Investigação Acerca Da Performance e Seus Aspectos Relacionados A Preparação Do Performer

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTE DRAMÁTICA

INVESTIGAÇÃO ACERCA DA PERFORMANCE E SEUS ASPECTOS


RELACIONADOS A PREPARAÇÃO DO PERFORMER
SÍLVIA REGINA FERRARI LUCAS ALVES

Marina Abramovic, At 44 1/2, Creative Time’s

Trabalho de Conclusão de curso


Licenciatura em Teatro
Orientação: Profa. Dra. Suzi Weber

Dezembro de 2010
Dedico esse trabalho a Tai e agradeço à minha família
pelo apoio, ao Ezelino pelas conversas, a Profa. Suzi
pelas tais “lamparinas”, a profa. Silvia por incentivar, ao
Elcio Rossini, a Alexandra Dias, ao Marco Paulo Rolla
pelas contribuições valiosas e ao Joseph Beuys pelo
choque provocado.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Ioko Ono – performance do Fluxus............................................................06


Figura 2: Joseph Beuys em Coyote: I like America and America Likes me...............10
Figura 3: Marina Abramovic.......................................................................................14
Figura 4: Sílvia Regina Ferrare em Quem.................................................................16
Figura 5: Joseph Beuys..............................................................................................19
Figura 6: Marina Abramovic – foto do site tecituras.wordpress.com.........................23
Figura 7: Joseph Beuys – How to Explain Pictures to a Dead Hare.........................27
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................05
2 OBJETIVOS............................................................................................................08
3 SOBRE ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS DA PERFORMANCE....................09
4 PRESENÇA FORTEMENTE AFIRMADA..............................................................12
5 SOBRE O MEU PROCESSO DE CRIAÇÃO.........................................................15
6 SOBRE ATUAÇÃO ................................................................................................18
7 O FAZER ARTÍSTICO E O FAZER PEDAGÓGICO..............................................21
8 SOBRE A PREPARAÇÃO DOS PERFORMES.....................................................22
CONCLUSÃO............................................................................................................26
REFERÊNCIAS..........................................................................................................28
ANEXOS....................................................................................................................30
5

1 INTRODUÇÃO

O contato prático e teórico com a performance art , que se caracteriza por ser
um espaço interdisciplinar e que busca romper os limites entre as linguagens
artísticas, aproximou-me da arte contemporânea de maneira mais atualizada e
instigante. Esta aproximação trouxe-me, também, um questionamento sobre o que é
arte, qual o espaço da arte e da vida, e os cruzamentos existentes entre esses
territórios.
A performance art é fruto das transformações ocorridas na Arte na pós-
modernidade, tornando-se um espaço/tempo privilegiado para a pesquisa teatral.
Por colocar fora de ordem certas convenções do teatro, a performance contribuiu,
também, para as discussões em torno da interpretação/atuação do ator. Na
performance o ator não está comprometido com a estrutura em torno do drama. Sua
meta é a articulação do objeto, do tempo e do espaço através da ação, valorizando o
aqui-agora. A ficção mistura-se com a realidade e assim o ator faz a ligação entre as
esferas vida e arte, transitando, o seu corpo, nessa zona de indefinição (ROSSINI,
2005). Essa zona de indefinição se caracteriza pela ruptura com a representação.
Através do estudo de aspectos da performance podemos compreender
melhor as transformações ocorridas na arte em nosso tempo. Para aprofundar meu
conhecimento referente à expressão artística da performance, resolvi experimentar-
me como performer também. Além disso, utilizei entrevistas com outros artistas. Os
materiais teóricos consultados serviram de base para esta pesquisa que pretende
investigar as formas de preparação que artistas da performance usam para atuar.
Minha formação, tanto no curso de Licenciatura em Teatro, no Departamento
de Arte Dramática da UFRGS, como nas oficinas e cursos que frequentei, como o
TEPA (1996), por exemplo, atendia parte das necessidades surgidas na experiência
vivida na disciplina Laboratório Experimental de Teatro I, ministrada por Elcio
Rossini, em 2006, no Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Além do estudo
da performance art, também tínhamos a tarefa de criar uma performance. Através de
vários estímulos, entre eles, usar imagens de performances já criadas por diferentes
artistas como referência, criei a minha própria performance que, agora, veio a ser
intitulada QUEM. Uma pequena foto de Yoko Ono atrás de uma estrutura de tecido
com algumas palavras entrecortadas me serviu de inspiração. Naquele momento
6

surgiu, então, a idéia de fazer algo usando um tecido que delimitasse dois lados.
Élcio sugeriu o uso de um retroprojetor e, automaticamente, eu tinha uma sombra
como objeto cênico. Da interação sombra/tecido/corpo cheguei a uma forma que
considerei instigadora como instrumento de comunicação.

Figura 1: Ioko Ono – performance do Fluxus

Até então, toda a minha prática artística tinha sido no sentido da construção
da personagem coerente com a estrutura de uma dramaturgia. Neste tipo de
criação, meu corpo era preenchido pelo conteúdo personagem, com suas
características bem definidas, tanto psicologicamente como fisicamente. Para esse
tipo de construção de personagem existe toda uma gama de exercícios, de jogos e
de técnicas. Mas, em se tratando de performance, quais recursos utilizar para
chegar ao corpo que em cena não é sustentado pelo personagem ou por uma
dramaturgia? E mais, qual natureza (significado) desse corpo/presença na
performance?
Como professora do ensino fundamental e médio, na rede pública estadual,
constato que a visão da arte nas escolas, de um modo geral, ainda é a “moderna” ou
a das “belas-artes”. Acredito que o estudo da performance como manifestação
artística da pós-modernidade, pode contribuir para uma atualização dessa visão, já
que ela é vista por muitos teóricos das artes (Goldberg, 2006) e do teatro
7

(COHEN,1989; FERAL, 2008; SCHECHNER, 2000) como uma manifestação que se


caracteriza pelo rompimento parcial das convenções e conceitos de arte
estabelecidos e pela interação de várias linguagens artísticas, característica que
vem influenciando cada vez mais a arte contemporânea.
8

2 OBJETIVOS

Neste Trabalho de Conclusão de Curso tenho como objetivos principais as


seguintes propostas:

• Desenvolver o estudo e a prática da performance como contribuição para


uma atualização da visão de arte na rede pública estadual.
• Contribuir para uma reflexão sobre práticas de formação de atores em
Performance.
• Experimentar-me como performer, investigando práticas que facilitem a
busca de um corpo atuante em performance.
9

