado, em algumas instituições a evolução da
infecção é aferida apenas do ponto de vista de suas manifestações
clínicas.
Os resultados dos estudos não são unânimes quanto aos efeitos da
gravidez sobre a evolução clínica da infecção pelo HIV-1. Até hoje,
não se sabe com certeza se a infecção progride rapidamente durante
a gestação ou se o período gestacional diminuiria a replicação viral.
Entretanto, há comprovação de que a gestação exerce influência
negativa sobre o prognóstico em gestantes com AIDS (fase IV de
infecção).
A redução de CD4+ induzida adicionalmente pela gravidez colabora
para que essas pacientes estejam mais próximas do risco de
desenvolverem infecções oportunistas, como pneumonia, principal
causa de morte dessas pacientes.
Sabe-se que a falta de assistência pré-natal e de alimentação
adequada piora o prognóstico mesmo em gestantes normais. Em
imunocomprometidas, tais fatores parecem ser ainda mais
importantes, apontando para um prognóstico pior no caso dessas
mulheres.
2.10 PROGNÓSTICO DA GESTAÇÃO
Nos estágios III e IV da doença, parece não haver dúvidas de que o
prognóstico da gestação esteja de alguma forma comprometido.
Além dos estágios clínicos e da duração da infecção, acredita-se que
outros fatores, como assistência pré-natal deficiente, desnutrição,
uso de drogas ilícitas por via intravenosa e outras infecções
associadas possam influenciar de maneira negativa os resultados
perinatais.
Sem dúvida, o grau de hipóxia intraútero nessas gestações é
considerável, traduzindo-se clinicamente na observação de maiores
taxas de óbito fetal e nos baixos índices de Apgar nos RNs de mães na
fase IV da infecção. É possível que o prognóstico ruim não seja
apenas pela infecção por HIV-1, visto que várias dessas mães podem
apresentar condições clínicas que também aumentam as taxas de
hipóxia fetal e neonatal. Também há correlação entre prematuridade
e infecção pelo HIV-1. Além do estado crítico de saúde dessas
mulheres, infecções genitais podem promover o desencadeamento
do trabalho de parto prematuro frequentemente.
Mesmo com algumas controvérsias, não há como negar o
prognóstico gestacional mais reservado em portadoras do HIV-1,
independentemente de ter havido contaminação da criança no
intraútero.
O planejamento familiar tem aspectos sociais importantes e deve
sempre respeitar a livre escolha por parte dos casais, após o
esclarecimento dos métodos contraceptivos disponíveis.
2.11 ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL
Do ponto de vista obstétrico, é fundamental a identificação de
gestantes soropositivas para o HIV, para que se possa realizar
atendimento pré-natal diferenciado.
Durante o pré-natal, as orientações devem abordar aspectos do
diagnóstico, do prognóstico, do risco de TV, dos efeitos deletérios
das drogas ilícitas por via intravenosa e das outras ISTs, da
utilização do preservativo (evitar exposição repetitiva ao vírus), do
tipo de aleitamento e da anticoncepção futura. É sempre importante
o atendimento multidisciplinar (médico, nutricionista, psicólogo,
enfermeiro) durante o pré-natal.
Um dos objetivos da avaliação inicial de uma pessoa recém-
diagnosticada com infecção pelo HIV é estabelecer uma boa relação
profissional-paciente. O uso de uma linguagem acessível é
fundamental para explicar os aspectos essenciais da infecção
causada pelo vírus, bem como a importância do acompanhamento
clínico-laboratorial e da TARV, contribuindo para a adesão ao
seguimento e ao tratamento.
Os itens listados a seguir servem como um roteiro para orientar a
abordagem no acompanhamento inicial da gestante infectada pelo
HIV:
a) Avaliar o nível de conhecimento da gestante sobre a doença e
explicar o significado da infecção pelo HIV e sua evolução, assim como
do risco de transmissão vertical e da elevada eficácia das medidas
preventivas;
b) Enfatizar o impacto positivo do início do uso de TARV para a
prevenção da TV e para a qualidade de vida, destacando a importância
da adesão nesse processo;
c) Identificar alguma condição que exija intervenção imediata, como
sinais e sintomas sugestivos de infecções, bem como a necessidade
de se iniciar profilaxia para infecções oportunistas;
d) Orientar para a avaliação da parceria sexual e dos filhos(as).

De modo geral, o atendimento pré-natal das pacientes


contaminadas pelo HIV independe da fase da infecção. A anamnese
deve ser a mais completa possível, incluindo, na história obstétrica,
a evolução e o resultado de gestações anteriores, com ênfase especial
em eventos mórbidos, como infecções gerais e as sexualmente
transmissíveis, bem como os respectivos tratamentos. O estado de
saúde do parceiro e dos filhos deve ser investigado. Nos retornos,
deve-se questionar sobre fraqueza, cansaço e perda ou dificuldade
de ganhar peso, elementos que podem ser considerados próprios da
gestação, mas também indicativos de progressão da doença. O
exame físico deve ser detalhado com o objetivo de detectar sinais
como linfadenopatia, candidíase oral, IST e infecção de vias aéreas
superiores. O exame físico obstétrico não difere do habitual.
Quadro 2.2 - Órgãos e sistemas comumente associados a manifestações da infecção pelo
HIV no exame inicial em assintomáticas
Além dos aspectos que dizem respeito à gestação, é preciso
considerar as condições imunológicas da gestante vivendo com
HIV/AIDS. Na infecção pelo HIV, à medida que aumenta a
imunossupressão, reduz a possibilidade de resposta imunológica
consistente.
Sempre que possível, deve-se adiar a administração de vacinas em
pacientes sintomáticos ou com imunodeficiência grave, com
contagem de LT-CD4+ inferior a 200 células/mm3, até que um grau
satisfatório de reconstituição imune seja obtido com a TARV, o que
proporciona melhora na resposta vacinal e reduz o risco de
complicações pós-vacinais.
Alguns estudos demonstram elevação transitória da carga viral após
a imunização, fenômeno denominado transativação heteróloga, o
qual tem duração de aproximadamente 4 semanas. Essa elevação da
viremia, mesmo que transitória, pode aumentar o risco de
transmissão do HIV intraútero, sendo mais uma razão para
postergar o início do esquema vacinal para após o início do
tratamento antirretroviral.
Além disso, devido à transativação heteróloga, a vacinação deve ser
evitada no final da gestação, já que esse é o período de maior risco de
transmissão fetal.
A vacina da febre amarela deve ser evitada; porém, em regiões de
risco elevado, ela poderá ser realizada, devido à alta
morbimortalidade da doença, a partir do terceiro trimestre da
gestação, sempre considerando a relação risco-benefício.
As vacinas com vírus vivo atenuado são contraindicadas na gestação
(tríplice viral – sarampo, caxumba e rubéola, varicela). A vacina de
papilomavírus humano não está indicada para as gestantes. No
entanto, em situação de vacinação inadvertida, não se recomenda a
interrupção da gestação. A gestante deve ser acompanhada durante o
pré-natal. O esquema, por sua vez, deve ser completado após o
parto.
#IMPORTANTE
A vacinação deve ser evitada no final da
gestação, já que esse é o período de maior risco
de transmissão fetal.

A recomendação na rotina do pré-natal geral é realizar a imunização


para o tétano.
Quadro 2.3 - Imunizações recomendadas a gestantes soropositivas para o HIV
A conduta obstétrica durante o pré-natal de gestantes contaminadas
pelo HIV-1 deve seguir os critérios de uma gestação de alto risco,
com avaliações ultrassonográficas e de vitalidade fetal de rotina.
Estão contraindicados procedimentos invasivos para a avaliação da
maturidade e da vitalidade fetal (cordocentese e amniocentese), para
que não aumente o percentual de TV desse vírus.
Além dos exames laboratoriais rotineiros do pré-natal, incluindo o
VDRL, é conveniente a pesquisa de infecção por gonococo,
Chlamydia, Mycoplasma, citomegalovírus, hepatite B e toxoplasmose.
Completa-se a avaliação laboratorial por meio da pesquisa da carga
viral e dos marcadores celulares (CD4+/CD8+), para verificar o nível
de progressão da doença.
A carga viral é um dos fatores associados ao risco de transmissão
vertical do HIV e auxilia na definição da via de parto. A taxa de
transmissão é inferior a 1% em gestantes em uso de antirretrovirais
que mantêm níveis de carga viral abaixo de 1.000 cópias/mL, sendo,
portanto, muito baixa quando a carga viral é indetectável. Além
disso, esta é utilizada para a monitorização da gestante infectada
pelo HIV, auxiliando na avaliação da resposta ao tratamento
antirretroviral.
Durante o seguimento da gestante infectada pelo HIV, devem ser
realizados pelo menos 3 exames de carga viral: na primeira consulta
do pré-natal, para estabelecer a magnitude da viremia; entre 2 e 4
semanas após a introdução do esquema antirretroviral, para avaliar
a resposta ao tratamento; e a partir da trigésima quarta semana,
para indicação da via de parto.
Quando o esquema antirretroviral for modificado por qualquer
motivo, o seguimento virológico (acompanhamento com carga viral)
deverá ser realizado entre 4 e 8 semanas após a mudança de
esquema e a partir da trigésima quarta semana, para definir a via de
parto.
Quadro 2.4 - Exames complementares do pré-natal
A infecção oportunista mais comum é a pneumonia por Pneumocystis
jirovecii, com episódios iniciais associados a mortalidade de 5 a 10%
dos casos. Essas taxas se elevam nos episódios subsequentes. Em
situações de impossibilidade de acesso à contagem de linfócitos T-
CD4+, a introdução de profilaxias primárias (quimioprofilaxia com
sulfametoxazol-trimetoprima) deve ser considerada para pacientes
com linfócitos totais < 1.000 células/mm3 (no hemograma),
especialmente se a hemoglobina for menor do que 13 g/dL, pela
grande probabilidade de a contagem de linfócitos T-CD4+ ser
inferior a 200 células/mm3.
Uma vez que a tuberculose é a principal causa de óbito definida em
Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (PVHA), recomenda-se que seja
pesquisada em todas as consultas, inclusive durante o pré-natal.
Deve-se questionar a gestante sobre a presença de tosse, febre,
emagrecimento e/ou sudorese noturna. A presença de qualquer um
desses sintomas pode indicar tuberculose ativa e deve ser
investigada.
A Prova Tuberculínica (PT) é importante para auxiliar o diagnóstico
da infecção latente da tuberculose e constitui um marcador de risco
para o desenvolvimento de tuberculose ativa, devendo ser realizada
em todas as PVHAs assintomáticas para tuberculose. Caso a PT seja
menor do que 5 mm, recomenda-se que seja repetida anualmente e
após a reconstituição imunológica com TARV. O tratamento da
infecção latente com isoniazida é recomendado a todas as PVHAs
com PT ≥ 5 mm, desde que seja excluída tuberculose ativa.
Caso o PPD não esteja disponível, e se afastada a possibilidade de
tuberculose ativa, deve-se considerar a instituição da profilaxia com
isoniazida nas seguintes situações:
a) Gestantes vulneráveis que vivem confinadas ou em situação
precária de moradia (imigrantes ou não);
b) Gestantes que convivem com tossidores crônicos;
c) Gestantes em uso prolongado de corticoides e drogas
imunossupressoras.

Para as gestantes infectadas pelo HIV e com tosse prolongada,


independentemente da contagem de linfócitos T-CD4+, deve ser
solicitado escarro para realização do teste rápido da tuberculose e
pesquisa direta do bacilo de Koch (BK).
Quadro 2.5 - Profilaxia primária para infecções oportunistas
2.11.1 Recomendações dietéticas gerais
a) Consumir alimentos ricos em ferro, como carne vermelha, legumes
e vegetais de cor verde;
b) Consumir frutas e vegetais ricos em vitamina C;
c) Consumir cereais integrais como arroz e aveia, além de pão integral;
d) Fracionar a alimentação em 3 refeições principais e 3 lanches;
e) Balancear a alimentação: cereais, carnes, leite, ovos, frutas,
legumes e vegetais; consumir gorduras saturadas em pequenas
quantidades;
f) Tomar 2 litros de água ao dia, no mínimo;
g) Evitar o consumo de bebidas alcoólicas e cigarros;
h) Estabelecer horários fixos para as refeições;
i) Evitar ingerir grandes quantidades de café, chá preto, chocolate e
alimentos com aditivos, como conservantes e corantes;
j) Mastigar bem os alimentos e procurar fazer as refeições em lugares
tranquilos;
k) Não se deitar depois de comer, para evitar refluxo, náuseas e
vômitos;
l) Ocorrendo náuseas ao despertar, preferir alimentos secos como
torradas e frutas;
m) Evitar o consumo de refrigerantes, doces, alimentos gordurosos e
frituras em geral;
n) Em caso de constipação, aumentar o consumo de alimentos ricos
em fibras, pão integral, aveia, arroz integral, legumes, verduras e
frutas. Aumentar, também, o consumo de líquidos, como água, sucos
naturais ou água de coco.

Toda gestante infectada pelo HIV deve receber TARV durante a


gestação, que pode ter 2 objetivos: profilaxia da TV ou tratamento da
infecção pelo HIV.
2.11.2 Tratamento antirretroviral na gestação
1. Principais objetivos da terapia antirretroviral em gestantes com
indicação de tratamento antirretroviral:
a) Reduzir o risco de progressão da doença, diminuindo a
morbidade e a mortalidade associadas ao HIV;
b) Melhorar a qualidade de vida;
c) Preservar e, quando possível, restaurar o sistema imunológico;
d) Suprimir de forma sustentada a replicação viral, prevenindo a
TV do HIV.

A TARV está indicada a toda gestante infectada pelo HIV,


independentemente de critérios clínicos e imunológicos, e não deve
ser suspensa após o parto, independentemente do nível de LT-CD4+
no momento do início do tratamento. Tal diretriz é conhecida
internacionalmente como Opção B+ e visa:
a) Suprimir a replicação viral de forma sustentada, prevenindo a
transmissão vertical e sexual do HIV;
b) Reduzir o risco de progressão da doença, diminuindo a morbidade e
a mortalidade associadas ao HIV;
c) Melhorar a qualidade de vida;
d) Preservar e, quando possível, restaurar o sistema imunológico;
e) Evitar o uso intermitente de antirretroviral em diferentes gestações;
f) Promover proteção precoce, em relação à transmissão vertical, em
futuras gestações.

A TARV reduz significativamente a possibilidade de transmissão


sexual do HIV – de 30% para 1% quando se alcança a supressão da
carga viral materna para < 50 cópias/mL. Destaca-se que, mesmo
em uso dessa terapia, há fatores que podem aumentar a transmissão,
como a presença de ISTs. Portanto, o uso de preservativos deve ser
sempre estimulado, mesmo em pacientes que apresentam supressão
viral.
A TARV pode ser iniciada na gestante antes mesmo dos resultados
dos exames de LT-CD4+ e carga viral e genotipagem, principalmente
nos casos que iniciam tardiamente acompanhamento pré-natal, a
fim de alcançar a supressão viral o mais rapidamente possível.
2.11.3 Genotipagem pré-tratamento
A genotipagem pré-tratamento está indicada a todas as gestantes
infectadas pelo HIV, de forma a orientar o esquema terapêutico
inicial. A realização de genotipagens para gestante deve ser
considerada prioridade dentro da rede de assistência, uma vez que a
escolha de um esquema antirretroviral eficaz tem impacto direto na
transmissão do HIV. Contudo, ressalta-se que o início do tratamento
não deve ser retardado pela não obtenção do resultado desse exame.
2.11.4 Gestantes que não fizeram uso de terapia
antirretroviral
Devido à potência de inibição da replicação viral, menor risco de
resistência viral em curto prazo e maior segurança dos
antirretrovirais, a TARV deve ser administrada a todas as gestantes
infectadas pelo HIV, com associação de 3 antirretrovirais,
independentemente da situação virológica, clínica ou imunológica.
2.11.4.1 Primeira linha de tratamento

Esquema antirretroviral com inibidores da transcriptase reversa não


análogos de nucleosídeos (ITRNNs).
A terapia inicial deve sempre incluir combinações de 3
antirretrovirais, sendo 2 inibidores da transcriptase reversa
análogos de nucleosídeos e nucleotídeos (ITRNs/ITRNts) associados
a 1 ITRNN.
O esquema preferencial de primeira linha deve ser: tenofovir (TDF) +
lamivudina (3TC) + raltegravir (RAL).
2.11.4.2 Escolha dos inibidores da transcriptase reversa análogos de
nucleosídeos e nucleotídeos

A associação tenofovir/lamivudina (TDF/3TC) é a preferencial nas


gestantes infectadas pelo HIV, pois tem facilidade posológica (dose
única diária) e atividade contra o vírus da hepatite B, além de um
perfil de toxicidade favorável em relação à lipoatrofia e à toxicidade
hematológica associadas à AZT.
Dados sobre o uso do TDF durante o primeiro trimestre de gestação
não demonstraram aumento em defeitos congênitos quando em
comparação com a população geral. Além disso, esse antirretroviral
foi bem tolerado durante a gestação.
Nos casos de impossibilidade do uso de TDF/3TC, a associação
zidovudina/lamivudina (AZT/3TC) é a segunda opção de escolha.
Caso essa associação não possa ser usada, recomenda-se o abacavir
(ABC) associado à 3TC como terceira opção (só devendo ser utilizada
em pacientes que tenham teste para o HLA-B*5701 negativo, pelo
risco de hipersensibilidade).
A didanosina está contraindicada na gestação, devido a aumento
significativo de defeitos congênitos associados a esse antirretroviral.
Casos excepcionais:
1. Para os casos em que a dupla de ITRN (TDF/3TC) estiver
contraindicada, deve-se proceder da seguinte maneira:
a) Esquema de primeira linha – alternativo;
b) Contraindicação ao TDF – primeira opção: utilizar AZT;
c) Contraindicação ao 3TC – segunda opção: utilizar ABC.

2.11.4.3 Escolha dos inibidores de integrase

A recomendação do uso de inibidor de integrase (INI) como droga de


escolha para a composição do esquema preferencial em gestantes em
início de tratamento uniformiza a escolha de TARV preferencial para
início de tratamento no Brasil.
Os consensos mais recentes que abordam gestantes vivendo com HIV
recomendaram raltegravir (RAL) como opção de tratamento
preferencial.
Os INIs apresentam vantagens importantes em comparação a outras
classes para a composição do esquema de mulheres gestantes no
Brasil. Trata-se de uma medicação potente para diminuição rápida
da carga viral, um dos principais fatores de impacto na redução da
TV do HIV, especialmente no terceiro trimestre. Estudos clínicos em
adultos mostraram uma queda da carga viral mais rápida com uso de
RAL do que com uso de efavirenz (EFV), que era a droga utilizada
anteriormente no esquema.
Os INIs possuem boa barreira genética. Não há evidência de
resistência a essa classe no Brasil. Trata-se de uma droga com boa
tolerabilidade e perfil favorável a efeitos adversos. Possui menos
interações medicamentosas e, em caso de coinfecção com
tuberculose, não é necessário o ajuste terapêutico.
O RAL deve ser administrado na dose habitual de 400 mg, em 2
tomadas diárias, associado às demais drogas na composição do
esquema TARV.
O RAL é o ARV da classe dos INI mais estudado
na população de mulheres grávidas, sendo o INI
de escolha para gestantes em início de TARV.

2.11.4.4 Segunda linha de tratamento – esquemas alternativos

a)Terapia antirretroviral com inibidor de protease/ritonavir como


adjuvante farmacológico (IP/r)
Diversas associações de IP/r demonstraram ser efetivas como
terceira droga de escolha no esquema de TARV durante a gestação, e
o atazanavir (ATV) está entre as drogas mais estudadas.
O uso de esquemas ARV contendo IP/r deve ser considerado na
impossibilidade de uso do INI. O ATV/r é o IP/r de escolha, com base
na sua maior experiência e uso, alta potência de supressão viral e
perfil de segurança na gestação, além da comodidade posológica
(tomada única diária). O ATV/r apresenta passagem transplacentária
de 10% e pode causar discreto aumento de bilirrubina indireta no RN.
Se houver contraindicação ao uso do ATV/r, poderá ser utilizado o
darunavir, com base na sua experiência e alta potência viral. Deve ser
realizada prescrição de darunavir 600 mg associado a 100 mg de
ritonavir, 2x/d.
b) Terapia antirretroviral com efavirenz

O EFV tem sua eficácia comprovada na gestação por revisões


sistemáticas e meta-análises que excluíram a maior incidência de
defeitos congênitos das crianças expostas no primeiro trimestre da
gestação. É a droga considerada de primeira escolha pela
Organização Mundial da Saúde, embora tenha perdido esse papel no
protocolo dos países, incluindo o Brasil, principalmente pela
preocupação com a neurotoxicidade e pelo relato frequente de
aumento na incidência de resistência transmitida aos ITRNNs, com
taxa de mutação de aproximadamente 8%.
A combinação TDF + 3TC + EFV 600 mg/d, em comprimido
coformulado, pode ser utilizada quando a adesão é uma
preocupação, desde que esteja documentada sensibilidade por
genotipagem.
No cenário brasileiro, o uso de EFV deve estar
necessariamente associado à realização de
genotipagem pré-tratamento com evidência de
atividade dessa medicação.

As gestantes que iniciarem TARV durante a gestação com esquema


TDF + 3TC + EFV em dose fixa combinada poderão realizar troca do
antirretroviral para DTG após o final da gestação, reforçando-se que
a amamentação é contraindicada em toda mulher vivendo com HIV.
O início do uso de DTG está condicionado à necessidade de que a
possibilidade de gravidez seja descartada e que a mulher vivendo
com HIV esteja em uso regular de método contraceptivo eficaz,
preferencialmente os que não dependam da adesão (DIU ou
implantes anticoncepcionais), ou que não tenha possibilidade de
engravidar (método contraceptivo definitivo ou outra condição
biológica que impeça a ocorrência de gestação). Além disso, para que
a troca seja possível, a paciente deverá:
1. Estar em seguimento clínico e uso de TARV de forma regular;
2. Estar com CV-HIV indetectável documentada recente (menos de 6
meses);
3. Ser orientada quanto à troca e seus benefícios.

Essa troca será prescrita e monitorada pelo especialista em


seguimento da paciente e deverá ser abordada já durante o
tratamento inicial alternativo.
2.11.5 Gestante em uso de terapia antirretroviral
com carga viral indetectável
Para as gestantes infectadas pelo HIV, já em uso de TARV prévia ao
diagnóstico da gestação, como ainda não há dados de segurança para
o seu uso na gestação, recomenda-se a troca para RAL. No entanto, a
troca deve ser discutida entre o médico assistente e a gestante,
considerando questões de adesão e ponderando-se o risco-benefício
de propor a mudança do esquema em uma mulher que esteja bem
adaptada.
2.11.6 Gestante em uso de terapia antirretroviral
com carga viral detectável
Os indivíduos que, após 6 meses de início ou troca de esquema
antirretroviral, apresentarem carga viral detectável, ou se houver
rebote da carga viral em pacientes que haviam atingido supressão
viral sob tratamento, devem ser considerados em falha virológica.
Porém, na gestação, o período de 6 meses pode ser crucial para o
tratamento efetivo, portanto algumas recomendações específicas
devem ser seguidas:
a) Todas as gestantes deverão realizar carga viral na primeira consulta
de pré-natal;
b) Gestantes em início de tratamento ou após modificação de TARV
deverão ter nova amostras de carga viral coletada em 2 a 4 semanas.
Caso não tenha ocorrido queda de, pelo menos, 1 log na carga viral,
deverão ser avaliadas quanto à adesão e interação medicamentosa,
mas, especialmente, quanto à efetividade da TARV prescrita. Caso o
resultado da genotipagem demonstre resistência aos antirretrovirais
em uso, a adequação deve ser feita o mais precocemente possível;
c) Gestantes em TARV que apresentam carga viral detectável (> 500
cópias/mL) deverão ser avaliadas quanto à adesão e deverão coletar
genotipagem para adequação da medicação em uso.

A escolha de esquemas antirretrovirais de resgate deve considerar


conceitos e princípios importantes para avaliação da resistência
genotípica. Nas situações em que há dúvida quanto à aplicação
desses princípios e ao manejo do caso, recomenda-se que o médico
assistente consulte uma retaguarda técnica existente na rede, como
os Médicos de Referência em Genotipagem, câmaras técnicas ou
serviços de referência para adultos infectados pelo HIV, que
detenham ampla experiência no tratamento de pacientes
multiexperimentados.
2.11.7 Manejo dos efeitos adversos da terapia
antirretroviral
Os efeitos adversos mais comuns nas primeiras semanas de
tratamento antirretroviral em gestantes são semelhantes àqueles
que ocorrem nos adultos em geral.
A ocorrência de hiperêmese gravídica pode levar à necessidade de
postergar o início do tratamento.
1. 3TC: eventos adversos raros. Pode ocorrer pancreatite e neuropatia
periférica;
2. TDF: risco de toxicidade renal, lesão renal aguda e síndrome de
Fanconi. Não iniciar TDF em caso de doença renal prévia e usar com
precaução caso a paciente tenha hipertensão mal controlada, diabetes
não tratada e baixo peso corpóreo;
3. AZT: náuseas, anorexia, cefaleia, alterações no paladar, mal-estar,
insônia, anemia e neutropenia. Deve ser substituído caso Hb < 10g/dL
ou neutrófilos < 1.000 células/mm3;
4. ABC: exantema e síndrome de Stevens-Johnson. Descontinuar o
medicamento caso ocorra;
5. EFV: sintomas associados ao sistema nervoso central, como
tonturas, “sensação de embriaguez”, sonolência ou insônia, dificuldade
de concentração e sonhos vívidos (sensação forte de realidade).
Sintomas geralmente desaparecem com a continuidade do tratamento;
6. Nevirapina: exantema grave, geralmente com lesões
maculopapulares do tipo eritema multiforme (7%) com progressão para
hepatotoxicidade. Deve ser substituída caso esses efeitos ocorram;
7. Lopinavir/ritonavir: diarreia, náuseas, astenia, dor abdominal,
cefaleia, vômitos e hiperlipidemia com hipertrigliceridemia. Realizar
adequações de dieta e medicamentos sintomáticos;
8. Atazanavir/ritonavir: aumento da bilirrubina total, à custa da fração
indireta, com presença de icterícia e elevação das transaminases (2 a
7%). Avaliar clinicamente a retirada da droga;
9. RAL: aumento de transaminases no terceiro trimestre da gestação,
reversíveis com a retirada da droga;
10. Dolutegravir: bem tolerado, alguns efeitos incomuns são cefaleia,
insônia e sintomas gastrintestinais. Devem ser manejados com uso de
sintomáticos.
2.11.8 Síndrome inflamatória da reconstituição
imune na gestante vivendo com HIV/AIDS
A reconstituição imune é uma das metas da TARV. Em algumas
situações, observa-se um quadro clínico de caráter inflamatório
exacerbado, chamado de síndrome inflamatória associada à
reconstituição imune (SIR), associado ao início da TARV.
Essa síndrome se manifesta como piora “paradoxal” de doenças
infecciosas preexistentes, geralmente autolimitadas, mas que
podem assumir formas graves. São descritas reações inflamatórias
relacionadas a infecções fúngicas, virais e bacterianas, neoplasias e
fenômenos autoimunes.
A SIR pode se apresentar como agravamento de uma doença já
diagnosticada, como no caso da tuberculose, tradicionalmente
cursando com aumento de linfonodos, bem como o aparecimento de
uma doença não diagnosticada previamente, exacerbando uma
infecção subclínica preexistente.
O início da TARV em pacientes com baixas contagens de LT-CD4+ é
um fator preditor para a ocorrência de SIR, em especial com história
pregressa ou atual de coinfecções ou de infecções oportunistas. A
prevenção das complicações associadas à SIR envolve identificação e
manejo precoce.
O diagnóstico de síndrome inflamatória associada à reconstituição
imune é clínico e deve ser considerado quando sinais ou sintomas
inflamatórios ocorrem entre 4 e 8 semanas após o início da terapia
antirretroviral, na reintrodução de um esquema interrompido ou na
modificação para um esquema mais eficaz após a falha terapêutica.
Observam-se, em geral, aumento na contagem de LT-CD4+ e
redução na carga viral, o que demonstra a efetividade do tratamento.
No diagnóstico diferencial, deve ser excluída falha da terapia
antirretroviral por má adesão ou resistência viral, falha ao
tratamento da coinfecção ou da manifestação oportunista,
interações medicamentosas e eventos adversos associados à terapia
antirretroviral.
Uma vez que não existem critérios bem estabelecidos para o
diagnóstico de SIR, normalmente é necessária uma combinação de
achados para orientar a suspeita clínica.
1. Critérios para suspeita clínica de síndrome da reconstituição
imune:
a) Piora de doença reconhecida ou surgimento de nova manifestação
após início da TARV;
b) Presença de imunodepressão grave (contagem de LT-CD4+ < 100)
antes do início ou modificação do esquema;
c) Relação temporal entre o início da TARV e o aparecimento das
manifestações inflamatórias – dentro de 4 a 8 semanas do início da
TARV;
d) Presença de resposta imune, virológica ou ambas após o início da
TARV;
e) Exclusão de falha terapêutica, reação adversa ou superinfecção.

Na suspeita de SIR, devem-se priorizar diagnóstico e tratamento da


infecção oportunista. Na maior parte dos casos, a resolução é
espontânea, envolvendo tratamento sintomático, como anti-
inflamatórios não hormonais. Ressalta-se que a TARV não deve ser
interrompida, exceto em casos graves.
A terapia com corticosteroides suprimindo a resposta inflamatória
deve ser utilizada nos casos graves. Pode ser necessário o uso de
prednisona 1 a 2 mg/kg, ou equivalente, durante 1 a 2 semanas, com
posterior retirada gradual. Devem-se considerar riscos e benefícios
dessa terapia.
O manejo da SIR inclui a manutenção da TARV, o tratamento das
doenças desencadeadas e a introdução de corticosteroides sistêmicos
nos casos mais graves.
2.12 ASSISTÊNCIA OBSTÉTRICA
2.12.1 Indicação da via de parto em gestantes
vivendo com HIV/AIDS
a) Em mulheres com carga viral desconhecida ou maior que 1.000
cópias/mL após 34 semanas de gestação, a cesárea eletiva a partir da
trigésima oitava semana de gestação diminui o risco de TV do HIV;
b) Para gestantes em uso de ARV e com supressão da carga viral HIV
sustentada, caso não haja indicação de cesárea por outro motivo, a via
de parto vaginal é a indicada;
c) Em mulheres com carga viral HIV < 1.000 cópias/mL, mas
detectável, pode ser realizado parto vaginal, se não houver
contraindicação obstétrica. No entanto, o serviço deve estar ciente de
que essa mulher tem indicação de receber AZT intravenoso.

2.12.2 Biossegurança no parto


As precauções básicas e universais são medidas de prevenção que
devem ser adotadas em qualquer paciente, independentemente do
diagnóstico definido ou presumido de doenças infecciosas, quando
da manipulação de sangue, secreções, excreções, mucosas ou pele
não íntegra.
As medidas de biossegurança incluem a utilização de Equipamentos
de Proteção Individual (EPIs), luvas, máscara, óculos de proteção,
capotes e aventais, com a finalidade de reduzir a exposição da pele e
das mucosas do profissional de saúde ao sangue ou fluidos corpóreos
de qualquer paciente.
Em caso de exposição a materiais biológicos, o profissional exposto
deve ser avaliado com rapidez para que possa, caso seja indicado,
realizar a profilaxia devida. A profilaxia ao HIV não confere
segurança absoluta e, portanto, não substitui a boa prática de saúde
no que confere minimizar risco mediante o uso correto dos EPI e
técnica de excelência.
Durante o parto (vaginal ou cesárea) da mulher infectada pelo HIV,
devem-se tomar os seguintes cuidados:
a) Preferir sempre o uso de tesouras, em vez de bisturi;
b) Nunca utilizar lâmina de bisturi desmontada (fora do cabo);
c) Preferir fios de sutura agulhados;
d) Evitar agulhas retas de sutura, devido ao maior risco de acidente
percutâneo;
e) Utilizar sempre pinças auxiliares nas suturas, evitando manipulação
dos tecidos com os dedos durante a sutura da episiotomia (quando
esta for necessária), durante o fechamento por planos na operação
cesariana e outros procedimentos;
f) Evitar sutura por 2 cirurgiões, simultaneamente, no mesmo campo
cirúrgico;
g) Atentar para que a passagem de materiais perfurocortantes (bisturi,
porta-agulhas montados etc.) do auxiliar para o cirurgião seja feita por
meio de cubas, após aviso verbal;
h) Utilizar EPI na manipulação da placenta, do cordão umbilical e nos
cuidados imediatos ao RN, devido à possibilidade de exposição a
sangue e líquido amniótico.

Estão contraindicadas as condutas invasivas para a avaliação do


bem-estar fetal, como a monitorização contínua da frequência
cardíaca fetal com eletrodo em escalpo e/ou obtenção de amostra
sanguínea para avaliação do pH fetal.
No momento do parto, deve-se procurar minimizar a exposição ao
sangue materno e às secreções vaginais, realizando rotura tardia das
membranas ovulares, clampeando rapidamente o cordão umbilical,
aspirando suavemente as vias aéreas superiores do RN e limpando as
secreções da sua pele.
Quadro 2.6 - Medidas no período intraparto
2.12.3 Indicação de zidovudina na profilaxia da
transmissão do HIV no parto e puerpério
AZT injetável é indicada para a prevenção de transmissão vertical e
deve ser administrado durante o início do trabalho de parto até o
clampeamento do cordão umbilical (dose de 2 mg/kg na primeira
hora, seguindo com a infusão contínua, com 1 mg/kg/h, até o
clampeamento do cordão umbilical). De acordo com o protocolo do
Ministério da Saúde, gestantes com carga viral indetectável não
precisam receber AZT previamente ao parto.
Os demais antirretrovirais devem ser mantidos nos horários
habituais, pela via oral com um pouco de água, durante o trabalho de
parto ou no dia da cesárea programada. Recomenda-se a
manutenção do uso da AZT injetável como profilaxia a todas as
gestantes durante o parto, exceto aquelas que apresentem carga viral
indetectável após 34 semanas de gestação.
As gestantes internadas para inibição do trabalho de parto pré-
termo devem receber AZT por via intravenosa enquanto estiverem
apresentando contrações uterinas; iniciar a infusão, em acesso
venoso com 2 mg/kg na primeira hora, seguindo com a infusão
contínua, com 1 mg/kg/h, até o clampeamento do cordão umbilical.
Dilui-se em soro glicosado a 5%. A concentração não deve exceder 4
mg/mL.
Para as gestantes com indicação de cesárea eletiva, a infusão de AZT
deve ter início 3 horas antes da cirurgia e ser mantida até a hora do
nascimento.
As pacientes HIV positivas que chegam à maternidade em trabalho
de parto, e que não fizeram a profilaxia com antirretroviral durante a
gestação, iniciarão imediatamente o uso de AZT por via intravenosa,
e o RN receberá AZT por via oral, com início em até 2 horas após o
nascimento.
O esquema alternativo à AZT injetável deve ser utilizado apenas em
situações de indisponibilidade dessa apresentação do medicamento
no momento do parto. A dose de AZT é 300 mg, VO, no começo do
trabalho de parto ou na admissão, seguida de 300 mg, VO, a cada 3
horas até o clampeamento do cordão umbilical. Esse esquema não é
recomendado pela absorção errática da AZT VO, sem evidência que
garanta nível sérico adequado no momento oportuno.
Figura 2.6 - Situações para administração de AZT intravenoso profilático para gestante
durante o parto
Fonte: Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical
do HIV, Sífilis e Hepatites Virais, 2019.

2.13 ASSISTÊNCIA PUERPERAL


O isolamento completo de mulheres contaminadas com o HIV-1 no
período puerperal é desnecessário e indesejável, em razão de seus
aspectos negativos sobre a paciente, que pode se sentir discriminada.
O alojamento conjunto, nessas situações, permite a intensificação da
relação mãe-filho, diminuindo objetivamente os índices de
abandono do RN.
A individualização do quarto (alojamento privativo) permite que
todas as orientações se efetivem em ambiente de confidencialidade,
mas não é obrigatória. A exclusividade de uso do vaso sanitário tem
correta indicação, evitando a disseminação do vírus pela loquiação
materna. Recomenda-se a higienização do vaso sanitário com
hipoclorito de sódio.
A puérpera deve ser orientada quanto à importância de seu
acompanhamento clínico e ginecológico, assim como sobre o
seguimento da criança até a definição de situação imunológica. É
muito comum, após o parto, haver diminuição da adesão da mulher
ao tratamento, principalmente o não comparecimento a consultas
agendadas em serviço de referência para HIV, quando o diagnóstico é
feito na maternidade. O comparecimento às consultas deve ser
estimulado e monitorizado, lançando-se mão de busca ativa, se
necessário.
O seguimento obstétrico da mulher com HIV no puerpério, salvo em
situações especiais de complicações ocorridas durante o parto e o
puerpério imediato, é igual ao de qualquer outra mulher, devendo-se
prever o retorno entre o quinto e o oitavo dias e no quadragésimo
segundo dia pós-parto.
A caderneta da gestante tem informações importantes para o
acompanhamento da criança e para futuras gestações. Por esse
motivo, deve ser devolvida à puérpera com todas as anotações
referentes ao período da internação para o parto.
A puérpera deve ter alta da maternidade com consulta agendada no
serviço de saúde especializado para o seu acompanhamento e o da
criança. É necessário considerar que mulheres que não amamentam
tendem a um período menor de amenorreia, podendo voltar a ovular
a partir de 4 semanas após o parto. Assim, considerando os direitos
sexuais e reprodutivos dessas mulheres, estas devem ser
acompanhadas nas ações de planejamento familiar, para que façam
escolhas reprodutivas de forma consciente e segura.
Todas as gestantes que iniciarem TARV durante a gestação com
esquema TDF + 3TC + RAL deverão realizar a troca do antirretroviral
para dolutegravir, em um prazo de até 3 meses após o fim da
gestação. No entanto, para que seja possível a troca, a gestante
deverá:
a) Estar em seguimento clínico e uso de TARV de forma regular;
b) Estar com carga viral indetectável documentada dos últimos 6
meses;
c) Ser orientada quanto à troca e seus benefícios.
Os anticoncepcionais hormonais orais diminuem a
quantidade/duração do fluxo menstrual e provocam espessamento
do muco cervical. Esses efeitos, aliados à sua eficácia contraceptiva,
tornam os anticoncepcionais hormonais orais uma excelente escolha
para as mulheres soropositivas.
O dispositivo intrauterino está contraindicado a mulheres
contaminadas pelo HIV-1, pois está associado a aumento nas taxas
de doença inflamatória pélvica, abscesso tubo-ovariano e
hipermenorragia, entre outros.
A anticoncepção definitiva por meio da laqueadura tubária constitui
o melhor método para a prevenção da TV do HIV-1, mas, entre
mulheres jovens, a taxa de adesão é baixa.
A paciente deve ser estimulada a informar à família sua condição de
soropositividade. O apoio familiar oferece benefícios sobre as
condições de saúde da puérpera e facilita o seguimento médico
posterior em serviço de referência.
O aleitamento materno está contraindicado, pois apresenta um risco
adicional de 14% para a transmissão do vírus. Para a Organização
Mundial da Saúde, a amamentação deve se fundamentar apenas no
critério socioeconômico. Em países desenvolvidos, o aleitamento
natural não é indicado, e, nos países em desenvolvimento, esse tipo
de alimentação não encontra restrição perante as grandes taxas de
mortalidade infantil decorrentes da falta de alimentação, superando
as ligadas à infecção pelo HIV-1. Sendo assim, no Brasil,
recomendam-se a não amamentação e a substituição do leite
materno por fórmula infantil após as devidas orientações. Em
situações especiais, pode ser utilizado leite humano pasteurizado,
proveniente de Banco de Leite credenciado pelo Ministério da Saúde,
como no caso de RN pré-termo ou de baixo peso. O aleitamento
cruzado (amamentação da criança por outra nutriz), o aleitamento
misto e o uso de leite humano com pasteurização domiciliar são
terminantemente contraindicados. A criança exposta, infectada ou
não, terá direito a receber a fórmula láctea infantil, pelo menos, até
completar 6 meses. Em alguns estados, a fórmula é fornecida até os
12 meses ou mais.
A inibição farmacológica da lactação deve ser realizada
imediatamente após o parto, utilizando-se cabergolina 1 mg VO, em
dose única (2 comprimidos de 0,5 mg VO).
Essa indicação ocorre pelas vantagens que a cabergolina apresenta
em relação a outros medicamentos, como efetividade, comodidade
posológica e raros efeitos colaterais (gástricos), devendo ser
ministrada antes da alta hospitalar. Além disso, trata-se de
medicamento cujo custo é ressarcido ao serviço de saúde, mediante a
informação do código do procedimento no preenchimento da
Autorização de Internação Hospitalar do parto.
Diante da ocorrência de lactação rebote, fenômeno pouco comum,
pode-se realizar uma nova dose do inibidor.
O enfaixamento das mamas consiste em realizar compressão das
mamas com atadura, imediatamente após o parto, com o cuidado de
não restringir os movimentos respiratórios ou causar desconforto
materno. O enfaixamento é recomendado por um período de 10 dias,
evitando-se a manipulação e a estimulação das mamas. Esse
procedimento pode ser considerado como medida de exceção,
apenas para os casos em que a cabergolina não estiver disponível.
Quais são os cuidados que
devem ser tomados no
trabalho de parto e no parto
para diminuição da
transmissão vertical?
Durante o trabalho de parto, o parto instrumentalizado
deve ser evitado. Quando indicado, o fórcipe deve ser
preferido ao vacuoextrator. Havendo condições favoráveis
para o parto vaginal e estando este indicado, a AZT
intravenosa deve ser iniciada logo que a parturiente chegar
ao serviço, conforme protocolo estabelecido (gestantes
com carga viral detectável) e manter a infusão até a
ligadura do cordão umbilical. Diante da integridade da
bolsa amniótica, a progressão normal do trabalho de parto
é preferível à sua indução; o trabalho de parto deve ser
monitorizado cuidadosamente, evitando toque
desnecessários e repetidos (utilizar o partograma). Deve-
se evitar que a parturiente permaneça com bolsa rota por
tempo prolongado (> 4 horas) visto que a taxa de TV
aumenta progressivamente após esse período; sendo
assim, a amniotomia artificial deve ser evitada, a menos
que extremamente necessária. A ligadura do cordão
umbilical deve ser imediata à expulsão do feto, não
devendo ser executada, sob nenhuma hipótese, a ordenha
do cordão. A episiotomia só será realizada após avaliação
cautelosa da sua necessidade.
A cesárea eletiva deve ser realizada a partir da trigésima
oitava semana de gestação, a fim de evitar prematuridade,
o trabalho de parto e a rotura prematura de membranas
ovulares. Caso a gestante que tenha indicação para cesárea
eletiva inicie o trabalho de parto antes da data prevista
para a cirurgia e chegue à maternidade com dilatação
cervical mínima (< 4 cm), o obstetra deverá iniciar a
infusão de AZT e realizar a cesárea, se possível, após 3
horas de infusão. Sempre que possível, proceder ao parto
empelicado e ligar o cordão umbilical imediatamente após
a retirada do RN.
Quais são as principais
alterações causadas pelo
vírus da rubéola no feto e
no recém-nascido?

3.1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, verificou-se um notável avanço no entendimento
das infecções congênitas em virtude do desenvolvimento dos
métodos laboratoriais e de imagem, particularmente da
ultrassonografia obstétrica, que permite a identificação precisa da
doença materna e da infecção fetal. Os achados clínicos, que no
passado só podiam ser confirmados após o nascimento, hoje podem
ser detectados na vida intrauterina, permitindo uma abordagem
mais rápida e segura.
A utilização da cordocentese e de técnicas de biologia molecular
auxilia na abordagem diagnóstica e terapêutica. No caso da rubéola,
a possibilidade de detecção da IgM utilizando técnicas altamente
sensíveis e específicas faculta ao pré-natalista a facilidade do
diagnóstico seguro da infecção fetal.
O interesse suscitado pela transmissão vertical do vírus da rubéola
supera, sem dúvida, a importância clínica dessa doença tanto em
crianças quanto em adultos.
3.2 AGENTE ETIOLÓGICO
O vírus da rubéola é um RNA-vírus que pertence ao gênero
Rubivirus, da família Togaviridae. Até o momento, existe somente 1
sorotipo desse vírus. Tem no homem seu único reservatório, o que
possibilita sua erradicação.
3.3 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS
Foi a primeira doença na qual se identificou a transmissão
congênita. Antes da introdução dos programas de vacinação, era
endêmica em todo o mundo. Em países com programas de vacinação
eficientes, tem se tornado rara, tendo sido recentemente erradicada
nos Estados Unidos e na Escandinávia. Uma revisão da sua
ocorrência em países em desenvolvimento mostra uma grande
variação, mas a proporção de mulheres suscetíveis está entre 15 e
25%, mesmas taxas dos países desenvolvidos na era pré-
imunização. Dados da Organização Mundial da Saúde de 2003
estimaram mais de 100 mil crianças nascidas com síndrome da
rubéola congênita.
3.4 TRANSMISSÃO HORIZONTAL
A transmissão horizontal convencional da rubéola é feita por
partículas salivares espalhadas pelos indivíduos infectados. Essa
transmissão aérea possibilita que o vírus entre pela nasofaringe,
invada o tecido mucoso e se dissemine localmente ou para os
linfonodos vizinhos.
O período de incubação varia de 2 a 3 semanas, enquanto o período
de transmissão vai desde 7 dias antes do aparecimento do exantema
até 5 dias após.
A viremia ocorre após a primeira semana e desaparece no término do
exantema. Cerca de 25 a 35% dos casos podem ser assintomáticos.
Em adultos, 95% dos sintomáticos geralmente apresentam doença
leve ou de pequena gravidade.
3.5 TRANSMISSÃO VERTICAL
A via hematogênica transplacentária é a principal forma da
transmissão vertical do vírus da rubéola, mas também existe a
possibilidade de contaminação por meio das secreções vaginais no
momento do parto e o risco teórico de contaminação com o leite
materno infectado.
Já se sabe da avidez do vírus da rubéola por tecidos e órgãos em
processo de diferenciação e maturação.
As células infectadas por ele podem apresentar alterações
cromossômicas, redução do tempo de multiplicação celular e
aumento da produção intracelular de substâncias inibidoras de
divisão celular. Esses fatores podem contribuir para a redução do
tamanho placentário, explicando a restrição de crescimento fetal em
crianças com Síndrome da Rubéola Congênita (SRC).
À microscopia óptica, o acometimento vascular na placenta é o dado
de maior importância, porém é mais discreto do que o observado em
outras infecções.
O risco da infecção fetal pelo vírus da rubéola começa na concepção.
A taxa de infecção fetal é elevada nas primeiras 12 semanas da
gestação (90% da infecção fetal, dos quais 85% podem apresentar
sequelas graves). A taxa de contaminação fetal cai para 30% entre a
vigésima e a trigésima semana de gestação, mas pode chegar a 60%
entre a trigésima primeira e a trigésima sexta semanas e,
finalmente, a 100% no final da gravidez.
Os danos fetais são raros após a décima sexta semana de gestação,
porém alguns fetos infectados no terceiro trimestre podem
apresentar restrição de crescimento.
Não são claros os fatores que previnem ou promovem o potencial de
transmissão do vírus da rubéola com a evolução da gestação.
Mudanças na estrutura histológica placentária e diminuição da
espessura trofoblástica próxima do termo podem ser fatores de
destaque, assim como a diferenciação da resposta imune e outras
defesas menos específicas.
As lesões placentárias são frequentes, mas não são encontradas em
todos os casos de rubéola fetal. Por outro lado, nem todas as
placentas infectadas resultam em contaminação do feto.
3.6 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA
RUBÉOLA ADQUIRIDA
As manifestações clínicas da rubéola adquirida são geralmente leves,
tanto em crianças quanto em adultos; 30% das pessoas acometidas
são assintomáticas. Entre as sintomáticas, o sinal mais característico
é o exantema maculopapular, que se inicia na parte superior do tórax
e na face, estendendo-se para todo o corpo em sua evolução.
O exantema surge de 2 a 3 semanas após a contaminação e dura, em
média, de 1 a 5 dias, podendo cursar com febre baixa e mal-estar. Em
alguns casos, pode ser observado um período prodrômico (1 a 5 dias
antes do exantema), caracterizado por mal-estar, febre baixa,
cefaleia e ardor conjuntival, refletindo a reação orgânica ao início da
viremia.
A adenomegalia acomete particularmente as cadeias cervicais,
retroauriculares e occipitais, apresentando linfonodos
individualizados, aumentados de volume e dolorosos. Esse processo
se inicia com o exantema, persiste por 2 a 3 semanas e regride
totalmente após esse período.
Em aproximadamente 30% dos adultos, estão presentes artralgias –
verifica-se que as mulheres mostram uma incidência maior dessas
complicações – envolvendo as articulações mais proximais, como
joelhos e cotovelos, podendo ser o único sintoma da infecção.
Em geral, a infecção pelo vírus da rubéola apresenta escassa ou
nenhuma repercussão para o estado geral, e a chance de a virose
passar totalmente despercebida pela gestante é frequente.
3.7 EFEITOS SOBRE O FETO E O
RECÉM-NASCIDO
Figura 3.1 - Rubéola congênita

Fonte: CDC, 1978.

São inegáveis os efeitos deletérios da rubéola sobre o feto e o recém-


nascido. Na dependência do período gestacional da contaminação do
feto, ela pode ser causa de abortamento, óbito fetal e/ou
malformações.
O risco fetal é claramente superior se a viremia ocorre nas primeiras
8 semanas de gestação. Por muito tempo, os defeitos visuais,
auditivos e cardíacos e o retardo mental foram as únicas alterações
associadas à SRC clássica (tétrade de Gregg). Posteriormente,
observou-se maior variedade das manifestações clínicas dessa
síndrome.
Nem todos os casos apresentam a síndrome completa. As formas
oligossintomáticas ou até monossintomáticas são possíveis. O
exemplo mais frequente dessa situação é a surdez congênita. A
catarata, presente em 75% dos casos dessa síndrome, é nuclear, mas
progressivamente chega à opacificação total.
A coexistência de catarata e microftalmia é bastante frequente. Entre
as cardiopatias congênitas decorrentes da rubéola, a persistência do
ducto arterioso parece ser a mais comum, incidindo em até 58% dos
casos. Seguem-se os defeitos de paredes interventriculares e
interatriais.
#IMPORTANTE
A restrição de crescimento fetal incide em 2
terços dos casos de síndrome da rubéola
congênita, e a prematuridade, em 30%.

A restrição de crescimento fetal e a prematuridade, apesar de não


serem alterações específicas da embriopatia causada pelo vírus da
rubéola, são bastante frequentes.
Após o estabelecimento da infecção fetal, a replicação do vírus da
rubéola continua durante a gestação, persistindo, em algumas
crianças, até o primeiro ano de vida. Ao nascimento, 90% dos
recém-nascidos excretam vírus nos fluidos biológicos, reduzindo-se
essa taxa para 40% aos 6 meses e menos de 10% com 1 ano de idade.
O mecanismo determinante da persistente eliminação viral não está
devidamente esclarecido. Acredita-se que a localização intracelular
do vírus, associada à imaturidade do sistema imunológico dessas
crianças ou possíveis defeitos da sua imunidade celular, possa
perpetuar a excreção viral.
Figura 3.2 - Opacificação dos cristalinos (rubéola congênita)
Fonte: CDC, 1976.

Quadro 3.1 - Síndrome da rubéola congênita


3.8 DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO
AGUDA DA RUBÉOLA
3.8.1 Clínico
A história de infecção prévia não é uma informação plenamente
confiável, uma vez que 80% das mulheres em idade fértil que
negavam doença no passado apresentavam anticorpos IgG contra o
vírus da rubéola. É importante salientar que, em média, de 20 a 30%
das mulheres na idade reprodutiva são suscetíveis à infecção
primária por esse vírus.
O diagnóstico geralmente se baseia em provas sorológicas. Quando
presentes, as manifestações clínicas dessa infecção são lideradas por
exantema maculopapular, febre baixa, artralgia e adenomegalia,
principalmente na região cervical. Artralgias estão presentes em 30 a
40% dos casos. O período prodrômico é marcado pela presença de
mal-estar, febrícula, cefaleia e ardor conjuntival, com ocorrência
maior entre adultos. Deve-se lembrar que, 1 semana antes da fase
exantemática, o vírus já está sendo eliminado na orofaringe.
3.8.2 Laboratorial
Inicialmente, na fase aguda da infecção, tanto os anticorpos da
classe IgG quanto os da classe IgM podem ser detectados, porém
estes últimos comumente não perduram por mais do que 4 ou 5
semanas. A viremia surge 7 dias após a contaminação e desaparece
ao final do período exantemático, deduzindo-se que a infecção fetal
é possível durante o período de incubação e na fase clínica dessa
virose. A excreção viral pela orofaringe ocorre de 7 dias antes do
exantema até 15 dias após o desaparecimento desse sinal.
Várias são as provas sorológicas para o diagnóstico da rubéola, entre
elas, imunofluorescência indireta, hemólise radial, aglutinação pelo
látex e radioimunoensaio. O Teste de Inibição da Hemaglutinação
(TIH) foi a prova mais utilizada em todo o mundo, e hoje o teste
imunoenzimático (ELISA) é o mais utilizado na maioria dos centros
médicos. O TIH identifica anticorpos específicos contra o vírus da
rubéola, mas não especifica a classe de anticorpos (IgG ou IgM). Essa
técnica só deve ser utilizada na ausência de maiores recursos
tecnológicos.
Tanto pelo ELISA tradicional quanto pela técnica de captura de
anticorpos, é possível detectar separadamente IgG e IgM, sendo
esses métodos extremamente úteis para o controle da exposição ao
vírus. No momento, a tendência mundial é a adoção desses testes,
relegando o TIH a planos secundários.
O teste de avidez da IgG é um recurso importante para auxiliar na
determinação da época em que ocorreu a infecção e no diagnóstico
diferencial de situações, como portadores crônicos de IgM,
reinfecção e outras situações de falsos positivos. Após a infecção
primária, a avidez aumenta progressivamente durante os 3
primeiros meses, podendo ser baixa até 6 semanas após a infecção.
A técnica mais específica para detectar o vírus da rubéola é a
transcrição reversa mediada pela polimerase seguida por
amplificação (PCR). A sensibilidade e a especificidade observadas
são, em média, de 94 e 100%, respectivamente. As grandes
dificuldades desse método são seu custo elevado e sua complexidade
técnica, demandando instalações especiais. A PCR constitui uma
técnica que possibilita também a identificação do vírus no sangue
fetal obtido por meio da cordocentese.
3.8.3 Conduta diagnóstica
Perante as limitações da história clínica para o diagnóstico da
rubéola durante a gestação, exceto nos casos de manifestação clínica
exuberante, a avaliação laboratorial passa a ser fundamental. Na
prática clínica, várias situações durante a gestação indicam a
realização de exames sorológicos para rubéola.
O contato da gestante com pessoa contaminada pelo vírus da rubéola
(presença de exantema) é muito comum, e, nesse caso, é preciso
saber o tempo decorrido entre esse contato e a consulta atual. Em
todos os casos, deverá ser avaliado o status sorológico da gestante
contra a rubéola. Essa medida pode elucidar a presença de imunidade
prévia ao vírus em questão.
A pesquisa da presença de anticorpos da classe IgM por ensaio
imunoenzimático pela técnica de captura de anticorpos pode levar ao
diagnóstico. Porém, quanto maior o intervalo decorrido entre o
contato e a realização do exame sorológico, menor a possibilidade de
encontrar IgM na amostra de sangue da gestante.
Toda gestante com quadro clínico sugestivo de rubéola deve ser
investigada laboratorialmente, o mais rápido possível. A situação
torna necessárias 2 pesquisas sorológicas, uma durante a fase
sintomática e a outra de 1 a 2 semanas depois. Se as 2 amostras
apresentarem resultados negativos, estará assegurado que a
gestante nunca teve infecção pelo vírus da rubéola. A interpretação
não será fácil se as 2 amostras forem positivas pelo TIH, havendo
necessidade de identificar o anticorpo IgM em 1 ou nas 2 amostras
para a confirmação da rubéola.
3.9 DIAGNÓSTICO DA REINFECÇÃO
A reinfecção pelo vírus da rubéola é frequentemente subclínica e tem
sido considerada de risco mínimo para malformações fetais, visto
que o risco de transmissão vertical é inferior a 5%. A reinfecção
promove risco para o feto somente quando associada a viremia
materna, condição bastante rara nas reinfecções. Por isso, mesmo
nos casos em que se tem certeza da imunidade de determinada
gestante, aconselha-se sempre que ela evite o contato com pessoas
portadoras do vírus.
Podem ser encontradas gestantes reinfectadas pelo vírus da rubéola
após imunidade induzida por vacina. Os níveis de anticorpos contra
esse vírus diminuem gradualmente com os anos, e a proteção
oferecida nesse caso pode não ser tão longa quanto a imunidade
induzida pela infecção natural.
O diagnóstico sorológico da reinfecção pelo vírus da rubéola é
extremamente difícil, pois não existe nenhum marcador específico
para esse evento. A elevação rápida da IgG preexistente com IgM
baixa ou ausente não assegura reinfecção, podendo representar
apenas uma resposta à presença do vírus no organismo materno.
3.10 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL DA
INFECÇÃO
O diagnóstico pré-natal tem sua utilidade para informar ao
neonatologista as condições futuras da criança, permitindo a esse
profissional preparar-se adequadamente para a recepção do recém-
nascido nas melhores condições possíveis.
O vírus pode ser detectado pela biópsia de vilo corial (mais
precocemente), no líquido amniótico ou no sangue fetal, por meio da
cordocentese. A técnica de biópsia de vilo corial seguida da
hibridização de ácido nucleico do vírus da rubéola é utilizada para o
diagnóstico pré-natal da infecção em período gestacional precoce
(menos de 15 semanas de gestação). Todas as técnicas para a
identificação do vírus da rubéola ou de suas partículas no vilo corial
apresentam limitações.
O vírus da rubéola também pode ser isolado do líquido amniótico. O
cultivo viral nesse fluido não apresenta grande sensibilidade, e o
tempo decorrido até o seu resultado é longo, em torno de 6 semanas,
o que limita a sua utilização. Além do seu custo elevado, o cultivo
amniótico demanda instalações complexas e pessoal diferenciado
para execução. No entanto, a reação da PCR, nessa situação,
apresenta resultados promissores.
A detecção de anticorpo IgM contra o vírus da rubéola no sangue
fetal por meio de cordocentese pode ser utilizada no diagnóstico
pré-natal, sendo, talvez, a alternativa de maior viabilidade. Perante
as reações negativas, não se pode descartar a hipótese da infecção
fetal. É possível que, mesmo nos casos de infecção fetal, ainda não
tenha ocorrido a resposta imunológica do feto até o momento em
que a cordocentese tenha sido realizada, pois a IgM só é produzida
pelo feto após a décima quinta semana de gestação.
3.11 PROFILAXIA PASSIVA
A profilaxia passiva contra o vírus da rubéola utilizando
imunoglobulinas é bastante controversa. Seu objetivo seria a
prevenção da infecção materna, evitando os potenciais efeitos
teratogênicos fetais decorrentes da transmissão vertical desse
micro-organismo. Para seu efeito máximo, a imunoglobulina deve
ser utilizada nos primeiros 6 dias após a exposição ao vírus. Os
resultados utilizando imunoglobulina inespecífica não são
animadores e, no máximo, alteram o quadro clínico da doença, mas
não impedem a viremia.
Gestantes que receberam a imunoglobulina desenvolveram tanto a
rubéola com quadro clínico exuberante como os quadros
assintomáticos. Além de a eficácia ser duvidosa, sua administração
pode determinar uma falsa segurança para o médico e para a
paciente. A imunoglobulina não altera os resultados dos exames
sorológicos dessa virose.
A imunoglobulina hiperimune (específica) parece oferecer melhores
resultados sobre a redução da viremia materna, consequentemente
reduzindo também a transmissão vertical do vírus da rubéola.
3.12 PROFILAXIA ATIVA
A vacina contra a rubéola é composta por vírus vivo atenuado
extraído do crescimento de célula diploide humana e é mais
imunogênica, assemelhando-se estreitamente com a imunidade
adquirida naturalmente.
As vacinas contra rubéola induzem resposta de anticorpo em 95%
das pessoas suscetíveis, mas os títulos obtidos são inferiores aos
determinados pela infecção natural. Acredita-se que a reinfecção
seja possível após infecção adquirida naturalmente, porém é mais
frequente nas pessoas com imunidade vacinal.
As reações colaterais determinadas pelas vacinas contra a rubéola
ocorrem em 10 a 50% dos casos e são, geralmente, mínimas e sem
significado clínico. Podem aparecer febre baixa, mal-estar,
exantema, adenopatia e artralgia, esta última a mais frequente.
Embora ocorra eliminação do vírus em pequena quantidade pela
faringe durante alguns dias em aproximadamente 60 a 70% dos
vacinados, acredita-se que a infecção pelo vírus vacinal não seja
transmissível.
A possibilidade de que a vacina antirrubéola possa provocar viremia
torna-a contraindicada durante a gestação. Orienta-se que mulheres
em idade fértil submetidas à vacinação não engravidem nos 30 a 90
dias subsequentes à imunização ativa.
A idade preconizada para a vacinação com o intuito de prevenir a SRC
é variável nos diferentes países. Há um consenso de que as crianças
abaixo de 1 ano não devem ser vacinadas, em razão da possível
inibição do efeito imunogênico vacinal pela transferência de
anticorpos da mãe para o feto pela placenta.
No Brasil, preconiza-se administrar a vacina às meninas em idade
pré-puberal não imunizadas contra a rubéola e às mulheres
suscetíveis em idade fértil e no pós-parto. Na realidade, a única
medida capaz de erradicar o vírus é a vacinação universal,
independentemente do sexo. Ao não vacinar a população masculina,
garante-se a perenização do vírus na comunidade.
Quais são as principais
alterações causadas pelo
vírus da rubéola no feto e no
recém-nascido?
Na dependência do período gestacional da contaminação
do feto, ela pode ser causa de abortamento, óbito fetal e/ou
malformações. O risco fetal é claramente superior se a
viremia ocorrer nas primeiras 8 semanas de gestação. As
formas oligossintomáticas ou até monossintomáticas são
possíveis. O exemplo mais frequente dessa situação é a
surdez congênita. A catarata, presente em 75% dos casos
dessa síndrome, é nuclear, mas progressivamente chega à
opacificação total. A coexistência de catarata e
microftalmia é bastante frequente. Entre as cardiopatias
congênitas decorrentes da rubéola, a persistência do ducto
arterioso parece ser a mais comum, incidindo em até 58%
dos casos. Seguem-se os defeitos de paredes
interventriculares e interatriais.
A restrição de crescimento fetal e a prematuridade, apesar
de não serem alterações específicas da embriopatia
causada pelo vírus da rubéola, são bastante frequentes.
Após o estabelecimento da infecção fetal, a replicação do
vírus da rubéola continua durante a gestação, persistindo,
em algumas crianças, até o primeiro ano de vida.
Qual é o manejo clínico da
gestante com anemia
durante o período
gestacional?

4.1 INTRODUÇÃO
A anemia é a doença hematológica mais comum e é definida como a
diminuição da capacidade de transportar oxigênio por unidade de
volume de sangue, além de ser fator de associação a intercorrências
obstétricas maternas, como infecções, transfusões, pré-eclâmpsia e
parto pré-termo, e fetal/neonatal, como anormalidade e óbitos
fetais, baixo peso e prematuridade, anemia no primeiro ano de vida e
distúrbios comportamentais.
Recém-nascidos de mães com severa anemia
ferropriva apresentam mais frequentemente
esta doença quando comparados aos recém-
nascidos de mães sem anemia por deficiência
de ferro.

Durante a gravidez, há uma hemodiluição do sangue, visto que a


massa eritrocitária aumenta em torno de 25%, contudo o volume
plasmático cresce cerca de 50%, aumentando o volume sanguíneo
total circulante e levando à “anemia fisiológica da gestação”.
Acredita-se que essas alterações visem aumentar a perfusão
placentária e a oferta de nutrientes e oxigênio para o feto, assim
como reduzir a perda de glóbulos vermelhos no sangramento do
parto.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, consideram-se
como limite inferior de normalidade na gravidez as seguintes
concentrações de hemoglobina (Hb) e hematócrito (Ht),
respectivamente:
1. No primeiro e terceiro trimestres: 11 g/dL e 33%;
2. No segundo trimestre: 10,5 g/dL e 32%.

A presença de um nível de hemoglobina abaixo


de 11 g/dL no primeiro e no terceiro trimestres e
10,5 g/dL no segundo trimestre caracteriza o
diagnóstico de anemia na gestação.

Outros parâmetros laboratoriais hematológicos podem ter seu valor


de referência modificado pela gestação, como apresentado a seguir.
Quadro 4.1 - Parâmetros hematológicos na gestação
Didaticamente, podemos classificar as anemias de acordo com sua
fisiopatologia ou a alteração morfológica dos eritrócitos, como
veremos a seguir.
4.1.1 Anemias hipocrômicas/microcíticas
1. Estoque de ferro diminuído: anemia ferropriva;
2. Estoque de ferro normal ou aumentado: talassemia,
sideroblastose e anemia de doenças crônicas.
4.1.2 Anemias normocrômicas/normocíticas
1. Reticulócitos aumentados: anemia hemolítica e por sangramento
agudo;
2. Reticulócitos não aumentados: anemia das doenças crônicas,
hipotireoidismo, doenças hepáticas, insuficiência renal, aplasia
medular, síndrome mielodisplásica.

4.1.3 Anemias macrocíticas


1. Reticulócitos aumentados: anemia hemolítica e por sangramento
agudo;
2. Reticulócitos não aumentados: medula megaloblástica,
deficiência de B12 e folato;
3. Não megaloblástica: aplasia medular, leucodisplasia e
hipotireoidismo.

Quadro 4.2 - Classificação fisiopatológica das anemias


A anemia por si só não é um diagnóstico definitivo, e sim um achado
clínico-laboratorial que precisa ser investigado e, de acordo com a
causa, tratado especificamente. Sendo assim, a propedêutica da
anemia na gestação deverá incluir:
1. Anamnese: enfoque nos antecedentes familiares (anemias
hereditárias);
2. Exame clínico: enfoque na palidez cutâneo-mucosa, adinamia e
repercussão cardiovascular: taquicardia, sopros cardíacos, edema de
membros inferiores e hipotensão postural; sinais de sangramento;
icterícia e hepatoesplenomegalia; hemólise; análise dos fâneros e
língua – estados carenciais;
3. Laboratório: valor da concentração de Hb – melhor parâmetro de
anemia; contagem de reticulócitos (eritrócitos jovens recém-lançados
na corrente sanguínea pela medula óssea) – a queda dos reticulócitos
traduz queda da produção de hemácias (anemias carenciais e doenças
da medula), enquanto o aumento destes reflete o aumento da
produção de eritrócitos (hemólise e hemorragias agudas).

