O Santuário Da Alma
O Santuário Da Alma
O Santuário Da Alma
FOSTER
Autor de Celebração da disciplina
/
/
Y/A
ffA
Santuário da Alma
UMA JORNADA PELA
ORAÇÃO MEDITATIVA
Ij
#
\
P
RICHARD J. FOSTER
Santuário da Alma
U M A JORNADA PELA
ORAÇÃO MEDITATIVA
02011, dc Riclurd J. Foster
V
Vida
Título do original
Sanctuary of lhe Soul
Copyright da edição brasileira 020 II. Editora Vida
EDITORA VIDA Edição publicada com permissão dc INTERVAWSITY PRE»
Rua Isidro Tinoco, 70 Tatuapl (Downers
Grove. IL)
CEP (0316-010 São Paulo. SP
Tel: 0 xx II 2618 7000
Fax: 0 xx 11 2618 7030 Todos os dirritos em língua portuguesa
www.cditoravida.com.br reservadas por Editora Vida.
PARTEI
Lançando ofundamento
Capítulo 1 Deus falando, ensinando e agindo 17
Capítulo 2 Uma amizade familiar com Jesus 27
Capítulo 3 Descendo com a mente ao coração 35
Entrando na experiência: Adoração na Campina
Quaere 45
Capítulo 4 Presentes onde estamos 55
PARTE II
Entrando na oração meditation
Capítulo 5 Olhando para o Senhor 67
Capitulo (< Cuidado com o interior 75
Entrando na experiência: Jornada à caverna de São
Cutiberto 83
PARTEIII
Lidando com as dificuldades diárias
Capítulo 7 Mentes distraídas 97
( -apítulo 8 Como um leão que ruge 105
Capítulo 9 Uma miscelânea de perguntas 115
Entrando na experiência: Um encontro na praia dc
Jaiama 125
Jesus Cristo vive e está aqui cm pessoa para ensinar seu povo.
Não é complicado ouvir sua voz; não é difícil compreender seu vo¬
cabulário. Mas aprender a escutar bem c a ouvir corrctamcntc não
é tarefa simples.
Minha primeira experiência consciente de ouvir a voz de Jesus
ocorreu quando eu estava na faculdade. Brotou de um período de
frustração genuína. Por causa de uma formação acadêmica insufi¬
ciente e de um intelecto nada estelar, eu parecia ter de estudar muito
mais que todos os outros para me sair bem no curso. Alem disso
tudo, eu trabalhava em dois empregos de meio período para pôr
comida na mesa e comprar livros. Meu primeiro emprego foi numa
fábrica de enlatados, na turma da limpeza que entrava após o turno
£003
Nas páginas seguintes vamos explorar de maneira mais com¬
pleta o que significa experimentar pcssoalmente o sussurro divi¬
no. Como Deus fala conosco? O que esperar... ou que esperança
SANTUáRIO DA ALMA
Lanqando o fundamento
Ensina-mc a parar c ouvir
Ensina-me a concentrar minha atenção
Ensina-mc a usar o silêncio
Ensina-mc onde encontrar a paz
* MEDEMA, Ken. Teach Me. TeachMe to Stop (and Listen). Waco: Word
Music, 1978.
Capítulo 1
3
Muitas das passagens que empregam as palavras hagah (71371) ou siach
(n'D)carrcgam essa ideia de obediência à vontade e aos caminhos de
Deus. V. Salmos 1.2; 49.3; 119.15; 119.48; 119.97; 119.99 c outros.
4
BHYSON, Ken A. Silence and Hebrew Meditation. Disponível cm:
<www.biblicalthcology.com/Rcscarcli/BrysonKA01.pdf>. Acesso cm:
5 mar. 2011.
SANTUáRIO DA ALMA
5
V uma interpretação imaginativa e poética do episódio em: ROBERTS,
Arthur O. Move Over Elijah. Newberg: Barclay, 1967.
Deusfalando, ensinando c agindo
—
mos — tais qual Elias como Moisés se escondeu na fenda da rocha
quando o Senhor Deus, o Todo-poderoso, passou por ali numa de¬
monstração de glória divina capaz de fazer qualquer coração sucumbir. _
23
E agora, aqui no monte Horebe, Deus vai passar por Elias. No
Sinai a presença de Deus manifestou-se com fenômenos naturais
que se sucediam como uma exibição imponente de pirotecnia. No
Horebe havia de fato ventos ferozes, terremotos demolidores e fogo
escaldante. Mas Deus não estava em nenhum deles. Certamente
Elias ficou perplexo. Não havia nada de Deus no terremoto, no ven¬
to ou no fogo. Foi só depois que passaram todos os fogos de artifício
e pairou uma quietude perfeita que Deus chegou para Elias numa
voz mansa e baixa, no sussurro divino, no “murmúrio de uma brisa
suave” (IReis 19.12). O Senhor fala a Elias não na ferocidade da na¬
tureza, mas no silêncio, “um sussurro calmo e suave” (IReis 19.12
Nova Tradução na Linguagem de Hoje).
