As Grandes Doutrinas Económicas

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AS GRANDES DOUTRINAS ECONÓMICAS

Uma Introdução À História Do Pensamento Econômico

Desde que acorda todas as manhãs, o homem procura satisfazer suas


necessidades: toma o seu banho, veste-se, alimenta-se, lê o jornal, utiliza-se de
um meio de transporte e se dirige para o trabalho. Para pagar por esses bens que
consume, para ter um mínimo de conforto, ele precisa de uma renda, que
normalmente vem de seu trabalho.

Sempre foi assim através dos tempos. Nas comunidades primitivas, o homem
preocupava-se com a caça, a pesca e com a segurança do lar. A mulher cuidava
pessoalmente da casa e dos filhos, ou administrava os serviços executados por
serviçais. Havia uma divisão do trabalho, que naturalmente variava em parte de
uma comunidade para outra, de acordo com os costumes. Essa divisão do
trabalho evoluiu através dos tempos. Parte dos bens e serviços obtidos
domesticamente passaram a ser produzidos fora da casa ou da comunidade, por
pessoas que se especializavam em determinadas profissões; estes foram os
artífices ou artesãos. Mais tarde, surgiram as fábricas e o trabalho passou a ser
assalariado, dando início ao modo de produção capitalista.

Antiguidade e Idade Média

Mesmo nas sociedades primitivas, os homens precisavam organizar-se em


sociedade, para defender-se dos inimigos, abrigar-se e produzir comida para
sobreviver. A divisão do trabalho daí decorrente permitiu o desenvolvimento da
espécie humana em comunidades cada vez maiores e mais bem estruturadas. Na
maior parte dos casos, a produção era basicamente para a própria subsistência.
Algumas pessoas produziam um pouco mais, permitindo as trocas, o que gerou
especialização.

No lar, os homens produziam as ferramentas e utensílios rudimentares para a


agricultura, caça, pesca e para trabalhos com madeira (enxadas, pás, machados,
facas, arco, flechas e outras armas). Com o tempo, surgiram pessoas com
habilidade que se especializaram na produção de cada um dos tipos de bens.
Alguns trabalhadores mais habilidosos não só aprenderam uma profissão
específica, como passaram a reunir aprendizes e ajudantes. A escala de produção
ampliou-se; os produtos adquiriram maior qualidade e os custos de produção se
reduziram em função do aumento das quantidades produzidas.

Aqueles que produziam armas ou ferramentas específicas tinham pouco tempo


para se dedicar à caça, à pesca ou à agricultura: eles precisavam trocar os
produtos que fabricavam por alimentos e peles para vestuário. Aos poucos, o
trabalho de alguns homens passou a ser suficiente para atender às necessidades
de um conjunto cada vez maior de pessoas. As trocas se intensificaram, portanto,
entre artesãos, agricultores, caçadores e pescadores. A economia adquiria maior
complexidade à medida que as relações económicas realizadas em determinadas
localidades alcançavam comunidades cada vez mais distantes. As trocas
colocavam em contato culturas diferentes, com repercussões locais sobre os
hábitos de consumo e a estrutura produtiva.

As primeiras manifestações de um pensamento económico aparecem em textos


legais e religiosos. Alguns autores consideram que já o Velho Testamento
revelava nítidas preocupações de ordem económica, mas as primeiras tentativas
doutrinárias ocorreram na Grécia. Inicialmente nos textos legislativos, como a
constituição de Sólon (VI A.C.), que testemunha o conflito entre a classe comercial
ascendente e a aristocracia agrária. Mais tarde em livros dedicados, destacando-
se o "Económico" de Xenofonte. Este refere-se à economia doméstica, contendo
uma definição de riqueza, concretizando a ideia de utilidade e sublinhando as
vantagens da divisão do trabalho. Segundo Xenofonte, "a ciência do senhor reduz-
se a saber utilizar o seu escravo". Em "Eryxias", Xenofonte vai mais longe, mas
mantém a discussão económica subordinada à moral e à política.

O pensamento grego desprezava o trabalho material produtivo e a actividade


comercial. Era considerada indesejável a posse de ouro e prata. Nenhum cidadão
podia possuir mais de quatro lotes de terra. Platão escreveu "O ouro e a virtude
são como pesos colocados nos dois pratos de uma balança, de tal maneira que
um não pode subir sem que desça o outro."
No pensamento de Platão o comércio e o crescimento econômico associavam-se
com o mal e com a infelicidade dos homens. Para ele, o trabalho era indigno
porque retirava do cidadão o tempo que ele precisava para o lazer e a prática das
atividades políticas e filosóficas. Na livro A República, de Platão, os cidadãos que
exerciam altos cargos públicos não deviam “trabalhar” para não “poluir a própria
alma”. Eles precisavam ignorar o dinheiro, desvencilhar-se da propriedade de
bens e esposa, buscando o que necessitavam na comunidade. Sendo o trabalho
necessário para a atividade produtiva, ele precisava ser realizado por escravos. A
classe inferior, que trabalhava, podiam possuir bens e trocá-los, bem como
acumular riquezas dentro de certos limites para não se tornarem maus
trabalhadores. Ele condenava o empréstimo a juros, pois o ganho provém da
moeda acumulada e, segundo ele, ela devia ser usada apenas para facilitar as
trocas.

Nas suas obras, Platão ocupou-se da organização da sociedade, da sua origem e


da sociedade ideal. É o primeiro pensador que se refere largamente à divisão
social do trabalho e à origem e organização real, e ideal, da cidade- estado. Os
cidadãos estarão divididos em três classes: a dos "guardiões- filósofos". a dos
"guerreiros" e a dos "produtores". Estas classes representam, respectivamente, as
três funções essenciais de qualquer sociedade: a administração, a defesa e a
produção. Os guardiões e os guerreiros viveriam em regime de absoluto
comunismo: de mulheres, filhos e bens.

Platão expõe um pensamento dirigido à repartição dos bens e à distribuição de


propriedade da terra. Foi um reformador social, enquanto que Aristóteles foi um
economista analítico.

Aristóteles compartilhava da maioria das idéias de seu mestre Platão, mais


rejeitou a comunidade de bens por considerá-la injusta por que não compensava o
indivíduo segundo o seu trabalho. Como os indivíduos não são iguais, eles não
deviam ter a mesma participação na posse dos bens. Concluía Aristóteles que a
comunidade acabava produzindo mais conflitos do que a desigualdade em si.
Segundo ele, o indivíduo devia preocupar-se mais com aquilo que lhe pertence e
não com a partilha dos bens existentes. A comunidade, ao desestimular a
propriedade, produz a pobreza. Considerava que o trabalho agrícola devia ser
reservado aos escravos, ficando os cidadãos livres para exercer a atividade
política no interior da cidade.

Aristóteles discutiu a organização de um estado ideal e criticou os aspectos


comunitários da República ideal de Platão, mas os aspectos fundamentais da sua
doutrina económica são: a análise da troca, a teoria da moeda e a definição do
objecto da economia como ciência. A ciência económica dividia-se em duas
partes: a economia, ou seja, a economia doméstica, a produção para consumo e a
troca directa; e a crematística, ou seja, a troca monetária, a ciência de adquirir
riqueza. A crematística dividia-se em "necessária" e "pura", consoante se referia a
uma troca (compra-venda) ou a uma compra para fins comerciais (para revenda).

Aristóteles critica a crematística por ela desviar a moeda da sua função de medida
comum dos valores. Acumular moeda permitia adquirir quaisquer bens em
qualquer momento. Ao ganhar a categoria de "capital", a moeda abandonava a
sua função "natural". Com o mesmo argumento, condena o empréstimo sem juros.

O desenvolvimento da ciência económica por parte dos romanos é consequência


do sistema jurídico: sistema de contratos, afirmação da propriedade individual,
garantia jurídica do direito de testar, distinção entre direito público e privado, ente
o regime jurídico das pessoas e os direitos reais, a instituição da propriedade
individual, perpétua e absoluta, a liberdade contratual. Entre os Romanos, tal
como entre os Gregos, o progresso económico foi considerado culpado das
dificuldades políticas e sociais que surgiam.

Apareceram, então, muitos apologistas da vida rural, que ficaram conhecidos por
"scriptores de re rustica". Neles se incluem Cícero e Séneca, Plínio, Horácio e
Virgílio. Defendem o ideal do pequeno agricultor autónomo, que vive na terra que
cultiva e que observa os austeros e sóbrios costumes dos seus antepassados,
livre da atracção do luxo e dos vícios. "Nada melhor, nada mais digno do homem
livre, do que a agricultura." afirmava Cícero. Além de elogiarem a agricultura,
condenam o empréstimo a juros e o comércio em geral.