Uma vez que a maioria das anemias na gestação é carencial, o


obstetra pode fazer um primeiro nível de investigação com a
realização do hemograma, permitindo a quantificação (Hb e Ht) e a
análise da morfologia (índices hematimétricos) das hemácias
circulantes. Sendo os achados concordantes com a etiologia
carencial, confirma-se a hipótese com a pesquisa do déficit em
questão (ferro, folato e vitamina B12) e suas causas (sangramentos,
parasitoses, nutricionais), e efetua-se o tratamento específico (para
a causa e reposição do substrato deficiente). O tratamento será bem-
sucedido se houver aumento de 1 g/dL do nível de Hb em 1 mês.
Deve-se lembrar que, no puerpério, as hemorragias agudas
assumem o papel de fator etiológico principal.
Caso a hipótese de anemia carencial seja refutada, o segundo nível de
investigação deve ser conjuntamente acompanhado pelo
hematologista e inclui a pesquisa de hemoglobinopatias
(eletroforese de Hb), doença hemolítica (teste de Coombs, dosagem
de bilirrubinas e desidrogenase láctica) e doença renal crônica
(creatinina sérica). Se, apesar dos esforços, a causa permanecer
desconhecida, a investigação de terceiro nível passará a ser
conduzida exclusivamente pelo hematologista.
4.2 ANEMIAS CARENCIAIS
4.2.1 Anemia ferropriva

A ausência de ferro em estoque no organismo é


a causa mais frequente de anemia na gestação
(95%), com incidência em mais da metade das
gestações de terceiro trimestre.
A ausência de ferro em estoque no organismo é a causa mais
frequente de anemia na gestação (95%), com incidência em mais da
metade das gestações de terceiro trimestre. Deve-se principalmente
ao aumento da necessidade diária de ferro pelo organismo materno e
fetoplacentária, pronunciadamente a partir do segundo trimestre
com o aumento da massa eritrocitária e o crescimento fetal
progressivo. Fatores de risco incluem múltiplas gestações, intervalo
interpartal inferior a 2 anos, adolescentes e perda crônica de sangue
pré-gestacional (hemorragias ginecológicas, parasitoses).
O ferro é componente essencial da molécula de Hb, e esse é o
principal constituinte do citoplasma dos eritrócitos. Ele não é
excretado, portanto a sua perda se deve a descamação tecidual ou
sangramentos. Assim, uma vez deficiente desse substrato, as
hemácias apresentarão menor concentração de Hb (hipocrômicas) e
menor volume (microcíticas).
Um adulto normalmente tem cerca de 4 g de ferro corpóreo, 70% na
Hb e o restante armazenado nos depósitos de ferritina e
hemossiderina (células reticuloendoteliais da medula óssea, baço e
fígado), além de pequenas quantidades nas mioglobinas, no plasma
e nas enzimas.
Na anemia ferropriva, clinicamente são observados sinais
inespecíficos de qualquer anemia, como astenia, cansaço, adinamia,
sonolência, cefaleia, tontura, zumbido, taquicardia e palidez
cutâneo-mucosa. Entretanto, mais características são as perversões
alimentares e alterações de fâneros.
Acredita-se haver risco aumentado de abortamento, prematuridade
e restrição de crescimento fetal nesse tipo de deficiência. Nas
anemias graves, com Hb < 6 g/dL, há relatos de associação a
oligodrâmnio e alteração da vitalidade fetal. Pode haver, ainda,
aumento da massa placentária com hipertensão materna e óbito
fetal.
A característica laboratorial da anemia ferropriva é a queda da
maioria dos parâmetros habitualmente avaliados na investigação
das anemias: VCM (microcitose), CHCM (hipocromia), reticulócitos
(queda da produção medular de eritrócitos devido à falta do
substrato ferro) e ferritina (proteína que reflete a reserva de ferro no
organismo; achado específico e precoce, que antecede o
aparecimento da anemia). O ferro sérico (diminuído) e a capacidade
de ligação da transferrina (TIBC – aumentada) podem se mostrar
alterados na gestação e devem ser utilizados com cautela. O RDW, ou
índice de anisocitose (Figura 4.1) – existência de hemácias de
tamanhos diferentes –, está elevado, entretanto, pode existir uma
anisocitose fisiológica na gravidez, devido ao aumento da demanda
de produção eritrocitária.
Na anemia ferropriva, observam-se aumento da
demanda de ferro e sangramento da gestante,
ferritina < 15 µg/dL, perversões alimentares e
alteração de fâneros e resposta à reposição de
ferro.

Figura 4.1 - Anisocitose


Fonte: Atlas de Hematologia.

O tratamento consiste na reposição de ferro,


geralmente pela via oral, na dose de 120 a 180
mg de ferro elementar por dia. A dose total
diária é dividida em 3 tomadas, 1 hora antes das
refeições e sem associação a outras vitaminas.

O tratamento consiste na reposição de ferro, geralmente pela via


oral, na dose de 120 a 180 mg de ferro elementar por dia. A dose total
diária é dividida em 3 tomadas, 1 hora antes das refeições e sem
associação a outras vitaminas (polivitamínicos), devido à
diminuição da absorção intestinal do ferro na presença de alguns
alimentos e outros sais, como carbonatos. Os efeitos colaterais mais
descritos pelas gestantes são os gastrintestinais. A reposição chegará
a níveis ideais quando a ferritina alcançar o valor mínimo de 50
µg/L, o que geralmente ocorre em cerca de 3 meses, com elevação
dos níveis de Hb em 0,3 g/dL por semana de reposição. A prescrição
de ferro parenteral deve estar reservada aos casos em que há
intolerância absoluta à administração oral ou a casos de anemia
grave no terceiro trimestre, devido aos maiores riscos de efeitos
colaterais graves, como anafilaxia, hipotensão e choque. A via
preferencial é a venosa, embora exista a intramuscular, sendo a
administração feita no ambiente hospitalar. A dose recomendada é
de 200 mg de hidróxido de ferro para cada déficit de 1 g/dL de Hb, em
tomadas a cada 4 a 7 dias (400 mg por semana), o que aumenta a Hb
da paciente em 0,5 g/dL por semana. A transfusão de concentrados
de hemácias se restringe aos casos de hemorragia aguda, com
instabilidade hemodinâmica materna ou sofrimento fetal.
A profilaxia da anemia ferropriva deve ser
realizada em todas as gestantes, devido às
necessidades de ferro na gravidez, que exigem
complementação a partir do final do primeiro
trimestre com aproximadamente 40 a 60 mg de
ferro em dose única diária, antes das refeições.

A profilaxia da anemia ferropriva é realizada pela maioria das


gestantes, ainda que se mantenha um bom hábito alimentar. As
necessidades de ferro na gravidez exigem complementação desse
substrato a partir do fim do primeiro trimestre com cerca de 40 a 60
mg de ferro elementar (200 a 300 mg de sulfato ferroso), em dose
única diária, 30 a 60 minutos antes da refeição (interferindo na
absorção). A suplementação deve ser mantida até 3 meses após o
parto e só está contraindicada às gestantes com aumento nos
depósitos de ferro, como nas anemias hemolíticas e com ferritina
aumentada.
4.2.2 Anemias megaloblásticas e deficiência de
folato
A anemia megaloblástica é caracterizada por anormalidades no
sangue e na medula óssea decorrentes do defeito na síntese de DNA.
As 2 principais etiologias dessa anemia são a deficiência de folato e
cianocobalamina (vitamina B12).
O folato é um cofator essencial para a síntese de ácido nucleico, e a
gestação, como toda situação de grande anabolismo, é um momento
de grande consumo desse substrato. O folato é usado na proliferação
de tecido materno-fetal e placentário, e suas necessidades diárias
aumentam de 50 µg para 400 µg na gestação.
Nas anemias megaloblásticas, ocorrem aumento da demanda de
folato e prejuízo da absorção da cianocobalamina (fator intrínseco
gástrico); hipersegmentação dos neutrófilos e megaloblastose;
glossite, perda de peso e ataxia (B12); a suplementação de folato
periconcepcional e nas anemias hemolíticas sempre deve ser feita.
No passado denominada anemia perniciosa da gravidez, a
deficiência de folato ocorre em 1 terço de todas as gestações do
mundo e está associada a causas que aumentam o consumo desse
substrato e/ou diminuem a sua ingesta no organismo materno:
gemelaridade, multiparidade, intervalo interpartal curto,
alcoolismo, hiperêmese gravídica, anemia hemolítica, uso de
anticonvulsivantes e antimetabólitos. Também contribuem as
doenças disabsortivas e as dietas inadequadas ou pobres em carnes,
frutas e vegetais (principal fonte de folato), ou vegetais consumidos
após o cozimento (o folato é destruído por altas temperaturas).
A anemia por deficiência de ácido fólico na
gravidez não é uma condição incomum; ocorre
em 1 terço de todas as gestações do mundo.

A anemia folicopriva é considerada fator de risco para abortamento


de repetição, prematuridade, restrição do crescimento fetal,
descolamento prematuro de placenta e defeitos abertos do tubo
neural (anencefalia e meningomielocele). Não é causa de anemia
fetal, uma vez que a extração de folato pela placenta e pelo feto, a
partir da fonte materna, o protege contra a anemia, mesmo nos
casos de deficiência materna grave.
Na grande maioria das vezes, é uma forma de anemia
oligossintomática, instalando-se habitualmente no terceiro
trimestre de gestação ou no pós-parto. Pode apresentar-se com os
sintomas inespecíficos de qualquer anemia, entretanto a glossite, a
anorexia e a perda de peso são mais características nas anemias
megaloblásticas.
A suspeita de que se trata dessa deficiência geralmente parte de uma
resposta inadequada à administração de ferro no que se pensava ser
uma anemia ferropriva. Assim, complementando-se com testes
laboratoriais, constata-se, além da diminuição da Hb, o aspecto
característico das hemácias na anemia megaloblástica, que é a
hipersegmentação do núcleo dos neutrófilos. Além desse achado, o
mielograma mostra dissociação da maturação entre o núcleo e o
citoplasma dos eritroblastos (precursores jovens), o que caracteriza
a megaloblastose. Somam-se a macrocitose (VCM elevado) e a
normocromia (CHCM normal). Como esses mesmos achados podem
ser observados na deficiência de cianocobalamina (muito menos
frequente), o diagnóstico é firmado pela dosagem sérica do folato e
da vitamina B12. Quando associada à deficiência de ferro, pode haver
concomitância de microcitose e macrocitose.
O tratamento consiste na reposição oral de
folato na dose de 5 mg/d.

Quando houver indicação (deficiência concomitante), associa-se


vitamina B12 1 mg/sem IM, por 4 semanas, seguida por uma
aplicação mensal.
A anemia megaloblástica por carência de cianocobalamina é
extremamente rara na gravidez e tem como fator causal a absorção
deficiente dessa vitamina. Esta tem na proteína animal sua principal
fonte alimentar e requer um fator intrínseco (produção gástrica)
para ser absorvida no intestino. Sendo assim, condições como atrofia
ou cirurgia gástrica, falta específica do fator intrínseco, anomalias
do intestino delgado, especialmente o íleo terminal (doença de
Crohn), são fatores causais dessa deficiência. O quadro clínico e
laboratorial é quase indistinguível da deficiência por folato, a não ser
pelas alterações neurológicas mais frequentes (ataxia).
Embora os mecanismos de ação não sejam totalmente conhecidos,
sabe-se que a administração periconcepcional de folato reduz a
incidência de defeitos abertos do tubo neural no feto. A
administração ideal deve ser iniciada 3 meses antes da concepção
(mínimo de 30 dias) e mantida ao menos até o final do primeiro
trimestre, e a quantidade suplementada dependerá do risco materno
associado:
a) Alto risco para a deficiência de folato (anemia hemolítica ou uso de
anticonvulsivante ou antimetabólito) e antecedente de feto com defeito
aberto do tubo neural: 4 a 5 mg/d;
b) Baixo risco para a deficiência de folato: 0,4 a 0,8 mg/d.

4.2.3 Anemias hemolíticas


A lise precoce dos eritrócitos, de forma aguda ou crônica, causando
queda da concentração da Hb no sangue, é chamada de anemia
hemolítica. Podemos dividir sua etiologia pelo processo
fisiopatológico. Sendo assim, temos as hemólises decorrentes das
alterações intrínsecas dos eritrócitos (defeitos de membranas,
enzimáticos e das Hbs) ou de mecanismos extrínsecos, como
alterações endoteliais e lise por autoanticorpos.
O sinal clínico comum a todas as formas de hemólise é a icterícia,
além da sintomatologia vista em todas as formas de anemia.
Somados a esses achados, temos os sinais e sintomas específicos de
cada tipo de hemólise.
A avaliação laboratorial mostra sinais de produção aumentada de
hemácias pela medula, como forma compensatória à lise das
hemácias, aumentando o número de reticulócitos e o índice de
anisocitose. A lise das hemácias libera no sangue o conteúdo dessas
células, havendo elevação sérica de desidrogenase láctica (DHL) e
bilirrubina indireta (produto de degradação da Hb).
O diagnóstico etiológico exige testes específicos, que serão descritos
nos subtópicos a seguir. Da mesma forma, o tratamento é
direcionado para a causa específica, além da necessidade de
suplementação de folato pelo aumento do seu consumo pela medula
óssea.
A gestação pode estar relacionada ao surgimento ou à piora das
anemias hemolíticas, principalmente as relatadas a seguir.
4.2.3.1 Anemia hemolítica autoimune

É a hemólise causada pela ação de autoanticorpos contra eritrócitos


próprios. Pode ter causa não definida (forma idiopática) ou estar
associada a estados patológicos, como doenças autoimunes e
neoplasias.
Além disso, é uma condição rara na gestação (1:50.000) e geralmente
está associada a infecções, medicamentos, neoplasias, doenças do
colágeno, colites e distúrbios linfoproliferativos.
A investigação etiológica materna revela teste de Coombs indireto
positivo na maioria dos casos, e o tratamento geralmente consiste
em corticosteroides (prednisona 1 mg/kg/d) e imunoglobulinas
(gamaglobulina intravenosa), além da suplementação de folato.
Transfusões (nesses casos, feitas com glóbulos lavados) devem ser
restritas, em virtude do risco de piora da hemólise e coagulação
intravascular disseminada. Nos casos de grave hemólise, procede-se
a plasmaférese.
Anticorpos maternos da classe IgG podem atravessar a barreira
placentária e causar hemólise e anemia fetal. Nestes casos, deve-se
proceder a avaliações seriadas do feto por meio da ultrassonografia
com Doppler obstétrica. Algumas vezes são necessárias transfusão
intrauterina e antecipação do parto por grave anemia fetal.
4.2.3.2 Anemia hemolítica por defeito na membrana

Trata-se da hemólise causada por alterações nas membranas dos


eritrócitos, fazendo que percam a capacidade de deformação. Dessas
doenças, 2 de causa hereditária são a esferocitose hereditária e a
hemoglobinúria paroxística noturna.
A esferocitose hereditária é a forma mais frequente de anemia
hemolítica hereditária, apresentando caráter autossômico
dominante. Nesta, há alteração de proteínas de membrana, fazendo
que as hemácias adquiram caráter microesferocítico. As crises
hemolíticas podem ser precipitadas por infecções, traumas e até pelo
estado gravídico.
O diagnóstico baseia-se no aumento dos reticulócitos, na fragilidade
osmótica das hemácias e na visualização de esferócitos no esfregaço
de sangue periférico, embora este último achado não seja exclusivo
da esferocitose hereditária. O teste de Coombs é negativo.
A esferocitose geralmente não representa risco à gestação, porém se
deve atentar para o diagnóstico precoce de qualquer infecção e para a
suplementação de folato (5 mg/d). A esplenectomia é opção para
reduzir a hemólise, devendo ser realizada anteriormente à gestação.
Na ausência de anemia grave, há bom prognóstico perinatal.
Na esferocitose, observam-se esferócitos e
reticulocitose, história familiar, esplenomegalia
e teste de Coombs negativo.

4.2.3.3 Anemia hemolítica por enzimopatia

Entre as anemias hemolíticas por alteração das enzimas


eritrocitárias, a ausência da enzima G6PD é a mais comum. Ela
participa do processo de obtenção de energia e proteção contra
agentes oxidantes das hemácias. O padrão de herança é alteração
recessiva ligada ao cromossomo X.
As crises hemolíticas são precipitadas por infecções, acidose e uso de
drogas. A pesquisa da atividade biológica dessa enzima é usada no
diagnóstico. Entretanto, com o aumento dos reticulócitos na
hemólise, e que possuem alta atividade dessa enzima, o teste não
deve ser feito na vigência de crise, devido à ocorrência de resultados
falsos negativos.
Na gestação, esse tipo de anemia está relacionado a óbito fetal e
hidropisia não imune. O tratamento consiste na suplementação de
folato, sendo raros os casos de hemotransfusão. A prevenção se dá ao
evitar exposição a drogas oxidantes e sendo as infecções
diagnosticadas e tratadas.
4.2.3.4 Anemia hemolítica por alteração endotelial

A pré-eclâmpsia é uma doença frequente do período gravídico-


puerperal, e, entre outras alterações no organismo materno, a
vasoconstrição generalizada e a lesão endotelial podem ser
responsáveis por um quadro de hemólise, por vezes evoluindo com
gravidade. Nesses casos, são visualizados esquizócitos (Figura 4.2)
no esfregaço de sangue periférico, eritrócitos danificados e lisados
no processo fisiopatológico.
A pré-eclâmpsia é causa de anemia hemolítica,
devido à vasoconstrição generalizada e lesão
endotelial que ocorre nas formas graves dessa
doença. Os eritrócitos se rompem e são
chamados de esquizócitos.

Figura 4.2 - Esquizócitos


Fonte: adaptado de Atlas de Hematologia.

4.2.3.5 Anemia hemolítica por hemoglobinopatia

A molécula de Hb é composta por 4 cadeias polipeptídicas (globina),


cada uma delas ligadas a um grupo heme. As globinas são
denominadas alfa ( α), beta (β), gama (γ), delta (δ), épsilon (ε) e zeta
(ζ). Após o sexto mês de vida, mais de 90% da Hb são do tipo adulto
HbA, também existindo pequenas quantidades de HbF e HbA2.
As hemoglobinopatias são alterações da estrutura das Hbs causadas
por mutação genética. Trata-se de doenças hereditárias, na sua
grande maioria diagnosticadas na infância pela intensa repercussão
clínica e história familiar marcada.
As alterações na morfologia dos eritrócitos variam conforme o tipo
de hemoglobinopatia, cujo diagnóstico é feito por eletroforese de
Hbs. São condições associadas a abortamento: crescimento fetal
restrito e óbito fetal, além do risco de aumento da morbimortalidade
materna, devendo ser rigorosamente acompanhadas durante o pré-
natal. A suplementação de folato é fundamental, uma vez que há
aumento da demanda desse substrato e da produção de eritrócitos
tanto pela fisiologia da gestação quanto pela redução na sobrevida
das hemácias nessas doenças.
As principais anormalidades da síntese das globinas podem ser
estruturais (hemoglobinopatias falciformes) ou quantitativas
(talassemias).
a) Doença falciforme

A doença falciforme é caracterizada pela alteração da cadeia de


betaglobina da Hb (HbS) decorrente de uma mutação gênica
transmitida de forma autossômica. Contempla a anemia falciforme
propriamente dita (forma homozigótica – SS; não possui HbA e tem
quantidade variável de HbF – 2 a 20%; prevalência de HbS) ou o
traço falciforme (heterozigótica – AS) ou as associações a outras
hemoglobinopatias. É uma doença multiorgânica, com alta
prevalência no Brasil e predominante em negros e pardos.
#IMPORTANTE
Na anemia falciforme, estão relacionadas
células falciformes, história familiar e
afrodescendência, crises dolorosas recorrentes
e prevalência de HbS na eletroforese de
hemoglobina.

A HbS na sua forma homozigótica ou associada a outras


hemoglobinopatias, uma vez em baixas tensões de oxigênio e/ou
alteração de pH, polimeriza-se conferindo enrijecimento das
hemácias em forma de foice – drepanócitos (Figura 4.3), o que
acarreta fenômenos vaso-oclusivos, isquêmicos e hemólise.
Figura 4.3 - Hemácias “em foice”
Fonte: adaptado de Atlas de Hematologia.

b) Anemia falciforme

A gravidez na mulher falcêmica atribui um risco alto de


morbimortalidade materna e fetal, uma vez que o leito vascular
placentário e sinusoidal, onde há grande extração de oxigênio, cria
um ambiente favorável ao afoiçamento das hemácias, à estase
sanguínea, ao infarto tecidual e à lise das hemácias. A hemólise
acentua a “anemia fisiológica da gestação”, reduzindo ainda mais o
número de eritrócitos, que já se encontram hemodiluídos.
A crise de falcização caracteriza-se pela ocorrência de fenômenos
vaso-oclusivos, com obstrução da microcirculação e isquemia
tecidual, associados a dores intensas (lombar, abdominal, torácica
e/ou nas extremidades). Também podem ser observadas febre, urina
escura e, em alguns casos, paresias ou paralisias espásticas (lesões
do sistema nervoso central). São quadros de urgência, que limitam a
gestante e requerem tratamento hospitalar. Hidratação venosa e
analgesia potente (derivados do ópio) são sempre empregadas, e por
vezes se faz necessário o uso de oxigênio (se a saturação for menor
do que 94%). Convém realizar avaliação da vitalidade fetal, além de
investigação de processos infecciosos como potencial etiologia das
crises.
Essas crises falcêmicas álgicas, assim como doenças infecciosas, se
tornam mais frequentes na gestação. Infartos teciduais, pulmonares,
renais e do sistema nervoso central, podem acentuar-se,
principalmente no fim da gestação e no parto. Complicações como
pré-eclâmpsia, descolamento prematuro de placenta, tromboflebite
e alterações renais e cardíacas são frequentes. Há maior frequência
de crescimento restrito e óbito fetal.
A Hb fetal confere um efeito protetor em relação à polimerização da
HbS. Sendo assim, pacientes com maior porcentagem de HbF podem
ter a incidência de complicações graves e de morte do concepto
diminuída.
Além dos exames da rotina, devem-se incluir, mais frequentemente
no acompanhamento pré-natal dessas gestantes, visando ao
acompanhamento das consequências da hemólise, vaso-oclusão e
isquemia tecidual, assim como o diagnóstico diferencial e fatores de
piora ou crise falcêmica:
1. Hemograma completo com reticulócitos;
2. Eletroforese de Hb (rastrear o parceiro também);
3. Dosagem de ferro sérico e ferritina;
4. Função cardíaca (ecocardiografia);
5. Função renal;
6. Função hepática;
7. Sorologias para hepatites;
8. Pesquisa de anticorpos irregulares;
9. Cultura de urina e antibiograma;
10. Avaliação oftalmológica (fundo de olho).

As pacientes com formas associadas de hemoglobinopatias e que


apresentam esplenomegalia podem demonstrar quadro grave
denominado sequestro esplênico, com risco de morte materno-fetal.
O exame do abdome constata baço aumentado, e frequentemente é
necessário fazer transfusão sanguínea.
A complicação de maior gravidade é a síndrome torácica, com taxas
de mortalidade em gestantes de até 50%. É causada por fenômeno
vaso-oclusivo pulmonar e êmbolos provenientes de infartos da
medula óssea. Processos infecciosos e de hiper-hidratação também
são mencionados como fatores etiológicos. Há hipoventilação,
podendo progredir para insuficiência respiratória aguda. A paciente
apresenta dor pleurítica, febre, tosse, infiltrado pulmonar, hipóxia e
cianose. O tratamento contempla hidratação, correção da acidose,
oxigênio, antibióticos de largo espectro, analgésicos e transfusão
agressiva.
A suplementação de folato (e ferro, se comprovadamente
necessário) é a base do tratamento de suporte e em longo prazo,
ainda que seja necessária a transfusão de glóbulos nos episódios de
aceleração do afoiçamento e/ou de piora da anemia (queda de 30%
ou mais dos níveis de Hb ou Ht ou Hb < 6 g/dL). A via de parto é
obstétrica, devendo ser realizada entre 38 e 40 semanas, sob
cuidados como hidratação adequada, manutenção da saturação de
oxigênio acima de 94%, analgesia peridural precoce e monitorização
fetal contínua.
O puerpério é um período que exige atenção, sob maior risco de
processos infecciosos, tromboembólicos e crises vaso-oclusivas.
Profilaxia antitrombótica deve ser realizada até 6 semanas no pós-
parto.
c) Traço falciforme

As portadoras de traço falciforme são assintomáticas, não havendo


anemia nem fenômenos vaso-oclusivos em condições normais.
Dados conflitantes têm sugerido que nesses casos a pré-eclâmpsia
pode ser mais frequente. O que se sabe é que as infecções urinárias
são mais comuns e o prognóstico perinatal é bom, semelhante ao de
gestantes sem hemoglobinopatia. Deve-se pesquisar a HbS no
parceiro para o aconselhamento genético.
O pré-natal é habitual, semelhante ao das gestantes de baixo risco.
Gestação em pacientes com traço falcêmico não apresenta risco
elevado de crescimento fetal intrauterino restrito. O prognóstico
perinatal é bom. Estudos são conflitantes em relacionar traço
falcêmico com hipertensão induzida pela gestação.
d) Talassemia

Na anemia talassêmica, há diminuição da síntese de 1 ou mais


cadeias de globina, distúrbio genético transmitido hereditariamente.
Pode-se apresentar na forma de alfa ou betatalassemia, de acordo
com a cadeia de globina produzida em menor número. Essas
hemácias com globinas numericamente alteradas apresentam uma
instabilidade das cadeias presentes, que se precipitam e causam
modificações na membrana e no metabolismo celular, resultando
em eritropoese ineficaz, hemólise e graus variados de anemia.
Na alfatalassemia, o indivíduo é incapaz de sintetizar a cadeia de
alfaglobina, existindo 4 tipos possíveis de alterações na síntese das
cadeias; o número dos genes ausentes – que pode variar de 1 a 4 –
determina a gravidade da doença. A alfatalassemia major, forma
homozigótica da doença (deleção dos 4 genes e das 4 cadeias alfa; Hb
de Bart) é um quadro grave desde a vida fetal (anemia, hidropisia,
insuficiência cardíaca e óbito), com alta mortalidade. É uma forma
rara no Brasil, mas comum no Sudeste Asiático.
As betatalassemias têm formas clínicas com gravidade que varia com
o número de cadeias de globina produzidas. A manifestação clássica
é a anemia hemolítica crônica, e o diagnóstico é feito por meio de
eletroforese de Hb e estudos genéticos. O tratamento varia com a
forma clínica, incluindo suplementação de folato, quelantes de ferro
e transfusão sanguínea.
A betatalassemia major (anemia de Cooley; anemia do Mediterrâneo)
é uma forma de betatalassemia que habitualmente leva à esterilidade
ou infertilidade. Os indivíduos que necessitam de transfusões
periódicas desde a infância podem levar a hemossiderose secundária
e morte. Nos raros casos de gravidez, há risco de insuficiência
cardíaca por lesão miocárdica provocada pelo acúmulo de ferro. Vê-
se anemia hipocrômica e microcítica, com hemácias “em alvo” –
codócitos (Figura 4.4).
#IMPORTANTE
Na talassemia, estão relacionadas microcitose
desproporcional ao grau de anemia e células
“em alvo”, elevação de HbA2 e HbF na
betatalassemia e história familiar de anemia e
ascendência do Mediterrâneo.

Figura 4.4 - Hemácias “em alvo”

Fonte: adaptado de Atlas de Hematologia.

A betatalassemia minor (traço talassêmico) é diagnosticada quando


há HbA2 em concentração maior do que 3,5% na eletroforese de Hb.
A associação a gravidez é mais frequente, e as manifestações clínicas
são variadas. O diagnóstico deve ser sempre suspeitado na presença
de anemia hipocrômica e microcítica com ferritina sérica normal ou
elevada, principalmente com história familiar de anemia ou
ascendência da região do Mediterrâneo.
4.2.3.6 Anemia aplásica

A anemia aplásica é causada pela incapacidade da medula óssea de


produzir células sanguíneas. Doença rara na gravidez, caracteriza-se
pela redução das células multipotenciais da medula óssea.
Trata-se de uma anemia adquirida em metade dos casos e tem como
fator etiológico o uso de anti-inflamatórios, antimicrobianos,
quimioterápicos, exposição a agentes químicos (benzeno, pesticidas
e herbicidas), toxinas, irradiação e infecções virais. Também há
formas de caráter hereditário, como a anemia de Fanconi, distúrbio
autossômico recessivo. Na outra metade dos casos não tem causa
conhecida e pode ser desencadeada inclusive pela gravidez (remite
após o parto).
Configura-se quadro de pancitopenia (redução de 2 ou 3 elementos
celulares do sangue), e na medula óssea é verificada a
hipocelularidade, aspecto fundamental para a confirmação do
diagnóstico (mielograma e/ou biópsia de medula). Clinicamente,
podem-se ter anemia, infecção e sangramento.
#IMPORTANTE
Na anemia aplásica, estão relacionadas
pancitopenia, ausência de anormalidades
celulares e medula óssea com hipocelularidade.

Para a paciente não grávida, o transplante de medula óssea é o


tratamento de escolha, com sobrevida de 70 a 80%. Na gravidez, não
é o procedimento preconizado, pois é necessária uma terapêutica
imunossupressora prévia. Nos casos graves e refratários ao
tratamento clínico, a interrupção da gravidez pode ser necessária.
Nas crises, transfusões seriadas de glóbulos (Hb < 7 g/dL), plaquetas
(< 20.000) e granulócitos (infecções), administração de corticoide e
globulina antilinfocítica e antitimocítica podem ser usadas na
gestação para manter os parâmetros hematimétricos próximos da
normalidade e melhorar o prognóstico materno-fetal. A via de parto
é preferencialmente a vaginal, por oferecer menor risco de
sangramento e infecção.
Figura 4.5 - Mielomeningocele

Fonte: adaptado de Hugely.


Qual é o manejo clínico da
gestante com anemia
durante o período
gestacional?
A anemia é um achado clínico-laboratorial que precisa ser
investigado e, de acordo com a causa, tratado
especificamente. Sendo assim, a propedêutica da anemia
na gestação deverá incluir: uma anamnese com enfoque
nos antecedentes familiares (anemias hereditárias); o
exame clínico com enfoque na palidez cutâneo-mucosa,
adinamia, repercussão cardiovascular – taquicardia,
sopros cardíacos, edema de membros inferiores e
hipotensão postural –, sinais de sangramento, icterícia e
hepatoesplenomegalia, hemólise, análise dos fâneros e
língua (estados carenciais), e exames laboratoriais, em que
serão solicitados: valor da concentração de Hb – melhor
parâmetro de anemia; e contagem de reticulócitos
(eritrócitos jovens recém-lançados na corrente sanguínea
pela medula óssea). A queda dos reticulócitos traduz queda
da produção de hemácias (anemias carenciais e doenças da
medula), enquanto o aumento destes reflete o aumento da
produção de eritrócitos (hemólise e hemorragias agudas).
Uma vez que a maioria das anemias na gestação é
carencial, o obstetra pode fazer um primeiro nível de
investigação com a realização do hemograma, permitindo
a quantificação (Hb e Ht) e a análise da morfologia (índices
hematimétricos) das hemácias circulantes. Sendo os
achados concordantes com a etiologia carencial, confirma-
se a hipótese com a pesquisa do déficit em questão (ferro,
folato e vitamina B12) e suas causas (sangramentos,
parasitoses, nutricionais), e efetua-se o tratamento
específico para a causa e reposição do substrato deficiente.
O tratamento será bem-sucedido se houver aumento de 1
g/dL do nível de Hb em 1 mês. Deve-se lembrar que, no
puerpério, as hemorragias agudas assumem o papel de
fator etiológico principal.
Caso a hipótese de anemia carencial seja refutada, o
segundo nível de investigação deve ser conjuntamente
acompanhado pelo hematologista e inclui a pesquisa de
hemoglobinopatias (eletroforese de Hb), doença
hemolítica (teste de Coombs, dosagem de bilirrubinas e
desidrogenase láctica) e doença renal crônica (creatinina
sérica). Se, apesar dos esforços, a causa permanecer
desconhecida, a investigação de terceiro nível passará a ser
conduzida exclusivamente pelo hematologista.
Que gestantes devem
receber profilaxia
antitrombótica?

5.1 INTRODUÇÃO
Trombofilias são doenças que cursam com alterações nos
mecanismos de coagulação e anticoagulação. Podem ser
classificadas como hereditárias ou adquiridas e expõem os
indivíduos acometidos a maior risco de fenômenos
tromboembólicos ao longo da vida.
1. Trombofilias hereditárias:
a) Fator V de Leiden;
b) Deficiência de proteínas C e S;
c) Deficiência de antitrombina;
d) Mutação do gene da protrombina;
e) Hiper-homocisteinemia.
2. Trombofilia adquirida:
a) Síndrome do anticorpo antifosfolípide.

A gestação e o puerpério potencializam a predisposição à trombose,


com incidência de 4 a 50 vezes maior quando comparado com
mulheres não gestantes. Essa potencialização decorre das próprias
características pró-coagulantes fisiológicas típicas desse momento
da vida da mulher.
Além do maior risco de fenômenos tromboembólicos, como
trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar, as
gestações em pacientes com trombofilias são de maior risco para
morbidade obstétrica, como abortamentos de repetição, óbitos
fetais, restrição de crescimento fetal, descolamento prematuro de
placenta e formas graves de doença hipertensiva específica da
gestação.
A deficiência do fator V de Leiden é a
trombofilia hereditária mais comum.

1. Fatores para indicação de investigação de trombofilias em


mulheres:
a) Trombose vascular prévia;
b) Perdas fetais de repetição antes da décima semana de
gestação (3 ou mais perdas fetais repetidas e inexplicadas),
desde que estejam excluídas anomalias morfológicas e
hormonais maternas, bem como causas cromossômicas maternas
e paternas;
c) Óbito fetal intrauterino não explicado por outras causas;
d) Pré-eclâmpsia recorrente ou em alguma de suas formas
graves;
e) Descolamento prematuro de placenta em gestação prévia;
f) Parto prematuro com menos de 34 semanas, de feto
morfologicamente normal, em razão de eclâmpsia ou pré-
eclâmpsia grave ou insuficiência placentária;
g) Familiares portadores de trombofilia.

5.2 TROMBOFILIAS HEREDITÁRIAS


5.2.1 Fator V de Leiden
Doença descrita por Dahlbäck, na cidade de Leiden, caracteriza-se
pela mutação no gene localizado no cromossomo 1, responsável pela
codificação do fator V. Essa mutação genética torna o fator V
resistente à ação das proteínas C e S.
O fator V de Leiden é uma herança autossômica dominante e
representa uma das formas mais comuns de trombofilia. A
frequência da forma heterozigota na população geral é de 3,6 a 6%.
Entretanto, 20 a 40% das pacientes não gestantes com
tromboembolismo vascular são heterozigotas para essa alteração.
A forma homozigota, apesar de ser rara (0,02 a 0,1% da população),
confere risco de tromboembolismo 100 vezes maior do que o da
população geral.
5.2.2 Deficiência de proteínas C e S
A deficiência na atividade das proteínas C e S resulta de várias
mutações genéticas. São de herança autossômica recessiva, com
prevalências de 0,2 a 0,5% para indivíduos com deficiência de
atividade de proteína C e de 0,08% para deficiência de proteína S.
O risco que a gestante ou a puérpera com essas alterações têm de
desenvolver fenômeno tromboembólico é de 5 a 20% durante o ciclo
gravídico-puerperal. Nesse grupo de mulheres há, também, maior
risco de descolamento prematuro de placenta, perdas fetais no
segundo e no terceiro trimestres, formas graves de pré-eclâmpsia e
restrição de crescimento fetal.
5.2.3 Deficiência de antitrombina
A deficiência de antitrombina resulta de numerosas mutações
pontuais, deleções e inserções gênicas, sendo geralmente
transmitida de forma autossômica dominante. A prevalência dessa
anormalidade na população geral é baixa (cerca de 1:1.000 a 5.000
indivíduos), e tal anormalidade está presente em apenas 1% das
pacientes com tromboembolismo.
A deficiência de antitrombina representa a mais
trombogênica das trombofilias.
Pacientes com essa alteração apresentam risco de 70 a 90% de
desenvolverem trombose ao longo da vida. Durante a gestação, o
risco de as pacientes com deficiência de antitrombina
desenvolverem trombose é de 60%, e no puerpério, de 33%. Elas têm
indicação de anticoagulação com heparina de baixo peso molecular
durante toda a gestação e até 6 semanas após o parto.
5.2.4 Mutação do gene da protrombina (G20210A)
A protrombina (fator II) é uma proteína com ação pró-coagulante
que integra a cascata da coagulação. A mudança de um nucleotídeo
da posição 20210 do gene que codifica essa proteína (troca guanina
por adenosina) ocasiona elevação nos níveis séricos de protrombina,
gerando estado de hipercoagulabilidade.
Aproximadamente 2 a 3% da população geral são heterozigotos para
essa mutação. Tais indivíduos apresentam níveis séricos de
protrombina 150 a 200% mais elevados, o que aumenta o risco de
trombose. Cerca de 17% dos fenômenos tromboembólicos que
acontecem na gestação se devem a essa alteração genética.
Entretanto, gestantes assintomáticas portadoras dessa mutação
apresentam apenas 0,5% de risco de vivenciarem complicações
tromboembólicas.
Além do maior risco de fenômenos tromboembólicos, as gestantes
portadoras de protrombina mutante também têm maior risco de
perdas fetais de segundo e de terceiro trimestres, restrição de
crescimento fetal, formas graves de pré-eclâmpsia e descolamento
prematuro de placenta.
5.2.5 Hiper-homocisteinemia
A homocisteína é um produto intermediário na conversão de
metionina em cisteína. Essa transformação depende da enzima
metilenotetraidrofolato redutase (MTHFR). Sabe-se que o principal
defeito dessa enzima é uma mutação pontual com troca no
nucleotídeo de posição 677, o que torna a MTHFR termolábil e de
menor eficiência enzimática, acarretando acúmulo de homocisteína.
A enzima cistationina betassintetase, as vitaminas B6 e B12 e o ácido
fólico são, da mesma forma, importantes no processo de
transformação da homocisteína em cisteína, e suas deficiências
também podem ocasionar hiper-homocisteinemia.
Indivíduos heterozigotos para a MTHFR representam 11% da
população geral, enquanto os heterozigotos para a mutação da
cistationina betassintetase representam 0,3 a 1,4% da população. A
homozigose para essas alterações é bastante rara e, quando está
presente, cursa com retardo mental e malformações esqueléticas e
do tubo neural.
Na gestação, níveis de homocisteína de até 12 µmol/L são
considerados normais. Denomina-se hiper-homocisteinemia leve
quando esses níveis atingem de 16 a 24 µmol/L; hiper-
homocisteinemia moderada quando entre 25 e 100 µmol/L; e hiper-
homocisteinemia grave quando maiores que 100 µmol/L.
A hiper-homocisteinemia associa-se a maior risco de tromboses
arterial e venosa, em razão de complexos mecanismos que envolvem
alterações endoteliais, de função plaquetária e de fibrinólise.
Quadro 5.1 - Critérios para o diagnóstico dos fatores de trombofilia hereditária
A deficiência de proteínas C, S e antitrombina não deve ser
pesquisada durante a gestação, devido à redução fisiológica que
ocorre na gravidez. Já a pesquisa das mutações do fator V de Leiden e
do gene da protrombina (G20210A-FII) pode ser feita durante a
gestação.
5.3 TROMBOFILIAS ADQUIRIDAS
5.3.1 Síndrome do anticorpo antifosfolípide
A síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF) caracteriza-se pelo
estado de hipercoagulabilidade sanguínea mediada por
autoanticorpos trombogênicos capazes de desencadear eventos
tromboembólicos arteriais, venosos e perdas fetais de repetição.
Reconhecidamente, a síndrome do anticorpo
antifosfolípide é a trombofilia adquirida mais
comum.

Apesar de a sua definição ser relativamente recente, a SAAF é uma


síndrome clínica cujos sinais, sintomas e alterações laboratoriais
(presença de VDRL falso positivo e de anticoagulantes in vitro) já são
observados desde o início do século XX, especialmente em pacientes
com doenças do tecido conjuntivo (colagenoses).
Gestantes com SAAF têm maior incidência de abortamentos
espontâneos, óbito fetal, restrição de crescimento fetal, formas
graves e precoces de pré-eclâmpsia, prematuridade e descolamento
prematuro de placenta.
A síndrome do anticorpo antifosfolípide deve
ser considerada diagnóstico diferencial nos
casos de tromboses arteriais e venosas
recorrentes e nas mulheres com perdas fetais
de repetição e pré-eclâmpsia de início precoce.

O mecanismo fisiopatológico responsável pela restrição de


crescimento fetal, sofrimento fetal, prematuridade e óbito fetal está
relacionado à ocorrência de insuficiência placentária resultante de
múltiplas tromboses e infartos placentários, concomitante à
vasculopatia das artérias espiraladas do útero.
5.3.1.1 Diagnóstico

O diagnóstico de SAAF é estabelecido quando estão presentes 1 ou


mais critérios clínicos associados a 1 ou mais critérios laboratoriais.
1. Critérios clínicos:
a) 1 ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de
pequenos vasos em qualquer tecido ou órgão, exceto trombose
venosa superficial, confirmada por estudo de imagem ou
histopatologia. Para confirmação histopatológica, a trombose não
deve estar acompanhada de inflamação na parede do vaso;
b) 1 ou mais óbitos fetais morfologicamente normais,
documentados por ultrassonografia ou exame macroscópico
direto, após a décima semana de gestação;
c) 1 ou mais partos prematuros, até 34 semanas de gestação,
decorrentes de doença hipertensiva grave específica da gestação,
eclâmpsia ou insuficiência placentária e neonato
morfologicamente normal;
d) 3 ou mais abortamentos espontâneos consecutivos e
inexplicados antes da décima semana de gestação, excluindo
causas anatômicas ou hormonais maternas e alterações
genéticas no casal.
2. Critérios laboratoriais:
a) Presença de anticoagulante lúpico no plasma materno em 2 ou
mais ocasiões, com intervalo mínimo de 12 semanas, detectados
segundo as normas da International Society on Thrombosis and
Haemostasis;
b) Presença de anticorpo anticardiolipina IgG e/ou IgM no soro ou
no plasma maternos em títulos moderados ou altos (> 40 GPL ou
MPL, ou > percentil 99), medidos por ELISA padronizado em 2 ou
mais ocasiões, com intervalo mínimo de 12 semanas;
c) Presença de anticorpo antibeta-2-glicoproteína-1 IgG e/ou IgM
no soro ou no plasma maternos (em títulos > percentil 99),
medidos por ELISA padronizado em 2 ou mais ocasiões, com
intervalo mínimo de 12 semanas.

O intervalo entre o evento clínico – trombose vascular ou morbidade


obstétrica – e a identificação do marcador laboratorial não pode ser
inferior a 12 semanas nem superior a 5 anos.
Quanto maior o título de anticorpos anticardiolipinas, maior a
chance de novos eventos tromboembólicos. Baixos títulos desses
anticorpos devem ser analisados com cautela, uma vez que 5% das
gestantes normais têm anticorpos antifosfolípides sem, contudo,
preencher os critérios para SAAF.
A maior parte desses anticorpos não tem propensão trombogênica.
Os anticorpos antifosfolípides não trombogênicos podem surgir, de
forma transitória e fugaz, após traumas, tromboses de outras
etiologias, infecções (sífilis, hepatite B, hepatite C, mononucleose e
HIV), uso de medicamentos e a própria gestação. A alteração na
regulação da coagulação acontece quando os anticorpos são
permanentes e interferem na função dos fosfolípides ou proteínas de
adesão aos fosfolípides.
Outras manifestações também associadas aos anticorpos
anticardiolipina são anemia hemolítica, trombocitopenia, úlceras de
pele tipo atrofia alba de Milian, ataques isquêmicos transitórios,
enxaqueca, coreia e mielite transversa.
5.4 ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL
5.4.1 Conduta não medicamentosa
Pacientes com trombofilia devem ser orientadas a utilizar meias
elásticas durante toda a gestação, o parto e o puerpério, a fim de
diminuir o risco de trombose nos membros inferiores.
5.4.2 Conduta medicamentosa
5.4.2.1 Ácido fólico

As gestações, sempre que possível, devem ser planejadas, e a


utilização de ácido fólico (5 mg/d) iniciada 3 meses antes da
concepção.
5.4.2.2 Heparina

Pacientes com ciclos menstruais irregulares ou aquelas com


dificuldade para realização de teste de gravidez devem ser orientadas
a trocar o anticoagulante oral pela heparina no período pré-
concepcional. Deve-se considerar, entretanto, o custo do tratamento
e o risco de trombocitopenia e osteoporose induzido pela heparina.
Gestantes não devem receber anticoagulantes
orais no primeiro trimestre da gestação.

De qualquer maneira, os dicumarínicos devem ser substituídos por


heparina tão logo seja confirmada a gestação em quaisquer mulheres
que utilizem anticoagulantes orais – antecedente pessoal de
trombose venosa ou arterial.
As Heparinas de Baixo Peso Molecular (HBPMs) apresentam maior
segurança, menor incidência de efeitos adversos (sangramento,
plaquetopenia e osteoporose) e maior facilidade posológica, o que as
tornam drogas de primeira escolha.
A indicação do uso de heparina durante a gestação varia para cada
gestante, a depender do tipo de trombofilia e de seus antecedentes
de eventos tromboembólicos.
A utilização de HBPM dispensa o controle com coagulograma, sendo
recomendada dosagem do fator anti-X a cada trimestre da gestação
(os valores devem estar entre 0,7 e 1 UI/mL para as pacientes com
dose plena de HBPM).
A utilização de heparina causa aumento do risco de osteopenia e
osteoporose nas gestantes, sendo diagnosticadas fraturas vertebrais
sintomáticas em 2 a 3% das mulheres que a utilizam por mais de 30
dias. Recomenda-se aumento no aporte nutricional de cálcio em 1,5
g/d, com suplementação de carbonato de cálcio 500 mg/d, a fim de
prevenir tal ocorrência.
A heparina pode, também, causar trombocitopenia imune em 3% das
gestantes (diagnosticada pela contagem plaquetária inferior a
100.000/mm3, ou queda de 50% ou mais na contagem plaquetária
prévia) e cursa com aumento paradoxal do risco de trombose. Essa
constatação motiva a realização de hemograma a todas as pacientes
que recebem essa medicação, quinzenalmente no primeiro mês e
mensalmente nos seguintes.
5.4.2.3 Ácido acetilsalicílico

Pacientes com diagnóstico de SAAF devem utilizar ácido


acetilsalicílico (AAS), 100 mg/d, a partir do resultado positivo do
teste de gravidez. Ressalta-se que os benefícios do AAS observados
para pacientes com SAAF ainda não foram confirmados para as
portadoras de outras trombofilias, o que não justifica sua utilização
por estas.
5.4.3 Consultas e exames
As consultas de pré-natal devem ser mensais ou quinzenais até 20
semanas de gestação, e quinzenais ou semanais a partir de então.
Sempre que possível, recomenda-se ultrassonografia obstétrica
mensal a partir de 8 semanas de idade gestacional (avaliação de
crescimento e desenvolvimento fetais).
O Doppler da circulação fetoplacentária é um exame muito
importante no seguimento obstétrico das gestantes com trombofilia,
pois permite a avaliação do leito vascular placentário, que pode ser
alvo de trombose. Deve ser realizada pela primeira vez em torno de
15 semanas de gestação e repetida quinzenalmente até a vigésima
sexta semana. Caso os valores estejam normais, preconiza-se
repetição mensal desse exame entre a vigésima sexta e a trigésima
quarta semanas de gestação. Se os valores estiverem alterados ou se
ocorrer piora do quadro clínico materno, deve-se repetir a avaliação
com Doppler em intervalos menores.
5.5 CONDUTA NO PARTO E NO
PUERPÉRIO
Sempre que possível, o parto deve ser programado, a fim de
possibilitar a suspensão temporária da heparina, e ser realizado
entre 37 e 40 semanas. Alguns autores defendem a realização do
parto com 39 semanas, desde que o quadro clínico materno-fetal o
permita. O Ministério da Saúde não se pronuncia quanto a isso.
Quando a gestante estiver utilizando AAS, este deve ser suspenso 1
semana antes do parto, e a heparina, 24 horas antes, o que permitirá
a realização de raquianestesia ou anestesia peridural e diminuirá a
chance de sangramento durante o parto, especialmente se cesárea.
A via de parto é obstétrica; não há contraindicação à maturação do
colo com prostaglandinas nem à indução do trabalho de parto. A
paciente deve utilizar meias elásticas durante todo o procedimento,
sendo parto vaginal ou cesárea.
A terapêutica com heparina deve ser reiniciada após 6 a 8 horas do
parto, independentemente da via. A deambulação precoce e o uso de
meias elásticas devem ser estimulados.
5.6 PROFILAXIA ANTITROMBÓTICA
5.6.1 Gestantes trombofílicas
Figura 5.1 - Condutas a gestantes com trombofilias

Fonte: elaborado pelo autor.

A dose profilática de HBPM é de enoxaparina 40 mg ou dalteparina


5.000 UI/d; a dose intermediária, enoxaparina 80 mg/d ou
dalteparina 10.000 UI/d; a dose plena, enoxaparina 2 mg/kg/d ou
dalteparina 20.000 UI/d (2x/d); e a dose de ácido acetilsalicílico, 100
mg/d.
5.6.2 Puerpério
Figura 5.2 - Condutas a puérperas com trombofilias
Legenda: International Normalized Ratio (INR).
Fonte: elaborado pelo autor.
Que gestantes devem
receber profilaxia
antitrombótica?
A indicação do uso de heparina durante a gestação varia
para cada gestante, a depender do tipo de trombofilia e de
seus antecedentes de eventos tromboembólicos. Pacientes
com diagnóstico de SAAF devem utilizar AAS, 100 mg/d, a
partir do resultado positivo do teste de gravidez. Ressalta-
se que os benefícios do AAS observados para pacientes com
SAAF ainda não foram confirmados para as portadoras de
outras trombofilias, o que não justifica sua utilização por
estas.
Quais são os cuidados que
devem ser tomados durante
o acompanhamento de
trabalho de parto da
gestante cardiopata?

6.1 INTRODUÇÃO
A doença cardíaca permanece como uma das complicações médicas
mais importantes da gestação, apesar do desenvolvimento da
assistência às pacientes cardiopatas. A cardiopatia é a quarta causa
de mortalidade materna, ocupando o primeiro lugar como causadora
de mortes maternas não obstétricas. Nos Estados Unidos, é a causa
não obstétrica mais comum de mortalidade materna.
A partir da introdução da substituição valvar por próteses
mecânicas, surgiu um grupo de mulheres jovens, em idade fértil, que
foi obrigado a usar anticoagulantes orais e que passou a constituir
uma população de risco gravídico maior, dentro do grupo de alto
risco. A grande vantagem das próteses biológicas é dispensar o uso
crônico de anticoagulantes orais, usados apenas em algumas
situações.
São grandes os avanços na farmacologia, na propedêutica
subsidiária como a ecocardiografia e na possibilidade cada vez maior
do uso de marca-passos que permitem maior êxito no tratamento da
gestante cardiopata. Além disso, o progresso da cirurgia cardíaca
possibilitou reformular as indicações cirúrgicas no tratamento dessa
gestante, reservadas apenas para situações de emergência. Hoje,
perante situações nas quais é evidente o fracasso do tratamento
clínico, a indicação da cirurgia durante a gestação se tornou mais
segura.
Merece destaque, ainda, a alta taxa de mortalidade e morbidade
fetal, pois uma enfermidade grave para a mãe também representa
risco elevado para o bem-estar do feto.
6.2 INCIDÊNCIA E ETIOLOGIA
A prevalência das doenças cardíacas é influenciada por aspectos
geográficos e socioeconômicos da população em estudo. Nas regiões
em desenvolvimento, a cardiopatia reumática ainda é um
importante problema de saúde pública.
No Brasil, a cardiopatia reumática é a mais
frequente na gestação, seguida da congênita.

Até a década de 1950, 0,2 a 3,7% das gestações na América do Norte e


na Europa eram complicadas por doença cardíaca e 90% eram de
etiologia reumática.
A incidência das diversas causas etiológicas tem se modificado
nesses últimos anos. Ultimamente, a incidência aumentada de
cardiopatia congênita reduziu a proporção para 3:1. A diminuição da
prevalência da doença reumática, assim como a menor gravidade do
surto agudo, corresponde, naturalmente, a uma diminuição da
incidência da doença valvar.
Os avanços na Cirurgia Cardíaca levaram a um aumento crescente no
número de mulheres que foram submetidas a cirurgia cardiovascular
e que estão engravidando. Quando a lesão é totalmente corrigida, a
gravidez não configura um risco adicional às gestantes.
No Brasil, a incidência de cardiopatia na gestação é de 4,2%, 8 vezes
maior quando comparada a estatísticas internacionais,
principalmente em função da cardiopatia secundária à doença
reumática, cuja proporção na gestação é estimada em 50% entre
outras cardiopatias. Não deve deixar de ser citada a doença de
Chagas, que, dependendo da região do país, tem sua prevalência
aumentada.
A estenose mitral é, sem dúvida, a lesão mais frequente,
representando cerca de 90% das doenças valvares cardíacas de causa
reumática, enquanto as lesões combinadas (mitral + aórtica)
correspondem a uma frequência de 5 a 10% e as lesões aórticas
isoladas podem representar, dependendo de cada estudo, até 50%
das valvopatias.
Entre as cardiopatias congênitas, as mais frequentes são:
comunicação interatrial (CIA), estenose pulmonar, comunicação
interventricular (CIV) e transposição corrigida dos grandes vasos da
base.
A principal modificação hemodinâmica da gestação é o aumento do
débito cardíaco (em torno de 40%), sendo o maior responsável pela
descompensação das cardiopatias em gestantes.
Essa sobrecarga cardíaca acontece já no primeiro trimestre, porém
aumenta principalmente no final do terceiro trimestre e no
puerpério, o que torna este último o período mais propenso ao
desenvolvimento de insuficiência cardíaca descompensada.
6.3 MODIFICAÇÕES FISIOLÓGICAS
CARDIOVASCULARES E DO SISTEMA
RESPIRATÓRIO NA GESTAÇÃO
6.3.1 Volume sanguíneo
O volume sanguíneo materno aumenta consideravelmente durante a
gravidez. Esse aumento médio, próximo ao termo, pode alcançar
45% em relação aos níveis pré-gravídicos, mas a variabilidade
individual é muito ampla. A hipervolemia induzida pela gravidez se
destina a suprir a demanda do útero aumentado, com seu sistema
vascular altamente hipertrofiado, protegendo a mãe e o feto contra
os efeitos deletérios do retorno venoso prejudicado e,
principalmente, salvaguardando a mãe contra os efeitos adversos da
perda sanguínea associada ao parto.
A maior parte do aumento do volume sanguíneo deve-se ao aumento
do volume plasmático. Esse aumento é notado já a partir da sexta
semana de gestação, expandindo-se mais rapidamente durante o
segundo trimestre e, a seguir, mais lentamente até a trigésima
quarta semana. O volume sanguíneo passa de 65 a 70 mL/kg
(mulheres não gestantes) para 100 mL/kg nas gestantes.
Em contraste com o aumento do volume plasmático, o volume de
eritrócitos aumenta progressivamente durante a gravidez, havendo
aceleração da taxa de aumento após a vigésima oitava semana,
quando o volume plasmático está próximo da estabilização.
O aumento do volume de eritrócitos varia de 20 a 35% com relação
aos níveis pré-gravídicos.
O aumento desproporcional do volume plasmático (comparado com
o ganho do volume de eritrócitos) durante a gravidez resulta em
hemodiluição, manifestada por queda do hematócrito e da
concentração de hemoglobina, condição conhecida por anemia
fisiológica da gravidez. A suplementação profilática de ferro parece
melhorar significativamente a capacidade de transporte de oxigênio
pelo sangue materno, mas não previne a anemia dilucional, evento
fisiológico.
6.3.2 Débito cardíaco
Durante a gestação, o débito cardíaco eleva-se em torno de 30 a 50%
acima dos valores pré-gravídicos, com a paciente em repouso. A
maior parte do aumento acontece precocemente na gestação; o
débito cardíaco de repouso atinge os níveis mais elevados por volta
da metade da gestação. Um aspecto importante é a queda
significativa do débito cardíaco quando a paciente adota a posição
supina, com os valores do débito cardíaco podendo ser inferiores aos
observados no período pós-parto.
Na gravidez normal, o débito cardíaco começa a elevar-se entre 10 e
12 semanas de gestação, atingindo um platô entre 26 e 28 semanas.
Esse aumento se dá, inicialmente, à custa do aumento no volume
sistólico, vinculado ao aumento da volemia e ao consequente
aumento do retorno venoso. Em fases mais tardias da gravidez, há o
aumento da frequência cardíaca de 10 a 15 bpm, enquanto o volume
sistólico se estabiliza ou diminui. Em gestações gemelares, o débito
cardíaco pode ser até 20% maior se comparado com gestantes de
fetos únicos.
Há também aumento do fluxo plasmático renal, em torno de 30%, e
da taxa de filtração glomerular de 50%, aumentando a fração de
filtração. Quanto ao fluxo sanguíneo uterino, este passa de 50
mL/min na décima semana de gestação para 200 mL/min na
vigésima oitava semana, atingindo 500 mL/min no termo. A
vascularização cutânea apresenta elevação apreciável, permitindo
maior dissipação do calor na gravidez. Por outro lado, órgãos como
cérebro e fígado não apresentam elevação do fluxo sanguíneo.
No trabalho de parto, o débito cardíaco aumenta a cada contração
uterina e retoma uma linha de base progressivamente mais elevada
no intervalo entre as contrações. A elevação do débito cardíaco varia
diretamente com a intensidade da contração uterina, que promove
ejeção do sangue “represado” na circulação uterina, aumentando o
retorno venoso. A dor e a ansiedade relacionadas ao trabalho de
parto podem promover aumento adicional do débito cardíaco da
ordem de 50%.
As alterações do débito cardíaco associadas ao trabalho de parto ou
ao parto cesárea também são influenciadas pela analgesia ou
anestesia, com variações importantes na dependência do agente
anestésico e da técnica utilizada. O bloqueio do sistema nervoso
simpático associado à anestesia regional, promovendo vasodilatação
periférica, também reduz o débito cardíaco.
No pós-parto imediato, o débito cardíaco aumenta de 60 a 80% e
pode permanecer elevado durante dias ou algumas semanas. O
aumento do débito cardíaco após o parto é consequência do
esvaziamento sanguíneo do útero para o sistema circulatório e da
menor compressão da veia cava inferior, levando a um estado de
hipervolemia, apesar do sangramento genital do parto. A elevação do
débito cardíaco se deve ao aumento do volume sistólico.
6.3.3 Resistência vascular e pressão arterial
Interações entre fatores vasopressores e fatores vasodilatadores,
com predomínio dos últimos, causam redução da resistência
vascular periférica. A queda da resistência vascular periférica é maior
do que o aumento concomitante do débito cardíaco, especialmente
na gestação precoce. Como consequência, há a diminuição da
pressão arterial no primeiro trimestre de gravidez e,
particularmente, no segundo. Com a aproximação do termo, a
pressão arterial tende a atingir os níveis pré-gravídicos.
A queda da resistência periférica é máxima por volta da metade da
gestação, época em que o aumento do débito cardíaco também
atinge o seu pico. Há diminuição discreta da pressão sistólica e
redução mais evidente da pressão diastólica. Durante o trabalho de
parto, a pressão arterial sistólica se eleva de 15 a 20 mmHg e a
diastólica, de 10 a 15 mmHg. A magnitude dessas alterações depende
da intensidade da contração uterina e está relacionada a dor,
ansiedade e posição da parturiente.
6.3.4 Sistema respiratório
Durante a gestação, devido ao ingurgitamento capilar em orofaringe,
laringe, traqueia e brônquios, pode haver dificuldade na respiração
nasal. A elevação do diafragma é compensada pelo aumento da
circunferência do tórax, permitindo uma ventilação adequada.
Há aumento do volume-minuto desde o início até o final da
gestação, cerca de 50%, caracterizando uma hiperventilação que
poderá resultar em alcalose respiratória, principalmente durante o
trabalho de parto. Um aspecto importante é a diminuição da
capacidade residual funcional, que pode acarretar, quando diante de
curtos períodos de apneia, hipoxemia severa.
6.4 REPERCUSSÕES DAS
CARDIOPATIAS MATERNAS SOBRE O
CICLO GRAVÍDICO-PUERPERAL
A incidência de abortamento em cardiopatas está aumentada,
especialmente nos casos em que há hipoxemia. A oxigenação
inadequada do sangue no início da gestação, como o que acontece na
Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) ou na cardiopatia congênita
cianótica, geralmente é acompanhada de elevada incidência de
abortamento. Quando a hipóxia é intensa, capaz de elevar o
hematócrito acima de 65%, o abortamento acontece em 80 a 100%
das oportunidades. Em assintomáticas ou pouco sintomáticas
(classes funcionais I e II da New York Heart Association – NYHA), a
incidência de abortamento espontâneo é da ordem de 8%.
A doença hipertensiva, principalmente quando acentuada, pode
gerar lesões de tal ordem nas artérias, especialmente nas deciduais,
capazes de determinar redução do fluxo uteroplacentário,
possibilitando o abortamento (precoce ou tardio). Também são
comuns, nessa situação, o retardo do crescimento fetal e o óbito
intrauterino.
A prematuridade espontânea em gestação complicada por
cardiopatia materna apresenta incidência bastante variável.
Observa-se, de maneira geral, correlação entre a classe funcional da
cardiopatia (NYHA) e as taxas de prematuridade: classe I ou II, 15%;
classe III ou IV, 35%. Também se observa maior número de partos
pré-termos em pacientes sob anticoagulação.
Para um adequado crescimento fetal, é necessário que o suprimento
de sangue oxigenado seja em quantidade apropriada. Gestantes com
cardiopatia congênita, em boas condições hemodinâmicas e com
suficiente reserva funcional, apresentam bom desenvolvimento
placentário e fetal. Por outro lado, quando a ICC ocorre
precocemente e persiste, ou quando a cardiopatia é acompanhada de
cianose, há um risco significativo de restrição do crescimento fetal.
Com relação à adequação entre peso e idade gestacional no parto,
observa-se que, entre as pacientes com classes funcionais I ou II, há
menor proporção de recém-nascidos Pequenos para a Idade
Gestacional (PIG). Por outro lado, em pacientes em classes
funcionais III ou IV, a prevalência de recém-nascidos PIG tende a ser
significativamente maior.
A mortalidade perinatal em cardiopatas está vinculada ao
diagnóstico funcional da cardiopatia. Nas assintomáticas (classe I), a
mortalidade perinatal é semelhante à da população geral. Com o
agravamento da doença, a mortalidade aumenta. Assim, a perda de
fetos em pacientes na classe II é de 15%, 30% na classe III e pode
chegar a 55% na IV.
A síndrome varfarínica fetal é caracterizada, frequentemente, pela
hipoplasia do nariz com depressão da ponte nasal e alargamento e
anteversão das narinas. As calcificações epifisárias, com aspecto de
pontilhado, também são frequentes. Outros achados mais raros são
baixo peso ao nascer, prematuridade, alterações oculares, hipoplasia
de extremidades, retardo mental e microcefalia.
Na cardiopatia cianótica, o resultado final da gravidez correlaciona-
se ao hematócrito. Quanto mais elevado o hematócrito, mais alta a
incidência de prematuridade. Isso demonstra a importância do
diagnóstico e da correção cirúrgica precoces das cardiopatias
cianóticas, preferencialmente antes da menacma.
A cardiopatia, via de regra, não influencia a evolução do trabalho de
parto. Os períodos de dilatação, expulsão e dequitação não diferem
com relação à população geral.
As cardiopatas descompensadas estão mais sujeitas aos fenômenos
tromboembólicos e às infecções no puerpério, especialmente as
submetidas ao parto cesárea.
Quadro 6.1 - Classificação funcional das cardiopatias da New York Heart Association

6.5 REPERCUSSÕES DO CICLO


GRAVÍDICO-PUERPERAL SOBRE AS
CARDIOPATIAS
As alterações cardiovasculares que acompanham a gravidez normal
podem ocasionar graves riscos às cardiopatas. Pacientes com pouca
ou nenhuma limitação da atividade física enquanto não grávidas
podem apresentar piora do quadro clínico durante a gravidez.
A avaliação das repercussões da gravidez sobre as doenças cardíacas
muitas vezes se torna difícil, pelo fato de os sintomas e sinais que
sugerem a descompensação cardíaca serem observados com
frequência em gestantes normais.
Não é raro a gestante apresentar fadiga,
encurtamento da respiração, ortopneia e edema
periférico, sinais similares aos presentes na ICC.
Palpitações também podem ser referidas por
uma gestante normal.

Certos sintomas, entretanto, são sinais de alerta para a presença de


doença cardíaca na gravidez, como limitação progressiva da
atividade física devido à dispneia progressiva, dor torácica que
acompanha o exercício e síncope precedida por palpitações ou após
esforço físico.
O exame físico do sistema cardiovascular revela alterações
fisiológicas na gestante normal que, a exemplo dos sintomas
descritos, poderiam sugerir doença cardíaca. Sopros sistólicos são
observados em 90% das mulheres grávidas. Por outro lado, sopros
diastólicos são notados em não mais do que 10% das pacientes e,
quando presentes, exigem melhor avaliação. A terceira bulha é
ouvida com frequência e não é sinal de anormalidade. Distensão
venosa e edema periférico são encontrados na maioria das gestantes
normais.
No diagnóstico de doença cardíaca, valoriza-se
a história de dispneia acentuada ou progressiva,
dispneia de repouso, ortopneia progressiva,
dispneia paroxística noturna, angina ou
síncopes relacionadas ao esforço físico.

O exame físico é compatível com doença cardíaca quando existe


sopro sistólico rude (grau de intensidade maior do que 3+/6+), sopro
diastólico, cardiomegalia inequívoca à radiografia de tórax, cianose,
baqueteamento de dedos e distensão jugular persistente. A presença
de arritmia cardíaca persistente ao eletrocardiograma também
indica a cardiopatia.
A segunda metade da gestação, o parto e o puerpério imediato são os
períodos de maior risco para a gestante cardiopata. Após a vigésima
semana de gravidez, o débito cardíaco atinge os seus níveis
máximos, e a frequência cardíaca aumenta progressivamente. Em
pacientes com estenose mitral, a idade gestacional de início da
congestão pulmonar é, em geral, paralela à da ocorrência do
aumento do débito cardíaco e da volemia, sendo a maior incidência
de descompensação cardíaca na gravidez por volta da trigésima
segunda semana de gestação.
Diversos fatores parecem interferir no prognóstico materno em
gestantes cardiopatas. Entre os fatores gerais, devem ser ressaltados
idade materna avançada, primiparidade, condições socioeconômicas
desfavoráveis, assistência pré-natal inadequada, realização de parto
cesárea e puerpério imediato.
Algumas doenças cardiovasculares em especial,
colocam a mulher em mais alto risco de morte,
o que contraindicaria a gestação.

O risco de morte materna é particularmente elevado nas seguintes


cardiopatias: síndrome de Eisenmenger e hipertensão pulmonar
primária (risco de morte de 30 a 50%), síndrome de Marfan com
dilatação da raiz aórtica (50%), cardiomiopatia periparto na
gestação atual (18 a 50%) e nos casos de infarto agudo do miocárdio
com menos de 2 semanas de intervalo até o parto (50%). Outras
condições que apresentam risco um pouco aumentado:
cardiomiopatia periparto em gestação pregressa (19%), tetralogia de
Fallot não corrigida, estenose mitral (com classe funcional III ou IV),
próteses valvares mecânicas (1 a 4%) e cardiopatia congênita
cianótica (1 a 2%).
O risco de morte materna varia amplamente e cresce
proporcionalmente com a gravidade dos procedimentos terapêuticos
realizados previamente ou durante a gestação, como cirurgia
cardíaca, uso de drogas anticoagulantes, intervalo entre a cirurgia e
a gestação (acima de 10 anos), longo tempo de evolução da lesão
cardíaca e alteração no ritmo cardíaco, especialmente a fibrilação
atrial. O risco materno é elevado nas submetidas a cirurgia cardíaca
prévia, sobretudo nas portadoras de próteses valvares mecânicas,
situação em que é obrigatório o uso de substâncias anticoagulantes.
A reativação da doença reumática, embora seja rara, é possível
durante a gestação, principalmente em gestante com episódios
recentes de atividade reumática. Tal evento pode modificar o
prognóstico da gestação.
A endocardite infecciosa é rara na gestação e geralmente incide
sobre uma cardiopatia reumática. A insuficiência mitral, pura ou
associada a estenose, é a lesão que mais propicia o desenvolvimento
da endocardite durante a gestação.
Quadro 6.2 - Achados comuns na gestação normal
1. Principais sinais e sintomas sugestivos de cardiopatia na
gestação:
a) Presença de sopro diastólico;
b) Cardiomegalia inequívoca à radiografia de tórax;
c) Presença de sopro diastólico graus III ou IV, rude e com
irradiação;
d) Presença de fibrilação atrial ou arritmia cardíaca grave;
e) Progressão rápida de dispneia;
f) Dispneia paroxística noturna;
g) Dor precordial ou síncope após esforço físico;
h) Cianose e estertores pulmonares.

