O Desenho Urbano e o Envelhecimento Populacional

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MARIA EDUARDA VASCONCELOS DE ALMEIDA

O DESENHO URBANO
E O ENVELHECIMENTO
POPULACIONAL

REFLEXÕES
SOBRE O
PLANO PILOTO
DE BRASÍLIA

INSTITUTO CEUB DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO – ICPD


PROGRAMA DE MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
Autor
Maria Eduarda Vasconcelos de Almeida
Coautor
Dr. Sávio Tadeu Guimarães
1ª Edição
EQUIPE EDITORIAL
Reitor
Getúlio Américo Moreira Lopes
Revisão de texto
Cibelle Silva
Normalização
Biblioteca Reitor João Herculino
Capa e ilustrações
Danielle Teixeira
Projeto gráfico
S2 Books
Coordenação geral acadêmica
Dra. Eliete de PInho Araujo
Comissão técnico-científica
1. Dr. Sávio Tadeu Guimarães, Centro Universitário de Brasilia, Brasilia/DF, Brasil
2. Dr. Leonardo Pinto de Oliveira, Centro Universitário de Brasília, Brasília/DF, Brasil
3. Dr. Manuel Garcia Docampo, Universidade da Coruña - UDC, Espanha
4. Dra. Eliete de Pinho Araujo, Centro Universitário de Brasília, Brasília/DF, Brasil

O livro foi revisado e avaliado por pares.

Grupo de pesquisa
“Cidade e habitação, novas perspectivas”
LInha de pesquisa
Cidade, infraestrutura urbana, tecnologia e projeto

Disponível em: http://www.repositorio.uniceub.br/

ALMEIDA, Maria Eduarda Vasconcelos de


O DESENHO URBANO E O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: REFLEXÕES
SOBRE O PLANO PILOTO DE BRASÍLIA / MARIA EDUARDA VASCONCELOS DE
ALMEIDA. – BRASÍLIA, 2020
148 f.
ISBN: 978-65-87823-19-5
Dissertação apresentada como requisito para conclusão do curso de Mes-
trado em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de Brasília – Uni-
CEUB. Orientador: Prof. Dr. Sávio Tadeu Guimarães.
Sobre os autores
Maria Eduarda Vasconcelos de Almeida
Arquiteta e Urbanista graduada pela UnB-Universidade de Brasília (1992), Especialista em Projeto de Ar-
quitetura Assistido por Computador pela UnB-Universidade de Brasília (2003) Mestre em Arquitetura e
Urbanismo pelo Centro Universitário de Brasília UniCEUB (2020); Sócia e proprietária da Reis Arquitetura.
Experiência nas áreas de projeto de arquitetura de edifícios institucionais, comerciais e educacionais; expe-
riência na área de planejamento urbano, teoria do planejamento urbano e regional, história da arquitetura
e urbanismo, desenho urbano e mobilidade urbana; Consultora da Câmara Legislativa do Distrito Federal,
2016-2018 na área de regularização urbana, Políticas locais de habitação de interesse social e legislação ur-
bana federal e do Distrito Federal; Consultora do Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento
no Brasil, 1999-2000;, projeto de atualização e otimização de áreas de atendimento consular do Ministério
das Relações Exteriores; Professora da Universidade Paulista - Unip, 2002-2005, nas áreas de desenho com-
putacional, projeto de arquitetura, teoria e historia da arquitetura contemporanea e projeto de urbanismo;
Sócia proprietária da Urbana Arquitetos Associados, 2006-2016, projetos de urbanismo, recuperação urba-
na e planejamento urbano e regional; Projetos de Pesquisa nas áreas de Cidade e Habitação, Centro Univer-
sitário de Brasília, UniCEUB (2017-2020) e Espacialidade contemporânea em questão, Centro Universtiário
de Brasília, UniCEUB (2015-2020). Prêmio IAB no Concurso Nacional de Idéias de Estudos Preliminares de
arquitetura e urbanismo para revitalização das vias W3Sul e W3 Norte em Brasília/DF (2003)
Link CNPQ: lattes.cnpq.br/984708249078698
E-mail: [email protected]

Sávio Tadeu Guimarães


Pós-doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Planeja-
mento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universida-
de Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ) em intercâmbio com a Universidade Nova de Lisboa (UNL).
Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense de Niterói (UFF). Especialista
em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Graduado em Arquitetura e Urbanis-
mo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). No âmbito do Ensino foi docente dos cursos de gra-
duação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, de Centros Universitários
do Grupo Anima Educação em Belo Horizonte, do Instituto Planalto em Brasília, bem como dos cursos
de graduação e mestrado do Centro Universitário de Brasília. No âmbito da Pesquisa concentra-se na
influência das novas tecnologias de informação como meios de concepção, preservação e divulgação,
tanto da arquitetura emergente na contemporaneidade quanto da arquitetura tornada patrimônio cul-
tural, sendo criador do Grupo de Pesquisa situ-AÇÕES e membro Laboratório de Pesquisas LESTE IPPUR-
-UFRJ, além de revisor ad hoc. No âmbito da Extensão tem experiência como consultor do patrimônio
cultural em cidades do Estado de Minas Gerais, como analista de gestão e preservação do patrimônio
cultural pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG) e atua
como membro da Society for the Protection of Ancient Buildings (SPAB London) e do International Cou-
ncil of Monuments and Sites (ICOMOS-Brazil UNESCO).
Link CNPQ: http://lattes.cnpq.br/5125621912157038
E-mail: [email protected]

Leonardo Pinto de Oliveira


Arquiteto e Urbanista graduado pela UnB-Universidade de Brasília (1991), Mestre em Teoria e História
da Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2003) e Doutor em Tecnologia da Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2009) e Pós-doutorado em andamento pela Universidade de
Brasília. Professor titular do Centro Universitário de Brasília, UniCEUB; Sócio e proprietário da leooliveira
Projetos & Soluções ltda e Auditor do Governo do Distrito Federal. Experiência nas áreas de Projeto de
Arquitetura e Urbanismo: Institucionais, Comerciais e Residenciais com ênfase em Desempenho Am-
biental, atuando principalmente nos seguintes temas: Análise ambiental e desempenho Ambiental do
edifício; conforto ambiental, planejamento e sustentabilidade. Professor nas disciplinas de projeto ar-
quitetônico, urbanismo, desenho arquitetônico, conforto ambiental e projeto de graduação em Arqui-
tetura e Urbanismo. Professor no Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB nas áreas de Teoria
e História da Habitação, orientador em nível de mestrado e especialização do Programa de Mestrado
UniCEUB na área de Teoria e História e Projeto da Habitação e orientador pós-graduação-ICPD UniCEUB.
Avaliador Ad hoc FAP-DF. Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista,
2003-2004, Coordenador Adjunto da Coordenação do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Prof. José
Galbinski no UniCEUB, 2006-2018, Coordenador de Curso de Design de Interiores do UniCEUB, 2014-
2018, Coordenador e Pesquisador do LabCON_UniCEUB 2006-2018 e Pesquisador aluno desde 2001 no
LaSUS_UnB coordenado pela Prof. Marta Romero. Conselheiro suplente do CAU-DF, 2015 a 2017, Mem-
bro da Associação Brasileira de Design de Interiores e do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias.
Prêmio Nacional de Arquitetura em 2006, Menção Honrosa em Arquitetura nível nacional em 2007 e
2010, Prêmio em Projeto de Arquitetura Estudantil em 1989 e como orientador em 2011 (Ópera Prima).
Expositor internacional em Brasilian.Design.Perspectives 2007 City Hall of Singapore.
Link CNPQ: http://lattes.cnpq.br/2388345367133411
E-mail: [email protected]

Manuel Garcia Docampo


Doutor em Sociologia pela Universidade da Corunha (UDC, Espanha). Licenciatura em Ciências Políticas
e Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid (UCM). Diplôme des Études Approfondies (DEA)
pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris, France). Professor Titular da Universidade da
Corunha, ligado ao Departamento de Sociologia e Ciências da Comunicação. Docente no Grau de So-
ciologia das matérias: Sociologia Urbana e Ordenamento do Território e Estrutura Social. As suas linhas
de investigação estende-se desde o urbanismo até a sociologia da saúde. Promotor e fundador do Gru-
po de Estudos Territoriais (GET), da UDC. As suas principais pesquisas foram levadas a cabo nas áreas
do urbanismo e a ordenamento do território. Nos últimos anos também está consagrado ao estudo de
determinadas enfermidades, na área da sociologia da saúde. Entre a suas obras mais relevantes, des-
tacam: Perspectivas Teóricas em Desarrollo Local (Netbiblo, 2007), Dinámicas Territoriales em España
(Biblioteva Nueva, 2014) ou Evolución Futura da Diabetes Miellitus (Revista Española de Salud Pública,
2018). Tem colaborado em projetos de investigação tanto em Espanha como embora. Na atualidade
dirige um projeto de cooperação coa Câmara de Tarrafal (Cabo Verde).
E-mail: [email protected]

Eliete de Pinho Araujo


Arquiteta graduada pela FAU-UFRJ (1976), Mestre em Planejamento Urbano Tecnologia FAU UnB
(1999), Doutora em Saúde Pública, ENSP FIOCRUZ (2008 - Capes nível 6), Pós-doutora pela Universidade
da Coruña. Arquiteta da Secretaria de Saúde SES-DF, Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo,
FATECS-UniCEUB. Coordenadora do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB. Coordenadora
do grupo de pesquisa Arquitetura, Qualidade Ambiental, Eficiência e Saúde, com ênfase nas linhas de
pesquisa Arquitetura e suas Particularidades, Qualidade Verde, Retrofit e APO Conforto Ambiental e
Conservação de Energia e Cidade Sustentável no Terceiro Milênio e do grupo Cidade e Habitação com
2 linhas de pesquisa Cidade, infraestrutura, tecnologia e projeto e Teoria, história e projeto de habita-
ção. É professora nível doutorado do Centro de Ensino Universitário de Brasília, professora de Curso de
Especialização em Sistemas de Saúde ABDEH Brasília, e gerente da Pinho & Rodrigues Arquitetos Asso-
ciados (www.pinhoerodrigues.com.br). Avaliadora de revistas nacionais e internacionais. Trabalha em
parceria em publicações com profissionais internacionais de Londres e da Itália. Tem experiência na área
de arquitetura e urbanismo, com ênfase em Tecnologia da Arquitetura, atuando principalmente nos
seguintes temas: sustentabilidade, conforto, avaliação pós-ocupação, saúde, educação, projetos de ar-
quitetura e de instalações hospitalares e prediais. Pesquisadora e orientadora de alunos de graduação,
de ensino médio, de pós-graduação e de mestrado. Pesquisadora Ad hoc. Membro de comitê técnico
científico de congressos, simpósios e seminários nacionais e internacionais. Membro de bancas de gra-
duação, pós-graduação, mestrado e doutorado. Vice-presidente Executiva da Associação Brasileira para
o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar ABDEH, gestão 2014 a 2017, membro do comitê científico da
ABDEH, conselheira suplente da Câmara de Arquitetura do Crea-DF até 2011. Diretora do Sindicato dos
Arquitetos do DF até 2017. Conselheira do CAU DF, gestão 2015 a 2017.
E-mail: [email protected]
Link CNPQ: http://lattes.cnpq.br/8958239079490571
Dedico este trabalho ao Luis Antônio, meu marido,
e ao Pedro, meu filho, meus maiores companheiros,
incentivadores e inspirações para que eu siga tentando ser
uma pessoa melhor. Sou grata pelas palavras de carinho,
pela ajuda e pelo apoio em todos os momentos da vida,
em especial por sempre acreditarem em mim e nos meus
sonhos.

A vocês, todo o meu amor.

A meu pai (in memoriam).


Agradecimentos

À minha mãe, Maria Thereza, que foi quem me provocou esse sentimento de
curiosidade sobre o tema e a vontade de repensar e tentar melhorar as relações
entre a cidade e os indivíduos da terceira idade.
Aos meus irmãos.
Aos meus avós, Magnólia e Doutor Francisco Almeida, referência afetiva na
minha vida, que me deram base para ser quem eu sou agora.
Ao meu orientador, Professor Doutor Sávio Guimarães, pela paciência,
gentileza e pela disposição em me guiar pelos tortuosos caminhos acadêmicos.
Ao Professor Doutor Manoel García Docampo e ao Professor Doutor
Leonardo de Oliveira, que gentilmente aceitaram participar da minha banca,
seja na de qualificação, seja na final, compartilhando comigo um pouco dos
seus conhecimentos.
À minha querida sócia e amiga Patrícia Von Glehn, agradeço pelo incentivo
e força sempre. Sem sua ajuda, certamente não conseguiria chegar aonde
cheguei.
Aos professores Maria Eleusa, José Galbinski, Gustavo Cantuária, Eliete Araujo,
Paulo Carmona, pelas palavras de incentivo e pelos ensinamentos.
À minha querida amiga de mestrado, Eveline, que compartilhou comigo as
angústias, alegrias e sucessos desse longo caminho, tornando o processo muito
mais leve e divertido.
À minha querida amiga Professora Doutora Giselle Chalub, que me inspira
e me incentiva a pensar, olhar, pesquisar, analisar e a ser uma pessoa e uma
profissional mais completa. Minha companheira de jornada.
A todos os que contribuíram para este estudo, seja como amigos, seja como
participantes da pesquisa, entrevistados ou colaboradores. Meu agradecimento
especial a Drª. Ana Maria Nogales, Arquiteto Paulo Zimbres, Arquiteta Giselle
Moll, minhas amigas Silvia Badra e Tatiana Pires, Instituto do Setor Comercial
Sul – em particular, Caio Dutra e o Barba –, Dra. Ilka Teodoro, Administradora de
Brasília, e às queridas amigas Zilú e Sensata.
Preparar-se para a velhice é
principalmente lutar sempre...
e continuar lutando por objetivos
capazes de conferir um sentido à
existência.

Simone de Beauvoir
Resumo

A questão do envelhecimento populacional de forma autônoma e sustentável


e suas relações com o espaço urbano envolvem múltiplas perspectivas. Para se
esclarecer questões de envelhecimento ligadas à evolução e à renovação urbana,
serão primeiramente especificados os conceitos presentes nas duas premissas.
“Velhice e envelhecimento” são dois conceitos que não são claramente definidos
sociologicamente ou cientificamente. A velhice é frequentemente tratada
como uma fase da vida, um estado estático, enquanto envelhecimento é um
processo, um fenômeno dinâmico e contínuo. A extensão da expectativa da
vida é constantemente alimentada por novas pesquisas médicas, progressões
socioeconômicas, melhora das condições sanitárias, acesso à tecnologia
da informação. Portanto, na nossa sociedade o número de idosos aumenta
progressivamente. Tratando-se do Plano Piloto de Brasília, faz-se necessário
compreender, preliminarmente, a relação entre as práticas de estruturação,
transformação e apropriação do território e as dimensões sociais, psicológicas e
comportamentais, sempre sob a ótica da terceira idade. A partir dessa perspectiva,
analisa-se a relação da população idosa em crescimento nas superquadras
tradicionais de Brasília e o espaço urbano existente, traçando-se um panorama
do peso do papel do desenho urbano na inclusão do idoso na vida comunitária,
reconhecendo suas preferências e necessidades e respeitando-se o estilo de
vida adotado por aquela comunidade. Assim, procura-se delinear possíveis
conexões entre o momento histórico e social no qual a cidade foi planejada e
as condições atuais do espaço urbano, para então lançar questionamentos e
proposições acerca dos impasses e desafios para o planejamento futuro e da
presente adaptação da cidade às demandas da população idosa, de acordo com
exemplos e casos de sucesso em cidades diversas, espalhadas pelo mudo. Como
conclusão, propõe-se a reflexão sobre alguns aspectos dos arranjos urbanos do
projeto do Plano Piloto, assim como um debate sobre elementos que tornam a
cidade mais amigável ao idoso, incluindo itens que impactam na autonomia e
independência, saúde e bem-estar, conectividade social e segurança.
Palavras-chave: Brasília, Questão urbana; Envelhecimento Populacional;
Renovação Urbana; Cidades Modernistas.
Abstract

The matter of autonomous and sustainable population aging and its correlations
with urban space involve multiple perspectives. To elucidate aging issues
related to urban evolution and renewal, the concepts present in both premises
must be specified first. “Old age” and “aging”: these are two concepts that are
not clearly defined sociologically or scientifically. Old age is often treated as a
phase of life, a static state, while aging is a process, a dynamic and continuous
phenomenon. The increase of life expectancy is constantly stretched by
new medical researches, socioeconomic progressions, improved sanitation
conditions, access to information technology. Therefore, the elderly population
increases progressively. When it comes to Brasília’s modernista urban design
and the plan known as “Plano Piloto”, it is necessary to understand first and
foremost the relationship between the practices of structuring, transformation
and appropriation of the territory and the social, psychological and behavioral
dimensions, always from the elderly population’s viewpoint. From this
perspective, the relationship between the growing elderly population in the
traditional “superquadras” of Brasília and the existing urban space is analyzed,
outlining the influence that urban design has in the inclusion of the elderly in
community life, recognizing their desires and needs and respecting the lifestyle
adopted by that community. Thus, we seek to delineate possible connections
between the historical and social moment in which the city was planned
and the current conditions of the urban space, to then launch questions and
propositions about the impasses and challenges for future planning and
adapting the city to demands of the elderly population, according to a specific
legislation. In conclusion, it is proposed a reflection on some aspects of the urban
arrangements of the “Plano Piloto” project, as well as a debate on elements that
make the city more age-friendly, including items that impact on autonomy and
independence, health and well-being, social connectivity and security.

Keywords: Brasília, Urban question; Population-ageing; Urban renewal; Modernist


cities.
Lista de figuras
Figura 1 – Candangos que participaram da construção da cidade de Brasília, 1958.................. 16
Figura 2 – Gráfico da evolução da população no Japão, em milhões de habitantes................... 21
Figura 3 – Projeção da população por sexo e idade para o Brasil – Brasil 2000/2060................. 23
Figura 5 – Quadra 115 Sul, às 16h22, em 29 de julho de 2019............................................................ 33
Figura 6 – Quadra 114 Sul, às 19h56 horas, em 1º de agosto de 2019.............................................. 34
Figura 7 – Número de jovens (0-14 anos) e de idosos (60 anos e mais)
e índice de envelhecimento (IE) Brasil: 2000-2060................................................................................... 40
Figura 8 – Mapa de participação social dos idosos no bairro de Hulme e Moss Side, Manchester,
UK............................................................................................................................................................................... 48
Figura 9 – Primeiro Plano Diretor de Porto Alegre, 1959....................................................................... 54
Figura 10 – Diagrama com uma série de cidades, um distrito e o centro da Garden City – Ebenezer
Howard, 1989 ........................................................................................................................................................ 56
Figura 11 – Desenho da unidade de vizinhança apresentado no concurso .................................. 57
Figura 12 – Desenho da ocupação de uma superquadra apresentado no concurso ................. 58
Figura 13 – Desenhos de planta e vista da superquadra apresentados no concurso................. 59
Figura 14 – Edifícios em obras – Brasília, 1960........................................................................................... 60
Figura 15 – Delimitação da área tombada ................................................................................................. 62
Figura 16 – Praça dos Três Poderes................................................................................................................ 64
Figura 17 – NYC Interactive Map of Aging – Projeção das mudanças populacionais –
2010-2030............................................................................................................................................................... 73
Figura 18 – NYC Interactive Map of Aging – População com 65 ou mais – Informação sobre
postos de socorro e atendimento a idosos em situação de abuso doméstico.............................. 74
Figura 19 – Chandigarh – Plano geral de Le Corbusier........................................................................... 80
Figura 20 – Plano Piloto – Plano geral de Lucio Costa............................................................................ 80
Figura 21 – Página inicial – GeoPortal........................................................................................................... 86
Figura 22 – Calçada e banco, SQS 114.......................................................................................................... 89
Figura 23 – Área de lazer cercada, SQS 108................................................................................................ 90
Figura 24 – Jardins e cerca viva próximos a edifícios residenciais, SQS 203................................... 91
Figura 25 – Área verde entre prédio residencial e comércio local...................................................... 92
Figura 26 – Ponto de encontro comunitário (PEC), 115 Sul................................................................101
Figura 27 – Roda de choro na CopacaBanca, 208 Sul...........................................................................105
Figura 28 – Feira de produtos orgânicos, 309 Sul...................................................................................106
Figura 29 – Coletivo MOB................................................................................................................................106
Figura 30 – Coletivo Instituto do Setor, Caio Dutra e Barba................................................................108
Figura 31 – Intervenções – Cenários sugeridos.......................................................................................110
Figura 32 – Cenário 1 – Ponto de Encontro e Inclusão Social............................................................111
Figura 33 – Cenário 2 – Praça da Participação Cívica ...........................................................................112

11
Figura 34 – Cenário 3 – Praça de Feiras e Oficinas..................................................................................112
Figura 35 – Cenário 4 – Praça de Artesanato e Trabalhos Manuais..................................................113
Figura 36 – Cenário 5 – Praça de Leitura e Histórias..............................................................................114
Figura 37 – Cenário 6 – Horta Comunitária ..............................................................................................115
Figura 38 – Cenário 7 – Praças de Jogos e Diversão..............................................................................116
Figura 39 – Intervenções – Mapa geral sugerido  ..................................................................................116

12
Prefácio

São muitas, distintas e internacionalmente conhecidas as referências à cida-


de de Brasília. Desde sua inauguração em 1960 até a atualidade, as tantas pecu-
liaridades da capital federal brasileira justificam assimilações ora enaltecedoras
de qualidades da cidade ora reveladoras de suas carências. E é entre as tantas
dimensões de uma cidade, que instigam reflexões e estudos, tal como ocor-
rente em Brasília em alto grau, que se desenvolve a presente obra, fruto da dis-
sertação de mestrado de Maria Eduarda Vasconcelos de Almeida, desenvolvida
entre os anos de 2018 e 2019 e aqui publicada sob o título Desenho urbano e
envelhecimento populacional: reflexões sobre o Plano Piloto de Brasília.
Sob esse foco na apropriação da cidade por um específico grupo de mora-
dores locais, a partir das emblemáticas superquadras que, compondo unidades
de vizinhança configuram a tipologia residencial mais conhecida do Plano Pi-
loto de Brasília, este trabalho desvela um longo processo de pesquisa. Ampa-
rada por uma bibliografia de caráter multidisciplinar e estudo de casos, ambos
pautados por referências internacionais e nacionais, a pesquisa foi enriquecida,
sobretudo, por entrevistas realizadas com grupos de atores sociais específicos
e pertinentes à reflexão: como gestores públicos, planejadores e interventores
urbanos, além, é claro, do grupo focal, representado por moradores idosos de
superquadras tradicionais da cidade, principalmente na Asa Sul do Plano Piloto
de Brasília.
Pela escolha de tais procedimentos e sua condução meticulosa expressa ao
longo das páginas deste trabalho, os leitores também poderão perceber que a
autora conseguiu, de fato, responder às inquietações que geraram sua pesqui-
sa, estruturando o pensamento em uma análise consistente sobre a qualidade
de vida da população idosa local – tendo, como parâmetro, um conjunto de
fatores intimamente correlacionados, como mobilidade, segurança, lazer e con-
vívio social nas áreas externas aos edifícios de apartamentos que compõem as
superquadras. Se a temática do envelhecimento populacional já consiste em
uma questão que tem merecido estudos há várias décadas por todo o mundo,
diante do aumento da expectativa de vida humana entre outras razões, em Bra-
sília, em seu Plano Piloto, em suas superquadras mais tradicionais, também se
ressalta a relevância crescente do tema à medida que boa parte da população,

13
que passou a ocupar tais habitações desde a inauguração da cidade, já envelhe-
ce e vem experimentando as vantagens e contradições de viver seu cotidiano
na cidade. Uma cidade concebida sob preceitos urbanísticos modernistas, vá-
rios deles hoje questionados; uma cidade cujo conjunto urbanístico foi, desde
cedo, declarado como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e tombado como patrimônio
cultural também nas esferas nacional, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), e distrital, pelas secretarias locais vinculadas ao de-
senvolvimento urbano e à cultura.
Sob esse contexto, enfatizando a necessidade de se pensar os espaços de
modo que possam favorecer um “envelhecimento ativo” – autônomo e susten-
tável, conforme conceituado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – a par-
tir da constatação de potencialidades e carências em uma localidade específica,
a autora, além de realizar a sistematização de um pensamento sobre o tema, tal
como se espera de uma dissertação de mestrado acadêmico, se propôs, ainda,
a experimentar respostas projetuais possíveis para uma maior aproximação do
bem-estar requerido no espaço estudado. E, para tal, criou e adequou ambiên-
cias várias a partir dos dados de caráter teórico e empírico obtidos no processo
de desenvolvimento de sua pesquisa e de sua expertise como arquiteta e urba-
nista – atuante na cidade já há algumas décadas.
Desdobramentos como essas respostas projetuais, que ultrapassam as soli-
citações formais acadêmicas para a obtenção da titulação de Mestre, conforme
acima mencionado, talvez se configurem como uma das melhores referências
para expressar o quanto da personalidade irrequieta e proativa da autora, Maria
Eduarda, mas que imagino preferir ser tratada simplesmente como Duda tam-
bém por seus leitores, contribuiu para o alcance dos resultados significativos
deste trabalho. Resultados esses, reunidos e publicados após poucos meses de
sua finalização, defesa e ajustes para o formato de um livro conforme indica-
ção dos membros titulares de sua banca examinadora, ocorrida em fevereiro de
2020, com as participações contributivas do arquiteto e urbanista Prof. Doutor
Leonardo Pinto de Oliveira, do Centro Universitário de Brasília, e do sociólogo
espanhol Prof. Doutor Manuel Garcia Docampo, da Universidad de La Coruña,
Espanha. Como orientador deste trabalho, além da satisfação pessoal em ter
participado de sua cristalização, satisfação agora ampliada pelo convite para
prefaciar sua nova configuração, como livro – susceptível a trajetórias infini-

14
tas – também não há como não relembrar e deixar de mencionar algo sobre
o processo de desenvolvimento da pesquisa ora publicada, especificamente,
que entre outros percursos possíveis, o estudo que aqui se apresenta expressa,
sobremodo, uma contribuição pessoal da autora em seu intuito de alargar os
horizontes para a reflexão e intervenção sobre o campo em questão.
E se por um prefácio se entende uma forma textual que aborda, ao mesmo
tempo, uma obra escrita, seu autor e o vínculo deste à sua obra que se encontra
prestes a ser conhecida e interpretada por um leitor, a ponte que busco aqui
estabelecer, entre a presente obra e seus leitores por meio deste prefácio, tam-
bém me conduz, sobretudo e com prazer, a delinear as atenções dadas pela
autora ao campo analisado e às suas peculiaridades nas escolhas e argumen-
tações configuradoras deste seu trabalho. Tais atenções, que permeiam todo
o trabalho, se iniciam pela identificação local de uma questão relevante para a
pesquisa seguida do reconhecimento da fluidez de conceitos mais vinculados
ao tema, como os de velhice e envelhecimento. Suas atenções ainda perpassam
a valorização do direito à cidade e as crescentes reivindicações por inclusão e di-
versidade social, assimiladas também sob o ponto de vista intergeracional, mas
ampliando as questões vinculadas à vulnerabilidade da terceira idade e suas
demandas às crescentes intervenções e arranjos de caráter pontual e efêmero
empreendidas em muitas cidades – como em Brasília e em suas superquadras,
por recentes e bem-vindos coletivos urbanos, compostos ou não por arquitetos
ou outros dos tantos profissionais hoje vinculados ao planejamento urbano.
Dessa maneira, o presente trabalho dialoga com a consideração da cidade
como um organismo histórico, mas, sobretudo, um organismo vivo, conforma-
do tanto pelo poder simbólico de seus marcos e memórias ali construídas quan-
to pelas necessidades e desejos de quem a vivencia também em sua escala mais
cotidiana. Assim, a partir deste estudo das superquadras do Plano Piloto de Bra-
sília, e da atenção dada aos mais diversos atores que as vivenciam e/ou sobre
elas intervêm, se evidencia a importância inerente a espacialidades e atividades
integrativas que, se não estimulam, pelo menos viabilizam transformações so-
cioespaciais em meio às inter-relações e negociações sucessivas que pautam o
dia a dia de seus cidadãos.

Sávio Tadeu Guimarães


Brasília, setembro de 2020

15
Sumário

MOTIVAÇÃO.......................................................................................................................................18

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................23

1 OBJETIVOS......................................................................................................................................27
1.1 Objetivos Gerais ........................................................................................................................................ 27
1.2 Objetivos Específicos................................................................................................................................ 27

2 JUSTIFICATIVA................................................................................................................................28

3 METODOLOGIA..............................................................................................................................30
3.1 A Reflexão Teórica..................................................................................................................................... 31
3.2 O Processo de Investigação................................................................................................................... 32
3.3 Análises de Resultados............................................................................................................................ 37
3.4 O Processo Comparativo e a Aplicação de Resultados................................................................ 38

4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................................40
4.1 A Questão Urbana e o Envelhecimento Populacional ................................................................ 40
4.1.1 O processo de urbanização e os aspectos demográficos de envelhecimento
no Brasil ............................................................................................................................................................ 42
4.1.2 O desafio de propor cidades amigáveis aos idosos................................................................ 45
4.1.3 Autonomia e independência ......................................................................................................... 46
4.1.4 Saúde e bem-estar.............................................................................................................................. 48
4.1.5 Conectividade social.......................................................................................................................... 50
4.1.6 Segurança............................................................................................................................................... 53
4.2 Contexto Histórico Local......................................................................................................................... 55
4.2.1 Brasília: história, memória e experimentação do espaço urbano...................................... 55
4.2.2 A concepção do Plano Piloto.......................................................................................................... 58
4.2.2.1 Cidade Jardim e unidade de vizinhança.............................................................................. 58
4.2.2.2 As superquadras........................................................................................................................... 62
4.2.3 Proteção e preservação..................................................................................................................... 65
4.2.4 Brasília – A experimentação do espaço urbano....................................................................... 67
4.2.4.1 Memória e a identidade da cidade........................................................................................ 67
4.2.5 O presente: sentidos urbanos e as superquadras.................................................................... 69
4.2.6 Ações futuras e planejamento urbano: pensando a coletividade..................................... 73

5 A SUPERQUADRA: ESTUDO DE CASO.......................................................................................81


5.1 Brasília: Desenho Urbano, Planejamento Urbano e Gestão Urbana ...................................... 81
5.2 Principais Atores........................................................................................................................................ 91
5.2.1 A visão de habitantes do Plano Piloto......................................................................................... 91
5.2.2 A visão de gestores públicos.........................................................................................................102
5.2.3 A visão de interventores urbanos................................................................................................107
5.3 Ensaio Projetual .......................................................................................................................................112

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................. 122

REFERÊNCIAS.................................................................................................................................. 129

ANEXOS............................................................................................................................................ 136

APÊNDICES...................................................................................................................................... 140
Motivação

A primeira motivação desta pesquisa é o amor pela cidade. Apesar de toda


crítica a essa forma de organização humana e aos seus habitantes como ele-
mentos que contribuem para a degradação do nosso planeta, ainda acredito
que a cidade é o local ideal em que se desenvolvem novas relações interpes-
soais; certamente, pensando na atualidade, mais uniformes e difusas, mas que
seguem contribuindo para um novo conceito de mundo em um processo em
mutação constante, que abraça novas práticas funcionais, estéticas, simbólicas
e sociais, evoluindo de maneira simultânea. Um mundo que pode ser construí-
do conjuntamente e planejado de maneira a abrigar uma nova sociedade, mais
saudável, sustentável e equilibrada, e, principalmente, uma sociedade que valo-
riza a velhice ativa e participativa.
Pensando em Brasília, a curiosidade sobre as relações entre a cidade e seus
moradores sempre me incentivou e me desafiou. A cidade moderna, tão pe-
culiar e tão impressionante, faz parte da minha história e sempre me fascinou
por suas características urbanísticas e arquitetônicas. Quem cresceu em Brasília,
como eu, traz em si uma marca que atrai e repele, que nos faz questionar o es-
paço urbano no qual vivemos e os novos espaços urbanos que conhecemos,
nos provoca um sentimento constante de admiração, crítica e análise compara-
tiva – ou seja, ora amamos, ora odiamos, ora estamos confortáveis, ora estamos
incomodados – mas nunca indiferentes. O espetáculo arquitetônico, moderno e
ousado, que se traduz em pequenas joias como o Palácio da Alvorada e a Cate-
dral de Brasília, emoldurados pelo céu azul e pelos ipês que florescem na época
da seca, sempre emociona. E ao nos debruçarmos sobre a história, mesmo en-
tendendo os enganos de uma dispendiosa marcha desenvolvimentista para o
oeste, nos emocionamos pela investida quase poética de tantos candangos que
vieram construir nossa capital, com esforço e dedicação, em tão pouco tempo.
Mas o que virou Brasília, hoje, aos olhos de tantas pessoas que vieram habi-
tar o cerrado de terra vermelha e de tantos descampados? Lembro-me das in-
termináveis histórias da minha infância, quando amigos da família descreviam
suas sagas pessoais, encarando o desafio de deixar as grandes capitais do País
e embarcar em uma aventura quase às cegas, uma cidade nova, desafiadora,
estranhamente interessante, em busca de uma promessa de modernidade e de

18
uma sociedade mais justa e equilibrada. Eram milhares de pessoas transferidas
artificialmente para um local que, por decreto, e não por vocação, se tornaria a
Capital do País.
Figura 1 – Candangos que participaram da construção da cidade de Brasília, 1958

Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal.