No alto do monte Elias se apresenta diante de Deus com a má¬
xima humildade. Sua humildade brota do desespero visto em seu
pavor de Jezabel e em seu desejo de morrer. E é com esse coração
humilde que Elias ouve a d'var Yahwell, a Palavra do Senhor. O poeta
John GreenleafWhitticr escreveu:
Sopra sobre o calor de nosso desejo teu frescor e teu bálsamo;
Que os sentidos emudeçam, que a carne descanse;
Fala por meio do terremoto, do vento c do fogo,
Ó pequena voz suave da calmaria/'
6
WHITTIER,John Grecnleaf. Dear Lord and Father of Mankind. Hymns
for the Family of God. Nashville: Paragon, 1976. p. 422.
SANTUáRIO DA ALMA
A história continua
te, que tudo vê, dentro de ti”.9 Dietrich Bonhoeffer, mártir luterano
do século XX , ao ser indagado sobre por que meditava, respondeu:
“Porque sou cristão”.10 O testemunho das Escrituras e dos mestres
devocionais nos convidam a experimentar, nas palavras de Madame
Guyon, “as profundezas de Jesus Cristo”.11
25
9
TEóFANO, O Recluso. In: WAKE, Timothy (Ed.). The Art of Prayer: an
Orthodox Anthology. London: Faber & Faber, 1966. p. 1 10.
,l’
BONHOEFFEK, Dietrich. The Way to Freedom. New York: Harper 8c
Row, 1966. p. 57.
11
GUYON. Experimentando..., p. 32.
Capítulo 2
Uma amizade familiar com Jesus
4
TERESA DEÁVILA. In: ALVAREZ, Thomas (Ed.). The Prayers of Teresa of
Avila. Hyde Park: New City, 1995. p. 12.
5 FLAVEL,John. On Keeping the Heart. In: Christian Classics Ethereal
Library. Disponível cm: < www.ccel.org/cccl/flavel/kceping.ii.i.htrill>.
Acesso em: 7 mar. 2011.
SANTUARIO DA ALMA
6
KELLY, Thomas R. A Testament of Devotion. San Francisco: Harpcr-
SanFrancisco, 1969. p. 100.
7 Ibid., p. 92.
Uma amizadefamiliar comJesus
8
KELLY, Thomas R. A Testament..., p. 3.
9
Ibid., p. 15.
SANTUáRIO DA ALMA
— rados. Ele está no leme. E, quando nosso curto dia termina, descan¬
samos tranquilamente em paz, pois tudo está bem”.10
Essa c a transformação do coração humano que, a seu tempo e
a seu modo, nos levará irresistivelmente a uma “amizade familiar
com Jesus”.
A imaginação santificada
4
WHYTE, Alexander. Lord, Teach Us to Pray. New York: Harper &
Brothers, [s.d.]. p. 249.
5
TERESA DE ÁVILA. The Complete Works of Saint Teresa ofJesus. New
York: Sheed & Ward, 1949, 1:9.4; v. tb. 4:10.
6 SALES, Francisco dc. Introduction to the Devout Life. New York:
Image, 1955. p. 84.
SANTUARIO DA ALMA
7
TOZER, A. W. The Value of the Sanctified Imagination. Disponível
em:<http://lovestthoume.com/Books/13AM22.html>. Acesso em: 7
mar. 2011.
Dcsccndo com a wane ao coração
8
Apud Foster, Richard. Rios de água viva: práticas essenciais das seis
grandes tradições da espiritualidade cristã. São Paulo: Vida, 2008. p. 463.
Veja uma breve descrição dos sete concílios ecuménicos nas p. 386-392.
9
Escrevo como alguém que não faz uso de ícones. Isso não resulta de con¬
vicção teológica — o assunto foi resolvido no sétimo concílio ecuménico.
É apenas uma questão de prática pessoal — nunca me pareceu que os
ícones falassem á minha condição. Se você quiser saber mais a respeito,
recomendo a obra de Henri J. M. NOUWEN, Behold the Beauty of the
Lord: Praying with the Icons (Notre Dame: Ave Maria, 2007).
Descendo com a mente ao coração
hora, Pedro no alpendre [...] até que todo o Novo Testamento lhe
seja totalmente autobiográfico”."
10
SALES, Francisco de. Introduction, p. 83.
cura e bênção. Mais uma vez nos aquietamos. Por fim nos volta¬
mos ao Mestre e perguntamos: “O que eu posso fazer por ti?” E
ouvimos... isso é lectio.
Muitas passagens das Escrituras podem fornecer a pedra de
toque para a oração meditativa: “Permaneçam no meu amor” (João
15.9); “Eu sou o bom pastor” (João 10.11); “Alcgrcm-sc sempre no
Senhor” (Filipenses 4.4); “Vocês são salvos pela graça, por meio da
fé” (Efésios 1.8); “Fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder”
SANTUáRIO DA ALMA
a fé que vocês têm, muito mais valiosa do que o ouro que perece,
mesmo que refinado pelo fogo, é genuína e resultará em louvor,
glória e honra, quando Jesus Cristo for revelado”. A Campina Qua¬
ere era um lugar especial para um adolescente cujos pais estavam
morrendo. E, além disso, foi ali, no Lugar de Inspiração — já se vão
quarenta e tantos anos agora — que pedi Carolynn em casamento.
47
20G8
Há muita animação sempre que 150 universitários se reúnem.