Com esses critérios, o obstetra pode fazer o diagnóstico de doença


cardíaca na grande maioria dos casos. Uma vez constatada a sua
presença, torna-se necessário estabelecer os diagnósticos
etiológico, anatômico e funcional da cardiopatia.
6.6 PLANEJAMENTO DA GRAVIDEZ
Há uma provável evolução desfavorável da gestação quando se
observam história prévia de insuficiência cardíaca, febre reumática
ativa recente, fibrilação atrial, hemoptise, aumento de volume
franco de quaisquer das câmaras cardíacas, estenose mitral grave ou
cardiopatia cianótica.
Acredita-se que pacientes reumáticas em classe funcional I possam
engravidar, mas que seja desaconselhável àquelas em classe
funcional II (cirúrgico) e às de classes III e IV dos grupos cirúrgico ou
clínico. Ao planejar a gestação para uma cardiopata, devem ser
levados em conta, além da classificação funcional, fatores como a
necessidade de uso de anticoagulantes, o tipo e a posição da prótese
implantada e o tempo de evolução clínica pós-operatória
(idealmente, maior do que 1 ano e menor do que 6 anos), a
hemodinâmica pós-operatória, o ritmo cardíaco, o tamanho do átrio
esquerdo (> 60 mm), a função ventricular esquerda, a área mitral, o
tempo de evolução da lesão reumática, a presença de cardiopatias
cianóticas, a idade da paciente (a congestão pulmonar na gestante
cardiopata está presente em 11% ao redor de 26 anos e eleva-se para
36% naquelas com mais de 35 anos), o passado obstétrico e a
associação a outras doenças.
Pode-se programar ou contraindicar uma gestação considerando
todos esses elementos. A gestação terá seu prognóstico baseado em
um controle pré-natal previamente planejado e um diagnóstico pré-
concepcional da cardiopatia muito bem estabelecido. A cardiopata
deve conhecer os riscos para si e para seu filho. Nas pacientes com
lesão valvar, a avaliação e a indicação de cirurgia devem ser feitas
antes da gestação, quando possível. No caso de cardiopatias
congênitas, o aconselhamento exige o conhecimento de
componentes genéticos e da etiologia da cardiopatia.
6.7 ANTICONCEPÇÃO
A paciente cardiopata deve estar preparada para a limitação da prole.
Embora não se saiba precisar o número recomendável de filhos,
sabe-se que essa restrição tem relação direta com a gravidade da
doença cardíaca.
O planejamento familiar da cardiopata é controverso e pouco
estudado.
Quadro 6.3 - Anticoncepção em pacientes cardiopatas

6.8 PROGNÓSTICO MATERNO


O prognóstico materno depende de fatores como os relacionados a
seguir.
6.8.1 Capacidade funcional cardíaca
Em cardiopatia sem prótese, a morbidade e a mortalidade maternas
são diretamente proporcionais à classe funcional. Nas classes
funcionais I e II, a mortalidade materna é de 0,4%, ao passo que, nas
classes III e IV, é de 6,8%. Essa relação não pode ser extrapolada
para as portadoras de próteses valvares, pois a isso se somam os
riscos de fenômenos tromboembólicos, dependendo do tipo e da
posição da prótese implantada e do tempo de evolução pós-
operatório.
6.8.2 Tipo de prótese valvar
As gestantes portadoras de próteses valvares cardíacas têm pior
prognóstico, pois podem apresentar mais comumente, além dos
fenômenos tromboembólicos, arritmias, disfunção da prótese,
anemia hemolítica, endocardite infecciosa e hemorragias
relacionadas ao uso de anticoagulantes. O risco de fenômenos
tromboembólicos é maior nas pacientes com próteses mitrais do que
naquelas com próteses aórticas e é acentuado pela presença de
fibrilação atrial.
A presença de próteses metálicas aumenta tal risco. As próteses
biológicas têm menor risco de tromboembolia, porém apresentam a
desvantagem da menor durabilidade, e devem ser substituídas após
um intervalo de 6 a 10 anos.
6.8.3 Associação a outras intercorrências clínicas
ou obstétricas
1. Intercorrências clínicas: anemias, infecções do trato respiratório,
infecções urinárias, obesidade;
2. Intercorrências obstétricas: pré-eclâmpsia.

6.8.4 Qualidade das assistências pré-natal, clínica


e obstétrica
Quanto ao prognóstico materno tardio, a gestação parece não piorar
a evolução da cardiopatia em longo prazo.
Quadro 6.4 - Riscos de mortalidade materna por doença cardíaca

6.9 EVOLUÇÃO E FISIOPATOLOGIA


DAS CARDIOPATIAS MAIS
FREQUENTES NO CICLO GRAVÍDICO-
PUERPERAL
6.9.1 Febre reumática aguda
É rara, porém de alta gravidade durante a gestação. Está associada a
alta mortalidade materna e fetal, em especial quando acompanhada
de insuficiência cardíaca.
O tratamento do surto agudo da febre reumática não é alterado
durante o período gestacional e inclui repouso, ácido acetilsalicílico
e penicilina.
6.9.2 Febre reumática crônica
6.9.2.1 Estenose mitral

É a lesão valvar mais frequente na gestação. Grande parte das


pacientes pode apresentar deterioração clínica durante a gestação
como resultado das alterações hemodinâmicas próprias do ciclo
gravídico-puerperal.
O gradiente de pressão por meio da valva mitral estenosada aumenta
secundariamente ao aumento do débito cardíaco, da volemia e da
frequência cardíaca.
A elevação da pressão intra-atrial associada ao efeito arritmogênico
próprio da gestação pode desencadear fibrilação ou flutter atrial
agudo, além de precipitar a formação de trombos intracavitários.
A combinação desses fatores pode produzir elevação da pressão
capilar pulmonar e edema agudo de pulmão. Os períodos associados
a maior risco seriam o fim da gestação, parto e puerpério,
especialmente o puerpério imediato.
O risco de morte materna é de 1% nas pacientes com estenose mitral;
nos casos graves (área valvar < 1,5 cm2 e/ou classes funcionais III e
IV), a mortalidade pode chegar a 5% e, na presença de fibrilação
atrial, atingir 17%.
O tratamento visa reduzir a frequência cardíaca e atenuar o aumento
da volemia. Deve-se restringir a atividade física e indicar o uso de
betabloqueadores e digitálicos. Orientam-se a restrição de ingestão
de líquidos e sódio e o uso de diuréticos, evitando os tiazídicos no
terceiro trimestre, por causarem plaquetopenia neonatal. Os
vasodilatadores são drogas úteis para diminuir o retorno venoso.
Nos casos graves e refratários à medicação otimizada, a intervenção
cirúrgica durante o período gestacional pode ser indicada
(valvoplastia mitral percutânea por cateter-balão).
6.9.2.2 Insuficiência mitral

Essa lesão é normalmente bem tolerada, provavelmente atenuada


pela diminuição da resistência vascular periférica observada na
gestante.
A terapêutica recomendada é a administração de digitálicos, que
podem ser associados a diuréticos e nitratos (redução da pré-carga)
ou hidralazina (redução da pós-carga).
6.9.2.3 Lesões aórticas

São menos frequentes. A insuficiência aórtica é mais comum do que


a estenose aórtica e é bem tolerada na gestação, e a diminuição da
resistência periférica fisiológica pode atenuar o refluxo valvar
aórtico.
6.9.2.4 Estenose aórtica

As estenoses aórticas graves (área valvar < 1 cm2) são de alto risco
materno-fetal, acompanhadas de alta mortalidade.
A estenose aórtica é de alto risco porque o aumento fisiológico do
volume sistólico provoca elevação no trabalho ventricular esquerdo
que pode não representar aumento correspondente do fluxo
sanguíneo. Se o volume sistólico não aumenta, ocorre taquicardia,
que leva à redução do fluxo coronariano (que ocorre na diástole), por
diminuição do tempo de enchimento ventricular. Deve-se ressaltar,
ainda, que a vasodilatação arterial fisiológica da gravidez é deletéria
nessas pacientes, por aumentar o gradiente valvar.
Assim, as pacientes com estenose aórtica grave podem falecer por
insuficiência cardíaca ou apresentar morte súbita por diminuição
aguda do retorno venoso, seja por hipotensão, seja por perdas
sanguíneas fisiológicas do parto e puerpério.
Quando ocorre descompensação cardíaca durante a gestação, pode-
se recorrer a valvoplastia aórtica percutânea por cateter-balão ou
cirurgia (troca valvar ou comissurotomia aórtica).
6.9.2.5 Prolapso da valva mitral

O prolapso da valva mitral, encontrado em mais ou menos 15% das


mulheres em idade fértil, é caracterizado pela degeneração
mixomatosa dos folhetos mitrais, geralmente o posterior. As cordas
tendíneas são alongadas e adelgaçadas.
O prolapso da valva mitral pode estar associado a outras lesões
cardíacas (cardiopatia reumática, miocardiopatias, síndrome de
Marfan e CIA). As complicações graves são insuficiência mitral,
endocardite infecciosa e morte súbita.
Observa-se favorável evolução materno-fetal nessas pacientes. Os
betabloqueadores podem ser indicados àquelas com dor precordial e
taquiarritmias.
6.9.3 Cardiopatias congênitas
O diagnóstico e o tratamento precoces das cardiopatias congênitas
possibilitam que um grande número de pacientes com essas
cardiopatias atinja a idade fértil com condições para suportar a
sobrecarga hemodinâmica da gestação. As cardiopatias congênitas
são responsáveis por, aproximadamente, 10% das doenças cardíacas
na gestação e no puerpério e constituem 0,5 a 1% dos óbitos
maternos.
A evolução materna é determinada pelo tipo de cardiopatia,
realização de correção cirúrgica prévia, presença de cianose e
características da função ventricular. Quando a cardiopatia materna
é complicada por cianose, o risco materno-fetal está aumentado. A
correção das cardiopatias congênitas cianóticas, mesmo se parcial,
diminui significativamente o risco fetal e melhora as condições de
crescimento fetal intraútero.
A perda gestacional nas pacientes com cianose pode chegar a 45%.
As complicações possíveis dessas situações são insuficiência
cardíaca, arritmias, angina, endocardite infecciosa e
tromboembolismos.
6.9.3.1 Comunicação interatrial

É a cardiopatia congênita mais frequente durante a gravidez. Ao


shunt esquerdo-direito, soma-se a sobrecarga volumétrica da
gestação, a qual leva a maior sobrecarga do ventrículo direito. A
paciente com CIA não complicada por outra patologia ou por
hipertensão pulmonar tolera bem a gestação. Eventualmente, pode
apresentar insuficiência cardíaca ou arritmia em sua evolução.
Em pacientes com hipertensão pulmonar grave ou com síndrome de
Eisenmenger, observa-se elevado risco de morte materno-fetal. O
maior risco está na inversão do shunt como efeito de episódios de
hipotensão sistêmica provocados por síndromes hemorrágicas da
gestação ou por súbita elevação da pressão pulmonar produzida por
embolia não pulmonar.
A orientação deve ser individualizada, considerando a classe
funcional e, principalmente, a pressão na artéria pulmonar.
6.9.3.2 Comunicação interventricular

Portadoras de CIV isolada, sem hipertensão pulmonar, toleram bem


a gestação. Existem relatos de insuficiência cardíaca, arritmias e
mesmo embolia paradoxal em pacientes sem correção cirúrgica.
As pacientes com correção cirúrgica da CIV devem ter evolução igual
à das gestantes sem cardiopatias. Nas pacientes sem correção
cirúrgica, um episódio de hipotensão grave durante o trabalho de
parto ou no puerpério pode inverter o shunt quando associado a
hipertensão pulmonar grave. O risco materno se eleva nas
portadoras de hipertensão pulmonar.
As pacientes sem correção cirúrgica devem receber profilaxia
antibiótica para endocardite infecciosa.
6.9.3.3 Persistência do canal arterial

A Persistência do Canal Arterial (PCA) é uma patologia rara


atualmente. A gestação não apresenta maiores riscos para
portadoras de PCA sem hipertensão pulmonar. Em caso de
hipertensão pulmonar grave, a gestação é contraindicada em função
do elevado risco materno-fetal.
Complicações possíveis são a insuficiência cardíaca e o risco de
inversão do shunt por ocasião da hipotensão arterial grave, que pode
ocorrer por sangramento no parto e no puerpério.
6.9.3.4 Estenose aórtica congênita

A valva bicúspide é a cardiopatia congênita mais frequente, ocorre


em 1 a 2% dos recém-nascidos e pode estar associada a outras
malformações, como CIV, PCA e coarctação de aorta.
As maiores complicações são morte súbita e insuficiência cardíaca
esquerda, além de endocardite infecciosa.
6.9.3.5 Estenose pulmonar

Portadoras de estenose pulmonar leve a moderada toleram bem a


gestação. Nos casos de estenose pulmonar grave, pode ocorrer
insuficiência cardíaca direita.
Com os avanços terapêuticos, a incidência de complicações tem sido
muito reduzida. Quando grave e arresponsiva às medidas
farmacológicas e comportamentais, a estenose pulmonar pode ser
tratada com valvoplastia por cateter-balão ou por valvotomia
cirúrgica.
6.9.3.6 Coarctação de aorta

É um estreitamento da aorta que produz resistência ao fluxo e


hipertensão arterial. Em torno de 95% dos casos, localiza-se após a
emergência da artéria subclávia esquerda, na região do ducto
arterioso, e pode estar associada a outras malformações. Boa parte
dos pacientes tem valva aórtica bicúspide e aneurismas cerebrais.
As causas de óbito são insuficiência cardíaca, ruptura aórtica,
dissecção de aorta, endocardite infecciosa e hemorragia cerebral por
ruptura do aneurisma cerebral.
A maior parte das rupturas aórticas ocorre antes do trabalho de
parto; com base nessa constatação, alguns autores recomendam
fórcipe de alívio sob anestesia peridural em vez de cesárea. Outros
indicam a cesárea às pacientes sob suspeita de dissecção aórtica e
àquelas que já a apresentaram no passado.
Para essas pacientes, recomendam-se limitação da atividade física e
controle da pressão arterial, já que raramente ocorre rotura de
aneurisma aórtico na ausência de hipertensão.
Nas pacientes já submetidas à correção cirúrgica, a evolução da
gestação é satisfatória.
6.9.3.7 Tetralogia de Fallot

É a cardiopatia congênita cianótica mais comum em adultos.


Aproximadamente metade das crianças com tetralogia de Fallot não
tratadas morre antes do quinto ano de vida, e somente 5%
sobrevivem até os 25 anos. Os pacientes com correção total têm
sobrevida satisfatória com retorno da capacidade física normal,
porém a gestação é contraindicada em pacientes com tetralogia de
Fallot não corrigida.
O prognóstico da gestante com tetralogia de Fallot não corrigida é
especialmente ruim quando a paciente apresenta episódios de
síncopes, hematócrito superior a 50% e pressão do ventrículo direito
maior do que 100 mmHg.
O trabalho de parto, o parto e o puerpério imediato são os períodos
de maior risco, já que qualquer queda na pressão arterial ou na
resistência vascular sistêmica pode aumentar o shunt direito-
esquerdo e levar a paciente ao óbito.
6.9.3.8 Síndrome de Eisenmenger

O termo é utilizado para descrever situações nas quais uma


cardiopatia com shunt esquerdo-direito desenvolveu hipertensão
pulmonar grave e causou a inversão do shunt.
As síncopes que ocorrem nesse grupo de gestantes estão
relacionadas à atividade física e à posição ortostática, condições que
causam elevação da pressão arterial pulmonar, com o consequente
aumento do shunt direito-esquerdo.
Esse grupo de pacientes apresenta, durante a gestação, alta
mortalidade materno-fetal. O trabalho de parto, o parto e o
puerpério são os períodos de maior risco.
A mortalidade está associada a hipovolemia, fenômenos
tromboembólicos, doença hipertensiva específica da gestação e
realização de procedimentos cirúrgicos.
A interrupção da gestação (abortamento terapêutico) nessas
pacientes é a melhor opção, apresentando menor mortalidade do que
parto vaginal ou cesárea.
A evolução obstétrica do ponto de vista fetal também é
extremamente desfavorável; cerca de 25% das gestações evoluem
até o termo. O parto pré-termo é extremamente comum (mais de
50% dos casos). A restrição do crescimento fetal é extremamente
prevalente, e a mortalidade perinatal é alta.
A conduta mais recomendada compreende contraindicar a gestação a
portadoras de síndrome de Eisenmenger, indicar abortamento
terapêutico precocemente, internar a paciente após a vigésima
semana de gestação se a interrupção não for aceita ou não for mais
possível, realizar anticoagulação, suplementar fração de oxigênio
inspirada (no sentido de melhorar a saturação de O2 e atenuar a
hiper-resistência pulmonar), controle gasométrico frequente,
tratamento da insuficiência cardíaca, monitorizações hemodinâmica
e eletrocardiográfica no parto e manter hospitalização por, pelo
menos, 15 dias no puerpério.
6.9.3.9 Síndrome de Marfan

É uma síndrome autossômica dominante, em que 15% dos pacientes


não têm antecedentes familiares, o que seria explicado pela
variabilidade da expressão da síndrome ou por mutações
esporádicas.
As portadoras têm risco maior de dissecção ou rotura aórtica,
insuficiência cardíaca secundária, regurgitação valvar (aórtica ou
mitral) e endocardite infecciosa. Essas pacientes devem ser
submetidas a repetidas avaliações cardiovasculares durante a
gestação e ter o parto com o mínimo de estresse cardiovascular.
A portadora da síndrome de Marfan deve ser esclarecida a respeito
dos riscos da gestação e aconselhada a evitá-la.
6.10 MIOCARDIOPATIA PERIPARTO
A miocardiopatia periparto é uma doença rara, de etiologia
desconhecida e caracterizada pela presença de 3 critérios definidos
pela American Heart Association:
a) Desenvolvimento de ICC no último mês de gravidez ou até 5 meses
pós-parto;
b) Disfunção ventricular sistólica esquerda com fração de ejeção
menor que 45% (pode haver ou não dilatação do ventrículo esquerdo);
c) Exclusão de outras causas de ICC e ausência de cardiopatias
prévias.

Ocorre em cerca de 1 em cada 1.300 a 15.000 gestações, apresentando


incidência maior entre mulheres de raça negra, com mais de 30 anos
e multíparas. São apontados, como outros fatores de risco, gravidez
gemelar, baixo nível socioeconômico e desnutrição (especialmente
déficit de selênio na alimentação), história familiar de
miocardiopatia periparto, tocólise prolongada com beta-agonistas
ou sulfato de magnésio, obesidade, tabagismo, alcoolismo e
consumo de cocaína.
A taxa de mortalidade varia entre 7 e 50%, atribuindo-se, sobretudo,
a situações de ICC grave, arritmias e doença tromboembólica.
A miocardiopatia periparto tem etiologia
desconhecida e se desenvolve no final da
gestação ou no puerpério. O diagnóstico é feito
por exclusão.

Clinicamente, o diagnóstico diferencial entre o quadro da doença e


as adaptações fisiológicas da gravidez é bastante difícil. Os sintomas
e sinais são os habituais de uma ICC.
O diagnóstico é de exclusão, sendo fundamental a realização de
exames complementares de diagnóstico.
1. Exames complementares de diagnóstico a serem realizados:
a) Radiografia de tórax, por meio da qual se podem avaliar o
aumento do índice cardiotorácico e sinais radiológicos de estase
pulmonar ou derrame pleural;
b) Eletrocardiograma, cujo traçado pode variar entre o normal e a
presença de ondas Q nas derivações de V1 a V3, sinais de
hipertrofia ventricular esquerda, baixa voltagem dos complexos
QRS, alterações inespecíficas da repolarização ventricular e
arritmias auriculoventriculares;
c) Ecocardiograma para avaliação da gravidade da disfunção
ventricular e orientação terapêutica. É um exame extremamente
importante para o diagnóstico dessa doença, estabelecido sempre
que existe uma fração de ejeção ventricular esquerda < 45%;
d) Biópsia endomiocárdica indicada apenas a casos de
miocardiopatia prévia. Em uma grande porcentagem dos casos,
constata-se a existência de infiltrado linfocitário, sem necrose
celular;
e) Cateterismo cardíaco para casos de ICC refratária à
terapêutica clássica, sendo habitual a existência de pressões de
enchimento ventricular aumentadas, função sistólica ventricular
esquerda diminuída e artérias coronárias sem alterações de
significado patológico.

As complicações maternas inerentes correspondem às 3 principais


causas de morte materna: tromboembolismo pulmonar, ICC e
arritmias. A diminuição da função sistólica ventricular materna
condiciona uma diminuição da perfusão uteroplacentária, o que
poderá levar a restrição de crescimento fetal ou, até mesmo, óbito
fetal.
O diagnóstico correto de miocardiopatia periparto associado ao
tratamento imediato e eficaz conduz a uma recuperação da função
normal ventricular esquerda. Os objetivos da terapêutica consistem
na redução da pré-carga e da pós-carga cardíacas e no aumento do
inotropismo cardíaco. A mudança nos hábitos e no estilo de vida é o
primeiro passo para a recuperação da função cardíaca. Entre estes,
são importantes restrição hídrica (< 2L/d), dieta hipossódica,
atividade física leve, não fumar e não ingerir bebidas alcoólicas.
Quadro 6.5 - Grupos de drogas utilizadas na miocardiopatia periparto
O tratamento cirúrgico é reservado para situações de disfunção
ventricular progressiva refratária à terapêutica clínica instituída e
consiste em um balão intra-aórtico ou transplante cardíaco.
Aconselha-se a indução de trabalho de parto sempre que não há
resposta ao tratamento médico, optando-se, preferencialmente e
caso não existam contraindicações obstétricas, pela via de parto
vaginal com analgesia.
No seguimento dessas situações, está indicado um ecocardiograma,
de 3 a 6 meses pós-parto, para reavaliação da função cardíaca. Em
longo prazo, deve ser instituído um inibidor da enzima conversora
de angiotensina ou antagonista dos receptores da angiotensina II,
caso tenha havido recuperação da função sistólica ventricular, ou
associar um nitrato e um diurético, caso haja persistência de
disfunção ventricular.
O prognóstico depende do grau de disfunção miocárdica (a
persistência de disfunção ventricular por um período superior a 6
meses é considerada irreversível), do diâmetro das cavidades
cardíacas, da rapidez da instituição e resposta ao tratamento e das
complicações secundárias que possam surgir. Em 30% dos casos,
verifica-se uma recuperação da função ventricular aos 6 meses e, em
50%, uma melhora significativa da função ventricular.
Gestações futuras são absolutamente contraindicadas sempre que
persistir a disfunção ventricular, pois se sabe que a taxa de
recorrência é de 85%, e a de mortalidade, de até 60%. Se a função
ventricular foi parcialmente recuperada, mantendo-se uma
diminuição da reserva contrátil, gestações futuras não são
recomendadas. Em casos de recuperação total da função ventricular,
a taxa de mortalidade em futuras gestações é baixa, por isso não
estão contraindicadas do ponto de vista cardíaco.
6.11 ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL
A assistência pré-natal adequada da gestante cardiopata associa
acompanhamento pelo obstetra e pelo cardiologista desde a primeira
consulta pré-parto. Durante toda a gravidez e no puerpério, deve-se
dar atenção especial à profilaxia e ao reconhecimento precoce da
insuficiência cardíaca.
A primeira consulta pré-natal deve ser realizada o quanto antes, na
expectativa de serem estabelecidos o diagnóstico e o prognóstico
evolutivo da gestação.
Os exames pré-natais de rotina (hemograma completo, reações
sorológicas para sífilis, HIV, hepatites B e C, doença de Chagas,
toxoplasmose e rubéola, tipagem sanguínea, glicemia, exame de
urina tipo I e exame protoparasitológico) devem ser solicitados. O
exame ultrassonográfico deve ser realizado precocemente, no
primeiro trimestre, para a confirmação da idade gestacional, e ser
repetido de maneira seriada durante a gestação.
As provas de atividade reumática (ASLO, proteína C reativa,
eletroforese de proteínas) devem ser solicitadas nas cardiopatias de
etiologia reumática, e as provas de avaliação da coagulação
(atividade de protrombina, tempo de tromboplastina parcial
ativada), nas gestantes que necessitam de anticoagulação. O
eletrocardiograma deve ser solicitado rotineiramente, e o
ecocardiograma, sempre que necessário.
Os métodos para a avaliação da vitalidade fetal deverão ser
realizados a partir da trigésima quarta semana, em pacientes em
classes funcionais I e II, e mais precocemente, a partir da vigésima
oitava semana, quando a gestante for portadora de cardiopatia
cianótica ou aquelas em classes funcionais III ou IV.
A gestante deve adotar repouso relativo. A atividade física
programada poderá ser realizada para as gestantes portadoras de
cardiopatia com os seguintes requisitos: idade acima de 15 anos e
abaixo de 35 anos, não tabagistas, classe funcional I ou II, baixo risco
obstétrico, baixo risco cardiológico avaliado por meio de
eletrocardiograma normal e ecocardiograma mostrando átrio
esquerdo e função ventricular normais.
Devem ser evitados o aumento excessivo de peso e a retenção
anormal de líquidos, por predisporem à insuficiência cardíaca. O
ganho de peso aceito seria de cerca de 10 kg (considerando-se o
índice de massa corpórea inicial da paciente), à custa de dieta rica
em proteínas, com restrição para carboidratos.
Os retornos das consultas deverão ser programados conforme a
necessidade de cada caso, sem normas preestabelecidas. Nessas
consultas de controle, deve-se fazer um rigoroso controle de peso e
solicitar dosagem de hemoglobina e hematócrito no segundo e no
terceiro trimestres da gestação. A suplementação com ferro e ácido
fólico por via oral deve ser rotina na assistência pré-natal.
O trabalho de parto prematuro pode ocorrer na gestante cardiopata,
e devem ser avaliadas com muito cuidado as vantagens e as
desvantagens da tocólise. O parto prematuro pode ser consequente à
diminuição do débito cardíaco ou ao aporte insuficiente de oxigênio
e nutrientes ao feto. Isso pode acontecer nas insuficiências cardíacas
graves (classe funcional III ou IV) e nas cardiopatias congênitas
cianóticas, casos em que a tentativa de interromper o trabalho de
parto pré-termo é contraindicada. Na exceção, havendo condições
clínicas maternas para a inibição de trabalho de parto prematuro, as
drogas mais indicadas para esse fim são a atosibana e o sulfato de
magnésio, por apresentarem menor incidência de efeitos colaterais.
A atosibana é o tocolítico mais indicado para os
casos de inibição de trabalho de parto
prematuro.

Os digitálicos podem ser prescritos e utilizados durante a gestação


sem risco para o feto. As pacientes com pouca reserva cardíaca,
mesmo assintomáticas, devem ser digitalizadas no mesmo esquema
preconizado fora da gestação. O controle cardiológico deve ser
rigoroso, devido ao maior risco de intoxicação digitálica. O uso de
diuréticos estará indicado ao mínimo sinal de retenção hídrica ou
agravamento da hipertensão arterial sistêmica. Prefere-se a
furosemida, pois a utilização de tiazídicos pode causar
trombocitopenia fetal.
As arritmias maternas podem ser tratadas com antiarrítmicos
habituais sem risco fetal. Podem ser utilizadas as drogas mais
comuns, como quinidina, propranolol e verapamil. Os métodos
elétricos, como o marca-passo, a cardioversão elétrica e a
cardioestimulação transesofágica, também podem ser utilizados
sem qualquer contraindicação.
Os anticoagulantes orais ultrapassam a barreira placentária e podem
ocasionar malformações fetais e alterar a coagulação do feto,
expondo-o a maior risco de sangramento no momento do parto. A
heparina, que não ultrapassa a barreira placentária, pode ser
utilizada no primeiro e no terceiro trimestres da gestação para as
gestantes com indicação de anticoagulação contínua e deverá ser
suspensa 6 horas antes do parto e reiniciada após 4 horas.
Recomenda-se a profilaxia contra febre reumática com penicilina
benzatina 1.200.000 UI IM, a cada 3 semanas.
A penicilina V ou o estearato de eritromicina, se necessário, podem
ser opções.
A profilaxia de endocardite infecciosa em gestantes cardiopatas
permanece sendo um assunto controverso na literatura. De acordo
com o guideline da American Heart Association de 2007, a profilaxia
da endocardite infecciosa deve ser realizada nas seguintes
condições, que são consideradas de alto risco para desenvolvimento
de endocardite:
a) Presença de próteses valvares biológicas ou mecânicas;
b) Correção cirúrgica de defeitos cardíacos com utilização de material
biológico;
c) História prévia de endocardite infecciosa;
d) Cardiopatias congênitas cianóticas não corrigidas;
e) Cardiopatias congênitas corrigidas, porém que apresentam shunt
residual ou regurgitação valvular;
f) Oclusão de stent ou dispositivos colocados por cateter-balão há
menos de 6 meses para correção de cardiopatias congênitas;
g) Regurgitação valvar em coração transplantado.

A taxa de bacteriemia em procedimentos ginecológicos não


complicados, como parto vaginal ou cesárea, é muito baixa,
conforme demonstrado em estudos recentes. Portanto, a profilaxia
não seria indicada na maioria dos casos.
A Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia para Gravidez na
Mulher Portadora de Cardiopatia, de 2009, indica a realização de
profilaxia específica para endocardite infecciosa (ampicilina ou
amoxicilina + gentamicina) em todas as pacientes de alto ou
moderado risco nos casos de parto vaginal complicado com rotura
prematura de membranas prolongada (> 6 horas) ou na presença de
infecção intra-amniótica.
Os procedimentos dentários (nos quais há perfuração da mucosa
oral, manipulação da gengiva ou da região periapical dos dentes) são
considerados de alto risco para bacteriemia de agentes causadores de
endocardite infecciosa e devem sempre ser precedidos de profilaxia
adequada.
Preconiza-se a ampicilina na dose de 2 g IV, associada à
gentamicina, na dose de 1,5 mg/kg, administradas 60 minutos antes
da intervenção. Seis horas após o procedimento, deve-se
administrar 1 g de ampicilina ou amoxicilina IV ou VO.
As pacientes que permanecem nas classes funcionais I e II podem ser
acompanhadas em ambulatório. Havendo descompensação clínica
(classes funcionais III e IV), procede-se à internação. A
hospitalização 1 semana antes do parto para adequação da
anticoagulação (quando necessária) é uma prática comum.
Quadro 6.6 - Principais drogas de ação cardiovascular
Quadro 6.7 - Protocolo do Ministério da Saúde para profilaxia da endocardite bacteriana
1 Procedimento dentário ou gengival que produz sangramento, incluindo limpeza,
amigdalectomia, adenoidectomia, cirurgia de mucosa, broncoscopia rígida, esclerose de
varizes de esôfago, dilatação esofágica, cistoscopia, dilatação uretral, cateterismo uretral
na presença de infecção urinária, parto vaginal na presença de infecção, outros
procedimentos cirúrgicos potencialmente contaminados, contaminados e infectados.
Nota: não necessitam de profilaxia anestesia intraoral, ajustes ortodônticos,
timpanostomia, intubação traqueal, broncoscopia flexível, cateterismo cardíaco e
endoscopia propedêutica. Na ausência de infecção: cesárea, cateterismo uretral,
curetagem uterina, parto vaginal não complicado, aborto terapêutico, esterilização cirúrgica,
inserção e remoção de dispositivo intrauterino.
Fonte: adaptado de Guia clínico para uso de antibióticos na assistência à mulher, 2007.

6.12 ABORTAMENTO TERAPÊUTICO


No artigo 128, inciso I, o Código Penal, de 1940, reconhece,
explicitamente, a permissão ao aborto necessário, isto é, “praticado
por médico, se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. O
aborto necessário pode ser assim definido: é a interrupção artificial
da gravidez para impedir perigo certo, e inevitável, por outro modo,
à vida da gestante. O aborto necessário pode ser terapêutico
(curativo) ou profilático. Durante a gravidez, algumas complicações
mórbidas graves podem apresentar-se, em razão do estado da
mulher ou de alguma enfermidade intercorrente, pondo em risco a
vida da gestante. Ao médico incumbe averiguar se a
incompatibilidade entre a doença e o estado de gravidez pode
acarretar a morte (não apenas danos à saúde) da gestante: no caso
afirmativo lhe é permitido interromper a gravidez, com o sacrifício
do feto.
A decisão pela interrupção da gestação é difícil de ser tomada. Alguns
autores sugerem parâmetros que, quando presentes, indicariam o
abortamento terapêutico:
a) Doença cardíaca grave (classe IV);
b) Idade materna > 35 anos;
c) História de doença cardíaca revelando grave insuficiência cardíaca
em gestação prévia.

Aparentemente, há o consenso de que existiria indicação de


interrupção da gestação perante os casos graves de miocardiopatia
com paciente em classe funcional III ou IV já no início da gestação e
perante gestantes com cardiopatias congênitas cianóticas graves,
como síndrome de Eisenmenger, hipertensão pulmonar primária e
síndrome de Marfan. Outras indicações seriam pacientes com
passado de dissecção de aorta e hipertensão pulmonar grave de
qualquer etiologia.
No dia 13 de abril de 2012, um julgamento no Supremo Tribunal
Federal decidiu que grávidas de fetos anencéfalos podem optar por
interromper a gestação com assistência médica. De acordo com o
entendimento firmado, o feto sem cérebro, mesmo que
biologicamente vivo, é juridicamente morto, não gozando de
proteção jurídica e, principalmente, de proteção jurídico-penal.
Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não
configura crime contra a vida.
As regras norteadoras para o diagnóstico de casos de anencefalia –
que permitem à gestante optar de forma precoce entre a manutenção
da gestação ou a antecipação terapêutica do parto – foram
publicadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) por meio da
Resolução CFM 1.989/2012.
As diretrizes do CFM definem que o diagnóstico de anencefalia deve
ser feito por exame ultrassonográfico realizado a partir da décima
segunda semana de gestação. Esse exame deve conter 2 fotografias,
identificadas e datadas: uma com a face do feto em posição sagital; a
outra, com a visualização do polo cefálico no corte transversal,
demonstrando a ausência da calota craniana e de parênquima
cerebral identificável. É obrigatório, ainda, um laudo assinado por 2
médicos capacitados para tal diagnóstico.
Diante do diagnóstico de anencefalia, a gestante tem o direito de
buscar outra opinião ou solicitar a realização de junta médica. O
médico deve prestar à gestante todos os esclarecimentos que lhe
forem solicitados, garantindo a ela o direito de decidir livremente
sobre a conduta a ser adotada, sem impor sua autoridade para
induzi-la a tomar qualquer decisão ou para limitá-la naquilo que
decidir. Se a gestante optar pela manutenção da gravidez, será
assegurada assistência médica pré-natal compatível com gravidez
de alto risco.
Ante o diagnóstico de anencefalia, a gestante tem o direito de,
livremente, decidir manter a gravidez ou interrompê-la
imediatamente, independentemente do tempo de gestação. Pode,
ainda, adiar a decisão para outro momento. Se a gestante optar pela
antecipação terapêutica do parto, deverá ser feita anotação do
procedimento em prontuário, no qual deve constar seu
consentimento por escrito. As fotografias e o laudo do exame
integram o seu prontuário.
6.13 INDICAÇÃO DE CIRURGIA
CARDÍACA NA GESTAÇÃO
A cirurgia cardíaca pode, quando necessário, ser indicada durante a
gestação. Pode haver indicação de cirurgia diante dos casos de
disfunção valvar (ou protética) grave, endocardite infecciosa, ICC
e/ou edema agudo de pulmão de difícil controle, refratários a
tratamento clínico. Deve ser realizada, de preferência, no segundo
trimestre de gestação caso as condições clínicas maternas a
permitam.
Durante o procedimento, é importante a manutenção da pressão
arterial média > 70 mmHg para garantir a perfusão placentária
adequada.
Recomenda-se a administração de 100 mg/d de progesterona por via
vaginal no período perioperatório para diminuir a contratilidade
uterina.
As repercussões sobre o feto são importantes, com altos índices de
prematuridade e morte perinatal. Se o feto for considerado viável no
momento da cirurgia, deve ser submetido a monitorização contínua
no intraoperatório.
6.14 ASSISTÊNCIA AO PARTO DA
CARDIOPATA
A via de parto preferencial é a vaginal. A cesárea é de indicação
obstétrica e, excepcionalmente, está indicada apenas pela
cardiopatia. Alguns autores a indicam na coarctação de aorta e
síndrome de Marfan.
A cardiopatia não é indicação, por si só, de
antecipação do parto.
A possibilidade de ICC, edema agudo de pulmão e mortalidade
materna não diminui com a realização de cesárea eletiva para todas
as cardiopatas. Pelo contrário, a laparotomia é acompanhada de
maior número de complicações pós-operatórias, que, em uma
paciente cardiopata, tornam o risco da cesárea maior do que o do
parto vaginal.
O início das contrações aumenta a carga de trabalho imposta ao
coração, elevando também o débito cardíaco, a pressão arterial
sistêmica e a frequência cardíaca. Estados circulatórios estáveis
podem se deteriorar subitamente durante o trabalho de parto e pós-
parto imediato.
A monitorização cardíaca da paciente é fundamental, permitindo o
diagnóstico rápido e a breve correção das arritmias, evitando a
hipotensão. A volemia deve ser cuidadosamente controlada,
evitando a infusão de volume que poderia levar a sobrecarga
desnecessária.
A monitorização fetal contínua no período intraparto também é
fundamental no fornecimento de dados sobre as condições de
vitalidade fetal.
A analgesia peridural é particularmente útil a pacientes com
cardiopatia, já que permite diminuir grande parte da tensão do parto.
Entretanto, a hipotensão deve ser evitada a qualquer custo. A
analgesia de trabalho de parto reduz a liberação de catecolaminas,
relaxa o assoalho pélvico, alterando pouco a contratilidade uterina,
evita a aspiração do conteúdo gástrico e a depressão respiratória,
além de permitir a aplicação de fórcipe e, quando necessário, a
realização de cesárea.
Nas gestantes cardiopatas graves, classes funcionais III e IV,
naquelas que apresentam hipertensão pulmonar e nas cardiopatas
congênitas cianóticas, é controversa a anestesia de escolha tanto
para a via vaginal como para a cesárea. Geralmente, nesses casos, é
utilizada anestesia geral para a realização de cesárea.
Após o período de dilatação, o período expulsivo deve ser abreviado
com a utilização de fórcipe de alívio. A cardiopata não deve realizar
puxos prolongados, por exemplo, pois estes acarretam alterações
cardiovasculares importantes.
O terceiro e o quarto períodos do parto nada apresentam de
diferente. Devem-se controlar com segurança as perdas sanguíneas.
A ocitocina pode ser usada em infusão contínua por via intravenosa.
O uso dos derivados do “ergot” deve ser evitado, por seu efeito
vasopressor e por acarretar aumento da pressão venosa central.
O puerpério imediato é, sem dúvida, um dos momentos mais
perigosos para a cardiopata. Rapidamente ocorrem alterações
hemodinâmicas, como o aumento acentuado do retorno venoso, o
declínio do espaço intravascular e a perda de sangue, o que torna a
paciente suscetível a ICC, edema agudo de pulmão e diversas
arritmias.
Durante as primeiras 72 horas após o parto, a paciente é considerada
de alto risco e, como tal, deve permanecer hospitalizada e sob
assistência médica intensiva.
6.15 ASSISTÊNCIA AO PUERPÉRIO
Estão recomendados os exercícios respiratórios, o deambular
precoce e o uso de meias elásticas a fim de evitar o represamento de
sangue nas veias dilatadas dos membros inferiores e a
tromboembolia pulmonar. Mantém-se, nesse período, a restrição do
uso de líquidos. Nas pacientes que estavam anticoaguladas, deve-se
reiniciar heparina 4 horas após o parto.
O aleitamento é permitido e pode ser contraindicado,
excepcionalmente, nas classes funcionais III e IV, devido às maiores
demandas metabólicas e ao esforço físico que acarreta.
A alta hospitalar deve ser postergada de acordo
com cada caso; não se recomenda, de qualquer
maneira, alta hospitalar antes de 72 horas de
pós-parto.
Quais são os cuidados que
devem ser tomados durante
o acompanhamento de
trabalho de parto da
gestante cardiopata?
A via de parto preferencial é a vaginal, sendo a cesárea
excepcionalmente indicada.
A monitorização cardíaca da paciente é fundamental,
permitindo o diagnóstico rápido e a breve correção das
arritmias, evitando a hipotensão. A volemia deve ser
cuidadosamente controlada, evitando a infusão de volume
que poderia levar à sobrecarga desnecessária.
A monitorização fetal contínua no período intraparto
também é fundamental para o fornecimento de dados
sobre as condições de vitalidade fetal.
A analgesia de trabalho de parto reduz a liberação de
catecolaminas, relaxa o assoalho pélvico, alterando pouco
a contratilidade uterina, evita a aspiração do conteúdo
gástrico e a depressão respiratória, além de permitir a
aplicação de fórcipe e, quando necessário, a realização de
cesárea. Após o período de dilatação, o período expulsivo
deve ser abreviado com a utilização de fórcipe de alívio. A
cardiopata não deve realizar puxos prolongados, por
exemplo, pois estes acarretam alterações cardiovasculares
importantes.
Nas gestantes cardiopatas graves, classes funcionais III e
IV, naquelas que apresentam hipertensão pulmonar e nas
cardiopatas congênitas cianóticas, é controversa a
anestesia de escolha tanto para a via vaginal como para a
cesárea. Geralmente, nesses casos, é utilizada anestesia
geral para a realização de cesárea.
Como deve ser a condução
clínica durante o pré-natal
de uma gestante com
asma?

7.1 INTRODUÇÃO
A gestação associa-se a um aumento de 15 a 20% do consumo de
oxigênio, assim como a modificações estruturais e funcionais do
trato respiratório, ainda que no primeiro trimestre. Embora a
frequência respiratória não se altere, a ação da progesterona
estimula diretamente o centro respiratório, acarretando aumento do
esforço respiratório e discreta alcalose respiratória, o que pode ser
confundido com dispneia. Essas mudanças potencialmente afetam a
resposta adaptativa do sistema respiratório da gestante ao estresse
agudo, como broncoespasmo e infecção.
1. Alterações respiratórias fisiológicas do ciclo gravídico:
a) Congestão nasal por retenção hídrica;
b) Aumento do consumo de oxigênio;
c) Elevação do diafragma (4 cm);
d) Aumento do diâmetro do tórax (2 cm);
e) Mudança do ângulo subcostal;
f) Tórax “em barril”;
g) Aumento do volume corrente;
h) Diminuição do volume expiratório de reserva, volume residual e
capacidade pulmonar residual (20%);
i) Discreto aumento da capacidade pulmonar total.

Quadro 7.1 - Gasometria da gestação

7.2 ASMA
A asma é uma doença obstrutiva reversível das pequenas vias aéreas,
caracterizada pela hiper-reatividade brônquica secundária a um
processo inflamatório local. Essa resposta inflamatória tem, como
origem, vários estímulos, como os alergênicos (fungos, pólen, pelos,
penas), os físicos (frio), os infecciosos (gripe), os irritantes (fumaça
do cigarro), os medicamentosos (Aspirina®) e os psíquicos.
Trata-se da forma mais comum de doença pulmonar na gestação,
com prevalência de 4 a 8%, com evolução imprevisível, podendo
seguir com melhora (1 terço dos casos), piora (1 terço dos casos) ou
manter-se estável (1 terço dos casos). Sabe-se que a asma grave e
mal controlada antes da gestação tende a evoluir com deterioração
clínica e exacerbações ao longo da gravidez, principalmente entre as
24 e 36 semanas. O padrão de melhora ou piora tende a repetir-se
nas gestações futuras.
A asma é a forma mais comum de doença
pulmonar na gestação.
7.2.1 Diagnóstico
O diagnóstico da asma requer sintomatologia clássica – dispneia,
sibilância e tosse. Entretanto, por vezes se faz necessária uma
complementação diagnóstica com espirometria – teste padrão-ouro
para a avaliação da função pulmonar. Os diagnósticos diferenciais
incluem doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças pulmonares
restritivas, cardiopatias, vasculites (síndrome de Churg-Strauss) e
verminoses (síndrome de Loe er).
7.2.2 Classificação
A asma pode ser classificada de acordo com a sua gravidade (Quadro
7.2) ou com a dinâmica do controle da doença (Quadro 7.3), esta
última a mais usada atualmente, uma mudança sugerida por
diretrizes nacionais e internacionais.
Quadro 7.2 - Classificação da asma de acordo com a gravidade

Legenda: Volume Expiratório Forçado de primeiro segundo (VEF1); pico de fluxo


expiratório (PFE).
Quadro 7.3 - Classificação da asma de acordo com o controle da doença

Os critérios de predição de uma evolução desfavorável da asma na


gestação são:
a) Asma mal controlada no último ano;
b) Exacerbações frequentes no último ano;
c) Internação prévia em UTI;
d) Tabagismo;
e) Necessidade de altas doses de medicação;
f) VEF1 baixo.

7.2.3 Tratamento
O primeiro passo no tratamento da asma deve ser o controle dos
fatores desencadeantes das crises de exacerbação. Portanto,
tratamento de rinite e de refluxo gastroesofágico, interrupção do
tabagismo e controle do ambiente são medidas importantes.
A terapia medicamentosa da asma tem como principal objetivo
garantir o adequado controle da doença, posto que a asma mal
controlada pode trazer sérios riscos para a gestante e o feto. Esse
tratamento, o mesmo para as mulheres não grávidas, obedece a
etapas progressivas, aplicáveis segundo o controle ou a gravidade da
doença. Embora a gravidez modifique a farmacocinética e a
farmacodinâmica, a dose e a posologia dos medicamentos não
precisam ser modificadas, e a maioria deles pode ser utilizada sem
restrições na gestação e no pós-parto.
A terapia de manutenção visa reduzir os sintomas, prevenir as
exacerbações, promover o remodelamento brônquico e a melhoria
da qualidade de vida e da função pulmonar. As medicações devem ser
associadas ou retiradas de acordo com a resposta da paciente.
Os corticosteroides inalatórios possuem a ação anti-inflamatória
mais efetiva no tratamento da asma e são os primeiros a serem
introduzidos na terapia de manutenção. Já os beta-2-agonistas de
longa duração inalatórios devem sempre associar-se aos primeiros,
como segunda linha de tratamento. O uso de ciclos curtos de
prednisona (40 a 60 mg/d por 5 a 7 dias) pode ser necessário para
controle dos sintomas em pacientes refratárias às demais medidas.
Entretanto, o uso de corticosteroide sistêmico no primeiro trimestre
correlaciona-se ao risco aumentado de fenda palatina. O
modificador de leucotrieno (montelucaste) é um antagonista do
receptor de leucotrieno, reduzindo a inflamação das vias aéreas e os
sintomas. Existem poucos estudos sobre seu uso na gestação e
somente são administrados nos casos refratários ao tratamento
habitual. Como última opção, para os casos graves e que não
respondem a qualquer uma das terapias apresentadas, pode-se
lançar mão da teofilina de longa liberação e/ou de anticorpo
recombinante anti-IgE (omalizumabe), embora a eficácia e
segurança estejam pouco estabelecidas na gestação.
Quadro 7.4 - Esquema de tratamento de manutenção da asma na gravidez
Quadro 7.5 - Fármacos e posologias habitualmente usados na asma
Nas exacerbações agudas da asma, existe uma piora dos sintomas
respiratórios, com ameaça à vida da paciente. A condução desses
casos se faz no ambiente hospitalar. Nas exacerbações graves ou
quando ocorre resposta parcial à terapêutica inicial, a gestante deve
ser internada.
A terapêutica medicamentosa das crises agudas da doença inclui
suporte de oxigênio; uso de beta-2-agonista de rápida ação
inalatório como terapêutica inicial; corticosteroides sistêmicos nos
casos graves sem melhora após a inalação ou nas pacientes que já os
usavam, sendo que nessa situação devem ser mantidos por 5 a 7 dias.
O sulfato de magnésio pode ser usado na falha da terapêutica inicial
ou se VEF1 < 30%, pela sua ação broncodilatadora, e metilxantinas
(aminofilina) devem ser evitadas pelo risco aumentado de efeitos
colaterais e intoxicação na gestação. São indicações de terapia
intensiva e intubação orotraqueal:
a) Rebaixamento do nível de consciência;
b) PaCO2 > 45 mmHg;
c) Sinais de fadiga respiratória (bradicardia, hipotensão, respiração
paradoxal).

A indicação de resolução da gestação (cesárea) em pacientes em


ventilação mecânica se dá apenas nos casos refratários ao
tratamento materno (status asthmaticus) ou em casos de sofrimento
fetal.
1. Manejo da exacerbação da asma na gravidez:
a) Avaliação dos sinais vitais e nível de consciência;
b) Oximetria de pulso: manter saturação de oxigênio > 95%;
c) Coleta de gasometria arterial se saturação de oxigênio < 92%;
d) Manter pressão de gás carbônico < 40 mmHg;
e) Ausculta pulmonar;
f) Reposicionar a paciente em decúbito lateral esquerdo;
g) Radiografia de tórax na refratariedade ao tratamento, internação e
suspeita de pneumonia;
h) Pesquisa do fator causal: adesão ao tratamento de manutenção,
infecção, tabagismo ou fator ambiental;
i) Avaliação da vitalidade fetal na viabilidade;
j) Considerar intubação mais precoce do que o habitual.

Quadro 7.6 - Fármacos usados nas crises agudas da asma da gestação


7.2.4 Avaliação da vitalidade fetal e conduta no
parto
A avaliação ultrassonográfica do crescimento e da vitalidade fetal
durante o pré-natal é essencial, devendo ser intensificada nos casos
de difícil controle e no terceiro trimestre.
Em gestantes asmáticas bem controladas, a gravidez pode ser
seguida até 40 semanas. Nos casos mais graves, com controle clínico
inadequado, pondera-se a interrupção a partir de 37 semanas. Não
há contraindicação para o parto vaginal, o qual é favorecido pela
liberação endógena de catecolaminas e corticosteroides durante o
trabalho de parto, agindo de forma profilática contra exacerbações
no período expulsivo.
1. Cuidados no trabalho de parto e parto da gestante asmática:
a) Manutenção das medicações diárias;
b) Monitorização fetal contínua;
c) Hidratação adequada;
d) Analgesia com peridural ou duplo bloqueio;
e) Hidrocortisona 200 mg IV de ataque e 100 mg IV a cada 8 horas até
24 horas de pós-parto para as pacientes com uso sistêmico e
prolongado de corticoide na gestação;
f) Evitar análogos de prostaglandina F2-alfa no amadurecimento do
colo e indução do trabalho de parto (potencial risco de
broncoespasmo);
g) Não existe evidência na literatura de contraindicação ao uso de
análogos de prostaglandina E1 (misoprostol);
h) Evita-se o uso de derivados da ergotamina (potencial efeito
broncoconstritor).

7.2.5 Prognóstico
A asma mal controlada associa-se ao risco aumentado de restrição
de crescimento fetal, prematuridade, pré-eclâmpsia, sofrimento e
óbito fetal. Sabe-se, ainda, que crises de asma no primeiro trimestre
implicam maior risco de malformações fetais inespecíficas,
principalmente musculoesqueléticas e cardíacas.
7.3 TUBERCULOSE PULMONAR
A tuberculose é uma doença infectocontagiosa causada pelo
Mycobacterium tuberculosis, conhecido como bacilo de Koch. A porta
de entrada habitual é a via respiratória, e o pulmão, o local da lesão
primária e o principal órgão afetado (85% dos casos). O contágio se
dá pela inalação de bacilos expelidos em partículas geradas pela
tosse, fala e espirro de doentes com tuberculose ativa na laringe e no
pulmão.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2014 revelam que
1 terço da população mundial está infectada por esse Bacilo Álcool-
Ácido Resistente (BAAR), embora apenas uma proporção dela irá
adoecer. Apenas no ano de 2013, 9 milhões de casos foram
diagnosticados, com 1,5 milhão de mortes, a maioria (95%) em
países em desenvolvimento. O crescimento na incidência da doença
tem nítida relação com a coinfecção com HIV e o aumento de cepas
bacterianas resistentes – provável consequência de tratamento
incorreto ou de seu abandono.
O Brasil está entre os países com os piores índices, contabilizando
aproximadamente 70 mil casos novos e cerca de 4 mil mortes por
ano. A tuberculose também está entre as primeiras causas de morte
por doenças infecciosas entre as mulheres, sendo mais frequente
naquelas em idade fértil. Desta forma, muitas vezes, o pré-natal será
a primeira oportunidade para o seu diagnóstico.
#IMPORTANTE
A tuberculose é uma das principais causas de
morte por doenças infecciosas entre as
mulheres em idade fértil.

A tuberculose tem sido relatada em 1 a 3% das gestações, e a gravidez


não altera o seu curso. A maior incidência de abortamento,
prematuridade e restrição do crescimento fetal nessa condição
provavelmente decorre da desnutrição, anemia e insuficiência
respiratória materna com doença avançada, não guardando relação
com a presença do bacilo e melhorando com o tratamento adequado.
7.3.1 Diagnóstico
A tuberculose pulmonar deve ser suspeitada nas gestantes com tosse
produtiva por mais de 3 semanas. Em associação, podem ser
evidenciados anorexia, astenia, febre, sudorese noturna, hemoptise
e emagrecimento. Nas gestantes, essa suspeita clínica é dificultada
por sintomatologia menos valorizada ou mesmo inexistente,
devendo-se sempre complementar a investigação com exames de
rotina diagnóstica da tuberculose, que não diferem na gestação.
Quadro 7.7 - Exames complementares no diagnóstico da tuberculose

Todo caso de tuberculose é de notificação compulsória, e, uma vez


feito esse diagnóstico, deve ser realizada pesquisa de coinfecção pelo
HIV.
A cultura de M. tuberculosis é o teste padrão-ouro no diagnóstico da
tuberculose, embora na prática clínica se use a pesquisa do bacilo em
bacterioscopia de escarro, pela praticidade.
#IMPORTANTE
A tuberculose é uma doença de notificação
compulsória e está largamente associada à
coinfecção com o HIV.
7.3.2 Profilaxia do binômio materno-fetal
Uma vez que a gestante tenha tido contato com indivíduo bacilífero
ou se há viragem do PPD em menos de 2 anos, principalmente em
imunodeprimidas, está indicada quimioprofilaxia com isoniazida
durante 6 meses, após o primeiro trimestre de gestação. Vale
lembrar que a vacinação com BCG não está indicada a mulheres
grávidas por tratar-se de antígeno atenuado.
7.3.3 Tuberculose congênita
A infecção fetal é rara e se dá pela via hematológica ou aspiração de
líquido amniótico, uma vez que a placenta foi acometida. A
tuberculose congênita acomete principalmente o fígado e o pulmão
em sua forma miliar.
7.3.4 Tratamento
A partir de 2009, o Ministério da Saúde e a OMS instituíram, para
pacientes não tratadas, que o esquema a ser administrado é o de 2
fases. A primeira é a fase dos 4 fármacos em 1 só comprimido, com
tomada única diária e por 2 meses – rifampicina, isoniazida,
pirazinamida e etambutol. O objetivo é a redução rápida do número
de bacilos, diminuindo o risco de contágio e de desenvolvimento de
resistência ao tratamento. Em sequência, na fase 2, mantém-se por
mais 4 meses apenas a rifampicina associada à isoniazida, a fim de
erradicar os bacilos nas formas latentes.
A posologia dos fármacos de acordo com o peso da paciente está
resumida no Quadro a seguir. Essas substâncias pertencem à
categoria C do United States Food and Drug Admnistration (US FDA),
e, embora se saiba que todas atravessam a barreira placentária, não
parecem ter efeito teratogênico importante. É preconizada a
administração do tratamento em jejum e na Unidade Básica de Saúde
(Tratamento Diretamente Observado – TDO). Todas essas medidas
visam diminuir a resistência bacteriana ao tratamento-padrão.
A estreptomicina, ototóxica, e a etionamida, associada a efeitos
teratogênicos inespecíficos, não devem ser prescritas na gestação,
principalmente até 16 semanas.
Quadro 7.8 - Posologia de acordo com o peso da paciente

Devido à neurotoxicidade periférica e à hepatotoxicidade da


isoniazida, deve-se associar ao tratamento piridoxina 50 mg/d.
Necessitam ser feitas avaliações mensais da função hepática da
gestante durante todo o tratamento, assim como da presença do
bacilo no escarro até a obtenção de 2 amostras consecutivas
negativas.
7.3.5 Cuidados no parto e puerpério
O parto deve seguir as indicações obstétricas gerais, à exceção dos
casos com comprometimento da função pulmonar, em que o período
expulsivo deverá ser abreviado por fórcipe.
Puérperas bacilíferas devem utilizar máscara cirúrgica na
amamentação e ter cuidados com o recém-nascido. A amamentação
só estará contraindicada nos casos de mastite tuberculosa (apenas
na mama acometida) e nos casos de tratamento negligenciado. Os
fármacos empregados alcançam concentrações mínimas no leite
materno, inexistindo relatos de efeitos adversos para o recém-
nascido.
Como deve ser a condução
clínica durante o pré-natal
de uma gestante com
asma?
O primeiro passo no tratamento da asma deve ser o
controle dos fatores desencadeantes das crises de
exacerbação. A terapia medicamentosa da asma tem como
principal objetivo garantir o adequado controle da doença;
o tratamento é o mesmo para as mulheres não grávidas,
obedecendo as etapas progressivas, aplicáveis segundo o
controle/a gravidade da doença.
A terapia de manutenção visa reduzir os sintomas, prevenir
as exacerbações, promover o remodelamento brônquico e a
melhoria da qualidade de vida e da função pulmonar. As
medicações devem ser associadas ou retiradas de acordo
com a resposta da paciente.
Os corticosteroides inalatórios possuem a ação anti-
inflamatória mais efetiva no tratamento da asma e são os
primeiros a serem introduzidos na terapia de manutenção.
Já os beta-2-agonistas de longa duração inalatórios devem
sempre associar-se aos primeiros, como segunda linha de
tratamento. O uso de ciclos curtos de prednisona (40 a 60
mg/d por 5 a 7 dias) pode ser necessário para controle dos
sintomas em pacientes refratárias às demais medidas. O
modificador de leucotrieno (montelucaste) reduz a
inflamação das vias aéreas e os sintomas. Existem poucos
estudos do seu uso na gestação e somente são usados nos
casos refratários ao tratamento habitual. Como última
opção, para os casos graves e que não respondem a
qualquer uma das terapias apresentadas, pode-se lançar
mão da teofilina de longa liberação e/ou de anticorpo
recombinante anti-IgE (omalizumabe), embora a eficácia e
segurança estejam pouco estabelecidas na gestação.
Nas exacerbações agudas da asma, a condução se faz no
ambiente hospitalar, sendo que nas exacerbações graves ou
quando ocorre resposta parcial à terapêutica inicial, a
gestante deve ser internada.
A terapêutica medicamentosa das crises agudas da doença
inclui suporte de oxigênio, uso de beta-2-agonista de
rápida ação inalatório como terapêutica inicial;
corticosteroides sistêmicos nos casos graves sem melhora
após a inalação ou nas pacientes que já os usavam, sendo
que nessa situação devem ser mantidos por 5 a 7 dias. O
sulfato de magnésio pode ser usado na falha da terapêutica
inicial ou se VEF1 < 30%, pela sua ação broncodilatadora, e
metilxantinas (aminofilina) devem ser evitadas pelo risco
aumentado de efeitos colaterais e intoxicação na gestação.
Quais são as principais
causas de insuficiência
renal aguda e crônica na
gestação?

8.1 INTRODUÇÃO
Os rins, como todo o organismo materno, sofrem alterações
funcionais e anatômicas, adaptando-se às condições impostas pela
gestação. Em um passado recente, grande parte das mulheres
nefropatas interrompia suas gestações, sob autorização judicial, pelo
risco de morrerem. Entretanto, com o incremento da assistência em
saúde e da terapêutica nas doenças renais crônicas, essas mulheres
vivenciam uma melhora das condições reprodutivas e gestações com
mais sucesso.
Ainda que sejam vistos resultados mais animadores na gestação, é
preciso atenção para os efeitos da nefropatia na gravidez e desta na
doença renal. A maior produção de estrogênio, progesterona,
prostaglandina e aldosterona acarreta maior retenção de sódio e
água na gestante e, assim, uma expansão do volume plasmático no
organismo materno. Esse incremento do volume circulante produz
um aumento do fluxo plasmático nos rins de 20 a 40%, que, somado
ao aumento do interstício e da vascularização renal, elevam a taxa de
filtração glomerular em 30 a 60%. Consequentemente, observam-se
aumento da depuração renal e diminuição da reabsorção tubular de
vários metabólitos, com alterações nos parâmetros da função renal
na gestante. Essas modificações requerem atenção, visto que valores
considerados normais nas mulheres não grávidas podem indicar
nefropatia na gestação.
Ainda que não plenamente estabelecida, estudos mostram uma
diferença no prognóstico da gestação a depender da condição renal
preexistente. Mulheres com insuficiência renal leve – creatinina
sérica de até 1,4 mg/dL e sem hipertensão arterial – apresentam
menos complicações na gravidez e maternas em longo prazo e
maiores taxas de sucesso para o binômio mãe-feto. Em
contrapartida, na insuficiência renal grave – creatinina maior do que
2,8 mg/dL e hipertensão arterial não controlada –, o risco de
morbimortalidade materna e fetal é elevado, geralmente piorando a
evolução da doença. Nesses casos, as mulheres devem ser
desencorajadas a engravidar, reabilitando a função renal com diálise
ou transplante renal antes de considerar a possibilidade de
concepção. No caso de insuficiência renal moderada – creatinina
entre 1,4 e 2,8 mg/dL –, o prognóstico também é considerado
reservado, devendo-se ter cautela com a deterioração renal,
descontrole da hipertensão e resultado perinatal adverso.
Quadro 8.1 - Parâmetros laboratoriais e função renal na gestação
Fogem à regra doenças como nefropatia lúpica, glomerulonefrite
membranoproliferativa, glomeruloesclerose segmentar e focal e
algumas vezes nefropatia por IgA e por refluxo, que podem ser
agravadas com a gestação, mesmo na insuficiência renal leve.
Valores de creatinina sérica considerados
normais em mulheres não grávidas podem
indicar nefropatia nas gestantes.

Embora a gravidez seja exceção entre as mulheres que apresentam


creatinina sérica acima de 2 mg/dL, o aumento da fertilidade pode
ser visto com o tratamento dialítico (0,5% engravida). A ausência de
ciclos regulares é a regra, e a suspeição da gestação costuma ocorrer
tardiamente nessas mulheres, devendo ser confirmada pelo teste de
beta-HCG sérico. A urina, mesmo que presente, não deve ser usada
como material para dosagem do beta-HCG, pois sua composição está
alterada pela disfunção renal.
8.2 NEFROLITÍASE
A frequência de litíase renal na gestação não difere daquela da
mulher não grávida, assim como a gravidez não parece favorecer a
formação de novos cálculos ou piorar as condições da litíase
preexistente. A sintomatologia clássica – dor no flanco do tipo cólica
– pode ser mais frusta, e o diagnóstico diferencial com outras causas
de dor abdominal, de difícil determinação. A presença de hematúria
na urina I é muito frequente e pode servir de ponto de partida da
investigação complementar.
A ultrassonografia dos rins e das vias urinárias em alguns casos pode
evidenciar imagem ecográfica arredondada e hiperecogênica, com
sombra acústica posterior, sugestiva de cálculo no sistema urinário.
A conduta é clínica na grande maioria dos casos – hidratação e
analgesia. Na presença de doença obstrutiva, a colocação de
cateteres duplo J ou nefrostomia pode ser necessária. Ressalta-se,
nesse ponto, a cautela em diferir obstrução calculosa daquela
fisiológica na gestação, em que pelve e cálices renais e ureteres,
principalmente à direita (dextroversão uterina), podem estar
moderadamente dilatados. A litotripsia extracorpórea está
absolutamente contraindicada na gestação.
8.3 TRANSPLANTE RENAL
Após um transplante renal, mulheres previamente inférteis pela
insuficiência renal crônica voltam a apresentar ciclos menstruais
regulares aproximadamente no sexto mês de pós-operatório,
estando sujeitas a gestação. Sendo assim, devem-se oferecer
métodos contraceptivos àquelas que não desejam engravidar. Os
mais adequados são os métodos de barreira, uma vez que os
hormonais podem elevar a pressão arterial dessas pacientes e o
dispositivo intrauterino pode aumentar o risco de infecção pela
imunossupressão. Contudo, se houver o desejo de concepção, as
pacientes devem ser orientadas a seguir alguns cuidados:
a) Aguardar um intervalo mínimo de 2 anos entre o transplante e a
concepção, até que se constate a não rejeição ao rim transplantado,
que deve apresentar função estável;
b) Apresentar pressão arterial normal ou controle da hipertensão
crônica;
c) Reduzir – sob supervisão médica – a quantidade dos medicamentos
ao menor nível sérico possível a ser efetivo;
d) Controlar a função renal: creatinina ≤ 1,4 mg/dL, proteinúria mínima
e distensão pielocalicial ausente.

Embora as gestantes transplantadas apresentem as mesmas taxas de


abortamento daquelas que não passaram por esse procedimento, há
um risco aumentado de prematuridade e crescimento restrito nos
fetos das primeiras.
A grande maioria dos partos pode ultimar-se pela via vaginal, ainda
que o rim transplantado seja alocado na pelve. A exceção pode
ocorrer na macrossomia fetal ou no rim erroneamente enxertado na
pequena bacia, onde, eventualmente, uma desproporção
cefalopélvica pode ocorrer.
Embora existam relatos de efeitos teratogênicos em animais
expostos aos fármacos utilizados após o transplante renal, a mesma
evidência não acontece com seres humanos. Sendo assim,
prednisona, ciclosporina, azatioprina e tacrolimo têm sido usados na
prática clínica. Contudo, os imunossupressores mais novos –
micofenolato de mofetila, micofenolato sódico e
sirolimo/rapamicina – estão contraindicados na gestação por efeitos
teratogênicos evidentes. A amamentação na puérpera em uso de
imunossupressores não está contraindicada, ainda que baixas
concentrações desses fármacos sejam encontradas no leite materno,
pois a lactação pode trazer mais benefícios do que malefícios a um
organismo que se formou sob a influência desses medicamentos.
O uso de drogas imunossupressoras predispõe a gestante a
infecções, principalmente virais, como hepatites, citomegalovírus,
herpes-simples e varicela-zóster. Somado a isso, infecções urinárias
de repetição também podem prejudicar a estabilidade do enxerto e o
curso da gestação. O seguimento pré-natal dessas pacientes é
particularizado e deve contemplar:
a) Atenção aos sinais de rejeição ao rim transplantado;
b) Investigação de doenças intercorrentes frequentes que possam
piorar a função renal, como pré-eclâmpsia (realizar monitorização da
pressão arterial) e diabetes (realizar rastreio pela glicemia);
c) Avaliação frequente da função renal (creatinina sérica e proteinúria),
eletrólitos e dosagem sérica dos imunossupressores;
d) Detecção e tratamento precoce de anemia (ferro e eritropoetina);
e) Avaliação da função tireoidiana, do nível sérico de ácido fólico,
vitaminas D e B12, que devem ser repostos quando necessário;
f) Avaliação de rotina da vitalidade e crescimento fetal;
g) Detecção precoce e tratamento de infecção urinária ou bacteriúria
assintomática;
h) Avaliação, por meio de métodos de imagem, da posição do rim
transplantado na pelve, previamente a intervenções cirúrgicas nesse
local, evitando lesão inadvertida do órgão transplantado e perda do
enxerto.

Asseguradas a vitalidade fetal e o controle clínico materno, aguarda-


se o parto o mais tardar até as 40 semanas de gestação. Na presença
de nefropatia complicada ou com alteração da vitalidade fetal
(considerando-se o feto viável), interrompe-se a gestação.
8.4 SÍNDROME NEFRÓTICA
A síndrome nefrótica na gestação é caracterizada por proteinúria >
3,5 g em 24 horas. A pré-eclâmpsia predomina como etiologia
principal, e, neste caso, a lesão renal que leva à perda proteica é a
endoteliose capilar glomerular. Uma causa rara de nefrose que surge
somente na gestação – regride após o parto e reaparece nas
gestações posteriores – tem sido chamada de “síndrome nefrótica
da gestação”. Além destas, causas pré-gestacionais, como
nefropatia lúpica, amiloidose, nefropatia diabética, trombose da veia
renal e glomerulonefrite membranoproliferativa, podem ser
reveladas pela gestação ou por ela exacerbadas.
A gestação das pacientes com essa condição costuma ter bom
prognóstico, uma vez ausentes hipertensão arterial e disfunção renal
grave. O tratamento é individualizado, de acordo com a etiologia,
entretanto controle pressórico, avaliação da função renal e vigilância
da proteinúria devem ser feitas frequentemente. A
hipoalbuminemia, consequente à proteinúria maciça, piora a
retenção hídrica da gestação. Contudo, os diuréticos não devem ser
usados, sob o risco de diminuição excessiva do volume plasmático e
hipoperfusão placentária. Nos casos mais graves, dieta hipossódica e
reposição cautelosa de albumina e/ou plasma fresco podem reverter
a questão.
8.5 INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA
A insuficiência ou doença renal crônica é uma síndrome
caracterizada por lesão renal (sedimento urinário alterado, alteração
dos rins em exames de imagem e proteinúria > 300 mg/dL)
associada ou não a redução da filtração glomerular (< 60
mL/min/1,73 m2) ou redução da filtração glomerular isolada,
alterações que perduram por mais de 3 meses.
Trata-se de um problema que vem crescendo atualmente e tem
como principal etiologia a nefropatia secundária a hipertensão
arterial e nefropatia diabética. Além destas, observamos que outras
doenças renais podem interagir de forma particular com o
organismo materno, conforme visto no Quadro 8.2.
Há 2 formas de classificação da doença renal crônica na gestação. A
primeira considera os níveis de creatinina e a presença ou ausência
de hipertensão, classificando a doença renal como leve, moderada ou
grave. Ainda que a maioria dos estudos sobre doença renal crônica e
gestação não incorpore a nova classificação, esta é apresentada no
Quadro 8.3.
O abortamento da gestante com Insuficiência Renal Crônica (IRC) é
comum (40%), e, quando ele não ocorre, o sucesso absoluto para o
binômio mãe-feto se reduz a 20% dos casos. A cada 10 gestações
associadas a IRC, 4 fetos irão apresentar restrição do crescimento
fetal e 6 sofrerão com o nascimento prematuro. Não é incomum
haver descolamento prematuro de placenta, polidrâmnio e defeitos
cardíacos do concepto.
Evidências atuais sugerem início precoce de diálise nas gestantes em
tratamento conservador da IRC e incremento nas que já o fazem. Não
há um consenso absoluto sobre os detalhes do programa dialítico na
gestante, entretanto níveis séricos de creatinina acima de 5 a 6
mg/dL e de ureia acima de 70 a 80 mg/dL podem nortear a tomada de
decisão para o início da diálise.
Quadro 8.2 - Insuficiência renal crônica e gestação
O tempo maior de diálise nas gestantes, a fim de alcançar os níveis
de ureia desejados, faz que haja maior depleção de aminoácidos e
outros nutrientes. Embora a hemodiálise seja a mais usada na
prática clínica, tem sido sugerido que a via peritoneal pode mostrar
melhores resultados materno-fetais com o não uso da
anticoagulação, a menor variação de volume, a menor frequência de
hipotensão e níveis de hematócritos maternos mais altos.
Deve-se manter um controle absoluto da pressão arterial pelo risco
aumentado de piora de hipertensão preexistente e de pré-eclâmpsia
superajuntada. Esse controle e a presença de função renal residual e
níveis de ureia pré-diálise abaixo de 100 mg/dL são os principais
fatores relacionados ao sucesso da gestação na IRC.
A anemia também é uma intercorrência frequente, consequência da
secreção inadequada de eritropoetina pelos rins, prejudicando o
aumento fisiológico do número de eritrócitos na gestação. Por vezes
se faz necessário o uso de eritropoetina recombinante e transfusões
de sangue, objetivando níveis de hemoglobina acima de 9 mg/dL.
8.6 INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA
A Insuficiência Renal Aguda (IRA) é caracterizada pela queda abrupta
(em até 48 horas) da taxa de filtração glomerular, com elevação da
creatinina em 0,5 mg/dL ou em 50% dos valores basais.
Estima-se a ocorrência de 1 caso para cada 10.000 nascimentos,
sendo mais frequente no primeiro trimestre, geralmente como
consequência de hiperêmese gravídica (desidratação) e sangramento
por abortamento. No final da gravidez, as causas mais frequentes são
hemorragias no parto, sangramentos devido a Placenta Prévia (PP)
ou Descolamento Prematuro de Placenta (DPP) e anemia devido a
pré-eclâmpsia grave (anemia hemolítica microangiopática).
Quadro 8.3 - Classificação da insuficiência renal aguda e prognóstico na gestação
Clinicamente, podem ser identificadas perdas de volume
extracelular, uso de medicamentos, febre, mal-estar, dor
abdominal, dor lombar, hematúria, rash cutâneo, sintomas
musculares e vasculites, entre outros, a depender da causa.
Uma vez identificadas e tratadas precocemente, geralmente são
lesões reversíveis e de bom prognóstico, ainda que a taxa de
mortalidade materna chegue a 15% dos casos. O tratamento consiste
em remover a causa-base: conter hemorragias e repor o volume
perdido, remover o foco infeccioso e instituir antibioticoterapia,
além de estabilizar hemodinamicamente a gestante. Monitoriza-se a
dosagem de eletrólitos séricos e tratam-se casos de hipercalemia,
hiponatremia, hipocalcemia e acidose.
Quadro 8.4 - Causas de insuficiência renal aguda na gestação
1 Acometimento pode ser bilateral ou unilateral de rim único.

