3° Direito Civil Prova
3° Direito Civil Prova
3° Direito Civil Prova
Faculdade de Direito
Disciplina: Direito Civil II
Professora: Renata Guimarães Pompeu
3º ESTUDO DE CASO
TURMA A
Belo Horizonte - MG
Dezembro de 2022.
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1ª QUESTÃO
O cliente da dupla trouxe caso para a elaboração de parecer. O processo já estava em curso e
ele gostaria de uma análise sobre a possibilidade de ser caracterizada a evicção e daí
decorrerem direitos indenizatórios a ele pertencentes. Veja trecho extraído do processo já em
curso “Do teor da petição inicial e dos documentos juntados aos autos, o autor celebrou
contrato de compra e venda para aquisição de dois lotes urbanos para fins comerciais,
conforme escritura pública juntada as fls. e registrada na matrícula dos imóveis, pelo preço
ajustado à época de R$ 565.000,00. Alegou que, no ano de 2007, após tratativas com um
banco, acertou a locação dos referidos lotes nos quais seriam instaladas agências bancárias.
Todavia, ao requerer certidões atualizadas das matrículas dos imóveis para formalização dos
contratos de locação, foi surpreendido com a averbação de notificação expedida pelo juízo da
3ª Vara da Fazenda Estadual noticiando a declaração de ineficácia das alienações dos
imóveis, bem como determinando a penhora dos referidos bens em razão de execução fiscal.”
O cliente da dupla pagou a execução fiscal para ficar com os bens, mas quer agora, na ação
em análise, cobrar o referido valor do vendedor. O vendedor afirma que não há sentença
judicial que demonstre a perda do direito pelo cliente e que no máximo deveria o valor pago,
a época, pelos bens, pois o contrato de compra e venda continha cláusula de exclusão dos
efeitos da evicção válida entre as partes e a ciência sobre a penhora ocorreu depois da compra
e venda e, que mesmo que a dívida exista para que ocorra a evicção é necessária decisão
transitada em julgada reconhecendo a perda do direito sobre a coisa. A dupla deve analisar o
caso se atentando aos pontos
(i) se há evicção, se existe, quais são os requisitos no presente caso;
(ii) é necessário a sentença judicial? O que diz o STJ sobre esse aspecto;
(iii) quais são os direitos do cliente frente a cláusula de exclusão? Fundamente todas as
respostas nos artigos, princípios e acórdãos aplicáveis.
i)
Diante da exposição dos fatos, primeiramente faz se necessário fixar o significado da
palavra evicção para o direito civil, o termo é empregado para caracterizar o desapossamento
judicial ou recuperação de algo. De forma mais clara podemos definir evicção como sendo a
perda de um bem, por ordem judicial ou administrativa, em razão de um motivo jurídico
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anterior à sua aquisição. Ou seja, a perda de um bem pelo evicto, em consequência de
reivindicação feita pelo verdadeiro dono (evictor), caracteriza evicção.
No presente caso temos que o evicto realizou contrato de compra e venda, para
aquisição de dois lotes urbanos, conforme escritura pública e registro de matrícula dos
imóveis, seguindo todos os requisitos necessários para a celebração do contrato e seus efeitos,
contudo, no ano de 2007, após tratativas com um banco, ao requerer certidões atualizadas das
matrículas dos imóveis para formalização dos contratos de locação, foi surpreendido com a
declaração de ineficácia das alienações dos imóveis e com a penhora dos referidos bens em
razão de execução fiscal.
Dessa forma, temos caracterizada a situação em que o alienante, não se mostrou
verdadeiro dono do bem, uma vez que posteriormente a alienação dos imóveis em questão
descobriu-se ineficaz tal contrato, em virtude de execução fiscal; situação na qual cabe
caracterizar evicção.
“Como explicou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso
Sanseverino, no Recurso Especial 1.342.3451, a evicção, segundo os artigos 447 e
seguintes do Código Civil, consiste na perda total ou parcial da propriedade de bem
adquirido em virtude de contrato oneroso, por força de decisão judicial ou ato
administrativo praticado por autoridade com poderes para a apreensão da coisa”.