Essa vontade de entender a história das pessoas, a memória das cidades, suas
marcas e sua relação com os espaços urbanos continua.
Há alguns anos, por acaso, encontrei uma senhora, Dona Vera, de 78 anos,
que morava no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, no mesmo apartamento,
há mais de 35 anos. Casualmente, ela começou a me falar da sua rotina. O que
me chamou atenção, principalmente, foram as relações que ela construiu e que
ainda mantém com a vizinhança e os prestadores de serviço do bairro (o jorna-
leiro, o padeiro, a costureira) e, mais do que isso, a facilidade que ela tinha em
se locomover, e como isso tornava sua vida mais interessante, feliz e ativa, pois
ela participava de grupos de dança flamenca em uma academia no térreo do
prédio vizinho, ia ler nas praças, participava de grupos de leitura em um centro
comunitário próximo, se juntava às amigas e a outros idosos, desconhecidos,
para que pudessem, juntos, frequentar eventos culturais pela cidade. Dona Vera
também gostava de pegar o VLT, em uma estação a um quarteirão da sua casa,
para ir passear nos museus e jardins mais distantes do seu bairro.
Isso me levou a uma reflexão: minha mãe, Maria Thereza, tem a mesma idade
de Dona Vera, e mora na 114 Sul. Ela chegou à cidade em 1968 e, com meu pai,
médico, meus irmãos e eu, foi morar em um apartamento na quadra 208 Sul.
Tenho forte lembrança, na minha infância, do comércio local, da academia de

19
balé, do parquinho da quadra, dos locais que frequentávamos a pé, do clube de
vizinhança. Imediatamente, comecei a pensar na vida que se levava no início
de Brasília, quase que pioneiros, a convivência com a vizinhança, as relações
com os vizinhos de “prumada” e, principalmente, como eram as relações com
os espaços públicos da superquadra – muito utilizados por crianças, adultos e
idosos. Hoje, minha mãe não utiliza o espaço público. Tem medo do desnível e
da irregularidade das calçadas. Evita sair à noite, pois a quadra fica deserta. Não
se sente bem nos bancos malcuidados, próximos aos parquinhos infantis deser-
tos. Não frequenta programas culturais, pois teatros, centros culturais e eventos
de rua não inspiram nela a confiança de que os espaços serão acessíveis para
sua capacidade locomotora. Não encontra espaço onde poderia conviver com
outros idosos, observar os jovens, se divertir com as crianças – ver gente.
Obviamente que muita coisa mudou, sociologicamente falando. A violência,
as relações entre os habitantes, o sentimento comum em relação ao futuro do
País, o desequilíbrio social. A cidade, que deveria ser um espaço democrático,
hoje tem outro perfil, e nela não se encontram a equidade de tratamento, de
oferta de moradia, de diferentes classes que coabitam e se respeitam, de ofer-
ta de trabalho, de condições de deslocamento. Vários estudos já foram e vêm
sendo feitos, por diferentes pesquisadores de diferentes áreas do conhecimen-
to, sobre os problemas da exclusão, da violência, da degradação ambiental, da
segregação socioespacial, da baixa apropriação do espaço público em Brasília.
Não se vê com muita frequência, no cotidiano do Plano Piloto, exceto raras res-
salvas, um senso de comunidade, um núcleo de convívio, de trocas, de ativida-
des, de eventos culturais, de recreação, de observação da vida cotidiana. O que
trato aqui é do espaço urbano da superquadra, que deveria ser utilizado no dia
a dia da população, como prática cotidiana. As superquadras seriam hoje fruto
de um ordenamento urbano que resultou em “uma transformação da cidade
numa porção de territórios hostis e desconfiados uns dos outros”? (JACOBS,
2011, p. 127)
A arquitetura tem, por conceito, certa responsabilidade na construção da
cidade democrática. Le Corbusier, ao especificar o conceito da “máquina de
morar”, o faz a partir do tripé necessidade social, técnicas industrializadas de
construção e concepção estética e teórica. Habitar, trabalhar, recrear e circular.
Brasília, que adota em sua concepção essa configuração de espaços, absorve
em sua razão arquitetônica a competência que os moradores podem vir a ma-

20
nifestar sobre as inovações do arquiteto? Tendo como ponto de início a análi-
se das transformações na cidade moderna, como os habitantes se apropriaram
dos espaços da superquadra, que tipo de transformação social os afeta, como
criar e recriar esses espaços, que tipo de continuidade e que tipo de ruptura isso
sugere?
Segundo Marion Segaud (2016), a arquitetura evolui por mutações. A análise
sociológica e a análise arquitetônica são intimamente associadas. A experimen-
tação técnica parte do Poder Público, mas mobiliza diversos atores. Levando
em conta a teoria da autora sobre a “sociologia das mutações”, entendemos que
cada sociedade cria sua própria modernidade, desenvolvendo-se multilinear-
mente. A antropologia do espaço, na era da globalização, ao mesmo tempo
“territorializa”, pois reforça o sentimento de pertencimento ao local, ao lugar,
e desterritorializa, pois existe a mobilidade generalizada do mundo moderno.
Isso torna a verificação da identidade social um desafio presente nas cidades
contemporâneas.
A representação do espaço diz muito sobre as sociedades e indivíduos que a
produzem, mas principalmente, reproduzem uma determinada época, um tem-
po. São ferramentas ideológicas e técnicas de comunicação que refletem uma
cultura, uma ordem social e um posicionamento político. Brasília, com suas ca-
racterísticas morfológicas únicas, é fruto de uma época em que a especialização
de uso, a mobilidade centrada no automóvel e o pouco favorecimento da circu-
lação de pedestres representavam uma visão da cidade do futuro: uma cidade
moderna.
Pensando no movimento moderno, não se pode deixar de pensar nos con-
trapontos aos movimentos modernistas: em 1961, algumas décadas depois da
Carta de Atenas, Jane Jacobs publicaria o livro Morte e vida das grandes cidades,
uma crítica aos chamados “erros fatais” do planejamento urbano modernista,
ferramenta frequente também em grandes centros urbanos nos Estados Uni-
dos e Canadá, países que eram objetos de estudo da autora. Recentemente,
estudando os princípios do New Urbanism1, percebi nitidamente que o gran-
de esforço do planejamento urbano atual é no sentido de desfazer conceitos
estabelecidos no passado: uso misto ao invés de zoneamento de atividades;

1  New Urbanism é um movimento originário dos Estados Unidos, surgido na década de 1980, que
determina práticas para criar espaços públicos e comunidades mais atrativas, eficientes e agradáveis.
O movimento se inspira em padrões que respeitam a prioridade do pedestre e desqualificam espaços
destinados a automóveis, criando desenvolvimento sustentável em longo prazo.

21
fachada ativa ao invés de pilotis livres; fachadas contínuas ao invés de recuos
nos afastamentos frontais do edifícios em relação à rua. O carro não é mais o
protagonista do sistema de transporte (lembrando que Le Corbusier chegou a
projetar um edifício-freeway cortando a Zona Sul do Rio de Janeiro), e hoje bus-
camos sistemas de mobilidade sustentáveis, não poluentes, compartilhados,
que veem o pedestre como ator principal da atividade urbana.
De fato, foi necessário construir certo distanciamento em relação ao nosso
papel crítico e prático de profissionais arquitetos e urbanistas para entender as
necessidades e a realidade cotidiana do idoso inserido nesse espaço urbano: o
planejador urbano, por si só, não orienta nem corrige, muito menos prevê ou
antevê problemas e vantagens que se apresentam no dia a dia da cidade.

22
Introdução

É perceptível como o envelhecimento nas grandes cidades tem sido um tó-


pico de pesquisa presente em todas as áreas que têm como questionamento
principal o debate sobre a qualidade de vida e o futuro das populações nos cen-
tros urbanos. Este será um dos assuntos dos mais debatidos e discutidos neste
século. Pela primeira vez na história, existem hoje mais pessoas com idade su-
perior a 65 anos do que crianças com idade abaixo de 5 anos. Como resultado,
uma nova abordagem para os desafios e oportunidades apresentados por uma
população em processo de envelhecimento gradualmente emerge nos centros
urbanos. Uma definição inovadora e mais ampla de elementos essenciais na
relação da cidade com o idoso inclui uma série de especialidades, que engloba
ciências diversas, como sociologia e economia, serviços de saúde e assistência
médica, conceitos de direitos dos indivíduos, direito à habitação e participação
ativa na vida em comunidade.
Nossas cidades sentirão o impacto dessa mudança demográfica de uma ma-
neira mais ampla. As implicações nas redes de infraestrutura existentes e nas
possibilidades e ofertas de novas moradias são enormes, e devemos pensar
com antecedência nas inferências em relação a aspectos de mobilidade, segu-
rança e de inclusão social. Os desafios são grandes e diretamente dependentes
de um contexto coletivo e comunitário.
Em poucos anos, muitos países verão mudanças significativas na estrutura
demográfica da população. Na Europa, indicadores demográficos demonstram
que a população de aposentados terá crescido em cerca de 70% até 2050, cau-
sando um declínio de 12% na população produtiva (15-64 anos).
Existem projeções2 que indicam que, a partir de 2020, a população de Tó-
quio, no Japão, começará a sofrer uma contração demográfica, e, conforme a
proporção de idosos cresce, a oferta de espaço físico vital (no sentido de espaço
de expansão territorial) diminui; e aumenta a necessidade de uma rede direta
de atendimento ao idoso e de planejamento de ambientes urbanos acessíveis.

2  Fontes: Instituto Nacional de Investigação sobre População e Segurança Social, OIT, OCDE e Gover-
no do Japão.

23
Figura 2 – Gráfico da evolução da população no Japão, em milhões de habitantes

Fonte: Jornal El País, 2 de abril de 2019.

A população de Okinawa, no Japão, tem a maior longevidade do planeta.


Pesquisadores que estudam o fenômeno concluíram que o aumento da ex-
pectativa de vida está diretamente relacionado a manter-se ativo e controlar
o estresse, comer sempre menos, cultivar e manter amigos, estar sempre em
contato com a natureza, manter o bom humor, o hábito fazer exercícios e o de
sentir grato pelo que se tem, bem como à capacidade de viver o momento e ser
resiliente.3
Muitas cidades vêm repensando seu planejamento futuro e questionando
sua funcionalidade devido às mudanças nas questões demográficas. Um relató-
rio sobre Perspectivas da Urbanização Mundial, publicado pela ONU (Organiza-
ções das Nações Unidas), informa que, em 1950, dois terços das pessoas viviam
em assentamentos rurais e menos de um terço em assentamentos urbanos;
em 2014, 54% da população do planeta residia em áreas urbanas; hoje conta-
mos com perspectivas de crescimento desse índice para 60% em 2030 (UNITED
NATIONS, World Population Prospect: The 2019 Revision, 2019). Um contingente
maior de idosos também está morando em cidades. Em 80% dos casos, a pro-

3  Veja-se o programa Globo Repórter, da Rede Globo, exibido em 12/07/2019. Disponível em: https://
g1.globo.com/globo-reporter/. Acesso em: 4 abr. 2019.

24
porção de residentes idosos em centros urbanos chega a ser semelhante à de
moradores de faixas etárias mais jovens.
Todos os países do mundo estão em processo de crescimento populacional,
em se tratando da análise dos índices demográficos relativos à população de
idosos. Em 2050, a população global em idade acima de 60 anos mais do que
dobrará, passando de 962 milhões de pessoas em 2017 para 2,1 bilhões de pes-
soas em 2050. Paralelamente a essa faixa etária, a população com 80 anos ou
mais está crescendo em proporções ainda mais rápidas. Em 2050, a estimativa é
de que essa população triplique.
Nos países em desenvolvimento, entretanto, a proporção de idosos em co-
munidades urbanas aumentará 16 vezes, passando de cerca de 56 milhões, em
1998, para mais de 908 milhões, em 2050. Nesse momento, os idosos represen-
tarão um quarto da população urbana total dos países menos desenvolvidos.4
No Brasil, estabelece-se como definição de idoso e “trabalhador idoso” a pes-
soa com mais de 60 anos de idade, seguindo a determinação do marco legal
nacional e da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2008). Nos países mais de-
senvolvidos, a ONU estabelece a idade de 65 anos para considerar a pessoa
como idosa.
O processo acelerado de envelhecimento da população brasileira salta como
protagonista para o entendimento da dinâmica urbana contemporânea: em
2012, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era de 74,6 anos, contra 74,9
em 2013 e 75,1 anos em 2014 – apenas de 1991 a 2011, a expectativa de vida do
brasileiro ampliou-se em nove anos, indo da média de 66,9 para 74,1.
A população do Distrito Federal deve começar a encolher em 2057, ou seja,
nove anos depois da média nacional, que tem como marco o ano de 2048. Atual-
mente, a cidade tem 2,9 milhões de habitantes. Em 2060, esse número chegará
a 3,7 milhões. A expectativa de vida do brasiliense é hoje de 78,6 anos. Até 2060,
haverá o incremento de quatro anos nessa média, quando se viverá por 82,7
anos. No mesmo ano, projeções indicam que a cidade terá a menor taxa de fe-
cundidade do país: 1,5 filho por mulher. Hoje esse índice é de 1,68 por mulher. O
envelhecimento da população do Distrito Federal crescerá consideravelmente.
Se hoje a população de 65 anos ou mais representa 6,9% da população, esse

4  Nesse sentido, veja-se o documento Living conditions of low-income older people in human settle-
ments; a global survey in connection with the International Year of Older People 1999. Disponível em: http://
ww2.unhabitat.org/programmes/housingpolicy/pubvul.asp. Acesso em: 16 nov. 2018.

25
indicador chegará a dois dígitos em 2030 (11,5%) e saltará para 26,1% em 2060,
segundo estudos do IBGE (2018).
Figura 3 – Projeção da população por sexo e idade para o Brasil – Brasil 2000/2060

Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais.

Na pesquisa de 2013 realizada pela Companhia de Planejamento do Distrito


Federal (Codeplan),5 a população idosa (pessoas de 60 anos e mais) no Distrito Federal
somava pouco mais de 326 mil pessoas, o equivalente a 12,8% da população total.
Os maiores contingentes habitavam a Região Administrativa I – Brasília (Plano Piloto)
e a Ceilândia, com pouco mais de 45 mil idosos residentes em ambos os casos, com
cada uma representando cerca de 14,0% da população acima dos 60 anos do Distrito
Federal. Deve-se registrar, entretanto, que o Plano Piloto responde por apenas 8,2% da
população do DF, ao passo que Ceilândia responde por 15,8%. O terceiro maior con-
tingente, pouco mais de 36 mil, ou 11,1% do total, reside em Taguatinga. Em termos
relativos, as maiores participações de idosos nas taxas estudadas da população total
são verificadas nas Regiões Administrativas mais consolidadas, com renda mais eleva-
da, casos do Lago Sul (30,1%), Plano Piloto (21,9%) e Lago Norte (19,8%). O estado civil
da maioria é casado (62,3%).

O desafio, como em qualquer questionamento sobre o futuro, é a capacidade


de planejar para minimizar os impactos de um futuro próximo. A velhice hoje é conside-
rada uma etapa ativa da vida do indivíduo, e esse conceito depende muito da possibi-
lidade de o idoso manter determinado grau de independência e de qualidade de vida.

5  CODEPLAN. PDAD – Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios. Perfil dos Idosos no Distrito Fed-
eral Segundo as Regiões Administrativas. Brasília, 2013. Disponível em: http://www.codeplan.df.gov.br/
wp-content/uploads/2018/02/Perfil-do-Idoso-no-DF-segundo-as-Regi%C3%B5es-Administrativas.pdf.
Acesso em: 20 fev. 2019.

26
1 Objetivos

1.1 Objetivos Gerais

O objetivo principal a ser alcançado neste trabalho é a obtenção de dados e


posterior avaliação do impacto do desenho urbano, do planejamento urbano e/
ou da gestão urbana sobre a qualidade de vida dos habitantes de terceira idade
da Asa Sul.

1.2 Objetivos Específicos

Esta pesquisa se propõe a atingir os seguintes objetivos específicos:

• Explorar os conceitos e teorias de desenho urbano contemporâneo e suas


relações com as expectativas e objetivos do traçado urbano do Plano Piloto
previstos inicialmente no projeto de Lucio Costa;
• Examinar parâmetros, características e critérios do desenho urbano modernista
de Brasília e a problemática específica em relação ao impacto na qualidade de
vida do morador idoso da superquadra;
• Analisar alguns aspectos da preservação e manutenção dos conceitos de
desenho urbano adotados na cidade após o processo de tombamento;
• Estudar as condições atuais dos elementos urbanos existentes na superquadra
e seu reflexo no cotidiano das pessoas de terceira idade: mobiliário urbano,
calçadas, ruas, jardins, iluminação pública, parques e outros;
• Estudar a relação entre espaço urbano e envelhecimento ativo: quais
elementos são essenciais à qualidade de vida, quais são desejáveis, quais são
os deficientes e quais são os que mais interferem na saúde, sociabilidade e
vida comunitária dos idosos;
• Analisar teorias e ações públicas aplicadas nas comunidades de cidades
amigáveis aos idosos: como é feito o planejamento urbano participativo, quais
as soluções propostas, onde vêm sendo implantadas e como isso pode ser
aplicado no Plano Piloto de Brasília.
• Propor cenários que possam eventualmente resultar em melhorias para a
qualidade de vida da população, sem que interfiram diretamente no conceito
urbanístico da superquadra.

27
2 Justificativa

O interesse pelo tema em estudo surgiu diante da observação das relações


entre o idoso e os espaços públicos, em diversos locais em Brasília, no Brasil e no
mundo. Como já dito, alguns fatores pessoais me instigaram a especular sobre
os níveis de felicidade, saúde e bem-estar ligados à terceira idade, bem como
sobre a maneira com que o desenho urbano, a vida nas cidades e as relações
sociais poderiam influenciar em tal comportamento.
Essa linha de pesquisa subsidiou o interesse em acompanhar diversos estu-
dos que estavam sendo feitos pelo mundo, e percebi como o interesse no en-
velhecimento populacional é crescente e imperativo. Alguns bairros, e também
novas cidades, são projetadas para atender aos interesses específicos da terceira
idade, baseados principalmente nos princípios do “novo urbanismo”, nos Esta-
dos Unidos.6 Tive a oportunidade de acompanhar a apresentação dos principais
arquitetos que coordenam esses estudos urbanísticos e de analisar premissas e
parâmetros apresentados durante o 26º Congresso Internacional do New Urba-
nism, em Savannah, Estados Unidos, em maio de 2018.
A inclusão dos idosos na sociedade e como proporcionar uma boa velhice ati-
va nos centros urbanos têm sido tema de muitas pesquisas. Os resultados têm
apontado a existência de muitos estigmas e estereótipos sobre os processos de
inclusão e suas consequências nos núcleos familiares e sociais. Esse fato vem
gerando muitas preocupações nos meios profissionais, acadêmicos e científi-
cos, uma vez que esses indivíduos, assim como todos nós, possuem identidades
próprias, relações culturais e aspectos emocionais que precisam ser considera-
dos e valorizados, inclusive quando pensamos em diretos civis relacionados ao
espaço urbano.
A cidade tem papel primordial quando a entendemos como local de concen-
tração de indivíduos, onde se pode e se deve desenvolver os conceitos corretos
da cidadania, para que todos os seus moradores usufruam de benefícios pro-
venientes de um ambiente urbano equilibrado e democrático. Segundo Hen-
ri Lefèbvre (2006, p. 139), o direito à cidade é um direito “(...) à vida urbana, à

6  O principal núcleo urbano projetado especificamente para idosos nos Estados Unidos é uma cidade
chamada de The Villages, próxima a Ocala, na Flórida, projetada pela empresa de arquitetura e urbanis-
mo DPZ, de Andres Duany e Elizabeth Plater-Zyberk.

28
centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e
empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e lo-
cais”. Devemos, portanto, considerar que o direito à cidade é um direito comum,
antes de ser individual, e depende da ação do coletivo para atuar e transformar
os espaços, coordenando e planejando o processo de urbanização.
Tendo como base tais pressupostos, tanto o interesse em um tema cada vez
mais discutido no planejamento das cidades quanto a observação relativa a
premissas e fatores que influenciam a vivência e o entendimento das cidades,
este projeto de pesquisa se justifica pelo propósito de avaliar sob essa ótica um
espaço muito peculiar e diferenciado: a superquadra.
Além disso, a pesquisa contribui para iniciativas afins à linha de investigação
configuracional, ao incluir uma série de dissertações e teses já defendidas e bi-
bliografias abrangentes, que abordam temas diversos como geriatria, sociolo-
gia, planejamento urbano, psicologia e antropologia.
Portanto, a ideia está na conjugação de esforços para melhor compreender
a cidade de Brasília, especificamente o Plano Piloto, Asa Sul, com o olhar em
envelhecimento populacional.

29
3 Metodologia

O método, entendido como conjunto de procedimentos para encontrarmos


os objetivos que foram traçados nesta pesquisa, foi definido ao longo do tra-
balho de investigação. Considerando dados que vimos como disponíveis, se
embasou uma concepção teórica que sugeriu, então, a escolha de uma deter-
minada técnica.
Dentro das possibilidades das duas abordagens clássicas do método científi-
co de investigação, a quantitativa e qualitativa, entendo que a primeira trabalha
informações de forma numérica, apoiada em estatísticas. A segunda, qualitati-
va, não sugere uma análise de algarismos, mas sim uma interpretação contínua
do mundo em que vivemos e a produção de significados, sentimentos, expe-
riências, relações humanas, histórias de vida (GÜNTHER, 2006).
No caso desta pesquisa, optou-se por adotar a pesquisa qualitativa com da-
dos quantitativos. Nesse sentido, o grande desafio foi a objetivação dos resul-
tados, pois, durante a investigação cientifica, observou-se a complexidade do
objeto de estudo, tanto porque envolvia seres humanos de um grupo específi-
co, com grandes particularidades, quanto devido às grandes possibilidades de
abordagem crítica em relação ao espaço público e às teorias do planejamento
urbano.
Sendo assim, a opção em iniciar o trabalho estudando conceitos e teorias
do urbanismo moderno e hipóteses relevantes em relação ao envelhecimen-
to populacional nos grandes centros urbanos, comparando as possibilidades e
aplicabilidades de soluções para melhoria de espaços públicos, de acordo com
conceitos de planejamento urbano participativo, aliada à técnica de coleta de
dados adequada, tudo isso foi pensado de maneira a evitar a incursão excessiva
de juízo de valor na pesquisa, com o objetivo final de produzir um conhecimen-
to aceitável e bem fundamentado. Não seria o caso, portanto, de uma preocu-
pação com a neutralidade, mas sim com a objetividade e o zelo a partir da etapa
de coleta de dados.
O questionário, elaborado para levantamento de informações, vem sendo
aplicado em amostragem de pequena grandeza, e será posteriormente quan-
tificado. Ficou evidente, a partir da proposição do problema de pesquisa e da
elaboração de hipóteses, que a seleção do instrumental metodológico seria di-

30
retamente ligado às percepções e opiniões, ou seja, os dados numéricos levan-
tados também são fruto de interpretações pessoais dos entrevistados, que por
sua vez são um segmento delimitado e focalizado da nossa organização social.
Essa triangulação sugere que ambas as abordagens, quantitativa e qualitati-
va, podem ser utilizadas neste mesmo estudo – tanto para obter uma sistemati-
zação do conhecimento quanto para análise de discursos e sentimentos.
A partir dos dados coletados, foi possível desenhar um cenário sobre a per-
cepção dos idosos em relação ao espaço urbano, particularidades, problemas
e qualidades. De posse desses dados, foram feitas entrevistas com moradores,
gestores públicos e interventores urbanos, no sentido de entender que tipo de
transformação parte de qual tipo de especialidade e como isso pode ser aplica-
do de maneira geral e pontual no espaço comum da superquadra.
O diagnóstico permitiu que algumas sugestões fossem então construídas, de
maneira a propor ações focadas que contribuíssem com a interação da comu-
nidade local – inclusão intergeracional – fortalecesse as conexões humanas e
propiciasse a regeneração de espaços ociosos ou desqualificados.

3.1 A Reflexão Teórica

Após determinar que seria essencial entender os conceitos fundamentais


para a compreensão do tema estudado, foi estabelecido um marco teórico-
-metodológico que envolve o levantamento de textos históricos e revisões de
literatura, de maneira a, posteriormente, mediar essas informações com a pes-
quisa empírica.
Em primeiro lugar, a intenção é descrever o momento histórico no qual o
planejamento da cidade se desenvolveu, quais foram os conceitos aplicados na-
quele determinado momento e quais os elementos e utopias que ilustravam a
tentativa de estabelecer parâmetros que fariam parte do cotidiano da vida na
cidade e suas relações sociais e econômicas. Para isso, foi consultada bibliogra-
fia específica, que descreve e analisa o memorial descritivo do projeto do Plano
Piloto, além de textos que auxiliam a construção de uma visão crítica dos ele-
mentos adotados nos projetos urbanos desenvolvidos após a segunda guerra
mundial, baseados em paradigmas modernistas estabelecidos pelo Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam), em 1920.

31
O levantamento do referencial teórico mostrou-se de suma importância e de-
terminante no sentido do entendimento do processo de formação do conceito
da superquadra. O que se pretende é entender a visão inicial dos planejadores da
cidade, a partir do resgate histórico do que seria a formação do lugar, em contra-
ponto com alguns fatores indiretos e emocionais, como o sentimento e a afetivi-
dade, de maneira a tornar legítimo esse patrimônio em relação aos que, então,
vieram habitar o espaço da superquadra – e que hoje envelhecem nesse local.
A percepção do espaço público, somada à percepção do cotidiano, nos faz
entender melhor a interação das pessoas com a cidade, sua diversidade de
culturas e os processos relacionados à representação e símbolos da experi-
mentação da cidade, que são os fatores que constroem a sociabilidade do
espaço urbano.
A relação do indivíduo com a cidade se dá aos poucos, construindo uma
parceria e uma identidade, por meio de descobertas que levam ao reconheci-
mento e à valorização. Nesse sentido, não seria possível entender a realidade
de Brasília na atualidade, sem antes entender os princípios e conceitos de uma
cidade moderna.