Uma forma grave de doença renal na gestação é a necrose cortical


bilateral. Geralmente está associada a episódios de hipotensão grave
e/ou coagulação intravascular disseminada, decorrentes de
intercorrências como DPP, PP, embolia por líquido amniótico,
aborto séptico e morte fetal prolongada. Manifesta-se com anúria ou
oligúria grave, hematúria, dor lombar e hipotensão.
Laboratorialmente, veem-se hipercalemia, hiponatremia,
hipocalcemia e acidose. À ultrassonografia ou à tomografia,
visualizam-se áreas hipoecoicas ou hipodensas no córtex renal,
respectivamente. Em cerca de 2 terços dos casos, as pacientes ficam
dependentes de diálise definitiva.
Nos casos de IRA de terceiro trimestre com feto viável, deve-se
ultimar o parto. As indicações de diálise não diferem da paciente não
grávida e consistem em:
a) Ureia > 100 mg/dL;
b) Sobrecarga de volume;
c) Hipercalemia não responsiva ao tratamento clínico;
d) Hipermagnesemia não responsiva ao tratamento clínico;
e) Acidose metabólica grave;
f) Pericardite ou derrame pericárdico;
g) Confusão mental.
Quais são as principais
causas de insuficiência
renal aguda e crônica na
gestação?
Existem 3 tipos: pré-renais, renais e pós renais.
As causas pré-renais são as hemorragias (abortamento,
gestação ectópica), a desidratação (hiperêmese gravídica),
o choque cardiogênico (insuficiências cardíacas) e o
choque séptico (aborto infectado e corioamnionite). As
causas renais são as hemorragias (abortamento, gravidez
ectópica, DPP, PP), a anemia hemolítica microangiopática
(pré-eclâmpsia grave, eclâmpsia, HELLP, síndrome
hemolítico-urêmica, como a púrpura trombocitopênica
trombótica), a esteatose aguda da gravidez, as
colagenoses, as nefrites e a nefrotoxicidade por
medicamento. Já as causas pós-renais são o cálculo
ureteral, a ligadura ureteral (cesárea, histerectomia
puerperal) e a obstrução ureteral (útero gravídico,
especialmente em rim único).
Em quais situações deve-se
realizar a profilaxia de
sensibilização ao fator Rh?

9.1 INTRODUÇÃO
A descoberta do sistema Rh por Landsteiner e Wiener possibilitou o
entendimento da etiopatogenia da aloimunização e confirmou que a
hidropisia fetal, a icterícia neonatal e a anemia do recém-nascido
eram aspectos de uma mesma doença.
O desenvolvimento da ultrassonografia e o avanço das técnicas
invasivas de punção facilitaram o diagnóstico dessa doença, e o
tratamento da aloimunização Rh se tornou modelo na assistência em
Medicina Fetal. Hoje, após a superação das dificuldades com relação
ao diagnóstico e tratamento, a ênfase é a prevenção da doença. Nos
países desenvolvidos, a incidência de isoimunização Rh é baixa,
enquanto nos países em desenvolvimento a doença ainda é causa de
muitos óbitos fetais e neonatais.
9.2 FISIOPATOLOGIA
A aloimunização é causada pela exposição materna a antígenos
eritrocitários incompatíveis, o que pode acontecer por transfusão de
sangue incompatível ou por hemorragia fetomaterna. Cerca de 98%
dos casos de aloimunização ocorrem em razão das
incompatibilidades ABO e Rh. Os antígenos atípicos, principalmente
Kell, C e, respondem pelos 2% restantes dessa doença fetal.
A sensibilização materna, mediante a produção inicial de IgM, ocorre
após exposição primária aos antígenos eritrocitários desconhecidos.
A IgM não atravessa a barreira placentária por causa de seu grande
peso molecular. Posteriormente, em uma segunda exposição ao
antígeno desconhecido, ocorre a produção de IgG, que ultrapassa a
barreira placentária, adere-se à membrana dos eritrócitos e ativa o
sistema reticuloendotelial fetal, principalmente no baço, onde
ocorrem a hemólise e a fagocitose dessas hemácias do feto. Esse
processo pode ocorrer a partir da décima semana de gestação.
A IgM não atravessa a barreira placentária por
causa de seu grande peso molecular.

Em uma próxima exposição ao antígeno, há aumento de IgG e quase


nenhuma mudança no anticorpo IgM. Quanto maior a carga
antigênica e quanto mais frequente a exposição, maior a resposta de
anticorpos IgG. Por razões desconhecidas, a avidez dos anticorpos
IgG tende a aumentar se o intervalo entre as exposições é
prolongado. Quanto maior o intervalo entre as gestações, maior a
chance de a doença ser mais grave.
A anemia fetal leva às eritropoeses medular e extramedular
(principalmente no fígado, no baço e na parede intestinal) e à
consequente presença considerável de formas jovens na circulação
periférica fetal.
A anemia crescente intensifica a eritropoese principalmente no
fígado fetal, levando a alterações hepáticas, disfunção celular,
oclusão do transporte de substâncias, interrupção dos sistemas
enzimáticos e insuficiência hepática. O quadro se agrava com a
manutenção da hemólise, ocorrendo hipoalbuminemia,
hepatoesplenomegalia, hipertensão portal, ascite, derrame
pericárdico, derrame pleural, insuficiência cardíaca, alteração na
circulação e na função placentária e, por fim, óbito fetal.
O quadro de anemia fetal pode agravar-se, causando alterações
hepáticas, hipoalbuminemia, hepatoesplenomegalia, hipertensão
portal, ascite, derrame pericárdico, derrame pleural, insuficiência
cardíaca, alteração na circulação e na função placentária e, por fim,
óbito fetal.
No recém-nascido, a hidropisia pode ocasionar acidose metabólica,
edema tecidual, alterações ventilatórias, diminuição da
complacência da parede torácica e instabilidade da função cardíaca.
Essas alterações aumentam a morbidade e a mortalidade neonatais.
Em quadros menos graves, pode haver anemia em graus variáveis e
aumento da bilirrubina indireta, aumentando a chance de kernicterus
(impregnação cerebral dos núcleos da base pela bilirrubina), que
apresenta alta mortalidade neonatal e pode deixar sequelas
neurológicas e mentais.
9.3 ETIOLOGIA
A principal causa de aloimunização é a gestação de feto Rh positivo
em mãe Rh negativa, na ocorrência de hemorragia transplacentária
(hemorragia fetomaterna).
A transfusão de sangue incompatível e o compartilhamento de
seringas entre usuárias de drogas intravenosas são outras causas de
sensibilização Rh.
A principal causa de aloimunização é a gestação
de feto Rh positivo em mãe Rh negativa, na
ocorrência de hemorragia transplacentária.

Cerca de 75% das gestantes apresentam hemorragia fetomaterna no


decorrer da gestação, e em 60% desses casos o volume é menor do
que 0,1 mL. Em aproximadamente 1% das gestantes, a hemorragia é
de 5 mL e, em 0,25%, pode ser igual ou superior a 30 mL.
A frequência e o volume da hemorragia fetomaterna aumentam com
o decorrer da gestação, em torno de 3% no primeiro trimestre
(volume de, aproximadamente, 0,03 mL), em torno de 12% no
segundo trimestre (volume < 0,1 mL) e 45% no terceiro trimestre
(volume > 0,25 mL). Pela maior chance e pelo maior volume de
hemorragia fetomaterna no terceiro trimestre, preconiza-se a
administração de imunoglobulina anti-D RhoGAM a todas as
gestantes Rh negativas e com Coombs indireto negativo na vigésima
oitava semana de gestação.
A hemorragia fetomaterna (e a consequente aloimunização) também
pode ocorrer em procedimentos como biópsia de vilo corial,
amniocentese, cordocentese, transfusão intrauterina e manipulação
obstétrica (versão interna, extração manual da placenta etc.).
Pacientes que abortam também correm o risco de sofrer
aloimunização, o qual é maior nos casos de abortamento induzido
(4,5%) do que nos espontâneos (2%). Também há risco de
aloimunização em gestação ectópica e síndromes hemorrágicas
(ameaça de abortamento, inserção baixa de placenta, descolamento
prematuro de placenta).
Preconiza-se a administração de
imunoglobulina anti-D para a prevenção da
aloimunização.

9.3.1 Incompatibilidade ABO


A incompatibilidade ABO é relativamente comum; ocorre em cerca
de 30% das gestações. A hemólise que pode haver em razão da
incompatibilidade ABO é rara (menor do que 2%) e, quando
acontece, é leve.
A gravidade observada na doença Rh não ocorre na
incompatibilidade ABO, porque há menor número de sítios
antigênicos A e B presentes na membrana da hemácia fetal, a
maioria dos anticorpos anti-A e anti-B é do tipo IgM e, por isso, não
atravessa a placenta, e pequenas quantidades de IgG anti-A e anti-B
que atravessam a placenta se ligam a outros sítios antigênicos nos
tecidos e nas secreções, além das hemácias.
A gravidade observada na doença Rh não
ocorre na incompatibilidade ABO, porque a
maioria dos anticorpos anti-A e anti-B é do tipo
IgM e, por isso, não atravessa a placenta.

A incompatibilidade ABO confere certo grau de proteção contra


sensibilização a outros antígenos eritrocitários. Na hemorragia
fetomaterna, os eritrócitos fetais têm menor tempo de sobrevida,
por serem destruídos pelos anticorpos maternos anti-A ou anti-B,
diminuindo o tempo de exposição ao sistema imune materno
necessário para a sensibilização ao sistema Rh.
Mães Rh negativas com feto Rh positivo têm 1,5% de risco de
desenvolverem anticorpo anti-D quando há incompatibilidade ABO,
ao passo que, na ausência de incompatibilidade ABO, esse risco é 10
vezes maior (16%). O efeito protetor da incompatibilidade ABO
restringe-se ao antígeno D.
9.3.2 Antígenos atípicos
Os antígenos atípicos são antígenos eritrocitários que não pertencem
ao sistema Rh e podem ser responsáveis pela aloimunização. A
aloimunização por anticorpos atípicos é rara, tendo aumentado com
o advento da transfusão sanguínea. Em quase todos os casos, existe
história prévia de transfusão.
Os anticorpos atípicos geralmente são IgM, fracamente
imunogênicos. Não provocam doença hemolítica no feto (anti-P) ou
raramente o fazem (anti-M, anti-N, anti-S). Apenas alguns desses
anticorpos (anti-C, anti-E e anti-Kell) podem provocar doença
hemolítica grave e óbito fetal.
9.3.3 Antígeno Du (D suprimido)
A expressão do antígeno D pode manifestar-se sob a forma variante
em alguns indivíduos (0,6% da população). Dependendo da
expressão do antígeno D, o indivíduo pode ser considerado Rh
positivo fraco ou, até mesmo, Rh negativo.
A gestante do grupo Rh Du com feto D positivo tem risco de ser
sensibilizada pelo antígeno D, e, raramente, essa combinação
fetomaterna leva à anemia hemolítica fetal. Ainda mais raro é a
paciente Rh negativa com feto Du positivo desenvolver anticorpo
anti-D. Entretanto, como a possibilidade de sensibilização em ambas
as condições não é nula, a conduta para a gestante Rh Du deve ser a
mesma diante da gestante Rh negativa. Da mesma forma, a conduta
diante do feto Du deve ser a mesma da adotada para um feto Rh
positivo.
9.4 DIAGNÓSTICO E INVESTIGAÇÃO
DA ALOIMUNIZAÇÃO

O diagnóstico da aloimunização tem início no


pré-natal, com a solicitação da tipagem
sanguínea da gestante e a pesquisa de
anticorpos antieritrocitários (Coombs indireto).

Se a gestante for Rh negativa, deve-se determinar o Rh do pai da


criança; se este também for Rh negativo, o feto será, certamente, Rh
negativo, e a gestante não corre risco de isoimunização. Se o pai da
criança for Rh positivo, os títulos de anticorpos (Coombs indireto)
maternos deverão ser quantificados, e o exame, repetido no segundo
trimestre da gestação (por volta de 28 semanas).
Figura 9.1 - Diagnóstico/investigação da aloimunização

Fonte: elaborado pelo autor.


A gestante com Coombs indireto positivo deverá ser submetida à
titulação dos anticorpos. Para cada laboratório existe um título
crítico abaixo do qual não ocorrerá a doença hemolítica fetal grave.
Títulos de anticorpos iguais ou acima desse nível crítico indicam
investigação para anemia fetal. Em gestações com títulos acima do
nível crítico, é indicada a avaliação fetal mediante métodos invasivos
(amniocentese para espectrofotometria ou cordocentese para
análise direta da hemoglobina e do tipo sanguíneo fetal). O título não
reflete a gravidade da doença, podendo ocorrer hidropisia fetal
(forma grave) com títulos não muito elevados.
9.4.1 Predição da anemia fetal
Os seguintes parâmetros podem ser utilizados na predição do
comprometimento fetal: história de gestação prévia afetada por
isoimunização, níveis maternos de anticorpos hemolíticos,
parâmetros ultrassonográficos fetais, Doppler, cardiotocografia
fetal e espectrofotometria no líquido amniótico.
9.4.1.1 Gestação prévia afetada por isoimunização

O risco de hidropisia é de aproximadamente 8 a 10% na primeira


gestação sensibilizada.
O comprometimento fetal tende a ser progressivamente mais grave
nas gestações seguintes. Uma gestante isoimunizada com um
natimorto ou um feto hidrópico em gestação prévia apresenta 90%
de chances de o próximo feto desenvolver hidropisia e evoluir para
óbito caso ele seja Rh positivo e não receba tratamento.
9.4.1.2 Títulos de anticorpos maternos

Os títulos de anticorpos maternos determinam o risco de


acometimento fetal. A gravidade da anemia fetal é influenciada pela
concentração de anticorpos maternos e por outros fatores ainda não
completamente compreendidos.
O tratamento não deve ser instituído com base apenas nos seus
resultados.
O risco de anemia fetal relacionado aos títulos de anticorpos é de
10% para títulos de 1/16, 25% com títulos de 1/32, 50% para títulos
de 1/64 e 75% para títulos de 1/128. Entretanto, nenhum nível de
anticorpo representa risco de 100%.
9.4.1.3 Avaliação ultrassonográfica

Apesar de ser um exame de sensibilidade limitada em fetos não


hidrópicos, a ultrassonografia é importante para detectar alterações
fetais precoces e definir a terapêutica.
O exame ultrassonográfico pode identificar alterações morfológicas
que a doença provoca no feto, na placenta e no cordão umbilical.
Pode ser utilizado também para avaliar alterações na atividade
biofísica do feto e mudanças no volume de líquido amniótico e na
dinâmica do fluxo sanguíneo no feto e no cordão umbilical.
A ultrassonografia tem valor na identificação e
na quantificação da gravidade da doença.
Entretanto, na ausência de sinais
ultrassonográficos, não é possível excluir a
presença da doença ou predizer o seu curso.

Os sinais de anemia fetal que podem ser encontrados no exame


ultrassonográfico são:
a) Derrame pericárdico;
b) Derrame pleural e edema de tecido subcutâneo;
c) Aumento da circunferência abdominal: inicialmente, decorre da
hepatoesplenomegalia e, posteriormente, da ascite;
d) Dilatação da veia umbilical: decorrente do aumento do parênquima
hepático e da compressão dos vasos hepáticos, ocasionando
diminuição da drenagem venosa da veia umbilical, o que leva à sua
dilatação. O cordão umbilical pode, também, apresentar aumento em
seu diâmetro.

Geralmente, em fetos anêmicos, o volume de líquido amniótico se


encontra aumentado, podendo haver polidrâmnio. Em alguns casos
com hidropisia grave e em estágio terminal da doença, podem
ocorrer oligoâmnio e restrição de crescimento fetal.
A hidropisia fetal e o aumento da espessura e da ecogenicidade
placentária podem decorrer da sobrecarga cardíaca. Essa sobrecarga
é exacerbada pelo aumento na pressão hidrostática nos capilares
venosos ou pela dilatação arteriolar e pelo aumento da
permeabilidade capilar em resposta à hipóxia. A diminuição da
pressão oncótica intravascular, consequente à hipoproteinemia
causada pela perda extravascular de proteína e pela diminuição de
sua produção hepática, pode piorar ainda mais a hidropisia fetal.
A constatação de hidropisia fetal significa anemia grave. Entretanto,
na ausência de hidropisia, não existem sinais ultrassonográficos que
possam distinguir, de maneira confiável, uma doença leve de uma
grave. Mesmo com elevados graus de anemia, o feto pode não
apresentar hidropisia, especialmente antes de 24 semanas de
gestação.
9.4.1.4 Doppler

Nos fetos anêmicos, ocorrem diminuição da


viscosidade sanguínea e aumento do débito
cardíaco, levando a um estado hiperdinâmico.

As medidas de Doppler na veia umbilical intra-hepática e na artéria


cerebral média têm os melhores resultados para a prática clínica. A
velocidade máxima da artéria cerebral média aumenta com a idade
gestacional em fetos normais, e há uma correlação inversa entre a
velocidade máxima da artéria cerebral média e o hematócrito.
A velocidade máxima da artéria cerebral média
pode ser usada como parâmetro não invasivo
para predizer a anemia fetal, auxiliando no
acompanhamento das gestações
isoimunizadas.

Existem curvas de normalidade para velocidade da artéria cerebral


média; geralmente, aumento de 1,5 a 2 desvios-padrão na velocidade
indica anemia fetal e transfusão fetal intrauterina.
9.4.1.5 Cardiotocografia

O padrão sinusoidal é característico de fetos


comprometidos pela isoimunização Rh e que
estão acometidos pela anemia.

Parece não haver relação entre o grau de anemia fetal e a duração, a


amplitude ou a frequência da oscilação do padrão sinusoidal, embora
fetos mais comprometidos, com níveis mais graves de anemia,
apresentem padrão sinusoidal acompanhado de desacelerações na
frequência cardíaca, alteração pouco verificada em fetos menos
anêmicos.
Os padrões não reativos e as desacelerações também são sugestivos
de anemia, embora muitos fetos com anemia moderada apresentem
padrão reativo na cardiotocografia.
O padrão sinusoidal é característico de fetos
comprometidos pela isoimunização Rh e que
estão acometidos pela anemia.

Figura 9.2 - Cardiotocografia que mostra padrão sinusoidal característico de feto anêmico
9.4.2 Propedêutica invasiva na avaliação
9.4.2.1 Espectrofotometria no líquido amniótico

Trata-se de um teste indireto para avaliar o grau de anemia fetal. A


acurácia em prever o grau de comprometimento fetal por esse
método é de cerca de 95%.
A bilirrubina é o produto da hemólise das hemácias fetais. A maior
parte da bilirrubina é transportada pela placenta para a circulação
materna, sendo metabolizada no fígado.
Uma pequena quantidade entra no ciclo êntero-hepático fetal, sendo
redistribuída e excretada no líquido amniótico pelo fluido pulmonar.
A bilirrubina na urina fetal é de concentração mínima e não tem
participação na concentração da bilirrubina no líquido amniótico.
Essa concentração pode ser avaliada indiretamente pela
espectrofotometria, determinando a Diferença de Densidade Óptica
(DDO) a 450 nm, e, com isso, pode ser estimado o grau de hemólise
fetal.
O líquido amniótico é obtido por punção guiada por ultrassonografia.
A concentração de bilirrubina é medida pela absorbância de luz no
comprimento de onda de 350 a 700 nm, e os valores, colocados em
papel semilogarítmico.
O desvio é calculado no comprimento de onda a 450 nm (DDO 450
nm), e o resultado, colocado no gráfico para interpretação.
Liley (1961) elaborou um gráfico de prognóstico fetal com base na
DDO 450 nm. A zona 1 indica doença leve ou, eventualmente, feto Rh
negativo. Na zona 2, o comprometimento é moderado, piorando à
medida que se aproxima da zona 3, que indica feto hidrópico ou que
desenvolverá hidropisia.
A DDO na zona 1 requer repetição da amniocentese a cada 3 a 4
semanas. Já DDO na zona 2 necessita de nova avaliação em 1 a 2
semanas. A DDO na zona 3 ou na zona 2 superior indica cordocentese
e/ou transfusão intrauterina.
Embora a amniocentese seja um procedimento de menor risco do
que a cordocentese (0,5 a 1% versus 1 a 2%), a desvantagem da sua
utilização no seguimento da isoimunização é a necessidade de
realizar vários procedimentos durante a gestação, em média 3 para
cada paciente. Mesmo assim, a espectrofotometria continua a ser um
importante exame na avaliação da aloimunização, principalmente
nos casos sem história prévia desfavorável.
Por ser um exame invasivo, é menos utilizada do que o Doppler para
o diagnóstico de anemia fetal.
Figura 9.3 - Gráfico de Liley para a predição de anemia fetal em gestantes aloimunizadas;
diferença de densidade óptica a 450 nm
Figura 9.4 - Amniocentese para espectrofotometria no líquido amniótico
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

9.4.2.2 Cordocentese
A cordocentese possibilita a avaliação direta e precisa do tipo
sanguíneo fetal, bem como dos níveis de hemoglobina e
hematócrito. O risco desse procedimento pode variar de 1 a 2%. Nos
fetos não anêmicos, o critério para repetir a cordocentese e o exame
ultrassonográfico baseia-se nos níveis de hematócrito e reticulócitos
e no Coombs indireto.
A cordocentese não deve ser realizada antes da décima sétima
semana de gestação, pois a hemólise fetal em gestações com
isoimunização Rh começa a ocorrer a partir dessa idade gestacional.
Na maioria dos centros, prefere-se iniciar esse procedimento a
partir da vigésima semana, quando o cordão já está mais espesso, o
que permite um procedimento mais seguro.
Figura 9.5 - Cordocentese
9.5 TERAPÊUTICA FETAL
A cordocentese guiada pela ultrassonografia é o primeiro
procedimento a ser realizado no tratamento fetal. O exame
ultrassonográfico é feito para determinar precisamente o local da
punção, que deve ser realizada na inserção placentária do cordão ou
próximo a ela. Preferencialmente, a transfusão deve acontecer na
veia umbilical.
Durante o procedimento, o fluxo do sangue injetado e os batimentos
cardíacos fetais são monitorizados de forma contínua pela
ultrassonografia. Durante a transfusão, pode decorrer bradicardia
relativa, da expansão do volume sanguíneo fetal. Após a transfusão,
os batimentos cardíacos fetais devem ser monitorizados por um
período de 2 a 4 horas.
Os métodos não invasivos, como a ultrassonografia, a monitorização
dos movimentos fetais, o Doppler e a cardiotocografia auxiliam na
determinação da época de uma nova transfusão.
Uma próxima cordocentese deve ser considerada quando a gestante
refere redução dos movimentos fetais confirmada pelo perfil
biofísico. Ocorrem aumento significativo nos níveis de anticorpos
maternos, sinais ultrassonográficos de anemia fetal, padrão
sinusoidal ou presença de desacelerações à cardiotocografia ou
estado hiperdinâmico ao Doppler fetal, com aumento da velocidade
sanguínea na artéria cerebral média.
#IMPORTANTE
Será realizada transfusão de hemácias Rh
negativa no cordão umbilical se a hemoglobina
fetal estiver abaixo da normalidade para a idade
gestacional. Espera-se atingir hemoglobina
final acima de 15 g/dL.
9.5.1 Outros tratamentos
9.5.1.1 Prometazina

A prometazina reduz a ligação antígeno-anticorpo, interferindo na


formação de rosetas pelos eritrócitos ao redor dos fagócitos. No
neonato, aumentam a conjugação e a excreção da bilirrubina. A dose
recomendada é de 25 a 30 mg, 3 a 4x/d, iniciando-se com 14 a 16
semanas de gestação.
9.5.1.2 Plasmaférese

O plasma contendo anticorpos é removido e substituído por plasma,


albumina e solução salina, reduzindo diretamente os anticorpos
maternos e indiretamente os anticorpos fetais. Em alguns casos de
isoimunização Rh grave, a plasmaférese pode adiar a necessidade de
transfusões fetais.
Deve ser realizada entre a décima segunda e a décima sexta semanas
de gestação. Esse método não pode ser usado como tratamento de
primeira escolha, pois o óbito fetal por aloimunização Rh grave pode
ocorrer, apesar da troca intensiva de plasma.
9.6 PREVENÇÃO
Durante a década de 1960, antes da introdução da profilaxia da
isoimunização, a doença hemolítica Rh ocorria em 1% dos
nascimentos. Na década de 1980, essa incidência caiu para 0,2%.
Para prevenir a isoimunização Rh, administra-se imunoglobulina
anti-D à gestante Rh negativa; a imunoglobulina não terá efeito se a
gestante já for aloimunizada. Desta forma, antes da administração
da imunoglobulina, o Coombs indireto (anti-D) deve ser pesquisado,
e o resultado, negativo.
É muito importante destacar que, após a utilização de uma dose de
imunoglobulina anti-D, o Coombs indireto poderá se tornar
transitoriamente positivo (por cerca de 4 semanas). Nesses casos,
mesmo com a presença de Coombs positivo, a puérpera deverá
receber nova dose da imunoglobulina no puerpério caso o recém-
nascido seja Rh positivo.
#IMPORTANTE
Apenas gestantes não sensibilizadas são
candidatas a receberem imunoglobulina anti-D.

A administração de 300 µg de imunoglobulina anti-D é suficiente


para neutralizar uma hemorragia fetomaterna grave (15 mL) e deve
ser recomendada a todas as gestantes Rh negativas não imunizadas.
1. Situações em que a imunoglobulina anti-D deve ser administrada
em gestantes Rh negativas não imunizadas:
a) Até 72 horas pós-parto de recém-nascido Rh positivo ou Du positivo.
Após o parto, o sangue do cordão umbilical é examinado para tipagem
Rh. Se o Coombs indireto do sangue materno for negativo e o recém-
nascido Rh positivo, imunoglobulina anti-D será administrada à mãe;
b) Após abortamento, gestação ectópica ou molar e sangramento
vaginal;
c) Após procedimento invasivo (biópsia de vilo corial, amniocentese,
cordocentese), administrar imunoglobulina no dia do procedimento e
repetir a cada 12 semanas, até o parto;
d) Nas síndromes hemorrágicas durante a gestação (ameaça de
abortamento, placenta prévia), repetir a cada 12 semanas até o parto;
e) Na rotina pré-natal, entre a vigésima oitava e a trigésima quarta
semanas, se pai Rh positivo ou desconhecido;
f) Após transfusão de sangue incompatível.

2. Situações para prevenção da sensibilização pelo fator Rh pela


administração de imunoglobulina anti-D em mães Rh negativas:
a) Após procedimentos invasivos: amniocentese, cordocentese,
biópsia de vilo corial;
b) Após aborto, gravidez ectópica ou mola hidatiforme;
c) Após o parto de mães com Coombs indireto negativo e recém-
nascidos Rh positivos;
d) Entre a vigésima oitava e a trigésima quarta semana de gestação de
todas as mulheres com Coombs indireto negativo e com parceiros Rh
positivos;
e) Após sangramento obstétrico (placenta prévia, por exemplo) com
risco de hemorragia fetomaterna significativa.

9.7 SEGUIMENTO DE ACORDO COM O


MINISTÉRIO DA SAÚDE
Figura 9.6 - Seguimento de isoimunização Rh com antecedente de acometimento

Legenda: múltiplos da mediana (MOM).


Fonte: elaborado pelo autor.
Figura 9.7 - Seguimento de isoimunização Rh com primeira gestação afetada
Legenda: Artéria Cerebral Média fetal (ACM); múltiplos da mediana (MOM).
Nota: se o método de vigilância fetal escolhido for o Doppler de ACM, pelo menos uma
amniocentese deve ser realizada aproximadamente com 35 semanas, para a DDO 450, e a
partir de 37 semanas, para avaliar a maturidade fetal.
Fonte: elaborado pelo autor.
Em quais situações deve-se
realizar a profilaxia de
sensibilização ao fator Rh?
Em gestantes RH negativo não sensibilizadas deve-se
realizar profilaxia até 72 horas pós-parto de recém-
nascido Rh positivo ou Du positivo; nos casos de aborto,
gestação ectópica ou gestação molar ou sangramento
vaginal também deve ser realizada. Após procedimento
invasivo (biópsia de vilo corial, amniocentese,
cordocentese), deve-se administrar imunoglobulina no dia
do procedimento e repetir a cada 12 semanas até o parto.
Nas síndromes hemorrágicas durante a gestação (ameaça
de abortamento, placenta prévia), repetir a cada 12
semanas, também até o parto. Na rotina pré-natal, entre a
vigésima oitava e a trigésima quarta semanas, se pai Rh
positivo ou Rh desconhecido. E em situações em que houve
transfusão de sangue incompatível.
Quais são os critérios para
realização de tratamento
medicamentoso com
metotrexato nos casos de
gestação tubária?

10.1 ABORTO
Costuma-se chamar de aborto o término da gestação antes das
primeiras 20 a 22 semanas, contadas a partir do primeiro dia da
última menstruação. Também são assim chamados os fetos que, ao
nascimento, tenham menos de 500 g de peso, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS).
10.1.1 Incidência
Acredita-se que, do ponto de vista clínico, aproximadamente 15 a
20% das gestações terminem espontaneamente antes da viabilidade
do produto conceptual. Sabe-se, entretanto, que a perda fetal pode
ocorrer algum tempo antes da implantação do blastocisto; alguns
óvulos fertilizados não conseguiriam iniciar a clivagem, e outros, em
processo mais avançado de divisão, não conseguiriam se implantar.
Do mesmo modo, embriões implantados recentemente podem
inviabilizar-se antes de começar o próximo período menstrual,
caracterizando o abortamento de “gravidez oculta”.
10.1.2 Etiologia
Podem-se destacar 2 grupos de abortamento: os espontâneos e os
provocados.
A maior parte dos abortamentos espontâneos (cerca de 80%)
acontece nas primeiras 12 semanas da gestação, e, após esse período,
sua ocorrência diminui rapidamente. As causas envolvidas na
determinação do abortamento podem ser variadas, destacando-se,
entre as ocorridas em fases precoces da gravidez, as anomalias
cromossômicas. O risco de sua ocorrência aumenta com o
crescimento da idade materna.
Quando o abortamento acontece nos períodos mais precoces da
gravidez, independentemente de sua etiologia, não é raro que o
embrião morra antes de sua expulsão ser completa. Esse fato torna
mais difícil a identificação exata do mecanismo etiológico envolvido
na sua ocorrência. A morte do embrião pode ser causada por motivos
ligados à sua própria condição biológica ou ser consequência de uma
doença sistêmica materna.
Entre os abortamentos espontâneos, podem ser relacionados 2
grandes grupos de fatores causais, mencionados a seguir.
10.1.2.1 Fatores fetais

A análise histomorfológica cuidadosa dos produtos de abortamentos


espontâneos precoces mostra, com grande frequência, múltiplas
anormalidades nos diferentes estágios de organização do ovo,
embrião ou feto.
É encontrado um grande número de gestações anembrionadas
(“ovos cegos” – blinded eggs) ou de embriões degenerados; essas
situações eram difíceis de serem constatadas antes do
desenvolvimento dos equipamentos modernos de ultrassonografia.
Quando esses produtos são estudados em detalhes, podem-se
constatar frequência elevada de anomalias morfológicas (até 70%) e
altíssima taxa de anormalidades cromossômicas. Essas alterações
fetais, principalmente no primeiro trimestre, podem ser
acompanhadas de número anormal de cromossomos (aneuploidia)
ou com número correto (euploidia). Acredita-se que os
abortamentos ocorridos de embriões euploides (conformação
cromossômica normal) aconteçam em períodos mais tardios do
primeiro trimestre da gestação, a maioria até 13 semanas.
A trissomia autossômica é a alteração mais frequentemente ligada
ao abortamento espontâneo de primeiro trimestre e representa 50%
dos abortamentos de causa genética. As trissomias mais
relacionadas ao abortamento são, em ordem decrescente de
frequência, dos cromossomos 16, 22, 21, 15, 13, 2 e 14. Erros na
meiose I são a principal explicação para a ocorrência das trissomias e
se relacionam com a idade materna avançada e com a diminuição ou
ausência de recombinação meiótica.
A monossomia do cromossomo X, a segunda causa de alteração
cromossômica mais comumente relacionada ao abortamento, está
presente em cerca de 7 a 10% dos abortamentos de primeiro
trimestre. Aproximadamente, 99% dos casos de monossomia do X
evoluem para o abortamento. Essa alteração cromossômica
geralmente ocorre pela falta de um cromossomo sexual paterno, sem
correlação com a idade materna.
Os abortamentos decorrentes de tetraploidia são incomuns, e a
gestação raramente evolui além da terceira semana. A tetraploidia do
tecido embrionário deve ser diferenciada da tetraploidia celular
encontrada em aproximadamente 1% das células submetidas a
cultura de líquido amniótico, que não apresentam significado
clínico.
As alterações cromossômicas estruturais são causas infrequentes de
abortamento e adquirem importância somente nos casos de
abortamento habitual. A presença de translocação balanceada em
um componente do casal, após a recombinação meiótica, pode
originar translocação não balanceada no produto conceptual, o que é
capaz de causar o abortamento.
Translocações balanceadas são encontradas entre 43 e 50% dos
casais com abortamento recorrente, e a maioria dos indivíduos
portadores dessa alteração cromossômica apresenta fenótipo
normal. Esse tipo de anomalia cromossômica é cerca de 2 vezes mais
frequente na mulher.
10.1.2.2 Fatores maternos

A seguir, as causas maternas mais associadas aos abortamentos.


a) Drogas

O uso de álcool e outras drogas continua a ser um grande problema


de saúde pública. Nas gestantes, esse problema ganha ainda mais
importância, pois a exposição dessas pacientes às drogas pode levar
ao comprometimento irreversível da integridade do binômio mãe-
feto.
A associação entre tabagismo e abortamento é apontada por diversos
estudos. Mulheres que fumam mais de 10 cigarros por dia
apresentam maior risco de abortamento (Risco Relativo = 1,2 a 3,4).
Vasoconstrição e danos placentários podem estar elencados na
gênese de abortamento em tabagistas.
Alguns estudos relatam que o consumo de álcool na gestação se
relaciona com maior risco de abortamento. As gestantes devem
sempre evitar o álcool, também, pelo risco de teratogenicidade.
b) Doença sistêmica

Doenças sistêmicas que comprometam significativamente a saúde


da mulher grávida podem repercutir sobre o crescimento e o
desenvolvimento do concepto, causando, eventualmente,
interrupção da gestação.
c) Infecções maternas
Processos infecciosos leves ou graves podem estar associados ao
abortamento. Pneumonia, gripe e infecção do trato urinário estão
relacionadas a eventuais abortamentos, sem que se conheça,
entretanto, o mecanismo causador desse fenômeno. Infecções por
agentes virais (rubéola, herpes-simples, citomegalovírus,
hepatites), bactérias (Brucella, Listeria, Chlamydia, Mycoplasma) e
protozoários (Toxoplasma, Trypanosoma, Plasmodium) também são
associadas ao abortamento. A sífilis é uma doença causadora de
abortamentos tardios, também relacionada a óbito fetal
intrauterino, partos prematuros e recém-nascidos infectados.
Doenças infecciosas graves e crônicas, como formas avançadas de
tuberculose ou neoplasias, associam-se mais comumente a partos
prematuros, podendo, entretanto, relacionar-se com abortamentos,
principalmente após 13 semanas de gestação.
d) Estado nutricional materno

Alguns estudos apontam que índices de massa corpórea abaixo de


18,5 e acima de 25 estariam associados a maior risco de
abortamento. Entretanto, ainda não há conclusões definitivas sobre
a deficiência de alimentos ou de algum tipo de nutriente e sua
relação com abortamento.
É importante salientar a relação entre a deficiência de ácido fólico na
alimentação de mulheres em fase reprodutiva e o aparecimento de
malformações do sistema nervoso central, que poderiam ser causa
de abortamentos tardios.
e) Endocrinopatias

O aumento na incidência de abortamentos foi associado aos


distúrbios da tireoide, particularmente ao hipotireoidismo. Com
relação ao diabetes mellitus, o resultado gestacional desfavorável está
relacionado ao controle clínico inadequado da doença.
f) Fatores imunológicos
Nos últimos anos, tem-se dado maior destaque ao abortamento
decorrente de falha imunológica. A dificuldade em diagnosticar com
precisão essa etiologia pode provocar, em vários casais, situação
clínica chamada aborto recorrente ou de repetição (3 ou mais abortos
consecutivos). Admite-se frequência de cerca de 1% desse tipo de
aborto, sendo documentadas alterações etiológicas variadas que, em
metade dos casais, podem ser atribuídas a causas imunológicas.
g) Síndrome do anticorpo antifosfolípide

Pode ser considerada uma das principais causas imunológicas de


abortamentos de repetição. A incidência em pacientes com aborto de
repetição pode ser de até 41,2% (no momento da terceira perda
gestacional). Acredita-se que, a cada nova perda, haja uma elevação
de 15% nessa incidência. Fosfolípides são moléculas que fazem parte
da composição da membrana celular e de mecanismos de
transmissão de sinais celulares, que regulam a divisão e a secreção
celulares. Existem vários tipos de moléculas fosfolipídicas, e a
presença de anticorpos contra algumas delas está relacionada a
insucessos gestacionais. Os anticorpos mais estudados são
anticardiolipina, anticoagulante lúpico, antifosfatidilserina,
antiácido fosfatídico, antifosfatidilinositol, antifosfatidilcolina e
antifosfatidiletanolamina. A prevalência de anticorpos
antifosfolípides é bastante variável nas diversas populações. Em
pacientes com história obstétrica normal, varia de 2 a 9,8%,
enquanto, naquelas com abortamento de repetição, essa prevalência
pode alcançar 8 a 41,2% e, em portadoras de lúpus eritematoso
sistêmico, pode atingir até 86%. O diagnóstico é realizado a partir de
critérios clínicos e laboratoriais. Baixos títulos de anticorpos
anticardiolipina estão relacionados com melhores resultados
gestacionais. Vários tratamentos têm sido propostos para síndrome
do anticorpo antifosfolípide, entre eles uso de drogas
anticoagulantes (heparina e ácido acetilsalicílico) ou drogas que
procuram diminuir a produção de anticorpos (corticosteroides e
imunoglobulina humana). Os melhores resultados gestacionais são
encontrados entre pacientes tratadas com drogas anticoagulantes.
h) Malformações uterinas

Não são raras as anomalias de fusão dos ductos müllerianos,


determinando malformações uterinas (útero unicorno ou bicorno e
septado) que favorecem o abortamento e a prematuridade.
i) Incompetência cervical

Trata-se de uma condição que se caracteriza por perda fetal


recorrente no segundo trimestre da gestação, em consequência de
insuficiência do sistema de oclusão do colo uterino. O diagnóstico
clínico habitualmente é retrospectivo e depende de uma cuidadosa
anamnese obstétrica. Geralmente, ocorrem dilatação cervical
indolor, ausência de sangramento, protrusão das membranas
amnióticas na vagina e posterior rotura das membranas, seguida de
expulsão fetal, às vezes com feto vivo. A incompetência é
responsável por 10 a 20% dos abortamentos de repetição. Entre os
fatores etiológicos da incompetência, destacam-se as causas
traumáticas, como dilatação e curetagem; laceração cervical pós-
parto ou pós-abortamento; amputação ou conização do colo uterino.
Pode ser, ainda, de origem congênita, por alteração do colágeno, ou
em consequência da exposição intrauterina ao dietilestilbestrol. É
fundamental a história obstétrica de perdas fetais recorrentes no
segundo trimestre da gravidez. Fora da gestação, o diagnóstico é
realizado principalmente pela histerossalpingografia durante a fase
lútea do ciclo menstrual. A largura da região istmocervical superior a
8 mm é altamente sugestiva do diagnóstico. Ainda fora da gravidez, a
falta de resistência à passagem pelo colo uterino de vela de Hegar nº
8, na segunda fase do ciclo menstrual, também denota a
insuficiência do sistema oclusivo do canal cervical.
Durante a gestação, utiliza-se a ultrassonografia transvaginal, por
ser de fácil execução e não invasiva. Tem-se mostrado superior à
ultrassonografia abdominal e perineal na avaliação do comprimento
do colo uterino. Avaliam-se, para esse diagnóstico, o comprimento
do colo uterino, a forma do canal cervical e a presença de protrusão
das membranas amnióticas por meio do canal cervical.
Normalmente, o comprimento do colo uterino permanece
praticamente estável até o início do terceiro trimestre da gravidez,
quando se encurta progressivamente. A medida do colo uterino entre
20 e 24 semanas permite estimar a chance de nascimento
prematuro, com boa acurácia, especialmente nos casos de
comprimento cervical inferior a 25 mm. A herniação das membranas
amnióticas pelo canal cervical dilatado é sinal ultrassonográfico
tardio de incompetência cervical (sinal de “dedo de luva”).
O tratamento da incompetência cervical é a realização da circlagem
cervical, preferencialmente pela via vaginal.
O objetivo é prevenir o encurtamento e a abertura prematura do colo
uterino por meio de sutura circular no nível de seu orifício interno.
As principais técnicas empregadas são a de Shirodkar e a de
McDonald, que consiste na sutura circular próximo ao orifício
interno do colo uterino. A sutura é feita em bolsa com fio
inabsorvível monofilamentar (fio de propileno nº 2), deixando-se os
nós com cerca de 1,5 cm na região anterior do colo uterino.
Previamente à circlagem, preconiza-se a ultrassonografia
morfológica de primeiro trimestre, a fim de afastar possíveis
malformações fetais, avaliar a medida da translucência nucal e
assegurar sua vitalidade. É importante fazer, previamente à cirurgia,
o tratamento de infecções cervicovaginais, e recomenda-se ainda a
abstinência sexual. A circlagem é denominada profilática se
realizada antes da cervicodilatação, sendo o período ideal entre 12 e
16 semanas de idade gestacional. Circlagem de emergência é aquela
realizada no segundo trimestre da gestação, com a paciente
apresentando modificações do colo uterino, como dilatação acima de
2 cm, esvaecimento cervical pronunciado e membranas amnióticas
protrusas por intermédio do canal cervical. A circlagem de
emergência não deve ultrapassar 26 semanas de gravidez, com
análise individualizada. A circlagem também pode ser efetuada pela
via abdominal, em casos de impossibilidade técnica de circlagem
transvaginal, consequente a alterações anatômicas do colo uterino
ou, ainda, após falha de circlagem transvaginal. Também é possível
circlagem abdominal por via laparoscópica. Os fios devem ser
removidos após 36 semanas de gestação ou em qualquer momento
da gestação, na presença de trabalho de parto prematuro
incontrolável, amniorrexis prematura, corioamnionite e óbito fetal.
As complicações mais frequentes são afrouxamento da sutura,
amniorrexis prematura, corioamnionite, trabalho de parto prematuro
e maior incidência de operação cesárea.
Incompetência cervical é a principal causa de
abortamento tardio de repetição. O tratamento,
quando indicado, é realizado por meio de
circlagem uterina.

Figura 10.1 - Circlagem uterina


Legenda: técnica de McDonald: aspectos (A) externo e (B) interno.
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

Figura 10.2 - Colo uterino depois de circlagem


Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

10.1.3 Mecanismo de abortamento


O mecanismo envolvido nos casos de abortamento varia com a época
gestacional. É fundamental conhecer alguns elementos para poder
adotar uma conduta terapêutica adequada.
Nas primeiras semanas, o conteúdo uterino mais importante a ser
eliminado é a decídua parietal, na qual o ovo está nidado, impossível
de ser reconhecido a olho nu. Embrião e anexos são expulsos
misturados ao sangue, sugerindo à paciente característica de
menstruação atrasada, um pouco mais profusa do que a habitual.
No segundo mês, espera-se igualmente a eliminação completa de
decídua, embrião e anexos. Entretanto, isso pode ocorrer de forma
parcial, observando restos e coágulos, seguidos de sangramento
mais intenso e persistente.
No terceiro mês (entre 8 e 12 semanas), pode ocorrer a eliminação
completa de todo o material embrionário e decídua que, com mais
frequência, se retém para se desagregar em um segundo tempo, em
razão de sua maior espessura e complexidade. Em alguns casos,
ocorre sangramento em maior quantidade e há a possibilidade de
retenção de restos anexiais.
É importante salientar que esses mecanismos são esperados para os
abortamentos espontâneos, não se aplicando aos provocados
artificialmente.
10.1.4 Classificação
O aborto pode ser classificado em espontâneo ou provocado.
Segundo a sua evolução, pode, ainda, ser classificado em:
10.1.4.1 Ameaça de abortamento

Condição transitória que, em geral, dura pouco tempo, podendo


progredir para abortamento em curso ou seguir sua evolução como
gestação normal.
10.1.4.2 Abortamento em curso

Situação em que dores abdominais em cólica se acentuam em


frequência e intensidade; o quadro de hemorragia genital pode
cursar com a eliminação de coágulos, e há o aparecimento das
transformações cervicais, que avançam até abrir o canal cervical,
atingindo o orifício interno. O ovo, entretanto, mantém-se em seu
lugar de implantação na decídua (polo ovular inalcançável ao toque
digital).
10.1.4.3 Abortamento iminente ou inevitável

Presença de dilatação cervical ampla e possibilidade de tocar ou


visualizar o polo inferior do saco gestacional, que se insinua pelo
canal ou se exterioriza por meio do orifício externo do colo.
Quando há a eliminação de todo o conteúdo da gestação, não
restando material ovular na cavidade uterina, o abortamento é
classificado como completo. Nas situações em que o orifício interno
do colo permanece entreaberto e parte dos tecidos anexiais e
embrionários ainda fica retida junto à decídua uterina, classifica-se
o quadro clínico como um abortamento incompleto (Figura 10.3).
Figura 10.3 - Ultrassonografia transvaginal: endométrio irregular e espessado (espessura >
15 mm) – aborto incompleto

O aborto de repetição pode ser definido como 3 ou mais perdas


gestacionais consecutivas antes de 22 semanas de gestação, com
fetos com menos de 500 g de peso. É classificado em primário
(mulheres nulíparas) ou secundário (mulheres que já tiveram algum
parto). A incidência de casais que apresentam abortos de repetição
varia entre 2 e 5% daqueles em idade reprodutiva.
O aborto ainda pode ainda ser denominado infectado e não
infectado, a depender se há ou não infecção em curso.
Quando o produto conceptual está morto e não é eliminado,
configura-se o chamado abortamento retido (missed abortion).
10.1.5 Diagnóstico e tratamento
As características dos sinais e sintomas variam segundo o momento
evolutivo do processo de abortamento e, em geral, não oferecem
dificuldades para o diagnóstico.
A tríade clássica do quadro de abortamento é formada por dor
abdominal em cólica, hemorragia genital e eliminação de tecidos
embrionários, queixas referidas por uma mulher grávida ou com
alterações menstruais compatíveis com a possibilidade (atraso
menstrual). Sabe-se que o sangramento vaginal no primeiro
trimestre pode vir acompanhado de hemorragia fetomaterna e
consequente isoimunização Rh em gestantes Rh negativo não
sensibilizadas. Por essa razão, pacientes com quadro de hemorragia
genital de primeiro trimestre devem realizar exame de tipagem
sanguínea e Coombs indireto. Em casos selecionados (Rh negativo e
Coombs negativo), indica-se imunoglobulina Rh
(Matergam®/RhoGAM®).
Sangramento vaginal no primeiro trimestre
pode vir acompanhado de hemorragia
fetomaterna e consequente isoimunização Rh.
Sempre se devem pedir tipagem sanguínea e
Coombs indireto.

Como diagnóstico diferencial, temos as circunstâncias em que


aparecem alterações menstruais, hemorragia genital e dor
abdominal, com destaque para gestação ectópica, doença
trofoblástica gestacional, mioma em parturição etc.
10.1.5.1 Ameaça de abortamento
Trata-se de ameaça de aborto quando o curso normal da gestação é
interrompido com o aparecimento de sangramento e dor, porém
com a manutenção das condições cervicais e a preservação da
vitalidade do produto conceptual. Diante dessa sintomatologia,
admite-se que tenha havido algum “descolamento” do saco
gestacional de seu sítio de implantação, com ou sem
desprendimento de algumas vilosidades coriais. Nessa situação,
podem ser observadas pequenas quantidades de sangue,
habitualmente escuro ou vermelho, que estimulam contrações
uterinas, percebidas como cólicas dolorosas. O exame ginecológico
mostra pequena quantidade de sangue em fundos de sacos vaginais
ou discreto sangramento ativo por meio do canal cervical; o colo
uterino encontra-se fechado, o útero, compatível com o tempo de
amenorreia, e os anexos, normais e indolores. Havendo dúvidas
quanto ao diagnóstico, podemos associar a comprovação bioquímica
sanguínea ou urinária do beta-HCG ou realizar exame
ultrassonográfico pélvico via transabdominal ou transvaginal. Ao
exame ultrassonográfico, a presença de hematoma subcoriônico,
com área de descolamento superior a 40% da área ovular, indica
mau prognóstico gestacional. Como diagnósticos diferenciais, temos
as chamadas “hemorragia de implantação” e “hemorragia
decidual”, sempre possíveis até o acoplamento total das decíduas.
O repouso no leito é uma medida aconselhável para todas as
situações, embora não seja comprovadamente eficaz para prevenir
ou evitar piora do quadro de hemorragia ou de contrações uterinas. É
frequentemente bem recebido pela paciente, que apresenta
tendência a realizá-lo, diminuindo a ansiedade, favorecendo o
relaxamento das fibras do miométrio e inibindo estímulos de
contração da musculatura uterina. O uso de analgésicos e
antiespasmódicos pode ser recomendado. Sedativos suaves e em
pequenas doses também podem ser utilizados para diminuir a
ansiedade.
O uso de progestogênios é uma medida polêmica; há estudos
inconclusivos com relação ao seu benefício nessas situações. O
Ministério da Saúde do Brasil não indica a sua utilização nos casos de
ameaça de abortamento.
10.1.5.2 Abortamento iminente ou inevitável

O diagnóstico é feito pela presença de dilatação cervical, com


projeção do produto conceptual por intermédio do canal cervical,
permitindo o toque digital de seu polo inferior. Com frequência, há
dor e sangramento genital, muitas vezes com a presença de
coágulos.
A conduta mais adequada é acelerar o esvaziamento uterino,
reduzindo o volume e a duração da hemorragia, aliviando as dores da
paciente e encurtando a exposição da cavidade uterina a agentes
infecciosos. Se a idade gestacional for pequena (< 12 semanas), a
utilização de ocitócitos não oferecerá bons resultados; curetagem
instrumental ou aspiração a vácuo (AMIU – aspiração manual
intrauterina) são as condutas mais eficazes. Muitas vezes, a
curetagem deve ser precedida de prévia dilatação cervical com velas
de Hegar ou drogas geralmente derivadas de prostaglandinas
(misoprostol, por exemplo). Se a idade gestacional for superior a 12
semanas, será possível insistir com drogas ocitócicas até a
eliminação completa do feto e dos anexos. Muitas vezes, poderá ser
necessário completar o procedimento com curetagem uterina.
A utilização de misoprostol com aplicação cervicovaginal tem se
mostrado terapêutica coadjuvante de ótimos resultados, abreviando
o tempo necessário para a resolução completa do processo.
10.1.5.3 Abortamento completo e abortamento incompleto

Os parâmetros clínicos, como dilatação cervical, persistência ou não


de hemorragia, eliminação contínua de restos ovulares e presença de
dor geralmente são suficientes para o diagnóstico. Anamnese, exame
especular e toque vaginal ainda são recursos insubstituíveis.
A ultrassonografia transabdominal ou transvaginal, entretanto, é o
exame subsidiário mais valioso e deve ser usada com frequência,
pois permite observar a quantidade e o tipo de material
remanescente, possibilitando a medida exata dos diferentes
diâmetros uterinos e realizando investigação minuciosa de toda a
pelve, principalmente para auxiliar no diagnóstico diferencial.
Uma complicação temida nos casos de abortamento incompleto é a
infecção. Essa situação pode acontecer simultaneamente ao processo
de abortamento, ser causa ou consequência de manipulação abortiva
ou, até mesmo, resultar de tratamento inadequado.
Figura 10.4 - Ultrassonografia transvaginal: endométrio linear – aborto completo

Quadro 10.1 - Formas clínicas de abortamento e aspectos à ultrassonografia transvaginal


10.1.5.4 Aborto retido e gestação anembrionada

Nas situações de aborto retido, observa-se regressão dos sintomas e


dos sinais gravídicos, o colo uterino encontra-se fechado, e,
frequentemente, não há sangramento por via vaginal. O exame
ultrassonográfico revela saco gestacional com diâmetro interno
médio maior ou igual a 25 mm sem embrião (gestação
anembrionada) ou mostra a presença de embrião sem sinais de
vitalidade (óbito embrionário/aborto retido). Nesses casos, o
tratamento deve ser feito da seguinte maneira:
a) Em gestações com menos de 12 semanas, utiliza-se misoprostol, 1
comprimido de 200 µg por via vaginal, dose única, para preparo do
colo. Após 4 horas, realiza-se o esvaziamento uterino por AMIU ou
curetagem. Outra opção é a utilização de misoprostol, 4 comprimidos
de 200 µg a cada 12 horas, até o máximo de 3 doses;
b) Em gestações com idade gestacional entre 13 e 17 semanas,
utilizam-se 200 µg de misoprostol por via vaginal, a cada 6 horas, até 4
doses;
c) Em gestações com idade gestacional entre 18 e 22 semanas,
recomendam-se 100 µg de misoprostol por via vaginal, a cada 6 horas,
até 4 doses. Se necessário, repete-se o esquema terapêutico após 24
horas da última dose.

Em gestações com mais de 12 semanas, após a expulsão do produto


conceptual, havendo suspeita da presença de restos ovulares ou
placentários, deve-se realizar a curetagem uterina. Em úteros
pequenos, compatíveis com menos de 12 semanas, também pode ser
utilizada a AMIU, estando a paciente sob sedação (anestesia geral),
raquianestesia ou anestesia local, na forma de bloqueio paracervical.
10.1.5.5 Abortamento infectado

Uma das principais complicações do abortamento é a infecção, mais


comum naqueles originados de manipulação uterina por leigos ou
realizados em condições precárias.
Considera-se abortamento infectado quando há febre, alterações da
frequência cardíaca, comprometimento do estado geral, fluxo
genital purulento ou com odor fétido e outras características
infecciosas, observadas por alterações hematológicas e bioquímicas.
Na maioria das vezes, a infecção é causada por germes anaeróbios, e
podem também estar presentes bactérias Gram positivas e Gram
negativas. O aborto causado pelo Clostridium perfringens deve ser
tratado com atenção especial, pois, por causa da patogenicidade do
agente, as pacientes costumam evoluir com quadro de choque
séptico, icterícia, cianose e hemoglobinúria, com elevado grau de
mortalidade materna.
O exame ginecológico mostra colo entreaberto, restos ovulares em
decomposição e útero aumentado, amolecido e doloroso. A infecção
pode ser diagnosticada sob diferentes quadros clínicos com variada
gravidade: desde endometrite superficial, em geral autolimitada, até
quadros de intensa gravidade, que se estendem além das paredes e
dos anexos uterinos (endomiometrites e salpingooforites), com
propagação para a pelve, a cavidade abdominal (pelviperitonite e
peritonites generalizadas) e todo o organismo (septicemia).
As medidas mais urgentes consistem em estabilizar a paciente e
iniciar antibioticoterapia antes do esvaziamento uterino, que deve
ser realizado assim que essas 2 condições básicas forem cumpridas.
O esvaziamento da cavidade uterina consiste na retirada dos restos
ovulares (com ocitócicos ou de modo instrumental) o mais rápido
possível e na ampla cobertura antibiótica (germes anaeróbicos,
aeróbicos, Gram positivos e Gram negativos).
O controle das situações mais graves deve ser feito em regime de
vigilância intensiva e é fundamental para o êxito da terapia. Como
alternativa a considerar sempre, a histerectomia total pode ser
necessária para o controle completo do processo infeccioso.
Quadro 10.2 - Antibióticos utilizados no abortamento infectado
Quadro 10.3 - Tratamento no abortamento
10.2 GESTAÇÃO ECTÓPICA
A gestação ectópica é definida como a implantação do ovo fecundado
(blastocisto) fora da superfície endometrial da cavidade uterina.
Dependendo do local, a gestação pode ser tubária, ovariana,
abdominal, cervical ou intersticial.
Os casos de gestação ectópica podem chegar a 1% das gestações. Ela
representa uma das principais causas de morte materna no primeiro
trimestre, correspondendo a 4 a 10% de todas as mortes maternas.
Estatisticamente, observamos a implantação no ovário (gestação
ovariana) em cerca de 0,1% dos casos, assim como na localização
peritoneal. A gestação tubária é responsável por 98,3% dos casos,
assim divididos: 79,6% ampulares, 12,3% ístmicos, 6,2% fimbriais e
1,9% intersticiais.
10.2.1 Etiologia e patogênese
Qualquer fator que dificulte ou impeça o trânsito do ovo para o útero
ou antecipe a sua capacidade de implantação (que ocorre geralmente
entre o sétimo e o oitavo dias) pode causar a gestação ectópica.
Infecções genitais originadas por C. trachomatis e N. gonorrhoeae
acarretam alterações importantes nas tubas e podem levar à
obstrução tubária, à diminuição no número e no movimento dos
cílios, à aglutinação das dobras da mucosa, com estreitamento da luz
tubária, à formação de microdivertículos e à destruição das fímbrias.
Antecedente de moléstia inflamatória pélvica aumenta o risco de
gestação tubária em 2 a 7,5 vezes em futura gestação.
Imputa-se ao dispositivo intrauterino (DIU) participação na
etiologia da gestação ectópica quando há falha do método.
Alguns autores defendem que cirurgias tubárias prévias, como
salpingotomia, reanastomose tubária, fimbrioplastia e lise de
aderências, aumentam a incidência de gestação ectópica. Após
cirurgia tubária, a probabilidade de gravidez nas tubas é de 4 a 5
vezes maior se comparada ao grupo de controle. Da mesma forma,
gravidez após falha de esterilização tubária também apresenta maior
risco de gestação ectópica.
Mulheres com antecedente pessoal têm alto risco de repetir o evento
e apresentam um risco 6 a 8 vezes maior de desenvolver nova
gestação ectópica.
A grande expansão das técnicas de fertilização assistida aumenta o
risco. Muitas pacientes submetidas a tratamentos de reprodução
assistida têm tubas doentes, cujos movimentos não são suficientes
para impulsionar o ovo em direção à cavidade endometrial. O uso de
altas doses de estrogênios e progestogênios também parece
influenciar a motilidade tubária, retardando a chegada do ovo à
cavidade uterina. Por último, submetidas a técnicas de fertilização in
vitro com transferência embrionária também apresentam maior
risco de gravidez tubária caso os embriões sejam injetados em local
muito próximo aos cornos uterinos.
Outros fatores de risco de menor relevância são falha de
contracepção de emergência com uso de progestogênios, início de
atividade sexual precoce, múltiplos parceiros sexuais, tabagismo etc.
Salpingite prévia é o principal fator de risco para
gravidez ectópica.
Quadro 10.4 - Fatores de risco relacionados

10.2.2 Fisiopatologia
A gestação ectópica primária é aquela em que a nidação se faz e
prossegue em um único sítio do aparelho genital; na secundária, o
ovo se desprende do local de implantação original e se desenvolve
em outro sítio. As principais características das formas de gestação
ectópica são as relacionadas a seguir.
10.2.2.1 Gestação ovariana

Nesse caso, a implantação poderá ser superficial (o ovo permanece


na periferia da gônada) ou profunda (a fecundação ocorre no próprio
folículo, antes da postura, ficando o ovo circundado pela gônada).
Na maioria dos casos, ocorre rotura precoce, com a passagem do ovo
fecundado para a cavidade abdominal, sucedendo hemorragia, que, na
maioria das vezes, não é grave. O ovo pode também permanecer in situ,
envolvido por um coágulo sanguíneo, ou pode ocorrer a reabsorção total
deste. A continuação da gravidez até a viabilidade fetal é um fato
extremamente raro.

10.2.2.2 Gestação intersticial

A nidação ocorre em 1 dos ângulos superiores do útero. Comumente,


a evolução é normal, exceto por algumas alterações nas primeiras 10
a 12 semanas. A implantação na zona em que as trompas se abrem na
cavidade uterina provoca deformação acentuada no corno,
exacerbando o sinal de Piskacek. Dor localizada e pequenas perdas
sanguíneas ocorrem com a distensão do ângulo uterino. Com o
desenvolvimento do feto, por volta do quarto mês, a assimetria se
desfaz. Pode haver retardo do crescimento para a cavidade uterina,
formando um divertículo cavitário; como consequência, ocorrem
abortamento e, até mesmo, rotura uterina.
10.2.2.3 Gestação cervical

A gestação cervical é a implantação do ovo no canal cervical. A


endocérvice é consumida pelo trofoblasto, e a gravidez se desenvolve
na parede fibrosa do canal cervical. Quanto mais alta e, portanto,
mais próxima da cavidade endometrial for a implantação, maiores
serão as chances de o embrião se desenvolver e causar hemorragia.
Raramente a gravidez ultrapassa 20 semanas, pois quase sempre
necessita de intervenção cirúrgica, devido ao sangramento genital.
O tratamento, no passado, consistia na histerectomia em todos os
casos. Hoje, esse procedimento cirúrgico só deve ser usado após o
fracasso da terapia medicamentosa com metotrexato ou em casos de
hemorragia genital intensa e gestação avançada.
10.2.2.4 Gestação abdominal

O ovo poderá implantar-se inicialmente na superfície serosa


peritoneal (gravidez abdominal primária), após sua expulsão da tuba
por rotura ou abortamento (mais comum) ou após o desprendimento
da superfície ovariana (gravidez abdominal secundária).
Como causas de gestação abdominal primária, podem-se citar a
migração anômala do óvulo, o defeito na captação e na aspiração do
óvulo pelo pavilhão tubário e o embargo no seu trânsito.
Na maioria dos casos de gestação abdominal, o ovo encontra-se no
fundo de saco de Douglas ou em áreas adjacentes (face anterior do
reto, fosseta ovariana, fosseta sigmoide, mesocólon, asa posterior
do ligamento largo).
É alta a incidência de malformações fetais congênitas, especialmente
pela presença inadequada e insuficiente de líquido amniótico, sendo
raríssima a evolução dessas gestações até o termo.
O tratamento conservador é extremamente controverso, e a
hospitalização é sempre indicada. Sendo a gestação abdominal
diagnosticada precocemente, é possível planejar a técnica cirúrgica,
propiciando maior segurança. A exploração do abdome deve ser
realizada com cautela; muitas vezes, a implantação e o
desenvolvimento da placenta em locais anômalos (reto, sigmoide,
bexiga) geram aderências abdominais, que devem ser desfeitas com
técnica cirúrgica adequada, de acordo com o caso. Recomenda-se
que a placenta seja removida durante o ato operatório para diminuir
risco de peritonite, abscesso, coagulação intravascular disseminada
e doença trofoblástica persistente. Em alguns casos, devido ao
grande número de aderências, não é possível remover a placenta; a
paciente deve ser mantida sob cuidados intensivos e, se necessário,
submetida a ressecção placentária posterior. Pode-se administrar,
também, metotrexato, conduta ainda controversa na literatura.
10.2.2.5 Gestação tubária

A gestação tubária representa cerca de 98 a 99% das gestações


ectópicas.
A tuba uterina apresenta os seguintes segmentos, de proximal para
distal: parte uterina (interstício), istmo, ampola, infundíbulo e
fímbrias. De acordo com o local de implantação do ovo, a nidação
pode acontecer em um desses segmentos.
Cerca de 95 a 99% das gestações tubárias são representadas pelas
ístmicas e pelas ampulares. Nesses casos, o ovo influencia todo o
sistema genital, com aumento do útero, amolecimento, embebição e
congestão, reação decidual, além de ocasionar modificações
idênticas às da gravidez normal na vagina, na vulva e nas mamas.
A tuba aumenta de volume, e o amolecimento acontece devido à
embebição gravídica. O útero pode aumentar de volume em razão do
estímulo hormonal. O tecido trofoblástico pode romper vasos e
provocar hemorragia. A morte do embrião, em geral, acontece
precocemente.
Figura 10.5 - Tuba uterina com desenvolvimento de gestação em 1 de suas porções
Figura 10.6 - Gestação ectópica tubária
Cerca de 2 meses após o início da evolução, a gestação tubária pode
terminar por rotura da tuba uterina ou abortamento. Na rotura,
ocorre intensa hemorragia interna, ao passo que, no abortamento, o
ovo cai na cavidade abdominal, provocando hemorragia discreta. A
rotura é mais provável quando o ovo está localizado no istmo, e o
abortamento é mais comum na localização ampular.
Caso não ocorra uma dessas 2 formas de término evolutivo, o
concepto geralmente morre em períodos mais adiantados.
Figura 10.7 - Localização conforme o tipo de reprodução, natural versus assistida

Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

10.2.3 Manifestações clínicas


A gestação tubária pode manifestar-se de diversas formas, com
quadro clínico que varia desde assintomático ou com leve dor
abdominal, acompanhado ou não de sangramento vaginal, até
hemorrágico grave, com instabilidade hemodinâmica.
Dor abdominal, sangramento vaginal e atraso menstrual são
considerados os principais sinais e sintomas que compõem o quadro
clínico; na maioria dos casos, não se encontra a tríade clássica
simultaneamente, porém pelo menos um deles estará presente em
todos os casos.
A dor abdominal é o sintoma mais comum, presente em quase todas
as pacientes (95 a 100% dos casos), e pode ser referida como dor
lancinante ou em cólica.
O sangramento vaginal está presente em 60 a 90% dos casos e
decorre da descamação do endométrio, em virtude da queda das
concentrações hormonais. Na maioria das vezes, o sangramento é de
pequena quantidade e acompanhado de dor abdominal.
A incidência de atraso menstrual em pacientes com gestação
ectópica varia de 75 a 95%. Outros sintomas observados incluem
náuseas, vômitos, aumento do volume e sensibilidade das mamas.
Os achados ao exame físico são variados, a depender do estado
hemodinâmico da paciente. Nos casos de rotura tubária,
frequentemente se encontram variações na pressão arterial e na
frequência cardíaca, podendo evidenciar choque hemorrágico. O
exame do abdome pode mostrar dor à palpação, localizada ou
generalizada. Outros achados abdominais dependem da integridade
da gestação tubária e podem denunciar irritação peritoneal:
distensão abdominal, descompressão brusca dolorosa e diminuição
ou ausência de ruídos hidroaéreos.
O exame ginecológico pode mostrar sangramento vaginal. O toque
vaginal pode demonstrar amolecimento uterino, com útero
frequentemente de tamanho normal. Em cerca de 50% dos casos,
uma massa anexial dolorosa de tamanho variado pode ser palpada.
Se houver sangramento para dentro da cavidade pélvica (rotura do
saco gestacional, por exemplo), este poderá levar a peritonismo
localizado ou dor difusa abdominal (peritonite). A localização mais
frequente do acúmulo de sangue intraperitoneal é o fundo de saco
posterior, podendo ser percebido ao toque (“grito de Douglas”) e
confirmado pela culdocentese.
10.2.4 Diagnóstico
A anamnese e o exame físico são capazes de diagnosticar quadros
agudos de rotura tubária, quando a paciente geralmente apresenta
dor abdominal intensa e choque hemorrágico. Por outro lado, as
gestações ectópicas iniciais apresentam quadros clínicos subagudos
e comumente necessitam de investigação mais apurada.
A dosagem de beta-HCG sérico representa um exame fundamental
para o diagnóstico de atividade do tecido trofoblástico. A
concentração sérica de beta-HCG em casos de gestação ectópica
tende a ser menor que aquela observada em gestação tópica de
mesma idade gestacional. A gestação tópica inicial tende a duplicar o
título de beta-HCG no intervalo entre 36 e 72 horas. Se, em 2
dosagens consecutivas, com intervalo de 48 horas, a elevação no
título de beta-HCG for inferior a 54%, trata-se de gestação ectópica
em 85% das vezes.
O avanço da ultrassonografia foi fundamental para o diagnóstico
precoce da gestação ectópica. As principais imagens descritas são
presença de saco gestacional extrauterino, com embrião com ou sem
batimentos cardíacos, saco gestacional extrauterino com vesícula
vitelínica, anel tubário, massa sólida ou complexa na pelve.
Figura 10.8 - Ultrassonografia: gestação ectópica e imagem de anel tubário
Legenda: Saco Gestacional (SG).