A Teologia católica exerceu um poder muito grande sobre o pensamento


económico da Idade Média. A propriedade privada era permitida, desde que fosse
usada com moderação. Resulta desse fato a tolerância pela desigualdade. Os
primitivos padres condenaram o comércio, e Santo Agostinho receava que o
comércio desviasse os homens do caminho de Deus. Mas era impossível impedir
o comércio, e a diligência consistiu em regulamentá-lo. Havia uma idéia de
moderação na conduta humana, o que levava às concepções de Justiça nas
Trocas e, portanto, de justo preço e justo salário. Nenhum vendedor de um
produto ou serviço poderia tirar proveito da situação e ganhar acima do valor
considerado normal, ou justo. “O justo preço é aquele bastante baixo para poder o
consumidor comprar (ponto de vista económico), sem extorsão e suficientemente
elevado para ter o vendedor interesse em vender e poder viver de maneira
decente (ponto de vista moral)” (Hugon, 1988, p. 51).

Similarmente, o justo salário é aquele que permite ao trabalhador e sua família


viver de acordo com os costumes de sua classe e de sua região. Essas noções de
justiça na fixação de preços e salários implicava também a idéia de justiça na
determinação do lucro. Em outras palavras, o justo lucro resultava da justiça nas
trocas: ele não devia permitir ao artesão enriquecer. Havia, portanto, julgamentos
de valor na conduta económica, ou seja, a Filosofia e a Teologia dominavam o
pensamento económico. Foi mais tarde que o racionalismo e o positivismo
tomaram conta do pensamento económico, já no século XVIII.

Nos dez séculos de Idade Média, o pensamento económico foi, evidentemente,


dominado pelo clero. Considera-se que o homem, para viver, necessita de
trabalhar, mas que não se deve absorver na procura de riqueza. O lucro ilimitado é
considerado ilícito e prejudicial. O produtor não deve aproveitar-se das
necessidades do consumidor. Determina-se o preço justo para cada mercadoria e
o salário justo para cada trabalhador. É condenado o lucro ilícito, a exploração e a
desigualdade.

Com São Tomás de Aquino, aparece uma Noção de Propriedade que não é
imposta pelo direito natural, mas sim "conforme" ao direito natural. A propriedade
foi criada para utilidade da espécie humana, e não para utilidade de qualquer
homem em particular. Mas é o próprio interesse geral dos homens a exigir que a
propriedade esteja confiada a detentores individuais. A propriedade não é
absoluta. O proprietário desempenha uma função social, não tendo apenas
direitos, mas também deveres.

O pensamento medieval condenou igualmente o empréstimo a juros. Para São


Tomás, como para Aristóteles, a função natural da moeda é facilitar a troca; torná-
la produtora de riqueza era antinatural e injusto. O juro foi sendo praticado com
intensidade crescente, sob a justificação de que o empréstimo significava a perda
da possibilidade de ganhar noutro negócio e era justo que fosse compensado esse
lucro eventualmente perdido.

O trabalho estava organizado por profissões. Cada profissão possuía o seu


regulamento minucioso e preciso, onde eram fixadas a justa remuneração e as
condições de acesso à categoria de mestre.

O direito de cunhar moeda pertencia ao rei ou ao senhor do território. São Tomás


condenou a prática da quebra da moeda, que constituía um imposto pesado, muito
rendoso para os reis e fácil de recolher. Estas alterações, defendeu Oresme,
atingiam essencialmente as classes que não se entregavam à actividade social,
tendo graves consequências sociais.

As Doutrinas Mercantilistas

De meados do século XV a meados do séulo XVII, apareceram na Europa as


doutrinas designadas por mercantilistas. Esta época começa com os
descobrimentos marítimos e consequente afluxo de metais preciosos. O volume
de ouro e prata aumenta oito vezes, sendo as doutrinas e pensamentos
tradicionais ineficazes ou subvertidos. Surge um novo tipo de homem: o mercador
audacioso ou aventureiro.

A uma sociedade rural e artesanal sucede uma comercial e de manufactura. É o


período da Renascença e da Reforma. Com a Renascença divulga-se o tipo de
estado romano, com o respectivo direito contratual.

A Idade Média celebrava as virtudes agrícolas, a economia natural de Aristóteles,


a moderação e a justiça; com os novos tempos, a riqueza, a indústria, o comércio
e o espírito de lucro entram no quadro dos ideais legítimos e das aspirações
socialmente úteis.

Deu-se o nome de bulionismo à doutrina que considerava a acumulação de metais


preciosos como o principal e mais garantido meio de conservar e acumular
riqueza. Fernando e Isabel, os Reis Católicos, proibiram a saída de metais
preciosos e atraíram as moedas estrangeiras elevando a taxa de juro.

Os vícios desta política foram o contrabando, a estagnação das forças produtivas,


e o atraso do crescimento industrial e comercial.

Para os países que não exploravam directamente minas de ouro ou prata, não se
punha o problema de conservaar os metais preciosos, mas o de os atrair.

Por oposição ao mercantilismo espanhol ou bulionismo, designa-se o


mercantilismo francês por industrialista ou estatista. A finalidade mantinha-se:
aumentar os stocks monetários. Mas o meio era a exportação da produção
manufacturada, e a limitação do consumo interno e do salário dos trabalhadores.
É também conhecida por colbertismo. A política mercantilista de Jean-Baptiste
Colbert (1619-1683) baseia-se na teoria da balança comercial e no pacto colonial.
O pacto colonial obrigava as colónias a ter relações comerciais apenas com a
metrópole. A intervenção do Estado era muito forte, limitando a iniciativa privada,
sendo aqui patente o carácter político da economia.

Em Inglaterra, William Petty (1623-1687) afirma que a procura de ouro não é um


fim em si; o que constitui a verdadeira riqueza é a produção de bens. Os
mercantilistas ingleses não se opõem às importações desde que as exportações
sejam superiores. Cromwell reservou para a navegação inglesa o monopólio do
comércio entre a Inglaterra e os outros países e proibiu que os navios estrangeiros
entrassem nos portos ingleses transportando mercadorias que não fossem
originárias dos seus países (1651).

O mercantilismo assumiu também uma forma fiduciária. O banqueiro escocês Law


condena as medidas que proibiam a exportação da moeda e entende que o que
constitui a riqueza de uma nação é uma população numerosa e a circulação das
mercadorias estrangeiras ou nacionais. Mas o comércio depende da abundância
de moeda. Law preconiza a criação do papel-moeda.

Em 1716 funda um banco particular por acções, que era simultaneamente banco
emissor, banco de depósitos e banco de desconto, que se tornou um banco
comercial e que em 1718 se converte em banco real. Durante a sua actividade
emite notas do banco que não estão inteiramente cobertas pela reserva metálica
existente. As sucessivas emissões levantaram a desconfiança e a experiência de
Law acabou numa catástrofe financeira. Percursora do moderno sistema bancário,
esta experiência contribuiu para retardar o desenvolvimento dos bancos devido ao
seu fracasso.

Os mercantilistas desenvolveram a teoria da balança de comércio e definiram


claramente o interesse nacional, distinguindo-o do interesse privado e
reconhecendo que pode haver antagonismo entre os dois. J. Schumpeter notou
que “a demonstração, verdadeira ou falsa, de uma harmonia entre os interesses
privados e o interesse social só se torna possível após os trabalhos preliminares
teóricos dos mercantilistas”.

Os Fisiocratas

Na segunda metade do século XVIII, os fisiocratas, economistas franceses,


expõem de uma forma clara, ordenada e sistemática, uma concepção particular do
mercado, segundo a qual, este depende apenas dos movimentos económicos.
Abordam o problema do valor normal e as causas que impedem o valor corrente
de coincidir com o valor normal. Para Cantillon, a propriedade da terra é a principal
forma de propriedade e o fundamento da estrutura social.

As condições económicas e financeiras em França no princípio do século XXVIII


eram terrivelmente más. A dívida externa era muito elevada e a população tinha
diminuído. Os impostos aumentavam continuamente. A corte e os nobres
mantinham uma vida de esplendor e dissipação. A talha, imposto directo, recaía
sobre as classes populares. A população afluía às cidades. O contraste entre o
luxo e a miséria acentuava-se. A agricultura entrava em decadência, escasseando
até o trigo para semente.

Esta teoria inspirou Diderot e certos aspectos da Revolução Francesa, teve como
discípulos muitos soberanos e influenciou o próprio Adam Smith.