3 SOBRE ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS DA PERFORMANCE

Josette Féral (2008) observa que a performance redefiniu os parâmetros da


arte, sobretudo na prática teatral como um todo. Com destaque nas artes plásticas e
utilizando-se de elementos teatrais para sua manifestação, a performance tem
possibilitado transformar e trazer um questionamento sobre o teatro. A autora
desenvolve a noção de performatividade como característica desse teatro que sofreu
a influência da performance:

Entretanto, se há uma arte que se beneficiou de aquisições da


performance, é certamente o teatro, dado que ele adotou alguns dos
elementos fundadores que abalaram o gênero (transformação do ator em
performer, descrição dos acontecimentos da ação cênica em detrimento da
representação ou de um jogo de ilusão, espetáculo centrado na imagem e
na ação e não mais sobre o texto, apelo à uma receptividade do
espectador de natureza essencialmente especular ou aos modos das
percepções próprias da tecnologia...). Todos esses elementos, que
inscrevem uma performatividade cênica, hoje tornada frequente na maior
parte das cenas teatros do ocidente (...), constituem as características
daquilo a que gostaria de chamar ‘teatro performativo’ (FÉRAL, 2008,
p.198).

Para Eleonora Fabião (2008), definir performance é um falso problema , já


que uma de suas características é fugir das definições, tal é a diversidade de suas
manifestações. Para Cohen (1989), a performance escapa do analítico, em sua
essência ela procura escapar a definições e rotulações. Ele define performance
como “uma linguagem de experimentação” e “uma expressão cênica”. Ainda,
segundo Cohen (1989) , as definições e descrições aproximam-se pouco da
sensação de assisti-las. Outra característica da performance é a ruptura com a
representação, adentrando, por isso, em um espaço que não é o da ficção, espaço
onde a vida e a arte se aproximam. Ela pode ser um ritual ou uma demonstração. Na
performance, a quebra com a ficção nos abre um universo de possibilidades.
10

Figura 2: Joseph Beuys em Coyote: I like America and America Likes me

A partir dos anos 1970, iniciam-se, sobretudo nos Estados Unidos, estudos
sobre a performance (Performance studies), ampliando o conceito para além do seu
aspecto artístico. Diretor de teatro e editor da revista The Drama Review, Richard
Schechner (2003) constata que a performance art é apenas uma das formas do ser
humano performar e que defini-la como tal vai depender da cultura em que está
inserida e do pensamento dominante de determinada sociedade. Segundo
Schechner (2003), a performance é definida como uma “conduta restaurada” e “tipo
de conduta comunicativa que forma parte de, ou é contígua com cerimônias rituais
mais formais, reuniões públicas e outros vários meios de troca de informações e
costumes”. Para ele “Mostrar-se fazendo é performar: apontar, sublinhar e
demonstrar a ação”. E ainda, performar é o resultado de certas ações:

• Ser – comportar-se
• Fazer – atividade de tudo o que existe
• Mostrar fazendo – performar
• Explicar essa exposição do fazer – reflexão sobre a performance
11

Autora de um dos primeiros estudos neste assunto, para Goldberg (2006) no


campo artístico a performance surge como ruptura, como modo de transgressão as
formas estabelecidas da arte e de seus limites, tanto no início do século XX, com os
futuristas rebelando-se contra o modernismo, como contracultura do pós-guerra,
quando definiu-se como linguagem artística (COHEN, 1989). Sobre transgressão,
Roselee Goldberg nos fala:

Essa postura radical fez da performance um catalisador na história da arte


do século XX: sempre que determinada escola – quer se tratasse do
cubismo, do minimalismo ou da arte conceitual – parecia ter chegado a um
impasse, os artistas se voltavam para a performance como um meio de
demolir categorias e apontar novas direções. Além do mais, no âmbito da
história da vanguarda – refiro-me aqui aos artistas que, sucessivamente,
lideraram o processo de ruptura com as tradições-, a performance esteve
durante o século XX no primeiro plano de tal atividade: uma vanguarda da
vanguarda (GOLDBERG, 2006, p. 7).

No sentido de perceber de forma mais clara as diferenças e semelhanças


entre as definições e características da performance, segue um quadro sintético:

definição características
- associa, sem conceber ideias, artes
plásticas, teatro, dança, música, vídeo,
poesia e cinema.
“Teatro das artes visuais” que
Pavis - É apresentada não em teatros, mas em
surgiu nos anos sessenta.
museus e galerias de arte.
- Efemeridade e falta de acabamento da
produção.
Caráter de descrição dos fatos;
Engajamento total do artista, colocando em
Férral Execução de ações
cena o desgaste que caracteriza suas
ações
Tipo de conduta comunicativa
que forma parte de, ou é
contígua, com cerimônias rituais - Condutas restauradas
Schechner
mais formais, reuniões públicas - mostrar-se executando a ação.
e outros vários meios de troca
de informações e costumes.
Prática artística que se
desenvolve como gênero ao
longo da segunda metade do -resistir a definições
sec. XX. -desconstrução de modos tradicionais de
Trata-se de um gênero produção e recepção artística
E. Fabião
multifacetado, de um -ênfase no corpo como tema e matéria
movimento, de um sistema tão -desconstrução da representação,
flexível e aberto que dribla desinteresse pela ficção
qualquer definição rígida de
arte, artista, espectador ou cena
Linguagem de experimentação
-"reforçar o instante e romper com a
Cohen e
representação".
Expressão cênica
- aproximação entre vida e arte.
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4 PRESENÇA FORTEMENTE AFIRMADA

Usarei a expressão “presença fortemente afirmada” de Josette Feral (2008),


para me referir a manifestação do corpo na performance. Essa noção de presença
me remete a dimensão da forte presença que independe do personagem e da
dramaturgia. Esta “presença fortemente afirmada” pode ser afirmada através da
plasticidade, da imagem, da sonoridade e outras dimensões que não a dramática, no
entanto teatral.
No 1º Plataformaperformance, evento que aconteceu em Porto Alegre, em
maio de 2010 e que contou com a participação de artistas e pesquisadores vindos
de vários estados brasileiros, pude assistir um exemplo desta ‘presença fortemente
afirmada’ na performance CABELO do artista mineiro Paulo Nazareth. Realmente
estive diante de uma presença cênica que é difícil descrever, plena de uma energia
que se faz sentir. Uma presença expandida, que se construiu no próprio processo de
atuação na performance.
Segundo Gilberto Icle (2002, p. 71):

Frequentemente temos a sensação de que determinados atores são


cinestesicamente maiores ou mais altos, ou ainda, emanam uma energia
quase visível pelo espaço. Estes exemplos costumam chamar a atenção do
espectador de maneira eficaz. Estamos diante do príncipio da dilatação.