O Doppler transvaginal auxilia no diagnóstico com base na presença


de fluxo vascular de velocidade relativamente alta e resistência baixa
na imagem sugestiva de gestação ectópica. Esse padrão de fluxo não
é específico e pode ser encontrado também em tumores ovarianos,
abscessos pélvicos ou corpo lúteo.
Figura 10.9 - Doppler: saco gestacional (setas) na tuba uterina, ao lado do ovário
Legenda: Corpo Lúteo (CL).

O uso combinado da dosagem sérica de beta-HCG e da


ultrassonografia representa o padrão-ouro no diagnóstico dessa
doença. Por meio da ultrassonografia transvaginal, o saco
gestacional intrauterino deve ser visualizado sempre que o nível de
beta-HCG estiver acima de 1.500 a 2.000 mUI/mL.
A laparoscopia permite excelente exploração da pelve, possibilitando
o diagnóstico de certeza em mais de 95% dos casos. Os resultados
falsos negativos são encontrados em casos de gestações ectópicas
muito iniciais.
Figura 10.10 - Diagnóstico
Legenda: ultrassonografia transvaginal (USG TV); Gestação Ectópica (GE).
Fonte: elaborado pelo autor.

10.2.5 Tratamento
O tratamento da gestação ectópica depende, fundamentalmente, do
estado hemodinâmico da paciente, da integridade tubária e do desejo
de procriação. O tratamento pode ser cirúrgico (radical ou
conservador, por laparotomia ou laparoscopia) ou clínico
(expectante ou medicamentoso). Em situações de gestação ectópica
rota, a salpingectomia por laparotomia é o tratamento de escolha.
Havendo desejo reprodutivo em pacientes com gestação ectópica
íntegra, dá-se preferência à via laparoscópica; esse método evita
manipulações excessivas, diminuindo a chance de aderências e
maiores danos aos órgãos pélvicos. Gestações ampulares ou ístmicas
permitem tratamento cirúrgico conservador (salpingotomia,
ressecção parcial e reanastomose).
Inúmeros medicamentos têm sido propostos para o tratamento da
gestação ectópica. O metotrexato (MTX) é a droga mais utilizada no
tratamento medicamentoso da gestação ectópica íntegra. Pode ser
usado pela via intramuscular ou diretamente injetado no saco
gestacional. Os critérios para uso do MTX na gestação ectópica
incluem gestação ectópica íntegra de até 4 cm no maior diâmetro,
estabilidade hemodinâmica, desejo de procriação, beta-HCG sérico <
5.000 mUI/mL e crescente em 2 dosagens consecutivas e líquido
livre restrito à pelve.
A presença de batimentos cardíacos embrionários também
contraindica a administração de MTX. Na impossibilidade de
seguimento ambulatorial posterior adequado, o tratamento é
contraindicado. Alguns serviços preconizam MTX mesmo nos casos
de concentração de beta-HCG > 5.000 mUI/mL (títulos de até 10.000
ou 15.000 mUI/mL). Todavia, deve-se destacar que a literatura é
precisa em mostrar que, quanto maior a concentração desse
hormônio, maior a chance de fracasso terapêutico. São necessários
monitorização dos parâmetros clínicos maternos e controle seriado
de beta-HCG sérico. O hormônio deve ser dosado imediatamente
antes da administração de MTX, no quarto e no sétimo dias após o
tratamento. As pacientes com queda dos títulos de beta-HCG > 15%,
apuradas no quarto e no sétimo dias, apresentam bom prognóstico e
devem ser monitorizadas semanalmente até a negativação dos
títulos. Quando a queda for inferior a 15% no sétimo dia após o
emprego do MTX, deverá ser administrada nova dose da droga. O
critério de insucesso do tratamento baseia-se na persistência de
elevados títulos do hormônio ou na presença de sinais clínicos ou
ultrassonográficos de rotura tubária. Nessa situação, estará indicado
o tratamento cirúrgico.
Administra-se o MTX da seguinte forma:
1. Dia 1: dosagem de beta-HCG + administração de MTX;
2. Dia 4: dosagem de beta-HCG;
3. Dia 7: dosagem de beta-HCG, hemograma completo, enzimas
hepáticas e creatinina.
De acordo com protocolo da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo, o tratamento expectante pode ser realizado em casos
de gravidez tubária em regressão (dosagens de beta-HCG menores
que 5.000 UI/mL e em declínio e ausência de batimentos cardíacos
fetais à ultrassonografia), estando a paciente pouco sintomática e
com estabilidade hemodinâmica. Também é necessário o
acompanhamento ambulatorial posterior, até a negativação dos
títulos de beta-HCG. É importante ressaltar que o nível sérico de
beta-HCG limite para a realização de conduta expectante não está
bem definido, de forma que outros protocolos estabelecem
diferentes valores (até 1.000 UI/mL, por exemplo).
A realização de salpingectomia não altera o
futuro reprodutivo da paciente com gestação
tubária desde que a tuba contralateral seja
sadia.
Quadro 10.5 - Indicações e contraindicações do tratamento com metotrexato da gestação
ectópica tubária
10.3 DOENÇA TROFOBLÁSTICA
GESTACIONAL
A mola hidatiforme e o coriocarcinoma são doenças do trofoblasto,
mais especificamente das vilosidades placentárias, que, como todo o
trofoblasto, são de origem ectodérmica. As doenças trofoblásticas
gestacionais são reconhecidas há milênios como uma forma de
gravidez anormal. No entanto, ainda não está estabelecido se as
diferentes formas de apresentação, como a mola hidatiforme e o
coriocarcinoma, representam fases diferentes de uma mesma
doença ou se são entidades distintas. Nos últimos tempos, o
emprego mais adequado da quimioterapia e das demais formas de
tratamento reduziu a mortalidade, mesmo das formas metastáticas,
a níveis muito baixos. O coriocarcinoma foi, aliás, a primeira
neoplasia a ser curada pela quimioterapia, mesmo na sua forma
metastática.
10.3.1 Classificação e fisiopatologia
Os casos de doença trofoblástica podem ser divididos em diversas
categorias:
a) Mola hidatiforme, que pode ser completa ou parcial (doença
benigna);
b) Mola invasora;
c) Coriocarcinoma;
d) Tumor trofoblástico epitelioide;
e) Reação excessiva do sítio placentário;
f) Nódulo do sítio placentário;
g) Tumor de leito placentário (doenças malignas).

A mola hidatiforme é mais comum entre as mulheres orientais e as


de nível socioeconômico desfavorecido. Tem maior frequência nos
extremos da vida reprodutiva e acentua-se após os 40 anos. A
repetição do episódio de mola hidatiforme é de 20 a 40 vezes maior
em relação à população geral.
A primeira diferenciação importante é entre mola parcial e completa,
que são distintas quanto à histopatologia, aos padrões
cromossômicos e à apresentação clínica. Antes do seu
reconhecimento como entidade independente, a maior parte das
molas parciais não era reconhecida como doença trofoblástica.
A vilosidade coriônica na mola completa é difusamente hidrópica e
associada ao trofoblasto hiperplásico, com vários graus de atipia
celular. Molas completas não têm tecido fetal ou embrionário. As
molas parciais, por outro lado, são compostas de 2 populações de
vilosidades coriônicas. Enquanto alguns deles parecem normais,
outros apresentam diferentes graus de hiperplasia apenas focal.
Tecidos fetais ou embrionários são frequentemente observados
junto às molas parciais, mas esses fetos frequentemente apresentam
malformações associadas a triploidias, como sindactilia,
hidrocefalia e retardo de crescimento. Mais raramente, fetos
associados a molas parciais nascem vivos. Quando não há fetos
associados, os tecidos fetais mais encontrados são vasos com
hemácias nucleadas. Atualmente, é possível fazer o diagnóstico de
mola parcial com segurança usando apenas características
morfológicas.
Para fins prognósticos e terapêuticos, a Neoplasia Trofoblástica
Gestacional (NTG) é classificada em não metastática e metastática.
Na não metastática, o tumor está aparentemente restrito à parede
uterina. A neoplasia metastática é dividida de acordo com o potencial
de desenvolver resistência à quimioterapia:
1. Baixo risco: metástase pulmonar ou pélvica, beta-HCG sérico <
40.000 mUI/mL, tempo de evolução, desde o esvaziamento molar, <
4 meses;
2. Médio risco: metástase pulmonar ou pélvica, título de beta-HCG >
40.000 mUI/mL e evolução > 4 meses;
3. Alto risco: metástase cerebral ou hepática ou resistência prévia a
quimioterapia.
a) Mola hidatiforme de alto risco com concentração de HCG > 100.000
mUI/mL em urina de 24 horas ou > 40.000 mUI/mL no sangue, e, além
disso:
Útero grande para a idade gestacional;
Cisto ovariano > 6 cm;
Idade materna > 40 anos;
Mola de repetição;
Hipertireoidismo;
Doença hipertensiva específica da gestação com início antes de
20 semanas;
Embolização trofoblástica;
Histologia: trofoblasto compacto, infiltração linfoplasmocitária e
depósito de fibrinoide escasso ou ausente; pela classificação de
Hertig e Mansell, “potencialmente maligna”.

10.3.2 Citogenética
Uma mola completa é o produto de uma concepção na qual todo o
DNA nuclear é de origem paterna e todo o DNA citoplasmático é de
origem materna, ou seja, todos os cromossomos provêm do pai,
enquanto o DNA das mitocôndrias vem da mãe. Cerca de 90% de
todas as molas completas têm um cariótipo 46,XX, o qual provém da
fertilização de um óvulo por um espermatozoide que duplica seus
cromossomos X, enquanto os maternos são inativados ou já estavam
ausentes (Figura 10.11). Cerca de 6 a 10% das molas completas são
46,XY, e, nesse caso, há, aparentemente, a fertilização de um óvulo
vazio por 2 espermatozoides.
Figura 10.11 - Fecundação partenogenética: mola completa
Por outro lado, cerca de 90% das molas parciais têm cariótipo
triploide (69,XXX), resultado da fertilização de um óvulo normal por
2 espermatozoides. As demais molas parciais têm cariótipo 69,XXY
ou 69,XYY (Figura 10.12).
Figura 10.12 - Fecundação dispérmica: mola incompleta (parcial)

Experimentos em animais demonstraram que o conjunto de


cromossomos maternos é importante para regular o
desenvolvimento e o crescimento do embrião, enquanto os
cromossomos paternos controlam o desenvolvimento dos tecidos
extraembrionários. Por isso, quando o ovo contém 2 conjuntos de
cromossomos paternos, como acontece nas molas completas, o
embrião desenvolve-se até o estágio de 6 somitos e então degenera,
enquanto o trofoblasto se desenvolve e passa a apresentar
hiperplasia. No caso das molas parciais, a presença dos
cromossomos maternos garantiria o desenvolvimento do embrião, e
a presença dos cromossomos paternos levaria a certa proliferação
focal do trofoblasto.
O potencial de transformação maligna é de 5 a
10% na mola parcial e de 10 a 20% na mola
completa.

10.3.3 Sinais e sintomas


O sintoma mais frequentemente encontrado em pacientes com mola
completa é o sangramento, no final do primeiro ou no início do
segundo trimestre. A perda de material molar, como vesículas
eliminadas por via vaginal, que é considerada sinal patognomônico
da doença, raramente é vista na atualidade. Isso provavelmente
ocorre em razão do diagnóstico mais precoce, que atualmente é feito
antes do início da perda de vesículas.
Cerca de 30 a 50% das pacientes apresenta sinais e sintomas
decorrentes da grande proliferação trofoblástica, como altura
uterina maior do que a esperada para a idade gestacional, altos
níveis de HCG e cistos teca-luteínicos (observados à
ultrassonografia). Estes decorrem diretamente dos altos níveis de
HCG, que causam hiperestimulação ovariana. Os cistos teca-
luteínicos se desenvolvem, geralmente, logo após o esvaziamento da
mola e regridem espontaneamente 2 ou 3 meses depois da
normalização dos níveis das gonadotrofinas.
Figura 10.13 - Cistos teca-luteínicos identificados à ultrassonografia
Fonte: Coriocarcinoma: Relato de caso e revisão da literatura, 2010.

Um grupo menor de pacientes com marcada proliferação


trofoblástica é predisposto a algumas complicações clínicas, como
doença hipertensiva específica da gestação, hipertireoidismo,
insuficiência respiratória e hiperêmese gravídica. A hiperfunção
tireoidiana, complicação bastante comum nos casos de doença
molar, decorre da ação direta do HCG sobre a tireoide. A insuficiência
respiratória pode ter várias etiologias: embolização por tecido
trofoblástico, hipertireoidismo; ou pode corresponder ao quadro de
pulmão de choque em razão da reposição rápida de líquidos. A
incidência dessas complicações tem decrescido, pois o diagnóstico é
feito mais precocemente e, portanto, com menor volume molar.
As pacientes com mola parcial, ao contrário, não apresentam esses
quadros clínicos, e são poucas as que apresentam crescimento
uterino excessivo. Os níveis de gonadotrofinas são também
substancialmente mais baixos, raramente excedendo níveis de
100.000 mUI/mL.
Deve-se lembrar que certo número de pacientes com mola
hidatiforme fica sem o diagnóstico, geralmente por falta de análise
histológica do material molar. Parte dessas pacientes, como sucede
com as outras portadoras de mola hidatiforme, evoluirá para formas
persistentes. Sua queixa, usualmente, é de sangramento uterino
anormal, com frequência atribuída inicialmente à hemorragia
uterina disfuncional ou a outra causa, atrasando o tratamento, com
piora do prognóstico. Apesar disso, mais raramente, pode ocorrer
situação semelhante após gestações aparentemente normais, que
chegam ao final do terceiro trimestre ou ao termo. Parte desses casos
é completamente assintomática durante a gestação. Em alguns
deles, ocorre o nascimento de feto vivo e normal, iniciando-se a
sintomatologia decorrente da presença de mola invasora de 20 a 60
dias após o parto.
Na mola invasora (corioadenoma destruens), há grandes cavitações
hemorrágicas no miométrio, com possível invasão de toda a
espessura da parede uterina e consequente rotura. Nessas situações,
de extrema gravidade, o quadro clínico é de instabilidade
hemodinâmica e choque.
10.3.4 Exames complementares
A mola completa produz um padrão ultrassonográfico característico,
que consiste em imagens decorrentes da presença das vesículas
coriônicas. No entanto, a ultrassonografia pode não ser capaz de
identificar as imagens características da mola completa no primeiro
trimestre.
Figura 10.14 - Material proveniente de aspiração intrauterina de gestação molar
Figura 10.15 - Imagem ultrassonográfica sugestiva de mola hidatiforme

Quanto à mola parcial, têm sido descritos alguns padrões sugestivos


da sua presença, especialmente alterações no formato do saco
gestacional, sugestivas de triploidia. Outros achados sugestivos da
presença de mola são o espessamento da placenta (associado à
presença de áreas anecoicas) e a ausência de incisura no exame de
Doppler da artéria uterina.
Um problema de difícil solução é o diagnóstico de mola completa ou
parcial, coexistindo com gestação avançada com feto vivo. O
diagnóstico da presença concomitante pode, ainda, ser mais
dificultado pela ausência de hemorragia genital e pela presença de
feto vivo.
Quadro 10.6 - Diferenças entre molas parcial e total
10.3.5 Tratamento
O tratamento da mola hidatiforme compreende esvaziamento molar
e seguimento clínico. A NTG requer quimioterapia e/ou cirurgia.
Para a realização do esvaziamento molar, a paciente é avaliada
inicialmente quanto ao grau de sangramento genital, às condições
hemodinâmicas e à eventual associação a toxemia gravídica. Na
escolha do método para o esvaziamento molar, são considerados o
volume uterino, a idade da paciente, a paridade e o desejo de
engravidar no futuro.
De maneira geral, realizam-se dilatação cervical com velas de Hegar
e esvaziamento uterino por vacuoaspiração; o último reduz os riscos
de perfuração uterina em comparação à curetagem uterina
convencional, sobretudo quando a altura uterina é maior que 20 cm.
A histerectomia profilática está indicada a pacientes multíparas ou
com mais de 38 anos. Os ovários com cistos teca-luteínicos devem
ser preservados. Não há indicação de quimioterapia profilática.
Após o esvaziamento molar, a paciente deve ser seguida
semanalmente no primeiro mês, quinzenalmente nos 3 meses
subsequentes e, a seguir, mensalmente, até completar 1 ano. São
controlados, nas consultas, sangramento genital, involução uterina
e queda dos títulos de beta-HCG (tendem a ficar com títulos
indetectáveis após 12 a 15 semanas). A paciente não deve engravidar
no período de 1 ano (orientar anticoncepção).
Pacientes com NTG devem ser tratadas com quimioterapia e/ou
cirurgia, se houver hemorragia genital persistente após
esvaziamento molar e presença de imagem de infiltração
miometrial, ascensão nos títulos de beta-HCG em 2 dosagens
consecutivas, beta-HCG detectável e sem tendência de queda até 6
meses do seguimento, diagnóstico histológico de coriocarcinoma,
mola invasora ou tumor de sítio placentário em qualquer local
(incluindo metástases).
Na mola invasora (não metastática), recomenda-se quimioterapia
nas nulíparas e histerectomia nas multíparas. A histerectomia total é
suficiente para remissão completa na mola invasora não
metastática; nos casos de coriocarcinoma, é necessário o emprego de
tratamento adjuvante (cirurgia e quimioterapia).
Os quimioterápicos mais utilizados são o MTX, a actinomicina D, o
etoposídeo e os derivados da platina.
O prognóstico da NTG de baixo risco, mesmo com a presença de
metástases, é muito bom; as chances de cura são grandes (cerca de
90% de remissão). Nas doenças metastáticas de alto risco, a
histerectomia é realizada quando o tumor uterino é superior a 6 cm
ou ele se tornará resistente à quimioterapia.
Quadro 10.7 - Neoplasia trofoblástica gestacional de baixo risco
Quadro 10.8 - Neoplasia trofoblástica gestacional de alto risco
Nota: esquema composto por etoposídeo, metotrexato, actinomicina D, ciclofosfamida e
vincristina, denominado EMA-CO.
Quais são os critérios para
realização de tratamento
medicamentoso com
metotrexato nos casos de
gestação tubária?
Os critérios para o tratamento são: gestação ectópica
íntegra de até 4 cm no maior diâmetro, estabilidade
hemodinâmica, desejo de procriação, beta-HCG sérico ≤
5.000 mUI/mL e crescente em 2 dosagens consecutivas (24
a 48 horas), líquido livre limitado à pelve, normalidade de
hemograma completo, creatinina e enzimas hepáticas,
autorização por escrito após esclarecimento de riscos e
benefícios do tratamento e ausência de batimentos
cardíacos fetais.
Como é feito o diagnóstico
diferencial entre
descolamento prematuro
da placenta e placenta
prévia?

11.1 INTRODUÇÃO
As síndromes hemorrágicas da segunda metade da gestação
constituem diagnósticos frequentes em Obstetrícia. São uma das
principais causas de internação de gestantes no período anteparto,
com importante aumento da morbimortalidade materna e perinatal,
assim como de cesáreas. A morbimortalidade perinatal está
relacionada aos altos índices de prematuridade associados a esses
casos.
Várias são as possíveis causas de sangramento. Entre as obstétricas,
as mais importantes são o Descolamento Prematuro de Placenta
(DPP) e a Placenta Prévia (PP), que correspondem a até 50% dos
diagnósticos. Entre as causas não obstétricas, podem ocorrer
sangramento proveniente do colo de útero durante o trabalho de
parto, cervicites, pólipo endocervical, câncer do colo uterino e
trauma vaginal. Os prognósticos materno e fetal vão depender do
diagnóstico correto da causa de sangramento e da conduta adequada
com base nesse diagnóstico.
11.2 DESCOLAMENTO PREMATURO DE
PLACENTA
11.2.1 Conceito
Define-se DPP como a separação abrupta da placenta normalmente
inserida em gestação acima de 20 semanas e antes da expulsão do
feto. Quando a placenta está inserida no segmento inferior do útero
(PP), também se observa hemorragia genital, porém com
abordagens clínica e obstétrica diferenciadas (essa situação não é
chamada de DPP).
11.2.2 Incidência
Não há uniformidade na literatura médica internacional no que diz
respeito à incidência de DPP, uma vez que este varia em razão de
inúmeras causas. De maneira geral, o DPP ocorre em 0,2 a 1% das
gestações que ultrapassam a vigésima semana e representa mais de
30% das hemorragias do terceiro trimestre de gestação. Na Clínica
Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP), a incidência é de 0,6% e, no Hospital São Paulo da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), da ordem de 1:130
partos. Em aproximadamente 50% dos casos, o DPP ocorre no
período anteparto e, em 40% das vezes, no período de dilatação. Em
apenas 10% dos casos, foi observada essa intercorrência no período
expulsivo do parto.
11.2.3 Etiologia
As causas do DPP podem ser divididas em 2 grupos: traumáticas e
não traumáticas.
Os fatores traumáticos, embora raramente estejam associados ao
DPP (cerca de 1% dos casos), podem decorrer de manobras e
procedimentos obstétricos (versão externa, por exemplo) ou de
pressão exercida diretamente sobre o útero, como verificado em
acidentes automobilísticos, ou, ainda, de agressão física.
Sem dúvida, as causas não traumáticas são as maiores responsáveis
pelo DPP. As síndromes hipertensivas (hipertensão arterial crônica e
doença hipertensiva específica da gestação) representam o fator
etiológico mais importante, presentes em até 75% das vezes.
As causas não traumáticas são as principais
motivadoras de DPP, especialmente as
síndromes hipertensivas.

1. Fatores de risco:
a) Hipertensão;
b) Amniorrexis prematura;
c) Trombofilias hereditárias;
d) Uso de cocaína;
e) Trauma;
f) Tabagismo;
g) DPP em gestação anterior;
h) Multiparidade;
i) Gestação múltipla;
j) Rápida descompressão uterina;
k) Leiomioma uterino;
l) Anomalias uterinas ou placentárias.

11.2.4 Fisiopatologia
A hemorragia decidual inicia o DPP; um hematoma retroplacentário
começa a se formar e cria uma erosão na superfície placentária. Tal
processo aumenta a área de descolamento, provocando maior
extravasamento sanguíneo e aumentando o volume do coágulo,
fechando o círculo vicioso que caracteriza a progressão e a
irreversibilidade do DPP. Quanto maior a área placentária descolada,
maior a mortalidade fetal.
A hemorragia vaginal ocorre quando o sangue separa o espaço entre
as membranas e a decídua. Em alguns casos (20%), ocorre a
formação de coágulo restrito ao espaço retroplacentário, sem
sangramento vaginal.
A hipertonia uterina acontece pela ação irritativa ocasionada pelo
contato do sangue com a fibra muscular uterina. Com a evolução do
processo, pode-se observar intensa infiltração sanguínea no
miométrio, que passa a apresentar desorganização de sua
arquitetura histológica e necrose isquêmica. Macroscopicamente, o
útero apresenta-se edemaciado, arroxeado e com sufusões
hemorrágicas (útero de Couvelaire – Figura 11.1). O útero torna-se
hipotônico, com predisposição a maiores perdas sanguíneas.
Figura 11.1 - Útero de Couvelaire
Fonte: adaptado de Útero de Couvelaire: relato de caso, 2014.

O sofrimento fetal decorrente do DPP é tipicamente grave e precoce.


Pela perda rápida e progressiva da superfície de trocas, há o
comprometimento da troca de gases; a anemia aguda materna
consequente à hemorragia e a dificuldade da chegada de sangue aos
espaços intervilosos durante a hipertonia uterina também
contribuem para a hipóxia fetal.
Em especial nos casos de DPP com formação de coágulo
retroplacentário, pode ocorrer algum grau de distúrbio da
coagulação sanguínea. A tromboplastina, resultante da lesão tecidual
consequente ao descolamento, desencadeia a sequência de eventos
que resulta na formação do coágulo. A passagem da tromboplastina
para a circulação materna, que conduz a um estado de
hipercoagulabilidade, pode causar coagulação intravascular
disseminada (CIVD), complicação em 10 a 20% dos casos de DPP.
A coagulação intravascular exalta, ainda, o sistema fibrinolítico,
deteriorando ainda mais a hemostasia.
Para a formação do coágulo retroplacentário, há o consumo dos
fatores de coagulação, podendo gerar coagulopatia de consumo.
Esses 3 fenômenos – CIVD, fibrinólise e formação do coágulo
retroplacentário – estão imbricados e podem ocorrer
simultaneamente e em diversos graus de intensidade, constituindo
um dos aspectos mais graves do DPP.
O sangramento genital maciço e o choque hipovolêmico que
comumente acompanham os quadros de DPP podem causar necrose
hipofisária (síndrome de Sheehan), levando a quadros de
amenorreia, hipotireoidismo e outros distúrbios endócrinos.
Frequentemente, ocorre sofrimento fetal agudo
no DPP, não relacionado com a quantidade de
hemorragia genital.

Figura 11.2 - Fisiopatologia miometrial


Fonte: elaborado pelo autor.

11.2.5 Diagnóstico
O diagnóstico é basicamente clínico e pode ser auxiliado pela
ultrassonografia em pequena parte dos casos. Em algumas ocasiões,
é retrospectivo, feito após o parto, quando se observa o coágulo
retroplacentário. O descolamento da placenta pode ser parcial ou
total e é classificado em 3 graus, levando em conta os achados
clínicos e laboratoriais, de acordo com a classificação de Sher:
1. Grau 1: sangramento genital discreto sem hipertonia uterina
significativa; vitalidade fetal preservada; sem repercussões
hemodinâmicas e coagulopatia; geralmente diagnosticado no pós-parto
com identificação do coágulo retroplacentário;
2. Grau 2: sangramento genital moderado e contrações tetânicas;
presença de taquicardia materna e alterações posturais da pressão
arterial; alterações iniciais da coagulação com queda dos níveis de
fibrinogênio; batimentos cardíacos fetais presentes, porém com sinais
de comprometimento de vitalidade;
3. Grau 3: sangramento genital importante com hipertonia uterina;
hipotensão arterial materna e óbito fetal:
a) Grau 3A: sem coagulopatia instalada;
b) Grau 3B: com coagulopatia instalada.

Entretanto, a paciente com DPP raramente é assintomática.


Frequentemente são referidos dor súbita e intensa no baixo-ventre,
sangramento vaginal e parada de movimentos fetais.
No exame físico, podem-se observar hipertensão arterial, pré-
choque ou choque hipovolêmico (desproporcionais ao sangramento
visualizado), sinais indiretos de CIVD, como petéquias, equimoses
ou hematomas; no exame físico obstétrico, observam-se
sangramento genital, aumento progressivo da altura uterina (pela
formação de hematoma retroplacentário), palpação uterina que
revela grande tensão da parede ou consistência lenhosa permanente
(tetania) e aumento do tônus uterino, dificuldade na palpação de
partes fetais, ausculta fetal difícil ou ausente e bolsa das águas tensa
ao toque. Cerca de 20% dos casos cursam com “hemorragia oculta”,
o que justificaria o sangramento vaginal não ser visível no momento
do exame.
A ultrassonografia é capaz de identificar a localização da placenta e
possibilitar o diagnóstico diferencial com a PP. O coágulo
retroplacentário é visualizado apenas em 25% dos casos de DPP.
Outras imagens que podem sugeri-lo são aumento localizado da
espessura placentária, elevação da placa coriônica e imagens
compatíveis com coágulos no estômago fetal.
Exames laboratoriais são pouco úteis no diagnóstico, por serem
pouco sensíveis e nada específicos para os casos de DPP.
1. Manifestações de sangramento:
a) Hemorragia exteriorizada;
b) Hemoâmnio;
c) Sangramento retroplacentário.

Quadro 11.1 - Exame físico

Figura 11.3 - Descolamento prematuro de placenta com hemorragia externa


Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

Figura 11.4 - Descolamento prematuro de placenta com hemorragia oculta


Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

11.2.6 Conduta
O tratamento dependerá do grau do descolamento (1, 2 ou 3 –
classificação de Sher), que se reflete no estado hemodinâmico
materno e na vitalidade fetal.
No grau 1, o diagnóstico geralmente é feito no pós-parto, portanto
sem repercussões maternas ou fetais. No grau 2, o parto vaginal é
possível se iminente, desde que a vitalidade fetal esteja preservada e
não haja comprometimento hemodinâmico materno. O trabalho de
parto deve estar em progresso avançado. A amniotomia deve ser
realizada assim que possível, pois reduzirá a pressão intrauterina
com a saída do líquido amniótico, diminuindo tanto o sangramento
do leito placentário quanto a passagem para a circulação materna de
tromboplastina. Deve ser monitorizado o estado hemodinâmico
materno, com manutenção adequada de reposição volêmica e de
sangue, se necessário. O débito urinário deve ser monitorizado e
mantido em 30 mL/h, e o hematócrito, mantido acima de 30%. Se a
evolução do trabalho de parto não for rápida e favorável, e se houver
instabilidade materna ou sofrimento fetal, a cesárea deverá ser
realizada imediatamente.
Em caso de feto morto (grau 3), o parto vaginal é aconselhável.
Devem-se adotar os mesmos cuidados de monitorização materna do
ponto de vista hemodinâmico e do estado de coagulação. Apesar da
hipertonia uterina, em alguns casos de DPP maciço o útero pode se
tornar hipotônico, sendo necessário o uso de ocitocina. Realizada a
cesárea, onde houver possibilidade, deverão ser feitas transfusão de
concentrado de hemácias e reposição de plaquetas e plasma fresco
congelado.
O esvaziamento da cavidade uterina, com a maior brevidade
possível, tem base em 2 princípios: prevenção da coagulopatia e da
perda sanguínea em grande quantidade e proteção do concepto,
comumente em sofrimento agudo.
É importante salientar a necessidade do controle clínico materno.
Devem ser colhidos os seguintes exames: hemograma completo,
coagulograma, contagem de plaquetas, dosagem de fibrinogênio e
dosagem dos produtos de degradação do fibrinogênio.
Histerectomia é medida de exceção, apenas justificada nos casos de
atonia uterina que não respondem aos métodos usualmente
empregados: massagem, infusão intravenosa de ocitocina,
administração de derivados do ergot e manutenção de diurese
satisfatória. A diurese elimina os produtos de degradação do
fibrinogênio e da fibrina, um dos responsáveis pela hipotonia
uterina.
A paciente deve ser rigorosamente observada no puerpério imediato,
com atenção especial à possibilidade de distúrbios de coagulação.
Figura 11.5 - Tipos de descolamento prematuro de placenta

Legenda: (A) descolamento pré-placentário ou subamniótico; (B) marginal ou subcoriônico;


(C) retroplacentário.
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Figura 11.6 - Condutas no descolamento prematuro de placenta, de acordo com a
classificação de Sher

Fonte: Gestação de alto risco, 2012.

11.3 PLACENTA PRÉVIA


11.3.1 Conceito e incidência
A PP é aquela que se insere parcial ou totalmente no segmento
inferior do útero após a vigésima oitava semana de gestação. É uma
doença de incidência pouco variável, com referências que vão de 0,35
a 0,46% das gestações. Quando, por meio de ultrassonografia, se
observa placenta no segmento inferior do útero antes da vigésima
sexta semana de gestação, diz-se que há inserção baixa de placenta,
que é um evento transitório, pois, na maior parte das vezes, ocorre
um fenômeno chamado “migração” placentária, de tal forma que a
placenta passa a estar no corpo uterino durante o terceiro trimestre.
11.3.2 Classificação
De acordo com o Ministério da Saúde, a PP pode ser classificada
como:
1 Baixa: está localizada próxima ao colo do útero, sem atingi-lo;
2. Marginal: atinge o orifício interno do colo do útero, sem recobri-
lo;
3. Completa ou centrototal: recobre totalmente o orifício interno do
colo do útero.
Outra classificação comumente encontrada é a apresentada na
Figura 11.7.
1. Placenta centrototal: oclui totalmente o orifício interno do colo
uterino;
2. Placenta centroparcial: recobre parcialmente o orifício interno do
colo uterino;
3. Placenta marginal: atinge a borda do orifício interno do colo
uterino;
4. Placenta lateral: atinge o segmento inferior, porém distal, até
cerca de 7 cm do orifício interno do colo uterino.
Figura 11.7 - Modalidades anatômicas
Legenda: (A) centrototal; (B) centroparcial; (C) marginal; (D) lateral.

11.3.3 Etiologia
A etiologia pode ser dividida em primitiva ou secundária.
A etiologia primitiva pode ser decorrente da imaturidade do ovo ou
de condições inapropriadas do terreno. Na imaturidade, o ovo atinge
a cavidade uterina sem desenvolver totalmente o seu potencial de
implantação; alterações inflamatórias, infecciosas ou atróficas
podem alterar a decídua, gerando leito placentário impróprio para a
nidação.
Secundariamente, pode ocorrer implantação placentária no
segmento inferior, por crescimento placentário inusitado em termos
de superfície; nessa situação, ocorre inversão das vilosidades coriais,
com involução e regressão das vilosidades contíguas da decídua
basal e crescimento das vilosidades do lado da decídua reflexa.
1. Fatores predisponentes:
a) Idade materna avançada;
b) Cesárea em gestação anterior;
c) Multiparidade;
d) Outras cicatrizes uterinas (miomectomia);
e) Curetagens uterinas de repetição;
f) Endometrite;
g) Miomatose uterina;
h) Gemelaridade;
i) Antecedente de inserção baixa de placenta;
j) Tabagismo.

11.3.4 Quadro clínico


Frequentemente, a PP apresenta-se como hemorragia genital sem
causa aparente, indolor, de coloração vermelho-viva, com início e
cessar súbitos em episódios que se repetem e se agravam. A
associação a acretismo placentário é usualmente encontrada: de 1 a
5% dos casos de PP estão associados ao acretismo placentário.
Formas mais graves, como placentas increta e percreta, são
possíveis.
O acretismo placentário é mais bem visualizado
por meio da ressonância nuclear magnética.
As apresentações anômalas também são frequentes, com aumento
da incidência de apresentações pélvicas (até 12%) e córmicas. Os
defeitos na coagulação são observados com menor frequência do que
no DPP. Outras complicações possíveis são anemia materna, choque
hipovolêmico, trabalho de parto prematuro, sofrimento fetal e óbito
fetal intrauterino, a depender da intensidade do sangramento
genital.
A PP apresenta-se como hemorragia genital
sem causa aparente, indolor, de coloração
vermelho-viva, com início e interrupção súbitos
em episódios que se repetem e se agravam.

11.3.5 Diagnóstico
A sintomatologia é bastante sugestiva: sangramento genital indolor
após a vigésima semana de gestação, algumas vezes volumoso,
frequentemente sem repercussão fetal. A hipótese diagnóstica será
mais consistente se for observada apresentação anômala e/ou
persistentemente alta imóvel.
Ao exame físico, a ausculta fetal revela feto em boas condições. O
exame especular é tempo obrigatório, revelando a origem do
sangramento; o toque vaginal, para o diagnóstico ou a confirmação
de PP, pode causar intensa hemorragia; deve ser feito com cuidado e
em ambiente onde possa ser praticada intervenção de emergência.
O exame subsidiário mais importante para o diagnóstico de PP é a
ultrassonografia obstétrica, que mostra placenta com implantação
segmentar e a sua relação com o orifício interno do colo. A
ressonância magnética, embora seja muito precisa, é pouco utilizada
em razão do alto custo.
11.3.6 Diagnóstico diferencial
a) DPP;
b) Rotura uterina;
c) Rotura de Vasa Prévia (VP);
d) Rotura do seio marginal;
e) Lesões cervicais: tumorações, inflamações, pólipos;
f) Lesões na vagina ou vulva.

11.3.7 Conduta
Em gestações abaixo de 37 semanas, deve-se internar a gestante
sintomática na tentativa de controlar o sangramento. Nesse período,
deve ser feito controle dos sinais vitais maternos e da vitalidade
fetal. É importante a corticoterapia visando ao amadurecimento
pulmonar fetal em gestações com idade gestacional entre 26 e 34
semanas. A gestação deverá ser interrompida quando atingir o termo
ou na impossibilidade de controle da hemorragia materna.
Em gestações a termo, a maioria dos casos de PP deve ser resolvida
por cesárea. Quando a PP for completa, o parto deverá ser
obrigatoriamente cesárea, inclusive nos casos de feto morto.
Deve-se ter cuidado especial quando a placenta tem inserção na
parede anterior do útero. Em alguns casos selecionados de placenta
lateral ou marginal, pode-se permitir o parto vaginal, desde que se
faça um controle rigoroso do sangramento genital e da rotura
precoce das membranas ovulares.
Devido à deficiência do miotamponamento do segmento inferior,
pode ocorrer sangramento após a dequitação. Orienta-se usar
ocitócicos e tamponamento local com compressas cirúrgicas; a
ligadura das artérias hipogástricas, sua embolização ou até mesmo
histerectomia são medidas de exceção. De todo modo, é prudente a
programação cirúrgica prévia, com reserva de hemocomponentes e
realização do procedimento por equipe treinada, composta por
obstetras experientes.
Caso a placenta se apresente anormalmente inserida, não se
desprendendo com a dequitação espontânea, será importante fazer
uma avaliação rápida do tipo de acretismo placentário. Na mesma
placenta, pode haver vários tipos de penetração no miométrio. Se a
placenta apresentar grande área de incretismo ou percretismo, a
extração manual poderá apenas fragmentar a placenta, aumentando
a área de sangramento.
Quadro 11.2 - Classificação dos graus de acretismo placentário

Feito o diagnóstico de incretismo ou percretismo placentário, não se


deve tentar retirar a placenta à força. Para tratar o acretismo
placentário, são fundamentais conhecimento cirúrgico e suporte
hemoterápico efetivo. A falta de uma dessas condições obriga o
médico a solicitar auxílio de outro serviço ou de outro profissional
médico para conduzir o caso. Se não houver sangramento abundante
e o útero estiver contraído, poderá ser realizada histerorrafia, e a
paciente, encaminhada a um hospital com maiores recursos
hemoterápicos e cirúrgicos.
A histerectomia é o tratamento-padrão nos casos de incretismo ou
percretismo placentário. Excepcionalmente, se a área de invasão for
pequena e houver desejo de preservar o útero, poderão ser feitas
ressecção da porção uterina acometida e sutura uterina posterior.
Como a placenta geralmente está localizada no segmento inferior do
útero (PP), torna-se necessária a histerectomia total, com aumento
do risco de ligadura de ureter. Se, após a histerectomia, persistir o
sangramento genital, serão importantes a avaliação da ocorrência de
CIVD, sangramento de ligaduras ou de cúpula vaginal etc.
A ligadura de artéria ilíaca interna (hipogástrica) deve ser
considerada, podendo resolver o quadro hemorrágico.
Havendo percretismo, pode ocorrer invasão de órgãos vizinhos,
principalmente da bexiga e do reto. Se o percretismo for focal, será
possível retirar o útero e ligar o ponto de invasão. Se houver invasão
total, as decisões cirúrgicas deverão ser rápidas e prudentes, muitas
vezes com necessidade da presença do urologista ou do cirurgião
geral. A demora na decisão para a histerectomia ou ressecção parcial
ou total de órgão invadido pela placenta pode ser fatal, agregando
complicações que podem acarretar aumento significativo da
morbimortalidade materna.
Nos casos de óbito fetal, a cesárea estará indicada quando a placenta
estiver em contato com o orifício interno do colo (centrototal,
centroparcial). Os demais casos deverão ser avaliados
individualmente, considerando a idade gestacional, o número de
cesáreas anteriores, a presença de hemorragia genital etc.
De acordo com o American College of Obstetricians and
Gynecologysts (ACOG), em casos de gestações com PP sem
complicações, o nascimento deve ocorrer entre 36 e 37 semanas de
idade gestacional. Gestantes Rh negativo não sensibilizadas
(Coombs indireto negativo) que apresentem sangramentos vaginais
devem receber imunoglobulina anti-D.
Quadro 11.3 - Diagnóstico diferencial
11.4 ROTURA UTERINA
A rotura uterina é uma complicação grave da gestação que pode
ocorrer durante a gravidez ou o trabalho de parto. A boa qualidade da
assistência pré-natal e do atendimento durante o trabalho de parto
pode diminuir a sua incidência.
A rotura pode ser classificada em parcial, quando preserva a serosa
uterina, ou total, quando se rompe a parede uterina incluindo a
serosa.
A rotura uterina durante a gestação é uma intercorrência rara e pode
advir espontaneamente ou após trauma abdominal. O
enfraquecimento da parede uterina pela presença de cicatrizes de
cesáreas predispõe a sua ocorrência. Outros fatores que podem
facilitá-la são cicatriz de miomectomia, endometriose, adenomiose,
áreas de degeneração ou necrose, ou, ainda, região onde houve
acretismo placentário em gestações prévias.
A maioria dos casos acontece durante o trabalho de parto. Além dos
fatores predisponentes, devem ser lembrados os relacionados ao
parto obstruído ou bloqueado: desproporção cefalopélvica,
macrossomia fetal, gemelaridade, apresentações anômalas, tumores
prévios ou malformações uterinas. O uso inadvertido de ocitócicos
pode ocasionar taquissistolia e hipersistolia, predispondo, também,
à rotura do segmento inferior do útero.
Clinicamente, a rotura uterina durante o trabalho de parto
apresenta-se em 2 momentos bem distintos.
Na iminência da rotura uterina, a paciente, geralmente ansiosa e
agitada, com contrações uterinas muito fortes e dolorosas,
apresenta, à palpação, anel de constrição separando o corpo uterino
do segmento inferior (sinal de Bandl). Os ligamentos redondos estão
desviados para a face ventral do útero e podem ser palpados,
apresentando-se excessivamente retesados e distendidos (sinal de
Frommel).
Não havendo intervenção médica imediata, segue-se a rotura, em
geral, acompanhada de quadro clínico grave. No momento da rotura,
a mulher frequentemente relata dor súbita, de forte intensidade, na
região do baixo-ventre. O trabalho de parto é imediatamente
interrompido, e partes fetais podem ser palpadas no abdome da mãe.
A hemorragia genital pode ser discreta ou grave, podendo sobrevir
choque hipovolêmico. Ao toque vaginal, a subida da apresentação é o
sinal mais importante; os batimentos cardíacos fetais
frequentemente são inaudíveis (óbito fetal). A palpação abdominal
permite perceber a crepitação produzida pela passagem de ar para o
peritônio e o tecido subcutâneo da parede abdominal através da
vagina e da brecha uterina (sinal de Clark).
As roturas traumáticas e as espontâneas são consideravelmente
mais perigosas para o binômio mãe-feto.
O prognóstico fetal é muito grave, e a mortalidade perinatal pode
chegar a 58%. Nas situações de deiscência de cicatriz de cesárea, o
prognóstico é mais favorável.
Figura 11.8 - Histerectomia puerperal após rotura uterina durante trabalho de parto
O prognóstico materno melhorou nos últimos tempos. As principais
complicações são choque hipovolêmico e infecções. A vida da
paciente depende da rapidez e da eficiência com que se corrige a
hipovolemia e se controla a hemorragia. Após a ocorrência da rotura,
deve ser realizada laparotomia imediata. A conduta cirúrgica pode
variar de uma simples rafia uterina até a histerectomia, dependendo
da extensão da lesão, do estado clínico da paciente e de sua paridade.
A principal conduta é a profilaxia. Deve haver vigilância de todas as
pacientes em trabalho de parto, especialmente daquelas que
apresentam vícios pélvicos, fetos macrossômicos, apresentações
anômalas, tumores prévios, multiparidade, cicatrizes de cesáreas ou
de miomectomias. A melhor maneira de evitar a rotura uterina
durante o trabalho de parto é o diagnóstico rápido da distensão do
segmento inferior do útero. O uso de uterolíticos, por sua vez, pode
controlar as contrações uterinas quando necessário.
11.5 ROTURA DE VASA PRÉVIA
Define-se rotura de VP a anomalia de inserção do funículo umbilical
na placenta, na qual os vasos umbilicais cruzam o segmento inferior
uterino, colocando-se à frente da apresentação fetal (Figuras 11.9 e
11.10). Na maioria das vezes, a presença de VP coexiste com inserção
velamentosa do funículo umbilical, situação na qual a geleia de
Wharton termina a distâncias variáveis da superfície placentária,
fazendo os vasos umbilicais se situarem entre o âmnio e o cório,
podendo haver ou não vasos.
Figura 11.9 - Rotura de vasa prévia
Fonte: Vasa Praevia; a Preventable Tragedy, 2008.

Trata-se de uma situação rara, com incidência aproximada de 1 a


cada 2.500 partos, associada à alta taxa de mortalidade fetal,
variando de 50 a 60% com membranas íntegras (pela compressão
dos vasos) e de 70 a 100% após a rotura das membranas (por
hemorragia fetal). Calcula-se a volemia de um feto a termo ser cerca
de 250 mL. Portanto, a perda de pequena quantidade de sangue fetal
pode levá-lo a choque hemorrágico e óbito.
Figura 11.10 - Vasa prévia: vasos umbilicais que cruzam o orifício interno do colo uterino
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

Não existe risco materno, a não ser nos casos de DPP.


#IMPORTANTE
As VPs estão comumente associadas a lobo
placentário acessório, inserção velamentosa de
cordão, PP prévia, placenta sucenturiada,
gestações múltiplas e banda amniótica.
O diagnóstico de VP é costumeiramente negligenciado, em função da
raridade dessa alteração dos vasos umbilicais, da grande dificuldade
diagnóstica e da escassez de tempo entre a suspeita diagnóstica e a
intervenção médica, que deve ser imediata. Eventualmente, pode-se
sentir um vaso fetal ao toque vaginal, sob a forma de estrutura
tubular, revestido pelas membranas, pulsátil, em consonância com
os batimentos cardíacos fetais. A compressão discreta desse vaso
poderá provocar modificações imediatas na frequência cardíaca
fetal. O sangramento vaginal (de origem fetal) nem sempre está
presente. Em muitas situações, a rotura das VPs e o consequente
sangramento vaginal podem acontecer muitas horas após a rotura
das membranas, ou seja, à medida que evolui a dilatação cervical.
Nesses casos, ocorre aumento do diâmetro da rotura das
membranas, o que englobará um vaso fetal em determinado
momento, causando sua consequente rotura.
Antes do desenvolvimento da ultrassonografia obstétrica, o
diagnóstico de VP era esporádico e casual. Nos dias atuais, o exame
ultrassonográfico transabdominal, o exame transvaginal e o Doppler
colorido, realizados no termo da gestação, podem ser importantes
no diagnóstico. O aspecto ultrassonográfico é de imagens lineares
ecogênicas ou hipoecogênicas que atravessam o orifício interno do
colo e que, ao Doppler colorido, apresentam fluxo (Figura 11.11).
Figura 11.11 - Ultrassonografia com Doppler: vaso umbilical (setas amarelas) que cruza o
orifício interno do colo (seta branca)
O diagnóstico diferencial de VP deve ser feito com DPP, PP e, mais
raramente, rotura uterina e rotura do seio marginal placentário.
Feito o diagnóstico de certeza de VP, a melhor conduta é aguardar a
maturidade fetal e submeter a gestante a cesárea eletiva. Quando o
diagnóstico ocorre após a rotura desses vasos, trata-se de
emergência obstétrica, e a cesárea de urgência é um procedimento
requerido.
11.6 ROTURA DO SEIO MARGINAL
O seio marginal da placenta é formado pela borda periférica do corpo
placentário (espaço interviloso) que circunda toda a placenta,
coletando sangue venoso materno. Segundo alguns autores, a rotura
do seio marginal é a causa mais comum de hemorragia do terceiro
trimestre.
O quadro clínico se assemelha ao da PP, apenas com sinais e
sintomas mais pobres, além de ser diagnóstico de exclusão. A
abordagem terapêutica também é semelhante à da PP. É importante
destacar que, nos casos de rotura do seio marginal, pode haver
evolução do quadro para DPP.
Figura 11.12 - Decisões para o diagnóstico de sangramento na segunda metade da
gestação
Legenda: ultrassonografia (USG); Batimento Cardíaco Fetal (BCF).
Fonte: elaborado pelo autor.
Como é feito o diagnóstico
diferencial entre
descolamento prematuro
da placenta e placenta
prévia?
No descolamento prematuro de placenta, o sangramento é
súbito, grave desde o começo; a hemorragia pode ser oculta
em 20% dos casos, única, dolorosa; o sangue é vermelho
escuro; o sofrimento fetal é grave e precoce, com
hipertonia uterina típica. A hipertensão arterial é o
principal fator de risco; os sinais de anemia grave não têm
relação com as perdas sanguíneas externas e a
ultrassonografia não deve ser solicitada, pois tem baixa
sensibilidade. Já na placenta prévia, o sangramento é
insidioso, com gravidade progressiva; a hemorragia é
sempre visível, podendo ser de repetição e indolor. O
sangue é vermelho vivo e o sofrimento fetal está ausente
ou é tardio, na dependência da intensidade da hemorragia
materna. A hipertonia uterina está ausente e a hipertensão
arterial não guarda relação com o quadro. Os sinais de
anemia são proporcionais às perdas sanguíneas e a
ultrassonografia é o exame que confirma o diagnóstico.
Como é possível definir a
corionicidade de uma
gestação gemelar?

12.1 INTRODUÇÃO
A gestação múltipla é definida como aquela proveniente de 1 ou mais
ciclos ovulatórios e resulta no desenvolvimento de mais de 1 embrião
ou na sua divisão, independentemente do número final de recém-
nascidos. Observa-se aumento em sua frequência durante as 2
últimas décadas. Em gestações como essa, há aumento de cerca de 5
a 6 vezes da mortalidade neonatal quando comparadas com
gestações únicas, respondendo por cerca de 10 a 15% da mortalidade
perinatal.
12.2 INCIDÊNCIA E EPIDEMIOLOGIA
A incidência é de 7:1.000 nascimentos no Japão, 10:1.000 na Europa e
na América do Norte e de 40:1.000 em alguns países da África.
Alguns fatores demográficos interferem na frequência de gestações
dizigóticas, cuja ocorrência é mais comum quando há história
familiar materna e aumento da idade materna e da paridade. No
entanto, o uso cada vez mais frequente de medicações para a indução
da ovulação e a transferência de múltiplos embriões por ciclo de
reprodução assistida são os principais responsáveis pelo aumento
acentuado observado ao longo das últimas décadas.
Quadro 12.1 - Principais fatores de risco

A incidência de gestações monozigóticas é relativamente constante


na população, porém algumas situações fazem aumentar as chances
de divisão do embrião, como a demora da passagem do ovo
fecundado nas trompas e a ocorrência de microtraumas no
blastocisto durante a manipulação realizada nos procedimentos de
reprodução assistida.
12.3 ZIGOTICIDADE E CORIONICIDADE
As gestações múltiplas podem ser classificadas segundo a
zigoticidade ou a corionicidade.
As gestações dizigóticas resultam da fecundação de mais de 1 óvulo,
e os embriões apresentam materiais genéticos diferentes. As
monozigóticas resultam da divisão de massa embrionária inicial
única, e os embriões resultantes apresentam carga genética idêntica.
Cerca de 2 terços das gestações gemelares naturalmente concebidas
são dizigóticas, e 1 terço, monozigóticas. O aumento observado na
incidência delas deve-se, principalmente, à maior frequência de
gestações dizigóticas; entretanto, as técnicas de reprodução
assistida, mesmo que em menor proporção, também favorecem a
ocorrência de gestações monozigóticas. Nas dizigóticas, cada
embrião desenvolve seus próprios cório e âmnio (sempre
dicoriônicas e diamnióticas). As monozigóticas, por sua vez, têm
corionicidade e amnionicidade variáveis, conforme o momento em
que ocorre a divisão da massa embrionária. Em cerca de 25% dos
casos, quando a divisão do blastocisto ocorre em até 72 horas,
podem ser encontrados 2 placentas e 2 sacos amnióticos (gestação
dicoriônica diamniótica). Em 74%, a divisão acontece entre o quarto
e o oitavo dias após a fertilização, quando já ocorreu a diferenciação
das células que originam o cório, resultando em 1 placenta e 2
cavidades amnióticas (gestação monocoriônica diamniótica). Em
cerca de 1% dos casos, a divisão do blastocisto ocorre entre o oitavo e
o décimo terceiro dias após a fertilização, isto é, quando já se
formaram a placa coriônica e o saco amniótico, originando as
gestações monocoriônicas monoamnióticas.
Os gêmeos unidos são resultantes da falha da separação completa
dos embriões e ocorrem quando o processo de divisão é tardio
(aproximadamente do décimo quinto ao décimo sétimo dias).
Figura 12.1 - Classificação segundo a zigoticidade, a corionicidade e a amnionicidade
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

A corionicidade sempre pode ser determinada com exatidão por


meio de ultrassonografia (USG) precoce. A presença de
monocorionicidade (única placenta) sempre implica
monozigoticidade; por outro lado, as gestações dicoriônicas (2
placentas) podem ter origem monozigótica ou dizigótica. Nesses
casos, o diagnóstico pode ser feito somente quando há discordância
entre os sexos fetais ou ser investigado por meio de estudos do DNA
– gêmeos com sexos diferentes são sempre dizigóticos e
dicoriônicos, enquanto gêmeos do mesmo sexo podem ser tanto
monozigóticos quanto dizigóticos.
As complicações fetais são mais frequentes nas gestações
monocoriônicas em comparação com as dicoriônicas. Portanto, na
prática, a determinação da corionicidade, em vez da zigoticidade, é o
fator mais importante para a conduta pré-natal e o principal
determinante do prognóstico gestacional.
O melhor período para determinar a corionicidade e a amnionicidade
é no primeiro trimestre da gestação (6 a 8 semanas), quando a
acurácia da USG chega a 100%.
A gestação dicoriônica pode ser diagnosticada a partir da quinta
semana pela identificação de mais de 1 saco gestacional e da
presença de septo espesso entre eles. Após a nona semana, a
projeção do componente coriônico entre as membranas amnióticas,
identificado na base da inserção placentária, forma o sinal do
lambda (twin-peak sign – Figura 12.2), característico dessa gestação.
Com a evolução desta, ocorre a regressão da camada coriônica, e o
sinal se torna mais difícil de identificar. Assim, a ausência deste após
o primeiro trimestre não exclui a possibilidade de gestação
dicoriônica, pois as massas placentárias podem se fundir e
apresentar aspecto de massa placentária única, sem o sinal do
lambda. Por outro lado, a identificação desse sinal em qualquer
estágio da gestação deve ser considerada para o diagnóstico de
dicorionicidade.
Figura 12.2 - Sinal do lambda (seta)

Fonte: Malformações Fetais em Gestação Múltipla, 2000.

Figura 12.3 - Sinais ultrassonográficos que definem o tipo de corionicidade – sinal do “T”
para placentação monocoriônica
Nas gestações monocoriônicas, a partir da sexta semana, pode-se
identificar mais de 1 embrião no interior do mesmo saco gestacional
(Figura 12.4), e o âmnio se torna visível a partir da oitava semana. No
final do primeiro trimestre, há a fusão das membranas amnióticas
adjacentes, originando um septo fino entre as 2 cavidades
amnióticas, que se insere de maneira abrupta na placenta, formando
o sinal do “T”, indicativo de gestações monocoriônicas.
Durante o segundo trimestre da gestação, a avaliação da
corionicidade torna-se mais difícil. São características das gestações
dicoriônicas a persistência do sinal do lambda, a identificação de
fetos com sexos discordantes e/ou a presença de placentas inseridas
em locais diferentes da cavidade uterina.
A avaliação da corionicidade por meio de exames invasivos pode ser
realizada excepcionalmente, nos casos avançados e com fetos do
mesmo sexo, em que a determinação é fundamental para a condução
do caso.
Na ultrassonografia, a gestação gemelar
dicoriônica apresenta o sinal do lambda,
enquanto a gestação gemelar monocoriônica
apresenta o sinal do “T”.

Figura 12.4 - Gestação gemelar monocoriônica com 5 semanas


12.4 DIAGNÓSTICO
Do ponto de visto clínico, os sinais e sintomas relacionados à
gestação gemelar são volume uterino maior do que o esperado para a
idade gestacional (via de regra, a altura uterina é 5 cm maior do que
a esperada entre 20 e 30 semanas gestacionais), presença de 2 polos
cefálicos à palpação, ausculta de 2 ritmos cardíacos com frequências
diferentes entre si e diferentes dos da mãe. Todos esses achados são
tardios e podem ser facilmente falseados. Atualmente, a USG durante
o primeiro trimestre permite diagnosticar, com segurança,
praticamente todos os casos.
12.5 PARTICULARIDADES E
COMPLICAÇÕES MATERNAS
RELACIONADAS
As adaptações maternas habituais durante a gravidez são ainda mais
comuns. A expansão volêmica observada é maior do que nas
gestações únicas (em média, 1.960 mL versus 1.570 mL,
respectivamente). Observa-se estado de circulação hiperdinâmica,
decorrente, sobretudo, do aumento do débito cardíaco materno
(cerca de 20% acima do que ocorre nas gestações únicas), atribuído
ao aumento do volume de ejeção sistólica proporcionado pela
elevação da volemia e da pré-carga.
Da mesma forma, é observado maior aumento no volume abdominal
e no recrutamento de músculos acessórios para a respiração, que
pode ocasionar queixas mais frequentes de dispneia nessas
gestantes. Não se observa o impacto dessas alterações na
homeostase gasosa e no equilíbrio acidobásico quando comparadas
com gestações únicas. Algumas gestantes podem ter, ainda, quadros
de pielectasia renal em razão da compressão da drenagem ureteral
pelo útero sobredistendido.
Do ponto de vista das complicações, as
gestações gemelares associam-se ao aumento
de todas elas, exceto o pós-datismo e a
macrossomia fetal.

As gestações gemelares associam-se ao aumento de todas as


complicações gestacionais, exceto o pós-datismo e a macrossomia
fetal. Observam-se maior frequência de anemia, hiperêmese
gravídica, Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG),
placenta prévia, descolamento prematuro de placenta, infecção
puerperal, edema pulmonar e óbito materno. O diagnóstico e a
conduta específica não são diferentes dos adotados para gestações
únicas.
A hipertensão arterial é uma das complicações maternas mais
incidentes, com frequência 2 vezes maior de DHEG nessas gestantes,
sobretudo das formas graves e de instalação precoce. Os aspectos
relacionados ao diagnóstico e ao tratamento não diferem com
relação à abordagem nas gestações únicas, com exceção de que os
níveis de ácido úrico encontrados nas gestações gemelares são
superiores aos valores habitualmente observados nas gestações
únicas.
Os estudos são contraditórios quanto ao diabetes gestacional; apesar
de muitos pesquisadores relatarem aumento de sua incidência nas
gestações gemelares, outras análises não sustentam tal hipótese.
A amniorrexis prematura é mais frequente em gestações múltiplas (7
a 10%). Rotineiramente, a ruptura acontece nas membranas do saco
gestacional do primeiro gemelar, entretanto pode ocorrer também
na outra cavidade amniótica, especialmente após procedimentos
invasivos, como, por exemplo, na amniocentese. O período de
latência – tempo entre a ruptura das membranas e o parto – parece
significativamente menor que o encontrado em gestações únicas,
porém o manejo desses casos segue as recomendações para estas.
Diante do nascimento de 1 dos fetos em idade gestacional
extremamente prematura, alguns hospitais relatam sucesso em
postergar o parto do(s) remanescente(s). Essa conduta deve ser vista
como medida de exceção, para a qual são recomendadas a instituição
de antibioticoterapia, a circlagem cervical e a tocólise profilática.
12.6 COMPLICAÇÕES FETAIS
Do ponto de vista fetal, a gemelaridade também aumenta as chances
de complicações como óbito fetal, malformações fetais, acidentes de
cordão e apresentação fetal anômala durante o trabalho de parto. O
diagnóstico de baixo peso ao nascer é frequente devido à maior
incidência de prematuridade e Restrição do Crescimento Fetal (RCF).
Algumas das intercorrências são exclusivas de gestações múltiplas,
como a síndrome da transfusão fetofetal e a discordância entre os
fetos quanto a alterações morfológicas, da vitalidade fetal e do
crescimento fetal.
A duração média da gestação gemelar é de cerca de 35 semanas, e da
gestação trigemelar, de 32 semanas. Assim, o parto prematuro
ocorre em 30 a 50% dos casos, e, pela alta frequência, a
prematuridade é o principal fator determinante das elevadas taxas
de morbidade e mortalidade associadas a esse tipo de gestação. O
prognóstico dos recém-nascidos prematuros de gestações múltiplas
é similar ao observado em gestações únicas da mesma idade
gestacional. O risco de parto pré-termo é maior nas gestações
monocoriônicas.
Os testes que demonstraram melhor desempenho para a predição de
parto prematuro foram a avaliação do comprimento do colo uterino
por USG e a determinação da fibronectina fetal em secreção
cervicovaginal. O comprimento do colo uterino em gestações
gemelares se reduz gradualmente, de 47 mm na décima terceira
semana a 32 mm na trigésima segunda semana; colo uterino com
comprimento menor que 20 mm na vigésima quarta semana de
gestação indicaria maior risco de parto pré-termo. Estudos
prospectivos randomizados que testaram a efetividade da circlagem
cervical não mostraram efeitos benéficos desse tratamento em
gestações gemelares. A internação hospitalar rotineira e o repouso
no leito também não demonstraram benefícios. Recomenda-se, no
entanto, a redução das atividades físicas, bem como a adequação da
jornada e da carga de trabalho.
O uso de agentes tocolíticos de maneira profilática também não
demonstra efeito benéfico na diminuição da incidência de trabalho
de parto prematuro. Diante dos casos em comprovado trabalho de
parto prematuro, os tocolíticos são vantajosos para prolongar a
gestação por período de até 48 horas e consequente corticoterapia
para o desenvolvimento pulmonar fetal. A administração de
corticosteroides fica indicada aos casos com mais de 28 semanas e
menos de 34 semanas de gestação e que apresentam fortes indícios
de risco de parto nas próximas 48 horas. As doses são as mesmas
preconizadas para gestações únicas.
A RCF é outro fator de risco importante para o aumento da
morbidade e da mortalidade perinatais. O risco de um feto nascer
com restrição de crescimento em gestações gemelares é cerca de 10
vezes maior do que em gestações únicas. A RCF (peso de nascimento
abaixo do percentil 10 para a respectiva idade gestacional) acontece
em, pelo menos, 1 dos fetos em aproximadamente 23% das
gestações dicoriônicas e 34% das monocoriônicas.
O diagnóstico de RCF por meio do exame clínico é muito difícil em
gestações gemelares. Sua confirmação é feita pela estimativa do peso
fetal por meio de avaliações ultrassonográficas; apesar de existirem
curvas de normalidade propostas para essas gestações,
habitualmente são utilizadas as de crescimento fetal de gestações
únicas para avaliar e diagnosticar os distúrbios de crescimento. É
fundamental que a datação tenha sido estabelecida
preferencialmente durante o primeiro trimestre.
O padrão de crescimento fetal é semelhante ao das gestações únicas
durante o primeiro e o segundo trimestres, passando a apresentar
diminuição no ritmo a partir de 28 semanas. Dessa forma, durante o
terceiro trimestre, para uma mesma idade gestacional, fetos de
gestações gemelares são menores do que os de gestações únicas. O
repouso absoluto no leito e a administração de ácido acetilsalicílico
em baixas doses não são efetivos para a prevenção da ocorrência da
RCF nas gestações gemelares. A condução diante do diagnóstico de
restrição em 1 ou ambos os fetos segue rotina semelhante à das
gestações únicas.
O acompanhamento ultrassonográfico de gestações gemelares
diagnosticadas precocemente permite identificar elevada incidência
de parada espontânea do desenvolvimento embrionário. Assim, a
incidência durante o primeiro trimestre é maior do que a incidência
no parto, em virtude da maior frequência de abortamento, que é
mais comum nas gestações monocoriônicas quando comparado às
dicoriônicas.
Em alguns casos, pode ocorrer parada do desenvolvimento de
somente 1 dos embriões. Exceto pelo diagnóstico ultrassonográfico,
a maioria desses casos não apresenta quaisquer manifestações
clínicas ou repercussões ao feto remanescente; eventualmente, a
gestante pode apresentar queixa de sangramento vaginal. Quando a
parada do desenvolvimento embrionário ocorre durante o primeiro
trimestre, frequentemente há reabsorção completa dos tecidos, e
não são encontrados indícios no momento do parto ou no exame
histopatológico da placenta.
A gestação gemelar também é fator de risco para óbito fetal. Quanto
mais precoce, menor a chance de sobrevida do feto remanescente,
principalmente nos casos em que os fetos são de sexos concordantes.
Nas gestações em que acontece óbito de 1 dos fetos, há risco
aumentado para óbito, presença de sequelas neurológicas e parto
pré-termo do outro feto.
O prognóstico do gemelar remanescente depende de fatores como
corionicidade, idade gestacional em que ocorreu o óbito, causa
específica deste e intervalo de tempo do óbito fetal até o nascimento
do outro gemelar. Nas gestações monocoriônicas, quando 1 dos fetos
morre, há 25% de chances de morte do outro gemelar e 25% de
chances de sequela neurológica no feto sobrevivente. Isso se deve a
hipotensão e isquemia abruptas secundárias ao desbalanço
hemodinâmico no feto sobrevivente, cuja volemia é exsanguinada
para o território vascular do gemelar morto. Pelo risco elevado de
sequelas no sobrevivente, recomenda-se monitorização
ultrassonográfica periódica para o diagnóstico de anormalidades no
desenvolvimento do sistema nervoso central. Em gestações
dicoriônicas, não há anastomoses vasculares entre as placentas, e o
risco de desequilíbrio hemodinâmico para o gemelar remanescente é
mínimo. Nesses casos, o feto que morre pode ser reabsorvido ou
permanecer envolvido pelas membranas e ser comprimido contra a
parede uterina materna (feto papiráceo).
Quando a causa específica do óbito fetal não influencia o aumento do
risco para o feto sobrevivente, a conduta pode ser expectante. A
coagulação intravascular disseminada raramente acontece em
gestações gemelares com feto morto. Diante do óbito de ambos, a via
de parto preferencial é a vaginal, com acompanhamento laboratorial
materno até o parto.
No tocante a malformações fetais, sua incidência em gestações
gemelares é de aproximadamente 5 a 6%, superior à encontrada em
gestações únicas. Essa incidência é ainda maior nas gestações
monozigóticas, provavelmente pelo processo de divisão da massa
embrionária. Nesse grupo, as anormalidades estão comumente
relacionadas aos defeitos da linha média e incluem
holoprosencefalia, defeitos abertos do tubo neural, extrofia da
cloaca e malformações cardíacas. Também as gestações
monocoriônicas estão associadas a risco 2 a 3 vezes maior de
malformação fetal do que as dicoriônicas.
12.7 COMPLICAÇÕES ESPECÍFICAS
A síndrome de transfusão fetofetal é uma complicação específica e
exclusiva das gestações monocoriônicas: acontece em cerca de 10 a
15% destas. O mecanismo primário consiste na transferência
desigual de sangue entre as circulações dos 2 fetos por meio de
anastomoses vasculares placentárias do tipo arteriovenosas, que
funcionam como se fossem fístulas.
O mecanismo primário consiste na
transferência desigual de sangue entre as
circulações dos 2 fetos por meio de
anastomoses vasculares placentárias do tipo
arteriovenosas, que funcionam como se fossem
fístulas.