Quesnay, principal autor fisiocrata, baseou a sua teoria na observação, no


inquérito objectivo, nos dados concretos. A Fisiocracia – ciência da ordem natural
– pretendia construir não só um sistema económico, mas uma sociologia geral.
Teriam a ideia, corrente no século XVIII, de que a ordem social criada pela
vontade dos homens se opunha a uma ordem natural, de que o estado de
civilização se opunha a um estado de natureza? Não. Consideravam,
simplesmente, que as sociedades humanas eram regidas por leis naturais como
as que governam o mundo físico e a vida de qualquer organismo. As leis da ordem
natural têm um carácter providencial, supranatural, as mesmas para todos os
homens e todos os tempos. Para o legislador não importava “saber o que é ou o
que foi, mas o que deve ser”. “Os direitos do homem não se fundam na sua
história, mas na sua natureza.”

Cada indivíduo saberá, natural e livremente, encontrar o caminho que lhe é mais
vantajoso. É desnecessária qualquer coacção social. “É da essência da ordem
que o interesse particular de um só não possa separar-se do interesse comum de
todos, e é o que sucede sob o regime da liberdade. É a doutrina do laisser faire.
Ao governo cabia-lhe suprimir os entraves criados à ordem natural, assegurar a
propriedade e a liberdade, descobrir as leis naturais e ensiná-las.

Os fisiocratas consideram que os resultados da livre concorrência não podem


deixar de ser benéficos; refutam a ideia de uma balança de comércio favorável
porque entendem que a acumulação da moeda num país faz subir naturalmente
os preços; afirmam que as tarifas alfandegárias proteccionistas são muitas vezes
prejudiciais ao país que as estabelece.

Só a agricultura é produtiva, por ter possibilidade de produzir uma riqueza superior


à que consome. Consideravam estéreis a indústria e o comércio. Ao excedente
obtido na operação produtiva deram os fisiocratas o nome de produto líquido. Este
é exclusivo da exploração agrícola. “A indústria aplica, camada sobre camada,
vários valores sobre um só, mas ela não criou nenhum valor que antes dela não
existisse.” Só a agricultura cria realmente riqueza, porque, nela, ao trabalho
produtivo se junta a fecundidade da terra. Deus é o único produtor.

Os fisiocratas definiam riqueza como a soma dos bens comerciáveis produzidos


anualmente. Quesnay distinguia três classes sociais: a classe produtiva, composta
pelos agricultores; a classe proprietária, que abrangia os proprietários e os que
exerciam, a qualquer título, a soberania; e a classe estéril, que englobava os que
se dedicavam à indústria, ao comércio, e às profissões liberais.

A classe agrícola conservava parte da riqueza que produzia para a sua


manutenção e para manter a sua actividade (adubos, sementes). Outra parte era
transferida para a classe proprietária. A classe agrícola tinha de comprar bens
industriais ou de pagar serviços à classe estéril. A classe estéril utilizava o dinheiro
obtido pelas suas vendas na subsistência e compras de matérias- primas. As
somas recebidas pela classe estéril eram recuperadas pela agricultura. O circuito
da vida económica que o Quadro Económico se propunha representar era,
portanto, fechado.

Os fisiocratas defendem a liberdade do trabalho e a liberdade de dispor dos


produtos do trabalho. Subestimam a actividade comercial, mas defendem a
liberdade de comércio e a livre concorrência, fiéis à ideia de que a liberdade gera
o bom preço. Quesnay recomenda a regulamentação da taxa de juro, cuja
liberdade considera prejudicial à agricultura. Sendo a terra a produzir riqueza,
sobre esta deverá recair o imposto. Politicamente, defendem o Despotismo
ilustrado. Devem prevalecer os interesses dos proprietários rurais, com os quais o
soberano é solidário, dado que é co-proprietário dos produtos líquidos da nação.
IV – A Escola Clássica

A – Adam Smith

O pensamento económico da Escola Clássica domina a primeira metade do


século XIX em todos os países. Esta corrente é fundada por Adam Smith (1723-
1790), com a sua célebre obra: “A Riqueza das Nações”.

Nesta obra, Adam Smith não repele as ideias dos seus antecessores, refunde- as
e ultrapassa-as. De Quesnay e dos fisiocratas, reteve o que considerou vivo (o
liberalismo, as ideias relativas à distribuição, ao rendimento e ao comércio),
desprezou o que considerou errado (a preponderância da agricultura), e repensou
o que carecia de nova análise (a divisão do trabalho e a utilidade).

Adam Smith proclama que as virtudes inferiores (os desejos e os gostos), como
instintos naturais, conduzem a sociedade ao conforto e á prosperidade. Para ele, a
conduta humana é condicionada por seis determinantes: amor-próprio, simpatia,
ânsia de liberdade, instinto de propriedade, hábito de trabalho, propensão para a
troca. Assim condicionado, cada homem é o melhor juiz dos seus interesses e
deve ter a liberdade de os realizar segundo a sua livre vontade. A sociedade e as
instituições frustram a realização das inclinações naturais dos homens e
prejudicam o seu equilíbrio natural, espontâneo. A sua concepção de uma ordem
natural leva-o a condenar a intervenção do estado.

Para os mercantilistas, a fonte originária da riqueza era o comércio. Para os


fisiocratas, a agricultura. Adam Smith defenderá uma ideia diferente: a verdadeira
fonte de riqueza é o trabalho. O trabalho de todas as classes da nação. Sem a
assistência e a cooperação de vários milhares de homens, o mais humilde
habitante de um país civilizado jamais poderia ser abastecido – quantas pessoas
intervêm para que possamos comprar um pão no supermercado?. Este trabalho
comum, esta cooperação natural, é considerado por ele como o facto económico e
social fundamental, a divisão do trabalho.

Adam Smith considera que o imposto deveria recair sobre o trabalho, sobre todos,
portanto, em função das suas possibilidades (rendimentos auferidos). E atribui à
diferente produtividade do trabalho o facto de umas nações serem mais ricas que
outras.

Deve-se a Adam Smith a distinção entre valor de uso e valor de troca. Designa por
valor de uso a utilidade que um qualquer objecto possui. O valor de troca depende
das variações da oferta e da procura do mercado. Aumenta com o aumento da
procura e diminui com o aumento da oferta. Este mecanismo equilibra-se
espontaneamente.

Natural e justo eram expressões sinónimas para os pensadores da época. O


naturalismo optimista de Adam Smith leva-o a ser apologista de uma política de
plena liberdade económica, tal como os fisiocratas. “O esforço uniforme, constante
e ininterrupto de cada homem para melhorar a sua condição – princípio de que
originariamente deriva tanto a opulência nacional e pública como a opulência
privada – é frequentemente bastante poderoso para manter o progresso natural
das coisas para melhor, mau grado as estravagâncias dos governos e os maiores
erros de administração.”

Smith explica, a partir do interesse individual, como se efectua a produção e a


divisão do trabalho, e a definição de preços e o equilíbrio da oferta e procura.

Destas opiniões procede uma doutrina liberal, que se traduzirá no “laissez faire,
laissez passer”.

No que respeita ao comércio internacional, Adam Smith foi também um adepto da


liberdade económica, ou seja, um adversário do proteccionismo e da intervenção
do estado.

B – David Ricardo

David Ricardo era um homem de negócios, com grande sentido abstracto como
demonstram as suas teorias, e com grande sentido prático, como demonstra a
fortuna que conseguiu.

A sua teoria do valor é considerada um desenvolvimento da de Adam Smith.


Distingue, como Smith, dois significados no termo “valor”. Mas não aceita que a
utilidade seja causa e medida do valor. Para Ricardo, é o trabalho que determina o
valor. Para Adam Smith, a origem exclusiva do valor era a quantidade de trabalho
incorporada na mercadoria. Ricardo compartilha desta visão, mas não aceita que
essa relação seja absoluta.

“A quantidade relativa de mercadorias que o trabalho pode produzir determina os


seus valores relativos, não as quantidades relativas de mercadorias dadas ao
trabalhador em troca do seu trabalho.” Deduz daqui que o operário, com o salário
que recebe, não pode adquirir o produto do seu trabalho.

Ricardo aborda o problema da renda considerando uma época em que os homens


ocuparam as terras mais férteis para cultivo. Tinham custos de produção iguais e
vendiam os seus produtos ao mesmo preço. Com o aumento da população, têm
de ocupar novas terras, menos férteis. Nestas terras, o custo de produção será
mais elevado. Os preços que vigorarão no mercado serão os correspondentes a
estes custos (caso contrário, estas novas terras seriam abandonadas – o que não
é possível, dado o aumento da população).

Então, os donos das terras da primeira categoria auferirão um lucro suplementar,


a “renda”. Como Ricardo admite o princípio da raridade relativa da terra mais fértil,
cada vez se cultivarão terras menos férteis, e as rendas serão cada vez maiores.
A sua concepção de “renda” implica uma ideia pessimista, em oposição ao
optimismo do “produto líquido” dos fisiocratas.