3.2 O Processo de Investigação

Optou-se por coletar informações diversas através de pesquisas – experiên-


cias pessoais, de fontes diretas que vivenciam o espaço urbano e têm conheci-
mento do objeto desta tese. O objetivo é conhecer a opinião dos idosos sobre
o espaço público da superquadra, o seu significado, e descobrir fatores que in-
fluenciam a qualidade de vida. O questionário seguiu o modelo semiestrutu-
rado, com perguntas fechadas, de identificação e de classificação, e perguntas
abertas, dando ao entrevistado a possibilidade de falar livremente sobre o tema
proposto. O questionário consta como anexo a este documento.
Além do questionário, algumas entrevistas presenciais foram feitas. Optou-se
em dividir os agentes que interagem com o espaço público das superquadras
em duas categorias: os habitantes do Plano Piloto e os Gestores Públicos, es-
tes divididos em liderança local (prefeito de superquadra) e agentes públicos,
ligados à área de desenvolvimento urbano. Além dessas duas categorias, po-
deríamos considerar ainda os interventores urbanos, no sentido de identificar

32
agentes que contribuem para a modificação informal do espaço urbano através
de ações pontuais, geralmente ligadas à cultura, como rodas de leitura ao ar li-
vre, encontros musicais, feiras temáticas ou relacionadas à área de alimentação
e atividades de lazer e esporte. Essas intervenções urbanas ainda se mostram
tímidas no que diz respeito à terceira idade e à sua atuação nas superquadras
mais tradicionais da cidade, mas começam a ocorrer, sobretudo nos finais de
semana.
O processo de análise do espaço da superquadra e suas relações com os ido-
sos se mostrou bem mais complexo do que o avaliado incialmente. Em uma
primeira análise, julgamos que seria possível definir uma área de estudo a partir
de dados coletados em agências públicas de pesquisas demográficas, como a
Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan).
Entretanto, após analisar algumas pesquisas e levantamentos, mais especi-
ficamente ao estudar o PDAD – Pesquisa Distrital de Amostras de Domicílios,
percebi que o perfil de ocupação das superquadras pelos idosos ainda é incerto,
complexo e pulverizado, o que significa que seria impossível identificar uma
determinada quadra com maior concentração de pessoas com mais de 60 anos.
Para confirmar esse dado, consultei a Professora Ana Maria Nogales Vascon-
celos, doutora em Demografia pela Université Catholique de Louvain, na França,
e professora do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília, coor-
denadora do Laboratório de População e Desenvolvimento em Projetos na área
da saúde e vulnerabilidade social, vinculado ao Núcleo de Estudos Urbanos e
Regionais (Neur/Ceam) da Universidade de Brasília. Sendo grande conhecedora
da realidade do Distrito Federal, Ana Maria foi de grande ajuda na reflexão so-
bre a área de abrangência da pesquisa. Segundo sua orientação, nenhuma das
quadras da Asa Sul poderia ser considerada um modelo para aplicabilidade dos
questionamentos e resultados obtidos em relação aos idosos no Plano Piloto,
pois se trata de uma população ainda dispersa em relação à concentração ou
não em determinada área urbana.
A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas
(CEP) do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, sob parecer nº 3.175.533,
em 27 de fevereiro de 2019, e submetida à Comissão Nacional de Ética em Pes-
quisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Plataforma Brasil do Go-
verno Federal, Ministério da Saúde, sob a condição de pesquisa que envolve
seres humanos, cumprindo normas e diretrizes reguladoras conforme a Lei. To-

33
das as pessoas idosas pesquisadas têm acesso ao parecer e manifestam concor-
dância com as determinações éticas asseguradas pelo Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, no que diz respeito ao anonimato e à confidencialidade dos
dados. O Termo (TCLE) consta como anexo a este documento.
A abordagem qualitativa foi a opção metodológica escolhida para viabilizar a
investigação em relação às relações do indivíduo com o espaço urbano, permi-
tindo o reconhecimento de necessidades individuais e possibilitando a coleta
de impressões pessoais. Os sujeitos participantes da pesquisa são, afinal, os por-
tadores do conhecimento da memória da cidade e devem ser compreendidos
como atores sociais, respeitando-se suas opiniões, posicionamentos e particu-
laridades. Segundo Minayo (2008), “(...) a fala dos sujeitos de pesquisa é revela-
dora de condições estruturais, de sistemas e valores, normas e símbolos (...)”, e
por isso mesmo essa fala é tão rica e reveladora.
A pesquisa partiu das proposições definidas pelo Guia global: a cidade amiga
do idoso, da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008) e destaca os ambien-
tes e elementos a serem investigados: edificações e espaços abertos, transporte
e moradia (ambientes físicos); participação e bem-estar mental (ambientes so-
ciais e culturais); a comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de
saúde (ambientes de convivência e de saúde).
Para refinar e objetivar o estudo, adotou-se a metodologia de Dorneles, Ely
e Pedroso (2006), que identificam critérios sobre a boa inserção de pessoas de
terceira idade no espaço público urbano. Destaque-se aqui que os critérios fun-
cionam como checklist, um instrumento de verificação das características ami-
gáveis aos idosos.
Os autores classificam as necessidades dos indivíduos com mais de 60 anos em:
I. Necessidades físicas: Relacionadas à saúde física, segurança e conforto dos
indivíduos no espaço urbano, apresentando-se livre de obstáculos e de fácil
manutenção, a fim de evitar acidentes.
II. Necessidades informativas: relacionadas ao modo como a informação so-
bre o meio no qual estão inseridos os indivíduos é processada. A percepção
(processo de obter ou receber a informação do ambiente) e a cognição (que re-
presenta o modo como a pessoa organiza a informação recebida) são identifica-
das como aspectos importantes para o processamento da informação. Deve-se
considerar neste item as dificuldades visuais, por exemplo.

34
III. Necessidades sociais: referem-se à promoção do controle da privacida-
de ou interação social, dizendo respeito ao significado atribuído pelo idoso ao
espaço público pelo qual circula. As mudanças características da vida urbana
representam também um fator significativo de identidade das cidades, o que
contribui para a sua estruturação.
Além desses aspectos, são avaliados, neste questionário, itens gerais relativos
a conforto acústico e térmico, paisagem e escala urbana, continuidade e ocupa-
ção do espaço público, ergonomia e segurança.
Assim como na aplicação do questionário, também nas observações se pro-
cura examinar a realidade a ser investigada, de maneira a perceber como, quan-
do e por que se utiliza ou não se utiliza o espaço público das superquadras. A
observação é assistemática ou não estruturada, pois é feita sem planejamento
prévio, e também não se tem controle das condições a serem observadas – o
domínio de referenciais teóricos, mais uma vez, aqui se torna determinante,
porque estabelecem com clareza o que se vai observar e quais as variáveis re-
levantes. Deve ser fruto de experiências casuais, por meio de uma postura de
simples observador do cotidiano de um grupo de moradores da superquadra,
de maneira a confrontar as teorias e os fatos empíricos.
Portanto, será mantido o processo de visitação das superquadras, que ocorre
desde o início desta pesquisa, para se tentar o contato direto com moradores
e usuários de forma espontânea, por meio de encontros fortuitos, de maneira
a identificar melhor os indivíduos que ali vivem, o modo como fazem uso do
espaço, em que condições e em quais horários.
Essas visitas também têm como objetivo analisar se o uso da superquadra
hoje corresponde e atende aos princípios estabelecidos por Lucio Costa para o
projeto de Brasília; se o uso do espaço urbano pelos moradores é constante ou
se a configuração urbana desfavorece e desvaloriza tal uso, aos moldes do que
propõem críticos como Jane Jacobs e Holston; e se as questões de segurança/
distribuição econômica/interação social contribuem para o fortalecimento ou
para o declínio do espaço público, com pensou Sennett.

35
Figura 4 – Quadra 108 Sul, às 10h15, em 7 de maio de 2019

Fonte: A autora, 2019.

Figura 5 – Quadra 115 Sul, às 16h22, em 29 de julho de 2019

Fonte: A autora, 2019.

36
Figura 6 – Quadra 114 Sul, às 19h56 horas, em 1º de agosto de 2019

Fonte: A autora, 2019.

3.3 Análises de Resultados

Todo material registrado, seja através do questionário, seja por levantamen-


to fotográfico, foi organizado de maneira a reunir o conteúdo em categorias
analíticas ou tópicos, a fim de facilitar a análise dos resultados e evitar registros
simbólicos ou polissêmicos.
Os dados foram trabalhados pelo método de análise temática do conteúdo, e
a interpretação do material qualitativo foi realizada de maneira a assegurar uma
descrição objetiva, com uma pré-avaliação seguida pela exploração do mate-
rial e tratamento dos resultados (inferência e interpretação). Segundo Bardin
(apud GUERRA, 2014), a análise de conteúdo temático dever ter como ponto
de partida a organização. A autora observa que existem regras específicas que
devem guiar a fase de análise de dados: a) a “regra da exaustividade” (todos
os elementos relevantes devem estar presentes no material); b) a “regra da re-
presentatividade” (o conjunto de elementos escolhidos para análise deve ser
representativo do universo inicial de dados); c) a “regra da homogeneidade” (o
material selecionado deve se ater aos tópicos ou variáveis a serem analisados,

37
abandonando as suas singularidades, que podem vir a fugir deste universo); e
d) a “regra da pertinência” (o material a ser analisado deve ser pertinente aos
objetivos do trabalho).

3.4 O Processo Comparativo e a Aplicação de Resultados

Após a coleta dos dados, foi feita uma comparação entre a intenção e as va-
riáveis do planejamento urbano proposto por Lucio Costa no projeto do Plano
Piloto, as demandas da comunidade colhidas na pesquisa e alguns parâmetros
que hoje se aplicam aos conceitos contemporâneos de planejamento urbano
de cidades amigáveis aos idosos, baseados em literatura relevante.
Algumas ações sugeridas pela Organização Mundial da Saúde, por intermé-
dio da Rede Global para Cidades e Comunidades Amigas dos Idosos, aqui des-
critas, são de simples implantação e de grande impacto, como a ampliação do
tempo de duração dos semáforos. Basicamente, podemos pensar em adaptar as
superquadras em termos de adequação dos espaços livres e melhoria da mobi-
lidade, sociabilidade e segurança, pensando na comunidade crescente de pes-
soas com 60 anos ou mais.
O envelhecimento ativo e saudável, que deve se refletir em mudanças físicas
dos nossos espaços urbanos, demanda o estudo de variáveis de diversas com-
plexidades, como locais desimpedidos e sem barreiras, ambientes agradáveis
e limpos, sem níveis irritantes de ruído e sons, espaços verdes apropriados, se-
guros e em bom estado de conservação, áreas de descanso que incentivam as
pessoas idosas a andar e sentar-se quando precisam; calçadas confortáveis para
os idosos, ou seja, superfícies lisas e antiderrapantes, largas o suficiente para a
passagem de cadeiras de rodas, com rampas niveladas com a pista, onde haja
prioridade para pedestres.
Outras ações deveriam ser implantadas em uma escala maior, na cidade
como um todo, como travessias de pedestres seguras, faixas antiderrapantes e
sinais de áudio quando necessário, itens gerais de acessibilidade e eliminação
de diversas barreiras físicas, rampas adaptadas para espaços públicos e previsão
de ambientes seguros. “A sensação de segurança no ambiente de vida compar-
tilhada afeta fortemente a predisposição das pessoas para se deslocarem na ci-
dade e interagirem com a comunidade local”, segundo a OMS (2002).

38
As orientações, instrumentos e mecanismos para o comprometimento insti-
tucional e para a previsão de resultados na implementação de políticas de cida-
des amigas dos idosos devem ter grande respaldo do governo local. O enten-
dimento de que são um conjunto de operações inter-relacionadas, elaboradas
com a participação da população interessada, com objetivos e diretrizes que
devem ser claros, é a peça-chave para a eficácia de qualquer programa de apoio
à terceira idade.
O estudo comparativo foi feito de maneira a analisar os aspectos urbanos
integrados que se reforçam mutuamente, a partir desses elementos sugeridos
pelo Guia global das cidades amigas das pessoas idosas, da OMS.
Os questionamentos partem dos seguintes fatores principais:
a) A superquadra onde se mora tem espaços exteriores protegidos contra
perigos naturais e perto de serviços, de outros grupos etários e de atrações
cívicas que permitem aos idosos se manterem integrados à comunidade,
manterem a mobilidade e a boa forma física?
b) Os serviços de infraestrutura e transportes estabelecem ligação com opor-
tunidades de participação social, cívica e econômica, bem como acesso a
serviços básicos de saúde?
c) A inclusão social dos idosos é favorecida por cenários e funções sociais as-
sociadas ao poder desse grupo de indivíduos e ao seu papel estruturador
na sociedade, tais como tomadas de decisões na vida cívica, trabalho vo-
luntário ou remunerado e programação de meios de comunicação social?
d) A informação sobre os aspectos principais da vida em sociedade e seu re-
flexo na cidade e as possibilidades de interação social estão acessíveis aos
idosos?

39
4 Fundamentação Teórica

4.1 A Questão Urbana e o Envelhecimento Populacional

Para esclarecer questões de envelhecimento ligadas à renovação urbana, é


preciso especificar os conceitos presentes nas duas premissas. Velhice e enve-
lhecimento são dois conceitos não claramente definidos sociológica ou cientifi-
camente. A velhice é frequentemente tratada como uma fase da vida, um esta-
do estático, enquanto envelhecimento é um processo, um fenômeno dinâmico
e contínuo. A extensão da expectativa da vida é constantemente alimentada
por novas pesquisas médicas, progressões socioeconômicas, melhora das con-
dições sanitárias e acesso à tecnologia da informação.
Intimamente relacionado com o crescimento da população idosa no mundo,
a urbanização significa, para a maioria das pessoas, o bem-viver nas cidades.
Para proporcionar essa qualidade de vida nos centros urbanos, o espaço públi-
co deveria se renovar para abrigar uma nova velhice, que é ativa e necessita de
espaços adequados de convivência. Mais do que a renovação, o espaço urbano
deve ser projetado para que, no decorrer dos anos, sejam garantidas e moder-
nizadas sua sustentabilidade ambiental e qualidade de vida e para o incentivo
da convivência social nas ruas.
Nem sempre os espaços urbanos são pensados para favorecer esses dados
demográficos. As visões dos urbanistas sobre espaços públicos e equipamentos
urbanos, inclusive mobiliário urbano, frequentemente priorizam o atendimento
a uma população jovem e ativa economicamente, e em alguns casos o foco nes-
se grupo negligencia necessidades e desejos das gerações mais velhas.
Os grupos de pessoas mais idosas são frequentemente vistos como uma co-
munidade heterogênea, mesmo que os desafios e desejos sejam diferenciados
ao longo da vida. As características clínico-funcionais relativas à mobilidade de
uma pessoa de 60 anos, por exemplo, podem ser distintas das de uma pessoa
de 85 anos, bem como diferem também de uma pessoa de 65 anos com proble-
mas de isolamento e sociabilidade. Indivíduos recém-ingressos na idade de 60
anos podem estar recentemente aposentados, buscando opções para uma vida

40
social ativa, enquanto pessoas de mais idade podem se preocupar mais com
questões relativas à independência, mobilidade e segurança. Os índices relati-
vos à saúde do idoso são relacionados também a condições sociais e ambien-
tais, dependendo da renda do País onde vivem, conforme o Relatório mundial
sobre envelhecimento e saúde, da OMS (Luxemburgo, 2015, p. 52-64).
Esses fatores flutuantes representam um desafio na tentativa de estabelecer
padrões sobre envelhecimento no mundo. O envelhecimento não é apenas de-
finido pela cronologia, mas também pelas transições e condicionantes sociais.
De acordo com o já mencionado Guia global: a cidade amiga do idoso (OMS,
2008), que pesquisou a população com mais de 65 anos em 33 países, os espa-
ços urbanos devem ser especificamente pensados de acordo com as preferên-
cias e necessidades dos idosos, a proteção dos mais vulneráveis e sua inclusão
social e cultural, reconhecendo capacidades e contribuições e respeitando suas
escolhas.
A definição da Organização Mundial de Saúde para envelhecimento ativo é
“o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e seguran-
ça de forma a promover a qualidade de vida à medida que se envelhece” (OMS,
2002, p. 13). Os determinantes para o envelhecimento ativo são fatores eco-
nômicos, saúde e serviços sociais, fatores motivadores sociais, determinantes
comportamentais, ambientes físicos e aspectos pessoais.
Ao analisar as estratégias descritas para a implantação do programa de ve-
lhice ativa em cidades amigáveis aos idosos, concluí que as ações passam por
quatro atitudes: disseminação de informações, capacitação (pesquisa e treina-
mento), desenvolvimento de políticas públicas e conscientização da população.
O Guia global é dividido em categorias, como participação social e política,
programas de assistência aos idosos e ambientes construídos. Aqui, vou abor-
dar principalmente as características físicas construídas – espaço público, trans-
porte e mobilidade, segurança e habitação.
Considerando-se a cidade como “ambiente construído”, é possível comprovar
que a questão urbana interfere na construção das possibilidades da velhice. As-
sim como alimentação, exercícios físicos ou prevenção e saúde, o meio urbano
também influencia as condições de envelhecimento. É no espaço urbano que
se realizam e se criam as principais práticas humanas: a ciência, a arte, a cultu-
ra, a economia e a organização social, entre outros. Desse modo, é o principal

41
cenário para o envelhecimento: a cidade envelhece, o homem envelhece junto,
e assim se constroem histórias, registros da passagem do tempo e legados co-
letivos e individuais.
Percebe-se, porém, na própria desvalorização da velhice e de sua relação com
a urbe, um grande desafio, que é justamente permitir a sociabilidade, circulação
e participação dos idosos na formação do espaço urbano e na vivência da cida-
de. O entorno social, ao se apresentar com fragilidade e limitações, muitas vezes
condena o idoso a um lugar solitário e limitado ao espaço doméstico.

4.1.1 O processo de urbanização e os aspectos


demográficos de envelhecimento no Brasil

A América Latina apresentará um aumento da expectativa de vida de 72 para


79 anos, nos 50 primeiros anos do século XXI (CARTA, 2009). No caso do Brasil,
a expectativa de vida no início do século XX era de 33 anos; hoje é de 68 anos.
Entre 1960 e 1980, houve uma diminuição de 33% na taxa de fecundidade, o
que interferiu significantemente nos índices de aumento da população idosa.
Nesse contexto, a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) reali-
zada pelo IBGE em 2006 demonstra que a população brasileira com mais de 80
anos foi a que mais cresceu, passando do índice de 0,9% em 1995 para 1,3% da
população em 2005, o que representa cerca de 2,4 milhões de pessoas. De acor-
do com a mesma pesquisa, idosos com idade entre 70 e 74 anos somavam 3,32
milhões de pessoas em 2005 (1,8% da população), e em 1995, 1,5%. Entre 65 e
69 anos, esse índice cresceu, no mesmo período, de 2,4% da população para 3%
da população. Já os que tinham entre 60 e 64 anos somavam 5,53 milhões de
pessoas, ou seja, 3% dos brasileiros em 2005 (2,6% em 1995).
Atualmente, a expectativa de vida do brasileiro alcançou a maior média da
história: 76 anos. Até 2060, a população com mais de 60 anos mais que dobra-
rá e atingirá 32,1% do total de habitantes. Isso representa 13,44% do total de
habitantes do País. Em 2060, um quarto (25%) da população terá mais de 65
anos – e a expectativa de vida será de 81 anos. O contrário ocorre na população
de crianças de até 14 anos, que atualmente representa 21,3% do total e que em
2060 representará 14,7%. Paralelamente a isso, temos o fato de que 84% da po-
pulação brasileira vive em áreas urbanas (IBGE, 2018).

42
Nos centros urbanos como Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Ja-
neiro e Recife, o número de idosos é considerável. Em 1995, a Paraíba apresen-
tava 11% de idosos, contra 10,8% do Rio de Janeiro e 10,1% do Rio Grande do
Sul 10,1%. Em 2005, o número de idosos aumentou de maneira significativa, al-
cançando 13,5% e 12,3% no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul (IBGE, 2006).
Em julho de 2009, de acordo com o IBGE, o Brasil apresentava 19 milhões de
indivíduos com 60 anos ou mais, o que corresponde a 10% da população bra-
sileira. Segundo o Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (Datasus), em
julho de 2009 o número de idosos no Pará era de 498.237, o que corresponde
a 6,7% da população. Em Belém, são 116.409 idosos, ou 8% da população da
capital, o que a caracteriza como uma cidade em processo de envelhecimento.
De acordo com últimos dados da PNAD do IBGE, estima-se um total de 215,3
milhões de habitantes no Brasil em 2050; destes, cerca de 120,8 milhões terão
idade entre 16 e 59 anos.
Figura 7 – Número de jovens (0-14 anos) e de idosos (60 anos e mais)
e índice de envelhecimento (IE) Brasil: 2000-2060

Fonte: IBGE, Projeções de população (revisão 2013). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/.

Avanços na área médica e a queda acentuada na taxa de fecundidade, além


do fato de as pessoas adiarem cada vez mais a decisão de terem filhos, propor-
cionam o aumento da longevidade no Brasil. A média de filhos por casal era, em
projeções anteriores, estável, e se mantinha em duas crianças por família, até
2020. Hoje, porém, projeções do IBGE indicam uma tendência de decréscimo

43
acentuado no número de filhos por família a partir de 2028. Ainda segundo
pesquisa do IBGE (2008), no Brasil, a maior parte dos idosos é do sexo feminino,
representando a média de 62 homens para cada 100 mulheres. Ao se analisa-
rem os dados de maneira global, entende-se que em 2020 teremos cerca de 15
milhões de idosos no País.
Como signatário do Plano de Ação Internacional de Viena sobre o Envelhe-
cimento de 1982, o Brasil procurou incorporar o tema à sua agenda política. A
década de 1980 coincidiu com o período de redemocratização do País, o que
possibilitou um amplo debate sobre os direitos civis, resultando na incorpora-
ção dos direitos dos idosos no capítulo referente às questões sociais do Texto
Constitucional de 1988. Foi nesse contexto, com uma forte influência do avanço
das reflexões internacionais sobre a questão do envelhecimento e de pressões
da sociedade civil, que foi aprovada, em 1994, a Política Nacional do Idoso – PNI
(Lei nº 8.842/1994), regulamentada pelo Decreto nº 1.948/1996 (ALCÂNTARA,
CAMARANO, GIACOMIN, 2016).
A PNI lista um conjunto de ações governamentais que tem como objetivo
assegurar os direitos sociais dos idosos, partindo do princípio fundamental de
que “o idoso é um sujeito de direitos e deve ser atendido de maneira diferen-
ciada em cada uma das suas necessidades físicas, sociais, econômicas e políti-
cas” (CAMARANO, 2001, p. 269). Para a coordenação e gestão dessa política, foi
designada a Secretaria de Assistência Social do então Ministério da Previdên-
cia e Assistência Social (MPAS). Foi, sem dúvida, um passo importante para a
garantia de direitos sociais à pessoa idosa, “criando condições para promover
sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade” (art. 1º da Lei nº
8.842/1994).
A Política Nacional do Idoso, se plenamente efetivada, trará mudanças signi-
ficativas para o conjunto da sociedade, em função da incorporação dos valores
que estão implícitos aos conceitos ali demonstrados. E é nesse universo que a
sociedade brasileira deve manter sua reflexão: como pensar o bem-estar e a
saúde na terceira idade, e o que isto significa para pessoas idosas, com ou sem
limites funcionais, e que mantiveram sua individualidade e suas particularida-
des, apesar da conjuntura sociopolítico-econômica da nossa realidade atual.
Nove anos depois da PNI, o Estatuto do Idoso, Lei Federal nº 10.741, de 1º
de outubro de 2003, abriu o caminho para criação de competências no âmbito
do sistema de justiça no Brasil. O Estatuto possui 118 artigos, estruturados em

44
sete títulos, e entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2004. Seu grande mérito
foi prever normas de natureza civil, criminal e administrativa, com o objetivo
de prevenir e reprimir a violência perpetrada contra o idoso e criar um sistema
de garantias de direitos da pessoa idosa para efetivar seus direitos sociais. Esse
sistema de garantias previsto no estatuto é sustentado pelas seguintes insti-
tuições/órgãos: Conselhos do Idoso, SUS, Sistema Único de Assistência Social
(Suas), Vigilância em Saúde (Visa), Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministé-
rio Público e Polícia Civil.
No dia 3 de julho de 2019, a Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR)
da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 402, que cria o progra-
ma Cidade Amiga do Idoso. A adesão dos municípios é voluntária e pressupõe
uma tomada de ações que contemplem iniciativas pautadas pelo Estatuto dos
Idosos, em relação à implantação e manutenção de transporte, moradia, parti-
cipação social, emprego, comunicação e serviços de saúde. Os municípios que
aderirem ao programa terão prioridade no recebimento dos recursos do Fundo
de Apoio ao Desenvolvimento Urbano.
O Brasil acompanha, portanto, a tendência na distribuição demográfica da
maior parte da população mundial: o acentuado processo de envelhecimento
dos países considerados desenvolvidos ou em desenvolvimento. Iniciativas po-
líticas e públicas locais, assim como discussões em relação ao impacto urbano
nas nossas cidades, entretanto, ainda são tímidas e incipientes em relação a pla-
nos de ação para atender às demandas dessa população em crescimento.

4.1.2 O desafio de propor cidades amigáveis aos idosos

Para pensar em uma cidade amigável aos idosos, é preciso pensar em duas
estratégias de design urbano: uma seria o planejamento urbano que favorece a
todos, e outra, ações específicas para atender às necessidades dos idosos.
Hoje, com uma abordagem contemporânea da vida em sociedade e a vivên-
cia do espaço urbano e suas particularidades, as quais podemos testemunhar
diretamente, problemas como a violência urbana, a mobilidade, a gentrificação
e o desrespeito à memória dos mais velhos em relação ao espaço que habitam
devem fazer parte dos questionamentos em relação à vida em sociedade e ao
futuro das nossas cidades.

45
Como é a percepção da “imagem da cidade” – a capacidade dos idosos em
experienciar o espaço urbano? Como se configuram as relações entre os idosos
e os espaços habitados da cidade, e que desafios surgem aparentes nessa rela-
ção? São essas as questões que norteiam um debate que estabelece as relações
entre a dinâmica demográfica e o uso do ambiente urbano, em um contexto de
envelhecimento ativo, saudável, sustentável e de longevidade estendida.
Kevin Lynch (2006), no livro A imagem da cidade, elabora teorias que servem
para identificar os elementos que levam os indivíduos a formar a imagem da
cidade. Segundo ele, a cidade é o símbolo da sociedade e deve representar seu
passado, seu modo de vida e seu futuro, através de objetivos definidos. A qua-
lidade do ambiente urbano, portanto, está diretamente ligada à sua clareza.
As principais características de uma cidade devem ser aquelas que ajudam as
pessoas a se orientar, e – mais importante – o cidadão deve sentir que está em
um lugar único, seguro, nunca confundido com o outro. O espaço deve ser di-
ferenciado, mas deve ter sentido de orientação. Se o espaço tem características
fortes, ele será reconhecido por sua descrição.
O idoso, como cidadão que habita a cidade, portanto, cria sua realidade com
o objetivo de solidificar o caráter urbano. A cidade deve ser um lugar que acolhe
e recebe as pessoas com civilidade e polidez. Kevin Lynch (2006) formula teo-
rias na tentativa de listar esses elementos da urbanidade, propondo o exercício
de um “modo prazeroso” de olhar a cidade. O urbano é visto por ele como um
conjunto de sequências espaciais onde “os elementos móveis de uma cidade e,
em especial, as pessoas e suas atividades, são tão importantes quanto as partes
físicas estacionárias” (LYNCH, 2006, p. 1-2). Para que as atividades sejam praze-
rosas para os idosos, as necessidades são comuns a qualquer comunidade no
mundo: autonomia e independência, saúde e bem-estar, conectividade social e
segurança.

4.1.3 Autonomia e independência

Autonomia é, segundo a Organização Mundial de Saúde (2002), “a capacida-


de reconhecida de fazer escolhas, controlar e tomar decisões pessoais acerca do
seu cotidiano, de acordo com regras próprias e preferencias pessoais”.
O conceito de independência diz respeito à capacidade de executar funções
relacionadas com a vida cotidiana, sem e/ou com pouca ajuda de outras pessoas.

46
Ambos os conceitos são impactados no processo de envelhecimento.
Em relação à autonomia e independência, a mobilidade urbana é fator de-
terminante. O grau de mobilidade que o indivíduo alcança delimita a gama de
atividades e interações possíveis de se alcançar. A gratuidade e reserva de as-
sentos preferenciais e o direito a vagas reservadas em estacionamento públicos
e privados, como indicado no Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), são iniciativas
consolidadas para promover a boa circulação dos idosos pela cidade. Vale lem-
brar ainda que, de acordo com o mesmo Estatuto, 3% das unidades residenciais
oferecidas em programas habitacionais públicos devem ser destinadas à popu-
lação acima de 60 anos.
A mobilidade urbana, porém, não se restringe ao deslocamento em grandes
e médias distâncias. Em Barcelona, o Pacto de Mobilidade – Plano de Mobilida-
de Urbana para os anos 2006-2012, integrado ao Ato pela Mobilidade – Plano
de Mobilidade Sustentável, de 2003,7 previa instrumentos específicos para aten-
der à população idosa, em pequenas escalas, como, por exemplo, projetos de
calçadas e pavimentação amplos, antiderrapantes e confortáveis, cuja largura
mínima se baseia nas necessidades da população com algum tipo de limitação
motora, pavimentação adaptada em cruzamentos e acessos a vias e avisos so-
noros e visuais para facilitar a circulação de idosos com algum tipo de demência
ou doença de Alzheimer.
A experiência do idoso como pedestre também pode impactar negativa-
mente na mobilidade pessoal. À medida que envelhecemos, nossa capacidade
de andar e a velocidade média dos passos geralmente entra em declínio, o que
geralmente não é previsto quando se fala em renovação urbana de infraestrutu-
ra, principalmente em termos de pavimentação de calçadas e ruas.
Um estudo realizado no Reino Unido para avaliar o tempo de deslocamento
de indivíduos com mais de 65 anos evidenciou que 76% dos homens e 85% das
mulheres caminhavam a uma velocidade média abaixo de 1,2 metro por segun-
do, taxa esta usada em todo o mundo para determinar a duração da travessia de
pedestres em faixas semaforizadas (ASHER et al, 2012).
As limitações físicas do espaço urbano podem desencorajar os idosos a in-
teragir com a cidade. Obstáculos ambientais – longas distâncias, lugares des-
campados, ermos e sem sombreamento, ausência de locais de descanso, fatores

7  Disponível em: http://w110.bcn.cat/portal/site/mobilitat 2012.

47
topográficos pré-existentes, como colinas e ladeiras, ruas malconservadas e mal
iluminadas e excesso de veículos e trânsito intenso significam grandes dificul-
dades para o uso do espaço público. Obstáculos físicos estão associados à falta
de vontade de sair de casa e ao aumento da autopercepção de vulnerabilidade
– o medo de cair e o medo da imprevisibilidade do domínio público eleva o ris-
co do declínio da mobilidade.
À medida que a idade aumenta, a tendência é que se dirija menos, o que au-
menta ainda mais a importância de existirem, nos ambientes urbanos, modos
alternativos de transporte para garantir autonomia e mobilidade. A capacidade
de identificar símbolos de orientação – visuais, auditivos e táteis – também é
essencial para proporcionar espaços públicos seguros e acessíveis para as pes-
soas mais idosas. Um estudo realizado entre 2011 e 2015 pela American Com-
munity Survey, nos Estados Unidos, concluiu que 38% dos adultos com 65 anos
ou mais, ou 17 milhões de pessoas, relatam alguma dificuldade relacionada à
idade, o que limita diversas atividades da vida diária. Entre esse segmento de
população, 25% relatam dificuldades físicas, e 15% relatam dificuldades para
ouvir, lembrar ou enxergar (JOHNSON JR., APPOLD, 2017). Símbolos, sistemas e
elementos táteis que ajudam as pessoas a encontrar o caminho em seu percur-
so pela cidade devem considerar mudanças comuns relacionadas com a idade,
a fim de serem adequadamente acessíveis aos idosos.
Para Schichii (2000), quase todos os requisitos de segurança e acessibilidade
para idosos criam conforto para qualquer pessoa em boa parte da vida. Sendo
assim, a promoção da acessibilidade do meio físico beneficia todo tipo de usuá-
rios, de crianças a idosos, passando por gestantes e pessoas incapacitadas.