Eles logo estariam dispersos em faculdades e universidades de todo
o país. Mas durante aqueles poucos dias estavam reunidos para ado¬
ração e comunhão. Isso foi muito antes da revolução da internet, de
modo que estávamos realmente fora do mundo. Acho que havia um
telefone no pequeno escritório do acampamento, mas só era usado
em emergências. As bagagens foram logo largadas em cabanas rústi¬
cas. Vieram as palavras de boas-vindas; reataram-se velhas amizades.
O jantar foi servido.
No começo da noite seguimos todos para a capela da Campina
Quaere, um belo prédio em sua simplicidade. Toda a estrutura foi
feita com madeira do acampamento. O telhado de madeira forma¬
va um V invertido para aguentar as nevascas do inverno. O piso de
cimento descia em degraus até a frente, onde uma enorme janela
arqueada do chão ao teto dava vista para uma imaculada pradaria
Entrando na experiência
2
KELLY, Thomas. The Eternal Promise. New York: Harper & Row,
1966. p. 82-83.
SANTUáRIO DA ALMA
5
Robert BARCLAY. Barclay’s Apology, p. 248.
SANTUáRIO DA ALMA
6
Robert BARCLAY. Barclay’s Apology, p. 248, 256.
Entrando na experiência
£003
Tive outras experiências dessa natureza depois daquela? Sim,
mas cada uma delas é original e difere das experiências anteriores. 53
Em Jesus temos um Mestre vivo que vem a nós cada vez de um
modo novo e vivo. Além disso, essas experiências têm sido raras e
distantes umas das outras.
Não é sábio corrermos em busca de enlevos como esse. A ado¬
ração pode ser completamente válida sem que haja arrepios ou
arroubos de êxtase. O grupo, assim como o indivíduo, precisa
aprender a enfrentar intempéries espirituais de todos os tipos com
serenidade na alma. Os enlevos são repletos de maravilhas, mas
entre esses picos é bem possível viajarmos em meio a sombras,
vales e desertos por meses e até anos. Tudo isso faz parte do que
significa andar com Deus.
Nossas orações, individuais ou coletivas, podem ser raramente
cheias de êxtase. Não importa. O que se exige é um coração voltado
para Deus. Karl Rahner disse bem: “Oração [...] é levantar o coração
e a mente para Deus em atos de amor constantemente renovados”.7
Se fizermos isso, teremos feito o suficiente.
7
RAHNER, Karl. On Prayer. New York: Paulist, 1965. p. 7.
Capítulo 4
Compreendendo o recolhimento
2
FABER, Frederick W. Apud TOZER, A. W. The Knowledge of the Holy.
San Francisco: Harper & Row, 1961. p. 12.
3
UNDERHILL, Evelyn. Mysticism. New York: Meridian, 1955. p. 314.
[Misticismo. [S.l.]: Diffusion Rosicrucienne, 2002.]
Presentes onde estamos
6
CAUSSADE, Jean-Pierre de. Self-Abandonment to Divine Providence.
Várias edições. Também sob o título The Sacrament of the Present
Moment.
Presentes onde atamos
7
MADRE TERESA. Major Addresses Delivered at the Conference on
Faith and Learning. North Newton: Bethel College, 1980. p. 85-86.
SANTUáRIO DA ALMA
8
KIERKEGAARD, Soren. Purity of Heart is to Will One Thing. Trans.
Douglas V Stecre. New York: Harper & Bros., 1938. p. 51.
9
COSBY N. Gordon. In: Elizabeth O’CONNOR. Search for Silence.
Waco: Word, 1972. p. 12.
Prcseulcs onde cslamos
Deus, entramos cada vez mais na passada divina, virando onde Deus
vira, aceitando os caminhos divinos c achando-os totalmente bons.
Estamos presentes no lugar em que estamos? Infclizmente, te¬
mos de admitir que geralmente ficamos bem longe de onde estamos.
Talvez nossa mente esteja ruminando um problema no escritório
quando devíamos estar atentos aos nossos filhos. Ou estamos men¬
tal e emocionalmente ausentes, pensando numa pescaria quando
devíamos estar cuidando das pessoas ao nosso redor. Ou, quando co¬
meçamos a orar, estamos em qualquer lugar, menos na presença de
Deus. O recolhimento é o aspecto da oração meditativa que nos
pode ajudar a estar de maneira mais completa no lugar onde esta¬
mos. À medida que isso se torna um padrão de vida, vemos que
vivemos de maneira mais plena, íntegra e completa.
PARTE II
* ESTELA, Isaque de. Apud POOLEY, Roger; SEDDON, Philip (Ed.). The
Lord of the Journey: A Reader in Christian Spirituality. London:
Collins Liturgical, 1986. p. 36.
Capítulo 5
BALTHASAR, Hans Urs Von. Prayer. San Francisco: Ignatius, 1986. p. 28.
SANTUáRIO DA ALMA
2 ROLLE, Richard. The Fire of Love. Trad. Clifton Wolters. New York:
Penguin, 1981. p. 13.
3
Ibid., p. 13-14.
4
Ibid., p. 45.
Olhando para o Senhor
5
ROLLE, Richard. The Fire of Love, p. 45.