Na placenta monocoriônica, sempre são encontradas anastomoses


vasculares, seja arteriovenosa, venoarterial, venovenosa e
arterioarterial. A origem do problema está no desbalanço entre as
comunicações, e acredita-se que as comunicações responsáveis
sejam as arteriovenosas e que as arterioarteriais sejam um fator de
proteção para o desenvolvimento da síndrome.
O gêmeo-doador apresenta anemia e RCF grave acompanhados de
oligúria e oligoidrâmnio, enquanto o gêmeo-receptor apresenta
sobrecarga circulatória e policitemia, o que pode levar ao
desenvolvimento de insuficiência cardíaca e hidropisia fetal.
Polidrâmnio no feto-receptor leva ao aumento da pressão
intrauterina, que pode prejudicar ainda mais a circulação
placentária.
Os casos graves, em que há o desenvolvimento de polidrâmnio
agudo, manifestam-se entre 16 e 24 semanas de gestação. Quando
não tratados, esses casos associam-se a taxas de mortalidade de 80 a
100%. Isso se deve, especialmente, às altas taxas de óbito fetal
espontâneo de 1 ou ambos os fetos, abortamento, amniorrexis
prematura e parto prematuro. A morte de 1 deles – geralmente o
receptor morre antes – leva a alterações hemodinâmicas que
resultam em hipovolemia acentuada do feto sobrevivente, com alta
morbidade (especialmente sequelas neurológicas) e alta
mortalidade.
De acordo com recomendações do Ministério da Saúde, o achado
ultrassonográfico de polidrâmnio (maior bolsão vertical > 8 cm) em
uma das cavidades amnióticas e oligoidrâmnio (maior bolsão
vertical < 2 cm) na outra, independentemente do tamanho dos fetos,
atesta o fenômeno de transfusão fetofetal, devendo a gestante ser
encaminhada a serviço terciário de atenção perinatal.
1. Achados ultrassonográficos que caracterizam a síndrome de
transfusão fetofetal:
a) Gestação gemelar com confirmação ultrassonográfica da
monocorionicidade durante o primeiro trimestre da gestação. Nos
casos sem diagnóstico precoce da corionicidade, o exame
ultrassonográfico deve demonstrar gestação gemelar com fetos do
mesmo sexo, massa placentária única e membrana interamniótica fina;
b) Os fetos não devem apresentar malformações estruturais;
c) Encontra-se polidrâmnio na cavidade amniótica do feto receptor,
cuja bexiga urinária está distendida;
d) Encontra-se oligoidrâmnio na cavidade do feto doador, cuja bexiga
urinária muitas vezes não é identificável;
e) O receptor, geralmente, tem biometria compatível à idade
gestacional e, nos casos graves, pode apresentar sinais de
comprometimento da função cardíaca, além de hidropisia;
f) O doador apresenta, frequentemente, RCF e alterações no Doppler
das artérias umbilicais, como aumento dos índices de resistência e/ou
diástole zero ou reversa.

Um sistema de estadiamento desenvolvido por Quintero e


colaboradores é amplamente utilizado e estratifica as síndromes
crônicas em 5 etapas, com base na USG.
Quadro 12.2 - Classificação de Quintero
Algumas técnicas foram propostas para o tratamento dessa
complicação, com o objetivo de melhorar a sobrevida dos fetos. A
seguir, serão descritas algumas delas.
12.7.1 Amniodrenagem
O polidrâmnio, quando progressivo, leva a desconforto materno e
torna o útero tenso à palpação. A remoção do excesso de líquido
amniótico por meio da amniocentese, procedimento de fácil
execução e que não requer material especial, alivia o polidrâmnio
associado à síndrome de transfusão fetofetal e reduz o risco de
amniorrexis e trabalho de parto prematuro, prolongando a duração
da gestação. É frequente a formação repetitiva do polidrâmnio; nesse
caso, o procedimento pode ser repetido (de 1 a 6 intervenções
durante a gestação).
Em estágios avançados, a taxa de sobrevida de pelo menos 1 feto
após o tratamento é de 40%, e a taxa de sobrevida dos 2 fetos, de
20%. O risco de sequelas neurológicas varia de 17 a 33%. As
complicações ocorrem em cerca de 5 a 10% dos casos e incluem óbito
fetal ou abortamento até 48 horas depois, amniorrexis e
descolamento prematuro de placenta.
12.7.2 Cirurgia endoscópica intrauterina com laser
Esta cirurgia se baseia no exame direto da superfície placentária, por
meio de fetoscopia, para identificação e coagulação com laser dos
vasos que cruzam o equador delimitado pela membrana
interamniótica e comunicam uma metade funcional da placenta com
a outra. Esse método age especificamente na fisiopatologia da
doença e é realizado em poucos centros de referência, pois requer
material especializado e treinamento apropriado.
Em estágios avançados, a taxa de sobrevida de apenas 1 feto após o
tratamento é de 75%; de ambos, é de 40%; a incidência de sequelas
neurológicas é de 4,2%. As complicações associadas são as mesmas
que as descritas para a amniodrenagem, entretanto a morbidade
materna é maior, por ser um procedimento mais invasivo.
12.7.3 Septostomia
A septostomia consiste na criação de um orifício na membrana
interamniótica comunicando as 2 cavidades amnióticas. É realizada
com a amniodrenagem, empregando-se o mesmo material. A taxa de
sobrevida é de 40 a 83%, e o mecanismo de atuação se dá pelo efeito
combinado do alívio do polidrâmnio com o equilíbrio entre as
pressões das cavidades amnióticas. Essa técnica apresenta os
mesmos riscos descritos para a amniocentese e o risco específico de
entrelaçamento dos cordões, uma vez que a gestação está sendo
transformada em monoamniótica.
12.7.4 Feticídio seletivo
12.7.4.1 Transfusão fetofetal

O feticídio seletivo representa a interrupção seletiva da vida de 1 dos


gêmeos e deve ser realizado por meio de técnica que evite o
comprometimento circulatório do gemelar sobrevivente. Somente é
indicado aos casos com sinais de morte intrauterina iminente de 1
dos fetos. As taxas de sobrevida são de, no máximo, 50%, e o número
de casos relatados até hoje é pequeno. As técnicas empregadas
incluem clampeamento do cordão umbilical por intermédio de
fetoscopia e embolização vascular guiada pela USG. Os riscos
maternos associados dependem da técnica empregada.
12.7.4.2 Discordância de peso entre os fetos

A discordância de crescimento fetal pode ser definida de formas


diferentes:
a) Diferença de peso em valores absolutos de 250 a 300 g entre o
gêmeo maior e o menor;
b) Diferença de desvio-padrão de peso entre os gêmeos em tabela
predefinida;
c) Diferença entre os perímetros abdominais fetais > 20 mm.

Essa discordância acontece em 5 a 15% das gestações gemelares e


está associada ao aumento do risco de óbito fetal e de mortalidade
neonatal. Pode decorrer de diferenças na placentação e no potencial
genético individual (nas gestações dizigóticas), anormalidades de
inserção do cordão, discordância quanto a malformações congênitas
e síndromes genéticas e/ou infecção congênita; nuliparidade
materna, gestações monocoriônicas e ocorrência de síndrome de
transfusão fetofetal também estão relacionadas a maior incidência
de discordância de crescimento fetal. Nos casos com discordância de
peso fetal sem causa aparente, a morbidade neonatal está
relacionada à corionicidade e à ocorrência de RCF, e não à
discordância propriamente dita.
Diante da discordância entre os pesos fetais em uma gestação
gemelar, deve-se realizar vigilância do padrão de crescimento de
cada um e acompanhamento dos parâmetros de vitalidade fetal,
como o volume de líquido amniótico, o perfil biofísico fetal e o
estudo de Doppler, principalmente quando há diagnóstico de RCF em
1 ou ambos os fetos. Não há evidências da resolução dos casos
somente em função de crescimento fetal discordante.
12.7.4.3 Gêmeo acárdico
A ocorrência de gêmeo acárdico (Figura 12.5) é de cerca de 1% das
gestações monocoriônicas e representa o grau máximo de
anormalidade vascular nessas gestações.
O gemelar anormal apresenta múltiplas malformações estruturais,
que incluem ausência do coração ou presença de órgão rudimentar e
ausência do polo cefálico, associada ou não a alterações dos
membros superiores. O tronco pode estar presente, podendo
desenvolver edema acentuado, ou, ainda, apresentar-se como uma
massa amorfa.
Figura 12.5 - Feto acárdico
Fonte: Reginald J. Gladstone, 1905.

Esses fetos não sobrevivem após o nascimento em virtude das


múltiplas e graves anormalidades. Sua perfusão sanguínea
intrauterina se mantém pela presença de anastomose arterioarterial
com o outro feto. O gemelar normal (doador), atuando como bomba
para o feto anormal (acárdico), morre em 50 a 70% das gestações
devido à insuficiência cardíaca congestiva ou ao parto pré-termo
decorrente de polidrâmnio grave.
O tratamento desses casos é realizado por meio da oclusão do fluxo
sanguíneo para o gêmeo acárdico, por ligadura endoscópica,
coagulação com laser do cordão umbilical ou embolização dos vasos
umbilicais dentro do abdome do feto acárdico por intermédio da
injeção de álcool absoluto. Nos casos de gestação em fase tardia
(próximo à viabilidade do feto normal), o tratamento consiste na
realização do parto.
12.8 GESTAÇÃO MONOAMNIÓTICA
As gestações gemelares monoamnióticas correspondem a cerca de
1% de todas as monozigóticas e estão associadas ao risco de 50 a
75% de óbito fetal intrauterino, devido, principalmente, ao
enovelamento dos cordões umbilicais e à consequente interrupção
do fluxo sanguíneo. Outros fatores associados às perdas fetais são as
malformações e o parto prematuro.
O diagnóstico baseia-se na demonstração da presença de 2 fetos no
interior do mesmo saco gestacional, sem membrana interposta, ou
na demonstração do enovelamento do cordão umbilical no exame de
Doppler com fluxo colorido. Os pais, por sua vez, devem estar cientes
quanto ao risco de óbito súbito inexplicado.
O momento ideal para a interrupção da gestação é motivo de
controvérsias; alguns autores indicam parto na trigésima segunda
semana, enquanto outros consideram que o risco de óbito súbito
diminui no terceiro trimestre, o que justificaria retardar o momento
do parto. Esse limite deve ser estabelecido individualmente, de
acordo com as condições disponíveis de cuidados intensivos
neonatais.
12.8.1 Gêmeos unidos
A união dos gêmeos é um evento raro, que acomete
aproximadamente 1 a cada 50.000.000 gestações.
O diagnóstico ultrassonográfico é possível a partir da identificação
de gestação gemelar com massa placentária única, falha na
demonstração de membrana interamniótica e fetos que não se
separam.
A união pode ser anterior (toracópagos, onfalópagos ou tóraco-
onfalópagos), posterior (pigópagos), dos polos cefálicos
(craniópagos) ou caudal (isquiópagos). O prognóstico depende do
local de união, dos órgãos envolvidos e da extensão dessa união,
além da presença de malformações eventuais. Geralmente, o
prognóstico é definido pela possibilidade de correção de cardiopatias
frequentemente encontradas. É obrigatório o ecocardiograma fetal
no pré-natal. Quando o prognóstico é ruim, o parto pode acontecer
por via vaginal e depende, sobretudo, da dimensão dos fetos.
Figura 12.6 - Gêmeos unidos (união anterior)
12.9 GESTAÇÕES TRIGEMELARES OU
DE ORDEM MAIOR
O aumento observado na frequência de gestações trigemelares ou de
ordem maior é ainda mais significativo que o encontrado para
gemelares. A redução do número de embriões transferidos em ciclos
de reprodução assistida poderia contribuir para a diminuição dessa
ocorrência.
Essas gestações podem ser mono ou polizigóticas, com diversas
combinações possíveis de corionicidade e amnionicidade. A
avaliação ultrassonográfica durante o primeiro trimestre nesses
casos permite estabelecer a corionicidade com acurácia e auxilia a
orientação do acompanhamento durante o restante da gestação.
Se, em gestações gemelares, o risco de complicações é alto, em
gestações de ordem maior, os riscos passam a ser extremamente
elevados, com prognóstico muito reservado, especialmente quando o
número de fetos é maior ou igual a 4. Todas as complicações citadas
também ocorrem nas gestações com 3 ou mais fetos.
Como nas gestações gemelares, o principal fator de morbidade e
mortalidade perinatal nesses casos é a alta incidência de
prematuridade. A duração da gestação é inversamente proporcional
ao número de fetos. Dessa forma, a idade gestacional média do parto
em trigemelares é de cerca de 33 semanas, e a prematuridade ocorre
em 90%, agravando ainda mais o risco perinatal. Para as gestações
com 4 ou mais fetos, virtualmente todos os casos nascem
prematuros.
12.10 ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL
O acompanhamento pré-natal das gestações gemelares envolve um
número maior de consultas quando comparado ao pré-natal de
gestações únicas. As consultas mais frequentes permitem
diagnosticar precocemente desvios na evolução da gestação, como a
ocorrência de DHEG. Não há, no entanto, um número mínimo de
consultas definido como ideal para esses casos.
A abordagem multidisciplinar permite atenção global, como o
atendimento nutricional, que orienta quanto à dieta adequada para
atender à maior demanda calórica, de proteínas, vitaminas, minerais
e ácidos graxos essenciais.
Os exames laboratoriais solicitados no acompanhamento pré-natal
das gestações gemelares são os mesmos preconizados para as
gestações únicas. Entretanto, pelo risco maior de anemia materna,
sugere-se a repetição trimestral das dosagens de hemoglobina
materna. Por essa razão, a suplementação de ferro e ácido fólico deve
ser obrigatória.
A realização de exames ultrassonográficos periódicos é essencial
para o acompanhamento. As gestações dicoriônicas podem ser
examinadas mensalmente, e as monocoriônicas devem ser avaliadas
quinzenalmente a partir da décima sexta semana para o diagnóstico
da síndrome de transfusão fetofetal.
A partir do terceiro trimestre, são realizados exames
ultrassonográficos mais frequentes para acompanhamento do
crescimento fetal e testes de vitalidade fetal.
A avaliação do volume de líquido amniótico nas gestações gemelares
pode ser realizada pela técnica do maior bolsão vertical, em vez da
medida do índice de líquido amniótico.
O Ministério da Saúde ressalta que apenas nos casos de trabalho de
parto efetivo entre 24 e 34 semanas se preconiza a corticoterapia
para acelerar a maturação pulmonar fetal. O uso profilático nesse
período deve estar reservado apenas às gestações trigemelares.
12.11 RESOLUÇÃO DA GESTAÇÃO E
PARTO
A idade gestacional ideal para a resolução das gestações gemelares é
controversa. A curva de mortalidade perinatal demonstra elevação
do risco a partir de 38 semanas. Gestações monocoriônicas, mesmo
sem evidências de síndrome de transfusão fetofetal ou RCF,
apresentam risco de óbito fetal súbito maior que as dicoriônicas. Por
esse motivo, recomenda-se a resolução das gestações
monocoriônicas na trigésima sexta semana e das dicoriônicas entre
a trigésima sétima e a trigésima oitava semanas.
As complicações mais comuns do parto na gestação múltipla são as
distocias funcionais, apresentação fetal anômala, prolapso de
cordão, descolamento prematuro de placenta e hemorragias pós-
parto. A assistência a esses casos exige a presença de equipe
obstétrica capacitada, com anestesistas, neonatologistas e equipe de
enfermagem. Devem-se garantir acesso venoso calibroso, manter
oxigenação adequada e evitar episódios maternos de hipotensão,
além de solicitar reserva de hemoderivados.
A via de parto ainda é discutível. Alguns estudos sugerem que a
cesárea eletiva poderia reduzir em até 75% o risco de óbito perinatal
em gestações a termo. As complicações relacionadas ao parto vaginal
se devem, principalmente, ao risco de óbito do segundo gemelar por
anóxia.
Para a escolha da via, são consideradas a apresentação dos fetos e a
idade gestacional. Para gestações a termo, quando o primeiro
gemelar ou ambos são cefálicos, sem outras complicações, pode-se
optar pela via vaginal. Em casos em que o primeiro gemelar não é
cefálico ou apresenta peso estimado menor que o segundo (com
diferença ≥ 500 g), opta-se pela cesárea. O mesmo vale para
gestações pré-termo com fetos viáveis ou em que o peso estimado
seja inferior a 1.500 g.
Trigemelares beneficiam-se de cesárea, bem
como fetos portadores de síndrome de
transfusão fetofetal, gemelares
monoamnióticos e gemelaridade imperfeita
(fetos acolados).

O trabalho de parto em gestações gemelares pode ser conduzido com


ocitocina por via intravenosa e sob monitorização contínua de
ambos os fetos. A analgesia é indispensável.
Após o nascimento do primeiro gemelar, é importante manter o
cordão deste clampeado para evitar a exsanguinação do outro feto.
Procede-se, então, à amniotomia da segunda bolsa, e aguarda-se a
evolução por um período máximo de 10 minutos. Ocorrendo
insinuação e boa evolução nesse período, procede-se à assistência ao
parto vaginal. Não ocorrendo a insinuação ou se a apresentação do
segundo gemelar for córmica, podem-se realizar versão interna e
extração pélvica antes do enluvamento fetal pelo útero contraído.
Quando ocorre o enluvamento, a fim de tentar evitar a cesárea no
segundo gemelar, podem ser utilizadas drogas anestésicas
inalatórias que promovam o relaxamento uterino e permitam
manobras obstétricas.
É importante ter em mente que, nos partos de gemelares por via
vaginal, o intervalo entre o nascimento dos fetos não deve exceder
30 minutos; a partir daí, salvo em condições de vitalidade
asseguradas, deve-se considerar cesárea para o segundo gemelar.
Algumas distocias são específicas de gestações gemelares. Entre
elas, destacam-se as referidas no Quadro 12.3.
Quadro 12.3 - Distocias específicas de gestações gemelares

Figura 12.7 - Embate de faces em gravidez gemelar


Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Como é possível definir a
corionicidade de uma
gestação gemelar?
A corionicidade sempre pode ser determinada com
exatidão por meio de ultrassonografia precoce. A presença
de monocorionicidade sempre implica monozigoticidade;
por outro lado, as gestações dicoriônicas podem ter origem
monozigótica ou dizigótica. Nesses casos, o diagnóstico
pode ser feito somente quando há discordância entre os
sexos fetais ou ser investigado por meio de estudos do DNA
– gêmeos com sexos diferentes são sempre dizigóticos e
dicoriônicos, enquanto gêmeos do mesmo sexo podem ser
tanto monozigóticos quanto dizigóticos. Nas gestações
monocoriônicas, a partir da sexta semana, pode-se
identificar mais de 1 embrião no interior do mesmo saco
gestacional e o âmnio se torna visível a partir da oitava
semana. No final do primeiro trimestre, há a fusão das
membranas amnióticas adjacentes, originando um septo
fino entre as 2 cavidades amnióticas, que se insere de
maneira abrupta na placenta, formando o sinal do “T”,
indicativo de gestações monocoriônicas. São
características das gestações dicoriônicas a presença do
sinal do lambda, a identificação de fetos com sexos
discordantes e/ou a presença de placentas inseridas em
locais diferentes da cavidade uterina.
Quais são os benefícios
neonatais da corticoterapia
antenatal?

13.1 INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde define prematuridade como todo
recém-nascido vivo com menos de 37 semanas completas de
gestação, contadas a partir do primeiro dia do último período
menstrual. O recém-nascido prematuro pode ser classificado em:
a) Prematuro extremo, quando nascido antes de 28 semanas de
gestação;
b) Prematuro grave, quando nascido entre 28 e 32 semanas de idade
gestacional;
c) Prematuro moderado, quando nascido entre 32 e 37 semanas de
idade gestacional.

O recém-nascido com menos de 2.500 g é denominado de baixo


peso, podendo ou não ser prematuro, na dependência da idade
gestacional.
A prematuridade e as suas consequências representam um sério
problema de saúde pública, sendo a principal causa de morbidade e
mortalidade neonatal. A morbidade é elevada no grupo de recém-
nascidos que sobrevivem e está diretamente relacionada aos
distúrbios respiratórios e às complicações infecciosas e
neurológicas.
A incidência de prematuridade varia com as características da
população. Em países desenvolvidos, ocorre em 4 a 11% dos
nascimentos e tem se mantido constante há alguns anos. Em países
pobres, as informações sobre a incidência são mais escassas e menos
confiáveis.
Na cidade de São Paulo, a frequência de nascimentos prematuros é
de, aproximadamente, 7%. Na Clínica Obstétrica do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a
incidência entre 1993 e 2001 foi de 22%. Outros serviços
universitários da mesma região apresentam taxas semelhantes.
13.2 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS
Geralmente, ocorre associação de fatores de risco que podem ser
classificados em 6 categorias: obstétricos, ginecológicos,
epidemiológicos, clínico-cirúrgicos, iatrogênicos e desconhecidos.
13.2.1 Obstétricos
13.2.1.1 Infecção amniótica

Há evidências de associação entre infecção vaginal, corioamnionite e


parto prematuro, principalmente na presença de rotura prematura
de membranas. Sabe-se, também, que diversas bactérias, por
infecção ascendente, podem atravessar até mesmo as membranas
íntegras. Certos anaeróbios, particularmente Bacteroides sp., cocos
anaeróbios e possivelmente Mobiluncus sp., agem com a Gardnerella
vaginalis, inibindo o crescimento de lactobacilos e outras bactérias
da flora normal e promovendo a elevação do pH vaginal (pH > 4,5). O
tratamento da vaginose bacteriana é recomendado durante a
gestação, em vista da sua associação ao Trabalho de Parto Prematuro
(TPP). Outros agentes também relacionados ao TPP são Streptococcus
do grupo B, Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis,
Ureaplasma urealyticum, Treponema pallidum e Trichomonas vaginalis.
Diante do processo inflamatório das membranas ovulares, da
decídua ou do colo uterino, há a liberação de fatores inflamatórios
que atraem leucócitos e macrófagos, ativando-os a produzirem
elastases e outras proteases que participam da degradação da matriz
extracelular cervical. Isso leva a preparo do segmento inferior e
esvaecimento do colo uterino.
Apesar de muitas evidências apontarem que as infecções e os
processos inflamatórios são os principais envolvidos no TPP,
persistem diversas controvérsias. Alguns autores consideram que as
respostas inflamatórias são apenas circunstanciais, já que também
estão presentes em vários casos de trabalho de parto no termo da
gestação.
13.2.1.2 Rotura prematura de membranas

Infecções, placenta prévia, gemelaridade e polidrâmnio são os


fatores predisponentes mais importantes para essa intercorrência
obstétrica, um fator de risco importante para o parto prematuro
presente em até 40% dos casos.
13.2.1.3 Alterações hormonais

A queda da produção de progesterona desencadeia o trabalho de


parto em algumas espécies de animais. A progesterona, ao contrário
do estrogênio, diminui a formação de gap junctions, impedindo a
propagação do estímulo contrátil. Na espécie humana, estabiliza os
lisossomos deciduais e impede a liberação de fosfolipase A2.
Entretanto, sua participação no TPP continua discutível.
13.2.1.4 Incompetência istmocervical

Ocorrem dilatação cervical indolor no segundo ou no início do


terceiro trimestre, exteriorização das membranas seguida por
infecção e rotura destas e consequente perda fetal. O diagnóstico
precoce permite tratamento cirúrgico (circlagem) e possibilita o
termo da gestação. Sangramento vaginal persistente, dilatação
cervical ≥ 4 cm, franco trabalho de parto, evidência clínica de
corioamnionite, ruptura prematura de membranas, sofrimento fetal,
anomalia fetal letal e morte fetal são contraindicações para a
realização da circlagem.
13.2.1.5 Sangramentos vaginais de primeiro e segundo trimestres

O sangramento vaginal ao longo da gestação está associado a risco


para o parto prematuro. No primeiro trimestre, aumenta o risco de
parto prematuro em 2 vezes. Quando o sangramento ocorre também
no segundo trimestre (especialmente, a inserção baixa e o
descolamento prematuro placentário), o risco eleva-se em 3 vezes. A
trombina local, decorrente do sangramento decidual, aumenta a
contratilidade uterina e desencadeia o parto prematuro.
13.2.1.6 Placenta prévia e descolamento prematuro de placenta

Complicações maternas e fetais habitualmente resultam em partos


prematuros.
13.2.1.7 Gemelaridade e polidrâmnio

Acredita-se que, nesses casos, o TPP seja desencadeado pela


superdistensão uterina. Na gestação gemelar, o parto prematuro
ocorre em cerca de 50% dos casos e, na gestação trigemelar, em
aproximadamente 90% das vezes.
13.2.1.8 Malformações fetais e placentárias

Entre as que predispõem ao TPP, destacam-se anencefalia e


agenesia renal com hipoplasia pulmonar.
13.2.1.9 Partos prematuros anteriores

Gestantes com história de 1 parto prematuro espontâneo anterior


têm probabilidade de 37% de um segundo parto prematuro, e
aquelas com 2 ou mais partos anteriores prematuros apresentam
70% de risco de repetição.
13.2.2 Ginecológicos
13.2.2.1 Amputação de colo uterino

Provoca incompetência cervical, proporcionando dilatação precoce


do colo uterino e exposição das membranas ovulares, favorecendo a
infecção. Com isso, surgem as contrações uterinas.
13.2.2.2 Malformações uterinas

A incidência de parto prematuro é maior entre os diversos tipos de


malformações uterinas. Com relação aos tipos de malformações,
cerca de 30% estão relacionados ao útero didelfo, 25% ao útero
bicorno e 10% ao útero septado.
13.2.2.3 Miomas

A presença de mioma pode causar sangramentos e rotura prematura


de membranas ovulares. Os miomas de pior prognóstico são os
submucosos, especialmente quando estão próximos à inserção
placentária (subplacentários).
13.2.3 Epidemiológicos
13.2.3.1 Baixo nível socioeconômico

Está diretamente relacionado à alta incidência de partos prematuros.


Más condições de higiene, nutrição inadequada, gravidez na
adolescência, gravidez indesejada, conflitos familiares, fumo,
consumo de drogas, estresse constante e falta de assistência pré-
natal adequada constituem fatores agravantes. Más condições de
higiene, especificamente, predispõem a infecções tanto sistêmicas
quanto urinárias e/ou vaginais.
13.2.3.2 Desnutrição

Em pesquisas com modelos animais, ficou demonstrado que a


desnutrição crônica é um fator causador de estresse, liberação de
catecolaminas e parto prematuro. A maior atividade do sistema
simpático, por meio da maior produção de catecolaminas, estimula
os receptores alfa presentes no miométrio, com consequente
aumento da atividade uterina.
13.2.3.3 Gravidez indesejada e assistência pré-natal inadequada

A maior incidência de prematuridade entre as adolescentes se


relaciona mais ao baixo nível socioeconômico, gravidez indesejada,
conflitos familiares e falta de assistência pré-natal adequada do que
à faixa etária propriamente dita.
13.2.3.4 Estresse

A ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal materno e


fetal leva à produção do CRH (hormônio liberador da corticotrofina).
A liberação de catecolaminas em situações de estresse constante e
em crises emocionais estimula os receptores alfa no útero e provoca
aumento na contratilidade uterina.
13.2.3.5 Fumo

As gestantes fumantes apresentam níveis mais elevados de


catecolaminas circulantes. Além disso, o tabagismo está associado a
maior incidência de rotura prematura de membranas e
sangramentos vaginais. Esses efeitos estão diretamente
relacionados ao número de cigarros consumidos diariamente.
13.2.3.6 Drogas

O risco é particularmente alto com o uso de cocaína e derivados,


situações em que a incidência do parto prematuro pode aumentar em
até 3 vezes em comparação a gestantes não usuárias de drogas. Essas
drogas influenciam a produção de prostaglandinas na placenta, o
que predispõe à contração uterina.
13.2.4 Clínico-cirúrgicos
13.2.4.1 Doenças maternas

Doenças sistêmicas crônicas, como diabetes mellitus, hipertensão


arterial, nefropatias, cardiopatias e distúrbios da tireoide (hiper ou
hipotireoidismo) não tratados e doenças que surgem com a gravidez,
como a doença hipertensiva específica da gestação, podem resultar
em parto prematuro espontâneo ou eletivo, em função das
complicações maternas ou fetais.
Nos partos espontâneos, em decorrência do estresse da hipóxia
crônica intrauterina, o feto seria responsável pela produção
aumentada de catecolaminas, resultando no desencadeamento das
contrações uterinas. A pielonefrite, assim como outras infecções
maternas, como a pneumonia, demonstra maior incidência de parto
prematuro.
13.2.4.2 Procedimentos cirúrgicos na gravidez

Estão associados a parto prematuro, principalmente quando no


aparelho genital. Realizados em outros órgãos e sistemas, a
ocorrência de parto prematuro depende de quanto o ato cirúrgico
influi sobre o metabolismo e o estado geral da gestante.
13.2.5 Iatrogênicos
Embora o emprego da ultrassonografia (USG) no início da gravidez
determine a idade gestacional, esse exame nem sempre é realizado.
Com isso, frequentemente são observados erros relacionados à
determinação da idade gestacional e a interrupções prematuras da
gestação, comumente por cesáreas eletivas.
13.3 PREVENÇÃO
Em situações de prematuridade eletiva, a gestação é interrompida
em virtude de complicações maternas e/ou fetais, e sua prevenção
exige o controle de doenças maternas; na prematuridade
espontânea, ocorre o TPP, cuja etiologia é multifatorial e, muitas
vezes, desconhecida.
É difícil instituir a prevenção primária, ou seja, remover todas as
causas possíveis do parto prematuro. Dessa forma, a prevenção
secundária é a melhor opção. Nessa etapa, podem ser detectadas
alterações bioquímicas, da contratilidade uterina e das
características do colo uterino antes do trabalho de parto. Algumas
medidas, como o repouso, a circlagem do colo uterino (na
incompetência cervical) e o emprego da progesterona, podem
impedir o parto prematuro. Já na prevenção terciária, em que são
recomendadas a inibição do TPP e a corticoterapia, só há benefício se
as medidas forem tomadas na fase inicial do TPP, com dilatação
cervical < 3 cm.
13.3.1 Procedimentos para a detecção do risco de
parto prematuro espontâneo
A presença de fatores de risco não indica necessariamente parto
prematuro. Alguns exames visam não só identificar os casos com
maior probabilidade, mas também excluir o risco.
13.3.1.1 Monitorização das contrações uterinas

A atividade uterina está presente durante toda a gravidez. É comum


que a gestante apresente contrações ao realizar um movimento
brusco, levantar-se, deitar ou praticar um exercício físico. O que não
é normal é apresentar contrações rítmicas e com frequência elevada,
ou seja, 4 ou mais eventos em 1 hora em idade gestacional ≤ 30
semanas e 6 ou mais eventos por hora quando > 30 semanas.
A monitorização das contrações uterinas é um dos métodos que
permitem o rastreamento do parto prematuro. As gestantes com
maior predisposição ao TPP apresentam aumento da frequência das
contrações uterinas nos dias ou nas semanas que precedem o
trabalho de parto. Esse método pode tranquilizar o obstetra e a
gestante, evitando internações e tratamentos desnecessários.
Perante o resultado positivo, é importante relacioná-lo a outros
marcadores do parto prematuro.
13.3.1.2 Medida do comprimento do colo uterino pelo toque vaginal
e pela ultrassonografia transvaginal

O encurtamento do colo e a dilatação de seu orifício interno podem


acontecer semanas antes do TPP. Os mecanismos envolvidos nessas
modificações são desconhecidos, mas acredita-se que haja a
participação de contrações uterinas silenciosas ou de eventual
processo inflamatório local. Sabe-se que a invasão de células
inflamatórias locais (neutrófilos) causa a produção de colagenases
que provocam a lise do colágeno, principal componente do colo. No
parto prematuro, o encurtamento do colo ocorre de maneira
semelhante.
As alterações no colo uterino podem ser notadas clinicamente por
meio do toque vaginal seriado. Na predição do parto prematuro, esse
recurso não tem se mostrado útil, por causa da subjetividade do
exame, da grande variação entre diferentes examinadores e da
dificuldade de avaliar o orifício interno do colo.
O avanço da USG permitiu o exame do colo uterino de maneira mais
eficaz quando comparado ao toque vaginal. Entretanto, ainda não há
consenso sobre o nível de corte ideal de comprimento do colo abaixo
do qual o risco de parto prematuro é maior.
Tal método deve ser empregado, de preferência, às gestantes de
risco para o parto prematuro, que estejam entre 18 e 24 semanas, na
mesma ocasião em que se faz a USG morfológica. A maioria dos
autores considera que, quando o comprimento do colo (medida
linear entre o orifício externo e o interno do colo) for inferior a 20
mm, a gestante será de risco para o parto prematuro espontâneo (<
25 mm, de acordo com o Ministério da Saúde).
Figura 13.1 - Medida do colo uterino por ultrassonografia transvaginal – colo normal e
baixo risco de prematuridade

Figura 13.2 - Medida do colo uterino por ultrassonografia transvaginal – colo curto e com
afunilamento e alto risco de prematuridade
13.3.1.3 Uso de marcadores bioquímicos

Existem vários marcadores bioquímicos possíveis: as interleucinas


(ILs) 6 e 8, o hormônio liberador da corticotrofina (CRH), o estriol
sérico e salivar, a fibronectina fetal (fFN) e, mais recentemente, a
proteína-1 fosforilada ligada ao fator de crescimento insulina-símile
(phIGFBP-1).
Vários estudos demonstram que os níveis elevados de IL-6 e IL-8 no
líquido amniótico e no conteúdo cervical se associam ao parto
prematuro, principalmente na presença de infecções. As ILs atraem e
ativam neutrófilos polimorfonucleares que liberam enzimas
(elastases e colagenases) responsáveis por alterações do colo
uterino.
O CRH é produzido no hipotálamo e na placenta, no cório, no âmnio
e nas células deciduais. Alguns autores verificaram elevações do CRH
no soro materno, a partir da vigésima semana, de gestantes
submetidas ao estresse e que tiveram parto prematuro. Dessa forma,
sua dosagem parece útil em situações de estresse durante a gestação.
Os estrogênios agem nas células miometriais, aumentando a
sensibilidade a ocitocina. A ativação do eixo hipotalâmico-
hipofisário-adrenal materno e/ou fetal se relaciona à produção
placentária de estrogênios, que acontece de 3 a 5 semanas antes do
parto, com elevação dos níveis de estriol plasmático e salivar.
Entretanto, os estudos disponíveis até o momento não permitem que
o estriol salivar seja utilizado de rotina para a predição do TPP.
A fFN é uma glicoproteína de alto peso molecular produzida pelo
trofoblasto, e sua função é assegurar a aderência do blastocisto à
decídua. Normalmente, está presente no conteúdo cervicovaginal
durante as primeiras 20 semanas de gestação. Após a vigésima
segunda semana, ocorre a fusão do âmnio com o cório, e a fFN
desaparece da vagina até a trigésima sexta semana, a menos que haja
rotura de membranas, presença de fator mecânico que separe o cório
da decídua ou diante de um processo inflamatório, infeccioso ou
isquêmico na interface materno-fetal. A fFN tem elevado valor
preditivo negativo, que varia de 81 a 96%, fato que a torna muito útil
para afastar o risco de parto prematuro na segunda a terceira
semanas seguintes à realização do teste. Além de tudo isso, é
aplicada basicamente em 2 grupos: gestantes sintomáticas, com
queixas de contrações uterinas e gestantes assintomáticas, mas de
alto risco para prematuridade (antecedente de parto prematuro
espontâneo e gestação gemelar).
A utilização em gestantes de baixo risco para o parto prematuro e
assintomáticas é controversa pela baixa sensibilidade (22%).
O teste de fibronectina no colo uterino de
gestante sintomática tem alto valor preditivo
negativo para parto prematuro.
a) Coleta

A coleta deve ser realizada em gestante apenas nas seguintes


condições:
a) Idade gestacional entre 22 e 36 semanas;
b) Bolsa íntegra;
c) Dilatação cervical < 3 cm;
d) Ausência de sangramento genital;
e) Ausência de relação sexual nas últimas 24 horas.

As amostras são coletadas no fundo de saco de Douglas com o auxílio


do espéculo vaginal e do kit próprio para o exame. É importante não
realizar toque vaginal, coleta de esfregaços vaginais e uso de
lubrificantes vaginais antes da coleta do exame, uma vez que esses
recursos aumentam as taxas de falso positivo ou negativo.
Figura 13.3 - Kit de coleta

Figura 13.4 - Local de coleta


Figura 13.5 - Descrição dos resultados do teste
Existem evidências de que o parto prematuro é precedido por
alterações na concentração da proteína-1 fosforilada ligada ao fator
de crescimento insulina-símile no conteúdo cervical. A phIGFBP-1 é
uma proteína produzida pela decídua humana, cuja função ainda não
está totalmente esclarecida. Há estudos que sugerem sua
participação no processo de invasão das células do trofoblasto, além
de estimular a proliferação, a diferenciação e o metabolismo celular.
A partir do segundo trimestre, com a fusão do cório e do âmnio, sua
concentração no líquido amniótico se torna 100 a 1.000 vezes maior
em relação ao soro materno. A detecção da phIGFBP-1 no colo
uterino, com membranas intactas, sugere comprometimento da
decídua.
13.4 CONDUÇÃO DO TRABALHO DE
PARTO PREMATURO
13.4.1 Estágio I
No primeiro estágio, enquadram-se as gestantes com fatores de
risco para o parto prematuro. Diante desses fatores, o aspecto mais
importante é o bom acompanhamento pré-natal. A assistência pré-
natal deve ser a mais completa possível. O ideal é que o obstetra atue
como membro de uma equipe de profissionais de Enfermagem,
Assistência Social, Nutrição e Psicologia. A gestante deve receber
orientações quanto a hábitos de higiene, nutrição e aporte
psicológico.
O exame ultrassonográfico deve ser realizado o mais precocemente
possível, a fim de estabelecer com precisão a idade gestacional e
diagnosticar situações de risco, como a presença de malformações
uterinas, miomas e gestação gemelar. As intercorrências clínicas
mais comuns devem ser diagnosticadas e tratadas corretamente.
Nas malformações uterinas (útero didelfo, bicorno e septado) e nos
partos prematuros de repetição, deve ser utilizada a progesterona
por via vaginal a partir da décima sexta semana de gestação. A
progesterona micronizada é bem absorvida quando administrada
por via vaginal ou oral, porém mostra maiores níveis de
concentração endometrial quando se utiliza a via vaginal. Nas
gestações gemelares e naquelas em que há miomatose uterina
associada, a utilização de progesterona micronizada ainda é
questionável.
Nos casos confirmados de incompetência cervical, faz-se a
circlagem eletiva do colo uterino entre a décima segunda e a décima
sexta semanas de gestação. Diante de situações especiais, como na
gestação gemelar, a gestante é orientada a fazer repouso físico a
partir da vigésima quinta semana.
As consultas médicas devem ser mais frequentes. Os retornos devem
ser quinzenais até a vigésima oitava semana e, após, devem ser
semanais. O objetivo é verificar as queixas, avaliar as contrações
uterinas e as condições cervicais.
É importante que as gestantes de risco tenham conhecimento dos
sintomas e dos sinais do trabalho de parto, ou seja, do aparecimento
de contrações uterinas regulares, durante pelo menos 1 hora, mesmo
que indolores, da sensação de peso no baixo-ventre e da alteração no
fluxo vaginal.
13.4.2 Estágio II
Trata-se de um estágio em que ocorrem os eventos bioquímicos do
TPP e a contratilidade uterina é anormal; as alterações cervicais
podem ser pequenas ou estar ausentes. O aparecimento de
contrações uterinas sem alteração do colo do útero se chama útero
irritável, situação em que a gestante deve ser mantida em repouso e
submetida à sedação.
As intercorrências clínicas, quando presentes, devem ser tratadas, e,
pela frequência elevada, as infecções urinárias e vaginais devem ser
sempre investigadas.
É imprescindível a USG obstétrica, a fim de analisar a idade
gestacional, as estruturas e o crescimento fetais. A partir da
vigésima oitava semana de gestação, deve-se analisar a vitalidade
fetal por meio da cardiotocografia ou do perfil biofísico fetal.
É importante manter a paciente em repouso e sob vigilância
contínua. Diante do aumento das contrações uterinas e da mudança
progressiva do colo, deve-se atuar como no estágio III.
13.4.3 Estágio III
Nesse estágio, existem contrações uterinas rítmicas, capazes de
provocar dilatação cervical. Estão presentes, no verdadeiro TPP,
contrações uterinas regulares a cada 5 minutos, dilatação cervical
de, pelo menos, 1 cm e esvaecimento cervical de, no mínimo, 80%.
No falso trabalho de parto, não ocorre a mudança progressiva do
colo, e as contrações cessam espontaneamente após um período de
repouso. Em casos duvidosos, é importante que a gestante
permaneça em repouso durante 2 a 3 horas, para observação clínica.
Nesses episódios, podem ser empregados ainda os marcadores
bioquímicos.
Antes de inibir as contrações uterinas, devem-se analisar, com
cuidado, as condições materno-fetais. Diante de doença materna que
torne desfavorável o ambiente intrauterino ou se agrave com a
continuidade da gestação, o trabalho de parto não deve ser inibido.
Caso se decida pela inibição das contrações uterinas, a gestante deve
ser mantida em repouso absoluto no leito e deve ser iniciada a
hidratação parenteral. Até 50% das pacientes com contrações
regulares respondem bem apenas com o repouso e a hidratação. Se,
após 1 hora, persistirem as contrações uterinas, deverá ser
introduzida a terapêutica tocolítica.
1. Condições para o uso de tocolíticos:
a) Período de latência do trabalho de parto;
b) Dilatação cervical < 3 cm;
c) Esvaecimento não pronunciado;
d) Idade gestacional entre 22 e 34 semanas;
e) Contrações uterinas rítmicas.

2. Contraindicações para a tocólise:


a) Óbito fetal;
b) Sofrimento fetal;
c) Malformações fetais incompatíveis com a vida;
d) Restrição do crescimento fetal;
e) Infecção amniótica;
f) Descolamento prematuro de placenta;
g) Placenta prévia sangrante;
h) Síndrome hipertensiva grave;
i) Diabetes insulinodependente instável;
j) Hipertireoidismo;
k) Anemia falciforme.
Convém atentar-se para as condições e
contraindicações para tocólise.

13.4.3.1 Uterolíticos

O uso de agentes tocolíticos ou inibidores das contrações uterinas


deve ser iniciado assim que se estabelecer o diagnóstico de TPP,
desde que sejam respeitadas as contraindicações para o seu uso. O
principal objetivo da tocólise é ganhar tempo necessário para a ação
da corticoterapia e/ou o transporte materno para serviço terciário
com segurança. Os mais utilizados para a inibição das contrações
uterinas, no passado, eram os beta-agonistas. Entretanto, outras
drogas vêm sendo estudadas, algumas com resultados promissores.
a) Bloqueadores dos canais de cálcio

De acordo com o Ministério da Saúde, são a primeira escolha entre as


drogas tocolíticas, inibindo a entrada do cálcio extracelular pela
membrana citoplasmática. O nifedipino, a droga mais utilizada, é
empregado em cápsulas de ação rápida de 10 mg. Devem-se
administrar 10 mg VO, a cada 20 minutos, até 4 doses, ou 20 mg VO,
em dose única, e, se a atividade uterina persistir, 20 mg, após 90 a
120 minutos.
Se, após a segunda dose a atividade uterina se mantiver, deverá ser
considerada falha terapêutica e ser utilizado outro agente. A dose de
manutenção é de 20 mg VO, a cada 4 a 8 horas (por, no máximo, 72
horas). As contraindicações são hipotensão materna (pressão
arterial < 90x50 mmHg) e bloqueio atrioventricular.
b) Inibidores de prostaglandinas

Atuam inibindo a enzima cicloxigenase necessária à conversão de


ácido araquidônico em prostaglandinas. Aparentemente são eficazes
como uterolíticos, bem tolerados e de fácil administração e, por
atravessarem facilmente a placenta, inibem a síntese de
prostaglandinas nos tecidos fetais. Como consequência, podem
ocorrer enterocolite necrosante, fechamento precoce do ducto
arterioso, hipertensão pulmonar primária, oligoâmnio e hemorragia
intracraniana fetal. A ecocardiografia fetal e a USG devem ser
realizadas com frequência, a fim de detectar precocemente sinais de
constrição do ducto arterioso e oligoâmnio.
A dose de ataque é de 50 mg VO ou 100 mg por via retal, e a dose de
manutenção é de 25 mg VO, a cada 4 a 6 horas (por, no máximo, 48 a
72 horas), ou 100 mg por via retal, a cada 24 horas (no máximo, 2
doses). O uso da indometacina em dose única de 100 mg por via retal
é especialmente importante às gestantes a serem transferidas para
centros de atenção secundária ou terciária. As contraindicações são
disfunção renal ou hepática, úlcera péptica ativa, asma sensível a
anti-inflamatório não hormonal, desordens de coagulação,
trombocitopenia, oligoâmnio (rotura de membranas) e após a
trigésima segunda semana de gestação – para evitar complicações,
como fechamento precoce do ducto arterioso.
c) Sulfato de magnésio

Age como um antagonista do cálcio na fibra muscular e representa


alternativa a determinadas situações clínicas em que o beta-
agonista não pode ser utilizado. Pode ser empregado na dose de 4 g
diluídos em soro glicosado a 10%, infundido por via intravenosa, em
20 minutos, como dose de ataque, seguidos de 2 a 3 g/h, até
cessarem as contrações uterinas. A diurese deve ser rigorosamente
monitorizada, bem como a frequência respiratória e os reflexos
patelares. A magnesemia materna deve ser medida a cada 6 horas.
Apesar dos riscos potenciais, poucos efeitos colaterais maternos são
observados quando a concentração sérica de magnésio é mantida em
níveis terapêuticos (4 a 6 mEq/L-mg/dL). A hipermagnesemia fetal
está relacionada a hiporreatividade e hipotonia.
d) Antagonista de ocitocina
A atosibana é um peptídio sintético que age competindo com a
ocitocina no seu receptor da célula miometrial e reduzindo os efeitos
fisiológicos desse hormônio, com potente ação tocolítica.
Entretanto, estudos comparativos não demonstraram sua
superioridade em retardar o nascimento prematuro com relação ao
nifedipino, além de apresentar alto custo, embora revele menor
incidência de efeitos colaterais maternos e fetais.
e) Etanol

Inibe a secreção de ocitocina e hormônio antidiurético pela neuro-


hipófise, reduz o número de receptores para ocitocina e age como
inibidor da ocitocina no miométrio. Não é utilizado, já que é menos
eficaz do que os betamiméticos e apresenta efeitos colaterais
indesejáveis, como vômitos, agitação, acidose láctica e coma.
f) Nitroglicerina

Sob a forma de adesivos, tem sido empregada em alguns estudos


como agente tocolítico. Seu mecanismo de ação se baseia na
formação de óxido nítrico, que tem ação relaxante no músculo liso.
Em vista do número reduzido de casos avaliados até o momento, há
a necessidade de maiores estudos para analisar a eficácia e a
segurança da droga para essa finalidade.
g) Agentes betamiméticos

Apesar de, quando utilizados por via intravenosa, não alterarem o


coeficiente de prematuridade, esses uterolíticos são úteis por
adiarem o parto durante 2 a 3 dias, tempo suficiente para o emprego
dos corticosteroides, importantes para reduzirem as complicações
pulmonares e neurológicas do recém-nascido.
Entre essas drogas, destacam-se a terbutalina, o salbutamol, a
isoxsuprina, o fenoterol e a ritodrina, embora somente esta última
tenha sido aprovada pela Food and Drug Administration para inibir o
trabalho de parto. Essas drogas atuam em receptores beta-1 (coração
e intestinos) e, predominantemente, beta-2 (miométrio, vasos
sanguíneos e bronquíolos), estimulando-os e determinando o
relaxamento da fibra muscular uterina, pela diminuição do cálcio
livre no interior das células. Por agirem em diversos órgãos e no
sistema cardiovascular, o uso dessas drogas é potencialmente
perigoso. Além disso, atravessam a placenta e podem causar diversos
efeitos colaterais no feto, entre os quais taquicardia,
hiperinsulinismo, hipoglicemia, hipocalemia e hipotensão arterial.
Também aumentam o risco de edema agudo de pulmão,
especialmente quando associados à hidratação venosa, e podem
elevar a glicemia materna.
São cuidados que devem ser tomados: eletrocardiograma materno
prévio, controle cuidadoso de pulso e pressão arterial (mantendo o
pulso materno < 120 bpm), ausculta periódica dos pulmões e do
coração e monitorização dos batimentos cardíacos fetais. Os efeitos
colaterais cardiovasculares, como o edema agudo de pulmão, são
mais frequentes em situações de hipervolemia materna –
polidrâmnio, gestação gemelar – e pacientes submetidas a infusão
de grande quantidade de líquidos.
Deve-se evitar o uso concomitante de
uterolítico beta-agonista e corticosteroide.

1. Salbutamol: solução de 5 mg (10 ampolas) em 500 mL de soro


glicosado a 5% (0,01 mg/mL). Iniciar a 10 µg/min (60 mL/h em
bomba de infusão ou 20 gotas/min) e aumentar 10 µg/min de 20 em
20 minutos até a inibição das contrações ou o aparecimento de
efeitos colaterais maternos indesejáveis (FC > 120 bpm, dor torácica
ou hipotensão). Manter por 60 minutos, diminuir 10 µg/min a cada
30 minutos até menor dosagem efetiva para a inibição das
contrações e manter por 12 horas;
2. Terbutalina: solução de 5 mg (10 ampolas) em 500mL de soro
glicosado a 5% (0,01 mg/mL). Iniciar a 10 µg/min (60 mL/h em
bomba de infusão ou 20 gotas/min) e aumentar 10 µg/min de 20 em
20 minutos até a inibição das contrações ou efeitos colaterais
maternos indesejáveis (FC > 120 bpm, dor torácica ou hipotensão).
Manter por 60 minutos, diminuir 10 µg/min a cada 30 minutos até
menor dosagem efetiva para a inibição das contrações e manter por
12 horas;
3. Ritodrina: solução de 50 mg (ou 5 ampolas) em 500 mL de soro
glicosado a 5% (0,1 mg/mL). Iniciar a 50 µg/min (30 mL/h em
bomba de infusão continua ou 10 gotas/min) por via intravenosa e
aumentar 50 µg/min de 20 em 20 minutos até inibição das
contrações ou efeitos colaterais maternos (FC > 120 bpm, dor
torácica ou hipotensão). Manter por 60 minutos, diminuir 50
µg/min a cada 30 minutos até menor dosagem que mantiver
contrações inibidas e manter por 12 horas.
A paciente deve permanecer em repouso absoluto e sob vigilância
por mais 24 horas. Caso retornem as contrações, o esquema
intravenoso pode ser reutilizado. Não há indicação para o uso dos
beta-agonistas por via oral após a infusão intravenosa, pois, nos
estudos disponíveis, não demonstraram eficácia em postergar o
parto.
13.4.3.2 Corticoterapia

Os benefícios da terapêutica antenatal com corticosteroides incluem


redução de 40 a 60% de membrana hialina entre recém-nascidos de
28 a 34 semanas, menor gravidade da síndrome da angústia
respiratória, quando presente, menor incidência de hemorragia
intracraniana e maior sobrevida dos recém-nascidos prematuros,
com melhora na estabilidade circulatória e com necessidades
reduzidas de oxigenação e de suporte ventilatório. Além disso,
observam-se melhores respostas terapêuticas ao uso do surfactante
neonatal quando a paciente faz uso do corticosteroide no período
antenatal.
O mecanismo de ação dos corticosteroides permanece pouco
conhecido. A principal teoria admite que atuam em receptores
pulmonares fetais, levando à produção de fosfatidilcolina, o
principal componente do surfactante.
A betametasona e a dexametasona são os corticosteroides preferidos
para a terapia antenatal. Preconiza-se o uso dessas drogas entre a
vigésima quarta e trigésima quarta semanas de gestação.
Utiliza-se a betametasona em dose intramuscular de 12 mg, com
intervalo de 24 horas, em um total de 2 aplicações. Outra opção é a
dexametasona em dose intramuscular de 6 mg, a cada 12 horas, em
um total de 4 aplicações. Em ambos os esquemas, o efeito máximo
inicia-se em 24 horas. O Ministério da Saúde do Brasil permite a
realização de até 3 ciclos de corticoterapia desde que a droga
utilizada seja a betametasona.
Deve ser evitada a corticoterapia na vigência de tocólise com beta-
agonista, pelo maior risco de edema agudo de pulmão; em casos
como esse, os corticosteroides devem ser administrados a partir da
retirada do agente tocolítico.
Foram publicados, recentemente, alguns artigos científicos em que
os autores propuseram a corticoterapia para benefício fetal até 37
semanas de gestação. Ocorre que os resultados dos benefícios
observados para os recém-nascidos ainda não foram absolutamente
definidos, de forma que os principais protocolos assistenciais
brasileiros e internacionais ainda não determinam a utilização
rotineira dessas drogas nesses casos.
13.4.3.3 Neuroproteção

Sabe-se que a prematuridade é um importante fator de risco para


paralisia cerebral, cujo risco é maior quanto mais prematura a
gestação. A chance de esta ocorrer entre 34 e 36 semanas é 3 vezes
maior, entre 30 e 33 semanas é de 8 a 14 vezes maior, entre 28 e 30
semanas é 46 vezes maior e, quando menor de 28 semanas, pode ser
até 80 vezes maior quando em comparação com recém-nascidos a
termo. Mesmo os fetos saudáveis, porém prematuros, pertencem ao
grupo de risco para lesão cerebral.
O uso do sulfato de magnésio na neuroproteção de prematuros já
vem sendo estudado desde a década de 1980, quando alguns estudos
descreveram menor incidência de lesões do sistema nervoso central
em recém-nascidos de gestantes com doença hipertensiva específica
da gestação que o conceberam. Assim, certos serviços de
Neonatologia o preconizam como droga importante para a
prevenção de paralisia cerebral em prematuros. A dose e o protocolo
de utilização não estão bem determinados, mas, nos locais em que a
profilaxia é realizada, utilizam-se 4 g de sulfato de magnésio por via
intravenosa logo antes do parto. Tal conduta não faz parte do
protocolo do Ministério da Saúde do Brasil.
1. Cuidados gerais na administração:
a) Se o sulfato de magnésio for iniciado, a tocólise deverá ser
descontinuada;
b) Pode ser administrado antes que as drogas tocolíticas sejam
eliminadas da circulação materna;
c) O uso prévio de nifedipino não contraindica o uso de sulfato de
magnésio para neuroproteção;
d) O parto não deve ser postergado para a sua administração para
neuroproteção nos casos em que há recomendação para interrupção
de urgência por indicações materna e/ou fetal;
e) Não é necessária a monitorização dos níveis de magnésio sérico;
f) Quando o parto pré-termo for eletivo por indicações materna e/ou
fetal, o sulfato de magnésio deverá ser iniciado idealmente 4 horas
antes do nascimento – dose de ataque de 4 g IV, por 30 minutos,
seguida por infusão de 1 g/h até o parto.

Figura 13.6 - Recomendações para o uso de sulfato de magnésio para neuroproteção fetal
às mulheres com parto prematuro iminente
Fonte: elaborado pelo autor.

13.4.4 Estágio IV
13.4.4.1 Assistência ao parto prematuro

A boa assistência ao parto prematuro depende, antes de tudo, da


experiência da equipe médica. São necessários, no acompanhamento
do trabalho de parto, ao menos 2 obstetras. Não se pode esquecer
que, em cerca de 50% dos casos, o parto prematuro se associa a
problemas clínicos e obstétricos que envolvem riscos, como rotura
prematura de membranas, gestação gemelar, inserção baixa de
placenta, descolamento prematuro de placenta, hipertensão arterial
grave etc. Um bom berçário e uma UTI neonatal adequada são
fundamentais para que o trabalho de toda a equipe envolvida alcance
o sucesso esperado.
13.4.4.2 Escolha da via de parto

É discutível o melhor tipo de parto ao prematuro.


Os seguintes aspectos devem ser considerados para decidir sobre a
melhor via de parto: idade gestacional (viabilidade), peso estimado
do feto, apresentação fetal, condições do colo uterino, integridade
das membranas amnióticas, possibilidade de monitorização fetal,
experiência da equipe e condições do berçário.
A elevada morbidade em médio e longo prazos de prematuros com
idades gestacionais < 28 semanas não garante o aparente sucesso da
taxa de sobrevida desses recém-nascidos. Assim, apesar da melhora
na sobrevida destes nos últimos anos, a vigésima oitava semana
ainda é considerada limite da viabilidade; abaixo disso, a morbidade
permanece elevada.
Deve-se optar pelo parto vaginal diante de TPP espontâneo em
apresentação cefálica fletida e nas apresentações pélvicas com peso
fetal estimado pela USG ≥ 2.500 g e naqueles < 1.000 g (< 28
semanas), ou seja, inviáveis. O aumento de catecolaminas durante o
trabalho de parto causa diminuição da produção de líquido pelas
células alveolares dos pulmões fetais. Além disso, o recém-nascido,
ao passar pelo canal de parto, elimina mais facilmente o líquido
pulmonar e expande melhor os pulmões. A monitorização fetal, a
amnioscopia e a avaliação do pH fetal devem ser consideradas.
Durante o trabalho de parto prematuro, deve-se evitar a realização
de toques vaginais frequentes para que se diminua a chance de
contaminação do feto e da câmara amniótica, especialmente com
relação ao Streptococcus do grupo B.
Durante a assistência ao parto prematuro, deve-se evitar o uso de
analgésicos tranquilizantes ou sedativos, que deprimem a
respiração. A analgesia do parto com anestesia combinada
(raquidural + peridural) deve ser instituída, sempre que possível,
para minimizar a reação de estresse em resposta à dor e à ansiedade
materna e suas consequências fetais.
A amniotomia deve ser tardia, ou seja, > 8 cm de dilatação cervical.
Recomenda-se tal atitude pelo efeito protetor da bolsa das águas
sobre a cabeça fetal. O desprendimento do polo cefálico e do
bisacromial deve ser lento, para evitar os traumas sobre o sistema
nervoso central e o plexo braquial, além de favorecer a expressão
torácica durante a passagem pelo canal de parto, permitindo
expansão pulmonar adequada.
De acordo com o Ministério da Saúde, não há evidências de que a
episiotomia e a utilização de fórcipes rotineiramente melhorem o
prognóstico neonatal. Outros estudos, entretanto, sugerem que a
episiotomia seja ampla o suficiente para permitir o nascimento sem
resistência perineal. O fórcipe baixo encurta o período expulsivo e
diminui a incidência de hemorragia do sistema nervoso central,
porém não deve ser utilizado se o peso fetal estimado for inferior a
1.500 g.
A cesárea deve ser feita diante de intercorrências clínicas e
obstétricas e nas apresentações cefálicas defletidas e pélvicas com
peso fetal estimado entre 1.000 e 2.499 g, situações em que os
traumas fetais prejudicam o prognóstico neonatal.
A laqueadura do cordão umbilical deve ser realizada após 45 a 60
segundos, mantendo-se o recém-nascido em nível inferior ao da
placenta, sem praticar a ordenha. Esse intervalo de tempo é
necessário, pois se sabe que 50% do sangue do prematuro estão na
placenta, contra 30% no recém-nascido de termo. Por outro lado, a
passagem excessiva de sangue para o recém-nascido pode levar a
hiperbilirrubinemia e hiperviscosidade sanguínea.
1. Assistência ao parto prematuro:
a) Parto vaginal: apresentações cefálica fletida e pélvicas e peso >
2.500 g ou <1.000g;
b) Parto cesárea: apresentações cefálica defletida e pélvica e peso
entre 1.000 e 2.499 g;
c) Analgesia do parto sempre que possível;
d) Amniotomia tardia para proteção do polo cefálico;
e) Desprendimento lento do polo cefálico ao nascimento (evitar trauma
do sistema nervoso central).

13.4.4.3 Profilaxia da infecção neonatal pelo Streptococcus do grupo


B

O Streptococcus do grupo B (Streptococcus agalactiae) é


frequentemente encontrado na vagina e no reto da mulher grávida.
Quando essa bactéria é transmitida da mãe para o feto (o que
acontece na maioria das vezes durante o trabalho de parto e no
parto), pode causar sepse neonatal, principalmente no prematuro.
1. Fatores de riscos mais importantes:
a) TPP;
b) Rotura prematura de membranas no feto prematuro;
c) Rotura prematura de membranas por mais de 18 horas;
d) História de recém-nascido anterior com infecção pelo Streptococcus
do grupo B;
e) Bacteriúria por Streptococcus agalactiae durante a gestação;
f) Febre durante o trabalho de parto.

Recomenda-se a pesquisa do Streptococcus na região perineal


durante o terceiro trimestre, entre a trigésima quinta e trigésima
sétima semanas de gestação, a todas as gestantes de regiões com alta
prevalência do Streptococcus.
A melhor forma de evitar a infecção neonatal pelo Streptococcus do
grupo B é a profilaxia com antibióticos durante o trabalho de parto. A
profilaxia antibiótica deve ser realizada em todas as gestantes de
risco ou aquelas com cultura perineal positiva. Na maioria dos
protocolos assistenciais, independentemente da estratégia para a
indicação da antibioticoprofilaxia, bacteriúria por Streptococcus do
grupo B durante a gestação é sinônimo de quimioprofilaxia
intraparto, independentemente do resultado da cultura perineal (que
nem é necessária nesses casos) ou do tratamento adequado da
infecção urinária. Tal conduta não é indicada pelo Ministério da
Saúde do Brasil.
Em todos esses casos, deve-se prescrever, no período intraparto,
penicilina G na dose de 5.000.000 UI, como dose de ataque, e
2.500.000 UI a cada 4 horas, até o parto. Como alternativa, pode ser
empregada ampicilina 2 g, na dose de ataque, e 1 g a cada 4 horas, até
o parto. Diante de alergia a penicilina, pode-se empregar
clindamicina 900 mg IV, a cada 8 horas, até o parto, ou eritromicina
500 mg IV, a cada 6 horas, até o parto. Caso a cepa seja resistente ou
a suscetibilidade a eritromicina ou clindamicina seja desconhecida,
com risco de anafilaxia ao uso de penicilina e derivados, prescreve-
se vancomicina 1 g a cada 12 horas até o parto.
O American College of Obstetricians and Gynecologists orienta a não
realização rotineira da profilaxia em gestantes colonizadas
submetidas a cesariana antes da ruptura de membranas. E, de acordo
com o Ministério da Saúde do Brasil, gestantes com cultura negativa
na atual gestação não precisam de profilaxia em nenhuma situação.
13.4.4.4 Detecções e condutas

1. A primeira conduta é a prevenção do TPP:


a) Pesquisa de fatores de risco e acompanhamento pré-natal
adequado;
b) USG precoce, para estabelecer a idade gestacional precisa e
diagnosticar malformação uterina, gemelaridade, miomas;
c) Circlagem entre a décima segunda e décima sexta semanas de
gestação nos casos de incompetência cervical;
d) Uso de marcadores bioquímicos, como IL-6, IL-8, CRH, fFN e
phIGFBP-1, que podem servir para indicar risco aumentado de TPP.

2. Detecção e conduta no TPP:

a) O verdadeiro TPP apresenta:


Contrações uterinas regulares a cada 5 minutos;
Dilatação cervical de, pelo menos, 1 cm;
Esvaecimento cervical de, no mínimo, 80%.
Quais são os benefícios
neonatais da corticoterapia
antenatal?
Os benefícios da terapêutica antenatal com
corticosteroides incluem redução de 40 a 60% de
membrana hialina entre recém-nascidos de 28 a 34
semanas, menor gravidade da síndrome da angústia
respiratória quando presente, menor incidência de
hemorragia intracraniana e de enterocolite necrosante, e
maior sobrevida dos recém-nascidos prematuros, com
melhora na estabilidade circulatória e com necessidades
reduzidas de oxigenação e de suporte ventilatório. Além
disso, observam-se melhores respostas terapêuticas ao
uso do surfactante neonatal quando a paciente faz uso do
corticosteroide no período antenatal.
Quais são os principais
fatores etiológicos da
restrição de crescimento do
tipo I e do tipo II?

14.1 INTRODUÇÃO
Conceitua-se Restrição do Crescimento Fetal (RCF) como a limitação
patológica de um feto em atingir o seu potencial de crescimento,
devido a vários fatores. O crescimento fetal depende de elementos
genéticos, placentários, nutricionais, hormonais e outros ainda
pouco conhecidos. A gravidez pode ser acometida por diversas
condições que prejudicam o crescimento fetal, aumentando a
incidência de complicações perinatais. A RCF, também denominada
crescimento intrauterino restrito, é a segunda principal causa de
morbidade e mortalidade perinatal, superada apenas pela
prematuridade.
14.2 CRESCIMENTO FETAL NORMAL
Após a embriogênese, que se estende até a oitava semana depois da
fecundação, inicia-se a fase de crescimento fetal. Trata-se de um
período de crescimento importante do concepto, cujas dimensões
corpóreas passam dos valores iniciais de 3,5 cm e 2 g para 50 cm e
3.000 g no termo da gestação.
O aumento das medidas corpóreas depende de 3 estágios de
crescimento em nível celular: um período quando o crescimento
decorre da multiplicação celular (hiperplasia), até 16 semanas de
gestação; outro em que há hiperplasia e aumento de tamanho das
células (hipertrofia); o terceiro, a partir da trigésima segunda
semana de gestação, quando só ocorre a hipertrofia. A duração
desses estágios pode variar em relação ao tipo de tecido.
A sequência de eventos que culminam com o crescimento dos tecidos
e órgãos depende das informações genéticas contidas nas células, de
fatores de crescimento, do aporte de substratos essenciais para o
metabolismo energético e de influências hormonais. Do equilíbrio
desses fatores resulta o crescimento adequado.
14.2.1 Fatores de crescimento
Sabe-se que determinados fatores de crescimento insulina-like –
Insulin-like Growth Factors (IGF-I e IGF-II) – e suas proteínas
carregadoras – Insulin-like Growth Factor Binding Proteins (IGFBP-1 a
8) – têm um papel importante, mas ainda não totalmente
esclarecido no crescimento fetal. Esses fatores estão amplamente
expressos nos tecidos em desenvolvimento e, portanto, promovem a
diferenciação celular e a síntese proteica.
14.2.2 Nutrição fetal
A transferência materna de nutrientes é fundamental para o
crescimento fetal (daí a influência do estado nutricional materno). A
glicose é o principal nutriente para a obtenção de energia necessária
ao crescimento. Seu transporte é efetuado por difusão facilitada e,
portanto, depende da concentração materna dessa substância e da
perfusão uteroplacentária. Com relação às proteínas, pode-se dizer
que a oferta inadequada pode causar danos irreversíveis ao
crescimento, principalmente nas fases de hiperplasia. Os ácidos
graxos essenciais são importantes não só como elementos
fundamentais para o arcabouço celular cerebral e vascular, mas
também para a formação placentária adequada e a síntese de
prostaglandinas vasodilatadoras. A desnutrição intraútero leva à
carência tanto de nutrientes essenciais quanto de alguns específicos,
entre os quais o ácido fólico, cuja falta se associa a malformações
fetais.
14.2.3 Influências hormonais
A insulina é o hormônio que mais parece influenciar o crescimento
fetal. Uma passagem transplacentária maior de glicose que produza
hiperglicemia fetal mantida leva ao aumento da secreção de insulina.
A insulina promove o crescimento, estimulando a captação celular
de aminoácidos e, subsequentemente, a síntese de proteínas.
Aumenta, também, o depósito de glicogênio e lipídios nos tecidos de
armazenagem, como fígado, músculo e tecido adiposo. Por outro
lado, a ausência congênita de pâncreas está associada à RCF.
O hormônio de crescimento (GH), apesar de ter algumas ações sobre
o metabolismo fetal de hidratos de carbono, não afeta o crescimento
somático.
O hormônio lactogênio placentário (HPL), de estrutura semelhante à
do GH e secretado pelo sinciciotrofoblasto, parece influenciar o
crescimento fetal. Estudos in vitro indicam que o HPL, embora em
concentrações pequenas no feto, influencia o metabolismo fetal
apresentando sinergismo à insulina, especialmente na síntese de
glicogênio hepático.
14.3 CURVAS DE CRESCIMENTO FETAL
Considera-se crescimento fetal adequado quando o peso para
determinada Idade Gestacional (IG) se situa entre os percentis 10 e
90.
Quadro 14.1 - Períodos da velocidade do ganho de peso fetal
14.4 DEFINIÇÃO
O Recém-Nascido (RN) com menos de 2.500 g é denominado de
baixo peso e pode ou não ser prematuro, a depender da IG.
Em virtude dos inúmeros fatores
epidemiológicos que podem influenciar o peso
fetal, a Organização Mundial da Saúde
recomenda que cada população tenha a sua
própria curva de crescimento fetal.

RN Pequeno para a Idade Gestacional (PIG) é aquele cujo peso está


abaixo do percentil 10 para determinada IG. Quando o peso se situa
abaixo do percentil 3, considera-se PIG grave. É fundamental
conhecer com exatidão a IG, sem a qual é impossível o diagnóstico
correto.
Os termos RCF e PIG são geralmente empregados como sinônimos.
Entretanto, sabe-se que o PIG indica apenas que o feto ou o RN está
abaixo de uma medida de referência de peso para determinada IG,
enquanto a RCF traduz a existência de uma afecção capaz de
modificar o potencial de crescimento fetal e promover alterações
importantes no RN, como hipoglicemia, hipotermia e policitemia.
Essa distinção é importante, pois nem todos os RNs com percentil
abaixo de 10 se apresentam doentes. Alguns são constitucionalmente
pequenos.
PIG indica apenas que o feto ou o RN estão
abaixo de uma medida de referência de peso
para determinada idade gestacional. A RCF está
associada à existência de morbimortalidade
perinatal.