Perguntei-me qual o mecanismo de passagem para esse tipo de presença.


Como ela opera em relação ao outro (público), como o artista faz para reunir as
condições necessárias até chegar a essa presença fortemente afirmada? O que vi
era apenas ação (tarefa), executada diante de um público, através da presença e
era ela que dava força ao que estava sendo mostrado.
Monica Dantas (1999), apoiando-se em Maurice Merleau-Ponty, observa que
a presença corporal unifica sujeito-objeto e “... é o corpo no presente, ao afirma-lo
em suas atitudes e posturas, torna-se todo aparência e potência para realizar
movimentos” (MERLEAU-PONTY apud DANTAS, p.110). O corpo é o unificador do
presente, catalizador do tempo e do espaço, instante único que não se repete.
Acredito ser esse corpo presente no “aqui-agora” com a consciência concentrada em
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cada movimento, que gera essa presença capaz de manter-nos ligados ao que
acontece em cena.
Essa noção de presença, em Hans-Thies Lehmann (2007), é auto identidade
e só existe por causa de um cotidiano estabelecido, uma pessoa é uma quantidade
de possibilidades diversas, sendo, então, a presença uma ilusão.
O corpo do artista performando evidencia a construção/desconstrução das
identidades assumidas na experiência social. Buscando a desconstrução, temos
uma revelação de outro corpo possível, outra relação com a vida e com a arte se
estabelece. A partir dessa nova maneira de vivenciar o corpo, mais livre do tempo e
dos papéis desempenhados no dia-a-dia, o performer procura compartilhar com o
outro seu desassossego com as coisas da vida.
Como observa Schechner:

A performance se origina no impulso de fazer que passem coisas e de


entreter; obter resultados e brincar; detectar significados e passar o tempo;
ser transformado em outro e celebrar ser um; (...) desaparecer e exibir-se;
estar em transe e também consciente; focar-se em um grupo seleto que
compartilha uma linguagem secreta e falar aos quatro ventos, ao público
mais amplo possível e estranho;(...).Essas oposições e outras geradas por
elas, abarcam a performance: uma situação ativa, um processo contínuo e
turbulento de transformação (SCHECHNER, 2000, p.58-59)

As tensões geradas por esses opostos estão presentes, também, no corpo do


performer, que vivencia as fronteiras não definidas claramente e a ambiguidade
contidas na performance.
O corpo do performer se coloca diante do público como veículo para
comunicação, troca. Aproximando de Grotowski (1968), o ator se ‘auto-sacrifica’ para
reacender no outro também a sua identidade-presença. Este corpo também propicia
um questionamento sobre o que é a vida e como o corpo é transpassado por ela.
Ele, também, é o canal por onde seus movimentos, ideologias, crenças se
manifestam. Estar diante do público para reafirmar sua presença, deixando claro que
na arte, apesar das tecnologias utilizadas ainda é ele, o corpo, o instrumento que
liga e faz sair faíscas. A presença tensiona e é a síntese dos movimentos presentes.
A presença do corpo é intransponível.
14

Figura 3: Marina Abramovic

Ainda, sobre presença, Ryngaert (2009) nos diz:

Ela não existe pelas características físicas do indivíduo, mas sim em uma
energia vibrante, da qual podemos sentir os efeitos mesmo antes de o ator
agir ou tomar a palavra, no vigor do seu estar no lugar(...) De certa forma, a
aptidão para a concentração age sobre a qualidade da presença
(RYNGAERT, 2009 p. 55-56).
15

5 SOBRE O MEU PROCESSO DE CRIAÇÃO

A criação da performance QUEM, se deu em três etapas:

• 2006 – primeiro contato, a descoberta de uma linguagem e a paralisia


diante do desconhecido, o processo de criação partindo de uma forma e
não o contrário – o conteúdo determinando a forma.
• 2009 – apresentação da performance, retrabalhada, para colegas de
elenco da peça Fragile (Depósito de Teatro), inserindo uma pequena
dramaturgia, que demonstrou-se insuficiente paras “segurar” a cena.
• 2010 – instrumento de pesquisa sobre a preparação do performer para
atingir uma presença fortemente afirmada.

E é sobre essa última etapa que gostaria de falar mais detalhadamente. A


criação aconteceu através de uma vontade interior, da possibilidade de momentos
livres de criação, agregando os meios necessários para concretizar-se. Esse
processo conectou-me com a arte contemporânea e me permitiu um processo de
elaboração de mim mesma como artista.
Vi, através da performance, um meio de atingir o “acontecer”, o “fazer”, o
“mostrar-se fazendo” em contraponto ao interpretar. Deu-se em mim, enquanto
artista, um processo de ruptura com a representação teatral, abrindo espaço para
outro tipo de relação com o público e com a arte.
Eu quis pesquisar as consequências, as imagens e as possibilidades de
combinação entre os diferentes níveis da imagem real, no caso, a intersecção da
imagem material do corpo e a imaterial da sombra; e, ainda, quais as possibilidades
teatrais/performáticas- que poderiam existir nessa imagem ambígua. A questão da
definição do tipo de trabalho que estava nascendo, se poderia definir-se como teatro
de sombras, qual a relação da sombra com o animador, foram questões levantadas
nesse processo.
16

Figura 4: Quem - foto Elcio Rossini

Por outro lado, sem um personagem, eu teria que falar por mim mesma. Meu
corpo teria o meu gesto, não o meu gesto cotidiano, certamente, mas outro que não
sabia dizer qual era. Foi um processo de autonomia como artista que vai ao
encontro com o que é sugerido por Cohen (1989):

Na passagem para a expressão artística performance, uma modificação


importante vai acontecer: o trabalho passa a ser mais individual. É a
expressão de um artista que verticaliza todo o processo, dando sua leitura
de mundo, e a partir disso criando seu texto (no sentido sígnico), seu
roteiro e sua forma de atuação. O performer vai se assemelhar ao artista
plástico, que cria sozinho sua obra de arte; ao romancista, que escreve seu
romance; ao músico, que compõe sua música (COHEN, 1989, p.100).