6
São Paulo: Vida, 2011. [Escrito em 1685, esse livro tinha originalmcn-
tc um título um tanto extenso: Um método de oração curto e muitofácil que
todos podem praticar com a máximafacilidade e chegar em pouco tempo, por meio
dele, a um altograu deperfeição. Por ter escrito esse livro, Guyon ficou presa
por pouco mais de sete anos.]
SANTUáRIO DA ALMA
coisas exteriores para as partes profundas do seu ser. Você não está
lá para aprender ou para ler; você está lá para experimentar a pre¬
sença do seu Senhor!”.7
Depois que sentimos a presença do Senhor, o conteúdo da
nossa leitura cumpriu sua finalidade. Agora mantemos nosso cora¬
ção na presença de Deus. Fazemos isso apenas c tão somente pela
fé, diz Guyon:
7
GUYON. Experimentando..., p. 19.
* Ibid., p. 20.
9
Ibid., p. 20.
Olhando para o Senhor
Arrombando a porta
Não sei de você, mas fico meio sem fôlego com toda essa con¬
versa sublime. E sem ação. Só estou tentando dar conta desta sema¬
na. Talvez você também. Muitas vezes parece que nossa meditação
nunca vence nossa frustração com a louça suja acumulada na pia ou
com a prova de química na semana que vem. O que fazer, então?
Bem, quero muito incentivar você a não se desesperar nem
desistir. Em vez disso, gostaria de sugerir três maneiras simples
—
— talvez eu deva dizer elementares de arrombar a porta para
contemplar o Senhor.
O primeiro recurso é ficar quieto na presença do reflexo da gló¬
ria de Deus que vemos na criação. Isso não é uma espécie de panteís¬
mo infantil; pelo contrário, é o reconhecimento de que a ordem
criada, ainda que afetada pela Queda, reflete um pouco da bondade
e glória de Deus. Como bem expressa Paulo, “desde a criação do
mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua na¬
tureza divina, têm sido vistos claramcnte, sendo compreendidos
por meio das coisas criadas” (Romanos 1.20).
Um dos motivos pelos quais tanto amamos a criação é que ela
sempre cumpre a vontade do Pai. Árvores c esquilos, cervos c águias,
10
GUYON. Experimentando..., p. 20.
SANTUáRIO DA ALMA
2
JOáO DA CRUZ. Noite escura da alma. Disponível em: chttp://
pt.wikipedia.Org/wiki/Jo%C3%A3o_da_Cruz#Pensamentos>. Acesso
cm: 14 mar. 2011, 13:05:21. [N. do T.]
Cuidado com o interior
3
Guardarei a discussão das tentações dc Satanás c seus lacaios para o
Capítulo 8.
4
Neste pequeno livro não é possível desenvolver o assunto em detalhes.
Por isso, sugiro Dallas WILLARD, Ouvindo Deus (Viçosa: Ultimato,
2002). Eu o considero um dos melhores livros já escritos sobre orien¬
tação divina e, ccrtamentc, o melhor dos últimos anos. As ideias desta
seção são fortemente inspiradas nessa obra.
3
CARNELL, Edward John. Christian Commitment: An Apologetic.
New York: Macmillan, 1957. p. 273 c vários outros trechos.
SANTUáRIO DA ALMA
6
WILLARD. Ouvindo Deus, p. 174.
7 Ibid., p. 175.
8
JONES, E. Stanley. A Song of Ascents. Nashville: Abingdon, 1979. p. 190.
9
WILLARD. Op. cit., p. 177.
10
Ibid., p. 178.
Cuidado com o interior
Os sussurros divinos
24 de maio de 1930
Esta foi uma semana de maravilhas. [...] Contarei algumas das
maravilhas em breve. Mas, neste momento, você precisa ouvir
mais sobre esta noite solene. O dia tinha sido rico, mas exte¬
nuante, de modo que subi à “Colina do Sinal”, atrás da minha
casa, falando e ouvindo a Deus o tempo todo morro acima na
12
Laubach escreveu quase 100 livros, dos quais 15 tratam da oração. Al¬
guns dos mais conhecidos são Letters by a Modern Mystic, Learning
the Vocabulary of God, You Are My Friends, Game with Minutes.
Prayer: The Mightiest Force in the World c Channels of Spiritual
Power.
SANTUáRIO DA ALMA
Um santuário portátil
13
LAUBACH, Frank C. Letters by a Modern Mystic. Colorado Springs:
Purposeful Design, 2007. p. 30.
14 IRMãO LOURENçO. The Practice of the Presence ofGod. Old Tappan:
Revcll, 1985. p. 9. [Praticando a Presença de Deus. Rio de Janeiro:
Danprewan, 2004.]
Entrando na experiência
Jornada à caverna de São Cutiberto
83
Ó meu divino Mestre, ensina-me essa linguagem
muda que diz tantas coisas.
— JOãO NICOLAU GROU'
£003
Ali no topo de um morro sobre um vale verdejante de North
Yorkshire, ouvimos as primeiras palavras desconcertantes do que
86 havia acontecido no mundo lá fora. Aquilo está além da nossa
compreensão e contrasta fortemente com o clima quieto e pastoril
à nossa volta.