4.1.4 Saúde e bem-estar

Os conceitos de saúde e bem-estar se relacionam com índices de saúde física


e mental, qualidade de vida e vivência urbana e doméstica. A capacidade do
indivíduo de se colocar como parte de um meio social com o qual se identifica
e se relaciona e sua percepção como parte de um todo cultural também pesam
muito na avaliação do bem-estar pessoal.
Segundo Xavier (2003), existem algumas escalas e procedimentos para se
medir especificamente o bem-estar dos idosos. Em pesquisa realizada no Brasil,
ele identifica alguns fatores determinantes: qualidade de vida, saúde geral e
tendência em desenvolver ou não sintomas depressivos, religiosidade, situação

48
socioeconômica e satisfação financeira. Um pouco mais da metade dos idosos
entrevistados (57%) definiram sua vida atual como “positiva”, enquanto 18% de-
finiram como “negativa”.
Como conclusão geral desta pesquisa, afere-se que a velhice é percebida
como um estado que varia de sujeito para sujeito, e a avaliação negativa se rela-
ciona apenas com um determinante: saúde. Os critérios de uma velhice positiva
variam de indivíduo para indivíduo, indo de “bom relacionamento familiar” a
“situação econômica equilibrada”, mas sempre incluindo “boa saúde”.
Curiosamente, a importância da conexão social do idoso com o ambiente
que o cerca vai muito além das questões relacionadas com a família. Na verda-
de, o processo de envelhecimento corresponde a um maior apego com a casa e
com a vizinhança, nos casos de pessoas que moram há muito tempo no mesmo
local. O senso de pertencimento cria hábitos e rotinas, fatores que os mantêm
saudáveis.
Um ambiente urbano bem projetado encoraja as pessoas a sair de casa, se
exercitar e aproveitar opções de recreação ao ar livre, reduzindo sentimentos de
isolamento e promovendo o equilíbrio emocional. Segundo dados do governo
americano, há redução de 30% na quantidade de quedas ou acidentes leves
entre pacientes com demência diagnosticada que têm livre acesso a jardins ou
áreas externas com frequência, como parte do tratamento (DEPARTAMENTO
AMERICANO DE AGRICULTURA, 2018). O mesmo estudo conclui que 10,5% dos
pacientes que têm áreas verdes e jardins próximos dos lugares onde moram
reduzem o uso de medicamentos controlados.
O planejamento urbano e o correto zoneamento influenciam diretamente na
facilidade ou não que o idoso tem em relação a acessos aos recursos de saúde.
Quando se separam espacialmente as zonas residenciais das zonas comerciais
e de serviço, criam-se obstáculos para os idosos acessarem todos os serviços de
que precisam.
A qualidade de vida do idoso no meio urbano, portanto, depende diretamen-
te do nível de acessibilidade a espaços abertos de lazer e de convivência comu-
nitária, como praças, jardins e parques. Isso é um fator determinante para uma
velhice feliz, pois facilita a vida social fora do ambiente familiar e do ambiente
de trabalho e promove o desenvolvimento de vínculos comunitários que con-
tribuem para a redução da sensação de isolamento e solidão.

49
4.1.5 Conectividade social

A cidade de Manchester, no Reino Unido, desenvolveu uma parceria entre a


Escola de Arquitetura, a Câmara Municipal local e um Fundo de Investimentos
em Habitação Southway para que, com o apoio de grupos comunitários, se ten-
tasse reduzir o isolamento social e incentivar a participação cívica e política en-
tre os idosos.8 Aplicado inicialmente em quatro bairros, o programa incentiva a
vizinhança a implementar itens de acessibilidade, desenvolver ações amigáveis
a pessoas com deficiência cognitiva e outras limitações e prevê intervenções
para promover a sociabilização intergeracional. O programa promove pesquisas
para colher opiniões e sugestões em meio à comunidade idosa e, assim, plane-
jar e programar ações relativas a melhorias nos meios de transporte, comércio,
áreas de parques e jardins, equipamentos públicos, inclusão social e habitação.
Como resultado, os bairros têm mais pessoas idosas participando de projetos
comunitários e atividades sociais, e o município reduziu significantemente os
índices de isolamento e depressão entre a comunidade de pessoas com mais
de 65 anos.
O envolvimento de pessoas com mais de 60 anos no planejamento urbano
do ambiente em que vivem é essencial para o sucesso de qualquer programa
que tenta melhorar a qualidade de vida dessa população. Os programas da área
da cidade de Manchester são sempre baseados na ideia de que a comunidade
precisa valorizar as pessoas mais velhas como cidadãos, e não como “pacien-
tes” ou “usuários especiais de serviços urbanos”. Uma das inciativas principais
desenvolvidas pela prefeitura é o Mayoral Challenge, que desafia os bairros da
cidade a criar uma série de grupos de trabalho amigáveis aos idosos, a partir
de estudos coordenados pelas pessoas mais velhas da comunidade, que têm
papel decisivo na tomada de decisões, no que diz respeito a escolhas relativas à
modernização e renovação urbana.
O sistema de mapeamento dos bairros também foi adaptado para servir
como ferramenta de informação aos idosos locais. A figura a seguir mostra as
áreas que concentram mais pessoas de idade acima dos 65 anos em Hulme &
Moss Side, Manchester, e identifica espaços sociais mais frequentados por ido-
sos e “ruas ativas”, onde a concentração comercial é mais intensa.

8  Disponível em: https://mafn.org.uk/. Acesso em: 9 jul. 2019.

50
Figura 8 – Mapa de participação social dos idosos no bairro de Hulme e Moss Side, Manchester, UK

Fonte: MAFN – Manchester Age Friendly Neighbourhoods, UK.

Uma comunidade que apoia os idosos é uma comunidade que favorece e in-
centiva as interações sociais. Nesse sentido, o espaço urbano desempenha um
papel único, pois determina onde as pessoas se reúnem e se divertem, como
se deslocam entre a casa e o trabalho e onde se cruzam em suas rotinas diárias.
Segundo Peixoto (2003), os espaços urbanos públicos e a céu aberto têm pa-
pel fundamental na sociabilidade dos idosos. São as praças, por exemplo, que
lhes permitem o estabelecimento das relações sociais com os mais jovens, e
também se configuram como um espaço próprio, um “canto” favorito dentro da
urbe. A mudança do papel desempenhado no núcleo familiar não produz uma
ruptura dos laços familiares, mas o convívio não é mais praticado predominan-
temente na esfera familiar. Sendo assim, a importância dos espaços públicos é
imperativa na velhice saudável e inclusiva.
A convivência de idosos por meio de atividades físicas, culturais e artísticas
promove oportunidades para o desenvolvimento da criatividade e, através das
trocas sociais e de novos relacionamentos, eles sentem o incremento da sua
força social. Para Lilia Ladislau, da Gerência de Estudos e Programas da Terceira

51
Idade (Geti) do Sesc-SP, o principal impacto da oferta de atividades para idosos
na cidade é o aumento do bem-estar e da qualidade de vida de toda a comu-
nidade. “Os idosos sentem melhoras tanto no sentido físico e de saúde, com a
prática de esportes e ginástica, como no psicológico, melhorando suas relações
interpessoais”.9
De acordo com a Gerontologia, ciência que estuda o processo de envelheci-
mento utilizando conceitos da filosofia e da sociologia, a participação social na
velhice está ligada à boa saúde e ao envolvimento ativo ao longo da vida. Ativi-
dades participativas sociais, culturais, espirituais e de lazer junto à comunidade
e à família permitem que os idosos vivam com melhor qualidade de vida, com a
clara sensação e percepção de uma vida plena e autônoma.
Outros fatores que estimulam os idosos na convivência social são a gratui-
dade e a diversificação das atividades. Segundo Lilia Ladislau (ENVELHECER NA
CIDADE, 2017),
Atividades e eventos acessíveis, com localização conveniente
para os idosos, opções de transporte variadas, ingressos de baixo
custo ou gratuitos e a possibilidade de os idosos participarem das
atividades em conjunto com amigos ou cuidadores são requisitos
fundamentais para a participação dessa faixa etária nos eventos.

Na pesquisa desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde, fatores como


oportunidades para todas as faixas sociais, atividades financeiramente viáveis,
leque de oportunidades, divulgação e promoção de eventos, estimulação da
participação da terceira idade como ferramenta no combate ao isolamento e
a integração de gerações, culturas e comunidades são os fatores principais na
promoção da participação social amigável ao idoso.
O isolamento e a solidão são fatores comportamentais crescentes na comu-
nidade idosa ao redor do mundo. Depressão, decréscimo da função cognitiva,
doenças cardiovasculares e taxas elevadas de mortalidade estão associadas à
falta de integração social. A mudança do comportamento também inclui a atra-
tividade do espaço público e valorização das histórias de vida e do conhecimen-
to dos idosos como fator importante nos processos de planejamento urbano e
de conectividade social com a vizinhança.

9  Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/6473_envelhecer+na+cidade. Acesso em:


4 set. 2018.

52
Até pouco tempo atrás, a preocupação era com idosos com limitações mo-
toras, autonomia reduzida e situação vulnerável, e procurava-se abrigá-los em
programas de asilamento. Hoje, com a velhice ativa e independente, a socieda-
de se vê com poucas opções de convivência e inclusão social.
São necessárias ações de inserção dos mais velhos na sociedade, promoven-
do relações entre diferentes faixas etárias e evitando a discriminação por idade.
Essa troca fértil promove a transferência de conhecimento entre as várias gera-
ções e pode ser um dos momentos mais emocionantes e ricos de interação so-
cial que uma sociedade em equilíbrio pode proporcionar a todos os indivíduos
em termos de convivência social.

4.1.6 Segurança

A violência urbana, ampliada pela vulnerabilidade da própria condição so-


cial do idoso, aliada à impessoalidade nos relacionamentos e ao aumento do
individualismo, gera uma submissão ao medo da violência, o que provoca o
isolamento e a sensação de impotência.
O espaço urbano, nesse contexto, deve oferecer elementos que façam germi-
nar o sentimento de independência, liberdade e segurança. Nesse sentido, Jane
Jacobs, em seu livro Morte e vida de grandes cidades (2011),10 defende que cal-
çadas e passeios públicos desempenham papel fundamental para a manuten-
ção da segurança nas cidades. Quando dizemos que uma cidade não é segura,
estamos nos referindo às suas calçadas. Jacobs propõe três condições para que
as próprias pessoas, desconhecidos que ocupam o espaço urbano, exerçam a
vigilância natural sobre os espaços públicos e, com isso, reprimam a violência.
A primeira é a nítida separação entre espaço público e privado; os limites das
áreas devem ser claros e perceptíveis. A segunda é a prática do que ela chama
de “olhos da rua”: as pessoas devem, consciente ou inconscientemente, utilizar
o espaço público e contemplar esses espaços de suas casas, de maneira que a
observação constante provoque uma vigilância natural, um cuidado mútuo. O
contato entre o espaço interior das residências e o exterior é essencial para que
os “olhos da rua” possam atuar. A terceira condição é que os usuários possam
transitar initerruptamente, em diversos horários do dia e da noite, e sem barrei-
ras físicas. Jacobs descreve o “balé das ruas”: o movimento provocado por diver-

10  A primeira edição da obra foi publicada em 1961.

53
sas pessoas com os mais diferentes propósitos, que saem às ruas nos mais dife-
rentes horários, exercendo as mais diferentes atividades. Ou seja, a diversidade.
Muitos dos perigos que afetam a população de modo geral são ampliados em
relação a indivíduos mais idosos, devido ao alto índice de vulnerabilidade física e
à incapacidade ou a limitação motora. A sensação de segurança no local onde se
mora interfere na vontade das pessoas de saírem à rua, ou seja, afeta a indepen-
dência, a integração social e o bem-estar emocional. No Brasil, independente-
mente do nível real de perigo, fatores como iluminação urbana, violência, crimes,
drogas, sem-teto morando em espaços públicos interferem negativamente na
vida dos idosos, que sentem medo de sair, principalmente à noite.
O risco de queda devido a irregularidades no piso tem consequências particu-
larmente graves para os idosos. Mais da metade das quedas entre os idosos acon-
tecem ao ar livre. Ainda que muitos dos esforços para a prevenção de quedas se
concentrem dentro do ambiente doméstico e em relação a fatores de risco indivi-
duais, temos que ter especial atenção com o desenho de equipamentos e elemen-
tos urbanos (CHIPPENDALE, 2015). No Canadá, 85% das internações hospitalares
relacionadas a idosos com mais de 65 anos são devidas a quedas. No Reino Unido,
10% das chamadas dos serviços de emergência de ambulância são para atendi-
mento a pessoas com mais de 60 anos. O nível de risco de quedas e de consequên-
cias negativas relacionadas a esse tipo de acidente aumenta com a idade.
Para a correta estruturação dos espaços físicos, pensando-se em termos de
segurança, é necessário considerar o desenho universal11 como parte da con-
cepção de espaços que visa a atender a pessoas das mais diferentes caracterís-
ticas e necessidades, de forma autônoma, segura e confortável, constituindo-se
nos elementos ou soluções que compõem a acessibilidade. Sendo assim, os es-
paços devem ser planejados de maneira a ser um instrumento para possibilitar
uma sociedade inclusiva. Alguns princípios básicos do desenho universal de-
vem ser observados, como: uso equiparável (útil e comercializável às pessoas
com habilidades diferenciadas); flexibilidade no uso (atende a uma ampla gama
de indivíduos, preferências e habilidades); uso simples e intuitivo (de fácil com-
preensão, independentemente de experiências, nível de formação, conheci-

11  O conceito de desenho universal foi criado em 1963, nos EUA, e chamado inicialmente de “desenho
livre de barreiras”, por enfatizar a eliminação de barreiras arquitetônicas nos projetos de equipamentos
e edifícios e áreas urbanas. Essa terminologia mudou para desenho universal e passou a considerar,
principalmente, as diferentes características das pessoas, apresentando como objetivo garantir a aces-
sibilidade a todos os indivíduos. (ORNSTEIN, 2006).

54
mento do idioma ou da capacidade de concentração do usuário); informação
perceptível (comunica de maneira eficaz ao usuário as informações necessárias,
independentemente de sua capacidade sensorial ou condições ambientais); to-
lerância ao erro (minimiza o risco e as consequências adversas de ações invo-
luntárias e imprevistas); baixo esforço físico (pode ser utilizado com mínimo de
esforço, de forma eficiente e confortável); tamanho e espaço para aproximação
e uso (espaços e dimensões apropriados para interação, alcance, manipulação e
uso, independentemente de tamanho, postura ou mobilidade do usuário).
Ações preventivas e de manutenção, como o planejamento da infraestrutu-
ra e o atendimento a essas premissas são vitais para fazer com que as pessoas
mais idosas se mantenham ativas e saudáveis em suas comunidades. Calçadas
devem ser homogêneas, antiderrapantes, largas o suficiente para circular em
cadeiras de roda, ter o meio-fio rebaixado para ficar nivelado com a rua, per-
manecer sem obstáculos, como camelôs, carros estacionados e árvores, e dar
prioridade de acesso para pedestres.

4.2 Contexto Histórico Local

4.2.1 Brasília: história, memória e experimentação do


espaço urbano

A Carta de Atenas, publicada em 1933, propõe ações para que as cidades fun-
cionem adequadamente para seus habitantes, com a pretensão de substituir
antigas condições urbanas – insalubres e inadequadas – por novas, mais higiê-
nicas, práticas e bem adaptadas ao conceito de modernidade social e progres-
so. O bem-estar decorrente dos avanços técnicos, aliados a alternativas políticas
muito precisas, dá força ao conceito de renovação urbana em áreas degradadas
e adensadas. Nesse cenário, foi pensada a nova capital da República do Brasil.
A primeira medida útil seria separar radicalmente as artérias con-
gestionadas, o caminho dos pedestres e dos veículos mecânicos.
[...] Os veículos em trânsito não deveriam ser submetidos ao re-
gime de paradas obrigatórias em cada cruzamento, o que torna
inutilmente lento seu percurso. (IPHAN, Carta de Atenas, 1933)12

12  Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal.

55
No texto que Lucio Costa apresenta ao júri do Concurso de Brasília há várias
citações relativas aos automóveis, que poucos possuíam, à época: “Não se pode
esquecer que o automóvel, hoje em dia, deixou de ser o inimigo inconciliável
do homem, domesticou-se, e já faz, por assim dizer, parte da família”, escreve
o autor, no tópico 8. Falava ainda que surgiriam, ao redor da rodoviária para
ônibus interurbanos e interestaduais, uma “eventual casa de chá e uma ópera” –
elementos, à época, ainda mais raros que os automóveis.
Devemos localizar o momento histórico no qual Brasília foi projetada. No fi-
nal da década de 1930, o modernismo já era aplicado, no Brasil, em arquiteturas
inovadoras, como nos edifícios Esther, em São Paulo (projetado pelos arquitetos
Álvaro Vital Brasil e Adhemar Marinho) e no Ministério da Educação e Saúde,
no Rio de Janeiro (projetado pelos arquitetos Affonso Reidy, Carlos Leão, Jorge
Moreira, Oscar Niemeyer e Ernani Vasconcellos, com consultoria de Le Corbusier
e paisagismo de Roberto Burle Marx), hoje conhecido como Edifício Gustavo
Capanema. Nas décadas de 1930 a 1960, a verticalização das cidades brasileiras
favoreceu o aparecimento de edificações em altura, o que propiciou um flores-
cimento da arquitetura modernista nas principais cidades do País.
O projeto do Plano Piloto, de 1957, refletia os princípios modernistas de ma-
neira fidedigna – o zoneamento das atividades, grandes blocos afastados, ba-
nhados pelo sol e bem ventilados, a cidade cruzada por grandes vias. As diretri-
zes modernistas no planejamento urbano logo se disseminaram pelo Brasil: em
1959, no Plano Diretor de Porto Alegre, em especial em 1962, no projeto para
o seu Centro Administrativo; no Plano de Expansão da Cidade de São Luís, de
1960; na cidade de São Paulo, que estabelece normas de zoneamento da cidade
em 1957, incorporadas, em 1972, ao seu primeiro Plano Diretor; em 1970, no
Aterro Baía Sul, em Florianópolis; em 1968, no projeto do Aterro do Flamengo,
no Rio de Janeiro; no projeto do novo Plano Piloto, de 1969, em Jacarepaguá,
que hoje conhecemos como Barra da Tijuca, projeto de Lucio Costa.

56
Figura 9 – Primeiro Plano Diretor de Porto Alegre, 1959

Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1983.

Brasília não foi o primeiro nem o mais abrangente exemplo de aplicação das
regras do modernismo no planejamento urbano, mas é a única cidade moder-
na a ser considerada patrimônio histórico da humanidade pela Unesco, o que
comprova sua importância. A revista Acrópole13 publicou, em fevereiro de 1960,
uma edição totalmente dedicada à nova capital, com textos em português e
inglês, de autoria de Eduardo Kneese de Mello, Lucio Costa, Oscar Niemeyer e
do próprio Presidente Juscelino Kubitschek, entre outros. Jorge Wilheim assim
descreve o futuro de Brasília:
Neste centro, haverá vielas em que se distribuirão as casas de es-
petáculos, espaços íntimos que lembrarão a Rua do Ouvidor ou o
antigo Largo da Misericórdia de São Paulo. As lojas e restaurantes
anexos à estação rodoviária serão certamente importantes pon-
tos de encontro. (ACRÓPOLE, 1960)

O momento era de euforia, otimismo e crescimento, e Brasília refletia, em


vidro e concreto, esse espírito.
Segundo Lores (2017), era um momento em que grandes arquitetos repensa-
vam o espaço urbano e suas inter-relações. Frank Lloyd Wright, ao ser questio-
nado sobre a hiperdensidade de Manhattan, assim se posiciona:
Se eu tivesse mais quinze anos de trabalho, poderia reconstruir
esse país, mudar tudo... teríamos que construir dois arranha-céus

13  Disponível em: http://www.acropole.fau.usp.br. Acesso em: 7 jul. 2018.

57
de 1.600 metros de altura e colocar toda Nova York dentro deles.
Então você poderia destruir todo o resto e colocar verde, grama
em tudo. Finalmente teríamos uma cidade bonita. Terminaria
essa agonia. (LORES, 2017, p. 258)

Le Corbusier, em sua proposta de replanejamento urbano para Paris, conhe-


cida como Plan Voisin,14 tinha como objetivo uma cidade que representasse o
“espírito da época” e respondesse aos anseios do homem da nova era que se
iniciava. A ideia era destruir a cidade antiga e substituí-la por outra, menos den-
sa, com mais jardins e parques e conjuntos residenciais compostos de prédios
bastante verticalizados, distantes uns dos outros e conectados por centenas de
vias expressas e viadutos, reafirmando a opção por paisagens bucólicas em de-
trimento da interação com a cidade.

4.2.2 A concepção do Plano Piloto

4.2.2.1 Cidade Jardim e unidade de vizinhança

Carpintero (1998) descreve, em sua tese Brasília: prática e teoria urbanística


no Brasil, as várias premissas e ideias que inspiraram Lucio Costa em seu projeto
para o Plano Piloto. Claramente, ele tem como influência o conceito da cidade
jardim e da unidade de vizinhança como organizador da trama urbana.
Em seu livro Tomorrow: a peaceful path to social reform (1989), Ebenezer
Howard propõe a ideia da cidade jardim – uma cidade como elemento facilita-
dor de um projeto social global. Através de diagramas, a as atividades sociais,
fluxos demográficos e aglomerações são repartidos em pequenas dimensões,
para abrigar uma população que não excede 30 mil habitantes. No século XIX,
as cidades sofriam com a falta de espaços abertos, luz natural e circulação de ar,
o que facilitava a propagação de doenças. O campo, por sua vez, sofria com a
falta de infraestrutura e serviços básicos, como escolas e atendimento médico.
Esse esquema, segundo Howard, permitia preservar o que cada um tinha de
melhor, tanto a cidade quanto o campo, por meio de uma revolução social pací-
fica – mas reproduz, de certa forma, o modelo rural de cidade medieval.

14  Disponível em: http://www.fondationlecorbusier.fr/corbuweb.

58
Figura 10 – Diagrama com uma série de cidades, um distrito e
o centro da Garden City – Ebenezer Howard, 1989

Fonte: Wikipedia, Garden City Movement.

Segundo Guilherme Wisnik (2010),


Apesar de sua abstração maquinista, o urbanismo moderno rea-
gia à confusão da metrópole industrial, sendo atraído pelo buco-
lismo do modelo das cidades-jardim, que a partir dos anos 1950
começava a suburbanizar as grandes cidades, de braços dados
com a proliferação do automóvel.15

A ideia de unidade de vizinhança, inicialmente proposta por Clarence Perry


nos anos de 1920, deriva do conceito da cidade jardim e foi posteriormente reite-
rada como um dos pontos de doutrina da Carta de Atenas de 1933: “(...) O núcleo
inicial do urbanismo é uma célula habitacional – uma moradia – e sua inserção
em um grupo, formando uma unidade habitacional de proporções adequadas”
(LE CORBUSIER [1933] apud FERREIRA, GOROVITZ, 2008, p. 143).
Perry pretendia promover as relações sociais a partir da proximidade com a
vizinhança, resgatando o conceito das cidades tradicionais: “(...) um local onde
os residentes se conhecem pessoalmente e têm o hábito de se visitar, trocar ob-
jetos, ou favores em geral, ter atividades conjuntas.” (LE CORBUSIER [1933] apud
FERREIRA, GOROVITZ, 2008, p. 143).

15  Veja-se o texto completo em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj2104201011.htm.

59
Lucio Costa adotou essas ideias para resolver as questões relativas à habi-
tação. No memorial descritivo da proposta, porém, Costa não utiliza o termo
unidade de vizinhança, nomeando esse tipo de núcleo urbano como bairro. Car-
pintero (1998) defende a teoria de que a razão dessa descrição é a tentativa do
autor do projeto de caracterizar cada quadra, evitando a consideração de que
as áreas eram padronizadas e monótonas. Costa chega a sugerir, por exemplo, o
plantio de espécies diferentes no cinturão verde de cada quadra.
Sobre a unidade de vizinhança, Lewis Mumford escreve, em seu livro A cidade
na história (2008, p. 540):
O princípio da organização de vizinhança era colocar dentro de
uma distância possível de ser percorrida a pé todas as facilidades
necessárias diretamente ao lar e à escola, e manter fora dessa área
de pedestres as pesadas artérias de tráfego que conduzem pes-
soas e mercadorias, que nada tem a ver com a vizinhança.

A unidade de vizinhança de Lucio Costa tem como critério a possibilidade de


agrupar de 3 mil a 4 mil habitantes em torno da escola primária ou do jardim de
infância, e é composta por quatro superquadras vizinhas, formando um quadra-
do de aproximadamente 600 x 600m, conforme figura abaixo:
Figura 11 – Desenho da unidade de vizinhança apresentado no concurso

Fonte: CARPINTERO, 1998, p. 134.

Ao considerar o agrupamento de quatro superquadras, a população do nú-


cleo urbano é quadruplicada, chegando a uma média de 12 mil habitantes. Este
seria o conceito de densidade populacional adotado na unidade de vizinhança.
De acordo com as normas de dimensionamento de comércios locais normal-
mente adotadas em projetos urbanísticos, o recomendado é em torno de 0,4
m²/habitante. Se levarmos em conta a população da superquadra de 4 mil ha-

60
bitantes, seriam necessários cerca de 2.000 m² de área comercial. As áreas des-
tinadas ao comércio nas entrequadras permitem a implantação de 5.400 m² de
área construída de lojas na Asa Sul e de 6.160 m² na Asa Norte. Ou seja, a ideia
era considerar um número generoso em relação às áreas comerciais, o que ser-
viria para atender inclusive aos moradores de outras quadras, atraídos ou pela
qualidade dos serviços ou pela disponibilidade de atividades culturais.
Do ponto de vista estético, a escala residencial e a escala monumental foram
pensadas em conjunto, com a alameda de árvores que forma o cinturão verde das
superquadras atuando como articuladores e estruturadores da função urbana:
A importância atribuída a esses grandes quadriláteros verdes re-
sulta de que, além de contribuir para o resguardo das quadras,
eles garantem, por sua massa e dimensão, a integração da escala
residencial com a escala monumental. (COSTA,1991, p. 23-24)

Figura 12 – Desenho da ocupação de uma superquadra apresentado no concurso

Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal

A unidade de vizinhança é, portanto, o encontro de duas necessidades: uma,


a de se ter próximo uma estrutura de abastecimento, e a outra, a possibilidade
de incrementar a comunicação entre as pessoas. A concepção era tida como
apropriada, à época, pois significava uma resposta concreta para o esforço que
se fazia, no mundo, em se equacionar o problema da configuração das cidades
ao que se julgava serem as necessidades do homem moderno.

61
4.2.2.2 As superquadras

A ideia original da superquadra já havia sido aplicada por Lucio Costa, nos
anos 1940, no projeto do Parque Guinle, no Rio de Janeiro: prédios de seis edifí-
cios sobre pilotis, no meio de uma área verde delimitada no plano geral de ocu-
pação. O uso da “claustra” (cobogó) em uma fachada inteira no Brasil ocorreu
pela primeira vez nesse projeto.
As superquadras são áreas verdes com dimensões aproximadas de 280m x
280m, onde se encontram implantados os edifícios residenciais, geralmente so-
bre pilotis, cercados por renques de árvores de copa densa. O solo é público
– os moradores pertencem à quadra, mas a quadra não lhes pertence (COSTA,
M. E., 2010) –, de forma que não existem cercamentos nem muros, e os vazios
são áreas verdes, gramadas e densamente arborizadas, chegando a 84% da área
do quadrado. As superquadras 100, 200 e 300 possuem no máximo 11 blocos,
enquanto as 400 podem ter até 20 edifícios.
De acordo com o Relatório do Plano Piloto de Brasília, as superquadras têm a
seguinte definição:
Figura 13 – Desenhos de planta e vista da superquadra apresentados no concurso

Fonte: COSTA, 1957, p. 43 e 47.

Em relação à tipologia dos edifícios, a classificação segue a seguinte regra:


edifícios “vazados” são aqueles que têm apartamentos que possuem ventilação
cruzada, ou seja, com fachadas nas duas extremidades da unidade imobiliária;
“edifícios não vazados” são os que têm dois apartamentos entre duas fachadas,
cada um voltado para um lado do prédio.
Lucio Costa determinou que os edifícios residenciais fossem construídos so-
bre pilotis já no memorial descritivo do projeto do Plano Piloto. Como os prédios
com pilotis não apresentam obstáculos à passagem, não se poderia chamar os
espaços ocupados pelos prédios de lotes nem de terrenos, por definição jurídi-

62
ca. A palavra projeção, portanto, foi adotada para designar áreas destinadas às
edificações, e aparece pela primeira vez no Código de Obras de 1960.
Em 1969, foram disponibilizadas todas as projeções para blocos residenciais
das superquadras do Plano Piloto. A projeção padrão dos blocos residenciais é
retangular e de dimensões 12,5m x 85m. A forma delgada e a altura de seis pa-
vimentos sugerem lâminas, dispostas ao longo dos limites das quadras, ou seja,
paralelamente ou perpendicularmente aos Eixos Rodoviários.
Figura 14 – Edifícios em obras – Brasília, 1960

Fonte: Acervo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal.

As fachadas dos edifícios dispostos nos limites das quadras costumam ser
voltadas para o exterior do quadrilátero, e os do interior, para a área verde inter-
na ou para lotes de equipamentos públicos.
O Código de Obras de 1967,16 editado durante a ditadura militar, permitia
que o proprietário de todas as projeções de uma superquadra alterasse a forma,
a disposição e a quantidade dos prédios, desde que mantendo a taxa de ocupa-
ção, pilotis e altura máxima. Isso resultou em superquadras diferenciadas, como
a SQS 207, SQN 204, SQN 309 e SQN 310.
A descrição que Maria Elisa Costa faz acerca da assimilação do espaço urbano
pela população que ali chegava é a seguinte:
O fato é que a população aceitou o conceito da Superquadra com
grande facilidade; os pilotis livres, a presença dos porteiros, o es-
paço de correr e brincar nos gramados generosos permite que as

16  Disponível em: https://www.tc.df.gov.br/sinj/Norma/0513067258d14c489003a65d03a4998f/De-


creto_596_08_03_1967.html.

63
crianças se soltem desde pequenas. E as primeiras crianças convi-
vem de igual para igual com crianças desconhecidas, vindas dos
mais diversos recantos do país – não havia lugar para preconcei-
tos que normalmente existem na classe média das cidades de ori-
gem: as pessoas não tinham sobrenome. E foi daí que surgiu uma
geração nova, uma maneira de viver nova, que começa a gerar
uma nova cultura. (COSTA, M. E. apud VASQUES et al, 2015, p. 36)

Uma questão importante para o entendimento e a análise urbanística de


Brasília é o assunto da densidade habitacional dos blocos residenciais – direta-
mente afetado, e não de maneira uniforme, pela área e pelo número de aparta-
mentos de determinada quadra. Pelo Código de 1960, a estimativa era de que
a ocupação máxima seria de 3.500 habitantes. Atualmente, consideram-se, nas
estimativas demográficas, as famílias brasilienses em torno de 3,7 pessoas/famí-
lia, o que resultaria em um teto máximo de 950 apartamentos por superquadra.
Os códigos posteriores a 1960 são omissos em relação ao número máximo
de habitantes por superquadra; porém, levando-se em conta as previsões nos
cálculos de viabilidade em termos de aproveitamento máximo das áreas de
projeção, chega-se ao número de 1.584 apartamentos, o que resultaria, teori-
camente, em uma população de 5.860 habitantes, ou seja, 70% a mais do que o
previsto no primeiro Código (FICHER et al, 2009).
A densidade habitacional varia bastante de superquadra para superquadra.
Por abrigar uma população com perfis socioeconômicos bastante diferenciados
entre si, os equipamentos urbanos que complementam a superquadra também
se diferenciam bastante entre si, com o objetivo de atender aos habitantes da-
quele quadrilátero específico. Os territórios socioeconômicos foram se diferen-
ciando com o passar do tempo: as superquadras localizadas no centro da Asa
Sul – em especial aquelas mais antigas e com apartamentos, em média, maiores
– são as mais tradicionais e possuem uma maior proporção de idosos; as super-
quadras do final da Asa Norte, onde predominam apartamentos pequenos, de
um ou dois dormitórios, começaram inicialmente a constituir uma vizinhança
com atributos típicos de um singles’ district.
Hoje, resultantes principalmente de mudanças nos Códigos de Obras no decor-
rer dos anos, especificamente em relação a pavimento-tipo, garagem e aproveita-
mento das coberturas, os blocos diferem bastante dos blocos mais antigos, no que
tange à sua implantação, volume, acabamentos e cores. Os blocos mais antigos,

64
representativos da arquitetura brasileira dos anos 1950, têm fachadas retilíneas e
ortogonais, vidros, elementos de quebra-sol e coberturas planas; os novos prédios
possuem mais recortes nas fachadas, efeitos de cheio-vazio, sacadas, e carecem
de volumes puros. São mais altos, devido ao aparecimento das coberturas como
elementos das fachadas, e, em grande parte, abrigam apartamentos vazados.