Através de experimentações muito livres, de experiência com objetos, de


movimentos sem intenção, da não utilização da narrativa, a performance foi criada e
me trouxe esse novo posicionamento como artista, como criadora.
Durante o processo de ensaios, o maior desafio foi atingir essa “presença
fortemente afirmada”, que tem o poder, por si só, de sustentar todo o trabalho. Para
conquistá-la recorri a uma preparação baseada nas que serão mencionadas mais
adiante, além de uma síntese de minhas experiências em teatro e que envolvem
exercícios de yoga, de respiração e outros elaborados por mim a partir de
observações de outros artistas. Outros recursos foram importantes, tais como: a
busca pela presença enquanto preparava o cenário, trocava de roupa, durante a
tarde, mesmo antes de chegar ao DAD, no meu relacionamento com as pessoas.
Em todos esses momentos busquei uma maior escuta do outro e estive verificando a
reação a essa escuta. Posso dizer que busquei uma consciência ampliada, atenta
aos detalhes e as transições de um momento para outro.
Identifiquei como sendo performance este trabalho pois ele está muito mais
centrado na imagem do que no texto, embora o mesmo tenha sido utilizado como
um recurso a mais para a criação. A narrativa é fragmentada, não dá informações
claras sobre o que está acontecendo e quem é a figura que está em cena. Não
houve um trabalho de construção de personagem, eu me mostrava parcialmente
enquanto entrava e saia de “personagens”. A dificuldade em encaixar em algum
gênero artístico também é outro fator que, para mim, aproxima esse trabalho da
performance. Também o espaço para realizar esta apresentação não era um palco, e
sim uma porta, que se caracteriza enquanto espaço cotidiano.
6 SOBRE ATUAÇÃO

Para muitos artistas, o trabalho do performer liga-se a noção de tarefa, em


estar em cena com o objetivo de executar uma tarefa. Em Objetos para ação, Elcio
Rossini diz que para isso ele não precisa de acessórios ou elementos decorativos,
ele precisa articular objeto, corpo e espaço, para atingir o objetivo proposto (cumprir
a tarefa). Vejo aí uma diferença importante entre atuação em performance e
interpretação teatral. Embora ambas sejam expressões cênicas, no caso da
performance, a “ trajetória da ação torna-se matéria maleável, podendo adquirir
modulações que estarão de acordo com a experiência e preparação corporal do
performer” (ROSSINI, 2005). E ainda:

O performer não enfatiza as oposições que os movimentos do seu corpo


enfrentam utilizando artifícios (...) Ele não simula ou enfatiza o esforço
valendo-se de recursos como a ampliação dos gestos, as expressões
faciais ou o uso da pausa, por exemplo (...) O drama cabível para este
trabalho é aquele que surge de uma relação concreta entre objeto e
movimento do corpo do performer. (2005, p. 49).

O como a ação acontece é que passa a ser o centro de interesse e não mais
a história que será encenada. O corpo do performer não esconderá as dificuldades
por qual passa e expõe, “ao vivo e a cores” sua realidade psicofísica.
Estabelecendo uma quebra com a ficção, a atuação em performance, propõe
outras questões e relações para o corpo, que são diferentes da relação
ator/personagem do teatro tradicional. Essa dicotomia ator/personagem presente na
representação teatral, na performance se amplia, pois o que esta em questão são
vários papéis, tendo em vista a ruptura mencionada:

Para se compreender melhor essa questão, é interessante ter como


referência a Teoria dos Papéis. Os papéis que estão presentes não ficam
apenas a nível da dicotomia ator-personagem. O que existe é uma
multifragmentação, isto é, existem vários níveis de ‘máscaras’ (COHEN,
1989, p. 58).

Outra diferença apontada por Cohen (1989) entre ator-interprete e o


performer, é a capacidade deste último de conduzir o “espetáculo-ritual” dando
ênfase ao aqui-agora. O performer, através de sua presença, é quem vai sustentar
todo o trabalho.
No atuar o estado psicofísico do performer se compara ao corpo em êxtase
do xamã, que por sua vez, é comparado por Schechner (2000) ao do ator santo de
Grotowski.
Cohen diz que o performer trabalha sobre sua máscara ritual:

Na performance existe uma ambiguidade entre a figura do artista performer


e de uma personagem que ele represente. Na performance de Joseph
Beuys quem está lá é o próprio artista e não alguma personagem. É
importante distinguir, no entanto, que à medida que Beuys metaforicamente
está representando (simbolizando) algo com suas ações, quem está lá é
um ‘Beuys ritual’ e não o ‘Beuys do dia-a-dia’ (COHEN, 1989, p. 58).

Figura 5

Um outro aspecto da performance é o político.


Segundo Cohen (1989), para o performer atuação não é profissão e
sim, palco de experiência ou tomada de consciência para utilização na vida. Pelos
menos para uma parcela de artistas é assim. Porém, a manifestação é bem diversa
e, em muitos casos, é vista como uma profissão, um meio de sustento.
O corpo, matéria da performance, é o ponto onde se cruzam tensões do que é
construído socialmente e da busca pela transformação/libertação desse construído,
buscando os possíveis caminhos a serem percorridos a partir de escolhas
conscientes ou não.
7 O FAZER ARTÍSTICO E O FAZER PEDAGÓGICO

A pesquisa como prática para o professor de Arte deve ser uma constante. A
pesquisa alimenta e integra o trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula
com o trabalho artístico, encontrando situações comuns a esses universos. Através
do processo pedagógico o professor de Arte incorpora o ambiente da escola e o seu
relacionamento com os alunos ao seu fazer artístico e vice-versa. O aluno ganha
com esta prática, pois o processo de criação estará sempre em desenvolvimento a
partir das experiências vividas na pesquisa pelo professor e por ele mesmo.
Segundo Dantas (1999):

É um saber fazer que pode ser continuamente reinventado, tornando-se um


formar. Pois bem ressalta Pareyson (1993), o fazer torna-se um formar não
quan do se limita a executar algo já planejado, a aplicar uma técnica já
predisposta ou a submeter-se a regras já fixadas, mas, quando, durante o
processo de transformação da matéria, a concepção, o planejamento e a
execução são ações concomitantes: quando as regras são definidas
durante o ato criador e quando o fazer inventa o próprio modo de fazer.
Este processo de invenção do fazer permite uma constante recriação da
técnica (DANTAS, 1999, p.31).