O casal que cuida da casa de retiros é gentil e nos convida a en¬
trar;nós nos apinhamos em seu pequeno apartamento para, juntos,
assistirmos em silêncio às imagens de homens e mulheres vestidos
como executivos saltarem para a morte certa. Repetidamcnte, a te¬
levisão mostra a sequência de aviões comerciais chocando-se contra
o World Trade Center. Devastação injustificada. Horror absoluto.
Choque completo. Ficamos ali... parados, mudos.
Ainda estamos tentando organizar nossa mente sobre o que
aconteceu quando a BBC transmite as palavras do primeiro minis¬
tro Tony Blair: “Os mais terríveis e chocantes eventos aconteceram
nos Estados Unidos da America na última hora; dois aviões se¬
questrados foram deliberadamente atirados contra o World Trade
Center. Temo que mal possamos imaginar o terror e a carnificina
ali, e os muitos inocentes que perderam a vida. Sei que vocês se
unirão a mim ao enviar as mais profundas condolências ao pre¬
sidente Bush e ao povo americano em nome do povo britânico
nesse terrível acontecimento. Esse terrorismo de massa é o novo
mal cm nosso mundo atual. Ele c praticado por fanáticos que são
absolutamente indiferentes à santidade da vida humana, e nós, as
democracias do mundo, temos de nos unir para enfrentá-los jun¬
tos e erradicar esse mal do nosso mundo”.
Entrando na experiência
£003
Em vez de voltar para Londres, Glandion e eu decidimos tomar
um trem para o norte até a Northumbria, especificamente a peque¬
na ilha de Lindisfarne. Nos primeiros anos de incursão das missões
cristãs celtas nos reinos anglo-saxões, Lindisfarne serviu de centro
nervoso. De fato, as histórias das façanhas missionárias que ema¬
nam daqui impressionaram tanto a imaginação popular que, com o
tempo, Lindisfarne passou a receber um outro nome, “Ilha Santa”, e
assim é chamada até hoje.
A Ilha Santa está ligada para sempre aos nomes de Sto. Adão e
São Cutiberto. Adão foi o primeiro grande líder missionário que,
vindo de lona, na costa oeste da Escócia, escolheu Lindisfarne, na
costa leste da Inglaterra, como sua base. O atrativo mais impres¬
sionante da ilha hoje é a grande estátua de Adão segurando a tocha
do evangelho com a mão estendida, tendo uma cruz celta atrás da
SANTUáRIO DA ALMA
2
A Northumbria Community compilou um livro dc oração, Celtic Daily
Prayer, que é a base dc sua vida comunitária. Escrevi uma introdução
para a edição americana (San Francisco: HarperSanFrancisco, 2002),
apresentando uma versão mais antiga da história de minha viagem à
Caverna de São Cutiberto.
3
Poustinia é uma espécie de cabine ou cômodo rusticamente mobiliado
onde alguém se isola para orar c jejuar na presença de Deus. [N. do R.]
Entrando na experiência
£003
Abrigada no alto dos montes Kyloe, acima de Hetton Hall,
está a caverna de Cutiberto. Eu li as histórias sobre essa caverna,
mas nunca a tinha visto de verdade. Bem agora, enquanto escrevo
estas palavras, tenho à minha frente uma pequena aquarela da ca¬
verna de Cutiberto que lembra minha passagem por lá. Ganhei a
pintura de uma das minhas companheiras na comunidade, Brenda
Grace. É Brenda quem se voluntária e me leva para ver a caverna.
Arrasto Glandion comigo, a despeito de suas reclamações de que,
para ele, longa caminhada significa sair do carro para ir ao Starbucks
tomar café.
Brenda nos leva de carro pelos montes Kyloe até o fim da es¬
trada. Paramos o carro e seguimos uma trilha que serpenteia relvas
viçosas c pinheiros verdejantes. Deixo que Glandion e Brenda an¬
dem um pouco à frente. Neste momento, o que desejo é o silêncio
da floresta.
Na caverna, Brenda está ansiosa para nos levar adiante, para o
alto do promontório rochoso de onde se vê a Ilha Santa e, ao lon¬
ge, as Ilhas Fame, famosas pelas façanhas celtas. Quando chegamos
ao topo, o vento do mar do Norte nos atinge com força, e sei que
Brenda quer voltar logo para HettonHall. Glandion gostaria de ficar
mais tempo, mas, sem o carro de Brenda, a caminhada de volta seria
consideravelmente longa. Resolvo seu dilema explicando que pla¬
nejo caminhar algum tempo pelas trilhas no monte e depois ficarei
na caverna. Glandion resolve voltar com Brenda, uma decisão que
acolho com prazer, pois neste momento anseio por solitude.
Eles se vão e eu realmente caminho pelo monte observan¬
do o mar do Norte. O pico está literalmente coberto de urze
até onde a vista alcança. Ouvi histórias sobre “a urze nas monta¬
nhas”, mas nada me prepara para a beleza pura de seu esplendor
roxo. Várias vezes sinto-me obrigado a parar, ajoelhar e observar
a flor delicada em forma de sino que a urze produz. Há milhões
e milhões dessas flores e essa quantidade me dispersa, de modo
que olhar de perto uma planta ou mesmo um pequeno botão me
ajuda a absorver seu encanto.