Segundo Ricardo, o desenvolvimento económico implicava a diminuição da taxa


de lucro, e, portanto, contribuía para atenuar a acumulação de capital. Ricardo
relaciona a acumulação de capital com a superprodução e com as crises. Ao
estudar as flutuações repentinas nos canais do comércio, Ricardo atribui-as a
causas acidentais, não a factores inerentes ao sistema. O sistema económico
adapta-se às novas circunstâncias e, naturalmente, o equilíbrio restabelece-se. O
comércio livre elimina as antinomias e faz do mundo uma sociedade única,
harmoniosa e próspera. “Permite o livre-câmbio tirar todo o partido possível dos
favores da natureza: consegue-se melhor distribuição e mais economia no
trabalho. Ao mesmo tempo, espalha por toda a parte o bem estar, o acréscimo da
massa geral dos produtos, a permuta liga entre si as diferentes partes do mundo
civilizado por meio de laços comuns de interesse, por relações de amizade, e faz
dele uma única e grande sociedade.”

C – Thomas Malthus

Thomas Malthus (1776-1836) opôs às teorias da época uma concepção


pessimista. A sua teoria da população afirma que esta é necessariamente limitada
pelos meios de subsistência. No mundo social não há lugar para um acréscimo
constante de população. “Um homem que nasce num mundo já ocupado (...) não
tem o direito de reclamar uma parcela qualquer de mantimento.”

Malthus representa o aumento da população por uma progressão geométrica de


razão dois: 2 4 8 16 32 64 128 256. E o aumento dos meios de subsistência por
uma progressão aritmética (também de razão dois): 2 4 6 8 10 12 14 16. Como os
intervalos correspondem a 25 anos, é fatal o desencontro, de proporções
assustadoras. Dos métodos de limitar o crescimento, Malthus prefere o
“constrangimento moral”. Pensava que os pobres não se devem casar e criar
família sem terem assegurados os meios de a manter; caso contrário, deveriam
optar pela castidade ou pelo celibato.

D – Jean-Baptiste Say

Foi comerciante, jornalista, industrial, alto-funcionário e homem político. Jean-


Baptiste Say (1767-1832) inspirou-se nas doutrinas de Adam Smith, precisou- as,
melhorou-as e divulgou-as. A sua obra é optimista, talvez pela situação da França,
com maior abundância de terras e maior divisão da propriedade do que a da
Inglaterra de Ricardo e Malthus.

A indústria passa a constituir o centro dos fenómenos de produção e Say faz o


elogio do empresário industrial. O seu argumento de que produzir não é criar
objectos materiais, mas criar utilidade, transformando as coisas de modo a
corresponderem aos nossos desejos e necessidades, é decisivo para a derrota
dos fisiocratas. Say formulou a Lei dos Mercados, na qual proclama que o
empresário que cria valores só pode conseguir que lhos paguem se outros
homens tiverem meios para lhos comprar: outros valores, outros produtos, frutos
da sua indústria, dos seus capitais, das suas terras. Paradoxalmente, é a
produção que abre mercados para os produtores. O dinheiro desempenha no
mecanismo geral das trocas uma função momentânea e episódica; realizadas as
trocas, verifica-se que os produtos foram pagos por outros produtos. Cada produto
que se produz, cria, automaticamente, mercado para outro. Esta lei exalta a
produção e aconselha moderação no consumo. Ajuda também a compreender os
mecanismos de recessão e expansão, dado que a diminuição da produção de um
bem retira mercados aos outros produtos, enquanto que o aumento da produção
de um bem cria mercados para os outros.

F – John Stuart Mill

Submetido pelo seu pai a uma educação intensa e vasta desde os 3 anos, John
Stuart Mill (1806-1873) viria a ocupar um lugar de relevo na história das doutrinas
económicas e na história do pensamento filosófico. Como político foi individualista
liberal, tendo sido as suas preocupações políticas e sociais a levarem-no à lógica
e à especulação filosófica. Na sua obra encontram-se

reflexos do socialismo e das críticas que, do sector socialista, são dirigidas à


escola clássica. Stuart Mill tinha a opinião de que as classes operárias não
estavam preparadas para o socialismo, mas defendia o melhoramento das suas
condições de vida.

Para Stuart Mill, as leis naturais não são providenciais e finalistas, como
pensavam os fisiocratas e os liberais optimistas. Eram simplesmente leis naturais,
em tudo semelhantes à do mundo físico. Universais e permanentes porque, em
todos os tempos e em todos os lugares, as necessidades essenciais dos homens
são as mesmas. Por esse motivo, a ciência económica deve preocupar-se com o
estudo de um tipo abstracto de homem: o “homo economicus”. As leis naturais que
regem o comportamento do “homo economicus” são as seguintes:

a) lei do interesse pessoal – princípio hedonístico, cada homem procura o bem, a


riqueza e evita o mal, a miséria, o esforço;

b) lei da livre concorrência – se cada indivíduo é o melhor juiz dos seus interesses,
deve ter a liberdade de escolher o caminho para os realizar – laisser faire e livre
concorrência;
c) lei da população – teses de Malthus;

d) lei da oferta e da procura – o preço aumenta na razão directa da procura e na


razão inversa da oferta – esta lei determina o valor de todos os produtos, do
capital, da terra e do trabalho;

e) lei do salário – distingue entre salário corrente, determinado pela lei da oferta e
da procura, e salário natural, determinado pelo custo de vida do trabalhador;

f) lei da renda – Stuart Mill amplia a lei de Ricardo para os produtos agrícolas a
todos os produtos manufacturados;

g) lei da troca internacional – a troca entre países proporciona a cada parte uma
economia de uma quantidade de trabalho, que representa um ganho a favor do
país importador.

Para Stuart Mill, é o país mais pobre e menos industrializado que mais lucra com
as importações que realiza.

A lei da renda extensa a todos os produtos manufacturados levou Stuart Mill a


admitir que a subida contínua da renda baixa a taxa de lucro e desencoraja a
formação de capitais. Daqui deduz que o desenvolvimento da produção parará, e
também o crescimento da população – atingiremos então o estado estacionário.
Nessa altura, os homens deixarão de consagrar toda a sua actividade aos
interesses da vida económica e dedicar-se-ão a objectivos mais nobres.

Embora fiel ao liberalismo, Stuart Mill preocupa-se com a “justiça social”. Distingue
os fenómenos da produção, subordinados a leis naturais que os homens não
podem modificar, dos fenómenos de repartição, subordinados a leis contingentes,
que os homens estabelecem. “A sociedade pode submeter a distribuição da
riqueza às regras que lhe parecerem melhores.” As duas tendências, liberal e
intervencionista, revelam-se paralelas na sua obra. Stuart Mill defende a pequena
propriedade agrícola e o desenvolvimento de cooperaticvas de produção. A
criação de cooperativas agrada-lhe, porque transforma a classe trabalhadora em
classe capitalista. “As distinções de classe serão suprimidas, e só haverá as
distinções relativas aos méritos pessoais.”
Critica o direito sucessório por contrariar o princípio da “igualdade do ponto de
partida”. “Que haverá de mais individualista”, pergunta Gonnard, “que esta
concepção que, abolindo o auxílio que os antepassados trazem ao indivíduo,
pretende que tudo recomece com este e, a cada geração, enfileira os homens,
quais cavalos de corrida aguardando o sinal de partida?”

Considera que o salariato despoja o homem da propriedade do seu trabalho. “o


estado de salariato, dentro de pouco tempo, só será aceitável pelos operários cujo
abaixamento moral os torne indignos da independência. As relações entre patrões
e operários serão substituídas pela associação temporária dos operários com o
empresário e, mais tarde, associação dos trabalhadores entre si.”

(fim da 4a parte)

V – Reacções contra o Liberalismo

Apesar do domínio do pensamento económico por parte da Escola Clássica, a


realidade económica e social da primeira metade do século XIX manifesta-se em
contradição com os seus princípios. Surgem, então, autores que defendem a
necessidade da intervenção do Estado na vida económica; outros que defendem
uma economia nacional; e outros que fazem a apologia da protecção do mercado
nacional à concorrência estrangeira.

Comparada com a Inglaterra ou com a França, a Alemanha do começo do século


XIX é um país economicamente atrasado. O seu território, tanto politica como
economicamente, encontra-se dividido em principados governados
despoticamente. Cada um deles tinha a sua protecção aduaneira e o seu sistema
monetário diferente. Em 1815, após o bloqueio decretado porNapoleão, a
Inglaterra envia grandes quantidades de mercadorias para a Europa continental. E
a indústria alemã, embrionária, sente-se ameaçada, e o proteccionismo torna-se
necessário. Em 1828 começa a união dos principados, movimento que levantou o
problema do regime a seguir nas relações económicas com o exterior. Os
proprietários agrícolas inclinavam-se para o comércio livre, os industriais para o
proteccionismo.
Friedrich List (1789-1846), impulsionador da reunificação, considera que as
doutrinas da escola clássica estão em desacordo com a natureza das coisas e
com a evolução histórica da humanidade. À doutrina clássica, abstracta e estática,
contrapõe uma nova doutrina, realista e dinâmica. “Toda a minha construção se
alicerça na ideia da nação como intermediária entre o indivíduo e o género
humano.”