4.2.3 Proteção e preservação

Brasília é Patrimônio Nacional, devido a suas particularidades urbanas, seu


papel inovador, a própria história de sua construção e sua qualidade arquite-
tônica.17 O Governo Federal e o Governo do Distrito Federal são, em conjunto,
responsáveis pela complementação, preservação, adensamento e expansão
urbana da cidade, para assim manter as características essenciais do conjunto
urbanístico, arquitetônico e paisagístico da Capital.
Figura 15 – Delimitação da área tombada

Fonte: Site do Governo do Distrito Federal.

A área urbana tombada compreende 112.25 km², e a delimitação do seu pe-


rímetro protege as quatro escalas urbanísticas dotadas no projeto original do
Plano Piloto de 1957: monumental, residencial, gregária e bucólica.

17  Veja-se o Decreto nº 10.829, de 14 de outubro de 1987, baseado no documento Brasília Revisitada,
elaborado por Lucio Costa em 1985-1987 e complementado pela Portaria nº 314, de 8 de outubro de
1992, do Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural.

65
Além da proteção Distrital e federal, Brasília conta com a chancela de prote-
ção da Unesco desde 7 de dezembro de 1987, data em que a cidade foi reco-
nhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade, com base no conceito de
que se trata da única capital do mundo totalmente projetada e construída de
acordo com os ideais modernistas.
A respeito das regras edilícias, a legislação distrital18 diz que:

• Os edifícios residenciais das quadras 100, 200 e 300 terão seis pavimentos
sobre pilotis;
• Nas quadras 400, os edifícios residenciais terão três pavimentos sobre pilotis;
• Em todas as superquadras, a taxa máxima de ocupação para a totalidade dos
edifícios residenciais será de 15%;
• Cada superquadra contará com um acesso único para automóveis e será
cercada em todo seu perímetro com faixas de 20 metros de largura, densamente
arborizadas;
• Além das unidades de habitação, serão previstas e permitidas pequenas
edificações de uso comunitário com, no máximo, um pavimento.

As escalas, portanto, são o princípio fundamental da preservação do conjun-


to urbanístico, arquitetônico e paisagístico de Brasília. A identidade e originali-
dade do conjunto urbanístico se mantém nas escalas monumental, residencial,
gregária e bucólica, representando o monumento a ser preservado para a pos-
teridade. Vale lembrar que esse tombamento ocorreu com a cidade ainda em
formação, o que por vezes provoca teses enganosas acerca da sua renovação
construtiva e do contínuo desenvolvimento pelo qual todas as cidades natural-
mente passam. A cidade viva e aprazível de Lucio Costa passa, primeiramente,
pelas escalas, construídas e solidificadas pelos candangos, e depois pelos seus
habitantes.
Assim, a cidade-parque e a qualidade de vida advinda dessas opções urba-
nísticas e dessas escalas se preserva por meio de todos os que contribuem para
a consolidação do projeto urbano, sejam eles administradores públicos, sejam
políticos, servidores do estado, professores, arquitetos, urbanistas, educadores
ou cidadãos comuns, entre tantos outros.

18  Conforme Planilhas de Parâmetros Urbanísticos de Preservação (PURP) da Secretaria de Estado de


Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal (SEDUH).

66
Em seu artigo “O princípio das escalas no plano urbanístico de Brasília”, Lídia
Botelho (2009, p. 89-90) destaca que
é essencial que essa vontade comum esteja amparada no enten-
dimento de que o monumento a ser preservado para as gerações
futuras é aquele que reúne, num só corpo, a cidade-parque, a ci-
dade-capital e a cidade-espaço do homem integral.

Figura 16 – Praça dos Três Poderes

Fonte: Bento Vianna/Flickr. Imagem via Caos Planejado.

4.2.4 Brasília – A experimentação do espaço urbano

4.2.4.1 Memória e a identidade da cidade

O espaço para a reflexão sobre o homem e a cidade onde se envelhece, em


Brasília, segue uma estreita e sutil relação com o planejamento urbano dife-
renciado e o que emerge após os 60 anos do projeto original do Plano Piloto
e os 30 anos do Decreto de Tombamento que reconhece o conjunto urbano
de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. O projeto urbanístico do
Plano Piloto de Brasília, elaborado por Lucio Costa em 1957, inseria-se em um
contexto muito diverso, em que apenas 30% da população mundial residia em
área urbana, e a visão da vida moderna era diretamente ligada aos avanços da
indústria automobilística e a setorização das atividades.
Hoje, porém, Brasília pode ser analisada sob nova ótica. A cidade envelhece,
e também envelhece sua população; e que memórias são trazidas dessa vida

67
iniciada em um novo cenário urbano, não aplicado a nenhum outro País e que
se conceituava em teorias sobre o futuro que, por vezes, não se sustentaram?
A preservação da história e da memória e a capacidade do espaço urbano em
acolher e absorver os mais velhos são algumas questões que agora podem ser
pensadas para que se identifiquem os vínculos que os habitantes preservam ou
renegam, em relação a área que habitam. Com isso, as praças, pilotis, os comér-
cios, as atividades de apoio, calçadas, vias e edifícios representam os símbolos,
sentidos e as imagens que acompanham o envelhecimento da cidade.
Memória e história são ambas narrativas do passado que constroem a iden-
tidade de um lugar, reconstruindo um tempo que não é mais verificável ou su-
jeito a repetição. Mas podemos perceber as mudanças através da comparação
entre esses discursos e imagens e o que vivemos agora. A cidade é, portanto,
detentora da história e da memória, assim como também é detentora da pro-
priedade cultural compartilhada. E, como um círculo vicioso, sempre é sujeita
a análises, comparações e novas vivências, elementos que constroem e recons-
troem initerruptamente a história de um lugar.
As marcas que podemos identificar na memória dos mais velhos, que vieram
construir a nova capital do País, comparando o sonho alimentado pelo mila-
gre econômico e o que se vive hoje, é um ponto de partida para se repensar e
se planejar o espaço urbano. O que os elementos estruturais que inicialmente
definiram o traçado e o espaço construído na cidade revelam hoje? Como esse
espaço urbano foi apropriado pelos indivíduos e qual o resultado do amadure-
cimento da cidade, quando analisamos as suas relações de sociabilidade? Teria
esse espaço agregado algum significado no tempo, tornando-se um lugar pos-
suidor de identidade afetiva, que provoca uma sensação de pertencimento?
Ecléa Bosi (1987), em seu livro Memória e sociedade, descreve a situação de
vulnerabilidade social dos idosos, em contraponto ao importante papel de de-
tentores da história do lugar: ao mesmo tempo em que são vistos como indiví-
duos que perderam sua função como força de trabalho, também exercem um
papel social determinante: o de lembrar. A capacidade de verbalizar e, assim,
ativar a memória é a maneira de se colocar como contribuinte e membro da
própria sociedade, e para que esse papel seja exercido, são necessários a exis-
tência e o interesse do interlocutor.
Como então, em momentos de mudança, o indivíduo assume seu papel como
formador de pequenas relações que, em escala maior, formam a identidade da

68
cidade? A apropriação do passado da cidade e de suas histórias individuais con-
figura o espaço urbano como uma propriedade cultural compartilhada. Todos
os moradores das cidades têm alguns lugares que são dotados de significado,
onde construíram familiaridades, viveram experiências do cotidiano e onde os
percursos lhes são familiares. Alguns espaços, hoje, só fazem sentido porque
são narrados pelos mais antigos, que viveram outras experiências no passado.
Segundo Pesavento (2007, p. 3),
Estes espaços dotados de significado fazem, de cada cidade, um
território urbano qualificado a integrar esta comunidade simbóli-
ca de sentidos, a que se dá o nome de imaginário. Mais do que es-
paços, ou seja, extensão de superfície, eles são territórios, porque
são apropriados pelo social.

Em relação aos idosos em Brasília, no Plano Piloto, Asa Sul, quais seriam essas
relações com o espaço público e os elementos que o identificam? Seriam esses
símbolos claros, fáceis de serem identificados, absorvidos e transmitidos pelos
indivíduos? Com o tempo, algumas particularidades foram criadas com o obje-
tivo, muitas vezes inconsciente, de inventar elementos que personificassem os
lugares. Esses símbolos, muitas vezes sutis, aparecem na identificação de peque-
nos elementos da urbanidade, como comércios especializados, elementos de
paisagismo, pontos de encontro, parques e até padrões de azulejos nos pilotis.

4.2.5 O presente: sentidos urbanos e as superquadras

No caso do Plano Piloto, ao se analisar atualmente o espaço físico da super-


quadra tradicional, na Asa Sul, percebem-se de imediato alguns fatores que le-
vam a um questionamento mais amplo: a desigualdade social, em relação ao
tipo homogêneo de habitante que hoje ocupa os edifícios, em termos de renda,
cor e etnia; e o esvaziamento do espaço público, a deficiência de serviços e equi-
pamentos, a precariedade de manutenção do mobiliário urbano e das calçadas.
No entanto, ao analisar o memorial descritivo de Lucio Costa, fica claro que
as superquadras são concebidas para reestruturar as relações coletivas de mo-
radia. Ou seja, o arquiteto seria o personagem central no planejamento não só
das cidades, mas também nos aspectos da vida social e econômica inseridos no
ambiente urbano.
Machado e Magalhães (1985), ao analisar o espaço urbano em Brasília, con-
cluem que um dos pontos principais da polêmica sobre a cidade é o fato de

69
se tornarem centrais na sua análise o planejamento e a morfologia. A vida dos
habitantes seria diretamente afetada pelo modo como a cidade é construída,
em termos materiais e físicos. De acordo com os autores, os moradores que vie-
ram habitar as superquadras teriam uma visão da vida urbana diferente, muito
mais pragmática e individualista do que as dos habitantes que formaram as ci-
dades-satélites, por exemplo. Aldo Paviani (2010), citado no texto dos autores,
defende, por sua vez, que Brasília foi com o tempo se tornando o reflexo da
sociedade brasileira, marcada pela desigualdade e dominada pela especulação
imobiliária, tornando o Plano Piloto um gueto das classes média e alta. Daí se
origina a crítica de que as ruas são mortas e nos faltam esquinas, de que o sonho
da utopia modernista se desfez na capital do País, ao contrário do que preten-
deram os planejadores originais. Seria então, correto considerar que o erro não
está no projeto, mas sim na sua aplicação e nos processos históricos que ocor-
reram posteriormente à instalação da cidade? Talvez, se analisarmos um ponto
inicial, onde o antes inexistia, como se Brasília tivesse inaugurado uma nova era,
um marco zero, como se, a partir daí, espaço e tempo pudessem ser totalmente
transformados.
Na visão de Lucio Costa, a superquadra não seria somente um lugar de mora-
da, mas também um lugar de “passagem”, de permanências, de encontros, entre
outras coisas. Essa questão é quase lúdica e romântica, mas há que se conside-
rar também o aspecto funcional. Em Brasília: cidade moderna, cidade eterna, Ho-
landa (2010) levanta várias considerações para repensar a questão do “lugar”. Na
opinião desse autor, o questionamento deve ser pessoal, e a avaliação tem que
ter como tema central o valor do lugar no cotidiano da pessoa, o que implica, se
satisfaz as exigências práticas da vida, no dia a dia, no sentido de tipo e quanti-
dade de espaços para as atividades e para desenvolver os relacionamentos:
(...) funciona bem para as práticas que abriga? Sentimo-nos con-
fortáveis quanto ao calor e ao frio? Emociona pela beleza? Facilita
o convívio entre diferentes classes sociais, etnias, gêneros, gera-
ções? (HOLANDA, 2010, p. 18)

Ainda citando Holanda, não podemos deixar de analisar os aspectos topo-


ceptivos,19 ou, simplificando, os aspectos afetivos. A avaliação passa pelo im-

19 A dimensão topoceptiva observa as características configurativas dos espaços incidentes na noção
de localização dos indivíduos, em termos de orientação e identificação. Examina-se o desempenho to-
poceptivo dos lugares em diversos níveis de apreensão do espaço: níveis de conhecimento sensível e
abrangência universal (percepção e imagem mental) e nível de conhecimento profissional e abrangên-

70
pacto nas pessoas em termos da satisfação de diversos tipos de expectativas
(funcionais, bioclimáticas, econômicas, sociológicas, topoceptivas, afetivas,
simbólicas e estéticas). Segundo Holanda (2010), avaliar a arquitetura em todos
esses aspectos implica conhecer, em cada um deles, a estrutura de relações en-
tre atributos da configuração urbana e expectativas humanas. Essas relações,
denominadas de códigos, podem ser universais, quando envolvem característi-
cas idênticas para todos os seres humanos; grupais, quando estão relacionadas
a características de uma determinada classe social; ou individuais, quando de-
pendem de uma visão de mundo particular.
Há que se refletir se, em algum momento, existiu essa preocupação na época
do projeto do Plano Piloto. A intenção de se pensar em um bairro “moderno” é
compatível com esse conceito ou a identidade da cidade, como lugar, foi cons-
truída posteriormente, incentivada e mantida?
Analisando teorias sobre o espaço público, encontramos Sennett (1988), que
trata das “tiranias da intimidade” e do esvaziamento dos espaços públicos, pois
o planejador urbano, ao tentar oferecer praças, espaços abertos, e buscar me-
lhorar a qualidade de vida, não consegue ler as enfermidades sociais e acaba
por encontrar, na população, desconfiança em relação aos outros e um tipo de
perversão que entendem por vida comunitária: “(...) o planejador cria a própria
esterilidade que poderia estar querendo evitar” (SENNETT, 1988, p. 380). Seriam
essas enfermidades sociais identificáveis à época do planejamento urbano de
Brasília? A análise a ser feita, no caso, é a observação de quais desafios sociais
se apresentavam à época do planejamento de Brasília e quais se acentuaram
em decorrência do uso (ou não) do espaço coletivo ou como consequência da
própria evolução social, e como elas se refletem na população que hoje habita
o Plano Piloto.
Nesse sentido, o conceito apresentado por Costa se contrapõe ao pensamen-
to sustentado por Sennett para as relações sociais em tempos atuais. O soció-
logo descreve um cenário da vida pública em Londres e Paris nos anos 1750,
quando o florescimento da classe burguesa e a derrocada da aristocracia indica-
riam o “fim da vida pública”. As novas relações sociais vão se delineando na “Cos-
mópolis”, onde as transformações são percebidas, pois os atores dessas mesmas
transformações são os habitantes da grande metrópole. Os espaços públicos

cia restrita (representação projetual). Conf. KOHLSDORF, Maria Elaine; KOHLSDORF, Gunter. Dimensão
topoceptiva. Disponível em: www.ufscar.br/~cec/arquivos/referencias/Texto Maria Elaine.doc.

71
geram estranhamento, perigo, indiferença, e por isso o espaço privado assume
o papel de concentrar os valores da vida, significando o refúgio, a segurança.
No início da modernidade, a sociedade europeia propõe uma estratificação da
sociedade de “tal forma e em tão díspares compartimentos que eles perderam o
senso de pertencerem à mesma espécie [...] o público era uma criação humana
e o privado uma condição humana” (SENNETT, 1988, p. 381).
Sennett, portanto, apostaria que o espaço da superquadra ficaria vazio e sem
uso, considerando que o bloco residencial e sua configuração morfológica ofe-
receriam maiores condições de sossego e segurança; e o arranjo da forma urba-
na dificultaria o contato entre estranhos. Estar na rua seria um favorecimento
da necessidade e condição de se movimentar, passar, circular; mas não mais de
socializar. Numa cidade voltada ao uso do automóvel, o indivíduo passa a não
perceber o espaço a sua volta, pois a tendência é de se isolar em um veículo
privado e exercer o “direito” de se movimentar sem ser interrompido. O não uso
do espaço, segundo o autor, favoreceria a hipervalorização da individualidade,
o que culmina em uma cidade intimista.
Sennett propõe ampliar a análise da cidade modernista, chamando a aten-
ção para o fato de que esse modelo favorece a formação de guetos, onde a
esfera sensitiva e emocional da vida transforma relações sociais em barreiras
psicológicas: se o outro não for igual aos do grupo, ele não será aceito na comu-
nidade. O projeto moderno de cidade zoneada ou atomizada compromete o
espaço público quando traz a homogeneização dos usos e, consequentemente,
a homogeneização das pessoas no seu cotidiano. Não há diversidade nem com-
plexidade de experiências no espaço urbano, e, desse modo, o contato social é
enfraquecido.
Pode-se dizer, então, que atualmente o pequeno núcleo urbano da superqua-
dra reflete as desigualdades geradas em outras esferas e comuns, infelizmente,
na sociedade brasileira, como, por exemplo, a irregularidade na distribuição de
renda. Pensando no direito à cidade e ao lugar, a cidade capitalista global, sus-
tentada pelos valores do livre mercado, transformou-se em um bem de consu-
mo, e seus habitantes vivem dependendo de sua capacidade de consumir o que
aquela aglomeração urbana lhes oferece (HARVEY, 2009).
É importante mencionar que a arquitetura moderna aplicada no projeto do
Plano Piloto de Brasília já estava sendo revista na Europa à época do planeja-
mento da cidade. Na segunda metade dos anos 1950 e início dos anos 1960,

72
um grupo de arquitetos, conhecido como “Team X” (SEGAUD, 2016), propunha
uma reorientação da análise dos problemas urbanos, destacando a importância
da pequena escala como ponto inicial do projeto, e daí derivando para a gran-
de escala. Simultaneamente, surgiram os “situcionalistas”, repensando o projeto
urbano através dos conceitos da psicogeografia.20 No Brasil, como dito, ainda se
festejavam as lógicas construtivas do Ciam, que defendiam o conceito da cida-
de moderna pura, em que pilotis e térreos livres, grandes escalas, setorização e
eixos viários contribuíam para a criação do bom espaço urbano.
Podemos hoje considerar que não existe uma relação estreita entre os níveis
de sociabilidade e os limites territoriais da vizinhança, no caso de Brasília. O pro-
jeto da superquadra, por si só, “não favorece o equacionamento de problemas
e contradições sociais, ou mesmo despertar o nível de consciência política ou
social”. (FERREIRA, GOROVITZ, 2009, p. 19)
Nessa combinação de cenários complexos, existe a questão do envelheci-
mento.

4.2.6 Ações futuras e planejamento urbano: pensando a


coletividade

Espaços públicos devem ser pensados para serem espaços de celebração, em


que as trocas econômicas e sociais ocorrem, os amigos se encontram e as dife-
rentes culturas se entrelaçam.
De acordo com a organização não governamental PPS – Project for Public
Spaces,21 que se dedica a criar e manter lugares públicos de qualidade em con-
junto com as comunidades, os espaços urbanos, para serem bem vistos pela
população, devem ter geralmente quatro características: acessibilidade – faci-
lidade de acessar e transpor o espaço, além da conectividade, capilaridade e
mobilidade; usos e atividades – as pessoas têm que estar comprometidas em
desenvolver atividades no local; estética – o espaço é confortável e tem boa
aparência; e sociabilidade – um espaço convidativo, que possibilite encontros e
no qual as pessoas queiram permanecer, conversar com amigos e interagir com
desconhecidos.

20 A psicogeografia é a exploração do ambiente urbano que enfatiza a diversão e a “teoria da deriva”,
segundo a qual a experimentação do espaço urbano se dá através de percursos não definidos, onde o
usuário é incentivado a “flanar” pela cidade, desenvolvendo intuitivamente referências ou mapas men-
tais, armazenados no inconsciente.
21  Disponível em: https://www.pps.org/article/grplacefeat. Acesso em: 10 jul. 2019.

73
A boa acessibilidade pode ser avaliada pela quantidade de ligações de de-
terminado local em relação à malha urbana da cidade, tanto do ponto de vista
visual quanto do ponto de vista físico. O espaço deve ser de fácil acesso e de fá-
cil transposição: deve ter boa permeabilidade e permitir que o indivíduo tenha
uma perspectiva visual aberta e ampla, tanto a grande distância quanto a pouca
distância.
Os elementos que delimitam o espaço também são importantes: por exem-
plo, uma linha de comércio ao longo da rua, com fachadas ativas, boas calçadas
e iluminação apropriada, geralmente é um local mais interessante e mais segu-
ro para se andar do que um espaço ermo ou uma área residual com um bolsão
de estacionamento.
Quando o espaço é confortável e se apresenta amigável ao usuário, ou seja,
quando esse local contribui para a boa qualidade estética da cidade à qual per-
tence, existem maiores possibilidades de interação e utilização: alguns usuários
podem estar apenas passando, outros contemplando a vista, outros praticando
esportes ou apenas observando o vaivém das pessoas.
Conforto também significa a percepção positiva em relação a segurança, lim-
peza e disponibilidade de mobiliário urbano – em especial em lugares de con-
templação e relaxamento, como praças, áreas verdes, calçadas, bancos e jardins.
As atividades são a peça-chave dos lugares urbanos mais agradáveis: são a ra-
zão que leva as pessoas a visitá-los pela primeira vez, e a razão de elas quererem
continuar a frequentá-los. É também o que torna determinado lugar especial ou
único. Quando um espaço não tem uma destinação, ou quando ali não existe
incentivo e/ou vocação para desenvolvimento de atividades e usos diversos, ele
ficará vazio a maior parte do tempo – e não será um bom local de uso público
da comunidade dentro da malha urbana.
Jane Jacobs (2011) defende que a qualidade de vida nas cidades se solidifi-
ca a partir de seu uso cotidiano, fomentada por meio da promoção ou não de
diversidade urbana nas escalas da cidade, na vizinhança, na rua, no bairro. Ela
aponta que uma das características dos grandes centros urbanos é “a necessida-
de que as cidades têm de apresentar uma diversidade de usos mais complexa e
densa” (JACOBS, 2011, p. 13).
A densidade urbana também é importante. Segundo Jacobs, o sucesso ou
fracasso de parques locais nos bairros depende do tipo de ocupação e do uso

74
do solo nas proximidades dessas áreas verdes. Diversidade de usos e diferen-
tes tipos de frequentadores geram diferentes necessidades e pulverizam os
horários de utilização dos locais, ou seja, incentivam o uso do espaço público
em diferentes horas do dia e da noite. A localização no contexto mais amplo
também é essencial. Ao invés de posicionar o parque em áreas pouco densas,
Jacobs aconselha justamente o contrário: posicioná-lo onde já há vida urbana,
gente passando, fluxos de pedestres e interação microeconômica. Disso con-
clui-se que também são importantes aspectos como as conexões com o tecido
urbano existente, a relação com as principais vias de fluxo (de automóveis e de
pedestres) e a possibilidade de interação entre as atividades internas e externas
ao parque, entre outros fatores.
Segundo as observações da autora, a riqueza da vivência nas cidades e na
troca cotidiana está no poder de promover (a) segurança urbana, (b) contato
entre os cidadãos (promoção da vida pública) e (c) integração infantil (adultos,
mesmo que desconhecidos, assumindo a vigilância da recreação informal das
crianças) (JACOBS, 2011, Parte 1).
É difícil para um local público se tornar um espaço que incentiva a sociabiliza-
ção – mas, uma vez que se torna, as características e as particularidades adquiri-
das são inconfundíveis. Quando as pessoas reconhecem que determinado local
é onde encontram amigos e fazem novas amizades, onde se sentem à vontade
e seguras para interagir com estranhos, elas tendem a sentir um forte apego e
senso de pertencimento àquela comunidade e ao lugar que promove esse tipo
de sociabilização.
Iniciativas como as da prefeitura do município de Toyama, no Japão,22 pro-
movem a recuperação do espaço urbano através de ações positivas que afetam
diretamente os idosos e beneficiam toda a comunidade. Programas como o Jar-
dineiros Intergeracionais – que combina iniciativas da prefeitura municipal e cor-
porações, criando programas extensivos para a terceira idade com o apoio de
jovens voluntários, para cuidar da jardinagem de áreas públicas e pequenos jar-
dins externos mantidos pela iniciativa privada especificamente para essa inicia-
tiva; Passes Especiais nos transportes públicos da cidade – que promovem 30%
de desconto nas passagens comuns e passes culturais gratuitos para avôs e avós
que acompanhem seus netos em visitas a museus, zoológicos e sítios turísticos;

22 Disponível em: http://www.100resilientcities.org/wp-content/uploads/2017/07/Toyama_Resil-


ience_Strategy_-_PDF.pdf. Acesso em: 10 jul. 2019.

75
Mobilidade da Terceira Idade – voluntários levam grupos de idosos para cami-
nhadas pela cidade ou em zonas próximas rurais; Cuidados com a Saúde – hospi-
tal público tem programas para visitas domiciliares de geriatras, clínicos gerais e
enfermeiras a lares de idosos, e a prefeitura criou o primeiro centro preventivo de
cuidados médicos através da hidroterapia termal, voltado a problemas de mobi-
lidade em indivíduos com mais de 60 anos; Segurança Virtual – uma companhia
privada está desenvolvendo um sistema integrado para monitorar idosos que
vivem sozinhos em suas casas, e no caso de acidentes domésticos, a cidade tem
uma rede de 400 associações comunitárias para coordenar respostas às chama-
das de emergência de pessoas idosas em situação de vulnerabilidade.
A cidade de Nova York aplica dados estatísticos ao planejamento urbano e
ao gerenciamento do espaço público. Evidências indicam que as características
da vizinhança afetam mais as pessoas idosas do que outras faixas etárias, prin-
cipalmente devido à mobilidade reduzida, e as consequências das condições
negativas da vizinhança são sentidas pelos mais velhos mais em longo prazo, o
que resulta em instabilidade de saúde. Através de dados obtidos pela parceria
firmada entre a prefeitura local e centros comunitários, o Centro de Pesquisa
Urbana e a Academia de Medicina, ambos da Universidade de Nova York (NYU)23
desenvolveu um mapa interativo de código aberto de todo estado de Nova York
com sobreposições que informam sobre cultura, segurança, prestação de servi-
ços, saúde e serviços sociais, entre outras coisas, de maneira a construir cone-
xões entre setores, instituições e organizações, levando a uma unidade social e
esforço conjunto no sentido de apoiar o envelhecimento ativo.
Figura 17 – NYC Interactive Map of Aging – Projeção das mudanças populacionais – 2010-2030

Fonte: Prefeitura Nova Iorque, 2019.

23  Disponível em: http://www.imagenycmap.org/.

76
Figura 18 – NYC Interactive Map of Aging – População com 65 ou mais –
Informação sobre postos de socorro e atendimento a idosos em situação de abuso doméstico

Fonte: Prefeitura Nova Iorque, 2019.

Os serviços que podem ser consultados no mapa, além de dados demográ-


ficos, incluem indicação de áreas públicas amigáveis para idosos, eventos cul-
turais adequados para a terceira idade, centro de cuidadores voluntários, áreas
de refeições comunitárias gratuitas e de atividades comunitárias desenvolvidas
durante fins de semana, áreas de atendimento primário a adultos com demên-
cia, postos de atendimento a idosos em situação de abuso, centros de apoio
financeiro, centro de atendimento de emergência e apoio primário à saúde,
restaurantes e bares para entrega de refeições em domicílio, profissionais para
pequenos reparos em domicílio, centros de apoio para orientações nutricionais,
centros de cuidados físicos diversos, educacionais e de serviço social, rede de
advogados especializados em terceira idade, centros de tecnologia e centros
de mobilidade, informações sobre facilidades médicas (localização de hospitais
e recomendações de cuidadores, centros de saúde com especialização em ge-
riatria), serviços segurança pública (delegacias, bombeiros, ruas seguras para
idosos, zonas de evacuação em caso de ocorrência de furacões), serviços recrea-
cionais (áreas de descanso, jardins botânicos, mercados e feiras, praças e áreas
pedestrianizadas, piscinas públicas, centros de recreação), áreas com institui-
ções culturais (livrarias públicas, centros de artes visuais, teatros, museus, ga-
lerias, universidades e zoológicos), programas de moradia para idosos, opções
de transporte (metrôs, rotas de ônibus, pontos de ônibus, terminais de barcos e
trens locais) e informações sobre distritos administrativos e órgãos legislativos.
No Chile, a cidade de Santiago apresenta dados demográficos semelhantes
aos europeus em relação ao número de indivíduos com mais de 65 anos, ou

77
seja, o País enfrenta os desafios de um futuro em que a população envelhe-
cerá rápida e gradativamente. Para a Agência de Pessoas Idosas do Governo
de Santiago,24 o primeiro passo é entender os desejos de pessoas mais velhas:
para isso, foram criados espaços públicos para inclusão cívica e participação dos
idosos, não apenas para atender a essa comunidade, mas também para que in-
terajam com pessoas de diferentes idades. Paralelamente a isso, uma campanha
de sensibilização da comunidade foi desenvolvida, no sentido de alertar para as
necessidades dos idosos no espaço urbano, promover a gentileza entre cida-
dãos e incluí-los nas decisões dos processos de planejamento urbano.
Outros casos importantes de cidades com políticas de planejamento urbano
amigáveis aos idosos são:

• Donostia/San Sebastián, Espanha – a política de reorganização institucional


do município prevê consultas permanentes aos residentes mais antigos da
cidade, para planejar melhorias futuras no ambiente urbano, com especial
ênfase em impactos a longo prazo. A criação e a operação conjunta e o estudo
de diferentes cenários são ferramentas para identificar novos desafios e propor
novas soluções.25
• York, Inglaterra – Através da Aliança de Ações para Pacientes Portadores de
Demência, estabelecida em 2013, a cidade de York vem planejando intervenções
nos espaços públicos para se tornarem amigáveis aos portadores de limitações
físicas e mentais. O objetivo é manter certo grau de independência e qualidade
de vida, conscientizar a população e combater o preconceito, melhorando a
vida de pacientes e cuidadores.26

Como exercício para fundamentar este estudo, algumas dessas ações se mos-
traram muito ilustrativas quando se pensa em planejamento para espaços ade-
quados para a terceira idade. Redesenhar o espaço urbano para uma sociedade
em processo de envelhecimento é uma ação que envolve interdisciplinaridade.
Ao se analisar o caso de Nova Iorque, por exemplo, percebemos que oferecer
oportunidades para que o idoso tenha autonomia passa pela informação e pela
tecnologia, em seus mais diversos aspectos, embasados por dados estatísticos
que norteiam estudos atuais e projeções futuras. Da mesma maneira, promo-

24  Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/23288604.2017.1353844. Acesso


em: 11 jul. 2019.
25  Disponível em: https://extranet.who.int/agefriendlyworld/network/donostia-san-sebastian/.
26  Disponível em: https://www.dementiaaction.org.uk/local_alliances/2934_york_dementia_action_
alliance.