Finalmente, chego à caverna. Estou completamente só; ne¬
nhum turista ou visitante perturba meu momento aqui. De iní¬
cio, exploro os aspectos físicos da caverna: o granito cinzento co¬
berto por musgos, samambaias c exuberantes flores cor-de-rosa
ao longo de suas paredes, a cruz artcsanal simples numa fenda na
rocha. Há grafites na caverna, mas grafites britânicos adequados
— em sua maioria datas habilmente gravadas na rocha. As datas
Entrando na experiência
4
HAMMAKSKJõLD, Dag. Markings. Trans. Leif Sjõberg and W H. Auden.
New York: Ballantine, 1993. p. 83. Versão em português disponível em:
<http://tribodcjacob.blogspot.com/2009/09/oracao-de-dag-harnmar-
skjold.htmI>. Acesso em: 16 mar. 2011.
SANTUáRIO DA ALMA
5
“There’s No Hiding Place Down Here” é uin negro spiritual tradicional,
compilado em 1907. [N. do T.)
Entrando na experiência
93
PARTE III
‘ SCHLEGEL, Kathcrina von. “Be still my soul”. In: Hymns for the Family
ofGod. Nashville: Paragon, 1976. p. 77. (“Descansa, ó alma”. Trad. Isaac
Nicolau Salum. In: Salmos e hinos. 5. ed. Rio de Janeiro: Igreja Evan¬
gélica Fluminense, 1975.]
Capítulo 7
Mentes distraídas
1
Veja Nicholas CARR, The Shallows: What the Internet Is Doing to
Our Brains (New York: W. W. Norton, 2010). Se você está interessado,
também pode consultar Eric R. KANDEL, In Search of Memory: The
Emergence of a New Science of Mind; Norman DOIDGE, The Brain
That Changes Itself; e David J. BULLER, Adapting Minds.
4 PASCAL, Blaise. The Pensées. Trans. Thomas Krailsheimer. New York:
Penguin, 1965. p. 37.
Mcnles tlislrafilas
Pequenos começos
O primeiro conselho que eu daria em relação a uma mente
distraída é que devemos manter a calma com nós mesmos. Não
desenvolvemos um coração barulhento da noite para o dia; além
disso, levará tempo e paciência para aprendermos uma concentra¬
ção sincera. Dietrich Bonhoeffcr oferece um conselho sábio exata-
mente sobre esse assunto:
5
BONHOEFFER, Dietrich. The Way to Freedom. New York: Harper &
Row, 1966. p. 60-61.
SANTUáRIO DA ALMA
nossa meditação para aprender sobre nosso caos interior. Além dis¬
so, às vezes precisamos ser firmes, ainda que gentis, falando palavras
de paz à nossa mente apressada a fim de instruí-la em um caminho
mais disciplinado. Muitas vezes tenho à mão uma lista de coisas a
fazer e simplesmente anoto as tarefas que estão desviando minha
atenção até que todas tenham vindo à tona. Aí os pensamentos agi¬
tados podem acalmar-sc e eu consigo ficar tranquilo.
100
Se um assunto em particular parece intrometer-se em nossa
meditação, podemos perguntar ao Senhor se essa intromissão tem
algo a nos ensinar. Isto é, favorecemos o intruso, tornando-o objeto
da nossa meditação.
Agora, se precisamos tratar com seriedade o problema de uma
mente distraída, devemos começar nossa preparação antes da me¬
ditação propriamente dita. Nas circunstâncias contemporâneas, é
importante encontrar meios para crucificar o espírito da distração.
Uma forma inicial pode ser praticar um sabbath de todas as mídias
eletrónicas. Sugiro um jejum de todos os dispositivos digitais uma
hora por dia, um dia por semana, uma semana por ano. Veja se isso
ajuda a acalmar sua distração interna. Tenho uma amiga que, quando
lidera retiros, pede aos participantes que entreguem (e não apenas
desliguem) seus celulares, blackberries e iPads. Ela diz que, quando
faz esse pedido, as pessoas olham para ela como se tivesse acabado
de lhes pedir que cortem o braço direito.
6
FROST, Robert. The Road not Taken. Mountain Interval, várias edições.
[A estrada não trilhada. Trad. Renato Suttana. Disponível em <http://
www.arquivors.com/rfrost.htm>. Acesso em 17 mar. 2011, 21:01:12].
SANTUáRIO IJA ALMA
7
DoNNE.John. Meditation 17. Várias edições. [Meditações. São Paulo:
Landmark, 2007.]
8
DoNNE.John. Holy Sonnet 14. Várias edições.
9
HERBERT, George. The Temple. Várias edições.
Mciilcs distraídas
10
SIEGEL, Robert. A Pentecost of Finches. Brcwste: Paraclete, 2006. p. 68.
Outros livros de poesia de Robert Siegel incluem In a Pig’s Eye e
The Waters Under the Earth.
11 Em Celebração da disciplina, descrevo outro exercício de medita¬
ção com propósito semelhante, chamado simplesmente “palmas para
baixo, palmas para cima” (p. 63). Você, lógico, pode ficar à vontade
para criar seus próprios exercícios de meditação.