“Uma nação normal possui uma língua e uma literatura, um território provido de
numerosos recursos, extenso, bem delimitado, uma população considerável.
Possui forças de terra e mar suficientes para defender a sua independência e para
proteger o seu comércio externo. Exerce influência no desenvolvimento das
nações menos adiantadas que ela e, com a maior plenitude da sua população e
dos seus capitais intelectuais e materiais, funda colónias e dá origem a novas
nações. Eis o tipo da nação ideal, para a qual deve tender toda a nação.”

Para List, a finalidade da economia nacional deveria ser o pleno desenvolvimento


das forças produtivas do país. Para desenvolver as indústrias já existentes e para
criar novas indústrias, um país deveria adoptar uma política proteccionista que
favorecesse a sua indústria, e não a agricultura. Reconhecia que a protecção à
indústria provocaria uma subida dos preços dos objectos fabricados, mas afirmava
que o que o país perdia em riqueza-valor de troca ganharia largamente no futuro
em riqueza-força produtiva.

Henry Carey (1793-1879), filho de um irlandês que emigrara para o Novo Mundo,
foi primeiramente um liberal optimista, orientação patente no seu estudo de 1835
sobre os salários. Mas, por volta de 1842, converteu-se ao proteccionismo, em
consequência da crise de 1837-42. Defende a protecção aduaneira, não como
medida temporária, mas como regime de longa duração.

E que não se aplica apenas à indústria, mas também à agricultura. Na sua


opinião, a política livre-cambista mantinha os Estados Unidos como colónia da
Inglaterra.

Na sua obra Principles of Social Science, Carey opõe uma análise vigorosa a
Ricardo e Malthus, critica a escola clássica e expõe o seu proteccionismo
nacional. Ao contrário de List, dá uma importância primordial à protecção da
agricultura.

Outro proteccionista americano, S. N. Patten, afirma que o proteccionismo, em vez


de ser uma defesa das nações fracas, é uma armadura das nações fortes.

Jean Sismondi (1773-1842) assistiu à Revolução Francesa, às campanhas e


administração de Napoleão, à Revolução Industrial, e às sucessivas crises
económicas de 1815, 1819 e 1825. Nos seus primeiros livros é um adepto
entusiástico do liberalismo económico, mas quando, em 1819, volta a ocupar-se
de assuntos económicos, manifesta-se já em violenta oposição às ideias básicas
do liberalismo clássico.

Confessando-se emocionado com a crise comercial na Europa e com os cuéis


sofrimentos dos operários, considera que “é nos pormenores que se torna
essencial estudar a condição humana. Devemos prender-nos ora a um momento,
ora a um país ou a uma profissão, para ver bem o que é o homem e como sobre
ele actuam as instituições... Estou persuadido de que se caiu em graves erros por
sempre se ter querido generalizar tudo o que se refere às ciências sociais”.

Opõe-se à posição dos clássicos, que consideram que o objecto da economia


política é a produção de riqueza, entendendo que a distribuição merece, pelo
menos, igual atenção. “Tudo o que não se releciona, em última análise, com a
felicidade dos homens não pertence a esta ciência.”

Esta posição humanitária inspira-lhe uma crítica da superprodução e da


concorrência. Os clássicos liberais admitiam que o equilíbrio entre a produção e as
necessidades, apesar da possibilidade da superprodução, se restabelecia
automaticamente. Sismondi admite como possível uma superprodução geral e
pensa que o equilíbrio se restabelece à custa do sacrifício das classes pobres e,
concretamente, dos operários. Mostra também as lamentáveis

consequências da livre-concorrência. A diminuição do preço de custo obtém-se à


custa do abaixamento dos salários, do aumento da quantidade de mão-de- obra
mais barata das mulheres e jovens, e pelo prolongamento da jornada de trabalho.
Sismondi transfere o interesse dos estudos económicos da produção para a
distribuição e da oferta para a procura. Sem esquecer os aspectos económicos,
valoriza essencialmente os aspectos sociais. Afasta-se dos autores socialistas
porque considera que os defeitos do liberalismo devem ser corrigidos sem
sacrificar a propriedade privada. Preconiza mesmo o desenvolvimento da
propriedade desde que dependa do trabalho do seu proprietário. Deseja que o
Estado intervenha em defesa da pequena propriedade agrícola, do pequeno
comércio e da pequena indústria doméstica ou artesanal. A intervenção do Estado
deve estender-se a toda a vida económica para evitar a superprodução e a miséria
operária.

“Depois de ter indicado qual é, a meu ver, o princípio onde reside a justiça, não me
sinto com forças para indicar os meios de realizá-la. A distribuição dos frutos do
trabalho pelos que concorrem para os produzir parece-me viciosa; mas considero
quase acima das forças humanas conceber um estado de propriedade
absolutamente diferente daquele que a experiência nos fez conhecer.”

(fim da 5a parte)

VI – O Socialismo

As várias correntes socialistas representam, no seu conjunto, uma reacção anti-


individualista. Surgem críticas à livre-concorrência, à não intervenção do Estado
na vida económica, ao salariato e à propriedade privada. Esta corrente doutrinária
propõe-se estabelecer uma fundamentação doutrinal da intervenção do Estado na
vida económica e uma estrutura igualitária de produção e repartição. Combatem
também a propriedade privada ou pretendem restringi- la.

Trata-se de uma corrente muito antiga, que se pode filiar na República, de Platão,
e que foi tendo diversos representantes: Thomas Morus (1478-1535), autor de
“Utopia”; Gabriel de Mably (1709-1785), que denuncia os defeitos da propriedade
e tenta demonstrar a existência de estados comunitários; William Godwin (1756-
1836), que, em “Caleb Williams” e “Inquérito sobre a justiça humana”, defende a
ideia de que a necessidade deve ser o único critério da repartição; Babeuf (1764-
1797) afirma que “essa igualdade transcrita na Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão” não é suficiente e preconiza uma igualdade real. Todos
representam uma atitude de protesto contra o regime de propriedade e a situação
das classes inferiores.

A – Saint Simon

O aristocrata francês Claude-Henry de Rouvray, conde de Saint-Simon, teve uma


vida agitada e aventurosa. Considera-se fadado para mudar o mundo com uma
moral renovadora de base científica e uma nova organização económica e social.
As suas ideias visam uma construção grandiosa que substitua a estrutura social
que desmorona ante seus olhos. De 1814 a 1825, Saint-Simon publica as obras
em que pretende oferecer ao mundo uma doutrina.

As suas ideias podem sintetizar-se numa exaltação da função social da indústria,


considerada a palavra como sinónimo de trabalho. Na célebre parábola de Saint-
Simon, conclui que, em cada país, o governo e a burocracia oficial são apenas
uma fachada. A sociedade poderia viver perfeitamente sem essa fachada, poderia
dispensar-se o luxo de um rei, de uma família real, dos nobres, dos altos
dignatários civis e militares, desde que mantivesse os seus industriais e homens
dos ofícios, os seus agricultores, os seus negociantes, os seus banqueiros, porque
o verdadeiro poder, o verdadeiro governo da nação, está nos homens que
conduzem a vida económica.

Para Saint-Simon, os conceitos liberais de “soberania do povo”, de “liberdade” e


de “igualdade”, não têm sentido. Compreende o seu significado como concepções
abstractas dos legistas que criaram a ideologia do combate ao feudalismo. Só
aceita o parlamentarismo como um regime de transição entre o passado feudal e o
futuro, e para ele o futuro pertence ao “industrialismo”, porque a indústria é a
“única fonte de todas as riquezas e de todas as prosperidades”.

A organização social do futuro implica, em primeiro lugar, o desaparecimento das


classes. Não haverá nobres, nem burgueses, nem clérigos. Apenas existirão duas
categorias de pessoas: os trabalhadores e os ociosos. A igualdade industrial, diz
Saint-Simon, “consiste em cada um receber da sociedade benefícios exectamente
proporcionados à sua posição social, isto é, à sua capacidade positiva, ao
emprego que faz dos seus meios, entre os quais se devem compreender, bem
entendido, os seus capitais.”
Para cada nação não há lugar para um governo político, mas para uma
administração. A política deve transformar-se, deve tornar-se “a ciência da
produção, isto é, a ciência que tem por objecto a ordem de coisas mais favorável a
todos os ramos da produção”. A sociedade deve ser organizada de modo a
assegurar a melhor maneira de satisfazer as necessidades de todos os seus
membros. A nova organização social, decalcada da organização das unidades
industriais, transformará as nações em verdadeiras associações de produtores.