78
ver o envelhecimento ativo através de um planejamento urbano voltado a este
público envolve a participação de conselhos comunitários e da população em
geral, que são os agentes que realmente definem lugares e objetivos; passa pe-
los cientistas sociais, que estudam comportamentos sociais, passa pelo poder
publico, que fornece segurança e infraestrutura social, e é mais eficiente quan-
do alcança uma parte significativa dos moradores de um grande centro urbano,
utilizando uma ferramenta tão útil quanto a internet.
Já o caso de Toyama, no Japão, exemplifica como é importante a atuação
conjunta de governo e sociedade, no sentido de promover ações que contam
com o apoio financeiro de instituições privadas, mas com a iniciativa e o incen-
tivo do governo, como é o caso dos jardineiros intergeracionais. Construir um
contexto social no qual se reconhece e se estimula o valor potencial e recursos
representados pelos idosos em termos de competência, sabedoria e vivência é
a principal lição que a sociedade japonesa pode nos ensinar em relação à pro-
moção da velhice saudável e inclusiva.
Em termos de prevenção de doenças, especialmente as mentais e de tra-
tamento de males cognitivos e outros, o espaço público também é essencial
como parte do recurso terapêutico. O contato com a natureza e o cuidado com
os espaços de permanência e observação ao ar livre, essencialmente, tem efei-
tos muito benéficos para os indivíduos com doenças mentais. Estar em um jar-
dim, ver árvores, ouvir pássaros cantando, ver o céu e ter contato com o mundo
exterior são fatores associados ao bem estar mental momentâneo.
Outras ações em termos de inclusão cívica e atendimento a uma parcela es-
pecifica e mais vulnerável entre os próprios idosos podem ser identificadas atra-
vés dos exemplos aqui demonstrados: a análise da sociedade em processo de
envelhecimento passa por sustentabilidade, por uma interdisciplinaridade de
abordagem sobre o sistema de gerenciamento do espaço público e pela im-
portância que se dá ao espaço urbano em uma cidade viva, segura , integrada
e espontânea.
Em termos gerais, o estudo destes casos aqui demonstrados indica que ao se
olhar o espaço público também como elemento de saúde pública, podemos en-
tender o quanto é fundamental que o gestor entenda que a ação política passa
pela coletividade, e que deve ser compartilhada de maneira a vencer diferenças
e dificuldades. No caso especifico dos idosos, fornecer possibilidades de conví-
vio, atratividade para a vivência no espaço exterior comum deriva para o forta-

79
lecimento de um espaço de construção de cidadania. Evitar espaços públicos
invisíveis, mal cuidados e pouco frequentados, como por exemplo, alguns dos
chamados “fundos” dos comércios locais da Asa Sul, é promover a qualificação
de espaços abertos a todos, contribuindo para a conscientização do cidadão e
para a multiplicação das relações sociais. Portanto, temos que pinçar, em ações
que estão em curso no mundo todo, maneiras de proporcionar inclusão social
através de propostas de planejamento urbano a médio e longo prazo, e a poste-
riori, maneiras de gerir a cidade utilizando também a tecnologia e ferramentas
digitais, que podem e devem aumentar a participação de usuários na produção
e na manutenção dos espaços públicos.
O que se conclui é que as ferramentas tecnológicas, aliadas a metodologia de
planejamento mais tradicionais e a características comportamentais e culturais
de cada população são elementos complementares na criação de espaços mais
atrativos, interativos e criativos, contribuindo para agregar valor aos espaços
reais das superquadras. O que se observa, infelizmente, é que ainda que existam
áreas públicas excelentes no Plano Piloto, no que diz respeito a grandes áreas
ajardinadas e valorização da natureza, as potenciais funções e qualidades dos
espaços públicos não são exploradas e em alguns casos ainda tem conceitos
presos à ideia de valorização do trafego motorizado que permeou o planeja-
mento inicial da cidade. Na verdade, a promoção do espaço público de quali-
dade, assim como se vê nos casos aqui demonstrados, e ainda mais quando se
vê pela ótica do envelhecimento ativo, deveria ser uma prioridade de politica
urbana.

80
5 A superquadra: estudo de caso

5.1 Brasília: Desenho Urbano, Planejamento Urbano e


Gestão Urbana

Ao analisar assuntos referentes à qualidade de vida na superquadra atual-


mente, deparei-me com o seguinte dilema: seriam as avaliações, positivas e/
ou negativas, feitas pelos habitantes mais idosos consequências diretas de um
desenho urbano modernista, ou seriam elas fruto de anos de falta de planeja-
mento urbano e de interesse dos gestores urbanos?
A partir desse questionamento, decidi iniciar pela definição do que seriam
os princípios que identificam a qualidade do desenho urbano, que devem sem-
pre englobar a visão da comunidade sobre o espaço público, as relações entre
desenho urbano, planejamento e zoneamento e os princípios substantivos de
desenho urbano sustentável.
O sentido do termo desenho urbano pode ser vinculado tanto a um produ-
to quanto a um processo (CARMONA, TIESDELL, 2007, p. 1). Ao interpretarmos
como produto, a expressão “desenho urbano” refere-se mais a uma forma ur-
bana concretizada ou idealizada, de maneira a qualificá-la. O desenho urba-
no “produto” é um elemento cuja concepção e finalização envolvem diversos
agentes – arquitetos, urbanistas, moradores, interventores –, que, consciente
ou inconscientemente, visam a defender seus próprios pontos de vista ou suas
teorias sobre a concepção do espaço urbano.
O espaço urbano como “processo” envolve uma sobreposição de sucessivas
decisões e intervenções, em escala micro ou macro, sobre a forma urbana, sem
preocupação formal com qualquer técnica ou teoria de desenho urbano. Esse é o
processo pelo qual a maioria das cidades brasileiras é formada, desde o princípio
da conformação dos nossos assentamentos urbanos (CARMONA, 2003, p. 55).
No Plano Piloto, entretanto, o desenho urbano é fruto de um processo cons-
ciente, pois a forma urbana é um objeto derivado de um processo de concepção
anterior à sua concretização como espaço. A intenção específica dos planejado-
res urbanos orienta a configuração da forma urbana idealizada, eternizada pe-

81
los condicionantes indicados posteriormente, no processo de tombamento de
Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade, em 7 de dezembro de 1987.
Kevin Lynch (2006, p. 129), em 1960, já apontava o processo consciente do
desenho urbano como um instrumento necessário diante da intensificação do
processo de urbanização. Em contrapartida, ainda segundo esse autor, o pro-
cesso inconsciente do desenho urbano favorece características positivas, como,
por exemplo, a vitalidade urbana, características estas que muitas vezes tentam
ser mimetizadas em outros processos conscientes, mas que frequentemente
não alcançam os mesmos resultados.
Já o planejamento urbano tem como objeto e objetivo o desenvolvimento
urbano. Sendo entendido como um processo, e não um produto, o planeja-
mento é sempre uma atividade de ordenamento de atos e de elementos para o
cumprimento de metas e o alcance de um objetivo predeterminado. O que se
leva em conta são os elementos que contribuem com o futuro, a antevisão de
fenômenos e a previsão de comportamentos.
Segundo Teixeira (2013), o verdadeiro produto do planejamento urbano é
intangível e incomensurável em diversos aspectos, pois remete às complexas
relações envolvidas no processo de desenvolvimento urbano. Tais definições
(do desenho urbano como um produto, um processo consciente e um processo
inconsciente, e do planejamento urbano como um processo consciente) são
adotadas como elementos constantes, ou pressupostos da análise, com o obje-
tivo de estabelecer parâmetro à análise das abordagens contemporâneas sobre
conceituação de planejamento urbano e desenho urbano.
No caso do Plano Piloto de Brasília, projeto de autoria de Lucio Costa, assim
como no projeto de ocupação para Chandigarh, capital de Punjab e Haryana,
na Índia, elaborado por Le Corbusier, o processo consciente de desenho urbano
foi a ferramenta utilizada na elaboração de toda uma cidade, em grande escala,
para domínio público e para a arquitetura. Neste caso, a equipe de urbanistas
detém o controle sobre o processo. O desenho urbano, à época, não levava em
conta as práticas e teorias de outras ciências, como a psicologia e as ciências
sociais, e nem era voltado às questões específicas da sociedade moderna, de
cunho político, econômico e cultural, elementos felizmente incorporados mais
recentemente às formas de tratar as questões urbanas.

82
Figura 19 – Chandigarh – Plano geral de Le Corbusier

Fonte: http://chandigarh-unicamp.blogspot.com/p/projeto.html.

Figura 20 – Plano Piloto – Plano geral de Lucio Costa

Fonte: http://especiais.g1.globo.com/distrito-federal/2018/desenho-de-brasilia-inspirado
-em-aviao-mito-ou-verdade/.

Ao se falar em relações entre o desenho urbano e o planejamento urbano


na atualidade é importante citar Souza (2010), que apresenta análises sobre os
diferentes aspectos temporais envolvidos no planejamento urbano, mas com
foco na gestão urbana. O autor não apresenta uma definição imutável de pla-
nejamento urbano, mas foca sua análise no conceito dos distintos referenciais
temporais envolvidos no planejamento e na gestão: planejamento como a an-
tevisão de fenômenos futuros, caracterizando uma preparação para a futura
gestão, pois essa é a administração de situações presentes, com recursos dis-
poníveis, contemplando demandas imediatas (SOUZA, 2010, p. 46). Assim, com
referenciais temporais e tipos de atividades distintos, esses campos não estabe-
lecem uma relação de hierarquia, ao contrário, dependem um do outro (SOUZA,
2006, p. 150-151).

83
A teoria defendida por Souza (2010) é baseada na radicalização do planeja-
mento urbano, que ocorre da “separação institucionalizada entre dirigentes e
dirigidos [...] dando-se a oportunidade de surgimento de uma esfera pública
dotada de vitalidade e animada por cidadãos conscientes, responsáveis e parti-
cipantes” (SOUZA, 2010, p. 175).
O mesmo autor (SOUZA, 2010, p. 55-59) opta por não discutir a diferença en-
tre urbanismo e desenho urbano, tratando-os como campos equivalentes, mas
distintos do planejamento urbano:
Planejamento urbano (o qual deve, aliás, ser sempre pensado
junto com a gestão, seu complemento indissociável) sugere, por
conseguinte, um contexto mais amplo que aquele representado
pelas expressões Urbanismo e Desenho Urbano. O planejamen-
to urbano inclui o Urbanismo (ou o Desenho Urbano, como pre-
ferirem); o último é um subconjunto do primeiro. (SOUZA, 2010,
p. 58-59, grifo do autor.)

O fato de haver um plano urbanístico a priori, uma destinação de espaços


segundo uma setorização bem clara, uma definição de usos e ocupações do
território antes mesmo de a cidade ser implantada e um centro delimitado com
uma função preestabelecida não impediu a seletividade espacial e a valorização
dos espaços do Plano Piloto, características presentes de um modo geral no
processo de metropolização no Brasil.
Nas superquadras de Brasília, a preocupação com as soluções de desenho ur-
bano e com as normas edilícias deveriam qualificar a consolidação dos espaços
de transição e de permanência entre os edifícios, com usos públicos e semipú-
blicos, áreas de contemplação, e ambientes citadinos e administrativos.
Com a vivência cotidiana, verificamos que o descaso com os espaços públi-
cos no Plano Piloto é gritante. Soluções de intervenção de desenho urbano, com
especial carinho voltado à acessibilidade do cidadão, como passeios apropria-
dos, bancos, boa iluminação, bicicletários, ciclovias bem implantadas e manti-
das, opções diversas de mobiliário urbano estimulariam o pleno uso do espaço
público.
E, para incentivar o uso do espaço público, é preciso pensar nos cidadãos que
moram, circulam, estudam, trabalham, consomem, usam e prestam serviços, ex-
põem opiniões coletivamente como sociedade democrática e se divertem em
espaços que devem se apresentar adequados ao lazer, com jardins, quadras de

84
esporte, espaços destinados à contemplação, às trocas, à preservação, à conser-
vação... Ou seja, concretizar o que nos vem em mente quando Lucio Costa des-
creve, em seu relatório do Plano Piloto de Brasília (2014), um espaço vibrante e
pulsante, onde uma dinâmica urbana favorece a vitalidade das áreas da cidade,
regeneradas por pequenas ações e intervenções pontuais listadas nos parâme-
tros de desenho urbano contemporâneo, respeitando os valores históricos de
uma cidade modernista.
Podemos citar diversos exemplos: a renovação urbana em Dublin, impulsio-
nada pela revitalização dos espaços culturais de Temple Bar; o projeto de recu-
peração do Chiado, em Lisboa; e as políticas de recuperação urbana baseadas
em projetos habitacionais, na Holanda e na Inglaterra.
A gestão urbana, amparada nos valores referentes às questões demográficas
em mutação no perfil populacional do Plano Piloto, bem como nas mudanças
das estruturas familiares e dos arranjos sociais, é certamente um dos instrumen-
tos para melhoria e incentivo da qualidade de vida na nossa cidade. Assegurar a
convivência e a diversidade de grupos sociais dentro da superquadra através de
ações que recobrariam a importância histórica de Brasília é um instrumento im-
portante como parte de um entendimento de que se deve favorecer e desenhar
novas possibilidades sobre os significados da vida cotidiana na cidade.
Podemos então situar essa discussão entre duas dimensões aparentemente
contraditórias: a dimensão da concepção ideal, que é amparada pelo Estado no
sentido de ser o agente responsável pela implementação do Plano original da
cidade e pela elaboração e implantação de normas de controle do uso e ocu-
pação do solo; e a dimensão da realidade, em que vários agentes exigem a fle-
xibilização e a atualização das normas, de acordo com o que é vivido, pensado,
sofrido e usufruído no dia a dia.
Brasília é, de maneira muito representativa, o reflexo de um pensamento oti-
mista sobre o futuro e uma expressão de segregação socioespacial sem pre-
cedentes, típica da realidade brasileira. O modelo escolhido por Lucio Costa,
de certa maneira, opunha-se à urbanização tradicional. Marcado por normas
rígidas, esse modelo adotava o controle estatal sobre a posse e o uso da terra
e um plano urbanístico a ser implantado. A meta para a capital era atingir o ta-
manho pré-definido de 500 mil habitantes no ano 2000, e o Estado não só era
proprietário da terra urbana como também detinha o poder sobre a oferta de

85
área para futuras ocupações, consolidando assim uma possibilidade de gerir e
decidir sobre o território de maneira bastante absoluta.
O modelo de gestão fundiária do território, no caso de Brasília, tem, portan-
to, sua origem fundamentada na instituição do monopólio da terra. Os instru-
mentos jurídicos implantados em seguida, como a instituição da Novacap e a
criação das cidades-satélites, contribuíram para consolidar essa ferramenta e
para a segregação e exclusão socioespacial. Além disso, a desapropriação de
todas as terras pertencentes a particulares, em 1967, e a instituição de planos
visando a resguardar o espaço da capital, como o Programa Especial da Região
Geoeconômica de Brasília (Pergeb), em 1975, contribuíram para a criação de
um “bolsão” que visava a proteger a cidade como capital, mas que não reforçava
seu papel como elemento de integração nacional. O Pergeb tinha como uma de
suas premissas “a criação de subcentros polarizadores, como forma de ofertar
serviços e moradia para população regional, evitando-se pressão direta sobre o
equipamento urbano instalado em Brasília.”27
Assim, Brasília surgiu como um grande empreendimento governamental,
com o Estado atuando ao mesmo tempo como agente planejador, agente fi-
nanciador e único proprietário de terras.
A partir do detalhamento e complementação do Plano Piloto de Lucio Costa,
descrito no Decreto nº 10.829/87 – Brasília Revisitada, definindo novas áreas
residenciais no Plano Piloto e nos principais eixos viários e do reconhecimento
de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1987,
procurou-se assegurar o cumprimento dos princípios arquitetônicos e urbanís-
ticos no Plano Piloto, sob forte pressão de demanda por unidades habitacionais.
Dessa maneira, o Estado adota um modelo de gestão que não mais impede
a atuação dos agentes imobiliários no espaço urbano, mas que tenta coibir a
expansão desenfreada promovida pela informalidade e pela ocupação irregular
de terras e aparecimento de loteamentos clandestinos. Ironicamente, a manu-
tenção do padrão de ocupação e uso do solo, pensado inicialmente para a cida-
de, só foi possível dentro dos limites do próprio Plano Piloto; para além dos seus
limites, o aglomerado urbano segue sem qualquer planejamento.

27  CODEPLAN. Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília – PERGEB. Exposição


de Motivos nº 115, junho 1977. Disponível em: http://www.codeplan.df.gov.br/wp-content/up-
loads/2018/03/NT-Regi%C3%A3o-Metropolitana-do-Distrito-Federal-Subs%C3%ADdios-pa-
ra-sua-cria%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 5 jan. 2020.

86
Brasília sempre teve seu processo de gestão urbana caracterizado pelo con-
trole do Estado, burocratizado e centralizado, detendo todo o poder de decisão e
de veto. Um modelo que procurou trabalhar com uma cidade idealizada e irreal,
ignorando o papel dos diversos atores sociais, em particular dos cidadãos mais
fragilizados, como portadores de deficiência física e idosos. A legislação jurídica
respalda todo esse processo, uma vez que restringe o quadro de ocupação fun-
diária de uma maneira que não contribui para a diminuição das irregularidades
na ocupação urbana e nem para a fiscalização e punição, mas acontece muitas
vezes atuando já em instâncias finais, utilizando instrumentos de regularização
para ocupações há muito consolidadas. A esse quadro somam-se a dificuldade
de investimento do Estado e sua própria incapacidade de gerenciamento, agra-
vada por fatores políticos e sucateamento da máquina administrativa.
O processo democrático de gestão urbana atualmente é baseado em uma ló-
gica social muito diferente. O Poder Público local, muito fragmentado, tem difi-
culdade em realizar uma ação integrada na gestão do território. O planejamen-
to urbano, ainda visto como especialidade técnica, tem dificuldade de absorver
o pensamento do cidadão comum e interagir em suas decisões com diversas
camadas da sociedade. E, por fim, uma nova dinâmica operacional, adotando-
-se um modelo participativo, teria forte importância no equilíbrio do processo
de discussão da cidade.
O planejamento eletrônico (e-planning) evoluiu como ferramenta urbanística
na última década, quando novos dispositivos (mapas on line, realidade virtual,
mídias sociais) foram disponibilizadas para a população em geral. Nas palavras
de Almeida (2007, p. 25),
O termo e-planning tornou-se usual neste âmbito, e identificam-
-se diversas aplicações (...), que permitem fortalecer o entendi-
mento e a comunicação de ações e políticas à população, por
meio da divulgação e consultas à legislação, planos e projetos,
pesquisas de opinião, câmaras de discussão, além da votação de
propostas online. Estas propostas podem incluir recursos de co-
municação multimídia (imagens e realidade virtual) como uma
forma mais eficiente de representação da informação de planeja-
mento urbano à sociedade.

O planejamento eletrônico requer uma série de ações preliminares, como


mudanças nos métodos de coleta, armazenamento e análise de dados, uma re-
visão das metodologias de participação pública, novas técnicas de monitora-

87
mento e de avaliação dos processos de evolução urbana e novas considerações
éticas.
Neste caso, além da internet em si, a população se beneficia de uma série de
tecnologias, como redes de sensores, interfaces interativas em espaços públicos
e em celulares.
Como demonstrado anteriormente neste estudo, Nova Iorque já adotou a
participação eletrônica como prática recorrente. Os mapas interativos, além de
serem importantes ferramentas de informação para camadas específicas da po-
pulação, como mães, pais e idosos, também contribuem para pensar a cidade
de forma criativa e construtiva, de maneira inclusiva e participativa.
O conceito de cidades inteligentes, em que as tecnologias digitais são mescla-
das com as infraestruturas tradicionais, permite acompanhar, analisar e plane-
jar a cidade, para melhorar sua eficiência, segurança e qualidade de vida para
todos os cidadãos. Nas cidades inteligentes, de maneira geral, os smartphones
são utilizados para coletar dados dos cidadãos e analisar o comportamento hu-
mano. Para analisar estes dados, é preciso utilizar e explorar técnicas específicas
de mineração de dados (data mining).
Os chamados SIG – Sistemas de Informações Geográficas –, ou GIS, em inglês,
são sistemas implementados em computador que têm como função adquirir,
armazenar, manipular, avaliar e visualizar dados da cidade real sob três aspec-
tos principais: dados geográficos (mapas,) seus atributos (tabelas) e as relações
espaciais entre os elementos (relações topológicas). Em outras palavras, o SIG
vincula elementos com representação espacial (lotes, ruas, edificações, setores
censitários) às suas características não espaciais (proprietário, tipo de pavimen-
tação, tipo de uso, renda média).
A tecnologia de dados georreferenciados – SIG – está disponível no Distrito
Federal através da página da web denominada GeoPortal,28 que reúne infor-
mações de vários órgãos do Governo do Distrito Federal sob o mesmo padrão,
organizados através do sistema de Infraestrutura de Dados Espaciais do Distrito
Federal (IDE/DF). Através do catálogo de ferramentas oferecido, o usuário pode
medir objetos, ativar legendas, acessar fotos aéreas históricas, obter informa-
ções sobre lotes e legislações, instalações de equipamentos públicos, como es-

28  GEOPORTAL. Disponível em: https://www.geoportal.seduh.df.gov.br/mapa/.

88
colas e hospitais, obter informações sobre habitação e regularização fundiária,
acessar documentação urbanística e cartográfica, entre outros.
Figura 21 – Página inicial – GeoPortal

Fonte: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação


do Governo do Distrito Federal, 7/12/2019.

Infelizmente, os SIGs, como o GeoPortal, não são aptos a trabalhar com dados
relativos a prognósticos, o que seria imprescindível na prática do planejamen-
to urbano. Assim, podemos analisar impactos imediatos, mas as consequências
desses impactos nas outras variáveis do sistema não podem ser avaliadas. Só é
possível integrar funcionalidades mais refinadas ao SIG através de modelos ur-
banos. Apesar de ser uma ferramenta de muito valor, o sistema ainda sofre com
males como desatualização, incompletude e instabilidade.
O tombamento torna a cidade um patrimônio arquitetônico único, mas é pre-
ciso equilibrar a tensão entre o que se deve manter e o que pode se transformar,
sem fazer com o que supostamente se pode perder seja um prejuízo coletivo.
Isso tudo dentro de uma esfera crítica consciente e realista, vigorosa como as
intenções descritas por Lucio Costa, que capitanearam sua criação.
Citando Lucio Costa (1995, p. 395),
cabe à inteligência retomar o comando e dar o tom para o esforço
conjunto da orquestra do planejamento urbano. O planejamento
urbano assemelha-se a uma grande orquestra em permanente
execução: ainda que a música não tenha sido escrita por um só
compositor, não prescinde da integração de todos para levar o

89
projeto, ou a obra, a cabo. O esforço conjunto, porém, resulta de
uma única cabeça e de um só coração.

Ainda que possamos considerar um contexto maior, aonde a Unidade de Vi-


zinhança poderia minimizar as carências identificadas nas superquadras, consi-
derando um recorte mais amplo do que o inicialmente estudado, entendeu-se
que a própria distância entre os equipamentos públicos e os prédios residen-
ciais serve como inibidor para parte da população idosa, especialmente a que
tem alguma deficiência motora. A grande área a qual nos referimos dificulta
a apropriação deste espaço pelos mais velhos, restringindo a possibilidade de
uso deste espaço por parte dos habitantes e limitando a extensão das cone-
xões sociais, devido a sua própria escala. Quando se planeja uma área urbana de
grande extensão, determinando atividades que os usuários ali podem desen-
volver, se torna menos provável que se desenvolvam ali atividades espontâneas
que difundem novas relações sociais. O que hoje se considera importante é a
contribuição da sociedade para a vitalidade urbana de determinado local, o que
só pode florescer quando a diversidade e a complexidade cultural acontecem
espontaneamente.
Se olharmos pela ótica dos elementos chave do desenho urbano baseado no
uso do automóvel, entendemos que os modais ativos não foram protagonistas
no planejamento do Plano Piloto de Brasília. A Unidade de Vizinhança, que deve-
ria ser uma unidade residencial autônoma, que abrigaria as necessidades diárias
dos moradores, não se concretizou de maneira total e absoluta – nem mesmo
amadureceu como conceito. Se pensarmos no embasamento teórico original do
termo, a partir dos estudos de Clarence Perry nos anos 1920 , aqui descritos ante-
riormente, entendemos que todas aos deslocamentos necessários neste espaço
ser dariam a pé e seriam realizados em 5 minutos de caminhada.
Os estudos de Perry, entretanto, foram elaborados antes da popularização do
automóvel, e o que podemos verificar atualmente é que o conceito de quadras
auto suficientes é, na realidade, um plano que há muito ficou para trás. A ideia
em si, baseada na segurança e no bem estar nas cidades, pode ser percebida
no núcleo das superquadras: no tamanho do quarteirão, na escala das áreas
comuns, na conectividade viária favorecendo com clareza todos os acessos às
unidades residenciais, na largura das vias, apropriadas para uma área urbana
deste tipo, na baixa densidade habitacional.

90
A superquadra, portanto, é a escala do usuário objeto deste estudo, levando
em conta fatores como habitabilidade, mobilidade e promoção da participa-
ção dos cidadãos. Para se trabalhar em elementos urbanos que impactam na
qualidade de vida do dia a dia dos idosos, a intenção é que os espaços públicos
venham a ser voltados para pessoas, com ênfase na interação, saúde e recrea-
ção em uma escala “micro”. O uso da cidade vai além do deslocamento feito por
modais passivos. Os pedestres com mobilidade reduzida teriam prioridade real.
O conceito de cidades vivas, seguras, confortáveis, sustentáveis, saudáveis
passa pela escala humana – em termos de dimensões. Os locais devem ser aco-
lhedores, e não dispersores; promover encontros, e não dispersar a população;
ter distâncias apropriadas para se caminhar e pedalar.
Em resumo, reverter um quadro que combina uma herança dos princípios de
configuração do movimento moderno, o protagonismo de um Estado burocrá-
tico e autoritário, uma legislação urbanística ineficiente com uma sociedade de
classe média cujos valores ignoram, ampliam e favorecem a segregação socioes-
pacial é tarefa complexa. Os instrumentos iniciais para rompimento desse qua-
dro passam pela participação social, pelo reconhecimento da diversidade social
e urbanística, pela valorização do espaço público e pelo debate democrático.
O exercício da cidadania e o reconhecimento da importância da lógica social
permitem uma reversão do cenário urbano excludente e da falta de urbanidade
– um processo de desenvolvimento urbano mais justo e espacialmente mais rico.

5.2 Principais Atores

5.2.1 A visão de habitantes do Plano Piloto

Em relação aos habitantes mais idosos da superquadra, os dados a seguir de-


monstrados indicam a situação sociodemográfica e características clínico-fun-
cionais, bem como alguns aspectos sobre a percepção pessoal do espaço físico.
Além de dados coletados através de questionários, totalizando 21 respostas,
foram feitas duas entrevistas presenciais, indicando alguns pontos mais sensíveis,
mas de maneira geral, com as mesmas conclusões obtidas nos questionários.

91
Em relação a equipamentos comerciais, a grande maioria gostaria de ter
agências bancárias próximo às suas casas. Agências bancárias, assim como lo-
terias e pequenas quitandas, parecem ser locais de socialização, além de signifi-
carem identidade com a vizinhança, já que grande parte dos idosos conhece há
muitos anos os funcionários que ali trabalham.
Em relação a equipamentos urbanos, a grande maioria utiliza assentos pú-
blicos e praças próximas. Infelizmente, a frequência é muito irregular, o que sig-
nifica que esses espaços, jardins e gramados, tão presentes no urbanismo de
Brasília, são pouco utilizados no dia a dia da população idosa. Quando, no caso
dos entrevistados, se fala em uso dos parques e jardins, a resposta é positiva
quando diz respeito a passeios eventuais rumo a algum destino, como comér-
cio local ou banca de jornais. Descer do seu apartamento para uso do espaço
público, com o objetivo de permanecer algumas horas ao ar livre usufruindo do
espaço livre e aberto é uma atividade que não corresponde à rotina da terceira
idade na superquadra. A maioria gostaria sim, que existissem atividades locais
das quais pudessem participar, como hortas, oficinas de artesanato ou discus-
sões cívico-políticas.
À noite, o uso dos equipamentos públicos é inexistente, porque se somam
à precariedade e falta de manutenção fatores como iluminação insuficiente e
falta de pedestres e moradores nas vizinhanças.
Figura 22 – Calçada e banco, SQS 114

Fonte: Pesquisa da autora, 2019.

92
Nas entrevistas presenciais, grandes contribuições foram feitas por Dona
Sensata, síndica há 15 anos do Bloco G da SQS 108, e de Zilú Dutra, moradora da
Asa Sul desde que chegou a Brasília, na década de 1960.
Dona Sensata se queixa da falta de agentes públicos na conservação da qua-
dra. As iniciativas para reparação e manutenção de áreas próximas ao edifício
são sempre dos moradores, que, neste caso específico, representam um grupo
coeso. Dona Sensata se queixa de problemas pontuais, como poda de árvore e
mau estado das calçadas, bem como de uma casa de abelhas que o Corpo de
Bombeiros se recusa a retirar da árvore em frente ao seu prédio e dos seis ôni-
bus escolares e duas vans que acessam o estacionamento do prédio muito cedo
e utilizam os estacionamentos próximos para aguardar a saída dos alunos – to-
dos do entorno de Brasília, segundo ela. Só utiliza o espaço público eventual-
mente, quando recebe visitas dos netos, e tenta contribuir sempre que possível
com opiniões sobre os equipamentos públicos da quadra. Seu perfil não difere
do coletado na pesquisa: é aposentada, tem quatro filhos e mora com o marido,
também aposentado. Deixou de contribuir, como síndica, com o fundo comum
da prefeitura, por identificar falta de representatividade. Dona Sensata explica
que os brinquedos do parque infantil da quadra foram comprados pelos mora-
dores, mas reclama do fato de ele não ser suficientemente arborizado, e sonha
com um jardim comunitário, a ser construído nos fundos do seu prédio.
Figura 23 – Área de lazer cercada, SQS 108

Fonte: Pesquisa da autora, 2020.

Além de Dona Sensata, Dona Zilú Dutra também expôs sua opinião. Cadei-
rante há muitos anos, viúva e mãe de três filhas, avó de muitos netos, Dona
Zilú reclama da falta de atenção com o portador de necessidades especiais. O

93
estado precário das calçadas e a falta de rampas de acesso, além da existência
de vários desníveis entre um prédio e outro, a impossibilitam de andar despreo-
cupadamente pela quadra. Além disso, perigos como mato alto, buracos, raí-
zes embrenhadas nas calçadas e mangas maduras que se espalham pelo chão
geram insegurança em todos os idosos. Dona Zilú tentou morar com a filha no
Lago Sul, mas sentiu muita solidão e retornou à quadra, onde, segundo ela, os
moradores do prédio se apoiam e convivem entre si, frequentemente, em rodas
de conversa no pilotis do prédio.
Curiosamente, o que se pode observar nos edifícios residenciais, em todas
as superquadras, é o esforço em se delimitarem áreas públicas como sendo de
propriedade dos condomínios. É bastante comum o uso de cercas vivas bai-
xas nos taludes verdes nas “franjas” dos prédios, quase como significando um
“quintal” privativo, cuidado pelos porteiros e jardineiros contratados pelos mo-
radores, representando não um obstáculo visual, mas sim um obstáculo físico,
intransponível para o passante.
Figura 24 – Jardins e cerca viva próximos a edifícios residenciais, SQS 203

Fonte: Pesquisa da autora, 2019.