SANTUáRIO DA ALMA
Ah, que você possa,que eu possa, não ouvir nenhuma outra coisa.
— C. S. LEWIS'
apenas pessoais; são também tentações para que Jesus interfira nas
—
três instituições sociais mais proeminentes da época a económica,
a religiosa c a política.3
A tentação económica procura induzir Jesus a transformar pe¬
dras em pão — Jesus, o glorioso padeiro dos milagres, providencia¬
ria “pão maravilhoso” para si mesmo c para as massas. Que tentação
em um mundo faminto! Mas Jesus sabe como essas soluções são
108
breves e assim rejeita a opção de viver só do pão.
A tentação religiosa visa fazer Jesus pular do ponto mais alto do
templo e, ao ter anjos segurando-o no ar, receber o selo de aprova¬
ção de Deus em seu ministério. O resgate divino dramático dentro
dos limites sagrados do templo certamente garantirá apoio leal da
hierarquia sacerdotal. Nessa ocasião, Satanás até reforça seu apelo
citando as Escrituras. Mas Jesus vê a tentação de Satanás como ela
de fato é e desafia diretamente a religião institucionalizada não
apenas aqui no deserto, mas em todo seu ministério
—
sempre
que ela se torna idólatra ou opressiva.
O objetivo final de Satanás é revelado em sua terceira tenta¬
ção, a promessa de “todos os reinos do mundo e o seu esplendor”
se tão somente Jesus se prostrar e o adorar (Mateus 4.8-10). Essa
tentação no topo da montanha representa a possibilidade de deter a
força política mundial — não apenas a força coerciva, mas também
a glória e a aclamação de ocupar o ponto mais alto do mundo em
influência e status. Satanás sabe que isso se encaixa perfeitamen¬
te nas esperanças messiânicas da época: um Salvador que acabará
com a opressiva ocupação romana. Mas Jesus sabe que dominação
3
Veja um aprofundamento dessa linha dc pensamento cm Donald B.
KRAYBILL, The Upside-Down Kingdom (Scottdalc: Herald, 1978).
V. também: RichardJ. FOSTER, Rios de água viva: práticas essenciais
das seis grandes tradições da espiritualidade cristã (São Paulo: Vida,
2008). p. 21-46.
Como um leão que ruge
e força não são os meios de Deus agir. Ele rejeita o poder coercivo
porque pretende demonstrar um novo tipo de poder, uma nova
maneira de governar. Servir, sofrer, morrer —
essas são as formas
messiânicas do poder de Jesus. Portanto, Jesus resiste bravamente:
“Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus,
e só a ele preste culto’ ” (Mateus 4.10).
Naqueles quarenta dias no deserto, Jesus rejeita a esperança po¬
109
pular judaica de um Messias que alimentará os pobres, desfrutará a
aprovação celestial miraculosa e se livrará das nações opressoras. Ao
fazer isso, ele reduz a influência das três grandes instituições sociais
de seus dias... c dos nossos — a economia exploradora, a religião ma¬
nipuladora e a política coerciva. Nós também precisamos aprender a
derrotar Satanás exatamente nesses domínios.
E há mais. OsEvangelhos contam muitas histórias de como Jesus
confronta o mal em várias formas, não apenas expulsando demónios,
mas curando doenças de todos os tipos e administrando o remédio do
evangelho a mentes obscurecidas. “Jesus foi por toda a Galilcia [...],
pregando as boas-novas do Reino e curando todas as enfermidades
e doenças entre o povo. Notícias sobre ele se espalharam por toda
a Síria, e o povo lhe trouxe todos os que estavam padecendo vários
males e tormentos: endemoninhados, epiléticos e paralíticos; e ele os
curou” (Mateus 4.23,24). As palavras do apóstolo Paulo certamente
são verdadeiras: emJesus Deus “nos resgatou do domínio das trevas e
nos transportou para o Reino do seu Filho amado, em quem temos a
redenção, a saber, o perdão dos pecados” (Colossenses 1.13).
No capítulo 10 de Lucas temos uma visão privilegiada da derro¬
ta do poder satânico. Jesus havia enviado primeiro os 12 e depois os
70, com a seguinte instrução: “Curem os doentes que ali houver c
digam-lhes: O Reino de Deus está próximo de vocês” (Lucas 10.9).
Eles retornam deslumbrados, dizendo: “Senhor, até os demónios se
submetem a nós, em teu nome” (Lucas 10.17). E, seguro de que o
SANTUáRIO DA ALMA
Considerações práticas
Cerca-me, Senhor,
mantém a luz perto
e a escuridão longe.
Cerca-me, Senhor,
mantém a paz no interior,
mantém o mal fora.
Em nome do Pai,
do Filho
e do Espírito Santo. Amém.5
5
Celtic Daily Prayer. San Francisco: HarperSanFrancisco, 2002. p. 33.
Esta oração de proteção foi extraída de Aidan Compline.
Como um leão que ruge
É uma triste realidade que muitos vivemos sob tanta pressão emo¬
cional que, basta começarmos a aliviar a tensão, e o sono toma conta
de nós. A solução definitiva para esse problema é aprender a estar em
sintonia com nosso corpo e nossas emoções. Precisamos aprender que
alerta total e relaxamento total são estados perfeitamente compatíveis.