Esta doutrina, segundo os seus discípulos, estava destinada a substituir tanto os


ideais do liberalismo como os preceitos religiosos do catolicismo. Incluía uma
crítica rigorosa da propriedade privada, crítica que Saint-Simon formulava em
termos mais científicos que Proudhon, argumentando que a propriedade era uma
instituição social sujeita a evolução. A condenação da propriedade privada e da
exploração dos trabalhadores coincide com a defesa do empresário capitalista, do
industrial empreendedor, a quem consideram que é legitimamente devido o prémio
das suas iniciativas.

B – Robert Owen

Os socialistas associacionistas consideram que a livre concorrência é a causa


principal dos vícios e contradições do estado económico da sociedade. Pensam
que o indivíduo isolado, à mercê de todas as ameaças e de todas as dificuldades,
encontra na “associação” a força e a protecção de que necessita.

Ao contrário dos liberais, não aceitam a ideia de uma “ordem natural”, espontânea
e harmónica. Por intermédio das associações procuram oferecer aos homens “um
novo meio”, embora em certos trechos dos autores associacionistas esse novo
meio (a associação, a cooperativa, a comuna) seja apenas um processo de
“colocar a sociedade em harmonia com a natureza”(Owen).

O socialista Robert Owen (1771-1858) era um homem de negócios bastante rico e


um industrial importante. Criou para os seus operários todas as instituições e
regalias que viriam a ser, posteriormente, objecto de uma larga campanha de
propaganda: casas com jardim, refeitórios, caixas económicas, e escolas laicas
para os filhos dos operários. Reduziu o dia de trabalho dos adultos de 17 para 10
horas, não dava trabalho a crianças com menos de dez anos, e suprimiu o uso de
multas.

Não se pense que era um revolucionário militante. Recusou-se a participar no


movimento cartista, cuja reivindicação mais radical era a do sufrágio universal.

Nunca aconselhou os operários a expropriarem os capitalistas; indicou-lhes, sim, a


vantagem da criação de novos capitais e ensinou-lhes o caminho da cooperação.

Owen pensava que o homem dependia estreitamente do meio. Modificar o meio e


preparar aos trabalhadores melhores condições de existência e de trabalho era o
seu principal objectivo. Para isso afigurava-se-lhe como necessária a supressão
do lucro. Considerava o lucro injusto, o preço do custo era o justo preço. Além de
injusto, causava superprodução, ou, melhor, subconsumo, porque o trabalhador,
devido ao lucro, vê-se na impossibilidade de comprar o produto do seu trabalho e,
portanto, de consumir o equivalente do que produziu.

Concluiu que era necessário substituir a moeda por senhas de trabalho


(labournotes). Estas senhas teriam grande sobre a moeda, como padrões de
valor, dado que representavam o trabalho exacto gasto a produzir cada
mercadoria. O trabalhador receberia pelo seu trabalho o equivalente das horas de
trabalho. Uma tentativa de aplicar este sistema resultou num desastre.

Outra forma de suprimir o lucro era a restituição dos lucros que as cooperativas
realizariam na proporção das quotas dos seus associados. A associação
corporativa basta para assegurar a glória de Robert Owen, e é o aspecto do seu
pensamento que tem real actualidade; mas é necessário não esquecer que Owen
empreendeu experiências colectivas de verdadeiro carácter comunista, como a
colónia Nova Harmonia, que durou dois anos e fracassou.

C – Charles Fourier

Na crítica à organização económica e social do seu tempo, Charles Fourier (1772-


1837) mostra mais agudeza que Owen. Para ele a concorrência livre é um estado
anárquico em que todos os abusos são possíveis. Prega, então, a necessidade da
criação de um novo meio social, no qual o homem não seja a vítima da “liberdade
económica”.
Para Fourier não se trata de suprimir a propriedade, mas de transformar o regime
de propriedade. A associação transformará a propriedade de individual em
societária e a produção de dispersa em unitária. Esta transformação não é
obrigatória porque a associação é voluntária e livre.

Pela convivência diária, melhorariam-se os sentimentos recíprocos entre os


homens, que no regime social liberal, “se movem numa escala ascendente de
ódios e numa escala descendente de desprezo”.

As associações (falanges) seriam simultaneamente de produção e de consumo,


que se bastariam a si próprias. Cada falange era constituída como uma sociedade
por acções, e os lucros, seriam distribuídos segundo a seguinte regra: 4/12 ao
capital; 5/12 ao trabalho; e 3/12 ao talento. O talento era a direcção, que seria
eleita.

O trabalho assalariado convertia-se em trabalho associado, e essa transformação


tornava-o mais atraente, logo, mais produtivo. “O espírito de propriedade é a mais
forte alavanca conhecida para electrizar os cicilizados”.

D – Louis Blanc

Historiador, jornalista, orador e político, Louis Blanc (1811-1886) inpirou-se nas


obras de Sismondi e Fourier. Critica fortemente o regime de livre concorrência,
tentando provar que:

1 – a concorrência é para o povo um sistema de extermínio;

2 – a concorrência é para a burguesia uma causa incessante de empobrecimento


e ruína.

Ao regime de concorrência, Blanc opõe o regime de associação. A associação


deve ser fomentada e financiada pelo Estado. O que falta aos proletários para se
emanciparem são os instrumentos de trabalho, e a função do governo é fornecer-
lhos. “o Estado é o banqueiro dos pobres.”

Para Blanc, a associação estabelece-se por ramos profissionais. O “atelier” social


agrupa operários do mesmo ofício, é simplesmente uma cooperação na produção.
Owen e Fourier propuseram a cooperação simultânea na produção e no consumo.
Os lucros seriam divididos em três partes: uma para os operários; outra para
manutenção dos velhos e dos doentes e para socorrer indústrias em crise; e uma
terceira para comprar instrumentos de trabalho para pessoas que quisessem
aderir à associação. As associações entrariam em concorrência com a indústria
privada. “Trata-se de utilizar a concorrência para fazer desaparecer a própria
concorrência.”

A revolução de 1848 e a criação das oficinas nacionais (que não correspondiam


às oficinas sociais descritas no seu livro) deram grande notoriedade a Louis Blanc,
que, com o seu pequeno livro “L’Organization du Travail”, instruiu a classe
operária francesa na ideia da cooperativa de produção.

E – Pierre-Joseph Proudhon

Como Fourier, P.-J. Proudhon (1809-1865) nasceu em Besançon, no Franco-


Condado. Era o filho mais velho de um cervejeiro, simples e honesto, cuja dura
vida de trabalho Proudhon evoca: “Senhora, sabeis quem era meu pai? – Um
honesto cervejeiro a quem ninguém conseguiu meter na cabeça que, para ganhar
dinheiro, era preciso vender por mais do que o preço do custo. Afirmava sempre
que isso seria um bem mal adquirido.” O seu interesse pela filosofia, e
principalmente pela obra de Hegel, leva-o a cultivar as contradições e os
paradoxos.

Em 1840 publica “Que é a propriedade?”, respondendo que “A propriedade é o


roubo.” A simples propriedade privada, a livre disposição do produto do trabalho e
das economias individuais, é, na opinião de Proudhon, um fundamento da
liberdade individual. Condena, sim, o direito que ela confere a certos proprietários
de receberem, sem trabalho algum, determinado rendimento. O problema não é a
propriedade, mas o direito à sucessão, a renda, o aluguer, o juro, o lucro, o ágio,
os descontos, as comissões, os privilégios, os monopólios, que Proudhon condena
veementemente.

Como os autores socialistas anteriores, Proudhon considera que o trabalho é a


única fonte de valor. Sem o trabalho, a terra ou o capital não são produtivos. Só
aceita a propriedade que é fundamento da liberdade individual, dado que
considera uma questão de justiça o facto de o homem possuir as coisas nas quais
incorpora o seu trabalho. Só é legítima a propriedade conciliada com a justiça,
com a liberdade.

“A liberdade, eis todo o meu sistema: liberdade de consciência, liberdade de


imprensa, liberdade de trabalho, liberdade de comércio, liberdade de ensino, livre
concorrência, livre disposição dos frutos do trabalho e do saber, liberdade até ao
infinito, liberdade absoluta, liberdade em toda a parte e sempre.”