A experiência é formativa, ou seja, ela é, sem dúvida, uma fundamental fonte


de aprendizado. Por isso, fiz a escolha de colocar em prática o estudo desenvolvido
sobre a performance, experimentando-me como performer. Considero de suma
importância esse processo, pois me possibilita uma aproximação com o fazer
artístico, com a prática e seu saber incorporado, vivido.
8 SOBRE A PREPARAÇÃO DOS PERFORMERS

Por lidar mais diretamente com o momento presente e ter um contato mais
direto com o público como indivíduo e não como um personagem, a preparação do
performer exige uma “energização” do corpo diferenciada da do personagem. São
muitos os artistas que lidam com a performance que referem ao trabalho com a
energia para que a sua presença possa ser a força que sustentará a cena.
Direcionando a energia disponível que, geralmente, se dispersa nas tarefas
cotidianas, para a ampliação da presença, o performer cria, desta forma, um campo
mítico (COHEN, 1998) onde vivenciará a experiência da performance. Em entrevista
concedida a este Tcc, Marco Paulo Rolla fala sobre sua preparação: “eu não atuo
simplesmente, eu medito, transmito energia, crio uma presença” (vide anexo).
Para chegar a essa presença fortemente afirmada de que fala Féral e como
diz Cohen (1998) , adentrar esse campo mítico, o performer usa uma forma de
preparação que, muitas vezes, vai cruzar o espaço da arte e da vida. O performer
vai ao encontro do que muitos autores chamam de estado zen, como veremos nos
exemplos a seguir.
Sobre Eletroperformance (espetáculo de Guto Lacaz), Cohen diz que “... não
existe esse trabalho de preparação do performer. Isto é intencional, não existe a
preocupação com a interpretação. O artista esta livre (das técnicas teatrais) e anda e
fala no espaço cênico como quiser” (COHEN, 1998, p. 86). A preparação do
performer depende do artista, da criação em questão e de sua prática, isso porque a
performance é uma arte interdisciplinar, abrangendo artistas oriundos de várias
linguagens artísticas.
Cohen, em Work in Progress na cena contemporânea, descreve a
preparação dos “atores-performes”, para suas performances, como “formulado a
partir da empiria (laboratórios, vivências, workshops, montagens de peças) e de
cruzamento de conceitos diversos (sistema gurdjeffiano, modelos budistas, Gestalt),
essa conceituação advém de percepção, sensação, ideação.” (1998, p.67).
Pretende-se, com ela, adentrar o “campo mítico”, descrito como “um tempo-espaço
que se insere no tempo cotidiano (experiência do ordinário, das relações objetivas)”
(p. 67, 1998). A partir de laboratórios com atores, Cohen (1998) observou algumas
práticas que facilitam a instauração desse campo mítico como: inteireza,
adensamento, exacerbação, ampliação da presença – colocação do potencial
psicofísico inteiramente alinhado com o trabalho presente .
Como exemplo dessa preparação variada e diferenciada da de um ator do
teatro tradicional, por exemplo, cito os “Trabalhos em Campo Pessoal” (presentes
em Work in Progress na cena contemporânea) que consistem em exercícios tais
como: amplificar a atenção e registrar os acontecimentos cronologicamente para, no
dia seguinte, a partir da lembrança, representar, através da escrita, esses
acontecimentos; representar, através de desenho, imagens internas e seu campo
dinâmico de forças.
Eleonora Fabião (2008), no artigo “Performance e teatro: poéticas e políticas
da cena contemporânea” coloca que essa preparação trata-se de “experiências que
possibilitam um confronto cru com a fisicalidade, com a metafisicalidade; confronto
este que, penso, tonifica o atuante para além de gêneros ou técnicas específicas”
(Fabião, 2008, p. 241). A autora cita as propostas de Marina Abromovic, em seus
workshops: “durante um período de uma hora, escreva seu nome apenas uma vez
num papel branco sem levantar a caneta” ou “andar para longe de casa; parar;
vendar-se; encontrar o caminho de volta” ou “da manhã até à noite, movendo-se o
mais lentamente possível, fazer as ações cotidianas” (Fabião, 2008, p.241).

Figura 6: Marina Abramovic – foto do site tecituras.wordpress.com


Estas práticas são de aproximação da vida e da arte, elas percorrem esse
espaço, servindo, o corpo do artista, de instrumento de ligação entre estas duas
esferas. Essa preparação adentra, em muitos casos, o nível do cotidiano, o pessoal
do artista, interfere neste nível e é um processo contínuo em que não há separação
entre preparação, ensaio e apresentação da performance. Uma preparação
diferente, pois, a atuação na performance não é sustentada pelas convenções
teatrais, o espaço/tempo brincam com o ficcional e o real, diferente do teatro de
ilusão onde o ator é sustentado pela convenção e pela história.
Para Alexandra Dias (vide anexo):

No entanto, partindo da idéia de que o treinamento se trata de um processo


para a escuta aguda e íntima de si mesmo – uma definição muito própria
de arte de performance - , ele transborda para ir além de uma obra
específica, para fora da sala e do tempo do ensaio. O treinamento não está
em função do espetáculo, ele percorre a vida, vibra quando dialogo com
meu processo e quando aguço a escuta. Quando não estou na obra,
também estou treinando. Assim, uma consciência aguda de si é o que
move o treinamento. Esta consciência se relaciona com o estudo do corpo
que busca, através da experimentação com o movimento, novas
possibilidades, explora riscos, limites, coloridos. O mergulho acontece
quando percebemos que a criação se dá o tempo todo. Essa imersão no
processo de si se relaciona com a opção por uma técnica, uma visão de
corpo que encontra seu espaço na profunda relação do performer com seu
movimento. Um espaço íntimo de descoberta dentro de si mesmo vem de
um mergulho profundo do performer no seu corpo e no que o envolve. É
através dessas descobertas que podemos encontrar um lugar muito próprio
e é a partir disso que nos posicionamos, nos relacionamos com o mundo,
politicamente, e com outros artistas.

Ou seja, essa preparação, como podemos verificar, através de vários


exemplos, não visa apenas a conquista de um corpo e mente disponíveis e flexíveis
para interpretar da maneira mais convincente determinado papel. Ela também
envolve um modo de vida que busca encontrar a si mesma, sendo a linguagem da
performance e da arte o canal para trocas e manifestações de seus
questionamentos, encantamentos, sentimentos e ideias.