SANTUáRIO DA ALMA
3
PYTCHES, David. Does God Speak Today? Minneapolis: Bethany
House, 1989.
SANTUáRIO DA ALMA
120
Deus. Lembre-se apenas do sábio conselho de Thomas Merton:
Qualquer um que ache que pode simplesmente começar a me¬
ditar sem orar pedindo o desejo e a graça para tal vai logo desistir.
Mas o desejo de meditar e a graça para começar a meditar devem
ser tidos como promessas implícitas de graças futuras. Na me¬
ditação, bem como em qualquer outra coisa na vida cristã, tudo
depende da nossa harmonia com a graça do Espírito Santo.4
4
MERTON, Thomas. Spiritual Direction and Meditation. Collcgeville:
Liturgical, 1960; p. 98. [Espiritualidade, contemplação e paz. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1962.]
Uma miscelânea de perguntas
5
GUARDINI, Romano. Apud O’CONNOR, Elizabeth. Search for Silence.
Waco: Word, 1972. p. 127.
6
ROLLE, Richard. Apud MERTON. Spiritual Direction, p. 75.
7 PENN, Wiliam. No Cross, No Crown. Ed. Ronald Selleck. Richmond:
Friends United Meeting, 1981. p. xii.
Uma miscelânea de perguntas
8
COSBY, N. Gordon. Apud O’CONNOR, Elizabeth. Search for Silence,
p. 12.
9
MERTON. Spiritual Direction, p. ii.
SANTUáRIO DA ALMA
125
Esta, então, é a paisagem extravagante do mundo,
dada, dada com entusiasmo, dada em boa medida,
espremida, agitada e transbordante.
— ANNIE DILLARD1
fcr>oa
3
ELIOT, T. S. Collected Poems, 1909-1962. Várias edições. [Poesia.
Bonsucesso: Nova Fronteira, 1981.]
SANTUáRIO DA ALMA
128
4
FOSTER, Richard J. “The Humiliation of the Word in Our Day”. West¬
mont 30, n. 3, 2010: 13.
5
SANFORD, Agnes. The Healing Gifts of the Spirit. New York: Lippin-
cott,1966. p. 25. [Os dons de cura do Espírito Santo. São Paulo:
Paulus, 1977.]
Entrando na experiência
130
90OS
A teologia cristã nos ensina que há dois textos principais para
nosso estudo e meditação: a Bíblia e o “livro da natureza”. Vim hoje
à praia de Jalama com a intenção de estudar o livro da natureza para
ver o que o Senhor pode ensinar-me. Evelyn Underhill nos lembra
de que “evitar a natureza, recusar sua amizade e tentar saltar o rio
da vida na esperança de encontrar Deus do outro lado é o erro co¬
mum de um misticismo perverso [...] Portanto, comece com aquela
primeira forma de contemplação a que os antigos místicos às vezes
chamavam de ‘descoberta de Deus em suas criaturas’ ”.6
É hora de enfrentar a corrente do vento costeiro. Suponho que,
se John Muir conseguiu amarrar-se ao topo de uma árvore numa
nevasca no Yosemite, eu deveria ser capaz de enfrentar um pouco de
vento. Espero por uma longa caminhada de oração, de cinco, talvez
seis horas. Assim, ponho os pés na praia propriamente dita, onde
por muitos séculos crianças chumashs riram e brincaram, mulheres
chumashs cozinharam e teceram cestos, e homens chumashs caçaram e
pescaram. O que posso aprender aqui?
O vento bate em meu rosto e me empurra para trás. A areia que
se espalha arranha minhas bochechas e pernas. Logo viro as costas
para o vento e decido que devo andar com o vento e não contra ele.
É claro que alguma hora terei de voltar... mas talvez até lá as raja-
6
UNDERHILL. Practical Mysticism, p. 90,91.
Entrando na aqieriênda
£003
A rocha, contudo, é pouquíssimo confortável. Depois de mais
ou menos uma hora cm meu pequeno e aconchegante abrigo, sinto
dores nas costas e nádegas. Preciso mover-me. Então levanto e en¬
caro o vento, que não diminuiu nem um décimo. Preciso tomar o
caminho de volta enfrentando toda a força do vento carregado de
areia. Infelizmente, não tenho escolha.
Na volta, viro o rosto para os lados, a fim de proteger o nariz e
os olhos de algum modo. Nesta posição, observo as falésias acima
de mim, ainda mais de perto que antes. Nada de incomum, apenas
quartzos de Monterrey que se desintegram lentamente sob a força
das ondas implacáveis.
Mas então, bem na borda da falésia, vejo uma cruz alta de ma¬
deira. Olho para ela por um bom tempo enquanto ando bem deva¬
gar contra o vento. Não há marcas. Nenhum sinal de nenhum tipo.
SANTUARIO DA ALMA
Bem-vindos ao lar
5
Fox, George. The Journal of George Fox. John L. Nickalls (ed.).
Cambridge: Cambridge University, 1952. p. 263.
SANTUáRIO DA ALMA
•ÿYMSSTTJO* iftl
Vida Catrypm I SPIRITUAl 11'ADl
FWDUçíO OptltlUil