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(STJ - REsp: XXXXX RS XXXXX/XXXXX-7, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de
Publicação: DJ 22/10/2012)
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turma do STJ, no recurso especial 1.332.1122, para que o evicto possa exercer os direitos
resultantes da evicção, na hipótese em que a perda da coisa tenha sido determinada
judicialmente, não é necessário o trânsito em julgado da decisão. Segundo o relator, ministro
Luis Felipe Salomão:
“[...] há situações em que os efeitos da privação do bem se consumam a despeito da
existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, desde que haja a efetiva
ou iminente perda da posse ou da propriedade (total ou parcial), e não uma mera
cogitação da perda ou limitação desse direito”.
iii)
Quanto aos direitos do cliente frente a cláusula de exclusão temos que é possível que,
segundo o princípio da autonomia das partes, os autores do contrato tenham liberdade para
acrescentar cláusula expressa que expresse, reforce, diminua ou exclua a responsabilidade
pela evicção, (nos termos do Art. 448 CC). Contudo, mesmo em face deste tipo de cláusula,
que exclui qualquer garantia em relação a evicção, se esta vir a ocorrer, o evicto ainda tem
preservado o direito de receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da
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(STJ - AREsp: XXXXX SP XXXXX/XXXXX-6, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ
21/08/2018)
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evicção, ou, se dele informado, não o assumiu, de acordo com o Art. 449 CC "Não obstante a
cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o
preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não
o assumiu" (BRASIL, 2002).
Em virtude disso, tendo em vista o fato de que a parte autora “foi surpreendida com a
averbação de notificação expedida pelo juízo da 3ª Vara da Fazenda Estadual noticiando a
declaração de ineficácia das alienações dos imóveis, bem como determinando a penhora dos
referidos bens em razão de execução fiscal[...]”, temos que a mesma se enquadra na situação
prevista pela lei e por isso, mesmo com a cláusula de exclusão dos efeitos da evicção, ainda
tem o direito de receber de volta o preço que pagou pela coisa evicta.
Ademais, salvo disposições em contrário o evicto ainda tem direito, além da
restituição integral do preço ou das quantias que pagou: de receber indenização pelos frutos
que tiver sido obrigado a restituir; pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que
diretamente resultarem da evicção; e pelas custas judiciais e aos honorários do advogado por
ele constituído.
Em se tratando, tanto da evicção total, quanto da parcial, deverá ser considerado, para
fins de cálculos indenizatórios e ressarcitórios, o valor da coisa, na época em que se evenceu,
sendo este proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial. Por fim, cabe ainda
acrescentar que se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a
rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se
não for considerável, caberá somente direito a indenização. Segundo o Art. 450, do CC -
“Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou
das quantias que pagou”.
2ª QUESTÃO
O cliente que procurou a dupla informou que comprou um imóvel e pagou como arras
sinalizatórias o valor de R$ 356.000,00, porém descobriu, posteriormente, que a compra
encontrava-se viciada, já que o vendedor teria lhe ocultado um defeito no imóvel. Narrou a
dupla que o corretor que intermediou o imóvel aproveitou que ele não era especialista e
pouco entendia do assunto e o enganou afirmando que após a demarcação o lote teria 70% de
área plana e 30% de área acidentada. Entretanto, o cliente descobriu que a informação do
corretor estava completamente equivocada, pois na verdade, tratava-se justamente do
contrário, ou seja, a área plana era de apenas 30%, sendo o restante um verdadeiro abismo,
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sem qualquer possibilidade de construção. O cliente afirma ter tentado fazer um acordo
amigável para rescindir o contrato de compra e venda mas não obteve sucesso. Apresentou a
seguinte indagações a dupla:a (i) pode alegar autonomia contratual para resilir o contrato
sem aplicação de multa?; (ii) pode alegar vício redibitório no presente caso? (iii) ou se trata
de erro substancial? (iv) qual a diferença entre o erro substancial e o dolo principal
invalidante? (v) é possível desfazer esse contrato por alguma dessas teses e qual seria a
consequência prática?
(i) pode alegar autonomia contratual para resilir o contrato sem aplicação de multa?
A resilição contratual não ocorre por um descumprimento, mas sim por vontade das
partes a extinção do contrato, na qual pode ser bilateral ou unilateral. No caso concreto, já
que não há acordo entre as partes, é possível a aplicação da resilição unilateral enunciada pelo
Artigo 473 do Código Civil.
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o
permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito
investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito
depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
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RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. SERVIÇO DE ASSESSORIA
TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA.
COMISSÃO DE CORRETAGEM. TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO
AO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE PRÉVIA INFORMAÇÃO.
HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A
JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Ação de rescisão contratual cumulada com
devolução de quantias pagas em razão de desistência do comprador de
unidade imobiliária. 2. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC/15,
rejeitam-se os embargos de declaração. 3. O reexame de fatos e provas em
recurso especial é inadmissível. 4. Apesar de não ter liame jurídico com o
consumidor, a corretora pertence, sim, à cadeia de fornecimento do
produto, visto se tratar de fenômeno eminentemente econômico, sendo
solidária a responsabilidade de todos os fornecedores que se beneficiem
da cadeia de fornecimento . Precedentes.3
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ética e honestidade, não se satisfazendo com a mera intenção, mas sim com a
correta e proba conduta de agir. Como consequência da rescisão do contrato,
devem as partes retornar ao estado anterior à celebração do negócio, com a
reintegração do vendedor na posse do bem. (TJ-MG - AC: 10000205882012001
MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 11/02/2021, Câmaras Cíveis / 14ª
CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/02/2021)
Nesse sentido, Nelson Nery Júnior expressa que quando o contratante deixa de
cumprir alguns deveres anexos, por exemplo, esse comportamento ofende a boa-fé objetiva e,
por isso, caracteriza inadimplemento do contrato4 , já que a informação sobre bem alienável
não foi dada de maneira correta. Desse modo, em razão da rescisão motivada por culpa do
corretor, não seria exigível a multa pelo encerramento antecipado mesmo se estabelecido no
contrato, pois seria abusiva, já que houve justo motivo. Além disso, por se estabelecer uma
relação de consumo entre corretor e cliente, é entendido além da inexigibilidade da multa, o
ressarcimento dos valores nesse sentido algumas decisões colegiadas também corroboram
para esse posicionamento.
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Contratos no Código Civil, cit., p. 435.
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qual deverá ser ressarcido do valor pago com as devidas correções - A
aplicação de multa por rescisão antecipada da avença somente em desfavor
do consumidor fere o princípio da boa fé objetiva e da equidade, pois
confere ao fornecedor posição contratual superior à experimentada pelo
consumidor - É abusiva a imposição de penalidade exclusiva ao
consumidor. Dessa forma, prevendo o contrato a incidência de multa para o
caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma
penalidade deverá incidir, em reprimenda do fornecedor inadimplente, que,
por falha na prestação do serviço deu causa à rescisão contratual.5
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O vício redibitório é um defeito oculto em coisa recebida em que se fosse percebida
antes o negócio não teria sido realizado, no qual é regulado pelo CC no art 441, e pode gerar
anulação contratual ou abatimento de preço. Para sua aplicação é necessário verificar alguns
requisitos:
a)Que a coisa tenha sido recebida em virtude de contrato comutativo, ou de doação onerosa,
ou remuneratória
b) Que os defeitos sejam ocultos
c) Os defeitos existam no momento da celebração do contrato e que continue até o momento
da reclamação
d) Defeitos sejam desconhecidos do adquirente e;
e ) Que sejam graves.
Porém, essa venda ocorreu por uma informação equivocada do corretor, dessa
maneira, o defeito do negócio será pelo dolo, já que fora provocado intencionalmente, ao
contrário do erro no qual ocorre de maneira espontânea, no sentido de que a vítima se engana
sozinha. Logo, o vício redibitório não é adequado ao caso concreto
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Da compra e venda no direito comercial brasileiro, n. 128, p. 447
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(iii) ou se trata de erro substancial? (iv) qual a diferença entre o erro substancial e o dolo
principal invalidante?
O dolo é dividido em dois tipos: dolo principal e dolo acidental. O dolo principal está
presente no Código Civil: “Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando
este for a sua causa”, assim, somente este tipo pode viciar o negócio jurídico. Para a sua
configuração é necessário que haja a intenção de induzir o declarante a praticar o negócio
lesivo à vítima; o uso de artifícios maliciosos sejam graves, se aproveitando, por indicar fatos
falsos, por suprimir ou alterar os verdadeiros e principalmente seja a causa determinante da
declaração de vontade.
(v) é possível desfazer esse contrato por alguma dessas teses e qual seria a consequência
prática?
O Código Civil prevê que poderá ser anulado o ato jurídico que tenha sido realizado
com base em erro, dolo ou coação.
Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
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Direito civil, cit., p. 484.
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I – por incapacidade relativa do agente;
II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores.
Assim o erro substancial e dolo principal são defeitos do negócio jurídico que podem
gerar sua anulação. Como clarificado por Francisco Amaral8(2018, p. 634 e p. 635), a ação
de anulação tem por objetivo desfazer o negócio jurídico marcado por vício de vontade, além
disso, produz efeitos até o momento em que é decretada a sua invalidade. O efeito dessa
decretação é, pois, ex nunc, e caso decretada as partes retornam ao estado que se encontravam
antes da celebração do negócio.
No caso concreto, a configuração do dolo principal para anulação do negócio jurídico
seria a mais apta, caso comprovada as alegações do vendedor quanto a má intenção do
corretor. Portanto, já que tem efeito ex nunc e em consonância com o Código Civil, as arras
seriam restituídas, com a reposição do status quo ante.
Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele
se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
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AMARAL, Francisco. Direito Civil - Introdução, 10ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
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