Grotowski clarifica: “ o performer, com maiúscula, é o homem de ação. Não


é o homem que faz o papel do outro. É o dançante, o sacerdote, o
guerreiro: está fora dos gêneros estéticos (...) O performer não deve
desenvolver um organismo-massa, organismo de músculos, atlético, mas
um organismo canal através do qual as forças circulam (FÉRAL, 2009, p
241).
O caráter de não representação, de encontro público-performer vivenciando
intensamente o espaço/tempo do aqui-agora, a presença fortemente afirmada como
condutora do acontecimento, criam, também, o caráter de ritual da performance.
CONCLUSÃO

A performance me possibilitou a invenção de um modo de fazer, pois é um


espaço de experimentação, valorizando a experiência como fator formativo e criador.
Com relação a compreensão da formação do performer, concluo que os exemplos
são mais individuais. Por se tratar de formações diferentes não há uma “linha” ou
“método” geral a seguir.
Esta pesquisa é apenas uma introdução ao estudo da performance e em
particular da performance art.
Este estudo teórico e prático da performance me possibilitou uma atualização
nas artes enquanto artista e professora. A partir dessa experiência, o meu desafio é
levar essa contribuição para a rede pública de ensino, onde atuo como professora.
Por isso a importância da compreensão dos aspectos da performance e da formação
do performer na arte contemporânea.
A partir da coleta de dados (entrevistas, teoria e minha experiência) e da
análise deste material, concluo que a preparação para a performance não está
somente em função do espetáculo, ela percorre a vida do artista, servindo como
experiência para utilização na própria vida.
O performer busca através de sua preparação uma ampliação de sua
presença assim como fazer de seu corpo um canal de ligação entre vida e arte. Essa
preparação acontece em todos os momentos da sua vida, é um contínuo, muitas
vezes não há separação clara entre o que é a vida e o que é arte. Uma influencia a
outra, a busca artística é uma busca pessoal, como pude verificar com os
entrevistados. O artista da performance quer entrar em comunhão com o outro
através de um rito, aproximando-se, podemos dizer, das origens do teatro.
Após esse estudo acredito que a experiência prática na formação do
professor de Arte e na formação de estudantes é fundamental. Por isso a
necessidade de realizar uma pesquisa não apenas teórica mas, também, prática.
Essa pesquisa me abriu um caminho para uma prática, enquanto professora
de Arte, que ambiciona proporcionar aos estudantes do ensino público estadual um
conhecimento prático e teórico da arte de nosso tempo.
Figura 7: Joseph Beuys – How to Explain Pictures to a Dead Hare
REFERÊNCIAS

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WEBER, Suzane. The Sunday Project: por uma prática reflexiva e colaborativa.
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ANEXOS
Entrevista com Elcio Rossini

1. Como tu iniciaste nas artes?


Começou na adolescência. Eu gostava de desenhar e durante o segundo
grau, em que morei em Caxias do Sul, eu comecei a frequentar um atelier
e ganhei um prêmio com uma escultura que eu fiz. A partir daí o contato
se intensificou e eu soube que essa seria a aminha profissão.

2. Eu te conheci como diretor de teatro e sei que já trabalhaste como ator.


Sim. O que aconteceu foi o seguinte: eu trabalhava com desenho e, em
algum momento eu conheci o pessoal do Balaio de Gatos e, em especial, a
Neca Mena Barreto. Ela me convidou para ir aos ensaios e eu comecei a
fazer coisas com eles. No início eu pintava, fazia um desenho durante o
espetáculo. Outro fato importante é que eu fiz uma Licenciatura em
Educação Artística e nessa licenciatura incluía algumas disciplinas do
teatro e isso foi importante porque eu era muito tímido, mas no teatro,
naqueles exercícios eu encontrei um meio interessante, divertia , abria
uma porta naquele momento. Então essas duas coisas foram decisivas e
aconteceram paralelas: a participação no balaio de gatos e essa s
disciplinas do DAD.

3. Esta desenvolvendo algum trabalho atualmente?


Quando eu estava no DAD, no meu último contrato, eu fiz um laboratório
com as alunas, que deu origem a uma performance que chama Figuras e
Fantasmas. A partir dessa performance eu escrevi basicamente toda a
minha tese. Tudo o que eu fiz em decorrência disso, eu aplico os mesmos
princípios, pensando qual seria a atualidade desse procedimento
contemporâneo. A partir do meu trabalho, a idéia é tentar entender o que
tá em jogo nesse procedimento, quais são os elementos que estruturam
esse procedimento, a idéia do tempo, de atuação, não atuação, as
quantidades de atuações empregadas, a idéia repetição e combinando
esses elementos estruturais, acho que agente poderia, então, pensar
em tarefa num campo ampliado.