Deste ângulo libertário, ataca os autores que se pronunciaram a favor do


socialismo e da associação. Considera-as como desfavoráveis à liberdade do
trabalhador. “A perfeição económica reside na independência absoluta dos
trabalhadores, do mesmo modo que a perfeição política reside na absoluta
independência dos cidadãos.” A associação, criando uma estreita
interdependência entre os cidadãos associados, é contrária à liberdade e à justiça.
“A comunidade é a exploração do forte pelo fraco.” Propõe-se, então, construir o
seu sistema “entre a propriedade e a comunidade”.

A ideia de justiça implica a ideia de igualdade. Do princípio eterno de justiça: “Faz


aos outros o que queres que te façam”, deriva, como lógica consequência
económica, a mutualidade e reciprocidade de serviços: o mutualismo.

Segundo Rist, o projecto de Proudhon assenta num princípio fundamental: “entre


todos os capitais que permitem aos seus proprietários receber, sob o nome de
juro, renda, desconto, etc., um lucro sobre o produto do trabalhador, o mais
importante é a moeda, visto que, afinal de contas, é sob a forma de moeda que
todos se apresentam no mercado. Se [...] a moeda se emprestasse sem juro, o
lucro desapareceria imediatamente para todos os outros capitais.”

Deste modo, a propriedade ficaria reduzida à posse. E porque o trabalhador


recolheria integralmente o produto do seu trabalho, a justiça económica estaria
assegurada.

O processo para atingir este objectivo era a criação do crédito gratuito, o qual se
obteria organizando um banco pela associação de todos os homens que
desejassem usufruir dos seus benefícios. O “banco de troca” não tem necessidade
de capitais, emite valores de troca que não são convertíveis em moeda e que os
associados receberiam em troca das suas mercadorias e serviços. A confiança
mútua dos associados garante a circulação e a geral aceitação dos valores de
troca. Deste modo, os antagonismos entre trabalhadores e operários
desapareceriam automática e pacificamente, dado que, eliminada a fonte de
rendimentos sem trabalho, só existiriam trabalhadores iguais, que permutariam os
seus produtos e serviços pelo preço de custo.

“Os cidadãos franceses têm direito de se entender e, em caso de necessidade, de


se quotizar para fundarem padarias, talhos, mercearias, etc., que lhes garantam a
venda e a troca, por preços reduzidos, e com boa qualidade, do pão, da carne, de
todos os artigos de consumo que a anarquia mercantil lhes entrega com falsos
pesos, com falsos rótulos e a preços exorbitantes [...]. Pela mesma razão, os
referidos cidadãos têm o direito de fundar no seu interesse comum um banco com
o capital que queiram, a fim de obterem por bom preço o numerário indispensável
às suas transacções.”

Nesta concepção de crédito cooperativo, de crédito mútuo, reflecte-se o


sentimento de que a liberdade é o verdadeiro motor da actividade económica.

Socialista pela preocupação igualitária e pela crítica vigorosa ao conceito


tradicional de propriedade, libertário pelo espírito e pela formação mental, o
pensamento de Proudhon influenciou, principalmente em França, as mais diversas
correntes de opinião. Desde o sindicalismo revolucionário anti- parlamentar ao
corporativismo radical burguês, ao corporativismo paternalista e ao socialismo
reformista, todos se reclamam de Proudhon, o pensador romântico que a si
próprio se classificava de “anarquista, mas amigo da ordem”.

F – Rodbertus e Lassalle

Proudhon reagiu contra o socialismo associacionista num sentido libertário;


Rodbertus e Lassalle reagem num sentido estatista. O socialismo de Estado não é
um novo sistema económico, uma nova teoria, mas uma concepção política
prática. É pedida a intervenção do Estado não só para remediar as injustiças da
sociedade do seu tempo, mas igualmente para preparar, sem lutas dramáticas e
perturbadoras, o advento da sociedade futura.
O intervencionismo de Sismondi, certas páginas de Stuart Mill, o autoritarismo de
Louis Blanc, mostram como o papel do Estado na vida económica não se limitava
já a ser reconhecido, como era até preconizado.

J. Karl Rodbertus (1805-1875), um socialista de Estado alemão, discípulo de


Sismondi, é um socialista intelectual, um grande proprietário rural que os êxitos de
Bismark impressionam e que considerará o socialismo como um movimento
puramente económico. Defende a ideia de que a pobreza e as crises têm a
mesma origem: o salário não aumentar proporcionalmente à produção.

Rodbertus não aceita o conceito liberal de que as sociedades são organismos que
automaticamente atingem o equilíbrio pelo livre jogo das leis naturais. “Os Estados
não têm a felicidade ou infelicidade de as suas funções vitais se realizarem por si
próprias, graças a uma necessidade natural. São organismos históricos que se
constituem por si mesmos e devem estabelecer as próprias leis e os próprios
órgãos: por consequência, as funções destes órgãos não podem também exercer-
se por si: compete ao Estado dirigi-las livremente, mantê-las e desenvolvê-las.”

Rodbertus, que queria “um sistema de direcção pelo Estado”, era um “monárquico,
nacional e social”. Considera que no regime liberal não há possibilidade de afirmar
que se procura ajustar a produção à necessidade social, porque a produção se
relaciona sempre, e apenas, com a procura efectiva, aquela que é determinada
pela posse da moeda. Só se satisfazem as necessidades daqueles que já
possuem alguma coisa.

Ferdinand Lassale (1825-1864) foi sobretudo um agitador, um homem de acção e


um organizador político. Ficou ligado à lei de bronze dos salários: “A lei de bronze
económica, que, nas condições presentes, sob o reino da oferta e da procura do
trabalho, determina o salário, é esta: o salário médio é sempre reduzido à
subsistência necessária, indispensável, segundo os hábitos de uma dada nação,
para a manutenção da existência e para a reprodução”.

O salário não passa durante muito tempo acima desta média, porque isso
suscitaria um aumento da população operária e, consequentemente, a recondução
do salário ao seu antigo nível. Também não pode descer abaixo dessa
subsistência necessária durante muito tempo, porque, em consequência da
miséria, cresceria a emigração, o celibato, e diminuiria o número de operários,
voltando o salário a subir para o nível anterior. Esta lei é, simplesmente, uma nova
formulação da teoria, de Ricardo, do salário necessário.

Lassale preconizou as oficinas de produção subvencionados pelo Estado e


atribuiu a este um importante papel intervencionista. O fim do Estado é “realizar o
destino humano, isto é, toda a cultura de que a humanidade é capaz: é a
educação e o desenvolvimento humano no sentido da liberdade”.

Wagner afirmava que existe entre os indivíduos e as classes de uma nação uma
solidariedade moral muito mais forte do que a solidariedade económica. Entendia
que o Estado devia assegurar a justiça na distribuição da riqueza, melhorar as
condições de vida da classe operária, criar instituições de interesse público.
Bismark compreendeu a vantagem da difusão das ideias do socialismo de Estado,
tanto no combate ao liberalismo como na luta contra o socialismo revolucionário,
e, embora tenha adoptado algumas medidas de carácter social, aproveitou-se do
prestígio da doutrina para fortalecer o Estado.

G – William Thompson

Na Inglaterra da primeira metade do século XIX, a indústria já estava bastante


desenvolvida, as lutas dos operários eram frequentes e iniciava-se o movimento
das “trade unions”, associações operárias de carácter sindical (que só mais tarde
apareceram nos outros países europeus). Estas condições sociais, a divulgação
do utilitarismo de Bentham e a lição da escola clássica, principalmente de Ricardo,
tornaram possível o aparecimento de um grupo de autores socialistas – os
socialistas ricardianos ingleses - que tiram conclusões novas das obras dos
clássicos.

Todos aceitam que o trabalho é a verdadeira medida do valor e todos enunciam já


a noção de mais-valia. Aceitam o princípio utilitarista da necessidade de alcançar
“a maior felicidade para o maior número” e pensam que a estrutura da sociedade
não é imutável e de origem divina.

William Thompson (1785?-1833), discípulo de R. Owen, não só é considerado por


muitos o criador da noção de mais-valia, como (pelo seu conhecimento da ciência
económica e pela profundidade do seu pensamento) é por vezes indicado como o
fundador do socialismo cooperativo.

Para estes autores, só o trabalho justifica a propriedade. A teoria do valor-


trabalho adquire uma significativa importância que não encontramos no próprio
Ricardo. A renda, o juro e o lucro, não só constituem um rendimento ilegítimo,
como geram as contradições sociais.

H – Karl Marx

O fundador do socialismo científico nasceu em Trier, na Renânia, em 1818. O


revolucionário Karl Marx (1818-1883) pertencia a uma família burguesa de origem
judaica.