A segurança é um tema recorrente, e mesmo sem saber citar casos recentes


de roubos, assaltos ou violência, existe um temor de se transitar pela quadra,
especialmente nos espaços entre os prédios residenciais e o comércio. Quando
se pergunta sobre a alternativa de se utilizar esse espaço como complemento
aos edifícios comerciais de maneira a possibilitar seu uso contínuo, durante o
dia e parte da noite, a resposta é que isso iria causar um grande incômodo aos
moradores dos prédios próximos, devido a barulho e música alta.

94
Figura 25 – Área verde entre prédio residencial e comércio local

Fonte: Pesquisa da autora, 2020.

Apesar das observações levantadas, a percepção geral é que, assim como fun-
ciona o pensamento dominante dos moradores de alto poder aquisitivo do Pla-
no Piloto, Lago Sul e Norte, a população procura melhorar seu entorno imediato,
sem, entretanto, se preocupar com o espaço público em geral – as áreas verdes e
coletivas da superquadra, as entrequadras, o uso dos espaços comunitários para
convivência. Quando se fala em uso do espaço público, a grande maioria não o
vê como um objeto apropriado, como uma possibilidade de lazer ou de perma-
nência. Os encontros se dão no pilotis, e o que se pode fazer em relação a me-
lhorias no espaço público diz respeito, no máximo, ao jardim da frente, ou à área
posterior, compartilhada com outro prédio ou com a escola. Os moradores são
felizes em morar em um local lindamente arborizado, muito tranquilo, bucólico
e até poético, mas esse espaço não foi apropriado de maneira abrangente, com
fronteiras ampliadas, com senso inclusivo social e comunitário.
A seguir, a análise dos resultados dos questionários aplicados.

95
Características Sociodemográficas:
Profissão

Sexo

Estado Civil

96
Reside com

Escolaridade

Características Clínico-funcionais

97
Meios de locomoção

Percepção do Espaço Físico:


Obstáculos na superquadra

98
Serviços e comércios mais utilizados

Uso de parques, jardins, áreas verdes

99
Itens importantes na melhoria do espaço público da superquadra

A maioria dos moradores não percebeu nenhuma mudança no espaço urba-


no público das superquadras nos últimos anos. À exceção de reclamações pon-
tuais, que envolvem mais aspectos comportamentais e sociais, como poluição
sonora e visual e aumento da violência, e aspectos de zeladoria pública, como
má conservação e acúmulo de lixo em áreas residuais nos fundos do comércio,
os moradores julgam que o tombamento atuou de maneira positiva nas escalas
residenciais e bucólicas.

100
Classificação do espaço público da superquadra (notas de 0 a 10, sendo 10
ótimo)

Em relação à percepção do espaço físico da superquadra:

• 42,9% consideram arborização e sombreamento ótimos;


• 31,6% julgam como boa ou ótima a proporção entre ruas e edifícios,
entendendo que essa percepção diz respeito à sensação ou não de amplitude;
• 21,1% julgam o grau de segurança da vizinhança satisfatório;
• 28,8% acham bom o conforto acústico (entendido como nível de silêncio e
tranquilidade);
• 40% acham a qualidade do ar ótima;
• 28,6% julgam boas a sinalização viária, a distribuição de postes de iluminação,
as faixas de travessia.

Como espaço aberto para comentar algum tópico relativo à pesquisa, obtive-
mos as seguintes opiniões:

• As pessoas não têm respeito pelos idosos;


• Os carros “invadiram” o espaço do pedestre. Muitos estacionam irregularmente
e não são punidos ou controlados;
• A iluminação noturna é deficiente;
• Queixas relacionadas com segurança pública e risco de quedas em calçadas
malconservadas são recorrentes;
• Não existe percepção em relação à desigualdade social ou possibilidades de
inclusão social quando se mora na superquadra;
• Seria importante avaliar a necessidade de ajustes nos projetos das
superquadras, com vistas à qualidade de vida na terceira idade.

101
Os idosos esperam ser ouvidos nos processos de planejamento da cidade,
como parte de um processo participativo de maneira geral na sociedade civil e
na administração pública.

5.2.2 A visão de gestores públicos

Para compreender os entendimentos, intenções e projetos em curso por parte


do poder público local, o Governo do Distrito Federal, foram feitas duas entrevis-
tas com gestores públicos: Giselle Moll Mascarenhas, atual Secretária Executiva
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH),29 es-
clarece que, a despeito de existirem ações de apoio a grupos específicos econô-
mica e socialmente mais vulneráveis, como mulheres vítimas de violência do-
méstica e grupos de apoio à igualdade de gênero, o Governo do Distrito Federal
não conta com nenhum órgão ou atividade de apoio ao grupo de indivíduos da
terceira idade. Não existe, igualmente, política de assistência ao idoso, como ca-
sas de abrigo ou centros comunitários de apoio à terceira idade.
Recentemente, em meados do ano de 2019, foi criada a Subsecretaria de Po-
líticas para Idosos, que atua principalmente em conjunto com a Secretaria de
Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus-DF), voltada essencialmente ao
amparo legal e a questões de direitos humanos.
Especificamente falando em planejamento urbano, não existe a participação
direta da população da terceira idade como contribuinte do processo de me-
lhoria urbana. Giselle Moll esclarece que os pedidos da comunidade chegam
até a SEDUH através dos prefeitos de quadra, e dizem respeito principalmen-
te à instalação de Pontos de Encontro Comunitários (PEC) nas superquadras. A
análise do pedido é sempre feita por funcionários internos, que recentemente
negaram a instalação de um PEC em uma quadra mais tradicional alegando que
fere o tombamento e a intenção urbanística descrita no plano de Lucio Costa.
A alternativa encontrada seria instalar PECs a cada duas quadras, na área das
entrequadras, e somente nas quadras acima do Eixo Rodoviário, as SQS 100 e

29  Giselle Moll é mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2013); especialista
em Gestão da Conservação do Patrimônio Cultural pelo Centro de Estudos Avançados da Conservação
Integrada, da Universidade Federal de Pernambuco (2004); e em Planejamento Urbano Integrado pela
Agência de Cooperação Internacional do Japão (2001); graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Uni-
versidade de Brasília (1982). Possui experiência em Urbanismo com ênfase em desenho urbano, gestão,
planejamento urbano e preservação do patrimônio cultural com enfoque no conjunto urbano tombado
de Brasília. Membro voluntário da Câmara de Desenvolvimento Urbano do Conselho de Desenvolvi-
mento Econômico e Sustentável do Distrito Federal (Codese-DF); conselheira titular do Conselho de
Arquitetura e Urbanismo Regional Distrito Federal (CAU-DF), eleita para o triênio 2018-2021.

102
SQS 300. Somado à falta de arborização, pois as áreas de entrequadras são cam-
pos abertos, o fato de o deslocamento a pé ser considerável para um indivíduo
acima dos 65 anos tornou o processo inviável do ponto de vista prático. No caso
específico da SQS 108, a comunidade conseguiu a instalação da PEC, que neces-
sita de uma área aproximada de 18 metros quadrados. O calçamento, porém,
foi proibido, pois alega-se que a taxa de permeabilidade da superquadra seria
afetada, no caso de utilização de piso que não o tipo permeável drenante em
placas de concregrama. Esse tipo específico de piso causa grande insegurança
na população que tem limitações motoras.

103
Figura 26 – Ponto de encontro comunitário (PEC), 115 Sul

Fonte: Pesquisa da autora, 2019.

A Secretária gentilmente divide sua experiência de vida: sua família veio para
Brasília em 1964, vinda de São Paulo. Assim como tantas famílias migrantes, sua
história e cultura pertenciam a sua terra de origem, e houve dificuldades de
adaptação. A infância foi, porém, rica no sentido do uso do espaço livre disponí-
vel na superquadra, SQS 406. A cidade ainda se consolidava, e alguns aspectos
socioeconômicos eram menos evidentes à época. Na opinião da Secretária, nem
a sua geração, nem a de seus pais conseguiu se apropriar do espaço público e
saber usá-lo em toda a potencialidade apresentada. Porém, uma nova geração
de interventores urbanos, de quem trataremos a seguir, consegue tomar posse
dos espaços da cidade, através de diversas ações que ficaram evidentes nos úl-
timos anos.
Em relação à gestão pública, ela aponta a necessidade não só de ações de
zeladoria pública, mas também de ações políticas mais efetivas. Não existe, por
exemplo, em novos parcelamentos urbanos, a previsão de imóveis destinados à
terceira idade. Não existem rotas acessíveis claramente delimitadas entre esco-
las e outros equipamentos urbanos, inclusive hospitais públicos e estações de
metrô.
Giselle Moll cita como ações efetivas as iniciativas particulares, especialmen-
te as ligadas a igrejas e instituições religiosas, que abrigam organizações não
governamentais (ONGs) ligadas a ações para a terceira idade. Um caso interes-
sante é a ONG Providência, que atua na Paróquia Nossa Senhora da Divina Pro-
vidência, na quadra 601 Sul, e tem programas como terapia psicoterapêutica
coletiva, dança e biodança, xadrez, aulas de português e informática.

104
A Secretária cita, por fim, o caso da prefeita de San Juan, Porto Rico, Carmem
Yulin Cruz, que comandou as ações de socorro à população após a tragédia do
Furacão Maria, em 2017, que devastou a cidade e provocou um corte de energia
que durou várias semanas. Após verificar o alto índice de mortes dos idosos nos
dias e semanas após o furacão, a prefeita descobriu que essa população mais
vulnerável, que residia em edifícios acima de quatro andares, não conseguia
acessar as ruas, não podia cozinhar, não havia água, não existia acesso a ajuda
humanitária, médica e de alimentos. Não havia possibilidade de qualquer co-
municação. Assim, a prefeita decidiu organizar um grupo de voluntários que,
com o apoio de estudantes de Medicina e Enfermagem da Universidade local,
acessou prédio a prédio da cidade, em busca de pessoas isoladas, especialmen-
te idosas. Acharam o que ela chama “prisões de idosos”: locais onde esses indiví-
duos não podiam se movimentar, em prédios de 14, 15 andares. Os voluntários
começaram a ir com médicos, retirando os idosos e os acomodando em centros
de apoio sêniores, providenciando atendimento especial e evitando a morte
por abandono. A experiência está narrada no vídeo disponível no YouTube, Ca-
minando Hacia Nosotros.30
Com esse exemplo, Giselle Moll exemplifica a importância das ações gover-
namentais, em conjunto com iniciativas pessoais, no sentido de assistir e repen-
sar a cidade e o senso de comunidade em conjunto, o que representa não só a
melhoria da vida dos idosos, mas também uma sociedade mais justa, participa-
tiva e voltada ao próximo.
A administradora Regional do Plano Piloto, Dra. Ilka Teodoro,31 esclarece que
não existem políticas locais em relação à inserção de idosos na sociedade, tanto
do ponto de vista cívico quanto do urbanístico.
Dra. Ilka cita ações que tenta desenvolver, como o Seminário de Apresen-
tação da PDAD e Roda de Conversas sobre Políticas para Idosos(as), que será
agendado para maio de 2020 no auditório da Administração Regional, e alguns
estudos nos quais se baseia para análise de dados relativos à terceira idade no
Distrito Federal, como, por exemplo a pesquisa desenvolvida por Isolda de Araú-

30  Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VFqONQbiOYg. Acesso em: 12 jan. 2020.


31  Ilka Teodoro, advogada, formada pelo UniCEUB, foi orientadora por dez anos do Núcleo de Prática
Jurídica do UniCEUB. Integrou a primeira comissão do advogado iniciante da OAB/DF em 2000 e, em
2013-2014, presidiu a comissão de seleção e a comissão da mulher advogada da Seccional. Integrou
por dois mandatos uma das prefeituras comunitárias da Asa Sul, onde exerceu o cargo de síndica e
presidente de comitê de obras. É administradora Regional do Plano Piloto RA I desde janeiro de 2019.

105
jo Günther,32 do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do De-
senvolvimento da Universidade de Brasília. Nesse trabalho, Günther investiga a
relação entre ambiente de moradia e duas modalidades de controle percebidas
referentes a esforços empreendidos para adaptar o ambiente às próprias neces-
sidades e realizar metas. Foram pesquisados idosos selecionados por cotas de
gênero, residentes em Brasília e com idade entre 60 e 92 anos.
Dra. Ilka, em uma opinião pessoal, indica que diversas quadras do Plano Pilo-
to têm configurações urbanas semelhantes, mas a relação dos moradores com
o poder público difere. Algumas quadras, como as localizadas no quadrilátero
307/107 até 308/108 Sul, têm interlocução difícil e posições bastante difíceis de
serem negociadas. Outras, como a 315 Sul, se organizaram em associações de
moradores bastante ativas, frequentemente dirigidas por aposentados idosos.
Na quadra 105 Norte, por exemplo, a união dos moradores conseguiu viabilizar
a futura construção do parque de cachorros e do galpão de práticas interativas,
junto à praça onde se pratica Tai Chi Chuan já há muitos anos. A administradora
esclarece que consegue identificar uma postura mais participativa e colabora-
tiva nas lideranças comunitárias das quadras da Asa Sul e da ponta da Asa Nor-
te (entre quadras 13 e 16). Ações de melhoria do espaço público muitas vezes
partem da própria comunidade e de associações de comerciantes locais. Como
a configuração das quadras residenciais conversa muito com o espaço dos co-
mércios locais, é natural que se voltem para a melhoria dos espaços de transição
como objeto de melhoria do próprio negócio. Comerciantes donos de restau-
rantes da 404/405 Sul (a chamada “rua dos restaurantes”) se uniram para um
projeto conjunto que envolve gastronomia, sustentabilidade e humanização do
espaço público. Criaram uma lista de intenções com o objetivo de possibilitar
a gestão de resíduos e identificaram a necessidade de criar pequenas praças
e jardins para a comunidade – através de observações e pesquisas, inclusive,
verificaram a grande frequência de clientes idosos e resolveram recuperar cal-
çadas e criar áreas mais sombreadas, com bancos e passeios junto aos blocos
de comércio.
A quadra 113 Sul é a primeira em Brasília a obter o certificado “Lixo Zero”. So-
mente 5,8% do lixo produzido pelos moradores vai para o aterro sanitário. O res-

32  GÜNTHER, Isolda; KHOURY, Hilma T. T. Ambiente de moradia e controle primário para idosos em
Brasília. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/12486/1/ARTIGO_AmbienteMora-
diaControle.pdf. Acesso em: 15 jan. 2020.

106
tante é reciclado e reaproveitado, com o auxílio de cooperativas. Essa iniciativa
envolveu síndicos, prefeitura da superquadra e a administração do Plano Piloto.
A administração procura viabilizar ações nos espaços urbanos voltadas a ter-
ceira idade, como o programa Yoga nas Quadras, com professores voluntários e
um programa de recuperação das calçadas das superquadras, em parceria com
a Novacap. Na opinião da administradora, não faltam opções para se repensar
o uso compartilhado dos espaços construídos nas superquadras. Ela tenta, por
exemplo, sensibilizar as escolas locais para que seus pátios internos e salas de
aulas possam ser usados pela comunidade durante a noite e nos fins de sema-
na, abrigando reuniões para discutir assuntos relacionados à própria quadra,
oficinas de artesanato ou aulas de idioma.
Quanto à segurança, a administradora esclarece que, apesar de Brasília cons-
tar como uma das cidades mais seguras do mundo, a percepção negativa em
relação à segurança pública permanece.
Fica evidente o desejo de contribuir com a qualidade de vida das pessoas
nas cidades através da boa gestão. Temos a oportunidade de transformar as
cidades em uma comunidade mais adequada em termos de inclusão dos ido-
sos, respeito às diferenças e ampliação dos canais democráticos, desde que se
compartilhe a responsabilidade sobre o espaço público, se exerça uma gestão
democrática e haja integração entre a legislação e as formas de implantação
dos planejamentos federal, estadual e distrital.

5.2.3 A visão de interventores urbanos

Muitas ações vêm sendo realizadas, formal ou informalmente, principalmen-


te por iniciativa da população mais jovem, em busca de uma identidade local,
puramente “candanga”, através de movimentos nos espaços públicos da cidade,
sempre sob o viés de inclusão social ou de promoção da cultura local.
Os chamados “interventores urbanos” geralmente são pessoas que procuram
utilizar o espaço urbano da cidade como instrumento de divulgação comercial,
de sociabilização ou de divulgação cultural. Através de convites para vivenciar
a cidade, pelas mídias sociais, os grupos ou indivíduos conectam os espaços
públicos, as pessoas e as ideias.
Para conhecer essas ações, foram realizadas entrevistas com dois agentes pú-
blicos, observação de manifestações artísticas e feiras de produtores rurais e

107
uma visita ao Setor Comercial Sul durante o período da noite, com a intenção de
entender e vivenciar as políticas e resultados desse tipo de intervenção.
Algumas ações são de iniciativa pessoal; outras já se organizam em grupos ou
coletivos. Na SQS 208, por exemplo, um casal de aposentados conseguiu a con-
cessão do espaço antigamente destinado a banca de jornal e decidiu promover
uma roda de choro aos sábados pela manhã. Com sete anos de existência, o
programa hoje já agrega moradores locais e pessoas que vêm de outros bairros,
com o objetivo de escutar a ótima música praticada ali e fazer novas amizades.
Carlos Bastos Valença, 66 anos, é o proprietário da banca. Como fazia parte de
uma escola de choro e não poderia mais frequentar as aulas aos sábados pela
manhã, ele teve a ideia de convidar os músicos para ir até o local, estendendo o
convite aos moradores da quadra. Qualquer pessoa pode tocar um instrumento
ou se arriscar no canto. O local foi batizado como CopacaBanca. A grande maio-
ria dos frequentadores é maior de 50 anos, e a iniciativa começa a render frutos,
como rodas de leitura para crianças ou encontro de idosos e aposentados nos
demais dias da semana, no mesmo local.
Figura 27 – Roda de choro na CopacaBanca, 208 Sul

Fonte: Pesquisa da autora, 2019.

Feiras de alimentos e produtores rurais acontecem com muita frequência na


Asa Sul aos fins de semana. Geralmente locadas nos cinturões verdes das su-
perquadras, as feiras reúnem expositores de frutas e verduras orgânicas, além
de produtos diversos, como queijos, temperos e panificados. Essas feiras têm
virado uma tradição entre os brasilienses, e algumas têm grande participação
da população idosa, como a feira da 309 Sul e da 315 Sul.

108
Figura 28 – Feira de produtos orgânicos, 309 Sul

Fonte: Pesquisa da autora, 2019.

Movimentos como MOB – Ocupe seu Bairro têm promovido ações que se
tornam, aos poucos, parte da rotina do Plano Piloto. Há alguns anos, os inte-
grantes desse movimento e produtoras culturais locais começaram a investir
no uso do espaço público para o lazer da população. Hoje, já conseguimos ver
uma mudança cultural acontecendo, inclusive nas superquadras mais tradicio-
nais do Plano Piloto. Os responsáveis pelo movimento acreditam que ocupar os
espaços verdes da cidade é uma forma de se pensar a coletividade e estimular
o cuidado e o apreço do cidadão com a rua, os jardins e os parques. O MOB
promove ações destinadas a públicos diversos e à convivência intergeracional,
como, por exemplo, piqueniques comunitários, Caminhadas da Joaninha para
atividades de lazer infantis, Bike nos Eixos para promover a mobilidade ativa no
Distrito Federal, Rolê do Biquíni para inclusão feminina na cidade, cinema ao ar
livre e oficinas de máscaras de carnaval.
Figura 29 – Coletivo MOB

Fonte: Correio Braziliense, 11/4/2017.

109
Algumas ações são informais e não precisam de autorização do poder público
local. Outras demandam autorizações da Administração de Brasília, que esclare-
ce que cada espaço difere em relação a certas particularidades dos eventos, não
existindo regra geral em relação à ocupação não permanente de espaços públi-
cos nas entrequadras e superquadras. São analisados pontos como quantidade
de público, impacto sonoro e no trânsito, anuência da comunidade próxima e
as possibilidades de uso do espaço em relação a mobilidade, por exemplo.
Caio Dutra, Raphael Sebba e Phillipe Daher fundaram, em 2016, o Coletivo
Labirinto, com a ideia de repensar o Setor Comercial Sul. Viraram referência na
cidade, quando o assunto é intervenção urbana voltada para a modificação do
espaço público a partir de e voltado à promoção cultural e à integração e mu-
dança social. A ideia é que o Setor Comercial Sul deve ser ocupado durante o
dia e a noite, transformando a visão negativa que o local gera em um primeiro
momento, com ampla participação das minorias sociais que transitam por lá.
Assim, os três começaram a promover festas em locais degradados, como o Bu-
raco do Rato, rua de serviço do Setor Comercial que passa por baixo dos prédios
e até poucos anos atrás era um local perigoso, sujo e mal frequentado. Parte do
dinheiro arrecadado com os eventos é revertido em benefício da comunidade
– ou seja, eles utilizam os espaços e retribuem com melhorias sociais. Essas me-
lhorias são visíveis hoje em dia – muitos grupos se sentiram estimulados a con-
tribuir e distribuem alimentos, o chão da praça central foi recuperado e pintado,
existem aulas coletivas de yoga para pessoas em situação de rua, um grupo pro-
videncia corte de cabelo e distribui itens de higiene pessoal para viciados, exis-
tem palestras de orientação de princípios de saúde e cuidados pessoais para
travestis, uma horta comunitária foi criada e é mantida em parceria com a ONG
Aroeira. As ações sempre incluem os moradores de rua. Foram criados tours a pé
e de bicicleta, com moradores de rua como guias, treinados pelo movimento;
alguns ex-moradores de rua prestam serviços de office-boy e atuam na limpe-
za e organização pós-eventos. A remuneração é simbólica, mas a sensação de
inclusão social é imensa e importantíssima para a autoestima desses cidadãos.
Como era necessário interagir com os moradores de rua e outras minorias,
como prostitutas e travestis, os integrantes do coletivo sentiram a necessida-
de de se fazerem representar por um integrante desse mundo, conhecedor das
dificuldades e problemas existentes no dia a dia da população mais vulnerável.
Rogerio Soares, o Barba, foi criado em orfanatos e morou na rua, convivendo

110
com o vício em crack na maior parte da sua vida adulta. Morava no Buraco do
Rato até ser resgatado por uma ONG, que o ajudou a largar as drogas e a se
reposicionar como representante social e cultural da população local do Setor
Comercial Sul. Hoje, Barba trabalha em conjunto com o Coletivo Labirinto, re-
batizado de Instituto do Setor Comercial Sul. Segundo Caio Dutra, eles são pro-
curados por diversas entidades, grupos culturais e até representantes comuni-
tários, interessados em inclusão social como ferramenta para modificação da
comunidade – em especial, para a transformação do espaço urbano.
A transformação do espaço público é evidente e estimulante. Andando por
lá à noite, com uma inesperada sensação de segurança, podemos ver bares em
funcionamento até mais tarde e público diverso, rodas de samba, abertura de
novos espaços culturais, boates e painéis de grafite configurando um novo e
contemporâneo espaço urbano.
Figura 30 – Coletivo Instituto do Setor, Caio Dutra e Barba

Fonte: Pesquisa da autora, 2020.

Áreas culturalmente marginalizadas ou carentes de equipamentos públicos e


culturais tradicionais podem e devem abrigar essa forma de intervenção, resul-
tando em uma apropriação espacial para locais anteriormente projetados para
outras funções, como as áreas verdes centrais das superquadras. A importância
de espaços vazios no contexto urbano da cidade é enorme, tendo em vista que
é nesses lugares que atividades espontâneas e não planejadas se formam e se
organizam, uma vez que nesses espaços não existe uso fixo ou pré-determi-
nado. Os chamados “espaços soltos”, ou espaços residuais urbanos, são muitos
na nossa cidade; inegavelmente, ressignificar esses lugares traz vida ao espaço

111
público, e geralmente, surge como iniciativa dos habitantes locais em resposta
às suas reais necessidades.
Em uma cidade como Brasília, marcada pela diversidade cultural dos habi-
tantes e pela desigualdade social, incentivar a apropriação dos espaços pela
população é tarefa essencial no campo do urbanismo. Evitando tanto o dese-
quilíbrio em termos de mobilidade urbana e na distribuição dos equipamentos
e serviços públicos, notamos que é possível sim, muitas vezes por iniciativa de
ações culturais, utilizar recursos criativos para a criação de espaços vivos, ricos
em trocas sociais, e inclusivos.

5.3 Ensaio Projetual

A partir de tudo o que foi estudado e pesquisado, chega-se à conclusão de


que a apropriação sociocultural do espaço urbano da superquadra é a chave
para a melhoria na relação entre o idoso e a cidade que habita. As soluções, em
primeiro plano, passam por oferecer oportunidades para o desenvolvimento
de atividades diversas, em espaços projetados talvez para outras funções, mas
que hoje oferecem uma oportunidade de fortalecimento social para inclusão e
incentivo cívico desse grupo em franco crescimento no Plano Piloto – os idosos.
A maior parte das atividades ligadas ao desenvolvimento pessoal, ao comba-
te ao isolamento e à apropriação do espaço público passa por formas de lazer,
cultura, entretenimento, de expressão de cidadania e de interação social, que
hoje se encontram fora da rotina diária e estável das pessoas idosas. Por meio
da diversidade e multiplicidade dos atores urbanos, os espaços devem e podem
convidar, dentro da autenticidade que podem promover, práticas locais de so-
ciabilidade e a expressão de identidades culturais.
Para tanto, utilizando como exemplo uma superquadra qualquer da Asa Sul,
já que, de acordo com o embasamento teórico aqui apresentado, não se pode
identificar uma população idosa maior ou menor em determinada quadra, par-
tiu-se para a sugestão de sete cenários diferentes, apresentados aqui como dia-
gramas e não como projeto, que podem ser aplicados indistintamente, em par-
tes ou em sua totalidade, no sentido de atender às demandas identificadas na
população da terceira idade. Todas as atividades aqui descritas só seriam possí-

112
veis com a ajuda de voluntários, jovens, adultos e crianças, promovendo grande
interação intergeracional, e com apoio do poder público local.
São elas:
Figura 31 – Intervenções – Cenários sugeridos

Fonte: A autora, 2020.

Cenário 1: Ponto de Encontro e Inclusão Social


Localizado na entrada da quadra, é um ponto de encontro e organização de
atividades culturais externas ao espaço da superquadra. Serviria, por exemplo,
para o encontro e chegada/partida de grupos que se organizarem para assistir
a uma peça de teatro ou uma sessão de cinema. Além disso, seria um espa-
ço dotado de alguns quiosques que poderiam servir como apoio para grupos
de voluntários interessados em interagir com a população da quadra como um
todo e promover ações internas ou externas relacionadas a aspectos de socia-
bilização e culturais.

113
Figura 32 – Cenário 1 – Ponto de Encontro e Inclusão Social

Fonte: A autora, 2020.

Cenário 2: Praça de Participação Cívica


Seria um espaço de interação, com o intuito de, especialmente, fomentar a
participação cidadã e o engajamento cívico do segmento populacional dos ido-
sos, sem necessariamente significar a exclusão de nenhum outro grupo – é um
espaço democrático, a ágora.
A participação pode se dar através de redes sociais, grupos de discussão ou
reuniões presenciais com grupos comunitários, coletivos, prefeituras e repre-
sentantes do governo. Este grupo teria a oportunidade de se fazer presente
diretamente nos conselhos de política pública da cidade, na medida em que
teriam um espaço destinado à relação entre o cidadão e as instituições, repre-
sentados por uma estrutura consultiva com representantes seniores.

114
Figura 33 – Cenário 2 – Praça da Participação Cívica

Fonte: A autora, 2020.

Cenário 3: Praça de Feiras e Oficinas


Representa um espaço para as manifestações espontâneas da comunidade.
Feiras de artesanato, de alimentos, de troca, de livros, de flores e outras repre-
sentam um importante espaço de convivência. A rede de sociabilidade tecida
entre expositores e compradores significa troca de saberes, fazeres, estratégias
e experiências de vida. Assim como as feiras, as oficinas que podem ser realiza-
das ao ar livre e são um convite a alguns momentos ao ar livre, evitando o con-
finamento e promovendo a troca de conhecimentos e de ideias.
Figura 34 – Cenário 3 – Praça de Feiras e Oficinas

Fonte: A autora, 2020.

115
Cenário 4: Praça de Artesanato e Trabalhos Manuais
Trabalhos manuais, como descritos anteriormente neste trabalho, são ferra-
mentas úteis para evitar e tratar doenças degenerativas. A arte estimula a criati-
vidade e faz com que o idoso exponha ideias e aptidões, ajudando a exercitar a
mente. Corte, costura, tricô, trabalhos em madeira, colagem são atividades pro-
pícias a evitar fatores agravantes da demência, por exemplo; são importantes
recursos terapêuticos, além de estimular a interação social, evitando a solidão.
Figura 35 – Cenário 4 – Praça de Artesanato e Trabalhos Manuais

Fonte: A autora, 2020.

Cenário 5: Praça de Leitura e Histórias


Como visto nas entrevistas, o espaço do pilotis é importantíssimo para a in-
teração social e possibilita novos contatos e amizades. A criação de um espaço
mais resguardado, arborizado, seguro e destinado a conversas, leitura, troca de
memórias e resgate de histórias é essencial para a melhoria da qualidade de
vida na terceira idade. Muitos idosos precisam ser ouvidos e gostariam de um
espaço que estimulasse a possibilidade de se desenvolverem como ator prin-
cipal da cultura oral, e também como agente detentor da memória da cidade.
As lembranças e recordações também contribuem para a capacidade de ra-
ciocínio, atenção e percepção.
Recordar histórias, no caso da população idosa, é essencial e gratificante.

116
Figura 36 – Cenário 5 – Praça de Leitura e Histórias

Fonte: A autora, 2020.

Cenário 6: Horta Comunitária – Centro de Voluntários e Inclusão Social


Este espaço seria criado especialmente para proporcionar uma atividade in-
terdisciplinar, com o objetivo de trabalhar uma horta comunitária como espaço
de cultivo, uma interface do incentivo ao consumo de hortaliças convencionais
e não convencionais e estimular a convivência por meio das relações sociais
entre especialistas e idosos. A ideia é contar com a contribuição direta da socie-
dade, seja através do voluntariado, seja através de contribuições de insumos,
ou do consumo direto. Além disso, seriam sugeridas ações de inclusão social,
contando com moradores de rua que frequentam as proximidades daquela de-
terminada superquadra, trabalhando em conjunto em atividades de preparo,
cultivo e colheita. A localização próxima a escolas também proporcionaria a
participação de estudantes, professores e auxiliares.
A troca de conhecimento entre especialistas, contatados através de ONGs
(como a Aroeira, que desenvolve este trabalho no Setor Comercial Sul) aumen-
taria a autoestima, na medida em que valoriza os idosos e estimula a troca de
informações e de experiências pessoais. A própria atividade melhoraria a dis-
posição física dos idosos, a exemplo do que foi feito no Japão, com o programa
Jardineiros Intergeracionais, citado aqui anteriormente.