4. Como é, para ti, essa relação da atuação e não atuação no corpo que
vive nessa zona de indefinição?
Tem uma citação interessante: o corpo do artista, já de imediato,
representa alguma coisa na performance. Em primeiro lugar porque ele é
o artista fazendo algo. Eu acho que tem duas noções que nós
poderíamos trazer que é: o teatro pensa muito num corpo preparado ,
numa determinada tonicidade, numa determinada qualidade de ações. A
performance, especificamente do campo das artes visuais, não pressupõe
o mesmo tipo de qualidade. Poderíamos pensar que qualidade é essa. Às
vezes, esse corpo que é interessante de ser visto não está numa
preparação física, está numa integridade de eu estar fazendo algo na
frente de alguém, o quanto estou engajado nessa ação. Isso não é uma
conversa que tenha fim, uma resposta única. Muitos pesquisadores e
artistas se debruçam sobre esse problema sem encontrar uma solução
exata. O que faz com que eu me torne interessante para o outro ver, que
minha ação se torne interessante? Em relação ao atuar e não atuar, tem
um autor que fez uma análise muito simples, mas eficiente de um
determinado ponto de vista. Ele propôs uma escala entre o atuar e o não
atuar e pensou que o que está em jogo nisso. Ele começou a perceber que
tem coisas que são lidas como atuação e, às vezes, a pessoa nem está
atuando. Tem quantidades de atuações que são colocadas no ator sem
que ele necessariamente atue. Um dos exemplos que ele cita : na época
do natal uma pessoa que trabalha como Papai Noel está tomando um
lanche numa lancheria. Tu vê o cara vestido de Papai Noel na lancheria,
tu sabe que ele não é o Papai Noel, ele tá ali no intervalo do trabalho.
Numa outra situação agente vê essa mesma pessoa atuando como Papai
Noel em um cenário decorado. Então, através desses elementos que
rodeiam o ator que é a roupa, a circunstância, tu podes ir acrescentando
níveis à idéia de atuação sendo que, o não atuar, a gente pode questionar
se isso existe ou não. Não existe, porque de alguma maneira tu tá
sempre colocando alguma coisa. Às vezes, é muito mais interessante
essa atuação que não está no palco, que é muito mais coloquial, alguma
coisa tu chama naquele momento que torna interessante para o
outro.Essa questão começou a ser muito tratada, as pessoas têm falado
muito nisso. Uma coisa interessante nesse caso é que o ator não é mais
aquele cara que interpreta um papel, que vive um tempo diferente desse
aqui. A ideia de performer rompeu com isso, o ator pode ser
parcialmente ele, evocando para seu corpo determinadas qualidades sem
viver o papel que seja de um outro . A ideia de tempo também tá
colocada nisso, não é uma representação, a ideia de performance
ampliou o campo porque mesmo as performances dos artistas
contemporâneos existe representação , as vezes, estão representando no
sentido clássico da palavra. É tão difícil hoje agente criar um limite.
5. E como a idéia de tarefa, que tu refere em tua dissertação, se relaciona
com a performance?
A tarefa, descolada da referência artística, também é uma coisa do
cotidiano. Se agente considera aquele texto da Roselee Goldberg, a
performance teve origem no futurismo e depois foi retomada nos anos 60,
onde se estabeleceu mesmo como agente conhece hoje. Ali essa mistura
entre arte e a vida, essa coisa da individualidade, do próprio artista estar
se colocando em ações muito banais, fazendo tarefas cotidianas esta
colocada. Na própria palavra tarefa cabem varias coisas, como na
performance também. Ao mesmo tempo que é um gênero, ela também
diz outras coisas, esta em todos os cantos. São palavras que começaram a
adquirir um tamanho que não tem fim. A performance não é só isso de
apresentação, além de ser desempenho ela esta sendo empregada em
outras áreas do conhecimento, em outros campos.
6. Como tu começou a trabalhar com performance?
Eu comecei nesse laboratório, que fiz no DAD. Nos meus últimos
trabalhos eu sempre tive um fascínio pelo objeto, por causa da minha
formação, claro. Em vários trabalhos eu ia levando para os atores
objetos. A tendência do ator é sempre a representação . Eu comecei a
desenvolver um objeto que é um inflável e quando eu levava para os
atores eu tinha uma dificuldade de usar o que eles fazim por causa dessa
tendência. Eu quis, logo no início, trazer uma ideia de dança , de
coreografia, de agrupá-los , bem uma ideia de coreografia mesmo. Eu
fugi dela por um certo receio de entrar num campo que eu desconhecia
que é a dança. Hoje estou bem a fim de experimentar isso. Daí que eu
comecei, com aqueles objetos. E vi que era um campo interessante.
Também porque teatro é uma coisa difícil de fazer . Eu tenho,
periodicamente, interesses muito diferentes. Ao longo de minha trajetória
como artista, eu fiz muitas coisas diferentes, mudando de rumo, trocando
totalmente. Agora eu acho que estou mais estabelecido, as coisas
conversam e estão mais entremeadas e por isso a performance é um
caminho interessante e porque eu resolvo sozinho.

7. Tu te consideras um performer?
Eu gostaria de me considerar um artista. Como um artista
contemporâneo, nos momentos oportunos, eu uso os determinados
gêneros. Por isso não me considero um performer ou ator. Eu não queria
voltar a atuar, mas ali com o trabalho, com as alunas, me deu vontade
de voltar a fazer. Também porque a Romanita, minha orientadora, ficou
questionando o porque eu não fazia também. E com os objetos eu sempre
precisei experimentá-los, dominar o movimento, saber sobre ele, até para
construí-los, então eu já tinha essa prática e acho que foi uma coisa
natural. E hoje eu tenho feito. Sobre esta experiência tem sido muito
bom falar, eu tenho gostado, nesse caso onde a duração é importante e
tem alguns conceitos que estou explorando. Depois dessa, apresentei
outros tipos em que a estrutura é a mesma: são durações longas. O que
elas tem de peculiar é serem situações inusitadas e num segundo
momento isso vai se esvaziando essa coisa que parecia muito estranha vai
se esvaziando e tornando banal por ser repetida. Criar uma relação com o
lugar, pensar a ideia de instalação, de coisa que muda, por exemplo, a
forma, mas mantendo essas estruturas que te falei, o tempo, a ideia de
repetição.

8. Esses são os elementos da performance?


Eu considero que são os elementos que estruturam as tarefas, devem ter
outros, mas os mais essenciais para mim são esses. A partir de
quantidades e combinações eu poderia ter um procedimento aberto e
contemporâneo, eles estão interligados. Tempo no sentido de duração,
mas duração com o objetivo de criar naquele que vê uma experiência
diversa da idéia de uma duração fechada que tem o tempo determinado. E
essas performances não tem um tempo determinado elas podem acabar
em uma ou duas horas, depende muito da nossa disponibilidade e do
público também. A idéia é que sempre se esvazie de que o público possa
ir embora sem que aquilo tenha terminado, que ele vá enjoando. Outra
idéia presente é o que é espetacular? Tem várias possibilidades de pensar
o que é espetacular. Acrescento a essa discussão a idéia de novidade, o
espetacular é o que prende a atenção do espectador. Quando a novidade
se esgota começa a cair o nível de espetacularidade e como consequência
o nível de interesse do público.
Entrevista com Alexandra Dias

1.Como você iniciou nas artes?

Comecei fazendo ballet clássico quando tinha 7-8 anos.

2.Qual é a sua formação artística?

Sou artista da performance, bailarina e professora. Realizei graduação e


Mestrado em Artes Cênicas na UFRGS e sou professora do Curso de
Dança-Licenciatura da UFPel. Desenvolvo trabalhos por meio de
performances solo e também com o grupo PROJETO MAX, juntamente
com André Mubarack e Michel Capeletti. Fui estudante e posteriormente
professora na International Peoples’s College na Dinamarca. Estudei com
Irion Nolasco, Tatiana da Rosa, Ricardo Leon, Anita Saij, Thomas
Leabhart, Inês Marocco, Maria Lúcia Raymundo, Nicole Kehrberger e
Andrew Tsubaki. Interesso-me pelo estudo do corpo, performance,
questões de interdisciplinaridade e processos de criação.

3.Está atuando ou preparando algum trabalho nesse momento?

Continuo em processo com meu trabalho solo, iniciado no Mestrado em


Artes Cênicas na UFRGS em 2007. Primeiramente tinha o se intitulava
“Sem Título”, após se tornou “Lágrimas para Medos” e agora se chama “Às
sombras das mulheres velhas”. O processo é contínuo, eu posso retornar a
outros projetos como "Quarto Escuro" (projeto colaborativo), ou partir
para desejos novos...
4.Qual é a sua preparação para atuar?