Formado em Direito, conclui que necessita de um sistema filosófico e interessa- se


por Hegel. Sob a influência de Gans, professor de Direito Penal na Faculdade de
Direito de Berlim, que Marx frequentava, começam a surgir, entre os jovens
hegelianos, tendências esquerdistas. A renovação do hegelianismo iniciara-se, em
1835, com a publicação da “Vida de Jesus”, de David Strauss – grande sucesso
entre a juventude alemã. Marx tinha 19 anos quando assimilou a filosofia de Hegel
e estabeleceu relações com a esquerda hegeliana.

No ano de 1841, a publicação de “A Essência do Cristianismo”, de Feuerbach,


marca uma nova fase na evolução intelectual de Karl Marx. Ao conhecimento da
filosofia materialista junta-se a actividade jornalística na Gazeta Renana. Em 1843
a Gazeta Renana é proibida, Marx casa-se, e parte para Paris. Em Paris
relaciona-se, entre outros, com Proudhon e Engels. Friedrich Engels era

hegeliano de esquerda e socialista, tendo uma preparação teórica muito diferente


da de Marx – estudara economia política, conhecia a doutrina socialista de Owen
e possuía já uma visão esquemática da interpretação materialista da história. O
marxismo é, efectivamente, obra comum de Marx e Engels.

Em 1843, no seu livro “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, Marx


confronta Feuerbach com Hegel e sublinha a contradição inerente ao Estado
hegeliano e os nexos entre o idealismo de Hegel e as suas opiniões reaccionárias.
Em 1846 inicia uma crítica ao trabalho de Proudhon “Filosofia da Miséria”, e rompe
relações com o socialismo francês.

Marx e Engels prosseguem, simultâneamente com a actividade teórica, uma


intensa actividade política. Expõem, em 1848, a sua doutrina no “Manifesto
Comunista”. Este torna-se famoso e Marx é expulso da Bélgica, refugiando-se em
Paris. Segue com Engels para a Alemanha, para participar nos acontecimentos
revolucionários de 1848. Em 1849 vê-se outra vez no exílio, passando a viver em
França e na Inglaterra, onde funda a Associação Internacional dos Trabalhadores.

É em Inglaterra que se lança no estudo da economia política. As doutrinas da


Escola clássica, o desenvolvimento industrial do país e as crises cíclicas,
proporcionam a Marx um vasto campo de estudo. Em 1859 publica a “Crítica da
Economia Política”, que é uma profunda introdução a “O Capital”, a sua obra
decisiva, cujo volume I aparece em 1867. A fusão do movimento operário alemão
dá-lhe uma oportunidade para criticar vigorosamente o socialismo reformista.

Os restantes volumes de “O Capital” só foram publicados após a morte de Marx,


em 1883. Foi Engels quem os publicou, em 1885 e 1889. Em 1904, Kautsky
publicou “Teorias da Mais-Valia” a partir das notas de Marx para o volume IV de
“O Capital”.

“As minhas investigações conduziram à conclusão de que as relações jurídicas –


assim como as formas de Estado – não podiam ser compreendidas nem em si,
nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas que, inversamente,
tinham as suas raízes nas condições materiais da existência [...]”.

“[...] na produção social da sua existência, os homens entram em relações


determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção
que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças
produtivas materiais. O conjunto destas relações constitui a estrutura jurídica e
política, à qual correspondem formas de consciência social

determinadas. O modo de produção da vida material condiciona o processo da


vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que
determina o seu ser; é, inversamente, o seu ser social que determina a sua
consciência. Num certo estádio de desenvolvimento as forças produtivas materiais
da sociedade entram em contradição com as relações de produção

existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de

propriedade no meio das quais até então tinham evoluído. De formas de


desenvolvimento das forças produtivas que eram, estas relações tornam-se
obstáculos ao seu desenvolvimento. Então inicia-se uma época de revolução
social. A mudança na base económica transforma, mais ou menos, toda a
superestrutura.”

Munido do seu método dialéctico, e de um conhecimento profundo da economia


política inglesa, Marx analisa a estrutura económica da sociedade capitalista.

“O que caracteriza a economia política burguesa” é o facto de “ver na ordem


capitalista não uma fase transitória do progresso histórico, mas a forma absoluta e
definitiva da produção social.” Marx verifica que a vida económica na época
capitalista consiste num “sistema de trocas”. E ao contrário dos clássicos, conclui
que esse sistema não é um sistema de trocas equivalentes.

Se assim fosse, não se dariam, regularmente, crises de superprodução. É da


periodicidade das crises que Marx deduz que não existe uma tendência natural
para a harmonia e o equilíbrio económico, mas uma tendência permenente para o
desiquilíbrio.

A teoria da troca de equivalentes não explica também, para Marx, a origem do


lucro. O problema das crises e a investigação do verdadeiro carácter do lucro
conduzem Marx ao estudo do valor.

Marx atribui ao trabalho a origem do valor. O valor de uma mercadoria é


objectivamente determinado pela quantidade de trabalho social médio que essa
mercadoria representa: “O tempo socialmente necessário à produção das
mercadorias é o que exige qualquer trabalho, executado com o grau médio de
habilidade e de intensidade e em condições [...] normais.”

A aparência económica dá-nos a ilusão de que o dinheiro se troca por dinheiro, ou


por coisas que vale dinheiro. Na realidade, a troca estabelece a passagem de
umas mãos para outras de trabalho humano incorporado nos produtos da
actividade humana, e isso segundo certas relações históricas e sociais que
constituem a estrutura de cada sociedade diferenciada (comunidade tribal,
sociedade senhorial, sociedade capitalista, etc.)

A simples troca de mercadorias constitui uma operação complexa, iguala o que é


desigual, realiza um movimento dialéctico. Quando a maquinaria se torna
fundamental para a produção, o que acontece na época do capitalismo industrial,
o verdadeiro capitalismo, a troca complica-se.

O desgaste da maquinaria entra no valor do produto, assim como o valor dos


salários e o lucro. Ao capital investido na maquinaria, nas instalações e nas
matérias-primas, Marx dá o nome de capital constante, enquanto que ao capital
gasto em salários e do qual provém o lucro, chama capital variável. A proporção
entre os capitais é designada por composição orgânica do capital, variando de
acordo com o ramo de produção. Duas mercadorias que resultem do mesmo
tempo de trabalho social não são trocadas com o mesmo valor senão quando a
composição orgânica do capital dos dois ramos de produção for igual.

O assalariado não vende ao capitalista “o seu trabalho”, mas a sua força de


trabalho, o seu tempo de trabalho. O salário representa a quantidade de trabalho
necessário à sociedade para ela alimentar, vestir, alojar, etc. o trabalhador
individual. Que é inferior ao tempo de trabalho social médio que representa o seu
tempo de trabalho individual. Se não o fosse, o trabalho de cada indivíduo não
seria produtivo; seria o trabalho suficiente para assegurar a sua manutenção.

O salário revela, e dissumula, uma operação complexa: a troca da força de


trabalho, paga pelo seu valor, pelo valor criado pela força de trabalho. O capitalista
guarda a diferença entre o salário e o valor do produto. O lucro deixa então de ser
um mistério social, é a mais-valia adquirida pelo capital no decurso do processo de
produção.

O capitalismo surge como uma troca de não equivalentes. Por isso, em vez de
harmonia e equilíbrio, manifestam-se no seu seio forças de desequilíbrio e rotura.
A massa dos produtores não pode consumir o que produz. Para Marx, a
contradição principal não é a que existe entre produção e consumo, mas entre o
carácter socialmente produtivo do trabalho e a apropriação privada dos produtos
do trabalho.

As crises periódicas revelam o conflito interno entre as forças de equilíbrio e as


forças de rotura. O ciclo apresenta tendência para a sobreprodução que, ao atingir
a fase aguda, se manifesta pela crise, pela queda das vendas, pelo desemprego,
pela destruição de stocks, de parte da maquinaria, etc. Fazendo diminuir a
produção, a crise equilibra-a com o nível imposto pelas possibilidades de
consumo. Vem então o equilíbrio, a animação económica, que dura algum tempo,
até nova crise. O equilíbrio interno do capitalismo obtém-se por intermédio das
crises, que resolvem a contradição entre as forças de equilíbrio e as forças de
rotura.

Bibliografia

1. ARRUDA, José Jobson de Andrade. História Moderna e contemporânea. São Paulo:


Ática. 1981.
2. DE ALMEIDA, Guilherme. Atlas Básico de Economia. Porto: Plátano. 2008. 96 p
3. DENIS, Henry. História do pensamento Económico. Lisboa. 2000.
4. SENGULANE, Hipólito. Das Primeiras Economias ao Nascimento da Economia-
Mundo. Maputo: Escolar.2004.
5. STANLEY, Bruce. História do pensamento económico. São Paulo.
6. TAYLOR, Arthur. As grandes doutrinas económicas. Lisboa: Europa-América. 160 p

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