14.5 INCIDÊNCIA
A incidência de RCF varia com a população estudada, os fatores de
risco envolvidos, os critérios utilizados para o cálculo da IG e a
curva-padrão utilizada. Com tantas dificuldades, é de supor que a
incidência exata de RCF permaneça desconhecida. No Brasil, essa
prevalência, em diversas casuísticas, varia entre 6,8 e 15% dos
nascimentos.
14.6 MORBIDADE E MORTALIDADE
A morbidade perinatal é cerca de 5 vezes maior nos RNs que tiveram
RCF do que naqueles que nascem com peso Adequado para a Idade
Gestacional (AIG), em consequência da maior frequência de hipóxia,
aspiração de mecônio, hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia,
hipotermia, hemorragia pulmonar e prejuízo no desenvolvimento
neuropsicomotor.
A hipoglicemia neonatal presente nesses casos relaciona-se à
redução dos estoques de glicogênio hepático e do miocárdio,
decréscimo da gliconeogênese hepática e redução do tecido adiposo.
A hipocalcemia decorre em função da prematuridade e da ocorrência
de hipóxia.
A hipotermia, quando presente, decorre da perda excessiva de calor,
por escassez de tecido subcutâneo. A policitemia é consequente à
elevação da eritropoetina fetal decorrente da hipóxia crônica
intraútero; a hiperviscosidade sanguínea pode originar outras
complicações, como insuficiência cardíaca, trombose cerebral e
insuficiência respiratória.
Com relação ao prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor, os
estudos mostram que, quando o tecido cerebral é agredido antes de
34 semanas, surgem problemas de adaptação, irritação e
concentração. Entretanto, quando a agressão é muito precoce, ou
seja, antes de 26 semanas, os distúrbios são mais graves, com
comprometimento do aprendizado, da fala e da escrita. A evolução
desses casos ao longo da infância sofre forte influência da classe
social a que pertencem os pais. A mortalidade perinatal é cerca de 8
vezes maior do que nos RNs AIG.
Além das repercussões no período perinatal, a RCF pode repercutir
na vida adulta. Estudos epidemiológicos recentes demonstram
associação de crescimento fetal reduzido e presença de fatores de
risco cardiovasculares na vida adulta, como hipertensão arterial,
níveis séricos elevados de triglicérides e baixas concentrações
séricas de HDL, além de insulinorresistência.
14.7 CLASSIFICAÇÃO
O comprometimento fetal e o seu prognóstico dependem do agente
agressor, da fase comprometida da gestação e da duração do
estímulo prejudicial. Segundo essa classificação, a RCF pode ser
dividida em 3 tipos clínicos, relatados a seguir.
14.7.1 Tipo I (simétrico)
O agente agressor atua precocemente na gravidez, ou seja, durante a
embriogênese. Há prejuízo do processo de multiplicação celular
(hiperplasia), originando RNs com redução proporcionada das
medidas corpóreas (peso, estatura e perímetro cefálico abaixo do
percentil 10). Os fatores mais frequentemente envolvidos são os
genéticos, as infecções congênitas, drogas e radiações ionizantes.
Correspondem a aproximadamente 20 a 30% dos casos de RCF e
apresentam prognóstico geralmente ruim, já que mostram
incidência elevada de malformações fetais.
14.7.2 Tipo II (assimétrico)
O agente agressor atua sobre o feto no terceiro trimestre da
gestação, isto é, na fase correspondente ao aumento do tamanho das
células (hipertrofia), e origina RNs com redução desproporcionada
das medidas corpóreas.
O polo cefálico e os ossos longos são pouco atingidos, permanecendo
acima do percentil 10. O abdome é a estrutura mais comprometida. É
típico das insuficiências placentárias, mas pode decorrer de fatores
fetais, além de ser o tipo mais frequente, presente em cerca de 75%
dos casos, e, em geral, de apresentar bom prognóstico, desde que
seja diagnosticado precocemente.
RCF assimétrica é o tipo mais comum.
O fator agressor incide no terceiro trimestre da
gestação e ocasiona redução desproporcionada
das medidas corpóreas.

14.7.3 Tipo intermediário


O agente agressor atua no segundo trimestre da gestação e
compromete tanto a fase de hiperplasia quanto a de hipertrofia das
células. Geralmente, nesses casos, o feto apresenta
comprometimento cefálico e de ossos longos, mas em grau menor
do que no tipo I, o que dificulta o diagnóstico. Os fatores mais
frequentemente envolvidos são desnutrição, uso de determinados
fármacos, fumo e álcool. Corresponde a aproximadamente 10% dos
casos de RCF.
Figura 14.1 - Correlação entre o momento da interferência de fatores externos no
crescimento celular e o consequente tipo clínico de restrição do crescimento fetal

14.8 ETIOLOGIA
Diversos são os fatores que podem estar envolvidos na gênese da
RCF. Esses agentes podem ter origem exclusivamente fetal, materna
ou placentária. Outras vezes, há a associação entre diversos fatores.
Em cerca de 40% dos casos de RCF, a etiologia é desconhecida.
14.8.1 Causas fetais
Inúmeras são as alterações genéticas acompanhadas por RCF. Entre
as principais, destacam-se as cromossomopatias, principalmente as
trissomias autossômicas (21, 18 e 13). Entre as demais alterações
cromossômicas, destacam-se as triploidias, a síndrome de Turner
(45,X) e os mosaicismos. Outras alterações genéticas, como defeitos
do tubo neural, acondroplasia, condodistrofias e osteogênese
imperfeita, também podem estar associadas à RCF.
Embora as alterações genéticas estejam mais frequentemente
associadas ao tipo I de RCF, a presença de RCF do tipo assimétrico
precoce também merece investigação do ponto de vista genético.
Muitas malformações congênitas se associam à RCF; em
aproximadamente 10% dos casos de RCF, há anormalidade
congênita associada.
Em geral, quanto mais grave a malformação, maior o
comprometimento fetal. O espectro de malformações relacionadas à
RCF é amplo e inclui as dos sistemas cardiovascular, nervoso,
geniturinário, digestivo e musculoesquelético.
14.8.2 Causas maternas
14.8.2.1 Infecções

As infecções congênitas são responsáveis por, aproximadamente, de


5 a 10% dos casos de RCF e podem ser causadas por vírus, bactérias
ou protozoários.
Entre as infecções virais, encontram-se bem estabelecidas aquelas
pelo vírus da rubéola e pelo citomegalovírus, embora outros, como
HIV, varicela-zóster e herpes, também possam comprometer o
crescimento fetal.
O vírus da rubéola diminui a velocidade de multiplicação celular
durante a organogênese; o citomegalovírus causa citólise e necroses
localizadas.
Com relação às infecções bacterianas, a tuberculose é causa
comprovada de RCF. Já a sífilis, causada pelo T. pallidum, é motivo de
controvérsias entre os autores.
Das infecções por protozoários, sabe-se que a toxoplasmose aguda
pode causar RCF. Na malária, embora os parasitas raramente
atravessem a placenta, têm grande afinidade com os vasos deciduais
e podem comprometer a função placentária.
14.8.2.2 Drogas e substâncias tóxicas

Qualquer droga que cause efeito teratogênico também é capaz de


comprometer o crescimento fetal. Assim, alguns anticonvulsivantes,
como a difenil-hidantoína e a trimetadiona, podem ser responsáveis
por alterações morfológicas que incluem a RCF.
O álcool é um agente teratogênico importante, portanto compromete
o crescimento fetal. A quantidade de álcool ingerido diariamente
capaz de comprometer o feto não é conhecida. O álcool e o seu
principal metabólito, o acetaldeído, também comprometem a
circulação uteroplacentária.
O fumo é uma das causas mais importantes de RCF.
A redução do peso está relacionada ao número de cigarros
consumidos por dia, havendo, em média, diminuição de cerca de 250
g no peso dos RNs de mães que fumaram aproximadamente 20
cigarros por dia ao longo da gestação. A agressão ao crescimento
fetal acontece, mais comumente, no final do segundo e durante o
terceiro trimestre.
Permanece controverso o mecanismo pelo qual o fumo leva à RCF.
Diversas são as possibilidades: a nicotina poderia aumentar a
resistência vascular placentária e diminuir o fluxo uteroplacentário
ou, ainda, o monóxido de carbono promoveria a formação da
carboxi-hemoglobina, diminuindo a oxigenação fetal.
14.8.2.3 Radiações ionizantes

Entre os efeitos prejudiciais da radiação sobre o produto conceptual,


destacam-se as malformações e a RCF. Nos estágios iniciais de
diferenciação dos diversos órgãos, a radiação ionizante causa
destruição celular. Após a organogênese, os efeitos da radiação
tendem a restringir-se à redução do crescimento fetal.
14.8.2.4 Desnutrição

A desnutrição materna grave, quando presente no primeiro e no


segundo trimestres, acomete a fase de hiperplasia, resultando em
lesões irreversíveis, em especial na esfera neurológica. Já no terceiro
trimestre, quando as células crescem, sobretudo em tamanho, a
desnutrição compromete predominantemente o peso fetal.
Embora já esteja bem estabelecido que a deficiência de nutrientes
seja causa de RCF, ainda se discute o grau de desnutrição e quais
nutrientes comprometem o crescimento fetal. Apesar de a maioria
dos autores tenha concluído que a restrição calórica desempenhe
papel primário na deficiência do crescimento fetal, ainda não está
estipulado se ela, por si só, ou igualmente a deficiência proteica, têm
importância no determinismo da RCF. Além desses nutrientes, os
ácidos graxos essenciais têm sido destacados como elementos
estruturais não só para o sistema nervoso e o vascular, como
também para a síntese de prostaciclinas, que têm ação
vasodilatadora e antitrombótica. A sua ausência leva à diminuição do
fluxo uteroplacentário e à RCF.
O estado nutricional materno deve ser avaliado durante o pré-natal
por meio de informações sobre o peso pré-gestacional e o ganho de
peso ao longo da gestação em função da altura materna. Admite-se
que o ganho médio de peso ideal durante a gravidez seja de 11 kg. No
primeiro trimestre, a média de ganho de peso é pequena – de 1 a 2
kg, ou até mesmo ausente. No segundo e no terceiro trimestres, a
média de ganho é de 400 g por semana.
O ganho de peso materno inadequado, principalmente no terceiro
trimestre, constitui sinal de alerta para possível RCF, mas deve ser
avaliado com outros elementos clínicos.
14.8.2.5 Anemias
Embora todos os tipos de anemias possam comprometer o
crescimento fetal, as hemoglobinopatias, principalmente a anemia
falciforme, são as mais importantes. Esta última, além de diminuir
acentuadamente a oxigenação fetal, eleva a viscosidade do sangue e
possibilita a formação de trombos placentários.
14.8.2.6 Síndromes hipertensivas

A RCF está presente em cerca de 25% dos casos de hipertensão


arterial. Por outro lado, de todos os casos de RCF, a hipertensão
arterial tem participação em até 40%. Essas incidências elevadas
estão relacionadas ao comprometimento vascular placentário, com
consequente queda do fluxo uteroplacentário.
A frequência de RCF nas síndromes hipertensivas está diretamente
relacionada à gravidade do caso, ou seja, à dificuldade do controle
pressórico, bem como ao grau de comprometimento de outros
sistemas do organismo materno (renal, cardiovascular etc.).
14.8.2.7 Cardiopatias

A presença de cardiopatia na gestação constitui uma das principais


causas de RCF. O risco fetal está intimamente relacionado ao tipo de
cardiopatia e às condições clínicas maternas. Em portadoras de
estenose de valva mitral, cardiopatia reumática mais prevalente no
nosso meio, a incidência de RCF é de cerca de 30%. Tal frequência
tão elevada pode ser explicada pela presença de baixo débito cardíaco
fixo e consequente diminuição da oxigenação materna e da fetal.
14.8.2.8 Diabetes mellitus

O diabetes de longa evolução pode causar RCF. Nesse caso, há


comprometimento vascular avançado no sítio de implantação
placentário, com diminuição do fluxo uteroplacentário.
14.8.2.9 Doenças autoimunes
O lúpus eritematoso sistêmico constitui uma das principais
entidades do grupo das doenças autoimunes responsáveis pela RCF.
A presença de imunocomplexos na membrana basal do trofoblasto e
a vasculite placentária explicam a insuficiência placentária
encontrada nesses casos. A presença de hipertensão arterial e de
comprometimento renal torna o prognóstico ainda mais sombrio.
Quadro 14.2 - Etiologia: causas maternas
14.8.3 Causas placentárias
14.8.3.1 Doenças placentárias

A inserção baixa de placenta associa-se à RCF em cerca de 16% dos


casos. Essa associação é consequência de um prejuízo na função
placentária, decorrente de um sítio de implantação deficiente, além
da perda constante de sangue. Outras alterações placentárias e de
cordão umbilical podem estar relacionadas à RCF: placenta
circunvalada, corioangiomas, inserção velamentosa de cordão e
artéria umbilical única.
14.8.3.2 Transferência placentária deficiente
Alterações placentárias, como a presença de trombos e infartos, são
frequentes diante de condições maternas que levam ao
comprometimento vascular, como a doença hipertensiva específica
da gestação ou o diabetes mellitus.
A RCF é uma intercorrência frequente da gestação gemelar e está
presente em cerca de 20 a 40% dos casos. Implicado apenas o fator
nutricional, a redução do crescimento dos fetos é, na maioria das
vezes, discreta. A gestação múltipla apresenta alguns agravantes que
podem originar a RCF grave: anomalias genéticas (são mais
frequentes na gemelaridade), síndrome da transfusão fetofetal etc.
14.9 DIAGNÓSTICO
A suspeita clínica de RCF deve estar alicerçada na precisão da IG,
idealmente por meio de ultrassonografia (USG) obstétrica de
primeiro trimestre (9 a 12 semanas). Altura uterina menor do que a
esperada no terceiro trimestre de gestação deve ser indicação de USG
obstétrica para avaliação do crescimento fetal. É muito importante
diferenciar nesse exame os fetos constitucionalmente pequenos
(placentação normal, pais de biotipo menor) daqueles conceptos que
reduziram o ritmo de crescimento, sendo impedidos de atingir seu
potencial genético. Esse grupo agrega morbidade perinatal
considerável, bem como possibilidade de sequelas na vida adulta. O
acompanhamento obstétrico adequado durante o pré-natal é de
suma importância na detecção das alterações do crescimento fetal. A
anamnese cuidadosa na primeira consulta de pré-natal pode revelar
a presença de fatores de risco, história de RCF, morte fetal ou
neonatal anterior. Esses fatores devem alertar quanto à possibilidade
de RCF na gestação atual.
A confirmação do diagnóstico de RCF faz-se por
meio de ultrassonografia obstétrica.

14.9.1 Ganho de peso materno


O exame físico materno, por meio do ganho de peso, pode informar
indiretamente sobre o crescimento fetal, principalmente no terceiro
trimestre da gestação. Esse parâmetro não deve ser analisado
separadamente, mas junto com medida da altura uterina e USG. A
evolução ponderal materna é acompanhada por meio de gráficos que
consideram peso e altura.
14.9.2 Medida da altura uterina
A medida da altura uterina com a fita métrica constitui um método
importante de rastreamento para a detecção da RCF. Entre as
principais causas de erros, destacam-se o desconhecimento da IG e a
imprecisão na medida da altura uterina. Seu emprego tem pouco
valor na situação transversa, na gestação gemelar, no polidrâmnio e
na obesidade extrema. Recomenda-se que cada serviço médico
utilize uma curva de altura uterina adequada (ou específica) para a
população assistida.
Figura 14.2 - Medidas da altura uterina em função da idade gestacional

14.9.3 Ultrassonografia
Aproximadamente 50% dos casos de RCF não são detectados
clinicamente. Esse fato estimulou o aperfeiçoamento das medidas de
diversos parâmetros ultrassonográficos do crescimento fetal,
visando ao diagnóstico mais preciso e mais precoce. Na avaliação do
crescimento fetal, diversos parâmetros permitem a detecção e a
classificação do RCF. São importantes as medidas do diâmetro
biparietal, a Circunferência Cefálica (CC), a Circunferência
Abdominal (CA), a relação CC-CA, o comprimento do Fêmur (F), a
relação F-CA e a estimativa de peso fetal.
Para adequado acompanhamento clínico e ultrassonográfico, é
fundamental o conhecimento exato da IG, o que poderá acontecer
com segurança se o exame for realizado no primeiro trimestre, de
preferência entre a nona e a décima segunda semanas, período em
que a margem de erro é menor, de, aproximadamente, 3 a 5 dias. A
medida do diâmetro biparietal é mais acurada entre a vigésima e a
trigésima semanas, com erro de, no máximo, 1,5 semana. De modo
geral, a medida isolada é um método impreciso para o diagnóstico
precoce da maioria dos casos de RCF, já que a cabeça fetal é a última
estrutura a ser comprometida na insuficiência placentária. No
rastreamento da RCF pela USG, o parâmetro mais adequado para
essa finalidade é a circunferência abdominal.
A medida do volume de líquido amniótico tem grande valor no
diagnóstico da RCF, acompanhado ou não de malformações
congênitas. É realizada a avaliação da quantidade de líquido por meio
do Índice de Líquido Amniótico (ILA), sendo considerado oligoâmnio
quando inferior a 5 cm.
O valor da aceleração da maturidade placentária no diagnóstico da
RCF é discutível, e esse achado deve ser valorizado apenas diante de
outros parâmetros alterados à USG.
Figura 14.3 - Peso fetal estimado pela ultrassonografia em função da idade gestacional
14.10 CONDUTA ASSISTENCIAL
Não há, até o momento, nenhum tratamento efetivo que interrompa
o processo da RCF totalmente. Cabe ao obstetra fazer propedêutica
complementar, na tentativa de esclarecer a etiologia (que pode ser
encontrada em, aproximadamente, 60% dos casos), bem como
avaliar a vitalidade e a maturidade fetal para definir o momento ideal
para o parto.
Na presença de RCF, deve ser realizada avaliação ultrassonográfica
minuciosa, visando ao estudo morfológico fetal, uma vez que o risco
de malformações é maior nesses casos.
14.10.1 Segundo trimestre da gestação
Na presença de malformações fetais e na RCF que se instala antes da
vigésima oitava semana, indica-se a ecocardiografia fetal, com o
intuito de diagnosticar, com precisão, possíveis malformações
cardiovasculares.
A cordocentese é outro procedimento possível em casos de RCF de
instalação precoce e de causa desconhecida. Esse procedimento
permite a detecção de anomalia cromossômica ou infecção
congênita.
Em situações com etiologia definida, o tratamento deve ser
específico.
A gestante deve ser orientada a parar de fumar se for tabagista e
iniciar dieta adequada (> 2.500 calorias) se estiver desnutrida.
São evidentes as dificuldades de abordagem clínica diante da RCF
que se estabelece precocemente. O mais importante é o
acompanhamento da gestação até a viabilidade fetal (28 semanas),
além da programação do parto quando houver maturidade pulmonar
ou diante de comprometimento da vitalidade do feto.
14.10.2 Terceiro trimestre da gestação
No terceiro trimestre, deve-se estar sempre atento à vitalidade fetal.
As causas mais comumente relacionadas à RCF no último trimestre
estão associadas a insuficiência placentária, porém malformações
fetais devem ser investigadas.
A cardiotocografia anteparto constitui um indicador importante da
avaliação do bem-estar fetal e deve ser realizada a cada 3 dias e, nos
casos mais graves, diariamente. Complementa-se a propedêutica
fetal com o Perfil Biofísico Fetal (PBF). Na presença de sofrimento
fetal (quando mais de 2 parâmetros do exame estão alterados), está
indicada a interrupção da gestação, independentemente da presença
de maturidade pulmonar do feto.
O Doppler também é usado para o acompanhamento da vitalidade
fetal e como método de prognóstico da RCF. Trata-se de um método
não invasivo e qualitativo, em que se avalia a velocidade do fluxo
sanguíneo para o útero e para a circulação fetoplacentária.
A avaliação da maturidade pulmonar fetal constitui etapa
importante da propedêutica obstétrica. Diante de condições que
prejudicam o crescimento fetal, a interrupção da gravidez na
presença de maturidade fetal é a melhor maneira de favorecer o
prognóstico perinatal. Cabe ao obstetra selecionar o momento ideal
para o término da gravidez. Na maioria dos fetos com RCF
decorrente de insuficiência placentária, ocorre a aceleração da
maturidade pulmonar, fenômeno secundário ao estresse da hipóxia
crônica.
Quando o peso fetal estimado pela USG estiver entre os percentis 3 e
10 e o ILA normal, o Doppler deverá ser empregado. Se o Doppler de
artéria umbilical estiver normal, a gestação poderá ser acompanhada
até a trigésima sétima semana, desde que haja acompanhamento
cuidadoso da vitalidade fetal com o PBF. Diante de grave alteração de
fluxo sanguíneo na artéria umbilical (diástole zero ou reversa),
estará indicada a pesquisa diária do Doppler do ducto venoso (Figura
14.4).
Figura 14.4 - Doppler na restrição do crescimento fetal a partir da vigésima oitava semana
de gestação
Legenda: Índice de Pulsatilidade para Veias (IPV); Peso Fetal (PF).
Fonte: elaborado pelo autor.

A conduta assistencial preconizada pelo Ministério da Saúde envolve


os passos descritos no algoritmo que se segue (Figura 14.5); de
acordo com esse protocolo, as condições biofísicas fetais (após 28
semanas), bem como o Doppler fetoplacentário, podem auxiliar na
tomada de decisão quanto ao melhor momento para antecipação do
parto.
Figura 14.5 - Conduta obstétrica, de acordo com o Ministério da Saúde do Brasil
Legenda: Índice de Líquido Amniótico (ILA); Idade Gestacional (IG); ultrassonografia
(USG); Fundo Uterino (FU); Movimento Fetal (MF); batimento cardiofetal (BCF); Pré-Natal
(PN).
Fonte: elaborado pelo autor.

14.11 ASSISTÊNCIA AO PARTO


Prefere-se o parto vaginal nos casos de malformações fetais
incompatíveis com a vida. Nos demais casos, a via de parto deve ser
individualizada, tendo-se em mente que o feto com restrição de
crescimento é mais suscetível a mudanças bruscas de fluxo
uteroplacentário, com maior risco de hipóxia, mecônio e morte
intraparto. Portanto, ao optar pela via vaginal, é importante o
controle rigoroso da vitalidade fetal.
Pode-se induzir ao parto desde que haja boa oxigenação fetal, a
apresentação seja cefálica e o peso estimado pela USG superior a
1.500 g.
O emprego do fórcipe de alívio fica restrito aos casos em que o peso
estimado do feto é superior a 1.500 g. A cesárea deve ser realizada
diante de alterações das provas de vitalidade fetal, nas apresentações
pélvicas e em fetos com peso inferior a 1.500 g.
Durante a assistência ao parto, deve-se evitar o uso de analgésicos e
tranquilizantes ou sedativos que deprimam a respiração. A analgesia
do parto vaginal com anestesia combinada (raquidural + peridural)
deve ser instituída sempre que possível.
O clampeamento do cordão umbilical deve ser precoce, logo após o
primeiro movimento respiratório do RN, a fim de evitar maior
transferência de massa eritrocitária e consequente hiperviscosidade
sanguínea.
Quadro 14.3 - Avaliação e manejo
Quais são os principais
fatores etiológicos da
restrição de crescimento do
tipo I e do tipo II?
Os fatores etiológicos de RCF tipo I são: baixo peso pré-
gravídico (< 50 kg), tabagismo, infecções hematogênicas,
drogadição, anemia grave e hemoglobinopatias, doença
renal, mosaicismos, aneuploidias, síndromes genéticas e
infecções congênitas.
Os fatores etiológicos de RCF tipo II são: síndrome
antifosfolípide e trombofilias, hipóxia materna, pré-
eclâmpsia, doença autoimune, diabetes, gemelaridade e
infartos placentários.
Qual é a conduta adequada
diante de um quadro de
amniorrexis prematura em
gestações de até 34
semanas?

15.1 INTRODUÇÃO
Amniorrexis Prematura (AP) diz respeito à rotura das membranas
ovulares antes do início do trabalho de parto, independentemente da
idade gestacional. Quando a rotura ocorre antes da trigésima sétima
semana de gestação, é chamada Amniorrexis Prematura Pré-Termo
(APPT). As membranas ovulares e o Líquido Amniótico (LA)
desempenham importantes funções, como a proteção, o crescimento
e o desenvolvimento do feto.
A deglutição e a micção fetais permitem o equilíbrio do LA e o
desenvolvimento dos sistemas digestivo e urinário. O LA promove
aumento da pressão luminar na árvore pulmonar durante os
movimentos torácicos fetais, permitindo o desenvolvimento
pulmonar; a movimentação fetal dentro da cavidade amniótica
possibilita o desenvolvimento muscular e o crescimento do produto
conceptual. O LA também protege o feto de traumas externos, assim
como o cordão umbilical de compressões durante a movimentação
fetal ou as contrações uterinas, contendo fatores imunológicos que
atuam contra a sua contaminação e infecção fetal. A quebra da
integridade das membranas pode interferir em todos esses
processos fisiológicos.
O intervalo entre a rotura das membranas e o início do trabalho de
parto é denominado intervalo de latência. A duração do período de
latência tem relação direta com risco de infecção e relação indireta
com a idade gestacional; quanto menor a idade gestacional, maior o
período de latência observado.
1. Funções do líquido amniótico:
a) Determinar o aumento da pressão luminar na árvore
traqueobrônquica durante os movimentos respiratórios fetais;
b) Facilitar a livre flutuação do cordão umbilical;
c) Facilitar a movimentação fetal;
d) Favorecer o desenvolvimento dos sistemas urinário e gastrintestinal;
e) Favorecer o desenvolvimento muscular e o crescimento fetal;
f) Favorecer o desenvolvimento pulmonar;
g) Proteger contra potenciais contaminações e infecções fetais;
h) Proteger o feto de traumas externos e de compressões funiculares
durante a movimentação fetal e as contrações uterinas.

15.2 INCIDÊNCIA
A incidência de AP varia de acordo com as características
populacionais, o método de diagnóstico, o intervalo de latência
exigido para o diagnóstico e a idade gestacional considerada.
De modo geral, quando considerados qualquer idade gestacional e
qualquer intervalo de latência, sua incidência é de aproximadamente
3% das gestações para todos os partos e em 30% para os prematuros.
Quando a AP ocorre no termo, 90% das pacientes evoluem para
trabalho de parto em 24 horas. Quando a rotura acontece no período
pré-termo, a evolução para trabalho de parto ocorre em até 7 dias
em 90% dos casos.
15.3 ETIOLOGIA
Vários fatores têm sido relacionados com a gênese da AP, apesar de
nenhum deles, por si só, ter um papel dominante na sua etiologia.
Embora sejam conhecidos os vários fatores de risco, a incidência
continua elevada.
As membranas amnióticas apresentam propriedades dinâmicas e
elásticas em virtude de seu conteúdo de elastina e colágeno, o que
confere a elas a capacidade de alteração do seu estado original e
posterior retorno à sua forma de origem. Quando submetidas a
aumentos de pressão (como no trabalho de parto), traumatismos ou
infecções, enfraquecem, podendo se romper com maior facilidade.
A infecção cervicovaginal é um dos principais fatores que
predispõem à AP. Os micro-organismos mais frequentemente
envolvidos são Neisseria gonorrhoeae, Streptococcus B, Streptococcus
sp., Gardnerella vaginalis, Chlamydia trachomatis e Enterococcus. Esses
micro-organismos, alcançando as membranas de forma ascendente,
levariam a alterações estruturais a partir da produção de proteases e
colagenases, predispondo-as à rotura. A liberação de mediadores
inflamatórios favoreceria tanto a dilatação cervical quanto o
aumento da atividade uterina.
Estados nutricionais deficientes também podem levar a defeitos nas
membranas ovulares. Sabe-se que a vitamina C é essencial à
formação do colágeno e que níveis diminuídos dessa vitamina estão
relacionados com maior incidência de AP.
O tabagismo também é um dos fatores de risco. Gestantes que
fumam mais de 10 cigarros por dia apresentam maior risco. O fumo
afeta o estado nutricional global da gestante, prejudica a imunidade
materna e causa alteração da oxigenação tecidual.
Sangramentos em qualquer época da gravidez também estão
associados a maior risco de AP. Quando intracavitários, causam
aumento da pressão intrauterina e produzem maior atividade
uterina, pela irritabilidade das fibras miometriais, apresentando
maior risco de descolamento e/ou rotura das membranas ovulares.
Incompetência cervical e outras deformidades do colo uterino
podem expor as membranas à microflora bacteriana vaginal,
aumentando o risco de corioamnionite e subsequente AP.
Outro fator associado ao aumento do risco de rotura prematura de
membranas é a hiperdistensão uterina (gestações múltiplas,
polidrâmnio).
Quadro 15.1 - Principais agentes infecciosos encontrados no líquido amniótico por
amniocentese

15.4 DIAGNÓSTICO
A história clínica e o exame físico podem estabelecer claramente o
diagnóstico. Na rotura franca das membranas, o escoamento do
líquido é inconfundível. Após o primeiro episódio de perda, o fluxo
normalmente é contínuo ou em pequenos intervalos, dependendo da
posição da gestante, da apresentação fetal e da presença de
insinuação fetal.
A queixa típica de perda de líquido por via
vaginal pode estabelecer o diagnóstico de
amniorrexis prematura em até 90% dos casos.

Existem situações em que o fluxo não é visto, tornando muito difícil


a confirmação clínica da rotura das membranas. Outros dados do
exame físico, como a medida da altura uterina ou a avaliação
subjetiva da quantidade de LA à palpação uterina, podem auxiliar no
diagnóstico, mas, para a sua confirmação, são necessários métodos
diagnósticos subsidiários. A manobra de Tarnier (elevação da
apresentação por meio da palpação abdominal e compressão do
fundo uterino) e a manobra de Valsalva (aumento da pressão intra-
abdominal) podem auxiliar no diagnóstico clínico de rotura
prematura de membranas.
A ultrassonografia é um método auxiliar importante, porém não
definitivo: à redução do volume do LA, soma-se a avaliação da idade
gestacional, parâmetro fundamental na tomada de conduta. Da
mesma forma, anidrâmnio à ultrassonografia pode tornar
inquestionável o diagnóstico.
Perante situações de impossibilidade de realização de
ultrassonografia ou quando o LA está normal (possibilidade remota),
outros testes podem ser úteis na elucidação diagnóstica. A medida do
pH vaginal com instrumento sensível, como o papel de nitrazina,
que muda de cor na faixa de pH entre 6,4 e 6,8, mostra boa
sensibilidade e baixa especificidade (torna-se azul em contato com o
fluido vaginal; pode apresentar resultado falso positivo na presença
de sangue, tricomoníase e vaginose bacteriana). Esse teste se baseia
no fato de que a medida do pH vaginal de gestantes com rotura das
membranas varia de 6 a 8,1 (o LA tem pH básico, de cerca de 7,0 a
7,3), enquanto, na ausência da AP, o pH vaginal encontra-se entre
3,8 e 4,2. O pH da urina também é ácido, ao redor de 5,0 a 6,0.
A observação da cristalização em forma “de samambaia” do LA
obtido do canal cervical de gestantes com rotura das membranas,
além de não sofrer quase nenhuma interferência com a presença de
pequenas quantidades de sangue e mecônio, tem um pequeno índice
de falsos negativos e falsos positivos (4,8 e 12,7%, respectivamente),
podendo também auxiliar no diagnóstico.
O teste de Ianetta consiste na mudança de coloração (incolor para
marrom) do esfregaço da amostra de LA em lâmina, aquecida
durante 1 minuto (com bico de Bunsen, isqueiro ou fósforo, a uma
distância que não chamusque a lâmina).
A pesquisa, por microscopia, de células fetais na secreção vaginal,
com ou sem o auxílio de substâncias (como o azul de Nilo), é menos
precisa, mas também é indicada para complementar o diagnóstico
da AP.
Outros exames também podem ser utilizados para auxiliar no
diagnóstico, como a instilação transabdominal, que, guiada por
ultrassonografia com 1 mL de corante índigo carmim (teste cada vez
menos utilizado, substituído por exames menos invasivos) diluído
em 9 mL de solução salina estéril dentro da cavidade amniótica e
observação de tingimento de um forro ou tampão vaginal, confirma
o diagnóstico, embora deva ser reservada para serviços mais
especializados.
Deve ser feito diagnóstico diferencial com emissão involuntária de
urina ou outras eliminações vaginais, como leucorreias, muco etc.
O AmniSure® Teste de Ruptura das Membranas Fetais é um teste
imunocromatográfico qualitativo rápido, não instrumental para a
detecção in vitro de LA na secreção vaginal de mulheres grávidas. Ele
detecta a presença da proteína alfa-1-microglobulina placentária
(PAMG-1), estabelecida como o marcador do LA, cuja perda
clinicamente significativa aumenta a concentração de PAMG-1 nas
secreções cervicovaginais na ordem dos milhares.
O limiar de sensibilidade é definido por um fator 20 vezes acima do
nível basal de PAMG-1 (o AmniSure® detecta de 5 a 7 ng/mL de
PAMG-1). Em casos muito raros, quando uma amostra é obtida 12
horas ou mais depois da ruptura, pode ocorrer um resultado falso
negativo. De modo geral, é um teste bastante confiável, com altas
sensibilidade e especificidade.
1. Exame físico da gestante com queixa de perda de líquido por via
vaginal:
a) Temperatura axilar e pulso materno;
b) Dinâmica uterina;
c) Altura uterina;
d) Estado fetal (ausculta com Pinard, sonar etc.);
e) Exame especular: a inspeção visual pode ser utilizada para avaliar o
colo;
f) Se houver sangramento vaginal, deve-se avaliar a possibilidade de
placenta prévia e/ou de descolamento de placenta.

2. Propedêutica auxiliar:
a) Hemograma completo;
b) Urina de rotina, Gram de urina, urocultura;
c) Pesquisa para Streptococcus do grupo B em swab anal e vaginal;
d) Ultrassonografia;
e) Pesquisa de infecções sexualmente transmissíveis.

Deve-se evitar o toque vaginal para a prevenção


de corioamnionite, exceto nas gestações a
termo, em gestantes com parto iminente ou
quando se planeja a indução imediata.

15.5 COMPLICAÇÕES
A rotura prematura de membranas pode evoluir com oligoidrâmnio,
aumentando o risco de algumas deformidades, como fácies
característica, com orelhas dobradas, nariz achatado e pele
enrugada. Também pode causar deformidades de extremidades,
como pé torto (por imobilidade) e contraturas musculares.
A principal alteração que pode ser provocada é a hipoplasia
pulmonar. Quando a rotura das membranas acontece antes da
vigésima quarta semana de gestação, o risco de hipoplasia pulmonar
é maior, sendo tanto maior o risco quanto mais precoce a rotura.
A AP é responsável por 30 a 40% dos casos de prematuridade,
importante causa de morbimortalidade perinatal.
A infecção é uma das complicações mais temidas da rotura
prematura de membranas. A infecção intraútero, chamada
corioamnionite, pode levar à sepse materna e, se não tratada a
contento, à morte da gestante. A infecção fetal predispõe a
pneumonia, septicemia e infecção do trato urinário no período
neonatal.
A incidência de hipóxia e asfixia fetal também se eleva na rotura
prematura de membranas. A principal causa é a compressão
funicular, decorrente da diminuição do volume do LA.
15.6 CONDUTA

Quando a AP ocorre a termo ou próximo dele, o


feto, na maioria das vezes, nasce dentro de 24 a
72 horas, a despeito da conduta, que na AP a
termo é sempre resolutiva.

Quando a amniorrexis acontece no período pré-termo, a conduta


pode ser resolutiva, conservadora ou expectante. Aqueles que
defendem a conduta resolutiva o fazem para evitar complicações
infecciosas maternas e fetais, porém correm o risco de enfrentar
complicações decorrentes da prematuridade. Os defensores da
conduta conservadora observam atentamente as evidências de
corioamnionite e da vitalidade fetal, podendo incluir, em sua
conduta, inibição do trabalho de parto, corticoterapia e antibióticos
profiláticos. A conduta expectante englobaria os mesmos cuidados,
aguardando-se até que as pacientes entrassem em trabalho de parto,
que desenvolvessem infecção ou que ocorresse comprometimento da
vitalidade fetal, momento em que a resolução da gestação seria
indicada.
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
(FEBRASGO) defende que, após a rotura prematura das membranas
ovulares em gestante pré-termo, a paciente deve ser internada para
controle infeccioso e de vitalidade fetal. Caso o parto não ocorra após
as primeiras 72 horas, o acompanhamento posterior poderá ser feito
em ambulatório apenas nos casos em que a gestante residir próximo
ao hospital, dispuser de meio de transporte fácil, o feto estiver em
apresentação cefálica, o Índice de Líquido Amniótico (ILA) for maior
do que 8 cm e não existir suspeita de infecção intra-amniótica. Essa
gestante deverá ser orientada a realizar consulta pré-natal
semanalmente, aferir temperatura 2x/d, realizar mobilograma 3x/d,
colher hemograma completo 2x/sem e realizar perfil biofísico fetal
2x/sem e ultrassonografia obstétrica semanalmente.
Ressalta-se, entretanto, que há estudos que mostram aumento do
risco de corioamnionite e infecção neonatal nas pacientes
submetidas a manejo expectante domiciliar quando comparadas
àquelas que permanecem hospitalizadas.
Alguns autores demonstraram que a morbimortalidade associada ao
parto imediato na AP e à prematuridade é maior do que a
morbimortalidade associada ao risco de infecção materno-fetal. Na
conduta expectante, quanto menor a idade gestacional, maior o
tempo de latência até a resolução da gestação, e, quanto maior esse
tempo de latência, maiores os riscos de deformações fetais e
hipoplasia pulmonar nos casos de oligoidrâmnio intenso.
Algumas medidas podem ser tomadas na tentativa de aumentar, pelo
menos transitoriamente, a quantidade de LA: repouso no leito e
hiper-hidratação oral ou intravenosa. Esses recursos apresentam
resultados pouco efetivos quando a espera é prolongada. Além disso,
na ausência de trabalho de parto, deve-se internar a paciente e
realizar exames clínico, ginecológico e obstétrico, controle da
temperatura, hemograma, Proteína C Reativa (PCR) e velocidade de
hemossedimentação (VHS) a cada 48 horas e avaliação periódica da
vitalidade fetal por meio do perfil biofísico fetal.
A conduta conservadora com o uso de uterolíticos,
antibioticoprofilaxia e uso de corticoides é controversa.
O efeito da tocólise na AP não está associado a qualquer benefício
perinatal, pois não há evidências de que essa terapia prolongue a
gravidez por mais de 24 a 48 horas. A antibioticoterapia deve ser
prontamente instituída nos casos de corioamnionite ou quando a
cultura perineal é positiva para Streptococcus do grupo B. A validade
da antibioticoterapia como profilaxia nos casos de AP permanece
muito discutível. Quando existe a decisão de utilizar corticoterapia
para redução da morbimortalidade fetal, esta é realizada em
gestações com idade gestacional < 32 semanas e nos mesmos moldes
tradicionais: betametasona 12 mg IM, 1x/d, por 2 dias, ou
dexametasona 6 mg IM, a cada 12 horas, por 2 dias.
O Ministério da Saúde do Brasil (MS) preconiza que a conduta seja
individualizada de acordo com a idade gestacional. Em gestações
com duração entre 22 e 24 semanas, o prognóstico perinatal é
bastante ruim, além de os riscos maternos associados serem altos,
como corioamnionite, sepse e óbito materno. Diante disso, o MS
defende que se ofereça à mulher e sua família a opção de interrupção
da gestação. Tal conduta é bastante discutível, pois poderia se
configurar interrupção de gestação com feto vivo, situação não
prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Caso a mulher opte por uma conduta expectante, esse fato deve ser
registrado no prontuário. Deve-se fazer a internação no momento
do diagnóstico, com hiper-hidratação por 48 a 72 horas e
reavaliação do ILA. A partir de então, deve-se reavaliar a paciente
periodicamente.
O acompanhamento poderá ser feito em nível ambulatorial se não
houver evidências de infecção ou sangramento vaginal, conforme a
seguir:
1. Avaliação de sinais de infecção e de começo do trabalho de parto:
a) Controle de febre;
b) Hemograma 2x/sem;
c) Presença de contrações uterinas.

2. Avaliação do estado fetal:


a) Biometria fetal a cada 15 dias;
b) Percepção de movimentos fetais pela mãe;
c) Ausculta de batimentos cardiofetais 2x/sem.

3. Repouso estrito no leito:


a) Evitar relação sexual;
b) Antibioticoterapia;
c) Não realização de tocólise;
d) Não realização de corticoterapia.

Se a gravidez se prolongar além de 24 semanas, manejar a gestante


como segue.
15.6.1 Gestações entre 24 e 34 semanas
a) Internação;
b) Repouso no leito com permissão para uso do banheiro;
c) Curva térmica a cada 4 horas – exceto durante o sono noturno da
gestante;
d) Observar a presença de contrações uterinas;
e) Realizar exame especular, quando necessário, para avaliar as
condições cervicais e eliminação de LA;
f) Hemograma 2x/sem ou se surgirem sinais de corioamnionite;
g) Velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa quando
possível;
h) Avaliação do estado fetal:
Ausculta de batimentos cardiofetais 2 a 3x/d;
Contagem de movimentos fetais pela mãe 2x/d (após almoço e
jantar);
Cardiotocografia basal diária ou, no mínimo, 2x/sem;
Perfil biofísico fetal diário para gestantes com ILA < 5 cm e
2x/sem para gestantes com ILA > 5 cm;
Avaliação de volume de LA por ecografia a cada 2 dias.
i) Hidratação oral (3 a 4 L/d);
j) Antibióticos.

O MS defende que os antibióticos, além de reduzirem o risco


infeccioso, melhoram os resultados perinatais.
Existem vários esquemas propostos com base no uso de um
antibiótico derivado da penicilina associado a um macrolídeo por 7
dias. Um esquema possível seria com ampicilina 2 g IV, a cada 6
horas, e estearato de eritromicina 250 mg IV, a cada 6 horas, por 48
horas, seguido por 5 dias de amoxicilina 500 mg VO, a cada 8 horas, e
estearato de eritromicina 333 mg VO, a cada 8 horas. Uma alternativa
a ser considerada é a da azitromicina (1 g/d VO) durante 3 dias.
Adicionalmente, deve-se utilizar azitromicina 1 g VO, em dose única.
Quadro 15.2 – Uso de corticoides

15.6.2 Gestações com mais de 34 semanas


Para as mulheres que apresentam rotura de membranas com
gravidez de idade gestacional > 34 semanas, independentemente da
paridade e do amadurecimento cervical, indica-se interrupção
imediata da gestação mediante a indução do trabalho de parto, caso
não existam contraindicações obstétricas; a escolha do método de
indução dependerá do estado de amadurecimento cervical. Se houver
condições cervicais favoráveis, utiliza-se ocitocina. No caso de colo
desfavorável, lança-se mão do método de amadurecimento cervical.
A cesárea estará recomendada apenas nas indicações obstétricas
(por exemplo, presença de 2 ou mais cesáreas anteriores). São
critérios para interrupção da gestação:
a) Gestação de até 20 semanas (respeitadas as limitações legais);
b) Gestação com mais de 34 semanas;
c) Trabalho de parto espontâneo;
d) Sinais de comprometimento fetal;
e) Sinais de infecção:
Febre (temperatura materna ≥ 37,8 °C) e pelo menos 2 dos sinais
seguintes:
Útero doloroso;
Odor vaginal desagradável;
Taquicardia materna (FC > 100 bpm);
Taquicardia fetal (FCF > 160 bpm);
Leucocitose (leucograma > 15.000 células/mL).

Para o diagnóstico de corioamnionite, além dos critérios


apresentados, podem-se considerar a elevação sustentada e
progressiva dos leucócitos, a alteração nos testes de VHS e PCR e o
fluxo cervical anormal ao exame especular (fluxo purulento).
O uso do corticoide (para amadurecimento pulmonar) é
contraindicado nos casos de corioamnionite, tanto devido à
impossibilidade de aguardar seu efeito, quanto aos riscos de reduzir
a imunidade materna.
A alteração no perfil biofísico fetal, representada pela ausência de
movimentação torácica (respiratória) fetal, também tem sido
apontada como sinal de infecção intra-amniótica. Na suspeita de
infecção, indicam-se a instituição de antibioticoterapia de amplo
espectro, como penicilina ou ampicilina, gentamicina e
metronidazol, e a resolução da gestação.
Figura 15.1 - Decisões de acordo com protocolo do Ministério da Saúde
Fonte: elaborado pelo autor.

A FEBRASGO considera que os benefícios da utilização profilática de


ampicilina 2 g e eritromicina 250 mg (IV, a cada 6 horas, por 48
horas), seguida por amoxicilina 250 mg e eritromicina 500 mg (VO, a
cada 8 horas, por 5 dias), superam seus riscos potenciais em
gestações abaixo de 32 semanas de duração.
15.7 ASPECTOS CONTROVERSOS
15.7.1 Tocólise
Como a prematuridade aumenta a morbimortalidade neonatal,
poderia parecer evidente que a inibição do trabalho de parto
prematuro em pacientes com rotura prematura de membranas
levaria a melhor evolução desses casos. Entretanto, devido à
associação entre essa condição e infecção ovular e rotura prematura
de membranas, a tocólise nessas situações não é rotineiramente
indicada. Uma revisão recente da literatura mostra que a prevalência
de infecção subclínica da cavidade amniótica, em casos de rotura
prematura de membranas sem contração uterina, chega a quase
30%. A incidência de infecção intra-amniótica está diretamente
relacionada ao período de latência, que, por sua vez, apresenta
relação inversa com a idade gestacional. Quanto menor a idade
gestacional, provavelmente, maior o período de latência.
Estudos sobre tocólise visando aumentar o período de latência para
essas pacientes apresentam resultados discordantes. Três estudos
randomizados com 235 gestantes que utilizaram tocólise profilática
não relataram benefício em prolongar a gestação, em relação ao
grupo-controle. Outro estudo (caso-controle) mais recente
demonstrou que a tocólise profilática após rotura prematura de
membranas não foi eficiente em aumentar o período de latência.
Assim, a inibição do trabalho de parto prematuro em gestantes com
rotura prematura de membranas não representa conduta indicada na
prática obstétrica com base em evidências.
Qual é a conduta adequada
diante de um quadro de
amniorrexis prematura em
gestações de até 34
semanas?
A conduta consiste em internação, repouso no leito com
permissão para uso do banheiro, curva térmica a cada 4
horas (exceto durante o sono noturno da gestante),
observação da presença de contrações uterinas, realização
de exame especular quando necessário para avaliar as
condições cervicais e eliminação de líquido amniótico,
além de hemograma 2x/sem ou se surgirem sinais de
corioamnionite, velocidade de hemossedimentação e
proteína C reativa quando possível, fazer avaliação do
estado fetal com ausculta de batimentos cardiofetais,
contagem de movimentos fetais pela mãe, cardiotocografia
basal e perfil biofísico fetal, hidratação oral vigorosa,
antibióticos e utilização de corticoides. Ademais, devem-se
observar sinais de corioamnionite: febre, saída de secreção
purulenta pelo colo, presença de dor abdominal ou útero
irritável, taquicardia materna ou fetal e alteração de
exames laboratoriais.
Quais são as malformações
fetais mais relacionadas ao
olidrâmnio e ao
polidrâmnio?

16.1 INTRODUÇÃO
O líquido amniótico é essencial para o adequado desenvolvimento do
feto. As principais funções desse líquido são proteção fetal contra
traumas externos, manutenção da temperatura fetal, participação no
mecanismo de crescimento e de movimentação normal do feto,
participação na homeostase bioquímica fetal, desenvolvimento e
maturação normais dos pulmões e, no trabalho de parto, proteção do
feto contra o efeito das contrações, além de auxílio na dilatação do
colo uterino.
Quadro 16.1 - Classificação do índice de líquido amniótico
16.2 ORIGEM E COMPOSIÇÃO DO
LÍQUIDO AMNIÓTICO
Aproximadamente 6 dias após a ovulação, o óvulo fertilizado
encosta-se no endométrio, dando início à implantação. Por volta do
oitavo dia de desenvolvimento, o trofoblasto do polo embrionário se
diferencia em 2 camadas celulares distintas: sincício e
citotrofoblasto. Entre este último e o disco embrionário, aparecem
pequenos espaços que confluem para formar a cavidade amniótica. À
medida que o embrião se desenvolve, essa cavidade, repleta de
líquido amniótico, cresce gradualmente à custa da cavidade
coriônica e chega a circundar por completo o embrião e obliterar o
espaço coriônico.
O líquido amniótico é formado de 98 a 99% de água e de 1 a 2% de
material sólido. Cerca da metade dos sólidos é formada por
constituintes orgânicos, dos quais aproximadamente 50% são
proteínas. Os constituintes inorgânicos se assemelham àqueles do
fluido extracelular.
Inicialmente, até a décima sexta semana, a composição do líquido é
semelhante à do soro materno e fetal. Com a evolução da gestação,
particularmente na segunda metade, sua osmolaridade
gradualmente declina até chegar, no termo, a cerca de 92% dos
valores séricos maternos. As concentrações de sódio, cloro e potássio
diminuem, enquanto as de creatinina e ureia aumentam em,
respectivamente, 250 e 70%.
Próximo ao termo da gestação, as concentrações de creatinina e
ureia são mais elevadas do que as encontradas no soro materno.
Relações semelhantes existem entre o líquido amniótico e o soro
fetal.
Com relação à bilirrubina, verifica-se que a sua concentração
aumenta da décima oitava à vigésima quinta semana de gestação,
atingindo seu máximo em torno da vigésima sexta semana.
Posteriormente, decai até a trigésima sexta semana, quando passa a
ser indetectável.
O volume de líquido amniótico apresenta aumento progressivo com
a evolução da gestação. Na décima semana, é de apenas 30 mL,
atinge 190 mL na décima sexta semana e chega a 900 mL entre a
trigésima segunda e a trigésima quinta semanas. Após a trigésima
sexta semana, há declínio do seu volume, especialmente no período
após a quadragésima semana.
O volume máximo de líquido amniótico ocorre
por volta de 32 a 35 semanas de gestação.

Na placenta, as circulações materna e fetal estão em contato íntimo,


e a permeabilidade à água é virtualmente ilimitada, dependendo
somente das forças hidrostáticas e osmóticas em ambos os lados da
placenta.
Os únicos locais onde ocorre eliminação de fluidos fetais de forma
significativa são os tratos urinário e respiratório. Por outro lado, a
deglutição é responsável por grande parte do volume que retorna ao
concepto. A água remanescente parece ser removida do líquido
amniótico para o espaço interviloso por intermédio do âmnio e do
cório, por difusão. Com todos esses movimentos dos fluidos, o
líquido amniótico é completamente reciclado a cada 3 horas.
Na gestação precoce, o mecanismo mais provável para a formação do
líquido amniótico parece ser o transporte ativo de solutos para o
espaço amniótico por meio do âmnio, com passagem da água, em
virtude do gradiente químico.
Na segunda metade da gestação, a produção
urinária é a principal responsável pelo volume
amniótico.

A urina está presente no espaço amniótico a partir da oitava até a


décima primeira semana de gestação.
A produção urinária aumenta de aproximadamente 110 mL/kg/d na
vigésima semana para cerca de 190 mL/kg/d na trigésima nona
semana. Após a quadragésima semana, por incapacidade de aumento
da produção urinária, existe diminuição no fluxo. Nas gestações
pós-data, há clara redução da diurese fetal.
A deglutição do feto inicia-se também por volta da oitava até a
décima primeira semana de gestação. Na gestação avançada, o
volume deglutido varia de 210 a 760 mL/d. Esses volumes não
incluem a quantidade de fluido eliminado pelo trato respiratório e
que é deglutida antes de alcançar o espaço amniótico.
Na primeira metade da gravidez, é possível um considerável volume
de líquido ser trocado por intermédio da pele altamente permeável
do feto. Após a queratinização (por volta da vigésima quarta
semana), a pele fetal impediria essa troca.
Qualquer desequilíbrio na produção e na eliminação do líquido
amniótico, por menor que seja, pode resultar em alterações
importantes em seu volume. A redução acentuada do fluido resultará
em oligoâmnio, e o aumento excessivo levará a polidrâmnio.
A redução acentuada do fluido resultará em
oligoâmnio, e o aumento excessivo levará a
polidrâmnio.

1. Vias de produção e reabsorção do líquido contido no saco


amniótico:
a) Deglutição fetal seguida de absorção intestinal;
b) Fluido pulmonar;
c) Produção urinária fetal;
d) Trocas por meio da membrana amniótica;
e) Trocas por intermédio das membranas que revestem a placenta, o
cordão umbilical e a pele fetal;
f) Secreções das cavidades oral e nasal.

16.3 OLIGOÂMNIO
16.3.1 Definição
O oligoâmnio caracteriza-se pela diminuição da quantidade de
líquido amniótico, incide em cerca de 4% das gestações e é
considerado entre a vigésima primeira e a quadragésima segunda
semanas de gestação, quando o volume do líquido amniótico é
inferior a 250 mL. Como esse volume é difícil de ser estimado na
prática, o critério ultrassonográfico é o mais utilizado para o
diagnóstico.
16.3.2 Etiologia
As principais causas determinantes da diminuição do volume
amniótico são rotura prematura de membranas, insuficiência
placentária e presença de anomalias congênitas fetais. Entre as
anomalias fetais mais relacionadas ao oligoâmnio, têm destaque as
que acometem o sistema urinário, principalmente a agenesia renal
bilateral, as displasias renais e a obstrução do trato urinário. A
hipertensão arterial, o tabagismo e a pós-maturidade,
provavelmente pela hipoperfusão placentária, também estão
relacionados à diminuição do volume de líquido amniótico. Em
poucas situações, a etiologia é desconhecida.
16.3.3 Prognóstico
O oligoâmnio relaciona-se, com frequência, a resultado perinatal
desfavorável, seja em razão da doença de base que o determinou,
seja em decorrência de seu efeito mecânico sobre o concepto. Dentro
da última causa, podem ser relacionados os seguintes fatores:
pressão contínua sobre o feto, provocando alterações
musculoesqueléticas, aderências entre o âmnio e as partes fetais,
determinando graves deformidades e desenvolvimento de hipoplasia
pulmonar e compressão funicular, principalmente durante o
trabalho de parto. Relaciona-se, ainda, com restrição de crescimento
fetal, alterações cardiotocográficas, aumento do percentual de
partos cesárea, baixos índices de Apgar ao nascimento, aumento da
mortalidade perinatal e maior incidência de líquido amniótico
meconial.
16.3.4 Diagnóstico

O diagnóstico clínico é difícil. A suspeita clínica ocorre sempre que a


altura uterina for incompatível com a esperada para a idade
gestacional, especialmente se estiver associada à acentuada redução
da movimentação fetal e fácil percepção das partes fetais à palpação
obstétrica.
A ultrassonografia tornou possível estimar o volume de líquido
amniótico. Para a obtenção do Índice de Líquido Amniótico (ILA),
divide-se o útero em 4 quadrantes, por meio de 2 linhas imaginárias,
perpendiculares, traçadas ao nível da cicatriz umbilical materna, a
vertical posicionada sobre a linha nigra (Figura 16.1). O maior bolsão
de líquido de cada quadrante, livre de partes fetais e/ou cordão
umbilical, é medido em seu diâmetro longitudinal, em centímetros
(Figura 16.2). A soma dos 4 valores obtidos, 1 em cada quadrante,
determina o resultado do ILA.
Figura 16.1 - Divisão do abdome materno em 4 quadrantes para a aferição do índice de
líquido amniótico
Fonte: acervo Medcel.

O valor do ILA inferior a 5 cm está relacionado ao pior prognóstico da


gestação, em correlação direta entre a diminuição do volume
amniótico, a não reatividade fetal à cardiotocografia e a presença de
desacelerações da frequência cardíaca fetal. O líquido meconial, a
indicação da cesárea por sofrimento fetal e baixos índices de Apgar
no primeiro e no quinto minuto costumam ser mais frequentes entre
pacientes com ILA ≤ 5 cm. Valores situados entre 5,1 e 7,9 são
considerados suspeitos, com classificação de líquido reduzido. ILA
situado entre 8 e 18 cm é considerado (totalmente) normal.
Figura 16.2 - Aferição do índice de líquido amniótico: maior bolsão livre de líquido
amniótico em cada quadrante

16.3.5 Conduta
Perante o diagnóstico ultrassonográfico do oligoâmnio, é
obrigatório pesquisar as causas determinantes da alteração,
especialmente a presença de malformações fetais. A ausência ou
acentuada redução do volume de líquido amniótico dificultará a
avaliação ultrassonográfica. Quando for afastada a presença de
alterações morfológicas, deverá ser dada atenção especial à possível
presença de restrição do crescimento fetal. É obrigatória a avaliação
frequente da vitalidade fetal por meio do perfil biofísico fetal e do
Doppler dos compartimentos placentário e fetal.
É muito importante o controle das doenças maternas associadas ao
oligoâmnio, especialmente da hipertensão arterial. A desidratação
materna também pode estar relacionada à diminuição do volume de
líquido.
A hidratação oral da gestante pode aumentar o ILA em
aproximadamente 30%.
Quando o oligoâmnio resulta de malformação fetal, especialmente a
obstrução do trato urinário, a derivação cirúrgica intraútero do fluxo
urinário, nos casos em que a função renal está preservada, pode
representar alternativa terapêutica, porém com resultados
modestos.
Durante o trabalho de parto e o parto dessas gestantes com
oligoâmnio, observa-se maior incidência de tocotraumatismos e
sofrimento fetal agudo, seja pela doença de base, seja pela
compressão do cordão umbilical do feto. As taxas de parto cesárea
são maiores nesses casos.
A infusão de soro fisiológico dentro das membranas amnióticas,
amnioinfusão, pode ser utilizada no transcorrer do trabalho de parto
para diminuir a chance de sofrimento fetal, principalmente pela
compressão do cordão umbilical e para diluir o mecônio,
minimizando as chances da síndrome de aspiração meconial. Ao
utilizar a técnica, relata-se redução do sofrimento fetal agudo, das
desacelerações da frequência cardíaca fetal, dos índices de cesáreas e
da síndrome de aspiração meconial.
Nas situações de oligoâmnio idiopático, indica-se interrupção da
gestação entre 37 e 38 semanas de idade gestacional. Quando o
oligoâmnio está associado a outras complicações, como restrição de
crescimento fetal e/ou insuficiência placentária, a conduta deve ser
individualizada.
Quadro 16.2 - Fatores associados à etiologia do oligoâmnio
16.4 POLIDRÂMNIO
16.4.1 Definição
A definição de polidrâmnio é um tanto controversa. Alguns o
definem como volume de líquido amniótico superior a 2.000 mL no
momento da resolução da gestação; há quem considere volume
superior a 3.000 mL; e outros o definem como a quantidade de
líquido amniótico em dobro da esperada para a idade gestacional.
Como esse volume é difícil de ser estimado na prática, o critério
ultrassonográfico é o mais utilizado para o diagnóstico.
Acredita-se que o polidrâmnio esteja presente em 0,4 a 1,5% das
gestações. Pode ser agudo, quando seu aparecimento é rápido, às
vezes instalado em menos de 24 horas e de ocorrência bastante rara,
ou crônico, com desenvolvimento mais lento no decorrer da
gestação e mais frequente no terceiro trimestre.
16.4.2 Etiologia
O excesso de líquido amniótico associa-se a algumas doenças, com
destaque para certas infecções, diabetes mellitus, doença hemolítica
perinatal e gemelaridade. Também existe a correlação entre o
aumento do volume do líquido amniótico e as malformações fetais.
O diabetes mellitus descompensado constitui a principal condição
materna associada ao polidrâmnio. Sugere-se que a hiperglicemia
fetal ocasione polaciúria, sendo o mecanismo fisiopatológico nesse
caso.
As principais anomalias ligadas ao aumento do volume de líquido
amniótico são aquelas que acometem o Sistema Nervoso Central
(SNC), o trato gastrintestinal, o coração, o trato geniturinário e o
sistema musculoesquelético fetal. As alterações do SNC são as mais
comuns, respondendo por 45% das anomalias congênitas
envolvidas; dessas, a anencefalia responderia por 80% das
anormalidades diagnosticadas. As malformações obstrutivas do
trato gastrintestinal superior, como a atresia esofágica, também
estão bastante relacionadas ao polidrâmnio.
Quadro 16.3 - Causas de polidrâmnio
16.4.3 Prognóstico
O polidrâmnio está relacionado ao aumento da morbimortalidade
perinatal, em virtude de sua coexistência com maior número de
malformações fetais, elevados índices de prematuridade, maior
frequência de alterações cromossômicas, prolapso de cordão,
descolamento prematuro de placenta ou é decorrente da doença
materna determinante do quadro, especialmente a isoimunização
pelo fator Rh e o diabetes mellitus.
O polidrâmnio também está associado ao aumento da morbidade
materna em consequência de maior número de apresentações
anômalas, descolamento prematuro de placenta, amniorrexis
prematura, distocia funcional e hemorragia pós-parto. Em pacientes
com cicatriz uterina prévia, o risco de rotura uterina está
aumentado. Os eventos citados determinam maior frequência de
parto cesárea.
#IMPORTANTE
O polidrâmnio está relacionado com aumento
da morbimortalidade fetal.

16.4.4 Diagnóstico
Deve-se suspeitar, quanto ao diagnóstico clínico, sempre que a
altura uterina for maior do que a esperada para a idade gestacional,
especialmente quando a paciente refere diminuição da
movimentação fetal e há dificuldade em palpar partes fetais e
realizar a ausculta fetal. O tônus uterino pode estar aumentado, e é
frequente o edema de membros inferiores e da parede abdominal,
além da presença de estrias abdominais. Em casos graves, podem
ocorrer desconforto respiratório e dispneia pela elevação e
compressão do diafragma e oligúria decorrente da compressão
ureteral pelo útero gravídico. No diagnóstico diferencial, deve-se
afastar a possibilidade de gemelaridade e macrossomia fetal.
A presença de um único bolsão de líquido amniótico medido
verticalmente, igual ou superior a 8 cm, faz o diagnóstico de
polidrâmnio. Com relação ao ILA, valores maiores que 18 cm são
considerados líquido amniótico aumentado e, quando maiores que
25 cm, possibilitam o diagnóstico de polidrâmnio.
De acordo com o Ministério da Saúde, o diagnóstico de polidrâmnio é
confirmado quando o ILA é maior que 18 cm (e não 25 cm, como
aponta a literatura tradicional).
O resultado perinatal nas gestações complicadas por polidrâmnio
parece estar intimamente relacionado à presença de malformações
fetais. Não havendo alterações morfológicas do feto, o prognóstico
neonatal é favorável, a menos que haja alguma intercorrência, como
descolamento prematuro de placenta, prolapso de cordão etc.
16.4.5 Conduta
O polidrâmnio leve raramente requer tratamento. Graus moderados,
com algum desconforto, podem ser acompanhados sem
procedimentos invasivos. A avaliação rigorosa das condições fetais é
obrigatória. Na presença de dispneia, dor abdominal intensa ou
dificuldade para deambular, a internação pode ser necessária.
Repouso e sedação podem ser utilizados paliativamente, pois não há
outra terapêutica satisfatória para o polidrâmnio sintomático além
da remoção do excesso de líquido amniótico por meio de
amniocentese.
A redução do volume de líquido amniótico, quando indicada, deve ser
realizada até que a altura uterina esteja compatível com a idade
gestacional ou se obtenha ILA compatível com a normalidade para a
idade gestacional. A remoção do líquido deve ser lenta, para que o
risco de desprendimento placentário seja pequeno. Além disso, a
descompressão aguda leva à redução do índice pulsátil da artéria
cerebral média do feto. O procedimento pode ser repetido, sempre
que necessário, para manter a gestante assintomática.
Como terapia alternativa, tem-se utilizado a indometacina, um
inibidor da síntese de prostaglandinas. O mecanismo de ação
provável seria a redução da produção urinária do concepto. A
indicação deve restringir-se aos casos idiopáticos, com menos de 32
semanas de gestação. A principal complicação é o risco de
fechamento precoce do ducto arterioso, especialmente após a
trigésima segunda semana de gestação. É essencial pesar os riscos e
os benefícios.
Nos casos de rotura de membranas durante o trabalho de parto, o
extravasamento do líquido por via vaginal deve acontecer de forma
lenta, para diminuírem os riscos de descolamento prematuro de
placenta e prolapso de cordão.
Nos casos leves e moderados, a gestação pode alcançar 39 a 40
semanas de idade gestacional. Nos casos graves, interrompe-se a
gestação com 37 semanas. Caso exista polidrâmnio grave em idade
gestacional compreendida entre 34 e 37 semanas, está indicada a
amniocentese para esvaziamento.
Quais são as malformações
fetais mais relacionadas ao
olidrâmnio e ao
polidrâmnio?
Entre as anomalias fetais mais relacionadas ao oligoâmnio,
têm destaque as que acometem o sistema urinário,
principalmente a agenesia renal bilateral, as displasias
renais e a obstrução do trato urinário.
As principais anomalias ligadas ao polidrâmnio são aquelas
que acometem o SNC, o trato gastrintestinal, o coração, o
trato geniturinário e o sistema musculoesquelético fetal. As
alterações do SNC são as mais comuns, respondendo por
45% das anomalias congênitas envolvidas; dessas, a
anencefalia corresponde a 80% das anormalidades
diagnosticadas. As malformações obstrutivas do trato
gastrintestinal superior, como a atresia esofágica, também
estão bastante relacionadas ao polidrâmnio.
Quais são os parâmetros de
interpretação da
cardiotocografia e do perfil
biofísico fetal?

17.1 INTRODUÇÃO E INDICAÇÕES


O prognóstico de gestações de alto risco tem melhorado nos últimos
anos devido ao melhor controle das doenças maternas e ao
desenvolvimento dos métodos de avaliação do bem-estar fetal. A
propedêutica para a avaliação da vitalidade fetal inclui os métodos
clínicos (observação de movimentação fetal), a cardiotocografia, o
Perfil Biofísico Fetal (PBF) e o Doppler. São testes não invasivos que
possibilitam a predição do sofrimento fetal, não a confirmação desse
diagnóstico.
Não há benefícios na utilização de métodos de propedêutica para a
avaliação da vitalidade fetal em gestações de baixo risco. Desse
modo, os testes para essa avaliação são indicados apenas para
gestações de alto risco e no momento em que existem viabilidade
fetal e maturidade do sistema nervoso autonômico do feto (permite
a avaliação da cardiotocografia), ou seja, após a vigésima quinta
semana de gestação.
Assim, somente a observação dos movimentos fetais e a ausculta dos
batimentos cardíacos devem ser feitas em todas as consultas
médicas durante o pré-natal.
Os métodos de avaliação da vitalidade fetal
devem ser utilizados no seguimento de
gestações de alto risco.

Dessa forma, os exames são indicados a situações em que haja risco


de sofrimento fetal e que podem ser divididas de acordo com o que
segue.
17.1.1 Doenças maternas
a) Síndromes hipertensivas: hipertensão arterial crônica, doença
hipertensiva específica da gestação, síndrome HELLP, iminência de
eclâmpsia e eclâmpsia;
b) Endocrinopatias: diabetes mellitus e tireoidopatias;
c) Cardiopatias: congênitas e adquiridas;
d) Pneumopatias;
e) Doenças do tecido conjuntivo: lúpus eritematoso sistêmico, artrite
reumatoide e dermatomiosite;
f) Nefropatias;
g) Hemopatias: anemias carenciais, anemias hemolíticas
(hemoglobinopatias), anemia falciforme e coagulopatias;
h) Trombofilias: congênitas e adquiridas;
i) Desnutrição materna;
j) Neoplasias.

17.1.2 Intercorrências da gestação


a) Restrição do crescimento fetal;
b) Pós-datismo;
c) Antecedentes obstétricos desfavoráveis: natimorto de causa
desconhecida, restrição do crescimento fetal e descolamento
prematuro de placenta;
d) Distúrbios na produção do líquido amniótico: oligoidrâmnio e
polidrâmnio;
e) Rotura prematura de membranas ovulares;
f) Gemelaridade: síndrome de transfusão fetofetal e gêmeos
discordantes;
g) Placenta prévia;
h) Doenças fetais;
i) Anemias fetais: isoimunização Rh;
j) Cardiopatias fetais;
k) Malformações e infecções fetais.