117
Figura 37 – Cenário 6 – Horta Comunitária

Fonte: A autora, 2020.

Cenário 7: Praças de Jogos e Diversão


O espaço visa à inclusão social do idoso por meio da relação intergeracional
e propõe a proximidade entre equipamentos de lazer destinados a crianças e a
adultos.
Seria um ponto de encontro entre diferentes gerações, interligados por te-
mas que dizem respeito a diversão e jogos.
Em determinado local, um playground interativo com um amplo banco, para
crianças, pais e avós, amplamente arborizado, poderia contar inclusive com um
PEC voltado para a terceira idade. Pergolados permitiriam sombra adequada
para mesas fixas de jogos, como damas e xadrez. Outro pergolado, mais afasta-
do, poderia ser local para atividades que demandam mais concentração, como
jogos de tabuleiro e de cartas.
Por fim, uma fonte seca seria um local de diversão para as crianças da super-
quadra e também das escolas locais.

118
Figura 38 – Cenário 7 – Praças de Jogos e Diversão

Fonte: A autora, 2020.

O espaço público pode e deve combater o isolamento e o esvaziamento de


relações sociais. O isolamento está na esfera do social e destrói a capacidade
política, a faculdade de agir, promovendo o desenraizamento, que destrói rami-
ficações sociais.
Nesse caso, promover o espaço público compartilhado entre diferentes gera-
ções, especialmente as crianças, significa possibilitar um mundo compartilhado
de significações, a partir do qual cada ação e cada palavra podem ser reconhe-
cidas como algo cheio de sentido e de eficácia na construção de uma história
comum.
Figura 39 – Intervenções – Mapa geral sugerido  

119
Fonte: A autora, 2020.

Podemos identificar neste ensaio projetual, alguns pontos chave que ten-
tamos atingir: promover a segurança, através da criação de espaços de uso
flexível, que podem ser utilizados em diferentes horários do dia, como ponto
de encontro e como locais de promoção de atividades culturais, como saraus,
apresentações diversas, encontros literários e outros; promover a saúde e o bem
estar, através da criação de áreas que promovem a convivência intergeracional
(como o espaço de lazer) e atividades ao ar livre, como a horta comunitária;
promover a autonomia, através de ações mais especificas de zeladoria, como o
cuidado com calçadas, manutenção e complementação de faixas de pedestres,
incentivo de atividades externas para gerar vitalidade urbana – como as feiras
e oficinas de artesanato. Por fim, promover a conectividade social, evitar o iso-
lamento, criar espaços atrativos que promovam várias atividades de diferentes
tipos, lazer, de troca, comerciais, físicas, culturais, atividades cívicas. Promover a
vitalidade urbana.
Um importante fator para promover a velhice ativa passa por traçar estra-
tégias de ativação de espaços públicos. Criar passeios e espaços abertos que

120
estimulam interações entre pessoas, conectando-as e convidando-as a um per-
curso mais vivo e interessante, quando se descolam pela área pública das su-
perquadras.
O desenho urbano deve ser pensando em uma escala humana, em detalhes
perceptíveis ao usuário que cruza a cidade a pé. A cidade deve ter um significa-
do: o senso de “pertencimento”, fortalecendo uma conexão das pessoas com o
ambiente urbano. Quanto maior a sensação de “pertencimento”, maior a vonta-
de e a preocupação das pessoas em cuidar desses espaços compartilhados. A
escala residencial vai se tornando melhor, mais acessível e caminhável, e esta
ação parte da vontade coletiva da sociedade, da comunidade – o espaço co-
mum é nosso.

121
Considerações finais

Para embasar essas considerações finais, vale lembrar que a presente disser-
tação lançou a seguinte pergunta: será que o espaço público do Plano Piloto
está preparado para acompanhar as necessidades de uma população local que
envelhece rapidamente? Se não, quanto dessa inadequação se deve ao dese-
nho urbano modernista? Se sim, quanto disso se deve à própria apropriação do
espaço, e quanto à gestão pública? E quanto disto contribui efetivamente para
a democratização do direito à cidade e ao equilíbrio social?
Antes mesmo do questionamento central, o trabalho se inicia com a consta-
tação de que a população mundial está envelhecendo a um ritmo sem prece-
dentes – e em 2050, 17% dos habitantes do planeta terão mais de 65 anos. Hoje
essa proporção é de 8,5%. Em resumo, a maioria das pessoas hoje pode esperar
viver além dos 60 anos. As consequências, principalmente para os sistemas de
saúde e também para o planejamento urbano, serão profundas.
Os países lançam estratégias para alcançar meios de embasar conceitos de
envelhecimento ativo, saudável, cidadão e sustentável. Hoje, não existe um ido-
so “típico”. A diversidade das capacidades e necessidades do indivíduo da ter-
ceira idade é decorrente de eventos que ocorrem ao longo de todo o curso de
vida, incorporando fatores sociais específicos e aumentando o enfoque neces-
sário nos ciclos de vida para se entender o processo de envelhecimento. Nesse
cenário, políticas para desenvolver estratagemas do chamado “envelhecimento
ativo” criam processos de otimização das oportunidades de saúde, participação
cívica e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida
que as pessoas ficam mais velhas. A palavra ativo refere-se à participação contí-
nua nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis, e não somen-
te à capacidade de estar fisicamente ativo ou de fazer parte da força de trabalho
(World Health Organization, 2005).
O discurso do envelhecimento ativo (DEBERT, 1999, p. 230) “transforma o di-
reito de escolha num dever” de todo cidadão. No entanto, essa escolha deveria
ser distribuída igualmente entre a população, ao contrário dos recursos, sejam
públicos, sejam privados, exigidos para o seu exercício.
Na verdade, o conceito de envelhecimento ativo no Brasil foi estabelecido
através de uma pretensão econômica bastante ilusória, que nunca encontrou

122
reflexo em políticas públicas municipais ou federais, com exceção de algumas
tentativas tímidas de inserção dos idosos no mercado de trabalho, sem que isso
significasse a construção de uma imagem inclusiva e participativa na sociedade.
O que significa, portanto, envelhecer na cidade? Hoje, esta questão envol-
ve diversas especialidades – área médica, área psicossocial, área política, área
econômica, fatores comportamentais e pessoais, entre outros. E passa muito
intimamente sobre as relações dos indivíduos com o espaço físico. O problema
principal aqui apresentado, portanto, é uma reflexão sobre como as ferramen-
tas de desenho e de planejamento que podem favorecer uma velhice saudável
e ativa, autônoma e independente, através de um meio urbano dotado de es-
truturas e interações entre modais passivos e ativos, evitando o isolamento atra-
vés de espaços públicos ativados, promovendo a longevidade saudável através
de conexões sociais.
Uma questão complexa, porém, uma cidade é um organismo vivo que en-
frenta vários desafios ao mesmo tempo. O rápido crescimento urbano, que pro-
voca a gentrificação; o desafio demográfico e a questão da melhoria da qualida-
de de vida estão ligados de maneira definitiva.
A segunda parte do questionamento procura entender e contextualizar a
análise do período moderno sob o viés do planejamento urbano derivado de
reflexões, teorias e práticas comuns naquele momento histórico, qual seja, a dé-
cada de 1950-1960. De um lado, o urbanismo moderno, calcado no conceito de
zoneamento das quatro funções urbanas – habitar, trabalhar, recrear e circular
–, no funcionalismo, no modelo de ocupação de território tipo polinuclear, fun-
damentado por uma ocupação edilícia intercalada com grandes vazios entre os
núcleos urbanos, no poder público como único responsável pelo uso, ocupação
e oferta de solo, nos grandes e pretensiosos projetos urbanos, e tendo como
ponto de partida uma tabula rasa, propício para desenvolver um desenho urba-
no que possibilite controlar o crescimento e a expansão urbana de maneira cen-
tralizadora, por meio de ferramentas rígidas de organização e de planejamento.
Por outro lado, a gestão urbana e o planejamento estratégico comumente
levam em conta o chamado “urbanismo de mercado”, a competitividade entre
cidades, o interesse privado associado ao público, em projetos urbanos pon-
tuais identificados no tecido urbano fragmentado, na revitalização e requali-
ficação urbana, na regularização fundiária pós-ocupações irregulares, na falta
de fiscalização efetiva, em descentralizar o crescimento urbano incentivado e

123
na promoção de adensamento urbano – cidades mais compactas. No cenário
da nossa cidade, soma-se a isso a obtenção do título de Patrimônio Cultural da
Humanidade, concedido pela Unesco em 1987. Como fazer, dentro de tantas e
confusas premissas, com que a cidade efetivamente não rompa com nenhuma
das qualificações que a transformaram em Patrimônio Cultural da Humanidade,
sob os conceitos do urbanismo moderno, e que ao mesmo tempo não se torne
uma cidade congelada, engessada em um tempo remoto, impossibilitada de se
modernizar e atender às demandas de uma nova sociedade, mais tecnológica e
menos sociável?
No recorte relativo ao tema desta pesquisa, outro questionamento, mais es-
pecifico, se apresenta: estaria o Plano Piloto preparado para o desafio de aco-
lher de forma autônoma e sustentável os cidadãos de terceira idade? Pelo que
foi visto em termos de pesquisa e entrevistas, não. Existe, sim, o inicio de uma
conscientização do poder público e uma organização melhor de parte da socie-
dade em busca de uma qualidade de vida voltada aos cidadão : muitas ideias,
ações pontuais, iniciativas privadas. Como tudo no que diz respeito ao desenho
urbanista da superquadra é muito polêmico, intervenções físicas no meio urba-
no parecem ser difíceis de serem implantadas.
O respeito ao desenho modernista formalizado no plano de Lucio Costa, nes-
te sentido, parece imobilizar iniciativas que podem ser consideradas simples
do ponto de vista do planejamento urbano – como, por exemplo, a inclusão
de mobiliário urbano e possibilitar o uso mais diversificado de equipamentos
públicos, como escolas e praças. Como qualquer cidade do mundo, a estrutura
deve ser acolhedora, para que se evite o isolamento amedrontado, a inatividade
e a exclusão social. Uma cidade “tradicional” (no sentido mais amplo do concei-
to) oferece, por si só, espaços de encontro mais convencionais – praças, esqui-
nas, quarteirões, diversidade, vizinhanças ortogonais. No caso da superquadra,
dois fatores importantes já estão presentes para promover a velhice ativa: gran-
des áreas verdes e grandes espaços públicos que podem ser compartilhados. O
que poderia ser feito para melhorar uma cidade como Brasilia, tendo em vista
a terceira idade? O mesmo que pode ser feito em qualquer cidade do mundo:
incentivar a permanência dos idosos no meio urbano no qual tem familiarida-
de, promover pequenas ações que facilitariam a melhoria das relações destes
indivíduos com o espaço urbano: instalação de sinais táteis, pisos diferenciados
e apropriados nas escadas e rampas; retirada de obstáculos do percurso dos

124
pedestres, sejam eles quais forem; instalação de bancos e mobiliário urbano
adaptados inclusive a quem tem algum tipo de deficiência motora; manuten-
ção de calçadas, cuidados com os jardins, especialmente no cinturão verde que
circunda a superquadra, manutenção de faixas de travessia de pedestres, redu-
ção da velocidade na parte interna da superquadra.
Uma linha de raciocínio foi encontrada após ouvir os principais atores des-
se processo: os moradores idosos, os gestores urbanos e, por fim, os interven-
tores urbanos, estes últimos incorporados ao assunto após esta pesquisa ter
identificado, tanto aqui como em tantas outras cidades do mundo, vivências e
coletivos locais muito ativos na tentativa de transformação social e urbana, e
reconhecido a importância desse tipo de agente e de ação nas grandes cidades
de um novo mundo globalizado.
Levando-se em conta a opinião direta dos interessados quanto ao espaço
físico existente, no caso os moradores, especificamente a população acima de
65 anos, verificou-se que há ampla insatisfação com os elementos do espaço
urbano de circulação, em termos de conforto, seguridade, continuidade e se-
gurança, em particular no que diz respeito a desníveis e obstáculos observados
nas calçadas, assim como com a iluminação deficiente. Os idosos, com suas ca-
racterísticas e dentre tantos sujeitos urbanos, percebem as limitações de acessi-
bilidade e de mobilidade urbana no espaço por onde circulam para exercer suas
atividades cotidianas.
Assim, considerando o envelhecimento populacional no Plano Piloto de Bra-
sília, mais especificamente na Asa Sul, verifica-se o aumento de barreiras arqui-
tetônicas e urbanísticas que comprometem o deslocamento do idoso no espa-
ço urbano de circulação e colocam em risco a sua integridade física. Premissa
obrigatória é a eliminação de tais barreiras, a fim de possibilitar a construção de
uma sociedade inclusiva, que permita ao idoso se deslocar com autonomia e
segurança.
Outra questão importante se relaciona a respeito e inclusão social. Aparecem
também como necessidades imperativas: participação cívica, possibilidades de
comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde, atividades
culturais e locais de lazer. A cultura do envelhecimento é a cultura da solidarie-
dade, que deve ocorrer entre ricos e pobres, entre público e privado, entre re-
giões, entre culturas. E, acima de tudo, a solidariedade deve ocorrer entre jovens
e idosos.

125
A cidade é um ser vivo, que se transforma a cada segundo e que possui fun-
ções variadas, construídas por diversos indivíduos e em uma velocidade imper-
ceptível. A morfologia urbana, portanto, se transforma de maneira espontânea,
não controlada. O plano da nossa cidade, porém, é controlado e rigidamente
contido dentro de conceitos inovadores à época, os quais previam, em um futu-
ro distante, um panorama social e operacional que nunca se tornou realidade.
A transformação desses espaços se dá pela ação dos indivíduos. Os usos tem-
porários dos espaços soltos pelas superquadras possibilitam a produção de cul-
tura, arte e lazer, e potencializam a vitalidade urbana que tanto foi desejada por
Lucio Costa. As pessoas devem se apropriar do espaço urbano, de maneira a
relaxar, observar, celebrar e trocar experiências em locais marcados pela falta de
cuidado dos agentes públicos.
E foi o que se constatou nesta dissertação: a surpreendente mudança que
ocorre, de maneira muitas vezes silenciosa, nos espaços públicos urbanos do
Plano Piloto, promovidas por uma nova geração, dinâmica, entusiasmada e, aci-
ma de tudo, apaixonada pela própria cidade, que se apodera de instrumentos
de inclusão social e de elementos culturais para inspirar novas formas de se apli-
carem políticas urbanas. Ao despertar, em pequenas ações e coletivos, as po-
tencialidades de locais pouco explorados ou degradados e vazios, incentivam
novas formas de pensar e de revitalizar regiões marginalizadas ou subutilizadas
da cidade, contribuindo para o exercício do direito à participação, à apropriação
e à transformação do espaço urbano, de maneira fundamentalmente igual ao
que pregava Henri Lefèbvre (2004), para a conquista do direito a cidade.
Como essas ações, em sua maioria, são voltadas para a inclusão da popula-
ção mais vulnerável, socialmente falando, e tratam dessa inclusão nas esferas e
escalas mais diversas, como as escalas do indivíduo, do grupo, do cidadão, da
sociedade, da escala do pedestre, do privado, do público, entendem-se os be-
nefícios que isso traz especificamente para a população mais idosa. Conclui-se,
daí, a importância dos movimentos sociais no sentido de preservar um dos bens
mais preciosos da humanidade: a diversidade. O espaço urbano pode, e deve,
ser cenário para esse tipo de iniciativa inclusiva socialmente e integrativa sob
vários aspectos, inclusive ponto de vista intergeracional.
Também é importante debater o papel e a responsabilidade técnica dos
agentes públicos na modificação e na apropriação do espaço público do Plano
Piloto. A sensibilidade ao tema e a capacidade técnica desses agentes em lidar

126
com iniciativas sociais espontâneas apresentaram uma melhora significativa
nos últimos anos. Contudo, infelizmente, os agentes públicos ainda não conver-
sam entre si e não possuem autonomia suficiente, e o desenvolvimento de pla-
nos e projetos ainda compete mais ao setor privado ou à participação coletiva
da sociedade, que parece ter menor capacidade institucional. Cabe questionar
qual seria a viabilidade de se reformularem os papéis desses agentes para orien-
tar sua atuação, de forma a apoiar e incorporar o desenvolvimento de planos e
projetos voltados à população idosa como elemento de transformação do es-
paço urbano, promovidos por órgãos públicos em conjunto com atores priva-
dos. Nesse sentido, a formalização da representatividade da população idosa
e dos mais vulneráveis, como crianças e portadores de necessidades especiais,
aparenta ser uma alternativa importante a ser explorada.
Posteriormente, a proposta de intervenções urbanas pontuais apresentada
como um “ensaio projetual”, pois se trata de diagrama, e não de estudo pre-
liminar, procura demonstrar a aplicação de pequenas ações, dentro dos con-
ceitos defendidos através de diretrizes e estratégias de transformação urbana
voltados à necessidade da terceira idade, com base na ideia de autonomia e
independência, saúde e bem-estar, conectividade social e segurança, descri-
tas nesta dissertação como os quatro pontos-chave para que uma cidade seja
amigável aos idosos. Nesse contexto, foi desenvolvido esse diagrama com sete
cenários que podem ser aplicados, em sua totalidade ou não, em locais a serem
determinados pela população da superquadra, como espaços importantes para
a reconstrução da cidadania e o estabelecimento de novos laços culturais.
Ainda que o próprio conceito da velhice seja flexível, pois é marcado por vá-
rias definições sobre as diversas formas de envelhecimento, que dependem de
gênero, classe social, educação, identidade cultural, parâmetros sociais e outros,
o que deve existir é a valorização de espaços urbanos, coletivos e sociais, em de-
trimento dos espaços domésticos, a fim de possibilitar uma velhice rejuvenes-
cida, que se beneficiaria de projetos e serviços de lazer, novos grupos sociais,
programas culturais e várias outras formas de interação social.
A interação e a contribuição positiva de arquitetos e planejadores urbanos,
obviamente sempre em conjunto com a população, governantes, líderes co-
munitários, interventores, agentes da cultura popular e os diversos atores que
ocupam o espaço urbano é a chave para a mudança. A maneira como a cidade
de Brasília, mais especificamente o Plano Piloto, é administrado, a infraestrutu-

127
ra existente, os serviços que estão disponíveis e os espaços construídos são os
principais fatores para reflexão, na medida em que podemos pensar em possí-
veis contribuições para um sistema mais inclusivo e resiliente, com nossas co-
munidades integradas ao processo de envelhecimento.
Cabe a nós, habitantes da cidade, profissionais, estudantes e cidadãos, tratar
os aspectos físicos e plausíveis da questão, entendendo como o espaço urbano
pode se modificar por meio da aplicação de ações espontâneas e de um pla-
nejamento proativo, voltado a uma população idosa que, ao ser beneficiada,
beneficia também a toda uma comunidade, amparada por uma política urbana
justa e democrática.
Assim como a cidade contemporânea, o desenho urbano atual não pode ser
linear e se apoiar em uma ou outra teoria. A complexidade das cidades faz com
que o exercício do projeto seja baseado no reconhecimento das frequentes mu-
tações ocorridas na sociedade; na esfera urbana contemporânea, o projeto não
é mais um rígido ordenamento do território, um desenho final, e sim um veículo
para viabilizar transformações.

128
Referências

ACRÓPOLE. São Paulo, ano 22, n. 256, fev. 1960. Disponível em: http://www.
acropole.fau.usp.br. Acesso em: 7 jul. 2018.
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Tradução Suzana Gontijo. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.

135
Anexos

ANEXO A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O DESENHO URBANO E O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL:
REFLEXÕES SOBRE O PLANO PILOTO DE BRASÍLIA
Responsável: Maria Eduarda Vasconcelos de Almeida
Número do CAAE: 07073519,0,0000,0023
Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa. Este documento,
chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus di-
reitos como participante da pesquisa e é elaborado em duas vias, assinadas e
rubricadas pelo pesquisador e pelo participante/responsável legal, sendo que
uma via deverá ficar com você e outra com o pesquisador.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dú-
vidas. Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá
esclarecê-las com o pesquisador. Se preferir, pode levar este Termo para casa e
consultar seus familiares ou outras pessoas antes de decidir participar. Não ha-
verá nenhum tipo de penalização ou prejuízo se você não aceitar participar ou
retirar sua autorização em qualquer momento.
Justificativa e objetivos:
Esclarecer, em linguagem clara e acessível ao participante da pesquisa, a jus-
tificativa e os objetivos do estudo.
Procedimentos:
Preenchimento de questionário.
Observações:
Este questionário foi elaborado de maneira a tornar fácil e compreensível o
objetivo da pesquisa. Ele será entregue impresso, de maneira a possibilitar seu
preenchimento no local e no tempo que o entrevistado determinar. Nesse sen-
tido, estimamos que o tempo necessário para preenchimento das respostas não
leve mais do que 10 minutos. No caso de entrevistas presenciais, as mesmas não
serão gravadas ou armazenadas.

136
Desconfortos e riscos:
A pesquisa não apresenta riscos previsíveis.
Mas você não deve participar deste estudo se:
Se sentir desconfortável em responder quaisquer das perguntas aqui apre-
sentadas;
Sentir discriminação ou possibilidade de estigmatização a partir do conteú-
do apresentado;
Sentir que as questões abordam assuntos sensíveis relativos a intimidade do
sujeito.
Benefícios:
Essa pesquisa tem como objetivo fundamentar um exercício acadêmico que
visa identificar e aplicar no desenho urbano da Super Quadra do Plano Piloto
de Brasília elementos que melhorem a vida, a mobilidade e a sociabilidade da
população idosa. Essas ações visam uma melhora a longo termo do uso e da
vivência dos espaços públicos, de maneira a beneficiar toda a comunidade.
Acompanhamento e assistência:
Você tem o direito à assistência integral e gratuita devido a possíveis danos
diretos e indiretos, imediatos e tardios, provocados por esta pesquisa, pelo tem-
po que for necessário.
O participante terá direito ao acesso aos resultados da pesquisa, sempre que
solicitado.
Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhu-
ma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de
pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será
citado.
Contato:
Em caso de dúvidas sobre a pesquisa, você poderá entrar em contato com o
pesquisador responsável:
Maria Eduarda Vasconcelos de Almeida
E-mail: [email protected]

137
Celular/Whatsapp: (61) 98131-1530
Em caso de denúncias ou reclamações sobre sua participação e sobre ques-
tões éticas do estudo, você poderá entrar em contato com a secretaria do Comi-
tê de Ética em Pesquisa (CEP) da UniCEUB pelo telefone (61) 3966-1511.
O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
O papel do CEP é avaliar e acompanhar os aspectos éticos de todas as pes-
quisas envolvendo seres humanos. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP) tem por objetivo desenvolver a regulamentação sobre proteção dos
seres humanos envolvidos nas pesquisas. Desempenha um papel coordenador
da rede de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) das instituições, além de assu-
mir a função de órgão consultor na área de ética em pesquisas
Consentimento livre e esclarecido:
Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus obje-
tivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta
possa acarretar, aceito participar:
Nome do (a) participante da pesquisa:
________________________________________________________
_______________________________________________________
Data: ____/_____/______
(Assinatura do participante da pesquisa ou nome e assinatura do seu RES-
PONSÁVEL LEGAL)

138
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e com-
plementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Con-
sentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido
uma via deste documento ao participante da pesquisa. Informo que o estudo
foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado e pela CONEP,
quando pertinente. Comprometo-me a utilizar os dados obtidos nesta pesquisa
exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o
consentimento dado pelo participante da pesquisa.

______________________________________________________
Data: ____/_____/______
(Assinatura do pesquisador)

139
Apêndices

APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO

1) Características sócio demográficas:


Nome (iniciais): ________
Idade: ______
DN: ___/___/___
Sexo: ( )M( )F
Estado Civil: _____________
Filhos:__________________
Netos: __________________
Residem juntos? __________
Grau de escolaridade:
( ) Fundamental ( ) Analfabeto
( ) Médio completo ( ) Médio incompleto
( ) Superior completo ( ) Superior incompleto

2) Características clínicas-funcionais:
Queda no último ano? ( ) sim ( ) não
Acuidade visual: ( ) enxerga bem ( ) enxerga mal ( ) cegueira
Auxílio à locomoção: ( ) andador ( ) bengala ( ) não utiliza
Apresenta perda auditiva? ( ) sim ( ) não

3) Como se desloca pela cidade?


( ) a pé ( ) ônibus

140
( ) carro ( ) van
( ) dois tipos acima combinados __________________

4) Em relação à área (quadra, rua) onde a sra./sr. mora, encontra alguma difi-
culdade para andar nas ruas e calçadas da cidade?
( ) sim ( ) não
Especifique: ________________________________________________

5) Durante um passeio pela área próxima onde a sra./sr. mora, encontra algu-
ma dificuldade para se deslocar?
( ) sim ( ) não
Especifique quantas vezes por semana passeia pela área próxima: ________

6) Quais são os serviços que o sr./sra. mais precisa e usa?


( ) agência bancária ( ) farmácia ( ) posto de saúde
( ) praças ( ) supermercados/comércio local ( ) shoppings
Especifique quantas vezes por semana precisa dos serviços citados: ________

7) A sra./sr. costuma utilizar o espaço público na área próxima da sua residên-


cia (parques, jardins, bancos e/ou pilotis)?
( ) sim ( ) não
Com que frequência? ___________________________________________

8) O espaço urbano de circulação para pedestres mudou nos últimos anos?


( ) sim ( ) não
Em que aspectos? __________________________________

9) Em sua opinião, o que seria importante para melhorar uso do espaço pú-
blico pelo idoso, em termos de segurança/mobilidade/deslocamento?

141
( ) melhorar as calçadas
( ) melhorar a sinalização
( ) melhorar a arborização/jardins
( ) melhorar e aumentar a quantidade de bancos e espaços de descanso
( ) adequar o sistema de transporte público
( ) melhorar iluminação, segurança pública e policiamento local
( ) muitos carros nas ruas e estacionamentos

10) Em sua opinião, o que seria importante para melhorar as condições de


vida e o uso do espaço público pelo idoso, em termos gerais?
( ) melhorar as calçadas, tratando desníveis e inclinações e alargando-as
( ) melhorar a arborização, praças e parques, de maneira a criar espaços de
permanência e descanso
( ) melhorar a iluminação pública
( ) sensibilizar a comunidade para as necessidades dos idosos
( ) desobstruir as calçadas, retirando postes, mobiliário urbano e veículos
( ) praticar as políticas públicas de atenção ao idoso
( ) criar espaços públicos de convivência intergeracionais nas quadras (pra-
ças com parques infantis, espaços para esportes, espaços de permanência, áreas
de lazer)
( ) permitir que sejam planejados, dentro da superquadra, prédios modifi-
cados exclusivamente para abrigar idosos, com serviços gerais e atendimento
médico
( ) melhorar a segurança pública e policiamento local
( ) criar espaços comunitários locais para desenvolvimento de atividades da
terceira idade

142
PERCEPÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO
Em grau de importância, 0 a 10, sendo 0 o pior e 10 o melhor
Condicionantes térmicos (arborização e sombreamento/habitabilidade tér-
mica dos espaços urbanos – largura das ruas x correntes de ar)
__________
Escala Urbana (altura e separação dos blocos/proporção das ruas)
__________
Ocupação do Espaço Público (diversidade, pontos de encontro, intercâmbio
e comunicação entre pessoas; atividades que provoquem a interação urbana)
__________
Paisagem Urbana (estética, focos de atração e marcos)
__________
Percepção de Segurança (visibilidade e transparência dos espaços urbanos,
diversidade de usos)
__________
Conforto Acústico (elementos vegetais como barreiras antirruído)
__________
7. Qualidade do Ar (controle do número de automóveis e arborização)
__________
8. Ergonomia aplicada ao desenho urbano (correta distribuição das luminá-
rias, mobiliários, pavimentos, sistemas de faixas funcionais)
___________

143
APÊNDICE C
METODOLOGIA DE ANÁLISE DE RESULTADOS

PERFIL DA POPULAÇÃO (IDADE, SEXO, ESCOLARIDADE E ESTADO CIVIL):


1. Faixa etária, considerar:
50 – 56
56 – 62
62 – 68
68 – 74
74 – 80

2. Sexo, contagem:
Feminino
Masculino

3. Escolaridade, contagem:
Fundamental
Analfabeto
Médio Completo
Médio Incompleto
Superior Completo

4. Caracterização do Estado Civil dos participantes, contagem:


Viúvo
Casado
Divorciado

144
ASPECTOS CLÍNICO-FUNCIONAIS:
1. Ocorrência de quedas no último ano, caso positivo
Faixa Etária
50 – 56
56 – 62
62 – 68
68 – 74
74 – 80

2. Acuidade visual, caso haja danos (por tipo de dano):


Faixa Etária
50 – 56
56 – 62
62 – 68
68 – 74
74 – 80

3. AuxÍlio a locomoção
Andador
Bengala
Não utiliza

4. Perda auditiva, caso haja:


Faixa Etária
50 – 56
56 – 62
62 – 68
68 – 74

145
74 – 80

DESLOCAMENTO NO ESPAÇO URBANO:


1. Associação entre faixa etária e meio de deslocamento:
Faixa Etária
50 – 56
56 – 62
62 – 68
68 – 74
74 – 80
A pé
Ônibus
A pé e de ônibus
Ônibus e carro
Van

2. Espaços mais utilizados pelos participantes


Agência bancária
Farmácia
Posto de saúde
Praças
Supermercados /comércio local
Shoppings
Todos acima

3. Frequência de utilização dos espaços públicos


1-2 x/semana
3 x/semana

146
4 x/semana
1-2 x/mês
4 x/mês

4. Utilização dos espaços públicos próximos:


Faixa Etária
50 – 56
56 – 62
62 – 68
68 – 74
74 – 80
Frequência:
1-2 x/semana
3 x/semana
4 x/semana
1-2 x/mês
4 x/mês

5. Tipo de dificuldade na utilização do espaço público


Estado precário das calçadas
Falta de sinalização
Falta de arborização
Falta de bancos/espaços de descanso
Falta de policiamento e política de segurança pública
Melhorar sistema de transporte público
Muitos carros nas ruas e estacionamentos

147
6. Sugestões para melhorar o espaço urbano
Melhorar as calçadas, tratando desníveis e inclinações e alargando-as
Melhorar a arborização, praças e parques, de maneira a criar espaços de per-
manência e descanso
Melhorar a iluminação publica
Sensibilizar a comunidade para as necessidades dos idosos
Desobstruir as calçadas, retirando postes, mobiliário urbano e veículos
Praticar as políticas públicas de atenção ao idoso
Criar espaços públicos de convivência intergeracionais nas quadras (praças
com parques infantis, espaços para esportes, espaços de permanência, áreas de
lazer)
Permitir que sejam planejados, dentro da superquadra, prédios modificados
exclusivamente para abrigar idosos, com serviços gerais e atendimento médico
Melhorar a segurança pública e policiamento local
Criar espaços comunitários locais para desenvolvimento de atividades da ter-
ceira idade

148

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