Cada obra pode solicitar uma metodologia própria que será desenhada a
medida de seu processo; assim, posso adotar procedimentos variados de
acordo com o movimento da própria criação. No entanto, partindo da idéia
de que o treinamento se trata de um processo para a escuta aguda e
íntima de si mesmo – uma definição muito própria de arte de performance
- , ele transborda para ir além de uma obra específica, para fora da sala e
do tempo do ensaio. O treinamento não está em função do espetáculo, ele
percorre a vida, vibra quando dialogo com meu processo e quando aguço
a escuta. Quando não estou na obra, também estou treinando. Assim,
uma consciência aguda de si é o que move o treinamento. Esta
consciência se relaciona com o estudo do corpo que busca, através da
experimentação com o movimento, novas possibilidades, explora riscos,
limites, coloridos. O mergulho acontece quando percebemos que a criação
se dá o tempo todo. Essa imersão no processo de si se relaciona com a
opção por uma técnica, uma visão de corpo que encontra seu espaço na
profunda relação do performer com seu movimento. Um espaço íntimo de
descoberta dentro de si mesmo vem de um mergulho profundo do
performer no seu corpo e no que o envolve. É através dessas descobertas
que podemos encontrar um lugar muito próprio e é a partir disso que nos
posicionamos, nos relacionamos com o mundo, politicamente, e com
outros artistas.

5.Essa preparação é diferente conforme a expressão artística desenvolvida


a cada trabalho?

Não. A preparação pode mudar em função de um processo de vida, de


uma visão de arte que está sempre em processo, das especificidades de
um trabalho, mas não por causa da “expressão artística” a que pode
pertencer. Devemos, inclusive, refletir sobre os limites de uma dada
“expressão artística” e perceber o que realmente move um trabalho, se é
uma determinada definição, campo, gênero de arte ou se são os desejos
do artista/grupo/coletivo implicado no processo.

6.Em sua opinião existe alguma diferença no significado do corpo no


teatro/dança e na performance? Quais características o corpo apresenta
em cada uma dessas linguagens?

Sim, creio que existam diferenças, assim como existem múltiplas visões
de corpo. Porém penso que o que define essas diferenças não está no
limite - muitas vezes poroso - que distingue uma arte da outra. Desta
forma, no momento, me autorizo a falar a partir do meu entendimento -
que parte de uma prática específica - do que está implicado no meu modo
de ver/pensar corpo:

Meu corpo sou eu (corpo=self). Gosto de me perceber apenas corpo, pois


quer dizer que me reconheço, no sentido de que estou possibilitando uma
escuta que se dá no momento presente, que estou atenta à experiência
do corpo e daquilo que o/me envolve. Assim, esta percepção não indica
uma individualização, um fechamento em si; pelo contrário, aponta um
corpo conectado que não está alheio a nada, que se percebe mutável e
que por esta condição está desejoso por negociações. Assim, não é um
momento de clausura, mas de abertura, de convite a agenciamentos. Em
eterna construção, o corpo “self” não se encerra, está sempre em
processo. A escuta de si se dá nesta instabilidade em que não existe um
ponto de partida ou chegada fixo, pois o corpo é processo. É assim que se
constitui este processo de si mesmo, nesta percepção de que o espaço
íntimo só acontece porque está sempre em relação. Acho muito precisa a
definição de Jean Marie Pradier :

“o corpo dançante é um corpo pensante, que a vida deve ser entendida


nas dimensões complementares, carnais e espirituais e que o espaço da
consciência não está fora do corpo”.

7. Você se considera uma performer?

Sim.

8. Com a performance entrou em sua vida?

Por volta de 1999-2000, ao folhear uma edição da The Drama Review na


biblioteca do Instituto de Artes da UFRGS, me deparei com o texto de Deb
Margolin, “A perfect theatre for one” no periódico The Drama Review
(publicação de 1997).

Posso dizer que, se “Assassino” (espetáculo solo dirigido por Irion Nolasco
em 1999) despertou a minha vocação e desejo autoral, o texto de
Margolin legitimou e impulsionou para todas as direções esta vontade. Eu
vibrei com cada palavra da autora e queria mais. Foi assim que eu entrei
na arte de performance, através das palavras da artista. A performance se
insurgiu diante de uma emergência pessoal como uma possibilidade
fantástica.Desta forma, a minha noção de autoria e de performance – pois
são noções interdepentendes – estão diretamente relacionadas as
concepções que Margolin apresenta naquele primeiro texto que li e em
outros que fui encontrando ao longo do meu caminho como Guillermo
Gómez-Peña, La Ribot, Rachel Rosenthal, Deborah Hay.
Entrevista com Marcos Paulo Rolla

1. Como você iniciou nas artes?

Este processo foi muito natural em minha pessoa, desde criança mesmo
me apresentava sempre na escola, estudava piano desde os 5 anos,
gostava de dançar desenhar, representar, música...etc. Fiz música e piano
até os 22 anos, mas aos 18 entrei para escola de Belas Artes. Também
junto estava sempre envolvido com teatro e dança.

2. Qual é a sua formação artística?

Mestre em Artes pela Escola de Belas Artes da UFMG.

3. Está atuando ou preparando algum trabalho nesse momento?

Sempre estou criando...sem parar, tem um monte de projetos


irrealizados esperando, é ininterrupto.

4. Qual é a sua preparação para atuar?

Eu não atuo simplesmente, eu medito, transmito energia, crio um


presença. Faço muitascoisas, Yoga, Gyrotonic e Pilates, atualmente.

5. Essa preparação é diferente conforme a linguagem artística


desenvolvida a cada trabalho?

Não, esta preparação é para o corpo como um todo, para a força da


presença e do músculo.
6. Em sua opinião existe alguma diferença no significado do corpo no
teatro/dança e na performance? Quais características o corpo apresenta
em cada uma dessas linguagens?

São diferentes. Acho que hoje estas diferenças estão se misturando


mais. A performance usa a dança e o teatro como linhas paralelas a
proposta de um corpo menos representado e mais energia da presença
imagética. O teatro é mais narrativo, a dança mais formal e a
performance, tudo junto mais o que mencionei acima.

7. Você se considera um performer?

Sim, mas como um todo sou artista, pois trabalho com muitos
outros materiais.

8. Como a performance entrou em sua vida?

Mais pela música.

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