Quando os resultados dos exames de vitalidade fetal estão normais, a


continuidade da gestação está assegurada até o período mais
próximo do termo. As alterações na cardiotocografia e no PBF
representam diminuição da oxigenação no Sistema Nervoso Central
(SNC) do feto. Essa redução pode ocorrer com mais frequência em
casos em que já está instalada a insuficiência placentária, mas pode
também indicar alteração aguda. Resultados anormais desses testes
devem levar a raciocínio clínico que inclua sempre a avaliação sobre
eventuais danos decorrentes da hipóxia e da prematuridade.
17.2 MÉTODOS BIOFÍSICOS DE
AVALIAÇÃO
17.2.1 Cardiotocografia
A cardiotocografia de repouso é o método de avaliação de vitalidade
fetal que analisa parâmetros que possibilitam estudar os efeitos da
hipoxemia no SNC e, consequentemente, na Frequência Cardíaca
Fetal (FCF). Trata-se de um método simples e não invasivo, muito
usado em todo o mundo. Como principais desvantagens, devem ser
citadas as variações na interpretação (quando da análise visual, e
não da computadorizada), o alto custo e a imprecisão no
reconhecimento de desacelerações (quando realizada a
cardiotocografia computadorizada). Além disso, o uso excessivo da
cardiotocografia, especialmente em gestações de baixo risco, pode
levar a um aumento desnecessário nas taxas de partos operatórios e
cesarianas.
17.2.1.1 Parâmetros da frequência cardíaca fetal
A grande variabilidade intraobservador e interobservador existente
na interpretação dos traçados de cardiotocografia, determina a
utilização de parâmetros bem estabelecidos no estudo da FCF. O
consenso de cardiotocografia do National Institute of Child Health
and Human Development (NICHD) define os parâmetros a seguir.
a) Linha de base

A linha de base representa a média aproximada dos valores da FCF,


avaliada em qualquer segmento de 10 minutos do traçado
cardiotocográfico, excluindo segmentos em que a variação da FCF
apresente diferenças > 25 bpm, desacelerações e acelerações.
A FCF normal varia de 110 a 160 bpm, e seu comportamento sofre
influências da idade gestacional; assim, com a evolução da gestação,
há diminuição da frequência cardíaca basal e aumento na frequência
e na amplitude de acelerações transitórias.
Figura 17.1 - Cardiotocografia com linha de base e variabilidade normais

As causas mais comuns de bradicardia fetal (FCF < 110 bpm) são o
pós-datismo e o uso de drogas betabloqueadoras pela gestante.
Algumas arritmias, como o bloqueio atrioventricular fetal, também
cursam com bradicardia intensa, situações em que são observadas
frequências cardíacas mais baixas (de 50 a 60 bpm). Bradicardia
também pode estar presente nos casos terminais de sofrimento fetal.
Figura 17.2 - Bradicardia fetal: linha de base = 80 bpm

A taquicardia fetal (FCF > 160 bpm) tem como causa mais grave a
hipóxia fetal crônica, que aparece em virtude da estimulação do
componente simpático do sistema nervoso autônomo. Outras causas
associadas são hipertermia materna (a FCF se eleva em 10 bpm a
cada grau centígrado), infecção ovular, uso de drogas
parassimpaticolíticas (atropina) e uterolíticas (isoxsuprina,
orciprenalina e ritodrina), excesso de atividade fetal e
taquiarritmias, nas quais a FCF basal geralmente apresenta valores >
200 bpm.
Figura 17.3 - Taquicardia fetal: linha de base = 170 bpm
b) Variabilidade

A diminuição na variabilidade pode ser notada em situações como


hipóxia, sono fisiológico fetal e ação de drogas (barbitúricos,
opiáceos e tranquilizantes). Na prematuridade, em virtude da
imaturidade do componente parassimpático do sistema nervoso
autônomo, é normal a diminuição da variabilidade da FCF.
Figura 17.4 - Frequência cardíaca fetal com variabilidade diminuída

O aumento da variabilidade está relacionado à movimentação


excessiva do feto e pode ser verificado na hipoxemia aguda.
Figura 17.5 - Frequência cardíaca fetal com variabilidade aumentada
O padrão sinusoidal é caracterizado por ondas em forma de sino,
com amplitudes de 5 a 15 bpm, padrão monótono, ritmo fixo e
regular que não se alteram, mesmo após a aplicação de estímulos. O
padrão sinusoidal está associado a risco elevado de morte fetal,
podendo ser observado em fetos com anemia grave (fetos hidrópicos
de gestações isoimunizadas graves ou hidropisia não imune), além
do uso materno de narcóticos e alguns casos de corioamnionite.
Figura 17.6 - Padrão sinusoidal

c) Acelerações transitórias
De acordo com a classificação proposta pelo NICHD, a aceleração
transitória é definida como a ascensão abrupta (intervalo entre o
início da aceleração e o pico < 30 segundos) da FCF, cujo ápice é
maior ou igual a 15 bpm em relação à linha de base, com duração
mínima de 15 segundos e duração máxima de até 2 minutos. Em
idade gestacional inferior a 32 semanas, as acelerações são definidas
quando o pico atinge 10 bpm, com duração ≥ 10 segundos.
A aceleração prolongada é definida quando sua duração é igual ou
superior a 2 minutos e inferior a 10 minutos. Quando superior a 10
minutos, é considerada mudança da linha de base.
Figura 17.7 - Acelerações transitórias

Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 17.8 - Acelerações transitórias


d) Desacelerações

As desacelerações intraparto (DIPs) são classificadas em precoces


(DIP I), tardias (DIP II) e variáveis (DIP U, umbilical) e relacionam-
se temporalmente com as contrações uterinas.
1. DIP I
Na DIP I, a queda da FCF coincide com a contração uterina ou, caso
apresente decalagem (intervalo entre o pico da contração uterina e o
nadir da desaceleração), esta será inferior a 15 segundos. Essas
desacelerações ocorrem pela compressão do polo cefálico e são
secundárias às contrações uterinas. Nessas situações, ocorre
aumento momentâneo da pressão intracraniana do feto, com
redução do fluxo sanguíneo cerebral e consequente hipóxia. A
hipóxia local estimula o centro vagal no quarto ventrículo, levando à
diminuição da FCF concomitantemente à queda local da pO2.
Esse tipo de desaceleração é comum no período expulsivo do
trabalho de parto e raramente ocorre com membranas amnióticas
íntegras, com a exceção de casos em que há oligoidrâmnio grave.
Não há correlação com ocorrência de sofrimento fetal ou acidose no
nascimento. A presença dessas desacelerações não implica indicação
de parto imediato.
As desacelerações precoces não são habituais no período anteparto
pelo fato de as contrações de Braxton Hicks não apresentarem, como
característica, o tríplice gradiente descendente nem a intensidade
das contrações de trabalho de parto, o que faz que, mesmo em
condições de oligoidrâmnio ou membranas rotas, seja raro esse tipo
de desaceleração.
Figura 17.9 - Fisiopatologia

Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 17.10 - Desaceleração precoce


2. DIP II
As desacelerações tardias (DIP II) são simétricas e recorrentes e têm
início após o período de decalagem, de 20 a 30 segundos. Estão
associadas à diminuição do pH fetal no momento do nascimento e
maiores morbidade e mortalidade perinatal. A presença de
variabilidade diminuída acompanhada de DIP II apresenta
associação direta a sofrimento fetal grave. Quanto mais frequentes
as desacelerações, maior o risco de acidose metabólica.
A DIP II é causada por hipoxemia fetal resultante da redução do fluxo
sanguíneo placentário em fetos com baixa reserva em oxigênio. A
pO2 basal dos fetos situa-se entre 23 e 30 mmHg, valores suficientes
para que, mesmo durante as contrações uterinas, quando ocorre
diminuição do fluxo sanguíneo placentário, a pO2 se mantenha em
níveis > 18 mmHg.
Fetos com baixa reserva de oxigênio não suportam essa redução do
fluxo sanguíneo para a placenta que ocorre durante as contrações
uterinas. A pO2 < 18 mmHg deflagra estímulo de quimiorreceptores,
o que leva a vasoconstrição e resposta alfa-adrenérgica. Tal resposta
gera hipertensão arterial fetal, com consequente estímulo a
barorreceptores e resposta vagal, com posterior bradicardia. A
presença de DIP II, apesar de ser patognomônica de sofrimento fetal,
não indica, por si só, parto imediato.
Figura 17.11 - Fisiopatologia

Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 17.12 - Desaceleração tardia


3. DIP umbilical
As desacelerações variáveis (DIP umbilical) são recorrentes e não
apresentam relação com as contrações uterinas de forma fixa. Seu
início e fim são abruptos, e podem ser precedidas ou seguidas por
pequenas acelerações de frequência cardíaca ocasionadas pela
compressão momentânea do cordão umbilical.
A oclusão dos vasos umbilicais interrompe a circulação sanguínea,
além de aumentar a resistência vascular periférica e a pressão
arterial do feto. Por mecanismo reflexo, há estímulo de
barorreceptores e consequente redução da FCF.
Na dependência da frequência e da duração desses episódios, poderá
ocorrer acidose fetal, pois a interrupção das trocas materno-fetais
ocasiona redução do nível de oxigênio e acúmulo de CO2 no sangue
do feto.
São parâmetros avaliados em uma
cardiotocografia: linha de base, variabilidade da
frequência cardíaca fetal, presença de
acelerações transitórias e ausência de
desacelerações.

Figura 17.13 - Fisiopatologia


Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 17.14 - Desaceleração variável


À semelhança da aceleração prolongada, a desaceleração prolongada
é a queda da FCF de natureza rápida ou lenta, de amplitude variável,
porém > 15 bpm, com duração de 2 a 10 minutos e posterior retorno à
linha de base. Quando a duração for igual ou superior a 10 minutos,
será considerada mudança na linha de base; diversas vezes, é
associada à hipotensão materna e/ou hipertonia uterina.
17.2.1.2 Interpretação

Os parâmetros descritos podem ser interpretados utilizando-se


índices que incluam a avaliação dos diversos componentes da FCF. O
índice cardiotocométrico de Zugaib-Behle é o somatório das
diversas pontuações recebidas. Com base nesses valores, o feto é
classificado em ativo (índices 4 e 5, normal), hipoativo (índices 2 e 3,
suspeito) e inativo (índices 0 e 1, alterado).
Quadro 17.1 - Índice cardiotocométrico de Zugaib-Behle
Quando a cardiotocografia é realizada no período intraparto, a
classificação mais utilizada é a proposta pelo American Congress of
Obstetricians and Gynecologists a seguir.
Quadro 17.2 - Classificação de cardiotocografia do American Congress of Obstetricians
and Gynecologists
Com tal classificação, fetos identificados como categoria I devem ser
seguidos com monitorização habitual, pois são fetos normais. Por
outro lado, exames classificados como categoria II e III apresentam
traçados não tranquilizadores e tais fetos merecem atenção
redobrada. Nas situações dos fetos categoria II deve haver
seguimento de propedêutica e vigilância mais próxima e nas
situações de categoria III medidas devem ser tomadas: oxigenação
materna, mudança de decúbito, avaliação da contratilidade uterina,
correção da pressão arterial materna etc. Caso não ocorra melhora
das condições fetais, a cesárea deverá ser indicada.
Quadro 17.3 - Demonstração dos padrões normais, suspeitos e patológicos, de acordo
com o Ministério da Saúde
a) Cardiotocografia estimulada

A cardiotocografia estimulada objetiva alterar o estado de sono fetal


para o de vigília; é um complemento da cardiotocografia de repouso
quando esta apresenta resultado suspeito (feto hipoativo). Tem
importância no discernimento de fetos com boa oxigenação que
estejam apenas em período de sono daqueles que realmente estão
apresentando alterações na frequência cardíaca decorrentes da
hipoxemia. O estímulo ao feto pode ser sonoro, mecânico
(movimentação do polo cefálico) ou vibratório.
b) Teste da estimulação sonora

Em grande parte dos serviços obstétricos, opta-se pelo teste da


estimulação sonora, utilizando-se fonte que tem por características
frequência de 500 a 1.000 Hz e pressão sonora de 110 a 120 dB.
Após a análise do traçado da cardiotocografia de repouso e o
diagnóstico de hipoatividade ou inatividade fetal, coloca-se a buzina
sobre o ventre materno (na região correspondente ao polo cefálico
fetal). Aciona-se a buzina por, pelo menos, 3 segundos. A
interpretação da resposta cardíaca fetal baseia-se na resposta
cardioaceleratória.
1. Feto reativo: quando há resposta com aumento da frequência
cardíaca > 20 bpm, com duração > 180 segundos (considera-se o
término da resposta quando há retorno para a linha de base por 30
segundos ou mais). Quando, após essa resposta inicial, observa-se a
presença de aceleração transitória, a resposta é ainda chamada
bifásica. A ausência de aceleração transitória após a estimulação
constitui a resposta monofásica;
2. Feto hiporreativo: quando amplitude < 20 bpm e/ou duração < 3
minutos;
3. Feto não reativo: quando não se verifica resposta cardíaca fetal.

Figura 17.15 - Resultado hipoativo/hiporreativo monofásico


Figura 17.16 - Resultado hipoativo/hiporreativo
Figura 17.17 - Resultado hipoativo/não reativo

17.2.2 Perfil biofísico fetal


O PBF é um método de avaliação do bem-estar fetal que estuda
atividades biofísicas fetais e a estimativa do volume de líquido
amniótico. Baseia-se na hipótese de que as atividades biofísicas
fetais são reflexos do grau de oxigenação do SNC e tem, por objetivo,
associar variáveis analisadas separadamente para melhorar a
predição do sofrimento fetal. Além disso, consiste em exames
cardiotocográfico e ultrassonográfico e é indicado como
complemento a:
1. Cardiotocografias normais: resultado normal na cardiotocografia
não exclui a possibilidade da existência de oligoidrâmnio, tornando
necessária a avaliação do Índice do Líquido Amniótico (ILA). A
realização apenas da cardiotocografia e do ILA configura o PBF
simplificado;
2. Cardiotocografias suspeitas ou anormais: para diminuir os
resultados falsos positivos da cardiotocografia e evitar os partos
prematuros iatrogênicos. São importantes para avaliar situações em
que as alterações da FCF são decorrentes de arritmias cardíacas
fetais ou da utilização de drogas pela mãe (betabloqueadores,
sedativos), que atravessam a placenta e interferem na FCF.
O PBF é composto por 4 marcadores agudos e 1 marcador crônico.
17.2.2.1 Marcadores agudos

Os marcadores agudos são FCF (avaliação da cardiotocografia),


movimentos torácicos fetais, movimentos corpóreos fetais e tônus
fetal. Correspondem a parâmetros que têm o seu comportamento
controlado por áreas específicas no SNC, e seu desenvolvimento
ocorre em diferentes idades gestacionais. A sensibilidade desses
centros nervosos a hipoxemia respeita a ordem inversa do
desenvolvimento embrionário (teoria da hipóxia gradual), ou seja,
em situações de hipóxia, o primeiro marcador a sofrer alteração foi o
que se desenvolveu por último, e assim por diante.
Dessa forma, a FCF é o primeiro parâmetro a ser alterado; a seguir,
os movimentos torácicos fetais, depois os movimentos corpóreos
fetais e, por último, o tônus fetal. Observa-se ainda que,
considerando essa teoria, caso a cardiotocografia seja normal, todos
os outros parâmetros agudos estarão normais, e é possível realizar
apenas a medida do ILA (PBF simplificado), com resultados tão
confiáveis como quando se inclui a avaliação de todos os marcadores
agudos.
17.2.2.2 Marcador crônico

O marcador crônico do PBF é o líquido amniótico. Após a segunda


metade da gestação, os principais responsáveis pela produção do
líquido são os pulmões e, principalmente, os rins. Diante da
hipoxemia crônica e após o desencadeamento do fenômeno da
centralização da circulação fetal, ocorre redução da perfusão
sanguínea dos rins, levando a menor diurese e, assim, diminuição do
volume de líquido amniótico. Esse parâmetro pode ser estimado por
meio do ILA ou pela medida do maior bolsão.
17.2.2.3 Descrição dos parâmetros biofísicos

Cada um dos 5 parâmetros já descritos recebe, para composição do


PBF, a pontuação 0 ou 2, de acordo com a obtenção (2 pontos) ou não
(0 ponto) dos critérios estabelecidos.
a) Cardiotocografia

Considera-se normal: padrão ativo (classificação de Zugaib-Behle),


padrão reativo ao estímulo sonoro ou padrão bifásico (observação de
acelerações transitórias após a resposta ao estímulo sonoro).
b) Variáveis ultrassonográficas

As variáveis ultrassonográficas (movimentos torácicos fetais,


movimentos corpóreos fetais, tônus fetal e volume de líquido
amniótico) são observadas pelo período máximo de 30 minutos,
entretanto a média de tempo necessário para a observação dessas
variáveis é inferior a 5 minutos. A observação das variáveis pelo
período de até 30 minutos objetiva evitar as possíveis influências do
ciclo sono-vigília fetal.
c) Movimentos torácicos fetais

Os movimentos torácicos fetais (também chamados movimentos


respiratórios fetais) são considerados paradoxais, pois, ao contrário
da respiração em ar ambiente, quando ocorre o rebaixamento do
diafragma, observam-se retração, e não expansão da caixa torácica.
Esses movimentos do tronco fetal são facilmente observados por
meio da ultrassonografia de tórax fetal e pelos movimentos em
gangorra com afastamento e aproximação dos arcos costais.
Considera-se normal a presença de episódio de movimentos
torácicos com duração de 30 segundos. Esses movimentos ocorrem
em episódios intercalados por momentos de pausa e sofrem a
influência de alguns fatores: podem estar ausentes na hipóxia, na
infecção ovular e na hipoglicemia e exacerbados na hiperglicemia e
quando há consumo excessivo de cafeína.
d) Movimentos corpóreos fetais

A atividade motora fetal pode ser identificada por meio de


ultrassonografia já no primeiro trimestre e inclui movimentação de
polo cefálico, face, tronco e membros.
A maioria desses movimentos pode ser perceptível pela gestante.
Os movimentos corpóreos fetais podem ser classificados em simples
(movimentos de flexão e extensão de membros), rotação
(movimentos de tronco), estiramento (movimentos coordenados de
tronco e membros) e movimentos torácicos.
Além disso, podem estar diminuídos ou mesmo ausentes em
situações de sono fetal, drogas sedativas, curare, cigarro e hipóxia
fetal, ou estimulados pela contração uterina e mesmo por estímulos
externos, como o sonoro ou o motor. A ocorrência de movimento
rápido e amplo ou de 3 movimentos corpóreos lentos caracteriza a
normalidade dessa atividade biofísica.
e) Tônus

O tônus é a primeira atividade biofísica a se desenvolver e a última a


desaparecer na avaliação do PBF. É verificado pela atitude fetal de
flexão ou pela presença de movimentação corpórea adequada. Na
ausência de movimentos corpóreos fetais, deve-se avaliar o tônus
pela identificação dos movimentos de abertura e fechamento das
mãos e pela observação dos movimentos palpebrais ou de sucção.
f) Volume de líquido amniótico

Pode-se utilizar a medida do maior bolsão de líquido para avaliação


do volume de líquido amniótico. Para ser considerado normal, é
necessário que o maior bolsão meça mais que 2 cm.
Uma alternativa para avaliação do volume de líquido amniótico é a
utilização do ILA, que permite o estudo de toda a cavidade uterina.
Consideram-se normais valores de ILA entre 5 e 25 cm. O ILA é
obtido a partir da divisão imaginária do útero em 4 quadrantes e
posterior soma do comprimento vertical do maior bolsão de cada 1
dos quadrantes do útero, determinados por essa divisão.
O útero é dividido pela linha nigra longitudinal e perpendicularmente
por uma linha que passa pela cicatriz umbilical.
O perfil biofísico fetal é composto por 1
marcador crônico – volume de líquido amniótico
– e 4 marcadores agudos – cardiotocografia,
movimentação respiratória, movimentação
corpórea e tônus fetal.
Quadro 17.4 - Atividades biofísicas e suas áreas de controle no sistema nervoso central

g) Interpretação do perfil biofísico fetal


Para cada uma das variáveis consideradas normais, são atribuídos 2
pontos; para as anormais, 0 ponto. O valor total do teste varia,
portanto, de 0 a 10 pontos. A interpretação clínica e a conduta variam
com os escores obtidos e cada serviço obstétrico.
Quadro 17.5 - Interpretação do perfil biofísico fetal

O Quadro a seguir demonstra o protocolo do Ministério da Saúde do


Brasil. Indica-se resolução da gestação quando os valores do PBF são
< 6 (4, 2 ou 0). Essa indicação se baseia no fato de que, abaixo desse
valor, existe associação à acidose no nascimento, marcador
considerado padrão-ouro para o diagnóstico de sofrimento fetal.
A morbidade neonatal aumenta significativamente e de forma
inversamente proporcional aos valores do PBF.
A indicação da realização do parto deve sempre considerar a idade
gestacional e o risco de morte e sequelas neonatais. Assim, os
valores de PBF iguais a 6 poderão indicar a resolução da gestação,
quando a idade gestacional for superior a 34 semanas, ou poderão
indicar reavaliação após 6 horas (com traçado de cardiotocografia
mais longo), quando a idade gestacional for inferior ou muito
próxima a 28 semanas. Devem ser considerados, ainda, o quadro
clínico materno, a estabilização ou não da causa do sofrimento fetal
e a existência de outras alterações fetais, como a presença de
restrição do crescimento fetal ou outras anormalidades no exame de
Doppler.
Quadro 17.6 - Conduta obstétrica de acordo com o resultado do perfil biofísico fetal –
Ministério da Saúde

Legenda: Relação L-E: relação lecitina-esfingomielina.

17.2.3 Doppler
O Doppler visa à avaliação indireta da função placentária
(insuficiência placentária) e da resposta fetal a hipoxemia. Esse
exame possibilita, de forma não invasiva, estudar a hemodinâmica
fetal em resposta ao déficit de oxigenação.
A dopplervelocimetria pode ser utilizada para avaliar as circulações
materna (artérias uterinas), fetoplacentária (artérias umbilicais) e
fetal (artéria cerebral média, aorta abdominal, artérias renais, ducto
venoso e seio transverso).
Apesar de não existirem evidências sobre efeitos prejudiciais da
utilização da ultrassonografia e da dopplervelocimetria na gestação,
orienta-se a identificação da imagem bidimensional com posterior
acionamento do dispositivo Doppler colorido e pulsado pelo menor
tempo necessário, evitando os possíveis, mas improváveis, danos
biológicos.
17.2.4 Obtenção dos sonogramas
1. Para a obtenção dos sonogramas de determinado vaso, deve-se
sempre:
a) Identificar com precisão o vaso a ser estudado, utilizando
mapeamento colorido do fluxo sanguíneo, caso necessário;
b) Verificar a normalidade da FCF (de 110 a 160 bpm). A bradicardia e
a taquicardia podem alterar os sonogramas, invalidando os seus
resultados;
c) Comprovar a ausência de movimentação torácica fetal no momento
do exame, já que a presença desses movimentos altera a pressão
intratorácica e, consequentemente, a hemodinâmica fetal;
d) Atentar-se ao local de insonação das artérias umbilicais; quanto
mais próximo à placenta, menor a resistência;
e) Fixar o filtro de janela em 50 Hz; isso reduz a interferência de vasos
e tecidos adjacentes ao vaso de interesse, sem ocasionar perda de
informações dos sonogramas analisados.

17.2.4.1 Técnica para a obtenção de sonogramas

1. Artérias umbilicais: a avaliação deve ser realizada próxima à


inserção do cordão umbilical na placenta;
2. Artéria cerebral média: quando identificado o polígono de Willis,
detectam-se facilmente as artérias cerebrais médias e os ramos mais
calibrosos da artéria carótida interna. Deve-se insonar a emergência
do vaso situado no hemisfério mais próximo ao transdutor;
3. Ducto venoso: em corte transversal do abdome fetal, quando
visualizada a veia umbilical, nota-se a origem do ducto venoso, local
onde deve ser obtido o sonograma.
17.2.4.2 Interpretação dos sonogramas

A maioria dos índices utilizados para a avaliação dos sonogramas


considera velocidades máximas e mínimas e a avaliação de todo o
ciclo cardíaco com estudo da velocidade média. O estudo do
sonograma pode ser feito de forma qualitativa (forma da onda) ou
quantitativa (utilização de índices).
Figura 17.18 - Sonogramas arterial e venoso

Legenda: Sístole (S); Velocidade Média (VM); contração Atrial (A); Diástole (D).

Os índices mais utilizados são relação sístole-diástole (A-B), índice


de pulsatilidade (sístole-diástole/velocidade média) e índice de
resistência (sístole-diástole/sístole).
#IMPORTANTE
O índice com melhor desempenho na avaliação
da vitalidade fetal é o índice de pulsatilidade
(IP).

Cada vaso de interesse apresenta curva de normalidade


correspondente e relacionada à respectiva idade gestacional. O
estudo da forma da onda tem aplicabilidade na identificação da
incisura protodiastólica nas artérias uterinas e na identificação de
fluxo ausente ou reverso nas artérias umbilicais e no ducto venoso.
No primeiro trimestre, geralmente se observa fluxo diastólico
ausente nas artérias umbilicais. Por volta da décima quarta semana
de gestação, o fluxo diastólico já se torna positivo, refletindo a
diminuição da resistência placentária decorrente da primeira onda
de invasão trofoblástica. Com a evolução da gestação e da
placentação, ocorre aumento gradual do fluxo diastólico nos vasos
umbilicais.
#IMPORTANTE
Com a evolução da gestação e da placentação,
ocorre aumento gradual do fluxo diastólico nos
vasos umbilicais.

Figura 17.19 - Artérias uterinas com incisura protodiastólica (seta)


Figura 17.20 - Artéria umbilical com diástole 0
Figura 17.21 - Artéria umbilical com diástole reversa

17.2.4.3 Indicações e aplicabilidade do Doppler

a) Diagnóstico de insuficiência placentária

A dopplervelocimetria dos vasos que destinam seus fluxos à placenta


(artérias uterinas e umbilicais) é utilizada para o estudo da função
placentária. A realização desse exame está indicada às gestações que
possam evoluir com insuficiência placentária, e sua utilização como
rotina na assistência pré-natal de gestações de baixo risco não traz
benefícios para o prognóstico fetal.
Entre as doenças maternas que mais se relacionam à insuficiência
placentária, devem ser citadas hipertensão arterial em todas as suas
formas; diabetes mellitus tipos 1 e 2; trombofilias congênitas e
adquiridas; cardiopatias, principalmente as cianóticas e aquelas com
grave comprometimento funcional desse órgão; lúpus e
pneumopatias restritivas graves.
O Doppler de artérias uterinas é usualmente realizado na vigésima
sexta semana de idade gestacional, e a primeira avaliação das
artérias umbilicais, em torno de 20 a 26 semanas.
b) Doppler de artérias uterinas

A invasão trofoblástica inadequada determina manutenção de alta


resistência vascular nas artérias uterinas e justifica os resultados
anormais observados à dopplervelocimetria. Essas anormalidades se
relacionam à maior frequência de casos de restrição do crescimento
fetal e de pré-eclâmpsia; os sonogramas caracterizam-se por
índices dopplervelocimétricos elevados (acima do percentil 95 de
curva de normalidade) e presença de incisura protodiastólica em
ambas as artérias, que persistam após 24 a 26 semanas de gestação.
Apesar de haver associação entre resultados anormais na
dopplervelocimetria de artérias uterinas e resultados perinatais
adversos, o valor preditivo positivo do teste é baixo, o que limita a
sua utilização na prática clínica.
c) Doppler das artérias umbilicais

O Doppler das artérias umbilicais reflete a resistência placentária,


que pode estar aumentada por placentação inadequada, tromboses
ou infartos presentes na placenta. É o melhor vaso para avaliar o
bem-estar fetal nos casos de restrição de crescimento e insuficiência
placentária.
Tais alterações podem ser quantificadas pelos altos valores nos seus
índices dopplervelocimétricos (relação sístole-diástole, índice de
pulsatilidade) pela análise qualitativa da imagem, que mostraria
diminuição ou ausência de fluxo diastólico final ou fluxo reverso nas
artérias umbilicais.
Na avaliação dopplervelocimétrica da artéria umbilical, o IP tem
estrita relação com o pleno funcionamento da placenta, refletindo a
proporção de vilosidades coriais que desempenham corretamente as
suas funções de trocas gasosas entre mãe e feto:
1. Nas situações em que o IP se encontra abaixo do percentil 95%
para a idade gestacional, admite-se que entre 75 a 100% das
vilosidades funcionam adequadamente;
2. Acima do percentil 95%, essa proporção cai para 50 a 75% das
vilosidades;
3. Nos casos de diástole 0, apenas 25 a 50% das vilosidades realizam
as trocas corretamente, implicando falência placentária grave. Já
quando se tem a diástole reversa, essa proporção é de menos de 25%,
o que está relacionado com elevada incidência de acidemia fetal e
morbidade neonatal. Evento raro, mesmo em gestações de alto risco
(aproximadamente, 2%), o fluxo ausente ou reverso nas artérias
umbilicais (diástole 0, diástole reversa) representa insuficiência
placentária grave. A detecção de fluxo ausente ou reverso é associada
a resultado perinatal adverso, com taxas de óbito fetal de 170:1.000 e
de óbito neonatal de 280:1.000 casos.

d) Avaliação da hemodinâmica fetal

As adaptações do sistema hemodinâmico fetal


objetivam a redistribuição do fluxo sanguíneo,
priorizando-o para áreas nobres, como cérebro,
coração e glândulas suprarrenais em
detrimento de músculos, vísceras e rins.

Quando se identifica a presença de anormalidades na


dopplervelocimetria de artérias umbilicais (resultados de índices
anormais e com fluxo diastólico ainda positivo ou diagnóstico de
fluxo ausente ou reverso), a insuficiência placentária deve ser
considerada. Nessas situações, possivelmente há menor oferta de
nutrientes ao feto, o que culminará em restrição do crescimento fetal
e diminuição da oferta de oxigênio, causando hipoxemia e
consequente desencadeamento de resposta hemodinâmica fetal.
As adaptações do sistema hemodinâmico fetal objetivam a
redistribuição do fluxo sanguíneo, priorizando-o para áreas nobres,
como cérebro, coração e glândulas suprarrenais em detrimento de
músculos, vísceras e rins. Trata-se de um mecanismo de defesa fetal
diante da hipóxia. Essa redistribuição de fluxo é conhecida como
centralização da circulação fetal e pode ser avaliada pela
dopplervelocimetria do território arterial.
Na sequência de alterações hemodinâmicas desencadeadas pela
hipoxemia, após as modificações no território arterial, ocorrem
anormalidades no sistema venoso fetal. É importante esclarecer que
valores anormais, observados no estudo de qualquer uma das
artérias fetais, não são indicativos de parto.
A artéria cerebral média é o vaso escolhido para o estudo do
território arterial do feto, pois a obtenção de sonograma é fácil e de
boa reprodutibilidade. Em situações de centralização da circulação
fetal, observa-se aumento do fluxo sanguíneo na diástole, com
diminuição dos índices de pulsatilidade. O estudo do Doppler
demonstrará um aumento do fluxo diastólico nesse vaso e uma
diminuição da resistência em sua circulação. Assim, valores de IP
abaixo do percentil 5 para a idade gestacional são considerados
anormais.
Persistindo a insuficiência placentária e consequente hipóxia fetal,
após as alterações de fluxo da artéria umbilical e da artéria cerebral
média, a vasoconstrição periférica gera aumento da pressão das
câmaras cardíacas e, consequentemente, alterações no território
venoso fetal. O aumento da pressão cardíaca no ventrículo direito
pode resultar em um fluxo retrógrado na veia cava inferior durante a
contração atrial, o que provoca uma redução no fluxo sanguíneo no
ducto venoso. Dessa maneira, o Doppler do ducto venoso começa a
apresentar um aumento dos valores de IP nessa situação.
Portanto, o ducto venoso é considerado um importante parâmetro
hemodinâmico preditor de morbidade e mortalidade neonatal, uma
vez que quanto maior seu IP, menor será o pH ao nascimento,
correlacionando-se fortemente com eventos neonatais adversos,
especialmente sequelas neurológicas.
e) Seguimento das gestações com diagnóstico de insuficiência
placentária
De acordo com o Ministério da Saúde, os parâmetros de avaliação do
bem-estar fetal são representados por uma boa relação entre os
fluxos da artéria cerebral média e das artérias umbilicais.
O índice de Wladimiro é a relação da artéria cerebral/artéria
umbilical, sendo valores considerados normais os > 1. Esta relação
permite a caracterização do quadro de Centralização Hemodinâmica
Fetal (CHF), situação em que os valores são < 1.
Os sinais iniciais do comprometimento fetal no Doppler são as
alterações nas artérias umbilicais com aumento na resistência de
fluxo, seguidos de um efeito de redistribuição dos fluxos com
vasodilatação da artéria cerebral média e, por fim, nos quadros mais
graves, evoluindo com alteração ao Doppler venoso fetal – ducto
venoso.
A redução, a ausência (diástole 0) ou a reversão (diástole reversa) do
fluxo diastólico na artéria umbilical é indicação para intensificação
da vigilância do bem-estar fetal ou da programação do parto,
dependendo da condição clínica da paciente.
Nas situações em que há necessidade de melhorar a especificidade do
método, principalmente diante de fetos muito prematuros (< 32
semanas), em que a prematuridade pode ser um fator mais
preocupante do que a patologia, a avaliação da circulação venosa
fetal feita por meio do ducto venoso oferece um recurso mais
específico de comprometimento fetal, e serve como elemento de
decisão sobre a programação do parto. A redução e a ausência da
onda A no fluxo do ducto venoso é um achado altamente
correlacionado com asfixia, acidose fetal e falência da bomba
cardíaca.
As alterações do fluxo na artéria cerebral média, isoladamente, não
se correlacionam bem com os estágios finais de comprometimento
de oxigenação fetal e não são úteis para determinar o momento do
parto.
#IMPORTANTE
O principal parâmetro dopplervelocimétrico
fetal que indica resolução da gestação é a
alteração no índice de pulsatilidade do ducto
venoso (IP > 1 a 1,5).
Quais são os parâmetros de
interpretação da
cardiotocografia e do perfil
biofísico fetal?
Os parâmetros utilizados para a avaliação da
cardiotocografia são linha de base, variabilidade, presença
de acelerações transitórias e ausência de desacelerações da
frequência cardíaca fetal. Já os parâmetros utilizados para
a avaliação do perfil biofísico fetal são cardiotocografia,
movimentação respiratória, movimentação corpórea e
volume de líquido amniótico.
Qual é o protocolo de
conduta nos casos de
gestação no pós-datismo e
na gestação prolongada?

18.1 INTRODUÇÃO
A placenta tem duração fisiológica em torno de 280 a 300 dias.
Observam-se alterações fisiológicas e aceleração dos fenômenos de
envelhecimento placentário no período próximo ao termo da
gestação, o que pode interferir nas trocas materno-fetais realizadas
pela placenta e determinar oxigenação inadequada do produto
conceptual. O déficit nutritivo geralmente não ocorre nessas
situações, uma vez que a insuficiência placentária tende a ocorrer
após o crescimento adequado do feto.
A International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) consideram que a gestação
seja prolongada (pós-termo) quando dura mais de 294 dias (42
semanas completas), a partir do primeiro dia do último período
menstrual.
O termo “pós-datismo” é utilizado para as gestações entre 280 e
294 dias (de 40 a 42 semanas completas).
18.2 INCIDÊNCIA E FATORES DE RISCO
A incidência de pós-datismo varia entre as diversas populações,
oscilando entre 3 e 14% das gestações.
A gestação prolongada é mais frequente em primíparas, com
incidência de cerca de 10%. Alguns fatores maternos e fetais estão
associados e podem ser citados:
1. Baixas condições socioeconômicas: desconhecimento da data da
última menstruação e início tardio do pré-natal, situações que
podem facilitar a gestação prolongada;
2. Ciclos menstruais irregulares: principalmente os ciclos
espaniomenorreicos têm ovulação incerta, frequentemente em
períodos não reconhecíveis;
3. Antecedente de gravidez prolongada: risco de 30 a 50% de
repetição do evento;
4. Utilização de anticoncepcionais hormonais: podem determinar
ovulações em períodos irregulares e desconhecidos, dificultando a
estimativa da correta idade gestacional e aumentando a ocorrência
de pós-datismo e gestação prolongada;
5. Idade materna: apesar de não ser confirmada em todos os estudos,
alguns autores defendem que a idade materna avançada predispõe a
gestação prolongada;
6. Malformações fetais: anencefalia e insuficiência ou hipoplasia da
adrenal determinam maior incidência de pós-datismo;
7. Deficiência de sulfatase placentária: doença rara e de herança
recessiva associada ao cromossomo X, resultando em menores
níveis de estradiol, o que pode retardar o início do Trabalho de Parto
(TP). Ocorre em fetos do sexo masculino;
8. Excesso de produção de progesterona: em situações em que
ocorre produção aumentada de progesterona pela placenta, pode
haver retardo do início do TP (a progesterona tem ação
miorrelaxante).
18.3 COMPLICAÇÕES

A taxa de mortalidade perinatal aumenta com o


prolongamento da gestação.

A taxa de mortalidade perinatal aumenta com o prolongamento da


gestação. São observadas taxas de 2,3:1.000 nascidos vivos com 40
semanas, 3:1.000 nascidos vivos com 42 semanas e 4:1.000 nascidos
vivos com 43 semanas de gestação.
O risco de mortalidade infantil também aumenta com a progressão
da gestação: de 0,34:1.000 nascidos vivos com 37 semanas e
3,72:1.000 nascidos vivos com 43 semanas de gestação.
O risco de perda (natimortos + mortalidade infantil) também
aumenta de 2,4:1.000 com 40 semanas para 5,8:1.000 com 43
semanas de gestação.
As morbidades gestacional e neonatal também são maiores em
gestações que atingem 40 semanas. Observam-se aumento na
incidência de líquido meconial e consequente síndrome de aspiração
meconial, macrossomia fetal e distocia de bisacromial, diminuição
do líquido amniótico e oligoâmnio com consequente compressão
funicular, o que pode ocasionar deficiência na oxigenação fetal.
A morbidade obstétrica é maior em gestação
que atinge 40 semanas, em que se observam
aumento na incidência de mecônio,
macrossomia fetal, distocia do bisacromial e
oligoâmnio.

Do ponto de vista neonatal, os recém-nascidos de gestação


prolongada têm maior risco de apresentar, nas primeiras horas de
vida, desidratação, policitemia, hipoglicemia, distúrbios
respiratórios com consequentes hipóxia e acidose, hipovolemia e
diminuição da função adrenocortical.
18.4 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico está associado ao correto conhecimento da data da
última menstruação. A ultrassonografia obstétrica no primeiro
trimestre para confirmar a idade gestacional auxilia no
acompanhamento pré-natal e no diagnóstico de pós-datismo.
A ultrassonografia é, também, um recurso propedêutico valioso no
segundo e no terceiro trimestres, porque, mesmo com menor
acurácia, pode-se ainda estimar a idade gestacional e avaliar outros
parâmetros, como o crescimento fetal, a quantidade de líquido
amniótico e o bem-estar fetal por meio do perfil biofísico fetal.
18.5 CONDUTA ASSISTENCIAL
A conduta assistencial visa diagnosticar precocemente uma possível
falência placentária, evitando os danos causados pela hipóxia ao
produto conceptual.
O American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda
que a gestação não ultrapasse 42 semanas (294 dias); entretanto,
considera razoável a indução do TP em gestantes com idade
gestacional entre 41 e 42 semanas. Após a quadragésima segunda
semana, as gestações devem ser avaliadas por meio de
ultrassonografia, e, se o peso fetal estimado for superior a 4.500 g,
deve ser discutida a resolução da gestação por cesárea. Em gestações
com peso < 4.500 g, o colo uterino deve ser avaliado por meio do
índice de Bishop, e, quando favorável (Bishop > 8), pode-se tentar
induzir o TP. Colos uterinos desfavoráveis podem ser maturados
antes da indução do TP.
O índice de Bishop deve ser avaliado quando se
considera indução ao trabalho de parto. Tal
índice é imprescindível para guiar a conduta a
ser tomada.
Quadro 18.1 - Índice de Bishop modificado

18.5.1 Maturação cervical


A maturação cervical consiste no processo pelo qual o colo uterino se
altera de uma estrutura fechada, determinada a manter a gestação
intrauterina, para uma estrutura macia, complacente, capaz de se
dilatar e acomodar a passagem do feto. Essas mudanças ocorrem em
virtude da degradação do colágeno pela ação de proteases e
colagenases. Quando existe a necessidade de interrupção da gestação
e não se observam contraindicações ao parto vaginal, o grau de
maturação cervical influenciará de forma decisiva o desfecho desse
procedimento.
A utilização dos métodos de maturação cervical aumentou nos
Estados Unidos nas últimas décadas. Os 2 motivos principais
apresentados foram a preferência da paciente ou do médico por
partos eletivos e a maior disponibilidade de medicamentos que
cumprem esse papel.
Os agentes mecânicos ou farmacológicos de maturação cervical
devem ser utilizados nas situações de cérvice desfavorável. A
avaliação cervical pode ser feita por meio da escala de Bishop, que
pontua a situação cervical no momento do exame e a altura da
apresentação fetal. Bishop < 6 é considerado cérvice desfavorável. Os
aspectos pontuados pela escala, juntamente com a idade gestacional,
o exame pélvico, o estado das membranas, o bem-estar fetal e a
documentação médica, incluindo o consentimento informado,
constituem pré-requisitos à realização de maturação cervical.
Os meios mais utilizados são as prostaglandinas de aplicação local,
seguidas pelos cateteres extra-amnióticos com balão, ambos com
resultados semelhantes.
Considera-se que o processo de maturação cervical ocorreu de forma
efetiva quando o índice de Bishop é igual ou superior a 6. Nesses
casos, como já sucedeu a maturação cervical, a indução do TP deverá
ser iniciada com ocitocina.
18.5.1.1 Métodos farmacológicos

Os métodos farmacológicos utilizados para a maturação cervical têm


o objetivo de tornar a cérvice com Bishop menor do que 6 mais fina,
curta e dilatada, diminuindo o tempo de parto e as chances de falha
na indução. São fármacos utilizados para essa finalidade a ocitocina,
as prostaglandinas e a hialuronidase. As preparações com
prostaglandinas são mais utilizadas por atuarem no colo uterino e
no miométrio, aumentando a chance de o parto ocorrer dentro de 24
horas.
As prostaglandinas são as substâncias mais utilizadas, e, entre elas,
a prostaglandina sintética E1 (misoprostol) e a prostaglandina
natural (PGE2), ou dinoprostona, são as mais estudadas. Essas
drogas atuam diretamente no colo, estimulando a maturação
cervical e a contratilidade uterina.
A prostaglandina mais utilizada na prática é a sintética
(misoprostol), uma vez que tem baixo custo e apresenta boa
estabilidade para armazenamento. A melhor via de administração
parece ser a vaginal. O uso oral ou sublingual do misoprostol
apresenta resultados semelhantes.
O uso intravenoso tem eficácia similar ao da ocitocina, mas
apresenta muitos efeitos colaterais maternos, incluindo a
hiperestimulação uterina. O misoprostol foi primariamente
aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o
tratamento de úlcera péptica e tem indicações específicas para o uso
obstétrico: indução do parto e maturação cervical. A droga é
comercializada para uso exclusivo em hospitais, na forma de
comprimidos vaginais de 25, 100 e 200 µg, com o nome comercial de
Prostokos®. Apesar do uso aprovado, não se conhece a dose
adequada para melhores resultados e menores efeitos colaterais. A
dose inicial não deve ultrapassar os 25 µg, e os intervalos de
administração devem ser de 3 a 6 horas.
É importante destacar que o misoprostol possui categoria X na
escala de risco fetal da FDA, sendo contraindicado durante a
gestação por ser possivelmente teratogênico e ter efeito abortivo.
A prostaglandina natural (dinoprostona) apresenta eficácia similar;
é utilizada em suas apresentações de gel endocervical e comprimido
vaginal, ambas aprovadas pela FDA, mas com 2 desvantagens: o
preço e a necessidade de o gel necessitar ser armazenado em
ambiente refrigerado. Possui categoria C na escala de risco fetal da
FDA, não podendo ser utilizada antes do terceiro trimestre de
gestação, pelo risco de teratogênese. O misoprostol, porém,
apresenta mais efeitos adversos, como distúrbios gastrintestinais,
taquissistolia uterina, hemorragia pós-parto e, em casos graves,
ruptura uterina.
Outra substância é a hialuronidase, método farmacológico descrito
em 1959 como agente de maturação cervical. Atua fazendo hidrólise
do ácido hialurônico, alterando o colágeno cervical e promovendo a
dilatação cervical de forma local, sem estimular a contração uterina.
Clinicamente, o uso intracervical de hialuronidase tem sido proposto
como forma de acelerar o processo de esvaecimento e a dilatação
cervical, sendo indicada, também, aos casos de excesso de
componente conjuntival cervical (colo esclerótico ou anelástico).
Excluída a causa neoplásica, a ação da hialuronidase parece
vantajosa, já que a cérvice uterina, em condições normais, tem cerca
de 85% de tecido conjuntivo. Dessa forma, a hialuronidase poderia
contribuir para a diminuição do índice de cesáreas. Há, porém,
carência de resultados histológicos comprobatórios de que a dose
preconizada atualmente ocasione alterações estruturais
significantes. A dose, o modo e o momento da aplicação foram
idealizados empiricamente. As doses variam de 1.000 a 20.000
unidades de hialuronidase intracervical com bons resultados na
maturação cervical, diminuição do tempo de TP e aumento da
incidência de parto vaginal.
18.5.1.2 Métodos não farmacológicos

Alguns autores apontam para maior risco de infecções materna e


neonatal associado ao uso dos métodos mecânicos em comparação
com os farmacológicos e um aumento na incidência de
corioamnionites quando o cateter de Foley é utilizado isoladamente.
A sonda de Foley é o segundo método de
maturação cervical mais utilizado na prática e o
primeiro entre os métodos mecânicos.

A sonda de Foley é o segundo método de maturação cervical mais


utilizado na prática e o primeiro entre os métodos mecânicos. A
dilatação cervical é provocada quando o balonete insuflado libera
prostaglandinas, estimulando a contração uterina. Além disso,
apresenta baixo custo e é de fácil armazenamento, sendo boa opção
para gestantes com risco de ruptura uterina com a utilização de
misoprostol (gestantes com cesárea em gestação prévia).
As laminárias podem ser sintéticas ou naturais. As naturais,
laminária digitata e laminária japonica, são um método mecânico
produzido a partir de algas marinhas de águas frias, pouco
disponível no mercado e mais utilizado para a expulsão de abortos.
Apresenta efetividade, mas também maior risco de infecções no
período pós-parto quando comparada a outros métodos, não sendo
utilizada para indução de parto no terceiro trimestre.
O descolamento de membranas amnióticas consiste em liberar
delicadamente, com o dedo, partes da membrana amniótica próxima
ao colo uterino, o que estimula a liberação de prostaglandinas,
induzindo a maturação do colo. Esse método, quando utilizado
isoladamente, não apresenta evidências de efeitos significativos na
maturação do colo uterino.
Além dos métodos mecânicos citados, são descritos os de infusão
salina extra-amniótica e a amniotomia.
1. Indicações à maturação cervical:
a) Indicação para indução do parto;
b) Índice de Bishop < 6;
c) Gestação única;
d) Idade gestacional ≥ 34 semanas;
e) Peso fetal ≥ 1.500 g;
f) Membranas íntegras;
g) Apresentação cefálica;
h) Vitalidade fetal preservada;
i) Ausência de vício pélvico;
j) Ausência de sinais de desproporção cefalopélvica;
k) Ausência de cirurgia uterina prévia;
l) Paridade < 5;
m) Inserção placentária normal.

2. Contraindicações à maturação cervical:


a) Febre;
b) Doença materna que se beneficie da interrupção imediata da
gestação (síndrome HELLP);
c) Asma grave;
d) Alergia ou hipersensibilidade ao medicamento;
e) Glaucoma;
f) Doenças cardiovascular, hepática ou renal (contraindicações
relativas).

18.5.2 Indução de trabalho de parto


A indução do TP corresponde à estimulação de contrações uterinas
em pacientes fora do TP por meio do emprego de métodos
específicos. Difere da condução do TP, cujo objetivo é a adequação
das contrações uterinas iniciadas espontaneamente para
determinada fase do TP.
Situações maternas e fetais nas quais ocorre benefício do término da
gestação indicam indução do TP. Assim, as indicações mais comuns
são rotura prematura das membranas ovulares, síndromes
hipertensivas e pós-datismo.
1. Contraindicações à indução do trabalho de parto:
a) Sofrimento fetal;
b) Mecônio anteparto;
c) Gestação múltipla;
d) Cicatriz uterina anterior (cesárea, miomectomias, metroplastias);
e) Vício pélvico;
f) Infecção ativa por herpes genital;
g) Carcinoma cervical invasivo;
h) Pacientes com sorologia positiva para HIV;
i) Placenta prévia;
j) Apresentações anômalas;
k) Macrossomia fetal;
l) Desproporção cefalopélvica.
A ocitocina sintética é o fármaco mais usado
para a indução do TP; sabe-se que a eficácia da
indução com essa droga aumenta quando as
condições do colo uterino são favoráveis.

A indução do parto é, no entanto, frequentemente prescrita a


gestantes com colo uterino desfavorável ou imaturo, ou seja, índice
de Bishop ≤ 5, resultando muitas vezes em cesáreas.
O intervalo de tempo para iniciar a perfusão de ocitocina após o
amadurecimento cervical com misoprostol deve ser de 4 horas.
Deve-se avaliar a vitalidade fetal por meio da cardiotocografia e da
observação do líquido amniótico por amnioscopia, quando possível.
O preparo da solução é feito com 10 UI de ocitocina (1 ampola) e 1.000
mL de soro fisiológico ou Ringer lactato, formando uma solução com
concentração de ocitocina de 10 mUI/mL.
A velocidade de infusão se inicia com a infusão intravenosa de 2
mUI/min, e aumenta-se em 2 mUI a cada 15 minutos até obter
padrão de contração uterina adequado para a fase do TP ou até a dose
máxima de 32 mUI/min.
Deve-se realizar monitorização da vitalidade fetal durante a indução
por meio de cardiotocografia. Amniotomia poderá ser realizada
quando, após 2 horas de infusão da dose máxima de ocitocina, não
for diagnosticado o TP.
A falha de indução é caracterizada quando há ausência de atividade
uterina após 2 horas de infusão da dose máxima de ocitocina (32
mUI/min) ou após 2 horas de amniotomia. Podem ser complicações
do uso de ocitocina: hiperestimulação uterina, sofrimento fetal,
hiponatremia, intoxicação hídrica e rotura uterina.
Em razão das complicações perinatais já citadas, durante o período
do pós-datismo, deve ser realizada vigilância do bem-estar fetal.
Preconiza-se a cardiotocografia de repouso e com estímulo e perfil
biofísico fetal a cada 3 dias. A presença de oligoidrâmnio (índice de
líquido amniótico < 5) indica interrupção da gestação. O líquido
amniótico também deve ser avaliado por meio de amnioscopia
sempre que o colo uterino estiver permeável; a presença de mecônio
indica resolução da gestação. Por último, recomenda-se indução do
TP quando a vitalidade fetal estiver preservada e o colo uterino
favorável, de acordo com os critérios de Bishop (> 5).
Figura 18.1 - Conduta em Obstetrícia

Fonte: elaborado pelo autor.


Qual é o protocolo de
conduta nos casos de
gestação no pós-datismo e
na gestação prolongada?
O protocolo de conduta é assistencial e visa a diagnosticar
precocemente uma possível falência placentária, evitando
os danos causados pela hipóxia ao produto conceptual.
O American College of Obstetricians and Gynecologists
recomenda que a gestação não ultrapasse 42 semanas (294
dias), mas considera razoável a indução do TP em
gestantes com idade gestacional entre 41 e 42 semanas.
Após a quadragésima segunda semana, as gestações devem
ser avaliadas por meio de ultrassonografia, e, se o peso
fetal estimado for superior a 4.500 g, deve ser discutida a
resolução da gestação por cesárea. Em gestações com feto
de peso < 4.500 g, o colo uterino deve ser avaliado por meio
do índice de Bishop, e, quando favorável (Bishop > 8),
pode-se tentar induzir o TP. Colos uterinos desfavoráveis
podem ser maturados antes da indução do TP. A maturação
de colo pode ser feita com métodos farmacológicos
(prostaglandinas, hialuronidase) e não farmacológicos
(sonda de Foley, cateteres específicos, laminárias).
Qual é a utilidade clínica de
se determinar a presença de
maturidade fetal?

19.1 INTRODUÇÃO
A maturidade fetal consiste no pleno desenvolvimento dos diversos
órgãos e sistemas fetais que, no processo fisiológico normal, se
completa entre 37 e 40 semanas de gestação. A maturidade do
sistema respiratório fetal ocorre em torno da trigésima quinta
semana de gestação, quando as adaptações anatômicas e funcionais
permitem ao recém-nascido prematuro sobreviver no ambiente
extrauterino.
Sabe-se que algumas condições clínicas aceleram a maturidade fetal
(por exemplo, hipóxia fetal crônica), enquanto outras, como diabetes
mellitus, estão associadas a atraso na maturação pulmonar. Entre as
múltiplas complicações da prematuridade, a imaturidade pulmonar,
relacionada à produção inadequada de surfactante, consiste na de
maior gravidade, determinando, muitas vezes, a sobrevida do
concepto.
O obstetra deve realizar correta avaliação da maturidade fetal para
evitar a prematuridade iatrogênica por ocasião de cesárea eletiva,
indução de parto e parto prematuro terapêutico. O nascimento pré-
termo é a principal causa de morbimortalidade perinatal em nosso
meio, e a sobrevivência do recém-nascido está relacionada,
fundamentalmente, à sua maturidade pulmonar.
19.2 DESENVOLVIMENTO PULMONAR
FETAL
O desenvolvimento pulmonar fetal é dividido em 5 períodos:
embrionário, pseudoglandular, canalicular, sacular e alveolar.
O período embrionário inicia-se com o surgimento do botão
pulmonar (entre o vigésimo sexto e o vigésimo oitavo dias pós-
fecundação), o qual se divide em 2 brotos, que se ramificam e
formam os brônquios principais. Por volta da sexta semana, já se
podem identificar todos os segmentos broncopulmonares.
O período pseudoglandular, entre a sétima e a décima sexta semanas
de gestação, caracteriza-se pela formação dos condutos aéreos e
pelo esboço acinar. Nesse período, o epitélio proximal é colunar alto
e distalmente cuboide. Os ramos continuam a se dividir. A única
estrutura ainda não formada ao fim desse período é a unidade de
trocas.
Por volta da vigésima quarta à vigésima sexta semana, inicia-se o
período canalicular; surge um esboço do brônquio terminal
(bronquíolos respiratórios e estruturas saculares). Tem início a
diferenciação em pneumócitos, com consequente secreção de
surfactante. Ao fim desse período, o pulmão já apresenta certa
capacidade de realizar trocas gasosas.
O período sacular começa na vigésima oitava semana e se prolonga
até o nascimento. No início desse período, as vias aéreas terminam
em um grupo de sacos terminais que se diferenciam em alvéolos e
ductos alveolares. Há expansão do espaço respiratório e aumento na
superfície de trocas; observa-se, ainda, que a vascularização
aumenta, o epitélio de revestimento se torna mais fino e ocorre
adelgaçamento do interstício.
O período alveolar inicia-se em torno da trigésima sexta semana e
não se completa até os 8 anos de vida. O maior aumento no número
de alvéolos pulmonares acontece nos 2 primeiros anos da criança.
O sistema de fibras colágenas também é muito importante no
desenvolvimento pulmonar; elas têm importante função no
desenvolvimento da complacência pulmonar. No início do segundo
trimestre da gestação, as fibras estão bem desenvolvidas nas
grandes vias aéreas, nos vasos e na pleura, porém são ainda escassas
nos ácinos.
19.3 SURFACTANTE
As substâncias surfactantes permitem que a expansão alveolar
ocorra adequadamente durante a inspiração e impedem o colapso
alveolar durante a expiração. Seu mecanismo de ação baseia-se na
diminuição da tensão superficial da parede dos alvéolos,
principalmente nos de menores dimensões, que tenderiam ao
colabamento no final da expiração.
O surfactante é uma mistura de 90% de lipídios e de 10% de
proteínas produzidas pelos pneumócitos II. No interior destes, é
armazenado nos corpos lamelares e expelido por exocitose; no
lúmen alveolar, é convertido em mielina tubular.
É composto, basicamente, por dipalmitoilfosfatidilcolina (lecitina),
responsável por 70% dos fosfolípides, e por fosfatidilglicerol (10%).
Outros componentes de menor participação incluem
fosfatidiletanolamina, fosfatidilinositol, fosfatidilserina, lisolecitina
e esfingomielina. A lecitina é o principal componente tensoativo do
sistema surfactante. A maturidade do pulmão fetal ocorre em torno
da trigésima quarta e da trigésima quinta semana de gestação,
quando a lecitina perfaz pelo menos 50% do total de lipídios.
Quadro 19.1 - Fatores que podem interferir na maturidade pulmonar
19.4 MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA
MATURIDADE FETAL
19.4.1 Clínicos
Os métodos clínicos fornecem subsídios para estimar a idade
gestacional e a provável maturidade fetal. A seguir, os métodos
utilizados.
O conhecimento da data da última
menstruação em mulheres com ciclos
regulares, sem uso de anovulatório, representa
um dado importante para avaliar a idade
gestacional correta e estimar a data provável de
parto.

19.4.1.1 Data da última menstruação

O conhecimento da data da última menstruação em mulheres com


ciclos regulares, sem uso de anovulatório, representa um dado
importante para avaliar a idade gestacional correta e estimar a data
provável de parto.
19.4.1.2 Ausculta dos batimentos cardíacos fetais

O estetoscópio de Pinard permite ausculta a partir da vigésima


semana de gestação; por meio do sonar Doppler, é possível a
ausculta a partir da décima segunda semana de gestação.
19.4.1.3 Percepção da movimentação fetal

É possível a partir da décima sexta semana, sendo mais comum a sua


detecção a partir da vigésima semana de gestação.
19.4.1.4 Mensuração da altura uterina

O crescimento do útero é proporcional à idade gestacional. Com


idade gestacional de 20 semanas, o útero se encontra ao nível da
cicatriz umbilical, e, após as 20 semanas, a altura uterina
corresponde à idade gestacional (32 semanas desta = altura uterina
de 32 cm).
A ausculta do batimento cardíaco fetal, a percepção da
movimentação fetal e a medida da altura uterina podem ser
influenciadas por miomas, malformações uterinas, obesidade
materna, presença de macrossomia fetal, alteração do volume do
líquido amniótico ou gestação múltipla.
19.4.2 Laboratoriais
19.4.2.1 Características físicas

O líquido amniótico apresenta-se inicialmente amarelado,


tornando-se claro e límpido a partir da vigésima oitava à trigésima
segunda semana, quando começa a apresentar grumos em
quantidade crescente e adquire aspecto opalescente.
Frequentemente, na trigésima oitava semana de gestação, contém
muitos grumos, traduzindo a maturidade fetal.
19.4.2.2 Bioquímica

1. Creatinina: surge no líquido amniótico na primeira metade da


gestação por meio da difusão simples da pele fetal, cordão e âmnio.
Com a evolução da gestação, o rim torna-se a fonte dessa substância.
A maturidade fetal está presente quando há valores > 1,8 mg% e a
relação creatinina no líquido amniótico-creatinina no soro materno
é superior a 2;
2. Fosfolípides pulmonares: a maturidade pulmonar ocorre a partir
da trigésima quarta semana. Diversas substâncias ajudam na
secreção de surfactantes, como corticosteroides, aminofilina,
estimulantes beta-adrenérgicos, tiroxina, prolactina, estrogênio,
hormônio liberador de tireotrofina (TRH) e análogos do TRH. A
presença de contrações uterinas do trabalho de parto é importante
para fornecer a adequação do surfactante pulmonar à vida
extrauterina. Diversas patologias maternas ou intercorrências
obstétricas podem contribuir para a aceleração da maturidade fetal:
hipertensão arterial crônica, hemoglobinopatias, doenças
cardiovasculares, uso crônico de heroína, amniorrexis prematura,
restrição do crescimento fetal, presença de infartos placentários etc.
Outras situações podem retardar a maturidade pulmonar, entre elas
diabetes mellitus, sífilis, toxoplasmose, isoimunização Rh, uso de
bloqueadores beta-adrenérgicos ou de antagonistas colinérgicos,
feto anencefálico e nefropatia intrínseca.
19.4.2.3 Relação Lecitina-Esfingomielina (L-E)

A esfingomielina é um fosfolipídio presente no líquido amniótico;


não está relacionado com a maturidade pulmonar, e sua
concentração diminui da trigésima segunda semana até o termo.
Com a lecitina, ocorre o contrário, o que permite uma relação muito
útil para estimar a maturidade pulmonar. Seu uso é bastante
difundido e considerado padrão-ouro para a avaliação da
maturidade pulmonar.
O líquido amniótico é obtido por amniocentese e deve ser resfriado
ou processado rapidamente pelo laboratório. A presença de
contaminações (mecônio, sangue) pode prejudicar os resultados, e a
presença dessas substâncias deve ser notificada. Os fosfolipídios são
extraídos com solventes orgânicos e aplicados em uma placa de sílica
em gel, em que são separados em razão das diferentes polaridades e
afinidades com os solventes orgânicos utilizados como efluentes.
Faz-se a leitura por densitometria de reflectância ou com o auxílio
de uma ocular contendo escala milimetrada.
Em uma gestação normal, a maturidade pulmonar é atingida quando
a relação L-E é superior a 2. Valores < 1,3 indicam imaturidade,
enquanto valores entre 1,3 e 1,7 indicam situação intermediária.
Em uma gestação normal, a maturidade
pulmonar é atingida quando a relação lecitina-
esfingomielina é superior a 2.

19.4.2.4 Perfil pulmonar

Trata-se de um teste que inclui a relação L-E, a porcentagem de


fosfatidilcolina saturada e a presença de fosfatidilglicerol e
fosfatidilinositol. O estudo dos fosfolípides pulmonares mostrou a
importância de fosfatidilcolina, fosfatidilglicerol e fosfatidilinositol
para melhor adequação da fisiologia respiratória do recém-nascido.
A realização do perfil pulmonar e da relação L-E demanda tempo e
laboratórios especializados, fato que levou ao desenvolvimento de
anticorpos específicos para o fosfatidilglicerol, permitindo a
realização de teste de aglutinação, que se dá em 15 minutos.
19.4.2.5 Teste de Clements

Este teste baseia-se na habilidade do surfactante pulmonar em


formar uma superfície estável que pode assegurar a permanência de
uma bolha intacta por tempo prolongado. A adição de etanol afasta a
possibilidade de a bolha estar estável pela presença de proteínas, sais
biliares ou ácidos graxos livres.
Após agitação rigorosa do tubo de ensaio com líquido amniótico por
15 segundos, esperam-se 15 minutos e faz-se a leitura. A presença de
bolhas em toda a volta do tubo caracteriza o teste positivo; se não
houver bolhas, o teste é negativo. O teste é realizado em 3 tubos com
diferentes quantidades de líquido amniótico: se o resultado for
positivo nos 3 tubos, tem-se feto maduro; se for positivo até o
segundo tubo, o feto está em nível intermediário; e, se positivo em
apenas 1 tubo ou em nenhum deles, o feto é considerado imaturo.
O teste de Clements praticamente não apresenta falsos positivos, e a
taxa de falsos negativos varia de 8 a 40%; mas a contaminação do
líquido amniótico com sangue ou mecônio pode aumentar as taxas
de falsos positivos.
Os testes com resultados negativos podem ser valorizados.
19.4.2.6 Citologia

1. Com azul do Nilo: o líquido amniótico (1 gota) é corado com o


sulfato azul do Nilo (1 gota a 0,1%); são contadas 500 células, e é
estabelecido o percentual entre células orangiófilas e células azuis.
As orangiófilas são originadas pela esfoliação da pele fetal
recobertas por gordura produzida pelas glândulas sebáceas,
traduzindo a maturidade funcional da pele fetal. Se a contagem
dessas células for maior que 10%, indicará maturidade fetal; se a
contagem estiver entre 5 e 10% e existir gordura livre, sugerirá falso
negativo. O índice de falsos negativos é de aproximadamente 15%;
2. Com lugol: cora em castanho-escuro as células do líquido
amniótico ricas em glicogênio (são células lugol positivas). O
percentual dessas células diminui à medida que se aproxima a
maturidade fetal; valor inferior a 4% se relaciona com maturidade
fetal em 89% das avaliações.
19.4.3 Biofísicos
19.4.3.1 Amnioscopia

A amnioscopia consiste na visualização indireta do líquido amniótico


por intermédio das membranas amnióticas utilizando amnioscópio,
introduzido no colo uterino dilatado (dilatação superior a 1 cm). A
presença de grumos grossos e o aspecto opalescente do líquido
amniótico caracterizam a maturidade fetal. A não observação de
grumos exige investigação mais apurada, por meio de métodos
laboratoriais.
Figura 19.1 - Amnioscopia
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

19.4.3.2 Radiologia

A necessidade de expor o feto à radiação fez que esse método fosse


abandonado. Quando utilizado, avaliava os ossos longos fetais,
procurando pela epífise do fêmur (surge na trigésima segunda
semana) e da tíbia (surge depois da trigésima sexta semana).
19.4.3.3 Ultrassonografia

A ultrassonografia de primeiro trimestre estima


a idade gestacional com margem de erro de 5
dias. É o melhor método para o cálculo da idade
gestacional, superior à data da última
menstruação e ao exame físico.
É efetiva para avaliar a idade gestacional e a provável presença de
maturidade fetal. Os parâmetros utilizados são:
1. Comprimento cabeça-nádegas: é o maior comprimento do
embrião; apresenta erro de 3 a 5 dias quando medido até a décima
terceira semana de gestação;
2. Diâmetro biparietal: entre a décima quarta e a vigésima sexta
semanas, estima a idade gestacional com erro de 7 a 11 dias;
3. Núcleos de ossificação: a visualização e a medida de núcleos de
ossificação dos ossos longos (fêmur, tíbia e úmero) servem como
parâmetro na avaliação da idade gestacional; o núcleo de ossificação
na epífise do fêmur pode ser identificado com 32 semanas de
gestação, e o núcleo de ossificação na tíbia proximal é identificado
com 35 semanas de idade gestacional;
4. Presença de grumos no líquido amniótico: a descrição de
partículas múltiplas com densidade linear entre 1 e 5 mm de
comprimento, suspensas no líquido amniótico, indicaria a presença
de grumos e, consequentemente, de maturidade fetal;
5. Pulmão fetal: a ecogenicidade do pulmão fetal aumenta com a
maturidade, em virtude da elevação de interfaces acústicas advindas
do acréscimo no número de alvéolos pulmonares fetais;
6. Maturidade placentária: a placenta é classificada em graus (0, I, II
e III), de acordo com a classificação de Grannum, representando a
evolução da maturação placentária e da maturidade fetal. Em
gestações normais, a evolução da maturidade placentária pode se
associar à maturidade pulmonar fetal. Essa classificação foi descrita
em 1979 e se associa à relação L-E, por meio da qual se evidencia a
maturidade pulmonar fetal. A classificação placentária nos 0 zero, I,
II e III se baseia nas mudanças que ocorrem na placa coriônica, no
tecido placentário e na lâmina basal, compreendendo 4 fases
progressivas e relativamente distintas de sua maturação, que se
sucedem ao longo da gestação. A associação entre calcificação
placentária e idade gestacional é observada desde os primeiros
estudos ultrassonográficos sobre a placenta. É importante a relação
entre a calcificação placentária precoce (grau II e grau III placentário
antes da trigésima segunda e da trigésima quinta semana de
gestação, respectivamente) e a possibilidade de desenvolvimento de
restrição de crescimento fetal, causa importante de
morbimortalidade perinatal. Há maior probabilidade de
complicações na gestação quando o amadurecimento placentário é
precoce, situação que se associa a maior incidência de sofrimento
fetal, presença de mecônio no líquido amniótico, baixo índice de
Apgar, baixo peso ao nascer e óbito perinatal.
19.5 CONCLUSÃO
Os testes de avaliação da maturidade fetal sofrem influência da
técnica de coleta, do armazenamento, do volume e da dinâmica do
líquido amniótico, da presença de contaminação com sangue ou
mecônio e da técnica utilizada na realização desses testes. Os
resultados falsos positivos são excepcionais, e o índice de falsos
negativos varia de 8 a 40%, o que indica que ainda não há um teste
perfeito para a avaliação da maturidade fetal e torna imperiosa uma
combinação de métodos para correta avaliação fetal.
O avanço da Perinatologia e dos estudos da fisiologia fetal tornou
claro que vários órgãos e sistemas fetais têm seu desenvolvimento
afetado por inúmeras afecções maternas ou pelo uso de
determinadas drogas durante a gestação. O obstetra deve procurar
identificar os fatores que possam interferir na maturidade fetal em
cada gestação, buscando o benefício do feto e evitando ao máximo
problemas respiratórios neonatais.
Qual é a utilidade clínica de
se determinar a presença de
maturidade fetal?
Vários órgãos e sistemas fetais têm seu desenvolvimento
afetado por inúmeras afecções maternas ou pelo uso de
determinadas drogas durante a gestação. A identificação
dos fatores que possam interferir na maturidade fetal em
cada gestação e a pesquisa da presença de maturidade
pulmonar fetal possibilitam o benefício do feto e evitam ao
máximo problemas respiratórios neonatais.

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